Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
33
S umário
05
10
SUMARIO
TRANSFORMAÇÃO DA ÁGUA EM VINHO 10
JESUS ESCAPA DE SEUS INIMIGOS EM NAZARÉ 11
CURA DE UM POSSESSO EM CAFARNAUM 11
VIA SACRA PINTADA PELA ARTISTA PLÁSTICA RITA BIAGIO. AGRADECIMENTOS AO COLÉGIO DIVINO SALVADOR DE ITU.
hoje em dia, milagre é alguma coisa sobrenatural, fantástica. Para um comuns àquela época porque muitas doenças para as quais não
judeu contemporâneo a Jesus, gestos muito simples poderiam ser se tinha explicação, como a epilepsia, eram atribuídas à presença
considerados milagrosos. Mas, hoje em dia, um sujeito portador do de espíritos malignos.
HIV ter o vírus extirpado é que é um milagre. Portanto, torna-se muito Outra característica milagrosa de Jesus é a cura de doenças.
difícil que algo nos maravilhe hoje. O que impressionava minha avó, Ele teria sarado leprosos, feito paralíticos andarem, cegos enxerga-
por exemplo, não me impressiona mais porque já pode ser explicado rem, hemorragias estancarem. O caso mais famoso de “cura” é o
pela ciência “, esclarece. Aliás, o termo milagre, explica Altmeyer, de Lázaro, ressuscitado por Jesus quando seu corpo já estava em
vem do latim mirari, que quer dizer algo como “espantar-se”. decomposição. Mas Ele fez muito mais que tornar sãos os doentes
O teólogo também chama a atenção para o fato de os e espantar demônios. Jesus teria caminhado sobre o mar e ordenado
Evangelhos terem sido escritos de forma comunitária, e não como à tempestade que se acalmasse para que o barco pudesse navegar
livros redigidos por uma só pessoa. Assim, cada cultura responsável em águas calmas. Teria multiplicado pães e peixes para alimentar
por um dos Evangelhos escolheu os milagres multidões. Teria transformado água em vinho. São
que quis para narrar. “Em Marcos, Jesus era o os “milagres da natureza”, como define o teólogo
curandeiro. Já em Lucas, Ele aparece fazendo É indiscutível que os inglês James Harpur, que rotula os demais feitos
milagres espetaculares diante de multidões, feitos milagrosos como “milagres de cura”.
enquanto Mateus encara-o como um segundo
Moisés. E João enxerga Jesus como aquele que
de Jesus foram
se contrapõe às forças da morte. Tanto que Ele determinantes na Claro que nada disso pode ser atestado ou
só promove sete milagres em todo o Evangelho propagação do contestado por historiadores. O que os estudiosos
de João, que é o menos histórico e o mais fazem, em vez de questionar se Jesus era um ser
simbólico dos quatro. Os episódios parecem cristianismo dotado de poderes divinos, ou se era uma espécie
escolhidos a dedo, de dois em dois capítulos, através dos tempos de ilusionista ou paranormal, é tentar entender o que
como um carimbo para começar ou terminar estes milagres representaram para a história de Jesus
determinada narrativa”, teoriza Altmeyer. e para o desenvolvimento do cristianismo. Segundo
O primeiro ato milagroso registrado nos Evangelhos o reverendo Vagner Bernardi, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil,
de Marcos e Lucas é o exorcismo praticado por Jesus em através dos milagres, Jesus manifestava o poder de Deus na Terra.
um homem possesso na sinagoga de Cafarnaum e este hábito “O propósito dos feitos era o de autenticar a Cristo como divino
de expulsar demônios seguiria com Ele durante todo seu e salvador”, afirma. “Isso podemos ver nos constantes pedidos
ministério. Narram a expulsão dos demônios da filha de uma que faziam para que Jesus operasse milagres.” Ou seja: ao pro-
mulher cananéia; do corpo de um geraseano, espíritos estes duzir eventos sobrenaturais, Jesus dava provas de que Deus agia
que entraram em cerca de dois mil porcos que se jogaram no por meio Dele porque aquelas coisas maravilhosas só poderiam
mar; do possesso mudo, entre outros. Atos de exorcismo eram ser obra de Deus mesmo.
77
7
Mas seriam todos estes milagres atribuídos a Jesus metáforas de Jesus. As listas de concordância resumida de várias traduções
usadas pelos Evangelistas, lendas colhidas nas do texto original grego dos Quatro Evangelhos
primeiras tradições cristãs, como acreditam alguns pes- são muitas vezes incoerentes. Em algumas
quisadores? Sabemos, por exemplo, que a doença Ao produzir eventos ocasiões, são apresentados 42 milagres, em
era associada à impureza naquela época e, portanto, sobrenaturais, Jesus outras, 45, 43... nenhuma tentativa de enumerar
a cura de enfermos seria uma forma de purificação estes feitos pode ser tomada como definitiva.
espiritual. Impossível dizer ao certo. Como provar que
dava provas de que Isso porque os próprios evangelistas narram
Jesus caminhou ou não sobre as águas? Ou saciou a Deus agia por meio diferentes passagens em seus livros. O milagre
fome de uma multidão de cinco mil pessoas multipli- Dele porque aquelas da transformação da água em vinho nas Bodas
cando o alimento? Se pouco sabemos sobre sua vida de Caná, por exemplo, tido por muitos como
cotidiana - se foi casado, quantos irmãos teve, como secoisas maravilhosas o primeiro ato milagroso de Cristo, só aparece
só poderiam ser
parecia -, o que dizer de feitos tão sobrenaturais? É por em João. Se tomarmos Marcos e Lucas,
esta porta estreita que deixamos para trás uma perspec- chegaremos à conclusão de que o exorcismo na
tiva histórica para adentramos os domínios da fé. obra de Deus sinagoga de Cafarnaum foi o primeiro milagre de
Mesmo esmiuçando os Evangelhos, é im- Jesus. Geralmente, os Evangelhos de Mateus,
possível determinar precisamente quantos e quais foram os milagres Marcos e Lucas são mais concordantes, por serem conhecidos como
8
sinóticos, ou seja: escritos sob o mesmo ponto de vista. O Evangelho ministério, e claro, pela sua força como instrumento simbólico
de João foi elaborado depois dos demais, e é aquele cuja estrutura de doutrinação. Para o reverendo Bernardi, os mais impor-
mais se aproxima de um livro “didático” de catequese. tantes milagres de Cristo para o cristianismo foram sua morte e
Para complicar mais ainda, Jesus curou, exorcizou e res- auto-ressurreição. “A mensagem do Evangelho é o Cristo crucificado
suscitou diversos personagens, e nem todos estes feitos são e ressurreto”, pondera.
relatados de forma muito clara. Em Mateus, por exemplo, a Por causa das diferenças e discordâncias entre os quatro
primeira citação do evangelista sobre os milagres de Cristo é bas- Evangelhos, únicas fontes disponíveis para pesquisa, fica impossível
tante genérica. Ele diz “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando organizar os milagres de Jesus em uma ordem cronológica e afirmar
nas sinagogas, anunciando a Boa Nova do Reino e curando toda que esta seqüência de narrativas corresponde à realidade. Alguns
espécie de doença e enfermidade do povo. Sua fama também se feitos, inclusive, aparecem apenas em um livro, enquanto outros
espalhou por toda a Síria. Levaram-lhe todos os doentes, sofrendo aparecem em todos, ou somente em dois ou três Evangelhos. O
de diversas enfermidades e tormentos: possessos, epiléticos milagre da multiplicação dos pães, por exemplo, é narrado por todos
e paralíticos. E ele os curava.” Por isso, fica impossível quantificar os evangelistas. Já a cura da orelha de Malco aparece somente em
os milagres. No entanto, determinados feitos acabaram ganhando Lucas, não encontrando paralelo em nenhum outro livro. A ordem
mais destaque do que outros nos relatos dos evangelistas, em que foram organizados os milagres a seguir tentam, ao máximo
pela importância que têm na biografia de Jesus e em seu possível, preservar alguma coerência cronológica. s
Fotos: Paulo Batelli
99
M ilagres
TRANSFORMAÇÃO
DA ÁGUA EM VINHO
(AS BODAS DE CANÁ)
Jo 2, 1
CURA DE UM POSSESSO EM
Foto: Paulo Batelli
CAFARNAUM
Mc 1, 23. Lc 4, 33
nos arredores. s
A lepra era associada à impureza naquela época e,
portanto, a cura de enfermos seria uma forma de purificação.
Para certos historiadores, a dedução da palavra lepra pode ser
equivocada. Algumas traduções citam o leproso, mas há quem
defenda que o texto original grego indique que o homem tinha
uma doença de pele, não necessariamente a lepra. Depois de
curar o doente, Jesus ordenou que ele fosse até seu sacerdote,
para mostrar que estava “limpo” e cumprir o que mandava a
Lei Judaica a respeito das doenças de pele.
Naquele tempo, quem tivesse algum tipo de enfer-
midade como essa deveria usar roupas rasgadas, manter os
cabelos despenteados e ficar gritando “impuro, impuro” pelos
cantos. Ao se recuperar, a pessoa deveria ir a Jerusalém orar
e fazer a seguinte oferenda ao Templo: dois pássaros limpos e
vivos, madeira de cedro, tecido vermelho e hissopo. Quando
mandou o leproso cumprir o que a Lei Judaica mandava, Jesus
deu mostras de que não pretendia desrespeitar as crenças dos
judeus de forma gratuita, mesmo acreditando em uma Nova Lei.
s
13
13
M ilagres
15
15
M ilagres
Apenas o Evangelho de Lucas narra esta passagem. Ela teria acontecido imediatamente após a cura
do servo do centurião. Jesus ia entrando em uma cidade chamada Naim, cerca de 13 km ao sul de Nazaré,
acompanhado de seus discípulos e de uma multidão - provavelmente seguidores que se juntaram a Ele
após suas pregações. Às portas de Naim, ele se deparou com um cortejo fúnebre que trazia o corpo de
um jovem. Compadecido com a dor da mãe, que era viúva, Jesus pediu a ela que não chorasse e, com
um toque, ressuscitou o rapaz. O garoto se sentou e começou a falar instantaneamente, deixando todos
maravilhados. Novamente, Lucas reforça o fato de que aquele milagre aumentou a fama de Jesus “por toda
a Judéia e por todas as regiões vizinhas”.
Este é o primeiro milagre de ressurreição que aparece nos Evangelhos. Ainda aconteceria o mesmo
com a filha de Jairo e com Lázaro. Para os estudiosos, Lucas tentou, através desta passagem, associar Jesus
ao profeta Elias. No Antigo Testamento, o profeta, através de orações, também conseguiu fazer o filho de
uma viúva ressuscitar. Até mesmo a expressão “o entregou a sua mãe”, usada por Lucas, aparece no
texto original hebreu que conta o prodígio de Elias. É comum, em diversos pontos do Novo
Testamento, que os evangelistas - ou tradutores, ou transcritores dos livros - forcem a
relação entre fatos da vida de Jesus e passagens registradas no Antigo Testamento
para narrar a vida dos grandes profetas. s
A PRIMEIRA
TEMPESTADE ACALMADA
Mt 12, 9. Mc 3, 1. Lc 6, 6
O POSSESSO MUDO falar em seguida. Todos ficaram maravilhados, mas os fariseus o acusaram,
Mt 9, 32. Lc 11, 14 dizendo que era através do poder de Belzebu que Jesus dava ordens
aos demônios. Neste ponto, a narrativa de Mateus termina, mas Lucas
Na seqüência da cura dos dois homens mudos, aparece em Ma- vai adiante, detalhando a discussão entre os fariseus e Jesus, que afirmou
teus a narrativa do exorcismo de um demônio mudo. Em Lucas, a mesma expulsar os demônios “pelo dedo de Deus”.
história é contada, só que em outro momento, já depois da transfiguração Para James Harpur, a acusação feita pelos inimigos de Jesus
de Jesus não eram provas irrefutáveis de que Ele era o Filho de Deus. Exor-
diante
Ilustração: Fábio Cobiaco
20
JESUS CAMINHA SOBRE eles se acalmassem e fez com que as águas também se
tranqüilizassem. E, finalmente, juntou-se a eles na embarcação.
AS ÁGUAS Mateus insere nesta passagem um elemento que não aparece nem
Mt 14, 25. Mc 6, 45. Jo 6, 16 em Marcos e nem em João. Quando Jesus se apresentou aos apóstolos,
Pedro pediu que Ele comprovasse sua identidade, permitindo que o
discípulo também caminhasse sobre as águas. Pedro desceu do barco e
Este milagre acontece imediatamente após a multiplicação dos pães
começou a andar em cima do mar, indo em direção a Jesus. Mas o vento
nos Evangelhos de Mateus, Marcos e João. Após alimentar o povo,
forte o fez ter medo, e ele começou a afundar. Jesus então o pegou pelo
Jesus ordenou a seus discípulos que partissem na barca, enquanto ele
braço, criticando-o por ter deixado sua fé vacilar no meio do caminho.
dispensava a multidão. Depois que todos foram embora, ele se dirigiu a um
Fica claro, na narrativa de Mateus, que, embora fosse o principal
monte para orar. Já era tarde, quando a barca estava lá pelo meio do grande
discípulo de Cristo, “a pedra” sobre a qual Ele edificaria sua igreja, Pedro
lago, e Jesus resolveu se juntar a seus apóstolos. Então, foi em direção ao
era um homem cuja fé cambaleava. Para muitos pesquisadores bíblicos, o
barco, caminhado sobre o mar revolto. Seus discípulos não conseguiam
fato de ele duvidar do poder de Jesus e afundar nas águas do Mar da
chegar até a outra margem porque o vento estava contra eles. Quando
Galiléia é um claro indício do que viria acontecer depois. Quando os
avistaram Jesus andando sobre as águas, se apavoraram e começaram a
sacerdotes interrogavam Jesus, antes de entregá-lo para ser crucificado
gritar, pensando que fosse um fantasma. O Nazareno então pediu que
por Pôncio Pilatos, Pedro estava por perto. E, perguntado se era discípulo
do Cristo, o apóstolo negou que o seguisse e fugiu covardemente. s
21
21
M ilagres
POUCOS MILAGRES
EM NAZARÉ
Mt 13, 58. Mc 6, 5
A CURA DA FILHA
DE UMA MULHER
SÍRIO-FENÍCIA
Mt 15, 22. Mc 7, 24
A CURA DO SURDO-MUDO E
OS MILAGRES NO MONTE A SEGUNDA
Mt 15, 29. Mc 7, 31 MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES
Mt 15, 32. Mc 8, 5
Marcos conta que, depois de um período não definido, Jesus
deixou Tiro rumo ao Mar da Galiléia, passando pela região de Decápolis, A multiplicação dos pães é um dos mais fantásticos milagres de
ao leste do rio Jordão, região em que a cultura grega era predominante. Jesus e representa, para os estudiosos da Bíblia, um marco, por ser a
Enquanto passava por ali, Ele foi abordado por homens que levavam primeira vez que um milagre é narrado por todos os Quatro Evangelis-
um amigo surdo-mudo, pedindo que fosse curado. Jesus o tirou do tas. Só que, apesar de ser um fato espetacular, ele se repete nos livros
meio daquela gente e, em separado, enfiou-lhe os dedos nas orelhas. de Mateus e Marcos, passando em branco para João e Lucas. Isso
Cuspindo nos dedos, Jesus tocou a língua do mudo e disse aos céus que faz com que os pesquisadores acreditem que a segunda multiplicação
seus ouvidos e boca fossem abertos. E o surdo-mudo saiu tagarelando dos pães e dos peixes, que aparece somente em dois Evangelhos, seja
e também escutando tudo perfeitamente. oriunda do mesmo fato narrado anteriormente pelos quatro.
Este episódio também aconteceu em território pagão. Jesus estava rodeado de uma multidão com cerca de quatro mil
Marcos só não deixa claro se o homem agraciado com o milagre era homens que o seguiam já há três dias. Em Mateus, isso ocorreu após
ou não judeu. Novamente, Jesus pediu aqueles que testemunharam os milagres no monte, perto do Mar da Galiléia. Em Marcos, “naqueles
o acontecido que não saíssem espalhando o caso para todo mundo. dias” após a cura do surdo-mudo. Em ambos os Evangelhos, Jesus ficou
Claro que, como sempre, “quanto mais o recomendava, tanto com pena dos seus seguidores, que estavam com ele há tanto tempo no
mais eles o publicavam”. deserto e sem ter nada para comer. Então, os discípulos perguntaram
Em Marcos, a cura do surdo-mudo acontece entre o exorcismo de onde iriam tirar alimento para tanta gente. E Jesus perguntou o que
da filha da mulher cananéia e o segundo milagre da multiplicação tinham com eles, que apareceram com sete pães e “alguns peixinhos”.
dos pães e dos peixes. Em Mateus, entre um milagre e outro, Jesus Novamente, Jesus repartiu o pão e o peixe com toda a multidão. Ao
dirige-se também ao Mar da Galiléia, mas não há esta história sobre o fim da refeição, juntaram os restos e encheram sete cestas.
surdo-mudo. Em vez disso, Jesus se sentou em um monte e uma nova De fato, a narração é muito parecida com aquela do primeiro
multidão o cerca. E ali ele curou coxos, mudos, mancos e cegos. Pela milagre. E até o encerramento é semelhante. Após o milagre, os
ordem em que aparecem nos Evangelhos, é bem provável que estes discípulos entraram na barca e foram mar adentro. Só que, desta vez,
milagres narrados por Mateus venham de uma mesma tradição da qual Jesus foi junto com eles, em vez de ficar orando em terra para, depois,
foi recolhido o episódio da cura do surdo-mudo de Marcos. s ir ao encontro de seus apóstolos caminhando sobre as águas. s
24
A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS
Mt 17, 2. Mc 9, 1. Lc 9, 28
Embora seja ainda mais fantástica que o milagre da multiplicação Maravilhado, Pedro começou a dizer que, se Jesus quisesse, ele
dos pães, a transfiguração de Jesus não aparece no Evangelho de e seus amigos discípulos poderiam construir no alto do monte três
João, sendo narrada apenas nos sinóticos. E, diferente da distribuição tendas, para Ele, Moisés e Elias. Os evangelistas deixam claro que
de pães e peixes, que teve uma multidão como beneficiada e teste- Pedro não sabia o que dizia, de tão emocionado que estava.
munha, apenas três pessoas estavam presentes diante de Jesus nesta Enquanto Pedro falava, uma nuvem se formou no céu e, de
nova passagem. Eles estariam todos na região de Cesaréia de Filipe, dentro dela, veio a voz de Deus, confirmando que Jesus era de fato
quando Jesus levou Pedro, Tiago e João a um monte “alto e afastado”. seu “filho”. Então, tudo se desfez e os três discípulos permaneceram
Acredita-se que os evangelistas estivessem se referindo ao Monte ali na frente de Jesus, que pediu a eles que não contassem nada do
Hermom. Chegando lá, Jesus se transfigurou diante dos três apóstolos. que viram a ninguém, pelo menos até depois de sua ressurreição.
Seu rosto mudou de figura e suas roupas começaram a brilhar de uma Além da óbvia tentativa dos evangelistas de colocar Jesus em
forma muito intensa. contato direto com Moisés e Elias,
Então, a seu lado, apare- alguns pesquisadores enxergam nesta
ceram Moisés e Elias (represen- passagem uma nova referência a outro
tando a Lei e os Profetas, se- fato narrado no Antigo Testamento.
gundo alguns estudiosos), duas Naquela tradição, Moisés também
marcantes figuras do passado de subiu em uma montanha para se en-
Israel. Mateus e Marcos narram contrar com Deus. Foi ali, no Monte
que os “dois varões” falavam com Sinai, que ele recebeu a tábua com
Jesus, mas não especificam o os Dez Mandamentos. No Novo
quê. Lucas, porém, afirma que as Testamento, Jesus subiu a mon-
duas entidades contavam a Jesus tanha para ter contato
fatos sobre sua morte, que com Deus diante de
ocorreria em Jerusalém. seus discípulos. s
Ilustração: Fábio Cobiaco
25
25
M ilagres
O MENINO POSSUÍDO Assim que desceu da montanha com seus discípulos, con-
forme narram os três Evangelhos sinóticos, Jesus se deparou com
POR UM DEMÔNIO uma multidão. Logo depois de passar por uma experiência divina, lá
Mt 17, 14. Mc 9, 16. Lc 9, 38 estava Ele, rodeado de pobres e doentes, tão próximo da realidade
terrena quanto alguém poderia estar. Um homem chegou até Ele e,
Foto: Arnaldo Bento / Tela de
ajoelhando-se, pediu que curasse seu filho, que estava possuído por
Humberto Locoselli Filho um demônio desde a infância. Este demônio, que o pai chamava
de “espírito mudo” em Marcos, costumava jogar o garoto ao fogo
e à água, na tentativa de machucá-lo, e o menino rolava pelo chão,
“deitava espuma” pela boca e ficava rígido. O estranho falou a Jesus
que já havia pedido aos discípulos - a quem Ele já tinha concedido
o poder de expulsar demônios - que praticassem o exorcismo, mas
eles não conseguiram. Em Lucas e Mateus, Jesus simplesmente
expulsa o demônio do corpo do garoto. Em Marcos, Cristo afirma
que tudo é possível para quem crê e, ao perceber no pai a vontade
de acreditar, liberta o menino. Não restam muitas dúvidas, pelas
descrições bem claras dos Evangelhos, de que o tal “demônio” que
maltratava o menino era a epilepsia.
Todos os três Evangelhos tratam principalmente da questão da
fé - e a falta dela - neste episódio. Mateus, porém, deixa mais explícita
a decepção de Jesus com seus discípulos. Quando perguntaram
ao seu profeta porque não haviam conseguido expelir o demônio,
Jesus falou que foi por causa de sua “fé mesquinha”. E, tanto em
Mateus quanto em Marcos, o Nazareno disse que os espíritos só
podiam ser expulsos através da oração e, apenas em Mateus, do
jejum. Muitas correntes evangélicas usam esta “permissão” dada por
Jesus ao homem para praticar o exorcismo em seus rituais. Em Lucas,
logo em seguida ao episódio da expulsão do demônio mudo, o
apóstolo João chegou para Jesus e disse que eles haviam impedido
um homem de “expulsar demônios em Teu nome”. Cristo, porém,
condenou a atitude de seus apóstolos, dizendo que aqueles que
não estavam contra ele, estariam a seu favor. s
O CEGO DE BETSAÍDA
Mc 8, 22
PAGAMENTO
DO TRIBUTO
Mt 17, 24
O CEGO DE NASCENÇA
Jo 9, 1
OS DEZ LEPROSOS
Lc 17, 12
Apenas Lucas conta este episódio em seu Evangelho. Jesus estava dos outros. Em Marcos e Lucas, Jesus estava passando por Jericó,
caminhando rumo a Jerusalém, passando pela região da Samaria, quando acompanhado de uma multidão, quando um cego começou a pedir
dez leprosos foram se encontrar com ele. Não se aproximaram de Jesus, piedade. E gritava cada vez mais alto, até que levaram o cego -
mas o gritaram de longe, pedindo que tivesse piedade deles. O Nazareno que Marcos chama de Bartimeu - à presença do Nazareno. Jesus
então ordenou que eles fossem se apresentar a seus sacerdotes. No meio perguntou o que ele queria, e Bartimeu disse o óbvio: enxergar.
do caminho, os leprosos ficaram curados. Um dos doentes, no entanto, E Jesus o curou.
resolveu fazer meia volta para agradecer a graça concedida. Quando che- Em Mateus, não há apenas um, mas dois cegos. E Jesus não
gou até o Profeta, este ficou decepcionado por apenas um dos leprosos está chegando em Jericó, mas deixando a cidade. De qualquer forma,
ter voltado. E aquele ali era justamente um samaritano, não um judeu. no que mais interessa, os três sinóticos são convergentes: Jesus curou
A história conta que samaritanos e judeus eram povos que o cego (ou dois) que lhe pediu por piedade e tinha fé. E, após ser
não se davam bem ainda na época do Novo Testamento. E, como já curado, este homem foi atrás de Jesus, seguindo-o em sua viagem. Para
vimos, Jesus às vezes parecia mostrar uma certa predileção pelo povo certos estudiosos bíblicos, a cura do cego de Jericó é uma espécie de
judeu. No entanto, aqui fica claro - como no episódio do centurião, metáfora para os elementos básicos do discipulado cristão: o reconhe-
por exemplo - que Ele não fazia distinção entre homens de fé. Ao cimento de Jesus (o cego sabia quem Ele era), a fé (que Bartimeu
retornar a Jesus, o samaritano provou que havia sido curado não só demonstra no “Filho de Davi”), perseverança (quando mandaram que
física, mas também espiritualmente. Esta foi a última viagem que Jesus ele se calasse, passou a gritar mais alto), salvação (ele foi recompensado
fez a Jerusalém. Ele já estava em seus últimos dias e, em breve, seria com sua visão) e seguir o caminho de Jesus (o cego seguiu os passos
executado na cruz por Pôncio Pilatos. s de seu salvador).
Cronologicamente, aqui os sinóticos se encontram com
o Evangelho de João. Jesus estava indo rumo a Jerusalém e
O CEGO DE JERICÓ já havia anunciado a seus discípulos que seria morto pelos seus
Mt 20, 29. Mc 10, 46. Lc 18, 35 perseguidores. Nos sinóticos, para efeitos cronológicos, este é o
milagre que marca o começo dos últimos dias de Jesus, quando
A cura do cego de Jericó é narrada nos três Evangelhos sua morte já estava anunciada. Em João, como vimos, é a cura dos
sinóticos. No entanto, a descrição de Mateus é um pouco diversa dez leprosos que pontua este momento. s
30
A MALDIÇÃO DA FIGUEIRA
Mt 21, 18. Mc 11, 13.
A CURA DA
ORELHA DE MALCO
Lc 22, 50
com parte deles para o Getsêmani, um jardim que ficava fora de Jerusalém.
Enquanto orava, pediu a seus discípulos que guardassem vigília. No entanto,
Ortodoxa (São Paulo / SP)
e vários santos ressuscitaram. Mas este milagre não pode ser atribuído
a Jesus. Pode-se dizer que Deus manifestou sua decepção com os
homens através de fenômenos naturais, por crucificarem seu Filho. Mas
isso não caracterizaria um milagre como aqueles em que o poder de
Deus é exercido através de Jesus.
Com relação à ressurreição de Cristo, ocorre algo parecido.
João narra que Maria Madalena chegou ao túmulo onde fora depo-
sitado o corpo de Jesus e nada encontrou. Em Lucas, Maria Ma-
dalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, foram até o sepulcro, entraram
lá e encontraram dois jovens em roupas brancas. Elas anunciaram que
Jesus havia ressuscitado. Em Marcos, Maria Madalena, Salomé e
OS FENÔMENOS Maria, mãe de Tiago, fizeram o mesmo, mas encontraram um rapaz de
NA CRUCIFICAÇÃO túnica branca sentado na porta da sepultura e não chegaram a entrar.
Foi este jovem quem fez o anúncio da ressurreição. Em Marcos,
E RESSURREIÇÃO Maria e Maria Madalena foram até a tumba, que estava guardada
por soldados de Pôncio Pilatos. Então, um anjo desceu do céu e os
A crucificação de Cristo é um episódio que conta em todos guardas ficaram “como mortos”. Ele então removeu a pedra da entrada
os quatro Evangelhos com menores ou maiores diferenças entre os da gruta, sentou-se sobre ela e anunciou a ressurreição.
livros. Nos sinóticos, alguns fenômenos são descritos, ao passo que Em todos os Evangelhos, Maria Madalena correu para contar
João atém-se a uma narrativa mais seca. Em Mateus, Marcos e Lucas, aos discípulos que Jesus havia de fato ressuscitado. E, antes de
o céu escurece a partir da “hora sexta” e “estenderam-se as trevas até surgir novamente para eles, Cristo apareceu para Maria Madalena e
a hora nona”. Quando Jesus finalmente expirou, pregado à cruz, os confirmou que havia ressuscitado dos mortos. Apenas Lucas deixa
evangelistas contam que “o véu do templo rasgou-se de cima a baixo de narrar este encontro. De qualquer forma, a ausência de Jesus em
em duas partes”. Esta narrativa é convergente nos três livros. Mateus, sua sepultura confirmava o que ele havia dito a seus discípulos antes
porém, narra que um grande terremoto abalou a terra, o chão se abriu de ser executado: que ressuscitaria ao terceiro dia. s
32
Ilustração: Fábio Cobiaco
33
33
aparições distintas. Na primeira, os apóstolos estavam reunidos em
O REENCONTRO COM um local a portas fechadas. Era o primeiro dia da semana, o dia em
CRISTO RESSUSCITADO que Jesus ressuscitara. E Ele veio até seus discípulos, atravessando as
portas trancadas, e se apresentou a eles, mostrando as mãos e o tórax
Jo 20, 19.
perfurados. É nesta passagem que Jesus “autoriza” seus apóstolos a
perdoar os pecados dos homens em nome de Deus.
Todos os Evangelhos narram o reencontro de Jesus com seus Mas o discípulo Tomé não estava entre seus amigos nesta
discípulos, mas nem sempre em situações semelhantes. Seguiremos primeira aparição. Os outros foram até ele e contaram que estiveram
aqui a ordem dos acontecimentos narrados por João, que fala de três com Jesus ressuscitado. Tomé, no entanto, afirmou que só acreditaria
se encontrasse ele mesmo com Cristo, e enfiasse os dedos nas feridas
dele. Oito dias depois, os apóstolos estavam reunidos e Jesus tornou
Ilustração: Fábio Cobiaco
ASCENSÃO DE CRISTO
Mc 16, 19. Lc 24, 50. At 1, 9.