Você está na página 1de 51

Contos de um

Paladino
Contos de um
Paladino

UMA HISTÓRIA ESCRITA POR

Miguell P.
Ficha catalográfica
Dedicado aos jogadores de
“O Prometido de Aldor”.
6
Agradecimentos

Comecei este livro como um pequeno projeto pessoal,


que duraria apenas algumas semanas, mas logo me
apaixonei pelo espírito de contar e criar histórias. Por isso
resolvi estender aquele pequeno projeto por mais algum
tempo.
Poucas são as coisas que me orgulho, de coração, de
ter feito na vida sem ter me arrependido e essa é —sem
dúvidas— uma delas.
Graças a ele descobri muito sobre mim mesmo.
Aprendi que era capaz de muito mais do que acreditava ser.
Aprendi que o homem está eternamente preso nesta falsa
sensação de escolha, mas também aprendi que não há coisa
melhor do que estar rodeado de amigos de verdade.

Ass.: O autor

7
ARTE
PAISAGEM

8
Sumário
Capítulo I — Origem.................................................11
Capítulo II — Memórias esquecidas.........................23

9
ARTE
ÁRVORE
DOS 3
GALHOS

10
I
Origem

E sta história começa há muito


tempo, em uma pequena vila, a
oeste da cidade portuária de
Sagard, chamada de "Vila pomar", mas antes vale a
explicação de onde exatamente a história começa:
Ethiz, um reino ao centro-norte do continente de
Aldor. Ethiz é um reino consideravelmente antigo,
com uma história épica de superação, mas que
agora não valem os contos. O que vale por hora é
saber que Ethiz não passava e ainda não passa de
um reino atrasado se comparado aos demais. Sua
economia é fraca e depende totalmente de sua
exportação de comida. Em Ethiz existem três
cidades (fora a capital) e são elas: Sagard, a cidade
portuária; Garin, a cidade das muralhas e Libet, a
cidade das artes.
Muita pobreza e simplicidade habitam esse reino,
mas também muita complexidade, porém, para ser
breve, uma frase o descreve: "tudo aos ricos, nada
aos pobres".

Quanto às vilas, existiam três delas, mas hoje elas


passam de 12. À época, as três eram: Vila Pomar,
de onde vim; a Vila do Touro e a Vila dos
Pescadores. Cada uma tinha seu dever específico,
com suas especialidades que eram conhecidas por
grande parte de Ethiz. Vila Pomar, por exemplo, era

11
famosa por plantar os melhores legumes, verduras e
frutas do reino e isso dava uma quantia boa aos
negociantes, mas que não era suficiente para
sustentar a família por muito tempo. A Vila do
Touro é famosa por seus touros e vacas. É de lá
quem vem os melhores garrafões de leite, os
melhores pedaços de carne e as melhores manteigas
do reino. Outras vilas até tentavam se igualar, mas
nunca conseguiram, mas hoje existem aquelas que
até conseguem competir de vez em quando, como a
Vila dos Potros. A outra vila que existia era a Vila
dos Pescadores. Essa vila ficava mais distante das
demais, já bem no final do reino, ao mais Norte que
existe. Lá, por ser uma vila costeira, no nível do
mar (diferentemente de Vila Pomar e da Vila do
Touro) que é famosa por seus pescadores, seus
peixes e pelos seus artesanatos, que —muitas
vezes— eram confiscados pelo governo, numa
política de conter a melhoria do padrão de vida do
povo.

Como disse antes “tudo aos ricos, nada aos


pobres”. Essa frase era muito utilizada na minha
infância, porque o reino aplicava uma política de
contenção da expansão da melhora de vida do povo
das vilas, a chamada “Ajuda Central”. As vilas
tinham uma produção pré-estabelecida (como eu
disse antes) e eram proibidas de produzir qualquer
coisa além do estipulado; quando a Vila dos
Pescadores começou a fazer pequenos bordados e
cestos com folhas de árvores para vender aos
viajantes o reino, sob o mando do próprio rei,

12
chegou na cidade e destruiu tudo, além de levar
muitas das pessoas, a maioria de idosas, para a
prisão por “Desobediência Régia”.
Alguns dizem que elas ficaram presas por alguns
dias, já outros dizem que morreram por lá, mas
ninguém nunca passou pela vila para conferir, então
a resposta para essa pergunta continua não
respondida.

Agora, se me permitir, eu vou falar um pouco sobre


mim: nasci de uma família que possuía uma
qualidade de vida um pouco acima do normal. Meu
pai, Richard Mellya, era um soldado a serviço de
Ethiz, tendo a patente de Paladino. Paladinos são
soldados comuns que servem ao Rei, sendo, essa, a
menor patente possível no exército. Mesmo sendo a
menor patente, a vida que ela proporcionava
conseguia ser melhor do que a dos camponeses e
vilões comuns, isto é, passar fome menos vezes
durante a semana.

No dia vinte e sete do mês de maio, nascia na


pequena e tranquila Vila pomar, Garatt Melya, o
que significa, eu.
Sou o segundo filho de uma família de três
crianças. Minhas irmãs são Marya e Yulia, sendo
Yulia a primogênita. Todos somos filhos de
Richard, que recebera um sobrenome, como uma
forma de pagamento pelos seus serviços ao rei e
esse passou a mim, seu filho.
Antes de ser Mellya era apenas Richard; não
possuía sobrenome, nem posses, nem dinheiro, nem

13
terras, nem nada, mas com o sobrenome
conseguimos adquirir um pequeno terreno na vila.
Na verdade, já vivíamos nele, porém ele era do
reino e poderia ser tomado a qualquer hora, mas
depois do sobrenome adquirido, recebemos estas
terras como uma outra parte do pagamento. Agora,
elas ainda são do reino, mas nossa propriedade
corre menos riscos de ser tomada à força.

Sua esposa e minha mãe, Rosa era costureira. Ela


veio de uma família conhecida de plantadores de
Vila Pomar, que eram os donos daquele pequeno
terreno. Seu pai, Seu Agenor, viva na casa ao lado,
sozinho desde quando sua esposa, Dona Maria
faleceu. Por ter vindo de uma família bem pobre ela
nunca aprendeu algo além disso. Óbvio que ela
sabia cozinhar, lavar e as demais coisas que mães
devem saber, mas costurar, além de ser seu hábito
favorito era, também, seu trabalho. Esse trabalho
era o que ela fazia para ajudar em casa, mesmo
sendo proibido pelo governo.

Depois do “incidente” com as senhorinhas da Vila


dos Pescadores o governo mandou alguns paladinos
para fiscalizar as vilas por algum tempo. Para poder
vender suas costuras ela costumava fazê-las em
casa, colocá-las no lombo de um burrinho que eles
tinham, e levar até a cidade. Ela sempre oferecia
algumas das costuras aos paladinos, que a
deixavam passar, porque, até eles, sabiam que essa
medida era absurda. E foi em um dia como esse

14
que ela conheceu um tal de Richard, que tinha
acabado de começar a servir ao exército.
Esses são os detalhes que eu sei sobre o passado
deles, nada mais. Não costumava perguntar sobre
coisas assim.

Minha casa costumava ficar meio vazia, já que as


meninas costumavam cuidar da plantação de
amoras atrás da casa eu costumava brincar por aí
ou ajudar os moradores com alguma coisa,
principalmente Seu Agenor. Meu pai também não
aparecia muito, na verdade, ela aparecia uma ou
duas vezes no mês porque ele trabalhava na capital.

Quando eu tinha meus cinco anos de idade minha


irmã mais nova nasceu e, pelo tempo que minha
mãe estava ocupada, amamentando e cuidando do
bebê, eram Yulia e eu quem cuidavam da casa, dos
animais e das plantas.

Por alguns anos, até a criança conseguir ter o


mínimo de independência da mãe, a rotina foi esta:
a mãe amamentava e cuidava da criança, enquanto
Yulia cuidava da casa e da pequena plantação de
amoras que havia atrás da casa, enquanto eu
cuidava da proteção da família, da comida, dos
animais e das demais atribuições.

Durante os anos iniciais nada de mais aconteceu em


Vilapomar. Tudo era como sempre foi (e deveria ter
sido): pacato e tranquilo.

15
A menina cresceu e ela aprendeu tudo o que
deveria: cozinhar, costurar e cuidar da casa.
Mesmo sendo bem pobre e simples, a vida para os
Mellya era feliz, pelo menos o suficiente. Até que
um dia o pior dos pesadelos aconteceu. Em um dia,
como qualquer outro. Marya, já com seus seis anos,
tinha a responsabilidade de colher frutas no pomar
de Vila pomar. O pomar é um grande bosque que há
no centro da vila, onde há diversas árvores
frutíferas. O pomar não possuía dono, de fato,
todos eram donos dele e podiam colher as frutas
que ele dava, quando desejassem, desde que
respeitassem as épocas certas, tanto das frutas
quando dos animais.
Cada família deveria escolher um de seus membros
para a colheita, sendo "proibido" que outros
membros da mesma família colhessem por lá. No
nosso caso a escolhida foi Marya.

No décimo terceiro dia do quarto mês daquele ano,


quando Marya tinha seus seis anos, Yulia, seus
dezessete e eu quatorze para quinze, ela foi colher
algumas frutas no pomar, como era de praste. Ela o
fazia desde seus seis anos e sabia todos os
caminhos para qualquer lugar. Mesmo tendo apenas
seis anos era ela quem mais conhecia aquele lugar.

Aqui está um pequeno esboço de mapa de Vila


pomar.

16
As mulheres, geralmente, eram quem iam colher as
frutas. Por uma questão de obviedade as mulheres
mais velhas eram as mais sábias, junto de seus
maridos mais velhos, porém os velhos não mais
tinham tanta energia e disposição para colher
frutas, por isso quem mais o fazia eram crianças,
principalmente garotas, que transformavam o
trabalho em diversão, brincando horas e horas pelas
árvores.

Por ter aprendido muito rápido foi Marya quem


começou a ensinar às outras crianças como andar
pelo pomar, ensinando o que colher, como e
quando, o que não colher e por que, por onde andar
e por onde não. Muito daquilo que ela aprendeu foi
por andar com algumas das mulheres mais velhas
que ainda continuavam a colher, mas outras coisas
ela aprendeu por conta própria.

17
Naquele dia, Marya saiu de casa, antes mesmo do
galo cantar, para poder chegar em casa o mais cedo
possível. O tempo de voltar era depois de oito
dedos (quando o Sol estivesse no meio do céu). A
pequena dizia que precisava deste tempo todo para
colher, mas todos sabiam que não. Ninguém, nem
mesmo se fosse para colher todas as frutas do
mundo, demoraria nove dedos para isso, quem dirá
uma menininha em um simples pomar.

O que de verdade acontecia era: a pequena passava


de casa em casa para conversar com suas amigas e
ficar horas com elas, fora que sempre que ela
aparecia a primeira pergunta que lhe era feita era:
"Já tomou café hoje, menina?" Pergunta essa que
ela sempre respondia com um "não" triste. Ela não
o fazia de maldade, mas sim para poder comer algo
de diferente, pois, por ser convidada, sempre
recebia algo fora de sua rotina, fossem pães
açucarados, sucos ou sua comida favorita, bolo.
Gostava de todo tipo de bolo, de morango, de
amora, de cenoura, todos, sem exceção.
Independente de que tipo de bolo fosse, ou então de
quem fosse, se houvesse bolo ela aceitaria todos os
pedaços, sem pensar duas vezes.
Antes mesmo do galo cantar ela já estava
caminhando pelas estradas de terra de Vilapomar.
Fez todo o roteiro que sempre esteve acostumada a
fazer. Passou pelas casas que sempre passava e foi
ao pomar.
Embora o tempo fosse muito ele era sempre
pontual. Nunca chegava antes da hora, mas também

18
nunca chegava depois.

Estávamos acostumados com a rotina da menina.


Até brincávamos, eu e Yulia, às vezes "Em uma
corrida ao meio do céu, quem chegava primeiro? A
menina, carregada de frutas, ou o Sol?"
Até mesmo a mãe entrava na brincadeira. Enquanto
esta e Yulia apostavam na pequena eu, como
sempre fui do contra, apostava na estrela. Sabia que
era a menina quem sempre ganhava, mas apostava
em seu oponente apenas para que houvesse aquela
rixa amigável entre nós.

Tudo estava como sempre esteve. A corrida já


estava acontecendo, mas naquele décimo terceiro
dia do mês, o Sol havia ganhado, sem espaço para
discussões. A garota havia perdido, porém havia a
esperança de que ela, pelo menos, chegasse,
contudo não foi isso que aconteceu.

Os dedos foram aumentando e nada da menina.


Eles chegaram a nove e nada dela. Chegaram a dez,
mas ela não chegava. Os dedos chegaram a onze e
nada da pequena. Nesse momento, quando todos já
estavam desesperados, fomos à sua procura.
Perguntamos ao vizinho direito, seu Agenor.

— Seu Agenô! — gritou a mãe desesperada

— Diga minha fía, que já tô indo! — gritou o


velho.

19
Saindo daquela simples casa de madeira saiu
um senhor de seus sessenta anos que tinha uma
bela barriga avantajada, seus joelhos trêmulos. Sua
camisa marrom, feita de um saco de batatas, já tão
maltratada, sua calça amarela vibrante, seu chapéu
de palha queimada e seu velho cachimbo, tão
amigo.

— Seu Agenô! Minha filha, Marya, a pequenina,


saiu de casa à dedos atrás e ainda não voltô! Cê viu
ela?

— Ela passô aqui, antes do galo cantá, comeu um


pouco do bolo que eu tinha guardado e saiu. Acho
que ela foi pra casa da dona Ivete.

— Então vâmu falá com a dona Ivete!

— Com certeza! Eu vô até o fim du mundo pra


achá minha neta, mas só dexa eu pegá minha perna
pur que senão eu não ando. — e mais rápido que
podia, ele entrou na casa de volta e buscou sua
"perna", o que, na verdade, era um pedaço de pau
que ele usava para ajudá-lo a andar.

Saímos rápido da casa e fomos à casa de dona


Ivete, que ficava logo à frente.

— Dona Ivete! — gritou a mãe, angustiada

— Já vou minha filha! — gritava a velha senhora,


enquanto saia de sua casa. Dona Ivete já tinha seus

20
setenta anos de idade. Usava roupas caras e
adorava ficar bebendo chá às manhãs, apenas para
poder mostrar suas posses aos outros.

— O que foi para haver tanta balbúrdia assim?

— Dona Ivete! minha fia, Marya, passou por aqui?

— Passou sim, mas o que ouve?

— Ela saiu pra catá fruta no pomá, mas não voltô


ainda. Tô preocupada de mai.

— Ela veio aqui, falou com Clarisse, comeu um


pouco de bolo e foi para a casa de Rita.

— Dona Ivete, a sinhóra num qué ajudá a procurá a


menina?

— Minha filha, eu adoraria, mas não consigo sair


de casa. Sabe que eu sou doente.

— Tudo bem dona Ivete. Obrigádu de qualqé jeito.

Dona Ivete já era mais velha do que qualquer um


em Vilapomar. Sua saúde, de fato, não era das
melhores, mas ainda sim conseguiria andar pela
vila, porém sua má vontade de se juntar e ajudar os
outros a impediu, mais uma vez de fazer o certo.
Não era a primeira vez que algo parecido acontecia.
Anos antes alguns dos gatos de Seu Agenor
costumavam caminhas pelo terreno de Dona Ivete.

21
Quando começaram a sujar seu quintal e caminhar
pelo seu telhado, dias depois, alguns
desapareceram. Quando pedida para ajudar a
encontrar os gatos sumidos se recusou, usando sua
saúde de desculpa.
Saíram, pois, eu, minha mãe, meu avô e minha
outra irmã para a casa de Rita.
Rita era a melhor amiga de Marya, que morava
mais à frente. Passamos por lá e ela ainda estava
tomando o café com a família. Conversamos com a
família de Rita e explicamos a situação. Todos
ficaram preocupados e mal terminando o café,
juntaram-se a nós e partimos para a próxima casa;
de casa em casa passamos pedindo por ajuda.
Vilapomar não era um lugar tão grande e não eram
muitos seus habitantes. Logo conversamos com
todos os vilões e todos se juntaram na busca pela
menina perdida, exceto dona Ivete.

Procuramos, juntos, por dedos a fim. Ficamos o dia


inteiro andando pelos campos e bosques, gritando e
se cansando. Um dia se passou e nada. Dois dias se
passaram e três e quatro e cinco e seis, mas nada
dela aparecer.
Os dias foram passando e chegaram a ser semanas.

Conforme passavam os dias, mais e mais pessoas


íamos perdendo para o tempo. Primeiro foram os
velhos, com a desculpa de estarem cansados de
mais e não aguentarem ficar semanas andando sem
fim. Depois foram os adultos, com a desculpa de
terem de voltar às plantações, se não morreríamos

22
de fome. Mais tarde saíram os adolescentes,
inclusive os que eu chamava de amigos. Esses
foram os primeiros a sair. A desculpa deles foi que
não iriam gastar tanto tempo para achar uma garota
morta no meio do mato. Os únicos que ficaram
foram as crianças, mas essas eu mesmo tive de
expulsar da busca, já que mais atrapalhavam do que
ajudavam, visto que adoravam dar informações
erradas apenas para rir de nós.

A busca começou com quatro pessoas e terminou


apenas com uma, eu.
Mãe ficou doente de tanto se preocupar e de não ter
comido e dormido direito. Agenor a levou, mas ele
também já estava velho. Não poderia ele cuidar de
sia filha, por isso Yulia a levou e só eu restei.

— Garatt! Eu vou levar a mãe e o Agenor prá casa.


Cê consegue ficar? — perguntou Yulia, cansada e
quase já sem alma; uma menina tão bonita; seus
cabelos longos e negros, suas roupas tão simples,
mas que a deixavam ainda mais bonita. Tão nova,
tão pura, tão massacrada.

— Não, mas eu preciso. — respondeu aquele


garoto, tão novo e, ainda sim, tão castigado.

Yulia os levou e eu fiquei. Isso aconteceu por volta


da sexta semana. Já estava cansado, com fome,
com sono, com frio. Desgastado. Usei das últimas
forças minhas para procurar por mais dois dias,

23
mas nada achei; voltei para casa, cansado e
derrotado.

— Eu preciso descansá um pôco. Pode procurar,


por um dia só, Yulia?

— Posso, mas cê promete que vai ser só por um


dia?

— Prometo

Yulia, coitada, detestava não saber onde estava sua


irmã. Disse aquilo, que até pode ter soado estranho,
mas era apenas ela não sabendo reagir à tragédia
que estava acontecendo.

Apenas precisava descansar e comer algo. Estava


destruído por dentro e por fora. Atirei meu corpo
morto na cama e, em segundos, apaguei. No outro
dia, cheguei ao ponto de até esquecer do que estava
acontecendo, mas assim que lembrei fui tomado
pela mesma tristeza de antes.

24
25
II
Memórias esquecidas

E sperava encontrar Yulia em casa, assim que


acordasse, mas estava somente eu, mãe e
Agenor.
Esperei por dedos, mas ela não apareceu. Não
podia deixá-los sozinhos. Quem cuidaria deles?
A cada segundo que passava mais nervoso e
ansioso ficava, mas não podia fazer muita coisa
além de esperar até que ela chegasse.
Esperei e esperei, mas nada de Yulia aparecer. Não
podia deixá-los, por isso recorri a dona Ivete. Fui à
casa da velha, que já tinha seus setenta e muitos
anos. Cabelos brancos e longos, com tranças nas
pontas e presilhas de madeira rosas.

— Dona Ivete!

— Mais que gritaria maldita! O que foi?!

— Yulia foi procurá Marya e ainda não voltô. A


sinhora pode cuidar da minha mãe que tá doente?

— Meu olho não funciona, mas parece que você

26
que é o cego. Não consegue ver que eu também sou
doente?! Peça para outro!

Saí desconsertado de lá. Já sabia que ela não iria


ajudar, mas sua má vontade extrema me assustou.
Fui à casa da família de Rita, logo à frente.
O pai de Rita estava cuidando dos animais e a mãe
das hortaliças.
Rita disse que queria ajudar e de fato foi. Ela ficou
cuidando de minha mãe e de Agenor, enquanto
procurava por Yulia.
Enquanto estavam em casa, fui por cada centímetro
de Vilapomar procurando por Yulia.

Procurei pelas estradas, pelas casas, pelos campos,


pelos bosques, pelo pomar. Perguntei a cada
morador, mas ninguém a viu. Todos me
responderam com surpresa, verdade e educação na
fala, exceto Dona Ivete.
Minha nova busca demorou dedos, chegando a
dias. Estava cansado e sem forças, mas jamais
desisti. Estava desesperado, afinal, ainda era apenas
um menino de quinze anos, mas foi naquele dia que
deixei de ser um menino para me tornar um
homem. Não pelo tempo ou experiência de viver,
mas pela dor que só o mundo pode nos causar e é
essa dor que nos faz homens. Tive de deixar meu
mundo imaginário e fui jogado ao mundo real; o
mundo do qual o único rei é a dor e a tristeza é
quem o acompanha.

27
Em um de meus dias de busca, estava caminhando
pela estrada principal, próximo à entrada de
Vilapomar. Era de manhã, quando avistei, ao longe,
vindo de dentro da cidade, um homem que nunca
havia visto. Estava trajado com roupas escuras e
um longo chapéu de palha.
O vento que soprava vinha do mar, dificultando a
vista do sujeito. Suas roupas eram carregadas com
o sopro e seu rosto era coberto pelos seus longos
cabelos escuros.

— Por que está tão triste, garoto? — perguntou o


homem, com uma voz suave.

— Minha irmã sumiu. Eu tô procurando por ela,


mai num acho.

— Como ela é?

— Ela já é grandi. Tem um cabelo longo e uma


pela clara. O nome dela é Yulia. Ela tem 17 anos.

— Ela teria uma cicatriz no lado direito do rosto?

— Não sinhô.

— Então creio tê-la visto.

28
— ONDE?

— Quando estava vindo do bosque. Estava caçando


quando a vi correndo de algo, em direção ao meio
do bosque. Ela deve ter ido às ruínas.

— Muito obrigádu sinhô! — com isso saí dali o


mais rápido que pude. Sequer havia parado para
pensar sobre quem era o estranho, ou de onde ele
teria vindo. Apenas -cego pela emoção- corri para o
lugar que havia dito.

Corri por toda Vilapomar, o mais rápido pude; o


mais rápido que havia corrido em toda a minha
vida.
Passei por todas as casas. Alguns me viram correr e
perguntavam

— Prá onde vai com tanta pressa, menino? —


gritavam algumas pessoas, assim que me viam.

Como ninguém, exceto eu, sabia do sumiço de


Yulia não contava a ninguém.

Em pouquíssimo tempo, depois de uma corrida que


deixaria qualquer cavalo com inveja, lá estava eu,
na entrada do bosque. Sabia que lá havia criaturas
perigosas, como lobos e ursos, além das antigas
lendas dos monstros que lá viviam mas não me

29
preocupei.
Corri pelo bosque, até a proximidade da Vila do
Touro (a vila ao lado de Vilapomar).

No centro do bosque, chamado "bosque das vilas",


o mesmo que estava ao norte de Vilapomar, bem
próximo à beirada de um penhasco que levava ao
mar do norte, havia uma antiga ruína, de tempos
élficos, aonde muitos animais do bosque buscavam
abrigo e algumas crianças, do lado da Vila do
Touro, costumavam brincar, por quê o lado de lá do
bosque era mais seguro do que o de cá.

Havia muitas histórias e perigos que povoavam


aquelas ruínas. Por serem de tempos cujo homem
não habitava estas áreas pouco se sabia, mas muito
se especulava.

Cheguei, ofegante, quase que cuspindo para fora os


pulmões, naquelas ruínas de pedra, cobertas de
musgo e repletas de feridas do tempo.

Estava lá, diante de tão bela, mas tão maltratada


estrutura.
O esforço empregado para construí-la fora uma
mísera quantidade, perto da gasta pelo tempo para
corroê-la.

A arquitetura dos elfos era diferente de tudo o que


o homem estava acostumado. Suas estruturas. Suas
formas. Suas cores (ou o que restou delas). Seus
detalhes. Seu ser.

30
Enquanto a arquitetura élfica, de milhares de anos,
era tão esbelta e singular a dos homens se resumia
em pedras e madeiras podres, coladas umas com as
outras com barro suor e palha.

Os pilares eram grandes e detalhados. Mesmo


havendo uma diferença de línguas, entre mim e
eles, suas histórias eram mais claras que as águas
dos rios; mesmo não sabendo de quem falavam
sabia o que queriam dizer.

Seus portais, esculpidos em rochas únicas, tiravam


o fôlego. Suas janelas, altas e charmosas, davam,
ao ambiente morto, um ar de "vida" ou uma
amostra daquela que um dia povoou esta área.

Era uma espécie de pequeno castelo, com andares e


uma grande sala principal, logo na entrada. Era
antigo e tomado pelo tempo e pela natureza. As
raízes eram curiosas e procuravam,
incessantemente, por algo abaixo. As vinhas
tentavam achar algo que lhes interessasse no resto
de topo que existia.
Havia, ali, o que, outrora, fora chamado de cúpula,
mais acima, que estava presa no topo pelas vinhas.
Sua cor, amarelo brilhante, ainda persistia à
corrosão do tempo, mas não mais brilhava como
antigamente.

Ciumenta, a estrela que dominava os céus, resolveu


que não queria ficar de fora e arrancou todos os

31
obstáculos que a impediam de ver aquela tão bela
sala; um chão de madeira, com mais de mil anos,
segundo alguns, mas que ainda persistia. Nas
paredes esculturas de seres altos, com orelhas
pontiagudas, roupas leves, mas grandes, com
olhares de sabedoria.

Estava em êxtase. Não só porque ainda estava


desnorteado com a falta de ar, mas também por
causa do lugar em si; nunca estive lá. Sabia onde
ficava, pelas histórias que Seu Agenor costumava
me contar. Tinha em mente do que se tratava e de
como era, mas ver com meus próprios olhos foi
centenas de vezes mais belo do que as histórias que
se escuta.

Quando o ar voltou a mim, voltei, também, à minha


tão fatídica procura.

Aquele pequeno castelo não era tão grande, mas


podia me perder com extrema facilidade por seus
cômodos.

Era tarde, mas não podia saber com certeza; o


lençol das árvores impedia que a luz chegasse ao
solo frio.

A brisa fria da tarde varria as folhas mortas;


balançava a copa das árvores; jogava para longe as
teias da aranhas daquele lugar abandonado e, junto,
iam meus pensamentos.

32
Já havia vasculhado os andares mais adentro, junto
com o andar principal; faltava apenas o segundo.
De fato, havia outros cômodos para de baixo a
terra, mas não consegui abrir as portas que levavam
a eles. Suas trancas, apesar de velhas, ainda
funcionavam tão bem quanto novas.

Subi as escadas, feitas de um único tronco, talhada


à mão. Havia nela desenhos de elfos trabalhando e
cultuando a floresta, além de animais, seres
maiores e alguns escritos que não consegui ler.

Embora fosse milenar, aquelas escadas não faziam


um mínimo barulho, um singelo ranger que fosse.

Pouco restava do segundo andar. Alguns dos


corredores ainda estavam por lá, mas a maioria já
havia caído. As salas, que deviam ter sido
numerosas em um passado distante, hoje, se
resumiam a apenas uma de pé.

Segui, cuidadosamente, por aquele corredor de


madeira, sustentado por um grande e, quase
destruído, pilar de pedra, que descia até o primeiro
andar; um pilar que devia ter sido muito detalhado
e colorido, visto que alguns de seus desenhos ainda
resistiam à agressão que sofreram pela natureza,
junto com as cores.

Caminhei pelos poucos corredores restantes e,


rapidamente, estava em um considerável corredor,
que ia dos fundos à frente de aonde havia vindo.

33
No final dele havia uma porta. Feita da mais antiga
madeira. Talhada da mais antiga maneira. Cuidada
da mais perfeita forma.

Abri a porta, que rangeu de tal forma que até


mesmo alguém da Vila do Touro poderia ter
ouvido. Aquele cômodo não era tão grande quanto
os outros, mas ainda sim, era maior que minha
casa, que também não era lá grande coisa.

O chão era feito de madeira, as paredes de pedra.


Havia alguns móveis nos cantos, um armário
fechado à esquerda, uma escrivaninha à direita.
Havia, também, uma janela que ficava acima da
entrada do castelo e dava vista à floresta.

Embora tudo fosse muito bem-feito e estivesse


estranhamente muito bem preservado o que
chamou mais atenção foi o fato de haver alguém
ali: um ser que observava fixamente uma pintura
que estava na parede, acima de uma antiga lareira.
O quadro estava completamente sujo e era
impossível de ver o que estava pintado ali. O ser
estava de costas e vestia um manto maltrapilho,
idêntico ao do homem que havia me dito para vir
aqui.

— Eu sei quem é u sinhô. Tá fazendu u que aqui?


— perguntei, genuinamente curioso

E então, o homem, com aquela voz indistinguível,


me respondeu

34
— Vim apenas para saber que chegaria aonde
deveria e que nada de mal lhe aconteceria, afinal de
contas, existem animais perigosos por aqui.

— U que ocê qué?

— Nada! tudo o que eu queria eu já consegui, pelo


menos por hora.

— I u que ocê conseguiu?

— Consegui dar início àquilo de deveria começar,


cedo ou tarde. — e com essas palavras mais do que
enigmáticas, aquele ser desapareceu, bem em frente
aos meus olhos, como que em um passe de mágica,
com um forte vento que vinha do mar, deixando
apenas seu manto no lugar onde estava.

Estava longe de casa, cansado, sozinho, destruído.


Corri tudo aquilo, passei pelo que passei, perdi
quem pedi e quando pensei ter ganhado um pingo
de esperança toda ela foi levada ao vento, para tão
longe daqui.

Do quarto que estava conseguia ver o caminho de


onde vim, logo abaixo. Via as árvores ainda
balançando por causa do vento vindo do mar. Via o
Sol naquele céu azul, subindo, rumo ao topo.
A ansiedade que me havia deixado, carregada pelo
pingo daquela esperança, agora voltava.
Tremia, suava frio, meus olhos se enchiam

35
lentamente de água, minhas pernas bambeavam.
Não tive como segurar aquela angústia que me
consumia por dentro. Estava de pé, olhado por
aquela janela na parede, mas cai naquele chão frio e
empoeirado e chorei como criança. Deixei aquele
resto de ingenuidade aflorar e joguei para fora toda
aquela tristeza.
Chorando deitado naquele chão de pedras, olhando
para um resto de teto, conseguia ver um pouco do
céu. Ainda hoje não sei o porquê, mas ver aquelas
nuvens brancas passando me acalmavam.
Aos poucos secava de tanto chorar e, quando já não
mais me restava água no corpo, levantei-me; estava
tonto.

Observei, mais uma vez, o ambiente onde estava.


Havia aquela mesa de madeira, com cadeiras
talhadas à mão em volta. Uma lareira ao lado e
aquele quadro sujo acima. Por causa do vento
repentino, um pouco da poeira tinha sido levada e o
quadro ficou um pouco mais visível.

Aproximei-me do quadro. Tentei tirá-lo da parede


para poder colocá-lo naquela mesa. Quando estava
deitado na mesa, passei a mão por cima para poder
limpá-lo. Assim que a poeira saia pela janela,
conseguia ver o que havia nele. Ele tinha uma
borda feita de uma madeira mais escura, com
pequenos detalhes em ouro. Nele havia uma árvore,
a árvore dos três galhos. A mesma árvore que
estava tão acostumado a ver e visitar.

36
Ela estava já nos fins da vila, na beirada do
penhasco e ao seu lado quatro lápides. Uma delas, a
menor, que estava mais próxima da árvore, tinha
uma flor amarela sobre, já as outras, não. Na maior
delas, que estava mais distante, tinha duas letras
gravadas, mas não consegui entender o que
significava.

Já tinha visto tudo o que deveria naquele cômodo,


por isso resolvi sair de lá antes que começassem a
sentir a minha falta.
Quando estava prestes a sair, comecei a ouvir
barulhos vindo do andar de baixo, quase como uma
reunião; uma grande falação, mas não conseguia
entender uma palavra se quer. Era como se fosse
uma outra língua. Até fiquei com medo de descer
para ver, mas não tinha como sair de lá de outra
forma.

Assim que tomei coragem fui em direção à porta e,


conforme me aproximava, as vozes ficavam cada
vez mais altas.
Quando estava de cara com a porta, conseguia
ouvir perfeitamente que alguém estava
conversando do lado de lá da porta, mas não
entendia uma palavra se quer.

Abri a porta. Tudo estava completamente diferente.


O chão do corredor não mais estava destruído. As
paredes, estavam todas de pé. Os tetos, ainda sobre
a minha cabeça.

37
No corredor, estavam dois seres estranhos, mas
familiares. Estranhos porque nunca havia visto
seres como aqueles, mas sempre ouvi sobre: elfos.

Havia um mais alto e outra um pouco mais baixa.


O mais alto tinha um longo cabelo negro, tão negro
que parecia azul com a iluminação dos vaga-lumes
que voavam por dentro do castelo. A outra parecia
mais feminina, mesmo estando de costas,
conversando com o maior.
Embora fosse menor, ainda sim devia ter uns dois
metros, mais ou menos. Ambos vestiam roupas
longas. O maior, vestia algo mais prateado, com
detalhes mais esbranquiçados, em formato de
folhas. As suas roupas eram visivelmente leves,
mas firmes. Brilhavam ao olhar e davam vida por si
só ao ambiente.
As linhas de prata que passavam pelas roupas
formavam desenhos que estavam por todo os
lugares. A base tinha escritos que brilhavam com a
luz esverdeada dos vaga-lumes. Os desenhos
subiam pela roupa em espiral, quase que dançando.
Tinham árvores, pássaros, cervos, outros elfos e
símbolos que deveriam funcionar como os brasões.

A gola de sua roupa também era muito detalhada.


Avia escritos pela base e ramos de rosas feitos de
prata que adornavam. O elfo também usava uma
série de brincos na orelha esquerda. O mais baixo
tinha formato de folha e era feito de prata. O
segundo, tinha formato de rosa e era feito de prata,
já o terceiro e mais alto, tinha o formato de lua e

38
era feito de Lith, que é uma espécie de prata, mas
que é muito mais resistente e apenas os elfos
sabiam como moldá-los.

A elfa, por sua vez, tinha uma roupa mais simples.


Era longa, mas não tinha muitos detalhes. Também
era acinzentada, com alguns riscos brancos, e com
a gola detalhada, mas nada além disso.

Quando notou minha presença, o mais alto parou


sua conversa e olhou para mim. Por causa disso, a
mais baixa se virou para ver o que era. Quando me
viu, não se assustou ou algo parecido. Ela se
abaixou para poder ficar na minha altura, mas ainda
sim era mais alta do que eu

— Oi, pequenino! O que está fazendo aqui? —


perguntou-me a elfa, com uma voz que, à época,
definiria apenas como “bonita”, mas hoje faço mais
jus ao que de fato era. Sua voz era mais doce do
que o mais doce mel, mais amena do que a mais
suave brisa, mais reconfortante do que o abraço de
quem nos ama.

— Eu tô procurandu minhas irmãs

— Você as perdeu?

— Elas sumiram

— E como elas são?

39
— São duas: a mai nova se chama Marya. Ela tem
seis anos. Tem um cabelo preto i longo. É bem
branquinha i sempre anda com um vestido amarelo.
Já a ôtra é a Yulia. Ela é mai velha do que eu.
Também tem um cabelão preto e usa um vestido
vermêlhu... Cê pode mi ajuda?

— Claro que eu posso! Mas me diga: por que você


veio procurá-las aqui?

— É qui eu ouvi dum moço estranho que ele tinha


visto elas pur aqui. Aí eu vim

— Mas e se esse moço quisesse fazer alguma coisa


de mal com você? Você não pode só confiar nas
pessoas assim, principalmente hoje em dia

— Mai eu sempre confiei em todo mundo...

— Bem... Como era esse “moço”?

— Eu não consegui vê a cara dele muito bem... Ele


tinha um cabelo preto comprido e tava usando
aquela roupa ali — enquanto estava terminando a
frase, apontei para o manto que ainda estava
naquele cômodo.

Quando a elfa o viu, tomou um enorme susto, que


logo a fez levantar e falar algo, em um tom
preocupado, com o outro elfo, que se aproximou da
porta e, assim que viu o manto jogado no chão,
começou a se aproximar lentamente dele, como se

40
fosse um animal selvagem. Cada passo era tão
silencioso que era impossível de ser ouvido.

Estando já bem próximo do manto, ele estendeu


sua mão direita sobre ele e começou a dizer algo
em uma língua diferente.

— Ôrdin de vô daas Yer — (Vale lembrar que o


que está escrito é o som que se ouviu quando o elfo
falou, mas o que ele, de fato, disse foi: “Ordin de
vaiu daast Yer”, o que no élfico antigo significa
“Ordeno que saia desta Terra”). Se por algum acaso
estiver se perguntando “como alguém que mal
sabia falar sua própria língua pode falar ‘élfico
antigo’?”. Esta é uma boa pergunta! E, se quiser
saber como, tenha em mente uma frase: “Aquele
que tem pressa não sabe o que é viver”.

O elfo ordenou e assim foi feito. Depois da terceira


vez o manto se incendiou por conta própria e as
labaredas o consumiram em questão de segundos.
Nem mesmo o pó restou. Uma coisa intrigante foi
que o fogo que consumiu o manto não consumiu
mais nada além daquilo. A parede de pedras não foi
manchada pelas cinzas. O chão de madeira não se
queimou, nem mesmo aquela grande mesa de
madeira que estava logo ao lado. Era como se
aquele fogo fosse algum tipo de magia ou algo
ancestral que, naquela época, não entendi, mas
hoje, graças a tudo que vivi e aprendi sei
exatamente o que foi, mas isso é uma outra história.

41
Depois do ocorrido o elfo disse mais alguma coisa
para a elfa e desceu para o primeiro andar, com
pressa.

— U que foi isso? — perguntei, assustado.

— O que você viu, meu pequenino, não foi um


homem. Aquilo era o que chamam de Yuruk, que
são os espíritos malignos que habitam as florestas
antigas

— Num intendi

— Seguinte: eu vou te contar uma história para te


explicar melhor a situação e, talvez, isso vá nos
ajudar a encontrar as suas irmãs, o que acha?

— Tudo bem!

Ela me levou para aquela mesa, pediu para que eu


me sentasse e começou a me contar a história:

— Há muitas eras, nós, elfos, reinávamos por quase


toda a Terra. A casa de Yandhell, que é onde você
está agora, reinava sobre todas as florestas do
Norte, que iam desde o Yeyt ent on yern, o Rio Fim
do Mundo, até as Finghunrain on Lohr, as
montanhas do Sol.
Desde que chegamos aqui, até sermos expulsos,
vivemos em plena paz com os animais, com as
árvores e com a terra, mas depois do Xanyry nos
yuis, o extermínio dos azuis, ou seja, nós, muitos

42
fomos mortos, outros fugiram para o Sul, outros
para além mar.
Depois que fomos retirados, os que foram
colocados aqui, mas não só aqui, mas em todas as
antigas florestas, foram os bruxos do Oeste, que se
espalharam como pragas e lançaram maldições e
bruxarias sobre a terra, abrindo portões que jamais
deveriam ter sido abertos. Foi isto que trouxe muito
dos monstros que habitam a Terras de hoje, como
os Yuruk.
Os Yuruks aparecem pouquíssimas vezes durantes a
vida e quando fazem precisam se alimentar e, para
isso, geralmente, levam crianças. Porém, eles não
devoram as crianças, porque eles não existem
materialmente. Eles usam das crianças para se
alimentarem de seu medo, por isso, geralmente,
deixam as crianças presas em lugares sombrios e
distantes por um bom tempo.

— Intão qué dizê que elas estão vivas? —


perguntei, animado

— Não posso dizer que sim..., mas também não


posso dizer o contrário — disse a elfa, com a maior
calma e paciência do mundo

— Isso é um sim ou um não?

— É um talvez. Só procurando para saber

— U que tâmo esperando, então? — perguntei,


eufórico

43
— Sinto muito, pequenino, mas você vai ter que ir
sozinho — falou a elfa, com seu semblante
entristecido

— Mai pur que não?

— Porque eu não posso sair daqui, ou melhor,


desta floresta. Eu até posso se acompanhar até a
borda, mas depois disso será apenas você.

— Mai pur que?

— Como eu não quero tomar muito do seu tempo,


só vou dizer isso por enquanto: Nós e tudo o que
você está vendo, ou seja, esse castelo, somos
apenas memórias de um passado esquecido. Não
existimos mais. Por isso que, quando você chegou,
tudo estava destruído e abandonado.

— Você são fantasma?

— “fantasma” não é o termo ideal, mas como não


quero te alongar muito, serve.
Eu vou te levar até onde devemos ir. Pelo caminho
eu lhe conto o resto. Pode ser?

— Pode — respondi, entusiasmado

Depois de tantas histórias e contos resolvemos sair


do castelo. Conforme saíamos o ambiente ia
mudando atrás de nós. Cada passo a mais era um
pouco de vida a menos. Os tetos voltavam ou chão.

44
As paredes eram consumidas pelo tempo. Os vaga-
lumes sumiam davam lugar às trevas.
Já no chão, olhando para aquele, outrora vivo,
castelo, vi o mesmo quando cheguei: um monte
pedras empilhadas, profanadas pelo tempo.

— Era lindo, não? — perguntou a elfa

— Muito! Vocês, algum dia, vão voltá?

— Aqueles que você viu hoje não estão mais vivos


e, até que a hora certa chegue, continuarão vagando
pelas florestas do Norte, ou o que restou delas

— Como eu posso fazê pra ajudá vocês?

— Eu sinto muito, meu pequenino, mas você não


pode, por hora. Porém tenho certeza de que, um
dia, você poderá, mas até lá, tenha calma.

— Pra onde a gente vai?

— Vamos até a extremidade Oeste. Lá, eu vou te


falar mais algumas coisas.

— Mai ocês são fantasma ou não?

— Olhe, todos os que você viu hoje não estão mais


vivos, como eu disse, mas também não estão
mortos. Na verdade, estamos apenas distantes de
nossos corpos. Tivemos que separar nossas almas
de nossos corpos para, um dia, podermos voltar a

45
viver pelas florestas.
Quando o extermínio nos alcançou, alguns foram
mortos e outros fugiram, como eu já disse. Os elfos
que você viu, e isso me inclui, usamos dos poderes
que tínhamos e da ajuda das forças da terra para
deixarmos nossos corpos e vivermos como
espíritos. Ainda temos corpos físicos, mas eles
estão escondidos.

— E u que eu posso fazê pra ajudá?

— Você pode, primeiramente, achar suas irmãs.


Depois, crescer e ser feliz e muito forte. Depois
estudar muito para, quem sabe, poder nos ajudar.
Mas creio ser difícil hoje em dia. Você teria que ter
conhecimentos da magia antiga que somente
poucos têm.

— Não se preocupa! Eu vou crescer, ficar forte,


estudar muito e ajudá ocês!

— E suas irmãs também, não é?

— CLARO!

Continuamos pelos caminhos do bosque, até


passarmos para a Vila do Touro.

Durante toda a minha vida aquele bosque foi


apenas um bosque. Um amontoado de árvores e
alguns animais que viviam por ali, mas agora, que
estava acompanhado da elfa, por onde ela passava

46
o bosque se transformava no que ele um dia já foi.
Por onde ela passava uma enorme área em torno
dela se transformava. O verde mais morto da grama
ficava vivo. Flores nasciam, animais apareciam
para vê-la, as árvores mostravam sua felicidade
quando ela passava; o bosque, como um todo,
mudou. Ele havia se transformado, mais uma vez,
naquilo que ele nunca veria ter deixado de ser.

— Chegamos — disse a elfa.

— Pra onde agora? — perguntei.

— Agora ouça bem o que eu tenho a dizer: à frente


há uma vila. Nela residem homens que nada têm a
ver com isso, por isso não fale sobre o que
aprendeu aqui, nem com eles nem com ninguém,
certo?

— Certo!

— Ótimo! Então faça o seguinte: mais à frente, um


pouco após a vila, há uma caverna. Ela está dentro
de um bosque que há ainda mais à frente. Entre na
caverna e procure por um objeto que deve estar lá
dentro

— Que objeto?

— Vai ser algo que não deveria estar ali. Quando o


vir saberá exatamente do que estou falando. Assim

47
que achá-lo, traga-o até mim e eu vou fazer o
possível por você, tudo bem?

— Tudo!

— Mas NÃO deixe que ninguém saiba o que vai


fazer ou para onde vai, certo?

— Certo!

— Quando for trazê-lo NÃO o mostre a ninguém,


certo?

—Certo!

— Então é isso. Boa sorte, meu pequenino!

Tinha acabado de receber a missão de minha vida.


Aquela que, caso conseguisse completar, traria
minhas irmãs de volta. Estava mais do que
determinado a completá-la, não importasse o que
acontecesse.

— Já ia misquecendo! Qual seu nome, moça?

— Meu nome é Ly-yurdem

— O que isso significa?

— Na língua dos homens, significa “amor


verdadeiro”, mas não perca tempo. Vá, antes que
seja tarde de mais

48
— Certo!

Já havia estado na Vila do Touro algumas vezes,


mas nunca por muito tempo. Tinha mais ou menos
a ideia de onde deveria ir, mas ainda sim estava
com um certo medo, porém meu desejo era maior
do que tudo.

A vila do Touro não era muito diferente de Vila


Pomar. Era uma vila de tamanho razoável, com
uma pequena população. A maior diferença entre
elas era a de que em Vila Pomar, o foco da
produção eram as frutas e legumes, já na Vila do
Touro o foco eram os animais, fossem para
alimentação direta (carne)ou para a indireta (leite,
manteiga etc), especialmente os touros e vacas, mas
lá também se tinha cavalos, patos, galinhas, porcos
e todos os animais que as vilas devem ter.

A Vila do Touro ficava (e ainda fica) ao lado de


Vila Pomar, sendo separadas pelo Bosque das Vilas
(de onde acabei de sair). Esse bosque ia desde a
encosta até, mais ou menos, uma légua para dentro
do continente, até ser cortada por uma estrada.
Sabia disso tudo, graças a meu pai e avô, mas
nunca estive nesses lugares durante a infância.
Somente fui conhecer o que era o mundo além de
Vila Pomar depois de grande.

Estava passando pela vila, observando atentamente


a tudo e a todos, para ver se encontraria de novo
aquele tão Yuruk ou o que quer que fosse.

49
Passei pelas estradinhas de barro batido, iguais as
de Vila Pomar. Vi pequenos terrenos cercados por
velhas cercas de madeira, igual a Vila Pomar. Vi
casas simples, com pessoas simples, igual a Vila
Pomar. A maior diferença na vista entre as vilas era
o grande pasto aberto que havia no centro. Havia
uma cerca que ia da encosta até bem próximo da
estrada, formando um gigante pasto, onde estavam
os bois e vacas de todos os vilões. Em uma lógica
bem parecida com a do pomar, em Vila Pomar;
aquele terreno enorme não possuía um dono, de
fato, todos eram donos e os touros e vacas de todos
podiam pastar ali a hora que desejassem.

Depois de ter percorrido meia légua, cortando a


vila, conseguia ver o dito bosque, mais à frente. De
longe não podia ver a caverna ainda, mas conforme
me aproximava mais conseguia ver um pequeno
montinho verde, lá dentro do bosque, com uma
abertura escura sem fim.

Este já era o ponto mais distante que estive de casa


a minha vida inteira. Ter isso em mente e o fato do
desaparecimento das meninas e o fato ter de se
apressar para chegar em casa logo me davam nos
nervos. Minhas mãos tremiam ainda mais, meu
suor era mais frio do que o inverno, meus
pensamentos eram mais revoltos do que o mar.
Enfim, não havia tempo para pensar em não ter
tempo. Algo devia ser feito e foi isso que fiz.
Aquela caverna era muito escura, mas ainda sim

50
era possível ver que ela descia para algum lugar, de
certo, muito profundo

GARATT VAI PASSAR PELA VILA DO


TOURO (FAZER UMA DESCRIÇÃO DO
LUGAR, PELOS CAMPOS ABERTOS, SEM
MUITAS ÁRVORES E A QUESTÃO LOCAL
(QUANTO MAIS TOUROS, MAIS RICO.
POBRES TEM MENOS TOUROS OU APENAS
VACAS))
GARATT VAI ACHAR A CAVERNA, DESCER
E ENCONTRAR A SALA COM PILARES E
CÂMARAS MORTUÁRIAS DOS ELFOS PELAS
PAREDES. UMA PEDESTAL NO CENTRO
COM UMA ESFERA DE CRISTAL
TRANSPARENTE E LETRAS (ÉLFICAS) DE
ESMERALDA QUE “DANÇAM” DENTRO
DELA. A PORTA VAI FECHAR.
VAI CONVERSAR COM O ESPÍRITO DE UM
ELFO QUE VAI DEIXÁ-LO SAIR

51

Você também pode gostar