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INTERFERÊNCIAS SOCIOCULTURAIS E INSTITUCIONAIS NO ACESSO

DO HOMEM AOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


Carla Gonçalves AGUIAR1
Linda Márcia Freitas CÂMARA2
Jucimere Fagundes Durães ROCHA3
Jair Almeida CARNEIRO4
Fernanda Marques da COSTA5
1
Estudante de Graduação em Enfermagem, Faculdades Unidas do Norte de Minas-Funorte, Rede Soebrás, email:
carlagaguiar@yahoo.com.br
2
Estudante de Graduação em Enfermagem, Faculdades Unidas do Norte de Minas-Funorte, Rede Soebrás, email:
lindamfc@yahoo.com.br
3
Enfermeira, Especialista em Saúde da Família, Docente da Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes e das
Faculdades Unidas do Norte de Minas-Rede Soebrás, email: jucimerefdr@yahoo.com.br
4
Médico, Mestre em Ciências da Saúde, Docente da Universidade Estadual de Montes Claros- Unimontes, email:
jairjota@yahoo.com.br
5
Enfermeira, Mestre em Ciências da Saúde, Docente da Universidade Estadual de Montes Claros- Unimontes,
email:fernandafjjf@yahoo.com.br

Recebido em: 21/05/2014 - Aprovado em: 30/06/2014 - Disponibilizado em: 30/07/2014

RESUMO: O estudo objetivou identificar os determinantes sociais, culturais e institucionais que interferem no acesso
do homem aos serviços de atenção primária à saúde. Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa. A
coleta de dados foi realizada por meio da entrevista semi-estruturada, no período de maio a junho de 2013 na Estratégia
de Saúde da Família de Montes Claros-MG. Os sujeitos do estudo foram dez homens que nunca procuraram os serviços
da atenção primária. A análise dos dados foi baseada na técnica de análise do discurso. Os resultados encontrados
demonstraram que as dificuldades vivenciadas pelos homens para a ausência ou baixa procura pelos serviços da atenção
primária estão subdivididas em duas categorias: barreiras socioculturais e institucionais. Dentre as barreiras
socioculturais destacam-se à construção da identidade de gênero, o entendimento sobre saúde, a crença inadequada
sobre os serviços disponibilizados de saúde e a vergonha de expor o corpo a terceiros. Já as barreiras institucionais estão
associadas à demora no atendimento, a horários inadequados e à inexistência de programas específicos para população
masculina. Este estudo reforça a necessidade de se trabalhar a inserção do homem nas atividades da atenção primária a
saúde.
Palavras-chave: Saúde do homem. Acesso aos serviços de saúde. Masculinidade. Atenção Primária à Saúde. Gênero e
Saúde.

SOCIOCULTURAL AND INSTITUTIONAL INTERFERENCE IN ACCESS


TO HUMAN SERVICES PRIMARY HEALTH CARE
ABSTRACT: The study aimed to identify the social, cultural and institutional determinants that affect the man to
primary care services to health access. This is a descriptive qualitative study. Data collection was conducted through
semi - structured interviews in the period May-June 2013 in Family Montes Claros - MG Health Strategy. The subjects
were ten men who never sought the services of primary care. Data analysis was based on the technique of discourse
analysis. The results showed that the difficulties experienced by men to the absence or low demand for primary care
services are divided into two categories: socio-cultural and institutional barriers. Among the sociocultural barriers
include the construction of gender identity, the understanding of health, inadequate beliefs about the health services
available and the shame of exposing the body to a third party. Have institutional barriers are associated with delay in
treatment, the inappropriate times and the lack of specific programs for male population. This study reinforces the need
to work the inclusion of man in the activities of primary healthcare.
Key words: Men's Health. Access to health services. Masculinity. Primary Health Care. Gender and Health.

INTRODUÇÃO como acesso e uso dos serviços disponíveis e


O interesse e as discussões acerca da relação perfis de morbimortalidade masculina. Um
homens e saúde tem crescido ao longo dos exemplo desta preocupação foi a Política
anos, sobretudo aquelas direcionadas a temas Nacional de Atenção Integral à Saúde do

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Homem, lançada em 2009 pelo Ministério da e institucionais que interferem no acesso do
Saúde, com o objetivo de facilitar e ampliar o homem aos serviços de APS. Acredita-se que
acesso da população masculina aos serviços o conhecimento das singularidades desse
de saúde, em resposta à observação de que os grupo específico, poderá possibilitar
agravos do sexo masculino são um problema aproximação do serviço com a população
de saúde pública (COUTO et al., 2010). masculina.
O Brasil é o primeiro país da América Latina ASPECTOS METODOLÓGICOS
a implementar uma política nacional de Trata-se de um estudo descritivo de
atenção integral à saúde do Homem, o abordagem qualitativa, que foi realizado na
primeiro foi o Canadá. A partir dos princípios Estratégia de Saúde da Família (ESF) Delfino
e diretrizes dessa política será possível Magalhães na cidade de Montes Claros-MG,
orientar as ações e serviços de saúde para a Brasil, no primeiro semestre de 2013. A
população masculina, com integralidade e escolha desta ESF baseou-se no tempo de
equidade, primando pela humanização da implantação, característica considerada
atenção (MEDEIROS; MENEZES; importante para a realização desse estudo.
NAPOLEÃO, 2011). Essa ESF possui 13 anos de atuação junto a
Na atenção primária à saúde (APS) a sua população. Atualmente a equipe atende
demanda dos homens por atendimento é 2.480 pessoas. Os homens cadastrados na
bastante inferior à das mulheres, devido a faixa etária de 20 a 59 anos correspondem a
diferentes fatores, segundo os autores os 29,27% da população, perfazendo um total de
homens geralmente buscam assistência em 726 homens.
outros níveis de atenção. Essa busca por esses Os sujeitos do estudo foram homens com
serviços de saúde se opõe ao preconizado pelo idade entre 25 e 59 anos, cadastrados na ESF
Ministério da Saúde, uma vez que a APS é que não procuraram os serviços disponíveis.
considerada a porta de entrada e o principal Para identificação dos sujeitos foi realizado
contato dos usuários com os serviços de saúde uma revisão nas fichas de cadastro das
independente de sexo ou idade (ALBANO; famílias (ficha A). Os homens selecionados
BASÍLIO; NEVES, 2010). participaram de uma entrevista individual
Entre as principais causas de morte masculina semi-estruturada contendo algumas questões
estão às doenças crônicas que podem ser norteadoras.
prevenidas ou controladas por meio de Foram entrevistados dez homens selecionados
intervenções em atitudes e práticas cotidianas aleatoriamente através de sorteio e para
que contribuem para a ocorrência desses determinar o número de participantes foi
problemas. Assim, esse estudo objetivou empregado o critério de saturação de dados.
identificar os determinantes sociais, culturais Após transcrição e leitura dos relatos, os
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participantes foram codificados com nomes RESULTADOS E DISCUSSÃO
de metais para garantir o anonimato e o sigilo Os homens apesar de estarem inseridos em
das informações. No tratamento dos contextos sociais diferenciados têm uma
depoimentos, utilizou-se o método de percepção sobre a saúde parecida, eles não
interpretação de sentidos, baseando-se em negam que possuem necessidades de saúde,
princípios hermenêutico-dialéticos que porém relatam várias dificuldades em
interpretam o contexto, as razões e as lógicas procurar os serviços oferecidos pela APS
de falas, ações e inter-relações entre grupos e (SCHRAIBER et al., 2010). Dessa forma, os
instituições (GOMES et al., 2005). homens buscam menos os serviços de saúde
Inicialmente foi realizada a leitura se comparados às mulheres e quando o fazem
compreensiva do material, em seguida geralmente a porta de entrada para o sistema
procedeu-se a problematização das ideias e a de saúde não é feita pela APS (ALBANO;
busca de significados socioculturais e, por BASÍLIO; NEVES, 2010). Eles preferem
fim, estabeleceu-se um diálogo entre ideias procurar os serviços emergenciais em
problematizadas, informações provenientes de detrimento da ESF como se pode perceber
outros estudos acerca do assunto e o nestes relatos nos quais os sujeitos afirmam
referencial teórico do estudo. A partir da nunca ter utilizado a ESF para consulta:
análise e da interpretação dos depoimentos, “Bem, eu acho que é ótimo né, pelo fato de tá
foram agrupados os sentidos subjacentes em principalmente próximo de nossa residência
dois eixos de discussão: barreiras né, e apesar de que eu nunca procurei pra ter
socioculturais e barreiras institucionais. um pouco mais de conhecimento né [...]”
A coleta de dados ocorreu após aprovação do (ZINCO).
Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade “Muito bom apesar de eu não procurar [...]”
Educativa do Brasil – SOEBRAS/ Faculdades (CHUMBO).
Unidas do Norte de Minas - FUNORTE por “Particularmente eu não conheço, quase não
meio do parecer nº 279.930 de 05/2013 e procuro [...]” (TITÂNIO).
caae: 14062713.2.0000.5141. Em todas as “Muito bom, mais nunca procurei [...]”
etapas da pesquisa seguiu-se o preconizado (FERRO).
pela portaria 196/96 do Ministério da Saúde “O atendimento de saúde aqui no bairro não,
para a realização de pesquisa com seres não, conheço não...” (AÇO).
humanos. Todos os homens que aceitaram “[...] eu não procurei, ainda.. eu nunca
participar do estudo autorizaram a gravação procurei o serviço de saúde pra mim [...]”
da entrevista assinando o Termo de (COBRE).
Consentimento Livre e Esclarecido. A ausência dos homens nesses serviços está
relacionada a uma característica da identidade
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masculina referente ao seu processo de “Às vezes também o homem se ocupa
socialização. Nesse caso, essa identidade trabalhando, às vezes a mulher vai mais
estaria associada à desvalorização do também porque elas têm mais coisa com
autocuidado e a preocupação incipiente com a saúde, e o homem encara tudo, é forte, né.”
saúde (SILVA, 2010). (BRONZE).
Esse dado é encontrado em diversos estudos “Olha [...] é porque o homem é mais
que comprovam a preferência dos homens por desleixado, e mais orgulhoso [...] os homens
serviços voltados para o atendimento de fumam mais do que as mulheres, bebem mais
problemas agudos (SCHRAIBER et al., 2010; e tem mais problemas respiratórios, mais
MEDEIROS; MENEZES; NAPOLEÃO, problemas no fígado, mas eles nunca aceita
2011; COUTO et al., 2010). Esses estudos [...]” (MERCÚRIO).
explicam a resistência masculina frente à Com base nos discursos acima, vale destacar
APS, apontando diversas razões agrupadas, o achados de Gomes et al. (2011) que
basicamente, em dois determinantes: barreiras demostram que a organização do sistema de
socioculturais e institucionais. saúde, historicamente, vem sendo desenhada a
A Dificuldade de Acesso do Homem aos partir da valorização do cuidado à saúde da
Serviços de Atenção Primária: As mulher e da criança, tanto no meio
Barreiras Socioculturais profissional quanto no imaginário social e,
Para Couto et al. (2010) as dificuldades dos assim, demarca as diferenças de abordagens
homens em procurar os serviços assistenciais de acolhimento por gênero, promovidas pelos
podem estar relacionados a estrutura de serviços de saúde.
identidade de gênero, a qual dificultaria a Corroborando com os dados apresentados, um
exposição de suas necessidades de saúde. estudo realizado por Figueiredo e Schraiber
Albano, Basílio e Neves (2010) ressaltam que (2012) demonstra que a associação do cuidar
essa resistência do homem em relação ao está, realmente, na maioria das vezes,
autocuidado está associada a uma cultura na relacionada ao âmbito feminino. Os autores
qual os homens são educados como seres acreditam que na diferenciação de papéis por
fortes e resistentes quando comparados às gênero presentes no imaginário social,
mulheres. Os depoimentos abaixo expressam principalmente masculino, entendem-se os
esta situação: cuidados de saúde como sendo característicos
“Acho, que deve ser pelo gênero mesmo né, do gênero feminino.
masculino, de buscar atendimento quando ele As construções da masculinidade, por se
percebe que não tem condições de locomover estabelecerem contrárias ao universo
que a doença tá bem mais avançada” feminino, se contrapõem também a
(COBRE). comportamentos baseados no cuidado em
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saúde. Assim, os homens assumem maior descuido com o próprio corpo. Pedir ajuda
dificuldade na busca por assistência em razão somente quando não suporta mais os desaba
de sua autopercepção de necessidades de diante da doença já instalada e avançada.
cuidados e pela noção de que esta é uma Tendo em vista a assistência à saúde dos
tarefa do universo feminino. Precisar ou homens como um desafio para os serviços de
procurar por cuidados de saúde é algo que atenção primária, Silva (2010) se posiciona
desmerece sujeitos criados para assistir e dizendo que é bastante difundida a idéia de
prover. Essa imagem masculina do “ser forte” que os serviços desenvolvidos na APS são
pode acarretar em práticas de pouco cuidado destinados, quase que exclusivamente, às
com o próprio corpo, tornando o homem mulheres, às crianças e aos idosos. Machim et
vulnerável a uma série de situações al.( 2011) considera que esse fato afasta ainda
(MACHIN et al., 2011). mais os homens da unidade pois eles sentem-
Baasch (2007) afirma que os homens se pouco à vontade nesse ambiente. Essa
apresentam um entendimento de saúde como situação é evidenciada nos discursos abaixo:
ausência de doença, entendimento este que se “[...] apesar de eu não procurar eu vejo pela
mostra claro na forma como eles utilizam os minha mãe, meu pai que é mais idosos e faz
serviços de saúde o fazendo mediante tratamento lá” (CHUMBO).
demandas emergenciais e curativas. Gomes “Bem eu suponho que o povo tem, deve ter
et al. (2011) também relatam em sua pesquisa um pouco de vergonha né, primeiramente e
que o homem só procura por atendimento de pelo fato de sempre ter é mais mulheres nos
saúde com a intenção de tratar doenças e que PSF e posto de saúde" (ZINCO).
pouco ou nada se interessam por ações “[...] eu procuro mesmo hospital quando eu
preventivas, o que comprova uma tendência tô precisando mesmo [...] assim, normalmente
ainda predominante do modelo curativo no graças a Deus foi poucas vezes, normalmente
perfil de utilização dos serviços. Como foi o PSF, é mais por causa dos meninos né, que
evidenciado nos seguintes discursos: tá doente mesmo, mas normalmente por causa
“Só se eu tiver com muito sofrimento [...] deles” (TITÂNIO).
Muito mal mesmo, aí eu vou pra consultar” Outro fato que contribui para falta de cuidado
(OURO). dos homens com a sua saúde é a vergonha de
“[...] só no ultimo caso, se não tiver jeito de... ficar exposto diante do profissional de saúde.
de sair, de a doença tá te deixando acamado Para Gomes et al. (2011) essa justificativa, na
caso contrário não procuro não [...]” visão dos homens, está associada a um sinal
(COBRE). de fraqueza .
Simião (2010) afirma que ao homem caberia, Possivelmente essa vergonha se associa à
então, ser forte – o que pode resultar em falta de hábito de se expor ao profissional de
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saúde. Ao contrário do homem, a mulher em também não divulgam programas ou
sua socialização foi mais acostumada a ter o atividades direcionadas especificamente para
seu corpo exposto para a medicina. Essa eles. Esta situação foi descrita na seguinte
divergência entre os gêneros, no que se refere fala:
ao olhar da medicina, pode ter contribuído “Acho que é a divulgação, eu acho que a
para que a exposição da mulher seja vista com divulgação pro lado das mulheres é bem mais
mais naturalidade do que a do homem e nos homens acho que é [...] é que a
(GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). assistência de saúde nos homens que fica a
Tal fato foi retratado nos seguintes desejar”
depoimentos: Gomes, Nascimento e Araújo (2007) afirmam
“[...] o homem fica com receio de procurar, que os serviços de saúde da APS são
por que geralmente a maioria são médicas considerados pouco aptos para absorver a
né, não são homens então acho neste ponto demanda apresentada pelos homens, pelo fato
eles tem um pouco mais de receio, e de de sua organização não contribuir para o
vergonha” (ZINCO). acesso e as campanhas de saúde pública não
“Vergonha do profissional que tá lá, quando atingirem este segmento populacional. De
eu adoeço eu vou mesmo é na farmácia” maneira geral o serviço está despreparado
(OURO). para o atendimento aos homens, mas também
“[...] o homem é mais orgulhoso [...] às mulheres.
principalmente no que se refere aquele exame Em sua maioria os homens procuram os
de próstata” (MERCÚRIO). serviços para serviços básicos, como
A Dificuldade de Acesso do Homem aos vacinação, geralmente demandados por seus
Serviços de Atenção Primária: As empregadores:
Barreiras Institucionais. “eu já vacinei até mesmo porque o meu
Na pesquisa de Couto et al. (2010) destaca-se plano não cobre vacinas, mas eu nunca ouvi
a inexistência de programas ou atividades falar nos serviços direcionados para
voltados para a atenção aos homens, em população masculina” (MERCÚRIO).
particular os adultos jovens e em faixa “vou ao PSF pra pegar remédio, vacinar e
reprodutiva, sendo estes atendidos em pegar receita” (CHUMBO).
diversos programas que não são direcionados Segundo Baasch (2007), o homem tem a
a essa população específica. percepção de que a organização do
Esse também foi um dos motivos apontados atendimento na APS voltado para uma agenda
pelos homens para a baixa demanda deles na programada como sendo a causa da
APS neste estudo. Relatam que não procuram dificuldade para seu acesso ao serviço. De
a unidade porque estas não disponibilizam e acordo com esta autora, os homens sentiriam
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mais dificuldades para serem atendidos, demora, mas sabe que vai ser atendido”
devido ao tempo perdido na espera da (BRONZE).
assistência como revela as enunciações: O homem então pode ser identificado como
“[...] ter que ir lá marcar, demora, tem que alguém mais prático e objetivo. Isso interfere
esperar, ocupa muito tempo né. Eu já fui, já na adesão e na construção de vínculo com o
há muito tempo atrás, já tentei [...] não serviço de saúde, na busca de serviços mais
consegui e desisti. O homem é sem paciência rápidos. No caso de tratamentos que requerem
né [...] não tem paciência de ficar esperando, acompanhamento contínuo, isso é um fator
demora demais né [...] então é muito puxado importante que interfere na evasão (GOMES
para quem trabalha” (AÇO). et al. 2011).
“[...] chega lá tem aquela burocracia. Ah!!! Segundo Simião (2010) outro fator impeditivo
Tem que ficar esperando, tem aquela da procura dos homens pelos serviços de
dificuldade toda, então normalmente agente saúde refere-se à dificuldade de se encontrar
não tem esse tempo todo pra esperar e acho postos de saúde ou ambulatórios abertos após
que se marca aí é que demora demais” as dezessete horas. Com o obstáculo da falta
(TITÂNIO). de tempo livre, restam a eles os serviços de
“[...] demora e o homem não tem muita urgência e emergência, visto que estes
paciência de esperar”(BRONZE). funcionam vinte e quatro horas por dia.
Silva (2010) acrescenta que os homens Conforme demonstra o conjunto discursivo:
preferem utilizar outros serviços de saúde, “Por causa do horário [...] eu trabalho o dia
mais de pronto-atendimento, como farmácias todo e as vezes que precisei foi nos horários
e prontos-socorros, que responderiam mais que o posto tava fechado e também porque
objetivamente as suas demandas. Nesses demora agenda lá pra frente” (AÇO).
lugares, eles são atendidos com mais rapidez “Porque os homens trabalha o dia todo, as
e conseguem expor seus problemas com uma mulheres tem mais tempo, se funcionasse de
maior facilidade. Esta situação foi descrita na noite talvez os homens procuravam mais”
seguinte fala. (CHUMBO).
“[...] demora muito, aí eu vou na farmácia Neste ponto de vista, observa-se o fato de que
mesmo é mais rápido”(OURO). as unidades básicas de atenção primária foram
“No hospital porque faz a ficha rapidinho e organizadas para o funcionamento em
atende” (CHUMBO). horários quase sempre incompatíveis com o
“Procuro o Pronto Atendimento Municipal “homem trabalhador”, dando margens ao
Alpheu de Quadros, é um hospital bem maior reconhecimento no mundo do trabalho de que
e também tá bem mais rápido, pelo menos apenas a mulher teria necessidades de uso
regular dos serviços (GOMES et al. 2011).
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Ainda de acordo com Knauth, Couto e competência dos membros da equipe e a
Figueiredo (2012) a ampliação do horário de resolutividade desses serviços.
funcionamento das unidades de saúde é vista Silva (2010) acrescenta que o fato do
como uma medida que pode atrair um maior processo de trabalho da ESF estar ainda
número de usuários do sexo masculino. Isto focalizado no profissional médico e o
pode ser constatado, por exemplo, em um dos potencial do profissional enfermeiro não estar
serviços observados onde a ampliação do sendo totalmente aproveitado leva a ESF a
horário de atendimento trouxe melhorias na sustentar uma forma excludente de
organização das atividades desenvolvidas, atendimento. Nesse serviço a prioridade é de
dentre as quais se destaca a ampliação do quem chegar primeiro não se observando uma
acesso da população masculina ao serviço. valorização dos problemas de saúde da
Por isso, Couto et al. (2010) identificaram população e o estímulo à autonomia do
uma concentração maior de homens em usuário. Sendo este fato considerado como
unidades de saúde que criaram horários uma das questões limitantes à consolidação
alternativos para o atendimento, sobretudo do acolhimento, tendo em vista que o sucesso
para os trabalhadores. Ressalta-se, nessas deste pressupõe agenda aberta e o desafio de
falas, que a demora em obter uma consulta, o conciliar o trabalho de assistência dentro da
tipo de marcação de horário, turnos de Unidade de Saúde com o trabalho externo.
funcionamento e tempo de espera para ser A pouca procura masculina também aparece
atendido se constituem em princípios associada à ausência de acolhimento ou o
organizacionais que, possivelmente, impedem acolhi- mento pouco atrativo, que pode estar
os homens desse estudo a priorizarem a APS relacionado à frágil qualificação profissional
como referência para atenção à saúde. para lidar com o segmento masculino
Portanto, é possível inferir que, nesse caso, as (GOMES et al., 2011).
dificuldades de acesso dos homens ao serviço Silva (2010) reforça ainda que o que
de APS decorrem também da acessibilidade contribuiria de forma positiva para melhora
organizacional. desse processo seria o estabelecimento de
Esse achado coincide com os descritos por linhas guias e protocolos. Esses instrumentos
Lima et al. (2007) que identificaram que, poderiam nortear os procedimentos a serem
apesar de existirem serviços de saúde adotados pela equipe, em especial pelos
próximos da casa do usuário, considerados de enfermeiros que, além de acolher poderiam
fácil acesso, sua escolha foi influenciada pela contribuir para resolutividade das ações. Essa
forma como foi recebido na unidade, pela discussão remete a necessidade de meditar
confiança na experiência dos trabalhadores, o acerca da função que a ESF vem executando
tipo de atendimento ofertado, a capacidade e a
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nos últimos anos, principalmente no contexto atendimento quando estão doentes e
da promoção a saúde do homem. debilitados preferindo procurar pelos serviços
emergenciais como farmácias e pronto-
CONSIDERAÇÕES FINAIS socorro quando não conseguem mais lidar
Esta pesquisa reforça outros estudos nos quais sozinhos com o problema e pouco se
os determinantes socioculturais e preocupam com atividades de prevenção e
institucionais interferem no acesso do homem promoção da saúde.
aos serviços da APS. Em relação às barreiras O estudo oferece subsídios para se trabalhar à
socioculturais a baixa demanda dos homens inserção do homem nas atividades
nos serviços da APS está associada à desenvolvidas pela APS, para isso é
construção da identidade de gênero e da necessário uma divulgação da existência de
masculinidade. O homem é visto como forte e uma política voltada para esse segmento e que
resistente e o cuidado com a saúde poderia esta política seja verdadeiramente colocada
demonstrar sinal de fraqueza o que, na visão em prática. A ampliação do horário de
deles, está relacionado ao âmbito feminino. atendimento das unidades e a organização do
Além disso, existe um entendimento de saúde atendimento deve ser uma possibilidade
equivocado, acreditam que só necessitam de discutida entre profissionais e gestores.

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