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VII SEMANA DA PEDAGOGIA

TALENTOS DE TEFÉ: O SURGIMENTO DAS TÉCNICAS TEATRAIS


ATRAVÉS DO PRIMEIRO CURSO NA CIDADE DE TEFÉ – AM

Daniel Siqueira Ribeiro – UEAi


Adilma Portela da Fonseca Torres – UEAii
Eixo1: Formação de Professores, pluralidade cultural e práticas pedagógicas no contexto do
Médio Solimões.

Resumo

O presente artigo fez parte da pesquisa de monografia apresentada ao curso de pedagogia,


cujo objetivo principal foi relatar as experiências pessoais do teatro popular na cidade de
Tefé-AM, desde o seu surgimento em 2015, que foi o primeiro projeto a ser pensado para o
município com uma forma de reunir jovens para conhecer o mundo teatral. O trabalho teve
como arcabouço metodológico a pesquisa bibliográfica pautada em Boal (1996, 2008, 2015)
como autor principal, a pesquisa de campo, pesquisa documental, abordagem qualitativa,
tendo como técnica de análise de dados e a transcrição de entrevistas. Os artistas entrevistados
no decorrer da pesquisa, foram os participantes do projeto em questão e por conta da difícil
demanda para reunir todos, incluindo o produtor e idealizador do projeto, foram limitados a 6
(seis). Os resultados alcançados na pesquisa se deram na realização pessoal de todos os que
participaram do projeto, sendo ele o ponta pé inicial para os futuros grupos de teatro que
surgiram no decorrer dos anos. As entrevistas evidenciaram uma forte mudança no modo de
cada artista local enxergar sua visão de mundo, tendo em vista que todos se destacam em suas
áreas até os dias de hoje.

PALAVRAS-CHAVE: Talentos de Tefé. Teatro. Jogos Teatrais.

Abstract

This article was part of the monograph research presented to the pedagogy course, whose
main objective was to report the personal experiences of popular theater in the city of Tefé-
AM, since its emergence in 2015, which was the first project to be thought of for the
municipality with a way of bringing together young people to discover the theatrical world.
The methodological framework of the work was bibliographical research based on Boal
(1996, 2008, 2015) as the main author, field research, documentary research, qualitative
approach, using data analysis and interview transcription as techniques. The artists
interviewed during the research were participants in the project in question and due to the
difficult demand to bring everyone together, including the producer and creator of the project,
they were limited to 6 (six). The results achieved in the research resulted in the personal
achievement of everyone who participated in the project, being the starting point for future
theater groups that emerged over the years. The interviews highlighted a strong change in the
way each local artist sees their worldview, considering that they all stand out in their fields to
this day.
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KEYWORDS: Talents of Tefé. Theater. Theatrical Games.


Introdução

A presente pesquisa teve como objetivo geral relatar experiências com as artes teatrais
no decorrer dos anos desde o primeiro contato no ano de 2015 com o Projeto talentos de Tefé.
Os objetivos específicos foram: investigar grupos de teatros existentes na cidade de Tefé-AM,
coletar informações e experiências dos participantes do primeiro projeto de teatro na cidade
de Tefé-AM, analisar as experiências de vida dos participantes durante a execução dos
projetos e a transformação pessoal de cada um (a).
As questões norteadoras para esta pesquisa foram as seguintes: De que forma será
possível a produção de material suficiente para relatar os acontecimentos nos projetos em
questão? Quais ex-integrantes do projeto Talentos de Tefé (2015) encontram-se disponíveis
para entrevistas?
Desde o início do ano de 2021, foi pensado todo um plano para compilar na pesquisa,
um arcabouço de vivências, relatos pessoais de participação e materiais como fotografias e
entrevistas realizadas com alguns dos participantes do projeto Talentos de Tefé no ano de
2015. Tal projeto completará oito anos no mês de dezembro e, apesar de ser pouco comentado
na cidade, só aumentou a inquietação e a necessidade de sua publicação, já que ganhou muita
repercussão em sua época.
A construção dos atores e de seus respectivos personagens deram-se através de novos
conhecimentos provenientes dos jogos teatrais praticados com a ajuda de um professor
simpatizante com o projeto, criando um ambiente de harmonia e de acolhimento,
principalmente para aqueles (as) que precisava superar a timidez e seus medos interiores, algo
que produziu muitas experiências corporais no palco.
A retomada para a as atividades com o primeiro grupo no ano seguinte (2016) não
foram bem-sucedidas, devido ao afastamento de mais da metade dos atores, por conta de seus
novos planos para o trabalho e para a vida acadêmica, o que culminou no encerramento total
do projeto, apesar da sequência da peça final estar pronta para os primeiros ensaios e uma
possível reposição de novos personagens com histórias mais hilárias.
O arcabouço teórico aborda o Teatro do Oprimido do teatrólogo Augusto Boal, cujas
obras foram a base para a construção deste trabalho, bem como sua prática aplicada a prática
dos participantes de cada projeto Na metodologia do trabalho foi utilizado o uso dos jogos
teatrais empregados projetos, bem como os resultados envolvendo os ex-integrantes e suas
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mudanças após cada etapa do processo de protagonismo, contribuindo para o seu


desenvolvimento pessoal e profissional.
Fundamentação teórica

O “teatro popular” é genuinamente brasileiro, mas especificamente voltado para a


classe proletária como forma de expressão com bases teóricas e práticas, com resistência aos
regimes totalitários, formando um conjunto de técnicas características advindas do Teatro do
Oprimido, criado pelo teatrólogo Augusto Boal (1931-2009) e desenvolvido em mais de
setenta países. Em sua obra Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas, Boal (2008)
afirma que:

O Teatro do Oprimido jamais foi um teatro equidistante que se recuse a tomar


partido – é teatro de luta! É o teatro DOS oprimidos, SOBRE os oprimidos e PELOS
oprimidos, sejam eles operários, camponeses, desempregados, mulheres, negros,
jovens ou velhos, portadores de deficiências físicas ou mentais, enfim, todos aqueles
que se impõem o silêncio e de quem se retira o direito à existência plena (BOAL,
2008, p. 30).

Na concepção do autor, percebemos que a técnica elaborada por Boal era voltada para
a denúncia das contradições das questões sociais e ao incentivo pela participação política do
povo, por isso ele é conhecido como um teatro popular voltado para a emancipação dos
sujeitos, algo que não é apenas para o entretenimento, mas para trazer uma verdade construída
através de falas, gestos e sons. Segundo Boal (2015):

A linguagem teatral é a linguagem humana por excelência, e a mais presencial.


Sobre o palco, atores fazem exatamente aquilo que fazemos na vida cotidiana, a toda
hora e em todo lugar. Os atores falam, andam, exprimem ideias e revelam paixões,
exatamente como todos nós em nossas vidas no corriqueiro dia a dia. A única
diferença entre nós e eles consiste em que os atores são conscientes de estarem
usando essa linguagem, tornando-se com isso, mais aptos a utilizá-la. Os não atores,
ao contrário, ignoram estar fazendo teatro, falando teatro, isto é, usando a linguagem
teatral, [...] (BOAL, 2015, p. 13).

De acordo com o autor, os atores possuem uma peculiaridade única, como os não-
atores, que ignoram as regras do teatro básico e usam a realidade ao redor para atuar,
utilizando seu corpo, fala e movimentos.
Os atores envolvidos com o teatro popular de Boal são comumente traçados por uma
estética única, algo voltado para o coletivo, que transmite o que sente através da comédia e do
drama, algo que transmita a mensagem com mais veemência, com significados que nem
sempre são compreendidos pelo público novato que adere a esta categoria, podendo
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compreender seu propósito posteriormente. “Os espectadores não prestarão a menor atenção
quando se disser que tal personagem é assim ou assado, mas verão com interesse tudo aquilo
que ele fizer, e que o mostre como sendo assim ou assado” (BOAL, 1996, p. 93).
Em concordância com as palavras do autor, o personagem precisa mostrar em ações o
porquê de suas ações, não apenas por quem ele é, por exemplo, se a personagem é uma vilã,
ela precisa mostrar na ação as atitudes de uma vilã de verdade.
Um ator desse porte se compromete àquilo que é imprevisível, pois o teatro de Boal
nem sempre é uma coisa só, isto é, não segue uma única linha de pensamento, mas se
consolida no pensamento contraditório social e político. “A palavra ‘teatro’ é tão rica de
significados diferentes – alguns se complementando, outros se contradizendo! – que nunca
sabemos ao certo sobre o que estamos falando quando falamos de teatro” (BOAL, 2015, p.
19).
O teatro por si só é uma arte e, por essa razão, precisa mostrar não somente beleza,
graça e postura, mas também revolta, contradição, questionamentos e também a clareza na
mensagem que ele quer repassar para o espectador.
No meio de toda essa miscelânea de conceitos e experiências do cotidianos dos
indivíduos (incluindo os atores e sua trupe), o trabalho desenvolvido por diretores desta
categoria, sempre está envolvido com o social, com os problemas que estão mais latentes
sociedade, tendo em vista de que a voz do povo nem sempre pode ser ouvida e ter em mãos
algo que possa ser usado para transmitir essa necessidade, é de fato instigante, sobretudo os
temas aplicados à trama. Corroborando com o teatrólogo. De acordo com Nascimento (2017):

Boal defende que para um teatro ser popular, é necessário que esteja presente em
cena o entendimento do povo acerca dos fenômenos e das relações sociais, mas isso
não significa que seu conteúdo precise ser necessariamente político
(NASCIMENTO, 2017, p. 47).

Contudo, apesar de toda esta bagagem de conhecimentos teóricos e práticos, a


pesquisa de Boal foi um tanto limitada no Brasil, caindo então no esquecimento, já que se
trata de um teatro de cunho político, da prática de esquerda revolucionária, que foi
violentamente calada nos tempos do regime militar e nos meios de comunicação manipulados
pelas classes dominantes.

Projeto Talentos de Tefé (2015): o projeto base


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No ano de 2015, o Projeto Talentos de Tefé foi criado pelo professor Hudson Ferreira
do curso de fotografia realizado no CETAM 1. Ademais, este projeto estava em andamento
para o desenvolvimento de um possível grupo de teatro para a cidade.
A partir daí, fui convidado para participar do projeto como roteirista, com a missão de
produzir a peça final do curso, que seria apresentada para o público. Então, ele entregou uma
folha com o esboço da história, que contava a vida de um cientista cujo avião caía no meio da
floresta e assim, ele sofreria todo tipo de situações engraçadas envolvendo personagens de
nosso folclore, cujas personalidades estariam trocadas, pois o gênero era a comédia.
Com relação às inscrições, os dados surpreenderam a todos, pois no total foram mais de
noventa com anúncio nas rádios, no Facebook e até mesmo em um jornal local, daí a
quantidade excedida de participantes, já que a notícia foi bem mais divulgada do que apenas
com panfletos, que também foram espalhados pela cidade.
Dessa forma, o produtor do projeto juntamente com o professor convidado, Israel Klinger,
o mediador com exercícios e jogos teatrais, desenvolveram o projeto em escrito para melhor
compreensão do corpo editorial.
Antes do curso iniciar, já estava produzindo o roteiro da peça final em manuscrito, sendo
que ainda não tínhamos um título fixo, mas já tínhamos os personagens principais, como:
Johnson Hansell, Chapolin Colorido, o macaco, Pajé Tibira, Caboré, Jurema, Prefeito
Fernandinho e Dr. Rasteirinha. O primeiro título esboçado foi Pirados da Selva, apenas
temporário para definir melhor o corpo da história, e antes que eu pudesse finalizar o roteiro,
o projeto já havia começado.
O projeto foi realizado com a duração de três meses, iniciando no meio de outubro.
Estavam na mesa da direção o Hudson Ferreira, Rondinelly Pereira, o professor Israel e a
minha pessoa como o roteirista. O auditório estava cheio, as pessoas se entreolhavam,
algumas já se conheciam e outras ainda estavam tendo o primeiro contato. O Hudson
começou dando as boas-vindas a todos, apresentando o projeto e seu propósito, logo em
seguida, apresentou os membros da comissão editorial e assim, o professor Israel Klinger deu
início ao curso, abordando os princípios do teatro, informações básicas para não se aprofundar
muito no assunto.
Finalmente, tivemos nosso primeiro Breves Cenas2, que seria uma seletiva para que
pudéssemos selecionar aqueles que melhor se destacariam em seus papéis, e a montagem e
tema de cada peça estava a critério dos grupos.

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Centro de Educação Tecnológica do Amazonas.
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Refere-se a peças de 5 a 10 minutos.
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A seleção, contudo, não foi realizada na hora, mas sim na casa do Hudson, juntamente
comigo, Rondy e o professor Israel, que a partir do acesso às listas de inscrição, montamos
uma apresentação em Power Point com as fotos dos selecionados para permanecer no projeto
e para fazer parte do elenco da peça final, que, durante esse tempo, já estava praticamente
pronta, só faltava terminar o final.
Planejamos algo bem instigante para anunciar os vencedores da primeira fase do
projeto: utilizamos um data show para que todos vissem os escolhidos e aqueles que,
infelizmente não continuariam mais conosco, pois, eram muitas pessoas e precisávamos
passá-los por um “crivo”. No final, 26 integrantes foram selecionados.
Após a seleção feita, a peça final já havia ganhado o título definitivo de “Deu a louca
na selva”, nome sugerido pelo meu amigo Rondinelly Pereira, que foi aprovado por
unanimidade. Então, todos tiveram acesso ao roteiro finalmente pronto, com cópias para
todos. Todos leram, deram muitas gargalhadas e alguns até se identificaram com os
personagens, o que era bom já que íamos fazer algumas audições para saber qual personagem
ficaria melhor. Alguns eram tão perfeitos para um determinado personagem, que dissemos: “é
ele!” ou “é ela!”, então durante as audições, percebemos que seria mais divertido se as
mulheres interpretassem papéis masculinos e os homens papéis femininos, o que acabou
dando super certo durante os ensaios das primeiras cenas. Os atores e seus respectivos
personagens foram então divididos.
A apresentação final se deu no dia 5 de dezembro de 2015, no auditório do CETAM,
com o local super cheio. Contamos com o apoio do nosso amigo Ronildo do Photo Studio
Design, para realizar a gravação da peça inteira a nível profissional, em alta definição, para no
final ser produzido um DVD com a capa personalizada com o elenco para quem quisesse
adquiri-lo. Foi um espetáculo de atuação naquela noite! Todos os atores deram o melhor de si,
muitas gargalhadas, interação com a plateia, aplausos e muitos elogios no final.

Imagem 1 – Ensaio fotográfico da peça Deu a Louca


na Selva (Talentos de Tefé).
Fonte: Hudson Ferreira, 2015
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Imagem 2 – Exercícios e jogos teatrais


Ano: 2015
Fonte: Hudson Ferreira

Imagem 3 – Foto geral do 1° Breves Cenas


Ano: 2015
Fonte: Hudson Ferreira

Imagem 4 – Ensaios para peça Deu a Louca na Selva


no anfiteatro da praça Remanso do Boto (Da Esquerda
para a direita: Delange, Shay Costa, Daniel Siqueira,
Dinho Neves, Angel, Kelvin e Mabby.
Ano: 2015
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Imagem 5 – Johnson Hansel (Protagonista) – Deu a


Louca na Selva
Ano: 2015
Fonte: Hudson Ferreira

Imagem 6 – Chapolin Colorido – Deu a Louca na


Selva
Ano: 2015
Fonte: Hudson Ferreira

Imagem 7 – Pajé Tibira e Curupira – Deu a Louca na


Selva
Ano: 2015
Fonte: Hudson Ferreira
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Personagens da peça Deu a Louca na Selva


Ator/atriz Personagem Posição
Bia Falcão Quadro 1 Johnson Hansell para a peçaProtagonista
– Atores selecionados final e
Duda Araújo Chapolim
seus personagens. Colorido Parceiro de Johnson
Val Neves Fonte: Daniel Siqueira, 2021
Curupira Personagem principal II
Kelvin Macaco Apresentando
Ingride Rodrigues Pajé Tibira Chefe da tribo
Gabrielzinho Índia Jurema Filha do pajé Tibira
Gabriel Pereira Índia Caboré Filha do pajé Tibira
Luiz Melo Dr. Rasteirinha Vilão da história
Nicki Góes Prefeito Fernandinho Vilão da história
Eliane Yara Sereia Iara Salvadora
Nátty Pitbull Grande Cobra Grande Traficante
(Surucucuzão)
Angel Retrosbalda Mulher do Rasteirinha
Lilli Oliveira Amanda Clark Esposa do Johnson
Hansell
Dinho Neves Índio Guarany Protetor da floresta
(capanga do Pajé
Tibira)
Chay Costa Maria Antonieta Esposa de Chapolim
Colorido
Cacau Nogueira Índia Cacau Tribo do Pajé Tibira
Glenda Watuse Índia Branca Tribo do Pajé Tibira
Divino Índio Naburro Tribo do Pajé Tibira
Kyssia Oliveira Índia Jaci Tribo do Pajé Tibira
Wilk Vieira Capanga Brutus Serrador ilegal
Breno Gomes Rasteirinha Júnior Filho da Retrosbalda
Jandinho Mourão Tanaka Filho da Retrosbalda
Mabby Soares Mariazinha Jaburu Filha da Retrosbalda

Metodologia da pesquisa

Para este trabalho, foi realizada a pesquisa bibliográfica, que segundo Lakatos e
Marconi (2013, p. 57) “abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de
estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias,
teses, material cartográfico, etc”.
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Para a coleta de dados, foi realizada uma pesquisa de campo, caracterizada pela busca
dos ex-integrantes do Projeto Talentos de Tefé, cujos encontros variaram de local. Severino
(2013) caracteriza a pesquisa de campo como:

[...] o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta dos dados é
feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente
observados, sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador. [...]
(SEVERINO, 2013, p. 107).

A pesquisa de campo realizada deu-se antes da eclosão da pandemia de Coronavírus,


na qual foi possível coletar os dados por tempo suficientes para serem reunidos e
documentados. Para confirmar a veracidade dos fatos, cada evento foi registrado através de
fotografias, jornais, itinerários e panfletos. A maioria das fotografias foram tiradas pelo
telefone celular durante a realização das atividades nas comunidades ribeirinhas. Tal
procedimento caracteriza a pesquisa documental que, ainda segundo Lakatos e Marconi
(2021, p. 118): “a pesquisa documental é tomar como fonte de coleta de dados apenas
documentos, escritos ou não, que constituem o que se denomina de fontes primárias”.
Para tal desenvolvimento, foi utilizada a abordagem qualitativa, para contribuir para o
reforço metodológico empregado na pesquisa e na coleta de seus dados. Segundo Strauss e
Corbin (2008), a abordagem qualitativa é vista como:

[...] qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de
procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação. Pode se referir à
pesquisa sobre a vida das pessoas, experiências vividas, comportamentos, emoções e
sentimentos, e também à pesquisa sobre funcionamento organizacional, movimentos
sociais, fenômenos culturais e interação entre nações (STRAUSS e CORBIN, 2008,
p. 22).

O contato com as pessoas envolvidas, a participação ativa delas durante o projeto,


contribuiu para o desenvolvimento das atividades e dos resultados encontrados no final de
toda a pesquisa. Outro recurso à disposição foi o uso da entrevista como técnica de coleta de
dados empregada nesta pesquisa, de cunho não diretivo que, segundo Severino (2013):

Por meio delas, colhem-se informações dos sujeitos a partir do seu discurso livre. O
entrevistador mantém-se em escuta atenta, registrando todas as informações e só
intervindo discretamente para, eventualmente, estimular o depoente. [...]
(SEVERINO, 2013, p. 108).

Analisar cada áudio coletado das entrevistas é o próximo passo para entender cada
ponto de vista dos indivíduos e como eles viveram seus momentos durante o evento em
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questão. Logo após, foram realizadas as transcrições de cada arquivo de áudio, para facilitar a
leitura e a escolha das partes mais relevantes como resultado. A técnica de transcrição de
entrevistas a nível profissional é melhor abordada por Alberti (2004):

[...] a transcrição constitui a primeira versão escrita do depoimento, base de trabalho


das etapas posteriores. Trata-se de um primeiro e decisivo esforço de traduzir para a
linguagem escrita aquilo que foi gravado. (ALBERTI, 2004, p. 174).

Tais técnicas aqui apresentadas foram discutidas e esboçadas no início da pesquisa, a


fim de comprovar seu uso e eficácia para o desenvolvimento da escrita nos projetos de
pesquisa, artigos publicados e na presente monografia. As permissões de cada participante foi
concedia oralmente e documentada, sendo, enfim, utilizada para fins acadêmicos nesta
pesquisa e para futuras consultas no acervo de assuntos da mesma temática em questão.
Antes de iniciar uma apresentação no palco, é de suma importância que entendamos
que a preparação de cada ator e atriz é o primeiro passo para entender o seu corpo, usando os
movimentos que ele possibilita aos praticantes, sendo ele nosso principal arsenal de técnicas,
expressões e de luta, seja ela de palco ou de cunho social. De acordo com Pinto (2013):

Os Jogos Teatrais, além de fazerem parte de um método que traz prazer e ludicidade,
ajudam a estimular a ação criadora de alunos e professores. A partir da sua
aplicação, pode-se perceber o desenvolvimento de habilidades e competências que
vão ajudar os educandos a lidar com novas situações, tornando-os mais seguros em
relação ao jogo, aceitando e sugerindo novas regras, trabalhando em grupo, além de
contribuir para a socialização (PINTO, et al, 2013, p. 4).

Os jogos teatrais é um ponto importante para quem deseja ingressar no teatro:


conhecer a si mesmo e ao seu próprio corpo, pois não é possível atuar sem emoções ou
movimentos genuínos sem saber que podemos realizá-los. Sob a ótica de Boal (2015),
entendemos que:

O elemento mais importante do teatro é o corpo humano; é impossível fazer teatro


sem o corpo humano. [...]. Nada deve ser feito com violência ou dor em um
exercício ou jogo, mas, ao contrário, devemos sempre sentir prazer e aumentar a
nossa capacidade de compreender. Os exercícios e jogos não devem feitos dentro do
espírito de competição – devemos tentar ser sempre melhores do que nós mesmos e
nunca melhores do que os outros (BOAL, 2015, p. 14).

Os participantes do projeto Talentos de Tefé sempre estiveram de acordo com esta


visão: praticar os exercícios corporais antes e depois de uma apresentação ajuda a harmonizar
o corpo e acordar os estímulos, principalmente se o ator ou atriz é um iniciado e precisa se
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conhecer, ter certeza de que pode se libertar de suas aflições usando seu corpo como
instrumento para as artes cênicas, sobretudo para aqueles que não costumam se exercitar no
dia a dia.
Os jogos e exercícios empregados durante os anos de projetos, incluindo os da obra de
Boal “Jogos para atores e não atores”, e suas categorias: Dinâmica dos sentimentos (voz e
expressão), Só Perguntas (improvisação), Dinâmica da Árvore (aquecimento), Improviso
Alfabético (improviso), Breve Cenas, Equilíbrio do corpo com objetos (sentir tudo o que se
toca), Corrida das Cadeiras (sentir tudo o que se toca), Ninguém com Ninguém (jogos de
integração), Estátua de Sal (jogos de integração) e o Imã Afetivo (série do cego).

Resultados e discussões

Logo após o sucesso do projeto Talentos de Tefé, cada ator e atriz tiveram as suas
vidas modificadas pelo teatro, já que muitos deles, que iniciaram o curso sem muitas
expectativas, estavam totalmente tímidos, temendo que pudessem ser expostos de maneira
negativa. Os integrantes que pude encontrar na cidade e até mesmo aqueles que foram
entrevistados via WhatsApp, concederam seus relatos, experiências e pontos de vista sobre o
projeto Talentos de Tefé, quais foram suas dificuldades, seus papéis interpretados na peça
Deu a Louca na Selva e como essa convivência com as artes cênicas pôde moldar suas vidas
depois de tantos anos.

Bom, primeiro que foi o início, né, de um sonho, que era participar de um teatro
grande, e a experiência de aprendizado, a iniciação do teatro... acho que foi como
aquele berço de criança, crescendo e aprendendo com os Talentos de Tefé, tendo
com os melhores professores no caso, o Israel e o Hudson, e foi uma experiência de
berço de criança, eu me senti uma criança [...] (Entrevistado 1).

Eu me sinto assim que eu... cresci, né, saí de menina pra mulher, eu até falei que eu
fiz trinta anos, né, então, tipo é uma coisa muito mágica fazer trinta anos, e de vez
em quando eu fico lembrando de tudo o que eu fiz pra chegar o que eu sou hoje, eu
me considero mais uma pessoa tão tímida, até porque, há pouco tempo, né, passei a
ser professora, né, no ensino médio, sou professora, e isso me ajudou muito, né, tipo
o teatro, a filmagem também, né, todo esse processo (Entrevistado 2).

Bom... depois de seis anos... nossa, seis anos já... cara... esses seis anos foi... naquele
momento eu tava, era uma adolescência, né, era uma coisa bem legal, né, aí o tempo
foi passando, os objetivos foram mudando... mas... eu me sinto grato por ter
participado, porque eu conheci pessoas legais, pessoas importantes, pessoas que me
ajudaram a enriquecer intelectualmente, pessoalmente, de todas as formas e tá com
vocês, tá com aquelas pessoas é gratificante, posso dizer que eu me sinto grato...
(Entrevistado 3).

Como pessoa... eu me sinto uma pessoa bem mais liberta... essa temporada de teatro,
como eu já citei, ela foi uma... eu sentia que eu tinha um certo talento, porque a
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galera também não... pra entrar nisso, mas ao mesmo tempo muita insegurança, mas
eu sempre fui muito de dar a cara à tapa... eu lembro que eu entre com muita, muita,
muita, muita timidez e eu consegui me libertar real, nossa... eu lembrando disso e eu
vendo essa pequena cena que tu me mostrou deu uma lagrimazinha assim lá dentro
do meu peito, porque eu sinto muita falta, eu daria tudo pra ter aquilo de volta, de
verdade, aquela galera... (Entrevistado 4).

Eu me vejo como aquelas atrizes aposentadas! (risos), depois não atuei mais, por
não focar na área e não ter um certo incentivo, talvez eu poderia ter ido longe, mas
tudo que aprendi, levo comigo até hoje, muitos dos ensinamentos do professor Israel
e professor Hudson, continuam em minha vida. E quando aparecer a oportunidade e
que eu possa participar, serei uma das primeiras na fila. Atuar te ensina não só criar
uma personalidade, um jeito que se encaixe no personagem, mas você aprende a
olhar a personalidade das pessoas ao seu redor, a lidar com situações inusitadas, que
por você saber e analisar, você pode dizer: “a atitude dessa pessoa não é a dela”.
(Entrevistado 5).

Hoje eu me sinto... uma mulher, né, que eu era uma menina, me sinto uma mulher
completamente diferente assim, não perdi minha essência mas também aprendi
muita coisa, né, eu estou ainda em processo de aprendizado... eu como pessoa, né,
senti que evoluí muito... e esse processo ainda tá acontecendo, e muito... com certeza
esse projeto fez parte desse processo assim de mudança em mim, e sempre lembro
com muita saudade, sempre lembro com muito carinho, na verdade, em momentos
que eu tô refletindo sobre tudo assim, o que eu já vivi, o que eu já passei, e aí acabo
lembrando e com muito carinho, né, daquele tempo..; (Entrevistado 6).

Analisando todos os depoimentos dos atores e/ou personagens, é visível que todos,
sem exceção sofreram mudanças internas com relação ao seu estilo de vida, a maneira como
enxergava o mundo, sobretudo a sua capacidade de ir mais além do que esperavam. Depois de
anos, comparando aquela época com o depoimento dos integrantes deste projeto, a postura, o
jeito de falar e andar também mudaram, influenciando suas vidas no trabalho e na faculdade.
O que foi percebido no decorrer dos encontros, foi que esses jovens e adolescentes,
que participavam dos encontros, até mesmo se deslocando de sua comunidade para uma outra,
onde as programações estavam acontecendo, foi que a participação deles no sentido de se
comunicar em público, individualmente ou em grupo, foi gradativamente aumentando, sendo
que muitos deles tinham talentos como cantar e dançar, mas muitas das vezes não conseguiam
demonstrar com muitas pessoas em volta, e o teatro permitiu que cada um deles perdesse sua
timidez e inibição, tornando-os mais confiantes e dispostos a representar cada vez mais a sua
comunidade através da arte, não apenas no teatro, mas no canto, na dança e na poesia.
Dessa forma, promover o teatro popular nas comunidades ribeirinhas é contribuir para
a formação dos jovens e adolescentes que ainda não sabem ao certo o que farão de suas vidas
no futuro, mesmo aqueles que já constituíram família, precisam de algo que possam estruturar
ainda mais suas mentes, através do movimento do corpo, da fala e das expressões, tornando-
os sujeitos autores de sua própria história.
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Durante os exercícios corporais, eles demonstravam muita maestria, fosse nos jogos de
movimentos, como em cenas de duplas onde precisavam interpretar seguindo algumas
instruções, apesar dos erros, o que era bastante comum, os acertos eram cada vez mais
frequentes. Muitos deles ainda queriam montar uma novela local na comunidade, com a ajuda
de seus pais e amigos, o que me pareceu uma boa ideia, já que em breve não poderia mais
ficar ali, dado o início das aulas.
A apresentação foi muito bem assistida pelo público, todos os atores foram
excepcionais, podendo ver que um ou outro já estava totalmente solto, sem timidez e sem
medo de errar, todos se entregaram aos personagens que interpretaram e no final, não queriam
nem remover o figurino e os adereços, pois queria registrar os momentos em fotografias para
manter como registro.
No final, muita coisa foi refletida sobre o trabalho que foi produzido naquele ano, e
por essa razão, o desejo de continuar com o teatro na cidade de Tefé – AM cresceu a partir
deste projeto, apesar de algumas dificuldades enfrentadas pelos novos coordenadores, a marca
que o Projeto Talentos de Tefé deixou nunca de fato se apagará completamente da memória
de seus ex-integrantes, e principalmente do mundo acadêmico atual.

1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando todos os acontecimentos relatados na pesquisa, ficou claro que a mudança


é possível, e muitos dos ex-participantes aproveitaram melhor as suas vidas acadêmicas e
profissionais, usando a comunicação de forma mais aberta, precisa e objetiva, além de se
tornarem pessoas mais sociáveis no tocante à questão da conivência e espontaneidade frente
os desafios diários de como se apresentar, falar e pensar.
Os resultados aqui obtidos através dos relatos de experiência dos integrantes servem
de exemplo para os que estão ainda iniciando em um processo de vencer a timidez, construir
uma nova roupagem para um estilo de vida mais desinibido e com muita confiança na palavra
e na oralidade, sobretudo na vida profissional.
Em suma, o resultado final desta pesquisa é uma “deixa” para os atores e atrizes que
estão espalhados por nosso país, em cada cidade, bairro, rua ou comunidade, aqueles que
usam o Teatro Popular como instrumento de luta para juntar-se a nós, mostrar seus dons e
desejos em cena, veiculando uma mensagem de amor, esperança e uma visão política em
defesa dos nossos direitos como cidadãos, sem se preocupar com rótulos, preconceitos e
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VII SEMANA DA PEDAGOGIA

opiniões não construtivas, mas mostrando que a nossa arte não é somente entretenimento, mas
é luta e conquista.

Referências

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 2. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2004.

BOAL, Augusto. Teatro Legislativo: versão beta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996.

_____________. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 8. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2008.

_____________. Jogos para atores e não-atores. São Paulo, Cosac Naify, 2015.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa:


planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração,
análise e interpretação de dados.7. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

NASCIMENTO, Caroline Araújo do. O teatro popular de Augusto Boal: do Arena ao


Exílio. Instituto de Artes. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Arte-Teatro).
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho. São Paulo, 2017. Disponível em
PDF.

PINTO, et al. Jogos teatrais, de Viola Spolin, como ferramenta pedagógica no ensino da
arte. In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor – PDE, 2013.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico [livro eletrônico]. 1. ed.


– São Paulo: Cortez, 2013.

SOUZA, Rondinelly Pereira de (Direção). Deu a louca na selva. Produção: Hudson Ferreira
dos Santos. Roteiro: Daniel Siqueira Ribeiro. Intérpretes: Anna Beatriz Falcão, Maria
Eduarda, Ingrid Costa Rodrigues e outros. Projeto Talentos de Tefé; Tefé (AM), 2015, 1
DVD.

STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o


desenvolvimento de teoria fundamentada; tradução de Luciane de Oliveira Rocha. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2008.
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VII SEMANA DA PEDAGOGIA
i
Formação em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, pós-graduação em
Educação Especial e Inclusiva e Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade de Ensino de Minas Gerais
- FACEMINAS. Pós-graduando em Formação em Educação Infantil pela Universidade do Estado do Amazonas.
Professor da rede municipal. E-mail: danny.siqueira2023@gmail.com.
ii
Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior, mestre em Distúrbios do Desenvolvimento,
concursada na área de Educação Infantil, coordenadora, professora do curso de Pedagogia na Universidade do Estado
do Amazonas (UEA-CEST) e Diretora do Centro de Estudos Superiores de Humaitá (CESH-UEA). E-mail:
adilmaportela@yahoo.com.br

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