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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ


CAMPUS POSSIDÔNIO QUEIROZ
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

MARIA CELCIMÁRIA ROCHA SOUSA E SILVA

A MULHER NA LIDERANÇA ECLESIÁSTICA: UM ESTUDO DE CASO EM


OEIRAS- PIAUÍ (2016 - 2019)

OEIRAS-PI
2019
1

MARIA CELCIMÁRIA ROCHA SOUSA E SILVA

A MULHER NA LIDERANÇA ECLESIÁSTICA: UM ESTUDO DE CASO EM


OEIRAS – PIAUÍ (2016- 2019)

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito parcial para a
obtenção do título de licenciada em
História.

Orientadora: Prof.ª Ma. Débora Strieder


Kreuz

OEIRAS-PI
2019
2

MARIA CELCIMÁRIA ROCHA SOUSA E SILVA

A MULHER NA LIDERANÇA ECLESIÁSTICA: UM ESTUDO DE CASO EM


OEIRAS – PIAUÍ (2016 – 2019)

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito parcial para a
obtenção do título de licenciada em
História.

Orientadora: Prof.ª Ms. Débora Strieder


Kreuz

Aprovada em: ____/____/ 2019

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________
Prof.ª. Ma. Débora Strieder Kreuz (Orientadora)

__________________________________________________________________
Prof.ª. Ma. Diná Schmidt (Examinadora)

___________________________________________________________________

Prof. Me. Rodrigo Marley Queiroz de Lima (Examinador)


3

AGRADECIMENTOS

A minha imensa gratidão a Deus por ter me dado sabedoria e entendimento


para que eu pudesse alcançar essa vitória.
Aos meus pais: Antônio Rodrigues e Mariana pelo incentivo e pelas palavras
de apoio.
Aos meus irmãos: Antônio Césio, Júlio César, Selciana e Celso que sempre
me deram força para que eu permanecesse no curso.
Ao meu esposo Wobson pelo apoio, pela compreensão, pelo cuidado e
amor.
A minha filha Thatiana Sousa pela compreensão da minha ausência e
também pelo sono perdido as vezes que teve que ir comigo para a universidade.
As minhas colegas de curso: Márcia Dantas e Yarlla Fernanda que sempre
me ajudaram, me apoiaram e por ter me suportado nos trabalhos em grupo que
fizemos durante todo o curso.
Ao professor Rodrigo Queiroz pelo incentivo e apoio em trabalhar a temática.
Aos entrevistados, que foram uma peça chave para este trabalho.
Em especial a minha orientadora Débora Strieder Kreuz que sempre ajudou,
me encorajou e mostrou novos caminhos com suas orientações eficientes e
tranquilas.
A todos vocês, muito obrigada!
4

RESUMO

O presente trabalho propõe apresentar um estudo de caso sobre a liderança


feminina em um templo evangélico em Oeiras, Piauí. O protestantismo é uma
religião que possui muitos adeptos e o processo de liderança feminina em igrejas
evangélicas é algo ainda pouco aceito, pois existem muitas barreiras que impedem a
mulher de exercer a tal função e que precisam ser quebradas. O objetivo da
pesquisa foi analisar, através de entrevistas, como ocorre a participação da pastora
Raimunda Oliveira, na igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao
Nosso Deus e qual papel desempenha. Utilizaremos como recorte temporal os anos
de 2016 a 2019, período este que consideramos relevante, pois este é o período que
compreende desde criação da Igreja no município a presente pesquisa. A sociedade
ainda mantém em partes, a divisão patriarcal. A mulher, ao liderar uma igreja, em
muitos casos é vista com preconceito, discriminação, causa estranhamento pela
sociedade pelo fato de subir no púlpito e muitas pessoas duvidam da sua
capacidade.

Palavras – chave: Protestantismo. Liderança. Mulher. Pastorado. Igreja.


5

ABSTRACT

This paper proposes to present a case study on female leadership in an evangelical


temple in Oeiras, Piauí. Protestantism is a religion that has many adherents and the
process of female leadership in evangelical churches is still little accepted, as there
are many barriers that prevent women from exercising this function and that need to
be broken. The objective of the research was to analyze, through interviews, how the
participation of Pastor Raimunda Oliveira occurs in the church of Jesus Christ
Ministry of Prayer Holiness to Our God and what role she plays. We will use the
years 2016 to 2019 as a time frame, a period that we consider relevant, since this is
the period that comprises from the creation of the Church in the municipality to this
research. Society still maintains the patriarchal division in parts. Women, when
leading a church, in many cases are seen with prejudice, discrimination, cause
strangeness by society due to the fact that they rise in the pulpit and many people
doubt their ability.

Keywords: Protestantism. Leadership. Woman. Pastorate. Church.


6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7
1 A MULHER NAS IGREJAS EVANGÉLICAS PENTECOSTAIS .......................... 11
1.1 O protestantismo .............................................................................................. 11
1.2 A mulher na liderança pastoral ....................................................................... 15
2 A MULHER PASTORA EM OEIRAS: UM ESTUDO DE CASO ........................... 28
2.1 A apresentação da igreja em Oeiras ............................................................... 29
2.2 Ser mulher pastora ........................................................................................... 32
2.3 O pastorado visto pelos participantes ........................................................... 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 54
LISTA DE FONTES .................................................................................................. 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 57
7

INTRODUÇÃO

Escrever sobre um tema que engloba mulher e religião é sempre um grande


risco para o autor, por que pode ser mal interpretado pelos leitores. Sendo assim,
direciono este estudo para apresentar a liderança eclesiástica feminina em um
templo evangélico na cidade Oeiras, Piauí. Essa questão de liderança de mulheres
em igrejas evangélicas é um assunto interessante para ser estudado porque existem
inúmeras barreiras e muitos são os argumentos utilizados para impedir que a mulher
lidere.
O interesse para trabalhar com essa temática veio após observar a mulher
dentro do espaço evangélico, onde pude perceber que nas denominações1 que eu
frequentava não havia mulheres na liderança. Assim, percebi que esse espaço era
liderado e preenchido apenas por homens. A partir desse questionamento, fui atrás
de resposta, começando a estudar e pesquisar: Porque a mulher, em algumas
denominações, não exerce o pastorado?
Para responder a essa perguntar e realizar esse trabalho foram utilizadas
narrativas orais, como também fontes bibliográficas. A autora Verena Alberti em
“Manual de História Oral” ajuda a entender o que são as narrativas orais e sua
importância. Outras fontes que ajudaram a compreender o ministério2 pastoral
protestante das mulheres foram a dissertação de mestrado do José Nunes dos
Santos Júnior na qual o autor fala sobre o ensino e também a aprendizagem com as
experiências das pastoras pentecostais; Adriana Girão da Silva Mello e Daniel
Barros de Lima em um texto que mostram quais desafios a mulher encontra para
adquirir um cargo pastoral; Jaqueline Sena Durães fala sobre mulher e religião;
Elizete da Silva ajuda a entender sobre o pentecostalismo no Brasil; Alderi Sousa de
Matos mostra a história do protestantismo no Brasil. Além dos autores descritos,
outros também foram importantes para a feitura desse trabalho como Alexandra
Costa de Santana do Rosário e Flávia Diniz Roldão em: A mulher e o trabalho
eclesiástico: uma reflexão a partir do olhar evangélico. Michelle Perrot ajuda a
compreender sobre a História das mulheres; Wamberto Queiroz de Lima: fala sobre
gênero, poder e do pastorado feminino na Igreja Batista; César Romero Amaral
Vieira e Thiago Borges da Aguiar contribuíram para a compreensão da presença dos

1
São as igrejas evangélicas.
2
Ocupação exercida por alguém.
8

missionários protestantes no Brasil. Esses foram os principais autores para a


realização do trabalho.
De acordo com Mello e Lima “A luta da mulher por novos papéis sociais
parece ser um situação sem volta. É cada vez mais evidente que elas caminham e
se estabelecem em um mundo que durante séculos foi de domínio masculino”.
(2016, p.120). Ou seja, mulher tem lutado para adquirir cargos de liderança e aos
poucos tem conquistado espaços que outrora eram preenchidos e controlados pelos
homens.
Como havia mencionado o interesse em fazer esse estudo e analisar como
ocorre a inserção do pastorado feminino em um templo evangélico no município se
deu devido à ausência de liderança feminina na quase totalidade dos ministérios 3
evangélicos em Oeiras.
Segundo Santos Júnior, no século anterior ao nosso, poucas denominações
evangélicas possuíam a liderança pastoral feminina, pois muitas funções exercidas
por elas nesse espaço eram aquelas atividades consideradas destinadas ao seu
sexo, tais como relacionados ao cuidado e ensino. Acredita-se que pastorado não
era uma função designada para a mesma, e sim para o homem. Porém, nos últimos
anos essa realidade tem mostrado mudanças, pois muitas igrejas evangélicas estão
sob liderança feminina.

Poucas denominações do século XX tiveram mulheres ocupando cargos de


lideranças pastorais, a saber, anglicanas, luteranas e metodistas, que desde
a década de 1970, já tinham consagrado mulheres ao ministério pastoral,
apesar do número bem reduzido. Os cargos de liderança para a mulher nas
igrejas evangélicas sempre se limitavam a atividades em que desenvolviam
habilidades “ditas femininas”, tais como assistência social, presidência de
sociedade feminina, reuniões de orações, direção de escola bíblica
dominical e berçário. No entanto, este quadro tem mudado e muitas igrejas
evangélicas, principalmente as pentecostais e neopentecostais, tem aberto
espaço para que as mulheres assumam a posição que até então lhes era
proibida, que é o pastorado. (SANTOS JÚNIOR 2013, p. 13)

Com base no pensamento do autor, que afirma que muitas igrejas hoje estão
sendo lideradas por mulheres, realizei uma visita por vários bairros da cidade, para
saber se a cidade possui alguma igreja liderada por mulheres e me deparei com
informações de que no município havia apenas um espaço denominacional
evangélico em que uma mulher atuava como pastora.

3
Igreja ou espaço denominacional.
9

Investiguei e constatei que de fato há uma denominação com uma mulher


exercendo a função pastoral. Esse ministério é a Igreja de Jesus Cristo Ministério de
Oração Santidade ao Nosso Deus. Esse ministério é novo, foi criado há mais ou
menos dois anos e fica localizado na Rua Raimundo Queiroz nº 690, bairro Jurani.
Os objetivos desse trabalho são: entender como ocorre a participação da
pastora Raimunda Oliveira na referida igreja evangélica e compreender qual papel
ela desempenha nesse espaço. Nas outras denominações evangélicas existentes
no município não é vedada a participação feminina, de forma que a mesma pode
exercer algumas funções como: regentes4 de grupos de crianças, dos jovens e das
senhoras. Nos cultos, ela também tem a oportunidade de pregar, louvar ou ministrar
oração. O que não é permitido nessas igrejas seria subir no púlpito5 e ser pastora.
No ministério Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao
Nosso Deus, a mulher exerce a função pastoral. E nesse templo entrevistei a mulher
que é a pastora atuante. Segundo a mesma, os cargos existentes na igreja
evangélica não são exercidos apenas por pessoas do sexo masculino e sim por
pessoas que tem o chamado de Deus, independente que seja mulher ou homem e
se possui ou não curso formativo. Santos Júnior (2013, p.91), também afirma: “ O
chamado para o ministério pastoral é dado por Deus, e independente do fiel fazer
curso de Teologia ou não”.
Aos poucos, as mulheres mesmo enfrentando desafios, estão conquistando
espaços que até pouco tempo eram preenchidos apenas pelos homens. Segundo
Mello; Lima, “Os desafios desta nova empreitada são enormes, embora tenha tido
avanços, ainda existe muitas pessoas da sociedade que são contra a presença das
mulheres nos púlpitos das igrejas e exercer papel de pastora”. (2016, p.120).
Mello e Lima chamam a atenção para o termo “pastora”: existem aquelas
mulheres que recebem o nome de pastora por estar liderando a igreja e há também
aquelas que recebem essa definição, por serem esposas de pastores. (2016, p.
131). Muitas mulheres são pastoras apenas no nome, não exercendo a função.
Portanto, acredito que este trabalho ajudará a compreender os preconceitos
que existem contra o pastorado feminino, pois, para muitas pessoas a mulher não
pode exercer a função eclesiástica, pelo fato de ser mulher.

4
É alguém que administra, comanda ou dirige um grupo de pessoas.
5
É o altar da igreja, ou seja, tribuna no interior dos templos, onde os pastores, obreiros e diáconos
sentem durante os cultos. É um local também onde os sacerdotes fazem as pregações.
10

Assim, para Santos Júnior (2013), em muitas igrejas evangélicas não é


proibido à mulher exercer funções pastorais. Porém, os cargos ofertados para
liderança feminina são aqueles considerados de menor importância, havendo
restrição ao pastorado:

Cargos de liderança com menores amplitudes são comumente atribuídos às


mulheres. Contudo, as restrições impostas pela igreja às mulheres
evangélicas encontram-se especificamente vinculadas ao exercício do
pastorado. Este traz consigo a existência de maior autoridade eclesiástica e
cria um ponto de discussão bastante acalorada entre líderes das mais
variadas denominações, que encontram na Bíblia legitimações para que a
mulher não exerça o ministério pastoral. (SANTOS JÚNIOR, 2013, p. 78).

Para o autor há restrições apenas para o exercício pastoral feminino. Porém,


embora existam essas restrições, existem muitas mulheres exercendo cargo pastoral
e esse trabalho tenta mostrar que a mulher pode exercer qualquer função, inclusive
o pastorado.
As maiores barreiras existentes contra a liderança de mulheres se encontra
nas igrejas evangélicas pentecostais. Porém, segundo Mello e Lima (2016, p.123)
essa realidade tem mudado, e no Brasil as mulheres já ganham espaço até nessas
denominações.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento desse trabalho está
centrada na História Oral, tendo em vista que as fontes são as entrevistas
realizadas. Segundo Alberti (2005, p.29) a História Oral não é um fim em si mesma,
e sim um meio de conhecimento, pois através das narrativas, o pesquisador adquire
as informações para posterior análise. Tendo como referencial teórico Perrot, que
ajuda a compreender a História das mulheres e Scott que entende o gênero.
O recorte temporal se dará dos anos 2016 a 2019, pois se trata do período
em que a Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao Nosso Deus foi
fundada no município ao período da presente pesquisa.
Este Trabalho de Conclusão de Curso possui dois capítulos. No primeiro
capítulo farei uma revisão bibliográfica sobre o protestantismo e o exercício do
pastorado feminino. No segundo capítulo, farei as análises das duas entrevistas que
realizei, atentando para o processo da liderança pastoral feminina.
11

1 A MULHER NAS IGREJAS EVANGÉLICAS PENTECOSTAIS.

No presente capítulo farei uma análise bibliográfica do fenômeno protestante


de forma geral e de como a bibliografia compreende a mulher nesse espaço.

1.1 O protestantismo

No Brasil, a presença dos primeiros protestantes é detectada no período


colonial. Matos (2011, p.4) afirma que durante os séculos XVI e XVII o Brasil foi
invadido por outras nações europeias como a França e a Holanda e talvez muitos
desses sujeitos tenham sido protestantes. Porém, de acordo com Aguiar e Vieira
(2018), nesse período a Europa enfrentava a contrarreforma e a chegada dos
protestantes provocou uma reação muito forte dos portugueses católicos, que
começaram a deter e impedir que se propagasse a fé. Somente em 1557 é que
ocorre o primeiro culto protestante, liderado por um grupo de simpatizantes a
reforma de João Calvino.
Esse grupo de protestantes não ficou por muito tempo em solo brasileiro,
devido a divergências com os Calvinistas, sendo obrigados a retornar para a França.
Contudo, alguns desses teriam retornado ao país, devido a problemas na
embarcação durante a viagem para a França. Porém, após a chegada, não foram
recebidos e muitos destes acabaram sendo executados, devido a defender sua fé.
Da época em que os protestantes foram expulsos, até o final do período
colonial, mostrou-se insignificante o protestantismo no Brasil. Para Matos, “O Brasil
manteve-se isolado, sendo inteiramente vedada a entrada de protestantes. Porém,
com a transferência da família real portuguesa, em 1808, abriram as portas para a
entrada legal dos primeiros protestantes (anglicanos ingleses)”. (2011, p.6).
Portanto, no Brasil as primeiras movimentações do protestantismo acredita-
se que tenham sido feitas nos séculos XVI e XVII. Porém, eram ilegais, os
protestantes só conseguem entrar no país legalmente após a Abertura dos Portos
em 1808, tornando influente a propagação do protestantismo. Isso só foi possível
devido ao tratado do livre comércio, onde estabelecia que o Brasil pudesse
comercializar seus produtos com outros países, como também liberdade de possuir
outras crenças, além da católica. Mas mesmo que pudesse propagar outra fé além
da católica, não era permitida, nesse período, a construção de igrejas evangélicas.
12

Assim, o movimento protestante surge efetivamente com a abertura dos


portos brasileiros, porém em pequeno número, e só vai começar de fato a se
expandir quando o Brasil se torna independente. Matos afirma “Com a
independência do Brasil, surgiu a necessidade de atrair imigrantes europeus,
inclusive protestantes.” ( 2011 p.6)
De acordo com o autor, o Estado e a Igreja Católica eram órgãos aliados,
havendo a separação apenas após o início da República:

Finalmente, em 1890 , um decreto do governo republicano consagrou a


separação entre a igreja e o estado, assegurando aos protestantes pleno
reconhecimento e proteção legal. A nova expressão religiosa se implantou
no Brasil em duas fases: protestantismo de imigração e protestantismo
missionário. (MATOS, 2011, p. 7)

A partir da assinatura do decreto que assegurou ao protestantismo a


proteção necessária para sua propagação da fé, essa nova expressão religiosa é
então implantada no Brasil em duas etapas: o protestantismo de missão e de
imigração. O protestantismo de imigração se deu com a Abertura dos Portos no
país, sendo que muitos protestantes vieram de nações consideradas amigas do
Brasil. De acordo com Santos Júnior, “uma experiência significativa desse
protestantismo de imigração foi à presença de imigrantes alemães no Sul do Brasil”
(2013, p. 32).
Quanto a utilização do termo “protestante” Albuquerque apud Lima (2011)
afirma:

O termo protestante tem origem do movimento religioso do século XVI


através do qual parte dos alemães, liderados pelo monge agostiniano
Martinho Lutero, defendeu algumas posições doutrinárias contrárias às
difundidas pela Igreja Católica Romana. No Brasil, podemos perceber três
tipos principais de protestantismo: protestantismo de imigração (1823) com
a vinda dos colonos protestantes, em sua maioria de origem alemã;
protestantismo de missionários ou de “missões” (1853), vindo através dos
anglo-saxões; e, o protestantismo pentecostal (1910-1950), com o
nascimento das primeiras denominações brasileiras (p.15).

Portanto, entende-se que a origem do termo “protestante” se deve ao


movimento religioso conhecido como “reforma protestante” liderado por Martinho
Lutero. E que os nomes das igrejas só vão surgir a partir do protestantismo
13

pentecostal. Estas foram as primeiras igrejas denominacionais: Luterana,


Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal.
Para Matos (2011, p.8), mesmo com a garantia legal que dava total
liberdade aos protestantes de praticar sua fé, existiam algumas proibições, ou seja,
era uma liberdade com limitações, por exemplo, eles não podiam criticar a religião
católica e as construções onde os grupos se reuniam para fins religiosos, não
podiam possuir formato de igreja e nem utilizar sinos, pois se tratavam de símbolos
do catolicismo.
Mas, mesmo com algumas restrições contra o protestantismo, de acordo
com o mesmo autor, por volta de 1930 a população protestante já representava uma
boa parte dos habitantes, sendo estes quase a metade pertencente às igrejas
protestantes de imigração:

Em 1930, de uma comunidade protestante de 700 mil pessoas, as igrejas


imigrantes tinham aproximadamente 300 mil filiados. A maior parte estava
ligada à Igreja Evangélica Alemã do Brasil (215 mil) e vivia no Rio Grande
do Sul. (MATOS, 2011, p.9)

De acordo com Matos (2011, p.6) no século XVIII novos conceitos e


movimentos surgiram na Europa, tais como o Iluminismo, a Maçonaria, o Liberalismo
e ideais democráticos, tornando-se influentes no Brasil. Esses conceitos trouxeram
efeitos importantes na área religiosa, pois de certa forma, enfraqueceram o
catolicismo e fortaleceram o protestantismo, fazendo com que a religião conseguisse
mais adeptos e possível crescimento.
Segundo o mesmo autor, a primeira igreja protestante de imigração foi
construída no Rio de Janeiro por um anglicano. Isso ocorreu depois da
Independência do Brasil, pois se acredita que antes do país ser independente não
existia nenhum templo protestante. Esse tipo de protestantismo teve um papel muito
importante, pois ajudou a criar condições para que o protestantismo missionário
fosse introduzido no país.
Já a primeira igreja protestante missionária em solo brasileiro foi à igreja
Metodista Episcopal, e, através dessa denominação, iniciou no Brasil o processo
missionário. De acordo com Matos, [...] “seus obreiros inicias foram Foutain E. Pitts,
Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder” (2011, p.10). Estes foram também os
fundadores da primeira escola dominical no Rio de Janeiro.
14

O protestantismo, de modo geral, encontrou muita dificuldade para sua


propagação e expansão em solo brasileiro, devido ao fato de ser um país altamente
católico e possuir, durante muito tempo, a Religião Católica Romana como oficial.
De acordo com César Romero Amaral Vieira e Thiago Borges de Aguiar, os
protestantes missionários de diversas denominações conseguiram chegar ao Brasil
apenas na segunda metade do século XIX e que todos traziam consigo um mesmo
ideal:

Foi somente a partir da metade do século XIX que os protestantes de


origem missionária norte-americana e europeias, metodista, presbiterianas,
batistas e congregacionais chegaram ao Brasil com propósitos idênticos de
evangelizar e educar a nação. (AGUIAR; VIEIRA, 2018, p.195)

O templo passou a ser utilizado com duas finalidades distintas: ensino e


culto, ou seja, era um lugar de adoração a Deus através dos cultos, mas também era
um local onde a população aprendia a ler e a escrever e um pouco sobre a religião
protestante. A estratégia do ensino era um plano organizado pelos missionários,
como forma de divulgar e expandir o protestantismo no Brasil.
De acordo com Santos Júnior (2013, p.33) essa estratégia utilizada pelos
protestantes funcionou, pois, por meio da educação a população foi evangelizada e
o protestantismo se expandiu. Outro fator relacionado à educação protestante foi o
surgimento do curso de Teologia, inicialmente destinado apenas aos homens.
O ensino de Teologia foi visto como algo necessário para o protestantismo
missionário, pois antes de possuir esse ensino no Brasil, os candidatos ao ministério
eram de origem alemã ou saíam do Brasil para outros países, com o intuito de
cursar curso superior. Porém, essa questão de sair do país para fazer o curso, foi
interrompida com a Segunda Guerra Mundial, surgindo assim no Brasil a
necessidade de possuir tal curso que pudesse suprir essa carência, tendo vista que
a comunidade protestante estava crescendo e havia uma preocupação com a
formação de obreiros6 para dar continuidade ao ministério.
A preocupação de possuir um local de formação teológica no país vinha dos
próprios protestantes, pois havia a necessidade de educar novos missionários para

6
Obreiro é homem cristão que vive em retidão com a palavra de Deus e que está à frente da obra,
juntamente com o pastor para a realização dos cultos na igreja.
15

que o protestantismo fosse propagado em todas as regiões do país e alçasse o


maior número possível de seguidores e defensores dessa fé.
Portanto, para suprir essa necessidade que havia no Brasil de um ensino de
teologia, de acordo com o mesmo autor, foram criados Seminários Teológicos com o
intuito de preparar o obreiro. Inicialmente, esse tipo de ensino foi denominacional, ou
seja, apenas integrantes da Igreja Presbiteriana podiam participar. Santos Júnior dá
a definição de que seriam esses seminários:

Os seminários teológicos presbiterianos são instituições de ensino superior,


com duração indeterminada. Tem como entidade mantenedora a Igreja
Presbiteriana do Brasil, e seu objetivo principal é a formação de ministros
para a Igreja, bem como desenvolver a pesquisa e os conhecimentos no
campo da Teologia (2011, p. 35).

1.2 A mulher na liderança pastoral

Nos anos posteriores a 1870, novas sociedades missionárias foram


organizadas com intuito de se expandir. Até esse período, embora a mulher
acompanhasse o seu esposo e se envolvesse na missão evangelística, o
protestantismo missionário era apenas masculino. (SILVA, 2008, p.27).
Porém, para Lima, “as mulheres nunca foram proibidas de trabalhar e
exercer cargos nas igrejas e organizações, porém lhes eram oferecidos os cargos
que as colocavam na condição de leigas e sob a supervisão masculina”. (2011, p.
51). Então, de acordo com pensamento do autor, a mulher sempre exerceu cargo
eclesiástico, mas nunca de liderança.
Portanto, as igrejas protestantes de origem histórica eram lideradas apenas
pelos homens, não sendo permitido e nem atribuídos cargos de liderança para as
mulheres. Porém, de acordo com Eliane Moura da Silva, na segunda metade do
século XIX, a mulher iniciou a ocupar espaço e posições dentro da igreja.

As sociedades missionárias femininas foram incrementadas na segunda


metade do século XIX. E nessa época, a mulher missionária começou a se
tornar um alvo de grande interesse nas igrejas para ocupar diferentes
posições e trabalho. (SILVA, 2008, p. 27).

A mesma autora ainda destaca que, embora a mulher tenha conseguido


espaço nas sociedades missionárias, foi perceptível que essas mulheres
16

necessitavam de formação profissional, pois para muitas delas faltava um preparo.


(SILVA, 2008, p.27).
Nesse contexto histórico da necessidade de haver uma formação
profissional para as mulheres missionárias brasileiras, Martha Watts7 veio para o
país como missionária metodista, com a finalidade de expandir a educação através
da formação teológica para as mulheres.
De acordo com Eliane Moura da Silva, tanto a missionária e educadora
Martha Watts como outras missionárias, educavam apenas mulheres. Elas se
preocupavam com a necessidade de grupos de missionários homens para educar os
meninos, para que estes, assim como as meninas fossem formados dentro da
cultura protestante:

Contudo, Martha Watts quanto às outras educadoras missionárias


metodistas, durante todos os anos em que estiveram no Brasil dirigindo
escolas e apontando novos sentidos de identidade de gênero e profissional
para as mulheres brasileiras, preocupavam-se em formar as moças dentro
da cultura cristã protestante. Desta forma, apelava aos grupos missionários
para a necessidade de investir também na educação de meninos. (SILVA,
2008, p. 31)

A educação através dos/as missionários/as protestantes foi uma exigência


fundamental para que essa fé fosse implantada no Brasil e como também um meio
de divulgação do evangelho. Embora os/as alunos/as das escolas protestantes não
fossem convertidos, eles recebiam os estudos bíblicos e é provável que sofressem
influência dos mesmos.
Portanto, o protestantismo, no início, utilizou a educação como ferramenta
de propagação de sua fé e para que pudesse se expandir pelo Brasil e pelo mundo.
Atualmente, a religião protestante é conhecida como evangélica e corresponde uma
boa parte da população.
O protestantismo é um movimento religioso cristão, e nos últimos anos, tem
se destacado no mundo devido ao seu expressivo crescimento. No Brasil, o último
censo demográfico do IBGE8 divulgado em 2010 mostra que a população que se
considera católica tem reduzido e a população evangélica tem crescido. O
crescimento da população evangélica passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em

7
Martha Hite Watts nasceu em Bradstown, Kentucky frequentou a Igreja Metodista. Como missionária
e educadora criou várias instituições de ensino no Brasil.
8
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
17

2010. Dos que declaram evangélicos, 60,0% eram de origem pentecostal, 18,5%
evangélicos de missão e 21,8% evangélicos não determinados.
Ainda de acordo com censo do IBGE, a população que se declara
evangélica na sua maioria é pertencente ao pentecostalismo. Entende-se que o
pentecostalismo é uma religião que, assim como a católica, atende várias classes
sociais. Embora a população evangélica tenha crescido o país ainda é
predominantemente católico.
De acordo Albuquerque apud Lima (2011, p.15) na estrutura protestante,
com o passar dos anos, houve “uma divisão com três ramificações: os Protestantes
Tradicionais, os Pentecostais e os Neopentecostais”. Para o mesmo autor o que
diferencia os protestantes tradicionais dos cristãos pentecostais dos
Neopentecostais são alguns costumes doutrinários. Os crentes pentecostais
acreditam na evidência do Espírito Santo, como o falar em línguas (glossolalia).
As igrejas de origem histórica, como a Luterana, Anglicana e Metodista,
segundo Santos Júnior (2013,p.65), foram igrejas fundadas por homens, porém
tornaram-se abertas para lideranças femininas. E, desde a fundação dessas igrejas,
as mulheres já exerciam grande influência nos trabalhos evangélicos, pois
acompanhavam os seus maridos pastores nas missões evangelizadoras. Pode-se
observar que desde o início nas igrejas de origem histórica, a mulher participava da
evangelização e a propagação dessa fé. Devido ao fato da mulher exercer alguma
atividade dentro dessa estrutura eclesiástica, Lima (2011, p.14) vai dizer que, para
alguns, a discriminação da mulher é algo que deixou de existir há muito tempo.
Contudo, mesmo que a mulher exerça funções dentro da igreja, não significa
dizer que ela não seja discriminada, o preconceito e a rejeição aparecem quando
essa passa a almejar uma vaga de pastorado.
Lima (2011) continua falando que:

A discriminação contra as mulheres existe no mundo de dentro e fora das


igrejas, mas, tudo passa pela leitura e entendimento de alguns trechos
bíblicos interpretados por essa ou aquela estrutura eclesiástica, segundo a
visão do seu líder ou órgão deliberativo. Mediante a tomada de decisão
destes, algumas igrejas apresentam-se contra o pastorado feminino, outras
são a favor e algumas nem se expressam publicamente sobre o tema.
(LIMA, 2011, p.31)
18

Santos Júnior tem este entendimento e descreve interpretações teológicas


usadas como forma de impedimento para a mulher exercer o cargo de pastora nas
igrejas evangélicas:

Pensar a história da mulher na igreja é um processo que evoca e provoca


sentimentos extremamente contraditórios. De um lado, brota uma dor
profunda em virtude de uma longa história de exclusão e silenciamento das
mulheres nas igrejas, que, por sua vez, era justificada biblicamente, por ter
sido criada a partir da costela de Adão e ter pecado primeiro – carregando o
estigma de ser a criadora do pecado original (gênese, capítulos 2 e 3).
Depois, a interpretação paulina de que a mulher deve permanecer calada
na Igreja (I coríntios cap.13.34). Outra interpretação paulina, agora a de
aprender em silencio, com toda sujeição (I Timóteo 2.9-15), são palavras
que produzem e legitima a subordinação da mulher ao homem no
casamento, a exclusão das mulheres dos cargos diretivos na igreja e na
sociedade. (SANTOS JÚNIOR, 2013, p.52).

Muitas igrejas utilizam tanto as interpretações do apóstolo Paulo, onde a


mulher deve permanecer calada e aprender em silêncio como também as do
Gênesis, pelo fato de ser considerada a criadora do pecado original. Então, a
utilização dessas interpretações seria usada como forma de barrar, de silenciar e
excluir a mulher da história e do pastorado feminino. E seriam estratégias utilizadas
como forma de convencer a mulher cristã de que não poderia exercer o pastorado.
Além das interpretações bíblicas utilizadas como forma de barrar a mulher,
em muitas igrejas evangélicas pentecostais as exigências, principalmente para o
exercício do pastorado, são maiores do que para as outras funções. De acordo com
Santos Júnior (2013): “Estas sempre tiveram na sua composição hierárquica figuras
de homens letrados e bem sucedidos em suas caminhadas evangelísticas” (p.66). E
a mulher desempenha apenas papéis que seriam designados ao seu sexo. Pois,
como já vimos, muitos ministérios acreditam que ministério pastoral não é algo com
características femininas.
O impedimento da liderança feminina no espaço eclesiástico talvez ocorra
devido ao saber feminino abalar a estrutura da igreja, em que os homens foram
acostumados historicamente a estar em posições superiores. Souza (2006 apud
Lima, 2011) afirma:

O saber feminino, segundo Souza (2006), provoca medo nos homens que
respondem pelas instituições teológicas. Esse saber pode ameaçar a
tradição e os dogmas. É inovador, provocador, causa dissensão e também
ameaça a hegemonia masculina na produção do conhecimento. Por isso,
19

acreditam que é preciso distanciar as mulheres das disciplinas de poder .


(SOUZA, 2006 apud LIMA, 2011, p.45).

Portanto, percebe-se que as vezes a mulher não exerce um cargo influente


na igreja, devido ao machismo ainda presente nas instituições religiosas e por achar
que somente eles tem o poder de liderar. Então, esse pensamento dificulta muito a
liderança feminina e inúmeras exigências são cobradas para o exercício pastoral.
Em muitas igrejas evangélicas tradicionais, para assumir uma vaga pastoral,
requer-se que o candidato tenha o chamado de Deus, possua vocação, que tenha
formação teológica ou possua outros cargos eclesiásticos anteriores, ser “cheio do
9
Espirito Santo de Deus” e possuir boa índole. Em algumas denominações, o cargo
pastoral exige muito do candidato à vaga. Inicialmente, esse precisa passar pelo
10
menos dois anos sendo obreiro na igreja. Com o passar do tempo e pelos “frutos”
que o cristão produz eleva-se o cargo para diácono e por último presbítero. Então,
quando o evangélico alcança o cargo de presbítero, ele pode se candidatar a vaga
de pastor. Caso consiga ser escolhido como pastor, é necessário possuir uma
formação teológica de quatro anos para exercer a função. E somente os homens
podem participar, as mulheres estão excluídas desse processo. Porém, esses
requisitos não são exigidos em todas as igrejas. De acordo com Santos Júnior as
igrejas pentecostais são diferentes:

Nas igrejas pentecostais, a exigência por um preparo teológico é bem


menor. Há uma exigência maior sobre a vida pessoal do (a) candidato (a)
que aspira pelo ministério pastoral. Uma vida regrada, uma postura que
testifique uma mudança de vida, e uma dedicação exclusiva à igreja são
atributos importantes na seleção para exercer o pastorado. (SANTOS
JÚNIOR, 2013, p. 78)

Portanto, vimos que há uma exigência maior por parte de muitas igrejas
evangélicas de origem tradicionais ou históricas para o exercício pastoral. Porém,
essa realidade está mudando. Atualmente, em muitas igrejas pentecostais as
exigências cobradas para o exercício pastoral são menores. É exigido e observado

9
É aquele que já não tem controle sobre sua vida, já não decide segundo sua vontade, mas segundo
a vontade do Espírito, ou seja, é alguém totalmente conectado e dependente da direção de Deus.
Disponível em< https://www.gospelprime.com.br/o-que-significa-ser-cheio-do-espirito-santo> Acesso
em: 16/12/2019.
10
Frutos: essa expressão é utilizada no meio cristão de forma figurada e refere-se ao cristão que tem
boas obras, um cristão com boa índole e que anda em obediência com a Palavra de Deus.
20

11
a vida pessoal do (a) candidato (a) ou se possui o “Dom de Deus” para esse fim.
Embora exerça algum trabalho secular é observada a obediência a Deus e a
dedicação aos trabalhos na igreja. Então, essas são algumas das exigências das
igrejas pentecostais atuais, para a seleção ao ministério pastoral, não
necessariamente é preciso possuir formação teológica.
Nas igrejas evangélicas, além do pastorado possuem outras funções, que
são exercidas pelos membros e o mesmo autor traz a definição das pessoas que
ocupa cada cargo eclesiástico:

Diácono- é alguém que usa seus dons espirituais para fazer os serviços que
Deus designou que ele faça na vida diária da igreja ou nas reuniões; no
ministério da palavra ou na pregação do evangelho; em serviços materiais
ou em serviços espirituais.
Missionário ou evangelista é aquele que está apto a anunciar e a levar a
mensagem do evangelho aos “necessitados”. [...] obreiro é aquele que
trabalha na “obra”, que corresponde ao trabalho, ao resultado de um
trabalho ou aquilo que um artificio produz. (SANTOS JÚNIOR, 2013, p.80)

Diácono da igreja seria alguém que possuiria dons espirituais e utiliza para
fazer a obra, já o missionário seria aquele que está a todo tempo pregando e
ensinando a palavra de Deus às pessoas necessitadas espiritualmente. E obreiro
seria aquele que auxilia o pastor nas orações, nas pregações, direção dos cultos, ou
seja, ajuda no andamento dos cultos.
Mas, nem todas as denominações reconhecem esses cargos. Lima 2011,
afirma:

Os batistas reconhecem biblicamente dois cargos oficiais, que são pastor e


o diácono. O pastor possui três termos bíblicos que enfatizam seu papel
diante de sua comunidade: “presbítero” (I Tim. 4:14), “bispo” ( At.20:28), e
“pastor” (Efésios. 4:11). Apesar dos títulos diferentes, os três cargos
representam, na pratica, a mesma função. Os batistas adotam o termo
pastor o que as características de diácono e ancião estão intrinsicamente
presentes no desempenho do seu oficio. O pastor é membro da igreja local
onde exerce o seu ministério e é contratado por tempo determinado, a partir
de decisão da assembleia composta pelos fiéis da igreja, devendo possuir
geralmente o curso superior em Teologia e estar vinculado a Ordem dos
Pastores Batistas do Brasil. (LIMA, 2011, p. 62).

11
Dom de Deus: trata-se de uma capacidade inata para desempenhar determinada tarefa. Disponível
em: www.jrmcoaching.com.br/blog/diferença-entre-dom-e-talento. Acesso em: 16/12/2019.
21

O pentecostalismo e suas características são originárias do cristianismo,


pois dá ênfase aos dons do Espirito Santo 12. De acordo com Santos Júnior (2013), a
pregação e a evidenciação da crença nos dons do Espírito Santo é o que diferencia
o pentecostalismo do protestantismo histórico. E, dentre os dons espirituais
existentes nas igrejas pentecostais pode se destacar os dons de línguas
(glossolalia), a cura de enfermos, a expulsão de demônios e a realização de
milagres. (p.76). Geralmente, os crentes 13 pertencentes ao pentecostalismo são
muitos alegres e as igrejas são muito barulhentas, devido a fortes pregações e
orações.
O número de pessoas que se dizem evangélicas ou protestantes já
representa uma boa parte da população. E, de acordo com Santos Júnior (2013,
p.77), o último censo realizado em 2010, nessas igrejas evangélicas pentecostais a
quantidade de seguidores femininos é maior que a masculina, apontando 56% do
total. Ou seja, os dados apontam que nesse espaço a maior parte de seus membros
é formada por mulheres. Segundo o mesmo autor, acredita-se que isso ocorre
devido a essas igrejas tratarem das aflições humanas e de assuntos relacionados à
esfera doméstica e familiar. (2013, p.77). Então, por ser um espaço que dá muita
importância às aflições cotidianas das famílias, as pessoas, e em especial as
mulheres, veem esses locais como refúgio e solução para seus problemas e de suas
famílias.
Embora as mulheres evangélicas representem uma boa parte dos membros
das igrejas pentecostais, isso não significa dizer que a maior parte das funções
eclesiásticas sejam exercida por elas. Os cargos de liderança no espaço pentecostal
atribuídos às mulheres são aqueles de menor importância hierárquica, com
restrições ao pastorado, pois, de acordo como Lima (2011), é um cargo superior aos
demais. O “pastor é o dirigente espiritual e administrativo da igreja. Ele é a pessoa
mais influente na estrutura de poder dessa instituição religiosa, onde sua palavra e
decisões são determinantes também no andamento e pauta das assembleias.”
(p.51). Observa-se assim, que o pastorado é função de maior poder na estrutura
eclesiástica.
Para Santos Júnior,

12
Os dons do Espirito Santo: são capacidades que o espírito concede aos cristãos para edificar a
igreja. Exemplo de dons espirituais pode destacar o dom de cura. Onde o cristão que possui esse
dom, ao impor a mão sobre um enfermo ele seria curado.
13
Crente: é toda pessoa que professa a fé protestante ou evangélica.
22

Na maioria das igrejas evangélicas, a hierarquização evidencia sempre a


pessoa do pastor, que também é o responsável pelos fiéis da igreja. É quem
também aconselha, batiza casa, faz culto fúnebre e toma as decisões mais
importantes dentro da igreja. (2013, p.78)

De acordo com o mesmo autor, “as restrições impostas pela igreja às


mulheres evangélicas encontram-se especificamente vinculadas ao exercício do
pastorado” (2013, p.78). Não há nenhuma restrição em relação a outras funções
existentes para o exercício feminino, somente o pastorado, e, provavelmente seja
pelo fato de ser considerado um cargo que possui um maior poder e status social.
As igrejas evangélicas de qualquer denominação possuem vários
departamentos, onde não é vedada a participação da mulher. Ela pode ser líder de
grupos, como por exemplo, regente do grupo de jovens, senhoras e crianças. O que
muitas denominações não aceitam e não concordam é o fato da mulher ser a
pastora do ministério.
De acordo com Rosário e Roldão (2011, p. 404):

Com relação ao campo ministerial eclesiástico, no tocante à atuação das


mulheres como pastoras e pregadoras, foi possível perceber, ao longo da
história da Igreja Evangélica, como era perceptível o desempenho das
mulheres no ministério em diversas denominações. Sua posição era
bastante atuante e assumiam responsabilidade. Há denominação que não
admitem cargos de liderança à mulher, mas isso não é posição unanime,
pois outras reconhecem a dedicação e empenho manifestado pelas
mulheres.

Para as autoras, nem todas as denominações seriam contrárias a liderança


ministerial feminina, pois muitas igrejas são a favor e reconhecem o esforço das
mulheres, atribuindo cargos de liderança eclesiástica para as mesmas.
Mas, muitas argumentações bíblicas são utilizadas como barreiras para
conter o exercício pastoral feminino. Muitos afirmam que o pastorado traz consigo
uma exigência maior, devido a ser uma função eclesiástica de maior autoridade e
devido a isso a mulher seria incapaz de exercer, por possuir habilidades apenas na
área doméstica. Como já mencionado, outros argumentos são utilizados a partir de
leituras da Bíblia, onde muitas igrejas argumentam com textos bíblicos e
doutrinários, afirmando que a mulher deve ser submissa ao seu esposo e devido a
isso, não poderia exercer função “dita” masculina. Acredita-se que as mulheres não
estariam aptas para liderar, pois quem naturalmente teria a capacidade de liderança
seria o homem.
23

Entretanto, às vezes o homem utiliza a submissão como forma de controlar a


mulher e de mantê-la sob seu domínio. Acreditam que a mulher deve ser fielmente
obediente e sujeita as suas vontades, não podendo exercer nenhuma função fora do
lar. Muitos homens entendem a submissão como a posse, onde a mulher passa a
ser propriedade exclusiva dele. Devido a isso ser característico da cultura machista
presente na sociedade, os índices de violência doméstica são gigantes. De acordo
com o mapa de violência 201814, mais de 68 mil casos de violência contra a mulher
ocorreram ao longo de 2018. Portanto, observa-se que esse dado é assustador, pois
muitas mulheres estão sujeitas a violência doméstica. É possível perceber que essa
ideia da submissão traz reflexos negativos, porque em casa pode gerar uma
violência e na igreja impede a mulher de exercer funções de liderança.
Entende-se que muitas igrejas evangélicas utilizam o uso do termo
submissão, para negar os cargos considerados de maior importância na hierarquia
para a mulher. Fazem uma interpretação limitada do preceito bíblico e alegam que a
mulher deve ser submissa ao homem e devido a esse fator não poderiam exercer
cargos que lhes dariam autoridade. Porém, esse problema não afeta todas as
denominações evangélicas, pois muitas igrejas não seguem a este preceito da
submissão, abrindo assim, espaço para que ela lidere.
Muitas mulheres têm lutado por sua emancipação e busca pela igualdade
de direitos. Mello e Lima (2016), afirmam que há muitos fatores que contribuíram
para a mudança no mundo eclesiástico:

[...] conforme observações em alguns estudos há que se levar em conta que


nem sempre as mudanças nas hierarquias eclesiásticas resultam das
reivindicações e da pressão das mulheres que as integram. Fatores de
outra natureza tem favorecido a adoção do pastorado feminino em algumas
igrejas, como por exemplo, o acirramento da competição religiosa e o
reduzido número de homens para o sacerdócio, podendo-se observar
também que, em sua forma mais simples, as opiniões com relação ao papel
do ministério das mulheres nas igrejas estão divididas em dois grupos
distintos: aqueles que acreditam que as mulheres deve ser permitido ocupar
posições de autoridade pastoral na igreja, e aqueles que creem que
somente homens podem ter tais posições. (MELLO; LIMA, 2016, p. 124).

Para os autores, o pastorado feminino não é algo fácil a ser conquistado,


pois a igreja está dividida em dois grupos diferentes, existem aquelas pessoas que

14
Disponível em http// redebrasilatual.com.br. Acesso em: 02/10/2019.
24

são a favor, mas tem também as que são contrárias à presença das mulheres no
púlpito.
A mulher foi e ainda é discriminada ao exercer determinadas funções.
Embora tenha conquistado espaços que outrora não podia ocupar, ainda existe
muita rejeição e isso ocorre, na maioria das vezes pelos homens. A sociedade
machista insiste em fazer pensar que a mulher não tem poder, autoridade e
capacidade de liderar, tanto no espaço de trabalho, como no meio evangélico.
Entretanto, a mulher possui os mesmos direitos e deveres que os homens possuem.
Assim, possui o direito de exercer aquilo que ela tanto almeja.
Segundo Stefanini:

Do ponto de vista teológico é bom lembrar que homem e mulher foram


criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1, 26-27) e que,
sobretudo com Jesus Cristo, não há diferença entre homem e mulher no
que tange ao relacionamento com Deus e ao envolvimento na realização da
sua missão. (2016, p.109)

De acordo com o pensamento do autor, a mulher não pode ser discriminada


e rejeitada devido ao fato de ser semelhante a Deus. Observa que a Bíblia é
utilizada tanto como forma de barrar a mulher, como também como apoio ao
exercício ministerial. Dessa forma percebemos que inclusive a interpretação da
Bíblia é objeto de disputas.
Segundo Santos Júnior (2018) é notório perceber também o uso da Bíblia,
como instrumento ideológico, para enfatizar que a mulher é o sexo mais frágil e, com
essa justificativa, veta-se a possibilidade de se ter a mulher no ministério pastoral.
(p.50)
Não só no ministério pastoral que a mulher às vezes é impedida de liderar,
mais também em outros espaços, como por exemplo, em grandes empresas. Há
muitos empecilhos e barreiras para que a mulher possa ter autonomia.
Segundo Mello e Lima existem muitos desafios a serem trilhados para a
mulher exercer papel de pastora:

Conquanto os desafios desta nova empreitada são imensos, pois muitas


pessoas na sociedade ainda são contra a presença feminina no púlpito das
igrejas no papel de pastoras, e muitos homens recusam sua autoridade, por
considerar a mulher incapaz de exercer funções tradicionalmente exercidas
por homens, como o pastorado.(MELLO; LIMA, 2016, p.120).
25

Muitos homens no meio cristão duvidam do potencial e da capacidade


feminina, e isso talvez se deva pelo fato da função ser corriqueiramente exercida
pelo sexo masculino. Então, acredita-se que há funções destinadas a cada sexo.
Mas, em meio a tanta dificuldade e rejeição, a mulher aos poucos tem
conquistado muitos espaços antes ocupados apenas pelos homens e um desses
espaços que hoje são ocupados por mulher, é justamente às igrejas evangélicas.
Contudo ainda é muito pequena a presença feminina nessas igrejas, em especial o
pastorado. Muitos templos evangélicos não permitem a mulher nem sequer subir ao
púlpito da igreja. Para Santos Júnior (2013), o púlpito é o lugar em que são
transmitidos os ensinamentos, porém é um local que nem todo mundo seria apto a
subir:

É do púlpito onde se transmite os ensinamentos que os fiéis devem seguir.


É o lugar onde se fala em nome de Deus. A pessoa precisa estar com a
“vida no altar”, segundo muitos fiéis, para pronunciar qualquer palavra do
púlpito. (SANTOS JÚNIOR, 2013, p.60)

Setores evangélicos entendem que apenas os homens estão aptos para tal
ação, pois o púlpito seria um lugar santo e sagrado. Ao seguir esse pensamento, os
indivíduos estão discriminando e menosprezando a mulher, tornando a sua
participação inferior a dos homens.
De acordo com Perrot, as mulheres foram excluídas da escrita da História.
Porém, “essa exclusão pouco condiz com a Declaração dos direitos do homem, que
proclama igualdade entre todos os indivíduos” (PERROT, 1988, p.177). Na
Declaração dos direitos humanos, os direitos da mulher são iguais ao dos homens.
Então, porque há essa diferença? “As mulheres não seriam indivíduos?” A autora
traz a argumentação de alguns pensadores sobre o assunto, baseado nas
descobertas da medicina e da biologia. Segundo Perrot:

Apoiando-se nas descobertas da medicina e da biologia. É um discurso


naturalista, que insiste na existência de duas “espécies” como qualidades e
aptidões particulares. Os homens, o cérebro (muito mais importante que o
falo), a inteligência, a razão a capacidade de decisão. Às mulheres, o
coração, a sensibilidade, os sentimentos. (PERROT, 1988, p.177)

A suposta inferioridade feminina foi construída historicamente, pois o homem


utilizaria o cérebro, por isso ele seria mais inteligente e possuiria capacidade de
26

decisão. A mulher seria mais sentimental, sensível. E devido a possuir essas


características, especialmente não pensar racionalmente, argumenta-se que ela
seria incapaz de liderar. Para Lima 2011, “a mulher tem sido vista como lado mais
fraco, ser mais frágil e com menor inteligência, pelo universo masculinizado” (p.46).
Embora haja muitas interpretações para o impedimento do pastorado
feminino, de acordo com Santos Júnior (2013), muitas igrejas evangélicas tem
aberto oportunidades para que essas mulheres se sintam realizadas:

A organização, hoje, de novas igrejas com lideranças femininas faz com que
este momento torne-se importante para estas pastoras, pois se abre a
possibilidade de reconstruir uma nova identidade. Agora não mais do banco,
como fiel submissa, mas do púlpito. Percebe-se a significação de que se
revestem certos lugares na igreja, como é o caso do púlpito, que não é o
espaço ocupado pelo homem, mas é também o espaço que demanda
reverência, que pede postura “santa”, é um espaço ao qual é vedada a
subida de estranhos, ou mesmo dos mais novos na igreja, como é o caso
dos novos convertidos em Cristo. (SANTOS JÚNIOR, 2013.p.60)

Muitas igrejas evangélicas, ao abrir espaço para a mulher exercer o cargo de


pastora, rompem com o machismo predominante. Muitas delas acreditam ser uma
vitória alcançada. Pois, deixam de serem apenas membros de banco e passam a
liderar e sentar no púlpito, um espaço “dito” masculino.
Os desafios encontrados pelas mulheres para o exercício da função de
pastora são enormes, porque muitas pessoas da sociedade são contrárias a sua
presença no púlpito da igreja. O exercício pastoral feminino não é fácil, pois alguns
acreditam que elas não possuem capacidade de liderar uma igreja e que a função é
destinada apenas para o sexo masculino. Só que esses pensamentos são utilizados
como forma de renegar o papel da mulher.
De acordo com Mello e Lima estudos tem mostrado um grande interesse das
mulheres por cargos diretivos nas igrejas pentecostais e o número de denominações
sob a liderança feminina tem aumentado:

[...] estudos sobre a distribuição do poder dentro das igrejas tem revelado a
existência de um crescente interesse em reavaliar o papel da mulher na
direção das comunidades pentecostais e destacam o aumento do número
de denominações com pastorado feminino e a multiplicação de igrejas
fundadas por mulheres. (MELLO; LIMA, 2016, p.123)
27

Devido a pequena oportunidade e aceitação para o exercício pastoral


feminino nas igrejas, muitas mulheres estão fundando15 seus próprios ministérios
pastorais. Com essa estratégia tem crescido o número de igrejas sob a
responsabilidade feminina. Esse meio utilizado por elas é uma forma de acabar com
o estereótipo existente em relação à liderança feminina, pois passam a exercer a
função com autonomia e autoridade.
Como o objetivo da pesquisa é a análise de um caso na cidade de Oeiras,
foi escolhida a metodologia da História Oral, onde foram realizadas entrevistas com
a pastora atuante e com membros da igreja em estudo. As narrativas serão
utilizadas como fontes centrais nesse trabalho.
Segundo Verena Alberti, “sendo um método de pesquisa, a História Oral não
é um fim em si mesma, e sim um meio de conhecimento.” (2005, p.29). A entrevista
em si mesma não é objetivo final do trabalho, mas a partir dela, realiza-se a análise
da fonte histórica.

15
Fundar um ministério ou igreja é abrir um local para a realização de cultos. Para a criação de uma
organização religiosa junto ao órgão competente da justiça não possui muito empecilho é necessário
ter o nome da igreja, possuir no mínimo oito membros e documentos de pessoas que vão compor os
cargos e o local da igreja. Disponível: https://pantaleaogc.jusbrasil.com.br/artigos/520248433/como-
abrir-uma-igreja-organização-religiosa. Acesso em: 02/10/19
28

2 A MULHER PASTORA EM OEIRAS: UM ESTUDO DE CASO

No presente capítulo analisarei as entrevistas que realizei no decorrer da


pesquisa. As mesmas foram analisadas a partir da metodologia da História Oral.
Para Alberti (2005, p. 22) é a entrevista de História Oral que permite ao pesquisador
recuperar um acontecimento pouco esclarecido, ou aquilo que não é encontrado em
documentos de outra natureza.
A primeira colaboradora pra este trabalho foi Raimunda, uma mulher que
até a presente data exerce o pastorado na cidade de Oeiras. Após fazer uma visita
pelos bairros da cidade, me deparei com informações de que havia uma única
mulher liderando uma igreja evangélica. Na ocasião, também tive conhecimento do
local da sua residência. Então, o primeiro contato que tive com ela, foi na sua casa.
Ao conversar sobre o tema em que estava estudando, perguntei se a mesma me
concedia uma entrevista. Porém, no primeiro momento ela recusou, dizendo sofrer
perseguição por exercer o pastorado. Outros ministérios contrários à liderança
feminina a perseguiriam para que o seu ministério seja fechado.
Ao demostrar resistência, argumentei que se trataria de um Trabalho de
Conclusão de Curso e não seria uma perseguição evangélica. Depois de muito
diálogo a mesma aceitou em conceder a entrevista. Sugerindo para que a conversa
não fosse realizada em sua casa, mas na igreja onde a mesma atua, acreditando ser
um local mais tranquilo.
Desse modo, a entrevista com a pastora Raimunda foi realizada no dia 08
de abril de 2019, na Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao Nosso
Deus, Rua Raimundo Queiroz nº 690, bairro Jurani. No momento da entrevista além
da pastora e da pesquisadora, havia também a presença de um membro da igreja, e
da professora orientadora deste trabalho, Débora Strieder Kreuz.
A segunda colaboradora foi Josina, uma mulher membro do ministério. O
primeiro contato que tive com ela foi em sua empresa de peças automotivas. Este
encontro se deu através de outro membro da igreja que concederia a entrevista.
Esta a conheci nas minhas visitas feitas ao ministério. Ao falar sobre o meu trabalho,
perguntei se poderia me conceder uma entrevista. No primeiro momento recusou.
Porém, depois conversei novamente, obtendo uma confirmação da sua parte.
Marcando assim o local, o dia e horário. Porém, ao chegar ao local combinado e
com quinze minutos de antecedência, a mesma se recusou a ser entrevistada,
29

dizendo estar passando por problemas de saúde e por isso estaria impossibilitada,
indicando e me levando até Josina. De certa forma, a mesma teve a sua
contribuição, pois fez uma ponte entre mim e a colaboradora Josina.
Ao chegar ao local de trabalho da colaborada comecei a falar dessa
pesquisa que estava desenvolvendo. Posteriormente perguntei se a mesma me
concederia uma entrevista, e ela, sem resistência, aceitou, de forma que esta foi
realizada no dia 04 de julho de 2019, bem rápida, devido a ter ocorrido no seu
espaço de trabalho, em sua empresa de peças automotivas. No momento da
entrevista, havia a colaboradora, seu esposo e a pesquisadora. A presença do
esposo da colaboradora não contribuiu, pois percebi que a mesma se sentiu
constrangida ao relatar detalhadamente determinados assuntos. Como por exemplo,
ela não detalhou porque que vai aos cultos somente aos domingos.
Este trabalho, teve ainda um terceiro colaborador, esse será chamado de
colaborador 3. Não realizei entrevista com o mesmo, pois este argumentou que seria
muito ocupado, apenas conversei pelo telefone. O conheci também em uma das
visitas ao ministério.

2.1 A apresentação da igreja em Oeiras

Na cidade de Oeiras, localizada no estado do Piauí, existem inúmeras


igrejas evangélicas. Embora muitos ministérios possuam mulheres com o título de
pastora, isso se deve apenas pelo fato de ser esposa do pastor. Porém, até o
momento, mapeei apenas uma igreja com liderança feminina.
Essa igreja evangélica é a Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração
Santidade ao Nosso Deus, localizado na Rua Raimundo Queiroz n° 690, bairro
Jurani. O espaço onde funciona a igreja é alugado, portanto pode ser que com o
tempo a igreja mude a sua localização devido ao imóvel não pertencer ao ministério.
Segundo a pastora, a igreja é recente e não foi fundada por ela e sim por
seu esposo, com o intuito de fazer a obra de Deus. Embora o ministério possua uma
mulher liderando a função pastoral, o fundador é um homem, deixando transparecer
que ainda a liderança feminina encontra restrições.
A pastora afirma possuir o Estatuto de Regimento Interno da Igreja, porém
não tive acesso ao mesmo, pois argumentou que se tratava de um documento da
igreja e que somente os membros poderiam ter acesso. Pelo fato de que não
30

pertenço ao ministério, não poderia visualizar. No Estatuto encontram-se muitas


informações importantes como: as finalidades da igreja, a manutenção, os deveres e
direitos dos membros e as medidas disciplinares.
Ao pesquisar, encontrei apenas informações sobre o CNPJ da igreja.
Portanto, entende-se que o ministério possui o seu funcionamento legalizado. O
número da inscrição do CNPJ é 26.645.840/0001-0316, fundada em 29 de novembro
de 2016, sendo o presidente José Francisco Pereira da Silva. Portanto o documento
de abertura e funcionamento do ministério é no nome do esposo da pastora.
A Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao Nosso Deus
possui alguns elementos rituais como a unção com óleo, falar em línguas
supostamente estranhas e revelações. Os seus membros guardam o sábado: para
eles o sábado é sagrado, onde não se pode trabalhar em serviço secular,
trabalhando apenas na obra de Deus. É um dia em que geralmente todos os
membros vão à igreja.
Além de guardar o sábado, os membros também não se alimentam com
carne suína, pois acreditam ser algo impuro e, de acordo com a lei religiosa, não é
permitido comer carne de animais que possuem cascos fendidos17 e não ruminam18.
Para os membros da igreja em estudo, caso não guardem o sábado e se alimentem
de alimentos proibidos pela a lei, estariam pecando. Portanto o ministério ao se
mostrar a favor em relação à guarda do sábado, se assemelha seguir as mesmas
doutrinas dos sabatistas e adventistas do sétimo dia.
Ao visitar a igreja observei que a pastora, a porteira e as obreiras seguem
alguns costumes adotados por outras igrejas, por exemplo: suas vestimentas são
saias ou vestidos abaixo do joelho, blusas com mangas, a ausência do uso de joias,
esmaltes e maquiagens e a pastora ainda utiliza um blazer por cima da roupa. O
marido da pastora veste calça social e camisa de manga longa. Porém, os outros
membros não seguem a esses costumes.
Embora utilizem a mesma Bíblia para pregar e evangelizar as pessoas, as
igrejas evangélicas são diferentes umas das outras nas questões doutrinárias e em
relação aos usos e costumes. Pude observar que a denominação não possui, por
exemplo, uma doutrina padrão quanto às vestimentas dos membros. Ao instigar a
16
Disponível em: https:// www.cnpj.biz/2664584000103. Acesso em 14/12/2019.
17
São animais que possuem o casco em forma de fenda, por exemplo, o porco.
18
São os animais que remoem os alimentos, ou seja, que voltam do estômago o alimento a
boca.
31

pastora sobre o assunto, ela diz que prega a palavra e não como os fiéis devem se
vestir. Mas acredita ser exemplo e diz se vestir descentemente, porém não daria
muita importância para a vestimenta, pressupondo que a transformação começa no
interior das pessoas, posteriormente é que veria o exterior, ou seja, através do
conhecimento da Bíblia é que os fiéis vão descobrindo como o cristão deve se
comportar, mudando os seus antigos hábitos.
Muitas igrejas evangélicas utilizam textos bíblicos isolados para cobrar
dinheiro dos fiéis, argumentando que eles têm que devolver para a igreja todos os
meses a décima parte do seu salário. Outras denominações utilizam outros artifícios,
para retirar dinheiro dos seus membros, como a venda de alguns materiais “ditos”
ungidos, como por exemplo, fita, água, sal, óleo, flores, toalhas e etc. Porém, essas
características não são pertencentes à denominação.
Foi observado que não se cobra o dízimo e nem ofertas dos fiéis. Porém,
não é proibido ofertar, possuído um gazofilácio 19 para colocar a oferta de quem
queira doar voluntariamente, pois é de muita valia as ofertas recebidas, porque as
contas do ministério, como por exemplo, aluguel, água e luz são pagos através das
doações dos fiéis. De acordo com a pastora, o seu ministério não cobra dízimo e
essa é uma característica que o difere dos demais ministérios.
Como já foi dito, a manutenção do templo ocorre através de doações
voluntárias. E as ministras desse ministério não tiram o seu sustento da obra, de
acordo com a pastora, ela e seu esposo vivem do “suor do seu rosto”, trabalhando
em serviços seculares e as doações recebidas seriam utilizadas apenas para as
despesas da igreja.
Os cultos nesse ministério ocorrem de “domingo a domingo”, ou seja, todos
os dias da semana. A pastora, a ser questionada sobre os horários dos cultos deixa
claro em sua fala que de domingo a sexta-feira os cultos teriam início às 19 horas e
30 minutos e terminava às 21 horas. Aos sábados seriam iniciados às 15 horas.
Porém, ao visitá-lo pude perceber que os horários estabelecidos são estratégias
utilizadas para que as pessoas não se atrasem, pois o culto, só inicia 30 minutos
depois do horário estabelecido. O primeiro culto do qual participei se iniciou às 20
horas e terminou depois das 22 horas. Já no sábado, que é culto de ensino da
palavra, iniciou às 15 horas e 30 minutos e foi finalizado às 19 horas.

19
É uma espécie de caixa ou urna que fica no interior do templo para as pessoas depositarem suas
ofertas.
32

O ministério em estudo, embora possua uma mulher na liderança, nos


pareceu que está ligada a interpretação paulina, ou seja, na necessidade da mulher
ser submissa ao homem e aprender em silêncio, não podendo ensinar. O culto de
ensino da palavra de Deus é ministrado por seu esposo. Então, percebe-se que a
pastora ao exercer o pastorado não ocupa todas as posições.
Foi observado também que o número de frequentadores do ministério é
pequeno, em torno de 10 a 12 pessoas, sendo boa parte mulheres. O número de
frequentadores masculinos estima-se de 2 a 3 do total.
O ministério é uma igreja pentecostal autônoma. De acordo com Santos
Júnior (2013), a definição é dada para todas as igrejas que não tem vínculo com
outra igreja, sendo uma denominação independente (p. 61). E, geralmente, seu
surgimento é atribuído à ordenação divina, como no caso em tela.
Não há documentos afirmando que Raimunda seja a pastora, pois o
fundador é o seu esposo. Portanto nos trâmites legais, o ministério possui sua
liderança pastoral masculina, enquanto na prática é uma mulher que se diz liderar.
Os cargos existentes no ministério, como por exemplo, porteiro, obreiro e pastor são
todos exercidos por mulheres.
O marido da pastora não ajuda muito na obra, participa apenas do ensino da
palavra de Deus que ocorre aos sábados. Durante os demais dias o ministério é
dirigido pela pastora e as obreiras.
Toda igreja evangélica possui um expressão utilizada pelos membros como
forma de saudar ou cumprimentar as pessoas. Na Igreja de Jesus Cristo Ministério
de Oração Santidade ao Nosso Deus a expressão usada para cumprimentar seria
“graça e paz”.

2.2 Ser mulher pastora

Para ajudar a compreender as narrativas orais e o exercício pastoral


feminino, houve inicialmente a leitura de bibliografia pertinente. Santos Júnior é um
que contribuiu para essa análise. Em sua dissertação traz narrativas de mulheres
pastoras, relatando as dificuldades encontradas para ocupar vagas no pastorado, as
vitórias almejadas e também as experiências vividas.
33

Além desse autor, Lima também contribuiu a partir de sua dissertação de


mestrado, onde abordou sobre o gênero e poder no pastorado feminino na Igreja
Batista.
Como já vimos, para exercer o pastorado feminino, inúmeras são as
barreiras enfrentadas, de maneira que muitas igrejas evangélicas não abrem espaço
para que a função seja exercida por mulheres. Isso talvez ocorra com alegação de
preceitos bíblicos ou mesmo doutrinários da igreja. Como por exemplo, a mulher
deveria ser submissa ao marido e que aprenderia em silêncio. Lima (2011, p.32)
afirma que esses dogmas são utilizados como forma de tentar justificar a dominação
sobre a mulher, impossibilitando acessar os lugares de poder.
A mulher, portanto é tratada com inferioridade e dominação. De acordo com
Colling (2014), os argumentos utilizados para justificar que elas são inferiores ao
homem, “vão desde a falta de força física até as questões relacionadas com a honra
e a moral, e com uma suposta incapacidade intelectual.” (p. 63). Observa-se que são
utilizados não só preceitos bíblicos para tentar barrar a mulher, mais outros
argumentos como físicos e morais, tentando demonstrar a incapacidade de exercer
determinadas funções, inclusive o pastorado.
As igrejas que aceitam mulheres no exercício do pastorado representam a
minoria e alguns exemplos destas denominações são: A Igreja do Evangelho
Quadrangular, a Igreja Aliança com Cristo e a Igreja Nacional do Senhor Jesus
Cristo, dentre algumas outras. Santos Júnior (2013, p.83) afirma que nessas Igrejas
não há barreiras em relação ao exercício pastoral feminino, pelo fato delas terem
sidas fundadas por mulheres. Por isso, não haveria resistência para a mulher
exercer a função. Então, entende-se que a maior parte das denominações que
possuem mulheres pastoras, são igrejas criadas ou fundadas por elas mesmas.
A Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao Nosso Deus na
cidade de Oeiras não fugiu a essa explicação. O ministério foi fundado pela pastora
atuante, juntamente com seu esposo. A decisão de abrir um ministério, às vezes, se
dá pelo fato de não haver oportunidade de pastorear em outras igrejas, fazendo com
essas mulheres criem seus próprios ministérios e passem a liderar.
Geralmente, as mulheres pastoras fundadoras de igrejas eram pertencentes
a outros ministérios contrários ao exercício pastoral feminino. Para Santos Júnior
(2013, p.95) o surgimento destas igrejas ocorre em virtude de vários motivos: às
vezes ocorre devido desentendimento entre líderes, talvez pela sua troca ou pela
34

criação de novas práticas rituais. A pastora afirma que o que motivou a abrir um
ministério, teria sido o amor que se diz sentir pelas pessoas: “Porque a nossa
preocupação é com as almas, porque o povo de Deus está doente, muitos filhos de
Deus estão doentes, sofrendo”. (RAIMUNDA, 2019). São inúmeros os motivos e
argumentos utilizados quanto à abertura de ministérios. Contudo, é importante
destacar que sua fala busca ressaltar um elemento de cunho religioso - a missão.
Ao analisar a entrevista, percebe-se que a Igreja, nessa perspectiva,
funcionaria como uma espécie de hospital, um local que trataria de pessoas
enfermas. Essa característica não seria apenas do ministério em estudo, mas das
igrejas pentecostais de modo geral. O foco são as supostas curas e revelações. Em
outro trecho da narrativa, a pastora deixa transparecer esse entendimento:

Então, tudo que acontece na vida do cristão é por meio da palavra de Deus.
É a gente ministrando a palavra e a palavra vai libertando do alcoolismo, de
tudo. Da doença, da enfermidade, da depressão, da opressão de muitas
vidas doentes de depressão que vem pra cá e quando você menos as
espera já estão curadas, louvando a Deus, sorrindo, felizes. A gente
acompanha um número grande de mulheres depressivas, mulheres que já
tentaram até suicídio, cortaram seus pulsos. Aí elas vêm e a gente ensina a
palavra. Uma palavra de fé, uma palavra de salvação. Cada dia é uma
palavra diferente, mas contanto que ela seja dentro da palavra. É um
ensinamento de fé. (RAIMUNDA, 2019)

O ministério daria atenção às pessoas com diferentes tipos de enfermidades,


deixando claro que mesmo sendo a líder, os cuidados e as pregações estariam
voltados para as mulheres depressivas. É possível supor que talvez o que motivaria
muitas mulheres almejar uma vaga pastoral seria o trabalho voltado especificamente
para o sexo feminino, tendo em vista as diferentes formas de opressão que atuam
sobre as mulheres.
Ao analisar as narrativas, percebe-se que a trajetória da vida evangélica da
pastora não vem desde criança, foi algo que se iniciou quando adulta. A maioria das
pessoas que se dizem cristãos, geralmente mudam de credo religioso depois de
adulto. Com a pastora não foi diferente e esse fato chama atenção no espaço
evangélico, não só na igreja em estudo, mais de maneira geral. Qual seria o motivo
que levaria as pessoas mudarem de religião? Seria mesmo a cura de enfermidades?
35

Para a pastora, o motivo que a fez se converter 20, foi realmente à suposta cura de
uma enfermidade:

Eu vim para o evangelho com 32 anos de idade, né?... Porque eu vim pra o
evangelho? Porque eu adoeci e em 15 dias eu perdi 10 quilos e aí tinha que
passar por uma cirurgia imediata. Aí eu tinha medo da medicina humana,
então eu acreditei que Deus poderia me curar. Então eu assistindo um
programa evangélico, no qual o programa estava sendo aquele da
Universal, dizendo que Jesus curava, libertava. Então eu disse: pois se
Jesus cura verdadeiramente, eu quero ser curada por ele [Jesus]. Então
Jesus me curou e eu tomei a decisão de vir para os pés do senhor.
(RAIMUNDA, 2019)

Então, como já foi abordado, a suposta restauração da saúde é um fator


que chama muita atenção no meio evangélico. Pois geralmente, as pessoas que
passam a ser evangélicas, são aquelas que supostamente acreditam terem recebido
a cura de alguma doença física, ou depois de ter a resolução de algum problema
familiar e pessoal através de meios cristãos. Ao analisar a narrativa da pastora, pode
ser constatado esse argumento, em que a mesma acredita ter recebido a cura de
sua enfermidade não em um templo cristão, mas através de um programa
evangélico de televisão.
Na busca por uma vaga pastoral, muitas mulheres argumentam que seria
uma vocação, outras se dizem capacitadas para tal e algumas acreditam possuírem
o chamado do sagrado para o exercício da função. De acordo com a pastora
Raimunda, o que motivaria exercer o pastorado seria a crença de que possuiria o
chamado de Deus21 para fazer a obra, e que teria ocorrido no mesmo dia da sua
conversão e da suposta cura de sua enfermidade. Porém, no início, essa decisão
não teria sido fácil, devido a não conhecer a religião evangélica. Raimunda afirma:

Então, no início foi muito difícil pra mim, porque eu nem sabia o que era ser
crente, não sabia o que era servir o Senhor. Mas aí eu me entreguei sabe,
de corpo e alma pra Ele [Deus] e disse eis me aqui Senhor, estou aqui pra
fazer o teu querer e a tua vontade. E com um ano e seis meses no
evangelho eu arrumei meu casamento e comecei fazer a obra missionária.
(RAIMUNDA, 2019)

20
Uma expressão utilizada no meio evangélico significa mudança de vida, adesão a um novo credo.
É usada para referir quando uma pessoa aceita Jesus e passa a ser evangélica.
21
Seria alguém separado espiritualmente para fazer a obra de Deus. Com vocação, preparação e
capacitação para exercer função na igreja.
36

A pastora acredita possuir o chamado do sagrado para o exercício da


função. Como já foi dito, essa justificativa seria utilizada não só por ela, mas também
pela maioria das mulheres que almejam o pastorado. Utilizariam a expressão como
uma forma de mostrar a sua pretensão e a sua preparação por uma vaga pastoral.
Na narrativa é possível também observar, que mesmo acreditando que possuiria o
chamado para fazer a obra, que a pastora só pôde exercê-lo depois do casamento,
o que demonstra alguns dos critérios para o seu exercício.
De acordo com a pastora, que é nascida em Teresina, o seu trabalho
missionário iniciou na cidade de Uruçuí, no Piauí. Depois de algum tempo é que se
mudou pra Oeiras, devido ao seu esposo ser da cidade e também estar com o sogro
enfermo. Embora tenham ocorrido fatos concretos para a vinda dos mesmos, ela
acredita ter sido algo planejado por Deus. Contudo, não permaneceu muito tempo
na cidade, viajando para pregar a palavra de Deus em outros lugares. Ela afirma:

O pai dele [esposo] adoeceu aqui e a gente veio pra cá pra cuidar do pai
dele. Já com o propósito de Deus. Aí nós cuidamos do pai dele aqui, aí o
pai dele se converteu, depois faleceu. E aí nós continuamos aqui. Então a
vida da gente é assim, passa um ano aqui, aí viaja, passa outro ano aqui, aí
viaja. Então a gente é assim não para. A gente passa uns dias aqui e passa
uma temporada fora. Sempre viaja. (RAIMUNDA, 2019)

Como já foi falado o trabalho missionário da pastora não iniciou na cidade


de Oeiras e sim em Uruçuí. Ela acredita está exercendo uma função direcionada por
Deus. Através do seu trabalho teriam supostamente ocorrido muitas curas e vitórias
na vida de muitas mulheres, fazendo com que se sentisse realizada:

Muitas mulheres com câncer é [...] muitas com AIDS infectadas pelos
próprios maridos e seus maridos infectavam suas esposas com AIDS.
Então, elas estavam ali só esperando o dia e a hora pra morrer, porque os
médicos já tinha desenganado. E Deus falava assim comigo, eu tenho uma
missão pra fazer por meio de tua vida.
Então, eu ia pra onde Deus me mandava, eu passava de nove dias dentro
de uma casa de umas irmãs, que me acolhiam nos seus lares e ali naquela
casa que eu ficava de nove dias e eram mais de 30 mulheres, muitas
doentes, outras [...] é [...] enfermas mesmos, sabe? Muitas com o
casamento destruído, mulheres que já dormiam há quinze anos em quartos
separados. Marido de um lado, esposa do outro. Então, Deus falava que ia
restaurar o casamento daquelas mulheres por meio da minha vida. E ali a
gente levantava um propósito de nove dias de jejum e oração e a palavra de
Deus e louvor. E ali com nove dias Deus entregava a vitória de todas
aquelas mulheres e ali encerrava uma missão e Deus me levava para outro
lugar. Aí eu fui tomando gosto de ver aquelas pessoas triste, de cabeças
baixas e de repente quando eu terminava de fazer aquele propósito que
37

Deus me levantava pra fazer, eu via aquelas mulheres todas sorrindo.


(RAIMUNDA, 2019)

Ao analisar a narrativa da pastora, percebe-se que a cura das enfermidades


é uma característica predominante do pentecostalismo e do seu ministério, pois a
pregação seria voltada para as necessidades das pessoas. Como por exemplo,
pregações sobre curas divinas, bênçãos financeiras e vida conjugal. A igreja nesse
contexto desempenharia o papel de solução imediata para os problemas das
pessoas e de maneira mais eficaz. E, essa talvez, seja uma estratégia utilizada para
conseguir muitos visitantes22 e membros23 na igreja. Outro fator utilizado pela
pastora na pregação é o choro compulsivo e o uso de supostas revelações sobre a
vida das pessoas. De acordo com a mesma, são revelações dadas por Deus para
que ela repasse aos fiéis. Constatei esses elementos ao participar dos cultos.
Geralmente, para a realização dos cultos nas igrejas pentecostais há um
ritual a ser seguido, ou seja, todo culto segue as mesmas regras. O ministério da
pastora, não é diferente. Todos os cultos são iniciados com uma oração, em seguida
a leitura da Bíblia, adoração com três louvores e logo após, são concedidas algumas
24
oportunidades para os membros ou os visitantes fazerem “algo pra Deus” . Ou
seja, cantar um louvor, fazer uma oração, contar um testemunho ou ler alguma
passagem bíblica. Portanto, seriam nesse momento em que os membros
testemunhariam as suas supostas curas e vitórias recebidas.
No primeiro dia em que participei do culto fui surpreendida com uma
oportunidade: não havia levado nada preparado de casa, pois imaginei que não teria
oportunidade no culto. Mas mesmo sem ter nada preparado, cantei um louvor.
Posteriormente as oportunidades, há a pregação da palavra e por último uma oração
final, momento este, que a pastora chamaria à frente do púlpito todas as pessoas
que estariam passando por problemas para receberem oração.

22
São as pessoas que visitam a igreja, ou seja, sem nenhum vínculo com o ministério, sendo estes
descrentes ou crentes de outra denominação.
23
Alguém que é crente e faz parte do ministério.
24
É uma expressão utilizada no meio evangélico. Significa expressar, ofertar algo a Deus. Seria
cantar um louvor, falar do amor de Deus para com as pessoas, realizar uma oração e etc. Na igreja
evangélica acredita que tudo o que é feito é para Deus e não para o Homem.
38

Ao iniciar a oração as pessoas começam a chorar, falam em línguas


consideradas estranhas25 e a pastora começa a ungir com óleo26 e entregar as
supostas revelações.
A pastora, antes da abertura do seu ministério na cidade, fazia parte da
denominação Madureira na cidade de Uruçuí, onde se converteu e foi discipulada 27
pra fazer a obra. Para evangelizar fora da igreja em que congregava, utilizava a
carta de recomendação28 e ajudava outros ministérios. De acordo com a pastora,
para todas as cidades e ministérios que iam, levava consigo a carta de
recomendação, pois seria uma forma de apresentar a função que exercia e fazer
suas contribuições nos ministérios em que visitava: “[...] A gente ajudou muitos
ministérios, aonde a gente chegava nós ajudava os ministérios. Passava nove
meses num ministério, seis meses em outro. Aí toda viagem que a gente ia fazer,
era com a carta de recomendação”. (RAIMUNDA, 2019).
A carta de recomendação da igreja Madureira, foi utilizada pela mesma até
se estabelecer de fato em Oeiras e fundar o seu próprio ministério. Depois da
abertura da denominação passaria a utilizar outro documento “[...] quando a gente
parou aqui [Oeiras] e Deus ordenou a gente abrir esse ministério, aí hoje a gente
tem a nossa carteirinha29. Pra onde a gente vai, a gente leva nossa carteirinha”.
(RAIMUNDA, 2019). É perceptível, embora a Raimunda seja a pastora do ministério
que não pastoreia sozinha. Na sua narrativa utiliza à palavra “a gente”, referindo-se
talvez a ela e ao seu esposo.
A pastora ainda descreve algumas das experiências do seu trabalho,
inicialmente como missionária, antes de abrir o ministério e que passaria ser pastora.
Afirma ser usada por Deus e era enviada para várias cidades para restaurar vidas:

E ali eu ia pra outra cidade, quando eu chegava nessa outra cidade eu


falava com Deus e Deus nos colocava dentro de lares que a família estava
destruída por causa de dinheiro, de posse, irmãos querendo matar irmãos,

25
Para o movimento pentecostal é a manifestação do Espírito Santo, onde o fiel começa falar outra
língua, língua dos anjos (Glossolalia).
26
É um símbolo utilizado no pentecostalismo, onde o (a) pastor (a) passa uma espécie de óleo
ungido nas testas dos fiéis para que sejam curados através do poder de Deus.
27
É alguém que é ensinado à palavra de Deus e separado dentro de uma denominação pra divulgar
o evangelho.
28
É um documento expelido pelo pastor da denominação, relatando que o fiel foi consagrado, está
preparado pra fazer a obra. Pois está em comunhão com Cristo e com a igreja.
29
É outro documento feito pelo secretário da igreja, juntamente com o pastor. E essa carteirinha é
conhecida como carteira de membro. Nela contém todas as informações do membro, como por
exemplo, os dados pessoais, a cidade, a igreja que congrega, qual cargo ocupa no ministério, e etc.
39

pai querendo matar esposa. Eu cheguei num lar que até o marido tinha
dado um tiro na sua esposa, né? Isso é muito profundo [...]
Deus me colocou nesse lar e eu não sabia qual era o propósito de Deus
comigo dentro desse lar. Mais aí Deus me mandou orar a ele, eu fui buscar
o Senhor na palavra e o Senhor me falou que tinha me levado naquele lugar
pra restaurar aquela família. (RAIMUNDA, 2019).

É possível observar que o trabalho ministerial não é simples de ser exercido,


devido a ter que fazer visitas em lares de desconhecidos e ajudar aqueles que estão
passando por dificuldades. Portanto, o exercício possui sua complexidade. Exercer
o pastorado não é apenas sentar no púlpito e pregar, é uma função que parece ser
árdua, pois todos os membros estão na responsabilidade do pastor, sobretudo para
aspectos que envolvem a vida pessoal. Essa ativa participação da igreja na vida das
pessoas supre, muitas vezes, o papel que o Estado deveria desempenhar,
supostamente curando doenças, oferecendo atividades de formação e recreação.
Mas, mesmo que a função pastoral possua suas dificuldades, é um cargo
almejado por muitas pessoas, inclusive pelas mulheres. Contudo, é sabido que para
o exercício da função existem algumas exigências. Um dos requisitos cobrados nas
igrejas evangélicas para o exercício da atividade pastoral seria possuir curso de
Teologia, sendo este, até anos anteriores destinados apenas aos homens. Mas
atualmente, essa realidade tem mudado, embora apresentando um número ainda
pequeno, muitas mulheres já possuem curso superior em Teologia ou estão
cursando. Santos Júnior, afirma ter tido no seu curso de Teologia colegas do sexo
feminino: “Durante meu curso de Teologia, tive a alegria de ter cinco colegas. As
reflexões realizadas por estas mulheres em sala de aula contribuíram
significativamente na minha formação enquanto sacerdote e teólogo”. (2013, p.17)
Mas, mesmo havendo mulheres formadas em Teologia, haveriam as igrejas
com liderança feminina que não exigiriam o curso, sendo necessário apenas possuir
o suposto chamado de Deus. Para Santos Júnior (2013), as justificativas das
pastoras sobre o chamado específico de Deus e da capacitação gerada pelo Espírito
Santo30 para exercer o pastorado, devem-se a uma flexibilidade institucional. (p.82).
De acordo com a pastora Raimunda ela não fez curso superior, apenas
participou de um seminário:

30
O poder de Deus manifestado nas pessoas. Através do Espirito Santo que muitas vidas são
transformadas e capacitadas pra pregar, pra ministrar oração, pra louvar, etc..
40

Eu não fiz nem um curso de Teologia, não fiz. Porque eu nasci no ministério
de Madureira, lá tinha pra mais de 250 membros. Então eu fui discipulada,
onde o meu líder me ensinou por meio da palavra, culto de ensino, culto de
doutrina. Mas essa questão de curso de Teologia essas coisas eu nunca
fiz. Mas participei de um seminário aprendizado, né? Fiz três vezes, três
seminários, três dias de aprendizado com o pastor Carlos, no sul do estado.
Então só foram três dias. Só foi um aprendizado mesmo. Ensinar as
pessoas ter educação de falar da palavra de Deus para as vidas.
(RAIMUNDA, 2019)

Entretanto, mesmo que não possua o curso obteve o ensino da palavra


através de seu líder e também participou de seminários onde aprendia de como
levaria a palavra de Deus para as pessoas. Entende-se que embora não possua
curso de Teologia, passou por um preparo para o exercício da função. É perceptível
que para exercer o pastorado seja necessário passar por algum tipo de capacitação.
Santos Júnior (2013, p.79) afirma que a maioria das igrejas evangélicas possuem
seus próprios seminários teológicos, e geralmente, com duração de até dois anos. É
no seminário que o candidato aprenderia a ter carisma e amor pelas almas. Devido a
essas igrejas possuírem seus próprios cursos, abre-se a possibilidade para que
qualquer membro tenha a oportunidade de estudar para ocupar uma vaga pastoral,
ou seja, não seria um “chamado de Deus”, mas uma preparação para o exercício de
uma função.
No decorrer da narrativa, observa-se que, embora a pastora ocupe espaço
considerado masculino, deixa transparecer que não há um rompimento do seu papel
de gênero31, acreditando na submissão da mulher, citando assim a Bíblia para
corroborar sua afirmação:

A Bíblia diz: o próprio Deus nos ensina que as mulheres tem que ser
submissa aos seus maridos e os seus maridos tem que amar as suas
esposas como Cristo ama a igreja. A submissão não é escravidão e as
mulheres, muitas mulheres entendem que a submissão é a escravidão,
entendeu?
Então os homens usam isso pra escravizar suas próprias mulheres e não é
lícito. Porque o próprio Jesus diz assim: As mulheres tem que ser submissa
aos vossos maridos e os vossos maridos tem que amar as esposas assim
como Cristo ama a igreja. (RAIMUNDA, 2019)

Mesmo sendo a líder de igreja, a pastora defende a submissão da mulher


como mandamento do sagrado. Portanto, a mulher deveria ser sujeita ao seu
esposo, mas uma sujeição sem servidão.
31
Gênero é uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das
ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. (SCOTT, 1989, p. 7)
41

Em outro trecho da narrativa, a pastora deixa ainda transparecer que a mulher


deveria seguir toda uma norma imposta pela sociedade e desempenhar papel
designado a ela, como mulher e como esposa nas tarefas domésticas:

Ela vai limpar a casa, ela vai fazer a comida do jeito que ele gosta, a roupa
vai deixar arrumadinha, vai fazer a melhor comida pra ele. Ela vai fazer
pratos deliciosos pra ele. Ela vai agradar seu marido. Tudo que ela vai fazer
é pra agradar seu marido. (RAIMUNDA, 2019).

Ao falar que a mulher deve fazer todos os gostos do esposo, a pastora foi
questionada sobre o porquê que só a mulher deve fazer o agrado do esposo e o
marido não deveria ter a mesma ação. Ela desconversou e utilizou a Bíblia
novamente para corroborar, afirmando que a mulher não deve ser semelhante aos
homens: “A Bíblia diz, que nós mulheres é que tem que fazer diferença em nossas
casas, é nós que temos que fazer a diferença, porque tem muitos homens que
rejeitam a mulher dentro de casa”. (RAIMUNDA, 2019)
Para a pastora, a mulher deve ser submissa ao marido, fazendo todos os
seus gostos e agrados para que não seja rejeitada. Essa é uma afirmação que
demostra que, embora esteja em uma posição de poder na igreja, Raimunda
mantém a divisão de gênero de compreensão da sociedade.
Mesmo ocupando um espaço que outrora era ocupado somente pelo sexo
masculino, ela deixa transparecer constrangimento em relação ao exercício do cargo
e da necessidade da mulher ser submissa ao homem. Tanto é que quando há
presença masculina nos cultos, ela não prega a palavra. Utiliza Deus como
estratégia para não levar a palavra, e fala que foi tocada por Ele e convida um
homem pra pregar. Entende que o espaço pastoral só seria da mesma quando
haveria ausência masculina.
Na igreja em estudo, os frequentadores são na sua maioria mulheres. A
pastora, a ser questionada, se o fato do número reduzido de homens não seria pelo
motivo dela ser pastora, afirmou: “Não, os homens gostam quando eles estão aqui
que eu prego [risos]” (Raimunda, 2019). Notamos uma contradição, pois antes, ela
havia afirmado que quando no ministério haveria presença masculina, ela não
pregaria a palavra. Ao participar dos cultos pude observar que a pastora dificilmente
prega, pois mesmo quando não há a presença masculina nos cultos, quem faz a
pregação seriam as obreiras.
42

Para algumas mulheres, o exercício pastoral é algo muito importante,


considerado uma conquista. Embora muitas mulheres pastoras se sintam realizadas
ao estar em cima do púlpito e liderando, outras tentam minimizar a importância do
cargo. Para a pastora, o exercício da função se daria devido à caridade: “A gente
não está aqui em busca de status, nem de fama e nem de dinheiro. Mas nós
estamos aqui por amor ao Senhor e as almas” (RAIMUNDA, 2019). Talvez a
liderança fosse para fazer cumprir o chamado que se diz possuir do sagrado.
Para a pastora, o seu ministério é diferente dos demais porque não cobra o
dízimo32. O objetivo seria pregar o evangelho, pois muitas pessoas estariam
enfermas e precisariam do toque de Deus. Um dos atrativos dos cultos são as
supostas curas e revelações, sendo estas uma maneira de atrair os fiéis com mais
facilidade: “Aqui [ministério] a gente não cobra dízimo, aqui é uma obra
voluntariamente. Ela vive de doações. E estamos aqui pregando somente o
evangelho, porque a nossa preocupação é com as almas, porque o povo de Deus
está doente”. (RAIMUNDA, 2019).
Entretanto, mesmo que o dízimo não seja cobrado dos fiéis, o ministério é
mantido através das doações dos membros. A pastora ensina as pessoas a fazerem
suas contribuições, assim como mandaria a palavra de Deus. E, ao agir dessa
maneira, acredita estar pregando o verdadeiro evangelho. Para Raimunda, o seu
foco não estaria relacionado às regalias que o ministério oferece, mais sim, na
conversão de pessoas. Porém, ela diz existir muitas pessoas em muitos ministérios
que não agem e nem pensam dessa maneira, e afirma:

Mas tem muitos homens e mulheres que não pregam o evangelho com
sinceridade... que está focado em status, dinheiro e em condição social.
Mas a gente não tá focado nisso, nosso foco é as almas. É tanto que as
pessoas dizem por que não pedem o dizimo, porque não pede aquilo. Não!
Porque a gente ensina aos fiéis a querer a palavra de Deus, aprender a
palavra de Deus e abençoar a obra de Deus voluntariamente por amor e por
conhecimento, como tá escrito na palavra de Deus. (RAIMUNDA, 2019)

Um fato interessante que acontece nas igrejas sob liderança feminina é a


realização dos cultos em todos os dias da semana. De acordo com a pastora, as
pregações são realizadas por ela, com exceção do sábado, que é seu esposo que
coordena: “A pregação sou eu que faço. Então, todos os cultos sou eu que faço. O

32
Dizimo: corresponde à décima parte do salário, ou seja, dez por cento do salário.
43

meu esposo só faz um culto que é no sábado que é o ensinamento da palavra. E eu


quase todas as noites e quase todos os dias eu estou aqui [ministério]” (RAIMUNDA,
2019).
Ao visitar a igreja, pude observar que a presença de visitantes e membros
nos cultos aos sábados são maiores em relação aos demais dias, representando
uma quantidade ainda maior de homens. Percebemos, portanto, que o dia
considerado mais importante é controlado pelo seu marido.
Ao assistir os cultos, pude constatar que, embora sejam realizados todos os
dias e não possua nenhuma igreja filial referente ao ministério, os números de
frequentadores e membros são pequenos. Para Raimunda, a finalidade da abertura
do ministério não estaria em atrair grandes multidões, mas um local pra ser feita a
obra de Deus e operação de milagres 33, através do poder de Deus: “Então quando a
gente tá aqui pregando a palavra do Senhor, fazendo os propósitos com Deus em
campanha. As vidas vêm, a gente prega, a gente ora, a gente ministram nelas, elas
são curadas, são libertas pelo poder da palavra. (RAIMUNDA, 2019)”.
Para a pastora, não há nenhuma igreja filial pertencente ao ministério pelo
fato de não haver permissão de Deus para esse fim. A mesma ainda afirma, que o
ministério onde atua, foi dado para a realização da obra:

Ele é ministério que meu esposo fundou para a gente fazer a obra do
Senhor, pregar a palavra de Deus. Então ele é um ministério novo, a gente
não abriu nenhuma congregação em nenhuma cidade, em nenhum outro
bairro, porque tudo a gente vai fazer é direcionado por Deus. A gente não
faz nada de nós mesmos. A gente espera tudo ao tempo certo do Senhor,
então Deus nos deu [o ministério] aqui para a gente pregar a palavra Dele.
(RAIMUNDA, 2019)

Portanto até a presente data, existe apenas o templo sede, onde são
realizados os cultos, os batizados, as ceias, as cerimônias de casamento dos fiéis e
as orações. Enfim, o local onde são realizados os trabalhos evangélicos.
Embora argumente que necessite a permissão de Deus para abertura de
congregação, sabe-se que existem inúmeros fatores que são necessários para tal.
Dentre eles, podemos destacar: condições financeiras e também o número de
frequentadores e membros do ministério. Se uma igreja representa uma quantidade
expressiva de visitantes e membros, haveria uma necessidade maior para abertura

33
Algo que acontece sem explicação para ciência humana. Exemplo: cura de enfermidades sem
passar pela medicina humana.
44

de congregações, com o intuito de atender a todos. Porém, essa característica não é


pertencente ao espaço cristão em estudo, pois, através de visitas aos cultos foi
constatado que o número de membros e visitantes a esse espaço é pequeno.
Ao assistir alguns cultos em diferentes dias da semana, pude constatar que
a quantidade de pessoas que frequentam o espaço é pequena, sendo ainda menor a
presença masculina, em torno de um a cinco homens por culto, sendo que esse
número aumenta apenas no sábado. Nem mesmo o marido da pastora participa. Ele
participa apenas no sábado, que é o dia que prega. Ao observar esse fato, da
ausência do esposo, questionei a pastora. Porém, de acordo com ela, a ausência do
seu esposo nos cultos, é devido ao fato de trabalhar em serviço secular, não
havendo nada relacionado com o fato da mesma ser a pastora.
Como já foi mencionado, na igreja em estudo, a maioria do público é
composto por mulheres. A pastora afirma que esse fato não ocorre pelas suas
pregações, pois a sua fala não seria específica para as mulheres, abordando ainda
de maneira contraditória, pois a pregação não seria feita por ela:

[...] é pra igreja inteira, por exemplo, quando eu chego ali [púlpito] que prego
a palavra, aí tanto os homens recebem, como as mulheres. Então porque
assim, a Bíblia diz que a casa do senhor é pra todos os povos. Então,
quando todo mundo está aqui, a gente prega a palavra de Deus, então
aquele que crer recebe. Mas nem todos recebem, porque nem todos
creem, mas os que creem recebem. (RAIMUNDA, 2019)

A mulher, ao ser pastora, mesmo executando a sua função com sabedoria é


rejeitada pela sociedade. A pastora afirma: “Mas nós estamos aqui por amor ao
Senhor e as almas. E esse é nosso objetivo, é tanto que somos muito rejeitados por
conta disso. As pessoas não entendem irmã, o chamado da gente” (2019). A
rejeição maior é encontrada quando uma mulher se opõe em fazer a obra e decide
exercer o pastorado. Na entrevista, a ser questionada por qual motivo a mesma
seria rejeitada, ela reafirma que seria justamente por estar à frente dos trabalhos da
igreja, ao invés do seu esposo. Nesse eixo, ela ainda sustenta a relação dos cargos
com o chamado de Deus. Acredita na sua capacitação para exercer o pastorado,
enquanto o esposo é capacitado pra ensinar a palavra de Deus às pessoas:

Rejeitado na questão de..., assim irmã, por exemplo, quem toma conta da
obra sou eu, porque assim: Eu tenho um chamado e o meu esposo tem
outro chamado. Meu esposo tem um chamado de ensinamento da palavra,
45

que é profundo. Já eu... O chamado de aconselhar, de abraçar, mais


também de pregar a palavra, de ouvir. É porque tem muita pessoa que quer
conversa, né? E a gente tem que está pronto para ouvir e depois
aconselhar, depois ajudar. (RAIMUNDA, 2019)

De acordo com a pastora, a rejeição também é percebida não só pelo fato


dela exercer o pastorado, mas também pela forma que recebe, trata e ajuda as
pessoas:

[...] quando as pessoas chegam aqui [ministério] com sua vida espiritual
arrasada e a gente abraça a causa e paga um preço por isso pra ajudar.
Então muitos não entendem e a gente é assim, por exemplo, a gente é
pouco rejeitados por muitos, pela forma que nós trabalhamos para o
Senhor. (RAIMUNDA, 2019)

Quando a pastora fala em pagar o preço, trata de um sentido figurado. A


expressão é utilizada no meio protestante. Seria interceder por uma pessoa através
de muitas orações e do jejum, que seria a abstinência de alimentos durante um
determinado período.
Para Raimunda, um dos maiores problemas enfrentados pelas mulheres do
seu ministério é a rejeição e a depressão, acreditando que ocorreria devido à
prepotência machista: “Porque as mulheres para os homens, elas não podem nada,
só eles podem, e não é assim. Os homens estão muito ainda no machismo”
(RAIMUNDA, 2019). Portanto, a rejeição e a depressão seriam os principais fatores
responsáveis pela desestruturação e destruição das famílias. Utilizando a Bíblia para
aconselhar essas mulheres que sofrem com esses problemas a buscarem na
palavra de Deus:

Então, a gente aconselha que as mulheres devam buscar em Deus. A


própria palavra fala lá em Provérbios 31 versículo 10, que a mulher virtuosa
quem não achará. Então, para os homens, hoje as mulheres não podem
subir no púlpito, as mulheres não podem pregar a palavra de Deus. O
homem quer controlar o mover e o agir do Espirito Santo de Deus.
(RAIMUNDA, 2019)

A população teria enfrentado muitas enfermidades, mas para a pastora a


doença que tem vitimado mais vidas seria a depressão, sendo esta uma doença
espiritual:

Porque a doença espiritual é pior que um câncer na carne. A Bíblia diz lá


em Salmos 41, que Deus sustenta do leito da enfermidade, cura do físico e
da alma. A doença da alma é pior que um câncer. A doença da alma você
46

não quer trabalhar, não quer lutar por seus objetivos, nem por sua família.
Você só quer ir pra um quarto deitar e isolar, aí vem a depressão sobre a
vida da mulher, vem a doença da alma que só quem tem o poder curar é
Jesus. (RAIMUNDA, 2019)

O ministério em estudo, de acordo com a pastora, cuida das pessoas com


depressão por meio da palavra de Deus. E os maiores responsáveis por essas
mulheres se encontrarem nessa situação e sofrerem, seria seus próprios esposos:

Então a gente tem esse cuidado com as mulheres, porque tem muitas
mulheres depressivas. Que o marido não convida pra lanchar fora, o marido
não convida pra jantar. Marido sai, e deixa a mulher em casa. A mulher já
cansada não sai pra fazer uma viagem. É a mesma rotina. (RAIMUNDA,
2019)

Muitos fatores contribuem para o surgimento de uma depressão, como por


exemplo, problemas de saúde, morte de um ente querido, desemprego, e etc.
Porém, atualmente muitas mulheres se encontram depressivas em virtude dos
papéis designados a ela pela sociedade, tendo as vezes que se submeterem ao
marido, ficando confinadas dentro de casa sem poder sair para passear e se divertir,
vivendo em um espaço triste e solitário. Neste contexto, as igrejas de um modo geral
exercem um papel muito importante, pois oferecem recreação para essas pessoas
depressivas através da palavra, fazendo com que se eleve inclusive a autoestima.
A pastora foi questionada, se ela sendo a ministra, no caso a pregadora da
palavra, sofreu alguma forma de preconceito, por ministrar o evangelho e por ser
mulher. De acordo com a mesma, acredita sofrer preconceito devido ter que falar a
verdade em relação à palavra de Deus:

Sofri e sofro porque assim, quando eu vou pregar o evangelho bem ali
[mostrado para o púlpito da igreja], eu prego a verdade, por mais duro que
seja, por mais difícil que seja. A palavra de Deus quando é só coisa boa, ela
é doce como o mel. Quando, por exemplo, prega cura, prosperidade é doce,
quando você diz receba a vitória , receba a chave do seu carro, receba a
construção da sua casa própria. Receba isso na sua vida. Aí todo mundo
dar aleluia, Glória a Deus, recebe. Mas quando a gente prega santidade,
arrependimento e salvação mesmo, aí são poucos que querem.
(RAIMUNDA, 2019)

Entende-se que ao pregar sobre cura e prosperidade, a pastora estaria


satisfazendo a vontade das pessoas e agindo dessa maneira não haveria tanto
preconceito. Porém, a discriminação e as críticas maiores seriam devido a ter que
47

pregar sobre salvação e exercer o pastorado, pois para as pessoas, a função não
ficou para ser exercida por mulher. Para Santos Júnior “Essa condição projetada no
feminino implica o recato e o pudor, uma perfeição moral que está vinculada à
submissão, ao lar, à aceitação de sacrifícios, à ação educadora de filhos e filhas”.
(2013, p.56). E como resposta para isso, ela reafirma que exerce a função pastoral
por ter sido chamada por Deus:

Que eu não posso ficar a frente da obra, que mulher não pode fazer a obra.
Que eu tenho que estar é na cozinha, é cuidando de menino. Que mulher
não foi chamada pra fazer a obra, aí eu digo, mas quem me chamou não foi
o homem, quem me chamou foi Deus. (RAIMUNDA, 2019)

Raimunda acredita não haver algo que impeça o exercício pastoral no seu
ministério, devido a ser casada, ungida e possuir chamado para ficar a frente da
obra. Ela acredita possuir disposição e disponibilidade para exercício da função e
por isso é criticada:

Então eu não sou solteira, não sou viúva, eu tenho meu companheiro, eu
tenho meu esposo. As pessoas nos ungiram e colocou a frente da obra.
Então, eles acham que quem deve estar todo o santo dia é meu esposo. É
tanto que não é assim. Deus chamou foi eu, pra ficar a frente da obra por
vários motivos. Eu fico é de 40 dias em campanha, e todos os dias Deus
manda vidas. Aí muitos dizem, pra que isso? É fanatismo. Não precisa isso.
Mais a Bíblia mesma nos ensina que temos que clamar o nome do Senhor,
invocar enquanto se pode achar. Orai sem cessar, sem cessar é todo tempo
é sem parar, buscar a face de Deus porque nós estamos nos últimos dias.
(RAIMUNDA, 2019)

Para a pastora, há uma resistência muito grande por parte dos homens, para
que aceitem os trabalhos executados pelas mulheres, em especial no meio cristão.
Mas, segundo ela, não se deixa levar pelas críticas que recebe, devido a trabalhar
para Deus e andar em conformidade com a Bíblia:

Então irmã, os homens estão assim com as mulheres, que não podem
pregar a palavra de Deus, mas é tipo assim: Deus ele fala assim, tá
profundo no meu coração, que eu não ligo para o que eles falam. O
importante pra mim é eu tá ensinando o povo de Deus, à palavra de Deus.
Porque Deus quando ele veio aqui na terra, ele escolheu doze discípulos
pra andar com ele. E ele disse assim: Ide e fazei discípulo e enviar-te de
dois em dois. Então aqui [a frente da obra] eu não estou só, estou com
Deus e meu esposo. (RAIMUNDA, 2019)
48

O homem quer controlar tudo, e muitas vezes, seria utilizada a justificativa


do apóstolo Paulo sobre o silenciamento das mulheres, para impedir a mulher de
desenvolver determinadas atividades, como por exemplo, pregar a palavra e exercer
o ministério pastoral. Porém, a pastora afirma, que nem todas as mulheres estão
inseridas na doutrina paulina. Eram apenas as que não possuíam conhecimento da
palavra de Deus. Roldão e Rosário afirmam que para muitas mulheres Deus usa a
todos independentemente do sexo, e que as citações bíblicas contrárias a elas
seriam apenas para o período em que eram dependentes. Mas hoje, acreditam que
são livres e independentes para fazer o que desejarem:

Muitas mulheres rompem os preconceitos e se afirmam na crença de que o


propósito de Deus é usar a todos, desde que haja compromisso com o
Reino de Deus. Elas compreendem os textos bíblicos que recusam a sua
atuação no ministério como sendo direcionado àquela época, quando as
mulheres não possuíam a liberdade e independência que já foi conquistada.
(ROLDÃO; ROSÁRIO, 2011 p.406)

Mas mesmo com os preconceitos existentes em relação à mulher, a pastora


acredita que a mulher já conquistou muitos espaços que outrora eram preenchidos
apenas pelos homens. E que as mulheres, ao mesmo tempo, executam inúmeras
funções. Porém, mesmo assim são consideradas inferiores aos homens. Nos
trabalhos assalariados, mesmo executando a mesma atividade que o homem, a sua
remuneração ainda é inferior. Portanto, as mulheres ainda continuam sendo
desvalorizadas por parte da sociedade:

Mas Deus nesses últimos dias ele tem honrado muito a mulher, ele tem
honrado a mulher no mistério, tem honrado a mulher na medicina, tem
honrado a mulher na delegacia, né? A gente se vê mulher juíza, deputada,
delegada, advogada, promotora, médica, juíza, dentista, pastora,
missionária, ohhh ora check aleluiaaaa. Porque a mulher pra o homem
nunca pode nada, mas elas têm uma garra. Quando elas querem algo, elas
vão a busca, elas conquistam seus objetivos e elas agem com temor de
Deus. E as mulheres quando, quando elas querem algo. É por isso que
muitos homens dizem: mulher é osso duro de roer. [risos]. Porque elas
foram tiradas da costela do homem. Ela não é barro. Adão sim foi feito do
barro. Mas a mulher não é do barro. A mulher foi feita da costela. Você pode
ver que quando o homem vai trabalhar ele fica só na empresa, tem pouca
função. A mulher não, ela exerce várias funções, ela cuida de menino, ela
limpa casa, lava louça, faz comida, vai pra igreja, vai curso, vai para o
colégio, vende cosméticos, vende roupa, eu não sei como ela dá conta. E a
noite ela pode é se deitar mais também trabalhou muito. E os homens ainda
não querem valorizar. (RAIMUNDA, 2019)
49

Embora o homem seja preconceituoso em relação às funções exercidas


pelas mulheres, a pastora utiliza a Bíblia para afirmar que a mulher seria mais forte,
reforçando assim a ideia de que a mulher deveria exercer mais de uma, dupla ou
tripla jornada, devido a ser fortaleza por ter sido feita do osso, enquanto os homens
seriam mais frágeis por terem sidos projetados do barro.
Outra característica pertencente do seu ministério, de acordo com a pastora
seria receber todas as pessoas:

A gente não faz acepção de pessoas, a gente abraça todos que entram por
aquela porta, não importa quem ele seja e nem a forma como ele está. A
gente o abraça o bêbado, a prostituta, o empresário, o advogado, o loiro, o
ruivo, o negro a gente não faz acepção delas. Porque nós não gostamos
delas pelo o que elas têm, mas pelo que ela é. Uma alma pra o senhor são
vidas preciosíssimas, pessoas que são rejeitadas pela sociedade. Muitas
vezes por não ter condições financeiramente. Muitas vezes, até os que
estão no evangelho são poucas pessoas que querem cuidar de pessoas.
Porque existe irmã, existe no ser humano. O ser humano ele faz acepção
das pessoas. Muitos só querem abraçar uma pessoa quando ela tem status,
têm fama, até mesmo um emprego, ate mesmo um curso. (RAIMUNDA,
2019)

Percebe-se que mesmo que a pastora diga que o ministério acolha todas as
pessoas, independentemente de sexo, raça e condição social, a atenção estaria
voltada para o sexo feminino, em especial para as mulheres enfermas.

2.3 O pastorado visto pelos participantes

Como forma de complementar esse trabalho, foram realizadas entrevistas


também com membros da igreja em estudo. Será feita a análise de como o
pastorado feminino é visto por participantes. A entrevistada é membro da igreja e
nesse trabalho estarei citando seu nome, ou utilizarei a palavra “colaboradora”
quando me referir a mesma.
A colaboradora, assim como a pastora, não é evangélica desde criança, fez
a decisão há pouco tempo, devido a um problema de saúde na sua família, que
supostamente desafiava a medicina humana. A sua conversão não ocorreu pelo fato
de amar Jesus, mas devido à circunstância que a envolvia:

Eu vim pra Jesus pela dor. Porque muitos conhecem a Jesus pelo amor,
mas eu conheci pela dor. E não foi nem comigo, foi com minha filha, estava
com uma enfermidade. Foi muito doloroso o que aconteceu. E aí eu estava
50

passando uma luta tremenda, uma luta, luta mesmo. E eu fazia tratamento
com a minha filha em vários lugares e até o médico chegou a me dar um
cartão cortesia por tempo indeterminado. Então qualquer hora do dia e da
noite que precisasse ligar. Ele me deu o telefone de chácara, casa, fazenda,
apartamento, do consultório, de tudo eu tinha o telefone. Porque ele nunca
tinha achado um paciente, para ele não conseguir controlar, e ela [filha] ele
não conseguia controlar. Então, foi um desafio muito grande pra medicina e
surpreendeu a medicina, na verdade. (JOSINA, 2019)

A conversão ao pentecostalismo geralmente ocorre devido a problemas que


envolvem a família. Muitos dos membros testemunham ter passado por alguma
situação antes de se converter. Santos Júnior (2013, p.101) também faz essa
análise, pois é muito comum que as pessoas procurem auxílio nas congregações
pra resolver problemas, e os mais frequentes são as buscas por curas de
enfermidades.
Para Josina não foi diferente, devido ao fato de estar sofrendo por causa de
uma doença da filha, foi convidada a participar de um culto, onde a ministrante se
dizia usada por Deus. E, ao participar do culto a missionária teria supostamente
revelado o problema da sua filha e devido a receber tal revelação teria se convertido
ao protestantismo:

E quando a missionária chegou aqui [Oeiras], a Lindoneza me chamou e eu


a levei, e na hora que ela viu ela. Ela disse que ela não tinha depressão,
tinha uma opressão e que ela ia ficar boa e que ela ia se libertar da
medicação em nome do Senhor Jesus. Ela ia ficar boa. Só que naquele
momento ali, de tanto sofrimento a minha fé estava vaga. E aí ela perguntou
se fizesse uma campanha ela ia, e ela se emocionou muito, chorou muito,
porque sempre ela questionava, porque quando ela voltava o ar e ficava
consciente uma meia hora. Que Deus é esse que me deu uma doença
dessas. Que Deus é esse, ela questionava muito isso. (JOSINA, 2019)

Nas igrejas em que mulheres são pastoras, além das curas, outra
característica são as supostas revelações. Para Santos Júnior, “Em praticamente
todos os casos de revelações que apontam os verdadeiros causadores dos
problemas das pessoas, a acusação ao demônio é à base da construção do
discurso religioso pentecostal” (2013, p. 102). Não sendo diferente com a filha da
Josina, pois a sua doença, de acordo com a suposta revelação da missionária, seria
uma opressão maligna.
No meio evangélico é comum usar a figura do diabo como causador ativo da
maioria dos problemas que a população enfrenta. Portanto, para a colaboradora com
a sua filha não foi diferente.
51

Para Josina, a sua filha ficou curada depois da campanha feita pela
missionária realizada em sua residência, e ela e a filha se converteram. A
missionária que levou a revelação e fez a campanha é a pastora em estudo, e
atualmente tanto a colaboradora quanto a filha, congregam no seu ministério:

E ela permaneceu até o final e fez a campanha e aí a missionária abriu esse


ministério, e a gente já tinha indo em outros ministérios visitar, claro. Mas
nós fomos pra lá, a minha filha aceitou Jesus, eu aceitei Jesus. E para
honra e gloria do Senhor Jesus, hoje ela não toma mais a medicação.
(JOSINA, 2019).

A colaboradora é questionada se possui diferença pertencer a um ministério


liderado por mulher: “Não, não vejo. Eu já visitei outros ministérios. Eu acho que o
trabalho, você estar à frente de uma obra, eu acho que é independente do sexo. No
meu ver, Deus não deixou só para o homem pregar, a mulher é sábia. E eu não vejo
diferença. (JOSINA, 2019).”.
Josina acredita na sabedoria da mulher e na crença que Deus não faria
diferença entre mulher e homem para pregar. Portanto, tanto o homem como a
mulher, desempenharia seu papel pastoral de forma igualitária.
Na igreja existem outras funções, além do pastorado. Questionei se a
mesma, por ser membro da igreja, exercia alguma. Em sua narrativa, afirma ter sido
convidada pra participar do grupo de senhoras, mas pra exercer alguma função,
não. E que não aceitou devido a problemas conjugais:

Até que ela [pastora] já falou para eu participar do grupo de senhoras, e


tudo mais. Porém, tenho uma dificuldade muito grande devido a meu
esposo. Ele já pediu o divórcio. Ele não aceita. Mais a minha fé é acima de
tudo. Quando ele pediu assim, que não tinha mais jeito, que não tinha
casado com crente. Mesmo ele vendo, ele presenciado o tamanho da
vitória. Então, eu não tenho como pedir a Deus, só tem é que agradecer
mais e mais. Só que eu não abro mão dele e nem dos demais familiares,
né? Eu busco mesmo. E quando ele me pediu o divórcio, eu disse amém
meu filho. Agora é o seguinte é você e Deus. Você está dizendo que quer
divorciar de mim porque eu estou buscando um Deus vivo? (JOSINA, 2019)

A ser questionada porque não divorcia, a mesma diz que o divórcio seria
contrário à Bíblia. A Bíblia só seria a favor do divórcio em caso de adultério, caso
contrário é considerado pecado. A mesma acredita não estar fazendo algo errado,
apenas buscando a Deus e que não seria motivo para se separarem. Para Lima, “a
52

vontade de Deus para o casamento é que seja vitalício, isto é, que cada cônjuge
seja único até que a morte os separe” (2011, p.76).
Através da narrativa da colaboradora se percebe que a mesma enfrenta uma
dificuldade muito grande devido à rejeição do seu esposo por ela pertencer ao credo
religioso protestante, havendo assim pedido de divórcio. Mas mesmo assim, ela
argumenta que não quer divorciar e nem deixar de ser crente. E mesmo achando
não ter o direito de pedir mais nada a Deus, devido à vitória recebida, que seria a
suposta cura da filha, pede a Ele para salvar o seu esposo também. Embora se
argumente que não queira se separar, sabe-se que muitos fatores envolvem o
processo da separação, como por exemplo, bens materiais. Talvez as condições
financeiras influenciem, fazendo com que o casamento permaneça mesmo com
dificuldades.
De acordo com Josina, geralmente só vai aos cultos na igreja no domingo
em obediência ao seu marido e para evitar as contendas. Pois, mesmo os cultos
sendo realizados todos os dias, o domingo é o único dia que lhe é dada a permissão
para participar. Ao analisar, observamos que a colaborada sofre os efeitos da cultura
machista, porém, para a mesma essa sua atitude não se deve pelo fato da
submissão, mas uma forma de sabedoria, respeito e para evitar possível separação.
Ao falarmos sobre as igrejas que impedem o pastorado feminino, Josina
afirma que talvez haja mulheres muito mais capacitadas do que homens:

Eu não concordo. Eu vejo assim que a mulher ou o homem... Tem homem


que está à frente da obra e que não deveria estar, que ele não é preparado.
E porque que ele estar lá? Então, tem muita mulher sábia que busca e que
tem fé, que tem capacidade. Então quantas mulheres deveriam estar lá [na
liderança] ganhando mais alma pra Jesus. (JOSINA, 2019)

Acredita na capacidade da mulher como líder, mas faltaria ser reconhecida


pela sociedade. E por não haver esse reconhecimento querem impedir que essas
mulheres sejam líderes, mas existiria muitas igrejas sob liderança de pessoas
supostamente incapacitadas, só pelo fato de serem homens.
Josina, mesmo com o término da entrevista, continua falando do ministério
em qual congrega deixando claro o seu gosto e que na igreja não haveria doutrina
sobre os usos e costumes. A pastora ensina para os membros se purificarem de
suas práticas pecaminosas, iniciando pelo interior e depois o exterior. Mas que,
portanto, mesmo que o ministério não proíba o uso de determinadas roupas, não se
53

sente bem em usá-las. Como por exemplo, o uso de calças, e argumenta que veste
calça como uma forma de agradar a seu esposo. Mas talvez seja apenas uma
justificativa utilizada por ela para não mudar seus antigos hábitos.
Mesmo com o encerramento da entrevista, continuamos conversando sobre
religião, quando de repente o esposo da colaboradora dissera que nunca vai ser
crente, aparentando ser muito católico e contrário a fé cristã evangélica.
Esse trabalho ainda teve outra pessoa que contribuiu, o colaborador 3. O
mesmo é membro do ministério e o conheci nas visitas ao espaço. Porém não obtive
nenhum diálogo com ele na igreja. A minha conversa e proposta de entrevista veio
após eu ser adicionada pela pastora em um grupo de Whatsapp da igreja, onde o
mesmo também faz parte.
Salvei o seu contato e comecei conversar com ele sobre o trabalho e,
sobretudo na possibilidade de uma entrevista. O mesmo disse que seria muito
ocupado e que não poderia conceder uma entrevista porque iria viajar, mas ao
retornar me telefonava para dar uma resposta. Ao chegar de viagem, telefona
novamente com uma resposta negativa em relação à entrevista, argumentando que
não seria a pessoa ideal e não ajudaria muito na temática. Embora eu argumentasse
que seria importante para a feitura do trabalho, o mesmo recusou. Apenas expôs o
seu pensamento sobre a liderança feminina através do telefonema.
O colaborador 3 seria contra ao ministério ser liderado por uma mulher,
devido estar contra aos preceitos bíblicos e cita a Bíblia para argumentar: “Porque o
marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja” (Efésios 5.
23). O mesmo defende a liderança pastoral apenas para o sexo masculino, alegando
a superioridade masculina e a necessidade da mulher submeter-se aos homens.
Com este pensamento, perguntei por qual motivo o mesmo congrega em
uma igreja liderada por mulher. Argumenta gostar do ministério, mas que participa
dos cultos somente nos dias que a pastora não esteja a frente, indo à igreja somente
aos sábados porque é o marido da pastora que coordena.
Observa-se que o ministério em estudo existe pessoas contrárias à liderança
feminina. Talvez este fosse um dos motivos que levaria o esposo da pastora a
coordenar os cultos aos sábados.
54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo mostrar a participação da mulher na


Igreja de Jesus Cristo Ministério de Oração Santidade ao Nosso Deus, em Oeiras,
Piauí, como também as barreiras impostas quanto ao exercício pastoral feminino.
É importante ressaltar que o ministério em estudo é recente na cidade.
Portanto, para desenvolver esse trabalho, houveram barreiras, devido ao fato de não
conhecer as pessoas do ministério e ser um tema pouco trabalhado, dificultando
encontrar bibliografias pertinentes. Para os colaboradores se trataria de algo novo,
dificultando também a realização das entrevistas.
Ao exercer a função pastoral, Raimunda diz ser muito criticada e
discriminada. Entende-se que o preconceito em relação ao pastorado feminino ainda
permanece. Portanto, ao exercer uma função pastoral, a mulher é tratada com
inferioridade, alegando ser uma função destinada somente para os homens,
justificando a submissão da mulher através de preceitos bíblicos. De acordo com
Lima:

A questão de gênero e o ministério pastoral feminino seguem os mesmos


rumos das contradições sociais, que impõem as mulheres limites e papéis
provenientes de ideias pré-estabelecidas, as quais culturalmente as
colocam em plano inferior em relação aos homens. (LIMA, 2011, p.110)

Vivemos em uma sociedade com papéis designados a cada sexo. Portanto,


a mulher ao exercer uma função que não seria estabelecida para o seu sexo,
causaria estranhamento pela sociedade e posteriormente sofreria preconceitos.
Durante a pesquisa, entendi que embora existam os preconceitos em
relação ao pastorado feminino, observa-se que a pastora se auto exclui da sua
função, porque mesmo exercendo função de liderança no ministério, entende-se que
o espaço seria dela apenas na ausência masculina. Portanto, mesmo estando em
uma posição de poder na sua Igreja, mantém a divisão patriarcal de compreensão
de mundo, demonstrando ser a favor da separação de tarefas conforme o gênero.
Contudo, a participação da pastora se dá apenas quando no ministério
haveria a presença de mulheres, pois embora ela não afirme percebe-se que o
cuidado e os trabalhos estariam voltados para elas.
O ministério em estudo foi fundado pela pastora juntamente como seu
esposo. Porém, ao exercer a função, a pastora diz ser muita criticada e
55

discriminada. No exercício da função pastoral, a mulher ainda é tratada com


rejeição, alegando ser esta uma função destinada somente aos homens.
Entende-se também que a pastora ao desempenhar sua função, não rompe
com o papel designado pela sociedade à mulher. Ela apenas aumenta a sua jornada
de trabalho sem remuneração, usando a justificativa que ocupa a vaga para cumprir
o chamado de Deus na sua vida. E que não estaria em busca de fama, de status e
de dinheiro, o objetivo seria devido a caridade que supostamente sente pelas
pessoas.
Assim, seria interessante a continuidade da pesquisa para mostrar as
tensões que envolvem o exercício religioso, tanto na igreja em estudo como também
nas igrejas evangélicas de um modo de geral, analisando quais papéis as mulheres
desempenham nessas igrejas e quais funções são exercidas por elas.
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LISTA DE FONTES

Entrevistas:

OLIVEIRA, Raimunda. Entrevista concedida a Maria Celcimária Rocha Sousa e


Silva. Oeiras, 08 /04 /2019. Arquivo de áudio: tempo: 56min 42seg.

SILVA, Josina Maria Borges da. Entrevista concedida a Maria Celcimária Rocha
Sousa e Silva. Oeiras, 04/07/2019. Arquivo de áudio: tempo: 10min21seg
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGUIAR, Thiago Borges de; VIEIRA, César Romero Amaral. A presença


missionária de protestantes no Brasil e os 500 anos de reforma: uma
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