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Brasília, 2017
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
BRASÍLIA
2017
DEDICATÓRIA
A jornada que construímos ao longo de toda nossa vida é uma das formas que
proporciona, ao menos, duas evoluções em nosso espírito: a formação do caráter e a gratidão
por todos aqueles que nos fortaleceram e incentivaram ao longo do caminho.
Agradeço a paciência e generosidade do meu Professor orientador, Dr. Antônio José Escobar
Brussi, que pude ter o privilégio de ter sua contribuição intelectual e profissional para este
trabalho.
Agradeço profundamente a minha querida Professora parecerista, Dra. Graziela Dias
Teixeira, com quem tive a enorme honra e o grande prazer de ter aprendido em sala de aula
sobre aspectos fundamentais da política moderna. Foram, sem dúvidas, uma das aulas que
mais agradáveis que tive ao longo da graduação e não posso deixar de mencionar aqui, que
tenho grande respeito e carinho por esta Professora maravilhosa. Não há como pensar meu
caminho até aqui sem agradecer, imensamente, à minha mãe, Dona Francisca Moreira, que
pela força de mulher nordestina e guerreira, com a virtudes da honestidade e dignidade
sempre presentes em seu espírito, sempre foi meu alicerce, minha âncora nas tempestades e,
sobretudo, a fonte de todo meu amor nesta vida.
Agradeço imensamente aos meus queridos familiares por todo apoio desde sempre.
Especialmente sou grato pela inestimável ajuda da minha irmã, Patrícia Moreira e da minha
tia Ana Glória Lacerda, que sempre estiveram ao meu lado e me incentivando. São mulheres
que me inspiraram, encorajam e fortaleceram nos momentos mais delicados da minha
trajetória. Minha gratidão especial às minhas sobrinhas, Ana Paula Silva, Jordana Moreira e
Ingridy Castro, por serem tão amáveis e com personalidades surpreendentes. Agradeço aos
meus primos, especialmente a Carol e ao Wagner, que foram pontos de refúgio e de alegria
desde a minha infância.
A todos os demais, amigos, colegas, estranhos e conhecidos, cujo a menção aqui
renderia um enorme memorando, mas que de alguma forma me influenciaram e sonham
juntamente com um mundo melhor e mais justo, agradeço. Todos são meus heróis visíveis
e invisíveis: ao fim, gratidão.
RESUMO
INTRODUÇÃO............................................................................................................8
CAPÍTULO 1- Evolução histórica-filosófica do princípio da divisão dos
poderes.....................................................................................................................12
1.2. O Estado de Direito e ascensão do poder judiciário após as revoluções
constitucionalistas......................................................................................................15
1.3 O poder judiciário no Brasil..................................................................................19
CAPÍTULO 2- O sistema de controle de constitucionalidade..............................25
2.1. Considerações iniciais........................................................................................25
2.2. O Debate Kelsen e Schimitt: Quem deve ser o Guardião da
Constituição?.............................................................................................................28
2.3 Estrutura do controle de constitucionalidade no Brasil........................................33
CAPÍTULO 3 – Judicialização da política...............................................................37
3.1 Judicialização e Democracia................................................................................44
Considerações Finais..............................................................................................52
Referências Bibliográficas......................................................................................
8
INTRODUÇÃO
a constituição de uma polis justa e boa, entende que a divisão dessas três partes que
compõem a cidade, seria elemento importante da organização política.
O período Medieval, marcado pelo declínio das formas de organização social do
mundo Antigo e da democracia ateniense, e o subsequente desenvolvimento dos
fenômenos do feudalismo e da expansão do cristianismo (MALUF, 2010, p. 124) a
questão da separação dos poderes não era possível ser plenamente teorizada. Neste
período, marcado pela divisão policêntrica do poder político, administrativo e judicial
entre diversas ordens como os reis, clérigos, senhores feudais e corporações de ofício,
inexistia o centralismo estatal e, portanto, a questão da divisão do poder público não era
objeto de teorização. As questões mais importantes relacionadas à divisão do poder
estavam conjugadas com as teorizações acerca da conflituosa relação entre o poder
temporal (potestas) e o poder espiritual (autocritas), que no período de predomínio do
pensamento eclesiástico na vida política, encontrou máximo desenvolvimento na teoria
das ―duas espadas‖ (plenitudo potestatis) do Papa Gelásio, onde se afirmava que o Chefe
da Igreja possuía a preeminência tanto no poder temporal, quanto no poder espiritual
(GOYARD-FABRE, op. cit., p. 8).
A grande ruptura do pensamento político moderno em relação às ideias políticas
da Antiguidade e Medieval no Ocidente, encontra-se a partir do desenvolvimento de
doutrinas que pregavam a autonomização da esfera política em relação aos preceitos
dogmáticos religiosos, que durante séculos fundamentaram as ideias e a filosofia política.
A secularização ou afirmação do princípio temporal das instituições políticas possui
maior clareza no pensamento, a partir de autores como Maquiavel, que com sua obra O
Príncipe, publicada no século XVI, deu origem ao pensamento político moderno.
(MALUF, 2010, p. 13)
Conjuntamente com a crise das relações feudais, a perda de autoridade da Igreja,
o surgimento da classe burguesa, desenvolve-se o Estado Absolutista marcado pela
intensiva centralização política e administrativa, marcado partir da unificação territorial
e a criação de exércitos nacionais (MALUF, 2010, p. 125). Essa nova forma de
organização política é caracterizada pela excessiva concentração de poder político nas
mãos do soberano, que o exerce sem nenhuma restrição jurídica, inexistindo quaisquer
formas de divisão do poder político. Todos os poderes e funções estatais estavam
concentrados em um único órgão estatal, o soberano, que comandava a comunidade
política sem nenhuma contestação ou freio, a não ser pela consciência individual do
14
próprio soberano em relação a ele mesmo e/ou à Deus. O paradigma dominante no apogeu
do Absolutismo era a teoria do direito divino dos reis, onde a justificação de suas decisões
apenas seriam feitas perante o Criador, não em relação aos súditos, sendo, portanto, o
soberano irresponsável por seus atos. (MORAIS, 2011)
A partir do século XVI, mas sobretudo a partir de XVII, surge no pensamento
político obras contestatórias do centralismo estatal absolutista, que indicavam a crise do
despotismo real. Em um contexto histórico abalado pela Reforma Protestante, com os
conflitos religiosos sendo propagados por todos os cantos da Europa, ocorrendo também
processos como o fortalecimento da classe burguesa mercantil, há o surgimento de
doutrinas liberais que combateram o irrestrito poder estatal, abrindo caminho para a
criação do Estado limitado. Apesar de ser considerado um defensor do Absolutismo, é o
racionalismo mecanicista de Thomas Hobbes que abre espaço para o desenvolvimento
posterior das doutrinas que iriam contestar o absolutismo monárquico e a visão teológica
da sociedade política. A obra de Hobbes, baseado na ideia do estado de natureza e do
contrato social, pode ser vista como um dos fundamentais essenciais que indica o
rompimento com a concepção política teológica hegemônica da Idade Média.
(GOYARD-FABRE, 2002, p. 29-31)
Neste contexto, surge a obra Segundo tratado sobre o governo civil (1681) do
filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o pai do liberalismo político.
Combatendo os princípios da teoria do direito divino dos reis, Locke tem como
pressuposto de sua teoria o conceito de Estado de Natureza, um estado pré-político
caracterizado pela liberdade e igualdade entre os homens racionais. Para ele, o processo
de formação do poder civil é feito através de um consenso entre os indivíduos para a
preservação da propriedade privada e garantia da segurança. Em sua obra é possível
encontrar uma formulação mais elaborada do princípio da separação dos poderes. Locke
entende que a concentração de poder em um único indivíduo impossibilita a existência
do Estado civil, na medida em que não há um juiz imparcial para que resolva as disputas
entre os homens. Se os homens não encontram tribunais para resolver suas contendas,
eles retornam ao estado de natureza e cada um torna-se juiz de sua própria causa. Na obra
de Locke, a essência do poder estatal consiste em dirimir as controvérsias entre os
indivíduos e preservar a propriedade individual.
Desta forma, para John Locke o Estado possui três funções. O poder supremo da
comunidade política é o Poder Legislativo, pois esta é a instância onde são produzidas
15
as leis que funcionam como meios necessários para a preservação da propriedade, paz e
justiça. A sua legitimidade está baseada no consentimento de toda a sociedade. O Poder
Legislativo define os mecanismos de preservação da própria sociedade civil.
da igualdade, buscou conter o poder juízes restringindo sua atuação apenas no âmbito de
aplicação da lei em casos concretos, o sistema norte-americano, mais orientado pelo
princípio da liberdade e pela defesa da liberdade, produziu um modelo que atribuiu poder
político aos juízes da Suprema Corte. (ARANTES, ibid., p. 80)
Tendo em vista esse fato histórico, ressalta-se que apenas no modelo
constitucional norte-americano houve, de fato, a elevação do Poder Judiciário à função
de Poder Político neste primeiro momento. A partir do famoso caso Marbury vs. Madison
em 1803, a Suprema Corte norte-americana passou a ter poder de controlar e anular os
atos normativos contrários à Constituição (ZAFFARONI, 1995, p. 46). A ideia é
fundamentada no preceito da supremacia absoluta da Constituição, na defesa dos direitos
fundamentais e na garantia de um poder que pudesse contrabalancear a soberania
parlamentar e seus possíveis desvios (SUNDFELD, 1998). Portanto, nesse sistema
qualquer ato normativo dos poderes políticos (Executivo e Legislativo) que ferissem seus
preceitos constitucionais, deveria necessariamente de ser invalidada pelo Tribunal
Constitucional norte-americano. A principal preocupação dos norte-americanos seria com
a atuação desmesurada do corpo Legislativo soberano, que era criticado pelo fato de que
poderiam sofrer a corrupção das paixões populares e os exageros da maioria. A ideia
manifesta nos escritos de Madison (1751 - 1836) era de que ―o corpo legislativo estende
por toda a parte a esfera de sua autoridade e enfole todos os poderes no seu turbilhão
impetuoso‖ (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 305). Portanto, a Corte
constitucional exerceria um papel político correcional e de defesa do sistema jurídico ao
exercer o controle de constitucionalidade, denominado de judicial review, através da
observância de preceitos constitucionais dos atos normativos dos demais poderes de
Estado.
20
21
Supremo Tribunal Federal instituído como órgão de última instância para resguardar a
supremacia da Constituição, através do mecanismo da jurisdição constitucional.
O papel a ser exercido pelo Poder Judiciário no contexto da divisão das funções
do Estado, com isso, adquire nova relevância. Para além de aplicar a lei na
resolução de conflitos interindividuais, assume também o dever de aplicar a
Constituição no controle da atividade estatal, de modo a garantir sua
efetividade, com o que assume a função de declarar inconstitucionais todos os
atos contrários à Constituição – rechaçando-os do ordenamento.
(BERARDINO Di, 2014, p. 10).
22
23
coletivos que se tornaram essenciais após esse percurso histórico. (CHIMENTI, CUNHA,
et al., 2006, p. 120)
Assim, o Estado passa a ser obrigado não apenas a não interferir nas liberdades
individuais, como nas Constituições garantistas do séc. XIX, mas também passa a ser o
responsável para elaboração e efetivação de políticas públicas, com o intuito de agir para
garantir a defesa desses direitos sociais básicos para promover a justiça social e a
igualdade. Contudo, é importante frisar que devido a amplitude desses direitos, que vão
desde a garantia da moradia até o direito a um salário mínimo adequado, o processo de
definição dos direitos torna-se mais complexa, possibilitando amplas margens de atuação
do judiciário.
24
25
Essas garantias é que elevam a função judiciária à categoria de poder, uma vez
que, com a sua tutela, a magistratura pode opor-se a outro poder exercendo
assim o poder Judiciário, "no seu setor, autoridade suprema, como os outros
dois, por delegação soberana" (Sampaio Dória, "Os Direitos do Homem",
1942, pág. 247). (SANTAMARIA, 1969, p. 137).
A teoria pura do Direito é uma teoria monista. Ela demonstra que o Estado
imaginado como ser pessoal, é na melhor das hipóteses, nada mais que a
personificação da ordem jurídica, e mais, frequentemente, uma mera
hipostatização de certos postulados político-morais. Ao abolir esse dualismo
através da dissolução da hipostatização habitualmente ligada ao ambíguo
termo ―Estado‖, a teoria pura do Direito revela as ideologias políticas dentro
da jurisprudência tradicional (KELSEN, 2000, p. XXXIII).
Assim, para ele o Estado é criado pelo direito e identifica-se com ele. Apenas o
Direito é capaz de regular a sua própria criação e o Estado somente se justificaria na medida
em que se identificasse com a sua própria ordem normativa.
Na teoria formalista kelseniana é importante considerar a ideia de hierarquização das
normas jurídicas para se compreender o sentido da função do Guardião da Constituição,
entendida como aquela instância capaz de garantir a vigência efetiva das normas
constitucionais e de corrigir possíveis vícios emanados por atos normativos do poder político
1
Interessante notar que no estudo pioneiro A democracia na América (1835) de Tocqueville, o autor identifica
entre os membros da profissão jurídica uma forte influência na vida pública dos Estados Unidos. O autor
afirma que entre os membros da profissão, há um certo sentimento de superioridade, revelando certos hábitos
de aristocracia e posições antidemocráticas, que os distinguiriam do resto da população. TOCQUEVILLE, A.
A democracia na América. 7 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969; 364 p.
30
22
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Brasília,
Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, n° 4, janeiro e fevereiro de 2009. Disponível no site <
http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf >. Acesso em
28/09/2017, p. 4
34
3
MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade e Processo de Deliberação: Legitimidade, transparência e
segurança jurídica nas decisões das cortes supremas. 2011. Disponível em <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/EUA_GM.pdf >. Acesso em 6 dez. 2017.
35
Tal assertiva decorre não só do fato de terem sido previstas quatro ações
distintas na Via Direta (ADI, ADC, ADO e ADPF) e da ampliação dos entes
legitimados para a instauração desse processo concentrado de controle
abstrato, mas também da permanência, ao lado desse controle concentrado, de
um sistema difuso, já tradicional em nossa ordem jurídica, que atribui
competência aos juízes e aos tribunais para afastar a aplicação da lei in
concreto, ou seja, pela via incidental. (MEDEIROS, 2013, p. 193)
Tudo leva a crer que o ativismo judicial tem sido fomentado pelo sistema
brasileiro de controle de constitucionalidade, o qual combina aspectos do
controle difuso norte-americano e do abstrato europeu-kelseniano, sendo
considerado um dos mais abrangentes do mundo, denominado aqui de controle
híbrido de constitucionalidade. (MEDEIROS, 2013, p. 190)
37
Em seu artigo, o ministro do Supremo Tribunal Federal apresenta três grandes causas
que impulsionaram a judicialização da política nas democracias contemporâneas,
destacando sobretudo no caso brasileiro: a redemocratização em 1988, a ampla abrangência
de direitos constitucionalizados e o sistema de controle de constitucionalidade (BARROSO,
op. cit., p. 3-4). A conjugação dessas três condições possibilitou o crescimento da
importância do poder judicial nas decisões políticas.
Tate e Vallinder (1995, p.13), no pioneiro trabalho The global expansion of judicial
power, refere-se ao fenônemo da judicialização como um tipo de ―infusão‖ do poder
judiciario no processo de decisão, atingindo a esfera política que não seria o campo de
atuação do judiciário. Segundo Vallinder, as causas precisas que influenciaram o
desenvolvimento da judicialização da política variam de acordo com cada país, mas que
certos fenômenos, como a derrocada de regimes totalitários ao final da Segunda Guerra
Mundial e a subsequente necessidade de prevenção aos horrores causados pela
inobservância aos direitos humanos nos regimes fascista e nazista, seria um fator
determinante na influência à expansão da atuação do poder Judiciário, na medida em que
este agiria como um poder contramajoritário ao movimentos de massas.
De acordo com o estudo, é admitido que o sistema democrático contemporâneo
fornece condições institucionais para a expansão da judicialização. Neste sentido, os autores
afirmam que a judicialização é comum em diversos países e também é resultado de múltiplas
e interativas causas. A primeira delas é o desenvolvimento da própria democracia, regime
baseado na regra da maioria e da responsabilidade popular. A democracia não
necessariamente causa o desenvolvimento da judicialização, mas, certamente, constitui uma
condição essencial para o seu desenvolvimento. Não é possível considerar a existência de
juízes controlando atos do governo em um regime autoritário, onde o soberano não se
submete a um controle nem do povo e nem das instituições, atuando unicamente com base
em sua vontade. Outros fatores que o autor identifica como relacionado ao surgimento da
judicialização são: (II) valorização e a positivação das Declarações de direitos, que surgiram
para a proteção formal do direito das minorias e outros grupos de interesse; (III) uso do
tribunal por grupos de interesse, levando em consideração o fato de que a judicialização não
se desenvolve deslocada das questões sociais e econômicas relevantes, além do fato de que
minorias e a oposição podem recorrer ao tribunal constitucional, caso estes considerem que
estão sendo prejudicados no processo majoritário do parlamento ; (IV) instituições
representativas inefetivas, onde geralmente tornam-se incapaz de oferecer respostas
adequadas às demandas da sociedade, considerando ainda o fato de que os partidos e os
governos de coalizão estão cada vez mais fracos e encontram dificuldades de construírem
uma base social e política sólida capaz de construir projetos e efetivarem políticas públicas;
40
(V) a divisão dos poderes, sendo uma condição necessária, porém não suficiente.
(VALLINDER; TATE, 1995, p. 28 – 32).
Além disso, Tate (Ibid., p. 32) afirma que
Occasionally, the judicialization of politics occurs when majoritarian
institutions decide that that there are certain issues that they do not wish to be
buerdered with deciding. Tough the leadership of the majoritarian institutions
might well deny it, it often appears to an outsider that this delegation is willful.
Isto evidencia o fato que muitas vezes o vazio legislativo é provocado por atitude
deliberada dos representantes em não se posicionarem a respeito de certos problemas mais
complexos, como o aborto, pelo simples fato de poder ocasionar um forte custo político com
prováveis futuros efeitos sobre o processo eleitoral. Desta forma, sua omissão torna-se
estratégica, possibilitando, e até mesmo incentivando, que o judiciário decida em seu lugar,
na medida em que seus membros não são responsáveis perante a opinião pública e jamais
podem deixar de se manifestarem quando uma questão é levada a sua apreciação.
Vallinder (1995, p. 13) considera que a judicialização pode se manifestar claramente
de duas formas, a primeira se refere como um meio de expansão da autoridade dos juízes
em detrimento dos políticos e administradores tradicionais, atingindo, desta forma, a esfera
política, que não seria campo de atuação específica do judiciário. A segunda forma seria a
disseminação dos métodos judiciais e até mesmo da própria linguagem típica do processo
judicial nas esferas políticas de tomadas de decisão, assim, os representantes e
administradores passariam cada vez mais a utilizarem mecanismos anteriormente restritos
ao litígio judicial para resolver questões políticas.
É oportuno fazer uma breve, porém essencial, distinção entre a judicialização tal
como foi definida e outro fenômeno que ocorre quando há o fortalecimento do
protagonismo da autoridade do judiciário, denominado de ativismo judicial. Segundo
Barroso ( 2009, p. 6) este fenômeno não confunde-se e nem é gerado pelas mesmas causas
que a judicialização na medida em que necessariamente exige uma postura proativa do
magistrado, que busca utilizar os métodos do direito não apenas para efetivar direitos
fundamentais, mas também para modificar a realidade, interferindo no processo político.
O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo
proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido
e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um
mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando
ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.
(BARROSO, ibid., p.17)
No cenário político atual, outra decisão que não obteve grandes repercussões, mas
que reflete nitidamente a ingerência de algumas decisões so Supremo até mesmo em ritos
processuais no legislativo, pode ser encontrado na liminar concedida pelo ministro
Alexandre de Moraes, na análise do Mandado de Segurança nº 35265/2017, que foi
impetrado pelo senador Randolph Rodrigues, solicitando votação aberta no
Plenário sobre a autorização da Casa para aplicação de medidas cautelares contra
o senador Aécio Neves, que encontra-se sob investigação por corrupção. Na decisão, o
relator Moraes concedeu a liminar determinando a votação aberta, declarando que
Dessa forma, exige-se do Poder Legislativo, no exercício de sua função de
fiscalização, seja do chefe do Executivo, seja de seus próprios pares, integral
respeito à transparência, lisura e publicidade nos processos e julgamentos,
adotando-se o voto aberto, para reafirmar-se a efetividade do princípio
republicano da soberania popular – que proclama todo o poder emanar do povo
– e garantindo-se a participação popular nos negócios políticos do Estado
como condição inafastável da perpetuidade da Democracia4.
4
MORAES, Alexandre de. Voto do Ministro Alexandre de Moraes, Relator no MS 35265/2017
impetrada pelo senador Randolph Rodrigues. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MS35265_liminarAM.pdf > Acesso em 03 dez de
2017.
44
de valores, opiniões e interesses da sociedade. Este fenômeno pode ser observado pela
crise nos sistemas partidários, pela abstenção do processo eleitoral e pela desconfiança
da população em relação às instituições políticas.
O juiz não pode ser alguém ―neutro, porque não existe a neutralidade
ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência do
pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um
juiz. Como bem se tem assinalado, ―nem a imparcialidade nem a
independência pressupõem necessariamente a neutralidade. Os juízes são parte
do sistema de autoridade dentro do Estado e como tais não podem evitar de
serem parte do processo de decisão política. O que importa é saber sobre que
bases são tomadas essas decisões‖. (ZAFFARONI, 1995, p. 92).
O juiz não deve mais se contentar em aplicas as leis, mas, em certos casos,
deve ainda verificar sua conformidade a um direito superior que esses
princípios encerram. A lei então implore e se fraciona em duas direções
48
É preciso ter em vista que o juiz está muito próximo do cidadão, ele é
acessível, e é obrigado a dar resposta a todas as demandas formuladas. Nessa
perspectiva, é muito mais fácil para o cidadão converter o Judiciário no
fórum adequado para exigir a democracia. (LYRA, 2011, p. 56)
comuns, tais como a corrupção dos agentes públicos, a ampla desigualdade e a falta de
investimento em serviços sociais básicos. Sendo assim, o direito torna-se a referência para
a vida pública e da ação política, onde os conflitos são inteiramente transferidos para a
esfera jurisdicional, ocasionando uma profunda modificação na democracia. ―Tal
progressão da justiça autoriza a transposição de todas as reivindicações e de todos os
problemas perante uma jurisdição em termos jurídicos‖. (GARAPON p. 47) (grifos do
autor)
Em sua tese, a filósofa Maria Luiza Tonelli (2013) afirma que a judicialização da
vida social e a consequente tutela judiciária sobre a vida política leva a um
enfraquecimento do procedimento democrático e do próprio sentido da política. Ela parte
de uma concepção de poder inspirada em Hannah Arendt, definido como ―a capacidade
de agir em concerto‖ (ARENDT, 2009, p. 36), onde a política é vista como um processo
que somente pode ser construído quando é realizado através da ação e da pluralidade de
indivíduos, agindo em concerto. O protagonismo judicial no Estado de direito esvazia a
política e seus procedimentos dialéticos e contraditórios, onde há contraposição de
interesses e argumentos de distintos atores na esfera parlamentar. Diante do cenário de
atuação cada vez mais forte do poder judicial, os cidadãos dão primazia a ideia de que o
sistema político é construído basicamente pela ótica do processo judicial, desvirtuando o
fundamento básico de que a sociedade é construída pela pluralidade, pelo conflito e pela
representação política.
Cabe ressaltar ainda, que devido a sua complexidade e por ser fenômeno ainda
recente, é possível encontrar posicionamentos discordantes quanto aos agravos causados
pela substituição da política pelo direito na democracia. Desta forma, destaca-se a posição
do Zaffaroni (1995) que adota perspectiva influenciada pelo norte-americano Dworkin,
considerando que mesmo que seja aparente a incompatibilidade entre democracia e o
controle de constitucionalidade, sobretudo devido à origem não-democrática dos
magistrados, o autor afirma que para a compatibilização entre ambos é necessário
observar a estrutura do controle de constitucionalidade de um ângulo que não privilegia
a sua origem, mas que leve em consideração o seu exercício e a sua importância na defesa
da ordem democrática.
Zaffaroni não concebe que a essencialidade democrática esteja demonstrada
apenas pela origem dos agentes públicos, ou seja, através somente da eleição, mas
também afirma que para caracterizar uma instituição como democrática, é necessário que
seja observada a sua função no sistema político e para a estabilidade da democracia. Desta
forma, a legitimidade do judiciário estaria fundada na Constituição, não na seleção de
seus agentes, que devem guiar-se no sentido de buscar o equilíbrio entre os poderes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
se refugiar nos processo privados e nos procedimentos do mercado, a longo prazo, poderia
produzir o efeito reverso de mitigação da participação mais ativa da sociedade na política e
diminuir a própria legitimidade do sistema. Tal estado de coisas propiciaria o
desenvolvimento daquilo que alguns autores denominaram de ―juristocracia, onde a
política só passa a ser compreendida e realizada através de mecanismo jurídicos e a esfera
judicial passa a ser compreendida como único espaço legítimo de integração e resolução de
conflitos. Acontece que pela própria lógica do processo judicial, não é possível estabelecer
um sistema democrático, onde haja construção coletiva de desejos e aspirações através da
deliberação e do confronto de ideias antagônicas em relação aos valores e projetos para a
sociedade, sem levar em consideração uma instância representativa e que permita
amplamente a expressão de forças e desejos. Por mais que a instituição representativa hoje
esteja em discussão quando a suas dificuldades, a democracia representativa ainda é uma
forma racional e possível de se legitimar pela soberania popular o projeto político de um
Estado. Não é razoável que uma corte restrita a alguns membros, seja capaz de definir
prioridades, projetos, perspectivas, em suma, decisões que orientem o futuro da vida pública
de uma nação, sem levar em consideração a complexidade que permeia a vida social e a
heterogeneidade de posições que estão em constante confronto seja em relação à economia,
a religião, ao modelo educacional a ser adotado, enfim, seja em relação aos aspectos que
constroem a vida pública.
No modelo representativo liberal é preciso sempre ter em consideração que os
representantes eleitos e, portanto, que estão sujeitos ao controle periódico das eleições, ao
controle da opinião pública e da pressão de suas bases sociais, são os mais capacitados para
decidirem em nome da coletividade ao implementar programas e criarem normas que
orientem a vida coletiva. Uma corte que por mais bem intencionada que seja, jamais estará
submetida ao crivo da responsabilidade perante a sociedade, não poderia substituir a
essência do procedimento parlamentar. É preciso que os poderes de Estado sejam capazes
de cumprirem sua função constitucional, seja o legislativo criando novas normas e
regulamentos, seja o executivo estabelecendo os meios para executar a vontade legislativa e
os objetivos do Estado e seja o judiciário contribuindo para que a atuação dos poderes
políticos sempre estejam de acordo com a lei maior da vida política, que é a constituição.
Além disso, a correta separação do judiciário das outras formas de poder, mesmo não
negando sua função política, é necessária para a preservação da independência judicial e
da garantia de certos direitos e liberdades de minorias que eventualmente podem ser ameaças
pela operacionalização do princípio majoritário do parlamento.
54
Toda análise deve levar em consideração o fato de que o poder nunca deve estar
restrito apenas à alguns, uma parcela da sociedade que se assemelha a uma aristocracia,
mesmo que esta seja togada. As críticas devem ser para considerar cada vez mais a
necessidade do pluralismo político, do adequado funcionamento dos poderes
constitucionais, para que a política seja realizada de forma democrática. Contudo, também
não é possível ignorar que uma atuação extremamente politizada, eivada de partidarismos e
relações obscuras, além de afetar os princípios democráticos, pode levar ao descrédito fatal
do judiciário. Tal estado de coisas levaria ao próprio enfraquecimento do sistema
constitucional e de sua legitimidade.
O poder do judiciário de ser o intérprete da constituição, não deve inovar, ou
modificar constantemente na esfera normativa que compete ao legislador. Sua atuação deve
ser orientada pela defesa dos valores democráticos e da defesa da ordem constitucional e
dos direitos individuais.
Os parlamentares enquanto depositários direto do mandato conferido pelo povo que
são os responsáveis pela legislação e pela criação de normas gerais e abstratas e o
fortalecimento das instâncias majoritárias, sem, contudo, levar a um entendimento de sua
supremacia, é a oportunidade de garantir ao acesso da sociedade aos espaços públicos e
garantir a isonomia e o poder de autodeterminação dos indivíduos no processo de formação
da ordem social.
57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Saraiva, 2005.
CORRÊA, Karine Lyra. O princípio da separação dos poderes e os efeitos do mandado
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