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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE CIÊNCIA POLÍTICA – IPOL

RICARDO MOREIRA LACERDA

A ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO E A


DEMOCRACIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Brasília, 2017
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

RICARDO MOREIRA LACERDA

A ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO E A


DEMOCRACIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Monografia apresentada ao curso de


graduação em Ciência Política da
Universidade de Brasília como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Ciência Política

Orientador: Prof. Dr. Antônio José Escobar Brussi

Parecerista: Profª. Drª. Graziela Dias Teixeira

BRASÍLIA

2017
DEDICATÓRIA

À memória de minha avó, Dona Naiza


Moreira Lacerda, por sempre ter me
incentido ao gosto pela leitura.
AGRADECIMENTOS

A jornada que construímos ao longo de toda nossa vida é uma das formas que
proporciona, ao menos, duas evoluções em nosso espírito: a formação do caráter e a gratidão
por todos aqueles que nos fortaleceram e incentivaram ao longo do caminho.
Agradeço a paciência e generosidade do meu Professor orientador, Dr. Antônio José Escobar
Brussi, que pude ter o privilégio de ter sua contribuição intelectual e profissional para este
trabalho.
Agradeço profundamente a minha querida Professora parecerista, Dra. Graziela Dias
Teixeira, com quem tive a enorme honra e o grande prazer de ter aprendido em sala de aula
sobre aspectos fundamentais da política moderna. Foram, sem dúvidas, uma das aulas que
mais agradáveis que tive ao longo da graduação e não posso deixar de mencionar aqui, que
tenho grande respeito e carinho por esta Professora maravilhosa. Não há como pensar meu
caminho até aqui sem agradecer, imensamente, à minha mãe, Dona Francisca Moreira, que
pela força de mulher nordestina e guerreira, com a virtudes da honestidade e dignidade
sempre presentes em seu espírito, sempre foi meu alicerce, minha âncora nas tempestades e,
sobretudo, a fonte de todo meu amor nesta vida.
Agradeço imensamente aos meus queridos familiares por todo apoio desde sempre.
Especialmente sou grato pela inestimável ajuda da minha irmã, Patrícia Moreira e da minha
tia Ana Glória Lacerda, que sempre estiveram ao meu lado e me incentivando. São mulheres
que me inspiraram, encorajam e fortaleceram nos momentos mais delicados da minha
trajetória. Minha gratidão especial às minhas sobrinhas, Ana Paula Silva, Jordana Moreira e
Ingridy Castro, por serem tão amáveis e com personalidades surpreendentes. Agradeço aos
meus primos, especialmente a Carol e ao Wagner, que foram pontos de refúgio e de alegria
desde a minha infância.
A todos os demais, amigos, colegas, estranhos e conhecidos, cujo a menção aqui
renderia um enorme memorando, mas que de alguma forma me influenciaram e sonham
juntamente com um mundo melhor e mais justo, agradeço. Todos são meus heróis visíveis
e invisíveis: ao fim, gratidão.
RESUMO

Nas democracias contemporâneas percebe-se um crescimento da atuação judicial,


denominado pela literatura em Ciência Política de judicialização da política, cuja origem
relaciona-se ao desenvolvimento do constitucionalismo moderno e da institucionalização
da jurisdição constitucional. A compreensão das implicações deste fenômeno e os seus
efeitos nos sistemas democráticos ainda não são unânimes entre os especialistas, enquanto
alguns identificam a judicialização como fato positivo e que favorece as instituições
democráticas enquanto fenômeno oriundo do constitucionalismo moderno e da garantia
de direitos fundamentais por tribunais constitucionais independentes, outra linha entende
que a jurisdição constitucional excessivamente ativa não seria compatível com a
democracia, sendo responsável por fomentar em diversas ocasiões uma excessiva
judicialização da política através do ativismo desenfreado de alguns agentes do judiciário,
sobretudo magistrados, que podem levar um processo de esvaziamento das esferas
representativas. O pressuposto básico deste trabalho parte da consideração de que há uma
tensão inerente entre a democracia e a jurisdição constitucional. Assim, busca-se analisar
o fenômeno da judicialização da política e do protagonismo desempenhado pelas cortes
judiciais nas democracias contemporâneas, a partir do estudo de casos emblemáticos
como o julgamento da Mandado de Segurança n. 26.603/DF sobre fidelidade partidária,
a Adpf 132 que tratou sobre o reconhecimento da união estável dos casais homoafetivos
e também o Mandado de Segurança nº 35265/2017, que solicitou votação aberta em
Plenário do Senado Federal, quanto a autorização parlamentar para aplicação de medidas
cautelares contra parlamentares.
Levando em consideração que a questão é complexa e que trata-se de uma
experiência observada recente observada a partir da década de 1980, o eixo de análise do
trabalho será através dos sistemas de controle de constitucionalidade, sendo considerado
como mecanismo que possibilitou a ascensão política e institucional do poder judiciário.
Ressalta-se que o presente estudo foi realizado a partir da pesquisa bibliográfica aliado
ao pensamento dedutivo com o objetivo de se ponderar os limites de atuação do poder
judicial nas democracias representativas contemporâneas.

Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Judicialização da Política.


Democracia. Ativismo Judicial. Poder Judiciário.
ABSTRACT

In contemporary democracies there is a growth of judicial activity, called by the


literature in political science of judicialization of politics, whose origin is related to the
development of modern constitutionalism and the institutionalization of constitutional
jurisdiction. The understanding of the implications of this phenomenon and its effects on
democratic systems are still not unanimous among the experts. Some identify
judicialization as a positive fact and favors democratic institutions as a phenomenon
stemming from modern constitutionalism and the guarantee of fundamental rights by
constitutional courts. Another line holds that excessively active constitutional jurisdiction
would not be compatible with democracy and would be responsible for encouraging an
excessive judicialization of politics through the unbridled activism of some judiciary
agents, especially magistrates, who eventually triggers a process of emptying the
representative spheres. The basic assumption of this work is the consideration of the
inherent tension between democracy and constitutional jurisdiction. Thus, it is sought to
analyze the phenomenon of the judicialization of politics and the protagonism played by
judicial courts in contemporary democracies, based on the study of emblematic cases such
as the Judgment of Mandado de Segurança n. 26.603 / DF on party loyalty, Adpf 132,
which dealt with the recognition of the stable union of homosexual couples and also the
Mandate of Security No. 35265/2017, which requested an open vote in Plenary of the
Federal Senate, regarding parliamentary authorization for the application of measures
precautionary measures against parliamentarians.
Taking into account that the question is complex and that it is a recent experience
dating from the 80's, the axis of this work will be to scrutinize the systems of control of
constitutionality exercised by the constitutional courts, considered as a mechanism that
allowed the political and institutional rise of the judiciary. It should be emphasized that
the present study was carried out based on a bibliographical research allied to deductive
thinking with the objective of considering the limits of the judiciary's performance in the
contemporary representative democracies.

Keywords: Constitutionality Control. Judicialization of the Policy. Democracy. Judicial


Activism. Judicial Power.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................8
CAPÍTULO 1- Evolução histórica-filosófica do princípio da divisão dos
poderes.....................................................................................................................12
1.2. O Estado de Direito e ascensão do poder judiciário após as revoluções
constitucionalistas......................................................................................................15
1.3 O poder judiciário no Brasil..................................................................................19
CAPÍTULO 2- O sistema de controle de constitucionalidade..............................25
2.1. Considerações iniciais........................................................................................25
2.2. O Debate Kelsen e Schimitt: Quem deve ser o Guardião da
Constituição?.............................................................................................................28
2.3 Estrutura do controle de constitucionalidade no Brasil........................................33
CAPÍTULO 3 – Judicialização da política...............................................................37
3.1 Judicialização e Democracia................................................................................44

Considerações Finais..............................................................................................52

Referências Bibliográficas......................................................................................
8

INTRODUÇÃO

O crescimento da atuação e do protagonismo do poder judiciário na tomada de


decisões dos sistemas políticos contemporâneos é fenômeno recente e que chama cada
vez mais atenção dos pesquisadores e analistas, tendo em vista suas implicações e
impactos nos sistemas políticos democráticos. É cada vez mais recorrente nos estudos e
pesquisas acadêmicas a análise do crescimento e do protagonismo do poder judiciário nas
democracias contemporâneas em quase todos os países que adotam o sistema de controle
de constitucionalidade, em detrimento do prestígio dos parlamentos.
A formação de estados constitucionais , com limitação do poder e garantia de
liberdades fundamentais surgido na aurora dos movimentos revolucionários liberais
norte-americano (1776) e francês (1789), possibilitaram uma reorganização do desenho
institucional do Estado, onde um dos fundamentos principais seria o constitucionalismo,
a divisão dos poderes em órgãos ou esferas autônomas, declaração de direitos dos
cidadãos a fim de se contrapor aos abusos perpetuados por aqueles que assenhoravam
todo poder político em uma única esfera.
Desde o estabelecimento das garantias de autonomia e independência do poder
judiciário com a democratização das sociedades, há uma certa tensão existente entre os
poderes políticos e a função jurisdicional, que veio intensificando-se a partir da década
de 1980, na medida em que na percepção comum há o fortalecimento da participação do
poder judiciário na tomada de decisões na esfera política. A discussão a respeito da
adequação da função jurisdicional nas democracias revela uma preocupação latente sobre
os limites do poder judicial em relação às decisões tomadas pelas assembleias formadas
pelo povo através do sufrágio.
Atualmente há a percepção que os debates e os temas politicamente importantes e
que envolvem considerações morais complexas capazes de cindir as opiniões na
sociedade frequentemente deslocam-se do espaço parlamentar para os tribunais,
evidenciando um fortalecimento do protagonismo dos juízes no âmbito das decisões
políticas. Ao mesmo tempo, diversos autores da Ciência Política identificam uma
crescente perda de legitimidade do sistema representativo parlamentar, indicando o
crescimento da chamada crise da democracia. Assim, com o crescimento da atuação do
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poder judiciário, paralelamente é autores identificam o descrédito das instituições


políticas representativas pelos cidadãos, sobretudo o legislativo, há também o
crescimento da apatia política e o desprezo pela esfera pública. A este fato soma-se as
dificuldades inerentes ao processo político parlamentar, que muitas vezes é omisso em
responder satisfatoriamente as demandas que lhe são apresentadas e de atuarem conforme
as rápidas e complexas transformações sociais de um mundo globalizado.
O crescimento da função jurisdicional coloca em evidência o problema de se
discutir quais são os limites entre a política e o direito nas democracias representativas.
Surgem questionamentos sobre a viabilidade da instituição do poder judiciário como
guardião da constituição e, portanto, última instância de revisão das decisões políticas?
Quais os efeitos do controle de constitucionalidade, realizado por um grupo minoritário
de indivíduos com notório saber jurídico perante os pressupostos de uma sociedade
democrática? Quais são os limites interpostos no relacionamento entre os poderes e quais
são suas competências precisas? Em uma democracia, onde os cidadãos são livres e
iguais, é necessário que haja jurisdição constitucional com caráter antimajoritário?
No contexto brasileiro, a Constituição de 1998 ampliou substancialmente a função
do poder judiciário, passando de mero aplicador da lei em casos concretos, para atuar
como um verdadeiro órgão político. Além das garantias conferidas a atuação dos
membros do judiciário, o modelo constitucional brasileiro estabeleceu um sistema de
controle de constitucionalidade bastante amplo e complexo, dotado de mecanismos
capazes de atuar no controle dos poderes executivo e legislativo. Destaca-se ainda uma
peculiaridade do modelo é que ele adota uma forma hibrida, conjugando o controle
concentrado e o sistema difuso, que são baseados no sistema europeu e o norte-americano
respectivamente.
Diante da constatação de que nos últimos anos houve profundas transformações
na organização constitucional dos Estados contemporâneos, este trabalho possui como
objetivo a análise do fenômeno da judicialização da política e do protagonismo
desempenhado pelas cortes judiciais nas democracias contemporâneas, a partir do estudo
de casos emblemáticos de decisões do Supremo Tribunal Federal. Para isso, o foco se
dará através da análise do sistema de controle de constitucionalidade, cujo diversos
autores reconhecem como um dos principais mecanismos que possibilitou o
desenvolvimento da judicialização da política nas democracias contemporâneas. Assim,
o trabalho foi construído partir do levantamento bibliográfico do trabalho de autores
influentes sobre o tema e que destacam seus efeitos no sistema democrático, e
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aplicou-se também o pensamento dedutivo ao final com o objetivo de apresentar algumas


considerações sobre os impactos da judicialização na democracia.
No primeiro capítulo apresenta-se uma análise do princípio da divisão dos
poderes, através de sua evolução histórica resgatando seus principais teóricos ao longo
do tempo, visto que este é um dos aspectos latentes na questão da ampliação do poder
judicial. Sendo o equilíbrio entre os poderes condição fundamental para o funcionamento
do Estado democrático de direito, como forma de limitação da ação estatal e remédio
contra a excessiva concentração de poder, não é possível compreender quais as
consequências do crescimento da atuação política do poder judiciário levar em
consideração a importância e a clareza quanto a função deste postulado na formação do
Estado de direito. Ademais, é o entendimento histórico do desenvolvimento deste
princípio que fornecerá subsídios para a compreensão da revisão judicial e de seus limites,
como fundamentais para investigar a judicialização da política. Em seguida, apresenta-se
sucintamente a formação e o contexto histórico do desenvolvimento do Estado de direito,
para que, posteriormente, se possa compreender a construção institucional do judiciário,
dedicando atenção especial ao judiciário brasileiro. O conhecimento adequado quanto a
essa forma de organização política é essencial na medida em que nunca foi observado em
nenhum regime antidemocrático e fora do Estado de direito a possibilidade da revisão
judicial ou do controle de constitucionalidade dos atos normativos dos demais poderes
políticos.
O segundo capitulo é dedicado a examinar o principal instrumento hoje que
impulsiona o crescimento da atuação política do poder judiciário: o controle de
constitucionalidade, denominado na doutrina anglo-saxônica de judicial review. Foi
dedicado um capítulo a este tema, pois não é possível compreender a judicialização da
política e o ativismo judicial ignorando que é através deste mecanismo de controle que o
judiciário é elevado ao status de órgão político capaz de interferir profundamente no
desenvolvimento dos processos políticos. Ao estabelecer que o judiciário possui o poder
anular os efeitos de norma jurídica que esteja em desacordo com a constituição e, por
conseguinte, de vetar decisões tomadas em nome de uma maioria política no parlamento,
as constituições possibilitaram que houvesse condições institucionais para a ampliação
do poder político dos magistrados, que outrora estavam apenas dedicados a aplicar a lei
em casos concretos, atuando em uma esfera distante do processo de formação da ordem
normativa do Estado.
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O terceiro e último capitulo é dedicado a apresentar os conceitos de judicialização


da política e ativismo judicial, compreender a sua expansão e limites, através da análise de
autores relevantes no tema, e entender como a atuação jurisdicional vem se desenvolvendo
no estado de direito. O foco é evidenciar as tensões existentes entre o poder judicial e a
democracia política, que segundo o entendimento clássico desenvolve-se no parlamento,
para fins de compreensão se a judicialização é prejudicial ou fortalece o sistema
democrático. No capítulo ainda apresenta-se casos emblemáticos do contexto brasileiro, que
elucidam e exemplificam como as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal possuem
intensas influências no processo político democrático. O cerne do trabalho é evidenciar as
tensões existentes entre os poderes, tendo em vista a doutrina de Montesquieu e os efeitos
do progressivo protagonismo do poder judiciário sobre a democracia política. Por fim, são
apresentadas as considerações finais, com comentários avaliando as consequências da
judicialização da vida pública nos regimes políticos contemporâneos.
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CAPÍTULO 1- Evolução histórica-filosófica do princípio da divisão dos poderes

Examinar as motivações e justificativas para a adoção do princípio da divisão dos


poderes ao longo da história das ideias políticas levaria a uma longa e extensa jornada,
que certamente ultrapassaria os limites deste trabalho. Contudo, fazer uma breve
contextualização histórica do desenvolvimento da divisão dos poderes, sem a pretensão
de ser uma exposição minuciosa e exaustiva, é uma forma razoável de tornar evidente sua
verdadeira importância política e o porquê da ideia de equilíbrio constitucional ter se
tornado tão essencial nos sistemas políticos contemporâneos.
É amplamente admitido que a divisão dos poderes constitui princípio essencial no
Estado Democrático de Direito. Há um consenso, que vem sendo firmemente elaborado
e defendido ao longo dos séculos, mas que somente ganha contornos nítidos a partir da
Modernidade, de que qualquer regime político que possua a pretensão de garantir a
liberdade dos indivíduos, é necessário que a divisão dos poderes seja o pressuposto básico
na organização da estrutura constitucional de um sistema político. A noção de que a
natureza humana é compelida a abusar do poder quando este encontra-se concentrado em
uma única instância é o fundamento que indica a necessidade da divisão das funções
estatais. Um exemplo comum desse pensamento que indica o receio dos abusos do poder
encontra-se na famosa máxima do inglês Lorde Acton (1834-1902): ―o poder corrompe,
o poder absoluto corrompe absolutamente.
Apesar de encontrar sua realização nos Estados constitucionais modernos, tendo
como referência a doutrina da divisão de poderes de Montesquieu (1689-1755), a ideia
de que é necessária uma distinção entre as funções estatais é antiga e possui referência
teórica já na obra clássica A Política de Aristóteles (384-322 a. C). Segundo a análise do
filósofo estagirita, existem três funções básicas na organização da constituição (politieia):
a primeira parte é encarregada de resolver os negócios públicos (deliberativo); a segunda
é a atividade desenvolvida pelas magistraturas (executivo) e a terceira é a que administra
a justiça (judiciário). ―Quando elas são bem formadas, o governo é necessariamente
bom, e as diversidades existentes entre tais partes formam os diversos governos‖
(ARISTÓTELES, 2007, p.199). Aristóteles sempre demonstra uma preocupação
axiológica em relação à Política, na medida em que seu objetivo final é encontrar uma
forma de comunidade humana que promova o bem mais elevado (GOYARD-FABRE,
2002, p.56). O filósofo grego, que sempre esteve preocupado com
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a constituição de uma polis justa e boa, entende que a divisão dessas três partes que
compõem a cidade, seria elemento importante da organização política.
O período Medieval, marcado pelo declínio das formas de organização social do
mundo Antigo e da democracia ateniense, e o subsequente desenvolvimento dos
fenômenos do feudalismo e da expansão do cristianismo (MALUF, 2010, p. 124) a
questão da separação dos poderes não era possível ser plenamente teorizada. Neste
período, marcado pela divisão policêntrica do poder político, administrativo e judicial
entre diversas ordens como os reis, clérigos, senhores feudais e corporações de ofício,
inexistia o centralismo estatal e, portanto, a questão da divisão do poder público não era
objeto de teorização. As questões mais importantes relacionadas à divisão do poder
estavam conjugadas com as teorizações acerca da conflituosa relação entre o poder
temporal (potestas) e o poder espiritual (autocritas), que no período de predomínio do
pensamento eclesiástico na vida política, encontrou máximo desenvolvimento na teoria
das ―duas espadas‖ (plenitudo potestatis) do Papa Gelásio, onde se afirmava que o Chefe
da Igreja possuía a preeminência tanto no poder temporal, quanto no poder espiritual
(GOYARD-FABRE, op. cit., p. 8).
A grande ruptura do pensamento político moderno em relação às ideias políticas
da Antiguidade e Medieval no Ocidente, encontra-se a partir do desenvolvimento de
doutrinas que pregavam a autonomização da esfera política em relação aos preceitos
dogmáticos religiosos, que durante séculos fundamentaram as ideias e a filosofia política.
A secularização ou afirmação do princípio temporal das instituições políticas possui
maior clareza no pensamento, a partir de autores como Maquiavel, que com sua obra O
Príncipe, publicada no século XVI, deu origem ao pensamento político moderno.
(MALUF, 2010, p. 13)
Conjuntamente com a crise das relações feudais, a perda de autoridade da Igreja,
o surgimento da classe burguesa, desenvolve-se o Estado Absolutista marcado pela
intensiva centralização política e administrativa, marcado partir da unificação territorial
e a criação de exércitos nacionais (MALUF, 2010, p. 125). Essa nova forma de
organização política é caracterizada pela excessiva concentração de poder político nas
mãos do soberano, que o exerce sem nenhuma restrição jurídica, inexistindo quaisquer
formas de divisão do poder político. Todos os poderes e funções estatais estavam
concentrados em um único órgão estatal, o soberano, que comandava a comunidade
política sem nenhuma contestação ou freio, a não ser pela consciência individual do
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próprio soberano em relação a ele mesmo e/ou à Deus. O paradigma dominante no apogeu
do Absolutismo era a teoria do direito divino dos reis, onde a justificação de suas decisões
apenas seriam feitas perante o Criador, não em relação aos súditos, sendo, portanto, o
soberano irresponsável por seus atos. (MORAIS, 2011)
A partir do século XVI, mas sobretudo a partir de XVII, surge no pensamento
político obras contestatórias do centralismo estatal absolutista, que indicavam a crise do
despotismo real. Em um contexto histórico abalado pela Reforma Protestante, com os
conflitos religiosos sendo propagados por todos os cantos da Europa, ocorrendo também
processos como o fortalecimento da classe burguesa mercantil, há o surgimento de
doutrinas liberais que combateram o irrestrito poder estatal, abrindo caminho para a
criação do Estado limitado. Apesar de ser considerado um defensor do Absolutismo, é o
racionalismo mecanicista de Thomas Hobbes que abre espaço para o desenvolvimento
posterior das doutrinas que iriam contestar o absolutismo monárquico e a visão teológica
da sociedade política. A obra de Hobbes, baseado na ideia do estado de natureza e do
contrato social, pode ser vista como um dos fundamentais essenciais que indica o
rompimento com a concepção política teológica hegemônica da Idade Média.
(GOYARD-FABRE, 2002, p. 29-31)
Neste contexto, surge a obra Segundo tratado sobre o governo civil (1681) do
filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o pai do liberalismo político.
Combatendo os princípios da teoria do direito divino dos reis, Locke tem como
pressuposto de sua teoria o conceito de Estado de Natureza, um estado pré-político
caracterizado pela liberdade e igualdade entre os homens racionais. Para ele, o processo
de formação do poder civil é feito através de um consenso entre os indivíduos para a
preservação da propriedade privada e garantia da segurança. Em sua obra é possível
encontrar uma formulação mais elaborada do princípio da separação dos poderes. Locke
entende que a concentração de poder em um único indivíduo impossibilita a existência
do Estado civil, na medida em que não há um juiz imparcial para que resolva as disputas
entre os homens. Se os homens não encontram tribunais para resolver suas contendas,
eles retornam ao estado de natureza e cada um torna-se juiz de sua própria causa. Na obra
de Locke, a essência do poder estatal consiste em dirimir as controvérsias entre os
indivíduos e preservar a propriedade individual.
Desta forma, para John Locke o Estado possui três funções. O poder supremo da
comunidade política é o Poder Legislativo, pois esta é a instância onde são produzidas
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as leis que funcionam como meios necessários para a preservação da propriedade, paz e
justiça. A sua legitimidade está baseada no consentimento de toda a sociedade. O Poder
Legislativo define os mecanismos de preservação da própria sociedade civil.

O poder legislativo não é, pois, somente o poder supremo da comunidade, mas


sagrado e intocável nas mãos de quem o confiou; nem pode um edito, seja de
quem for, concebido de qualquer modo ou apoiado por qualquer poder, ter a
força e a validade de lei se não tiver a sanção do legislativo eleito pela
comunidade [...] (LOCKE, 1861[2006], p. 98).

O segundo Poder identificado por Locke é aquele que executa as orientações


normativas produzidas pelo poder Supremo, denominado de poder Executivo. E, por
último, há o poder que ele denomina Federativo, responsável por resolver os conflitos e
garantir os interesses externos da comunidade. Locke entende que o cenário das relações
internacionais encontra-se em estado de natureza, portanto exige-se que haja esse poder
de defesa contra agressões externas.
Até John Locke estava presente a percepção de que havia necessidade de uma
divisão entre os poderes públicos como meio para a preservação da sociedade e limitação
do abuso de poder por parte do soberano, porém, ainda não estava sistematizada. Essa
situação muda profundamente com o trabalho de Charles-Louis de Secondat, mais
conhecido como barão de Montesquieu (1689-1755), que consagra o princípio da divisão
dos poderes como elemento fundamental na formação dos Estados constitucionais
contemporâneos. Ao analisar a Constituição da Inglaterra, que se tornou a referência
fundamental para o desenvolvimento do constitucionalismo moderno, Montesquieu
elabora a mais consistente doutrina da divisão dos poderes, exposta no livro O Espírito
das Leis de 1748, que influenciou profundamente a formação dos Estados
contemporâneos. Segundo Montesquieu (2000, p.166), a liberdade pode ser entendida
como ―o direito de se fazer aquilo que as leis permitem‖ somente seria possível em um
Estado moderado, independente da forma de governo estabelecida. Pode-se entender que
um Estado moderado é aquele onde não há abuso do poder, contraposto à monarquia
absolutista onde há um poder ilimitado imputado ao soberano. A preocupação de
Montesquieu está em encontrar uma fórmula institucional capaz de restringir o abuso do
poder, onde ―[...] pela disposição das coisas o poder refreie o poder‖ (MONTESQUIEU,
2000, p. 167). Para que haja liberdade no Estado, Montesquieu afirma que é necessária a
divisão dos poderes. Desta forma, ele identifica três formas de poderes no Estado: poder
Legislativo, responsável pela criação das leis;
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poder Executivo, aplicaria a lei e teria a função de declarar paz/guerra, defesa


interna/externa; e o poder Judiciário, que julgaria os crimes e questões particulares.
Interessante destacar que para o autor, o judiciário seria um ―poder nulo‖, cabendo
apenas o juiz aplicar a letra fria da lei no caso de conflito (MONTESQUIEU, 2000, p.
167).
Não seria possível, dentro dessa dogmática constitucional, a existência de
liberdade se os três poderes estivessem concentrados nas mãos de uma única potência.
Desta forma, o autor sistematizou o princípio da separação dos poderes, que hoje constitui
elemento essencial do Estado de Direito, enquanto regime constitucional onde as
funcionalidades dos poderes não estivessem confundidas e houvesse moderação e
equilíbrio.
1.2 . O Estado de Direito e ascensão do poder judiciário após as revoluções
constitucionalistas

As Revoluções Francesa, em 1789, e a Norte-Americana, em 1787, que trouxeram


em seu bojo o movimento liberal constitucionalista inspirado pelos princípios Iluministas
elencados nas Declarações de Direitos, promoveram significativa modificação na
organização do ordenamento político institucional na história do Ocidente, a partir da luta
contra o regime absolutista e os privilégios estamentais do Antigo Regime. Após a
derrocada das Monarquias Absolutistas, há o surgimento de uma nova forma de
organização jurídica do poder político, organizado através de uma Constituição, dando
origem ao Estado de Direito (SUNDFELD, 1998, p. 36). Entende-se essa forma de
organização do poder público a partir da adoção de pressupostos e instrumentos capazes
de imporem limites jurídicos às ações do poder político e também de determinar a forma
de sua organização e funcionamento através de um estatuto jurídico elaborado pelo Poder
Constituinte, fundamentalmente legitimado pela soberania popular, na doutrina anglo-
saxônica conhecido como rule of law.
Apesar de o termo Constituição não ter sido uma invenção moderna, somente no
contexto das Declarações dos Direitos da segunda metade do século XVIII proclamadas pelas
revoluções burguesas, houve uma significativa mudança em relação ao seu significado. O
entendimento da doutrina liberal que influenciou fortemente esse contexto, é que somente
através de um corpo Constitucional instituído racionalmente a comunidade política poderia
ser organizada para garantir a liberdade dos indivíduos. ―A
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Constituição, ao definir as bases sobre as quais se estabelece o estatuto orgânico do


Estado, é, portanto, a regra ―fundamental‖ que a potência estatal impõe a si mesma‖
(GOYARD-FABRE,2002, p.105).
O constitucionalismo moderno alçou as funções estatais a um centralismo
racionalista positivista, onde as normas, enquanto regras e princípios, constituiriam um
corpo organizado contidos em uma Lei fundamental. Segundo Sundfeld (1998), O Estado
de Direito enquanto forma de organização do poder político apresenta algumas
características básicas, como subordinação à Constituição, prevalência da lei, divisão dos
Poderes e garantia dos Direitos individuais. Segundo o autor,

Assim, definimos Estado de Direito como o criado e regulado por uma


Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício
do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que
controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de
ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares
de direitos, possam opô-los ao próprio Estado (SUNDFELD, C. 1998, p. 39).

A organização constitucional moderna exige, portanto, a existência de uma


Constituição que promova a proteção das liberdades individuais contra os arbítrios do
poder político, e que garanta uma clara distinção entre as funções do Estado como
pressuposto para a garantia do funcionamento do sistema constitucional.

Do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal,


são parte integrante todos os mecanismos constitucionais que impedem ou
obstaculizam o exercício autoritário e ilegítimo do poder e impedem ou
desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder. (BOBBIO,1988, p.19)

Percebe-se, assim, profunda influência que o jusnaturalismo exerceu sobre a


Constituição americana e francesa, na medida em que o corpo constitucional serviria
como mecanismo de proteção dos direitos ditos naturais e liberdades dos indivíduos. O
art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estabelece que ―qualquer
sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a
separação dos poderes não tem Constituição‖ (SANTOS, 1992, p. 213). Assim, a
Constituição torna-se o elemento supremo organizador do Estado, limitando as decisões
autoritárias do soberano na medida em que reconhece direitos e liberdades individuais.
Tendo em vista o desenvolvimento do constitucionalismo e do Estado de Direito,
o judiciário passa a ter uma nova função social, não mais apenas restrita a
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função de aplicação da lei em caso concreto. A Constituição torna-se abrangente e


minuciosa, possibilitando condições de uma maior atuação do judiciário na medida em
que quase todos os grandes problemas podem ser tratados sobre o viés constitucional.
Assim, as relações sociais passaram a ser regidas pelo direito racionalizado e positivado
em regras hierárquicas, em uma Carta Constitucional conforme posteriormente o debate
é desenvolvido por Hans Kelsen no século XX. Adotando uma perspectiva weberiana,
pode-se dizer que o fundamento de legitimação do poder político nas sociedades
contemporâneas passa a ser racional-legal, baseada na crença em um estatuto jurídico
formal (WEBER, 1983, p.11). Após as declarações de Direitos do Homem e do Cidadão
(1789) e a Constituição norte-americana (1787), há o entendimento de que para um
governo ser legitimo é necessário que ele seja restrito, limitado pelas leis e que garanta
os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. As normas jurídicas passam a ser
elementos de limitação ao poder político, ordenando seu funcionamento.
Após as transformações revolucionárias inspiradas pelo liberalismo
político, há substancial transformação e fortalecimento das funções judiciais nas
democracias representativas. O princípio da divisão dos poderes alçou a função
jurisdicional a um outro nível, garantindo a independência de sua atuação. A função de
legislar, executar e julgar deveriam constituir esferas distintas no exercício da autoridade
soberana. Levando em consideração a tradição norte-americana, que inspirou o
desenvolvimento do modelo constitucional brasileiro, a função jurisdicional passou por
um processo de expansão, não apenas restringindo-se a ser um órgão estatal de
administração da Justiça, mas também é elevado à condição de Poder Político.

A condição de poder político do Judiciário nos tempos modernos decorre de


sua capacidade de controlar os atos normativos dos demais poderes,
especialmente as leis produzidas pelo parlamento. Essa função, conhecida
como judicial review ou controle de constitucionalidade das leis, pode colocar
o Judiciário em pé de igualdade com os demais poderes, exatamente naquela
dimensão mais importante do sistema político: o processo decisório de
estabelecimento de normas (leis e atos executivos) capazes de impor
comportamentos, autorizar ações de governo e gerar políticas públicas
(ARANTES, 2015, p. 30).

É importante ressaltar, que apesar de a Revolução Americana e a Revolução


Francesa terem ocorrido praticamente no mesmo período e terem sido influenciadas em
geral pelo pensamento Iluminista e liberal da época, elas deram origem a dois modelos
jurisdicionais completamente distintos, conforme bem ressalta Arantes (2004). Enquanto
o modelo francês com maior inspiração pelo republicanismo e pelo princípio
19

da igualdade, buscou conter o poder juízes restringindo sua atuação apenas no âmbito de
aplicação da lei em casos concretos, o sistema norte-americano, mais orientado pelo
princípio da liberdade e pela defesa da liberdade, produziu um modelo que atribuiu poder
político aos juízes da Suprema Corte. (ARANTES, ibid., p. 80)
Tendo em vista esse fato histórico, ressalta-se que apenas no modelo
constitucional norte-americano houve, de fato, a elevação do Poder Judiciário à função
de Poder Político neste primeiro momento. A partir do famoso caso Marbury vs. Madison
em 1803, a Suprema Corte norte-americana passou a ter poder de controlar e anular os
atos normativos contrários à Constituição (ZAFFARONI, 1995, p. 46). A ideia é
fundamentada no preceito da supremacia absoluta da Constituição, na defesa dos direitos
fundamentais e na garantia de um poder que pudesse contrabalancear a soberania
parlamentar e seus possíveis desvios (SUNDFELD, 1998). Portanto, nesse sistema
qualquer ato normativo dos poderes políticos (Executivo e Legislativo) que ferissem seus
preceitos constitucionais, deveria necessariamente de ser invalidada pelo Tribunal
Constitucional norte-americano. A principal preocupação dos norte-americanos seria com
a atuação desmesurada do corpo Legislativo soberano, que era criticado pelo fato de que
poderiam sofrer a corrupção das paixões populares e os exageros da maioria. A ideia
manifesta nos escritos de Madison (1751 - 1836) era de que ―o corpo legislativo estende
por toda a parte a esfera de sua autoridade e enfole todos os poderes no seu turbilhão
impetuoso‖ (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 305). Portanto, a Corte
constitucional exerceria um papel político correcional e de defesa do sistema jurídico ao
exercer o controle de constitucionalidade, denominado de judicial review, através da
observância de preceitos constitucionais dos atos normativos dos demais poderes de
Estado.

1.3 O poder judiciário no Brasil

O desenvolvimento do sistema constitucional norte-americano


influenciou diversos países no Ocidente ao longo dos séculos XIX e XX, entre eles o
sistema político brasileiro. Desta forma, uma das influências mais marcantes na
organização institucional brasileira já surge após a Constituição de 1981, que além de
adotar o modelo federativo e a forma republicana de governo, também adotou a revisão
judicial dos atos normativos baseado no modelo norte-americano. (IBAÑEZ, 2010, p.
253)
20

20

A partir da redemocratização em 1988, o judiciário no Brasil passa por um


processo de expansão de suas atribuições, e inegavelmente sua atuação jurisdicional se
estende à esfera política (CHAVES, 2013, p.130). O novo regime democrático possui
como fundamento a coexistência harmônica e independente entre os Poderes, a fim de se
evitar os abusos provenientes de uma concentração de poderes, além disso possui
atribuição de promover a guarda de direitos e liberdades fundamentais. O juiz neste
cenário não é mais restrito apenas à competência de julgar o caso concreto e controvérsias
jurídicas, ou de apenas atuar como o ―declarador‖ do direito, mas passa também atuar
de forma mais relevante e complexa com os demais poderes do Estado, na medida em
que consolida-se como um agente capaz de fiscalizar e afastar plenamente as decisões
normativas dos demais poderes que porventura estejam em desacordo com a Constituição
e que afetem direitos fundamentais e também entende o dever de aplicar as normas
constitucionais nos problemas cotidianos. (SANTIAGO, 2012, p. 9)
Promulgada após um período de governo autoritário-militar (1964- 1980), a
Constituição de 1988 ao garantir os direitos e liberdades individuais e os princípios
democráticos de pluralidade e liberdade de expressão, atribuiu grande destaque ao poder
judiciário. O constituinte ao atentar-se para os perigos da centralização do poder e do
autoritarismo político, que foram marcas comum durante o período da ditadura militar,
optou por garantir amplos poderes ao judiciário. ―A Constituição de 1988, mais uma vez
preocupada em preservar a sua obra contra os ataques do corpo político, conferiu ao
Supremo Tribunal Federal amplos poderes de guardião constitucional‖. (VILHENA,
2008, p. 447). Segundo Vianna (1999, p. 41) o processo constituinte de 1987 que deu
origem à nova Constituição da República, pode ser traduzido como um período de
transição, obra de uma ampla coalizão pluriclassista, que teve como característica uma
ampla e generosa declaração de direitos fundamentais, traduzido enquanto uma forma de
compromisso para os anseios democráticos de conquistas substantivas.
Após a redemocratização, a independência do judiciário foi solidificada frente aos
poderes executivo e legislativo, juntamente ao mesmo tempo em que lhe atribuiu a função
de poder político, na medida em que sua competência é ampliada para fiscalizar os demais
poderes de Estado (ARANTES, 2004). Modificando profundamente seu padrão de
interação com os demais poderes políticos, o judiciário brasileiro passou a ter a função
de garantidor dos direitos e liberdades individuais e coletivas, sendo o
21

21

Supremo Tribunal Federal instituído como órgão de última instância para resguardar a
supremacia da Constituição, através do mecanismo da jurisdição constitucional.

O papel a ser exercido pelo Poder Judiciário no contexto da divisão das funções
do Estado, com isso, adquire nova relevância. Para além de aplicar a lei na
resolução de conflitos interindividuais, assume também o dever de aplicar a
Constituição no controle da atividade estatal, de modo a garantir sua
efetividade, com o que assume a função de declarar inconstitucionais todos os
atos contrários à Constituição – rechaçando-os do ordenamento.
(BERARDINO Di, 2014, p. 10).

Desta forma, destaca-se que no texto constitucional encontra-se expresso no art.


102 a função do Supremo Tribunal Federal de garantia da ordem constitucional.

Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe: I- processar e julgar, originariamente: a) ação
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a
ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (...) .
(BRASIL, 2010, p. 78)

Tendo em vista a necessidade de preservação da ordem constitucional, a


Constituição de 1988 garantiu ainda a autonomia dos magistrados e investiu o poder
judiciário da função de controle da atividade dos demais entes políticos do Estado,
portanto, qualquer ato normativo produzido pelo legislativo ou pelo executivo, que seja
contrário às normas e/ou princípios constitucionais, reveste-se de invalidade diante da
ordem jurídica.

O aumento na importância atribuída a este instituto é algo típico do modelo


constitucional implementado no Brasil a partir de 1988, momento em que se
põe em marcha substancial alteração no cenário jurídico nacional, escorada em
um novo paradigma constitucional que se alinha com as tendências lançadas
na Europa no período pós-Segunda Guerra mundial. (SANTIAGO, 2012, p. 9)

Portanto, o papel do judiciário no Brasil, e também em vários países europeus


sobretudo após a Segunda Guerra, ampliou-se de mero aplicador da lei em um caso
concreto, para também agir como órgão político capaz de controlar e corrigir vícios de
inconstitucionalidade dos atos normativos dos poderes Legislativo e Executivo. Desta
forma, tornou-se um poder autônomo, com notório protagonismo no processo decisório
brasileiro. (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 41).
Ressalta-se ainda a Constituição de 1988 é caracterizada como inspirada em um
modelo dirigente, ou seja, além da garantia às liberdades individuais negativas, a
22

22

Constituição deveria garantir a atuação do Estado na promoção de direitos em amplas


esferas da vida social, exigindo uma prestação ativa do Estado na evolução política e na
realização de objetivos sociais (CHIMENTI; CUNHA, et al., 2006, p. 11). O Estado
dirigente marcado pela positivação de direitos sociais, foi influenciado pelo movimento
operário, desenvolvido ao longo século XX, onde houve a intensificação da luta dos
trabalhadores por maior participação política e por garantias de direitos sociais, exigindo
prestação ativa do Estado de condições materiais mínimas para sobrevivência.

Os direitos econômicos e sociais são fruto de longas lutas históricas de


reivindicação, por parte das classes proletárias e excluídas, de proteção estatal
para a garantia, pelo menos, das condições necessárias para uma subsistência
digna. Os direitos sociais apontam o reconhecimento, pelos diplomas
constitucionais, de que não basta o Estado garantir liberdade aos seus cidadãos,
pois esta não se consolida sem a garantia de um mínimo de dignidade social.
(AUAD, 2008, p. 343).

Os modelos de Constituições desenvolvidos a partir de então, como a mexicana


de 1917 e a República de Weimar em 1919, passaram a adotar em seus textos mecanismos
de proteção social como a defesa do direito ao trabalho, da previdência, da saúde, da
educação, por exemplo, na medida em que o Estado passa a ser compreendido não apenas
como limitado em suas funções para proteger os direitos individuais, mas também
responsável de uma prestação positiva para promover o desenvolvimento econômico e
reduzir as desigualdades sociais. (MORO, 2004, p. 93-94)
Tendo em vista a necessidade de condições mínimas de igualdade para o
desenvolvimento da democracia, John Rawls afirma:

(...) requerem-se medidas que assegurem que as necessidades básicas de todos


os cidadãos sejam satisfeitas, de modo que todos possam participar da vida
política e social. Sobre este último ponto, a ideia não é a de que satisfação das
necessidades em contraposição a meros desejos e aspirações; tampouco se trata
da ideia de redistribuição em favor de uma igualdade maior. O elemento
constitucional essencial em questão e o de que, abaixo de um certo nível de
bem-estar material e socia, e de treinamento e educação, as pessoas
simplesmente não podem participar da sociedade como cidadãos, e muito
menos como cidadãos iguais. (RAWLS, 2000, p.213)

Essas modificações de cunho social que afetaram os modelos constitucionais


desenvolvidos ao longo do séc. XX, possibilitaram também uma significativa mudança
na forma de atuação do poder judiciário, na medida em que o controle exercido por este
poder desde então ultrapassa os meros limites dos direitos individuais, mas também
denota uma possibilidade de atuar como um órgão de proteção aos direitos sociais e
23

23

coletivos que se tornaram essenciais após esse percurso histórico. (CHIMENTI, CUNHA,
et al., 2006, p. 120)

É, portanto, a agenda da igualdade que, além de importar a difusão do direito na


sociabilidade, redefine a relação entre os três Poderes, ajducando ao Poder
Judiciário funções de controle dos poderes políticos. (VIANNA, 1999, p. 21).

Desta forma, a Constituição brasileira de 1988, que também é caracterizada por


garantir direitos sociais, não apenas ampliou a esfera de atuação do Judiciário em relação
aos poderes de Estado, através do controle de constitucionalidade, mas também abriu
possibilidades de atuar como poder garantidor de direitos sociais, que exigem a prestação
ativa pelo poder público. No art. 6º da Constituição Federal, está disposto

são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,


o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(BRASIL, 2010, p. 20)

Assim, o Estado passa a ser obrigado não apenas a não interferir nas liberdades
individuais, como nas Constituições garantistas do séc. XIX, mas também passa a ser o
responsável para elaboração e efetivação de políticas públicas, com o intuito de agir para
garantir a defesa desses direitos sociais básicos para promover a justiça social e a
igualdade. Contudo, é importante frisar que devido a amplitude desses direitos, que vão
desde a garantia da moradia até o direito a um salário mínimo adequado, o processo de
definição dos direitos torna-se mais complexa, possibilitando amplas margens de atuação
do judiciário.

A novidade da indeterminação do direito, explicitada na agenda social do


Welfare State, leva a uma redefinição da relação entre os Poderes, uma vez que
o Judiciário, como a instituição tecnicamente adequada para interpretar o
sentido e o alcance das normas, termina tendo que exercer esta função face a
conteúdos indeterminados, o que deságua necessariamente em uma criação
legislativa judicial. (LYRA, 2011, p. 76)

Diante de possíveis omissões legislativas quanto aos amplos direitos individuais


e sociais dos cidadãos, a Constituição brasileira estabeleceu o instituto do mandado de
injunção, enquanto mecanismo capaz de engendrar por via judicial a prestação positiva
de um direito o qual o legislativo ou executivo são omissos para efetivar (MORO, 2004,
p. 94). Segundo SILVA (2008, p. 34) o mandado de injunção é instrumento constitucional
que tem o objetivo de proteger o exercício individual de um direito fundamental, na
medida em que este encontra-se ainda não regulado pela autoridade
24

24

competente. Assim, o judiciário atuando enquanto protetor dos direitos fundamentais,


possui a finalidade de dar ciência ao Poder competente para a providências necessárias
para tornar efetiva a norma constitucional. Desta forma, ―sem dúvida atribuir ao
Judiciário a possibilidade de criticar a omissão arbitrária dos outros Poderes configurou
relevante expansão do poder político de controle e de imposição de limites.
(MENEGHETTI, 2008, p. 84). Ainda segundo MENEGHETI (Ibid., p. 20 ), além do
mandado de injunção, há ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que é o
instrumento constitucional incumbido de garantir a efetividade de direitos diante de
omissões na regulamentação de normas competentes aos poderes legislativos e
executivos.
Desta forma, percebe-se que tais dispositivos constitucionais fortalecem uma
atuação proativa do judiciário no desenvolvimento e efetivação de políticas e direitos
individuais e sociais, em consideração a insuficiência do governo de promover a
efetivação de tais direitos. ―Não se trata, pois, de reduzir a omissão legislativa
inconstitucional a um simples não-fazer, mas de identificar uma exigência constitucional
de ação‖. (MENDES, 2000, p.55, grifo do autor)
Com as modificações do sistema político inaugurado pela Constituição Cidadã de
88, percebe-se que claramente que houve abertura de espaço para uma atuação mais
proeminente do poder judiciário através do estabelecimento de mecanismos de controle
de constitucionalidade, tendo em vista a relevância dos direitos e liberdades fundamentais
enquanto fundamentos básicos para a organização constitucional e a garantia das
liberdades democráticas e sociais.

A disseminação da previsão de balizas aplicáveis ao processo de tomada de


decisões políticas, em especial pela constitucionalização de direitos e garantias
fundamentais e de princípios que informam cada sistema jurídico, impôs,
assim, a necessidade de se desenvolver e reforçar mecanismos que
permitissem o controle da produção normativa (BERARDINO Di, 2014, p. 9).

Além do controle de constitucionalidade, outro fator que confere possibilidade da


atuação do judiciário como poder de Estado, foi o estabelecimento de garantias
institucionais para garantir independência aos magistrados. Desta forma, o art. 95 da
Constituição Federal estabelece

Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro


grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do
25

25

cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado,


e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II
- inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93,
VIII; III - irredutibilidade de subsídio (...) (BRASIL, 1988, p. 74) (grifo
nosso)

Tais dispositivos constitucionais foram criados com o intuito de promover a


necessária autonomia e independência do poder judiciário, a fim de se contribuir para que
este seja neutro em relação à maioria política, evitando quaisquer formas de abusos e
pressões arbitrárias dos demais poderes públicos.

Essas garantias é que elevam a função judiciária à categoria de poder, uma vez
que, com a sua tutela, a magistratura pode opor-se a outro poder exercendo
assim o poder Judiciário, "no seu setor, autoridade suprema, como os outros
dois, por delegação soberana" (Sampaio Dória, "Os Direitos do Homem",
1942, pág. 247). (SANTAMARIA, 1969, p. 137).

No capítulo a seguir, será abordada a questão do controle de constitucionalidade


e de sua função na estrutura democrática dos Estados modernos, com o intuito
fundamental de se compreender, como essa nova forma de atuação conhecida como
revisão judicial (judicial review) passou a constituir um dos principais mecanismos de
intervenção do poder judicial nas questões da democracia representativa constitucional.
26

CAPÍTULO 2- O sistema de controle de constitucionalidade

2.1. Considerações iniciais

A defesa dos direitos e liberdades individuais foi o paradigma dominante na


formação dos Estados constitucionais modernos. Os Estados constitucionais preocupados
com a defesa da ordem jurídica e dos direitos fundamentais, sobretudo após a segunda
metade do século XX, a forma de atuação do poder judiciário ultrapassou seus limites
convencionais, na medida em que houve a institucionalização da jurisdição constitucional
através do controle de constitucionalidade.
O marco histórico na evolução do poder judiciário em sua atuação como poder
político, foi o célebre caso judicial de Marbury v. Madison, em 1803, nos Estados Unidos.
Produto da inovação da Corte Suprema norte-americana, pela primeira vez estabeleceu-
se a possibilidade do judiciário atuar como poder político no sistema constitucional, na
medida em que a este seria reservado a possibilidade de revisão, podendo declarar como
nula uma norma em que estivesse fora dos princípios e regras
constitucionais. A decisão pioneira do caso Marbury v. Madison possibilitou a anulação
de uma lei inconstitucional do sistema norte-americano de forma incidental e abstrata, na
medida em que o órgão aplicador do direito em caso concreto pode declarar a nulidade
da lei que esteja em contradição com a Constituição (ZAFFARONI, 1995, p. 46-47).
Após esse célebre caso, mas sobretudo durante o século XX, influenciado pelo
sistema norte-americano, o controle de constitucionalidade passou a integrar diversos
regimes democráticos do mundo, inclusive sendo adotado no Brasil já na República Velha
inaugurada em 1891 (VAINER, 2010, p. 168). No continente europeu, levando em
consideração seu contexto particular e suas determinações históricas e culturais, sendo
um continente mais conservador e com forte tradição autoritária, inspirado pela tradição
francesa que repudiava o controle judicial, a inovação constitucional foi inserida nos
sistemas políticos apenas no século XX, após as guerras mundiais, tendo como referência
a Constituição austríaca de 1920, baseada na doutrina do controle de constitucionalidade
concentrado kelseniana. (ZAFFARONI, op. cit., p. 60)
A jurisdição constitucional possui como base o princípio da supremacia da
Constituição, enquanto fundamento do direito político. O Estado de Direito exige que o
poder estatal esteja submetido às contenções formais e materiais das normas jurídicas
(SUNDFELD, 1998). A Constituição tornou-se um valor e o modelo de organização da
vida social, tendo como consequência a limitação jurídica do poder político. Assim, o
texto constitucional tornou-se o instrumento cujo objetivo é a garantia dos direitos
individuais, enquanto mecanismo de contenção do poder político por meio do texto da lei
27

maior. Considerando este pressuposto, o judiciário passou a atuar como guardião da


Constituição, pois é considerado como o poder que possui garantias institucionais para o
exercício de tal ofício. O judiciário não dispondo do poder normativo e nem da
capacidade de executar as leis, e também por seus membros terem garantias como a
vitaliciedade e a inamovibilidade, entende-se que este seria o melhor órgão para analisar
os limites da constitucionalidade. (KELSEN, 2007)

Assim sendo, o tema de controle da constitucionalidade das leis, baseado no


princípio da supremacia da Constituição, implica colocar a Carta Magna acima
de todas as outras manifestações do Direito, as quais, ou são com elas
compatíveis ou nenhum efeito devem produzir. (POLLETI, 2000, p. 3)

Não obstante os Estados contemporâneos adotarem em sua organização o controle


de constitucionalidade, a partir do século XX, houve o surgimento de um foco de tensão
entre o poder judiciário e o legislativo. Isto se deve pelo fato de a magistratura exercer
cada vez mais sua autoridade e interferências no processo político decisório dos demais
poderes e ao mesmo tempo receber críticas em relação a ausência de legitimidade
democrática na sua organização, devido ao fato de cargo dos juízes não possuir origem
pela escolha popular.

Por outra parte, quase todos os tribunais constitucionais cumprem funções de


juízes constitucionais que excedem o marco do puro controle de
constitucionalidade, assumindo competência em matérias politicamente muito
importantes. Reconhecer a um supremo tribunal essa função, mais a de
controle constitucional e a de cassação, além do governo judiciário, teria
implicado uma concentração de poder de tal magnitude que, sem dúvida, teria
colocado em perigo o equilíbrio de poderes e a estabilidade de todo sistema
político. (ZAFFARONI, 1995, p.72)

Tendo em vista isso, percebe-se que apesar de se justificar uma necessidade de


garantia dos direitos individuais através do controle de uma Corte independente e
imparcial, a fim de que se evite eventuais abusos cometidos pelo Poder legislativo em
nome de uma maioria eventual, por outro lado, há a dúvida de até que ponto membros de
um Judiciário não escolhidos diretamente pelo povo, podem atuar de forma a conter a
decisão da instância legítima de representação democrática.
Sabendo-se que em uma ordem constitucional é necessário que haja um pleno
equilíbrio entre os poderes e que haja garantias e liberdades individuais (BOBBIO, 1988),
surge a preocupação de como funcionaria um sistema em que por um lado haja garantia
do princípio da soberania popular, baseada na representação políticas, e o exercício do
controle de constitucionalidade das leis, onde tal garantia seja realizada paradoxalmente
por uma instância não-eleita pela vontade popular. Segundo Bobbio (1988), nas relações
entre o constitucionalismo liberal, centrado na defesa da liberdade negativa ou direitos
28

individuais, e a democracia, que é caracterizada pela igualdade e pela distribuição do


poder político entre os cidadãos, sempre houve uma esfera de tensão, chegando mesmo a
momentos de completa antítese entre ambos modelos. Mas, segundo Bobbio (1988, p.
44), ambos tornam- se complementares, na medida em que

Ideais liberais e método democrático vieram gradualmente se combinando


num modo tal que, se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o
início a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo
democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da
democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de
liberdade. Hoje apenas os Estados nascidos das revoluções liberais são
democráticos e apenas o Estados democráticos protegem os direitos do
homem: todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo
antiliberais e antidemocráticos.

Mesmo diante de tal perspectiva, há preocupação quanto à legitimidade das Cortes


constitucionais não eleitas, portanto, não democráticas, ao exercerem controle de
constitucionalidade dos atos normativos produzidos pelos poderes políticos
representativos. Tendo em vista esse paradoxo, torna-se necessário compreender a
questão de quais seriam os limites da atuação do judiciário no sentido de se preservar a
legitimidade soberana manifesta na atuação do legislador, a fim de que se evite usurpação
de competência e gere instabilidade entre os poderes.
Desta forma, o poder judiciário encontra-se confinado em um regime paradoxal a
depender da visão adotada, enquanto por um lado, há a defesa de uma atuação proativa
enquanto mecanismo essencial para a defesa dos direitos individuais das liberdades
democrática, como a liberdade de expressão e direito à informação, por outro lado, seu
críticos enxergam que a sua postura deve ser de autocontenção para que se preserve a
integridade da própria democracia representativa, considerando a função jurisdicional sob
um viés mais restrito. Portanto, haverá sempre necessidade de uma análise crítica para
compreender a função jurisdicional em determinado contexto. Adotar uma postura de
recusa total da compatibilidade entre jurisdição constitucional e democracia, levaria a um
estado de perda de garantias jurídicas para alguns grupos, sobretudo os minoritários e até
mesmo um risco para violações cometidas em nome de maiorias parlamentares. Adotar
uma postura acrítica que defende a total convergência entre jurisdição constitucional e
democracia, poderia levar a um sistema onde qualquer tipo de ativismo judicial pode ser
tolerado, justificando cegamente uma atuação demasiada da autoridade do poder
judiciário frente sendo prejudicial a democracia pois deslocaria a legitimidade do
parlamento para a corte, ocasionando o chamado ―governo dos juízes‖.
Além das críticas feitas ao deficit de legitimidade das Cortes para exercerem o
controle de constitucionalidade, surge o fenômeno recente identificado pela literatura em
Ciência Política de judicialização da política. Nos últimos anos, cada vez mais
29

pesquisadores dedicam-se a compreender melhor a atuação e o protagonismo do poder


judiciário nas democracias representativas. Entendendo que uma postura ativa dos
membros do judiciário poderia não apenas afetar o caráter democrático dos regimes
liberais representativos, mas também levar a um estado de ―governo dos juízes‖,
simbolizado pela aristocracia de toga1. A preocupação torna-se quanto a forma de atuação
do juiz constitucional em sua atividade de interpretação das leis, tendo-se em vista a
necessidade do equilíbrio entre os poderes e do próprio regime democrático.

2.2. O Debate Kelsen e Schimitt: Quem deve ser o Guardião da Constituição?

Um dos grandes debates do século XX no âmbito da teoria constitucional foi


protagonizado por dois eminentes juristas europeus, que apesar de terem sido
contemporâneos e terem acompanhado a ascensão do fenômeno nazi-fascita no período
entre guerras, desenvolveram dois polos divergentes de entendimento no que se refere
quem deveria exercer a função do controle de constitucionalidade, ou seja, a quem caberia
a guarda da constituição.
Hans Kelsen (1881-1973), ficou basicamente conhecido pela doutrina apresentada
em ―Teoria Pura do Direito‖ (1934), onde o autor é identificado como o grande expoente
do positivismo jurídico. No pensamento do jurista austríaco é central a ideia de que
haveria uma identidade ontológica entre o Estado e o Direito, entendendo que a própria
organização estatal é produto de uma ordem jurídica, validada por uma norma hipotética
fundamental (grundnorm).

A teoria pura do Direito é uma teoria monista. Ela demonstra que o Estado
imaginado como ser pessoal, é na melhor das hipóteses, nada mais que a
personificação da ordem jurídica, e mais, frequentemente, uma mera
hipostatização de certos postulados político-morais. Ao abolir esse dualismo
através da dissolução da hipostatização habitualmente ligada ao ambíguo
termo ―Estado‖, a teoria pura do Direito revela as ideologias políticas dentro
da jurisprudência tradicional (KELSEN, 2000, p. XXXIII).

Assim, para ele o Estado é criado pelo direito e identifica-se com ele. Apenas o
Direito é capaz de regular a sua própria criação e o Estado somente se justificaria na medida
em que se identificasse com a sua própria ordem normativa.
Na teoria formalista kelseniana é importante considerar a ideia de hierarquização das
normas jurídicas para se compreender o sentido da função do Guardião da Constituição,
entendida como aquela instância capaz de garantir a vigência efetiva das normas
constitucionais e de corrigir possíveis vícios emanados por atos normativos do poder político

1
Interessante notar que no estudo pioneiro A democracia na América (1835) de Tocqueville, o autor identifica
entre os membros da profissão jurídica uma forte influência na vida pública dos Estados Unidos. O autor
afirma que entre os membros da profissão, há um certo sentimento de superioridade, revelando certos hábitos
de aristocracia e posições antidemocráticas, que os distinguiriam do resto da população. TOCQUEVILLE, A.
A democracia na América. 7 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969; 364 p.
30

(KELSEN, 2007). Considerando sua visão hierarquizada do direito, no topo da organização


normativa do Estado encontra-se a Constituição, que legitima a produção das demais normas
ordinárias produzidas pelo legislador, desta forma ―cada grau da ordem jurídica constitui,
pois, ao mesmo tempo, uma produção de direito com respeito ao grau inferior a uma
reprodução do direito com respeito a grau superior‖. (KELSEN, 2007, p. 126).
A validade da ordem jurídica decorre da ideia de que o sistema encontra-se
fundamentada no texto constitucional, e cada norma criada segundo os procedimentos
deliberativos do Parlamento somente serão válidas se estiverem sido determinadas em
última análise pela norma fundamental. Segundo o jurista austríaco, somente a norma
fundamental seria o ponto de partida para a efetiva da validade das regras particulares pelo
processo legislativo ordinário, portanto, toda disposição normativa deveria estar submetida
ao controle da jurisdição constitucional.
Indo além da abstração teórica de seu trabalho, Kelsen elabora o projeto de
Constituição da Áustria, que foi aprovada em 1º de outubro de 1920, onde há uma inovação
institucional em relação ao sistema de controle de constitucionalidade, elaborando a criação
de um Tribunal Constitucional independente capaz de decidir sobre a constitucionalidade
das leis de forma concentrada (SANTIAGO, 2012, p. 7). Concebendo o sistema jurídico
como um todo hierarquizado, Kelsen defendia a necessidade de um Tribunal Constitucional,
realizando a função de guardião da Constituição, com competência para anular atos
normativos dos outros poderes que não estivessem em acordo com o sistema constitucional.
O objetivo primordial da jurisdição constitucional seria de garantir a efetividade da
Constituição. ―Garantias da Constituição significam, portanto, garantias da regularidade
das regras imediatamente subordinadas à Constituição, isto é, essencialmente, garantias da
constitucionalidade das leis. (KELSEN, op. cit., p. 126)
Nesta perspectiva, a garantia de constitucionalidade somente poderia ser conferida a
um tribunal constitucional que pudesse ser independente do poder legislativo ou do
executivo, já que são estes os poderes elementares que produzem as normas gerais. Kelsen
afirmava que as doutrinas que estabeleciam como guardião o chefe do executivo ou o próprio
parlamento, escondiam o fato de que são estes os maiores detentores do poder político,
portanto, não haveria uma verdadeira efetividade do controle atos inconstitucionais
produzidos por eles próprios (KELSEN, 2007, p. 242). O controle da constitucionalidade é
garantia da regularidade do sistema jurídico, na medida em que as normas devem obedecer
aos comandos hierárquicos do sistema jurídico, onde em seu em último grau encontra-se no
fundamento do Estado no texto constitucional. Somente uma Corte jurisdicional seria
competente para anular um ato jurídico irregular.
Para Kelsen, além de ser um controle exercido por um órgão independente do
legislativo e do executivo, a jurisdição constitucional também atuaria de forma distinta dos
31

tribunais ordinários, na medida em que sua posição seria a de proteger a Constituição,


decidindo sobre a constitucionalidade formal e material das leis. Enquanto os tribunais
ordinários atuariam aplicando a norma em caso concreto, ou até mesmo invalidando a lei
em um caso específico alegando inconstitucionalidade, somente o Tribunal Constitucional
atuaria como um ―legislador negativo‖, que teria prerrogativa para invalidar uma norma
geral, com efeito erga omnes (KELSEN, op. cit, p.263). Este Tribunal teria a especificidade
de somente ele ter a competência para anular definitivamente qualquer norma
inconstitucional que estivesse em contradição com a norma fundamental superior. Esse
pensamento na doutrina kelseniana só é possível na medida em que ele entende que os
tribunais têm a função não apenas de aplicar o direito, mas também de criá-lo. Kelsen
depreende que em todos os casos jurídicos, há sempre uma disputa política entre interesses
divergentes como plano de fundo do processo, e a função jurisdicional fundamenta-se como
elemento racionalizador de decisão entre um litígio, portanto, também seria uma função
política decisória.

Enquanto tribunal constitucional do sentido próprio da palavra, ou seja, com a


função de proteger a Constituição, a Corte Constitucional decide sobre a
inconstitucionalidade das leis, assumindo uma posição excepcional em face de
todos os outros tribunais ou autoridades administrativas. ( KELSEN, 2007,
p.20)

Em contraposição a essa posição, o alemão Carl Schmitt (1888-1985) critica a


postura monista legalista da doutrina kelseniana, ampliando a concepção do Estado e
levando em consideração a complexidade do conceito de política. Scmitt apresenta uma
visão que busca compreender a relação entre o Estado e a ideia de nação e de sua unidade,
tendo em vista a sua história, seu povo e suas determinações culturais.
Em sua obra O guardião da constituição, publicada em 1929, a ideia de decisão
política fundamental é o conceito básico em seu pensamento. Para ele a vontade concreta da
nação e a realidade viva dos povos constituiriam o eixo de legitimidade da Constituição, e a
ideia de que uma norma transcendental pudesse fundamentar a ordem jurídica, não passaria
de abstração liberal racionalista, que não corresponderia às condições históricas dos Estados
nacionais.

A Constituição vigente do Reich persevera na ideia democrática da unidade


homogênea e indivisível de todo o povo alemão, o qual se outorgou uma
Constituição por meio de seu poder constituinte e por meio de uma decisão
política positiva, ou seja, por intermédio de ato unilateral (SCHMITT, 2007,
p. 90)

Schmitt compreendia uma essencial unidade e homogeneidade da nação não


apenas no sentido formal ou jurídico, mas também pelo aspecto político e social.
Criticando fortemente a democracia parlamentar, o autor entende que somente o povo
32

constituiria uma entidade homogênea e na configuração estatal necessariamente deveria


haver uma identidade entre governantes e governados.

A respeito do Parlamento e da Democracia, era opinião de Schmitt (1983) que


a crença de que a democracia exercida no Parlamento por meio do livre jogo
de opiniões não era mais do que uma ―metafísica liberal‖. Democracia para
Schmitt é vista como homogeneidade e, por isso, não estaria ameaçada pelo
fascismo ou pelo comunismo, mas pela democracia de massas. (BAHIA, 2004,
p. 91)

Tendo em vista o seu conceito de legalidade e legitimidade, Schmitt rejeitava a


ideia de que o judiciário pudesse ser o Guardião da Constituição, conforme defendia Hans
Kelsen. A existência de uma competência jurisdicional para exame da constitucionalidade
materialidade das leis afetaria o caráter do Estado legiferante parlamentar, possibilitando
a atuação de um Estado jurisdicional capaz de se contrapor às resoluções aprovadas no
Parlamento (SCHMITT, op. cit., p. 7). Para Schmitt, o controle de constitucionalidade
concentrado, feito pelo Tribunal Constitucional, afetaria a soberania do legislativo, pois
os juízes teriam a última palavra quanto à aplicação da lei, portanto, seriam o dono da
última decisão na medida em que manifestariam um poder soberano.

Em seu significado prático, volta-se atualmente, sobretudo, contra a


verificação judiciária de leis, pois tal controle do Judiciário por parte do
Legislativo impregnaria o Estado legiferante parlamentar de elementos
próprios de um Estado jurisdicional, que, enquanto corpos estranhos, põem em
risco o inequívoco sistema de legalidade daquele tipo de Estado e traz
problemas ao Parlamento em sua posição central como fonte de legalidade.
(SCHMITT, 2007, p. 26).

Fundamentando seu argumento com base no art. 48 da Constituição de Weimar,


Schmitt entende que para a defesa da unidade política e homogeneidade da nação,
somente o Presidente do Reich poderia atuar como guardião da Constituição. Schmitt
interpreta o art. 48 da constituição de Weimar, como um adendo da teoria do poder neutro
de Constant. Desta forma, o guardião da constituição seria não um tribunal constitucional,
mas sim o Chefe de governo, que naquele contexto era o presidente do Reich alemão, na
medida em que este poder estaria seria neutro e capaz de garantir a unidade política.
(BAHIA, 2004, p. 97 - 98)
Para Schmitt, com o controle realizado pelo Judiciário, haveria a substituição do
Estado legiferante por uma forma de Estado jurisdicional, que, em última análise segundo
o autor, não seria mais uma forma de Estado, mas seria apenas um Estado que aplica o
Direito e a Justiça, segundo critérios próprios do magistrado, sem levar em consideração
os outros significados do que seria essa justiça e o Direito. O exercício da função
jurisdicional ocasionaria o desvio da função original do tribunal, levando então à uma
33

relativa confusão entre a jurisdição e a política. Schmitt mantém um rigor em relação à


distinção entre a jurisdição e a política, para ele não havia possibilidade de confusão entre
essas duas esferas. A decisão política, segundo Schmitt (op. cit., p. 55), somente caberia
ao legislador, não ao juiz.

2.3 Estrutura do controle de constitucionalidade no Brasil

Em relação ao Tribunal encarregado pela guarda da Constituição no Brasil, no


sentido kelseniano como órgão responsável pela efetivação da norma fundamental, a
Constituição Federal dispõe sobre as competências do Supremo Tribunal Federal nos arts.
101 e 102. Segundo a Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do
poder judiciário, com jurisdição em todo território nacional, composto por onze ministros,
indicados entre cidadãos maiores de trinta e cinco e menores de sessenta e cinco anos de
idade, escolhidos pelo Presidente da República e aprovado por maioria absoluta do
Senado Federal. (BRASIL, 1988, p. 78)
O Supremo Tribunal Federal é o tribunal que atua como o guardião da
Constituição, conforme está disposto no art. 102 da Constituição, exercendo controle de
constitucionalidade dos atos normativos dos poderes legislativo e executivo. Segundo
Barroso (2009, p. 4)2, o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade é um dos
mais abrangentes do mundo, conjugando dois sistemas dois distintos modelos de revisão
judicial: o controle concentrado/abstrato, inspirado nos sistemas da Europa continental
inspirados na tradição kelseniana, e o modelo difuso/incidental, baseado no sistema norte-
americano. O controle incidental é adotado desde a República Velha no Brasil, sendo
realizado por qualquer tribunal ou juiz em um caso concreto, que suspende a aplicação
de norma jurídica, caso interprete que o dispositivo seja inconstitucional. O modelo
concentrado, baseado no sistema europeu, é realizado através de provocação do judiciário
por ação direta, cuja contestação de norma vigente é levada à apreciação no Supremo
Tribunal Federal.

A constituição manteve, no Supremo Tribunal Federal, os dois tipos de


controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos normativos (o
concentrado e o incidental), conservando- o como ápice de todo o sistema
judicial brasileiro. (CERQUEIRA,1995. p.110)

22
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Brasília,
Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, n° 4, janeiro e fevereiro de 2009. Disponível no site <
http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf >. Acesso em
28/09/2017, p. 4
34

Arantes (2004, p. 39), ressalta que com as modificações estabelecidas em 1988, o


controle de constitucionalidade abstrato tornou-se mais amplo e mais acessível em
virtude da expressiva extensão dos agentes legitimados a provocarem a Corte
constitucional por via direta, através de ação direta de inconstitucionalidade - ADIN.
No art. 103 da Constituição, são estabelecidos nove agentes autorizados a impetrarem
ação direta de inconstitucionalidade

[...] I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III- a Mesa


da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa, ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal; V- o Governador de Estado ou do
Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com
representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade
de classe de âmbito nacional. (BRASIL, 1988, p .80).

Além da ação direta por inconstitucionalidade, no âmbito do controle concentrado


de constitucionalidade, outros instrumentos destacam-se como mecanismos de tutela do
judiciário sobre a ordem constitucional, entre eles estão a ação declaratória
de constitucionalidade – ADC, ação direta de inconstitucionalidade por omissão- ADO,
a arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. (MENDES, 2011)3
Pela generosa lista dos agentes legitimados a participarem do processo de
observância constitucional das leis e demais atos normativos dos poderes públicos e os
diversos instrumentos constitucionais estabelecidos para tal fim, Medeiros (2013, p.
192) destaca que essa condição provoca um expressivo aumento na quantidade dessas
ações e também favorece uma ascendência do controle de constitucionalidade
concentrado em detrimento do controle difuso. Neste contexto, é importante destacar
também que, segundo Vilhena (2008, p. 444), o Supremo Tribunal Federal além de
acumular as funções de Corte constitucional, em um sistema jurídico complexo que
garante uma enorme quantidade de direitos e dispositivos de regulação da vida social, o
controle concentrado foi reforçado também pela Emenda constitucional n° 45/2005, que
conferiu efeito vinculante nas Súmulas editadas pelo tribunal, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional.

E nesse caso o STF só se destaca como guardião da Constituição pela força


vinculante de suas decisões, geralmente em sede de Recurso Extraordinário.
Mesmo em sede de controle difuso de constitucionalidade, teoricamente mais
descentralizado, a competência recursal do Supremo Tribunal Federal torna
ainda mais nítida sua função de guardar e uniformizar a interpretação do texto
constitucional, mormente depois das modificações introduzidas pela Emenda

3
MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade e Processo de Deliberação: Legitimidade, transparência e
segurança jurídica nas decisões das cortes supremas. 2011. Disponível em <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/EUA_GM.pdf >. Acesso em 6 dez. 2017.
35

Constitucional nº 45/200322, ponto culminante do processo de reforma do


Judiciário. (AVRITZER; MARONA, 2017, p. 83)

Apesar da tendência do fortalecimento do sistema concentrado, o controle de


constitucionalidade brasileiro ainda mantém um amplo sistema difuso, que confere
complexidade ao sistema misto brasileiro.

Tal assertiva decorre não só do fato de terem sido previstas quatro ações
distintas na Via Direta (ADI, ADC, ADO e ADPF) e da ampliação dos entes
legitimados para a instauração desse processo concentrado de controle
abstrato, mas também da permanência, ao lado desse controle concentrado, de
um sistema difuso, já tradicional em nossa ordem jurídica, que atribui
competência aos juízes e aos tribunais para afastar a aplicação da lei in
concreto, ou seja, pela via incidental. (MEDEIROS, 2013, p. 193)

Outra característica importante ao se analisar o controle de constitucionalidade no


Brasil decorre da classificação de seu nível ou momento de incidência. Neste sentido,
estabelece-se a divisão do controle de constitucionalidade em preventivo e repressivo.
Segundo Ferraz (1999, p. 281), o controle preventivo de constitucionalidade incide
anteriormente à formalização de ato normativo que possa afetar as disposições
constitucionais, desta forma, há um impedimento da efetivação de um ato jurídico
inconstitucional. Normalmente tal forma de controle ocorre durante o próprio processo
legislativo, sendo realizado por órgãos e comissões do próprio poder legislativo ou
através do veto constitucional exercido pelo Presidente da República. Já o controle
repressivo ocorre a posteriori, ou seja, quando a norma jurídica já está em vigência, sendo
realizado através do questionamento perante o tribunal.
Diante do cenário do constitucionalismo contemporâneo é importante considerar
a Constituição não apenas como um texto que resguarda direitos individuais, mas também
como instrumento que compõe a unidade política e social e que traça objetivos coletivos
a serem atingidos. Mendes (1990) afirma que as normas constitucionais incorporam
valores, que ultrapassam o legalismo puro e simples, indicando a necessidade de se
analisar seu conteúdo substancial. Desta forma, a jurisdição constitucional teria a função
de analisar não apenas o aspecto formal de um ato normativo, mas também considerar a
materialidade contida no dispositivo, tendo em vista a adequação entre o conteúdo e o
objetivo consagrado no texto constitucional. Assim
Não há de se olvidar, porém, que os parâmetros constitucionais não primam
pela precisão de conteúdo. E essa vagueza acaba por outorgar ao órgão de
controle um formidável poder na concretização de fóruns, como bem-estar da
coletividade (Wohl der Allgemenheit), utilidade púbica, adequação aos fins
constitucionais ou razoabilidade da disposição legislativa. (MENDES, 1990,
p. 42)
36

Diante da constatação do acentuado fortalecimento dos tribunais constitucionais


enquanto organismos intérpretes do texto constitucional e, portanto, atuando como
instâncias revisoras de atos normativos que estejam em desacordo com a Carta Magna, e
levando em consideração ainda a expressiva ampliação dos direitos e garantias
individuais e da cidadania após a concretização do regime democrático, verifica-se o
crescimento e o protagonismo da atuação judicial no Brasil. Assim, o judiciário brasileiro
passou por verdadeiro processo de ampliação de sua agenda de atuação, ao mesmo tempo
em que as liberdades e os processos de participação e reivindicações da sociedade perante
o Estado democrático também aumentaram.
Através do crescimento do protagonismo juducial, surge a preocupação com a
questão da judicialização da política e o ativismo judicial, que se tornaram temas
hodiernos que estão presentes nas discussões em amplas esferas da sociedade.

Tudo leva a crer que o ativismo judicial tem sido fomentado pelo sistema
brasileiro de controle de constitucionalidade, o qual combina aspectos do
controle difuso norte-americano e do abstrato europeu-kelseniano, sendo
considerado um dos mais abrangentes do mundo, denominado aqui de controle
híbrido de constitucionalidade. (MEDEIROS, 2013, p. 190)
37

CAPÍTULO 3 – Judicialização da política

A expansão do poder judiciário nas democracias contemporâneas é fenômeno que


tem chamado cada vez mais atenção de pesquisadores da Ciência Política, sobretudo, no
Brasil após a redemocratização em 1988, onde o poder judicial manifesto na instituição do
controle de constitucionalidade foi profundamente fortalecido.
Através da difusão dos sistemas de controle de constitucionalidade em diversas
democracias contemporâneas, as questões entre os limites e relações entre o direito e a
política e a necessidade de compreensão entre as relações de equilíbrio entre os poderes são
cada vez mais corriqueiras no âmbito das ciências sociais. Cada vez mais o desenvolvimento
da revisão judicial (judicial review) dos atos normativos dos demais poderes tornou-se um
pressuposto amplamente adotado nos regimes democráticos liberais, sobretudo nas recentes
democracias que surgiram após a derrocada de regimes autoritários do século XX.
(AVRITZER; MORONA; 2010, p. 77-78).
O poder de interpretar as leis, em última análise, confere aos juízes uma posição
estratégica, revestindo ao caráter da instituição como verdadeiro órgão soberano, na medida
em que essa atividade interpretativa pode, muitas vezes, alterar profundamente os valores e
disposições normativas expressas no texto constitucional.

O processo institucional que tem aproximado o Brasil de uma judicialização da


política, levando o Judiciário a exercer controle sobre a vontade do soberano,
resulta [...] de se ter adotado o modelo de controle abstrado de
constitucionalidade das leis com a intermediação de uma ―comunidade de
intérpretes‖, e não, como em outros casos nacionais, da assunção de novos papéis
por parte de antigas instituições. (VIANNA, 1999, p. 47, grifo nosso)

É importante frisar que além do controle de constitucionalidade, a ampla


possibilidade de diversos atores da sociedade civil e demais agentes políticos de
ajuizarem ações diretas no Supremo Tribunal Federal, possibilitou que houvesse um
enorme crescimento da judicialização da vida social. Desta forma,
O processo institucional que tem aproximado o Brasil de uma judicialização
da política, levando o Judiciário a exercer o controle sobre a vontade do
soberano, resulta, [...] , de se ter adotado o modelo de controle abstrato da
constitucionalidade das leis como a intermediação de uma ―comunidade de
interprétes‖, e não, como em outros casos nacionais, de assunção de novos
papéis por parte de antigas instituições. (VIANNA, 1999, p. 47)

Vianna (1999), afirma que a referida ―comunidade de intérpretes‖ seria resultante


da possibilidade de um expressivo número de agentes legitimados a acionarem o
judiciário para efetivar suas demandas, sobretudo grupos minoritários que encontram
dificuldades em efetivar direitos nos espaços políticos representativos tradicionais,
devido à lógica majoritária operante nesses sistemas, assim, esses grupos encontrariam
no espaço judicial uma nova arena de disputa. Posto isso, o judiciário passa a intervir cada
38

vez mais na atividade legiferante e até mesmo no processo de implementação de políticas


públicas, ultrapassando a função clássica de apenas aplicar a lei no caso de conflitos entre
os indivíduos e instituições, fortalecendo sua autoridade como instância legítima de
resolução de conflitos sociais.
Ao tomar nova posição essencial no controle dos atos normativos dos demais
poderes, especialmente do poder legislativo, e além disso passar a ocupar cada vez mais
a função de instituição central ao influenciar o processo político, há o surgimento do
fenômeno chamado de judicialização da política, entendida como uma forma de atuação
jurídica que transforma a função dos magistrados mais do que meros intérpretes, mas
também como agentes cada vez mais responsáveis pela efetivação do texto constitucional,
na medida em que interferem em decisões que, em tese, deveriam ser tomadas pelos
poderes majoritários.
Diante de tal cenário, diversos autores consideram que o crescimento da função
política do judiciário pode ser compreendido como um fato inerente da própria natureza
do Estado de Direito, tendo em vista que a Carta Magna estabelece o controle de
constitucionalidade como competência do tribunal constitucional. Pesquisadores e
analistas políticos passaram a notar o surgimento de uma atuação cada vez mais proativa
dos juízes ao analisar a constitucionalidade das leis, levantando questionamentos de até
que ponto seria legítimo e saudável para o regime democrático o papel exercido por juízes
de ter a última palavra na interpretação da lei e, portanto, o judiciário ser considerado
como o guardião da Constituição. Contudo, destaca-se que apesar de o controle de
constitucionalidade ser uma das principais causas para o aumento do protagonismo
judicial, diversos outros fatores ainda operam para incentivar o desenvolvimento desse
fenômeno complexo. ―O limite entre o político e o judicial não pode ser definido
formalmente no Estado moderno. A justiça moderna não pode ser ‗apolítica‘ nesse
sentido, e hoje mais do que nunca deve-se reconhecer que o poder judiciário é governo.
(ZAFFARONI, 1995, p. 24).
A judicialização de política é um fenômeno complexo, que pode ser desenvolvido
de diferentes formas a depender do contexto institucional e das influências
comportamentais dos juízes em determinado período. Barroso (2009, p. 3) afirma que
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou
social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas
instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo –
em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a
administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na
linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
39

Em seu artigo, o ministro do Supremo Tribunal Federal apresenta três grandes causas
que impulsionaram a judicialização da política nas democracias contemporâneas,
destacando sobretudo no caso brasileiro: a redemocratização em 1988, a ampla abrangência
de direitos constitucionalizados e o sistema de controle de constitucionalidade (BARROSO,
op. cit., p. 3-4). A conjugação dessas três condições possibilitou o crescimento da
importância do poder judicial nas decisões políticas.
Tate e Vallinder (1995, p.13), no pioneiro trabalho The global expansion of judicial
power, refere-se ao fenônemo da judicialização como um tipo de ―infusão‖ do poder
judiciario no processo de decisão, atingindo a esfera política que não seria o campo de
atuação do judiciário. Segundo Vallinder, as causas precisas que influenciaram o
desenvolvimento da judicialização da política variam de acordo com cada país, mas que
certos fenômenos, como a derrocada de regimes totalitários ao final da Segunda Guerra
Mundial e a subsequente necessidade de prevenção aos horrores causados pela
inobservância aos direitos humanos nos regimes fascista e nazista, seria um fator
determinante na influência à expansão da atuação do poder Judiciário, na medida em que
este agiria como um poder contramajoritário ao movimentos de massas.
De acordo com o estudo, é admitido que o sistema democrático contemporâneo
fornece condições institucionais para a expansão da judicialização. Neste sentido, os autores
afirmam que a judicialização é comum em diversos países e também é resultado de múltiplas
e interativas causas. A primeira delas é o desenvolvimento da própria democracia, regime
baseado na regra da maioria e da responsabilidade popular. A democracia não
necessariamente causa o desenvolvimento da judicialização, mas, certamente, constitui uma
condição essencial para o seu desenvolvimento. Não é possível considerar a existência de
juízes controlando atos do governo em um regime autoritário, onde o soberano não se
submete a um controle nem do povo e nem das instituições, atuando unicamente com base
em sua vontade. Outros fatores que o autor identifica como relacionado ao surgimento da
judicialização são: (II) valorização e a positivação das Declarações de direitos, que surgiram
para a proteção formal do direito das minorias e outros grupos de interesse; (III) uso do
tribunal por grupos de interesse, levando em consideração o fato de que a judicialização não
se desenvolve deslocada das questões sociais e econômicas relevantes, além do fato de que
minorias e a oposição podem recorrer ao tribunal constitucional, caso estes considerem que
estão sendo prejudicados no processo majoritário do parlamento ; (IV) instituições
representativas inefetivas, onde geralmente tornam-se incapaz de oferecer respostas
adequadas às demandas da sociedade, considerando ainda o fato de que os partidos e os
governos de coalizão estão cada vez mais fracos e encontram dificuldades de construírem
uma base social e política sólida capaz de construir projetos e efetivarem políticas públicas;
40

(V) a divisão dos poderes, sendo uma condição necessária, porém não suficiente.
(VALLINDER; TATE, 1995, p. 28 – 32).
Além disso, Tate (Ibid., p. 32) afirma que
Occasionally, the judicialization of politics occurs when majoritarian
institutions decide that that there are certain issues that they do not wish to be
buerdered with deciding. Tough the leadership of the majoritarian institutions
might well deny it, it often appears to an outsider that this delegation is willful.

Isto evidencia o fato que muitas vezes o vazio legislativo é provocado por atitude
deliberada dos representantes em não se posicionarem a respeito de certos problemas mais
complexos, como o aborto, pelo simples fato de poder ocasionar um forte custo político com
prováveis futuros efeitos sobre o processo eleitoral. Desta forma, sua omissão torna-se
estratégica, possibilitando, e até mesmo incentivando, que o judiciário decida em seu lugar,
na medida em que seus membros não são responsáveis perante a opinião pública e jamais
podem deixar de se manifestarem quando uma questão é levada a sua apreciação.
Vallinder (1995, p. 13) considera que a judicialização pode se manifestar claramente
de duas formas, a primeira se refere como um meio de expansão da autoridade dos juízes
em detrimento dos políticos e administradores tradicionais, atingindo, desta forma, a esfera
política, que não seria campo de atuação específica do judiciário. A segunda forma seria a
disseminação dos métodos judiciais e até mesmo da própria linguagem típica do processo
judicial nas esferas políticas de tomadas de decisão, assim, os representantes e
administradores passariam cada vez mais a utilizarem mecanismos anteriormente restritos
ao litígio judicial para resolver questões políticas.
É oportuno fazer uma breve, porém essencial, distinção entre a judicialização tal
como foi definida e outro fenômeno que ocorre quando há o fortalecimento do
protagonismo da autoridade do judiciário, denominado de ativismo judicial. Segundo
Barroso ( 2009, p. 6) este fenômeno não confunde-se e nem é gerado pelas mesmas causas
que a judicialização na medida em que necessariamente exige uma postura proativa do
magistrado, que busca utilizar os métodos do direito não apenas para efetivar direitos
fundamentais, mas também para modificar a realidade, interferindo no processo político.
O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo
proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido
e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um
mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando
ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.
(BARROSO, ibid., p.17)

O ativismo exige uma participação mais intensa do judiciário na efetivação das


normas constitucionais, com o intuito de modificar a realidade e assumir postura de
compromissos estabelecidos pelo constituinte, mas que de alguma forma não foi
41

implementado pelos poderes legislativo e executivo. Assim, ―[...] a ideia de ativismo


judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de
atuação dos outros dois Poderes‖ (Idem, 2010, p. 11).
Silva (2010, p. 5) ressalta ainda que
O ativismo judicial se resume num comportamento cometido pelo poder judicante
ofensivo ao princípio democrático, mas retoricamente preocupado com a
efetividade do princípio da supremacia constitucional, segundo a última e própria
interpretação realizada pelo Poder Judiciário.

Assim, a estrutura constitucional das democracias modernas que estabeleceu o


sistema de revisão judicial e a garantia dos direitos fundamentais, pode engendrar um
ativismo orientado pela vontade política de juízes em quererem efetivar os compromissos
assumidos pelo Constituinte, atuando na efetivação de direitos e
implementação de políticas públicas que, essencialmente, deveriam ser implementadas
pelos poderes representativos.
Para Vilhena (2008, p. 444), uma das principais causas da judicialização da
política nas democracias contemporâneas é o fortalecimento institucional do poder
judiciário como característica comum das extensas constituições e cartas de direitos,
modelo que foi sendo amplamente adotado, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial.
Segundo ele, a demasiada desconfiança dos representantes políticos conjugada com a
adoção de textos constitucionais extensos e dotados de grandes ambições sociais, no
sentido de garantir uma enorme variedade de direitos aos indivíduos, possibilitou que a
atuação dos magistrados fosse ampliada como garantia de não violação desses preceitos
pelos poderes políticos tradicionais. Denominando o fenômeno de expansão do poder
judicial sobre os demais poderes como supremocracia (SILVA, ibid., p. 445), no caso
brasileiro, ele destaca a concentração do poder do Supremo Tribunal Federal como órgão
de cúpula, aliado à ampla adoção dos instrumentos de jurisdição constitucional, sobretudo
relacionado à possibilidade de edição de súmulas vinculantes, fortalecendo, portanto, o
sistema de controle concentrado em detrimento do controle difuso (Idem, p. 456).
Castro (1997, P. 148) salienta que no contexto brasileiro a integração do judiciário
ao processo político, denominado por ele também como politização da justiça, acontece
por meio da atuação dos tribunais, dos partidos políticos e de associações profissionais,
sobretudo aquelas ligadas à agentes públicos. De acordo com Castro (ibid., p. 149 – 150)
há dois níveis de interação entre justiça e política: o nível das ações políticas/informal
(não jurisdicional), que ocorre através de declarações oficiais e não oficiais dos
magistrados, das entrevistas concedidas e artigos publicados; o outro nível é o das ações
42

jurisdicionais, que ocorre através do exercício da autoridade judicial, sobretudo quando


são concedidas liminares em questões sensíveis.
Um dos efeitos que mais chamam atenção quando há excessiva judicialização da
vida pública decorre das consequências sobre a legitimidade do sistema democrático. A
preocupação latente nesse processo é até que ponto a judicialização da política,
paradoxalmente surgida pelas condições democráticas da sociedade, pode afetar o próprio
processo democrático e operar um esvaziamento da política em detrimento de
representantes de toga? É legítimo que decisões políticas fundamentais sejam tomadas
por agentes não eleitos e geralmente provenientes de uma elite econômica e intelectual,
em detrimento da vontade do povo representada no parlamento?
Um exemplo brasileiro emblemático de como o ativismo pode provocar uma
inovação constitucional e, desta forma, alterar significadamente o texto constitucional e
provocar inovações legislativas, atuando como legislador positivo na ordem jurídica, foi
a apreciação do Mandado de Segurança n. 26.603/DF sobre fidelidade partidária, que
viabilizou uma inédita possibilidade de perda do mandato parlamentar (VILHENA, 2008,
p. 454-455). Neste julgado, o referido mandado de segurança foi impetrado pelo Partido
da Social Democracia Brasileira - PSDB, em virtude da Mesa Diretora do Câmara dos
Deputados ter ignorado o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que a cadeira
parlamentar pertenceria ao Partido e não ao representante político, portanto, em caso de
transferência de legenda, o mandatário poderia perder cargo. Em 04 de outurbo de 2017,
no julgamento do referido mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, cujo
relator foi o ministro Celso de Mello, manteve-se o entendimento do Tribunal Superior
Eleitoral que dispõe sobre a perda de mandato em caso de infidelidade partidária. Desta
forma, houve uma inovação legislativa, na medida em que não se configurava esta espécie
de perda do cargo parlamentar no texto constitucional.
Outro caso que obteve bastante repercussão e demonstra a inovação das decisões
do judiciário em relação à garantia de direitos individuais, sendo considerada para Arabi
(2013, p. 22) como uma das decisões mais relevantes dos últimos anos, trata-se do
reconhecimento da união estável de casais homoafetivos, que ocorreu através da Adpf
132, que foi proposta pelo Governador do estado do Rio de Janeiro. No dia 05/05/2011,
o Supremo julgou a ação, que foi relatada pelo Ministro Ayres Britto, cuja decisão foi de
estender o reconhecimento dos direitos civis das uniões homoafetivas, garantindo a
isonomia entre os casais heterossexuais e homossexuais, apesar de tal disposição não
encontrar-se explícita no texto constitucional. Inclusive muita da reação conservadora que
houve, sobretudo nas bancadas religiosas do Congresso, foi devido ao fato de que no art.
226 da Constituição está estabelecido que a união estável ocorre entre ―homem e
43

mulher‖. Tal julgamento é bastante simbólico para demonstrar a possibilidade de


interpretação constitucional criativa baseada em valores e princípios que os magistrados
possuem, visto que não havendo norma impedindo as uniões homoafetivas, mas ao
mesmo tempo tal união não encontrar-se devidamente explícita, através do julgamento de
uma ação direta foi possível o reconhecimento de direitos que antes eram negados aos
casais homoafetivos. Desta forma
Considerando a argumentação adotada pelos ministros razoável para justificar
suas respectivas decisões, o que me importa destacar é que, contrariando o uso
negativo da expressão ativismo‘, a Adpf 132 é um exemplo paradigmático de
ativismo judicial legítimo‘, cuja fundamentação ideal deveria enfrentar um
grande ônus argumentativo por desconsiderar o texto escrito, mas também
deveria tazer à tona considerações morais relativas à democracia. (NIGRO,
2013, p. 160)

No cenário político atual, outra decisão que não obteve grandes repercussões, mas
que reflete nitidamente a ingerência de algumas decisões so Supremo até mesmo em ritos
processuais no legislativo, pode ser encontrado na liminar concedida pelo ministro
Alexandre de Moraes, na análise do Mandado de Segurança nº 35265/2017, que foi
impetrado pelo senador Randolph Rodrigues, solicitando votação aberta no
Plenário sobre a autorização da Casa para aplicação de medidas cautelares contra
o senador Aécio Neves, que encontra-se sob investigação por corrupção. Na decisão, o
relator Moraes concedeu a liminar determinando a votação aberta, declarando que
Dessa forma, exige-se do Poder Legislativo, no exercício de sua função de
fiscalização, seja do chefe do Executivo, seja de seus próprios pares, integral
respeito à transparência, lisura e publicidade nos processos e julgamentos,
adotando-se o voto aberto, para reafirmar-se a efetividade do princípio
republicano da soberania popular – que proclama todo o poder emanar do povo
– e garantindo-se a participação popular nos negócios políticos do Estado
como condição inafastável da perpetuidade da Democracia4.

Na prática, a decisão não afetou diretamente a Presidência do Senado, visto que o


Presidente da Casa legislativa declarou publicamente que a votação seria aberta, porém,
tal fato demonstra o poder exercido pelo Supremo Tribunal Federal em questões políticas
internas e ritos processuais das casas legislativas, que, em tese, deveriam ser solucionados
pelo próprio parlamento.
Teoricamente sabe-se que o conceito da democracia é reservado ao tratamento
igual dos indivíduos e da valorização suprema do princpípio da soberania popular, que se
traduz na regra da maioria no procedimento parlamentar. Em uma visão procedimentalista
da democracia, toda decisão do processo político passa pela esfera parlamentar, onde
através da dialética do debate e da contraposição entre maioria-minoria, chega-se a uma

4
MORAES, Alexandre de. Voto do Ministro Alexandre de Moraes, Relator no MS 35265/2017
impetrada pelo senador Randolph Rodrigues. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MS35265_liminarAM.pdf > Acesso em 03 dez de
2017.
44

decisão equilibrada, um compromisso, como define Kelsen, que possibilite a resolução


de conflitos através de compromissos entre grupos antagônicos. ―Uma rápida
observação da práxis parlamentar já basta para demonstrar que o princípio majoritário se
afirma no sistema parlamentar como um princípio de compromisso, de acomodamento
dos antagonismos políticos (KELSEN, op. cit, p. 70). Se o poder judiciário possui a
função de revisão das decisões tomadas pela maoiria representada no Parlamento,
observa-se uma tensão entre o princpio majoritário e as decisões tomadas por uma Corte
constitucional.

3.1 Judicialização e Democracia

A democracia como forma de organização política consolida-se no pós-guerra em


1945 como o ideal a ser atingido por toda comunidade política garantindo, assim, as
liberdades mínimas dos indivíduos e estabelecendo uma forma política que, pelo menos
no plano formal, garante a igualdade e a liberdade de todos os membros do corpo. Neste
sentido, adota-se neste trabalho o paradigma procedimentalista kelseniano quanto ao
significado da democracia, compreendida enquanto forma de organização da sociedade e
da formação da vontade do Estado, onde as normas são produtos indiretos da soberania
popular através de um parlamento eleito periodicamente pelo sufrágio universal. Assim,
a democracia segundo Kelsen (2000, p. 113) pode ser considerada
como ―[...] a formação da vontade normativa do Estado mediante um órgão colegiado
eleito pelo povo com base no sufrágio universal e igual para todos, isto é,
democraticamente, portanto segundo o princípio de maioria‖.
A partir da década de 70, analistas, os meios jornalísticos e o senso comum passam
a identificar uma crise na democracia representativa no mundo. Mesmo que as pessoas
não neguem substancialmente o valor da democracia e ainda subsista o apoio a dinâmica
democrática eleitoral vivemos em uma época de ―confusão democrática‖, conforme
assinala Sartori (1962), onde a própria definição do termo é controversa e o próprio
sentido da democracia torna-se nebuloso e instável, difícil tanto para a compreensão dos
teóricos. Cientistas políticos começaram a destacar a emergência da crise da democracia
e da representação, a ideia amplamente disseminada é que os mecanismos tradicionais da
democracia representativa liberal são insuficientes para responderem às demandas da
sociedade (MIGUEL, 2003). Tal circunstância é agravada em sociedades que passaram
por longos períodos autoritários e apenas recentemente adotaram um modelo
constitucional democrático, como o Brasil. Além disso, há o descrédito das instituições
políticas, evidenciados pela incapacidade das instituições em concederem amplo espaço
para a participação do cidadão comum e, consequentemente, de refletirem a diversidade
45

de valores, opiniões e interesses da sociedade. Este fenômeno pode ser observado pela
crise nos sistemas partidários, pela abstenção do processo eleitoral e pela desconfiança
da população em relação às instituições políticas.

(MIGUEL, ibid., p. 123).

A hiper-constitucionalização da vida contemporânea, no entanto, é


consequência da desconfiança na democracia e não a sua causa. Porém, uma
vez realizada a opção institucional de ampliação do escopo das constituições
e de reforço do papel do judiciário, como guardião dos compromissos
constitucionais, isto evidentemente contribuirá para o amesquinhamento do
sistema representativo. (VILHENA, 2008, p. 443)

A crescente influência do poder judiciário em amplas esferas da vida política e


social, aliado ao descrédito e ao enfraquecimento das instituições políticas
representativas, parecem justificar uma atuação mais proeminente do judiciário em
diversas questões da vida coletiva, elevando exponencialmente sua posição de autoridade
nas democracias contemporâneas. É necessário procurar no próprio âmbito da esfera
política sob a ótica da crise de legitimidade do Estado, para que se possa compreender ao
aumento da inflação jurisdicional que afeta grande parte da vida pública e privada.

Enfim, esse aumento do poder da justiça esconde dois fenômenos


aparentemente muito diferentes – e até contraditórios – cujos efeitos
convergem e se reforçam: de um lado, o enfraquecimento do Estado, sob
pressão do mercado; e de outro, o desmoronamento simbólico do homem e da
sociedade democráticos. (GARAPON, 2001, p. 26).

Para Garapon (2001), em sua obra O juiz e a democracia: o guardião das


promessas, o crescimento do papel do juiz nas democracias contemporâneas está
fortemente relacionado ao descrédito das instituições políticas, sobretudo da
representação parlamentar. Neste cenário, a vida pública encontra refúgio na esfera da
decisão judicial e não mais nos mecanismos democráticos participativos e nas instituições
políticas tradicionais. O judiciário torna-se o reduto legítimo da resolução de conflitos
sociais, torna-se o responsável pela guarda da moralidade pública dos estados
democráticos, onde não há mais a estrutura de um mundo comum e o sentido das virtudes
republicanas de participação são dirimidos. Segundo Garapon (2001, p. 26), essa
ascensão da justiça na esfera social, produz o efeito que ele denomina de derrubada do
homem democrático e a consequente ascensão dos ―guardiões de promessas‖ expressos
nas figuras de juízes constitucionais. Tal fenômeno é compreendido por ele como não
possui apenas natureza jurídica e conjuntural, mas apresenta-se como fenômeno político
estrutural, onde a judicialização é fato originário da elevação e do apreço social pela
figura do juiz e pelo desprezo da esfera política que leva, consequentemente, ao
enfraquecimento dos princípios básicos da sociedade democrática. Os juízes passam a
46

representar o papel de representantes legítimos na esfera pública, guardiões e defensores


do indivíduo e da comunidade, em sentido mais amplo possível, tornando-se as
autoridades políticas que outrora era representada pelos mandatários eleitos pelo sufrágio
universal. (GARAPON, 2001, p. 27)
Segundo Garapon (Ibid., p. 28), há dois efeitos danosos para as relações sociais e
políticas que tal judicialização pode levar: o primeiro deles é o controle maior do juiz da
vida pública e privada, e o segundo é a penalização das relações, que passam a ser
consideradas apenas sobre o prisma do discurso punitivista, sustentado pelo processo
penal. Sob este segundo aspecto, a sociedade influenciada pelos valores do
individualismo e da concorrência que geram uma corrosão na solidariedade social,
fomentam um processo onde valores coletivos, ideologias e o próprio consenso são
substituídos pela única ideia de fortalecimento do direito penal e do discurso punitivista.
Para o autor, em tal circunstância, a punição jurídica torna-se o processo que conduz a
vida coletiva, há o aumento das reivindicações por penas mais duras e inflexíveis,
substituindo a busca por mecanismos alternativos de reinserção social. Considere-se o
fato também de que a penalização da vida pública conduz consequentemente à
criminalização da vida política, sobretudo em países como o Brasil, onde as instituições
políticas são frágeis e os indivíduos ainda mantêm-se distantes do processo político
ordinário, restringindo a participação ao ato formal do processo eleitoral. Desta forma, a
vida política é transformada em um espetáculo penal, onde as questões que mais
interessam às pessoas referem-se apenas ao julgamento e condenação de políticos que
afastaram-se dos princípios éticos da vida pública (GARAPON, ibid., p. 28), agravando
a fragilidade sobretudo do poder legislativo perante a opinião pública.
No Estado de Direito a lei torna-se um instrumento
efetivo para dar expressões a valores fundamentais, assim, o magistrado da corte
constitucional guia-se a partir de fontes e valorações que ultrapassam os limites estritos
do texto constitucional ao invalidar atos normativos dos demais poderes, ampliando
fortemente os princípios como fundamentos básicos ao proferir suas sentenças
(GARAPON, ibid., p .40). Deve-se ressaltar que princípios constitucionais são por sua
própria natureza bastante generalistas e abstratos, ocasionando a possibilidade de
diferentes formas de compreensão de seu próprio sentido, não cabendo uma interpretação
unívoca de seus significados. O próprio contexto político, histórico e cultural fornece
condições diferentes para a interpretação de princípios políticos fundamentais, como a
liberdade de expressão e de imprensa, por exemplo.

Neste contexto, ao juiz constitucional amplas possibilidades de interferência no


texto constitucional, já que este torna-se o responsável por determinar a palavra final,
47

sobretudo tendo em vista a incompletude e as lacunas do texto constitucional ao


apresentar respostas em conflitos importantes que exigem considerações morais
complexas, como a questão do aborto, a união civil homossexual, a eutanásia, as ações
afirmativas, demarcação de terras indígenas, entre outros temas (BARROSO, 2009, p. 3).
Assim, o papel do juiz é considerado essencialmente como de guarda da consciência
moral da vida social, em todos os seus aspectos, em um contexto onde o sistema político
encontra dificuldades para encontrar soluções adequadas a essas questões. Grandes
questões com profundos relevos sociais e políticos, desta forma, são levadas para o
âmbito da disputa judicial.
Conforme visto no capítulo anterior, reitera-se que a própria ordem constitucional
dos Estados modernos favorece tal ampliação na atuação do juiz, na medida em que esta
supera o modelo garantista do século XIX, que restringia-se apenas a preservar dos
direitos negativos da liberdade e da propriedade. Através de uma postura mais proativa
na transformação da realidade política e social, os magistrados possuem a força
conformar a realidade social, resguardando direitos sociais universais como a saúde e a
educação. (ÁVILA, 2013)
Apesar da imparcialidade do processo jurídico ser considerada um elemento
essencial no Estado de direito, ressalta-se que o juiz, assim como qualquer outro agente
público, nunca atua em um vácuo social ou guia-se apenas por critérios jurídicos
imparciais, suas decisões são fundamentadas de modo a refletir sua própria posição na
sociedade em que atuam. Assim,

O juiz não pode ser alguém ―neutro, porque não existe a neutralidade
ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência do
pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um
juiz. Como bem se tem assinalado, ―nem a imparcialidade nem a
independência pressupõem necessariamente a neutralidade. Os juízes são parte
do sistema de autoridade dentro do Estado e como tais não podem evitar de
serem parte do processo de decisão política. O que importa é saber sobre que
bases são tomadas essas decisões‖. (ZAFFARONI, 1995, p. 92).

Portanto, os princípios legais adotados pelos magistrados, em larga medida,


refletem os sentimentos e valores morais que predominam em seu contexto e suas
experiências sociais. É inevitável que haja influências políticas e juízos de valor nas
decisões jurisprudenciais, mesmo que haja uma tentativa constante de se desconsiderar
este fato. Desta forma, as escolhas judiciais sempre juízos de valor que estão implícitos
ou não na sociedade ou grupo a que os magistrados pertencem, mesmo que o próprio juiz
se esforce para uma atuação consciente buscando imparcialidade no julgamento.

O juiz não deve mais se contentar em aplicas as leis, mas, em certos casos,
deve ainda verificar sua conformidade a um direito superior que esses
princípios encerram. A lei então implore e se fraciona em duas direções
48

opostas: de um lado, os princípios fora de alcance do legislador comum e, de


outro, um direito mais concreto e mais operacional. O juiz atualiza a obra do
constituinte e torna-se um co-legislador permanente (GARAPON, 2001, p.
41).

Além da possibilidade ampla conferida ao magistrado para a interpretação do


texto constitucional, outro fator evidente que fortalece o crescimento da atuação judicial
provém da própria lógica dialética-contraditória da atividade legiferante nas democracias
parlamentares contemporâneas constitui-se de um procedimento marcado por intensas
contradições e disputas entre forças políticas. Levando em consideração que o
procedimento democrático é baseado na competição entre vários grupos de poder, tal
como no conceito de poliarquia de Robert Dahl (1989), onde o parlamento torna-se a
instituição essencial no embate entre as forças políticas da sociedade que concorrem
através dos longos debates, tal modus operandi do sistema democrático possibilita ainda
que a atividade legislativa produza, em muitas ocasiões, uma inflação legislativa, onde
grande parte das vezes o conteúdo normativo não se torna suficiente para atender as
demandas de sociedades complexas.

É preciso ter em vista que o juiz está muito próximo do cidadão, ele é
acessível, e é obrigado a dar resposta a todas as demandas formuladas. Nessa
perspectiva, é muito mais fácil para o cidadão converter o Judiciário no
fórum adequado para exigir a democracia. (LYRA, 2011, p. 56)

Desta forma, a eficácia dos textos parlamentares fica comprometida, ocasionando o


enfraquecimento das leis e o aumento substancial no distanciamento entre representantes
e representados e, consequentemente, fragilizando a união entre a soberania popular e a
legitimidade parlamentar. (GARAPON, op cit., p. 41). Some-se a isso ao fato também
contraditório que muitas vezes o procedimento parlamentar por conveniência política
pode tornar-se inerte ao apresentar soluções para legislativas para complexas demandas
sociais, tornando o processo altamente conflituoso e moroso, favorecendo que grupos
minoritários recorram ao tribunal constitucional para a resolução de arbitragens quando
o parlamento é omisso ou atua prejudicando seus interesses. (VIANNA, 1999, p. 43)
O fortalecimento dos mecanismos jurídicos como instâncias legítimas de
resolução de conflitos políticos, favorece um processo que aumenta não apenas a
judicialização da vida política, mas também uma politização da lógica judiciária.
Enquanto os mecanismos deliberativos elementares do procedimento parlamentar
começam a ser desprezados pelos cidadãos, a instância judiciária começa a ser
considerada como espaço fundamental no desenvolvimento da deliberação política. Tal
fenômeno ainda é agravado em um país como o Brasil pelo fato de ainda apresentar
instituições democráticas recentes, somados ao alto nível de insatisfação e baixo nível
instrucional da sociedade, que a cada dia apresenta maior aversão aos problemas políticos
49

comuns, tais como a corrupção dos agentes públicos, a ampla desigualdade e a falta de
investimento em serviços sociais básicos. Sendo assim, o direito torna-se a referência para
a vida pública e da ação política, onde os conflitos são inteiramente transferidos para a
esfera jurisdicional, ocasionando uma profunda modificação na democracia. ―Tal
progressão da justiça autoriza a transposição de todas as reivindicações e de todos os
problemas perante uma jurisdição em termos jurídicos‖. (GARAPON p. 47) (grifos do
autor)
Em sua tese, a filósofa Maria Luiza Tonelli (2013) afirma que a judicialização da
vida social e a consequente tutela judiciária sobre a vida política leva a um
enfraquecimento do procedimento democrático e do próprio sentido da política. Ela parte
de uma concepção de poder inspirada em Hannah Arendt, definido como ―a capacidade
de agir em concerto‖ (ARENDT, 2009, p. 36), onde a política é vista como um processo
que somente pode ser construído quando é realizado através da ação e da pluralidade de
indivíduos, agindo em concerto. O protagonismo judicial no Estado de direito esvazia a
política e seus procedimentos dialéticos e contraditórios, onde há contraposição de
interesses e argumentos de distintos atores na esfera parlamentar. Diante do cenário de
atuação cada vez mais forte do poder judicial, os cidadãos dão primazia a ideia de que o
sistema político é construído basicamente pela ótica do processo judicial, desvirtuando o
fundamento básico de que a sociedade é construída pela pluralidade, pelo conflito e pela
representação política.

Nesse contexto, a judicialização da política, das relações sociais, e o


esquecimento da política colocam em risco a democracia e as relações
democráticas numa sociedade que vê mais nos juízes, agentes não eleitos,
legítimos representantes políticos do que a classe política propriamente dita
(TONELLI, 2013, p. 15)

É preciso levar em consideração que os contornos de tal cenário ainda é


endossado pela hegemonia do discurso neoliberal, que concede primazia à estrutura do
mercado como esfera da vida que é capaz de satisfazer as necessidades da pessoa, e por
isso, mostra-se como instância superior que a esfera pública, que passa a ser
compreendida como como defasada, autoritária, reservada a uma determinada categoria
de políticos profissionais. A lógica do mercado, a individualização exacerbada, a
competição irrestrita, tornam o cenário propício ao enfraquecimento da política e dos
procedimentos democráticos. A comercialização da vida social e os efeitos da ideologia
neoliberal, fomentaram o contexto onde os cidadãos não conseguem mais compreender a
esfera coletiva, alijam-se cada vez mais na perspectiva do mercado. A figura consumidor
eleva-se e passa a ofuscar a ideia de sujeito cidadão depositário de uma parte da soberania
política. Assim, tal processo leva a um processo que Tonelli (2013, p.38) passa a
50

denominar de desresponsabilização do cidadão, gerando uma insatisfação e até mesmo


desprezo pelo sistema político, onde o engajamento cívico dos cidadãos e o interesse
pelos problemas políticos são transferidos para a esfera judicial.
A judiciliazação, desta forma, contribuiria para o enfraquecimento da essência da
política, na medida em que o judiciário substituiria as esferas legitimas de construção das
decisões políticas fundamentais. O fundamento democrático essencial de que a liberdade
política na vontade do povo, balizada pela regra da maioria e da responsabilidade e
participação popular, torna-se corroída em detrimento da valorização excessiva da vida
privada e do mercado. O poder judiciário ao assumir o protagonismo na resolução dos
conflitos através do processo judicial, pode engendrar detrimento do método político
democrático, causando uma nova forma de relação com a política, muitas vezes reduzindo
o seu significado na consciência coletiva, e conferindo primazia a atuação dos juízes
como o baluarte do desenvolvimento da política.
O que se questiona é o processo de despolitização da democracia e da própria
política quando setores conservadores da sociedade defendem o protagonismo
judicial em detrimento do político, o que contribui menos para
uma cultura dos direito do que para uma ideia de que a democracia se reduz ao
regime da lei e da ordem e não dos conflitos, o que reflete uma visão
conservadora da sociedade (TONELLI, 2013, p. 10).

Cabe ressaltar ainda, que devido a sua complexidade e por ser fenômeno ainda
recente, é possível encontrar posicionamentos discordantes quanto aos agravos causados
pela substituição da política pelo direito na democracia. Desta forma, destaca-se a posição
do Zaffaroni (1995) que adota perspectiva influenciada pelo norte-americano Dworkin,
considerando que mesmo que seja aparente a incompatibilidade entre democracia e o
controle de constitucionalidade, sobretudo devido à origem não-democrática dos
magistrados, o autor afirma que para a compatibilização entre ambos é necessário
observar a estrutura do controle de constitucionalidade de um ângulo que não privilegia
a sua origem, mas que leve em consideração o seu exercício e a sua importância na defesa
da ordem democrática.
Zaffaroni não concebe que a essencialidade democrática esteja demonstrada
apenas pela origem dos agentes públicos, ou seja, através somente da eleição, mas
também afirma que para caracterizar uma instituição como democrática, é necessário que
seja observada a sua função no sistema político e para a estabilidade da democracia. Desta
forma, a legitimidade do judiciário estaria fundada na Constituição, não na seleção de
seus agentes, que devem guiar-se no sentido de buscar o equilíbrio entre os poderes.

Pensamos que a legitimidade democrática não é julgada unicamente pela


origem, senão também, e às vezes fundamentalmente, pela função. Segundo
nosso ponto de vista, o prioritário no judiciárioé sua função democrática, ou
51

seja, sua já mencionada utilidade para a estabilidade e a continuidade


democrática. (ZAFFARONI, ibid., p. 44, grifo nosso)

Tendo em vista isso, é necessário entender a importância do o fortalecimento de


garantias constitucionais, juntamente com o resgate da crença legitimadora na
democracia. Transformar a democracia em um modelo mais republicano e menos
jurídico. A justiça não é a instancia que irá resolver todos os problemas, substituindo a
política, com efeito, o controle de constitucionalidade deve ser considerado em seu
aspecto positivo que deve ser de fortalecimento da cidadania e o recrudescimento do
regime democrático.
52

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto, o crescimento do papel político do poder judiciário é fenômeno que


pode ser considerado como decorrente da própria organização constitucional dos Estados
contemporâneos, caracterizados por fatores como a existência de uma constituição ampla, a
separação dos poderes, constitucionalização de diversos temas da vida social, e também
como uma necessidade encontrada pelo constituinte em garantir a efetividade dos direitos
individuais e liberdades públicas. Assim, o estabelecimento do controle de
constitucionalidade parecer ter se tornado um dos fundamentos básicos de toda organização
democrática.
Não obstante do reconhecimento quase unânime da necessidade do instituto da
revisão judicial enquanto mecanismo fundamental para a defesa da ordem constitucional e
dos direitos fundamentais, o crescimento do fenômeno da judicialização da política torna-se
ao mesmo tempo uma preocupação latente quando são considerados seus efeitos sobre a
democracia e do funcionamento do próprio sistema político. A preocupação quanto a
judiciliazação da política refere-se a possibilidade de que tal fenômeno ultrapasse seus
limites constitucionais e sua ideia fundamental de garantia da constituição, conforme
defendia Kelsen (2007), e transforme-se em puro ativismo engajado pelas convicções e
preferências adotadas por magistrados, que atuando com motivações políticas podem
estabelecer um poder hegemônico sobre a esfera política. A preocupação ainda é maior em
contextos específicos caracterizados pela fragilidade das instituições, onde a democracia é
marcada pela baixa intensidade de apego aos valores democráticos de igualdade e
participação e onde frequentemente na história é possível observar a existência de rupturas
que levaram à caminhos autoritários. Desta forma, tal fragilidade social constituiria um risco
para o incentivo de uma atuação desmedida do poder judicial, deslocando o eixo da
legitimidade da vida pública e da soberania popular para as cortes constitucionais, conforme
entendia Garapon (2001) Não é necessário negar que os membros do poder judiciário
ocupam posições centrais no processo de formação da vontade política do Estado, contudo,
uma atuação demasiada engajada, poderia consistir em um risco ao necessário estado de
equilbrio entre os poderes, e, desta forma, ultrapassar os limites constitucionais da função
de revisão constitucional, o que levaria à corte constitucional a atuar como uma pura e
simples corte política, em detrimento das funções do legislativo e do executivo.
Se a judicialização da política aliada ao enfraquecimento da legitimidade das
instituições representativas e ao desprezo da esfera política dos cidadãos, que passam a
53

se refugiar nos processo privados e nos procedimentos do mercado, a longo prazo, poderia
produzir o efeito reverso de mitigação da participação mais ativa da sociedade na política e
diminuir a própria legitimidade do sistema. Tal estado de coisas propiciaria o
desenvolvimento daquilo que alguns autores denominaram de ―juristocracia, onde a
política só passa a ser compreendida e realizada através de mecanismo jurídicos e a esfera
judicial passa a ser compreendida como único espaço legítimo de integração e resolução de
conflitos. Acontece que pela própria lógica do processo judicial, não é possível estabelecer
um sistema democrático, onde haja construção coletiva de desejos e aspirações através da
deliberação e do confronto de ideias antagônicas em relação aos valores e projetos para a
sociedade, sem levar em consideração uma instância representativa e que permita
amplamente a expressão de forças e desejos. Por mais que a instituição representativa hoje
esteja em discussão quando a suas dificuldades, a democracia representativa ainda é uma
forma racional e possível de se legitimar pela soberania popular o projeto político de um
Estado. Não é razoável que uma corte restrita a alguns membros, seja capaz de definir
prioridades, projetos, perspectivas, em suma, decisões que orientem o futuro da vida pública
de uma nação, sem levar em consideração a complexidade que permeia a vida social e a
heterogeneidade de posições que estão em constante confronto seja em relação à economia,
a religião, ao modelo educacional a ser adotado, enfim, seja em relação aos aspectos que
constroem a vida pública.
No modelo representativo liberal é preciso sempre ter em consideração que os
representantes eleitos e, portanto, que estão sujeitos ao controle periódico das eleições, ao
controle da opinião pública e da pressão de suas bases sociais, são os mais capacitados para
decidirem em nome da coletividade ao implementar programas e criarem normas que
orientem a vida coletiva. Uma corte que por mais bem intencionada que seja, jamais estará
submetida ao crivo da responsabilidade perante a sociedade, não poderia substituir a
essência do procedimento parlamentar. É preciso que os poderes de Estado sejam capazes
de cumprirem sua função constitucional, seja o legislativo criando novas normas e
regulamentos, seja o executivo estabelecendo os meios para executar a vontade legislativa e
os objetivos do Estado e seja o judiciário contribuindo para que a atuação dos poderes
políticos sempre estejam de acordo com a lei maior da vida política, que é a constituição.
Além disso, a correta separação do judiciário das outras formas de poder, mesmo não
negando sua função política, é necessária para a preservação da independência judicial e
da garantia de certos direitos e liberdades de minorias que eventualmente podem ser ameaças
pela operacionalização do princípio majoritário do parlamento.
54

No contexto brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, conforme o art. 102 da


Constituição, funciona como órgão responsável pela guarda da constituição, portanto,
representa uma importante função no processo de equilíbrio entre os poderes. Tal
prerrogativa pode ser considerada importante sobretudo em momentos difíceis onde os
antagonismos entre o Executivo e o Legislativo possam levar a um retrocesso autoritária,
tão comum na história republicana brasileira, o STF ainda pode funcionar como uma Corte
capaz de funcionar como arbitro. A atuação da suprema corte, sobretudo nos últimos anos
da democracia brasileira, vem se tornando central no processo de tomada de decisões
políticas, sobretudo tendo em vista que há uma crise que se alastra preocupantemente sobre
o funcionamento de todos os Poderes da República. A descrença e, não raras vezes, o
desprezo demonstrado por grande parte da sociedade em relação à representação no
Congresso Nacional, ao chefe do executivo e ao funcionamento do próprio Estado, que em
momentos de crise parece evidenciar a sua incapacidade para atuar conforme importantes
valores explícitos e implícitos presentes no pacto constitucional, indica que se há de se
pensar em mudanças ou reformas, deverá ser pensado de uma maneira geral, que ultrapasse
limites de interesses partidários. Além de ser uma crise da formação histórica da política
brasileira, marcada por rupturas e processos de transformação conservadora, é também uma
crise global da democracia representativa (MIGUEL, 2003).
Em uma organização constitucional democrática o interesse público deve ser
construído e decidido no espaço que lhe é proprio: no parlamento, e não nas cortes judiciais
(TONELLI, 2013). A função essencial da corte constitucional é submeter ao escrutínio as
decisões tomadas pelos agentes públicos e averiguar a constitucionalidade das leis aprovadas
pelo parlamento, caso seja provocada por algum agente que tenha sentido seu direito
violado, sobretudo em relação aos direitos fundamentais. Intentar para uma atuação
moderada da corte é objetivo para que a independência e o equilíbrio dos poderes sejam
mantidos, a democracia seja preservada e não tenhamos que caminhar para uma
juristocracia, onde um pequeno grupo seleto de indivíduos, acima de qualquer conhecimento
e valor, deverão decidir o que é justo ou o que é o interesse comum baseado em suas próprias
convicções, possibilitando a formação de um modelo autoritário como foi imaginado na
república platônica, onde os filósofos reis governavam. Considera-se ainda que é bastante
duvidoso o fato de que por mais competente que seja o magistrado constitucional, que ele
poderá oferecer respostas consistentes a todos os desafios interpretativos da constituição,
diante da complexidade dos conflitos sociais e da generalidade de princípios constitucionais.
55

Se é admitido que o poder legislativo encontra diversas falhas, inclusive em relação


à própria legitimidade da representação conforme destaca Miguel (2003), o caminho mais
viável é a busca por meios de fortalecimento das instâncias majoritárias para que estas
fiquem mais próximas da sociedade e sejam consideradas como esferas legítimas para a
representação de interesses antagônicos, pois o parlamento é o espaço fundamental na
construção de compromisso e consenso entre as diversas forças sociais que atuam no
procedimento parlamentar e onde o princípio da soberania popular se manifesta.
Tendo em consideração essa preocupação fundamental para a manutenção de um
Estado livre e equilibrado, segundo a concepção de divisão dos poderes de Montesquieu, é
preciso ressaltar que a função judicial não é propriamente legislativa, apesar de como
indicado a atuação da corte ocasionar em alguns casos inovações legislativas, a justiça
jamais poderá se colocar no lugar da política, e deve ser sempre desenvolvida com o objetivo
de atuar com moderação, respeitando os limiares constitucionais, a fim de que a sociedade
não se enverede por um caminho de desnaturalização da democracia, criminalizando as
relações sociais , penalizando constantemente a vida pública, enfim, levando a um governo
de juízes.
Contudo, se é certo que críticas podem ser feitas contra a atuação política e o ativismo
demasiado de juízes, também é certo que esse argumento não é capaz de justificar a
ilegitimidade deste instituto. Considerar que em determinados contextos a judicialização da
política possa levar ao desfiguramento da ideia e da prática democrática não significa aviltar
a importância da atuação do Poder Judiciário na garantia de direitos individuais e da ordem
constitucional, ou seja, como um contrapoder em relação à vontade da maioria expressa no
parlamento. Ignorar a importância constitucional da competência judicial para a salvaguarda
de direitos fundamentais dos cidadãos levaria a um desprezo pelo sistema erigido pela CF
de 88, que por mais que não seja efetivamente realizada em sua totalidade, pode ser
considerado como uma constituição progressista e elevada.
O controle de constitucionalidade não pode ser desprezado somente pela crítica feita
ao funcionamento da atuação politizada do judiciário. Sabe-se que a melhor maneira de
garantir o equilíbrio entre poderes é garantindo a sua não concentração, desta forma, quanto
mais pulverizado, maiores as chances de se conterem os abusos. Somente com a atuação
ordenada, o diálogo institucional constante, a preservação de competência e a valorização
das instituições pela sociedade é possível se construir uma democracia forte, rígida, marcada
pela igualdade, pela liberdade e pela soberania popular. Por outro lado, é também urgente
que cada poder haja com equilíbrio e distanciando-se de possíveis alastramentos de sua
função constitucional.
56

Toda análise deve levar em consideração o fato de que o poder nunca deve estar
restrito apenas à alguns, uma parcela da sociedade que se assemelha a uma aristocracia,
mesmo que esta seja togada. As críticas devem ser para considerar cada vez mais a
necessidade do pluralismo político, do adequado funcionamento dos poderes
constitucionais, para que a política seja realizada de forma democrática. Contudo, também
não é possível ignorar que uma atuação extremamente politizada, eivada de partidarismos e
relações obscuras, além de afetar os princípios democráticos, pode levar ao descrédito fatal
do judiciário. Tal estado de coisas levaria ao próprio enfraquecimento do sistema
constitucional e de sua legitimidade.
O poder do judiciário de ser o intérprete da constituição, não deve inovar, ou
modificar constantemente na esfera normativa que compete ao legislador. Sua atuação deve
ser orientada pela defesa dos valores democráticos e da defesa da ordem constitucional e
dos direitos individuais.
Os parlamentares enquanto depositários direto do mandato conferido pelo povo que
são os responsáveis pela legislação e pela criação de normas gerais e abstratas e o
fortalecimento das instâncias majoritárias, sem, contudo, levar a um entendimento de sua
supremacia, é a oportunidade de garantir ao acesso da sociedade aos espaços públicos e
garantir a isonomia e o poder de autodeterminação dos indivíduos no processo de formação
da ordem social.
57

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