Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fundamentos de Tática
MI Alexandru Segal
Conforme contato com o renomado mestre, que nos autorizou a publicação na íntegra de
sua excelente obra, decidimos então levar ao amigo enxadrista um pouco de seu vasto
conhecimento sobre tática, que veio a consagrá-lo nacional e internacionalmente. Segal tem
uma grande afinidade com essa difícil arte que é o mundo mágico das combinações e suas
partidas são exemplos constantes da melhor maneira de explorá-las.
A obra possui 15 capítulos, 66 páginas e foi publicada no ano de 1982, pela editora
Columbia.
http://www.clubedexadrezonline.com.br/artigo.asp?doc=6526
Nota: Alexandru Sorin Segal nasceu na Romênia em 4/10/1947 e faleceu no Brasil, país
que adotou a naturalidade, em 6/1/2015, aos 67 anos.
2
Prefácio
A tática constitui, sem dúvida, um dos mais importantes elementos do xadrez. Sua aplicação
causa, além de um resultado concreto e objetivo, uma impressão harmoniosa, onde todos os
componentes participam de uma verdadeira “revolução” em determinado instante da partida.
No seu desenvolvimento se aprecia, geralmente, o xadrez como verdadeira obra de arte.
Quais os fatores pertinentes à tática? Como, quando e por que ela existe? Qual sua relação
com a estratégia? Como aplicar os elementos táticos e como reconhecê-los?
Para essas perguntas acreditamos ter encontrado respostas satisfatórias aos estudantes do
xadrez. Baseados na experiência própria e em diversos exemplos extraídos do cotidiano
enxadrístico, temos a certeza de podermos prestar aos leitores um cabedal de informações
que propiciará um aprendizado correto.
3
Capítulo I – Definições
O objetivo final que um enxadrista persegue quando joga uma partida é dar mate ao rei
adversário. Este objetivo é claro e preciso, por isso não é de estranhar que a primeira
tendência de qualquer jogador principiante é de decorar algumas ciladas elementares, com a
ajuda das quais (e também com a contribuição do adversário) pode dar mate em poucos
lances.
No tempo da juventude do xadrez moderno (séculos XVI e XVII) os mestres Paolo Boi,
Gioachino Greco (italianos) e Ruy Lopez (espanhol) eram jogadores impetuosos de ataque,
seguindo sempre em suas partidas um caminho rápido para mate. Os poucos livros de
xadrez que existiam eram cheios sobretudo de ciladas de aberturas, mas sobre o jogo
posicional não se sabia quase nada.
Evidentemente que dar mate ao rei adversário todos sabem, mas o caminho para atingir este
objetivo não é fácil de ser encontrado. Na época do xadrez moderno se procurava ataque
direto ao rei adversário, indiferente da posição. Essa concepção de jogo se manteve por
muito tempo pois as partidas jogadas permitiam combinações com espetaculares sacrifícios.
Partindo dessa constatação, Steinitz sublinhou que o objetivo final da partida – o mate – não
pode ser alcançado de uma só vez. Os ataques rápidos no começo do jogo são possíveis
somente como consequência de erros do oponente, mas frente a uma defesa correta eles
são inadequados.
Em decorrência disso, antes de alcançar o objetivo final – o xeque-mate – têm que ser
criadas as bases necessárias para que o ataque tenha sucesso e estas bases só podem ser
adquiridas através de planos estratégicos elaborados com apreciação objetiva da posição.
Essa ideia de acumulação de pequenas vantagens posicionais para decidir partidas, seja
através de uma vantagem posicional decisiva ou da criação das condições necessárias para
um ataque vitorioso, constitui a base da estrutura moderna do xadrez.
Estabelecer um plano adequado em uma partida, é muito importante, mas apenas isso não
resolve o problema. É necessário que este plano seja posto em prática, traduzido em lances.
Parece que isso é muito fácil, no momento em que se estabelece um plano: colocar o cavalo
numa casa central por exemplo. Mas nesse ponto começam a se complicar as coisas, pois o
adversário prevê a nossa ideia e tenta impedi-la. Ele possui o seu próprio plano e quer
realizá-lo. Cada uma das partes vai tentar impor o seu plano e ao mesmo dificultar o do
oponente.
4
Dessa maneira nasce a luta tática que mostra claramente a capacidade de cada jogador de
transformar as ideias em lances que contribuam o melhor possível à realização do plano
proposto. Aqui entra em jogo a habilidade do enxadrista de combinar e calcular uma série de
lances (variantes). Devem-se analisar com profundidade os movimentos subsequentes e as
consequências decorrentes de uma jogada.
Podemos estabelecer que no xadrez a estratégia consta da elaboração dos planos de menor
ou maior envergadura baseados na apreciação objetiva da posição. A tática significa um
modo de alcançar esses planos. Daqui resulta logicamente que a estratégia é abstrata e a
tática concreta.
Devemos notar que o equilíbrio entre estratégia e tática nunca é estável. Depende da
capacidade e preferências de cada jogador e da realidade objetiva do tabuleiro. Há
indivíduos que gostam mais do caminho estratégico e outros que se baseiam quase que
exclusivamente nos golpes táticos.
O fato de que os golpes táticos têm sequências imediatas fazem com que a tática apresente
uma importância maior que a estratégia.
Por isso todos os grandes jogadores da história do xadrez, independentemente do seu nível,
do ponto de vista estratégico, sempre foram excelentes táticos.
5
Capítulo II – Partida Modelo
Como exemplo prático apresentamos uma partida "clássica" que reflete a luta estratégica e
tática em todas as fases e que representa após mais de quarenta anos, um modelo
maravilhoso.
1. e4 e5
2. Cf3 Cc6
3. Bb5 a6
4. Ba4 Cf6
5. O-O Be7
6. De2 b5
7. Bb3 d6
8. a4 ...
Atualmente esta variante (de abertura) é pouco encontrada em torneios magistrais. Na época
era considerada como a melhor variante especialmente porque Fine havia conseguido
expressivas vitórias com essa linha. A intenção das brancas é criar algumas dificuldades de
desenvolvimento para as pretas em ligação com o ataque sobre o b7.
Esse plano estratégico estaria correto se as pretas fossem obrigadas a defender o peão, mas
como vamos ver, esse plano pode ser combatido de forma tática.
8. ... Bg4
9. c3 O-O
10. a4xb5 a6xb5
11. Txa8 Dxa8
12. Dxb5 ...
As brancas decidem respeitar seu plano e tomam o peão. Baseado na experiência desta
partida a teoria recomenda o plano mais tranquilo com 12.d3.
A ideia tática das pretas começa a se definir. Elas liberam a diagonal a8-h1, obtendo com
tempo contrajogo com ataque sobre e4. A principal variante que Keres teria que calcular seria
13.Da5 Dxe4 14.Dxa7 Bxf3 15.gxf3 Dxb1 16.Dxc7 Dg6+ 17.Rh1 Dd3! 18.Rg1 Ch5 19.Dxe7
Cf4! e as pretas ganham por causa da ameaça de Dg6+ seguido de mate, e se 20. Dg5 Ch3+
6
ganham, seguido de Ce2+ ou Dg1++. (Se Dh4) ... Dxf3.
A fase de abertura terminou com sucesso para as pretas que conseguiram primeiro
desenvolver suas peças e obterão agora por causa de uma ameaça tática, o
enfraquecimento da posição dos peões brancos. Por exemplo: as brancas não podem
defender satisfatoriamente Bxf3 com 15.Bd1 pois nesse caso seguiria 15...Cc5! e a
penetração do cavalo na casa d3 seria desvantajosa para as brancas.
15. d4 Bxf3
16. gxf3 Cg5
Agora a partida entra numa nova fase, a posição nesse momento é favorável às pretas que
mantêm a vantagem de desenvolvimento e têm uma estrutura de peões algo melhor. A única
compensação das brancas consta no par de bispos, mas a iniciativa está com as pretas que
utilizam para seu plano estratégico inicial: procurar enfraquecer ainda mais a estrutura de
peões das brancas impedindo ao mesmo tempo a abertura da posição (nesse caso o par de
bispos se tornaria perigoso) e assegurar para seus cavalos casas bem defendidas no centro
(princípio posicional de Steinitz). As pretas se baseiam também no fato que não seria bom
para seu adversário a troca 17.Bxg5, pois nesse caso desapareceria completamente
qualquer contra chance das brancas e mesmo com bispos de cores opostas guardariam
boas especialmente por causa da fraqueza dos peões na ala do rei das brancas.
Atacando o peão isolado de d4 as pretas forçam seu avanço, liberando a casa c5 para um
dos seus cavalos.
20. d5 Cc5
21. Cc3 Cc8
O segundo cavalo se prepara para entrar no jogo via b6 exercendo pressão sobre o peão
fraco de d5.
Uma imprecisão tática, as pretas desejam instalar o seu bispo em f6 sem permitir a resposta
Ce4, mas o lance da partida enfraquece a casa e6 dando boas contra chances às brancas.
Keres poderia aumentar sua vantagem posicional da seguinte maneira 23...Tb4; 24.Bb5 Ca7
25.Bc6 Cxc6 26.dxc6 Tc4 e o peão branco deveria cair.
7
24. Cb5 Cb6
25. b3 Cxd5
Esta continuação é praticamente forçada para as pretas porque senão as brancas jogariam
Cd4 com jogo excelente. A tentativa tática 25...c6? seria refutada com 26.dxc6 d5 27.c7! Tc8
28.b4 com bom jogo.
Desta vez as brancas erram decisivamente de maneira tática, jogando 27.Cxf5 Bf6 28.Bf4
elas obteriam boas chances de defesa. Essa continuação aponta outro defeito do lance
preto 26...f5 especialmente a fraqueza em si do próprio peão.
Keres começa com esta jogada uma bonita continuação, sacrificando a qualidade para obter
dois peões passados e unidos na ala da dama. A sequência que segue é praticamente
forçada.
Novamente um golpe tático, embora o bispo esteja atacado duas vezes ele de fato não pode
ser capturado, pois se 32.Cxe7 Cf4+ 33.Rf1 Cxe2 e ganham. E se 32.Txe7 b2 33.Cc3 Rxe7 e
a posição é facilmente ganha para as pretas.
32. Td2 b2
33. Td1 c5?!
Seguindo sua ideia de unir os peões as pretas realizam um lance natural, mas não o melhor.
A continuação do jogo tático preciso seria 33...Cc1 34.Cc3 Bb4 35.Cb1 Bc5 e a futura
entrada do rei combinada com o avanço do peão de c7 decidiria rapidamente a partida.
34. Tb1 c4
35. Rf1 Bc5
36. Re2 Bxf2!
37. Ce3 c3!
8
Este lance é fundamental para a combinação.
Evidentemente que se as pretas fossem forçadas a jogar
37...Bxe3 sua vantagem desapareceria e assim não
obteriam mais que empate. Se as brancas jogam 38.Rxd3
Bxe3 39.Rxc3 Bc1 e o final se ganha por causa da maioria
de peões na ala do rei.
Após uma série de lances muito finos, de novo as pretas cometem uma imprecisão. A jogada
natural 39...Bh4 colocaria as brancas em "zugzwang", pois após o único lance possível
40.Rd1 a resposta Cxf3 decide rapidamente. Agora as brancas têm de novo chances de
defesa.
As brancas não tinham tempo de jogar 42.h3 por causa da manobra Bc5-g1 que seria
ganhadora.
Mais fácil seria 43...Bf4 44.Txh7 Rf7 45.Th1 Bd2 mas também a continuação escolhida é
suficiente para a vitória.
50. fxg4 f4
51. g5 Bd4
52. Td1 Be3!
53. Rxc3 Bc1
54. Td6+ ...
9
Se 54.Rc2 Rxg5 e o avanço do peão de f4 é decisivo.
As brancas abandonam.
Não se poderia fazer mais nada contra o avanço combinado dos dois peões. Por exemplo:
58.Tg8+ Rf2 59.Tb8 Re1 60.Rc2 f2 61.Te8+ Rf1 62.Tf8 Re2 63.Te8+ Rf3 64.Tf8+ Bf4 e
ganham.
Lances 1 - 16: Fase de Abertura. Com um golpe tático engenhoso as pretas obtêm vantagem
posicional e iniciativa.
Lances 16 - 27: Fase de Meio Jogo. As duas partes manobram seguindo objetivos
estratégicos diferentes. As brancas tentam obter o desenvolvimento e também uma posição
harmoniosa de peças (as pretas tentam impedir isso e enfraquecer mais ainda a estrutura de
peões brancos, o que elas conseguem) e colocar seus cavalos nas fortes casas centrais. As
pretas também desejam pressionar o peão de b2 branco trazendo o bispo para f6. Na
realização dessa última ideia cometem uma imprecisão que dá muitas chances para as
brancas.
Lances 27 - 31: Um erro de cálculo das brancas permite às pretas resolver taticamente o
problema da concretização de sua vantagem. Após a combinação efetuada chega-se a um
final que necessita de uma nova apreciação estratégica.
Lances 32 - 57: Fase decisiva. A apreciação estratégica da posição após a combinação das
pretas mostra uma vantagem decisiva. A realização dessa vantagem pode ser feita somente
após um jogo tático muito bom com pequenas combinações características. Teremos que
ressaltar que as ligeiras imprecisões das pretas nesta fase da partida somente vieram
prolongar a luta, sem dar, em momento algum, chances reais de salvação para as brancas.
10
Capítulo III – O que é uma combinação?
A maioria dos trabalhos que se ocupam com o aspecto tático do xadrez, são consagrados a
combinação, que, sem dúvida, constitui o elemento mais importante da tática e ao mesmo
tempo o mais interessante. Somente nos últimos tempos foram abordados outros aspectos
da tática fazendo-se uma diferença sobre a combinação propriamente dita e a manobra
tática.
A resposta a essa pergunta não é muito simples de ser dada, pois vários grandes jogadores
e analistas do xadrez estudando esse problema chegaram a conclusões parecidas, porém
não idênticas, sobre o tema. Resumiremos algumas delas.
Em seu trabalho “Manual de Xadrez”, Manuel Lasker, campeão mundial entre 1894 e 1921,
aborda este tema explicando que “em certas posições existam certos lances, chamados
forçantes, que criam ameaças inesperadas e fortes como por exemplo: ameaças de mate, de
tomada de peça ou coroação de um peão. O objetivo desses lances é trocar todos os valores
naturais. Para contra-atacar esses lances forçantes o adversário tem à disposição lances de
defesa igualmente forçantes. Deste jeito o ataque, o contra-ataque e a defesa formam uma
sequência, as vezes simples, as vezes mais complexa, chamada variante. Quando essas
sequências se ramificam, por exemplo quando existem dois ou mais meios de defesa se
pode falar em cadeias de variantes”. Depois dessa definição de variante, Lasker passa a
definir combinação da seguinte maneira: “se um grupo de variantes contém em si o
resultado concreto que merece atenção, então a totalidade dessas variantes se chama
combinação”.
Uma opinião não tão “catedrática” mas eloquente citou o conhecido grande mestre
Tartakower que com seu habitual humor definiu a combinação como “uma faísca divina que
encontra-se fora do jogo de xadrez e que, de fato, despreza aqueles princípios sobre tempo,
espaço, material e lógica que gostariam de conduzir o jogo exclusivamente...” (publicado em
Berlim, 1928, no livro “Schachmethodik”).
Podemos perceber que o elemento estético é também um fator importante nas combinações.
11
A maioria das combinações, se caracterizam por um elemento que lhes é comum, isto é, o
sacrifício. Sacrifício representa o rompimento temporário do equilíbrio quantitativo com o
objetivo de obter vantagem material e posicional ou uma definição imediata da partida (mate,
xeque perpétuo, afogado, etc.)
A manobra tática significa exatamente este caso onde temos um objetivo claro realizado
através de lances forçados, mas onde não se produz o sacrifício. Essa manobre tática se
encontra frequentemente na terminologia enxadrística sobre o nome de sequência forçada.
Resumindo podemos dizer que combinação é um elemento principal da tática na qual a parte
ativa obtém uma vantagem objetiva, com a ajuda de uma série de lances forçados (com ou
sem sacrifícios) que na totalidade possui uma impressão estética.
O primeiro exemplo apresenta a clássica combinação efetuada por Botvinnik em sua partida
contra Capablanca no torneio internacional de Amsterdã em 1938 e o segundo exemplo vem
a ser uma manobra forçada numa partida disputada entre Capablanca e Yates. Nos dois
exemplos temos um objetivo claro, porém falta ao segundo o sacrifício.
12
Capítulo IV – Análise das fases de uma combinação
Estas etapas resumem o processo de pensamento efetuado por um jogador que faz uma
combinação. Durante uma partida é claro que estas etapas se sobrepõem, e o esforço recai
especialmente sobre os dois últimos tópicos (cálculo e apreciação). Os bons jogadores
táticos conseguem, devido ao talento e experiência, perceber quase instintivamente, a
presença das combinações em diversas posições, especialmente se elas decorrem
logicamente do desenvolvimento normal do plano estratégico.
Já no segundo grupo temos combinações muito mais difusas. O nome “ao acaso” não tem
nem de longe a intenção de diminuí-las, pois estas combinações podem aparecer em
qualquer momento devido às infinitas opções táticas que contém o xadrez. Na base de uma
partida qualquer descuido, qualquer erro, qualquer cálculo descuidado ou superficial das
variantes podem dar chance ao adversário de realizar um golpe tático inesperado.
1.d4 Cf6 2.c4 d6 3.Cc3 e5 4.Cf3 Cbd7 5.g3 g6 6.Bg2 Bg7 7.0–0 0–0 8.b3 Te8 9.e4 exd4
10.Cxd4 Cc5 11.Te1 a5 12.Bb2 a4 13.Tc1 c6 14.Ba1 axb3 15.axb3 Db6 a fase de abertura
terminou já com algum sucesso para as negras na realização do seu plano. Ao preço de uma
13
só fraqueza (d6) suas peças ocupam posições favoráveis exercendo pressão sobre as casas
pretas, especialmente d4. A coluna a está em seu poder e o peão de b3 das brancas é fraco.
Para obter contrajogo as brancas teriam que conseguir o avanço f4, porém isso é irrealizável.
Na continuação as pretas aumentarão a pressão exercida pelo bispo de g7 16.h3 Cfd7
17.Tb1 Cf8 18.Rh2 h5! o começo de um plano de ataque muito original. As pretas obtiveram
uma melhor posição de peças do ponto de vista de seu plano estratégico. O objetivo desse
corajoso avanço é criar uma nova fraqueza na ala do rei branca, obtendo desta maneira,
eventuais possibilidades de concretizar sua vantagem posicional através do caminho tático
19.Te2 h4 20.Td2 parece que as brancas têm defendidas todas suas fraquezas. Mas como
acontece frequentemente em posições nas quais a pressão posicional de uma das partes
atingiu uma grande intensidade, é exatamente agora que aparece a possibilidade de as
pretas efetuarem uma combinação bastante bonita. Esta combinação é consequência lógica
do jogo posicional das pretas que criou as premissas para a existência dessa combinação:
as forças das brancas estão mobilizadas na defesa das fraquezas na ala da dama e no
centro ao tempo que as peças pretas estão colocadas de tal modo que podem começar uma
ação combinada nas quais serão usadas todas as vantagens posicionais e o golpe principal
será desferido na ala do rei 20...Txa1!! as pretas calcularam uma série de variantes que as
leva à vitória mesmo contra a melhor defesa das brancas. Essas variantes se baseiam na
seguinte ideia combinativa: as pretas "viram" que depois de uma série de lances forçados a
dama preta penetra em f2 com mate decisivo. Portanto, o tema dessa combinação é o
ataque de mate contra a posição enfraquecida do roque das brancas 21.Txa1 Bxd4 22.Txd4
Cxb3 23.Txd6 Dxf2 este é o lance sutil em que se baseia toda a combinação das pretas.
Agora as brancas não podem jogar 24.Dxb3 por causa da bonita variante 24...hxg3+ 25.Rh1
Bxh3 26.Tg1 Bxg2+ 27.Txg2 Df1+ 28.Tg1 Dh3++. Por isso as brancas não têm outra defesa
a não ser a que tentaram na partida 24.Ta2 Dxg3+ 25.Rh1 Dxc3 a combinação das pretas
terminou, elas obtiveram duas peças por
torre e guardaram o ataque decisivo, que de fato ganhou a partida em alguns lances 26.Ta3
(seria incorreto 26.Td3 por causa de 26...Dc1) 26...Bxh3 27.Txb3 Bxg2+ 28.Rxg2 Dxc4
29.Td4 De6 agora a posição das brancas desmorona em dois lances porque seu rei está
exposto em demasia 30.Txb7 Ta8 31.De2 h3+ e as brancas abandonaram.
14
Não há defesa para o mate no próximo lance e percebe-se a razão do sacrifício do bispo em
e8, pois se o cavalo preto estivesse em f6 poderia agora dar um xeque salvador ao rei
branco. Nota-se também, porque o lance 1...Bg2 foi um erro, pois abriu às brancas a
possibilidade de dar o xeque em h8, além de obstruir a casa de xeque da torre preta na
coluna g. Uma combinação original e elegante que tem como tema a expulsão das peças
defensoras, que será estudado num próximo capítulo.
15
Capítulo V - Divisão das combinações em 10 tipos
Por cravada se define uma situação em que uma peça não pode se movimentar porque, ao
fazê-lo, abre linhas de ação de uma peça própria, criando, dessa maneira, uma
desvantagem. Na prática encontramos a cravada sob duas formas:
Portanto, podemos resumir que a cravada, diminui a liberdade de uma peça em grande grau
(quando relativa) ou completamente (quando absoluta).
Por isso, a possibilidade de uma cravada constitui, muitas vezes, a premissa de uma
combinação possível.
16
Neste exemplo, com seu último lance Tfe8 as pretas
cravaram de maneira absoluta a dama e parece que
obrigam as brancas a abandonar em seguida, mas a
combinação existe! 1.Bxf7+ Rxf7 2.Tf1+ Rg8 3.Tf8+ Txf8
4.Dg7++.
As brancas conseguiram se descravar, através de dois
sacrifícios, utilizando também, o tema de desvio que
examinaremos no XIII capítulo.
17
Capítulo VI – Combinações baseadas nas peças sobrecarregadas
Exemplos práticos:
18
Podemos afirmar que este tipo de combinação se encontra num número
surpreendentemente grande, tanto na prática magistral como em torneios de categorias
inferiores sendo, por isso, de vital importância a sua compreensão. Muitas vezes,
encontramos juntamente com esse tema outros elementos táticos, especialmente xeque-
descoberto, xeque duplo e cravada.
19
Capítulo VII – Combinações baseadas na interferência das linhas de ação do
adversário
Este tipo de combinação é muito usado no xadrez artístico (de composição), onde
encontramos os mais bonitos exemplos, mas aparece muitas vezes também no jogo prático.
Na sua forma mais elegante a combinação constitui-se em sacrificar uma peça numa
determinada casa onde convergem duas linhas de ação de peças adversárias distintas.
Qualquer uma dessas peças, tomando a peça sacrificada, interrompe a linha de ação de
defesa sobre outro ponto do tabuleiro.
20
1.De6!! e as pretas abandonaram, pois indiferentemente de que peça seja tomada a dama o
mate é inevitável, por exemplo: se Txe6 ou Cxe6 seguiria 2. Chg6+ Rg8 3.Th8++ e se Bxe6
então 2.Cf5+ Rg8 3.Ce7+ Rf8 4.C7g6+ Re8 5.Th8+ Bg8 6.Txg8++.
21
Capítulo VIII – Combinações baseadas no ataque duplo e xeque descoberto
O ataque duplo é uma arma tática utilizada várias vezes, tanto isolada quanto elemento
componente de combinações mais complexas. Podemos afirmar que o ataque duplo
representa a forma mais comum de elementos táticos na partida de xadrez. Não existem,
quase, partidas - desde as de principiantes e até as de grandes mestres - onde não
encontramos pelo menos uma ameaça de xeque-duplo. A forma mais simples do ataque
duplo é o assim chamado “garfo”, isto é, quando um peão ataca simultaneamente duas
peças. Quem não sofreu em suas partidas um garfo?
Outro ataque-duplo muito comum é o xeque atacando ao mesmo tempo outra peça,
normalmente de valor superior. Nesse sentido o xeque de cavalo é sempre o mais perigoso
pela sua mobilidade e elasticidade.
Sem dúvida, as outras peças (dama, torre e bispo) podem também ser a causa de ataques
duplos e xeques duplos. Até o rei pode vir a dar xeque duplo, mas neste caso é também
chamado de xeque-descoberto. Por exemplo na seguinte posição: brancas – Rg3 e Tg1;
pretas - Rg7, Be7 e Ce3. As brancas jogam 1.Rf2+ e ganham uma peça.
22
pois seu rei teria que escravizar-se no encalço do peão passado preto. No presente exemplo
as brancas devem ter cuidado e não permitir às pretas a formação do dito peão passado:
4.g4! e4+ (outros lances tampouco salvam) 5.fxe4 fxg4 6.hxg4 h4, as pretas conseguiram seu
peão passado mas agora as brancas têm dois peões que ganham sem ser necessário a
ajuda do rei: 7.Re3 Rc5 8.a4 Rb4 9.e5 Rc5 10.a5 e ganham.
O “moinho”, que vimos neste último exemplo, representa uma poderosa arma quando se
consegue obtê-lo, pois produz grandes prejuízos materiais normalmente “limpando” toda uma
ala.
23
Capítulo IX – Combinações baseadas na abertura de linhas e diagonais
Este exemplo reflete de maneira simples e concisa o tema de liberação de casas. Assistimos
em apenas quatro lances uma dupla liberação vertical-horizontal para chegar-se ao efeito
desejado, no caso o mate.
Como o leitor pode perceber, este capítulo não é outra coisa senão o inverso do capítulo VII,
onde foi estudado a interferência das linhas de ação do adversário. Entretanto, do ponto de
vista prático, encontramos muito mais exemplos de liberação de casa do que de
interferência, sendo que este último tema é geralmente mais encontrado em finais artísticos.
Foi jogado: 1.Df6+ Rg8 2.Dg7+! (a dama sacrifica-se para abrir a coluna) 2...Txg7 3.Cf6+
Rh8 4.hxg7+ duplo, 4...Rxg7 5.Th7++.
24
1.Bxe5!! fxe5 (se 1...Tb6 2.Txg7+ Rxg7 3.Dc7+ Tf7 4.Tg1+
Rh8 5.Dxf7, com mate indefensável) 2.Txg7+! as pretas
abandonaram.
25
Capítulo X – Combinações baseadas na fraqueza da última linha
Provavelmente não existe jogador que não perdeu sequer uma vez uma partida por causa da
fraqueza na última linha. A falta de uma “janelinha” por onde o rei pode sair em caso de um
xeque inesperado na última fileira se mostra inúmeras vezes fatal.
1.Dg4! Db5 (esta é a única casa onde a dama preta pode colocar-se sem deixar a defesa da
torre de e8. É claro que não se pode jogar 1...Dxg4 por causa de 2.Txe8+ seguido de mate)
2.Dc4! Dd7 (de novo a dama branca não pode ser tomada por causa do mate) 3.Dc7! Db5 (a
dama branca continua sendo um “tabu” pela mesma ameaça) 4.a4! (atrai a dama para a casa
a4 para poder sofrer novo ataque. Nota-se que se as brancas jogassem 4.Dxb7?, as pretas
ganhariam por causa da fraqueza da oitava linha com 4...Dxe2! 5.Txe2 Tc1+ 6.Ce1 Txe1+
7.Txe1 Txe1++. A falta da “janelinha” daria o ganho às pretas) 4...Dxa4 5.Te4!! (a chave da
combinação! Agora, além da dama branca atacada em c7, também a torre de e4 está
atacada duas vezes, mas ela também é um “tabu”, pois se 5...Dxe4 6.Txe4 e as pretas
perdem a dama por uma torre em virtude de não poderem retomar a dama branca por causa
do mate. E se 5...Txe4 6.Dxc8+ seguido de mate) 5...Bb4 6.Dxb7! agora as brancas ganham
porque a dama preta não possui nenhuma casa na diagonal a4-f8 e percebe-se a diferença
do comentário relativo ao lance 4, pois a torre branca estando em e4, ao invés de e2, tira o
lance salvador Dxe1 das pretas.
26
O exemplo é de uma partida de Alekhine jogada em uma
simultânea. Embora como se sabe o tempo de reflexão
numa simultânea ser curto, com sua percepção tática, o
ex-campeão mundial descobriu rapidamente o caminho
da vitória explorando o rei preto em h8 sem “janelinha”.
1.Tc8! (o peão em d7 serve às brancas como ponto de
sustento para a penetração da torre na oitava, apesar da
casa c8 parecer estar suficientemente controlada pelas
pretas) 1...Txc8 (se 1... Dxd7 2.Df8+ seguido de mate)
2.De7!! e as pretas abandonaram porque se 2...Dxe7
3.dxc8D+ e mate no próximo lance, e se 2...Tg8 3.d8D e
as brancas ganham, pois possuem duas damas contra
torre e dama.
27
Encerramos nosso capítulo mostrando um exemplo, a
nosso ver espetacular, de uma combinação complexa que
tem como objetivo explorar a fraqueza da oitava linha.
Gheorghiu com as brancas, jogando esta partida na final
do Campeonato Mundial Juvenil de 1961, arrematou sua
vantagem posicional da seguinte maneira: 1.Txd6!
(desvia um dos defensores do quadro c8 e coloca a dama
numa casa desfavorável) 1...Dxd6 2.Cxf7+! Txf7 3.Te8+
Df8 as pretas são obrigadas a entregar a dama pois se
3...Tf8 seguiria a chave da combinação 4.Dd2!! e a dama
preta não pode defender-se juntamente com a torre de f8
e o peão de h6. Agora, as brancas têm notória vantagem
material que concretizaram em apenas mais seis movimentos: 4.Txf8+ Txf8 5.Dd2 Rg8
6.Dd4 Tf7 7.Bxc8 Txc8 8.Dxc5 Tcf8 9. Bd4 e as pretas abandonaram.
28
Capítulo XI – Combinações baseadas em “zugzwang”
Isso explica porque o “zug” é utilizado com muita habilidade pelos compositores de finais
artísticos nos quais a sua imaginação fecunda cria, muitas vezes, posições maravilhosas
onde a obrigação de jogar chega a ser uma calamidade!
O “zug” é um elemento tático que deve ser considerado mormente em finais simples de reis e
peões (veja exemplo 1) e em geral nas posições de poucas peças.
29
Capítulo XII - Combinações baseadas no bloqueio ou liberação de uma casa
Este tipo de combinação, estritamente ligado ao tema de mate, apresenta na maioria das
vezes, os bloqueios de casas tendo como objetivo obrigar o adversário a trazer uma de suas
peças para um quadro que impeça a fuga do próprio rei frente às ameaças de mate.
Como outros tipos de combinação, também estes se encontram tanto em bonitas realizações
de compositores como na prática.
30
Outro exemplo - que desta vez surgiu na prática - apesar de
ser fácil a solução (mate em dois lances), mostra
perfeitamente o conceito ora estudado. Se as brancas
jogassem Cb6+, as pretas teriam uma única casa de fuga
em "c7". Portanto, a solução é 1.Dc7+ Cxc7 (bloqueando a
única casa de fuga) 2.Cb6++.
31
Capítulo XIII – Combinações baseadas na eliminação e expulsão de peças do
adversário
Nada pode ser mais natural que o desejo de qualquer atacante de eliminar ou expulsar as
peças do adversário que estão no caminho da realização de suas intenções.
Para atingir este objetivo são utilizadas na prática enxadrística inúmeras combinações,
numerosas ciladas contendo uma gama muito larga de idéias. Na verdade encontramos
desde a tomada imediata da peça defensora até a expulsão ou desvio através dos meios
mais sutis.
32
excedente. Sem dúvida uma boa partida de Vera Menchik, a melhor jogadora de antes da
segunda guerra mundial.
33
Capítulo XIV – Combinações baseadas no bloqueio e captura de peças
Além do tema de mate, o ganho de material é assunto habitual no mundo das combinações.
Qualquer combinação, começando com a mais simples cravada e terminando com as forças
mais complexas pode ter como objetivo apenas o ganho de um peão. Normalmente, as
várias combinações estão ligadas a ideia de ganho de material. Às vezes, este tema aparece
de modo independente, mas mesmo assim, utiliza-se para sua realização elementos básicos
(ataque duplo, desvio de peça defensora, etc).
Nosso capítulo trata de uma forma especial, o ganho de material, normalmente naqueles
casos em que a captura de peça do adversário é precedida de uma combinação típica de
imobilização ou bloqueio da mesma.
Este final artístico composto pelo problemista russo Guliaev, em 1940, apresenta uma
posição final maravilhosa onde os peões brancos conseguem manter prisioneira uma dama!
34
Este último tipo apresentado encerra os 10 tópicos que formam a base dos elementos táticos
que se encontram na prática enxadrística e que estão encaixados em todas as combinações,
sejam elas simples ou complexas.
35
Capítulo XV – Chegamos ao fim do nosso curso
Seu objetivo foi apresentar rapidamente os dez tipos de combinações elementares para que
os amadores do xadrez tenham uma sistematização básica da tática do jogo.
Nossa visão não é, sem dúvida, a mais completa possível. Para objetivos práticos evitamos
uma divisão demasiada dos tipos de combinações porque isso leva a um fracionamento
muito grande do material, dificultando sua sistematização. Uma classificação mais simples é
também mais fácil de ser absorvida, e, em consequência, mais útil do ponto de vista prático.
36
Capítulo VII - Interferências de linhas:
37
Capítulo X - Fraqueza da última linha:
Capítulo XI - "Zugzwang":
38
Capítulo XII - Eliminação ou expulsão de peças adversárias:
39
Soluções
1.Cxf3! exf3 2.Dg7+!! Txg7 3.Te8+ Tg8 4.Txg8+ Rxg8 5.gxh4+- 1-0
1...Df1! 2.Cxf1 Txg2+ 3.Rh1 Txf2+ 4.Rg1 Tg2+ 5.Rh1 Txc2+ 6.Rg1 Cf3+ 7.Rh1 Cg5+ 8.Rg1
Cxh3# 0-1
1...Tf2!! 2.Bxf4 [2.Rxf2 Ch3#; 2.Txf2 Te1+ 3.Tf1 Ch3#] 2...Tg2+ 3.Rh1 Txg3+ 4.Tf3 Bxf3# 0-1
40
Diagrama 53 - Exercício 11, Lowizky - Tartakower, 1937
1...Db6+ 2.Rh1 Db5 3.Rg1 Dc5+ 4.Rh1 Dc4 5.Rg1 Dd4+ 6.Rh1 De4! 7.Dc1 Dd3 8.Rg1 Dd4+
9.Rh1 Dd2! 10.Dg1 [10.Dxd2 Tf1#; 10.h4 Dxc1+] 10...Dxg5+- 0-1
1.Tc8! a5 2.Tc7!! Bd8 3.Tc5+ Rxe4 4.Txc4+ Td4 5.Txd4+ Rf5 6.Txd8+- 1-0
1...Rg7!! 2.De7 [2.De2 hxg3 3.Dg2 Dxg2+ 4.Rxg2 gxh2 5.Bxh2 Ce3+ 6.Rf3 Cc2+-] 2...Cf2+!
3.Bxf2 Df1+ 4.Bg1 Df3# 0-1
1.Cf6+! gxf6 2.Dh3 Tfe8 ou qualquer outro lance - seguido de mate 3.Dh8# 1-0
1.Ca4 Dd8 2.Cb6 Dxb6 [2...axb6 3.Dxa8±] 3.Ba5 Dxa5+ 4.Dxa5+- 1-0
1.Th7+ Re6 [1...Rg6 2.Th6+ Rxh6 3.Bf6=] 2.Th1 Cc3+ 3.Ra6!! Cb1 4.Te1+ Rf7 5.Bd6! a1D
6.Te7+ Rg6 7.Te6+ Rf5 8.Te5+ Rf6 9.Txa5= Dc3 10.Be5+ Dxe5 11.Txe5= ½-½
41