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HUMBERTO DE ALENCAR CASTELLO BRANCO

DISCURSOS
1967

SECRETARIA DE IMPRENSA
DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
JSsíe volume inclui os discursos proferidos pelo Presidente
Humberto de Alencar Castello Branco, no período de 2 de janeiro
a 15 de março de 1967.
SUMARIO
Págs.
1. FORÇAS ARMADAS l
Agradecimento aos cumprimentos de oficiais generais, no Palácio
das Laranjeiras 3

2. NACIONALISMO 5
Na cerimônia do lançamento do Atlas Nacional Brasileiro pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 7
Saudação ao Governador Laudo Natel, no Palácio dos Campos
Elísios 8

3. POLÍTICA HABITACIONAL 9
Entrega de títulos de posse pelo Instituto Nacional de Desenvol-
vimento Agrícola, em Natal 11

4. EDUCAÇÃO E CULTURA 13
Na solenidade da instalação do Conselho Federal de Educação,
no MEC 15

5. POLÍTICA NACIONAL 21
Ao receber o título de «Cidadão Goiano», no Palácio das Es-
meraldas 23

6. ENERGIA ELÉTRICA 25
Ao inaugurar-se, na Usina de Paulo Afonso, a sétima unidade
geradora, instalada pela CHESF 27

7. RODOVIA 31
Ao agradecer, na Cidade de Petrolina, homenagens após a inaugu-
ração da rodovia Feira de Santana—Juazeiro 33

IX
8. SAÜDE 35
Na inauguração do Hospital Distrital do Gama, em Brasília 37
Durante a visita à sede da Prefeitura do Distrito Federal (Brasília) 39

9. GRUPO DE TRANSPORTE ESPECIAL 41


Agradecimento ao Grupo de Transporte Especial, do Ministério
da Aeronáutica, em Brasília •13

10. RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS 45


Agradecimento ao Corpo Diplomático no banquete com que
homenageou o Presidente Castello Branco, no Copacabana Palace
Hotel 47

11. SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO 51


Aula inaugural na Escola Superior de Guerra 53
No Palácio do Planalto, perante os Ministros de Estado, então
pela última vez reunidos 70

12. DEMOCRACIA 87
Na solenidade de Transmissão da Faixa Presidencial ao Marechal 1. FORÇAS ARMADAS
Costa e Silva , 89
AGRADECIMENTO AOS CUMPRIMENTOS DE
OFICIAIS GENERAIS, NO PALÁCIO DAS LARAN-
JEIRAS, EM 2 DE JANEIRO DE 1967. (*)

Essa manifestação representa uma compreensão, uma garantia


para conduta do Governo, e não uma solidariedade, pois esta
quase sempre leva os chefes a uma política pessoal indesejável, que
não constrói e não compensa. Por isso, sempre tenho afirmado que
ao poder militar cabe exclusivamente a garantia do País, do Poder
Nacional.
Essa manifestação, que recebo desvanecido, chega no exato
momento em que o Executivo e o Congresso estão reunidos em
um trabalho de alta relevância para o Brasil, isto é, preparando
uma nova Constituição para o País.
O primeiro objetivo da nova Carta Magna é o de promover
o bem-estar do povo brasileiro, de maneira duradoura e efetiva,
assegurando tranqüilidade e progresso, paz social e interna.
O segundo é o de permitir ao Executivo conduzir com segu-
rança a administração pública e a política nacional em harmonia
com os demais Poderes. Não se trata de amordaçar a minoria, mas
dar a esta uma colaboração nas advertências e na defesa das leis.
Finalmente, o terceiro objetivo é o de garantir a completa
defesa das instituições. Pondero que somente os incautos não vêem
os fins que os extremismos perseguem obstinadamente. Ninguém
ignora o que várias centrais totalitárias pretenderam e ainda
pretendem fazer no Brasil — e nisto basta recordar-se a reunião
chamada de Tricontinental. Não é possível fazer-se a defesa
das instituições com uma autoridade diluída.
(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.
Os objetivos da nova Constituição assim expostos, e depois
de consagrados pelo Congresso, é que deverão ser garantidos pelas
Forças Armadas.
Desejo a cada um dos oficiais generais um feliz Ano Novo,
num sistema de plena eficiência e de integração das Forças
Armadas.

2. NACIONALISMO
CERIMÔNIA DO LANÇAMENTO DO ATLAS
NACIONAL BRASILEIRO PELO INSTITUTO BRA-
SILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, EM
7 DE JANEIRO DE 1967. (*)

O discurso do General Senna Campos deixa evidenciada a


eficiência do IBGE. Este não é apenas uma repartição, mas também
um centro de pensamento e de realizações. Seu trabalho de infor-
mação e esclarecimento é obra verdadeiramente nacionalista, pois
proporciona aos brasileiros a consciência do que é seu País, do
ponto de vista geográfico.
Hoje, pela manhã, a bordo do avião, li um trecho de declarações
do Ministro do Planejamento, Sr. Roberto Campos, em que este
não definia e nem conceituava o nacionalismo, mas citava exemplo
de uma época de deturpações, exatamente quando mais se falava
em nacionalismo e durante a qual, paradoxalmente, mais se pediu
no exterior transigência e tolerância em matéria de auxílio para
o Brasil. Àquele nacionalismo pernicioso se contrapõe o verdadeiro
nacionalismo, racional, que o IBGE pratica, levando ao povo bra-
sileiro a consciência e até mesmo o orgulho da realidade do Brasil
e oferecendo ao estrangeiro o conhecimento da situação atual do
País.
Sou reconhecido ao General Senna Campos e aos demais
presentes, pela visita e pela oferta do exemplar do Atlas. Apresento
cumprimentos ao dirigente do IBGE e aos funcionários do órgão,
pela eficiência com que se vêm conduzindo. Se a atual administração
federal apresenta resultados positivos, um destes é o trabalho levado
a efeito pelo IBGE.
(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.
SAUDAÇÃO AO GOVERNADOR LAUDO NATBL,
NO PALÁCIO DOS CAMPOS ELISIOS. EM 25 DE
JANEIRO DE 1967. (•)

Vim hoje à cidade de São Paulo para inaugurar algumas


realizações, a convite do Sr. Prefeito Faria Lima. Participei, com
alma de brasileiro, do regozijo da cidade, após vários melhoramentos
terem sido entregues ao uso público.
No mesmo momento, recebi com emoção o título de «Cidadão
Paulistano». Já expressei o meu reconhecimento. Mais tarde,
deverei comparecer a uma grande solenidade religiosa e cívica, que
também comemorará os 413 anos da cidade e na qual é iniciada
uma campanha, segundo o convite do Doutor Edmundo Monteiro. 3. POLÍTICA HABITACIONAL
Mas também vim com o objetivo bem nítido, bem marcado, de
visitar o Senhor Governador Laudo Natel. Consiste esta visita em
trazer ao Governador do Estado de São Paulo as minhas saudações,
que saem dos meus melhores sentimentos de homem público. O meu
reconhecimento pela ajuda que deu ao Governo Federal, conser-
vando São Paulo em ordem e devotado aos grandes afazeres da
sua economia. O Governo Laudo Natel tocou em todos os pro-
blemas do Estado, bem difíceis, à época em que assumiu; dominou-os
e vai entregar, dentro de poucos dias, o Estado, como se diz em
linguagem muito simples, em ordem e em dia. O Presidente da
República tem, pois, o grande prazer e a honra de saudá-lo e de
agradecer-lhe.
Antes de encerrar esta solenidade, apresentamos os nossos
cumprimentos ao futuro Governador Abreu Sodré, pelo que ele vai
receber, desejando que o novo Governador leve São Paulo pelos
caminhos que tanto merece o povo deste grande Estado.
(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráfícas.

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ENTREGA DE TÍTULOS DE POSSE PELO INSTI-
TUTO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO AGRÍ-
COLA, EM 19 DE FEVEREIRO DE 1967. NA CIDADE
DE NATAL.

A minha visita à cidade de Natal está plenamente justificada.


Desembarcando, fui inaugurar um conjunto de casas do Banco
Nacional da Habitação e visitei obras e construções das casas a
serem vendidas pelo Estado com a participação daquele Banco.
Vi, ali, o emprego judicioso do dinheiro do Banco e também o
estímulo à propriedade particular, à propriedade de uma casa para
um habitante da cidade morar. Mais uma vez se constata que o
planejamento está sendo executado com muita honestidade. Depois,
me dirigi à Universidade do Rio Grande do Norte, onde se inau-
gurou o conjunto da Faculdade de Medicina. E lá o Magnífico
Reitor acentuou o quanto o Governo Federal tem entregue à sua
Universidade, por intermédio do Orçamento da República, e que
o dinheiro tem sido aplicado honesta e racionalmente. Tudo isto
foi feito sem fotografias, sem injunções políticas, no cumprimento
do planejamento governamental de execução do orçamento corres-
pondente. Agora, coloco-me, aqui, numa reunião singular, no des-
dobramento da Reforma Agrária, com a entrega de títulos rurais
de propriedade. É obra de uma geração que tem que ser efetivada,
passo a passo, de administração a administração, trazendo para o
Brasil o desenvolvimento agrícola e, conseqüentemente, dos demais
setores da economia nacional. O INDA aqui tem trabalhado com
objetividade correspondente à confiança que a alta administração
da Reforma Agrária atribui a esse órgão. Aqui, o nosso reconhe-
cimento que convive com nossas preocupações pela efetivação da
Reforma Agrária. Vimos reações as mais disparatadas, as mais
inconsistentes, vindas, umas, de elementos reacionários, dizendo
que era ainda muito cedo para o Brasil empreender uma reforma

11
agrária, que a propriedade não estava completamente definida e
que não poderia sofrer nenhum impacto no Brasil. E há, também,
reações de conservadores, dos elementos das classes produtoras,
dizendo que a bandeira da reforma agrária nunca poderia ser des-
fraldada pela Revolução, pois tinha sido a bandeira principal da-
queles que desejavam levar o Brasil à desordem e à dissociação.
E isso tomou um vulto que fez no começo quase periclitar a fase
inicial dos estudos e do planejamento das ações que deveriam nos
conduzir à apresentação de um programa ao Congresso. Mas o
Governo reagiu.
E se os elementos anteriores, que detinham o poder, des-
fraldaram tal bandeira, fizeram-no com oportunidade, embora
submetendo-a a critérios políticos inadmissíveis, e considerando-a
bandeira para a consumação de suas finalidades políticas comple-
tamente dissociadas do Brasil. Recordo tais circunstâncias para
lembrar aos senhores o quanto é difícil empreender reformas
no País. O conservantismo, idéias pessoais, injunções, grupos,
idéias por alguns iniciadas, mas que devem ser evoluídas e que
todos sabem que devem ser realizadas, mas em favor das quais
não abrem mão de preconceitos, para uma evolução. O Brasil 4. EDUCAÇÃO E CULTURA
atual tem desbravado o caminho das reformas. Tem vencido
vários obstáculos. E podemos dizer que tivemos, por outro
lado, a compreensão da maioria dos brasileiros e mesmo a
adesão e a colaboração daqueles que no início se colocaram
numa atitude nada feliz. E mais ainda, o Governo elaborou
honestamente um projeto de Reforma Agrária, que trazia na
sua parte mais alta a reforma da Constituição. E o levou ao
Congresso Nacional. O Congresso o discutiu. A Câmara e o Se-
nado . E essa reforma, debatida, vasculhada em todos os pormenores,
foi finalmente aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo
Poder Executivo. E hoje está em plena marcha de realização. É
ela para muitos anos. Mas nos poucos anos em que está sendo
realizada, os resultados já avultam e dão ânimo para que marchemos
resolutamente no cumprimento das outras fases.

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SOLENIDADE DA INSTALAÇÃO DO CONSELHO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, EM 27 DE FEVEREIRO
DE 1967. NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E
CULTURA, NO RIO DE JANEIRO.

É-me grato e sumamente honroso presidir a instalação do


Conselho Federal de Cultura. Após a árdua tarefa de atender ao
campo da educação, alcança agora o Governo a tranqüila área da
cultura, certamente tão importante quanto aquela, da qual repre-
senta, através do esforço, aspirações e ideais de gerações, o
quanto se sedimenta na vida intelectual do País.
Daí se poder talvez argüir que devêramos ter chegado há
mais tempo à região agora atingida. Ocorre, porém, que, natu-
ralmente obrigado a atender com prioridade aos imperativos
problemas estudantis com que se deparou a Revolução de 1964,
teve o Governo de voltar toda a sua atenção ao trabalho de
reformular e estruturar a educação, então profundamente desviada
dos seus objetivos básicos. Por isso mesmo, ao instalar, em 1965,
a Primeira Conferência Nacional de Educação, deixei bem nítido
que, entre as numerosas tarefas da administração pública, «nenhu-
ma delas excede em importância ao que se precisa fazer no campo
educacional». Foi assim com a plena consciência desse primado
que, embora a braços com múltiplos e difíceis problemas, devota-
mo-nos com vigor e decisão ao trabalho de disciplinar, melhorar
e ampliar os sistemas educacionais. E, considerado o que se já
logrou, bem podemos afirmar não haverem sido perdidos o tempo
e as energias consumidas, como bem o devem atestar a juventude
estudiosa e os que por ela são responsáveis.
Preocupado em proporcionar à mocidade brasileira os meios
mais adequados e eficientes à sua formação, teve o Governo não

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somente de investir consideráveis somas no aperfeiçoamento do Educação a treinar, a partir de 1964, mais de cem mil operários
ensino, mas, acima de tudo, modificar o ambiente de continuada semiqualificados, qualificados e mestres, num esforço sem pre-
agitação, incompatível com a tranqüilidade inseparável de qualquer cedente na vida brasileira.
sistema educacional, que se não destine à subversão e à inefi- Devíamos, porém, crescer sem prejuízo da qualidade de ensino
ciência. Não que pretendamos impor à mocidade um afastamento e, sempre que possível, com ponderável melhoria. Condição que
dos problemas nacionais, que ela deve sentir e conhecer. Tanto na realidade não tem permitido, nos cursos superiores, ampliar as
assim que, ao falar na Universidade do Ceará, externei o pensa- vagas na proporção que deverá ser alcançada. Contudo, para
mento do Governo sobre matéria tão delicada e controvertida: incentivar o corpo docente, votou-se o Estatuto do Magistério,
«Não se contesta aos moços das escolas superiores, que se adestram ao mesmo tempo em que os Centros de Treinamento Avançado
para assumir, em breve, postos de atuação e orientação, o direito, tentam aumentar e qualificar convenientemente os quadros de
e, mais do que o direito, o dever de tomarem conhecimento dos docentes universitários e pesquisadores.
problemas nacionais. É mesmo recomendável que a mocidade
sinta e viva esses problemas no momento em que se apresentam e A par disso, buscamos utilizar a educação como instrumento
desenvolvem. É uma tomada de consciência que há de ser feita do processo de democratização de oportunidades. O que tem sido
pelos moços no campo da aprendizagem e nos termos adequados atingido não apenas com a ampliação das matrículas do curso
à sua condição de cidadãos em fase de formação». médio em estabelecimentos oficiais, mas também mediante vigo-
roso sistema de bolsas. Bastará dizer que o Programa Especial
Decorridos quase três anos é fácil constatar-se o progresso
de Bolsas de Estudo, havendo atendido, em 1966, 24 mil alunos,
realizado: sem prejuízo da liberdade de alunos e professores e,
deverá, no ano em curso, triplicar esse número. E não deixarei
portanto, do bom e frutuoso diálogo que devem entreter no íntimo
de lembrar aqui os benefícios que trará aos estudantes de todos
convívio das aulas, caminhamos a passos largos para um fecundo
os níveis a instalação, pela COLTED, nos próximos seis meses, de
período em que o debate seja fonte de maiores conhecimentos e
cerca de 7.500 bibliotecas de níveis primário e médio, além de 530
não o pretexto para objetivos alheios aos interesses estudantis.
para o ensino superior em todos os seus matizes.
Não foi, porém, suave o caminho percorrido. Inicialmente,
Extremamente eficaz tem sido a ação do Governo no sentido
a fim de planificar com segurança, houve que aprofundar o
de amparar e estimular os que se revelam em condições de adqui-
conhecimento do sistema de ensino e as efetivas necessidades do
rir maiores conhecimentos. Assim, a CAPES, que distribuíra, em
País. E somente vencida essa fase tornou-se possível perseguir
1963, 281 bolsas, já em 1966 ampliou esse número para 1.368.
os objetivos primordiais da ação governamental no campo da edu-
Igualmente profícuo tem sido o amparo à pesquisa e ao trabalho
cação. O primeiro deles é a expansão do atendimento escolar, a
científico, como ressalta do fato de o Conselho Nacional de Pes-
ser alcançado especialmente nos setores de maior influência sobre
quisa, que, em 1964, distribuíra 607 bolsas, haver podido, em 1966,
o desenvolvimento. Logramos assim uma expansão bem orien-
elevar esse número para l. 162.
tada, em vez de a termos de modo desordenado e empírico. E
prova disso são os resultados obtidos e em breve divulgados. Acredito serem índices significativos da acurada atenção do
Mostram eles que as matrículas cresceram particularmente em Governo para a educação naquilo que tem de essencial e que é,
relação ao ensino agrícola, veterinário, industrial e normal. sem dúvida, permitir a todos os brasileiros, sem distinção de
Deixamos, pois, de andar às cegas, para ingressarmos num período qualquer ordem, adquirir, na medida da sua vocação e capacidade,
adequado aos reclamos do desenvolvimento nacional. Desenvol- conhecimentos que lhe permitam melhores condições de vida e
vimento que levou o Programa Intensivo do Ministério da melhor remuneração para o seu trabalho. Objetivo que não deve

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ser perturbado, inclusive por aqueles que, pretendendo imprimir nas suas linhas mestras, um plano nacional. Daí o empenho
finalidades ideológicas à educação, têm tentado, em meio às amplas que tivemos, dentro de nossas possibilidades, de constituí-lo com
liberdades asseguradas pela nossa ordem jurídica, acenar infrutife- figuras altamente representativas da cultura brasileira, nos quatro
ramente com o fantasma de imaginário terror cultural. setores em que atuará o novo Conselho: o das Letras, o das
Não estaria, porém, concluída a obra da Revolução no Artes, o das Ciências Humanas e o do Patrimônio Histórico e
campo intelectual se, após trabalhos tão profícuos em benefício Artístico. Ao mesmo tempo em que procuramos atender às
da educação, deixasse de se voltar com igual vigor para os pro- raízes regionais, que deverão dar ao Conselho as amplas perspecti-
blemas da cultura nacional. Representada pelo que através do vas que lhe permitirão divisar do Amazonas às fronteiras meri-
tempo se vai sedimentando nas Bibliotecas, nos Monumentos, nos dionais .
Museus, no Teatro, no Cinema e nas várias Instituições Culturais, Para obra desse porte era indispensável existirem adequadas
é ela, naturalmente, nesse binômio educação e cultura, a parte mais dotações. Foi o que se fez, 'atribuindo ao Conselho parte dos
tranqüila e menos reivindicante. Poderia dizer que é a parte dos recursos previstos pelo artigo 92 da Lei de Diretrizes e Bases,
cabelos brancos, e talvez por isso já segura do que fez e do que e que se destinarão ao Plano Nacional de Cultura.
fará pelo Brasil. Cumpre, porém, dar-lhe, principalmente, condi-
Estou bem certo de que a instalação deste Conselho, pelos
ções de preservação e, portanto, de sobrevivência e evolução.
objetivos que o norteiam, pelos meios de que dispõe e também
Não constitui novidade a situação difícil em que existem nossas pela expressão dos seus componentes, representa auspicioso aconte-
principais instituições de cultura, inclusive aquelas mantidas pelo cimento para a vida intelectual do Brasil. Cabe-lhe atender, de
Governo. modo permanente, ordenado e eficaz, àquelas aspirações culturais
até agora cuidadas apenas esporadicamente, e por isso mesmo
Urgia, pois, assisti-las e ampará-las, não isoladamente, mas no
freqüentemente ignoradas pelo poder público. Realmente, graças
contexto de um largo plano de envergadura nacional. Realmente,
ao ato que tenho aqui a honra de presidir, a cultura nacional
graças ao contato direto que procurei manter com todas as regiões
ganha novo horizonte e encontra motivos para confiar no futuro,
do País, pude bem perceber que o problema, se era grave nos
que será certamente mais promissor do que o passado. E as
grandes centros, ainda mais angustiante se apresentava nos
numerosas instituições culturais que por todo o País, pelas vicissi-
pequenos centros, mais carentes de recursos, mas nem por isso
tudes enfrentadas e vencidas, são eloqüente testemunho da aspi-
menos desejosos de preservar e manter os marcos culturais da
ração nacional nesse campo da inteligência, encontrarão daqui por
comunidade. E o poder público federal, a União, faltaria a um
diante o arrimo que há muito reclamam. Será esse, portanto, mais
dos seus deveres fundamentais caso não se dispusesse a agir com
um serviço prestado pelo ilustre Ministro Professor Moniz de
presteza e eficiência em defesa de imensos patrimônios dispersos
Aragão, cuja atuação e iniciativas o colocam entre os beneméritos
por todo o território nacional, cada qual com o seu cunho peculiar
da educação e da cultura.
de beleza, de história, ou de tradição, e de cuja soma emerge,
necessariamente, a própria vida da inteligência brasileira. Ao declarar instalado o Conselho Federal da Cultura, desejo
congratular-me com os seus ilustres componentes pelo muito que
Assim, para suprir a grave lacuna existente, julgou o Governo irão realizar em favor da cultura dos brasileiros.
que, a exemplo do Conselho Federal de Educação, tão forte no
seu espírito federativo, também um Conselho Federal da Cultura
deveria atender às peculiaridades regionais sem prejuízo de ser
o órgão governamental destinado a defender, estimular e coordenar,

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5. POLÍTICA NACIONAL
AO RECEBER O TITULO DE «CIDADÃO
GOIANO», NO PALÁCIO DAS ESMERALDAS, EM
GOIÂNIA, EM 2 DE MARÇO DE 1967. (*)

No fundo dos discursos proferidos, encontra-se, além de gene-


rosas palavras, de julgamentos magnânimos, a associação do Presi-
dente da República aos destinos do Estado de Goiás.
E se esta foi a diretriz do Governo em relação a Goiás, ela
se deveu ao fato de ser este Estado uma unidade da Federação e,
muito mais, por ter o Brasil, dentro dele, o seu próprio destino.
Não esqueço os dias duros dos fins do ano de 1964. Foi
decretada a intervenção federal no Estado de Goiás. O Governo
Federal fez a proposição ao Congresso, a fim de que este Estado
não fosse desmembrado da integridade política nacional.
Não se tratou de um ato exclusivo do Poder Executivo, pois,
depois da chegada da proposição ao Congresso, a intervenção
passou a ser um mandato dado ao Governo pelo Legislativo.
Os goianos não se devem esquecer de que, naquela ocasião,
houve uma verdadeira linha divisória: de um lado, a Revolução e
seus devotados revolucionários, e de outro os contra-revolucio-
nários querendo liquidar uma revolução que não tinha ainda nem
um ano de operosidade. E a intervenção em Goiás, a situação do
seu povo, o comportamento de suas classes políticas, determinaram
a existência daquela linha divisória.
Assim vêem bem os senhores deputados e o sr. governador
como Goiás teve, nos fins de 1964, sua influência decisiva nos
rumos da Revolução.

(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.

23
No pleito de 3 de outubro de 1965, no qual o atual governador
e seus companheiros se empenharam, frente a frente com contra-
revolucionários, saiu vitoriosa, antes de qualquer entidade, a
Revolução de 31 de março. E ninguém formulou ou denunciou
qualquer participação indecorosa ou ilegal do Governo Federal
neste pleito.
Da verdadeira incorporação da Revolução de 31 de março aos
destinos de Goiás é prova a eleição da maioria de seus represen-
tantes no Congresso Nacional, pela ARENA, bem como a eleição
da esmagadora maioria da Assembléia Legislativa.
Meus Senhores, o diploma que recebo é então o registro dessa
minha associação e a recordação que levo para a minha aposenta-
doria depois do dia 15 de março. Ele pode significar, também, a
ínterpenetração do Governo Federal com a administração do
Estado.
Agora, como irmão dos habitantes do Estado de Goiás, sinto-
me também associado à sorte da Revolução nesta unidade federa-
tiva, onde ela está tão bem garantida.
6. ENERGIA ELÉTRICA
AO INAUGURAR-SE, NA USINA DE PAULO
AFONSO, EM <) DE MARÇO DE 1967, A SÉTIMA
UNIDADE GERADORA Al INSTALADA PELA COM-
PANHIA HIDRELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO.

Desejo externar meu especial regozijo ao presidir, hoje, a


inauguração da sétima unidade geradora da Usina de Paulo
Afonso e verificar que, nos próximos meses, as unidades oito e
nove entrarão também em funcionamento. Posso, portanto, de-
clarar que, ainda este ano, contará o Nordeste com o dobro da
potência instalada que encontrei ao assumir o Governo.
Ainda mais, estão iniciadas as obras que dobrarão, nova-
mente, a capacidade desta maravilhosa Usina, assegurando o
suprimento de energia elétrica a toda a região nordestina até o
fim do próximo decênio.
Não preciso estender-me sobre a significação de tal fato
para o futuro do Nordeste, nem é necessário repetir a influência
da energia elétrica no processo de seu desenvolvimento econômico.
É oportuno, porém, ressaltar que, nos meios nordestinos, onde
moureja uma população densa, ordeira, resignada e trabalhadora,
a energia elétrica se reveste de um significado ainda maior. Nesta
região, populosa e sofrida, não raro os reclamos pela presença
da energia elétrica assumem o porte e a intensidade de um deses-
perado anseio pelo atendimento de um direito de todos a condições
mínimas toleráveis de vida.
A inauguração também hoje de mais uma linha de transmissão
da CHESF, que ora atinge com seus benefícios a cidade de
Senhor do Bonfim, possibilitando a exploração de uma promissora
mina de cobre, bem comprova o que antes afirmei e os propósitos
que sempre estiveram presentes no atual Governo, de conduzir a
bom termo uma política integrada de energia elétrica-. ,• • -

27
Com a Revolução, vem se desenvolvendo, em termos seme- Neste ensejo, aqui nas margens do grande rio São Francisco,
lhantes, uma política coordenada de eletrificação. Obras se destaco a atuação da CHESF que, estendendo suas linhas de
concluíram e estão em andamento nas diversas regiões. Obras se transmissão por mais de 7.500 quilômetros, leva os benefícios
programaram para a seqüência dos anos. da eletricidade, gerada na Cachoeira de Paulo Afonso, a 560
No Nordeste, onde atua com tanto êxito a Companhia Hidre- localidades, incluindo-se entre estas as sete capitais dos Estados
létrica do São Francisco, com esta inauguração e as imediatamente nordestinos. Na pessoa do Senhor Apolônio Sales, o Governo
subseqüentes, criou-se um estado de segurança a serviço da capa- Federal expressa os melhores louvores e reconhecimento.
cidade empreendedora dos homens de empresa, estabelecendo-se, Mais de sete milhões de brasileiros estão agora sendo servidos
pela primeira vez, um «superávit» considerável de energia, o que pela energia de Paulo Afonso e já antevejo este benefício se
é imperativo na arrancada de trabalho e ressurgimento que ora estendendo a todos os recantos da região em soerguimento.
movimenta a região.
Tal política foi lançada em alicerces duradouros, pois a nova Graças ao potencial da Cachoeira de Paulo Afonso e às
duplicação da capacidade da Usina de Paulo Afonso, que acabo demais soluções hidráulicas em perspectiva no São Francisco,
de iniciar, já possui as bases financeiras asseguradas. Para tanto, deveras enormes, não faltará, estou certo, o concurso da eletricidade
a Companhia, com as devidas garantias do Tesouro Nacional, em abundância para as mais ousadas iniciativas dos homens do
já dispõe do necessário e vultoso financiamento do Banco Intera- Nordeste.
mericano de Desenvolvimento, organismo que, sob a sábia orientação Dentro da política integral de energia que a Revolução
do prof. Felipe Herrera, de modo tão eficaz, vem prestando sua instaurou, antevejo sem esforço a interligação com o sistema da Boa
valiosa cooperação ao desenvolvimento do Brasil. Igualmente já Esperança. Verifico que já se tomam as primeiras medidas para
dispõe a CHESF, conforme foi assegurado em recente contrato a interligação do sul com o sistema CRCA na direção da Barragem
com a ELETROBRÁS, de 50 por cento dos cruzeiros necessários do Funil, meio caminho para o encontro em Vitória da Conquista.
à obra. O restante do capital será provido pelos recursos da Eis que assim se vão delineando as soluções para a indispensável
própria CHESF mediante capitalização sucessiva de seus lucros infra-estrutura energética na qual se apoie o desenvolvimento desta
e reservas, assegurando, assim, uma inversão total que atinge ao vasta região do País. E nesse importante setor econômico do
elevado montante de 170 milhões de cruzeiros novos. Cumpre-me Brasil, deve-se ao Ministro das Minas e Energia, engenheiro
assinalar nesta oportunidade que tão importante empreendimento Mauro Thibau, a existência de uma política ordenada e praticável,
somente se tornará possível graças à política energética que a Re- sempre atuante e vigilante, e ao Presidente da ELETROBRÁS,
volução teve a coragem de implantar. Política energética em que engenheiro Marcondes Ferraz, o planejamento objetivo e de cunho
não há lugar para a enganosa euforia das obras demagógicas, nacional, a execução prestante e eficiente.
mas sim, e unicamente, para o atendimento das necessidades do
País, em termos realistas, segundo os quais o serviço terá o preço Esta é, meus senhores, a minha última viagem ao Nordeste
de custb verdadeiro rnais a remuneração controlada, possibilitando como Presidente da República. Faço-a também com a emoção
de nordestino que jamais esquece a paisagem de sua terra. Alegro-
as aplicações decorrentes nuirm programa traçado de acordo com
um planejamento racional e previdente. me de guardar nos meus olhos a visão renovada destas barrancas
sanfranciscanas, onde a obra da CHESF, traduzindo os anseios
Dentro destas diretrizes, foi dado todo o apoio ao Ministério
'das Minas e Energia e à ELETROBRÁS para conduzirem com de milhões de brasileiros desta região e os aplausos da Nação,
êxito o novo programa e situarem a indústria de energia elétrica ajuda a transformar uma terra subdesenvolvida em mais urna
do Brasil na estrada larga da recuperação. parte desenvolvida do Brasil-

28 29
7. RODOVIA
AO AGRADECER, NA CIDADE DE PETROLINA,
EM 4 DE MARÇO DE 19*7, HOMENAGENS APÔS
A INAUGURAÇÃO DA RODOVIA FEIRA DE SAN-
TANA-JUAZEIRO. (*)

Não imaginei que nos derradeiros dias do meu Governo, ao


visitar uma cidade como aquela do sertão brasileiro, recebesse
um julgamento tão grato de minha jornada na chefia do Governo.
As palavras do prefeito harmonizam-se com as grandes manifes-
tações que estou recebendo desde minha chegada à cidade.
Vi inscrito numa faixa que o meu Governo foi de realizações.
A esse propósito, devo lembrar que tais realizações tiveram como
base os planejamentos da equipe que me assessora e que este
foi um governo coeso, que cumpriu sua missão, executando um
programa e empregando honestamente o dinheiro do País. Os
dinheiros públicos nunca serviram em minha administração para
custear eleições nem para promover manifestações favoráveis.
Termino a minha missão com honra e dignidade, depois de
haver cumprido um programa e de ter satisfeito todas as legítimas
aspirações populares. O propósito de continuísmo, atribuído ao
meu Governo por sórdida oposição, foi mentira forjada com o
objetivo de perturbar o País. A minha missão está realmente
cumprida, e ê com o coração transbordante que recebo estas
manifestações. Cumpriu o Governo sua tarefa com Pernambuco,
e essa tarefa não terníinarã a 15 de março próximo, mas há de
continuar na gestão Nilo Coelho. Estou certo de que o novo
governador dará ao seu Estado a paz social, o desenvolvimento,
o progresso e a educação, que todos reclamam.

(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.

33
8. SAÚDE
INAUGURAÇÃO DO HOSPITAL DISTRITAL DO
GAMA, EM BRASÍLIA, EM 9 DE MARÇO
DE 1967. (*)

Cabe-me a honra de inaugurar este Hospital e duas cir-


cunstâncias devem ser ressalvadas nesse momento. A primeira
é a placa que me cabe descerrar e representa, realmente, o remate
final do empreendimento que inauguro. Todo o seu aparelhamento
e todas as suas instalações estavam terminados, não sendo de bom
estilo inaugurar-se um Hospital, para uma população necessitada
e em completo abandono, apenas para satisfazer a mera vaidade.
A outra circunstância é a de ser esta uma obra de ações con-
vergentes, conforme se deduz do discurso que acabamos de ouvir,
e que todas as Secretarias, todos os elementos da Administração
Pública do Distrito Federal concorreram para que o estabelecimento
fosse acabado e entregue à utilização do público do Gama.
Foi o Governo atacado por se distanciar do povo, mas nunca
o Governo se inspirou nesta alegação para fazer demagogia e
a Prefeitura do Distrito Federal bem mostra como a Revolução
em Brasília esteve sempre atenta às aspirações e às necessidades
do povo da Capital da República, sentindo de perto o que deveria
ser resolvido em seu benefício.
Em vez de abraçar o povo com intuitos eleitoreiros e demagó-
gicos, a Prefeitura sempre se aproximou dele para resolver seus
problemas, sendo isso um exemplo da Administração Pública do
Distrito Federal em três anos, dirigindo, como faz, o dinheiro do
povo, o planejamento e a correção administrativa, e tudo de
objetivo e honesto na prestação de contas ao povo, acrescentando,
passo a passo, realizações como aquela.
(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.

37
Tem sido o Governo acusado de se distanciar do povo, como
já disse antes, e de não travar diálogo com ele. Percorri o País,
visitando mais de 120 localidades diferentes, e em todos aqueles
lugares ouvi pessoas, representações e comissões, principalmente
de elementos da classe empresarial e da juventude, e nunca fugi
ao diálogo. Trouxe de todos esses lugares, inclusive de Brasília,
a inspiração para formular os problemas e resolvê-los. Encontrei
uma oposição capenga na ação e claudicante no pensamento, que
foge ao debate por incapacidade, por falta de patriotismo e por VISITA A SEDE DA PREFEITURA DO DIS-
TRITO FEDERAL (BRASÍLIA), EM 9 DE MARÇO
não saber cumprir a sua alta missão, honrosa para a República, DE 1967. (*)
de oposição ao Governo.
Esses que não querem o diálogo, e fogem a ele com medo Quando ingressei na Escola Superior de Guerra, em 1956,
da verdade, precisam ver realizações como esta, em que encontrei naquela instituição benemérita do Brasil um nome ro-
o povo é o elemento principal, tendo em vista satisfazer às suas deado de apreço e de admiração, que era o do engenheiro Plínio
necessidades; com esse sentimento, com esse respeito ao povo Cantanhede, que já havia passado por lá e que tinha deixado um
e com a admiração que devo ter pela oposição, que deve saber traço de idéias modernas, de estilo de homem integrado num Bra-
fazer oposição, dou como inaugurado este Hospital. sil do futuro e inconformado com o Brasil daquela época.
Quando de minha vinda para o governo da República, dentre
as pessoas lembradas para o cargo de prefeito do Distrito Federal,
avultou o nome do engenheiro Plínio Cantanhede e houve como
que uma aclamação de seu nome. E aqueles que me ajudaram
a escolhê-lo deviam, àquela hora, ter a vaidade, como eu sentia,
de terem prestado um grande serviço ao Distrito Federal e ao
Brasil.
O Prefeito do Distrito Federal dá uma receita de como pode
haver uma administração revolucionária no espírito, nos métodos
e na honestidade do emprego do dinheiro público.
De vez em quando, o Governo é acusado de deslizes em rela-
ção ao patrimônio público e recentemente encontrei, sem o
menor fundamento, ataques a respeito da conduta governamen-
tal, no que diz respeito à evolução cambial do Brasil. Acrescento,
que se quisesse me aproveitar do dinheiro público, não iria pedir
receitas àqueles que estão no Governo. Iria pedir fórmulas ade-
quadas a muitos que estão na oposição e que foram chamados de
ladrões por elementos que, hoje, estão também na oposição. Po-
demos dar em troco a receita de como se deve administrar o
(*) Improviso recomposto de acordo com as notas taquigráficas.

38 39
dinheiro público, e aí está a receita do prefeito do Distrito Fe-
deral, engenheiro Plínio Cantanhede.
Pessoalmente venho à Prefeitura, nos últimos dias de meu
Governo, para trazer ao engenheiro Plínio Cantanhede o meu
reconhecimento pelo muito que fez pelo Brasil e em particular pelo
Distrito Federal, dando o exemplo aos seus auxiliares e sabendo
muito bem utilizá-los no serviço público desta pequena unidade
da Federação.
Falo em nome do Governo Federal e do povo de Brasília,
frisando que a administração que o engenheiro Plínio Cantanhede
desenvolveu em Brasília é uma benemerência para o povo a que
tanto ele serviu com devotamento, inteligência e sabedoria.

9. GRUPO DE TRANSPORTE ESPECIAL


AGRADECIMENTO AO GRUPO DE TRANS-
PORTE ESPECIAL. DO MINISTÉRIO DA AERO-
NÁUTICA, EM BRASÍLIA. EM 10 DE MARÇO
DE 1967. (•)

Esta é a derradeira formatura de tropa militar que assisto e


passo em revista, considerando um privilégio dirigir, ainda, uma
saudação à tropa aqui formada.
Essa saudação é praticamente o reconhecimento que trago
ao Grupo de Transporte Especial, em cujos aviões e helicópteros
tenho viajado mais de 400.000 kms, percorridos em mais de 970
horas, visitando e renovando visitas a localidades brasileiras. Em
todas essas viagens de caráter oficial, desloquei-me a quase todos
os pontos do país, aos recantos mais remotos, com segurança,
vendo, a cada passo, a dedicação ao dever, não só na tarefa de
transportar o Presidente da República, como também na de guar-
dar a pessoa do Chefe da Nação.
Trago, nesta hora, o reconhecimento e os votos para que o
Grupo de Transporte Especial continue coeso mil'tarmente e unido
como companheiros do mesmo destino e, sobretudo, com eficiência
no serviço,

•{*) Improvigg t>B£omr?95tO de acordo eotn 33 no^s taqulgráficas,

43
10 RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS
AGRADECIMENTO AO CORPO DIPLOMÁTICO
NO BANQUETE COM QUE HOMENAGEOU O
PRESIDENTE CASTELLO BRANCO, NO COPACA-
BANA PALACE HOTEL, EM 12 DE MARÇO
DE 1967.

Sensibilizaram-me profundamente as palavras com que Vossa


Excelência Reverendíssima, Senhor Núncio Apostólico, Decano do
Corpo Diplomático, situou este nosso encontro num dos últimos
dias de minha permanência à frente do Governo brasileiro. Rece-
bo-as, bem como o generoso gesto do Corpo Diplomático, como
homenagem que, dirigida à minha pessoa, exprime expressivo
tributo de amizade e de solidariedade ao meu País, interpretando,
numa justa medida de apreço e cooperação, a manifestação cole-
tiva ensejada por este momento.
Puderam Vossas Excelências testemunhar, Senhores Chefes
de Missão, os esforços que meu Governo, como de seu dever,
envidou no sent;do de colaborar com cada qual, procurando hon-
rar em Vossas Excelências as Nações amigas que representam.
Dedicou este Governo toda atenção ao trato das relações diplomá-
ticas, com boa vontade em relação a todos os países amigos, sem
malícia ou discriminação para qualquer deles, vitalizando, assim,
francas e decididas negociações de ordem financeira e econômica,
que nos conduziram a realizações fecundas e mais nos aproxima-
ram dos Governos que, no mesmo espírito, se tornaram parceiros
desinteressados da obra de dinamização dos recursos econômicos
do Brasil.
Se participamos, ativamente, sobretudo movidos por impera-
tivos geográficos e históricos, na comunidade continental america-*
na, a verdade é que, por outro lado, temos buscado, no foro das
Nações Unidas, ngs organismos de Genebra, ou nos contatos

47
bilaterais, estreitar relações com os países de todas as partes do
como o atestam tantos esforços no sentido de reduzir as diferenças
mundo, numa inspiração universalista, corolário da nossa formação.
entre os povos, já não podemos conceber a deusa da prosperidade
Jamais descurou o meu Governo do propósito perseverante voltada para uns e esquecida de outras. E se algum ideal nos
de fazer do Brasil, como tem ocorrido em todos os tempos, um deve animar, por mais remoto que o consideremos, é que caminhe-
infatigável servidor da paz e da aproximação entre os povos. Na mos para nos tornar um mundo só. E, felizmente, em todos e em
reaLdade, sempre fomos um povo pacífico, votado à fraternidade cada uma de Vossas Excelências, Senhores Chefes de Missão,
universal. Mas, hoje, mais do que isso, temos a consciência de encontrei a lúcida inteligência desses propósitos.
que a paz não é apenas um bem inestimável, já que a guerra, e até
Foram Vossas Excelências, para meu Governo, elemento
mesmo a vitória, a nenhum povo poderia salvaguardar. Assim,
poderemos dizer que a paz deixou de ser apenas um objetivo, para essencial de compreensão, de ajuda, de espírito construtivo e, nesse
se tornar um imperativo. Daí o esforço que nos cumpre realizar particular, 'acentuo jubiloso o alto sentido de entendimento reali-
para que em lugar da história de cada povo, por mais bela ou zado, entendimento feito a um tempo de idealismo e de senso
gloriosa, nos seja dada, no futuro, a suprema ventura de podermos prático e, assim, fadado a resultados particularmente proveitosos
escrever uma única história — a história da humanidade, das suas para todos nós.
conquistas científicas, dos seus progressos econômicos, dos seus Esta reunião constitui para mim, pela sua excepcionalidade,
avanços no sentido da solidariedade, da compreensão e da tole- um marco singular em nossa convivência. Se sublinhei aquilo que
rância entre todos os povos.
de direito cabe a Vossas Excelências na obra que juntos realiza-
Justo é confessar que nesse alto desideraío não nos tem falta- mos, é justo que também recorde o papel que no trabalho comum
do a nobre e pressurosa colaboração dos países representados desempenharam os dois Chanceleres do meu Governo: o Embai-
por Vossas Excelências. E é-me grato proclamar o reconheci- xador Vasco Leitão da Cunha, diplomata de carreira do melhor
mento do Brasil pelo recente apoio recebido, ainda há poucas quilate, universal no conhecimento da política, infatigável na ini-
semanas, e traduzido no auspicioso e significativo movimento que ciativa e perfeito no patriotismo; e o Embaixador Juracy Maga-
nos conduziu, por expressiva quase unanimidade, ao Concelho de lhães, homem de Estado que deu toda a sua existência ao País
Segurança das Nações Unidas. e que soube dirigir o Itamaraty com as luzes de sua inteligência,
de sua experiência e de seu espírito firme e agudo, tal como sem-
Vossa Excelência Reverendissima, Senhor Núnco Apostóli-
pre o fez em sua longa carreira dedicada ao serviço do Brasil.
co, cuja calorosa eloqüência tanto ilumina esta festa, assinalou a
feliz e fecunda solidariedade entre as Nações aqui representadas A eloqüência do intérprete que Vossas Excelências escolhe-
e o Brasil. De minha parte, considerei e considero dever do Chefe ram não apenas me sensibilizou: ela foi edificante e esclarecedora,
de Estado dirigir a política internacional em função do progresso pelos sentimentos que fluíram, pelos conceitos que a elevaram,
de seu país, numa interpenetração com o de outros, sem distinção pelas idéias criadoras que semeou. Desde os propósitos de paz
de Continentes. É que nenhuma nação pode atualmente perma- entre os povos até ao voto pela serena felicidade do povo brasi-
necer confinada em fórmulas estreitas que bem pouco significam leiro. São palavras que traduzem o espírito nobre do ilustre pre-
para o povo que dirige e nada contribuem para a aproximação lado que as concebeu e bem refletem as suas inspirações de homem
com outros povos. de boa vontade e de cidadão do mundo. Não me enganarei,
afirmando sentir que essas palavras vieram não apenas do cérebro
O que importa é uma política orientada pelo bem-estar geral e do coração de quem as proferiu, mas por igual da inteligência e
da humanidade e pela paz entre as nações. Pois em nossos dias,
do sentimento de todos os Chefes de Missão que hoje aqui se
48
49
congregam para demonstrar ao Governo brasileiro sua amizade
e seus intuitos de leal cooperação.
Estou certo de que essa amizade e essa cooperação conti-
nuarão a ser tributadas ao Governo que em pouco se in'ciará e
que permanecerão de pé, firmes, sempre robustecidas e renovadas,
as inspirações dinâmicas que nos impulsionaram nestes trinta e
cinco meses, em que, juntos, pudemos dar às relações entre nossos
paíaes o espírito realista e o entusiasmo que nos levaram a tantos
resultados positivos.
Senhor Núncio Apostólico, Senhores Chefes de Missão:
Levanto minha taça em honra de Vossas Excelências, pela
felicidade das Nações aqui representadas e pela prosperidade de
suas relações com o Brasil, em benefício do progresso da hu-
manidade.

11. SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO

50
AULA INAUGURAL NA ESCOLA SUPERIOR
DE GUERRA, EM 13 DE MARÇO DE 1967.

O convite para pronunciar a aula inaugural do ano letivo


que hoje se inicia na Escola Superior de Guerra só pode vir
à conta de um depoimento, e nunca de uma homenagem. Esta
não teria sentido, enquanto aquele tem a validade de um teste-
munho, mesmo que não possua a intenção de trazer ensina-
mentos.
A iniciativa de vosso Comandante trazendo-me a este audi-
tório para falar-vos no começo de vossos trabalhos não deixa, no
entanto, de me atribuir mais do que confiança no conferencista
já aposentado desta casa, pois me concede o privilégio de, vol-
tando, mesmo por alguns instantes à Escola Superior de Guerra,
possa reencontrar-me com uma das instituições mais humanistas
do Brasil.
Se rendo o reconhecimento ao gesto tão fidalgo do vosso
Comandante, volto-me, também, para aqueles que fundaram esta
Casa de ideais e doutrinas. Cordeiro de Farias avulta, não só
pela nobreza do patriota e do chefe, como também pela visão
que teve daqui pela ordenação da programática inicial. Depois,
Juarez Távora, dinâmico e vigoroso, expande programação e
aprofunda métodos.
E a Escola que hoje está entregue à vossa inteligência e
conhecimentos não se imobilizou, sempre se atualizou, e é, no
meio cultural do Brasil, um exemplo de antecipação de idéias.
O tema escolhido — Segurança e Desenvolvimento — é
assunto dominante no vosso programa, doutrinário nos vossos
estudos e hoje já integrado, em sua essência, na nova Constituição
brasileira e em leis modernas.

53
pois de outra forma às superpotências não restariam senão duas de armamentos nucleares, se preservada a surpresa, não haveria
hipóteses extremas: a hecatombe ou a inércia. Outro exemplo tempo para mobilização industrial e econômica. Concebivelmente
das influências tecnológicas sobre a doutrina de segurança é o um pequeno país, possuidor de um reduzido arsenal atômico e
grande debate ora em curso nas duas grandes potências nucleares, capacidade de remessa de carga nuclear, poderia, em pouco tempo,
entre os que propugnam a concentração de esforços no aumento destruir a superioridade industrial de um antagonista de maiores
e diversificação dos mísseis de ataque e os que propugnam gigan- recursos. Evidentemente essa hipótese, aliás pouco plausível, não
tescos investimentos em sistemas defensivos antimísseis. ilide as vantagens da superioridade industrial, porque o país
O terceiro conjunto de fatores que afetam a doutrina de mais forte provavelmente terá também melhor organização de
segurança é de natureza econômica. Isso nos traz à consideração detecção e maior arsenal agressivo, reduzindo o fator surpresa e
da inter-relação entre segurança e desenvolvimento econômico. permitindo o exercício tempestivo da capacidade de retaliar.

A relação entre capacidade econômica e eficácia militar tem O primeiro desses paradoxos é ilustrado pelo conflito do
variado no curso do tempo. Exceto no caso de guerra naval, que Vietnã, em que um país de economia ainda primitiva engaja
sempre exigiu um certo grau de desenvolvimento tecnológico, as fortes contingentes norte-americanos, obrigados a recorrerem a armas
guerras primitivas contavam mais com a agressividade individual, convencionais, pois que a resposta nuclear, sobre ser despropor-
a genialidade dos comandantes e a disponibilidade de massas cionada à natureza do desafio, apresentaria riscos políticos intole-
humanas, do que com a capacidade logística e a base econômica. ráveis, em termos de impacto sobre a opinião pública mundial e
Assim Sparta subjugou Atenas, e Roma foi diversas vezes assolada do perigo de uma escalada nuclear que envolvesse a União So-
viética .
por tribos bárbaras.
O segundo desses paradoxos encontrou ilustração dramática
A revolução industrial tornou a guerra muito mais técnica,
na instalação abortada de mísseis nucleares em Cuba, no ano
o que acentuou a importância do desenvolvimento econômico como de 1962. Num tipo de guerra convencional, Cuba não apresenta-
elemento de segurança. Esta passou a ser uma decorrência da ria um problema de segurança para países maiores e mais indus-
capacidade de mobilização industrial e da logística de apoio. E trializados, como México, Brasil ou mesmo Venezuela. Se entre-
essa técnica atingiu seu apogeu na idade nuclear. tanto lograsse instalar mísseis soviéticos em seu território, teria
Paradoxalmente, entretanto, condições especiais criadas pelo fundamentalmente alterado o balanço do poder da América Latina,
«equilíbrio do terror» da era atômica, a que as referia Churchill, pois poderia hipoteticamente aniquilar de surpresa o poderio in-
possibilitaram por dois motivos uma divergência temporária entre dustrial de vários desses países.
grau de desenvolvimento e potencial bélico. A inter-relação entre desenvolvimento e segurança faz que,
•s
de um lado, o nível de segurança seja condicionado pela taxa
Primeiramente porque, tornando-se quase impossível uma
e potencial de crescimento econômico. E que, de outro lado, o
confrontação nuclear direta, os antagonismos entre as grandes
desenvolvimento econômico não se possa efetuar sem um mínimo,
potências se canalizaram para as guerras periféricas, do tipo
de segurança.
«guerra de libertação» ou «guerra revolucionária», de qualquer
maneira de guerra localizada. Estas se baseiam menos na mobili- O problema comporta análise mais detida. A primeira e
zação econômica do que no enrijecimento ideológico da população; mais fundamental limitação ao planejamento da segurança é a
reduzem o esforço logístico pela infiltração parasitária na própria própria dimensão do produto nacional bruto do país. Estima-se
comunidade. Em segundo lugar, porque na hipótese de utilização que para os países subdesenvolvidos não mais que l a 2% do

56 57
produto nacional bruto possam, em condições normais, ser dedi-
então para cá logramos reduzir à metade o ritmo de inflação, que
feados à segurança, sob pena de se infirmar o próprio ritmo de
baixou de mais de 80% em 1963, para cerca de 40% em 1966.
crescimento, de vez que uma boa parcela do dispêndio de segu-
rança é por sua própria natureza improdutiva. Aceitar a inflação é apenas uma acomodação que nada re-
solve. A curto prazo é possível mobilizar alguns recursos adicio-
Nos países já desenvolvidos e com responsabilidades de lide- nais. Mas os vazamentos do sistema tornam a solução ilusória:
rança, essa proporção tem ascendido recentemente a cerca de 10%, gera-se um conflito social entre as classes, que lutam para pre-
aparentemente sem efeitos danosos para a manutenção da taxa de servar seu nível de renda; criam-se áreas de desperdício e inefi-
crescimento. ciência; e em breve a crise cambial gera extrema vulnerabilidade
O Brasil tem procurado ater-se a esse critério geral. O dis- sob o ponto de vista de segurança nacional.
pêndio propriamente militar atinge a cerca de 22% do orçamento Uma segunda atitude consiste em mascarar os efeitos da
federal. Mas como grande parte do dispêndio federal de investi- pressão inflacionária, através do racionamento e controle de pre-
mento se realiza através de fundos especiais e sociedades de eco- ços, visando a reconciliar a demanda conjunta, civil e militar,
nomia mista, não compreendidas no orçamento, essa percentagem de bens e serviços, às disponibilidades existentes. Esse processo
baixa para cerca de 6%. Comparativamente ao produto interno é inevitável em tempo de guerra e foi praticado com relativo
bruto, o dispêndio de defesa se situa na faixa entre l e 2%, sendo êxito no segundo conflito mundial. Fora de situações de emer-
de notar que boa parcela desse dispêndio é de natureza produtiva, gência é de difícil aplicação, particularmente nos países subdesen-
como por exemplo os investimentos em treinamento técnico e cien- volvidos. O racionamento exige uma eficiente máquina adminis-
tífico, em telecomunicações, na infra-estrutura de aviação civil, trativa e um alto grau de disciplina social, fatores ambos escassos
na construção de vias de transporte. que poderiam melhor ser utilizados para a tarefa de desenvolvi-
Além do condicionamento geral da segurança à dimensão e mento econômico. Os controles de preços são algo mais prati-
crescimento do produto interno bruto, existem constrições mais cáveis; mas de um lado não controlam os efeitos da inflação, a
específicas que, por gravemente negligenciadas em nossa história não ser quando acompanhados de racionamento; de outro, encer-
recente, merecem alguma análise. Refiro-me às limitações criadas ram o grave risco de desestimular a produção e os investimentos.
pela inflação e pela escassez de divisar. A lista de espera de telefones, a escassez de habitações, a pre-
cariedade do transporte urbano e até recentemente as filas de
Se o volume de recursos que se pretende devotar à segurança
carne e leite testemunham a ineficácia do controle de preços e
nacional se choca contra ambições inflexíveis de outros setores,
tarifas como instrumento de reconciliação entre as necessidades
agrava-se imediatamente a pressão inflacionária. Daí podem de- e as possibilidades de produção.
correr três tipos de atitude.
A terceira atitude, a única sensata a longo prazo, é o plane-
O primeiro, tradicional e perigoso processo de acomodação,
jamento para a estabilização. Isso implica utilizar-se o orçamento
é aceitar a inflação. Digo tradicional, porque ao longo do após-
como instrumento estabilizador, para reconciliação de objetivos
guerra, escalamos sucessivos patamares de inflação: 15% ao ano
conflitantes, sem inflação ou com um mínimo de inflação. Há que
em média, entre 1941 a 1946, aumentando para 20% no período
usar múltiplos processos: aumentar impostos se as despesas já
1951 a 1958, para mais de 50% no período 1959/1962, alcançando
atingiram um mínimo inflexível, com as necessárias cautelas para
81% em 1963 e revelando perigosa tendência de aceleração para
não desestimular a atividade econômica privada; reduzir despesas,
nível superior a 100% no trimestre anterior à Revolução. De
sempre que praticável; reorganizar a composição de despesa, des-
58
59
locando-a de consumo para investimento, e de setores menos socialmente interdependente, a segurança nacional não pode ser
produtivos para setores mais produtivos. alcançada em bases exclusivamente internas. Em segundo lugar,
Essa a atitude que nos propusemos tomar, com apreciável porque temos que buscar no exterior meios de economizar dispên-
grau de êxito. Os deficits orçamentários foram reduzidos a uma dio de defesa através de esquemas associativos, e também finan-
quarta parte do nível anterior e são financiados, na sua maioria, ciamentos, capitais e tecnologia para o desenvolvimento econô-
por fontes não inflacionárias, como, por exemplo, a venda de mico.
Obrigações do Tesouro. Como percentagem do produto interno As realidades históricas e geográficas nos inscreveram no
bruto, os deficits federais baixaram de quase 4% do produto in- dispositivo de segurança do hemisfério ocidental. Fornece-nos ele
terno bruto em 1964 para menos de um por cento em 1967, se um escudo nuclear efetivo contra veleidades de agressão extra-
obedecida a programação orçamentária. continental, hoje pouco prováveis em face do chamado «equilíbrio
Uma outra das grandes constrições ao planejamento da segu- do terror». Certamente que não teríamos recursos econômicos, e
rança é de natureza cambial. Um país sem reservas de divisas mesmo técnicos, para criarmos nossa «dissuasão nuclear» própria,
não pode contar com abastecimento regular de produtos essenciais e se o buscássemos fazer, fá-lo-íamos com sacrifício do nosso
à segurança. Tem dificuldade em conseguir empréstimos, e só desenvolvimento econômico e padrão de vida. Felizmente, o dispo-
consegue em condições onerosas. Finalmente, suas importações sitivo de segurança continental, assim como o de todo o mundo
carregam um sobrepreço pelos riscos de atraso e insolvência. ocidental, é consensual e não impositivo. Dentro dele, há espaço
para o exercício da verdadeira independência, seja pelo esforço de
Desse ponto de vista, a situação que encontramos em 1964 asserção de uma hegemonia política regional, como sucede hoje
era de máxima insegurança, por estar o País às portas de uma na Europa Ocidental, seja pela livre busca de formas de organi-
moratória internacional, com seu crédito externo totalmente arrui-
zação política e econômica e de contatos internacionais, com a
nado. Dai a nossa preocupação em melhorar a posição cam- única exceção do regime comunista, considerado pela Declaração
bial, não apenas pelos reflexos favoráveis sobre a situação eco-
de Punta dei Este, firmada anteriormente ao meu Governo, como
nômica geral e as perspectivas de desenvolvimento, mas também
«incompatível» com o sistema interamericano.
sob o ponto de vista estrito de segurança nacional.
Também aqui há soluções e há paliativos. A solução é uma Isso me leva a considerar a difícil questão da Força Intera-
política cambial correta, baseada em taxas cambiais realistas, que mericana de Paz, ponto de debate inflamado, muitas vezes
estimulem as exportações e o ingresso de capitais. Os paliativos desprovido de realismo, nas recentes conferências interamericanas.
são: o progressivo endividamento, como se fez durante o período Ante a impossibilidade de um acordo unânime, absteve-se o Brasil
chamado «desenvolvimentista», empurrando os problemas para o de levantar formalmente o problema, sem entretanto alterar suas
futuro; os controles cambiais, que não fazem senão entorpecer o convicções.
comércio exterior; e, finalmente, a ênfase sobre o regime de trocas A verdade é que nenhuma das duas superpotências aceitaria
do comércio bilateral, que, conquanto útil em escala limitada, im- impassivelmente, quaisquer que sejam nossas emoções e desejos,
pede o país de buscar o fornecedor mais barato e eficiente. uma alteração fundamental do balanço de poder numa área de
No exame da interrelação do desenvolvimento com a segu- interesse vital. Não é por outra razão que, após os episódios
rança nacional não nos podemos furtar à consideração do problema de Cuba e de Berlim, os conflitos se têm localizado em áreas
de política internacional. Ela é importante, nesse contexto, sob periféricas. Reconhecido esse dado do problema, o interesse das
dois aspectos. Primeiramente, porque num mundo econômica e Repúblicas Americanas reside em impedir qualquer intervenção

60 61
unilateral, não só porque isso vulneraria gravemente o princípio uma distinção de interesse entre Os menos desenvolvidos e a
de açã® e responsabilidade coletiva, senão porque erros no julga- União Soviética, repetindo um processo de «dissenso dentro do
mento e avaliação das transformações sociais e políticas poderiam consenso», que já se havia produzido no mundo ocidental.
confundir, tragicamente, governos reformistas da esquerda rião- O problema das relações entre segurança e desenvolvimento
comunista, interessados em reforma social, sem submissão a não se resolve só em termos de recursos naturais, como base de
ideologias extracontinentais e sem agressividade subversiva, com desenvolvimento, de taxa de crescimento econômico, como fator
ditaduras comunistas — estas sim infensas à segurança continental de poder industrial, e de taxa de inflação, como medida da tensão
pela sua alienação ideológica e pelo seu expansionismo proselitista. social. Há que analisar o problema de atitudes psicossociais, e,
Se reconhecida a responsabilidade coletiva de nossos países na neste contexto, poucos sobrelevam em importância o tema do
manutenção da segurança, responsabilidade que encontraria seu nacionalismo.
símbolo e instrumento na Força Interamericana de Paz, evitaríamos
os dois males. Àfastar-se-iam a tentação e os pretextos para O nacionalismo é indubitavelmente um dos grandes motores
intervenção unilateral, e o próprio debate e decisão coletiva permi- da história humana. É indispensável ingrediente na unificação de
tiriam melhor diferenciar o reformismo social, necessário em nossos comunidades dispersas na construção de nações recentemente
países, de revolução totalitária de esquerda. O primeiro é uma emergidas do domínio colonial, na galvanização de esforços após
opção social válida; o segundo, uma ameaça à segurança, conforme guerras perdidas, na formação de motivação para o desenvol-
o prova de sobejo o intervencionismo cubano, através do incentivo vimento.
a guerrilhas e táticas terroristas. Sob este último aspecto, entretanto, encerra potencialidades
Longe de fortalecer o caso de não intervenção, a recusa positivas e perigos palpáveis. Na medida em que seja usado como
latino-americana de criar mecanismos de ação coletiva enfra- elemento de mobilização do esforço nacional, de aceitação dos
quece-o, porque os problemas básicos do balanço mundial de poder sacrifícios que o desenvolvimento exige, de atenuação de conflito
não são solúveis por meros exorcismos verbais. de classes, o nacionalismo é altamente positivo. Na medida em
que é manipulado por certos grupos para evitar a concorrência e
À aceitação do sistema de segurança continental em nada
inibe nossa independência econômica de comerciar livremente, de manter posições de mercado, em que é usado para dificultar a
disciplinar os capitais que desejamos receber para auxiliar nosso importação de tecnologia externa, em que mantém aprisionados
desenvolvimento, de importarmos tecnologia e equipamentos das no solo recursos minerais enquanto não se tem capital para explorar,
fontes que preferirmos. Sem falar em política independente, porque em que é manipulado pela esquerda alienada para impedir o forta-
nos sentimos com notória independência, o meu Governo foi o lecimento do sistema econômico capitalista e as instituições demo-
que mais ampliou o comércio e as trocas com a área socialista. cráticas do Ocidente — o nacionalismo viciado passa a ser altamente
negativo, não só do ponto de vista do desenvolvimento econômico
Sob o impacto do nacionalismo e das tensões criadas pelo próprio
processo de industrialização e desenvolvimento, emergiu uma senão também do de segurança nacional.
tendência policentrista no bloco soviético, cujas primeiras mani- Como no caso da independência, que deve ser um exercício
festações foram os casos iugoslavo e húngaro, agora projetados tranqüilo e não uma histeria verbal, o verdadeiro nacionalista
de forma explosiva pelo conflito sino-soviético. De permeio com pratica constantemente o seu nacionalismo como um dever, sem
a ressurreição de rivalidades históricas, o anseio de afirmação o exibir como um privilégio. Procura adotar atitudes úteis ao
industrial autônoma e o reclame de melhores condições de comércio desenvolvimento da nação, incentivando a poupança, melhorando
fizeram que também no mundo socialista se estabelecesse sua própria educação e formação técnica, aplicando sua imaginação

62 63

li
criadora na descoberta de caminhos para o desenvolvimento, há dois tipos de ação a tomar: promover a redução do desequilíbrio
procurando realizar a justiça social, ao invés de simplesmente econômico entre Estados e regiões, e evitar a rarefação econômica
rejeitar a contribuição externa, sem promover a poupança interna. e demográfica das áreas fronteiriças, mediante programas de
Mauriac falou uma vez dos «velhos e nobres vasos» que se colonização, implantação de transportes e promoção do crescimento
tornaram porosos. Talvez isso tenha ocorrido com a grotesca econômico.
deformação, a que recentemente assistimos, do conceito de nacio- Nos planos do desenvolvimento econômico, por sua vez,
nalismo. Passou ele, manuseado por extremistas de direita e urge que nos orientemos no sentido da criação de instrumentos de
esquerda, a assumir dois aspectos negativos, quer para o desenvol- redistribuição da renda fiscal, em favor de unidades federativas
vimento, quer para a segurança: o primeiro é a irracionalidade do de menor poder econômico; de mecanismos de incentivo para
comportamento, pelo qual se substituiria a capacidade de análise investimento privado nessas regiões, e de captação de recursos
pelo poder da invectiva; o segundo, o divisionismo, pois que o internacionais para programas especiais de desenvolvimento.
pseudonacionalista passou a se arrogar o monopólio do patriotismo, Exemplo de medidas de redistribuição fiscal foram a orga-
imputando motivações escusas a todos que dele discordam, não nização da SUDENE e, mais recentemente, a «Operação Amazô-
hesitando em usar jargões injuriosos contra autênticos patriotas, nia», que resultou na criação da SUDAM. No mesmo plano
cuja contribuição técnica, científica, política e moral para o se situa a reforma tributária, que instituiu o «Fundo de Parti-
desenvolvimento nacional lhes dá muito melhores qualificações cipação dos Estados» na receita federal dos Impostos de Renda
nacionalistas que as dos acusadores. e de Produtos Industrializados, em cuja repartição se atribui
Consideremos agora a questão da estrutura política federa- ponderação mais favorável aos Estados menos desenvolvidos. As
tiva do País, sob o duplo ângulo do desenvolvimento e da leis de incentivo fiscal, hoje eficientemente aplicadas na área da
segurança. SUDENE, e em começo de aplicação na SUDAM, exemplificam
O processo de formação de nosso sistema federativo dife- uma instrumentação que se tem provado eficaz para colocar a
renciou-se bastante das condições históricas que presidiram à iniciativa privada a serviço do objetivo de atenuação das dispa-
construção da federação norte-americana, cuja estrutura política ridades de renda regional.
fortemente influenciou a nossa Constituição republicana de 1891. A dosagem das medidas de redistribuição de renda e dê
No caso da América do Norte, formou-se a federação pelo livre disciplinaraento correto dos incentivos fiscais cria complexos
e periódico surgimento de novos Estados; em nosso caso, um problemas de decisão econômica. Qualquer exagero no uso desses
sistema essencialmente unitário reorganizou-se em unidades instrumentos, conquanto possa envolver atrativo político e supos-
federativas. tamente humanitário, encerra o risco de enfraquecer o ritmo de
As conhecidas vantagens da organização federativa, descen- acumulação de capital nas regiões mais desenvolvidas e produtivas,
tralização política e administrativa, e melhor atendimento das diminuindo a sua capacidade de exportar capitais e tecnologia para
peculiaridades regionais não nos devem fazer esquecer alguns correção dos desequilíbrios regionais. Um outro perigo correlato
percalços. é encorajar-se investimentos inadaptados às condições regionais
e que só poderiam vingar se perpetuados os incentivos fiscais.
Sob o ponto de vista da segurança nacional, há que nos
acautelarmos contra forças centrífugas, traduzidas em movimentos Há portanto que estabelecer um delicado balanço entre a
separatistas que, felizmente com repercussão inexpressiva, têm necessidade de reduzir a brecha econômica entre o Nordeste e
surgido ao longo de nossa história. Como medida acautelatória, o Norte, de um lado, e o Centro-Sul, do outro — brecha que se

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agravação de pressões inflacionárias, por excessiva demanda
agravada geraria tensão social e política e perda de produtivi-
regional de investimentos.
dade global do País. A atual legislação de incentivos parece
adequada, particularmente se acompanhada de medidas de alívio Mesmo na pátria do federalismo, os Estados Unidos, já
da escassez de capital de giro das empresas do Sul, que se começam a surgir dificuldades no controle de política monetária
«imobilizaram» excessivamente durante o período da inflação e e na limitação de investimentos a níveis compatíveis com a esta-
enfrentam dificuldades de adaptação a uma nova conjuntura. bilidade, pela ampla e tradicional autonomia fiscal financeira das
entidades federadas.
Outro aspecto do problema é o das relações políticas entre
Problema semelhante está sendo encontrado na República
o Governo federal e as unidades federadas. No interesse quef Federal Alemã.
da estabilidade e segurança das instituições, quer do desenvol-
vimento econômico, estas relações se devem basear num federa- Nos países em crescimento, as necessidades de coordenação
do desenvolvimento e preservação da segurança, e combate à
lismo cooperativo, evitando-se de um lado o individualismo desa-
inflação, vêm impondo, cada vez mais, a despeito de preferências
gregador, e de outro a preferência clientelesca. A dependência
econômica de alguns Estados em relação à União os expõe doutrinárias, por vezes arraigadas, o fortalecimento do Poder
Central.
por vezes a uma submissão clientelesca, pela qual no passado se
mercadejava apoio econômico da União, independente do mérito- Consideremos, finalmente, os dois problemas — desenvolvi-
dos projetos e da capacidade administrativa dos governos estaduais, mento e segurança nacional — no contexto de uma sociedade de-
em troca de fidelidade política ao Governo federal. Vários elementos mocrática .
disciplinadores foram recentemente introduzidos na legislação e Para que uma sociedade seja democrática, é preciso que haja
na própria Constituição. A distribuição do «Fundo de Partici- livre expressão do dissenso; para que ela seja viável, é necessário
pação dos Estados» foi subtraída ao controle federal e atribuída que as áreas de consenso superem as áreas de dissenso.
ao Tribunal de Contas, como órgão auxiliar do Legislativo: pelo
menos 50% desses recursos deverão ser empregados exclusiva- Vários perigos podem assaltar a democracia nesse processo.
mente para investimentos; finalmente, quaisquer outros auxílios da O primeiro é a confusão de liberdade com indisciplina, confusão
União aos Estados e Municípios dependerão de prévia entrega, que se estabelece toda a vez que a capacidade de reclamar direitos
ao órgão federal competente, de planos concretos de aplicação. ê superior à capacidade de aceitar deveres. A liberdade, como a
democracia, são bens fundamentais. Mas, como disse certa vez o
Às exigências de rápida ação do Estado moderno, a inte- profético Alexis de Tocqueville, «as instituições humanas são,
gração dos mercados, a necessidade do papel promotor da União por sua própria natureza, tão imperfeitas, que basta, quase sempre,
no desenvolvimento econômico, a emergência de técnicas de para destruí-las, extrair dos seus princípios todas as conse-
planejamento global da economia e a necessidade de harmoni- qüências» .
zação dos instrumentos de política monetária levaram a uma
A exibição pública do dissenso e a necessidade de negociação
tendência quase universal de reforço do Poder Central. Este
entre os grupos sociais para atenuá-lo dão às sociedades demo-
passou a assumir, em várias Constituições modernas, função muito
cráticas uma aparência menos estável e impedem uma sensação de
mais dominante na formulação do orçamento, restringindo-se
segurança comparável à que apresentam as sociedades manipula-
correlatamente a função legislativa na determinação de nível global
das ideologicamente, sob signos totalitários. Entretanto as demo-
e na discriminação das despesas, para evitar a pulverização regio-
cracias têm exibido maior durabilidade no tempo, principalmente
nalista de verbas, a desintegração de programas de ação e a
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à medida que a sociedade se torna mais complexa, por ser a de- Para captar a simpatia, procuroU"Se criar a idéia de que a de-
mocracia, essencialmente, um sistema de administrar o que é di- mocracia é um regime de facilidades e de que o desenvolvimento é
verso e complexo. um caminho de delícias. Devo reconhecer que esta maliciosa teoria
ainda exerce grande fascínio sobre muita gente. A corrupção
Nos países em desenvolvimento, sujeitos a grandes tensões e a inflação, de mãos dadas, serviram para criar essa visão da
de mudança, o sistema democrático está exposto a perigos espe- realidade, de que é expressão o desenvolvimento alegre e inconse-
ciais. É que nas sociedades industriais maduras não há grande
qüente .
descompasso entre a identificação intelectual de um problema e a
capacidade de resolvê-lo por medidas econômicas ou ajustamen- A Escola Superior de Guerra tem uma grande missão a
tos sociais. Nas sociedades subdesenvolvidas, por outro lado, a cumprir, e, cumprindo-a, facilitará a tarefa do Governo. Essa
missão é a de formular, pela conjunta aplicação do talento civil e
motivação para resolver agudos problemas excede de muito o co-
militar, uma doutrina permanente e coerente de segurança nacional;
nhecimento técnico e a capacidade prática para escolher e aplicar
e a de combater os vários «pseudos» irracionais e ineficazes — o
soluções adequadas. Cria-se, nas palavras de um moderno soció-
logo, «um hiato entre a motivação e o entendimento». pseudonacionalismo, o pseudodesenvolvimento, o pseudo-huma-
nismo, a solução pseudocriadora. •-TU-IÍ

Esse contexto de frustração é propício ao surgimento de dois Nessa busca constante da realidade brasileira, sem mitos nem
protagonistas funestos para o sadio desenvolvimento democrático deformações, os trabalhos agora iniciados e entregues aos esta-
e a segurança das instituições democráticas: um é o demagogo, que giários de 1967 serão, como os anteriores, mais um serviço ao
promete resolver todos os problemas de uma só vez, apelando para Brasil, pelo desenvolvimento com democracia, soberania e paz entre
fórmulas mágicas que trariam soluções «integrais», rápidas e defi-
os brasileiros.
nitivas. Outro é o extremista, que renuncia ao penoso esforço das
soluções de melhorias, que por sucessivos incrementos remedeiam
os males sociais. O radicalismo ideológico simplifica barbaramente
a realidade: se o problema é a luta de classes, escolhe-se uma
classe eleita e eliminam-se as outras; se o problema é conter o
consumo para acumular capital, escraviza-se o consumidor, trans-
ferindo todos os recursos para as mãos do Estado; se o problema
é o divisionismo político, estabelece-se a ditadura do Partido, e
quando esse perde o seu fervor, fazem-se expurgos e «revoluções
culturais». -.>, ;i : Sj
Na busca de um grau de consenso que torne viável o desen-
volvimento em bases democráticas, não há que fechar os olhos a
reais dificuldades, principalmente quando, tal como aconteceu no
Brasil em passado recente, e novamente se tenta repetir, os dema-
gogos se unem aos radicais, todos ansiosos por ofertar fórmulas
miraculosas de salvação, todos adulando o povo sem respeitá-lo,
todos ambicionando o poder para gozo do poder pessoal, e não
como instrumento para servir às instituições.

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Num período em que o postulado da estabilização monetária
se alargava por países velhos e novos, desenvolvidos ou em desen-
volvimento, capitalistas ou socialistas, o Brasil insistia em defender
o primado da inflação como ilusório fator de desenvolvimento eco-
nômico .
Internamente, a crise inflacionária já liquidava todos os ser-
viços de utilidade pública, aos quais se negavam ajustamentos
tarifários capazes de cobrir custos e permitir a expansão de insta-
NO PALÁCIO DO PLANALTO. EM M DE lações. Havia, portanto, uma inflação corrente e uma inflação
MARÇO DE 1967, PERANTE OS MINISTROS DE represada.
ESTADO, ENTÃO PELA ÚLTIMA VEZ REUNIDOS.
Os cálculos de investimento se tornaram uma impossibilidade
prática, levando os capitais a buscarem setores de maior liquidez, e
Mais que qualquer outra, esta reunião tem para mim o sentido
protegidos, ainda que em parte, da erosão inflacionária.
de um símbolo. Convocando-vos para este encontro derradeiro, não
posso esquecer que ele nos permite voltarmos a inteligência e o A cada novo salto dos índices gerais de preços reagia o Go-
coração para um Brasil que está ao nosso alcance construir, cujas verno com um novo passo de intervencionismo estatal, inibindo o
dimensões podemos antever e em cuja grandeza confiamos. Esta setor privado e comprometendo o setor público. Quando a acelerada
imagem antecipada do futuro, cujos alicerces plantamos no presente, voracidade do custo de vida consumia o salário dos trabalhadores,
certamente nos consola da visão conturbada do passado recente. a solução simplista era decretar novos reajustamentos de salários
nominais, injustamente distribuídos, de forma a beneficiar, não os
Neste momento e em vossa presença, eu falo à Nação brasileira, trabalhadores mais produtivos, e sim os de que se requestava o
Nos trinta e cinco meses transcorridos a partir de março de apoio político para os governantes.
1964, o País passou de um caos premeditado a uma ordem desejada, Os tabelamentos a preços irrealistas, os subsídios governa-
da insegurança planejada à segurança estruturada, da desordem mentais, destinados a mascarar a necessidade do reajustamento de
comandada à ordem consentida. Isso é preciso fixar, como penhor preços de certas mercadorias e serviços, eram fatores de progressiva
de um sacrifício não inútil, de uma responsabilidade não esquecida, pressão inflacionária e crescente amortecimento da capacidade de
de um poder não desperdiçado. investir.
O quadro de problemas que enfrentávamos era nítido e não Ao lado dos deficits do Tesouro e autarquias, que forçavam
comportava sofismas nem aceitava paliativos. Ou encarávamos, com contínuas emissões de papel-moeda, uma política de crédito de visão
decisão, o dever da tarefa que a situação nos impunha ou deixá- míope sustentava por sua vez um clima de progressiva corrida
vamos truncado o destino grandioso deste país e indefesas suas inflacionária.
instituições. Num momento de irreversível transferência de populações dos
Na maré montante de crises do Brasil de 1964, a verdade é campos para as cidades, um sistema demagógico de congelamento
que somente de crises não havia crise. Numa fase de contínua e de aluguéis de residências e de preços de produtos agrícolas, estan-
substancial expansão do comércio internacional, estivemos a des- cava o investimento nesses setores, levando a frustração às popu-
truir nossa capacidade de exportar, estrangulada pela inflação lações urbanas pela escassez de gêneros e habitações. A taxa global
interna e por medidas cambiais irrealistas, e traduzidas num co- de crescimento econômico caíra a menos de dois por cento ao ano
mércio exterior emperrado pela burocracia e pelo intervencionismo. e o ritmo inflacionário superava cem por cento.

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Por cima e por baixo de todas essas crises, para as disfarçar Na ordem econômica e na ordem institucional ô que * fizera,
ou justificar, havia o recurso à agitação estéril, o desprezo às ins- portanto, fora bem montar um sistema de impasses, ao qual urgia
tituições, a afronta cotidiana à hierarquia. Os partidos se desinte- contrapor um conjunto de soluções, através da mudança de atitudes
gravam no jogo das barganhas e o processo legislativo se estiolava e da modernização das instituições.
em debates estéreis. Um simulacro de autoridade procurava atri-
Havia um impasse fiscal, traduzido num orçamento cujo déficit
buir sua impotência a um conúbio de forças internas e externas
potencial excedia de 20% a totalidade da receita. Hoje existe um
articuladas para impedir o nosso desenvolvimento, estrangular a
orçamento próximo do equilíbrio, no qual se disciplinou a partici-
nossa independência e aviltar a nossa democracia. A imagem que
pação dos investimentos em relação ao período 1961 a 1963. Com
propositadamente assoalhavam do Brasil era a de um país insultado
a nova reforma tributária que disciplina o imposto de circulação
e espoliado de fora, amarrado e garroteado por dentro, para que
dos Estados e Municípios, o Brasil deixou de ser um arquipélago
não crescesse nem se afirmasse como Nação rica e soberana. Na
fiscal para se tornar um mercado comum.
ânsia de provocar uma indignação coletiva que se voltasse contra
as instituições e o próprio regime, a cupidez de poder não hesitava Quase insolúvel era o impasse cambial de um país endividado
nem mesmo em inventar uma imagem enxovalhada da Nação, tal por anos de irresponsabilidade e que, desprovido de reservas cam-
como queria que fosse vista, para fins de propaganda. biais, teria de pagar no prazo de um ano mais de um bilhão de
dólares, soma equivalente à quase totalidade da receita previsível
Mas ante a aparente passividade com que puderam agir por
das exportações em moeda conversível. Temos agora um país com
algum tempo, não contaram os empreiteiros da desordem e da
crédito externo restabelecido, a dívida regularizada e reservas cam-
desorganização que o País cedo se cansaria da mistificação, cujos
biais que nos permitem negociar com independência.
perigos compreendeu. Vimos então o desgoverno, o descalabro e T

a desintegração despertarem a Nação para a defesa da legalidade Extraordinariamente grave era o impasse habitacional, resul-
conspurcada. Nas Forças Armadas, bem me lembro, cresceu a tante da relutância demagógica em remunerar e recompor os ca-
necessidade da Revolução já reclamada também por ponderáveis e pitais investidos na construção, subvencionando o teto para poucos
decisivas parcelas do meio civil. Pelas armas, se preciso, ir-se-ia à custa do desabrigo de muitos. Deixamos um país com um sistema
preservar a Nação sob a inspiração de ideais renovadores e medidas financeiro de habitação realista e viável, agora enriquecido pelo
saneadoras. Os militares congregaram-se contra os males que hu- Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, e que, em apenas um
milhavam e deprimiam a Nação, a saber: a obstinação de fechar ano, construiu mais habitações populares do que todo o sistema
o Congresso Nacional; o emprego destrutivo do trabalhador contra previdenciário em mais de 20 anos,
o trabalho; o estudante seviciado e lançado contra a educação; o
Não menor era o impasse na política mineral. Um falso na-
crescente desrespeito à propriedade; a progressiva formação das
cionalismo hostilizava os capitais externos sem mobilizar os capitais
«Forças Armadas do Povo»; a mistificação de uma estranha política
internos, confundindo riqueza com matéria inerte no subsolo. As-
externa, rotulada de «Independente»; e, no fundo dessa subversão,
sistimos, presentemente, a um novo surto mineiro, graças a um
a desordem financeira para a insurreição encomendada e para o
Código de Minas modernizado, capaz de diminuir nossa depen-
gozo do poder.
dência em relação ao subsolo alheio. A Petrobrás, voltada agora
Assumi, pois, o Governo num instante em que a economia do para suas tarefas técnicas, e livre da infiltração ideológica, aumentou
País definhava por falta de estímulos e as instituições eram impo- de 50% sua produção de óleo cru e em cerca de 25% sua capa-
tentes para reagir ao desafio partido justamente de quem jurara cidade de refino. A liberação do setor petroquímico para a inicia-
defendê-las. tiva privada provocou um surto de investimentos que dotará o

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de bolsas aos filhos dos trabalhadores, e a aquisição de casa pró-
Brasil, em breve, de um dos grandes parques petroquímicos do pria, mediante programas de cooperativas operárias financiadas pelo
mundo. Banco Nacional da Habitação. Finalmente, temos a máquina pré-
Ruidoso era o impasse rural, pois a reforma agrária fora trans- videnciária unificada, escoimada de desperdício e corrupção, para
formada em tema de agitação demagógica, em vez de ser esforço que sirva realmente aos interesses do trabalhador. Em lugar do
honesto para melhoramento das condições de posse da terra. À ilusório estatuto da estabilidade, burlado pelos patrões e às vezes
implantação da nova tributação sobre o latifúndio improdutivo deturpado pelos próprios trabalhadores, deixamos a estes aberta a
assim como os projetos de colonização melhorarão de forma segura opção de constituírem um patrimônio real, disponível para suas fa-
o panorama agrícola. mílias, conciliando a proteção do trabalhador com a preservação
da produtividade da empresa. E submeti ao Congresso Nacional
Generalizado era o impasse nos serviços de infra-estrutura.
projeto regulador do problema tecnicamente complexo, porém so-
No setor de eletricidade, tarifas irrealistas deixavam aberta apenas
cialmente importante, da participação dos lucros, pondo fim, sem
a opção inflacionária para financiamento de investimentos. A preo-
promessas demagógicas nem irresponsabilidade eleitoreira, a uma
cupação das aparências levou-nos a negligenciar investimentos em
longa omissão do Executivo no cumprimento de dispositivos cons-
distribuição urbana. Temos hoje um programa capaz de dobrar
titucionais .
até 1970 a capacidade instalada com sólida programação técnico-
financeira e adequado apoio de instituições internacionais de cré- Por que não lembrar o impasse militar, no qual, com a autori-
dito. No setor de telecomunicações a falta de investimentos, pela dade e a disciplina abatidas, as instituições armadas se desagre-
indecisão governamental e pelo cerceamento da iniciativa privada, gavam, imperando até o motim? Não demorou, no entanto, a re-
levou a uma crise de efeitos perniciosos simultaneamente para o cuperação das Forças Armadas, cada uma com os seus próprios
desenvolvimento econômico e a segurança nacional. Uma clara elementos e as três ganhando progressivamente condições para
definição de política e a cobrança de taxas realistas permitiram-nos resolverem problemas comuns e para a sua integração profissional.
lançar um programa de investimentos que, em três anos, corrigiram Desenvolto era o impasse estudantil. Caracterizava-o o atenta-
a maior parte do atraso acumulado. No setor de transportes, temos tiva de desmoralizar professores, sobrepor os interesses ideológicos
hoje, pela primeira vez, uma programação decenal, com séria análise aos problemas e necessidades do ensino, ao mesmo tempo em que,
de prioridades dos diversos meios de transporte, por setores e re- mediante escusas fontes de financiamento, se buscava até corromper
giões, com perspectivas de financiamento internacional. Logrou-se a mocidade. Graças, porém, a um esforço determinado e bem orien-
restaurar a disciplina nos portos e na navegação. Têm diminuído tado, foi possível desmascarar-se a tutela do dinheiro e as agências
os deficits ferroviários e a nova legislação de combustíveis permitirá da subversão. Vitalizou-se o ensino, restabeleceu-se a autoridade
a execução de um substancial programa de investimentos rodo- das direções escolares, e a quase totalidade dos alunos se encontra
viários . efetivamente voltada para o ensino e os problemas que lhe são
Bem conhecido era o impasse sindical, resultante da frustrada pertinentes.
tentativa de defender a participação dos trabalhadores na Renda Notório era o impasse da política internacional, que se baseava
Nacional exclusivamente por meio de aumentos nominais de salá- na estratégia do medo e na tática do oportunismo. Fazíamos a
rios. Buscamos métodos mais realistas de assegurar essa partici- gesticulação da independência, enquanto mendigávamos emprésti-
pação: instituímos um regime de verdadeira justiça fiscal, pelo qual mos e recusávamos os austeros sacrifícios que a independência exige.
os mais ricos pagam mais impostos, que financiarão o desenvolvi- Um pseudonacionalismo confundia a afirmação de nosso país com
mento social, e oferecemos aos sindicatos oportunidades para luta- a hostilidade aos outros, e buscava no exercício da arrogância a
rem por benefícios permanentes, como o acesso à educação, através
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sensação do poder. Buscávamos obter assistência para o desenvol- Mais que uma mudança de atitudes, a solução dos impasses
vimento e a melhoria do comércio, não pelo mérito dos projetos, exigia a modernização dos instrumentos e das instituições, por isso
pela seriedade administrativa e competência dos programas, e sim, promovemos a criação do Banco Central, como guardião da esta-
traficando nossas convicções em manobras oportunistas que com- bilidade monetária: a reforma de mercado de capitais, para facilitar
prometiam a segurança e nos expunham ao risco da infiltração o surgimento de toda uma instrumentação financeira do desenvol-
ideológica e da corrosão da democracia. A similaridade das insti- vimento: a reforma administrativa, para tornar mais ágil e eficiente
tuições básicas da livre iniciativa e do sistema democrático, pelas a máquina do Estado.
quais optamos, tornam mais fácil nossa convivência e mais natural
A nova Constituição coroa a obra de modernização institu-
nossa afinidade com os países do mundo ocidental. Mas a afini-
cional, ao estabelecer regras para a elaboração e votação do orça-
dade de sistemas não garante a coincidência de interesses. Como
mento, transformando-o num verdadeiro programa racional de
país em luta pelo seu desenvolvimento temos prioridade e inte-
trabalho.
resses comerciais que muitas vezes diferem daqueles dos países
desenvolvidos do mundo ocidental. Nem sempre nossos interesses Todos os impasses mencionados visavam afinal à desagre-
políticos se exercem na mesma esfera de influência, e cumpre-nos, gação das instituições políticas, para efeito de solapamento das
soberanamente, aceitar não somente o que contribui mas também bases do regime. O sistema de partidos, o processo eleitoral, as
rejeitar o que não concorre para a realização de nossas aspirações relações entre poderes e o convívio da Federação, tudo foi abala-
e, mais do que isso, de nossa vocação nacional — de nos transfor- do, em sua substância, pelo vendaval da irresponsabilidade, desen-
marmos em um país grande e forte, capaz de eliminar a miséria cadeado com fins obscuros e métodos muito nítidos.
de seu povo, ser um elemento de paz num mundo conturbado,
A corrupção eleitoral era estimulada «ab alto», pois se nego-
respeitar os seus vizinhos, exercer o poder sem violência e conquistar
ciava, com o aval do poder, a exaustão dos partidos de oposição
a riqueza sem injustiça. Não é fácil, muitas vezes, conciliar tais
em benefício dos partidos no Governo. Compare-se o número de
aspirações, em certos casos conflitantes. Ainda recentemente, sem
deputados efetivamente eleitos pelo partido do então Presidente,
trair nossa tradição de devotados à causa da paz, soubemos, na
antes de assumir o poder, e o número de deputados que veio
reunião do México, sobre a proposta de desnuclearização da Amé-
depois a ostentar. Essa dança de prestígio, em busca de privilégios
rica Latina, reagir ao que seria, afinal, abdicar de um instrumento
que só o poder garantia, já vinha de longe, é certo, mas foi
hoje indispensável no futuro da Nação, qual seja a utilização plena
aprofundada, no plano federal, bem como no estadual, para elimi-
do progresso da ciência atômica para fins conscientemente pacíficos.
nar a autenticidade do sistema representativo e comprometer a
Assim também é certo que podemos e devemos comerciar livremente
decisão da vontade popular, viciando, pela raiz, o regime de-
com qualquer nação, diversificando nossos mercados e fontes de
mocrático .
abastecimento de capital e tecnologia. Nosso Governo, mais que
nenhum outro, expandiu de 14% o comércio com a área socialista A pletora de partidos, nascidos sob a inspiração sadia de
em relação ao triênio anterior, praticando diariamente a tranqüila permitir um amplo sistema de agremiação de tendências e vocações
independência dos que confiam na força de seus princípios, e não democráticas distintas, passou a ser instrumento de barganha de
a gesticulação verbosa dos que, escravos da estratégia do medo, cargos e de posições, tudo à custa do desmantelamento da admi-
se afirmam continuamente não-alinhados ou independentes porque nistração, da ruína do Tesouro e da perversão da ética política.
querem esconder uma realidade somente possível de conquistar A pluralidade partidária passou a ser promiscuidade partidária:
como o fizemos agora, pelo trabalho, pela seriedade das medidas os programas dos partidos perderam seu sentido de compromisso
e até pelo sacrifício. dos representantes para com os representados; e a indisciplina

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partidária ameaçava converter a tarefa do Governo, de um esforço teria financeira é dispositivo de muitas constituições modernas, em
racional de persuasão, numa transação de interesses pessoais. reconhecimento da necessidade de se manterem programas de tra-
Sob o pretexto de que bases eleitorais importantes poderiam balho coerentes, e de se evitar excessiva propensão política à pul-
ser comprometidas com uma ação responsável, o Poder Central verização de recursos e à formação de deficits inflacionários,
tornara-se complacente, senão conivente com o descalabro reinante capazes de sacrificar a um tempo a estabilidade e o desenvol-
em alguns Estados, onde tinha governadores aliados. Sob o pre- vimento .
texto de que um tratamento justo poderia concorrer para aumentar Conforme assinalei na Mensagem enviada há poucos dias ao
prestígio, o Poder Central impunha o boicote econômico a alguns Congresso Nacional, na abertura da sessão legislativa, «o Brasil
Estados, cujos Governadores não abdicavam das boas normas deixou de ser o país dos problemas impossíveis, do impasse polí-
federativas. tico, da instabilidade social, do imobilismo administrativo».
Era chegado, talvez até já tivesse passado, o momento de
Somos hoje um país capaz de organizar-se e agir objetiva-
perguntarmos, cada um de nós, para que queremos e porque de-
mente, havendo deixado para trás numerosos impasses e tendo à
fendemos o regime democrático. Por certo, não era nem é para
frente variadas opções.
favorecer a corrupção, permitir a subversão da ordem e das insti-
tuições, facilitar a desagregação do poder, provocar o estrangula- Para melhor escaparmos ao imediatismo das soluções e à
mento da economia, o desespero do povo e a desmoralização da permanente improvisação de diretrizes inconstantes, encontrará o
Pátria. futuro Governo um Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico
e Social. Representa um esforço no sentido de consolidar a expe-
No entanto, a tudo isso fomos levados e conduzidos.
riência do passado, mediante uma série de diagnósticos da situação
Por amor à própria democracia tivemos de esperar e aceitar real do Brasil. Podemos dizer que aí se ensaia uma perspectiva
durante longo tempo que os seus inimigos, aliados aos seus amigos de longo prazo, através da formulação de uma estratégia de desen-
incapazes, lhe destruíssem os fundamentos, impedissem a sua volvimento. Poderia dizer que se busca fixar as condições gerais
eficácia e lhe deformassem a destinação. Por amor à democracia, de comportamento da economia, visando ao desenvolvimento ozm
assistimos ao comprometimento do respeito devido ao país no inflação, e disciplinando prioridades através de programas de
exterior e devido às instituições no interior. investimento, cujas perspectivas variam entre cinco e dez anos,
Nesse contexto, nada mais urgente que uma profunda reforma todos sujeitos, porém, a revisões periódicas que os mantenham per-
das instituições políticas, no interesse de preservar a eficácia manentemente atualizados.
do sistema representativo. Obedeceram ao duplo propósito — de Trata-se de uma tarefa pioneira, na qual à dose de ousadia
restaurar a moralidade e promover eficiência — a lei eleitoral, o deve corresponder uma taxa de incerteza, talvez até de erro, como
estatuto dos partidos e agora a nova Constituição, que compõem inevitável em qualquer experimentação ou programação do campo
o processo de reforma política.
econômico e social. Mas, baseado numa análise realista de possi-
Previamente à imposição de prazos para a elaboração legisla- bilidades e limitações, poderá contribuir para reduzir alguns de
tiva, prevalecia estiolante inércia legislativa, que muitos considera- nossos mais arraigados vícios de comportamento político e admi-
vam demonstração de liberdade quando era apenas exibição de nistrativo. Dentre eles lembraria as soluções demagógicas, que, por
ineficiência. Hoje geralmente se reconhece que essa disciplina perseguirem objetivos antagônicos, sacrificam o desenvolvimento
restaurou o Congresso na sua função essencial de legislar para um futuro em busca da popularidade imediata; as soluções dilató-
país em desenvolvimento. A limitação de sua iniciativa em ma- rias, que adiam problemas sob a pretensão de resolvê-los; e solu-

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ções utópicas, aparentemente sedutoras, por encararem questões mente subestimado nos programas de desenvolvimento econômico,
que são, no fundo, de produção e produtividade como se fossem apesar de fundamentais para a melhoria de produtividade do
problemas de repartição e caridade. agente econômico.
Analisadas várias estratégias exeqüíveis de desenvolvimento, Estima-se ainda, no Plano Decenal, devermos acrescer, anual-
podemos contemplar como realizável uma perspectiva de apreciá- mente, de 3.4 milhões o número de alunos novos nas escolas
vel crescimento da capacidade de produção de bens e serviços, primárias, 3,8 milhões as matrículas no ensino médio, 219 mil no
inclusive pela melhor utilização da capacidade ociosa de alguns ensino superior, e manter uma taxa anual média de incremento de
setores e pela absorção de novas tecnologias. Esse objetivo pode 4,3% na formação da mão-de-obra profissional.
e deve ser conciliado com um declínio da taxa de inflação nos pri-
Nada menos de 3.6 milhões de unidades residenciais poderão
meiros anos, até se atingir a estabilidade.
ser construídas no próximo decênio, atender ao crescimento da
As prioridades de plano se configuram claramente. Há que população e corrigir parte do atraso acumulado.
ampliar e consolidar a infra-estrutura econômica notadamente no
Subjacentes às quatro grandes prioridades setoriais a que me
campo da energia, transportes e telecomunicações. Programamos
referi, e para que possam ser atendidas, há dois fatores de ordem
um acréscimo de doze e meio milhões de quilowatts entre 1967 e institucional a considerar. O primeiro é o fortalecimento da
1976 na capacidade instalada de energia elétrica, mobilizando, empresa privada nacional, na fase de transição, em que é necessário
segundo esquemas realistas, recursos internos e internacionais. A substituir os estimulantes mórbidos do período inflacionário por
nossa produção petrolífera, dependendo de lograrmos êxito no um conjunto de diretrizes políticas estáveis, visando à remoção dos
desenvolvimento de novos campos — perspectiva razoável à luz principais obstáculos à expansão da empresa nacional, notada-
das ind cações existentes — poderá aumentar de 360 mil barris-dia, mente o problema do capital de giro, o problema da produtividade
até o fim do decênio. Delineamos um esforço maciço para recupe- e o problema do acesso a fontes de recursos internacionais.
ração do atraso no setor de telecomunicações, agora preparado
para uma taxa anual de crescimento. Além da implementação da reforma administrativa, para corre-
ção da exasperante ineficiência da máquina estatal, a substituição
Uma segunda prioridade diz respeito à transformação tecnoló- do ímediatismo e da improvisão por um mecanismo racional de
gica da agricultura e à modernização do sistema de abastecimento, desenvolvimento exigirá a consolidação dos instrumentos de plane-
principalmente para os grandes centros urbanos. O desenvolvi- jamento e coordenação econômica.
mento da indústria de fertilizantes e o seu suprimento a preços
Julgamos de nosso dever, através do Plano Decenal, dar ao
razoáveis para o agricultor poderão ter alta prioridade.
novo Governo uma contribuição construtiva, que não me foi dado
No setor industrial, as perspectivas de rápida expansão herdar, no sentido de economizar tempo de elaboração e pesquisa,
parecem concentrar-se nas indústrias siderúrgicas, de bens de capi- na busca de soluções e opções. Assim a tarefa de Governo se
tal, metais não ferrosos, química e petroquímica, papel e celulose. iniciará com um adequado montante de informações e elementos de
A produção de lingotes de aço, por exemplo, poderá ampliar-se juízo, que não dispensam nem atenuam a intransferível responsa-
de uma e meia vezes no próximo decênio. Mas é preciso também bilidade das decisões, que lhe cabe tomar, mas que contribuirão
modernizar as indústrias tradicionais de bens de consumo, com para diminuir a angústia da escolha, abater o inevitável coeficiente
vistas ao aumento de sua produtividade. de erro e aumentar o grau de racionalidade das linhas de ação.
No setor da infra-estrutura social, está considerado grande A experiência de Governo e, mais do que isso, a experiência
impulso aos programas de educação, habitação e saneamento, geral- colhida fora do Governo, ensinaram-me a distinguir a origem de

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algumas atitudes que podem viciar o poder e desencaminhar a
opinião pública. Percebi ser sempre mais fácil adular o povo do cujo devotamento à restauração da dignidade e da eficiência na
que respeitá-lo. Nisso a demagogia vence e substitui a democracia, administração constitui extraordinária página de desapego a tudo
porque é mais cômodo prometer soluções e transferir problemas, quanto não seja contribuir para dar melhores dias ao Brasil.
do que enfrentar a impopularidade de soluções que desgostam a Também não poderia esquecer os ocupantes dos altos escalões da
uns e prejudicam a outros embora beneficiem a maioria. administração pública, tão rica de servidores exemplares, que
Verifiquei ser mais fácil e mais sedutora a teoria do desenvol- enobrecem a classe a que pertencem e honram os quadros do funcio-
vimento do que a prática do desenvolvimento, porque a primeira nalismo nacional. E se me apraz uma palavra de Justiça e reco-
promete obras sem o senso de prioridade, deformando as insti- nhecimento à capacidade dos que tanto me ajudaram, também não
tuições e deixando de lado os investimentos que não são espeta- devo esquecer o alto espírito de cooperação que dominou o convívio
culares, mas que são absolutamente indispensáveis à continuidade de toda a área governamental, sem quebra do prestígio e da auto-
do processo de crescimento. Por isso entendi que o desenvolvi- ridade que nunca deixei de deferir aos Ministros de Estado, e aos
mento, antes das obras, exige uma mudança de instituições e de chefes dos gabinetes Militar e Civil. A todos, na exigüidade
atitudes. Aprendi a distinguir entre a exigência da liberdade, destas palavras, quero testemunhar o meu agradecimento pessoal e
que é legítima, e que por ser legítima não isenta de deveres, e o
o muito que lhes deve o país.
abuso da irresponsabilidade, que nada mais representa do que
uma preocupação obsessiva com os direitos adquiridos e um Ao transmitir o poder ao Governo que, em nome do povo, foi
esquecimento sistemático dos deveres descumpridos. legitimamente constituído pelo Congresso Nacional, anima-me uma
Aprendi, também, e deve estar ainda vivo na consciência da certeza: a de que entrego ao meu sucessor um país organizado,
Nação, que há profunda incompatibilidade entre a promessa de cheio de opções, e não como o recebi, atado por problemas ina-
facilidades e a exigência de emancipação econômica, porque a diáveis e dificuldades intransferíveis. O que está longe de signi-
nossa independência dependerá, cada vez mais, da nossa capaci- ficar que não deva enfrentar problemas de trabalhos e dificuldades.
dade para financiamento, internamente, os nossos investimentos. Estou, porém, seguro, e estes são os meus votos mais sinceros, que
De pouco valem as frases feitas de independência, se não estivermos o país terá na sua direção um governante com as condições recla-
dispostos a reunir recursos na área pública e privada, para a madas pela árdua tarefa de liderar uma nação em pleno desenvol-
abertura de novas frentes. Nenhum país, novo ou velho, capita- vimento .
lista ou socialista, se desenvolve na irresponsabilidade política, no
consumo supérfluo, na ostentação acintosa, ou no criminoso desre- Ireis permitir que já ao chegar ao fim desta exposição ainda
gramento. A nossa decisão de crescer, para ser efetiva, precisa vos anuncie algumas observações baseadas na experiência do
ser corajosa, para ser profunda, precisa ser paciente, para set governante que chega ao termo da sua missão.
urgente, precisa ser coletiva.
Ressaltarei, inicialmente, que a consciência das responsabi-
Governei com estas convicções porque a Revolução me impôs lidades de hoje deve ser medida pela consciência dos riscos de
o dever, a obrigação e a responsabilidade de olhar por cima dos amanhã. Por isso aceitei com humildade, mas com plena firmeza,
grupos, dos partidos e das classes o interesse do país e o interesse a responsabilidade de desagradar aos que somente se lembravam
do povo.
do presente e aos que apenas pensavam no passado. O destino de
Mas tudo quanto fizemos devo-o, principalmente, à dedicada um pais não pode depender da soma de algumas vaidades e de
colaboração dos meus imediatos auxiliares, os Ministros de Estado, alguns ressentimentos. Uma nação é muito mais do que essas
mesquinhas parcelas, pois é a soma de suas decisões conscientes.
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dever, a verdade é nunca faltarem os que insistem em preferir
Entendi que alguém, no Governo, precisava se desvincular
sacrificar a segurança do futuro em troca de efêmeras vantagens
dos mitos e enfrentar a realidade, porque os mitos fingem soluções
do presente, bem como os que põem as ambições pessoais acima
mas não aplacam a fome, nem removem problemas.
dos interesses da Pátria. De uns e outros desejo esquecer-me.
Entendi que alguém, no Governo, devia sobrepor-se aos Pois a única lembrança que conservarei para sempre é a do extraor-
grupos de pressão e defender as instituições, porque o interesse dinário povo, que na sua generosidade e no seu patriotismo, com-
destas é permanente e coletivo, e o daqueles episódico e egoísta. preensivo face aos sacrifícios e forte nos sofrimentos, ajudou-me
Alguém, no Governo, precisava entender que o Brasil não a trabalhar com lealdade e com honra para que o Brasil não
é uma mentira que consola, mas uma realidade que comove pela demore em ser a grande Nação almejada por todos nós.
quantidade de miséria iludida e pela quantidade de riqueza despre-
zadas.
Alguém, no Governo, precisava aceitar que o Brasil não é
dos que se dizem marginalizados porque não lhes foi dado o
poder que queriam.
Alguém, no Governo, precisava compreender que o Brasil não
é dos que se dizem traídos, porque lhes foi negada a oportunidade
de traírem.
Entendo sim, e o declaro nesta hora solene, que as esperanças
do povo brasileiro se orientam no sentido de um desenvolvimento
contínuo, baseado, fundamentalmente, no esforço e na capacidade
nacionais. Entendo que nossas vontades exigem que não enga-
nemos o povo com falsas miragens para esconder amargas decep-
ções, pois nenhum sacrifício será insuportável para o povo se
o verdadeiro objetivo for a nossa independência como Nação.
Não quis nem usei o poder como instrumento de prepotência.
Não quis nem usei o poder para a glória pessoal ou a vaidade
dos fáceis aplausos. Dele nunca me servi. Usei-o, sim, para
salvar as instituições, defender o princípio da autoridade, extinguir
privilégios, corrigir as vacilações do passado e plantar com pa-
ciência as sementes que farão a grandeza do futuro. Usei-o para
enriquecer o país, preparando-o para realizai a felicidade das
gerações de amanhã. Usei-o para advertir a nação contra a
demagogia, alertá-la contra o desenvolvimentismo inflacionista,
preveni-la das suas responsabilidades, pois somente assim o Brasil
será suficientemente forte e lúcido para construir a democracia,
alcançar o progresso e preservar a independência. E se não me
foi penoso fazê-lo, pois jamais é penoso cumprirmos o nosso
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12. DEMOCRACIA
TRANSMISSÃO DA FAIXA PRESIDENCIAL AO
MARECHAL COSTA E SILVA, EM 15 DE MARÇO
DE 1967.

Da essência da democracia, sem dúvida, é que o Poder,


direta ou indiretamente emanado do povo, seja sempre temporário.
Assim, ao término do meu mandato e nos termos da eleição que
o sagrou cabe a Vossa Excelência iniciar novo período presidencial.
Neste ato, tão propício a suscitar renovadas esperanças, também
se concretiza, como assegurado há muito pela legislação revolu-
cionária, a fase derradeira de um calendário eleitoral, posterior-
mente ratificado na Constituição de 1967.
Para amam, constitui uma honra, a par de gratos sentimentos
pessoais, entregar a Vossa Excelência a chefia do Poder Executivo.
Faço-o seguro de que o Brasil vive hoje um grande dia da
Revolução de 31 de março, um marco decisivo, também, na história
da democracia brasileira. Pois, longe de lhe ser incompatível,
o movimento restaurador de 1964 deu ao regime democrático
impulso e força nova para a sua atualização. E os brasileiros
podem estar certos de que não foram em vão os sacrifícios que,
infelizmente, houve que se lhes pedir para que o Brasil venha
a ser a grande nação que já antevemos no horizonte da história.
Realmente, instituiu-se e praticou-se a legalidade revolucio-
nária, com o objeto primacial de corporificar as aspirações nacionais
de aperfeiçoamento da Democracia, de segurança no progresso
e de afirmação da soberania. Embora, inerente como é a todas
as revoluções e justamente porque lhes cumpre aprimorar e trans-
formar, fosse mister o período do processo revolucionário que
hoje se encerra e cuja valia e grandeza a posteridade julgará.

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Houve quem dissesse, imaginando tisnar com uma suspeita
a autenticidade democrática desta solenidade, que haveria aqui,
não uma passagem de Governo, mas uma rendição de guarda.
Maneira sutil, essa, de envolver a Vossa Excelência e a mim num
militarismo, a esta altura, mais do que em qualquer outra oportu-
nidade, retardatário e reacionário. E significa, também, não só
o esquecimento de que tudo enaltece este Ato, que, identificados,
praticamos perante a Nação, mas, também, o desconhecimento de
que representa na verdade, em relação à honra, ao cumprimento
do dever e à firmeza ante quaisquer sacrifícios, uma rendição
de guarda.
Posso afirmar que, enquanto honrado com o cargo que hoje
a Vossa Excelência transfiro, tudo fiz, num esforço continuado
e sem quaisquer desfalecimentos, para cumprir a missão que me
coube. Na extrema medida das minhas possibilidades, empenhei-me
em favor do progresso, da soberania e da paz dos brasileiros,
tais como as entendi em sã consciência. E o fiz, como é próprio
de todas as guardas, com honra, com autoridade e senso total
das responsabilidades assumidas, buscando deixar um legado de
exemplo a todos os meus compatriotas.
Finda a missão, passo-a a Vossa Excelência. Se algo diferir,
estou certo não será o objetivo, ainda hoje o mesmo que nos
animou naquela jornada de 31 de março. E o roteiro da guarda
é aquele que Vossa Excelência há pouco leu em compromisso
constitucional perante os representantes do povo.
Desejo, pois, formular, a Vossa Excelência e a seu Governo,
animado pelos mesmos sentimentos que sempre nos aproximaram
e que, por tão antigos, parecem perder-se no tempo, os mais
calorosos votos de bom êxito. Que Deus inspire a Vossa Exce-
lência, no proporcionar ao País dias cada vez melhores, no
assegurar o bem-estar coletivo e no fortalecer a posição do Brasil
no concerto das Nações.

— 1974
DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL
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