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A EXPRESSÃO DE GRAU: PARA ALÉM DA MORFOLOGIA

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1 author:

Marcia Machado Vieira


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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 63

A EXPRESSÃO DE GRAU: PARA ALÉM DA


MORFOLOGIA

Sílvia Rodrigues Vieira


Márcia dos Santos Machado Vieira

RESUMO

Este trabalho aborda a expressão de grau na Língua


Portuguesa nos planos do conteúdo explícito e im-
plícito. Procede-se ao levantamento dos diversos
mecanismos de gradação a partir da observação de
um corpus da fala de informantes não-escolarizados.
Por meio dos resultados obtidos, sublinha-se a im-
portância dos diversos níveis gramaticais para o tra-
tamento da questão do grau.

PALAVRAS-CHAVE: Gradação; comparação; re-


cursos lingüísticos.

Introdução

P
rocesso cognitivo avaliativo do mundo, a gradação/intensificação
constitui um recurso semântico-argumentativo muito produtivo
na língua portuguesa, empregado para indicar que a dimensão ou a
intensidade de dado elemento ultrapassa os limites do que se concebe como
relativamente normal/neutro a ele. Por exprimir uma avaliação de tama-
nho, de quantidade, de qualidade ou intensidade de determinado ser, o
grau pressupõe, explícita ou implicitamente, juízos de graus anteriores.
Desse modo, pode-se afirmar que a noção de grau implica sempre com-
paração entre pelo menos dois valores de uma escala gradativa.
A comparação consiste, então, em um recurso argumentativo utili-
zado para a definição de um elemento pelo cotejo com outro, o qual serve
de referencial. É na inter-relação semântica entre os valores graduais do
termo comparado e do termo comparante que se instaura a significação gradativa
de um enunciado.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
64 A expressão de grau: para além da morfologia

A costumeira e tradicional associação da noção de grau a uma


categorização morfológica não deixa ver os diversos mecanismos disponí-
veis no sistema lingüístico para a expressão de valores gradativos. A gradação
pode ser expressa, em diferentes níveis lingüísticos, por meio de mecanis-
mos diversos, tais como: morfemas; itens lexicais de base nocional ou de
base gramatical; recursos prosódicos; “figuras de linguagem”; estruturação
de sintagmas e orações; repetições de enunciados; correlação; dentre ou-
tros. Assim sendo, adota-se, neste trabalho, uma concepção de grau que não
se restringe ao âmbito exclusivo do enunciado, mas que o ultrapassa na
medida em que considera a situação discursiva e os diversos elementos que
a caracterizam, chegando-se a reconhecer o conteúdo gradativo “presente”
naquilo que está “ausente” – os pressupostos e os subentendidos.
Apresentam-se, aqui, os processos de gradação/intensificação – explíci-
tos ou implícitos – identificados na fala de pescadores fluminenses, com base
em uma perspectiva teórica que revê a conceituação tradicional de grau (nor-
malmente ancorada em mecanismos morfossintáticos explícitos) à luz de
parâmetros da Análise do Discurso. Com essa perspectiva, tenciona-se alcan-
çar uma descrição lingüística abrangente do fenômeno na qual se considerem
aspectos referentes ao enunciado e à enunciação e se proceda a um tratamen-
to quantitativo e qualitativo da questão do grau pautado na conjugação das
interfaces fonética, morfossintática, semântica e pragmática.

As bases teóricas desta descrição


Embora não se tenha por objetivo detalhar o amplo universo que
envolve a perspectiva adotada, a análise que ora se propõe baseia-se em
concepções propostas pela Análise do Discurso, considerando-se os fatos
lingüísticos como resultados de um processo interativo – eu e tu –, cuja
significação se revela no contexto comunicativo e se reflete na própria
língua. Trata-se, portanto, de uma concepção da linguagem como uma
ação intersubjetiva que se concretiza no discurso – “texto efetivamente
realizado que se constitui de um todo significativo independentemente de
sua extensão”1. É nesse contexto que se insere a noção de grau como um
recurso argumentativo presente nos diversos níveis da língua.

1
PAULIUKONIS, M. A. Função argumentativa da correlação. In: PEREIRA, C. da C.
(Org.). Miscelânea de estudos lingüísticos, filológicos e literários in memoriam Celso Cunha. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995. p. 337-349.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 65

Em primeiro lugar, assume-se que o grau constitui um fenômeno


constituído não somente de um “componente lingüístico”, mas também
de um “componente argumentativo”2 – um fenômeno característico do
que é a língua, concebida como argumentação. Desse modo, a língua não
constitui mero conjunto de signos que se associam para informar, mas
um rico leque de possibilidades que permite ao homem relacionar-se com
o outro, em uma busca constante de persuasão. Pode-se dizer que a co-
municação admite, nesse sentido, uma função basicamente “afetiva” –
uma troca de sentimentos que “afeta” os seres envolvidos na situação
comunicativa e que indica os rumos do discurso. Assim sendo, a ativida-
de lingüística envolve os indivíduos por meio de uma relação dialógica,
em que se busca, acima de tudo, a reafirmação e a aceitação de valores que
se concretizam no ato de argumentar. A esse respeito, pronuncia-se
Ducrot3:
Para encontrar uma saída, é preciso admitir - sob o risco de
ser acusado de lingüista-ficção – que o ato de fala
fundamental, aquele, em todo caso, que se exprime através
da maioria das frases comparativas, é o ato de argumentar,
de obrigar outrem, através das palavras que pronunciamos,
a dirigir-se para tal ou tal tipo de conclusão.

Um estudo do grau que se enquadra nas concepções acima esboçadas


haverá de se inscrever em um contexto amplo das realizações lingüísticas,
que o reconheça nas marcas de subjetividade da língua. Assim sendo, será
necessário abordar o fenômeno em um nível mais abrangente do que o de
sua realização formal – nível que chegue a admitir que “toda a significação
é gradual. Todas as palavras da língua são suscetíveis de serem utilizadas
segundo graus”4. Nesta concepção, há que se considerar a gradação como
um fenômeno que perpassa a língua em sua realização formal, atinge “os
espaços de intersubjetividade, que a língua reserva na rigidez do sistema,
onde a prática da linguagem se inscreve ao mesmo título que a verdade”5
– nível de subjetividade que, aparentemente, não se pode alcançar. Nesse
2
VOGT, C. O intervalo semântico. Contribuição para uma teoria semântica argumentativa.
São Paulo: Ática, 1977.
3
DUCROT, apud VOGT, op. cit., p. 16.
4
DUCROT, apud ALONSO, C. L. Où em est la linguistique? Paris: Didier Erudition, 1992.
p. 67.
5
VOGT, op. cit. , p. 31-32.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
66 A expressão de grau: para além da morfologia

nível, não se pode deixar de considerar os pressupostos e os subentendi-


dos; é nos implícitos do discurso que, muitas vezes, se encontra o sentido
de um enunciado. Em outras palavras, depende do conhecimento da situ-
ação discursiva, em que se concretiza uma dada intenção, a compreensão
do enunciado – “entidade observável”, “seqüência acústica ou gráfica que
a atividade de seu autor faz surgir ‘hic et nunc”6.
A compreensão do significado que advém da relação enunciado-
enunciação parece inserir-se em um campo localizado entre esses dois as-
pectos, de modo que captar o sentido de um enunciado significa penetrar
nos “espaços de subjetividade” que compreende essa relação. Assim, al-
cança-se o “local” que contém a chave para a significação do que se “fala”:
“É no intervalo entre a língua e a fala, entre a competência
e a performance, entre o enunciado e a enunciação, que estes
marcadores de subjetividade habitam, pondo em xeque a
rigidez destas dicotomias e criando sob a barra (/) do silêncio
lógico os túneis de passagem dos murmúrios da história. É
neste intervalo que a linguagem é atividade e é nele que o
homem a possui e é possuído” 7.
Essa noção de intervalo semântico contribui, valiosamente, para a
compreensão da gradação. Trata-se de um fenômeno subjacente ao fazer
lingüístico cuja atuação se encontra, basicamente, em um nível que abran-
ge os conteúdos não-explícitos – os pressupostos e os subentendidos.
Ducrot8, estabelecendo esses conceitos, oferece uma descrição para a “sig-
nificação do enunciado, fora de suas ocorrências possíveis”, e meios para
que se “ultrapasse o terreno da experiência e da constatação, e que se esta-
beleça uma hipótese”9. Cabe apresentar, no entanto, uma distinção entre
esses conceitos – enquanto “o pressuposto é parte integrante do sentido
dos enunciados, o subentendido diz respeito à decifração desse sentido
pelo destinatário”10. Não obstante essa diferença, o que cabe ressaltar é
que se pode instaurar, em ambos os fenômenos, a significação gradativa,
6
LEAL, M. da G. F. Lúcio Flávio Pinto X Eletronorte: a vitória do papel. Uma leitura
argumentativo-política. 1993. Dissertação (Mestrado)_Universidade Federal de Pará,
Belém 1993. p. 19.
7
VOGT, op. cit., p. 32.
8
DUCROT, O. Pressupostos e subentendidos; a hipótese de uma semântica lingüística. 1988.
9
DUCROT, op. cit., p. 13.
10
LEAL, op. cit., p. 26-27.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 67

inserida em um processo argumentativo – na pressuposição, tal processo


está diretamente vinculado ao enunciado produzido; no subentendido, a
significação dada poderá variar segundo a interpretação de cada partici-
pante da situação discursiva do contexto.
Diante dessa concepção de grau, resta o problema: como realizar
um estudo da gradação em uma dada língua, visto que seus pressupos-
tos teóricos parecem estar vinculados a um objeto subjetivo, não palpá-
vel, basicamente implícito? A esse respeito, deve-se sublinhar que a pro-
posta apresentada admite que qualquer tentativa de interpretação e de
descrição do plano da significação – que se encontra também no nível
do implícito – deve pautar-se no ato concreto do discurso, partindo,
sempre, de um suporte lingüístico. Assim, não pode haver interpreta-
ção semântica sem apoio da estrutura do texto11. Esse cuidado constitui
um passo importante para que o estudo do grau possa estar isento “do
caráter fugidio do significado” e do “subjetivismo” que, em nada, é fiel
à “subjetividade” da língua. Admite-se, portanto, que essa subjetividade
é passível de uma formalização no uso da língua, revelada no ato
discursivo.

Para a descrição e a classificação dos processos gradativos: um


estudo de caso
A fim de oferecer evidências de que a expressão de categorias semân-
ticas se dá de forma variada e nos diversos níveis lingüísticos, este traba-
lho propõe-se a identificar diferentes estratégias de expressão de grau. Para
tanto, analisam-se amostras de fala semi-espontânea extraídas do corpus
geral do projeto APERJ (Atlas Etnolingüístico dos Pescadores do Estado
do Rio de Janeiro). Essa descrição baseia-se fundamentalmente na análise
de duas entrevistas – com cerca de uma hora cada – a dois pescadores,
ambos analfabetos, sendo um da faixa etária B (35 a 65 anos) e outro da
faixa C (66 anos em diante). Esses inquéritos (identificados pelas siglas
SFI010B e CAM096C) foram realizados, respectivamente, nos municípi-
os de São Fidélis e Cambuci, situados às margens do rio Paraíba do Sul,
no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

11
PAULIUKNOIS, op. cit. 1995.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
68 A expressão de grau: para além da morfologia

A coleta das ocorrências de contextos em que se verificou a expres-


são de grau resultou em um total de 560 dados. De modo geral, verificou-
se que diversos são os processos gradativos utilizados na situação discursiva,
e que eles podem figurar de modo explícito ou implícito. Separaram-se,
ainda, os casos de expressão de grau que aparecem implicados pela pró-
pria significação de alguns itens lexicais12.

TIPOS DE GRADAÇÃO OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA

Explícita 179/560 32%

Por meio de itens lexicais 209/560 37%

Implícita 172/560 31%

Tabela 1: Aplicação dos processos gradativos numa amostra de 560 dados

As freqüências de emprego dos três tipos de processos gradativos


estabelecidos apresentam-se de modo bastante semelhante. Ocorre uma
pequena variação entre os índices percentuais, a qual indica que o falan-
te tanto utiliza os processos de gradação explícita, tradicionalmente
enfocados nos estudos gramaticais, quanto os processos de gradação ex-
pressa implicitamente ou mediante o conteúdo semântico do próprio
item lexical, geralmente pouco ressaltados ou mesmo omitidos nesses
estudos. Esses resultados revelam, portanto, a importância de se atentar
para a dimensão semântico-pragmática do enunciado. O número signi-
ficativo de ocorrências de gradação implícita comprova a relevância do
valor dos implícitos no discurso, muitas vezes posto em segundo plano
em decorrência de se privilegiar os aspectos morfossintáticos na expres-
são do grau.

12
A expressão do grau por meio de itens lexicais foi separada dos demais casos pelo fato de
conter uma especificidade: a expressão lexical da gradação mantém, em certa medida,
relação com as outras duas categorias. De um lado, assemelha-se à primeira categoria pelo
caráter “explicitude”, mas difere dele pelo fato de isso não se revelar pelo aspecto formal/
estrutural/gramatical (Não se trata de morfossintaticamente explícita, mas “lexicalmente”
explícita.). De outro, assemelha-se ao tipo implícito pelo fato de a significação gradativa
do item verbal revelar-se no contexto discursivo (e não unicamente pela forma em si).
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 69

Gradação explícita
Identificam-se processos explícitos de intensificação de substantivos,
adjetivos, advérbios e, ainda, de verbos, ampliando-se, assim, o quadro de
classificação tradicionalmente proposto13. Trata-se da expressão de signi-
ficado gradativo por meio de expedientes morfológicos, sintáticos ou se-
mânticos presentes na estrutura focalizada.
A. Processos intensificadores do substantivo
1. Aumentativo
a. de forma sintética - Ex.: um paredão feito na beira do rio
b. de forma analítica - Ex.: nós havemos grande... grande chuva
2. Diminutivo
a. de forma sintética - Ex: é um ventozinho que só é fresco
b. de forma analítica - Ex.: o que acontece na Colônia é como toda a cidade
pequena
3. Superlativo
a. relativo
i. de superioridade - Ex.: O lugar que tem mais areia aqui na lagoa a gente
chama de coroa.
ii. de inferioridade - Ex.:A parte do rio que tem menos peixe é ali perto
daquela poluição.
b. absoluto analítico - Ex.: muita madeira... muita coisa... então... se
junta muito destroço
4. Comparativo
a. de superioridade - Ex.: eu conheço as pedra mais do rio do que essas
pedras da rua ai
b. de inferioridade - Ex.: o rio tem menos peixe do que camarão
c. de igualdade - Ex.: tanto o mestre como um camarada... quase
ficaram cego

13
As gramáticas tradicionais, normalmente, atribuem grau a substantivos, adjetivos e
advérbios, relacionando a noção de aumento e diminuição ao substantivo e a de gradação
comparativa e superlativa a adjetivos e advérbios.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
70 A expressão de grau: para além da morfologia

GRADAÇÃO EXPLÍCITA NO SUBSTANTIVO OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA

Aumentativo sintético 06/98 6%


Aumentativo analítico 21/98 21%
Diminutivo sintético 25/98 26%
Diminutivo analítico 06/98 6%
Superlativo absoluto analítico 29/98 30%
Comparativo de superioridade 09/98 9%
Comparativo de igualdade 02/98 2%

Tabela 2: Atuação dos processos intensificadores do


substantivo de forma explícita

Além dos graus aumentativo e diminutivo, tradicionalmente vincu-


lados ao substantivo, outros processos de intensificação são produtivos.
Dos 98 exemplos, os maiores valores percentuais são de superlativo abso-
luto analítico (30%), diminutivo sintético (25%) e aumentativo analítico
(21%). Há, ainda, ocorrências de comparativo de superioridade (9%),
aumentativo sintético (6%), diminutivo analítico (6%) e comparativo de
igualdade (2%). Embora alguns valores sejam menos expressivos em ter-
mos percentuais, os resultados revelaram-se significativos, haja vista o
fato de atestarem a existência de processos intensificadores distintos dos
graus aumentativo e diminutivo.
Não ocorreu exemplo algum de construção sintática com grau su-
perlativo relativo, o que parece sugerir que, no uso da variedade não-standard
da língua portuguesa, a idéia de superlativo é expressa primordialmente
por sua forma analítica. A construção do superlativo analítico do subs-
tantivo apresentou comportamento análogo ao do adjetivo, como de-
monstram os exemplos: “o sete-barba é o camarão mais valioso” e “o sete-barba é o
camarão que tem mais valor”. Registre-se, ainda, a possibilidade de uso do grau
comparativo de superioridade e de igualdade para o substantivo.
Vale ressaltar, ainda, uma tendência verificada na amostra: a intensi-
ficação de algo costuma se dar sempre em direção ao grau máximo. Entre
os dados analisados, não se encontrou caso algum de grau comparativo de
inferioridade do substantivo.
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No que concerne aos graus aumentativo e diminutivo, constatou-se


que, para expressar grau aumentativo, a forma analítica é mais empregada
do que a sintética, enquanto, para expressar grau diminutivo, a constru-
ção sintética é mais requisitada do que a analítica.
No tocante ao aumentativo analítico, chama atenção a freqüência
da anteposição do adjetivo intensificador em relação ao substantivo. Das
21 ocorrências desse tipo, 14 casos são de adjetivos antepostos, como no
exemplo abaixo:
Ex.: “é porque o rio... o: Paraíba... durante o verão... tá?... nós
havemos grande... grande chuva... tá?... nas cabeceira... né?... que o:
Paraíba nasce: na Serra da Bocaina”
Logo, o que tende a ser considerado como escolha estilística do fa-
lante (a anteposição) figura, na verdade, pelo menos no corpus analisado,
como a opção mais comum. Ademais, percebe-se que, com a anteposição
do adjetivo intensificador, o falante pode dar maior ênfase ao enunciado.
Desse modo, a posição do elemento intensificador parece desempenhar
papel relevante na expressão da noção de grau.
É interessante comentar, também, os casos de intensificação dos subs-
tantivos mediante “boa” e “tremenda”, uso de adjetivos distintos dos
comumente indicados (grande/pequeno) para a indicação de gradação.
Exs.: “daqui a gente olha quando lá embaixo as nuvens está rasteiro
a gente sabe que de tarde é uma ventania tremenda pra cima ... o mar está
agitado jogando vento”
“nesse ano nós tivemos uma boa ... não foi uma... uma das grandes
enchente... mas tivemos uma boa quantidade d’água no rio Paraíba”
Com respeito ao diminutivo, chama a atenção o uso redundante desse
recurso de gradação. Em 31 casos de grau diminutivo do substantivo, regis-
traram-se 6 ocorrências em que se observa a reaplicação dessa noção:
Exs.:”é o cascudo... ele só ... só vive na laje de pedras... só come
aquele limo fiNInhozinho que junta na pedra”
“quan/ quando é pequenininha nós não tratamos de ilha... tratamos
de cambulhão... tá?... cambulhão são ilhotas pequenininhas que vêm
formando”
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
72 A expressão de grau: para além da morfologia

“o fel é uma bolinha deste tamanhozinho com um líquido igual a


um carvão”
A redundância ocorre tanto no caso de diminutivo analítico quan-
to no de diminutivo sintético. Talvez isso se deva ao fato de o diminuti-
vo implicar outros significados além do de gradação dimensiva. Tendo em
vista o amplo leque de significações que pode adquirir esse grau, supõe-
se que o falante, ao necessitar expressar a noção de tamanho pequeno,
recorra à repetição do mecanismo, uma vez que o percebe esvaziado da
sua significação de gradação dimensiva.
B. Processos intensificadores do adjetivo
1. Aumentativo sintético - Ex.: Peixe grandão aqui... ah você encontra só
no mar mesmo.
2. Diminutivo sintético - Ex.:quando o mar está lá limpinho
3. Superlativo
a. relativo
i. de superioridade - Ex.: pra mim a lua mais importante ... é da Nova...
até a... Crescente
ii. de inferioridade - Ex.: O camarão menos pescado é esse pequenini-
nho aqui.
b. absoluto
i. sintético - Ex.: até pra fiscalização é dificílimo ...
ii. analítico - Ex.:”porque a rede tem cinqüenta malha de altura muito
alta ...
4. Comparativo
a. de superioridade - Ex.: é um meio do: pescador tá? dele conseguir um
material mais barato
b. de inferioridade - Ex.: o menos ruim isso é de acordo com a posição
que a pessoa vai
c. de igualdade - Ex.:”o cachoeiro... tá? o vento não é tão importante
quanto a chuva...
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 73

GRADAÇÃO EXPLÍCITA NO ADJETIVO OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA

Diminutivo sintético 10/45 22%

Superlativo relativo de superioridade 06/45 13%

Superlativo absoluto sintético 02/45 4%

Superlativo absoluto analítico 19/45 42%

Comparativo de superioridade 05/45 11%

Comparativo de inferioridade 02/45 4%

Comparativo de igualdade 01/45 2%

Tabela 3: Atuação dos processos intensificadores do adjetivo de forma explícita

Os resultados obtidos para os processos intensificadores dos adjeti-


vos revelam os mecanismos mais produtivos: grau superlativo absoluto
analítico (42%), diminutivo sintético (22%), superlativo relativo de supe-
rioridade (13%) e comparativo de superioridade (11%). Os demais tipos
de grau foram menos empregados.
Com relação ao grau superlativo absoluto, constata-se que a for-
ma analítica tem maior produtividade no dialeto estudado do que a
sintética. Supõe-se que tal fato decorra do baixo grau de formalidade
do tipo de discurso analisado. Como a construção de superlativo abso-
luto sintético é mais formal do que a de superlativo absoluto analítico,
é natural que ocorra maior número de exemplos de grau superlativo
absoluto analítico.
Nos exemplos de superlativo relativo registrados, verifica-se o pre-
domínio do grau de superioridade. Não foi encontrado caso algum de
superlativo relativo de inferioridade. Mais uma vez, observa-se a tendên-
cia à intensificação em direção a uma gradação máxima, tendência que
também pode ser observada nos casos de grau comparativo.
Quanto aos graus aumentativo e diminutivo, pode-se observar, na
tabela 3, que nenhum caso de aumentativo sintético foi registrado. Em
compensação, o número de dados de adjetivos com sufixo diminutivo
revelou-se bastante significativo. Talvez o pouco uso de sufixo
aumentativo possa ser explicado pelo fato de esse morfema atribuir, pre-
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
74 A expressão de grau: para além da morfologia

dominantemente, a noção de gradação dimensiva, o que limitaria as possi-


bilidades de suas ocorrências. Já no caso do diminutivo, por ser o sufi-
xo -inho bastante empregado exprimindo significados variados além do
de dimensão, seu índice torna-se maior.
C. Processos intensificadores do advérbio:
1. Aumentativo sintético - Ex.: Cheguei tardão
2. Diminutivo sintético - Ex.: ela está cedinho no meio do céu
3. Superlativo
a. relativo
i. de superioridade - Ex.: Tentei chegar o mais cedo possível.
ii. de inferioridade - Ex.: Coloquei os peixes o menos perto possível dos
mantimentos.
b. absoluto
i. sintético - Ex.: Os camaradas chegaram tardíssimo ontem do mar.
ii. analítico - Ex.: existe muito pescador muito pouco legalizado...
4. Comparativo
a. de superioridade - Ex.: Ela está mais perto do que você pensa.
b. de inferioridade - Ex.: O pescador está pescando menos
freqüentemente na lagoa do que pescava antes.
c. de igualdade - Ex.: Hoje a gente pinta o barco tão freqüentemente
quanto o possível.
Quanto aos advérbios, registraram-se 7 vocábulos com sufixo di-
minutivo e nenhum com sufixo comparativo. Esse número de dados é
representativo, visto que, no cômputo geral, esse tipo de processo
intensificador é o mais empregado (58%). Esse resultado reveste-se de
maior importância quando se verifica que, nas gramáticas tradicionais,
esses casos não se encontram incluídos na classificação proposta, sen-
do focalizados em observações à parte, como se constituíssem uma
espécie de “exceção” à regra.
Com relação aos processos gradativos atribuídos tradicionalmente
aos advérbios, constata-se que em geral eles têm pouca produtividade.
Dentre eles, o que mais ocorreu foi o grau superlativo absoluto analítico
(42%, sendo 5 dados num total de 12 ocorrências).
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 75

D. Processos intensificadores do verbo:


1. Superlativo absoluto analítico - Ex.: trabalha-se muito ... mas pra
ganhar miséria”
2. Comparativo
a. superioridade - Ex.: nós vemos ele mais ... den/ na época do inverno.
b. inferioridade - Ex.: nós vemos ele menos ... den/ na época do inverno.
c. igualdade - Ex.: Ele come tanto quanto bebe.
Como ilustram os enunciados, os verbos também são passíveis
de intensificação. Vale lembrar, a esse respeito, das observações de
Rocha Lima14 acerca da possibilidade de acréscimo de sufixo diminuti-
vo a verbos (O bebê está dormindinho.) e pronomes (Aquelezinho me
aprontou uma. Nem te conto.).
O processo mais freqüentemente empregado é o de superlativo ab-
soluto analítico (67%, 16 casos num total de 24 ocorrências). Em seguida,
verificam-se ocorrências de grau comparativo de superioridade (29%, 07
em 24) e de inferioridade (4%, 01 em 24). Os percentuais dos tipos de
grau comparativo comprovam, uma vez mais, que, quando compara, a
tendência do falante é a de intensificar para mais.

Gradação expressa por meio de itens lexicais


A gradação expressa por meio de itens lexicais caracteriza-se pelo
fato de a significação estar veiculada pelos traços semânticos presentes na
constituição do próprio item lexical, o qual encerra uma noção de
gradação/intensificação. Em outras palavras, a noção de grau veiculada
por esses vocábulos independe da construção morfossintática em que se
inserem, da entonação com que são pronunciados ou de outros fatores.
Na maioria das vezes, o próprio radical apresenta o traço semântico
relativo a grau. A título de exemplificação, listam-se, a seguir, ocorrências
de cada uma das classes:

14
ROCHA LIMA, C. H. da Gramática normativa da língua portuguesa. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1988.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
76 A expressão de grau: para além da morfologia

 substantivo: abundância / maioria / bocado


 adjetivo: igual / inteiro / diferente
 verbos
- que indicam aumento/intensificação para mais: juntar / aumentar /
crescer / encher / melhorar / começar / alastrar / escurecer / clarear
- que indicam diminuição/intensificação para menos: descer / baixar /
bastar / diminuir
- que indicam comparação: parecer
A. Base nocional
1. Substantivo - Ex.: tem ... a maioria do peixe é alimentado com o
limo da pedra”
2. Verbo - Ex.: melhorou muito
3. Adjetivo - Ex.: ali é uma filtração ... é igual a um filtro ...

GRADAÇÃO EM ITENS LEXICAIS OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA


DE BASE NOCIONAL

Substantivo 07/52 13%


Verbo 29/52 56%

Adjetivo 16/52 31%

Tabela 4: Gradação expressa por meio de itens lexicais de base nocional

Uma parte considerável dos casos de gradação em itens lexicais de


base nocional concentra-se na classe dos verbos (56%). O fato de os
verbos se destacarem pode constituir uma confirmação da noção semân-
tica relativa a processo, comumente atribuída a essa classe. Conceben-
do-se que a expressão da gradação se dá em um processo que conduz aos
limites máximos ou mínimos de um dado aspecto, justifica-se a produti-
vidade dos itens lexicais verbais.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 77

A atuação dos verbos, no que se refere à gradação, ocorre, por


vezes, associada à questão do aspecto verbal. A noção de intensificação
é acentuada pela expressão do aspecto durativo, visto que os processos
de aumento/intensificação para mais ou de diminuição/intensificação
para menos se encontram em curso para o seu limite – máximo ou
mínimo. A importância do aspecto para a veiculação da noção de
gradação pode ser verificada até em verbos cuja base lexical, por si só,
não expressa intensidade, como por exemplo o verbo formar nas seguin-
tes orações: “cambulhão são ilhotas pequenininhas que vêm formando” e “me disse
que vai... que está formando temporal ... acabou o homem”. Diante dessas obser-
vações, acredita-se que um estudo específico do aspecto verbal poderá
ser de grande valia para a compreensão dos mecanismos de gradação da
língua.
B. Base gramatical
1. “todo”/”tudo”/”nada” - Ex.: “não digo... não sei todos... eu digo
eu... porque eu... eu uso... eu sou um cara muito fisionomista... eu
guardo muito tudo o que eu faço... eu marco... eu guardo porque eu
boto espinhel... a armadilha minha dentro d’água... não marco... não
boto bóia não boto nada...
2. “só”/”apenas” - Ex.: não... só pesco no Rio Paraíba”
3. “nunca”/”sempre” - Ex.: não... sempre prejudica um pouco... sem-
pre prejudica”
4. “como”/”que nem” - Ex.: marola alta... não é altíssima que nem o
mar não
5. “quase” - Ex.: “é um camarão feito quase do tamanho de uma
lagosta...
6. “qualquer” (= todo) - Ex.: “{ não... qualquer lugar dá pra ancorar...
aqui pra cima...
7. “tanta” - Ex.: eu nunca vi tanta velocidade no mundo ...”
8. “ninguém”/”nenhum(a)”/”algum(a)” - Ex.: não existe pescador nenhum
... que pense igual.
Encontram-se ocorrências de todos esses itens, que perfazem um
total de 157 dados.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
78 A expressão de grau: para além da morfologia

GRADAÇÃO EM ITENS LEXICAIS OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA


DE BASE GRAMATICAL
todo (a) / tudo / nada 69/157 44%

só / apenas 40/157 25%

nunca / sempre 08/157 6%

como / que nem 13/157 8%

Quase 06/157 4%

tanto (a) 03/157 2%

ninguém / nenhum (a) / algum (a) 13/157 8%

qualquer (=todo) 05/157 3%

Tabela 5: Gradação expressa por meio de itens lexicais de base gramatical

Mostram-se mais produtivos os casos de “todo(a)/tudo/nada” (44%) e


“só/apenas” (25%). É interessante observar as noções gradativas que esses
itens denotam: (1) totalidade – em termos presentes ou ausentes –, o limi-
te máximo de uma escala de grau em uma dimensão quantitativa (todo/
tudo/nada); e (2) a exclusividade de um aspecto em oposição aos demais (só/
apenas). Constata-se, assim, a importância desses itens, visto que sua pro-
dutividade indica que alguns pontos em uma escala de gradação estão bem
delimitados na língua e são, constantemente, utilizados por seus falantes.

Gradação implícita
Na amostra investigada, é possível observar sete tipos de gradação
implícita:
A. Construções por oposição
Trata-se de estruturas em que a comparação se manifesta por meio
da oposição semântica entre o termo comparante e o termo comparado. Pelo
contraste entre esses termos, tem-se, então, a noção de grau haja vista o
fato de eles representarem dois valores da escala de gradação.
Ex.: robalo não é peixe de água violenta ... robalo é peixe de água
parada
B. Figuras de linguagem
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 79

As chamadas figuras de linguagem atuam como um recurso


argumentativo que pode expressar de forma implícita a noção de gradação/
intensificação /comparação.
1. Metáfora - Ex.: eu embaixo do barco... estou dentro de casa ...
pode chover a noite inteira
2. Metonímia - Ex.: a gente pega bota o barco por cima da cabeça do
canal
3. Onomatopéia - Ex.: o peixe ronca ... RRRO ... RRRO
4. Personificação - Ex.: “ toda a água ele [o arco-íris] está bebendo ela
pra cima de novo
C. Expressão intensificadora/comparativa
Determinadas construções figuram como meio de enfatizar ou in-
tensificar a idéia a que se refere o falante. Algumas dessas construções
consistem em estruturas cristalizadas que se encontram disponíveis no
léxico da língua com sentido conhecido para os falantes.
Ex.: aí também é ... é a mesma coisa que um avião... é a mesma
coisa
Há, no entanto, outras estruturas que são criadas no momento da
enunciação cujo sentido é depreendido no contexto discursivo, conforme
se verifica no exemplo abaixo.
Ex.: isso eu digo porque eu acompanho desde a época de abundância
... quando tinha MUITO)... quando se matava... se pegava é... é:...
lagosta... a... a... com dedo
Com a expressão “com dedo”, o falante criativamente intensifica ao
máximo a facilidade de pegar lagosta com que em certa época se contava.
D. Entonação
1. Registraram-se exemplos de interjeições que expressam gradação em virtude da entonação
com que são produzidas. - Ex.: se a lua tem importância na pesca... TEM... uh e
como tem
2. Observou-se, ainda, o caso do pronome “aquele” em que é bastante nítido o efeito
da entonação como elemento enfático, intensificador e comparativo. - Ex.: deu uma en-
chente... jogou aquela ingazeira ... aquela pauzaria ... aquele lixo ...
naquela coroa né
E. Referência exofórica
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
80 A expressão de grau: para além da morfologia

Por meio da referência exofórica, o falante estabelece a dimensão do


ser de que fala, ao se referir a algo que se encontra no contexto
extralingüístico. A comparação entre o elemento de que fala e seu refe-
rente no contexto extralingüístico pode ser expressa particularmente
mediante o emprego de “assim” e “desse tamanho”.
1. “assim” - Ex.: ela tem uma perfiliação do lado assim ó ... de um
lado e de outro ...
2. “desse tamanho” - Ex.: um camarão do tamanho de uma lagosta ...
desse tamanho assim...
F. Repetições (do significante)
O recurso da repetição de vocábulos, sintagmas ou orações, por ve-
zes reforçado pela entonação, serve para intensificar ou enfatizar a idéia
expressa pelo falante.
1. de vocábulos - Ex.: é um lodo fininho ... fininho que fi/ que assenta
na pedra”
2. de sintagmas ou orações - Ex.: “então largaram pra lá ... aquelas
canavieiras que veio ... veio brotando e veio alastrando e veio brotando e
... sabe o mato brota fácil né”
G. Estruturação de sintagmas ou orações
Tem-se, ainda, para expressar intensificação e ênfase, a utilização dos
seguintes recursos que se valem da estruturação de sintagmas e orações:
1. Repetição (do significado) por meio de paráfrases e exemplos de
mesma natureza
Ex.: eles não: acha que: que pescar não é preservar... pescar tem
que preservar... tem que cuidar ele tem que zelar
2. Encadeamento semântico crescente/decrescente de estruturas lin-
güísticas
Ex.: “antigamente era SUDEPE hoje é o IBAMA ... fiscalizar...
prender... sacrificar o pescador não resolve problema... o que resolve
problema é conscientizar ele”
3. Emprego sucessivo de numerais denotando aumento ou diminui-
ção da quantidade
Ex.: ilhas que tem aí... trinta alqueire... ilha de cinqüenta alqueires
de terra... ilhas com dez... com quinze... com vinte... isso tem... de São
Fidélis pra cima o rio é totalmente cortado
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 81

A freqüência desses tipos de gradação implícita distribui-se da se-


guinte forma:

GRADAÇÃO IMPLÍCITA OCO/TOTAL FREQÜÊNCIA

Construção por oposição 27/172 16%

Figuras de linguagem 37/172 21,5%

Expressão intensificadora/comparativa 42/172 23,5%

Entonação 11/172 6,5%

Referência exofórica 10/172 6%

Repetição do significante 11/172 6,5%

Estruturação de sintagmas ou orações 31/172 18%

Tabela 6: Atuação de processos intensificadores de forma implícita

Observe-se que 16% dos 172 dados de gradação implícita constitu-


em casos de construções por oposição. Deve-se lembrar que esse valor se
refere, apenas, aos casos em que os dois termos da comparação se encon-
tram presentes no enunciado. Assim, corrobora-se, com esse resultado,
que os pontos de uma escala gradativa se identificam, exatamente, por
serem diferentes dos demais – os objetos, os seres só possuem determina-
das características porque não possuem outras que se lhes opõem. Ao
tecer considerações relativas aos seres, o falante tem em mente, de um
lado, um ponto/extremo de referência “ideal” e, de outro, os seus
contrapontos. A comparação pelo oposto é, portanto, um mecanismo
produtivo para a expressão do grau.
A utilização de figuras de linguagem manifesta-se um mecanismo
possível para a expressão do grau (21,5% dos 172 dados de gradação implí-
cita), em cada um dos tipos identificados: metáfora (21 ocorrências num
total de 37 dados de figuras de linguagem, o que perfaz 56%), metonímia
(04 em 37, 11%), onomatopéia (03 em 37, 9%) e personificação (09 em 37,
24%). A expressão metafórica é a figura encontrada com maior freqüên-
cia no corpus estudado (56%), o que confirma ser produtivo o estabeleci-
mento de relações comparativas entre os seres, transferindo-se a significa-
ção própria de uma palavra para outra palavra.
Vieira, Sílvia Rodrigues; Vieira, Márcia dos Santos Machado.
82 A expressão de grau: para além da morfologia

Outros recursos com que conta o falante são: (i) expressões


intensificadoras (cristalizadas ou não), que perfazem, na amostra analisa-
da, o maior número de casos de gradação implícita (23,5%, dos 172 da-
dos); (ii) referência exofórica (6% dos 172 dados); (iii) mera repetição do
significante tanto no nível do vocábulo quanto no dos sintagmas ou ora-
ções (6,5%), fato já atestado pelas gramáticas tradicionais.
A entonação é um importante recurso prosódico para a expressão
gradativa sendo, nos tipos estabelecidos para este item, a única responsá-
vel pela veiculação da noção de grau. Observando-se os casos de “aquele”,
confirma-se a importância da entonação para expressar gradação. Em exem-
plos do tipo “não era qualquer homem, era AQUELE homem”, é, exatamente, a
entonação que transmite a medida, o valor que tem o ser de que se fala –
um homem – para o falante. Outro vocábulo que também se reveste desse
papel intensificador por conta da entonação é “assim”, forma mais produ-
tiva de se expressar gradação por meio de referência exofórica no corpus
estudado.
Outro tipo de gradação implícita diz respeito à “estruturação de ora-
ções” (18%), que se reveste desse caráter intensificador ou gradativo com
base num destes três expedientes discursivos: na repetição de uma dada
idéia por meio de paráfrases e exemplos, na intensificação semântica ex-
pressando aumento/diminuição da quantidade por meio de numerais ou
no encadeamento semântico crescente ou decrescente de estruturas lin-
güísticas. Constitui, assim, um mecanismo para expressão de grau a confi-
guração de períodos que, de forma crescente ou decrescente, apresente o
encaminhar-se da idéia para seu limite – máximo ou mínimo.

Considerações finais
Sublinha-se aqui a importância das diversas interfaces da situação
discursiva para o tratamento da questão do grau. Os resultados obtidos
demonstram o caráter amplo da atuação dos processos gradativos, os quais
podem ser expressos explícita ou implicitamente, por meio de expedien-
tes de natureza morfossintática, lexical, semântica e prosódica. Com base
nesses resultados, elaborou-se um roteiro de classificação de variados re-
cursos semântico-pragmáticos para a expressão de grau, que se organiza
em três tipos de processos gradativos: (i) explícito, (ii) por meio de itens
lexicais e (iii) implícito.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 63-83, 2008 83

A descrição dos processos gradativos ora proposta, ainda que preli-


minar, buscou (1) determinar os mecanismos morfossintáticos, lexicais e
semânticos efetivamente empregados em textos orais distensos, (2) defi-
nir parâmetros para a classificação de tipos de gradação, fundamentada
em uma avaliação, na medida do possível, objetiva, e (3) sistematizar ele-
mentos implícitos que figuram como subentendidos/pressupostos no dis-
curso. Quanto à variedade popular norte-fluminense, cabe ressaltar que
os falantes, independentemente do fato de terem baixo nível de escolari-
dade, dominam mecanismos diversos de intensificação e/ou gradação,
muitos dos quais nem sequer estão descritos na literatura gramatical ou
lingüística.

ABSTRACT

This essay addresses the expression of gradience/


intensification in Portuguese, considering explicit and
implicit contents. Several mechanisms of gradation
have been proposed, taking into consideration the
speech of Brazilian low literacy informants. Based
upon results, the importance of several levels for the
treatment of gradience is emphasized.

PALAVRAS-CHAVE: Gradience; comparison;


linguistic resources.

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