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Anlonio Kchl
Ellml«A Cowrocro
Ditctorc,füorial:Jaim~Píru/ry
RuaDr.José Elias. S20-AIIOda Lapa
0S083.030- Slo Paulo- s,
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www.cdi1oracontcx10.corn.br
A
Geraldo,
2011
Geraldinho (in memoriam),
Beto e Bete,
Proibidaa reprodução10t3Iou parcial.
Os infratoresserio processados na forma da lei. Lúcia e Edgar.
Norma, uso e gramático escolor 129
daí, considere que tenha sido a intenção do falante ao produzir UMAAMOSTRADA LIMITAÇÃOA QUE SE
aquele enunciado.
SUBMETEUUMA DETERMINADATRADIÇÃO
Esse é um recorte m·tificial:como se eu tivesse paralisado um momento da DE ENSINO DE GRAMÁTICA
interação verbal efetiva. tivesse congelado a imagem no momento da produção e
recepção de uma expressão linguística. Obviamente esse flash tem de ser multipli- Para ilustrar a discussão com temas concretos de análise. escolhi dar uma
cado e complicado. com falante e ouvinte mudandoconstantemente (e até remon- amostra da limitação a que se têm submetidocertos temas, a partir de uma escola
tadamente) de papel. como bem nos lembram as superposições da fala. que se fechou numa determinadatradição de ensino de gramática, e, também. que
Quanto mais a interpretaçãoesteja próxima da intenção, mais bem-sucedida se fixou em determinados registros. Vamos falar preferentementedos processosde
terá sido a comunicação. incluindo-seaí até a possibilidadede que a intenção tenha constituição do enunciado. e. dentro deles. da referenciação.Como o que pretendo
sido uma interpretaçãodúbia. isto é. até de que a ambiguidade tenha sido pretendi- é contemplar especialmente o modo pelo qual a escola vem tratando ternas como
da. Afinal. dentro dessa moldura pragmática que governa a interação. o que se faz esses. vou estribar minhas reflexõesem material enco111rado em livros didáticosem
é produzir sentido, tanto quem emite a expressão linguísticaquanto quem a recebe. uso nas escolas de Ensino Fundamental.Contemploparticularmentea utilizaçãoque
É isso, pois. o que fazemos com a nossa gramática: vem sendo feita de tiras e quadrinhoshumorísticoscomo supor:tepara transmissãode
a. submetemo-nos a um núcleo duro que governa a parte "computacional" dos lições nas aulas de Língua Portuguesa,e especialmenteporque esse tipo de material
arranjos: aparentementecaracterizaria modernidadede proposta. e. então. tínhamoso direito
de esperar que incorporassea modernidadedas reflexõesda Linguística.
b. manejamos um conjunto de opções, com as quais ajustamos nossas produ- Antes de tratar os temas que constituemdeclaradamente''lições de gramática''
ções para, compondo sentido, obtermos sucésso na interação, conseguirmos, nesses livros, vou volt.arà questão - que levantei no início destas reflexões - da
realmente, interagir. nacurezada interação verbal, apontando a importânciade que a escola leve o aluno
à compreensão da natureza do estabelecimento do circuito de comunicação, até
E, a partir daí. a pergunta é: por que, na escola, não refletirmos_com os
alunos sobre o que, realmente, representa "falar e escrever melhor", exatamente para que ele aprenda a refletir sobre a própria atividade de compor enunciados, e,
o objetivo do ensino de língua portuguesa declarado pelos professores (Neves, assim, se aproprie das ..regras" da gramáticade sua língua.
1990a)2? Também farei isso inspirada no material gráfico ·'moderno'' e sugestivo - as
tiras e as histórias em quadrinhos - que os livros oferecem, especialmente para
Falar e escrever bem é, acima de tudo, ser bem-sucedido na interação. E isso
mostrar que, representativa.~de atividades de interlocução. e em geral muito in-
ocorre de maneiras diferentes, como diferentes são as situações de comunicação
teligentes, essas peças poderiam ser a porta de entrada para riquíssimas reflexões
e as funções privilegiadamente ativadas: é levar alguém a agir, se era isso o que o
sobre a atividade de linguagem e para introduçãodo aluno na observação dos pro-
falante pretendia (e agir do modo como ele pretendia), é fazer alguém acreditar,
cessos de constituição do enunciado. e. no entanto. na maior parte das vezes, apa-
se isso era o necessário no momento (e, como o que está em questão não é a ética,
recem nos livros como curiosidade. ou apenas para garantir ao livro um atestado
podemos até dizer, sofisticamente (Neves, 1987, p. 35-44): acreditar "entenden-
de engajamento com o mundo em que os alunos vivem. Chamo a ~tenção,també~,
do", se isso convinha, ou até acreditar "não entendendo", se era o que convinha),
para o mau aproveitamento dos bons textos que os hvros de hoJe - verdade sep
e assim por diante; ou é, afinal, por exemplo, obter apenas fruição do interlocutor,
se a predominância da "função poética" era pretendida. dita - muitas vezes abrigam.
Obviamente - como já apontei no início - todas as situações de interação
linguística estão em questão: formais e informais; com língua falada e com língua A falta de inserçãodos análisesno modelo de interação
escrita; de relação simétrica e de relação assimétrica. São todas questões que têm verbal
de ser contempladas nas reflexões, porque os resultados de sentido estão em fun-
ção dessas condições. Nas reflexões sobre o estabelecimentodo circuito de comunicação, duas são
as situações problemáticas mais gerais:
• o interlocutor não reconhecer a intenção:
132 a...egr(lmónc:oe,tvdorno escolof N0<ma~uso e gramáticocscoJar 133
• haver desconhecimentoda infonnação pragmáticado interlocutor. O que se vê é que o primeirofalante não consegueque o segundoentre no
Veja-se. prirneiramente,corno o texto que segue poderia servir para ilustrar circuito que ele tenra estabelecer:o segundo enunciado configurnque não houve
com grande felicidadeuma sitm1çãodesse tipo: recuperaçãodo primeiro.e. assim.que nãoesrá havendo,realmente.interlocução.Os
enunciadosdos dois interlocutoresficamisoladosentresi: cada um dessesenunciados
De manluio pai blllia 1111porta do quartodo filho: é só de quem o produziu.e acaba a conversa,isto é. a inremçãonão se estabelece.
-Acorda, meufilho. Acorda. que está na hora de você ir para o colégio. Ourro bom exemplo dessa incomparibilidacle está na históriaem quadrinhos
transcrira a seguir. que tem a meradede ~eus quadrinhos com silêncio dos intcr-
Ln dP dPmrn. estre1111111hotlo,
n filhn respn11dPu:
Jocurores. porque a intenção do pnmctro fala111e é frustrada. e isso exatamente
- Pai. eu ltoje 11(/0 vou ao colégio. E 11<io
vou por três razões: primeiro, porque sua mensagem não se afina com a narureza da "cabeça" do interlocutor.
porque eu es1oumorto de sono; segundo.porque eu detesto aquele colégio; O resullado é o silêncio. que. ~omadoao pedido de repetição da mensagem. é ,1
terceiro, porque eu não (lguemomais aqueles meninos. própria marca da frusrração:
E o pai respondeulá de/ora:
- Você tem que ir. E tem que ir, exa1ame111e,
por três razões;primeiro, por-
que você 1e111 dever a cumprir; segundo, porque você já 1e111
11111 45 anos;
terceiro, porque você é diretor do colégio.
(Anedorinhasdo Pasquim. Rio de JMeiro: Codecri, 1981)
Trata-se de uma situação de inreraçãoem que os interlocurorestinham todo
o conhecimento necessáriopara o sucesso da rroca linguística, sucesso. afinal, ob-
tido. Mas o leitor - que é. também. um interlocuror.apenas noutro plano de inte-
ração - não rem a informação referente a um dos interlocutores, e fica, áré certo
ponto do andamenroda inreraçãolinguística.incapacitadode acompanhá-la dentro
do seu real enquadre interlocutivo,vindo daí, exaramenre,o efeito de humor.
Ainda para refletirsobre a possibilidadede um trabalho,junto aos alunos, de
compreensãode situaçõesproblemáticasna interação,selecioneivárias liras e alguns
outrosquadrinhosexistentesem livrosdidáticosadoradosna rede pública,materialesse
que. em geral. é usado para que, nas suas poucas palavras,os alunos encontremsubs-
camivos,pronomes.preposiçõesetc. e que poderiaser aproveitadopara emender-se,
por exemplo,a variadapossibilidadede falhasque impedemo bom êxito da interação.
Vejamos uma riraem que está ilusrradoum caso extremo de falta de sintonia
entre os dois interfocurores:
1·
l'ORQI/EONARtl~ C{NI{
1111.LlM BAIII (IM LUGARONDE
{ S( JI/IITAMA BOA C(RVE.JA.
1
I
SEMPRE COÇA QUANl)OAS
MÃOSll,4 CENTT{STÁO
! :~~=~!! f OCIJPAOASt A GENTr
tii~
134 Que grom6ticoestudar no escola? Norma, uso e gromóticoescolar 135
Na tira seguinte, observa-se bem a necessidade,por parte do ouvinte, de co- Essa falta de conhecimentodo ouvinte, que seja do mesmo nível que o do
nhecimentodo mesmo nível que o do falante, paraque possa recuperar com suces- falante. pode ser corrigida por este, que se antecipa e supre a necessidade.como se
so a niensagem recebida. O segundo interlocutornão tem, aí. esse conhecimento. vê nesta outra tira:
e a intenção não é recuperada.
OOUEO('.ARA /)IÇ,(EQIIAMJO
IIOCf RF,('lAMQIJ VO PRF(O
QI tF.EU'C.OBl10U
l'RA
CvNS8/TAR cJ 8Allr01
Afi~~I-\.IM
~
Até que o falante diga Ele vive ali. voltando-separa a realidade exterior,
para mostrar um imponente castelo. o enunciado anterior não faz sentido, e, por-
tanto, a intenção não é recuperada.
Na tira seguinte, é o ouvinte que encontra.na realidade que o cerca, pistas de
que não está recuperando adequadamentea interpretaçãopretendida pelo falante,
ou de que há algo falso na fala deste: afinal. pistas de que as duas pontas da intera-
ção não estão afin11das,e que há um reajuste u ser feito.
""·....e,~é O l-<()IJ60,
,A.lt1WZ-1Wo-mo O ouvinte pode, também,sentindo a impossibilidadede recuperar a intenção
(
do falante, solicitar complementaçãodo enunciado para que seja possível a recons-
trução da mensagem, e haja, realmente,interação. É o que se vê nesta Lira:
~!tj
136 Ovegramático estudar no escola? Norma, U$o0e gromóticoescdur 137
~~----
..,....
Glt,ACAlA
CM!""'
.&'l!U
1>1DND()
111rl"l. ÍIW>ES\
~i
•
ii"
~JJ,.
0
-;.;'
-=:--. ~
.
Se nem o falante corrige a falta de ,tjuste no conhecimento dos interlocu- Essa última oferece oportunidade feliz para uma reflexãosobre o papel da
tores nem o ouvinte encontra pistas que corrijam as distorções, ele pode dar-se metáfora na conversação de todos os dias, e não apenas como "figura de lingua-
por satisfeito, mesmo saindo da conversa com uma interpretação absolutamente gem". A interação, aí, não é bem-sucedida, e exatamenteporque o ouvinte não faz
oposta à pretendida pelo falante, como ocorre com o Recruta Zero na tira transcrita a transferência metafórica que constitui a chave da interpretação.Com efeito-. e
a seguir. Trata-se de um exemplo cabal de insucesso da interação, por isso mesmo isso pode muito bem ser trabalhado com os alunos - a metáfora está no p~ópno
fonte muito feliz de efeito humorístico. fazer da linouaoem ela é continuamente chave de interpretaçãodos. enunciados.
o e, '
porque, na verdade, falamos por metáforas. Afinal.me1áforanão é simplesmente
um item de lição de estilística. ,
O papei dos processos cognitivos no sucesso de uma interlocuçã? tambem
é questão importante para reflexão em sala de aula. Por exemplo, na tira que se
mostra a segmr.· foi· um erro na ·111,erencia
, • ·, do ouv·n1e
1 que levou ao msucesso na
recuperação plena da mensagem.
-
, '7,. ., ,.
,. •'f'i'•
. ~ ...
8-1
140 Que gromóficoestudar no escalo? Norma, usoe gromáricoescolar 141
Afinal,só há interlocução,mesmo,quando os ouvintes se sentemparticipan- E. por último, não poderia faltar aqui um exemplode sucessona interação,
tes do mesmouniverso de conhecimento,de sentimentose de atitudesque possam verificando-seque isso ocorre, no caso, porquetodosos requisitossãopreenchidos.
conviver num mesmo palco de discussão. Na história que abaixo se apresenta. Na tira colocada a seguir temos um ouvinte que está de possede conhecimentosu-
temos a sucessão de três falas iniciais altamente apelativas, que aparentemente ficientedo falante que a ele se dirige, e, assim,é capazde recuperaradequadamente
teriam grande efeito sobre os ouvintes, mas que se perdem sem resposta porque até um enunciado mentiroso, reconhecendo,mesmo,a sua falsidade:
falta essa compatibilidade.O engajamento dos interlocutoressó ocorre na quarta
fala, em si menos impactante, mas que naquele mundo- trata-se de uma conversa
de crianças - é altamente envolvente:
À noitinha a mãe chegou, viu a caixa, mostrou-se satisfeita, dando a impres- dispositivo opcional, que permite lo11gascaminhadas a campos de futebol.
são de que já esperava a entrega do volume. O menino quis saber o que era, Sabendo manejá-lo, sem forçar, tem garamia para suportar crianças até
se podia abrir. A mãe pediu paciência, 110 dia seguime viriam os técnicos seis anos. Porém não coma histórias, e não convém i11sistir,pode desgastar
para instalar o aparelho. O equipamento, corrigiu ela, meio sem graça. o circuito do monitor.
Era 11111equipamento. Não fosse tão largo e alto, podia-se imaginar um O garoto se decepcionou 11111pouco, sem demonstrar isso à mãe, que pare-
conjunto de som, talvez um sintetizador. A curiosidade aumentava. À noite o cia encantada.
menino sonhou com a caixa fechada. Ligado à tomada elétrica (funcionava também com bateria). o equipamento
Os técnicos chegaram cedo, de macacão. Eram dois. Desparafusaram as paterno já havia colocado os chinelos e, sem dizer 11111apalavra, foi até à
madeiras, juntaram as peças brilhantes umas às outras, em meia hora insta- mesa e apanhou o jornal.
laram o boneco, que não era maior do que 11111homem de mediana estarura. A mãe puxou o filho pelo braço:
O filho espiava pela fresta da pona, tenso.
- Agora vem, filhinho. Vamos lá para dentro, deixa teu pai descansar.
A mãe o chamou:
Em um deLenninadoponto da lição, o livro didáticoapresentaexercícios de
- Fi/hi11ho,vem ver o papai que a mamãe trouxe.
"gramática" sobre pronomes, e um deles. que passo a comenLar,ilustramuito bem
O filho entrou na sala, acanhado diante do artefato estranho: era um bone- o desperdício em que se consútui o tempo gasto com a sua resolução:
co, perfeitamente igual a um homem adulto. Tinha cabelos encaracolados, Substitua os tennos destacados por pronomes:
encanecidos nas têmporas, usava Trim, desodorante, fazia a barba com gi-
lete ou aparelho elétrico, sorria, fumava cigarros king-size, bebia uísque,
a. Os técnicos chegaram cedo, de macacão.
roncava, assobiava, tossia, piscava os olhos - às vezes um de cada vez -, b. O filho espiava pela fresta da porta.
assoava o nariz, abotoava o paletó, jogava tênis, dirigia carro, lavava pra-
tos, limpava a casa, tirava o pó dos móveis, Jazia strogonoff.· ace11diaa c. A mãe também necessitava de companheiro.
11111
churrasqueira, lavava o quintal, estendia a roupa, passava a ferro, engo- d. Os técnicos e a mãe olhavam admirados para o boneco.
mava camisas, e dentro do peito tinha um disco que repetia: "Já fez a lição?
Como vai, meu bem? Ah, estou tão cansado! Puxa, hoje tive um trabalhão e. Maria e suas amigas também queriam um ZYR-14.
dos diabos! Acho que vou ficar até mais tarde no escritório. Você precisava Comentemos os três primeirositens desse exercícioproposto:
ver o bode que deu hoje lá na firma! Serviço de dono de casa 111mcaé reco-
nhecido! Meu bem, hoje não!" a. Os técnicos chegaram cedo, de macacão.
O menino estava boquiaberto. Fazia tempo que sentia falta do pai, o qual No texto, o pronome eles não caberia- como pretendea lição - no lugar de
havia dado o pé. Nunca se queixara, porém percebia que a mãe também os técnicos. Em termos informativos.aí, nesse ponto do texto, é crucial a menção
necessitava de um companheiro. E ali estava agora o boneco, com botões, a tais personagens. É justamente esse sintagma,os técnicos, que acaba por compor
pai11éisembutidos, registros, totalmente transistorizado. O menino eme11- em definiúvo a ideia de que a caixa que chegoucontém um equipamentoque deve
dia agora por que a mãe trabalhara o tempo todo, muitas vezes chegando ser montado, e que as pessoas que o montarãochegaram cedo de macacão.
bem tarde. Juntava economias, sabe lá com que sacrifícios, para comprar
b. Ofilho espiava pela fresta da porta.
aquele paizão.
Se, no texto, 0 pronome ele fosse colocado no ~ugarde o ~Ih~ - c~mo quer
- Ele conta histórias, mãe?
o exercício _ esse pronome não faria a referênciadevida: a referencia sena ao bo-
Os técnicos olharam o garoto com i11diferença. neco, e não ao filho. Observe-sea sequência:
- Esse é o modelo zrR-14, mais indicado para atividades domésticas. Os técnicos chegaram cedo, de macacão. Eram dois. Desp~rafusar~m as ma-
Não conta histórias. Mas assiste a televisão. E pode ser acoplado a 11111 deiras, juntaram as peças brilhantes umas às outras, em meta hora instalaram
144 Que gromótico ostudor no escalai
Nonno, uso e 9romó~caescolar 145
o boneco,que não era maior do que um homem de medianaestatura.Ofil/ro a oportunidade de fazer reflexõesproveitosassobreo exercícioda linguagem.do
espiavapela/resta da porta, reuso. tipo das que se indicam a seguir:
c. A mãe também necessitavade um companheiro. 1. Refletir sobre a frase em discursodireto
Ora. essa frase está no trecho:
- Ele conta histórias, mtie?
O menino estava boquiaberto. Fazia tempo que sentiafalta do pai, o qual
havia dado no pé. Nunca se queixara. porém percebia que a mãe também para mostrar a referência a um objeto presentena situação.feita pelo pronomede
necessitava de 11111companheiro. terceira pessoa do di~curso,que não tem precipuamenteessa funçãode introduzir
referentes no discurso. sendo. no mais das vezes.rcferenciadorno nível textual.
Em primeiro lugar, trata-se de uma oração que, no texto, é completiva(obje-
tiva direta), mas que foi "arrancada" do texto como independente,e. desse modo, 2. Refletir sobre as diversas sequênciascom enunciadosdo chamado'·sujeito
não é vista "funcionando". Vê-se. ninda. que, no texto, a oração principal (perce- oculto". para mostrar o papel não apenasdo pronomepessoal,mas também
bia) dessa completiva é de terceira pessoa, com sujeito do tipo tradicionalmente de sua elipse na recuperaçãode referentesinstituídosno texto.Já foi comen-
chamado de "oculto"(= o menino). sendo, ao mesmo tempo. a quarta oração de tado o trecho:
uma série com o mesmo sujeito. o qual, na primeira vez, vem expresso, e, subse• O menino esu1vc1boquiaberto.Fazia rempoque 0 sentiafalta do pai{!), o
quenternente.vem três vezes "oculto": qual havia dado 110pé.
o menino estava boquiaberto, No parágrafo anterior, por seu lado, estava a seguintesequência,com uma
@semiafalta do pai. série de orações num mesmo período, nas quais a referênciaao elementosujeito
se fez por elipse:
0 nuncase queixara,
porém@ percebia (que...../. Ofilho entrou na sala. acanhadodiantedo arrefa10estranho:era um bone•
co, perfeirame111eigual a um homem adulto. {!)Tinha cabelosencaracola-
Fica sem nenhuma consideração aquilo que, na verdade, seria uma grande dos. encanecidos nas têmporas.@usavaTrim,desodora111e, @Jaziaa barba
lição sobre a referenciação textual com pronomes (caso de anáfora expandida, um com gilete ou aparelho elétrico. 0 sorria, {!)fumava cigarrosking-size,0
dos grandes recursos de coesão textual):o fato de a mãe entrar, aí, como a mãe dele bebia u(sque, @ roncava, 0 assobiava,li} tossia. li} piscava os olhos - às
(do menino de que se falava e que vinha corno sujeito das orações precedentes, in• vezes 11mde cada vez -. @assoava o nariz. {!)abotoavao paletó, @jogava
clusive da oração principal dessa completiva). E perde-se também a oportunidade tênis, @dirigia carro. 0 lavavapratos. (!) limpavaa casa. @ tiravap6 dos
de tratar o valor funcional da elipse do sujeito (do ta.1de "sujeito oculco"W móveis, @fazia srrogonojf.@ acendiaa churrasqueira,0 lavavaquintal.@
Os outros exercícios - d. e e. - não merecem comentário, porque utilizam estendia a roupa, @passavaaferro. (!) engomavacamisas,e dentrodo peito
frases "inventadas". @tinha wn disco q11erepetia:(...)
O que se observa,afinal,é um tratamentodistorcido,que vê o enunciadocomo
uma ~a que, escrita num papel, registradaem letras,tivesseficadoà disposiçãodos E mais adiante ocorre. ainda. outra sequência do mesmo tipo, esta com
estudantespara irem mexendonela, fazendosubstituições.trocas, remendos.Não há enunciados independentes:
nenhum empenho em despertar o interessedos alunos para a atividadede produção Esse é o modelo ZYR-14.mais indicadopara atividadesdomésticas.0 Não
de senrido,já que das trocaspodemresultarefeitoscompletamentediferencesdos pre- coma histórias. Mas @ assiste televisão.E @ pode ser acopladoa 11111dis-
tendidos no texto; por exemplo, é óbvio que o resultadode sentido- e o efeito - que positivo opcional. que permite longas caminhadasa campos de futebol._
o autor do texto obteve com os rtcnicos com certeza não é exatamente o mesmo Sabendo manejá-lo. semJorr;(lr,0 remgara111ia para suportarcnanças are
que se obteria com o pronomeeles no mesmo ponto de ocorrência. seis anos. Porém @não coma histórias.e não convéminsistir,pode desgas-
E, então, poderíamosnos perguntar por que não se aproveitaramtantas opor- tar o circ11iro
do moror.
tunidadesde mostrar, nesse texto tão bem construído, o modo como os usos eleitos
No exercício de reflexão sobre esses'enunciados,o importanteé fazer en-
pelo autor lhe permitiram chegar a determinadosefeitos. Perdeu-se, por exemplo,
tender que a elipse do sujeito. tamo quanto a presençnde um pronomeque aí se
146 Que gromó~coe.tudor no escalo? No,mo, uso e gromóficoe><:olor 147
explicitasse, recupera um referente, mas que as duas estratégias têm sua~ dife- Construções como essas, presentes no nosso dia a dia. estão comumente au-
renças. Ou seja, fazer entender que a elipse tem a função de referenciação - por sentes das lições de língua portuguesa da escola. como se os professores tivessem
exemplo, a mesma de um pronome pessoal - e que o fato de essa posição sintática a obrigação de colocá-las no índex. esquecer que elas existem, só porque ocorrem
principalmeme na língua falada.
ser, ou não, a de sujeito é questão de outra ordem. Da maneira pela qual os livros
didáticos cooduzem a questão, parece que só o sujeito pode ser "oculto'', "indeter- E. o que é ~ais gr~v:: elas nã? são equivalentes àquelas de terceira pe.ssoa
minado'' etc. do plural que os hvros d1dat1cosabngam: não são usadas nos mesmos contextos
A propósito do uso de pronomes, faço aqui um parêntese na observação do criam outro efeito. fazem, afinal, Outra "indeterminação". e constituem. pois, re~
tratamento dos itens referenciais, para explicitar um pouco mais o tratamento da cursos paniculares para obtenção de sentido. Observe-se que. nesses dois últimos
questão da indeterminação do sujeito nas salas de aula. Ora, o que se tem ensinado enunciados, nf10é possível trocar o eu ou o você pela terceira pessoa do plural:
tradicionalmente é que o sujeito se indetennina com a terceim pessoa do plural (?) amigamente iam ao Cine lpiranga, eram umas poltronas ótimas
ou com o pronome se junto de verbo (não transitivo) na terceira pessoa do singular.
No entanto, sabemos que isso não diz tudo. (?) por exemplo, podem saber rodos os sinais de trânsito de cor. tá. memo-
O livro didático traz, por exemplo, urna tira como rizaram o seu processo (. ..), mas é preciso que apliquem, que utilizem os
sinais de 1ra11si10na hora cena
por exemplo, eu posso saber todos os sinais de trânsito de cor, tá, eu me-
morizei o meu processo( ... ), mas é preciso que eu aplique, que eu 111ilizeos
sinais de trânsito na hora cena (EF-POA-278, p. 283-287)
148 Que 9romótico estudar no 8$Colo? Norma, usoe 9romótico e$Color 149
NÃO.AQUELE
SINAL
E
~ - INJ
' Ver exercício comentado no capítulo "Uma gramática escolar fine.adano uso linguístico".
Talvez o passo mais difícil e arriscado na propostade uma gramáticaescolar
' Um tratamentodo mecanismoda comparaçãoestá no capítulo "A fixaçãoda norma-padrão: que parta do uso linguístico seja o que tem de ser dado da "dinâmica linguísli-
a fonte e os limites". ca" para a "descrição gramatical" (tomando emprestadlasas expressõesde Clairis,
1999, p. 35). Diz Clairis que o primeiro cuidado, dentro de um plano que pretenda
levar em conta a "dinâmica linguística'' na ''descrição gramatical"é refletir sobre
o próprio termo gramática, ver quando foi forjado, seguir sua trajetóriahistórica
das origens até os nossos dias. Foi o que, de certa forma, se tentou fazer nesta obra,
a partir do Capítulo I.
Ora, se não por conta de tal passo, seria por conta da própriaempreitadade
tentar elaborar uma gramática escolar que uma reflexãodesse tipose farianecessá-
ria, embora sempre correndo-se o risco - muitas vezesjá verificadoconcretamente-
de efetuar o percurso simplesmente pelo percurso.Quantos estudosassumemcomo
tarefa inicial historiar a instituição da disciplinagramáticae revisar historicamente
o conceito de "gramática"; no entanto, não logram aproveitar esse excurso para a
fixação das diretrizes da empresa de descrição gramaticala que visam!