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GRAMÁTICA, ESCLARECIMENTO CONCEITUAL

Se nos cingirmos numa conceção muito mais pedagógica, gramática constitui um objeto, um objeto de
estudo construido como um sistema de regras que precisam ser aprendidas e, se possível, entender com
a ajuda de um professor e de um manual ou outras ferramentas. A gramática é então uma
metalinguagem que promove a performance linguística ou a comunicação. Aos olhos dos especialistas
de metalinguagem que são os gramáticos e os linguistas, gramática é, no entanto, a própria língua como
uma configuração ou um esquema; um sistema de valores ou diferenças, de dependências e oposições
características de significado; é a língua como um sujeito, sujeito da competência e competência do
sujeito de um idioma qualquer. A isto pode ser acrescentada uma outra dimensão da gramática, a
dimensão epilinguística relacionada à performatividade, dada a incompetência do enunciador e co-
enunciador, que são muitas vezes o mesmo indivíduo e quem têm ou fazem o mesmo trajeto e projeto,
o mesmo sujeito da enunciação. Embora o comportamento epilinguístico seja inconsciente, a língua é
pré-consciente e metalinguagem é consciente.

Se recorrermos à sua etimologia, a gramática é conhecida como a "arte de ler e escrever bem; de
expressar os pensamentos por meio da fala ou a escrita de uma forma consistente com as regras
estabelecidas pelo uso adequado" ou como um conjunto de regras morfológicas (variação de formas
palavras), sintáticas (arranjo de palavras num enunciado) e fonéticas (sons usados na comunicação
verbal) que regem uma determinada linguagem.

Jean-Pierre Cuq (ed.) distingue quatro afirmações que definem a gramática:

1. um princípio de organização específica a uma língua internalizada pelos usuários da mesma língua.
Pode-se dizer que os falantes conhecem a gramática da sua língua.

2. uma atividade pedagógica que tem como objetivo, através do estudo das regras características da
língua, a arte de falar e escrever corretamente. Às vezes chama-se gramática de ensino.
3. uma teoria sobre o funcionamento interno da língua: o objeto de observação é constituída com base
nos conceitos teóricos adotados. Falar-se-á por exemplo da gramática gerativa, gramática pedagógica ou
gramática especulativa.

4. os conhecimentos interiorizados da língua-alvo que se constrói gradualmente a pessoa que aprende


uma língua. O termo gramática interna (às vezes fala-se de gramática de aprendizagem) evoca saberes e
saber-fazer em que nenhum acesso direto é possível, e que são definidos em termos de procedimentos
intermediários (provisórios) ou regras, pontuais ou transitórias de natureza heterogénea. [1]

Se olharmos de perto a primeira afirmação, a gramática se afirma como uma entidade tanto
psicogenética quanto psicossocial cuja existência fica patente no centro das práticas linguísticas
relacionadas a uma dada comunidade. A medida que o conhecimento da língua vai crescendo por parte
de seus usuários, a gramática se interioriza. Esta conceção deixa entender que as práticas de língua,
embora sejam diversificadas, ficam alicerçadas sobre padrões identificáveis, sobre uma organização
racionalmente percebível. Em outras palavras, a língua funciona através de um sistema de regras
comuns numa comunidade social e apropriado de forma implícita ou explícita pelos seus usuários.

A didática de línguas interessa-se logo pela afirmação 2 e 4, na medida em que destacam a noção de
ensino e aprendizagem da gramática de uma língua, a fim de promover as competências comunicativas.

Para BESSE e PORQUIER «o estatuto da gramática em língua estrangeira, dentro da sua própria
diversidade dos significados, aparece específica em muitos aspetos.» [2]

Eles situam esta especificidade no domínio do ensino-aprendizagem porque «o objeto de ensino-


aprendizagem não é constituído em si pelas descrições linguistas, mas pelas descrições pedagógicas (ou
“pédagogigées”, em francês) da referida língua, o que chamamos aqui gramática pedagógica.»[3]

Para ambos os autores, no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e segundas, falar-
se-á de GRAMÁTICA PEDAGÓGICA; é aquela que não lida muito com descrições linguísticamente
formais. Eles citam assim, J.P.B. ALLEN:

«o autor de uma gramática pedagógica tem como responsabilidade primária, não a de evidenciar as
competências de um falante-ouvinte nativo ideal, mas a de proporcionar um ambiente relativamente
informal de definições, esquemas, exercícios e regras que possam ajudar o aluno a adquirir um
conhecimento da língua e um certo domínio de seu uso (...)»[4]

Fica então mais evidente que a gramática pedagógica não se preocupa muito pela adequação linguística.
Ela está mais interessada pela implementação de opções didáticas com intuito de examinar, selecionar
as noções para ensinar e avançar as descrições úteis ou adequadas em relação aos objetivos
preconizados pelo aluno. Trata-se afinal, de uma gramática de caráter empírico na medida em que suas
manifestações são multifacetadas e pouco homogeneizadas. É difícil estabelecer descrições explícita e
sistematicamente abrangentes para a gramática pedagógica.

Além disso, o desenvolvimento da gramática é historicamente associado ao estudo de textos e ao


ensino. Hoje gramática encontra suas bases na linguística, ou melhor, nas suas várias escolas. A palavra
gramática é finalmente usada às vezes em um sentido mais amplo (gramática da imagem, na narrativa)
para denotar o estudo de objetos que podem ser analisados no modelo de estudos linguísticos.

mas décadas.

Sem dúvida nenhuma, a gramática constitui um domínio tão vasto que a sua aprendizagem deveria
corresponder com as expectativas dos alunos a fim de que o esforço e a presença do professor não
sejam um incómodo para os alunos. Muita das vezes, os professores se perdem no cúmulo de detalhes
demasiadamente profundos, detalhes prescriptivos e normativos como se estivessem numa turma de
linguistas afiados e profissionais. E, por conseguinte, a apropriação da gramática torna um quebra-
cabeça, um autentico pesadelo para os alunos ou estudantes sedentes de comunicar-se de forma
clássica usando línguas.

Muitos professores, porém, se contentam em fazer longos discursos gramaticais durante muitas horas
fazendo assim valer suas competências pessoais em gramática sem a mínima preocupação do que seria
o verdadeiro contributo das suas habilidades linguísticas no aprendente (aluno/estudante) para quem, a
língua é acima de tudo um meio de comunicação.

Por outra, docentes há, que muitas vezes reduzem por excesso o tempo a ser consagrado ao ensino e as
praticas gramaticais na sala de aulas. Preferem propor aos discentes longas listas de léxicos e
vocabulários excluindo atividades nitidamente gramaticais. Com este tipo de ensino, prefiro acreditar
que os alunos ficam inundados de listas de vocabulários e em certos casos, saem das turmas com
estruturais gramaticais bem construídas, mas, que nunca serão reproduzidas no quotidiano. Podem até
ser produzidas, mas, de forma distorcida viciando até a própria comunicação.

Dito isto, importa reconhecer que a gramática deve, de uma forma a outra, intervir nas diferentes
competências fundamentais de comunicação (compreensão oral/escrita, produção oral/escrita). Mas,
que tipo de gramática seria adequada no ensino de línguas não maternas? Como ensina-la do ponto de
vista metodológico tendo em conta a sua complexidade? Que mecanismo desencadear para ter a
certeza de que a gramática satisfaz as expectativas dos estudantes ou alunos?

É justamente em torno destas questões que quero orientar a minha reflexão tendo como finalidade,
extrair a evidência dos recursos metodológicos ligados a um ensino centrado no aluno como autor na
aquisição de noções gramaticais.

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