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PRÁTICAS

DISCURSIVAS DE
LÍNGUA INGLESA:
GÊNEROS
ACADÊMICOS

Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro


Movimentos de
reformulação textual:
acréscimo e deslocamento
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar a noção de “erro” nos processos de ensino e de aprendizagem


da língua inglesa.
 Identificar a ausência de elementos essenciais em gêneros
acadêmico-escolares.
 Descrever situações de uso inapropriado de elementos sintáticos em
gêneros acadêmico-escolares.

Introdução
Durante o aprendizado de língua inglesa, o sujeito-aluno passa a dialogar
com formações discursivas diversas. Algumas tomam o inglês como
língua mundial, outras como instrumento de comunicação. Nesses (des)
encontros, o aluno se identifica ou não com um conjunto de posições
enunciativas dadas, o que muitas vezes não permite a ele se construir
como um sujeito-falante do idioma.
Nesse contexto, alguns estudos auxiliam o sujeito-professor a pensar
na sua prática pedagógica de ensino e de aprendizagem da língua a partir
dos gêneros. Na esfera educacional, os gêneros acadêmicos tornam-se
objetos de estudo importantes para que o sujeito-aluno aprenda sobre
como se estruturam os usos e as atividades de interação estabelecidas
pelas práticas discursivas que usamos para agir no mundo.
Neste capítulo, você vai ver uma reflexão sobre a noção de “erro” a
partir dos processos de ensino e aprendizagem de uma língua, ofere-
cidos à luz da abordagem da análise do discurso francesa (ADF). Você
também vai estudar alguns dos elementos importantes ao estudo dos
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gêneros acadêmicos e, ainda, ver que os elementos linguístico-discursivos


frequentemente usados na estruturação dos gêneros não estão isolados,
mas em relação com o contexto e o propósito.

1 A noção de “erro” no ensino e na


aprendizagem da língua inglesa: uma
reflexão a partir da análise do discurso
Em uma sala de aula, muitos processos discursivos (alguns ainda não discur-
sivizados) fazem parte do contexto das relações que se constroem entre os
sujeitos-professores, os sujeitos-alunos, os saberes ensinados e os saberes que já
estão guardados na memória. Tais relações levam em consideração os espaços
que construímos com a língua materna e/ou com a que estamos aprendendo.
Contudo, o professor de língua estrangeira nem sempre tem a possibili-
dade de realizar uma reflexão crítica, no espaço institucional ou escolar, ou
nos espaços da sua esfera profissional, sobre como ele e os seus alunos se
relacionam com o universo semântico construído pelos usos de um idioma
estrangeiro. Exemplos desse universo são o imaginário representado pelos
filmes, os estereótipos que circulam nas composições literárias e musicais,
e os personagens produzidos pelos seriados da cultura mainstream, os quais
figuram, muitas vezes, como os sujeitos-falantes representantes e “legítimos”
da língua inglesa.
Mesmo quando essa reflexão é, de certo modo, iniciada ou colocada no
jogo discursivo, esse mesmo sujeito-professor pode se afastar e se deslocar
parcialmente da ideologia que tece e rege as formações desses discursos. Isso
nos leva a pensar que ele ainda estará fazendo uma leitura crítica da sua relação
(e da dos seus alunos) com a língua inglesa sob os efeitos das determinações
ideológicas dessas mesmas formações.
Para esta discussão, é importante fazer referência à noção de discurso.
Conforme Pêcheux (1990), o discurso é o espaço do equívoco em que se ligam
materialmente o inconsciente e a ideologia, que também é observado como
um efeito de sentido entre os interlocutores. Embora não tenha uma origem,
sendo marcado por já ditos (memória), o discurso se liga a um sujeito que o
diz e que diz por ele. Em outras palavras, o discurso não é um objeto empí-
rico, como muitos poderiam pensar, mas um efeito de sentido produzido em
determinada condição sócio-histórica.
É no e pelo discurso que produzimos sentidos, e estes se dão pela articula-
ção daquilo que o teórico francês refere como memória discursiva. Assim, o
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discurso é uma prática social e histórica, produzida materialmente pela língua.


O sujeito não o domina, não é a sua fonte ou a sua origem, mas ocupa uma
posição específica, que entra em relação com os muitos discursos que ecoam
no dizer que ele representa.

Michel Pêcheux (1938–1983) é um teórico de destaque dos estudos conduzidos pela


análise do discurso (AD), principalmente da linha francesa. Para ele, a historicidade das
relações sociais não está “refletida” nos processos discursivos a partir de um exterior
(discursivo), isto é, a partir do que está “fora”; em seu ponto de vista, a historicidade
é do próprio discurso. Como a materialidade linguístico-discursiva produz efeitos de
sentido? Como os efeitos de sentido são produzidos nos encontros entre o sujeito,
a língua e a história? Essas são algumas das questões fundamentais que ele coloca.
Fonte: Pêcheux (1990).

Imagine uma situação geral cotidiana de diálogo: quantas vezes você já


se deparou com tentativas de estabelecer uma conversa com um colega, e
essa conversa parece não funcionar? Provavelmente, já se viu nessa situação
inúmeras vezes. Por algum motivo, que aparenta ser inacessível, você e o seu
colega parecem não se entender.
Esse (des)acordo dito comunicativo — que ocorre tanto na língua materna
como na estrangeira — pode ser explicado a partir da noção de formação
discursiva (FD), trazida pelos analistas do discurso, em especial pelos que se
situam na ADF. Por constituírem espaços de regularidades enunciativas que
regem a produção de sentidos no e pelo discurso, as formações discursivas
organizam e atravessam os diversos saberes. É assim, por nos situarmos nas
redes que elas fundam (ou nos seus entremeios, uma vez que não são espaços
homogêneos), que certos ditos ecoam e se repetem nos nossos discursos,
enquanto outros são interditados, ficando na impossibilidade de serem ditos.
Essa reflexão, embasada pelos estudiosos do discurso, a exemplo de Pêcheux
(1990), é necessária porque, quando o sujeito-professor, por exemplo, afirma
que há um “erro” na produção oral de um enunciado em língua inglesa, ele
acaba por convocar e ocupar uma posição (ou mais posições) dentro de uma
formação discursiva específica. Essa posição coloca tal enunciado em uma
formulação que não cabe ser dita dentro do conjunto de “formulações” de
determinada língua.
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Pense no seguinte exemplo: um aluno do curso de Letras inicia um ensaio


solicitado pela professora de língua inglesa como tarefa para a conclusão do
semestre com o enunciado “I did my research on the subject”. A professora
considera esse enunciado incompleto, levando em conta o contexto de produ-
ção escrita, de caráter formal, solicitado por ela. A partir da perspectiva da
gramática tradicional, o enunciado se situa no passado simples (simple past)
ou no pretérito perfeito, que se caracteriza por trazer uma ação marcada em
um tempo passado determinado. Nesse contexto, é necessário — se tomada
como referência a norma culta inglesa — o acréscimo do advérbio temporal,
isto é, do marcador do tempo da ação.
A partir de tais considerações discursivas, às quais essa professora se filia
mesmo sem ter consciência disso, o enunciado do aluno é marcado para ser
reescrito da seguinte forma: “I did my research on the subject last night”.
Observe que, embora a ausência do marcador temporal, no enunciado escrito
pelo aluno, foi destacada como um erro pontual simples — marcado por um
tom de oralidade, uma vez que, dentro das condições contextuais do ensaio
escrito pelo aluno, é compreendido sem dificuldades —, ainda se aponta a
necessidade de reescrita.
Esse exemplo possibilita a seguinte reflexão: o que essa professora con-
siderou um “erro” do sujeito-aprendiz de língua inglesa, provavelmente em
função das relações discursivas fluidas entre o formal e o informal, pode
não ser marcado como um “erro” para outro professor. O que se destaca no
exemplo ilustrado, portanto, é que essa professora dialoga com uma rede de
discursos de uma FD que toma a noção de língua como transparência ou
como instrumento de comunicação.
Conforme discutem Fortes e Grigoletto (2013), a mídia e as instituições de
ensino, de maneira geral, representam o inglês como língua internacional,
que é usada para se comunicar com boa parte das pessoas. Nessa FD, esse
imaginário constrói uma falsa noção de unidade e neutralidade linguística —
como se o inglês (ou qualquer outra língua) fosse supostamente homogêneo,
sem vínculo social e cultural. Para essa representação da FD, o inglês surge
como o idioma que permite a comunicação com as pessoas ao redor do mundo.
Esse imaginário, no entanto, coloca em funcionamento uma rede de discursos
específicos que regem a formação discursiva da língua inglesa como língua
internacional. Por isso, é tomada como uma ferramenta importante para os
sujeitos se comunicarem com os outros por meio dos diferentes gêneros ao redor
do mundo (do e-mail ao relatório de negócios). Assim, quando convocado por
essa FD, o aluno acaba por ocupar uma posição de sujeito pragmática, que toma o
aprendizado da língua inglesa para atender a objetivos utilitários e internacionais.
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A noção de “erro” é empregada entre aspas como uma tentativa de nos afastarmos um
pouco do uso comum que a palavra implica. Esse uso frequentemente carrega uma
memória e uma representação discursiva negativas para aquele a quem o termo se
dirige, em especial no espaço de uma sala de aula. Também encontramos em Fortes e
Grigoletto (2013) o uso desse termo entre aspas. Partindo também de uma abordagem
discursiva, essas autoras empregam as aspas ao falarem de erro como um gesto que
busca “desnaturalizar” essa palavra, que está constantemente em circulação nos
discursos dos sujeitos-professores, quando trabalham os seus processos pedagógicos
de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira com os seus sujeitos-alunos.

É interessante apontar também que, na sala de aula, o sujeito-aluno pode


estabelecer diferentes identificações com a língua inglesa. Ele pode, por
exemplo, se (des)encontrar nessa língua, tomando-a como a do outro e, assim,
vai entrando em um espaço que antes era estrangeiro. Isso faz parte de um
movimento de subjetivação e construção da sua subjetividade, como afirma
De Nardi (2009). Para essa pesquisadora, o ato de se inserir na língua do
outro é tomar a palavra, ou seja, é ir ao encontro de uma rede de discursos que
constitui essa língua. Desse modo, ao entrar nessa rede, ingressa-se em um
espaço por meio do qual é possível significar a si e produzir outros sentidos.
Como discute De Nardi (2009, p. 187–188), “[...] falar como um nativo aparece
como a possibilidade de se diferenciar dos demais, de experimentar ser outro
nessa língua [...]”.
Nesse universo do estrangeiro, há um desejo de fazer parte de imaginários
diversos e de poder se constituir também como sujeitos diversos. Nesse sentido,
os processos de ensino e aprendizagem de uma língua são permeados por me-
mórias sociais, mas também por desejos, sentimentos e valores inconscientes.
É diante dessas reflexões que destacamos a necessidade de se repensar a noção
de “erro” com os sujeitos, os espaços e as comunidades de ensino, uma vez que
ela é fluída e variável, seja conforme as posições de sujeito que o professor, o
aluno e o saber ocupam nas relações, seja considerando o que essa noção pode
significar nas práticas pedagógicas (em sua maioria, discursivas) construídas
pelo professor e pelo aluno em sala de aula.
Desse modo, consideramos que a noção de “erro”, em contraposição à
ideia de acerto, é frequentemente guiada, no espaço de ensino e de apren-
dizagem, pelo pensamento de uma suposta “eficiência comunicativa”. Isso
coloca o sujeito-aluno em uma posição passiva, em relação ao imaginário da
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língua e em relação à língua em si, visto que ela é “objetificada” e deslocada


dos seus contextos históricos e culturais, e também em relação aos outros
sujeitos-alunos com quem dialogam durante o aprendizado. Como refletem
Fortes e Grigoletto (2013, p. 10), a língua estrangeira, quando tomada como
instrumento de comunicação, insere o “[...] sujeito-aprendiz numa verdade
regida pela dicotomia certo/errado que escamoteia os conflitos gerados pelo
encontro com a língua estrangeira e busca uma homogeneização do processo
de aprendizagem [...]”. Assim, os processos de ensino e aprendizagem de
uma língua perpassam, inevitavelmente, as relações tecidas com a história,
a memória e a cultura.

2 Os gêneros acadêmicos e os seus


elementos essenciais
Você provavelmente já sabe que o ensino da língua a partir dos tipos textuais
— a narração, a descrição, a dissertação, a injunção e a exposição — não dá
conta das práticas comunicativas que se realizam nas esferas da comunicação
humana, bem como na esfera acadêmica-escolar. Por outro lado, a prática
pedagógica situada social e contextualmente no ensino e na aprendizagem
de gêneros possibilita aos alunos um entendimento geral e amplo sobre as
práticas comunicativas que se realizam no espaço cotidiano, profissional e
acadêmico. Além disso, permite uma maior inserção quanto aos usos discur-
sivos e linguísticos de uma língua.
Atualmente, em boa parte das salas de aula das universidades brasileiras,
há determinadas práticas e eventos comunicativos que circulam com mais fre-
quência. O estudo de tais práticas auxilia nos propósitos acadêmico-educativos
definidos para o trabalho articulado dos eixos de oralidade, leitura, escrita e
análise linguística. Esse é o caso do trabalho que vem sendo realizado com
gêneros como a resenha, o resumo, o relatório (de pesquisa), o ensaio, o relato
de estudo de caso, o pôster e o projeto de pesquisa.
Nesse contexto, é importante ressaltar que tomamos a noção de gênero
a partir da visão de língua/linguagem como atividade social. O gênero é,
desse modo, um evento comunicativo, histórico e discursivo em contínuo
processo, uma atividade social que organiza a maneira como pensamos e
vivemos, e que tem propósitos, estruturas e funcionalidades específicas.
Ademais, essas ações sociocomunicativas se realizam e se manifestam a
partir de outros elementos. Assim, quando considerados relevantes para
os processos de ensino e aprendizagem e abordados pelos professores em
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sala de aula, esses elementos contribuem para a inserção do estudante nas


diversas realidades dos usos discursivos do idioma estrangeiro que está
sendo aprendido.
Veja a seguir alguns desses elementos:

 a situação social;
 as estruturas linguístico-discursivas;
 os papéis sociais dos participantes;
 os tipos de formalidade;
 os valores sociais colocados em jogo;
 as relações de poder;
 as ideologias.

Além disso, uma pedagogia voltada para o estudo desses elementos oferece
outras perspectivas para o aluno-aprendiz sobre os usos situados e contextua-
lizados de uma língua. Ele pode identificar, por exemplo, de que maneiras os
vários grupos de falantes de inglês se constituem como falantes dessa língua
por meio de ações tipificadas comuns (gêneros), que são realizadas ao longo
dos diversos horizontes sociais e culturais em que atuam.
Dentro desse estudo, Swales (1990 apud HYON, 2001; PÉREZ-LLAN-
TADA AURÍA, 2006) se coloca como um estudioso que tem trazido con-
tribuições significativas para os estudos dos gêneros acadêmicos usados
nos espaços escolares, que envolvem o uso do inglês para fins específicos
(ESP). Tomando a língua a partir de uma perspectiva social, mas ainda sob
a influência dos estudos funcionais-sistêmicos, da linguística aplicada e do
campo da retórica, Swales (1990 apud HYON, 2001) interpreta as práticas de
comunicação acadêmica como um processo contínuo que é co-construído com
os diversos sujeitos envolvidos. Em tais práticas, os sentidos e as interpretações
são estabelecidos por meio da interação social.
De acordo com Swales (2016), o gênero é uma ação social e comunicativa
que estrutura a nossa vida, e que varia em complexidade e em frequência.
Há os gêneros ditos mais simples, como os anúncios de venda de objetos
usados; os mais raros, como as encíclicas papais; há os mais comuns, como
os recibos de compras; e os ditos mais complexos, como os estatutos legais,
as teses de doutorado, entre outros. Como aponta o estudioso, os gêneros
“evoluem” e se modificam, ou seja, podem estar estáveis agora, mas não
para sempre: uma vez que diferentes pessoas agem socialmente por meio
dos gêneros, em lugares, momentos e circunstâncias culturais distintos, eles
passam a ser sujeitos a mudança. Há ainda as pressões externas nos gêneros,
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como nos artigos científicos, que passaram a incluir o resumo (em mais de
uma língua), as palavras-chave, os destaques (highlights), etc.
Os gêneros variam ainda conforme determinados traços, ou seja, enquanto
alguns apresentam traços mais prototípicos, outros estão mais à margem, à
beira da possibilidade de mudanças. De maneira geral, há uma tendência de
buscar padronizar determinadas ações comunicativas, mas há aqueles que
tendem a transgredir tais normas (SWALES, 2016) ou a variá-las, porque há
certo “descontentamento” em relação a como elas são colocadas.
Swales (2016) também discute que a maioria dos gêneros (ou parte deles)
apresentam certa caracterização enunciativa estrutural prototípica. Esse é o
caso do início dos gêneros enciclopédicos, que trazem definições do âmbito
mais geral, para depois passar a trabalhar as suas especificidades; e do início
dos artigos científicos, que muitas vezes apresentam um estudo de caso bem
definido, para depois passar a discutir o geral. Há ainda outras caracterizações
estruturais de ordem mais cronológica, como nos procedimentos que são des-
critos nos artigos científicos, e as formulações estruturais que apresentam o
problema e a sua solução, como nos relatórios técnicos de segurança do trabalho.
De maneira geral, Swales (1990 apud HYON, 2001) caracteriza um gênero
como um conjunto de textos que compartilham propósitos ou funcionalidades
em comum, assim como uma variedade de traços similares em termos de
estrutura, estilo, conteúdo e audiência. A partir do que aponta o autor e das
discussões que você viu, essas reflexões são significativas para o trabalho com
a língua inglesa em sala de aula por meio dos gêneros acadêmicos.
Pode-se afirmar que, dentro de uma pedagogia do gênero (SWALES, 2016),
alguns elementos parecem ser essenciais para os processos de ensino e apren-
dizagem, uma vez que o olhar sobre o assunto (os conteúdos que comumente
têm espaço em tal gênero acadêmico) também deve considerar o olhar sobre
como ele é estruturado e construído nas diversas maneiras como os falantes
de um idioma agem no mundo. Considerando as esferas educacionais, mais
especificamente a da universidade, veja a seguir alguns desses elementos:

 a tomada de consciência de como o gênero funciona retoricamente;


 a observação da estrutura do gênero, do seu estilo, das maneiras como
ocorrem as citações (além das suas funções ao longo do texto), das
formulações fraseológicas comuns, etc.;
 a percepção de que um conjunto de habilidades, trabalhadas a partir do estudo
de um gênero, pode ser transferível para outros pelo próprio engajamento
do estudante nas práticas comunicativas instauradas com aquela língua.
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Entre as técnicas apontadas para trabalhar com o aluno a tomada de cons-


ciência sobre o gênero, encontramos em Swales (2016) a importância de se ter
acesso ao funcionamento estrutural geral do gênero acadêmico em relação ao
seu campo de saber. Isso pode se dar, por exemplo, por meio do levantamento
das seguintes questões:

 Os artigos científicos do campo da matemática são semelhantes aos


da educação?
 Os métodos trazidos são mais detalhados ou elaborados?
 Os referenciais teóricos que embasam o trabalho são trazidos na intro-
dução ou na discussão, quando consideramos cada um desses campos
do saber?
 O uso de pronomes em primeira ou terceira pessoa é comum em artigos
dessas disciplinas?

Tais apontamentos auxiliam os alunos nos seus processos de aprendizagem


do inglês para fins acadêmicos específicos. Assim, os processos de ensino
e aprendizagem da língua inglesa a partir da mobilização e da tomada de
consciência dos gêneros que circulam nas esferas do saber da academia
permitem que os alunos tenham um contato ativo e analítico com os usos e
os funcionamentos da língua. Além disso, eles podem ver as condições que
mobilizam tais usos em determinadas situações e para cumprir propósitos
específicos.

Conforme Askehave e Swales (2009), os gêneros se caracterizam como uma classe


de eventos sociais ou comunicativos que é modelada por uma estrutura, a partir da
realização do seu propósito comunicativo. Esses teóricos explicam que um gênero
pode ter mais de um objetivo, uma vez que se inscreve em um grupo de propósitos,
os quais são compartilhados pelos membros das comunidades discursivas. Para Swales
(1990 apud ASKEHAVE; SWALES, 2009), o critério do propósito comunicativo é relevante
porque o propósito é o próprio fundamento do gênero. Em outras palavras, é por meio
da função comunicativa (ou do seu propósito) que se valida o uso de um gênero e se
atribui a ele uma estrutura discursiva. Da mesma maneira, esse conceito pode trazer
dificuldades quanto ao seu reconhecimento, pois pode ser difícil identificar o propósito
comunicativo de determinados gêneros.
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3 O ensino e aprendizagem da língua com base


nos gêneros: contexto, função e estrutura
Há muitas dificuldades envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua in-
glesa para fins específicos, como o pouco preparo, fundamentado em termos de
teorização versus prática, no ensino da língua a partir dos gêneros acadêmicos.
Cristovão e Beato-Canato (2016) refletem sobre alguns estudos que tomam o
ensino e a aprendizagem da língua para fins específicos com base nos gêneros
que circulam em diversos espaços, como no acadêmico. Partindo de Bawarshi
e Reiff (2010), os autores citam uma metodologia que articula as características
linguísticas dos gêneros estudados com o contexto social e a sua função.
Nesse sentido, uma forma de abordar o ensino e a aprendizagem da língua
para determinados fins, na análise do gênero, poderia partir da identificação
do gênero na comunidade discursiva, além do seu propósito comunicativo. Em
um segundo momento, poder-se-ia partir da análise estrutural que funciona
como a “arquitetura” do gênero — para tal, os professores poderiam utilizar
os movimentos e os passos de Swales (2016).
Como os gêneros são formas relativamente estáveis de produzir discursos
e de agir social e comunicativamente sobre o mundo, o trabalho pedagógico
do ensino de línguas a partir dos gêneros, situando as circunstâncias e os
propósitos da ação comunicativa, pode contribuir para a apropriação, a adesão
ativo-responsiva e a compreensão das formulações enunciativas em que as
interações se estabelecem, seja a partir da escrita ou da fala. Ao apropriar-se
das estruturas e dos recursos linguísticos em que são produzidas essas ações,
por exemplo, os alunos-aprendizes vão também conhecer maneiras credí-
veis — no campo do que é dado como legítimo na academia — de produzir
sentidos, a partir das práticas discursivas que são os gêneros. É assim que os
alunos passam a entrar em contato com comportamentos linguísticos que já
são padronizados nos usos de determinado gênero.
Desse modo, há determinadas estratégias e atividades linguístico-discur-
sivas que parecem centrais em dado gênero, tendo em vista o seu propósito e
o seu contexto. Por isso, elas aparecem como marcas ou traços padronizados
para cumprir determinada prática discursiva. Por exemplo, em boa parte dos
relatórios de pesquisa de iniciação científica, no Brasil, recomenda-se o uso da
terceira pessoa do singular ao longo do texto. Elementos discursivo-linguísticos
que marcam a hesitação ou a pausa em geral não têm espaço nesse gênero
acadêmico, embora haja exceções quanto ao tipo de objeto pesquisado que
está sendo relatado (como entrevistas de grupos in loco) e à metodologia
empregada (pode ser qualitativa e/ou quantitativo-qualitativa).
Movimentos de reformulação textual: acréscimo e deslocamento 11

Já no gênero acadêmico conferência, a presença de elementos sintáticos


que marcam pausas e/ou hesitações, por exemplo, não é vista como formulação
enunciativa que foge do padrão do gênero ou de tom inapropriado. Isso se
dá porque elas constituem movimentos de produção de sentido do texto oral,
construído em função do tema tratado, do seu público-alvo (da audiência) e das
condições contextuais em que é preparada (produzida) e proferida (auditório,
sala de aula, etc.) a conferência.
Então, do ponto de vista semântico, discursivo e sintático, a abertura de
uma conferência por uma organização enunciativa linguística que marca um
coloquialismo inicial, por exemplo, pelo cumprimento “Olá” (como em “Olá a
todos aqui presentes e que se interessam pelo tema do tratamento do câncer de
laringe”) poderia se mostrar tão adequada quanto o uso do marcador “Caros”
(como em “Caros colegas, sejam bem-vindos ao evento sobre o tratamento
do câncer de laringe”). Tais variações linguísticas, que conferem tons de
formalidade distintos e que produzem sentidos estilísticos variáveis, embora
possam ser de uso comum no gênero, surgem como apropriadas. Por outro
lado, a presença de um marcador enunciativo conversacional como “Valeu, pô”
(como em “Valeu, pô, por tá no evento sobre o tratamento do câncer de laringe”)
seria considerado inapropriado, porque não se espera que expressões de uso
vulgar, frequentes da esfera da intimidade, sejam usadas no contexto desse
gênero, o que causaria uma quebra de expectativa na audiência da conferência.

As tecnologias da escrita e da fala


Nesse contexto, é importante discutir a respeito das tecnologias da escrita e da
fala (MARCUSCHI; HOFFNAGEL, 2007), as quais podem mobilizar práticas
sociais distintas quanto ao uso da língua. O gênero acadêmico relatório técnico,
por exemplo, usa um texto escrito formal que segue as regras da norma culta
da língua, tendo em vista a funcionalidade que busca atender e o público a que
se dirige. Desse modo, esse gênero é muitas vezes estruturado textualmente
a partir de usos linguísticos que diferem do gênero acadêmico conferência,
por exemplo, cujo propósito comunicativo e público a que se destina levam o
sujeito a produzir um texto falado.
Aqui, pode-se argumentar que o texto falado pode ter origem em um texto
escrito em um papel, antes de ser apresentado. Nesse sentido, o gênero acadê-
mico conferência poderá ter mais semelhança com textos escritos de outros
gêneros acadêmicos do que com o gênero conversa espontânea. Contudo, ainda
que tenha origem na escrita, tal gênero comumente fará uso de estruturas
linguístico-discursivas, mesmo carregando certa “formalidade” — ou um tom
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formal — que se destinam a serem faladas e escutadas pela sua audiência.


Isso ocorre porque, da fala à escrita ou da escrita à fala, há diferentes tons que
oscilam do formal ao informal e do informal ao formal, os quais estão em um
continuum, e não em uma relação polarizada/dicotômica.
Logo, para falarmos em usos e inadequações, precisamos retornar ao
contexto e ao propósito que gera o gênero. Tanto a escrita como a fala circu-
lam de forma variável nas diversas práticas sociais, sejam cotidianas, sejam
acadêmicas. Além disso, essas relações entre a fala e a escrita, entre o que é
apropriado ou não, em termos discursivo-linguísticos, na tessitura textual de
um texto de um gênero específico, e não em outro, diz respeito a um ponto
de vista enunciativo.

ASKEHAVE, I.; SWALES, J. M. Identificação de gênero e propósito comunicativo: um pro-


blema e uma possível solução. In: BEZERRA, B. G.; BIASE-RODRIGUES, B.; CAVALCANTE,
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Movimentos de reformulação textual: acréscimo e deslocamento 13

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Leituras recomendadas
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