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A SALSA 3 (SERPA) NO CONTEXTO DOS POVOADOS ABERTOS DO BRONZE


FINAL DO SUDOESTE

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António M. Monge Soares Ana Sofia Antunes


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IV Encuentro de Arqueología del Suroeste Peninsular, Huelva (2009), 514‐543.

A SALSA 3 (SERPA) NO CONTEXTO DOS POVOADOS ABERTOS DO


BRONZE FINAL DO SUDOESTE

Manuela de DEUS
Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, IP 1
Ana Sofia ANTUNES
Câmara Municipal de Serpa 2
António M. MONGE SOARES
Instituto Tecnológico e Nuclear 3

RESUMO
O presente artigo pretende dar a conhecer os dados preliminares dos trabalhos de escavação arqueológica
desenvolvidos no sítio de Salsa 3 (Serpa), que corresponde a um povoado de planície localizado na margem esquerda
do Guadiana.
Os trabalhos de campo permitiram identificar oito estruturas negativas de tipo “silo” e duas estruturas negativas de
grandes dimensões interpretadas como “fundos de cabana”. O conjunto artefactual recolhido é enquadrável no Bronze
Final do Sudoeste peninsular.

ABSTRACT
This paper discusses the preliminary results from the archaeological excavations undertaken at Salsa3 (Serpa),
which is a settlement apparently without defenses located on the plain at the left bank of the Guadiana river.
The field work led to the identification of eight negative structures (possible storage pits) plus two larger negative
structures interpreted as hut floors. The most part of the recovered artifacts can be ascribed to the SW Iberian Late
Bronze Age.

INTRODUÇÃO
O sítio de Salsa 3 corresponde a um habitat do Bronze Final, implantado numa vertente suave,
em terrenos de gabro‐dioritos, junto da ribeira de Granfanes, um pequeno curso de água
subsidiário da Ribeira do Enxoé, afluente da margem esquerda do rio Guadiana4. O sítio
arqueológico foi, em meados do século passado, atravessado pela abertura de uma vala para
construção de uma linha de caminho de ferro, que nunca chegou a ser concluída. Essa vala cortou
diversas estruturas negativas que ficaram expostas, em corte, nos taludes da trincheira (figuras 1
e 2).
Localiza‐se na herdade da Salsa, conhecida na literatura pela ocupação de época romana (veja‐
se Lopes et alii, 1998, 43), na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa (CMP, flh. 522,
coordenadas Gauss M 622580; P 4206800).
O sítio inscreve‐se na tipologia dos povoados abertos que são designados na literatura
arqueológica espanhola como “campos de hoyos” e que, até muito recentemente, não eram
conhecidos na Idade do Bronze do Sul de Portugal. Como é usual neste tipo de sítios, a quase
totalidade dos vestígios preservados na Salsa 3 corresponde a estruturas negativas escavadas no

1
Extensão de Castro Verde; mdeus@igespar.pt
2
asofia@cm‐serpa.pt
3
amsoares@itn.pt
4
Gostaríamos de agradecer a Javier Jiménez Ávila, a Paulo Marques e a Pedro Barros o contributo que
amavelmente prestaram.
substrato geológico, um caliço esbranquiçado e brando, resultante da degradação dos gabro‐
dioritos.
À superfície os vestígios agrupam‐se em dois núcleos e não parecem existir diferenças
significativas entre o espólio neles recolhido, registando‐se em ambos, por exemplo, cerâmica
com ornatos brunidos e elementos de foice produzidos a partir de lascas de calhaus rolados de
quartzito. As escavações incidiram no que designámos como núcleo 2.

ÁREA INTERVENCIONADA E ESTRUTURAS IDENTIFICADAS


O sítio arqueológico foi identificado em 2005 por um de nós (A.M.M.S.) e alvo de uma curta
intervenção de emergência, com o objectivo de salvaguardar o preenchimento, que se encontrava
parcialmente visível, da então designada fossa 2, localizada no talude Este da vala, na sua
extremidade Sul. As intervenções arqueológicas de campo, realizadas de 2005 a 2007 no núcleo
da Salsa 3, integraram‐se no projecto O Bronze Final do Sudoeste na Margem Esquerda do
Guadiana: fortificações, áreas rituais, cronologias, aprovado no âmbito do Plano Nacional de
Trabalhos Arqueológicos. A campanha de 2006 incidiu na limpeza e registo dos taludes, a fim de
verificar se existiam mais depósitos ou estruturas arqueológicas expostas, e na escavação do que
restava das fossas (“silos”) cortadas pela trincheira, com a excepção da 2, intervencionada no ano
anterior. Foi registada uma maior concentração de “silos” no talude Oeste (Área I) e a limpeza do
talude levou à identificação do que poderia ser um nível de ocupação, designado como Área II,
localizado a sul da primeira. Na campanha de 2007, recorreu‐se à decapagem mecânica da
camada superficial, unindo as Áreas I e II, correspondendo a uma área de cerca de 30X4 metros
na qual foram identificadas duas grandes estruturas negativas que poderão corresponder a
“fundos de cabana” (figura 3).
OS “SILOS”
Em Salsa 3 foram identificadas oito estruturas negativas, de planta tendencialmente sub‐
circular, do tipo a que normalmente se designa por “silo”. A maioria encontra‐se no lado Oeste do
talude, onde há a registar um conjunto de cinco “silos” na Área I e um outro na extremidade Sul
da vala (figura 2). No talude Este registaram‐se apenas dois “silos”, que distam entre si cerca de
40 metros.
À excepção da “silo” 8, os restantes tinham sido parcialmente destruídos pela abertura da
trincheira. O registo de perfis foi dificultado pela preservação incompleta das fossas. O corte
oblíquo que a vala imputou a estas estruturas negativas condicionou a leitura da sua secção, uma
vez que as deforma, pelo que a percepção da sua morfologia deverá ser efectuada pela análise
das secções desenhadas.
No que se refere à morfologia, a maior parte dos “silos” apresenta perfil ovóide ou sub‐ovóide
(“silos” 4 a 8), com profundidades conservadas entre 1,10 m e 1,60 m, sendo que o único que,
aparentemente, conserva a boca é o 8. Os “silos” 1 e 3 estão bastante destruídos, não permitindo
observar a sua morfologia original. Por sua vez, o “silo” 2 distingue‐se dos restantes por ser uma
estrutura cilindróide, de paredes aproximadamente verticais. A sua profundidade pouco excedia
os 90 cm e deveria ter tido um diâmetro de cerca de 1,10 m a 1,20 m. Ter‐se‐á conservado apenas
cerca de metade da estrutura. Destacam‐se, ainda, as estruturas 6 e 7 que poderiam

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corresponder a “silos” geminados; no entanto, não se conservaram vestígios directos dessa
ligação (figura 4).
É ainda de realçar, no que se refere aos aspectos construtivos, que no “silo” 7 foi identificado
um conjunto de blocos pétreos de arestas boleadas, de grande e média dimensão, articulados
entre si e dispostos regularmente contra as paredes da fossa. Foram interpretados como um
revestimento da fossa, que se destinaria possivelmente a consolidar o seu interior, uma vez que a
rocha é branda e se desagrega com facilidade. Trata‐se de uma estratégia idêntica à que foi
reconhecida no “silo” adjacente, no qual, no entanto, os blocos pétreos se encontravam ligados
por um sedimento compacto (figura 5).

Diam. Sup Diam.


Silo Área Diam. boca Profundidade
conservado máximo
1 Este ‐ ‐ 1,00 0,50
2 Este 1,10 1,10 1,20 0,90
3 Oeste (sul) ‐ ‐ 0,60 1,20
4 Área I ‐ 0,94 1,00 1,10
5 Área I ‐ 0,63 1,15 1,40
6 Área I ‐ ‐ 0,65 1,60
7 Área I ‐ ‐ 1,14 1,10
8 Área I 1,00 ‐ 1,20 1,60
Quadro 1: Quadro das dimensões conservadas dos “silos”

Em relação ao preenchimento dos “silos” verificou‐se uma grande homogeneidade, tanto no


que concerne ao tipo de conteúdo artefactual como às características dos sedimentos que os
preenchiam. Trata‐se de sedimentos argilosos, muito idênticos entre si, que se distinguem apenas
quanto à quantidade da fracção de argila ou de silt e à quantidade e dimensão dos componentes
geológicos, principalmente no referente à presença relativa de elementos do substrato geológico
local, a qual confere diferente tonalidade aos sedimentos. Verifica‐se ainda que existe uma
tendência para a horizontalidade dos depósitos e escassa inter‐estratificação no interior dos
“silos”.
Os “silos” 1, 2 e 3 apresentavam um único preenchimento. No caso do 1 e do 3 o material
arqueológico era escasso, ao passo que no “silo” 2 se identificou a presença de restos
osteológicos de um animal de grande porte (bovídeo) associados a fragmentos cerâmicos
pertencentes, sobretudo, a um grande contentor cerâmico.
Também o “silo” 4 apresentava praticamente um único preenchimento, registando‐se apenas
uma deposição pontual de sedimento de cor esbranquiçada, a qual deve corresponder a uma
derrocada parcial das paredes da fossa. Não obstante a homogeneidade do sedimento, foi a que
forneceu maior quantidade de cerâmica ao longo de todo o enchimento, além de apresentar um
nível de deposição de restos faunísticos mamalógicos, alguns dos quais carbonizados, associados
a fragmentos cerâmicos (figurra 6).

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No “silo” 5, e apesar de se terem distinguido várias unidades estratigráficas com base em
ligeiras diferenças de coloração e de textura do sedimento, não foi possível perceber qual o
significado dessas diferenças; apenas se podem diferenciar, do restante preenchimento, dois
níveis de deposição: um que corresponde à queda pontual de material derrocado das paredes da
fossa e outro a um nível de blocos pétreos angulosos e sub‐rolados de média e pequena
dimensão. O material arqueológico recuperado é pouco abundante e surge disperso, de forma
aparentemente aleatória, ao longo do “silo”.
No “silo” 6 também foram definidas diferentes unidades estratigráficas com base em
pequenas diferenças de cor e de textura. Salienta‐se o facto de, neste caso, não existirem níveis
inequívocos de deposição de restos cerâmicos e/ou faunísticos que atestem a utilização
intencional da fossa como lixeira. A maior parte dos fragmentos cerâmicos recuperados no seu
interior é de pequenas dimensões e não permitem colagens entre si. Estes aspectos sugerem a
possibilidade do enchimento da fossa ter sido feito a partir de terras, contendo fragmentos
cerâmicos e faunísticos provenientes da área habitacional ou da sua proximidade imediata.
O “silo” 7 é preenchido por uma única unidade estratigráfica, contendo raros restos de fauna e
fragmentos de cerâmica manual, na sua maioria de pequena dimensão. Destaca‐se, no entanto,
um momento de deposição aparentemente intencional como vazadouro, indiciado pela presença
de grandes fragmentos de grandes recipientes, fracturados e na horizontal, depositados na parte
inferior da fossa.
No “silo” 8 distinguiram‐se dois preenchimentos: o último ocupa somente a parte superior e
mais estreita, enquanto que o primeiro preenche a maior parte do interior da fossa. É o único
“silo” identificado que não foi afectado pela vala do caminho‐de‐ferro e, por conseguinte, o único
escavado integralmente. A escassez e reduzida dimensão do material cerâmico, a ausência de
faunas e as características dos depósitos indicam que a fossa, após o abandono da sua função
inicial, que se desconhece, não aparenta ter sido utilizada intencionalmente para vazadouro de
lixo doméstico.
OS “FUNDOS DE CABANA”
Na Área II, a sul da zona de maior concentração de “silos”, foram identificadas 2 grandes
manchas de terra de grandes dimensões que, com o decorrer da escavação, se verificou que
cobriam o conteúdo de duas grandes estruturas negativas escavadas no substrato geológico e que
poderão corresponder a dois “fundos de cabana” (figura 7).
A estrutura mais a Norte era preenchida por dois grandes depósitos, sendo de destacar a
presença de um alinhamento pétreo assente no depósito que preenche a parte inferior da
depressão e que encostava a uma das suas paredes laterais (figura 8). Na base da estrutura
existiam alguns elementos pétreos dispersos, correspondendo um deles a um fragmento de mó
manual (figura 9). O material recolhido no preenchimento da estrutura é, em termos genéricos,
filiável no Bronze Final, destacando‐se no depósito inferior um pequeno fragmento de cerâmica
de ornatos brunidos (o único proveniente de escavação).
Na zona mais a Sul, e no topo do enchimento da segunda estrutura negativa, foi identificado o
que consideramos ser o que resta de um nível de ocupação (U.E. [45]). Este nível de ocupação é
indiciado pela presença de duas estruturas negativas, uma das quais corresponderá a uma lareira,

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e na qual foi recuperado um fragmento de vaso de fundo plano, e por duas pequenas
concentrações pétreas, de gabro‐deoritos muito alterados, que poderão corresponder a eventuais
restos de estruturas (figuras 10 e 11). O “fundo de cabana” é preenchido na sua quase totalidade
por um depósito (U.E. [56]) dentro do qual apenas se individualizava uma pequena concentração
de pedras de funcionalidade desconhecida. O conteúdo artefactual é constituído
predominantemente por fragmentos cerâmicos e a sua análise preliminar aponta para a presença
de formas enquadráveis no Bronze Final. Na base do “fundo de cabana” foram identificados 3
blocos de gabro‐diorito e, debaixo de um deles, foi recolhida uma amostra de carvão já datada
pelo radiocarbono (AMS).
Entre os dois “fundos de cabana” encontrava‐se o depósito registado, em 2006, no perfil da
trincheira, designada como U.E. [30], e que preenche o que resta de uma depressão escavada no
caliço e nos níveis de colmatação daquelas estruturas. Este depósito está bastante afectado pela
trincheira do caminho‐de‐ferro. O seu conteúdo material inclui alguns restos faunísticos e
bastantes fragmentos cerâmicos, destacando‐se a presença de cerâmica pintada.
No que se refere à morfologia dos “fundos de cabana” assinalam‐se dois aspectos principais: a
sua profundidade e a irregularidade das plantas e perfis. O “fundo de cabana” norte apresenta
planta irregular e aspecto alongado na parte superior, tendendo para o sub‐circular na parte
inferior, onde é mais estreito. O fundo é aplanado e as secções são também irregulares, em parte
devido à afectação provocada pela abertura da trincheira. Tem 95 cm de profundidade máxima,
cerca de 4 m de comprimento na parte superior, no sentido norte‐sul, e cerca de 2,60 m
conservado no sentido este‐oeste; o fundo da estrutura tem cerca de 1 m de largura nos dois
eixos. O “fundo de cabana” sul tem uma forma mais alongada, orientação NE‐SW e apresenta
também planta e perfis irregulares, definindo diferentes espaços dentro da própria estrutura. No
eixo maior mede quase 12 m, a largura varia entre os 4 e os 7,50 m conservados e a profundidade
entre os 10 e os 90 cm. É de notar que esta estrutura não foi totalmente escavada e que se
prolonga para sul.

CONJUNTO MATERIAL
São ainda preliminares as apreciações que se podem efectuar sobre o conjunto artefactual
recuperado em Salsa 3, uma vez que não se encetou ainda o seu estudo sistemático. Este
corresponde predominantemente a fragmentos cerâmicos, enquadráveis no Bronze Final,
estando também presentes fragmentos de mós manuais, elementos de foice feitos a partir de
lascas de calhaus rolados de quartzito (figura 19) e alguns restos metalúrgicos. Os vestígios
arqueometalúrgicos estão representados por restos de minério de cobre e um objecto metálico
(provavelmente uma agulha), coberto de corrosão esverdeada e por um fragmento de molde de
machado plano, de pedra (figura 12), proveniente da fossa 4, que está em análise, e cujo
aparecimento neste tipo de contextos não é inédito, como se pode verificar pelo fragmento
encontrado em São Manços (Évora), no Casarão da Mesquita 3 (Soares et alii, 2007). Estão ainda
presentes alguns restos de fauna mamalógica e malacológica, esta menos abundante, que se
encontram em estudo.

518
Dos “fundos de cabana” recuperou‐se uma quantidade significativa de materiais cerâmicos,
cujo estudo também está ainda a decorrer, pelo que não é possível dizer se existe ou não uma
evolução na cultura material ao longo das sequências detectadas.
De um modo geral, o conjunto cerâmico proveniente dos “silos” e dos “fundos de cabana”
aparenta ser homogéneo em termos crono‐culturais pelo que, neste momento, não é possível
estabelecer relações temporais entre estes dois tipos de estruturas. Esse conjunto cerâmico é
composto por fragmentos de cerâmica manual, na sua maioria de cozedura redutora, com pastas
compactas e superfícies externas muitas vezes brunidas. A maior parte dos fragmentos que
apresentam bordo pertencem a recipientes de armazenagem de grande dimensão, a vasos
esféricos e a taças. Há uma presença significativa de fundos planos e de pegas mamilares
alongadas, algumas com perfuração. É de notar que as taças ou vasos carenados estão pouco
representados (figuras 13 a 16). O único exemplar de cerâmica de ornatos brunidos proveniente
de escavação corresponde a um pequeno fragmento que apresenta superfícies de cor castanha,
com decoração brunida de traços mais escuros na superfície exterior. Foi recolhido no primeiro
depósito de preenchimento do “fundo de cabana” norte (figura 18).
Na U.E. [30] é de destacar a presença de cerâmica pintada, com paralelos na bacia do
Guadalquivir (Ruiz Mata, 1995), e de alguns recipientes de armazenagem de média e de grande
dimensão, de manufactura grosseira, mas com decoração por meio de impressões lineares
repetindo o mesmo motivo (de tipo dedada, unha ou gota). Um elemento comum à maioria
destes recipientes de armazenagem de grande dimensão é o tratamento da superfície externa
mediante uma regularização a “cepillo” causando estrias alinhadas e relativamente regulares. A
presença de recipientes “cepillados” está atestada na região no Castro dos Ratinhos, onde surge
associada a cerâmica de ornatos brunidos proveniente da camada de abandono da muralha,
atribuível ao Ferro Antigo – finais do séc. IX a meados do VIII a.C. (Silva e Berrocal‐Rangel, 2005;
Soares e Martins, 2009). A cerâmica pintada é de boa qualidade, fina e de pasta muito compacta.
Compreende pequenas taças de bordo esvasado, com bandas vermelhas, ora no interior ora no
exterior, paralelas ao lábio, e duas das taças ostentam perfurações muito finas no bojo (Fig. 17).

DISCUSSÃO
O Bronze Final do Sudoeste na margem esquerda portuguesa do Guadiana está representado
no registo arqueológico apenas por povoados e, apesar das recentes descobertas realizadas no
âmbito dos trabalhos de construção dos blocos de rega do Alqueva, continua‐se sem conhecer
qualquer monumento funerário desta época.
O povoamento conhecido para a região foi recentemente sistematizado (Soares, 2005) e
agrupa‐se em 4 categorias: os grandes povoados amuralhados que se implantam nas margens do
Guadiana ou dos seus afluentes; os povoados de altura situados em cumes aplanados dos grandes
relevos residuais; os pequenos povoados fortificados em áreas com boa capacidade agrícola e os
sítios localizados em zonas planas, sem condições naturais de defesa, junto de linhas de água e
fontes permanentes de água.
Salsa 3 inclui‐se nesta última categoria, que está também representada por outros sítios
não muito distantes entre si, como Casa Branca 1 (localizado muito próximo de Salsa 3 podendo,

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porventura considerar‐se que ambos constituem o mesmo povoado), Santa Margarida e Entre
Águas 5 (também apresentado neste volume) localizados junto de cursos de água secundários e
próximos do rio Guadiana (figura 20).
Entretanto, as escavações por nós efectuadas em Salsa 3 e no núcleo 1 de Santa Margarida (já
em 2008), a par de outras que têm sido desenvolvidas por outras equipas no âmbito de acções de
minimização, nas regiões de Serpa, Beja e Évora, revelaram que estes povoados se caracterizam
pela presença quase exclusiva de estruturas negativas escavadas no substrato geológico,
geralmente brando. Estas estruturas correspondem predominantemente a “silos”, havendo a
registar alguns “fundos de cabana”. Não obstante o acréscimo de informação que se verificou nos
últimos 3 anos, a realidade é que o conhecimento de que dispomos para este tipo de povoados é
ainda muito parcelar e são muitas as questões que se colocam e que permanecem sem resposta.
Relativamente à dimensão e à organização interna destes povoados o nosso desconhecimento
é praticamente absoluto. Os sítios intervencionados são ainda muito poucos, as áreas escavadas
muito reduzidas e não dispomos de outras fontes de informação, tais como as que são passíveis
de obter através da aplicação de métodos de prospecção geofísica. Com base nos vestígios de
superfície e nas ocorrências já conhecidas, presume‐se que estes sítios ocupem extensas áreas e
que essa ocupação ocorra de forma descontínua no espaço. No entanto, não se deve esquecer
que, nas áreas onde hoje o registo arqueológico não detecta fossas, isso não significa que não
tivessem existido estruturas positivas que não sobreviveram, ou que fossem zonas agrícolas ou de
aquartelamento do gado que faziam parte do perímetro do povoado, tal como tem sido sugerido
em outras áreas peninsulares onde a investigação sobre este tipo de sítios está mais desenvolvida
‐ veja‐se, por exemplo, o caso de Caserío de Perales del Rio, na região de Madrid (Blasco, 2004).
No referente a Salsa 3, os dados obtidos na zona intervencionada fazem supor a existência de
uma área de maior concentração de vestígios localizada em torno das Áreas I e II e que se poderia
prolongar para Este, na medida em que o “silo” 1, implantado no outro lado da vala, se encontra
na mesma direcção. Dado que a sul desta área foram registados e escavados dois “silos”, um de
cada lado da vala, e considerando que não se identificaram entre as duas zonas mais vestígios
expostos nos taludes, poderíamos igualmente supor que a ocupação se estenderia nesta direcção
de forma mais dispersa, ou, que se trataria de um outro núcleo de concentração de “silos”. Na
zona escavada em área verifica‐se um afastamento entre a zona de concentração dos “silos” e os
“fundos de cabana”, o que poderia indicar algum tipo de organização interna entre as diferentes
estruturas e actividades domésticas. No entanto, estas inferências deverão ser encaradas com as
devidas reservas atendendo à exiguidade da área intervencionada.
A temática em torno da(s) funcionalidade(s) deste tipo de estruturas negativas, e da própria
terminologia conceptual associada, tem sido bastante debatida, tanto para contextos da Idade do
Bronze como para os do Neolítico ou do Calcolítico, a qual não se pretende discutir neste artigo.
Em Salsa 3 optámos por utilizar os termos “silo” e “fundo de cabana”. Apesar da morfologia da
maioria das fossas identificadas, que designámos por “silos”, se integrar na categoria de silos
proposta por Bellido Blanco (1996), não temos evidências de que tenham sido utilizados como tal
e os seus preenchimentos colocam‐nos várias dificuldades de interpretação, pelo que não se
afigura facilitada a tarefa de compreender a sua funcionalidade. Em relação aos “fundos de

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cabana” também não existem indícios directos da sua utilização original como áreas
habitacionais, não tendo sido identificados buracos de poste ou lareiras na base dos mesmos. No
entanto, tendo em atenção a sua dimensão e morfologia, é a hipótese que nos parece mais
adequada e plausível, optando‐se por manter a designação entre aspas (Blasco, 2004).
Em Salsa 3 são poucos os “silos” que revelam uma utilização intencional como lixeiras ou
vazadouros após o abandono da sua função original, que não seria a de lixeira ou vazadouro. O
nível de restos faunísticos e a quantidade de cerâmica recolhida no “silo” 4 apontam para uma
utilização última da estrutura como vazadouro de detritos domésticos. No caso do “silo” 2, o
conjunto cerâmico e o espólio ósseo, constituído na sua quase totalidade por restos de um animal
de grande porte, indiciavam que o preenchimento da fossa se terá dado num único momento,
num contexto de despejos domésticos.
A provável estruturação das fossas 6 e 7, através de elementos pétreos ligados por um
sedimento compactado, demonstra uma estratégia de planeamento e de manutenção das
mesmas que poderá estar relacionada com o armazenamento. No entanto, não foram
encontrados vestígios de eventuais produtos armazenados e o seu conteúdo aparenta indicar que
não terão servido para vazamento de lixo doméstico, dada a escassez de fauna e mesmo de
cerâmica, embora isso não signifique que não possam ter acolhido outro tipo de detritos.
No que se refere aos processos de formação dos conteúdos destas estruturas, e de forma
muito preliminar, verifica‐se que a maioria dos preenchimentos detectados contém pouco
material cerâmico e faunístico e que parecem resultar de acumulações de sedimentos,
intencionais ou fortuitas, que resultaram na colmatação das fossas com terras oriundas, muito
provavelmente, da área envolvente. Os dados disponíveis não permitem determinar a velocidade
de acumulação de terras dentro das estruturas. Contudo, a identificação de níveis, ainda que
pequenos, de derrocada das paredes das fossas, fazem supor situações de acumulação mais
lentas, onde, apesar da homogeneidade dos sedimentos, a colmatação não era feita num único
momento. Não devemos igualmente excluir a hipótese de estarmos, simultaneamente, em
presença da colmatação das fossas com sedimentos da área envolvente e da utilização intencional
como lixeira para depósito de detritos domésticos ou outros.
Em relação aos “fundos de cabana”, os depósitos que os preenchem são bastante
homogéneos e contêm uma quantidade significativa de fragmentos cerâmicos e alguns restos
faunísticos, cujas condições de jazida e grau de fragmentação indiciam a sua utilização como áreas
de vazadouro de detritos domésticos. A presença de um alinhamento de pedras no “fundo de
cabana” norte sugere a hipótese da colmatação destas estruturas poder ter sido intercalada com
níveis de ocupação. No entanto, no caso do preenchimento do “fundo de cabana” sul não foram
detectados outros vestígios de ocupação, à excepção do nível já mencionado e que se localiza no
topo do enchimento.
Em Salsa 3 não foram ainda identificados vestígios que apontem para ocupações anteriores ao
Bronze Final e está ainda por confirmar a presença de artefactos atribuíveis à Idade do Ferro.
Como já foi mencionado, o conteúdo material das fossas, quer dos “silos”, quer dos “fundos de
cabana” é, em termos genéricos, filiável no Bronze Final do Sudoeste. A data Beta‐236601
2910±40 BP, obtida por AMS a partir de uma amostra de carvão, proveniente da U.E. [56], isto é,

521
recolhida junto à base do “fundo de cabana” sul, aponta para um qualquer momento dos sécs. XII
ou XI a.C. (figura 21), em concordância, por conseguinte, com o referido atrás. No entanto, duas
outras datas foram já obtidas para Salsa 3: Sac‐2125/2126/2231 2356±43 BP, média ponderada
de três datas de radiocarbono, obtidas a partir de ossos de Bos taurus ligeiramente queimados
provenientes do “silo” 2, e Beta‐236602 2280±40 BP, obtida por AMS a partir de uma amostra de
carvão recolhida na U.E. [30], apontam para momentos na transição da 1ª para a 2ª Idade do
Ferro ou mesmo da 2ª Idade do Ferro. Uma ocupação da Salsa 3 com essa cronologia, torna‐se
muito provável com base nestes resultados. Contudo, o acervo artefactual correspondente parece
ser muito escasso, residual, o que indicia, porventura, uma ocupação esporádica do local. Note‐
se, no entanto, que a morfologia e a dimensão do “silo” 2 se distinguem dos restantes, pelo que
não será de excluir a hipótese destas diferenças terem, para além das questões funcionais, um
significado cronológico. É, também, de mencionar que a forma do recipiente (figura 13) recolhido
no seu interior não se encontra, aparentemente, representada nas restantes fossas e
encontrando‐se associado ao esqueleto de Bos tauros será datável do séc. VI ou V a.C.
O conteúdo artefactual da U.E. [30] ainda não foi estudado e a filiação cronológica e cultural
da cerâmica pintada terá de ser analisada no conjunto dos restantes materiais provenientes deste
contexto e de toda a sequência estratigráfica identificada. Este tipo de cerâmica pintada, com
paralelos na zona do Baixo Guadalquivir, é ainda muito pouco conhecido em território português,
motivo pelo qual se pretende dar a conhecer alguns dos exemplares de Salsa 3, mesmo que
estejamos ainda numa fase muito preliminar do seu estudo.
Note‐se que a presença de cerâmica de ornatos brunidos na área intervencionada do núcleo 2
da Salsa 3 é absolutamente residual e o único fragmento encontrado não surge associado à
cerâmica pintada, pese embora o facto de estarmos perante um contexto bastante truncado.
O estudo sistemático dos contextos de cada estrutura ainda não foi efectuado, pelo que, a
leitura de Salsa 3 apresentada neste artigo traduz apenas uma abordagem preliminar ao sítio e a
algumas das questões que o mesmo revela para o conhecimento da Idade do Bronze do Sudoeste
Peninsular.

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BIBLIOGRAFIA
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