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Universidade Santo Amaro (UNISA)

Arqueologia, História e Sociedade


2021/2022

ZOOARQUEOLOGIA

Aluno: Rodrigo Rocha Pavan da Silva


Professor: Anderson Tognoli

Com o advento da Arqueologia Processual no Brasil, os Sambaquis passaram a ter um novo


olhar científico assim como todo o ecossistema que o compunha, que incluía uma grande variedade
de espécies de peixes, moluscos e gastrópodes.
A visão das populações costeiras como organizações sociais simples que possuíam uma
economia baseada na exploração de um único recurso natural foi sendo deixado de lado e os novos
estudos passaram a indicar uma grande quantidade de carnes a partir de ossos e conchas, definindo
essas populações como principalmente pesqueiras e altamente adaptadas à exploração dos recursos
deste ecossistema que habitavam.
Assim, os Sambaquis passaram a ser encarados como estruturas intencionalmente
construídas, e não locais resultantes do acúmulo aleatório de restos alimentares. As populações que
construíram os sambaquis são consideradas como organizações complexas e estáveis.
Os Sambaquis, tanto monumentais como os menores, são entendidos como produtos de
depósito que configuram uma paisagem, porém, com intervenção humana e com propósitos bem
específicos.
Os locais que essas populações escolheram para assentamento eram ricas em recursos com
fácil acesso ao mar, lagoas estuários mangues e florestas, o que permitia a essas comunidades
pescar, coletar, caçar e, provavelmente, praticar uma forma incipiente de horticultura.
Em Santa Catarina, que a ocupação humana estima-se ter iniciado por volta de 7.000 anos
AP, os Sambaquis são conhecidos por sua dimensão monumental e grande visibilidade na paisagem.
Mais de 70 sambaquis já foram catalogados e o que chama a atenção são os que tenham tido
a função de cemitério. Na área estudada, sua geografia evoluiu a partir de uma grande paleobaía e,
hoje, apresenta um sistema lagunar. Dois sítios destacam-se nos estudos: Jabuticabeira II e
Encantada III.

Sítio Jabuticabeira II







Este sítio de 320.000 m de volume e altura máxima de 9m, situado sobre depósitos eólicos
datados do holocênico, é composto de dois depósitos estratificados principais: um de conchas na
parte inferior e outro, preto, composto principalmente de ossos de peixe que constitui a parte
superior de quase todo sítio. Portanto, o sítio Jabuticabeira II é essencialmente um Sambaqui
composto por um depósito conchífero coberto por um depósito ictiológico. O início deste sítio
estima-se ter sido por volta de1.700 anos AP e seu abandono 1180 anos AP.
Uma das características mais notáveis do depósito conchífero é a combinação sucessiva de
camadas espessas. Essas camadas de conhas geralmente não possuem estruturas internas ou
artefatos, ao passo que as camadas escuras contêm numerosos sepultamentos, fogueiras e buracos
de estaca, além de artefatos líticos e ósseos. Nos estudos, 99% dos sepultamentos foram
encontrados nesta camada. Essas camadas receberam o nome de “áreas funerárias”

Análise faunística do sambaqui

Sendo os principais achados do Sambaqui, restos faunísticos, considerou-se obter um estudo


zooarqueológico para entender sua História deposicional.
Pela estratigrafia, encontraram camadas soltas e de coloração clara, que dominam a maior
parte do sítio e são compostas principalmente por conchas inteiras (algumas delas articuladas e
fechadas) de Anamalocardia brasiliana, ou berbigão, além de areia. Outros moluscos (mexilhões,
mariscos e gastrópodes) foram encontrados mas em menor quantidade (30% da composição). Em
relação às valvas, elas não apresentam evidências de aberturas ou quebras intencionais e, apenas
2,5% apresentam sinais de queima. Essas camadas conchíferas também contêm vestígios de peixes
locais como a Corvina, Bagre, Miraguaia, Sargo de Dente, e eram facilmente capturadas, por
rede, nas Lagoas. As deposições indicam que as mesmas não resultam de um único episódio de
deposição, mas de várias deposições sucessivas no tempo, sem um grande hiato temporal entre um e
outra.
Nas camadas mais escuras, há pouca presença de conchas e moluscos (cerca de 15%), mas
grande parte desses moluscos (53%) apresentam sinais de intemperismo como coloração
amarronzada ou avermelhada e indícios de dissolução de carbonato de cálcio, assim como
evidências de queimas. Alterações térmicas também foram observadas nos ossos de peixes e que
são mais encontradas nas camadas escuras do que nas camadas de conchas, o que sugere um
processamento diferenciais desses vestígios.





A análise das estruturas (covas, buracos de estaca e fogueiras) mostrou que a composição se
assemelha às características das camadas escuras, mas com maior grau de queimas dos materiais
recuperados das fogueiras e a presença de animais “exóticos” , o que nos leva a crer que foram
usados como oferendas. O termo cova tem que ser relevado pois os enterramentos eram superficiais,
apresentando apenas a cobertura necessária para acomodar o corpo.
A ausência de artefatos fora dos contextos funerários, bem como de áreas para o preparo
diário de comida, assim como a recorrente presença de estruturas associadas aos sepultamentos,
como fogueiras e buracos de estaca, são indícios da função eminentemente funerária do sítio.
Alguns ossos encontrados nessa área podem corresponder aos festins funerários realizados em
homenagem aos mortos.
Estimativas indicam que peixes foram a mais importante fonte de alimento, tanto nas
camadas de cobertura quanto nas áreas funerárias. Os resultados demonstram que a maior parte da
pesca era empreendida na laguna vizinha e que as espécies encontradas eram similares, o que indica
grupos de afinidades distintos tinham acesso a áreas de pesca semelhantes. As áreas estudadas
apresentam uma média de 281kg de carne de peixe disponível por metro cúbico o que leva a crer
que a comida poderia ter sido usada com um número elevado de participantes.

Geoarqueologia do íctio-montículo

As sondagens externas ao sítio mostraram uma sucessão de fáceis arenosas, amarelo claro,
sob uma fáceis de lama arenosa preta, o que leva a crer que são de margem paleolagunar, de praia,
de brejo, respectivamente. Também apresentam fragmentos de ossos de peixes não selecionados e
areia terrena de granulometria fina a muito fina. Alguns fragmentos de carvão foram encontrados
com diferente tamanhos.
As análises geoarqueológicas mostraram sete fáceis:
1) coloração marrom-escuro, mais compactadas e com elementos intrusivos modernos, tais como
tijolos e plásticos;
2) Unidades centimétricas pretas compostas de carvão e fragmentos de ossos queimados (10% a
15%);
3) Unidades decimétricas de coloração marrom com ossos de peixes fragmentados e
intemperizados (10% a 30%);
4) Camadas centimétricas de coloração cinza compostas de carvão, cinzas e ossos queimados
(10% a 15%);





5) Camadas decimétricas de coloração marrom claro com ossos de peixes muito fragmentados (30
%a 50%), queimados e intemperizados, com lentes de areia e cinzas;
6) Fogueiras in situ;
7) Lâminas de areia solta.

Uma análise microscópica corroborou o fato de diferenciarem apenas na frequência de


fragmentos de ossos queimados e na composição da fração fina que os acompanha. Além disso,
verificou-se a alta porosidade do depósito, chuvas sazonais, atividade microbiana e liberação de
ácidos pela decomposição de matéria orgânica teriam favorecido o processo de alteração após o
enterramento.
Outros elementos que formam a matéria grossa, além dos ossos distribuídos aleatoriamente
(30% a 50%), foram os grãos de quartzo (15% a 30%) e fragmentos de carvão (5% a 10%).
A possível origem dos grãos de quartzos foram determinadas de locais próximos ao sítio.
Isso faz com que infere-se que as areias terrígenas foram trazidas por ação antrópica. Corrobora o
fato de ter encontrado um número significativo de diatomáceas, típicas de ambientes estuarino-
lagunares. Além destes vestígios, foram encontrados resíduos silicificados que foram produzidos
após a queima de matérias vegetais e escória vítrea. Estes materiais de origem vegetal são menos
visíveis no depósito, em comparação aos fragmentos de ossos, mas são tão importantes quanto.
Todas essas análises de ossos queimados, a porosidade elevada do sítio, a falta de um
substrato queimado para cada unidade são importantes pois com elas verificamos que as partículas
não foram queimadas no local (in situ) mas sim, trazidas de outro local. Como vimos, esta hipótese
pode ser estabelecida devido a quantidade de areias paleolagunares e pela variedade de espécies de
diatomáceas estearinas que compõem o sítio. Portanto, cada camada representa diferentes
momentos de remobilização de material descartado. Assim, o padrão do sítio intercala fáceis
decimétricas de ossos alterados com micro-massa fosfática e fáceis centímetricas de ossos
queimados com micro-massa carbonácea.
Percebe-se, portanto, que este sítio teve como finalidade para a realizações de rituais, cuja
matéria prima possui uma história que precede o evento final de deposição.

O Sítio Encantada III

Localizado a aproximadamente 4km do sítio Jabuticabeira II e a cerca de 1,2km do litoral, o


Sítio Encantada III é um pequeno sambaqui de aproximadamente 2m de altura, 34m de






comprimento e 15m de largura. Sua confecção é datada de aproximadamente 4.420 anos AP (em
concha) e 4.320 anos AP (em carvão). Outra datação, por meio do carvão do topo do sítio fornece
um uso mais recente com cerca de 740 anos AP e que pode não ter relação com o uso do sambaqui.
Este tipo de sambaqui é classificado como estrutura satélite de um sambaqui monumental e
apresenta uma estratigrafia mais simples.

Geoarqueologia

A estratigrafia do Sítio Encantada III apresenta um núcleo arenoso amarelo-claro de até


1,5m de altura, que foi classificado de arqueofácies 1 e coberto por uma camada decimétrica areno-
argilosa preta rica em material orgânico e conchas, com espessura entre 25cm e 40cm, que foi
classificado como arqueofácies 2. Este, é composto por conchas, é escasso no número de ossos de
peixes e não apresenta sepultamento humano. Nele, encontram-se materiais vegetais presentes em
mangue. Outros estudos identificaram uma fáceis arenosa amarela sobre uma areio-argilosa preta.
A arenosa, possivelmente de origem marinha sobre uma fácies de margem paleolagunar
respectivamente. Isto demonstra a formação da geografia do local com o avanço ao interior das
areias do sistema barreira por sobre os sedimentos paleolagunares, indicando a forma e local da
construção do Samabqui.
A arqueofácies 1 pode estar relacionada a uma paleoduna parabólica alongada ou imbricada
como demais encontradas na região do sítio posteriores no máximo de inundação holocênico. Mas
não se pode afirmar que isto levou a construção do núcleo arenoso central, e que uma construção
arqueológica antrópica pode ser outra hipótese. A mesma estrutura pode ser encontrada no
Sambaqui Carniça III.
Uma análise química leva a constatação da presença cálcio e carbono, resultantes do e
carbonato de cálcio das conchas. Também é encontrado fósforo, que é resultante dos fosfatos
recentes nos ossos de peixes.
Da mesma forma que o Sambaqui Jabuticabeira II, é encontrado uma fração grossa
composta de conchas (20%) e grãos de quartzo (40%), além de matéria amorfa preta. As conchas,
por sua vez, apresentam sinais de fratura in situ, além dos de queima a temperaturas médias de 500°
C, como fissuras, rachaduras, superfícies ásperas e coloração escura. A ausência de estruturas para a
queima e a presença deste material indica que eles foram trazidos de outros locais e transportados
para o sítio.




Zooarqueologia

As amostras coletadas apresentaram moluscos, peixes, siris e bolachas do mar. No substrato


mais inferior coletado, identifica-se um aumento de restos de peixes, mas pode-se ter ocorrido um
deslocamento vertical de alguns ossos devido à porosidade do sítio. O caráter peculiar do sítio é
atestado pelo encontro de siris e bolachas do mar (17% e 9% respectivamente). Os ossos de peixes
(63%) encontram-se muito fragmentados. Os mais encontrados foram os de Bagre (20%) e Corvina
(40%), assim como em Jabuticabeira II.
Em relação às Bolachas do Mar, em Jabuticabeira II foi encontrado oitos vezes menos que
em Encantada III. Elas não são comestíveis, e até o momento, os arqueólogos estudam seus
possíveis usos. Os equinodermos estão altamente fragmentados, a grande maioria apresenta sinais
de queima. Há uma escassa presença de vertebrados no sítio Encantada III. O sítio apresenta uma
semelhança com o Sítio Espinheiros II, em Joinville, SC, construído como uma plataforma.
O molusco mais comum (87%) é o mesmo encontrado em Jabuticabeira III: Anamalocardia
brasiliana, ou berbigão, mas outras espécies foram encontradas como Lucina pectinata, Thais
hematoma, Nassarius vibex. Evidências de queimas foram encontradas nas valvas (40%).
A presença de sedimentos paleolagunares neste sítio corrobora a ideia de possibilidade de
uma proveniência semelhante para os elementos faunísticos no sítio.
A formação de Encantada III é de uma deposição de forma contínua. Ele, de fato, apresenta
características de uma construção rápida, coma deposição de materiais em curtos intervalos de
tempo.
O estudo deste tipo de Sambaqui está vinculado na relação entre os grandes de pequenos. A
presença de apenas um material lítico (lasca), infere-se que ele não teve uma ocupação duradoura e
que as principais atividades do grupo humano ali não era feito neste sambaqui (Encantada III). O
Sítio pode ter atuado como marcador territorial, além de servir como espaço para atividades
específicas de processamento.
Diferente do Sítio Jabuticabeira II, este sambaqui foi construído com propósitos menos
duradouros. Estas atividades não correspondem a um local de moradia ou mesmo funerário e sua
ocupação pode ter sido, e muito provavelmente foi, efêmera.
O estudo dos Sambaquis em Santa Catarina fornece uma compreensão da domesticação dos
componentes da paisagem deste território. As maiores estruturas serviram como elementos ativos no
controle dos movimentos dos indivíduos e suas relações com a paisagem. Já os menores são marcos








de práticas de pequena escala e expressam a interação das comunidades costeiras com o ambiente
que habitam.

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