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Universidade Santo Amaro (UNISA)

Arqueologia, História e Sociedade


2021

LABORATÓRIO LÍTICO

Aluno: Rodrigo Rocha Pavan da Silva


Professor: Dr. Luiz Fernando

Tecnologia lítica, cronologia e sequência de ocupação: o estudo de um sítio a céu aberto na região
de Lagoa Santa, MG
(Lucas Bueno*)

* BUENO, L. Tecnologia lítica, cronologia e sequência de ocupação: o estudo de um sítio a céu aberto na região de Lagoa Santa, MG. Revista do Museu
de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 91-107, 2010.

Conhecida pela presença de sepultamentos humanos, ocupações em abrigo sub-rocha, a


região de Lagoa Santa é objeto de estudo há muitos anos, desde a primeira metade do século XIX,
ela também apresenta uma ocupação a céu aberto que remonta ao Período do Holoceno. Mas este
interesse na região não se traduziu na existência de uma pesquisa de longa-duração.
Diversos sítios a céu aberto são encontrados nessa região, com presença de cerâmicas e
outros que classificamos como abrigos sob-rochas com presenças de materiais líticos.
O texto analisado apresenta uma análise do sítio Coqueirinho desde sua ocupação como
também os materiais achados. Este sítio está localizado às margens da Lagoa do Sumidouro,
inclinado suavemente na direção NW-SE. Uma área que contém a presença de cascalho composto
de quartzo leitoso de veio e arestas arredondadas e seixos de tamanhos variados. O conjunto de
vestígios arqueológicos associados ao sítio é composto majoritariamente por material lítico, mas há
também material histórico como telhas, pregos e fragmentos de arame, principalmente nos níveis
mais superficiais. Os vestígios arqueológicos aparecem desde a superfície até cerca de 70 cm de
profundidade.
Em relação à estratigrafia, o sítio apresenta quatro camadas divididas em 7 níveis. A mais
profunda é caracterizada por um sedimento amarelo argiloso que aparece em outras áreas no
entorno da Lagoa do Sumidouro mas que no sítio do Coqueirinho se apresenta mosqueada por
intrusões de um sedimento mais amarronzado. Acima dela ocorre uma camada marrom misturada
com uma camada de conglomerado formado por seixos e fragmentos de pequeno porte. Sobreposta
a ela há uma camada de sedimento marrom escuro que corresponde aos níveis em que são
encontrados os materiais arqueológicos. Ainda na sequência, ocorre uma camada de sedimento
marrom que segue até à superfície, à qual está associado o material histórico encontrado no sítio.
A caracterização da indústria lítica do Coqueirinho envolveu a distribuição estratigráfica de
um conjunto de três escalas: a primeira esteve focada nos atributos gerais como matéria prima,
categoria, dimensão e grau de preservação dos vestígios, afim de verificar a existência de variações
na composição do conjunto que possam estar relacionadas ao desenvolvimento de atividades
distintas; em segundo, a análise focou-se nos gestos, designs e performances selecionadas no
processo de confecção e utilização dos artefatos; a última análise foi uma caracterização das
sequencias operatórias identificadas e de sua distribuição estratigráfica.

Matéria Prima

A matéria-prima mais predominante é o quartzo hialino encontrado em quase todos os níveis


estratigráficos. O Quartzo (leitoso) e quartzito aparecem na sequência, mas em número inferior ao
primeiro. Estão distribuídos entre 20 e 70 cm de profundidade e que corresponde pela diversidade
deste atributo, com uma intensificação na quantidade de vestígios de cada matéria prima entre 40 a
60 cm. Com relação ao sílex e ao arenito silicificado, matérias primas comumente associadas às
ocupações mais antigas da região, pode-se destacar a presença de arenito silicificado, mas uma
baixa presença do sílex no conjunto dos vestígios líticos.

Conjunto de vestígios

Predominam de uma forma geral, em todos os níveis, as lascas e apesar da exiguidade dos
conjuntos por nível, há na maioria deles, artefatos. Por outro lado, em todo o conjunto do sítio foi
identificado apenas um núcleo. Com relação à dimensão dos vestígios predominam em todos os
níveis aquelas cuja dimensão máxima está entre 1 e 2 cm, aparecendo entre 20 e 70 cm
correspondendo também aos níveis nos quais se têm o maior número das amostras.
Como a tecnologia lítica é eminentemente redutiva, informações sobre os suportes
selecionados para lançamento são necessárias para se discutir o significado das dimensões
identificadas para a maioria dos vestígios. Com relação ao grau de preservação dos vestígios viu-se
que em todos os níveis predominam os fragmentados que no total respondem a cerca de 69% dos
líticos coletados no sítio.
Não há muita alteração na distribuição geral das categorias de tamanho a não ser pela baixa
representatividade de vestígios com dimensões inferiores a 1 cm entre os que estão inteiros. Entre
os inteiros, dimensões entre 1 e 2 cm (46%), entre 2 e 3 cm (26%) e 3 a 4 cm (15%) são
encontrados.
Em relação à distribuição estratigráfica, há uma semelhança: um aumento da diversidade de
variáveis observadas entre os níveis 2 e 7 com um incremento dessa diversidade entre os níveis 4 e
5. Uma presença significativa de arenito silicificado é encontrado nos níveis 5, 6 e 7.

Artefatos

Há artefatos em todos os níveis, como já mencionado, mas são nos níveis 5, 6 e 7 que eles
são mais densamente encontrados. Todos os artefatos foram produzidos por percussão unipolar,
à exceção de dois percutores sobre o seixo de quartzito sendo que a lasca foi o suporte preferencial.
Com relação ao grau de preservação, predominam os artefatos inteiros (64%), seguidos dos
de quebra transversal (25%), e longitudinal (11%). Predominam também os artefatos com
vestígios corticais (63%).
Com relação à matéria prima, o Quartzo hialino é o predominante. Com baixa
representatividade, seguem o quartzito, quartzo leitoso, e sílex.
Os artefatos encontrados são de suporte para eles ou destacados deles a partir de processos
de confecção e utilização. Se por um lado, há uma distribuição diferencial entre lascas e
artefatos, por categoria, tamanhos, por outro, há uma baixa incidência de transformações
secundárias sobre os artefatos, o que geraria poucas lascas de retoque, indicando ao mesmo
tempo, uma diferença reduzida entre dimensões iniciais e finais dos artefatos encontrados no sítio.
Ainda sobre as dimensões dos três artefatos com maiores dimensões, dois são precursores -
um para lascamento unipolar e outro para lascamento uni e bipolar, sendo ambos deixou de
quartzito. O terceiro com dimensão máxima de 7,8 cm também foi confeccionado em seixo de
quartzito, mas tem como suporte uma lasca e apresenta características peculiares quando comparado
aos demais artefatos da coleção.
Outros aspectos relacionando lascas e artefatos envolvem a relação entre dimensões e
números de gume, bem como entre dimensões e intensidade de retoque. No primeiro caso, constata-
se que os artefatos de dimensões entre 2 e 4 cm são os que apresentam maior número de retoque e
os únicos com presença de 2 ou 3 gumes, mas mesmo dentre esses artefatos, alguns apresentam
apenas 1 gume e baixa intensidade de retoque. Essa é uma característica que se encontram na
maioria dos artefatos. Dos 27 artefatos estudados, apenas dois apresentam três gumes e três tem
dois gumes, o restante apresentam um gume. Encontra-se algo semelhante quanto à intensidade do
retoque: sete artefatos com mais de duas sequências de retiradas e 20 com duas ou apenas uma
sequência.
Esta é uma indústria com artefatos de pequeno porte e com baixa intensidade de
transformação secundária. Mas também é preciso reforçar que a atividade de retoque e reavivarem
está presente e, em alguns artefatos, indica uma intensificação na utilização com incremento da vida
útil.
Outro ponto analisado, foi a relação entre a técnica de preensão e número de gumes ou
extensão de retoques que indica a utilização de artefatos por meio de preensão direta correspondente
àqueles que apresentam maior intensidade de modificação secundária e ao maior número
de gumes. Isto significa que o encabamento não está necessariamente associado à vida útil dos
artefatos, mas ao desempenho da atividade para a qual o artefato é utilizado.
Esta análise é importante pois revela uma escolha relacionada não só aos gestos efetuados
no desempenho da atividade relacionada aos artefatos, mas também à priorização de um
determinado desempenho-me seu design e à associação entre diferentes tipos de material no
processo de produção dos instrumentos. Esse conjunto de artefatos é um bom indicador da relação
entre escolha, performance e design. Em relação à estratigrafia, esta distribuição não é homogênea.
Também é observado em nos níveis 5 e 6 estratigráficos, artefatos fragmentados no eixo transversal,
e dentre os inteiros aqueles que o comprimento é maior que a largura, ou até mesmo iguais.
Podemos inferir também que não há qualquer relação direta entre encabamento e intensidade
de retoque ou no número de gumes, isto está presente mais nos instrumentos utilizados por preensão
direta.
Pode-se esboçar uma caraterização dos artefatos do sítio do Coqueirinho quanto a uma
possível diferenciação deles ao longo da estratigrafia. De um modo geral, os artefatos encontrados
caracterizam uma Indústria Lítica local caracterizada pela produção de instrumentos pequenos e
com poucas modificações secundárias, aos quais se somam artefatos com características próprias
que envolvem reavivarem intensa, multifuncionalidade e preensão indireta. Essas características
estão ligadas a três aspectos na elaboração do artefato lítico: gestos, performances e design.
Os artefatos encabados requerem gestos específicos tanto no processo de confecção quanto
de utilização, os quais são guiados por uma performance determinada que requer,
consequentemente, um design específico (no caso, o encabamento). Este encabamento está
ligado também, a outros tipos de matérias-primas como, por exemplo, madeira e osso, obtidas e
manuseadas segundo outros procedimentos. Outro aspecto importante mencionado foi a baixa
intensidade de transformações secundárias do suporte, levando a possibilidade de ser uma
inferência de que a maioria deles estar inteiros e de que se encontrava completa e ainda
apresentando reserva cortical.

É interessante ressaltar que no estudo apresentado praticamente inexiste núcleos na coleção.


Ou estas foram transportados ou foram debitados até se esgotarem. Se o arqueólogo escolher
a segunda hipótese, pode-se levar a conclusão de que houve uma certa intensificação na utilização
da matéria-prima nesta indústria. Este procedimento pode estar relacionado a escolhas
orientadas segundos outros métodos e ligadas por diferentes razões, por exemplo a conexão
entre design e performance.
Conforme foi visto, a maioria dos artefatos apresenta formas diminutas e retoques
marginais ou milimétricos. Este é um ponto a ser observado com maior atenção, pois tomado
este viés, interfere-se no estudo relacionado à possibilidade de reavivagem ou não, uma vez que
peças com volumes pequenos apresentam restrições técnicas à reestruturação. Uma das
possibilidades é a que envolve a confecção de artefatos compostos, produzidos por um certo
tipo de encabamento ou incrustação dos micro-artefatos em hastes ou suportes de outra natureza,
como madeira e/ou osso, tal qual ocorre no mesolítico europeu. Neste caso, ocorre uma
exploração intensa de núcleos com intuito de fornecer lascas de diferentes tamanhos que serão
incorporadas na produção de artefatos que respondem a diferentes performances. Lascas
maiores, mais compridas do que largas, de formato trapezoidal são selecionadas para
confecção de artefatos com gume distal mais robusto podendo ser ou não encabadas e, também,
utilizadas até o fim ou reavivadas. Lascas de mesmas dimensões, mas com a forma retangular ou
elíptica selecionadas para a confecção de gumes lineares extensos são utilizadas na preensão
direta; lascas pequenas com menos de 2cm de comprimento e 0,5cm de espessura são utilizadas
para definição de pequenos gumes com modificações marginais, possivelmente encabadas,
formando assim, artefatos compostos. Estas lascas são de quartzo hialino, principalmente, mas não
se esgota a matéria-prima, havendo outras categorias de artefato na indústria do
Coqueirinho. Os retoques são feitos, preferencialmente, diretos, mas há casos da aplicação de
retoques alternantes e alternados no conjunto estudado.
As demais matérias-primas como o sílex, quartzito e arenito silicificado apresentam pouca
representatividade na categoria dos artefatos, mas é em sílex que um fragmento bifacial de ponta de
projétil foi encontrado no sítio.
Para o lascamento do cristal de quartzo, o método utilizado mais comum no Coqueirinho foi
o da aplicação de um golpe inicial próximo à crista, com percussão direta, utilizando-se
percutor duro. O golpe produz uma lasca espessa que inclui toda a parte referente ao ápice do
cristal e um núcleo composto pelas faces laterais e raiz do cristal. Este núcleo pode ser lascado de
três maneiras diferentes que se intercalam de acordo com a morfologia e a qualidade do cristal de
quartzo. São elas: 1) retiradas orientadas pelas arestas longitudinais do cristal, utilizando-se como
plataforma de lascamento o negativo deixado pela retirada inicial; 2) retiradas orientadas para a
face do cristal, com intercalação na direção do lascamento e exploração do cristal segundo seu
eixo longitudinal, utilizando como plataforma de lascamento o negativo deixado pela retirada
inicial; 3) retiradas orientadas para a face do cristal, explorando-o no seu eixo transversal,
utilizando como plataforma de lascamento uma de suas faces. Este procedimento, o número 3,
pode ser utilizado para “abrir” o cristal. Para exploração da lasca de ápice do cristal utiliza-se os
mesmos procedimentos, mas pode ocorrer sua utilização bruta ou com pequenos retoques,
configurando um dos tipos de artefatos presentes na coleção do Coqueirinho.

Estas sequências produzem lascas com morfologias distintas e são intercaladas na


exploração do cristal sendo que em todos os níveis estratificados são encontradas lascas oriundas
dessas sequências. Mesmos as de arenito silicificado fino, há um conjunto oriundo de uma mesma
sequência operatória relacionada à preparação e retoque de artefatos plano-convexos. O quartzito
mostra a predominância de núcleos piramidais, com plataforma cortical e lascamento em uma única
direção. O sílex está pouco representado, mas aparece na ponta de um projétil, que por isso, indica
lascamento bifacial e utilização combinada de diferentes técnicas: percurso macia e pressão. Além
da ponta de projétil ocorre ainda uma lasca em sílex, possivelmente associada ao lascamento
bifacial.
Assim, pode-se concluir que no sítio analisado há um padrão geral com pequenas variações
sendo a principal delas a distribuição diferencial de matérias primas, mais precisamente o arenito
silicificado fino. Além disso, há uma produção de um conjunto de artefatos que apesar de oferecer
um panorama de homogeneidade à primeira vista, esconde algumas variações importantes no que
diz respeito aos gestos tanto na produção quanto às performances e aos designs. Infere-se daí que
uma mesma matéria prima tem diferentes usos e com isso, atribui-se a ela diferentes d e s i g n s
em diferentes sequências operacionais. Para este tratamento há, portanto, sequências próprias e às
vezes complementares.
Apesar de ser pequena, a coleção lítica do Coqueirinho aponta para a existência de variações
na estratégia de composição e gestão do conjunto artefatual. A existência de matérias primas
exógenas ao castre de Lagoa Santa, indicaria um deslocamento ou contato mais acentuado com
áreas adjacentes. A identificação de lascas associadas a atividades de retoque e a reavivarem de
artefatos unificais ausentes na coleção sugere fortemente o transporte e utilização de determinadas
categorias de artefato em outros pontos da paisagem.
Todos esses aspectos têm sido debatidos na arqueologia como possíveis correlatos
para diferentes estratégias de subsistência e mobilidade entre caçadores-coletores. Assim, o
estudo de Lagoa Santa levará a um avanço nesta discussão.

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