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Kleber Navas
Faculdade de Fernandópolis (FEF)
?#.#1'/)$#4$@A=BC=DBBE=$F5&);%/)$#4$@G=BG=DBBE=
!"#$%&'(!')*+,%#-&$')./+#-&$''0''12*'34,$'5'67''0''8.9!:*';$<!-#&+''0''<='>?>'5'>@A''0''7B*$%*'(!'AC>C
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que isso, que o Estado assuma o compromisso monetária, alcançada a partir do seguimento de
de equiparar os direitos entre heterossexuais e algumas prescrições: disciplina orçamentária,
:)4)!!#,9%'!H$%5#!%&$/#$"#&4)!$/#!/#$)$I6%0$ contenção de gastos sociais e manutenção
/)!$%6)!$@ELB$%0(94%!$%2-#!$();#&6%4#6"%'!$ da taxa natural de desemprego (ANDERSON,
decorrentes de demandas destes segmentos, @EEPH$ 5=$ @BQ=$ e$ #6M&%\9#.'4#6")$ /)$ !"%/)Z
geralmente voltadas para o âmbito da saúde nação é a maior premissa do desenvolvimento
e, outras, recentes, no âmbito da segurança de políticas neoliberais.
pública, como as políticas para prevenção e Neste sentido, entendemos que intenções
tratamento do HIV/AIDS e as ações do Plano .)4)$ %!$ 5&)5)!"%!$ 6)$ __F$ DBBCZDBBKH$
Nacional de Direitos Humanos II (PNDH IIC). !'(6'I.%4$ 94$ %")$ /#$ "&%6!M#&j6.'%$ /#$
O primeiro mandato de Lula (2002-2006) responsabilidades, dissuadido pela falácia de
foi marcado por diálogos frequentes com o uma pseudo-participação – na qual a categoria
movimento LGBT. A relação próxima entre o sociedade civil aparece notoriamente no
Partido dos Trabalhadores (PT) e a ABGLT5 discurso governamental, enquanto copartícipe
(Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, da transformação de uma sociedade injusta e
Bissexuais, Travestis e Transexuais) direcionou excludente em uma sociedade justa e solidária.
também este diálogo, já que no Brasil, e no No que tange às demandas LGBT e ao BSH, a
mundo ocidental, os partidos tidos de esquerda execução das ações têm sido centralizadas nas
têm sido mais progressistas e atentos às mãos das ONGs de ativismo, o que parece mais
questões LGBT. uma forma de desresponsabilização do Estado
As políticas neoliberais, iniciadas no Governo do que uma proposta de autonomia à sociedade
]#&6%6/)$^)00)&$%$5%&"'&$/#$@ELE$#$.)6!)0'/%/%!$ civil a desenvolver serviços sociais.
no Governo de Fernando Henrique Cardoso, Esta transferência de responsabilidades,
se evidenciam também no Governo Lula. marcadamente neoliberal, está visivelmente
Pois, é possível constatar estas políticas nos presente no Programa Brasil sem Homofobia
)1T#"';)!$/)$_0%6)$_09&'%69%0$`$__F$DBBCZDBBKH$ ODBBCQH$ #$ !#$ #"#$ /#$ M)&4%$ 4%'!$ /'097/%$
onde o BSH está previsto, o diálogo e apoio no processo de construção da I Conferência
I6%6.#'&)$ 5)&$ 5%&"#$ /)$ !"%/)$ a!$ '6!"'"9'2-#!$ Nacional de Políticas Públicas para LGBT
63)Z();#&6%4#6"%'!H$ .)6I(9&%6/)Z!#$ 6%$ (2008) e no Plano Nacional de Promoção da
desresponsabilização por parte do Estado em Cidadania e Direitos Humanos LGBT (2009),
#,#.9"%&$ %!$ %2-#!$ 5&#;'!"%!=$ ^)6I&4%4Z!#$ .)4)$;#&'I.%4)!$#4$"&%1%0:)$%6"#&')&$Ok?kh lH$
%!!'4H$ !)1$ 6)!!)$ 5)6")$ /#$ ;'!"%H$ %!$ &#+#,-#!$ 2009) e destacaremos abaixo.
/#$ b)6"%c)$ O@EEEH$ 5=$ CLQ$ #4$ �%23)$ %)!$ h)$ %6)$ /#$ DBBC$ )$ ();#&6)$ M#/#&%0 através
4#.%6'!4)!$\9#$.)6I(9&%4 a responsabilidade da Secretaria Especial de Direitos Humanos
pela garantia de direitos sociais, através da (SEDH), no âmbito do Programa Direitos
formulação de políticas públicas e demais ações Humanos, Direitos de todos, propõe o Programa
nesse sentido transitar “das lógicas do Estado Brasil Sem Homofobia (BSH). Com o objetivo de
às lógicas da sociedade civil”. “promover a cidadania GLBT, a partir da equi-
_%&%$ I6!$ /#$ .)6"#,"9%0'*%23)H$ d$ '45)&"%6"#$ paração de direitos e do combate à violência
&#!!%0"%&$\9#$/#$%.)&/)$.)4$F6/#&!)6$O@EEPH$5=$
e à discriminação homofóbicas, respeitando
09) o neoliberalismo é “um movimento ideológico,
%$ #!5#.'I.'/%/#$ /#$ .%/%$ 94$ /#!!#!$ (&95)!$
em escala verdadeiramente mundial, como o
populacionais” O^ehU [geH$ DBBCH$ 5=$ @@Q=$ e$
capitalismo jamais havia produzido”. O marco de
programa se desdobra em 53 ações, divididas
criação do neoliberalismo data do pós-guerra (em
#4$@@$#',)!H$;)0"%/%!$5%&%m
@ECCQH$#4$)$Re$^%4'6:)$/%$U#&;'/3)f$/#$g%<#W=$
O seu impulso inicial foi basicamente uma reação a) apoio a projetos de fortalecimento
teórica e política ao Estado de Bem-Estar Social de instituições públicas e não-
(Welfare State). O argumento básico do autor governamentais que atuam na
era que “o novo igualitarismo [...] deste período, promoção da cidadania homossexual
e/ou no combate à homofobia;
promovido pelo Estado de bem-estar, destruía
1Q$ .%5%.'"%23)$ /#$ 5&)I!!')6%'!$
a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da e representantes do movimento
concorrência, da qual dependia a prosperidade homossexual que atuam na defesa
/#$")/)!f$OFhi ?UehH$@EEPH$5=@BQ= de direitos humanos; c) disseminação
Acusava-se que as principais raízes da crise de informações sobre direitos, de
promoção da autoestima homossexual;
capitalista do período pós-II Guerra, era o poder e d) incentivo à denúncia de violações
considerado pernicioso dos sindicatos, que dos direitos humanos do segmento
haviam desequilibrado as bases de acumulação N[>J$O^ehU [geH$DBBCH$5=$@@Q=$
capitalista, cuja proposta central era manter um
Estado forte somente nas questões do controle e!$ @@$ #',)!$ !3)$ .)45)!")!$ 5)&$ %2-#!$
do dinheiro e do poder dos sindicatos. A partir daí, direcionadas a: I - Articulação da Política de
a meta dos governos deveria ser a estabilidade Promoção dos Direitos de Homossexuais;
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Então, quando o Tony Reis fala que ampliando sua divulgação no âmbito
nunca antes na história do planeta um internacional (BRASIL, 2008, p.05).
presidente convocou uma conferência
.)4)$ #!"%H$ #9$ I.)$ )&(90:)!)$ 5)&\9#$ Esta proposição localiza-nos diante da luta deste
nós estamos vivendo no Brasil um
momento de reparação. segmento por reconhecimento e compromisso do
[...] É esse o jeito de governar uma Estado com suas demandas. Esta luta tem se dado
M%470'%$\9#$"#4$@EB$4'0:-#!$/#$I0:)!=$ pela pressão no Poder Executivo, por formulação
h3)$ d$ I0:)$ 86'.)H$ 63)$ "#4)!$ %5#6%!$ de políticas públicas que contemplem as LGBT,
uma religião, não temos apenas uma
)523)$!#,9%0$OJ?FUk[H$DBBL1H$5=$DKPQ=
.)4)$;#4)!$6%!$5&)5)!"%!$684#&)$@CH$AG$#$KD$
da Conferência Nacional:
Esta convocação inédita e a presença de @C=$ F!!#(9&%&H$ 6%!$ 5)07"'.%!$ 5810'.%!H$
@=BBB$5#!!)%!$\9#$"&%6!'"%&%4$5#0%$^)6M#&j6.'%$ a inserção da defesa dos direitos da
deixaram o cenário com aspecto de “país das população LGBT na luta dos demais
4%&%;'0:%!fH$ 4%!$ !9I.'#6"#$ 5%&%$ 5#&.#1#&4)!$ grupos historicamente estigmatizados
as disputas identitárias que se iniciaram logo no #4$ M9623)$ /#$ !9%$ )&'(#4$ (#)(&nI.%H$
etnia, raça, condição física e idade.
5&'4#'&)$ /'%H$ \9%6/)$ !#$ /'!.9"'%$ %$ &#/#I6'23)$
[...]
da posição das letras na sigla GLBT. A ABGLT 36. Criar o Plano Nacional de combate
e a ABL (Associação Brasileira de Lésbicas) à homofobia, lesbofobia e transfobia
sugeriram que o L fosse à frente, argumentando e de Promoção da Cidadania LGBT,
a invisibilidade dupla das mulheres lésbicas, com recursos garantidos por dotações
havendo resistência de algumas pessoas que, orçamentárias (LOA/LDO/PPA).
mesmo após a aprovação da proposta de se usar [...]
KD=$^&'%&H$5)&$4#')$/#$[#'H$%$U#.&#"%&'%$
LGBT ao invés de GLBT, expunham cartazes Nacional de Políticas Publicas
dizendo: “Em minha cidade continuaremos para a população LGBT, visando o
usando GLBT”. enfrentamento da homofobia, com as
Cabe ressaltar que a Conferência contou atribuições de elaborar, implementar,
.)4$P@o$/#$5%&"'.'5%6"#!$\9#$!#$'/#6"'I.%&%4$ monitorar e avaliar políticas públicas
para LGBT tendo como referência a
enquanto gays; 28%$ .)4)$ 0d!1'.%!p$ @Ao$ /#$ execução do Programa Brasil sem
travestis; 2% de travestis masculinos e 6% de Homofobia e do Plano Nacional de
"&%6!#,9%'!$ M#4'6'6%!=$F$ I,'/#*$ /#$ '/#6"'/%/#!$ Cidadania e Direitos Humanos de
e disputas internas, pautadas na diferença [NJ>$OJ?FUk[H$DBBEH$5=$BGZ@DQ=
destas identidades, se mostrou desde o primeiro
minuto na Conferência, enquanto as L, os G e O Plano LGBT foi lançado recentemente, em
T’s se impunham no debate, a invisibilidade @C$/#$4%')$/#$DBBEH$#$.)45'0)9$%!$5&)5)!'2-#!$
1'!!#,9%0$ I.)9$ 67"'/%= Além das discussões da conferência nacional em 2 eixos estratégicos:
iniciais, na plenária de abertura, estas disputas e I - Promoção e defesa da dignidade e cidadania
querelas internas foram retomadas no momento LGBT ; II – Implantação sistêmica das ações de
de aprovação das moções de apoio, repúdio, promoção e defesa da dignidade e cidadania
reivindicação e louvor. LGBT, com ações a serem desenvolvidas a
A programação ocorreu com apresentação curto prazo (ainda em 2009) e em médio prazo
de painéis que traziam pessoas do movimento O%"d$ DB@@QH$ /'!"&'197/%!$ #6"&#$ )!$ 4'6'!"d&')!m$
LGBT e do Poder Público, e sessões para as da Saúde; Desenvolvimento Social e Combate
proposições, grupos de trabalho, que foram à Fome; Trabalho e Emprego; Previdência
M#'"%!$ #4$ @B$ #',)!m$ k$ `$ /'&#'")!$ :94%6)!p$ kk$ `$ Social; Relações Exteriores; Turismo; Justiça;
saúde; III – educação; IV – justiça e segurança Segurança Pública; Educação; Cultura; Defesa;
pública; V – cultura; VI – trabalho e emprego; VII Cidades; Meio Ambiente; Planejamento,
– previdência social; VIII – turismo; IX – cidades; Orçamento e Gestão; e a SEDH.
X$`$.)496'.%23)=$U#6/)$%5&);%/%!$%)$")/)$P@B$ O documento mostra que “o Plano
propostas, que deram origem ao Plano Nacional contempla, numa perspectiva integrada,
de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos a avaliação qualitativa e quantitativa das
de LGBT. propostas aprovadas na Conferência Nacional
No aspecto geral, as propostas da Conferência GLBT, considerando ainda a concepção e
I&4%&%4$ %5)')$ %)$ JUgH$ &#.)6:#.#6/)$ %$ implementação de políticas públicas” (BRASIL,
necessidade de ampliá-lo, como na seguinte 2009, p. 9). Tem como objetivo:
proposição:
Orientar a construção de políticas
2. Implantar e implementar o Programa públicas de inclusão social e de
Brasil sem Homofobia nos poderes combate às desigualdades para a
Executivo, Legislativo e Judiciário, população LGBT, primando pela
nas três esferas de governo (Federal, intersetorialidade e transversalidade na
Estadual e Municipal) garantindo proposição e implementação dessas
que se torne uma Política de Estado, 5)07"'.%!$OJ?FUk[H$DBBEH$5=$@BQ=
!"#$%&'(!')*+,%#-&$')./+#-&$''0''12*'34,$'5'67''0''8.9!:*';$<!-#&+''0''<='>?>'5'>@A''0''7B*$%*'(!'AC>C
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Diferentemente do BSH, o Plano LGBT Desta forma, vemos que o percurso das
foi construído por uma equipe técnica com políticas públicas para LGBT no Brasil, iniciado
servidores de todos os ministérios, não tendo com o PNDH II e BSH se consolida com o Plano
participação de representantes do movimento LGBT, que é fruto da I Conferência Nacional
LGBT na sistematização do mesmo. Isto pode LGBT, e está imbricado em hierarquias no
sinalizar os limites do processo de participação âmbito das relações Estado x sociedade civil,
política e controle social (MOl]] H$ @EEGQ$ Estado x movimento LGBT, movimento LGBT
incitados nos objetivos do texto-base da x população LGBT, poder público x sociedade
conferência LGBT e o reforço das hierarquias civil. Estas disputas constantes e a busca por
discursivas: quem pode e quando se pode falar legitimidade compõem o cenário das lutas por
(SPIVAK, 2003). atendimento das demandas LGBT, que tem
Apesar de uma das diretrizes, a número conseguido o outorgamento de suas demandas
5.35, do Plano contemplar a “participação social por concessão do Estado, mas também por
no processo de formulação, implementação .)6\9'!"%$5)07"'.%$O_FU>e?khkH$@EEKQ=
e monitoramento das políticas públicas para
LGBT”, o próprio monitoramento e a avaliação 4 HETERONORMATIVIDADE E FAMILISMO
das ações do plano, que na época do BSH NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS
esteve completamente nas mãos do movimento
LGBT, se restringem agora ao poder público, Alinha de inteligibilidade do humano é pensada
sendo a sociedade civil convidada apenas para a partir do “corpo – gênero – sexualidade” e dos
participar das reuniões de monitoramento: pólos masculino e feminino, e na relação destes
Para dar suporte ao Grupo de Trabalho
com seus opostos, dada assim também a nossa
Interministerial (GT), será constituído capacidade de compreensão da existência do
o Comitê Técnico, composto outro. Ou o sujeito é isso ou é aquilo. Os efeitos
5#0%$ U91.:#I%$ /#$ F&"'.90%23)$ #$ do discurso “ou isso ou aquilo” – possibilidades
Monitoramento da Casa Civil (SAM/
PR), pela Secretaria de Planejamento
de compreensão nos pólos – se manifestam na
e Investimentos Estratégicos (SPI) impossibilidade de escutar, falar ou pensar em
do Ministério do Planejamento e forma de relações não heterossexuais. O “resto”
pela Secretaria Especial dos Direitos se encaixa em qual campo? A universalidade do
Humanos - SEDH, conforme o atendimento no âmbito das políticas públicas
organograma [...] A sociedade civil, por
meio de representação das entidades torna o “sujeito de direitos” destinatário de
de LGBT, e a Frente Parlamentar políticas com cunho universal. Por essa
Pela Cidadania LGBT participarão universalidade, são abarcadas as diferentes
das reuniões do Grupo de Trabalho formas de raça/ etnia, orientação sexual, cultura
Interministerial como convidada
OJ?FUk[H$DBBEH$5=$C@ZDQ= e as diferentes formas de expressão no mundo.
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J9"0#&$ ODBBAH$ 5=$ @PCQ$ !9!"#6"%H$ %'6/%H$ \9#$ %!$ sexualidade como social e política, mas como
normas regulatórias do “sexo” materializam a ligada ao privado.
diferença sexual a serviço do que ela chama de F"'6('&H$ 5)&"%6")H$ 94$ !'(6'I.%/)$ 5)07"'.)$
R'45#&%"';)$:#"#&)!!#,9%0fH$#$\9#$#!"%$/#I6'23)$/#$ /#6"&)$ /#!!%$ #!"&9"9&%$ /#$ !'(6'I.%23)$ /)$
sexo “[...] é uma das normas pelas quais “alguém” humano, como a possibilidade de união civil ou
!'450#!4#6"#$!#$")&6%$;'n;#0H$d$%\9'0)$\9#$\9%0'I.%$ a empregabilidade de uma travesti em contextos
um corpo para a vida no interior do domínio da heterossexistas, instaura novos processos
'6"#0'('1'0'/%/#$.90"9&%0f$OJl>[ ?H$DBBAH$5=@PPQ= políticos, mas também pode reiterar o dado. A
Esta se torna uma “matriz excludente pela produção de políticas públicas também, pode,
\9%0$ )!$ !9T#'")!$ !3)$ M)&4%/)!f$ O5=@PPQH$ #$ da mesma forma, ser ampliada ou restrita: qual o
produz seres abjetos, “aqueles que ainda não !'(6'I.%/)$\9#$%/\9'&#$%$M%470'%$6#!!#$.)6"#,")$
!3)$!9T#'")!f$O5=@PPQ=$J9"0#&$ODBBAQ$%6%0'!%$\9#H$ de diferentes formações?
na medida em que as práticas reguladoras de A ordem social contemporânea se estrutura
formação e divisão de gênero constituem a de forma que no dualismo hetero/ homo,
“identidade, a coerência interna do sujeito e o a heterossexualidade seja naturalizada e
status autoidêntico de pessoa” (p.38), estas não compulsória. O termo mais apropriado para
são características da condição de pessoa, mas destacar esse processo é “heteronormatividade”,
normas de inteligibilidade: !#(96/)$ b'!W)0.'$ ODBBKQH$ 5)'!$ #,5&#!!%$ %!$
expectativas, demandas e obrigações sociais que
Em outras palavras, a “coerência” e derivam da heterossexualidade como pressuposto
a “continuidade” da “pessoa” não são de natural e fundamento da sociedade.
características lógicas ou analíticas
da condição de pessoa, mas, ao
contrário, normas de inteligibilidade Por heteronormatividade entendemos
socialmente construídas e mantidas. aquelas instituições, estruturas de
Em sendo a “identidade” assegurada compreensão e orientações práticas
por conceitos estabilizadores de sexo, que não apenas fazem com que a
gênero e sexualidade, a própria noção heterossexualidade pareça coerente –
de “pessoa” se veria questionada ou seja, organizada como sexualidade
pela emergência cultural daqueles – mas também que seja privilegiada.
seres cujo gênero é “incoerente” ou Sua coerência é sempre provisional e
“descontínuo”, os quais parecem ser seu privilegio pode adotar várias formas
pessoas, mas não se conformam às (que as vezes são contraditórias):
normas de gênero da inteligibilidade passa despercebida como linguagem
5#0%!$ \9%'!$ %!$ 5#!!)%!$ !3)$ /#I6'/%!$ básica sobre os aspectos sociais e
OJl>[ ?H$DBBAH$5=$@PPQ= pessoais; é percebida como um estado
natural; também se projeta como um
objetivo ideal ou moral (WARNER
Com a demarcação do lugar do heterossexual %59/$bkU^re[^k$DBBKH$5=BPQ=
#$ /%!$ /#4%'!$ .0%!!'I.%2-#!$ /#$ (&95)!$
“dominantes”, o poder é assim naturalizado entre O estudo sobre a sexualidade não equivale
grupos sociais normatizados e que ocupam à defesa de não heterossexuais, mas implica
quase sempre posições centrais, ditando, aos desvendar os pressupostos e os meandros da
demais, as formas de representação, pois falam heteronormatividade e em explorar principalmente
por si e pelos outros, tanto pela negação dos suas interdições para demais orientações
demais ou por considerá-los subordinados. sexuais, “em especial a homofobia, materializada
Desta forma, a heterossexualidade se naturaliza, em mecanismos de interdição e controle das
é universal e normal, e as demais manifestações relações amorosas e sexuais entre pessoas do
são o contrário destas premissas. 4#!4)$!#,)f$ObkUre[^kH$DBBKH$5=BGQ=
As experiências coletivas e públicas, como o De certa forma, a pessoa que não se sente
ambiente escolar, cujo espaço é de frequência confortável com a identidade de gênero, atribuída
obrigatória a todas as classes sociais, ao pelo seu sexo biológico, produz uma revolução
menos até a adolescência, é um campo nos conceitos pré-estabelecidos da sociedade. O
de análise privilegiado para demonstrar o reconhecimento das possibilidades que surgem
/'!.'50'6%4#6")$/)!$.)&5)!=$[)9&)$ODBB@Q$'6/'.%$ nos âmbitos da orientação sexual e da identidade
que, mesmo não atribuindo à escola papel de gênero, surgidos ou ainda por surgirem,
determinante nas identidades sociais, seus compõe a diversidade sexual, que deve ser
%!5#.")!$.)6/'.')6%6"#!$"j4$5%&"#$!'(6'I.%"';%$ respeitada como parte da diversidade humana, e,
nas histórias pessoais. As estratégias assim, parte dos direitos humanos necessários à
de disciplinamento e controle produzem construção de uma sociedade igualitária e justa.
individualmente culpa e vergonha, remetendo ao Situar o debate da diversidade sexual não exige
segredo e ao privado, permeados por processos que se procurem as causas ou que se conheçam
de controle e censura sociais, e que acabam por individualmente preferências ligadas à esfera
incorporar-se e constituir a subjetividade dos da sexualidade, mas sim, salientar o patamar
sujeitos. Isso resulta em não mais perceber a emancipatório do tratamento com igualdade.
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168 D!-#+#&'84E!$'F:*!99#EBG''H:4E&'7E(:&(!'I:#E!4''!' J+!/!:'8&"&$
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atendimento no âmbito das políticas sociais, não e redistribuição de direitos como questões
necessitaria a priori associar lógicas familistas “menores”, desconsidera que a noção de sujeito
às políticas públicas, pois pode contribuir para está vinculada a normas materiais e sociais de um
o debate público que se ampare na legimitidade projeto de sociabilidade, e que se colocam como
de novos arranjos, como programas de família, interditos cotidianos na vida dos sujeitos.
ampliada para todas as políticas da seguridade Projetos societários que não salientam
social, e o consequente reconhecimento destas. como categorias correlatas classe, gênero e
A política pública, quando calcada no direito sexualidade, individualizam as lutas da classe
que pode ser instrumento de emancipação que vive do trabalho. A avaliação de que estas
política dos que do serviço prestado usufruem, lutas são pormenorizadas frente à mudança
podem também representar estratégias de 5%&%/'(4n"'.%H$/#!\9%0'I.%$%!$&#'6;'/'.%2-#!$/#$
rompimento com a aparente inexorabilidade movimentos sociais, como também o sofrimento
das formas conservadoras de moralismo social. humano, dado que a dimensão pública da
Podemos avaliar que, a manutenção da família sexualidade só é aceita socialmente quando a
nuclear, por conta de veículos midiáticos e mesma é heterossexual.
de programas do Estado, não contribui para As políticas sociais são marcadas pela história
que as demais formas de existência sejam das tecnologias de normalização dos corpos e
contempladas ou até mesmo compreendidas. intervenção dos dispositivos biotecnológicos
De alguma forma, as nossas leis tendem a de produção da subjetividade, concernentes às
institucionalizar o heterossexismo, na medida questões de gênero e sexualidade. O domínio
em que não tematizam a livre orientação sexual, dos corpos direcionados ao trabalho, e não
podendo ser a opressão sutil, onde “não – ao prazer, a produção de corpos masculinos e
heterossexuais” têm seus direitos suprimidos por femininos em antagonismo, a subalternização
meio da negligência, omissão ou até mesmo da dos sujeitos do feminino e as desigualdades
supressão, pois ao categorizar as pessoas como baseadas na diferença anatômica do sexo
“normalmente” heterossexuais, a tendência é que tornam invisíveis as “sexualidades
normatizar e suprimir os direitos de LGBT.
disparatadas”, assim nomeadas por Foucault
Uma concepção restrita de família ou
O@ELEQ=$ $ #6.)6"&%4Z!#$ 4%"#&'%0'*%/%!$ 6%$
somente concepções que apontem os sujeitos
maneira como se formulam, implementam e
através desta via de reconhecimento, causa
executam estas políticas.
#M#'")!$/%6)!)!$%$\9#4$63)$!#$#6\9%/&%=$s9%0$
O Programa Brasil sem Homofobia é um
o atendimento que resta a quem não constitui
marco histórico, por ser a primeira política
família? A raiz das desigualdades está em
pública que reconhece as diferenças LGBT.
questões de discriminação, e para a erradicação
destas é fundamental pensar o corpo- gênero- Todavia, é preciso garantir que o Programa BSH
sexualidade nesse parâmetro. se torne uma política de Estado, e não apenas
A idéia de direito à liberdade de orientação /#$ ();#&6)=$FI6%0H$ 63)$ !#$ 5)/#$ I.%&$ %$ 4#&.j$
sexual, ou mais abrangente, a posição dos da proteção e garantia da vida, apenas quando
direitos sexuais como direitos humanos, ao o governo é “B&TU:#!E(+TV”. Assim, acreditamos
'6;d!$ /%$ #!5#.'I.'/%/#$ /#$ 6)4#%2-#!H$ %450'%$ que as soluções não devem ser apenas formais,
a cidadania de um viés particularista. (Porém, os mas essenciais.
5&)I!!')6%'!$ \9#$ !#$ '6!#$ #4$ 5&).#!!)!$ /#$ A I Conferência LGBT sinalizou publicamente
trabalho que são realizados no âmbito de uma a necessidade do compromisso do Estado com
sociedade que forma uma sociabilidade que esta população. Reforçou a necessidade de
discrimina uma orientação diferente da normativa ampliação das possibilidades de participação
heterossexual. De forma quase que invariável, nas decisões políticas e no controle social, como
não pensamos em diferentes formações que já vinha acontecendo com outros segmentos
diferem do instituído, e sobre o quanto o seu populacionais: negros, mulheres e idosas.
não reconhecimento interfere de forma cruel Mas, ao mesmo tempo, se compararmos
na vida dos sujeitos sociais. A sexualidade é os momentos de construção do BSH e da
uma das dimensões fundamentais da vida e da sistematização das propostas da Conferência,
sociabilidade, e tem consequências públicas e que culminou no Plano Nacional de Promoção
privadas. Uma sociedade que faz interpelações da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, há que
que atribuem à norma, deixam somente o espaço se questionar até que ponto esta ampliação da
de invisibilidade das demais orientações diferentes participação LGBT, nos processos democráticos
da heterossexual, e não o reconhecimento de de decisão, tem se dado? Porque na época de
várias possibilidades de vivência. formulação do BSH esteve praticamente sob
tutela do movimento LGBT e no Plano LGBT
5 CONCLUSÃO 63)$).)&	$/%$4#!4%$M)&4%=$s9%0$/#4).&%.'%$
está se construindo a partir desta transferência
Considerar questões como diversidade de responsabilidades? Isso demonstra a falta
sexual, raça/etnia e a tensão entre reconhecimento de compromisso do Estado em transferir as
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170 D!-#+#&'84E!$'F:*!99#EBG''H:4E&'7E(:&(!'I:#E!4''!' J+!/!:'8&"&$
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KL8; M';'1;NO73IP7P;'87')7OQ7'P71')M3RQID71')SH3ID71'8M'H 71I3 171
setor em questão. Revista Serviço Social & 2. Iremos conceituar o termo posteriormente.
Sociedade, São Paulo, ;=DBH$6=$PEH$4%&=$@EEE.
3. O termo “pote atrás do arco-íris” é utilizado de
MELLO, Luiz. Familismo anti-homossexual maneira irônica para referenciar metaforicamente
e regulação da cidadania no Brasil. Revista a existência de um “tesouro” ou grande
Estudos FeministasH$]0)&'%6S5)0'!H$;=$@CH$6=$DH$ “conquista”.
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C=$ O PNDH II, lançado no ano de 2003, é o primeiro
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MOUFFE, Chantal. ?' ,!P,!""%' G%' M%*QBJC%&'
de proteção a população LGBT no Brasil.
trajectos.$['!1)%m$N&%/';%H$@EEG=
5. ]96/%/%$ #4$ @EEP$ %$ FJN[>$ d$ %$ 4%')&$ &#/#$
_FU>e?khkH$F0#T%6/&%=$s9#4$4#,#$)!$I)!$/%!$ de articulação LGBT do Brasil e da América
políticas sociais? Avanços e limites da categoria Latina, congregando um número expressivo de
concessão-conquista. Revista Serviço Social e )&(%6'*%2-#!$ I0'%/%!=$ >#4$ !'/)$ #0%$ %$ 5&'6.'5%0$
SociedadeH$U3)$_%90)H$6=$PAH@EEK=$ negociadora e representante deste movimento
na elaboração do BSH na época. Neste sentido,
POCAHY, Fernando. Um mundo de injúrias e nos lembramos das críticas de Spivak (2003)
)9"&%!$ ;')0%2-#!=$ ?#+#,-#!$ !)1&#$ %$ ;')0j6.'%$ sobre quem pode “falar sobre” e “falar por” dentro
heterossexista e homofóbica a partir da dos grupos e movimentos sociais, contribuindo
experiência do CRDH- Rompa o silêncio.
para criação hierarquias dentro dos próprios
grupos subalternos.
_____. (Org.). %$M!IG%'"J*KICJ%&'homofobia
e heterossexismo na sociedade contemporânea: 6. Tanto nas propostas da Conferência Nacional
Políticas, teoria e atuação. Porto Alegre: quanto no Plano LGBT, a manutenção dos
h9%6.#!H$DBBK= Centros de Referências em Direitos Humanos
e Combate à Homofobia pelo Estado, enquanto
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar. São
política pública de Estado, com dotação
_%90)m$_%*$#$>#&&%H$@ELK=$
orçamentária própria, aparece.
REIS, Elisa P. Desigualdade e solidariedade: K=$ Símbolo histórico da luta dos movimentos LGBT.
94%$�#'"9&%$/)$RM%4'0'!4)$%4)&%0f$/#$J%6I#0/=$
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 8. Termo utilizado para designar pessoas e locais
%6)$@BH$5=$APZCLH$@EEP= comerciais, entre outros, que são pró-LGBT.
Ou seja, tratam-nos como “amigos” sendo
SEDWICK, Eve. A Epistemologia do Armário. simpáticos as LGBT.
Cadernos PaguH$^%45'6%!m$6=$DL=$DBBK=
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