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Vieira , J. B.

Aprofundar o legado teórico de


Amilcar Cabral .

STANFORD LIBRARIES
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LIB

CIVEL INSTITUTION
on War, Revolution, and Peace
FOUNDED BY HERBERT HOOVER , 1919
ISCURSO
SERIE : DISCURSOS
E REFLEXÕES

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DECNAUT

APROFUNDAR
O LEGADO TEÓRICO DE AMILCAR CABRA!

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tai

INTERVENÇÃO DO CAMARADA GENERAL


DE DIVISÃO JOÃO BERNARDO.
VIEIRA SECRETÁRIO GERAL DO PAIGC
I
NA CONFERENCIA INTERNACIONAL
SOBRE A PERSONALIDADE
POLITICA DE AMILCAR CABRAL .

BISSAU , 3 a 7 DE NOVEMBRO DE 1984


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EDIÇÃO DO DIPCCC DO PAIGC
STANFORD UBRARIES
}

Camaradas membros da direcção do PAIGC


e membros do Governo ,

Excelencias, senhores Embaixadores e


membros do Corpo Diplomático ,
Camaradas Ana Maria Cabral, Armanda Cabral, Arminda Cabral e Toy Cabral
Distintos convidados,

Caros participantes,

Camaradas e amigos,

É com imensa alegria que me dirijo hoje, a todos os presentes nesta


sessão solene de abertura da Conferência Internacional sobre a personali
dade política de Amilcar Cabral para saudar todos os seus participantes
e em particular os nossos ilustres convidados e agredecer-lhes tanto em
nome do nosso Partido O PAIGC – do nosso povo, bem como em meu
nome pessoal a sua presença nesta nossa capital tornada neste momento
histórico terra de fraternidade e da amizade entre os povos.
Decidiu a direcção do Partido encerrar a série de actividades organiza
das em torno do 60.º Aniversário do Nascimento do Fundador da Nacio
nalidade, com a realizaçao de uma Conferência Internacional sobre a per
sonalidade política de Amílcar Cabral .
Promotor, artífice e líder da nossa gloriosa Luta de Libertação Nacio
nal , Amílcar Cabral continua a ser o inspirador da nossa acção na dura
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batalha que travamos para a construçao de uma sociedade de naz , de justiça
social e de progresso por ele preconizada .
É difícil falar de Cabral sem repetir o que já se disse sobre esta figura
invulgar da nossa época , tanto se tem falado e estudado da vida multifa
cética deste dirigente do Terceiro Mundo e de tão grande projecção inter
nacional .
Nascido em Bafatá em 1924, e após ter terminado brilhantemente
os seus estudos secundários em S. Vicente, localidade onde se apercebe
mais claramente dos males infligidos aos povos africanos pelo colonialismo,
Amílcar Cabral decide formar -se em Agronomia.
Prossegue os seus estudos em Lisboa numa época de grandes interro.
gações pois o mundo acaba de viver a mais mortífera das guerras que a
hurnanidade conheceu .
Os movimentos independentistas africanos ganham dimensão e en
contram algum eco no meio das forças progressistas que na Europa lutam
pela liberdade,
Estudantes africanos das ex-colónias portuguesas decidem analisar
colectivamente o fenómeno colonial com vistas a estarem aptos a assumir
as suas responsabilidades históricas . São eles Amilcar. Cabral , Agostinho
Neto , Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos, Mário de Andrade, Vasco
Cabral , Lúcio Lara , Alda Espirito Santo, entre outros.
Após terem passado por uma fase de « reafricanização dos espíritos »
no dizer de Cabral tentam por todas as formas integrar-se na luta anti
-colonialista , criando nomeadamente o MAC, Movimento anti -colonialista
das colónias portuguesas.
Terminados os seus estudos, Cabral volta ao seu país natal e funda o
PAIGC após ter percorrido de lés a lés o país, estudando a estrutura
social e agrária da nossa terra .
Se traço estas grandes linhas da rota de Cabral , é para atingir a fase da
luta de libertação nacional em que eu e muitos jovens dos anos 60 o conhe
cemos e seguimos.
Foi o Massacre de Pindjiguiti, a 3 de Agosto de 1959, que levou este
homem pacífico e amante da paz , a conduzir o Partido na senda da liberta
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ção nacional , pela via armada que se revelou indispensável.
A mudança de estratégia obedeceu à exigência do poder colonial , per
sonificada na pessoa de Salazar, para quem a única verdade eram a preser
vaçao da dominação colonial e os consequentes privilégios dele decorren
tes .
Conhecedor profundo da nossa sociedade e político arguto , Cabral
compreendeu que o único caminho para a vitória , seria levantar todo o
nosso povo contra a presença colonial. Para tal décidiu mobilizá-lo para a
causa da independència , começando pela formação de um grupo de jovens,
ao qual tive o privilégio de pertencer, que deveriam ir a cada tabanca, a cada
chefe de família levar a mensagem do PAIGC , a mensagem da libertação.
Estamos nos tempos heróicos da mobilização para os quais não bastava
apenas o espírito nacionalista, mas a firmeza de temperamento , a convicção
profunda na causa defendida e também a necessidade de uma orientação
esclarecida . Essa era e foi sempre assegurada por Cabral , homnem simples
e atento, de um grande poder de persuasão capaz de aglutinar gente a volta
de objectivos claros, sempre disposto a dialogar e a intercambiar ideias,
ele foi capaz de nos transmitir a sua confiança no futuro e no nosso povo,
a sua inabalável decisão de lutar.
Este para mim foi um dos traços da sua personalidade que acabaram
por o transformar no chefe de guerra humanista, no condutor de povos
respeitado impondo -se pelo seu valor e não por qualquer outro tipo de
autoridade.
Esses ensinamentos calaram fundo nos nossos espíritos e isso consti
tuiu uma das maiores vitórias do Congresso de Cassacá porque foi possível
que colectiva e democraticamente depusessemos aqueles camaradas que,
não compreendendo a linha do Partido, se estavam a transformar em
verdadeiros despotas, oprimindo o nosso povo ansioso de justiça e liberdade,
num momento decisivo da nossa luta .
O Congresso decidiu tomar uma série de decisões que não só puseram
cobro a esses desmandos mas criaram as condiçoes para impedir que tais
situações se repetissem .
Assim foram criadas, nas então zonas libertadas escolas, hospitais,
Os Armazéns do Povo, as Forças Armadas Revolucionárias do Povo , a
Milícia Popular e certos orgãos de administração.
A implantação e a consolidação dessas instituições constituiu um
passo decisivo na edificação da Nação Guineense, do nosso Estado em
luta , tornando irreversíveis as conquistas já alcançadas pelo nosso povo.
O alargamento progressivo das zonas libertadas e as vitórias que íamos
registando na edificação da sociedade nova , levou os colonialistas portugue
ses a utilizar novos processos de luta que Cabral caracterizou como política
de sorriso e sangue. Sorriso nas zonas urbanas e nas áreas que ainda contro
lavam , sangue nas zonas libertadas e naquelas onde a consciência naciona
lista ia crescendo .
Esquecendo -se da trágica lição que foi a histórica batalha de Como
na qual o PAIGC e os nossos heróicos combatentes intimamente ligados
a toda a população da liha , infligiram uma pesada derrota às tropas colo
nialistas portuguesas que tentavam pôr um ponto final à nossa gloriosa
luta de libertação nacional , os colonialistas portugueses levam a cabo, nos
finais do ano de 1961 e no decurso de 1968, uma grande ofensiva em espe
cial no Sul do país e na área de Balana , com o objectivo último de fazer
vergar e desencorajar os nossos combatentes.
Aí foi posta mais uma vez à prova não só a capacidade combativa dos
nossos militantes armados mas sobretudo o poder de iniciativa de cada
unidade guerrilheira .
Amílcar Cabral que inculcara desde o início princípios do Partido
aos nossos combatentes insistira sempre na necessidad de descentralização
das decisões exactamente porque confiava no nosso povo e mais, compre
endia que dadas as dificuldades naturais e materiais de comunicação , teria
cada frente que estar à altura de tomada de decisões pertinentes para fazer
face às investidas do inimigo e a situações inesperadas .
A política demagógica conduzida pelo estado maior português sob
a direcção do General Spínola foi pois votada ao fracasso . Mais do que
nunca ficou evidente o carácter irreversível da nossa luta e a maturidade
política do nosso povo e dos nossos combatentes.
Tanto a nivel nacional como para aqueles estrangeiros que puderan
percorrer a nossa terra libertada , ficou clara a existência de um E:
em gestação .
Todas as estruturas de base de um país independente estavam a su
implantadas progressiva e sistematicamente; populações cada vez mais
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numerosas fugiram à ordem colonial pondo -se ao dispôr do PAIGC , fazen
do a sua vida sob a sua direcção.
Se o Partido nunca descurou a acção no plano internacional , a acti
vidade diplomática foi-se impondo cada vez mais como uma necessidade
inadiável para resolver uma enorme aberração : existia de facto um Estado
soberano na nossa terra mas ele não usufruia do reconhecimento juridico
internacional .
Cabral desencadeou a partir dos anos 70 uma intensa campanha a fim
de sensibilizar a opinião africana e internacional para o facto da existência
de um Estado independente com uma parte do seu território ocupado
por forças estrangeiras.
Foi uma grande vitória diplomática a que Amilcar Cabral e o PAIGC
conseguiram ao convencer a Organização das Nações Unidas a enviar uma
delegação à nossa terra e foi também uma grande vitória político -militar a
que conseguimos ao fazer a delegação visitar as zonas libertadas não obs
tante o intenso bombardeamento a que foram submetidas as áreas sob
administração do PAIGC.
Estava assim consumada mais uma decisiva vitória sobre o governo
colonialista português também no plano internacional onde, mercê de
apoios seguros, Portugal continuava a esconder a realidade vigente nas suas
colónias .
Se retive a minha atenção até agora nas diferentes fases da nossa luta
foi para destacar o génio de Amilcar Cabral que soube em cada momento
encontrar o encorajamento necessário para os combatentes, a palavra amiga
para aqueles que sofriam dos horrores da guerra , a direcção política justa
para as acções subsequentes, a previsão acertada para as novas fases que se
prefiguravam no horizonte.
Perseverante e convincente, o nosso Líder Imortal concebeu e levou
à execução o ano que culminaria com a proclamação do nosso Estado
livre e independente . Preparou meticulosamente as eleições e formou os
quadros que em cada região e nos diversos sectores das zonas libertadas
iriam contactar com as nossas populações.
Nesta ocasião uma vez mais se destacou um aspecto essencial da per
sonalidade de Amílcar Cabral de saber ouvir, de saber sintetizar e sobretudo
de saber transmitir as ideias e inculcar os sentimentos necessários à realiza

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ção de uina acção concreta .
Relembro as minhas próprias palavras na altura da realização do Sim
pósio à Memória de Amilcar Cabral realizado pela JAAC em Bissau , em
Março de 1983 que afirmava sentir orgulho de ter um dirigente como Amil
car Cabral .
Esse é o sentimento de todos os militantes e do nosso povo em geral.
Ninguém pode imaginar a revolta que invadiu as nossas populações ao terem
conhecimento da morte de Cabral . Não fora os seus ensinamentos constan
tes sobre os valores a defender , sobre a distinção entre os colonialistas
portugueses e o povo de Portugal, não teríamos podido conter as nossas
forças armadas na realização de operações de retaliação. Sem os seus ensi
namentos não poderíamos ter parado em 24 horas as acções ofensivas do
nosso exército , após a queda do fascismo em Portugal, com o advento do
25 de Abril .
Com os seus ensinamentos, o Partido soube ultrapassar as dificuldades
do delicado e decisivo período que se seguiu ao seu desaparecimento
físico.
A realização do Il Congresso do PAIGC, a Proclamação do Estado
da Guiné -Bissau pela Assembleia Nacional Popular, a formação de um
Executivo pela primeira vez na história do nosso povo , vieram progressi
vamente consubstanciar o legado político ideológico deixauu aos seus compa
nheiros de luta e fiéis seguidores.
O seu pensamento continuou ainda a guiar os passos dos combaten
tes do PAIGC e de todo o nosso povo nos momentos em que as exigências
da nova etapa requeriam soluçoes adequadas aos múltiplos problemas ine
rentes à Reconstrução Nacional . Assim , sem dúvida , o III Congresso veio
marcar um outro momento alto na continuidade da luta pela transformação
da nossa sociedade e pela construção do bem -estar social em benefício
do nosso povo martirizado pela brutal exploração e dominação coloniais.
O I Congresso Extraordinário realizado um ano após o histórico aconteci
mento do 14 de Novembro viria , por sua vez , reafirmar os principios e valo
res duráveis do PAIGC bem como o seu histórico mandato de força política
dirigente da sociedade e de instrumento essencial na condução do nosso
povo na sua caminhada rumo a um futuro de progresso e felicidade.
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Camaradas e amigos,

A nossa intenção ao realizar esta Conferência , para além da homenagem


justa que devemos ao Fundador da Nacionalidade Guineense foi a de
proporcionar a criação de um quadro onde pessoas de ocupações e convic
ções diversas, pudessem trocar ideias sobre a vida e obra de Cabral e sobre
tudo analisar a sua actividade em especial para os países em desenvolvi
mento .
Ainílcar Cabral ensinou -nos que a Libertação Nacional deve significar,
antes de tudo um processo capaz de trazer às massas populares vantagens
e transformações materiais significativas.
A grave crise económica que o mundo atravessa , crise cuja virulancia
é maior nos países que como o nosso se encontram no grupo dos meios
avançados, não tem facilitado a nossa tarefa de melhorar as condições de
vida e de trabalho das nossas populações.
Fizemos, em especial depois do 14 de Novembro de 1980, um grande
esforço no sentido da previsão das etapas e da planificação sectorial do
nosso desenvolvimento.
O Programa de Estabilização Económica e Financeira e o I Plano
Quadrienal de Desenvolvimento Económico e Social são instrumentos
preciosos na via da construção da sociedade por que lutaram os nossos
heróis e mártires.
Este desenvolvimento no entanto não atingirá os seus objectivos se
não formos capazes de fazer entender bem ao nosso povo (e tem sido esse
o nosso trabalho ) o que queremos e como o devemos fazer.
Uma constante no pensamento de Amilcar Cabral era o de fazer cada
vez mais o povo participar nas decisões que lhe dizem respeito , de dar o
poder ao povo . Trata -se de um processo longo e lento , mas que tem que
ser firmemente prosseguido pela instauração da democracia tanto a nível
do Partido como no seio das massas.
Dizia Cabral no Simpósio de Alma-Ata em Abril de 1970 que, citamos
« Qualquer luta implica um determinado grau de empirismo , mas, não é
necessário inventar o que já o foi , é sim , preciso criar nas condições con
cretas em que a luta se trava » ( fim de citação ) .

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Aprender na vida , nos livros, na experiência dos outros, aprender
sempre, aconselhava Cabral aos militantes do Partido mas acautelava-os
dizendo que é preciso agir para melhor pensar e pensar para melhor agir.
Esse sentido pragmático e dialéctico encontra-se profundamente im
pregnado no pensamento de Amílcar Cabral para quem a ideia do desenvol
vimento endógeno é a via mais correcta para , baseado sempre na nossa cul
tura e na nossa imaginação criadora , ultrapassar a situação difícil que her
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damos .
A Unidade Nacional como princípio essencial da nossa luta , a Unidade
Africana como um meio para o progresso e total libertação do nosso con
tinente são outros tantos elementos que povoaram a mente de Cabral desde
os seus tempos de juventude. A criação do PAIGC reflecte esse desejo
de unidade assim como a CONCP, vinda na sequência do MAC constitui
um esforço no sentido de aproximar os povos, de unir os esforços no com
bate contra o colonialismo e o imperialismo sob as suas diferentes roupa
gens .
Os ensinamentos de Amilcar Cabral como um dirigente esclarecido,
como homem de acção, como teórico da Luta de Libertação Nacional
e da luta de guerrilha em particular, como estratega militar, como diplomata,
como filósofo e homem de cultura são um rico manancial de estudo, de
investigação, de formação ideológica não só para a nossa geração mas tam !

bém para as gerações futuras que vão construir na nossa terra e noutras
terras uma nova vida que ele sonhava e desejava bela , na paz, na fraterni
dade, na amizade dos povos, no interesse de toda a humanidade.
Por isso , Amilcar Cabral , pelo seu valor, património do nosso povo
da humanidade progressista, perdurará no nosso pensamento e nos nossos
corações e na memória das gerações futuras.

GLORIA IMORTAL À MEMORIA DE


AMILCAR CABRAL !

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1
DTG13.06
(33 V54
1984

INSTI
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Guiné
-Bissau
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