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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

Carla de Calvo Dantas

A CLÁUSULA DE HARDSHIP NUMA VISÃO COMPARADA

LISBOA
2018
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO

Carla de Calvo Dantas

A CLÁUSULA DE HARDSHIP NUMA VISÃO COMPARADA

Dissertação de Mestrado apresentada à


Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa como parte da exigência para
obtenção do título de Mestre em Direito –
Perfil Ciências Jurídicas.

Orientação: Professor Doutor Dário Moura


Vicente

LISBOA
2018
Aos meus pais e a minha irmã Paula pelo amor, carinho,
cuidado, oportunidade concedida e incentivo.
AGRADECIMENTOS

A presente dissertação de mestrado, fruto de um trabalho intenso, não


seria possível sem o apoio, confiança, incentivo, ensinamentos, compreensão
de várias pessoas. Pelo que manifesto minha gratidão em nome de algumas das
quais foram demasiado importantes nesta trajetória.
Ao meu orientador, Professor Doutor Dário Moura Vicente, que desde o
início acreditou na minha capacidade e aceitou prontamente o convite para me
orientar. Agradeço pelos brilhantes ensinamentos, pela disponibilidade,
comprometimento, paciência, seriedade e preciosa orientação. Manifesto minha
admiração e deixo consignado que me oriento, para além desta dissertação, na
seriedade e brilhantismo que lhes são inerentes para guiar minha vida
académica e profissional.
Aos Professores Doutor Fernando Araújo e Doutor José Fernando
Simão pelos ensinamentos enriquecedores em variadas exposições, dedicação,
estímulos constantes e diversas oportunidades diretamente concedidas a fim de
viabilizar a inserção e desenvolvimento dos jovens investigadores no meio
académico.
Ao Professor Doutor Frederico Glitz, profissional brilhante, dedicado,
competente e profundo conhecedor do tema que me propus a investigar por sua
disponibilidade e pronto auxílio nas variadas vezes que o solicitei.
Aos meus principais exemplos de amor incondicional, disciplina,
integridade, seriedade: meus pais, Soraya e Raul, e minha irmã, Paula. Agradeço
pela bênção de tê-los em minha vida, pelo amor, cuidado, paciência e
compreensão.
Ao restante da minha família agradeço na pessoa do meu amado avô
João Carlos Calvo falecido durante esta minha trajetória, pelo amor, apoio e
encorajamento, de forma a garantir que mesmo nos momentos mais difíceis eu
perseguisse meus intentos.
Aos meus amigos que estão no Brasil agradeço, na pessoa da minha
grande amiga Maria Fernanda, por se fazerem sempre presentes mesmo com
toda a distância que há entre nós.
Aos meus amigos Luisa, Pedro, Franklin, Oswaldo, Francyelle, Maria
Luiza, Marcelo, Pedro, Gabriele e Carolina, agradeço pela companhia, amizade
incansável, apoio por vezes incondicional, pelos momentos já compartilhados e
os que ainda virão. Agradeço, principalmente, por terem se tornado minha família
em Portugal.
Por fim, mas não menos importante, agradeço à Deus por me possibilitar
manter-me saudável, nos mais amplos sentidos, e assim alcançar o objetivo à
que me propus.
INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA …………………………………………………………1

PARTE I
O PROBLEMA DA ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS PERANTE OS DIREITOS
NACIONAIS ………………………………………………………………………………………………4

CAPÍITULO I: DA CLÁUSULA (DOUTRINA) MEDIEVAL ‘REBUS SIC STANTIBUS’ ÀS


SOLUÇÕES DOS DIREITOS NACIONAIS ROMANO-GERMÂNICOS …………………………..5
1.1. A SOLUÇÃO FRANCESA ……………………………………………………………………10
1.2. A SOLUÇÃO ALEMÃ ..………………………………………………………………………. 13
1.3. A SOLUÇÃO ITALIANA ……………………………………………………………………... 17
1.4. A SOLUÇÃO PORTUGUESA ………………………………………………………………. 19
1.4.1. As exigências da solução positiva frente à sistemática jurídica portuguesa …………….22
1.5. A SOLUÇÃO BRASILEIRA …………………………………………………………………. 30
1.5.1. As exigências da solução positiva em matéria de Direito do Consumidor ……………….34
1.5.2. As exigências das soluções positivas em matéria do Direito Civil ………………………..38

CAPÍTULO II: AS SOLUÇÕES TRAZIDAS PELOS DIREITOS NACIONAIS DO COMMON LAW


…………………………………………………………………………………………………………….49
1.1. A SOLUÇÃO INGLESA …………………………….………………………………………...51
1.2. A SOLUÇÃO NORTE-AMERICANA ………………………………………………………..59

CAPÍTULO III: SÍNTESE COMPARATIVA ……………….………………………………………….67

PARTE II
A CLÁUSULAS DE HARDSHIP NO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL…………...70

CAPÍTULO I: TEORIA DO HARDSHIP NO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL ……70


1.1. O CONCEITO DE HARDSHIP E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS …………. 73
1.2. A TEORIA DO HARDSHIP TRAZIDA PELOS PRINCÍPIOS UNIDROIT ……………….81

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS COMERCIAIS


INTERNACIONAIS ……………………………………………………………………………………..90
1.1. A REDAÇÃO E OS EFEITOS DA CLÁUSULA DE HARDSHIP (DE ADAPTAÇÃO) À LUZ
DOS PRINCÍPIOS UNIDROIT E DA CLÁUSULA-TIPO DA CCI…………………...……..95
1.2. AS CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS CLÁUSULAS DE HARDSHIP À LUZ DA
FUNÇÃO E FINALIDADE .........................................................................................…105
1.3. ENSAIOS CONCLUSIVOS SOBRE A TEORIA DO HARDSHIP NO CONTEXTO
INTERNACIONAL …………………………………….……………………………………..108
PARTE III
A CLÁUSULAS DE HARDSHIP E OS DIREITOS NACIONAIS……………………………….. 110

CAPÍTULO I: A INTRODUÇÃO DA CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SUJEITOS


AOS DIREITOS NACIONAIS……………...…………………………………………………………112
1.1. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO
PORTUGUÊS ………………………………………………………………………………..114
1.1.1. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação) nos contratos
comerciais nacionais ...……………………………………………………………………...121
1.1.2. O papel da solução negociada e as suas implicações ……………………………………124
1.2. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO
BRASILEIRO …………………………………………………………………………………127
1.2.1. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação) nos contratos
comerciais nacionais …...…………………………………………………………………...133
1.2.2. O papel da solução negociada e as suas implicações………………..………………….134
1.3. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO
INGLÊS………………………………………………………………………………………..137
1.4. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO NORTE-
AMERICANO ……………………………………………………………………….………..142
1.5. SÍNTESE COMPARATIVA……………….…………………………………………………146

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP COMO EXPRESSÃO DA INTERAÇÃO DOS


SISTEMAS JURÍDICOS……………………….……………………………………………………..149
1.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES……………………………………………………..149
1.2. CAUSAS DO FENÓMENO……………………………….………………………………...150
1.3. APROXIMAÇÃO ENTRE SISTEMAS JURÍDICOS NACIONAIS……………………….152
1.3.1. Da validade, da eficácia, dos efeitos jurídicos a se produzirem a partir da cláusula de
hardship (de adaptação) …………………………………………………………………….152
1.3.2. Das consequências da desatenção ao dever de renegociação do contrato em razão de
cláusula de hardship (de adaptação) ………………………………………………………159
1.3.3. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação) ………………….161
1.4. ELEMENTOS CONCLUSIVOS……………..………………………………………………166

CONCLUSÃO………………………………………………………………………………………….168
REFERÊNCIAS………………………………………………………………………………………..171
RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar como o problema da manutenção dos
contratos desequilibrados em razão de alterações supervenientes das
circunstâncias é resolvido adentro das diversas sistemáticas jurídicas. Para tanto
o presente trabalho será dividido em três partes, assim consideradas na
sequência dos traçados introdutórios e da delimitação do tema. A primeira é
destinada à aferição das soluções adotadas para o problema da alteração das
circunstâncias pelos sistemas jurídicos nacionais, cito: francês, alemão, italiano,
português, brasileiro, inglês e norte-americano à luz das fontes de direito que se
prestam à integração dos contratos quando houver lacunas. A análise dar-se-á
desde a solução através da cláusula medieva ‘rebus sic stantibus’ até os dias
atuais frente a estes contextos jurídicos e será concluída com uma síntese
comparativa. A segunda é destinada a verificação das soluções do direito do
comércio internacional até a modelação das cláusulas de hardship de adaptação
que reflitam o conceito / teoria do hardship trazida pelos Princípios UNIDROIT.
Esta será concluída com alguns ensaios conclusivos. A terceira tem como intento
aferir a viabilidade e interesse na negociação de cláusulas de hardship de
adaptação nos moldes referidos nos contratos sujeitos as ordens jurídicas
portuguesa, brasileira, inglesa e norte-americana. Como também a cláusula de
hardship como expressão da interação entre os sistemas jurídicos nacionais
pertencentes a família jurídica romano-germânica e do Common Law e entre
estes e o contexto internacional. Para tanto foram analisadas pesquisas
bibliográficas, legislativas, jurisprudenciais dos ordenamentos jurídicos sob
aferição, visando se obter melhor compreensão do tema.

Palavras-chave: alteração das circunstâncias, desequilíbrios supervenientes;


cláusula ‘rebus sic stantibus’; hardship; cláusula de hardship; contrato.
ABSTRACT

This dissertation seeks to analyze in the national and international law systems
the ability to solves the problem of how to discharge contractual parties in a civil
contract because of the changed circumstances. It is divided into three sections.
The first section focuses on the specific solutions adopted by French, Germany,
Italy, Portuguese, Brazilian, English, and North American systems for the
changed circumstances specific when the Court needs to fulfill the gaps in a civil
contract. In this section, the evolution of the medieval clause named ‘rebus sic
stantibus’ will be analyzed and the relation between this clause and the national
rules. The second section focuses on analyzing the solution adopted by the
international commerce law for the same problems referred: how to discharge the
parties in a contract when it is affected by changed circumstances. In this section
we will analyze how the problem is solved by the soft law - UNIDROIT Principles.
Furthermore, in this section we will analyze the negotiation solutions adopted by
the contracting parties in an international agreement, named hardship clause.
The last section seeks to analyze the proceed of introduction, the viability and
interested in hiring the hardship clause in national civil contracts or in international
contracts that are subject to the national law, specifically Portuguese, Brazilian,
English and North-American law. Finally, this dissertation will analyze the
hardship clause as an expression of the interaction between these referred law
systems.

Keywords: changed circumstances; supervening disequilibrium; ‘rebus sic


stantibus’ clause; hardship; hardship clause; agreement.
1

INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

Os contratos bilaterais, fruto da autonomia privada das partes, eis que


insertos em uma dada ordem jurídica que estabelece padrões mínimos de
comportamento1, correspondem a um ato de compromisso entre contratantes.
Seus termos são estabelecidos com atenção à vontade das partes exprimida no
momento do fechamento da contratação. Nesta medida, a vontade que
fundamenta e vincula a contratação é aquela responsável por levar as partes a
contratarem da forma que fizeram. Diga-se, esta vontade não é considerada
puramente subjetiva, mas leva também em consideração elementos objetivos
que se relacionam com a contratação em causa.
Uma vez vinculados aos termos do contrato firmado, terão os
contratantes de cumprir com as obrigações assumidas no momento da execução
contratual, a qual pode decorrer de forma instantânea ou duradoura/continuada.
Designadamente os contratos de execução continuada ou execução
instantânea, contanto que diferida, carregam consigo a característica de terem o
momento do fecho contratual, bastante distante daquele correspondente à sua
execução. Por esta razão, encontram-se mais suscetíveis às incertezas e riscos
trazidos pelo tempo do que contratos de execução puramente instantânea.2
Em decorrência das incertezas que se podem colocar durante a
execução do contrato de modo a desequilibrá-lo, há muito se discute como
reaver o equilíbrio inicialmente pretendido pelas partes, mas alterado em
decorrência de acontecimentos novos. A busca pela solução deste problema
vem, indubitavelmente, desde a Idade Média, tendo a solução inicialmente sido
trazida a partir da chamada cláusula (ou doutrina) ‘rebus sic stantibus’,
notadamente quando aposta à cláusula (ou doutrina) ‘pacta sunt servanda’.
A despeito da importância que teve na altura do seu desenvolvimento e
ter sido deixada de lado por largo espaço temporal, anos mais tarde, seus
ensinamentos ganharam força através de novas soluções trazidas pelos
contextos jurídicos nacionais, mormente os de matriz romano-germânicas. Eis
que passaram estas sistemáticas jurídicas a desenvolver teorias a fim de coibir

1 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. São
Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 591.
2 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado…, p. 591.
2

injustiças dadas em razão da alteração das circunstâncias. Era dada, então,


nova expressão à cláusula ‘rebus sic stantibus’. Ainda que partindo de outros
fundamentos, sistemas jurídicos do Common Law também se viram motivados
a arranjar soluções para o problema da manutenção do vínculo dos contratantes
aos contratos desequilibrados face a alterações supervenientes das
circunstâncias. E mais, em virtude das incertezas que o recurso aos sistemas
jurídicos nacionais gerava as contratações internacionais, neste contexto jurídico
internacional também passou a ser sentida a necessidade de se arranjarem
soluções aos casos de alterações das circunstâncias responsáveis por gerar
excessiva onerosidade a uma das partes no cumprimento do contrato.
No que respeita aos sistemas jurídicos nacionais, as soluções trazidas a
partir das fontes de direito não foram de todo suficientes para esta temática. Em
suma porque difícil a eficácia das regras em decorrência da necessidade de se
comprovar uma série de elementos para tanto. Também porque, havendo sua
eficácia, a solução, em regra, acaba por ser passada para que um terceiro
intervenha no seio do contrato a fim de reaver o equilíbrio, tirando das mãos dos
contratantes a solução. Daí porque continuaram a ser buscadas formas de
solucionar este problema: de manter as partes dos contratos civis vinculadas aos
seus termos e, nesta medida obrigadas a cumpri-los, diante de alterações
supervenientes das circunstâncias contratuais. A rigor, é este o problema central
da presente investigação.
Nesta medida o que se pretende com a investigação que segue é aferir
as soluções adotadas pelos sistemas jurídicos nacionais, francês, alemão,
italiano, português, brasileiro, inglês e norte-americano aos contratos civis
desequilibrados de forma superveniente em razão de fatos novos, com recurso
às fontes de direito usadas à revelação de regras jurídicas nestes contextos.
Importa destacar que a investigação que se pretende fazer neste domínio
relativamente aos sistemas jurídicos francês, alemão e italiano é devida à
relevância histórica que os desenvolvimentos assumiram para o tema em
atenção. Entretanto, não se quer, como se pretende com relação aos sistemas
jurídicos português, brasileiro, inglês e norte-americano, aferir com maior
profundidade as exigências para eficácia das regras jurídicas. Daí porque a
atenção àqueles assume maior brevidade e ligeireza. De mais, quer-se ainda
aferir a solução trazida para os contratos internacionais por instrumentos
3

internacionais, designadamente os Princípios UNIDROIT relativos aos contratos


do Comércio Internacional, doravante referidos como Princípios UNIDROIT, bem
como a solução neste tocante trazida pela Câmara do Comércio Internacional,
doravante CCI, o que também será feito com maior afinco e profundidade.
Depois, pretende-se avaliar as nuances da cláusula de hardship
inicialmente modelada para os contratos do comércio internacional, bem como a
viabilidade e interesse em se negociar soluções para os casos referidos nos
contratos civis sobre a égide das jurisdições portuguesa, brasileira, norte-
americana e inglesa, através de uma tal cláusula. Tal delimitação tem como
justificativa a impossibilidade de investigar de forma exitosa tantas
especificidades de contextos jurídicos distintos. Finalmente, concluídas as fases
anteriores que se dispõem a investigar, tratar-se-á da cláusula de hardship como
expressão da interação entre o contexto do comércio internacional e os sistemas
jurídicos nacionais retro referidos.
4

PARTE I
O PROBLEMA DA ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PERANTE OS DIREITOS NACIONAIS

A procura de soluções para o problema de se virem alteradas, de forma


superveniente, as circunstâncias em que as partes fundaram a contratação,
assumiu relevância jurídica, indubitavelmente, durante a Idade Média. No
contexto sociopolítico medieval, a solução fora ensinada através da conhecida
cláusula ‘rebus sic stantibus’, a qual era entendida como uma cláusula inerente
ao contrato, mesmo que não tivesse sido negociada pelas partes. Não obstante
ter sido bastante importante nesta altura, os contextos sociais, histórico, político,
económico e jurídico que seguiram a Idade Média acabaram por afastar o uso
da referida cláusula.
Anos depois, mas, mais uma vez pautando-se nos traçados inaugurais
desta, diversos sistemas jurídicos nacionais, novamente motivados pelas
necessidades sociais, históricas, políticas, económicas e jurídicas se viram
compelidos a encontrar soluções para problemas semelhantes àqueles
resolvidos através da incidência da cláusula ‘rebus sic stantibus’. Disto resultou
o desenvolvimento de teorias diversas pelos mais variados sistemas jurídicos
nacionais, as quais teriam de ser invocadas quando o Direito nacional em causa
tivesse de se prestar a integrar os contratos civis. Teorias estas que, a despeito
de intentarem de um modo geral solver os mesmos infortúnios, carregam
especificidades que lhes são próprias.
Em razão de terem as diversas teorias particularidades capazes de as
individualizar por vezes, se vislumbrava uma série de inseguranças no que diz
respeito às soluções a se operarem no caso de um ou outro Direito nacional ter
de se prestar a integrar os contratos. E mais, por vezes se acabava por serem
as teorias desenvolvidas insuficientes neste âmbito. Daí porque os juristas,
mormente operadores no tráfego jurídico comercial internacional, viram-se
compelidos a desenvolver soluções que, atentas às necessidades desse
domínio, pudessem, de forma mais segura, a ser colocadas. Daí surgiu a teoria
do hardship, que deu corpo à chamada cláusula de hardship.
5

É sobre o desenvolvimento da cláusula (ou doutrina) ‘rebus sic


stantibus’, desenvolvida na época medieval e que ganhou expressão sobretudo
em decorrência das consequências danosas que o modelo liberal dos contratos
ocasionava ao âmbito dos contratos frente às diversas ordens jurídicas
nacionais, até as vestes atribuídas pelo comércio jurídico internacional que se
intenta elucidar de agora em diante.

CAPÍTULO I: DA CLÁUSULA (DOUTRINA) MEDIEVAL ‘REBUS SIC


STANTIBUS’ ÀS SOLUÇÕES DOS DIREITOS NACIONAIS ROMANO-
GERMÂNICOS

Por muito vigorou no contexto doutrinário do comércio, nacional e


internacional, de forma bastante expressiva, a impossibilidade de mitigação do
princípio ‘pacta sunt servanda’ em razão do princípio ‘rebus sic stantibus’. Este
era considerado o entendimento doutrinário clássico a respeito do tema3. A razão
de ser desta impossibilidade encontra justificativa na história da evolução da
chamada cláusula ‘rebus sic stantibus’, a qual reflete a teoria por volta desta.
O termo inicial da cláusula ‘rebus sic stantibus’ suscita alguma
divergência. Entretanto, são cognoscíveis duas exposições distintas que
merecem destaque. A primeira, identifica os traçados inaugurais da referida
cláusula, ainda que de forma embrionária, aquando da vigência do Direito
Romano. Reconhece, já naquele contexto, elementos que levam a supor a
existência de uma regra geral no sentido de que a relação obrigacional somente
se fazia válida no caso de permanecer no mesmo estado que se tinha no
momento em que se estipulou. Uma vez alterado este estado, deixava, então,
de ser válida.4
Já a segunda, reconhece que os romanos admitiam, a nível filosófico-
literário e jurídico, adentro das relações humanas, a importância das

3 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas do Reconhecimento e Aplicação do Hardship


na Jurisprudência Arbitral Internacional. RBAr – nº 2 – Abr-Jun/2004 – Doutrina Nacional. p 32-
33.
4 FERNANDES, Luís A. Carvalho. A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português. Lisboa:

Quid Juris, 2001. p. 17; LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula rebus sic stantibus à onerosidade
excessiva. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 46, n. 184, 2009. p. 8.; AGUIAR
JUNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao Novo Código Civil. v. 6. Tomo 2. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 840-843.
6

modificações fáticas. Reconhece que as razões que justificam estas ideias,


encontravam-se fincadas em questões morais. Contudo, afasta a concepção dos
traçados da doutrina referida, neste momento, enquanto princípio5. Assume,
somente ter vindo a produzir efeitos jurídicos a doutrina da cláusula ‘rebus sic
stantibus’ no Direito medieval, com a primeira solução ensaiada por Bártolus.
Como também admite que foi neste momento em que a sobrevivência do
contrato fora condicionada à manutenção do estado de coisas existentes no
momento de sua celebração.6
Inobstante a divergência apontada, indubitavelmente, durante a Idade
Média com os canonistas medievais, legítimos representantes do cristianismo,
houve, pelos Tribunais Eclesiásticos, relativamente aos contratos de longa
duração, a aplicação da cláusula ‘rebus sic stantibus’7/8. Esta primava pela
manutenção dos contratos, desde que se mantivesse o estado de coisa em que
foram estipulados9. Ainda, em virtude da cláusula, se permitia, para quem o

5 Leciona CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2015.
p. 940-94, que o aparecimento da cláusula somente se deu na vigência do Direito medieval,
porque enquanto perdurou o pensamento romano não se podia considerar a modificação das
circunstâncias enquanto princípio, mormente porque os romanos não possuíam um brocardo
sistemático. De mais, conforme ensina LARENZ, Karl. Derecho Justo: Fundamentos de ética
jurídica. Traducción y presentación de Luis Díez-Picazo. Editorial Civitas, S.A. Madrid. 1985. p
32 e ss, os princípios jurídicos são os pensamentos que dirigem uma regulamentação jurídica.
Não são, em si, regras perfeitamente acabadas, mas os fundamentos iniciais de uma regulação
jurídica. Podem, no entanto, transforarem-se em regras materiais, quando remeterem a um
conteúdo intelectual capaz de conduzir a uma regulamentação. Neste caso, serão considerados
princípios materiais.
6 No sentido de considerar a cláusula prender-se à doutrina e prática forense medieval

posicionam-se: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das Obrigações. 12ª ed. Coimbra:
Almedina, 2009. p. 324; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações. v. II.
11ª ed. Coimbra: Almedina, 2017. p. 123-124 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado.
v. I. 3ª ed. Coimbra: Almedina. 2015. p. 114-115; FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito
e Teoria da Imprevisão. 3ª ed, Revista Forense, 1958. p. 197 e ss.
7 A doutrina da cláusula ‘rebus sic stantibus’ exigia, para a sua aplicação, que houvesse uma

prévia estipulação a este respeito pelas partes, de modo que, se não houvesse clausulado
prevaleceria o cumprimento das obrigações nos moldes assumidos na contratação, ou seja,
vigorava então o princípio da ‘pacta sunt servanda’. (Cfr. LEITÃO, Direito das Obrigações…, vol.
II, 2017. p. 124). Ensina, no entanto, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil:
Contratos. v. 3. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. p.143-144, que a cláusula ‘rebus
sic stantibus’ consistia em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula, a qual não se lê
expressa, mas se considera implícita, e assegura a adstrição dos contratantes ao contrato, desde
que as circunstâncias ambientes permaneçam as mesmas que vigoraram aquando da
contratação. Neste mesmo sentido: GOUVEIA, Alfredo José Rodrigues Rocha de. Da teoria da
imprevisão nos contratos civis. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Lisboa, 1958. p. 9 e ss.
8 PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria da imprevisão no Direito Civil Francês. Faculdade

de Direito de Lisboa: curso complementar de ciências jurídicas. 1960-1961. p. 20 e ss.


9 FERREIRA, Durval. Erro negocial: objecto – motivos – base negocial e alteração das

circunstâncias. Coimbra: Almedina, 1995. p. 8; COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das
Obrigações…, p. 324.; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração das circunstâncias e justiça
7

cumprimento do contrato se tivesse tornado demasiadamente gravoso, requerer


a resolução da relação contratual10, o que mostra a ligação da referida com a
justiça do conteúdo11. 12.
Dentre as razões da formulação da cláusula ‘rebus sic stantibus’ naquele
contexto destacam-se duas. A primeira, porque não se podia admitir que os
contratos valessem apenas pela sua forma, nada significando a vontade dos
contratantes. A segunda, porque se considerava contrário à moral cristã o
enriquecimento de um contratante às custas do outro13. E esta tendência, fora
almejada pelos canonistas como medida jurídica para eliminar as injustiças
morais que pudessem ocorrer nas relações obrigacionais14.
Destarte, na época do Direito medieval, a cláusula ‘rebus sic stantibus’
era considerada, portanto, uma cláusula com um cariz claramente subjetivista e
voluntarista15. E fora, designadamente nos séculos XIV e XV, que houve a
transposição para o campo jurídico, notadamente no período dos pós-glosadores
e bartolistas, momento em que se pode assumir ter esta passado a produzir
efeitos jurídicos16.
Em que pese as razões e os esforços que se deram em torno do seu
desenvolvimento, durante largo período a chamada cláusula ‘rebus sic stantibus’
deixou de ser considerada diante das diversas sistemáticas jurídicas. Referido
desuso, para além de ter sido verificável nos contextos comerciais internos, viu-
se refletir também no contexto do comércio internacional, mormente devido à
principiologia contratual subjacente às sistemáticas jurídicas desta altura.17
Neste momento em que se passou a não ser mais verificável a incidência
da cláusula ocorreu que, inspirados nos movimentos liberais burgueses do

contratual no novo Código Civil. 2004. [Consult. em 10 out. 2017] Disponível em:
<http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Ascensao-Jose-Oliveira-ALTERACAO-
DAS-CIRCUNSTANCIAS-E-JUSTICA-CONTRATUAL-NO-NOVO-CODIGO-CIVIL.pdf>.
10 FERREIRA, Durval. Erro negocial…, 1995. p. 8; COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito…,

2009. p. 324.
11 Eis que a conceção cristã via no comércio uma atividade humana não indiferente à busca e

conquista do bem eterno (Cfr: VICENTE, Direito Comparado…, 2015. p. 112).


12 ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração das circunstâncias…,2004.
13 LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula…, 2009, p. 9.
14 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé…, 2015, p. 943 e ss.
15 VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria Geral do Direito Civil. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2015. p.

359.
16 PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…,1960-1961. p. 19 e ss.
17 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações sobre a cláusula de Hardship e a Conservação do

Contrato Internacional. In: Jus Navigandi, v. 2769, p. 18378, 2011. p. 4.


8

século XVII (Idade Moderna), o contrato passou a ser um mecanismo para o


exercício da autonomia da vontade e da liberdade. Especialmente porque
resultava dos movimentos liberais forte destaque às ideias prevalentes no
liberalismo e individualismo, as quais refletiam a ambição burguesa por certeza
e previsibilidade na condução dos negócios. Na ocasião, o comércio somente
poderia prevalecer em um ambiente no qual fosse possível prever os custos e
calcular os lucros. De mais, o contrato era tido como o meio seguro e justo para
a circulação de riquezas, especialmente porque era capaz de garantir a
estabilidade, segurança e dinamicidade da vida mercantil.18
Então, como consequência desta perspectiva, passou-se a se atribuir
claro destaque à vontade das contratantes. Desta vontade que decorria a
vinculatividade do contrato. Por isto, tentava-se evitar, quando não impedir em
absoluto, qualquer intervenção estatal na relação contratual. Deste modo que a
cláusula ‘rebus sic stantibus’ acabou por perder o seu vigor, sobretudo no fim do
século XVIII e início do século XIX.19
Todavia, no final do século XIX20, mas principalmente a partir do século
XX, nos planos social, político, econômico, internacional e negocial, passaram a
ser aferíveis as consequências prejudiciais que decorriam do exercício da
autonomia da vontade21, o que motivou a retomada de discussões a respeito da
possibilidade de modificar ou extinguir o vínculo entre os contratantes, em razão
de alterações supervenientes das circunstâncias. A retomada destas discussões
se deveu à percepção do fato de que o modelo liberal do contrato, até então
prevalente, possibilitava o abuso e a exploração de um contratante com relação

18 Fora este cenário o responsável por motivar a inexistência, ao menos em termos gerais, de
regras positivas que objetivassem promover o restabelecimento do equilíbrio contratual nas
relações afetas por forças supervenientes capazes de transformar o “sinalagma genético”
estabelecido no momento da conclusão contratual (Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé…,
2015. p. 591). À época, as raras hipóteses para revisar o conteúdo de um contrato pela via judicial
após sua conclusão, referiam-se aos casos em que a vontade das partes encontrava-se viciada
- erro. (Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação: Lesão e Cláusula de
Hardship. Curitiba: Juruá Editora. 2008, p. 3-4/28-31; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações…,
2011, p. 4-5; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração das circunstâncias..., 2004, p. 3-5).
19 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações…, 2011. p. 4.; GLITZ, Frederico Eduardo Z.

Contrato… 2008, p. 3-4 / 28-31; FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…, 1958. p. 199
e ss; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração das circunstâncias..., 2004, p. 3-5
20 Aponta, PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…, 1960-1961, p. 73 e ss, decisões

jurisprudenciais em França, a partir do ano de 1843, que vieram a tratar de questões relativas a
cláusula medieval ‘rebus sic stantibus’.
21 ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 4.
9

ao outro22.
Assim sendo, aquando da contemporaneidade contratual o modelo
liberal do contrato entrou em crise. Isto em razão do forte apelo social e
intervencionista deste contexto. Também em virtude das transformações sociais
relacionadas às consequências da Revolução Industrial, a qual se iniciou no
século XVIII e teve sua segunda etapa no século XIX23. Igualmente, por
consequência dos desequilíbrios monetários e econômicos decorrentes da
Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), sobretudo na Alemanha, país que teve
sua economia devastada em razão da inflação24. Ainda, por se ter percebido que
o processo de contratação estava sujeito à ocorrência de descontentamentos,
contrariedades, riscos e da possibilidade de inadimplemento. Fora, então, em
decorrência da crise desencadeada que a busca por meios seguros para se
garantir o equilíbrio entre os contratantes, coibir abusos e preservar os interesses
sociais foram elevadas.25
Diante do novo momento que se viu à altura prevalecer, passaram,
então, a ser tentadas novas construções que visavam solucionar os problemas
originados no seio dos contratos em consequência de alterações supervenientes
das circunstâncias contratuais. Nesta medida se tinha a intenção de conter os
excessos ocasionados em razão da manutenção de um contrato
desequilibrado26. As tentativas se firmaram pela doutrina, que muitas vezes fora

22 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 138.


23 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 31-33; CORDEIRO,
António Menezes. Da boa-fé... 2015, p. 978.; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições..., 2013,
p. 144.
24 Importa referir que a Primeira Guerra Mundial acabou por devastar a economia alemã,

sobretudo em razão da alta da inflação que neste período decorreu. Por esta razão, muito
embora o Código Civil alemão, à época vigente, fosse explícito ao permitir que as partes viessem
a se desobrigar do cumprimento de suas obrigações apenas em casos de impossibilidade,
pautados no princípio da boa-fé, igualmente presente na sistemática jurídica alemã daquela
altura, os tribunais alemães começaram a permitir a desobrigação relativamente ao cumprimento
da obrigação em casos de dificuldade. Isto porque, consideraram contrário ao referido princípio,
exigir o cumprimento do contrato alterado e nesta medida desequilibrado, que estivesse a causar
dificuldades para o seu cumprimento. (Cfr: PERILLO, Joseph. Force Majeure and Hardship under
the UNIDROIT Principles of International Commercial Contracts. p. 1-9. [Em linha]. Disponível
em: https://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/perillo3.html Acesso em: 19 jun 2017. Também no
sentido de referir-se que entre 1914 a 1918 os países beligerantes voltaram a desenvolver teorias
a este respeito: PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…, 1960-1961, p. 12 e ss.
25 Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações..., 2011, p. 5.; GLITZ, Frederico Eduardo Z.

Contrato e sua conservação..., 2008, p. 31-33.


26 ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 5.
10

acompanhada por entendimentos jurisprudenciais e desenvolveram-se adentro


dos sistemas jurídicos nacionais.27
As teses explicativas que foram à época concebidas comportaram
inicialmente, assim como a cláusula quando de suas origens, índole subjetiva,
eis que, conforme marca daquele tempo, somente poderiam abancar os defeitos
do consentimento. Apenas em um segundo momento assumiram caráter
objetivo. Dentre as concepções desenvolvidas nos planos nacionais, de forma
sintética, destacam-se as teorias de matriz francesa, alemã e italiana. De forma
mais aprofundada destacam-se as teorias desenvolvidas em Portugal e no
Brasil. Sobre estas teorias se passa a expor. 28

1.1. A SOLUÇÃO FRANCESA

A primeira teoria desenvolvida cuida-se da teoria da imprevisão de matriz


francesa, a qual fora introduzida em França pela via jurisprudencial, diga-se,
administrativa. Muito embora tenha havido esforços no sentido de demonstrar
que algumas leis de aplicação temporária à altura legisladas29 tenham trazido os
traçados do princípio da imprevisão para esta sistemática jurídica, não se pode
apontar ter existido providência de alcance geral pela via legislativa nem no
domínio do Direito Administrativo, tampouco do Direito Civil. Em França, a forma
encontrada para esquivar a higidez dada ao princípio da estabilidade das
convenções positivado através do artigo 1134 do Code Civil, no século XIX, se

27 Portanto, vislumbra-se que a pretensão dos novos mecanismos era a de estabelecer


conformidade entre o Direito, a justiça e a equidade (Cfr: SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz.
Resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias. In: Boletim do
Ministério da Justiça, Lisboa, nº 68, 1957. p. 16).
28 Algumas das teorias à época desenvolvidas acabaram por se confirmar apenas como teses,

entretanto outras foram mecanismos consagrados pelo legislador, conforme ocorreu, por
exemplo no que toca a teoria da alteração das circunstâncias do Direito Português. (Cfr:
ANTUNES, José A. Engrácia. Direito e Justiça: contratos comerciais, noções fundamentais. Vol
especial da Universidade Católica. 2007. p. 215).
29 Também chamadas de leis de emergência, legisladas em razão do estado de guerra.
11

deu através de produção jurisprudencial. É, portanto, na jurisprudência que se


encontram os traçados inaugurais da teoria dita da imprevisão.30/ 31
Não obstante, na fase em que se iniciava o movimento de remodelação
da cláusula ‘rebus sic stantibus’, através da teoria da imprevisão, tenha havido
algumas decisões dos tribunais no sentido de liberar as partes dos contratos civis
em razão de alterações supervenientes que acabaram por tornar o seu
cumprimento demasiado difícil, passando a, de certa maneira, admitir a eficácia
desta cláusula neste domínio, esta possibilidade fora logo obstada frente ao
contexto jurídico francês. Isto porque, quando levada a questão ao tribunal de
Cassação francês, responsável por firmar a jurisprudência, este definiu a sua
doutrina relativamente à cláusula ‘rebus sic stantibus’. Determinou, portanto, a
impossibilidade de os tribunais levarem em consideração o tempo e as
circunstâncias para modificar, sobretudo contratos civis, ou mesmo substituir
cláusulas que tivessem sido livremente aceitas pelas partes. Esta
impossibilidade referida, no domínio dos contratos civis, perdurou até o ano de
2016, eis que até este momento, dava-se rígido cumprimento ao artigo 1134 do
até então Code Civil, o qual ressaltava o princípio da vinculatividade ou
obrigatoriedade dos contratos neste domínio. 32
Entretanto, a despeito de ter havido por largo período rejeição da teoria
da imprevisão para os contratos referidos e ter o presente trabalho estas
relações contratuais por objeto, não se pode olvidar a aceitação que se teve em

30 Neste sentido, vale citar o caso de um contrato de transporte por estrada entre Paris e Ruão,
em que, no ano de 1843, o tribunal de Ruão sentenciou no sentido de liberar as partes das
obrigações assumidas. Esta decisão decorreu porque estes contratos foram celebrados no
momento em que se iniciavam as construções de linhas de caminho de ferro. Entretanto, de
forma surpreendente, as obras referentes as estradas de ferro foram concluídas demasiado
rápido. Deste modo, os comboios passaram a circular pelos mesmos trajetos, fato este que gerou
concorrência entre aqueles que operavam pelas rodovias e aqueles que operavam pelos
caminhos de ferro. Por não ser o objetivo, à altura da contratação, haver concorrência entre
aqueles que operavam por estradas e os operados através da linha de ferro. E ainda, por ter sido
alterado o estado de coisas que fora levado em consideração aquando da contratação. O tribunal
de Ruão entendeu por bem liberar os contratantes, parte dos contratos de transporte entre Ruão
e Paris, das suas obrigações. Todavia, o fez de forma a fundamentar a decisão no alargamento
no conceito de força maior. (Cfr: PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…, 1960-1961. p. 73
e ss).
31 Cfr: PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…,1960-1961, p. 73 e ss / 85-95.
32 Cfr: HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.) - Unexpected Circumstances in

European Contract Law, Cambridge University Press, 2011, ISBN 978-1-107-00340-8, p. 144-
150; PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…,1960-1961, p. 75 e ss; SANTOS JÚNIOR,
Eduardo dos. A imprevisão ou alteração das circunstâncias no Direito privado francês e as
perspectivas. In: Estudos em homenagem ao professor Doutor Jorge Miranda. Vol VI, Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, 2012. p 492 e ss.
12

França da teoria da imprevisão no seio do Direito Administrativo. Isto porque


desta seara é possível extrair importantes elementos que se prestam a definir a
teoria da imprevisão de matriz francesa, que importa ao estudo das soluções aos
casos de alteração das circunstâncias.
No âmbito do Direito Administrativo, desde o ano 1862 o Conselho de
Estado desenvolveu uma teoria da imprevisão. Fora esta confirmada e
pormenorizada sobretudo nos anos de 1914 e seguintes, por ocasião da guerra.
Neste período aconteceu de algumas concessionárias de obras públicas
pleitearam em face da Administração indemnizações compensatórias em razão
de prejuízos advindos de fatos imprevisíveis. Pedidos que foram julgados de
forma favorável.33
Dos casos havidos vale citar, haja vista a relevância dada pelos juristas,
o caso do aresto do gás em Bordéus. Em suma, este resultou de um conflito
entre a Companhia Geral de Iluminação de Bordéus e a cidade de Bordéus, em
virtude da alteração do preço do gás, que por sua vez deveu-se ao aumento
demasiado do preço do carvão. Mais uma vez por ocasião da guerra, o aumento
do preço do carvão desencadeou uma alta excepcional nos custos de produção
da Companhia de Iluminação. E, por se ter ficado demonstrada a ocorrência de
fatos imprevisíveis, assim como outros requisitos à altura considerados
relevantes, o pleito, notadamente de liberação das partes com relação ao
contratado, fora julgado procedente pelo Conselho de Estado.34
Na sequência disto, especialmente por se ter verificado a inclinação do
Conselho de Estado pela aceitação da teoria da imprevisão, a doutrina passou
a reunir esforços para delimitar os requisitos para a incidência e a abrangência
desta teoria. Nesta medida, em resumo, segundo a teoria referida, o pleito de
resolução contratual em razão de alteração das circunstâncias seria possível no
domínio do Direito Administrativo quando, para além de haver uma modificação
profunda da situação de fato, fosse o caso de advir uma alteração, por

33 PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…, 1960-1961, p. 99 e ss.


34 Cfr: SANTOS JÚNIOR, Eduardo dos. A imprevisão…, 2012, p. 479 e ss; PIRES, Cândida da
Silva Antunes. A teoria…,1960-1961, p. 99 e ss.
13

circunstâncias imprevisíveis e excepcionais no seio do contrato, de modo a


desequilibrá-lo. Passou-se esta a ser chamada de teoria da imprevisão. 35
A despeito de perdurar por longos anos o entendimento de
impossibilidade de incidência da doutrina da imprevisão no domínio dos
contratos civis, a partir do ano de 2016, em razão da reforma do Code Civil, o
artigo 1195 trouxe a possibilidade de, frente a uma alteração das circunstâncias
que tenha tornado o cumprimento destes contratos excessivamente onerosos
para uma parte que não tenha assumido o risco, pedir tal parte a renegociação
do contrato ao seu cocontratante. Sendo infrutífera a renegociação, as partes,
nos termos da lei, poderão: i) acertar pela resolução do contrato; ii) pedir, de
comum acordo, à sua adaptação por intervenção judicial; iii) na falta de acordo
entre os contratantes, pode a parte prejudicada, pedir ao juiz para que reveja o
plano contratual ou ponha-lhe termo. Esta regra tem caráter supletivo nos termos
da Ordonnace nº 2016-131.36

1.2. A SOLUÇÃO ALEMÃ

Na sequência merecem destaque as teorias que foram desenvolvidas na


Alemanha para o fim de solucionar o problema da manutenção do vínculo entre
as partes de um contrato, mesmo quando houvesse sido alterado o estado de
coisas em que se fundou a contratação. Primeiro, importa referir a teoria da
pressuposição, de autoria de Windscheid. Ainda que ao tempo de suas lições e
construção não tivesse o intento de tratar da cláusula ‘rebus sic stantibus’ - eis
que fora pensada para embasar a impugnação do negócio, assim como fora
desenvolvida a fim de conduzir ao desvio do princípio da estabilidade dos
contratos37 - fora considerada neste domínio.
A teoria da pressuposição comportava a ideia de que quem manifestava
uma declaração de vontade o fazia sob um certo pressuposto. Segundo esta

35 Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 325; SANTOS JÚNIOR, Eduardo dos.
A imprevisão…, 2012, p 479 e ss; PIRES, Cândida da Silva Antunes. A teoria…, 1960-1961, p.
107-112.
36 Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado. Vol II. Almedina: Coimbra, 2017, ISBN

9789724071206, p. 228-232; ORDONNANCE nº 2016-131 du 10 février 2016, texte nº 26.


Disponível em:
https://www.legifrance.gouv.fr/eli/ordonnance/2016/2/10/JUSC1522466R/jo/texte;
37 Cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 326.
14

teoria a pessoa que viesse a manifestar a sua vontade teria como intento, da
mesma forma que uma pessoa que viesse a emitir a sua vontade condicionada
a algo, que o efeito jurídico da relação somente passasse a existir no caso de
certas situações se verificassem. Se o estado de relação, também chamado de
estado de coisas, sobrevivesse sem que o pressuposto tido por base se
verificasse ou se o estado deixasse de existir, não haveria de se falar em
correspondência entre a relação com a vontade manifestada. Nesta hipótese a
relação acabava por ser ineficaz e o prejudicado, nos termos da teoria, poderia,
com relação ao beneficiado, defender-se através de uma exceção ou de ação
objetivando resolver a relação.38
Por esta razão a pressuposição funciona como uma «autodelimitação da
vontade, que não se desenvolveu a ponto de construir uma condição»39 para o
negócio. Significa dizer que, consoante esta teoria, a pressuposição se cuida de
uma condição não desenvolvida no negócio, tácita ou expressamente
manifestada, porém cognoscível pela outra parte. De mais, a incidência da
doutrina da pressuposição era reconduzida à vontade humana. Daí porque
considerada uma teoria de cariz subjetivista e voluntarista. Na vontade do(s)
sujeito(s) que se deveria procurar a razão de ser das posições jus subjetivas e
que se justificaria a modificação do contrato. Embora tenham sido bastante
importantes os traçados desta teoria, não encontrou abrigo na lei civil alemã. 40
Para além de não ter encontrado morada na lei civil alemã, também não
fora suficientemente aceite pela via jurisprudencial para solucionar os casos de
alteração das circunstâncias no âmbito contratual. Disto resultou o
desenvolvimento da teoria da base do negócio. Diferente da teoria anteriormente
citada, esta fora desenvolvida para resolver o problema da alteração das
circunstâncias na Alemanha desde o seu momento inicial. Diz-se isto porque a
teoria da base do negócio fora aprimorada com o decorrer dos tempos, veja-se.
No ano de 1921 fora definido por Paul OERTMANN a teoria da base do
negócio em com seus traçados subjetivos. Na altura restou especificada a base
do negócio como sendo a base que comportava a representação de uma das

38 FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…, 1958, p. 209 e ss.


39 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 124 e ss;
40 Cfr: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito..., vol. II, 2017, p. 124; CORDEIRO,

António Menezes. Da boa-fé... 2015, p. 978; FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…,
1958, p. 209 e ss.
15

partes, representação esta manifestada, reconhecida e não rejeitada pela outra


parte na ocasião da conclusão do contrato. Ainda, seu conceito poderia englobar
as representações de ambos os contratantes acerca da existência ou da
verificação de determinadas circunstâncias, as quais foram responsáveis por dar
fundamento à vontade de negociar. Colocava a teoria da base do negócio que,
a base do negócio, se referia ao negócio como um todo. A representação tomada
por base para o fechamento do negócio exigia um conhecimento positivo da
outra parte e tinha como elemento relevante a boa-fé. Na época de sua
elaboração, esta teoria recebeu expressão jurisprudencial na Alemanha.41
Todavia, a difícil delimitação com relação aos motivos da declaração
(motivos estes com cariz subjetivista) acabou por desencadear muitas críticas à
teoria desenvolvida e levou a jurisprudência a afastar a sua incidência, não
obstante a grande importância que teve, eis que fora com o referido autor que
fora introduzido o conceito de base do negócio na Alemanha42. Como alternativa
e por influência da doutrina, os tribunais passaram a fundamentar a mitigação do
princípio ‘pacta sunt servanda’ nos §§157 e 242 – boa-fé – do BGB. Fora,
primeiramente, deste modo que se passou a obstar a manutenção do contrato
quando os resultados que se viriam a produzir nestas novas condições fossem
incompatíveis com a boa-fé e a justiça. Depois, achando-se a solução apontada
insuficiente, adveio o desenvolvimento da teoria da base do negócio objetiva,
desenvolvida e precisada por Eugen LOCHER e LEHMANN.43
Referidos doutrinadores, ao defenderem que a delimitação da base do
negócio não poderia depender da definição que se viesse a dar à representação
das partes sobre dadas circunstâncias, ponderaram a necessidade de basear
seu conceito e definição na causa das circunstâncias - causa esta responsável
por se fazer chegar a um fim negocial. Deste modo, a base do negócio passou
a ser concebida como uma componente das circunstâncias, necessárias para se
chegar ao fim do negócio, através dos meios negociais. Daí adveio a teoria da
base do negócio objetiva.44

41 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 124-126.
42 Cfr: HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.). Unexpected Circumstances in
European Contract Law, Cambridge University Press, 2011, ISBN 978-1-107-00340-8, p. 61-63.
43 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 124-126.
44 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 125-126.
16

Na sequência disto, inspirado nas teses anteriormente desenvolvidas,


como também nas decisões jurisprudenciais pautadas na boa fé, Karl LARENZ,
formulou uma conceção mista da base do negócio. Para a eficácia da doutrina
da base do negócio, consoante seus ensinamentos, necessário se verificarem
alterações nas duas vertentes, eis que a referida base negocial abrange tanto a
base do negócio subjetiva, quanto a base do negócio objetiva. 45
Enquanto a base negocial subjetiva corresponde a representação da
expectativa comum a ambas as partes. Ressalta-se, a qual é responsável por,
para além de exercer influência, levar à conclusão do negócio, de modo tal que,
caso tivessem sido diferentes as representações dos contratantes, o negócio
não se teria firmado consoante veio a firmar-se. A base negocial objetiva
corresponde às circunstâncias objetivamente necessárias para que a conclusão
do contrato tenha acontecido, consoante decorreu. Desta forma, para que o
contrato possa subsistir a fazer sentido àquelas partes que contrataram,
imperiosa a manutenção ou a verificação das circunstâncias objetivas levadas
em consideração. Entretanto, frente à perturbação da equivalência das
prestações ou frente à inexigibilidade do fim essencial do contrato, conforme
inicialmente estabelecido pelos contraentes, a base negocial objetiva
desapareceria.46
Os desenvolvimentos doutrinários na Alemanha a respeito da alteração
das circunstâncias não cessaram aí. Na sequência, mas ainda antes da
positivação da solução trazida por este sistema aos casos de desequilíbrios
supervenientes no seio dos contratos cíveis, outras teorias que visavam
solucionar o problema da alteração das circunstâncias foram desenvolvidas 47.
Entretanto, fora a doutrina Wegfall der Geschäftsgrundlage desenvolvida pela
literatura jurídica, reconhecida e aplicada pelos tribunais alemães, bem como na
sequência que deu causa a solução trazida pelo Código Civil Alemão (BGB) de
2002, com expressão normativa no contexto alemão através do §31348 e

45 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé… 2015, p. 1046-1048 e ss; LEITÃO, Luís Manuel
Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 126.
46 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 126.; CORDEIRO, António

Menezes. Da boa fé… 2015, p. 1046-1048 e ss.


47 Cfr: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 126.
48 «Subtitle 3 Adaptation and ending of contracts Section 313 Interference with the basis of the

transaction (1) If circumstances which became the basis of a contract have significantly changed
since the contract was entered into and if the parties would not have entered into the contract or
would have entered into it with different contents if they had foreseen this change, adaptation of
17

conhecida como Störung der Geschäftsgrundlage, que o problema da alteração


das circunstâncias passou a ser resolvido49.
Em suma, a despeito de não haver a exata definição por meio do §313
do BGB acerca do alcance dos requisitos, a doutrina é aplicável com relação ao
pressuposto básico à altura da contratação compartilhado pelos contratantes.
Caso apenas uma das partes realize uma suposição relativamente ao contexto
negocial, tem de ser esta suposição reconhecível para a outra e não pode ser
contestada por ela. De mais, pode se referir a circunstâncias presentes ou
futuras, mas desde que sejam relevantes para a vontade contratual manifestada.
Outrossim, para que haja eficácia da regra, deve haver alteração no que toca a
equivalência entre as prestações do contrato em causa e nesta medida a base
do negócio deve ser substancialmente afetada. E esta situação referida deve
sobrecarregar de forma injustificada uma das partes do contrato. Como efeito da
incidência da regra, poderá o prejudicado pleitear pela adaptação contratual,
sendo esta a medida primeira a ser operada pelos tribunais alemães. Inexistindo
a possibilidade de readaptação contratual, diga-se, entretanto tentada, é que
poderá vir a ter lugar a extinção do vínculo entre os contratantes.50

1.3. A SOLUÇÃO ITALIANA

Em Itália também se viu a preocupação em se trazer soluções para o


problema das alterações das circunstâncias contratuais, as quais fossem
responsáveis por desencadear dificuldades vultuosas no cumprimento do
pactuado. Fora através da teoria da onerosidade excessiva superveniente,
sistematizada e delimitada através do Codice Civile de 1942, que veio a solução

the contract may be demanded to the extent that, taking account of all the circumstances of the
specific case, in particular the contractual or statutory distribution of risk, one of the parties cannot
reasonably be expected to uphold the contract without alteration. (2) It is equivalent to a change
of circumstances if material conceptions that have become the basis of the contract are found to
be incorrect. (3) If adaptation of the contract is not possible or one party cannot reasonably be
expected to accept it, the disadvantaged party may withdraw from the contract. In the case of
continuing obligations, the right to terminate takes the place of the right to withdraw». GERMAN
Civil Code (BGB Bürgerliches Gesetzbuch), 18 August 1896. Reformado em 2002. [Em linha].
Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-
BGB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2018.
49 HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.). Unexpected Circumstances…, 2011

978-1-107-00340-8, p. 5-6 e p. 55 e ss.


50 HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.). Unexpected Circumstances…2011,

p. 181-185.
18

neste domínio jurídico51. Ainda que a referência pela lei positiva tenha se dado
somente neste ano referido, a jurisprudência vinha há muito admitindo, em
algumas situações, a mitigação do princípio ‘pacta sunt servanda’ em razão do
princípio ‘rebus sic stantibus’.
Tal se pode notar da sentença da Corte de Cassação de Turim, datada
de 16 de agosto do ano de 1900. Na ocasião, este tribunal explanou sobre a
aplicação da cláusula, estabelecendo que em decorrência de alteração do
estado de coisas o vínculo jurídico entre os contratantes não mais se justificava,
de modo a afetar a ideia de que o contrato fazia lei entre as partes.52
Não obstante, o tema veio a ganhar maior relevância após a Primeira
Grande Guerra. Isto pelas mesmas razões já referidas: exposição aos efeitos
nocivos que alterações económicas, políticas e outras, acabaram por
desencadear no seio dos contratos, efeitos esses que foram, em sua maioria,
estruturados em um contexto que imperava o modelo liberal dos contratos. Daí
para frente, o estudo a respeito da temática passou a decorrer com maior
interesse e engajamento e assim foi feito em Itália. Juristas começaram, então,
a discutir o fundamento jurídico do instituto, os efeitos jurídicos que de sua
incidência desencadeariam, assim como o campo de sua incidência.53
Os primeiros movimentos que se perfizeram de forma legislada para
atender as situações anormais e graves decorrentes do contexto histórico
referido, se deram através da promulgação de leis especiais, de exceção. Neste
domínio destaca-se o Decreto nº 739 de 27 de maio de 1915 que, em seu artigo
1º, o qual fala das dilações aos pagamentos por causas derivantes do estado de
guerra, estabeleceu que, para todos os efeitos do artigo 1226 do Codice Civile a
guerra seria considerada um caso de força maior, não somente frente as
situações em que houvesse impossibilitado o cumprimento da prestação, mas
também quando a tivesse a tornado excessivamente onerosa (contudo, desde

51 Cfr: REGIO Decreto 16 marzo 1942, n. 262. Codice Civile. [Em linha]. Disponível em:
<http://www.studiocataldi.it/codicecivile/>. Acesso em: 17 jun. de 2018.
52 Cfr: MARTINI, Angelo de. L’eccessiva onerosità nell’ esecuzione dei contratti. Milano: Dott. A.

Giufrfrè Editore, 1950, p. 10-13; FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…, 1958, p. 14
e ss.
53 FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…, 1958, p. 14 e ss
19

que a obrigação tivesse sido assumida antes da data do Decreto de mobilização


geral). Depois disso outros movimentos legislados surgiram.54
Entretanto, de maior importância foi o advento da codificação Civil de
1942. Nesta, restou legislada a possibilidade de resolução ou modificação dos
contratos de execução continuada ou instantânea, contanto que diferida, quando
a prestação de uma das partes se tornasse excessivamente onerosa. A norma
encontra-se nos artigos 1.463 a 1.469.55
À luz dos dispositivos referidos, em decorrência da eclosão de um evento
extraordinário e imprevisível, orbitando fora da álea contratual típica, que gere
desequilíbrio ao contrato, porque tornou o seu cumprimento excessivamente
oneroso, poderá, a parte prejudicada, requerer a intervenção do tribunal para
modificar ou colocar termo à contratação. Pese embora haja a possibilidade de
modificação do contrato, esta terá lugar quando a parte demandada se oferecer
para modificá-lo, com fundamento na equidade. O que está em causa frente a
este contexto jurídico é uma alteração económica no seio do contrato. Esta
poderá ser perceptível em razão do aumento do custo ou da perda do valor da
contraprestação. De mais, quando estiver em causa um contrato em que
somente uma das partes assumiu obrigações, pode esta requerer a redução ou
a modificação do modus que se dará o cumprimento, também com fundamento
na equidade. Em suma, é esta a solução que recebeu expressão normativa em
Itália e que até os dias de hoje neste contexto vigora. 56

1.4. A SOLUÇÃO PORTUGUESA

Os esforços para solucionar o problema também foram percebidos em


Portugal já no princípio do século XX. Neste contexto iniciou-se o

54 «Art. 1. A tutti gli effetti dell’art. 1226 c.c. la guerra è considerata come caso di forza maggiore
non solo quando renda impossibile la prestazione, ma anche quando la renda eccessivamente
onerosa, purchè l’obbligazione sia stata assunta prima della data del decreto di mobilitazione
generale.» REGIO Decreto 27 maggio 1915, nº 739. [Em linha]. Disponível em:
http://www.unife.it/giurisprudenza/giurisprudenza/iscriversi/piano-studi/storia-del-diritto-
penale/materiale/clausola%20rebus%20sic.pdf. Acesso em: 17 de jun. de 2018; Sobre os demais
movimentos, cfr: FONSECA, Arnaldo Medeiros da. Caso Fortuito…,1958 p. 14 e ss / 259 e ss.
55 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 239-240; AGUIAR JUNIOR, Ruy

Rosado de. Comentários..., 2011, p. 872.


56 HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.). Unexpected Circumstances…, 2011,

p. 118-126; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 239-240; AGUIAR JUNIOR,
Ruy Rosado de. Comentários..., 2011, p. 872.
20

desenvolvimento da teoria da alteração das circunstâncias. Esta desenvolveu-


se também como resposta as consequências danosas do pós-guerra e do
modelo liberal do contrato.
Por não haver, neste momento histórico, regulamentação própria para
estas questões, designadamente através do Código de Seabra o qual vigorava
na altura57, por vezes os tribunais portugueses foram chamados a se pronunciar
sobre o problema material da alteração das circunstâncias. Diversos foram os
moldes dos pronunciamentos dos tribunais, os quais se perfizeram através das
manifestações jurisprudenciais. Entretanto, certo é que foram formulados a
acompanhar os desenvolvimentos doutrinários daquele tempo.58
Cabe referir que, de partida, a possibilidade de resolução ou revisão
contratual em decorrência da alteração das circunstâncias perante o contexto
jurídico português deu-se com fulcro na teoria da pressuposição, de matriz
alemã59, mencionada acima. Contudo, na sequência, passou-se a rejeitar a tese
da pressuposição e passaram, os julgadores, mais uma vez acompanhando a
doutrina, a basear-se ora na teoria da base do negócio60, também desenvolvida
na Alemanha, outrora na teoria da imprevisão61, originária de França. Não
obstante, nenhuma destas teorias recebeu expressão normativa frente a este
contexto jurídico.

57 PINTO, Carlos da Mota. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p.
606-607.
58 Manifesta-se COSTA, Mário Júlio de. Direito..., 2009, p. 335, no sentido de que a jurisprudência

dos tribunais superiores, antes do Código Civil de 1966, não era concorde quanto a possibilidade
de resolver ou modificar os contratos por alteração de circunstâncias, com a exceção das
situações em que tivesse um preceito legal a tratar do referido assunto. Ainda, cfr: CORDEIRO,
António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 918-922 e ss.
59 Pese embora a rejeição da teoria da pressuposição na Alemanha, muitos países, dentre eles

Portugal, passaram a contemplar os ensinamentos desta teoria. Designadamente em Portugal,


tal entendimento fora defendido por Guilherme Moreira, José Gabriel Pinto e Coelho e Taborda
Ferreira (Cfr: MOREIRA, Guilherme. Instituições do Direito Civil Português. v. 1. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1907. p. 496 ss.; COELHO, José Gabriel Pinto. Das cláusulas
acessórias dos negócios jurídicos. v. 2. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1910. p. 169 ss.;
FERREIRA, Vasco Taborda. Do conceito de causa nos actos jurídicos. Lisboa: [s.n.], 1946. p.
141 ss).
60 Dentre os autores que adotaram a teoria da base do negócio, cfr: MONCADA, Luís Cabral de.

Lições de Direito Civil. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 703 ss.; ANDRADE, Manuel de. Teoria
Geral da Relação Jurídica: Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico. v. 2. Coimbra:
Almedina, 1974. p. 403; VARELA, Antunes. Ineficácia do Testamento e Vontade Conjectural do
Testador. Coimbra: Coimbra Editora, 1950. p. 263 ss. e 323 ss.; SERRA, Adriano Vaz.
Resolução…, 1957, p. 15 ss.
61 Cfr: FERNANDES, Luís A. Carvalho. A teoria..., 2001. p. 17 e ss; GOUVEIA, Alfredo José

Rodrigues Rocha de. Da teoria…, 1958.


21

No seguimento dos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais


referidos, adveio a codificação Civil portuguesa de 1966 que consagrou, no Livro
II, sob o título de Direito das Obrigações, no Capítulo II, relativo às Fontes das
Obrigações no âmbito contratual, designadamente em seus artigos 437º a
439º62, a eficácia da alteração das circunstâncias. Subjacente aos dispositivos
mencionados encontram-se princípios de Direito, são estes os princípios da
justiça contratual comutativa, que recepciona o princípio da equivalência das
prestações, impõe o reequilíbrio das prestações e possibilita a mitigação do
princípio ‘pacta sunt servanda’.63
Segundo a sistemática jurídica portuguesa, para a eficácia dos referidos
dispositivos legais, caberá à parte lesada comprovar a existência de uma série
de requisitos, bem como pressupostos de admissibilidade - e isto deverá
decorrer judicialmente. Tal dar-se-á no caso de se fazer necessário proceder à
integração do contrato. Referidos elementos, entretanto, não restaram
delimitados pela letra da lei. Sobretudo porque aquando da positivação dos
preceitos que se encarregam de cuidar da matéria em atenção, o legislador
português entendeu preferível formular cláusulas gerais. Nesta medida,
concedeu aos Tribunais a tarefa de solucionar situações de desequilíbrio
contratual em decorrência de alterações supervenientes das circunstâncias e
interpretar os casos de acordo com as suas particularidades.64
Embora não conste positivada a medida da delimitação de todos os
requisitos e pressupostos de admissibilidade para a eficácia destes dispositivos,

62 Artigo 437º. (Condições de Admissibilidade). “1. Se as circunstâncias em que as partes


fundaram a decisão de contratar tiver sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito
à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a
exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não
esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode
opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.
Artigo 438º. (Mora da parte lesada). “A parte lesada não goza do direito de resolução ou
modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração de circunstâncias
se verificou”. O artigo 439º disciplina o regime da alteração de circunstâncias nas hipóteses de
resolução contratual, nesta medida dispõe: “Resolvido o contrato, são aplicáveis à resolução as
disposições da subsecção anterior.” DECRETO-Lei nº 47 344, de 25 de novembro de 1966.
Código Civil Português. (Actualizado até à Lei 59/99, de 30/06). [Em linha]. Disponível em:
<http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugal_codigocivil.pdf>. Acesso em: 17 jun. de 2017.
63 Consoante refere ASCENSÃO, Alteração..., 2004, p. 10, nota 11, cabe ter em atenção que o

princípio do equilíbrio contratual, mesmo substantivo, não é o mesmo que a justiça do conteúdo,
porque esta valora as estipulações das partes contratantes; Ainda acerca do princípio da
equivalência nos contratos sinalagmáticos, cfr: LARENZ, Karl. Derecho Justo…, 1985, p. 76 e
ss.
64 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 334-335.
22

a doutrina e jurisprudência vêm, há muito, delimitando o que se pretende que


seja comprovado. Isso implica na necessidade de, para se aferir o alcance
destas regras, recorrer ao entendimento que vem sendo esposado nestas fontes
de direito esposado. Ademais disto, para que, em decorrência da alteração das
circunstâncias de forma superveniente, possa haver um desvio ao princípio
‘pacta sunt servanda’, necessário que haja comprovação da existência dos
elementos de forma cumulativa.65

1.4.1. As exigências da solução positiva frente à sistemática jurídica portuguesa

Primeiramente, a inteligência dos artigos em atenção, pela natureza da


norma, respeita aos contratos de execução continuada, os quais podem conter
obrigações reiteradas ou prestações de execução divididas. Assim como
àqueles que comportem execução instantânea, contanto que diferida66/67. A
aceitação incide com relação aos contratos bilaterais, bilaterais imperfeitos e
também unilaterais. Contudo, desde que sejam verificáveis todos os
pressupostos exigíveis para a eficácia do instituto, os quais serão enumerados
na sequência68.
Do mesmo modo se aceita a inteligência da norma aos contratos
aleatórios, de execução continuada69. Contratos estes que têm a álea, a sorte,
como fator de risco principal e que detém ao menos uma das prestações
incertas70. Poderá o instituto da alteração das circunstâncias incidir sobre estes

65 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 336 e 342-343.


66 Afirma, CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. 3ª. ed. Coimbra: Almedina,
2017. v. IX p. 533 e ss, veementemente que se exclui da temática da alteração de circunstâncias
os contratos de execução imediata.
67 Pela aceitação do instituto da alteração de circunstâncias aos contratos de execução

continuada: SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo 876/12.9TVLSB.L1.S1. Lisboa, 26 de


janeiro de 2016; TRIBUNAL da Relação de Guimarães. Processo 1387/11.5TBBCL.G1.
Julgamento em 31 de janeiro de 2013.
68 Neste sentido: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 343; LIMA, Fernando

Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código Civil Anotado. v. 1. 4. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 1987. p. 412-416.
69 Sobre os contratos comutativos de execução continuada não há divergência, pois estes detêm

as prestações bem definidas já na celebração do contrato e todos os aspectos contratuais são


devidamente determinados, não havendo riscos atinentes ao negócio que não restem bem
definidos.
70 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações. v. I. 14ª ed. Coimbra:

Almedina, 2017, p. 184.


23

quando a modificação exceder, excepcionalmente, o âmbito da álea contratual


típica, que se puder verificar e definir.71
De mais disto, deverá ser demonstrado ter havido alteração anormal,
decorrente de situação excepcional e superveniente, nas circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar. São entendidas por circunstâncias
que fundaram a contratação aquelas, existentes aquando da celebração do
contrato, e que tenham sido causais, objetivas, ao tempo da contratação72.
Diz-se que as circunstâncias a que a norma se refere, cuidam-se das
que compõem a base negocial objetiva73/74, em que ambas as partes fundaram

71 Neste sentido: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 344.; SERRA, Adriano Paes
da Silva Vaz. Resolução..., 1957, p. 35-87. VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p.
370.; LEITÃO, Direito... vol. II, 2017, p. 131.; FRADA, Manuel A. Carneiro da. Crise financeira
mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteira.
In: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correa. v. 3. Coimbra: Almedina, 2010.
p. 481-482.; SILVA, João Calvão. Contratos Bancários e Alteração das circunstâncias. In: Boletim
da Faculdade de Direito, Coimbra, v. 90, tomo 2, 2014, p. 539-566.
72 Ainda, leciona CORDEIRO, António de Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555-556, que a falsa

representação da base do negócio leva ao erro, previsto no artigo 252º, nº 2 do Código Civil.
Diversamente, no âmbito do artigo 437º não há erro. As partes contratantes tinham presente
determinada realidade, seja ou pela natureza das coisas ou, ainda que não o digam, porque este
conhecimento se prova, a qualquer título.
73 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129; Refere o que é a base

do negócio que está em causa no âmbito da alteração de circunstâncias: SUPREMO Tribunal de


Justiça. Processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1. Julgamento em 10 de outubro de 2013.;
TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de
setembro de 2014.
74 A despeito de haver entendimento no sentido de que a delimitação das circunstâncias deve se

dar com recurso à base do negócio, CORDEIRO, António Menezes de. Da boa fé... 2015, p.
1056, 1088, 1091-1092 e 1106 e ss, entende que a base do negócio é uma fórmula vazia
reconhecida, mormente porque uma série diferenciada de doutrinas, trouxeram inúmeras
explicações do que se deve entender por base do negócio, porém não foram capazes de
esclarecer o que se pretende com este conceito até o fim. Por esta razão, ensina que a
determinação das circunstâncias com recurso à base do negócio não é medida de solução.
Defende, no entanto, que a delimitação das circunstâncias para fins de modificação ou resolução
contratual por alteração de circunstâncias deve ser determinada em concreto e a nível normativo,
com recurso à boa fé – desde que para a boa-fé se encontre um conteúdo material. Isto porque,
somente interessarão para fins da incidência do preceito nº 437º do Código Civil as
circunstâncias que, quando atingidas, tornarem a exigência do cumprimento do negócio contrária
aos princípios da boa-fé. Não obstante, leciona ainda que a impossibilidade subjetiva do
cumprimento do contrato pelo devedor não pode motivar o recurso aos preceitos que tratam da
alteração das circunstâncias, uma vez que a alteração diz respeito ao circunstancialismo que
circunda o contrato, objetivamente considerado. E mais, o faz neste sentido interpretando que
os ensinamentos do art. 791º do Código Civil, que dispõe sobre a hipótese de extinção da
obrigação nas situações em que o devedor restar impossibilitado de cumpri-la e não puder se
fazer substituir por terceiro - ou seja, que tratam da impossibilidade subjetiva do devedor -,
excluem a possibilidade de abranger, o artigo 437º e seguintes, a hipótese de alteração fundada
na impossibilidade subjetiva. Em que pese o posicionamento constante do livro «Da boa fé no
Direito Civil», em obra mais recente, refere o mesmo autor que as circunstâncias relativas ao
instituto da alteração das circunstâncias concentram-se na base negocial objetiva. Nesta medida,
assegura, estar em causa, nos termos da lei, o circunstancialismo objetivo, que integra a base
do negócio objetiva, ou seja, as circunstâncias em que as partes assentaram, objetivamente, a
decisão de contratar. Garante que não relevam: i) superveniências a nível de aspirações
24

a contratação. Não sendo, entretanto, importantes para fins de eficácia destas


normas75 alterações supervenientes a nível de aspirações subjetivas das partes
- que compõem a base negocial subjetiva -76, ou seja, aquelas derivadas da falsa
representação das partes acerca das circunstâncias presentes ou futuras. Do
mesmo modo também não são aquelas que apesar de existentes não sejam
causais relativamente à celebração do negócio77.78
Devem ainda, as circunstâncias alteradas terem sido significativas para
levar as partes à contratação da forma que fizeram, de modo que se fossem
outras as circunstâncias causais existentes no momento da contratação,
possivelmente, as partes não teriam contratado nos termos em que
contrataram79/80. Em verdade, o que está em causa aqui é o desequilíbrio
ocasionado pela alteração nas circunstâncias que fundaram a contratação.

subjetivas extracontratuais das partes, sendo necessária a ocorrência de uma superveniência


que afete o contrato e que implique em mudanças para ambos os contratantes; ii) modificações
no campo das aspirações contratuais de apenas uma das partes, uma vez que o que está em
causa é o contrato como um todo e não as esperanças de lucro, ou de não perda, de somente
um dos intervenientes (Cfr. CORDEIRO, António Menezes. Direito... v. IX, 2017, p. 555).
75 A despeito de respeitáveis razões que sustentam posições diversas, no sentido de admitir que

as circunstâncias alteradas devem se apresentar notórias, segundo o fim típico do contrato em


voga, e que estas deverão compor tanto a base negocial subjetiva, quanto a base negocial
objetiva. E mais, que explicam concentrar-se na base negocial subjetiva os fundamentos - que
tenham sido representados mental e psicologicamente pelas partes contratantes aquando das
negociações ou que comportem razoável notoriedade - necessários para orientar, de forma
comum, o fechamento do negócio. Ainda, que na base negocial objetiva, concentra-se o conjunto
de circunstâncias que são objetivamente respeitantes a relação negocial em atenção, mesmo
que não haja consciência das partes contratantes a respeito destas, sob pena de o fim do negócio
sobejar frustrado ou desequilibrado na sua origem (Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida.
Direito..., 2009, p. 328, nota 1 e p. 337; PINTO, Carlos da Mota. Teoria..., 2012, p. 611-612;
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria..., 2015, p. 371). Considera-se, para que haja a
inteligência da norma, apenas as circunstâncias que compõem a base negocial objetiva. Isto, no
mesmo sentido que leciona CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555 e que
fora retro explicitado. Sobretudo porque recorrer ao subjetivismo para determinar as
circunstâncias é rejeitado pela Ciência Jurídica mais recente.
76 Neste sentido: LEITÃO, Luís Manuel de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129.
77 Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 328, notas 1 e p. 337; PINTO, Carlos

da Mota. Teoria..., 2012, p. 611-612; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria..., 2015, p. 371.
78 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado. Vol II. Almedina: Coimbra, 2017, ISBN
9789724071206, p. 235 e ss; SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo 187/10.4TVLSB.L2.S1.
79 ASCENSÃO, José de Oliveira. Onerosidade excessiva por “alteração de circunstâncias”. In:

Estudos em memória do Professor Doutor José Dias Marques. Coimbra: Almedina, 2007. p. 516.
80 Considera, COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 337, a boa-fé critério para aferir

a gravidade da alteração. Nestes termos, ressalta que cabe observar se o contratante que
pleiteou a resolução ou revisão contratual por alteração de circunstâncias aceitaria ou deveria
aceitar, se agindo de boa-fé, vincular-se à contratação nos moldes que sua base se apresenta
diante das novas circunstâncias vigentes. Também neste sentido contribui CORDEIRO, António
Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 558, na medida em que admite importar a boa-fé na
determinação das circunstâncias que, ao serem afetadas, possibilitam a utilização do disposto
no art. 437º e ss. do Código Civil. Isto, porque somente importarão as circunstâncias que, ao se
modificarem, afetem gravemente a boa-fé.
25

Assim se entende porque nas situações em que houver a quebra da base do


negócio, como consequência, haverá um desequilíbrio no contrato como um
todo. Por esta razão, ambas as partes serão atingidas em seus cálculos porque
afetada a lógica do negócio. Ainda, a relação negocial modificada, tornar-se-á,
em verdade, uma não-relação. Isto porque não mais haverá correspondência
com as circunstâncias, objetivamente consideradas, as quais ensejaram a
contratação.81
Outrossim, a alteração a relevar deve ser anormal, nesta medida,
significativa82. A anormalidade da alteração se define por excepcional, haja vista
que será anormal a modificação que esquivar à regra, porque não provável de
acontecer e, em virtude da sua excepcionalidade, causar uma proeminência com
relação ao que ocorreria quando se seguisse o curso ordinário da contratação
ou dos fatos. Nos resultados a anormalidade da alteração, em regra, coincidirá
com a imprevisibilidade da alteração – quando considerada a imprevisibilidade
objetivamente - tendo em vista que, porque excepcional, extraordinária àquele
tipo de contratação, não poderia ter sido prevista pelas partes83/84. São exemplos

81 CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555; ASCENSÃO, José de Oliveira.
Onerosidade..., 2007, p. 522-524 e 526-527; «A questão que é colocada pelo instituto
da alteração das circunstâncias no caso concreto é a de saber se as partes contratariam como
contrataram se soubessem que as vendas das moradias aos clientes finais nos prazos previstos
e por preços superiores aos pagos pelos Réus seria praticamente impossível: é por demais
evidente que não o fariam, nem uma nem outra.» Cfr: TRIBUNAL da Relação de Lisboa.
Processo n. 1320/11.4TVLSB.L1-8. Julgamento em 19 de fevereiro de 2015.
82 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss.
83 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 338; LEITÃO, Luís Manuel Teles de

Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129; CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p.
556.
84 Identifica, COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 338, que a boa-fé assume papel

relevante também no âmbito da anormalidade. Por esta razão, diz que seria contrário à boa-fé
exigir que a parte fique vinculada ao contrato modificado diante de uma alteração anormal, a
qual, nem sempre nos resultados, coincidirá com a imprevisibilidade, em razão da boa-fé. Isto
porque, quando a boa-fé assim exigir, uma alteração anormal, embora previsível, poderá ensejar
a resolução ou modificação do contrato por recurso à norma da alteração das circunstâncias.
Elucida a questão referida através do exemplo do aluguel de uma janela para assistir ao cortejo.
Nesta situação refere que pode ser previsível que o cortejo não venha a se realizar ou que
modifique o trajeto a executar. Mas seria o caso de possibilitar a resolução (ou revisão, se
couber) do contrato, porque seria contrário à boa fé exigir que a parte permaneça vinculada
àquela contratação que tinha como fim possibilitar-lhe assistir ao cortejo que se sabe, não irá
mais passar pelo local em que contratou o aluguel da janela. De forma semelhante entende
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 372. Tal se nota, ao referir a inexistência de
confusão entre os conceitos de anormalidade e imprevisibilidade, na medida em que nem tudo o
que é anormal (excecional), pode ser previsto ou imprevisível. Para melhor explicar a questão
cita o seguinte exemplo: é normal que um partido do Governo ganhe as eleições e também que
as perca, porém não é normal que haja uma revolução ou uma outra ruptura constitucional.
Também considera que a boa-fé vai intervir na concretização da anormalidade CORDEIRO,
26

de situações que se mostram excepcionais para a sistemática jurídica


portuguesa e podem desequilibrar o contrato porque capazes de desencadear a
quebra de sua base objetiva do negócio: ocorrência de uma revolução ou
deflagração de um estado de guerra; alterações legislativas inesperadas;
mudança radical nos pressupostos de fato determinantes à celebração do
contrato85/86.
Igualmente, a modificação no seio do contrato deve ser subsequente à
celebração do negócio, o que implica em considerar a superveniência da
alteração. Caso não fosse nestes termos considerados estar-se-ia possibilitando
adentrar à temática do erro87, constante dos artigos nº 251º e 252º do Código
Civil88 situação que leva à anulação do contrato e não à resolução ou
modificação por alteração de circunstâncias.89
Ademais, a alteração das circunstâncias deve ocasionar lesão, dano,
para uma das partes, seja no plano patrimonial, seja no plano pessoal. Sob pena
de, por não provocar prejuízos no domínio contratual, ser irrelevante 90. Para se
aferir a lesão necessário se ter em conta a perturbação no equilíbrio contratual

António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 558, uma vez que diz que modificações admissíveis
à partida ou de significado menor não afetam gravemente a boa-fé.
85 Ainda, a depender da dimensão de uma crise econômica mundial - como exemplo a crise que

eclodiu em 2008 -, em que nem os mais reputados estudiosos da área pudessem ou


conseguissem prever, pode ela ser considerada uma grande alteração de circunstâncias. Neste
sentido: FRADA, Manuel A. Carneiro da. Crise..., 2010, p. 492-494.
86 Considerando a crise financeira que se instalou a partir de 15 de setembro de 2008 como

situação excecional e superveniente a contratação capaz de desequilibrar o contrato e dar vasão


a aplicação do instituto da alteração de circunstâncias, cfr: SUPREMO Tribunal de Justiça.
Processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1. Julgamento em 10 de outubro de 2013.
87 Posiciona-se VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 368 e 371, no sentido de que

é requisito para a alteração das circunstâncias a superveniência à celebração do contrato. Ainda


neste sentido posicionam-se ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 3; ASCENSÃO,
José de Oliveira. Onerosidade..., 2007, p. 515-517; LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA,
João de Matos Antunes. Código..., 1987, p. 412-416. Pronunciam-se MOTA PINTO e ALMEIDA
COSTA no sentido de desconsiderar a superveniência do evento como requisito para a
invocação do artigo 473º do Código Civil Português, admitindo, ALMEIDA COSTA, ser
desnecessário que o fato gerador da alteração se inicie somente depois da celebração, mas
exige que os efeitos deste fato somente se apresentem após (Cfr: PINTO, Carlos da Mota.
Teoria..., 2012, p. 610; COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 336; CORDEIRO,
António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1090 e ss).
88 A lei distingue o erro quanto à pessoa do declaratário e o erro com relação ao objeto do negócio

(art. 251º Código Civil); assim como há erro sobre os motivos determinantes da vontade (que
não reporta à pessoa do declaratário e nem ao objeto do negócio) e o erro sobre a base do
negócio (art. 252º Código Civil) (Cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1085
e ss).
89 Refere sobre a necessidade de ser a alteração superveniente: TRIBUNAL da Relação de

Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de setembro de 2014.


90 CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 557.
27

ocasionada pela alteração das circunstâncias91. Isto, na medida em que a lesão


de uma das partes deve ser de tal ordem a determinar o surgimento de um
desequilíbrio, particularmente intenso, no contrato.92
Por isto, importa verificar se o contrato alterado é capaz de colocar a
pessoa em expressiva dificuldade, ou seja, se houve uma excessiva onerosidade
da prestação. Ainda, se a lesão ocasionada trouxe para a parte lesada outros
prejuízos como grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza
não patrimonial. Exigir o cumprimento do contrato alterado no caso de lesão a
uma das partes é contrário aos ditames da boa-fé, nesta medida, atuar nestes
moldes é assumir um padrão de conduta desleal, desonesto e desarrazoado.93
Outrossim, para fins de incidência da norma, somente importarão as
circunstâncias alteradas que não respeitarem aos riscos próprios do contrato94,
ou seja com relação aqueles que não tenham sido assumidos de forma expressa,
sejam implicitamente atribuídos aos contratantes. A verdade é que todos os
contratos comportam riscos respectivos à relação negocial e ainda que estes
riscos poderão ser balizados pelas partes na oportunidade da contratação em
concreto, de forma a determinar a tomada de maiores ou menores riscos a cada
uma delas95. Todavia, somente diante daquilo que for anormal, que exceder a

91 Importante notar que a lesão no Direito português deve ser verificada pelo desequilíbrio,
diferentemente do que ocorre com o Direito comum brasileiro e Italiano, que coloca a lesão na
onerosidade excessiva de uma parte em relação a outra (Cfr. CORDEIRO, António Menezes.
Tratado... v. IX, 2017, p. 558). Não obstante, designadamente no domínio do direito brasileiro,
esta questão da lesão vem sendo relativizada, sobretudo por força do Enunciado nº 365 do
Conselho de Justiça Federal, consoante se verificará na sequência (Cfr: CONSELHO da Justiça
Federal. IV Jornada de Direito Civil. Enunciado aprovados. [Em linha]. Disponível em:
http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/483. Acesso em: 20 de set. 2017).
92 Cfr: ASCENSÃO, Oliveira. Direito Civil Teoria geral: Relações e Situações Jurídicas. v. 3.

Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 200; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito.. vol.
II, 2017, p. 130 e ss; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 372; VICENTE, Dário
Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss; Refere que a lesão ocasionada para uma das
partes deve ser capaz de provocar um desequilíbrio entre prestação e contraprestação:
TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de
setembro de 2014.
93 Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 339.; ASCENSÃO, José de Oliveira.

Alteração..., 2004, p. 3; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss.
94 Segundo CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1107 e ss; CORDEIRO, António

Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 561, a referência constante no dispositivo acerca das
circunstâncias estarem fora dos riscos do contrato não assume relevância. Isto porque, quando
a superveniência da alteração ocorrer em circunstâncias integrantes à álea normal do contrato,
a exigência das obrigações assumidas não seria contrária aos ‘princípios da boa fé’ de modo que
restaria obstado o recurso aos preceitos dos artigos 437º a 439º do Código Civil, mesmo que
não houvesse referência ao risco.
95 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 341.
28

álea típica do contrato, da relação negocial, é que se colocará o problema da


manutenção do contrato alterado96/97.
Por fim, o artigo 438º do Código Civil exige, expressamente, que para a
eficácia da norma da alteração das circunstâncias, não pode existir mora por
parte do lesado. A mora aqui referida cuida-se da mora culposa98. Em situações
de mora culposa caberá a própria parte lesada suportar seus efeitos. Eis que, se
tivesse a parte cumprido com sua obrigação em tempo, teria gozado da condição
de fazê-lo antes das circunstâncias se alterarem99, contudo, preferiu assumir o
risco da verificação de posteriores desequilíbrios100.
Quando o contrato restar desequilibrado em virtude de acontecimento
superveniente que o alterou e esta alteração lesionar uma das partes,
concomitantemente, quando ficarem devidamente comprovados todos os
requisitos e pressupostos legais alhures referidos, fica a parte lesada autorizada
a requerer a resolução ou modificação do contrato por alteração de
circunstâncias101. Deste modo, o sinalagma contratual originário poderá ser
retomado e consequentemente o seu equilíbrio original. Ou ainda, poderão as
partes desvincular-se da obrigação assumida, mesmo no caso de não haver um
colapso patrimonial. Isto decorre porque, para além de todos os demais
requisitos, a exigência do cumprimento do contrato nestes termos alterado, pela

96 ASCENSÃO, José de Oliveira. Onerosidade..., 2007, p. 522-524. CORDEIRO, António


Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1057 e ss; CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017,
p. 536 e 539; COSTA, Mário Júlio. Direito..., 2009, p. 341; Refere que os riscos próprios do
contrato funcionam como requisito negativo da aplicação do instituto da alteração de
circunstâncias: TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo 2100/13.8TJLSB-L1-2. Julgamento
em 28 de janeiro de 2016.
97 O tratamento trazido pelo artigo 437º do Código Civil quanto ao risco é, por alguns

doutrinadores, considerado desnecessário, designadamente porque, quando a superveniência


se inclua no domínio do contrato formulado entre as partes, a exigência das obrigações
assumidas não seria capaz de contrariar gravemente os princípios da boa fé (Cfr: CORDEIRO,
António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1107 e ss; COSTA, Mário Júlio. Direito..., 2009, p. 341;
CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 536).
98 Nesta medida, no caso de o cumprimento ter sido retardado porque houve impossibilidade

temporária inimputável ao devedor, este poderá se beneficiar da possibilidade de recorrer a


resolução ou modificação do contrato nos termos do artigo 437º do CC (Cfr: COSTA, Mário Júlio.
Direito..., 2009, p. 342).
99 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 374.
100 A mora do devedor provoca uma inversão no risco, pelo artigo 807º, nº 1 do Código Civil (Cfr:

LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 131.; CORDEIRO, António
Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 533-534 e 536-537).
101 Considera, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 130, que a

alteração de circunstâncias é uma modalidade específica do abuso do direito (art. 334 do CC),
porque, no caso de um direito de crédito, por força da boa-fé, torna-se ilegítimo ao credor exigir
a prestação quando os limites relativos ao equilíbrio das prestações no contrato estiverem
ultrapassados.
29

parte beneficiada, tornou-se abusiva102. E, uma vez reclamando o cumprimento


do contrato alterado, estaria o beneficiado, enriquecendo às custas da parte
lesada, situação que é contrária à boa fé103/104. Ademais, não se pode considerar
justo manter os contratantes obrigados a uma relação contratual que não mais
vigora consoante estabeleceram105.
Neste domínio da alteração das circunstâncias, embora haja discussão
sobre a forma que o requerimento poderá ser feito – se pela via judicial ou
extrajudicial 106-, quando não houver acordo entre as partes sobre o desenrolar
do contrato alterado, o pedido de resolução ou modificação fundado nos artigos
437º e seguintes deverá ser feito judicialmente107. Havendo provocação dos
tribunais para aplicação da regra da alteração das circunstâncias e, sendo nesta
oportunidade, requerida a resolução do contrato, poderá a outra parte opor-se à
resolução, declarando sua aceitação para que haja a modificação do contrato108.

102 Analisa se o exercício do direito dos autores, ao exigirem dos réus o estrito cumprimento do
contrato em causa, viola os limites impostos pela boa-fé porque a exigência tornou-se abusiva.
Cfr: TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de
setembro de 2014.
103 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 340; LEITÃO, Luís Manuel de Menezes.

Direito... vol. II, 2017, p. 129-131.


104 Defende, COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito…, 2009, p. 340, que será o recurso à boa-

fé bastante para justificar a resolução ou revisão contratual por alteração de circunstâncias, não
sendo necessário recorrer a verificação dos pressupostos de qualquer das formulações da teoria
da base do negócio ou de outra. A mais, em posicionamento mais recente, CORDEIRO, António
Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 560, ressalta que as exigências da boa-fé podem, em
concreto, dispensar, no todo ou em parte, algum dos pressupostos exigidos no art. 437º e
seguintes do Código Civil. Contudo, assegura que, uma vez dispensada a anormalidade, estar-
se-á adentrando no abuso do direito e não, propriamente, na alteração de circunstâncias.
105 ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 3.; ASCENSÃO, José de Oliveira.

Onerosidade..., 2007, p. 522-524.


106 Existe posicionamento no sentido de que o pedido de revisão ou resolução contratual em

razão de alteração fundamental das circunstâncias constante do artigo 437º e seguintes do


Código Civil poderá ser feito tanto judicial, quanto extrajudicialmente. Neste sentido o fazem
argumentando que não admitir a manifestação pela via extrajudicial seria aceitar uma
desconformidade com o sistema trazido pelos artigos 436º a 439 do Código Civil (Cfr: LEITÃO,
Luís Manuel de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 133). Dispõe o artigo 436º: (Como e quando
se efectiva a resolução). 1 - A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra
parte. 2 – Não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte
fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que exerça, sob pena de
caducidade. Parece que procede considerar que diante da possibilidade de modificação ou
extinção contratual em razão da alteração das circunstâncias podem as partes, querendo evitar
o litígio, fazê-lo mediante transação preventiva ou extrajudicial, nos termos dos artigos 1248 e ss
do Código Civil. Todavia, inexistindo transação e não havendo concordância acerca da
manifestação de resolução contratual pela via extrajudicial, a parte que se considerar lesada
poderá intentar pedido para modificar ou extinguir o contrato judicialmente (Cfr: TELLES,
Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos em Geral. Coimbra Editora. 4ª ed. 2002. p. 345 e ss).
107 Pela resolução ou modificação contratual através da via judicial manifesta-se COSTA, Mário

Júlio de Almeida. Direito…, 2009, p. 348.


108 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 238 e ss.
30

Nesta hipótese, caberá aos tribunais decidir os novos contornos para o contrato
segundo critérios de equidade, voltando a atenção para restaurar o equilíbrio 109.
Pela teleologia do artigo 437º do Código Civil a modificação do contrato,
quando for se operar pelos tribunais com fundamento na equidade, terá de ser
feita de forma a não contundir gravemente com os princípios da boa-fé. De mais,
deverá ser feita de modo a tentar reaver a equivalência entre as prestações. Eis
que não está em cogitação, através da modificação, possibilitar que a parte
lesada venha a realizar as mais-valias que previa e que poderiam ter sido
computadas se não tivesse se operado a alteração de circunstâncias. E mais,
por esta mesma razão, quando se operar a modificação, a parte lesada sempre
sofrerá algum prejuízo ou, ao menos, um não-lucro.110
No entanto, se o contrato perdeu a sua razão por que não era mais
possível reaver o equilíbrio contratual, a resolução contratual acabará por se
impor111. Sobretudo porque o que se pretende da eficácia da alteração de
circunstâncias é a individualização da justiça do caso concreto112. Uma vez
decido pela resolução do contrato, terá esta lugar, segundo o artigo 439º, nos
termos do artigo 432º e seguintes do Código Civil. Ainda que possa ter efeitos
retroativos, em princípio, não abrangerá as prestações já realizadas113. Esta é a
delimitação trazida pela sistemática jurídica portuguesa para fins de eficácia da
doutrina da alteração das circunstâncias e, nesta medida, é a solução para o
problema da manutenção do vínculo das partes aos contratos desequilibrados
de forma superveniente.

1.5. A SOLUÇÃO BRASILEIRA

Para além das teorias desenvolvidas cujos nomes e origem constam


supra referenciados, cabe trazer a teoria da onerosidade excessiva

109 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1105-1106 e ss; Frente ao Direito
português a preferência do sistema, sempre que possível reaver o equilíbrio do contrato, será
pela revisão contratual, cfr: OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Em tema de alteração das
circunstâncias: a prioridade da adaptação/modificação sobre a resolução do contrato. In: Edição
Comemorativa do Cinquentenário Código Civil. (p. 255-311). Universidade Católica Editoria,
Lisboa, 2017, ISBN 9789725405741, p. 255 e ss.
110 CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 568.
111 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 348-349.
112 CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 567.
113 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 238 e ss.
31

superveniente desenvolvida no Brasil. Não obstante a nomenclatura adotada


faça crer corresponder, fielmente, esta com a teoria da onerosidade excessiva
superveniente italiana, a solução brasileira desenvolveu-se com peculiaridades
que lhes são próprias, eis que não se limitou às especificações italianas, tendo
recebido influências dos desenvolvimentos português e argentino a respeito
deste assunto114.
Também durante o século XX, mesmo contexto histórico global já
referido, mudanças decorreram na estrutura da sociedade brasileira. Igualmente
influenciada pelas consequências da Revolução Industrial e primeira grande
guerra, deu-se a promulgação da Constituição Federal de 1988, que passou a
estruturar o país como um Estado Social, com interesses sociais, e não mais
uma sociedade estruturada de forma liberal.
A alteração constitucional brasileira, interferiu diretamente nas relações
contratuais dos particulares na medida em que impôs, no domínio dos contratos,
a necessidade de respeito aos enunciados e princípios norteadores do Estado
Social, os quais estão consagrados na Constituição Federal115. Dentre estes
encontra-se situada a justiça social.116
Inspirados nas tais questões e também nos movimentos que estavam a
decorrer por todo lado (mormente nos Estados que passaram a se organizar com
princípios de Estado Social e, com base nestas ideias, trouxeram teorias a
respeito da mitigação do princípio ‘pacta sunt servanda’ em razão do ‘rebus sic
stantibus’), ainda na vigência do Código Civil de 1916, os tribunais brasileiros
passaram a possibilitar a revisão ou resolução contratual em decorrência de

114 Neste sentido coloca AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado, Comentários..., 2011, p. 872, ao dizer
que, pese embora a reprodução bastante fiel dos dispositivos da codificação italiana, ainda se
reconhece nestes preceitos influência de outros ordenamentos, como o português e argentino.
Código Civil argentino: «Artigo 1.198 – (...) nos contratos bilaterais comutativos e nos unilaterais
onerosos e comutativos de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a
parte prejudicada poderá demandar a resolução do contrato. O mesmo princípio se aplicará aos
contratos aleatórios, quando a excessiva onerosidade se produza por causas estranhas ao risco
próprio do contrato. Nos contratos de execução continuada, a resolução não alcançará os efeitos
já cumpridos. Não procederá a resolução, se o prejudicado houver obrado com culpa ou estiver
em mora. A outra parte poderá impedir a resolução oferecendo melhorar equitativamente os
efeitos do contrato.»
115 Neste espeque, a função social dos contratos e os princípios do artigo 170 da Constituição

Federal brasileira são também matéria constitucional. BRASIL. Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
116 Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato..., 2008, p. 37 e 40.
32

desequilíbrios supervenientes. Contudo, nesta altura e até a codificação Civil de


2002, a aceitação no que toca aos contratos civis decorreu mormente por via
jurisprudencial e as soluções foram pautadas em diferentes teorias revisionais
desenvolvidas na Europa. Principalmente porque inexistia a alternativa de forma
positivada.117
Porém, na sequência da mudança de estruturação do Estado
suprarreferida, no ano de 1990, passou a vigorar no Direito brasileiro o Código
de Defesa do Consumidor118, o qual fora o marco da mudança de paradigma
relativo aos contratos. Referido Código fora compilado devidamente separado
das bases que se abancavam nas ideias do liberalismo anteriormente reinantes.
Este trouxe, em seu artigo 6º, inciso V, como direito do consumidor, a
relativização do princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos, fazendo
de forma a enfatizar o princípio da conservação do contrato. O fez dado a
vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, conceitos estes que pautaram
toda a codificação consumerista, e de forma a determinar critérios específicos
para a incidência da norma às relações de consumo. Por esta mesma razão,
para critérios já considerados em outros contextos jurídicos, interpretações mais
protecionistas foram trazidas.119
Após, mas do mesmo modo pautado no forte apelo social vigorante 120,
entrou em vigor o novo Código Civil de 2002. Referida Lei (Lei nº 10.406 de 2002)
trouxe normas positivas, notadamente os artigos 317, 478 a 480121, que
estabeleceram o regime geral da onerosidade excessiva superveniente neste

117 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato..., 2008, p. 35.


118 LEI n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. [Em linha] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm>.
Acesso em: 05 jan. 2018.
119 LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula..., 2009, p. 15.
120 O forte apelo social no Brasil foi visto em inúmeras frentes, notadamente na organização

jurídica-política da sociedade brasileira.


121 «Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor

da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte,
de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. (Da Resolução por
Onerosidade Excessiva) Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a
prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com a extrema vantagem para
a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art.
479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as
condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das
partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-
la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.» Cfr: LEI n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui
o Código Civil. DOU, 11 jan. 2002. [Em linha]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 05 jan. 2018.
33

âmbito122. Esta regra fora positivada a fim de se aplicar aos contratos paritários,
entre iguais. De mais, fora feita de forma a abranger a maior parte dos casos em
que o Código Civil, nesta medida ficam por estas abarcados os contratos
comerciais. A regra trazida por este sistema jurídico presta-se a se aplicar a
generalidade dos casos, portanto não leva em consideração especificidades
próprias de algum, ou alguns, setor(es) de mercado.
Subjacente aos artigos de lei que comportam a roupagem atribuída pela
sistemática jurídica brasileira à cláusula ‘rebus sic stantibus’ está o princípio da
justiça contratual comutativa que, neste ordenamento, recepciona o chamado
princípio do equilíbrio contratual. Diga-se, o qual comporta a mesma ideia de
reequilíbrio entre as prestações do princípio da equivalência das prestações no
Direito português e é uma exceção ao princípio ‘pacta sunt servanda’. De mais,
também subjaz a esta solução o princípio da função social dos contratos, o qual
é tido como um dos princípios basilares do Direito dos Contratos e demanda o
resgate do equilíbrio das obrigações (função social interna), como forma de
preservação de trocas úteis e justas no tecido social (função social externa)123.
Seja no tocante as relações cíveis, comuns, atinentes aos contratos
paritários, quanto relativamente às relações consumeristas, atinente aos
contratos entre desiguais, para que haja a intervenção heterónoma do Estado –
mediante a atuação do juiz – no domínio da autonomia privada dos contratantes,
caberá comprovação concomitante da existência de uma série de requisitos e
pressupostos de admissibilidade. Tais elementos terão de ser considerados
tanto para a exegese do artigo 478 e seguintes, quanto para a do artigo 317,
ambos do Código Civil, como também para a exegese do artigo 6º, inciso V,
combinado com o artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor.
Outrossim, esta incidência perfazer-se-á através da provocação dos tribunais
judiciais no momento em que tiver de decorrer a integração das lacunas
contratuais. Veja-se.

122 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2011, p. 612; KHOURI, Paulo R. Roque A. A revisão judicial dos contratos no novo
Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29.
123 FARIAS, Cristiano Chaves de / ROSENVALD, Nelson. Direito…, 2011, p. 622;
34

1.5.1. As exigências da solução positiva em matéria de Direito do Consumidor

A despeito de não serem o foco principal deste trabalho as relações


consumeristas, ainda que sejam estas relações civis, cabe, primeiramente,
referir a solução trazida para os contratos consumeristas, haja vista a relevância
que este desenvolvimento teve para o instituto da onerosidade excessiva
superveniente adentro do contexto jurídico brasileiro e ainda porque é também
solução positiva trazida por este sistema de direito.
De antemão deve-se ter em atenção que os dispositivos deste
regramento se aplicam tão somente aos consumidores nas relações de
consumo, relação entre desiguais, não sendo, entretanto, extensível a disciplina
aos fornecedores. Assim decorre primeiro porque o fornecedor é um profissional
que assume, na contratação, maiores riscos que o consumidor124. Segundo em
virtude da vulnerabilidade do consumidor, a qual sustenta toda a linha axiológica
do Código de Defesa do Consumidor, doravante CDC, e explica terem sido as
normas desta codificação sistematizadas a partir da ideia de proteção do
consumidor, posto que é o ponto de partida de toda a teoria e aplicação do
CDC.125/126
Consoante a disciplina do CDC, poderá, o próprio consumidor, pleitear
pela revisão da(s) cláusula(s) do(s) contrato(s) que tenham se tornado
excessivamente onerosa(s) em razão de fatos supervenientes. Neste sentido se

124 Importa ter em atenção que no Brasil, a rigor, a quase totalidade dos riscos nos contratos
consumeristas é tentada de ser repassada aos consumidores. Daí porque a maior proteção
legislativa a esta categoria concedida.
125 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas,

2008, p. 8 e 106.
126 Não obstante, em que pese seja o fornecedor o profissional da relação contratual e não goze

dos mesmos direitos que o consumidor, ele não é imune à superveniência de fato que venha a
lhe causar excessiva onerosidade no cumprimento de sua prestação. Nos termos do artigo 4º,
inciso III do CDC, a Política Nacional de Relação de Consumo tem por objeto a “harmonização
dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal),
sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. Nesta
medida, não se pode conceber que uma relação contratual que deve ser equilibrada vede ao
fornecedor, que prejudicado excessivamente pela eclosão de evento superveniente, beneficiar-
se de qualquer medida que venha a desonerá-lo da excessiva onerosidade superveniente. Por
esta razão, na hipótese de ser afetado por evento superveniente, para invocar o instituto da
onerosidade excessiva, deverá fazê-lo consoante o regime regulado no Código Civil – artigos
317º, 478º a 480º do Código Civil -, demonstrando, todos os requisitos exigíveis (Cfr: KHOURI,
Paulo R. Direito..., 2013, p. 106).
35

coloca o artigo 6º, segunda parte do inciso V do referido diploma legal 127. Esta
hipótese verificar-se-á no âmbito dos contratos consumeristas comutativos de
execução continuada, seja periódica ou de execução única, mas diferida.
Ainda que, excepcionalmente, possa haver revisão contratual no âmbito
consumerista de contratos findos128, o que demonstra, que em casos
excepcionais haverá a possibilidade de revisão dos contratos extintos129.
Referida hipótese somente poderá se operar desde que haja demonstração do
advento de um evento superveniente, responsável por promover a rutura do
equilíbrio económico-financeiro da relação contratual.130
Relativamente ao evento, basta que seja este superveniente. Não é
relevante tratar-se de um fato imprevisível, extraordinário, irresistível ou até
mesmo que poderia ter sido previsto, mas não foi. Entretanto, ainda que careça
da comprovação da extraordinariedade da eclosão do evento, deve este estar
fora da álea contratual típica do contrato de consumo. Não é, entretanto,
permitido ao consumidor beneficiar-se do instituto da onerosidade excessiva
quando a onerosidade decorrer de um risco ordinário ao contrato,
nomeadamente porque, muito embora seja o consumidor vulnerável dentro da
relação de consumo, não pode ser considerado imune a todos os riscos que
possam dela decorrer.131/132

127 «Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: (…) V – a modificação das cláusulas
contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (…)». LEI n. 8.078, de 11 de setembro
de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. [Em linha]. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm>; Acesso em: 05 de Janeiro de 2018.
128 Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro, consoante súmula

nº 286, a qual admite a possibilidade de revisão de contratos extintos, quando houver


abusividade nos casos de renegociação de contrato bancário e confissão de dívida.
129 Cfr: LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula..., 2009, p. 17; CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Programa..., 2008, p. 107.


130 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 37, 90 e 107; ASCENSÃO, José de Oliveira.

Alteração..., 2004, p. 9 ss.


131 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime

das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. p 783.; NUNES,
Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código De Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 146-147; LYNCH, Maria Antonieta. 2009, Da cláusula..., p. 16-17; CAVALIERI
FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 108; KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor:
Contratos, Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor em Juízo. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2013. p. 103-104.
132 Cfr: TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20050111058729APC.

Julgamento em 13 de janeiro de 2010, faz referência expressa de que a onerosidade excessiva


possibilitada pelo Código de Defesa do Consumidor dispensa a prova da imprevisibilidade e
extraordinariedade do evento, sendo tão somente importante a demonstração objetiva de uma
onerosidade excessiva superveniente ao consumidor. No mesmo sentido: SUPERIOR Tribunal
de Justiça. T3 – Terceira Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 374.351/RS –
36

Cabe ter em atenção que existe, nas relações de consumo, um sistema


diferenciado de riscos. Nestas há uma imposição de risco maior para o
fornecedor e de um risco menor ao consumidor. Tanto é assim, que o fornecedor
não está autorizado a se valer do artigo 6º, inciso V do CDC para requerer a
revisão do contrato de consumo em virtude do instituto da excessiva onerosidade
superveniente. De mais, esta distribuição diferenciada que se faz verificável é
capaz de distinguir o alcance do instituto trazido pela legislação consumerista,
daquele trazido pela lei civil, aplicável aos contratos paritários.133
Ademais disto, necessário que o evento superveniente ocasione
desequilíbrio no contrato, capaz de fazer desaparecer o seu fim essencial, a
equivalência entre a prestação e contraprestação. Isto, mormente porque houve
a quebra da base negocial objetiva e causou excessiva onerosidade ao
consumidor.134/135
De mais, não pode o consumidor estar em mora ao tempo do pedido
revisional. Mais uma vez, conquanto seja o consumidor vulnerável, permitir a
revisão do contrato consumerista de um consumidor em mora, seria forma de
privilegiar aquele que deu causa à situação de desequilíbrio superveniente e
ainda gerar uma insegurança no âmbito dos contratos de consumo.136
Por fim, a onerosidade ocasionada deve ser expressiva. A despeito de
não haver aqui a necessidade de demonstrar que o fato gerou excessiva
onerosidade para o lesado e extrema vantagem para a contraparte, não se
admite a aplicação do instituto às situações em que tenha sido insignificante a
onerosidade.

2001/0150325-9. Julgamento em: 30 de abril de 2002; TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal


e Territórios. Apelação nº 19990110089935APC. Julgamento em 6 de agosto de 2014.
133 KHOURI, Paulo Roque A. Direito..., 2013, p. 105
134 MARQUES, Cláudia. Contratos..., 2002, p. 783.
135 No caso de leasing em dólar o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu pela revisão

da cláusula que determinava como índice de correção monetária o dólar norte-americano, em


decorrência da desvalorização da moeda nacional com relação à moeda estrangeira, porque
houve a quebra da base objetiva do negócio (Cfr: TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul.
Apelação Cível nº 70001377498. Julgamento em 19 de outubro de 2000. Também neste sentido:
TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação 19990110089935APC.
Julgamento em 6 de agosto de 2014).
136 ARAUJO NETO, Nabor B. de. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor:

análise do art. 6º, inciso V, da Lei 8.078/90. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 14, n. 88, 2011.
Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9440>.
37

Corroborados os elementos exigidos, frise-se, de forma cumulativa,


poderá o consumidor gozar da revisão de cláusulas que estejam a desencadear
excessiva onerosidade. A possibilidade trazida pelo CDC é de revisão contratual
e, nos termos deste dispositivo legal, não cabe o pedido de resolução do
contrato. Sobretudo em virtude dos princípios da conservação do contrato, da
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º,
inciso III do CDC), na reconhecida e tutelada vulnerabilidade do consumidor (art.
4º, inciso I do CDC) decorrente do princípio constitucional da igualdade (art. 5º,
caput da Constituição Federal). Para além disto porque, nos termos do §2º do
art. 51 do CDC, sempre que possível deverá prevalecer a manutenção do
contrato, mesmo que ele esteja contaminado com cláusulas abusivas ou nulas
de pleno direito.137
Para se beneficiar da modificação das cláusulas contratuais em virtude
da excessiva onerosidade superveniente deve, o pleito judicial, restar
fundamentado de modo a combinar os artigos 6º, inciso V e 51, inciso IV do CDC.
Nesta medida, de antemão, caberá o reconhecimento da nulidade da cláusula
que uma vez alterada, se tornou abusiva consoante o art. 51, inciso VI do CDC.
Havendo a possibilidade de apenas isolar a cláusula contratual abusiva e
preservar o contrato, em nome do princípio da conservação do contrato e desde
que provocado pelo consumidor nos termos do artigo 6º, inciso V do CDC,
poderá o julgador revisá-lo.138/139
O acima referido decorre da regra do artigo 51, §6º do CDC, o qual
determina que a nulidade somente afeta a cláusula abusiva e não o contrato
como um todo. Relativamente à revisão da cláusula contratual abusiva, por
vezes, haverá cláusula supletiva na lei que deverá substituir a cláusula abusiva.
Contudo, quando não houver, caberá ao julgador, por equidade, formular nova
cláusula a fim de reaver o equilíbrio e a equivalência das prestações. Na hipótese
de a nulidade da cláusula afetar o contrato como um todo e não ser possível o

137 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários..., 2007, p. 190; KHOURI, Direito..., 2013, p. 117.
138 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 163-165.
139 Ressaltando a pretensão de reequilíbrio contratual estar amparada na alegação de nulidade

de cláusula iníqua ou abusiva, a teor do artigo 6º, incisos IV e V, e artigo 51, inciso IV do Código
de Defesa do Consumidor: TRIBUNAL de Justiça de Santa Catarina. Acórdão nº 20130369540
SC 2013.036954-0. Julgamento em 20 de novembro de 2013; SUPERIOR Tribunal de Justiça.
T4 – Quarta Turma. Recurso Especial nº 437.660 - SP (2002/0056040-9). Julgamento em 08 de
abril 2003.
38

contrato subsistir sem ela (como, por exemplo, quando a nulidade for declarada
com relação a cláusula que trata do objeto, diga-se cláusula essencial para a
sobrevivência do contrato) a relação contratual será nula nos termos do artigo
51, inciso IV e §1º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Situação esta
que implica na liberação das partes com relação as suas prestações contratuais,
mas por razão diversa daquela que advém do Código Civil. Esta é a solução
brasileira para os desequilíbrios supervenientes no seio dos contratos
consumeristas.140

1.5.2. As exigências das soluções positivas em matéria do Direito Civil

Pouco diferente é, entretanto, a solução para os contratos civis, oriundos


das relações paritárias, entre iguais. No tocante às relações civis, o tratamento
é trazido pelos artigos 317 e 478 a 480 do Código Civil. Dimana do artigo 478 do
Código Civil a possibilidade de resolver ou modificar por onerosidade excessiva
superveniente os contratos bilaterais de duração, os quais podem ser
caracterizados como de execução continuada ou instantânea, porém diferida. O
mesmo decorre do artigo 317 do Código Civil, na medida em que o dispositivo
utiliza a expressão «desproporção manifesta entre o valor da prestação e do
momento da sua execução», o que faz entender não se tratar de contrato de
execução imediata141.142
Embora seja a legislação silente no que toca ao abarcamento do instituto
da onerosidade excessiva aos contratos aleatórios de execução continuada,
predomina no contexto brasileiro a aceitação da extensão da regra para estas
contratações. Desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível
não se relacione com a álea tipicamente respeitante ao contrato, consoante

140 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 165; KHOURI, Paulo Roque A. Direito...,
2013, p. 118.
141 KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 33.
142 A disciplina dos referidos dispositivos assim se perfez, pois, contratos de duração não se

consumam no próprio ato da celebração e, nesta medida, o cumprimento da prestação está


situado em momento cronologicamente distante da conclusão contratual. Situação que deixa a
economia do contrato suscetível de ser abalada por eventos supervenientes (FARIAS, Cristiano
Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 614).
39

dispõe enunciado nº 440 do Centro de Estudos Judiciários143/144. Ou seja, desde


que o fato causador de onerosidade não implique os mesmos riscos que o
contrato atribuiu às partes e esteja fora da álea contratual específica,
principalmente porque estes também podem sofrer com a incidência de evento
que torne o seu cumprimento excessivamente oneroso145.146
De mais, conforme prevê o artigo 480 do Código Civil, poderá também
haver revisão dos contratos unilaterais147 para eliminar a ocorrência de
onerosidade excessiva superveniente. Para, com relação a estes, incidirem os
efeitos da norma, caberá também a comprovação cumulativa dos demais
pressupostos atinentes à onerosidade excessiva superveniente148/149.
Entretanto, relativamente aos contratos unilaterais, cumpre esclarecer que o
intento da regra não é o de remediar o desequilíbrio superveniente entre duas
prestações, mas possibilitar que a prestação efetuada no momento da
celebração do contrato se relacione com o sacrifício exigido ao tempo do
cumprimento da prestação150.151

143 Dada a pluralidade de instituições jurídicas brasileiras, públicas, privadas e aventureiras,


confere uma breve nota acerca do Centro de Estudos Judiciários. Este Centro funciona junto ao
Conselho de Justiça Federal e assume importante papel no que toca ao aperfeiçoamento da
Justiça Federal, eis que promove cursos, seminários, encontros e debates sobre questões
judiciais e administrativas relevantes, com a participação de especialistas de renome nacional e
internacional. Detém um programa editorial voltado para a área jurídica e realiza pesquisas e
diagnósticos que identificam e propõem soluções para os problemas que afetam a instituição.
Confrontar informações em: JUSTIÇA Federal: Conselho da Justiça Federal. Centro de Estudos
Judiciários. http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-
1.
144 Enunciado nº 440 do Centro de Estudos Judiciários: «Art. 478: É possível a revisão ou

resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento


superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato».
145 Pela aplicabilidade da onerosidade excessiva aos contratos aleatórios posicionam-se

doutrinadores como: FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p.
786; GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 217-218.
146 Entendendo pela inaplicabilidade do instituto da onerosidade excessiva aos contratos de swap

porque a alteração não estava fora dos riscos próprios daquela contratação: TRIBUNAL de
Justiça do Estado do Paraná. Acórdão nº 7662493 PR 0766249-3. Julgamento em 15 de junho
2011.
147 Contratos unilaterais, também denominados negócios jurídicos unilaterais, são assim

classificados porque, no tocante a formação do negócio, há apenas uma declaração de vontade


(Cfr. FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 262).
148 GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 216.
149 Como bem explica KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 34-38, a simples alegação

de onerosidade excessiva superveniente não pode ensejar a revisão dos contratos unilaterais,
na medida em que a leitura do artigo 480º não pode se dar de forma divorciada do artigo 478º.
150 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Contrato..., 2011, p. 623.
151 Nos termos do referido dispositivo, a modificação designada pode se dar quantitativamente,

quando houver redução na prestação, bem como qualitativamente, na medida em que houver
alteração no modo que a prestação será executada (KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006,
p. 34-38). Ademais, o requerimento para que decorra alteração da prestação deve ser feito
40

Nos termos do Código Civil, a onerosidade excessiva capaz de


fundamentar a incidência dos artigos 317, 478 a 480, além de ter de ser
superveniente à conclusão contratual, é vinculada a ocorrência de um evento
extraordinário e imprevisível. No que toca a superveniência do evento, significa
dizer que o fato que causou a onerosidade excessiva não pode estar presente
aquando da celebração do contrato. É, todavia, irrelevante o tempo que decorreu
após a celebração do contrato para eclodir o acontecimento. Importa apenas que
tenha resultado após a celebração, tendo em vista que repentinamente é
possível a ocorrência da superveniência de um fato causador de excessiva
onerosidade152.
Este evento não pode ter sido causado pelo sujeito que invocou a
modificação ou a resolução do contrato. Deve ser o próprio evento superveniente
a causa que prevaleça a fim de desencadear a onerosidade excessiva ou então
a causa única, neste sentido153. Ainda, deve o evento superveniente afetar o
contrato em sua integralidade.154
Carece também seja extraordinário o evento capaz de justificar a
intervenção heterónoma do Estado-juiz no seio do contrato. Extraordinariedade
esta que deve ser lida na medida em que represente um risco impróprio para o
contrato, ou seja fora do seu âmbito, fora de seus riscos normais.155
Consoante já dito, todo contrato possui sua álea normal, a qual é
determinada em razão do tipo legalmente definido, pela função que comporta,
pelo fim visado e pelas cláusulas que foram nele moduladas para delimitar sua
amplitude. E é esta álea que acaba por estabelecer os riscos respeitantes a
contratação156. Quando uma situação superveniente estiver, então, fora desta
álea contratual típica, porque objetivamente estranha ao contrato à luz de todas

judicialmente (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.
401).
152 Refere-se AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 898-899, ao bloqueio dos

depósitos bancários ocorrido por força do Plano Collor que inviabilizou cumprimento de
prestações contratuais.
153 Comporta haver um nexo causal entre o fato superveniente e a onerosidade excessiva.
154 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 902.; MARTINS-COSTA, Judith.

Comentários ao Novo Código Civil. vol. V. Tomo I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 310-
311.; KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 52.
155 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 616.
156 Definição teórica de álea normal do contrato, tendo em vista que o Código Civil brasileiro não

a trata expressamente, por: AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 903.
41

as suas peculiaridades, é que será ela anormal para o contrato e por isto
extraordinária.
A mais, o evento a relevar deve ser, do mesmo modo, imprevisível.
Acerca da definição da imprevisibilidade do evento existe, no contexto jurídico
brasileiro, discussão no que toca {a sua definição157/158. Entretanto, deve
prevalecer o entendimento de que à imprevisibilidade procede uma análise
objetiva, independente da aferição da situação psíquica das partes aquando do
fecho do contrato. Eis que, em uma perspectiva objetiva, a vontade não tem
praticamente nenhuma contribuição, já que o que está em causa é o conteúdo

157 A primeira vertente identificada aceita a teoria da imprevisão, de matriz francesa, para tratar
do elemento imprevisibilidade. Esta, em regra, recusa encarar o fato imprevisível tendo como
parâmetro o mercado e assegura que deve sê-lo feito tendo como parâmetro as partes da
contratação. Nesta medida, considera ser imprevisível aquilo que está fora da cogitação das
partes aquando da contratação (Cfr: TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6. ed. São Paulo:
Editora Método, 2016, p. 660-661.; AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 899.;
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro. v. 3. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 399-400;
ainda, pese embora reconheça que os artigos 478º a 480º incorporaram à Ordem Jurídica
brasileira a teoria da onerosidade excessiva, entende que para determinação do elemento
imprevisível deve-se recorrer da teoria da imprevisão: GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p.
215). Esta corrente, pondera decisivo para definir a imprevisibilidade a previsão ou não do evento
pelas partes, o qual é avaliado de forma subjetiva. Isto implica considerar que uma situação
extraordinária pode ser imprevisível. Mas, para esta, os elementos imprevisibilidade e
extraordinariedade não são equivalentes e, portanto, não se confundem (Cfr: AGUIAR JUNIOR,
Ruy de. Comentários..., 2011, p. 899; ao explicar a questão: ASCENSÃO, José de Oliveira.
Alteração..., 2004, p. 9 e ss). Ainda, posiciona-se pela avaliação da imprevisibilidade
acompanhada da ideia de probabilidade. Todavia não uma probabilidade puramente objetiva,
mas que envolve subjetivismo dos contratantes. A probabilidade é medida pelas circunstâncias
conhecidas pelas partes, conforme o juízo que façam derivado de suas condições pessoais, seus
conhecimentos e aptidões, e ainda da experiência que detém. Logo, é imprevisível o fato que
notoriamente não seria provável de influir eficientemente sobre a contratação das partes segundo
um juízo razoável que façam proveniente da experiência. E, para este juízo de probabilidade do
evento devem ser consideradas as condições objetivas do contrato, que seriam definidas pela
natureza do contrato, quantidade de contratantes, condições do mercado, e junto a isto, as
condições subjetivas das partes. Contudo, esta mesma vertente reconhece que apesar de a
distinção teórica entre extraordinário e imprevisível ser identificável, na prática os dois elementos
são indistintamente tratados, como se comportassem o mesmo significado (Cfr: AGUIAR
JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 900-901; AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção
dos contratos por incumprimento do devedor: resolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora. Rio
de Janeiro, 2004. p. 154-160).
158 O que acontece é que a conceção voluntarista e subjetivista do elemento imprevisível,

entende que os requisitos “imprevisível e extraordinário” comportam significados e campo de


atuação distintos. Deste modo, o anormal, o extraordinário, podem ser previsíveis, na medida
em que a avaliação da presença da previsibilidade não se dá de forma particularizada e objetiva
com relação ao contrato em concreto, mas pautada no subjetivismo das partes contratantes, na
vontade e psique dos agentes. Nesta medida, pode ser subjetivamente previsível, por exemplo,
a ocorrência de acontecimentos anormais, extraordinários como guerras no Iraque, terremotos
no Japão, furacões na Flórida, etc. Porém, numa perspectiva objetiva estas mesmas situações
podem não ser previsíveis, ou seja, podem configurar-se como imprevisíveis pois, em uma
relação contratual específica - mesmo diante da previsibilidade de tais fatos anormais – a
ocorrência de determinados acontecimentos é efetivamente extraordinário, anômalo, anormal
àquele contrato (Cfr. KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 54-55).
42

do contrato159/160. E mais, porque atualmente prevalece outra perspectiva de


relação negocial, a qual parte da premissa de obrigação como processo em que
há um conjunto de atos coordenados que visam o adimplemento e que não mais
aceitam que se pretenda colocar na vontade inicial dos contratantes todo o
desenvolvimento futuro e progresso que a relação contratual terá161.
Por esta razão é que caberá ao julgador analisar dentro e conforme a
dinâmica de uma relação contratual em concreto, de forma objetiva, a
imprevisibilidade do fato. E, nesta medida, aferir se para aquele contrato
observado em termos objetivos o fato é imprevisível, anormal, anômalo e traz,
pela mesma razão, consequências imprevisíveis 162. Isto, tendo em vista que, o
imprevisível qualifica o fato163, sobretudo se as suas graves repercussões na
execução do contrato extrapolam os riscos próprios estabelecidos pelos
contratantes e geram um risco extraordinário.164/165
Sendo assim, será imprevisível o que é anormal ao contrato, que foge à
álea contratual posta. E daí compreender que os elementos extraordinário e
imprevisível se relacionam de forma harmónica e não só se relacionam, mas a
extraordinariedade fortifica o que deve ser entendido por imprevisibilidade. E
que, somente os riscos absolutamente anormais, que nenhum cálculo racional
económico seria capaz de considerar como hábil de desequilibrar a relação
contratual, é que podem levar à resolução do contrato166/167.

159 KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 55.


160 Ao comentar o Código Civil brasileiro ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 10,
refere que a eclosão de fato superveniente deve vir a alterar a base negocial, muito embora a
codificação brasileira não seja deveras clara neste sentido.
161 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 617; SILVA, Luis

Renato Ferreira da. Princípios do Direito das Obrigações (p. 46-67). In: Obrigações. Instituto de
Direito Privado – IDP. Editora Atlas. São Paulo. 2011. p. 49 e ss.; SILVA, Clóvis do Couto e. A
obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 20.
162 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 618.
163 Neste sentido coloca ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 9 ss, que o

“imprevisível” conforme consta da lei, deve ser efetivamente interpretado como imprevisível
enquanto qualificador do fato e não como imprevisto porque não previsto pelas partes, o que
descreve o estado de espírito dos agentes.
164 KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 157.
165 De forma a relacionar a extraordinariedade com os riscos impróprios do contrato:

ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 9 ss.; AGUIAR JUNIOR, Ruy de.
Comentários..., 2011, p. 898-903; a considerar a necessidade de eclodir o evento fora dos riscos
próprios do contrato: KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 56-61.
166 ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 9 ss.
167 São exemplos do que se pretende abarcar dentro dos conceitos de imprevisibilidade e

extraordinariadade: eventos atinentes a fatores políticos, históricos, econômicos, financeiros,


legais ou tecnológicos que causam algum tipo de dano econômico aos contratantes, porque,
43

O referido acima demonstra o alcance geral que devem ter os eventos a


serem considerados para o fim de incidência da norma. Assim como, que devem
ser estes genericamente aplicáveis a toda e qualquer pessoa que se encontre
na posição em que estão as partes do contrato a ser eventualmente
alterado168/169.
Por fim, no contexto jurídico brasileiro, no que toca à extraordinariedade
e imprevisibilidade dos eventos, estes conceitos não se limitam à ocorrência do
fenômeno em si, podendo ser respeitantes ao grau, a quantidade ou a dimensão
do fenômeno170. É, destarte, neste sentido exposto que devem ser interpretados
alguns dos enunciados do Conselho da Justiça Federal: notadamente, o de nº
366 que define: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade
excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da
contratação”171; e o de nº 175, que assegura: “A menção à imprevisibilidade e à
extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada
não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em
relação as consequências que ele produz”172.173
Afora os citados requisitos, o artigo 478 do Código Civil brasileiro ainda
dispõe sobre a necessidade da «prestação de uma das partes se tornar

sendo objetivamente extraordinários e imprevisíveis, interferiram na relação contratual das partes


(Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações..., 2011, p. 1).
168 GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 214-215; FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva
Onerosidade Superveniente: uma análise dos julgados do STJ. In: MARTINS-COSTA, Judith et
al. Modelos de Direito Privado. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 228.
169 No mesmo sentido: TRIBUNAL de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 1012500-

48.2015.8.26.0037. Julgamento 24 de maio de 2016.


170 Em voto do Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício que a inflação era e após o Plano

Bresser voltou a ser previsível quanto à sua ocorrência, todavia não significa dizer que os índices
da inflação são sempre previsíveis pelo homem comum, mediano e que sejam, na dimensão que
se apresentaram integrantes do risco do negócio. TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul.
Apelação Cível, nº 586053548. Julgamento em 24 de março de 1987.
171 BRASIL. CJF – Enunciados. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2006-nov-
12/cjf_disponibiliza_125_enunciados_jornada?pagina=6>.
172 O enunciado revela que mesmo fatos previsíveis em um contexto como a guerra, alta de

inflação, greve, podem ser qualificados, em uma relação contratual em concreto, imprevisíveis e
extraordinários, porque, conforme a dinâmica de um determinado contrato, a intensidade das
consequências da eclosão de um evento como estes pode não ser pertinente aquela contratação
porque no curso natural das coisas não poderia influir no contrato (Cfr. FARIAS, Cristiano Chaves
de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 617-618). Ademais disto, obstante se esteja a falar
do CJF, não está em foco qualquer questão relativa aos contratos com a Administração Pública,
eis que as especificidades destes não são objeto de estudo no presente trabalho.
173 Desta mesma forma cumpre entender os «motivos imprevisíveis» constantes do artigo 317

do Código Civil. Na medida em que não há sentido em recorrer à psique dos contratantes para
determiná-los pois, seria voltar ao subjetivismo e voluntarismo que não é o que se pretende neste
seio (KHOURI, Paulo Roque A. A revisão…, 2006, p. 31-34).
44

excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra». O que o instituto


visa abarcar neste tocante é a eclosão de um evento superveniente,
extraordinário e imprevisível capaz de afetar o sinalagma funcional do contrato
e, por esta razão, causar um desequilíbrio económico entre a prestação e a
contraprestação determinante para originar uma perda de reciprocidade entre
ambas174.
Está aqui em causa o contrato como um todo, desde sua base que
comporta as circunstâncias causais da contratação e não as aspirações
contratuais de apenas um dos contratantes175. Neste sentido dispõe o enunciado
nº 365176 do Conselho de Justiça Federal. Isto, dado que assegura que mesmo
não sendo demonstrado plenamente o empobrecimento de uma das partes
contratantes e o enriquecimento da outra é possível requerer a resolução
contratual invocando a onerosidade excessiva superveniente, porque havendo
uma alteração anormal na base do negócio, a qual é comum para ambas as
partes, fica claro que a relação contratual como um todo fora afetada e é isto
que, em verdade, se pretende evitar.177/178
Daí porque considerar que a onerosidade excessiva para uma parte
poderá se verificar quando a prestação ficar muito além daquilo que havia sido

174 FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 220-224.; ASCENSÃO, José de Oliveira.
Onerosidade..., 2007, p. 528-529; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Direito..., 2011, p. 616.; GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 215.
175 Ressaltando que não está em causa para a aplicação do instituto da onerosidade excessiva

as expectativas subjetivas dos contratantes e sim a comutatividade da contratação: SUPERIOR


Tribunal de Justiça. T3 – Terceira Turma. Recurso Especial nº 977.007 - GO (2007/0189135-0).
Julgamento em 24 de novembro de 2009.
176 Enunciado 365 do CJF: «A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como

elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou


revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração
plena». CONSELHO da Justiça Federal. IV Jornada de Direito Civil. Enunciado aprovados. [Em
linha]. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/483. Acesso em: 20 de set.
2017.;
177 Neste sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 618-

619; e; TARTUCE, Flávio. Manual..., 2016, p. 661.; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração...,
2004, p. 9 ss.
178 Este entendimento não é unívoco no seio do Direito Civil brasileiro. Por isto é possível deparar-

se com decisões jurisprudenciais e posicionamentos doutrinários que exijam a demonstração,


além da onerosidade excessiva para uma parte, da vantagem extrema para a outra, sob pena
de não operar a revisão ou resolução contratual por onerosidade excessiva superveniente (Neste
sentido: TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível, nº 70056528912.
Julgamento em 16 de julho de 2015; TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível
nº 70027440049. Julgamento em 14 de abril de 2009; TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do
Sul. Apelação Cível nº 70026697029. Julgamento em 29 de abril de 2009. TRIBUNAL de Justiça
do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70028802635. Julgamento em 22 de julho de 2010).
45

objetivamente pactuado179/180. E mais, daí porque não há que, necessariamente,


demonstrar ter decorrido vantagem excessiva para a contraparte181.182
Além dos requisitos enumerados, a incidência do instituto da
onerosidade excessiva superveniente também não se justifica quando a parte
que pede a revisão tiver incorrido em mora (inadimplemento relativo), tratando-
se esta de mora culposa, ou estiver definitivamente inadimplente183/184. Este
pressuposto não consta expresso na norma, porém o entendimento deve se dar
nestes termos: a uma, porque cabe neste tocante seguir a sistemática da regra
tradicional constante do Código Civil brasileiro no artigo 399185, primeira parte; a
duas, porque inexiste qualquer manifestação, nos preceitos legais que dão
origem à revisão por onerosidade excessiva superveniente, de tratar-se de uma
exceção quanto à mora186.
Demonstrado, através da comprovação cumulativa dos elementos acima
enumerados, que o circunstancialismo do contrato restou desequilibrado, poderá

179 KHOURI, Paulo Roque A. A revisão…, 2006, p. 113.


180 A onerosidade excessiva poderá se verificar porque passou a existir um sacrifício maior para
produzir ou para comprar o bem devido como prestação; porque a nova situação implicou um
custo abrasador para o bem que já se encontra no património do devedor; porque houve variação
no tempo e por conta do lugar, conforme decorre no casos em que a alteração do local da entrega
da prestação, por circunstâncias alheias; situação que configuram um agravamento quantitativo
no curso da prestação (AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 905 e 908). A mais,
também poderá se verificar quando o fato superveniente, embora não desencadeie nenhuma
flutuação do valor da prestação, impeça a realização do fim negocial estabelecido pelas partes
contratantes (KHOURI, A revisão..., 2006, p. 74-77).
181 FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 220-224.; ASCENSÃO, José de Oliveira.

Onerosidade..., 2007, p. 528-529.; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.


Direito..., 2011, p. 616.; GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 215.
182 A mesma exigência se verifica no âmbito do artigo 317º do Código Civil na medida em que ao

falar em «desproporção manifesta» está visando tratar daquilo que foge ao equilíbrio contratual,
porque as prestações, em decorrência da alteração advinda, passaram a ser manifestamente
desproporcionais (KHOURI, Paulo Roque A. A revisão..., 2006, p. 31-34).
183 Entendendo a mora como pressuposto para aplicação dos artigos 478º a 480º do Código Civil:

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários..., 2009, p. 311.; AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Extinção...,
2004, p. 919-920.; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 619-
620.
184 Pela possibilidade do pleito de resolução ou revisão contratual mesmo que em mora o

requerente lesado: TARTUCE, Flávio. Manual..., 2016, p. 662-663.


185 Art. 399. «O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa

impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso;
salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
oportunamente desempenhada». Este dispositivo imputa ao devedor em mora a
responsabilidade pelo seu inadimplemento relativo mesmo que a impossibilidade seja resultante
de caso fortuito ou força maior.
186 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários..., 2009, p. 311; AGUIAR JUNIOR, Ruy de.

Extinção..., 2004, p. 154-160.


46

o lesado promover ação judicial para se liberar da sua prestação 187. Tanto o
pedido resolutório quanto o pedido revisório deverão ser fundados nos artigos nº
317 e 478 a 480 do Código Civil188.
Muito embora os artigos 478 a 480 (que tratam expressamente da
onerosidade excessiva superveniente no Código Civil) não disponham
expressamente sobre a possibilidade de revisão do contrato, a preferência do
sistema jurídico brasileiro tem se firmado pela revisão quando o caso assim
admitir189, por três razões que seguem dispostas.
Primeiro, em virtude do princípio material da justiça contratual, que
recepciona o princípio do equilíbrio entre as prestações nos contratos
comutativos (e, por vezes, aleatórios)190. Segundo, porque o mercado tem
interesse na manutenção dos acordos de vontade e ao fazê-lo, por meio da
revisão, está, adentro da sistemática jurídica brasileira, em conformidade com o
princípio da função social do contrato191. Terceiro, porque o sistema jurídico
brasileiro possibilita o deferimento de menos do que foi pedido pelas partes,
desde que não se modifique a natureza ou o objeto da lide192.
De mais, por não constar a possibilidade revisional no corpo da regra
dos artigos 478 a 480, o pedido de revisão contratual por excessiva onerosidade
superveniente deverá ser fundado de modo a cumular os artigos 317 - que está
situado no Título III, “Do adimplemento e extinção das obrigações”, Capítulo I,
“Do pagamento”, Seção III, “Do objeto do pagamento e sua prova” - e 478 do
Código Civil193. Eis que, na mais remota raiz do artigo 317 do Código Civil, é
possível identificar estar subjacente a este a regra da cláusula ‘rebus sic

187 GOMES, Orando. Contratos..., 2008, p. 218; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições...,
2013, p. 143-146.
188 Cfr: AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários… 2011, p. 920. Ademais, também refere

AGUIAR JUNIOR, Extinção..., 2004, p. 160, que existe a possibilidade de a alegação de


inexigibilidade da obrigação por onerosidade excessiva em sede de defesa não limitar a
necessidade de requerimento em ação própria de resolução ou revisão contratual. Para tanto,
recomenda que o devedor avise, previamente, o credor da impossibilidade de pagamento e
assim possibilitar a proposição, em tempo útil, da modificação das cláusulas do negócio.
189 TARTUCE, Flávio. Manual..., 2016, p. 658-664.
190 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 614.
191 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 925-926.
192 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 925-926.
193 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 614.; AGUIAR

JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 911-917. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé..., 2015,
p. 593.; DINIZ, Maria Helena. Código..., 2010, p. 399.
47

stantibus’194. Em decorrência do que está subentendido a tal regra, é que caberá


comprovar, para o caso de se pretender a revisão contratual em decorrência da
excessiva onerosidade superveniente, os requisitos exigidos pela exegese do
artigo 478 do Código Civil retro relacionados195.196
Procede deste modo fazer pois, pautar-se apenas na redação do artigo
478 e seguintes poderia desvirtuar o entendimento que deve ser atribuído à
norma. E poder-se-ia acabar por deixar com que apenas o devedor viesse a se
beneficiar da incidência do instituto da onerosidade excessiva superveniente.

194 O reconhecimento nestes termos decorre na medida de uma interpretação hermenêutica e


teleológica da norma, a qual leva à identificação no campo contratual do princípio do equilíbrio
contratual que impõe o reequilíbrio das prestações quando a relação jurídico-econômica do
contrato sobejar gravemente afetada pela superveniência de circunstâncias. Para a interpretação
hermenêutica e teleológica do artigo 317 do Código Civil deve-se recorrer as «normas de
direcionamento» do direito constitucional, que são extremamente relevantes para a interpretação
da legislação infraconstitucional e se identificam com os princípios da ordem econômica,
traduzidos no solidarismo ou na socialidade e que, no campo contratual se identificam com o
princípio do equilíbrio contratual (Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários... 2009, p. 298 e
ss).
195 Para a incidência da norma constante do artigo 317º do Código Civil, a qual está incluída no

Título III – Do inadimplemento e extinção das obrigações, Seção “Objeto do pagamento e sua
prova”, necessário o preenchimento dos seguintes pressupostos: i) Haja obrigação a ser
adimplida em momento posterior ao da sua origem – contratos de execução; ii) Superveniência
de motivos imprevisíveis, quer dizer, fatos imprevisíveis quando do nascimento da obrigação,
determinantes de alteração do valor da prestação – conceitos de extraordinário e excepcionais;
iii) desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o valor do momento da execução
– excessiva onerosidade para um e extrema vantagem para outro, bem como os demais referidos
para a aplicação do art. 478 do Código Civil (Cfr. AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários...,
2011, p. 912. Também pela exigência de comprovação dos mesmos requisitos: KHOURI, Paulo
Roque A. A revisão..., 2006, p. 31-34).
196 Não obstante o posicionamento aqui considerado, cabe referir que no Direito brasileiro

também há quem justifique a possibilidade de revisão em razão de excessiva onerosidade


superveniente nos próprios artigos 478 a 480 do Código Civil. O fazem sob o argumento de que
cabe proceder a uma interpretação extensiva destes dispositivos no que respeita a eficácia da
norma. Assim como, asseguram que fundamentar o pleito nestes dispositivos assegura a
observância dos requisitos elegíveis da onerosidade excessiva superveniente. (Pela
interpretação extensiva do artigo 478 a 480 do Código Civil se posicionam: AGUIAR JUNIOR,
Ruy de. Extinção..., 2004, p.152-160; FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 215-248.;
GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 216-217). Entende FRANTZ, Laura Coradini.
Excessiva..., 2014, p. 245-246, que o art. 317 trata da revisão específica das prestações
pecuniárias, que tenham se tornado desproporcionais durante a execução do contrato. Ademais
disto, ressalta que a desproporção por este artigo referida será em relação a ela própria, ou seja,
a mesma prestação será analisada em dois momentos, quando houve a formação do contrato e
quando da sua execução. Deste modo, admite que nas hipóteses em que os contratos não
versarem sobre prestações pecuniárias terá aplicação a regra do art. 478º e seguintes do Código
Civil. Para além disto, a extensão da interpretação suprarreferida é entendida como justificada
no sistema civil brasileiro por este ser um sistema móvel, que comporta a mitigação da rigidez
dos dispositivos referidos por intermedio de uma atividade integrativa judicial no sentido de
recepcionar as cláusulas gerais em outros setores do Código Civil, para que sejam aplicados os
valores e princípios mais adequados ao caso concreto (Cfr: FARIAS, Cristiano Chaves de.;
ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 621). Neste sentido se apresenta o enunciado nº 176
do Centro de Estudos Judiciários: «Em atenção ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão
judicial dos contratos e não à resolução».
48

Tal, porque, o instituto somente possibilita o recurso à resolução (ou modificação,


conforme sobredito) pelo devedor, de modo que o credor afeto por excessiva
onerosidade superveniente poderia restar desprotegido.197
Uma vez proposta a ação resolutória ou revisória, poderá o demandado,
nos termos do artigo 479 do Código Civil brasileiro, propor, equitativamente, a
modificação do contrato. A proposta do requerido poderá se dar no sentido de
reduzir a prestação a ser cumprida pelo demandante, aumentar a
contraprestação a ser feita por ele, ou ainda oportunizar outra alteração que seja
relevante para superar a onerosidade advinda.198
À luz deste dispositivo cabe entender que fora introduzida à ordem
jurídica civil brasileira no contexto da onerosidade excessiva superveniente a
equidade como critério de ajustamento do contrato199. E, diga-se, não fora tal
feito de forma a oportunizar a revisão equitativa apenas pelo demandado, mas
também pelo julgador quando entenda mais adequado ao caso concreto,
fundado na equidade, a revisão em preferência à resolução. No entanto, diante
desta última hipótese não cabe entender que o magistrado poderá revisar, ex
officio, o contrato, sobretudo porque isto é vedado no que toca a matéria de
interesse imediato privado e direito indisponível 200. Deverá, entretanto, fazê-lo
após ouvir o demandado.201
Ao fundar a decisão na equidade restará o desígnio de ajustar o contrato
alterado à nova realidade, segundo os mesmos critérios utilizados pelas partes
aquando da celebração do negócio. Especialmente no que trata à distribuição
dos custos, do lucro, da responsabilidade e dos riscos202.

197 KHOURI, Paulo Roque A. A revisão…, 2006, p. 29-31.


198 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários…, 2011, p. 933-935.
199 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 936.
200 FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 621.
201 Estes termos restam confirmados pelo enunciado nº 367 formulado na IV Jornada de Direito

Civil organizada pelo Conselho de Justiça Federal. O faz ao estabelecer que se deve atribuir um
alargamento aquando da interpretação do artigo 479º do Código Civil e possibilitar ao julgador,
nas ações que tenham por objeto a resolução do contrato por excessiva onerosidade, modificar
o contrato, por equidade, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado
o contraditório. Prescreve referido enunciado: «Enunciado nº 367: Art. 479. Em observância ao
princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por
excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora,
respeitada a sua vontade e observado o contraditório». Ademais disto, o que se pretendeu com
este pronunciamento foi preservar o vínculo dos particulares contratantes, consoante o princípio
da conservação do negócio jurídico (Cfr: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Direito..., 2011, p. 621).
202 AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 937.
49

A modificação poderá se dar para alterar a quantidade, a qualidade,


circunstância da prestação, prazo de cumprimento, obrigações acessórias.
Deve, ainda, impor-se quando for possível avaliar o sentido inicialmente
construído pelas partes e restabelecê-lo ou ao menos chegar próximo ao que
era de intento dos contratantes203. Todavia, caso reste a impossibilidade de
discernir a equação econômica do contrato, o sentido que constitui a sua justiça
interna e corrigir o desequilíbrio desencadeado, deverá o julgador optar pela
resolução contratual204. Esta é a solução brasileira para os casos de
desequilíbrio superveniente no domínio dos contratos civis.205

CAPÍTULO II: AS SOLUÇÕES TRAZIDAS PELOS DIREITOS NACIONAIS DO


COMMON LAW

Os ordenamentos jurídicos pertencentes a família jurídica do Common


Law206 possuem em comum o fato de não terem rececionado, propriamente, o

203 Cfr: FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 233. No mesmo sentido, ao tratar da
equidade na alteração de circunstâncias do direito português, assim se posiciona:
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 375-376;
204 Ao tratar da forma que a equidade deverá se operar no Direito português aquando da revisão

ou resolução contratual por alteração de circunstâncias: VASCONCELOS, Pedro Pais de.


Teoria… 2015, p. 377.
205 A resolução do contrato em razão da onerosidade excessiva superveniente difere das demais

modalidades resolutórias previstas no Código Civil brasileiro primeiramente porque nas situações
em que se operar a extinção contratual por onerosidade excessiva superveniente não haverá,
necessariamente, a perda do interesse pelo adimplemento. De mais, pois, inexiste uma
impossibilidade absoluta em cumprir com a obrigação estabelecida, o que há é uma extrema
dificuldade (Cfr: FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direito..., 2011, p. 613.;
GOMES, Orlando. Contratos..., 2008, p. 214). A sentença judicial que resolver o contrato terá
efeito retroativo e nos termos do artigo 478º os efeitos retroagem à data da citação (Cfr: FRANTZ,
Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 234). Assim, caso o contrato seja de execução única e
diferida, as partes voltam à situação anterior, situação esta condicionada à data da citação.
Todavia, caso se trate de contrato de execução periódica ou continuada, haverá necessidade de
excepcionar a regra do art. 478 acerca dos efeitos pois, as prestações satisfeitas não serão
atingidas, vez que estas serão consideradas exauridas (Cfr: GOMES, Orlando. Contratos...,
2008, p. 219). Para este caso, por analogia, os efeitos deverão ser equiparados à hipótese de
resilição contratual (Cfr: FRANTZ, Laura Coradini. Excessiva..., 2014, p. 235).
206 Conforme leciona CORDEIRO, António Barreto Menezes. Do Trust no Direito Civil. Coimbra:

Almedina, 2014, p. 59 e 195-196 e CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês dos
Contratos I: formação, conteúdo, vícios. AAFDUL, 2017, p. 31 e ss o termo Common Law pode
se prestar a múltiplos seguimentos. Para designar a família jurídica composta pelos sistemas de
inspiração inglesa; cada ordenamento pertencente a esta família; o Direito desenvolvido pelos
tribunais nestes ordenamentos jurídicos; as decisões jurídicas criadas pelos tribunais que apenas
aplicavam Direito Comum. Não obstante, nesta investigação prestar-se-á, salvo indicação em
contrário a referir a família jurídica composta pelos sistemas de inspiração inglesa.
50

Direito romano207, o que é considerado como fator histórico determinante à


autonomização destes sistemas jurídicos. De mais, tem como outro fator
determinante à autonomização destes sistemas a relevância de duas correntes
de pensamento, quais sejam, o liberalismo e o individualismo208, o que ressalta
a menor intervenção do Estado no domínio dos particulares. Contudo, alguns
dos ordenamentos que compõem esta família jurídica, como Inglaterra e Estados
Unidos da América, trouxeram soluções para o problema da manutenção do
vínculo contratual no caso de haver alteração das circunstâncias, de forma
semelhante ao que decorreu relativamente aos países integrantes a família
jurídica romano-germânica ao atribuírem uma outra roupagem à cláusula ‘rebus
sic stantibus’.
Entretanto, diferentemente do que acontece no domínio jurídico romano-
germânico, as fontes de direito consideradas a revelação das regras jurídicas no
que toca às alterações das circunstâncias no seio dos contratos são outras. As
leis que estes sistemas de Direito detêm são exceções e são vinculativas nos
exatos termos em que dispõem. Isto implica considerar que não cabe estender
a interpretação legal para domínio que esteja além daquele que foi determinado
pela regra positiva. A lei incide ao exato domínio por ela demarcado. Então,
quando não houver solução legal, necessário será ter atenção as razões de
direito trazidas no common law, criado pelos tribunais.209
Notadamente em Inglaterra, a jurisprudência, também chamada de case
law, é a principal fonte de Direito para o fim de revelação das normas a se
aplicarem aos casos de desequilíbrios supervenientes no domínio dos contratos.

207 Consoante refere VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015. p. 225 e ss.; VICENTE,
Dário Moura. O lugar dos sistemas jurídicos lusófonos entre as famílias jurídicas. (p. 11-44). In:
Studos em comemoração do quinto aniversario do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e
Sociais. Vol I. Praia, Setembro, 2012. p. 20, a despeito de os territórios que integram, sobretudo
a Inglaterra, terem pertencido ao Império Romano durante cerca de quatro séculos, não há nos
dias atuais vestígios do Direito romano diante da Ordem Jurídica inglesa. De mais, embora tenha
sido tentada a receção deste Direito durante a Idade Média, nos tribunais ingleses houve rejeição
da aplicação pelos juristas e censura desta aplicação por decisão real. Deu-se, sobretudo em
razão do receio de que com a receção do Direito Romano as liberdades individuais consagradas
no Direito inglês fossem restringidas. Acerca da não receção do Direito romano e formação do
Common Law, cfr: CORDEIRO, António Barreto Menezes. Do Trust…, 2014, p. 65-168.
208 O liberalismo tem sua principal expressão nos escritos de John Locke (1632-1704); enquanto

que o fundador do utilitarismo foi Jeremy Bentham (1748-1832). Neste sentido cfr: VICENTE,
Dário Moura. Direito Comparado..., 2015. p. 227.
209 ASCENSÃO, José Oliveira. Interpretação das leis, integração das lacunas, aplicação do

princípio da analogia. Disponível em: https://portal.oa.pt/upl/%7B0a2c7ef5-b0a3-449f-bee8-


88db3fc0335f%7D.pdf; p. 913-941.
51

Nos Estados Unidos da América, a jurisprudência também serve como fonte de


direito no que respeita aos desequilíbrios superveninentes no seio dos contratos.
Outrossim, há aplicação de algumas leis específicas como o Uniform
Commercial Code (UCC), que se trata de um Código do Direito vigente, adotado
por cinquenta Estados norte-americanos, ainda que alguns deles não o tenham
aderido na integralidade. Igualmente a doutrina, que serve com bastante força
para apoiar as decisões judiciais e os Restatements of the law. Superada estas
diferenciações gerais, passa-se a explicar as soluções trazidas por estas
jurisdições. 210

1.1. A SOLUÇÃO INGLESA

Frente ao Direito inglês, relativamente a aferição acerca da possibilidade


de as partes se desobrigarem dos contratos firmados em razão de desequilíbrio
superveniente no seio dos contratos, conforme sobredito, cabe recorrer à
jurisprudência211. Fora, notadamente com recurso a «retiones decidenti», que
contém as razões de Direito da decisão, que se pôde chegar aos princípios e
conceitos de common law hábeis a resolver as questões de desequilíbrio
superveniente. Mormente a partir do caso Taylor v. Caldwell, julgado em 1863,
incumbiu ao intérprete trabalhar o precedente de forma a extrair os princípios
que deram origem aos conceitos de «impossibility» e «frustration of purpose»,
consoante se passará a explicar.212
Até meados do século XIX os tribunais reais ingleses posicionavam-se
de forma bastante restritiva e pela impossibilidade de proceder a alteração do
plano contratual ou determinar a desvinculação das partes dos seus contratos.
Designadamente quando provocados para se manifestarem acerca das
situações em que tivesse havido alteração das circunstâncias que fundaram a

210 Isto porque, a partir da jurisprudência surgiram os precedentes vinculativos «stare decisis»
que impõem a obrigação aos tribunais de seguir as questões de Direito («rationes decidenti»)
que tiverem sido consideradas em casos com fatos análogos, o que decorreu neste domínio)
(Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…., 2015. p. 240, 255-260 e ss, 320-327; TIMM,
Luciano Benetti. Common Law e Contract Law: uma introdução ao Direito contractual norte-
americano. Ano 1 (2012), nº 1, 525-572. Disponível em: http://www.idb-fdul.com/. p. 532).
211 Cumpre observar, conforme leciona CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…,

2017, p. 31 e ss, que o Direito contratual inglês é produto de inúmeras decisões dos tribunais
centrais.
212 Cfr: ASCENSÃO, José de Oliveira. Interpretação…, p. 913-941.
52

contratação e estas alterações tivessem sido responsáveis por tornar o


cumprimento do contrato impossível ou extremamente difícil.213
O caso mais famoso que demonstra a prevalência do princípio do
«sanctity of contract» em Inglaterra é conhecido como Paradine v. Jane e datado
do século XVII. Resumidamente, tratou-se este de um caso em que o
arrendatário foi processado devido à falta de pagamento da renda. Entretanto,
para se escusar das penalidades que lhe estavam sendo impostas, alegou ter
sido suprimido da posse do imóvel objeto da locação por um exército estrangeiro,
situação que motivou sua recusa quanto ao pagamento da renda. Não obstante
as alegações e ter havido alteração da situação de fato, a Corte entendeu que
quando a lei cria um dever (um encargo) e a parte não está hábil a cumpri-lo,
pode a lei escusá-lo. Mas quando as próprias partes criam obrigações em seus
contratos privados, devem cumpri-las, eis que, caso intentassem se desobrigar
em alguma hipótese, deveriam então prever esta possibilidade de desobrigação
também através de seus contratos privados.214
A despeito deste posicionamento tradicional e rígido, quase duzentos
anos depois, diante do caso Taylor v. Caldwell, julgado em 1863 pelo High Court
(Queen’s Bench Division) houve modificação do entendimento dos tribunais
ingleses a este respeito. Em suma, em consequência da impossibilidade de os
arrendatários utilizarem um imóvel que havia sido arrendado para que se desse
a realização de uma série de concertos, notadamente em virtude da destruição
deste imóvel por um incêndio. Demandaram estes face aos proprietários do
imóvel pelo ressarcimento dos danos que haviam sofridos ante a não utilização
do imóvel arrendado, alegando, na oportunidade, incumprimento do contrato. Na
altura, o juiz Blackburn J. decidiu que a existência do imóvel era uma condição
implícita para que o contrato pudesse ser cumprido. E, tendo a impossibilidade
do cumprimento do contrato decorrido pela destruição do objeto, sem culpa das

213 Cfr: BARANAUSKAS, Egidijus / ZAPOLSKI, Paulius. The effect of change in circumstances
on the performance of contract. Mykolas Romeris University, Faculty of Law, 2009, 4(118), p.
197-216, disponível em:
https://www.mruni.eu/upload/iblock/e7c/11baranauskas,%20zapolskis.pdf; p. 201 e ss; RIMKE,
Joern. Force majeure and hardship: Application in the international trade ractice with scpecific
regard to the CISG and the UNIDROIT. Principles of International Commercial Contracts, 1999-
2000, p. 7.
214 Cfr: PARADINE v. Jane. [1647] EWHC KB J5, (1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658) Sty

47, (1658) 82 ER 519 (C); CHESHIRE, Fitfoot/ FURMSTON’S. Law of Contract, 12ª ed., London
/ Dublin / Edinburgh: Butterworths, 1991, p. 569 e ss.
53

partes neste sentido, ambas restaram desobrigadas com relação ao


cumprimento de suas prestações.215
Através desta decisão da corte inglesa, deu-se a introdução à esta
sistemática jurídica da doutrina da impossibilidade, «impossibilty». Nesta
oportunidade se reconheceu haver uma condição implícita aos contratos, a qual
permitia às partes se liberarem do contrato firmado, não tendo de cumprir suas
obrigações caso houvesse impossibilidade no seu cumprimento em razão do
perecimento ou da destruição do objeto do contrato, da pessoa ou da coisa. Para
esta aferição impunha-se a análise do objeto contratual, o qual havia fundado
toda a contratação, e aquilo que as partes haviam intentado aquando do
fechamento do contrato, o que denota uma verificação da vontade das partes.216
Esta possibilidade, de verificação da vontade das partes, concedeu
muita discricionariedade às decisões das Cortes e fez com que aumentasse a
insegurança jurídica no domínio dos contratos. Passou a ficar difícil para os
contratantes precogitar o que poderia vir a ser decidido pelos tribunais diante de
determinadas circunstâncias. Como resultado desta insegurança no âmbito
contratual, iniciaram-se movimentos no sentido de se desenvolverem novas
soluções jurídicas a se operarem para o preenchimento de lacunas
contratuais.217
A partir e na sequência da doutrina da impossibility foi desenvolvido
perante esta sistemática jurídica o conceito de frustration, conceito originário do
caso Krell v. Henry218, também conhecido como Coronation Case e que deu
origem à doutrina da «frustration of purpose»219. Em suma, este caso que tem
especial relevo para esta matéria trata do arrendamento de uma propriedade
para data determinada, designadamente aquela do evento de coroação do Rei

215TAYLOR vs Caldwell [1863] 3 B&S 826; CHESHIRE, Fitfoot/ FURMSTON’S. Law of


Contract…, p. 570 e ss;
216 Cfr: CHESHIRE, Fitfoot/ FURMSTON’S. Law of Contract…, p. 570 e ss; HILMMAN, Robert

A. Principles of contract law. St. Paul: Tomson, 2ª ed, 2004, XV, ISBN: 978-0-314-91162-9, p.
307 e ss «a condition is implied that the impossibilty or performance arising from the perishing of
the person or thing shall excuse the performance»; RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000,
p. 7; : BARANAUSKAS, Egidijus / ZAPOLSKI, Paulius. The effect…, 2009, p. 201 e ss;
217 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 307 e ss.
218 KRELL vs Henry, 2 K.B. 740 (1903).
219 Cfr: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 7-8; ainda sobre a doutrina da frustration,

cfr: ANDERSON, Arthur. Frustration of Contract – a rejected doctrine. In: De Paul Law Review.
Vol III, Autumn – winter 1953, number 1, (p.1-22), 1953. [Em linha]. Disponível em:
http://via.library.depaul.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3808&context=law-review. Acesso em:
01 de dez. 2018. p. 1 e ss.
54

Eduardo VII. O arrendamento firmado com o objetivo específico de possibilitar


ao arrendatário assistir ao evento de coroação, eis que o imóvel objeto do
arrendamento tinha vista privilegiada para o local da parada da cerimônia de
coroação e a vista proporcionada permitiria o acompanhamento do evento.
Entretanto, em razão de dada doença que acometeu o rei, houve o cancelamento
da parada da coroação. Diga-se, situação que foi a causa - a base - daquela
contratação e que se não existisse, o contrato sequer teria sido firmado.220
Esta situação motivou requerimento à Corte inglesa que, tendo por base
o caso Taylor v. Caldwell, o qual deu origem a doutrina da impossibilidade,
desobrigou as partes do vínculo contratual estabelecido. Reconheceu que o
acordo entabulado restou frustrado, dado que as condições verificadas ao tempo
de sua execução foram fundamental e substancialmente diferentes daquelas que
as partes tinham tomado por base aquando do fecho do contrato 221. Outrossim,
tendo por base a interpretação única da vontade das partes, trouxe a ideia de
que o cumprimento do contrato perderia a razão de ser, segundo as diretrizes da
Corte, no caso de, em decorrência de um ato de Deus, haver alteração das
circunstâncias do contrato de modo a tornar as novas circunstâncias, que
passaram a existir, totalmente diferentes daquelas que as partes haviam
previsto. Isto porque, diante desta situação, o contrato das partes fica frustrado,
pelo que restam estas deliberadas.222
A doutrina, também chamada de conceito, da «frustration» nesta altura
elaborada e que se aperfeiçoou com o decurso dos tempos lida com situações
em que o cumprimento do contrato tornou-se impossível. Notadamente porque
um evento superveniente e imprevisto tornou o cumprimento do contrato
impossível, haja vista que acabou por desencadear a frustração do propósito
principal de uma das partes do contrato223.
A frustração do propósito do contrato é verificável no caso de haver uma
alteração radical nas circunstâncias basilares ou fundamentais da contratação.

220 Cfr: KRELL vs Henry, 2 K.B. 740 (1903); CHESHIRE, FITFOOT / FURMSTON’S. Law of
Contract…, p. 574 e ss; HILMMAN, Robert A. Principles…, 2004, p. 315-316; RIMKE, Joern.
Force majeure…, 1999-2000, p. 7.
221 Cfr: KRELL vs Henry, 2 K.B. 740 (1903); HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 315-316;

RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 7.


222 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 7.
223 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305 e ss.; VICENTE, Dário Moura. Direito

Comparado…, 2017, p. 246 e ss.


55

Nesta medida porque as novas circunstâncias que se fazem presentes, as quais


foram modificadas em razão de um fato imprevisível, tornaram-se
substancialmente diversas daquelas do momento da conclusão. E, em razão da
disparidade, acabaram por viciar a base do contrato, pois trouxeram como
consequência severa modificação na natureza do contrato. De mais, nesta
hipótese acima referida, tem-se de verificar o desencadeamento de uma
acentuada diferença entre o custo previsível e o custo que a prestação
efetivamente terá no momento de sua execução.224
Em um caso como este, não cabe a sobrevivência do contrato alterado,
pois na hipótese de o contrato manter-se como válido, estar-se-á, em verdade,
frente a um novo e diferente contrato daquele existente no momento de sua
celebração. Daí porque se verifica a frustração do fim contratual e,
consequentemente, a impossibilidade de cumprimento da prestação.225
É importante notar que a alteração superveniente do equilíbrio financeiro
no seio do contrato, responsável por tornar o cumprimento da prestação devida
mais oneroso, não é causa suficiente a desobrigar a parte do cumprimento de
sua prestação. Tão somente nesta situação não se cuida de frustration; cuida-
se, porém, de hardship.226
Para além do caso referido, também é verificável a frustração em
atenção quando o evento superveniente causa um atraso em demasia no
cumprimento da prestação contratual, de modo a fazer perder o sentido o
cumprimento da prestação. Desta forma, poderá ser reconhecida a frustração do
fim visado no momento do fecho, dado que o cumprimento tardio já não mais
atende àquilo que foi pretendido no momento do fechamento do contrato227. Sem
prejuízo, entretanto, da verificação dos outros requisitos exigidos.

224 Cfr: HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph (Edit.). Unexpected Circumstances in
European Contract Law, Cambridge University Press, 2011, ISBN 978-1-107-00340-8, p. 6-7;
PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas…, 2004, p. 247-255; RIMKE, Joern. Force
majeure…,1999-2000, p. 8; DAVIS Contracts Ltd. v. Fareham Urban District Couoncil. [1956] AC
696, [1956] UKHL 3, [1956] 2 All ER 145.
225 Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas…, 2004, p. 247-255; RIMKE, Joern. Force

majeure…, 1999-2000, p. 8.
226 HONDIUS, Ewoud / GRIGOLEIT, Hans Christoph. Unexpected Circumstances…, 2011, p.

164-165; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 248.


227 Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas os contratos do comércio internacional.

Separata da Obra “Estudos de Direito Comercial Internacional Vol. I”, p. 239-269, Almedina,
Coimbra, 2004, p. 247-255; RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 8.
56

A impossibilidade de cumprir o contrato referida pela doutrina é a


impossibilidade objetiva, eis que a impossibilidade subjetiva não é capaz de
liberar as partes do cumprimento de suas prestações228. Poderá, a
impossibilidade, tratar-se de: i) impossibilidade física, a qual existirá, por
exemplo, quando houver destruição do objeto do contrato, e; ii) impossibilidade
legal, que ocorrerá, por exemplo, diante dos casos de ilegalidade229.
No caso de haver provocação da Corte para resolver casos como estes,
primeiramente dar-se-á a aferição do fato de terem as partes alocado os riscos
relativos ao contrato e a quem estes pertencem. Tendo sido feita esta alocação,
a decisão dar-se-á consoante intentado pelas partes, eis que perante esta
sistemática jurídica é dada preferência à vontade das partes. Além de ser
necessário verificar ter havido alocação explícita dos riscos, será tido em atenção
se, consoante a natureza do contrato em causa, os riscos pertencem
implicitamente a um ou outro contraente230. Na hipótese de se verificar que os
riscos não estão contemplados naquele contrato, explícita ou implicitamente,
antes da incidência da doutrina da «frustration», terá lugar o «enforcement» do
contrato. Designadamente porque aquela é, em regra, exceção do
«enforcement».231
Depois e não estando os riscos contemplados é que se passa a análise
dos requisitos e pressupostos para a aplicação do conceito de «frustration».
Fazendo-se uso de uma explicação que é familiar aos juristas romanistas, tal
decorre mediante o preenchimento de lacunas no momento em que deve se dar
a integração do contrato. Frente ao cenário inglês, o mecanismo se perfaz
através do que se chama de terms implied at common law232.
Relativamente ao preenchimento referido nas situações de frustração do
contrato consoante a doutrina da frustration, há que se considerar, em primeiro
lugar, que os tribunais ingleses são bastante restritivos no que toca ao

228 A impossibilidade subjetiva se cuida da impossibilidade decorrente da atividade de um dos


contratantes, enquanto contratante daquele contrato em particular, o que revela seu cunho
subjetivo. Verifica-se, por exemplo, quando não é suficientemente diligente a ponto de se
assegurar dos riscos que a sua atividade lhe impõe, enquanto que outros contratantes do mesmo
setor e que exercem atividade equivalente, por agirem de forma razoável, o fazem (Cfr:
HILMMAN, Robert A. Principles…, p. 309-310).
229 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 8.
230 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305-307.
231 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 249.
232 A respeito da aplicação dos terms implied at common law será destinado tratamento em

momento subsequente.
57

reconhecimento dos requisitos e da possibilidade de incidência do conceito


referido de forma exitosa233. Outrossim, perante esta jurisdição se entende que
não cabe a modificação ou o ajustamento do plano contratual às novas
circunstâncias234. A frustration traz como consequência a extinção do vínculo
contratual, que nos dizeres do Common Law trata-se de um «discharge of
contract», e a desvinculação que decorre tem efeitos ex nunc de modo que
permanecem os direitos que foram adquiridos até o momento do termo
contratual.235
A extinção do vínculo contratual pode, contudo, dar lugar à restituição de
quantias que tenham sido recebidas, assim como a compensação por despesas
que tenham decorrido236. Nestes termos constam regulados os efeitos a decorrer

233 É possível verificar a higidez do posicionamento dos tribunais ingleses no que toca aos
requisitos capazes de provocar a incidência do conceito de frustraion através de alguns julgados
dos tribunais ingleses. O primeiro a se ter em conta trata-se do caso DAVIS Contracts Ltd. v.
Fareham Urban District Couoncil. [1956] AC 696, [1956] UKHL 3, [1956] 2 All ER 145. Neste caso
os demandantes haviam contratado a construção de 78 casas por um preço fixo e com o prazo
de entrega oito meses. Devido a atrasos imprevisíveis nas obras, mau tempo e outras razões
que fizeram com que a conclusão das obras se desse em vinte e dois meses e houvesse um
acréscimo significativo nos custos, 17.000 libras a mais do que o que havia sido inicialmente
contratado. Pleitearam, os empreiteiros, por reparação em razão da frustração do contrato.
Inobstante as alegações, a Câmara dos Lordes entendeu que não havia frustração, porque não
é a dificuldade, os inconvenientes ou perdas materiais que dão causa a incidência da doutrina.
Deve haver, para além destas questões, uma grande alteração da obrigação de modo a torná-la
diferente dos termos contratados. Também se pode perceber estas questões através dos
julgados que derivaram dos casos relativos ao Canal de Suez, suprarreferidos.
234 Acerca da impossibilidade de revisão do contrato quando houver a incidência da teoria da

frustration não há unanimidade. Entende, PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas…, 2004,
p. 249, que o tribunal, neste caso, poderá adaptar ou terminar o contrato.; do caso conhecido
como: STAFFORDSHIRE Area Health Authority v. Staffordshire Staffs Waterworks Co, [1978] 1
WLR 138, [1978] 3 All ER 769, é possível notar o posicionamento dos tribunais ingleses no
sentido de desobrigar as partes de suas prestações e deixar com elas acertem novos termos
mediante a celebração de um novo contrato. Em suma, este caso teve em atenção um contrato
de fornecimento de água, celebrado no ano de 1919 entre um fornecedor e um hospital. Este
tinha como objeto a distribuição de água a qualquer tempo para o hospital e por um preço fixo.
Não obstante o acordo entabulado, no ano de 1975, a prestação do fornecedor fora afetada pela
inflação. Daí porque pretendeu desobrigar-se de sua prestação. À luz deste caso, a Corte
entendeu que havia decorrido uma mudança radical desde o momento em que o contrato foi
celebrado (50 anos antes), o que motivou a desobrigação das partes com relação ao contrato
entabulado, para que posteriormente, e de modo a atender as suas necessidades, celebrarem
novo contrato.
235 Cfr: CHESHIRE, FITFOOT / FURMSTON’S. Law of Contract…, 1991, p. 583 e ss; RIMKE,

Joern. Force majeure….,1999-2000, p. 8. ; Sobre as consequência da desvinculação, cfr: LAW


Reform (Frustrated Contracts) Act, 1943, Chapter 40, London: Published by her Majesty’s
Stationery Office, 80p net, ISBN 1 10 850064 0. [Em linha]. Disponível em:
http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1943/40/pdfs/ukpga_19430040_en.pdf. Acesso em: 17 de
jun. de 2018; BARANAUSKAS, Egidijus / ZAPOLSKI, Paulius. The effect…, 2009, p. 201-204.;
RODRIGUES, António José. Alteração das circunstâncias e eficácia vinculativa do negócio
jurídico. In: Revista Jurídica AAFDL, ed. nº 30, 2016, p. 167 e ss 2016.
236 Cfr: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 8; LAW Reform (Frustrated Contracts)

Act, 1943, Chapter 40, London: Published by her Majesty’s Stationery Office, 80p net, ISBN 1 10
58

através da extinção do contrato em virtude da incidência da doutrina da


frustration, no Law Reform (Frustrated Contracts) Act 1943237.
Restringir a consequência à extinção do vínculo encontra justificativa
sobretudo no fato de os tribunais ingleses terem, tradicionalmente, o
posicionamento no sentido de intervenção mínima no domínio dos contratos
entre privados. Três são os principais fundamentos que se encontram
subjacentes a esta justificativa e que merecem destaque.
Primeiro porque o Direito inglês tem um forte viés não paternalista 238.
Segundo, em decorrência do princípio do «sanctity of contracts» que vigora sob
esta jurisdição e traz a ideia de que o contrato é sacrossanto para as partes, eis
que as partes ficam obrigadas àquilo que acordaram239. Nesta medida, quando
uma parte houver assumido um ónus em razão da celebração de um contrato,
deverá cumpri-lo porque está vinculada a atendê-lo. Não pode se desobrigar
deste dever pois, caso intentasse, em alguma hipótese a desobrigação com
relação a este, deveria então ter feito constar esta possibilidade, de forma a se
prevenir, no contrato celebrado.240
Depois por conta da salvaguarda ao princípio da liberdade contratual
«freedom of contracts»241. Este coloca a ideia de que as partes têm ampla
liberdade para acertar os termos daquilo que se vinculam. E é por conta disto
que se faz preferível a determinação da desvinculação do plano do contrato. Ao
possibilitar a extinção do vínculo às partes, as consequências aplicáveis serão
aquelas, mesmo que indiretamente, decorrentes da solução negociada.
Noutra senda, mas também da ideia de mínima interferência do Estado
no domínio dos contratos privados, extrai-se o motivo de os tribunais ingleses
serem muito mais restritivos e rigorosos na verificação e reconhecimento dos

850064 0. [Em linha]. Disponível em:


http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1943/40/pdfs/ukpga_19430040_en.pdf. Acesso em: 17 de
jun. de 2018.
237 LAW Reform (Frustrated Contracts) Act, 1943, Chapter 40, London: Published by her

Majesty’s Stationery Office, 80p net, ISBN 1 10 850064 0. [Em linha]. Disponível em:
http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1943/40/pdfs/ukpga_19430040_en.pdf. Acesso em: 17 de
jun. de 2018.
238 CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…, 2017, p. 175 e ss.
239 PARRY, David Hughes. The Sanctity of Contracts in English Law. Londres: Stevens & Sons

Limited, 1959, p. 1-77.; CORDEIRO-MOSS, Giuditta. Boilerplate Clauses, Commercial Contracts


and the Applicable Law. p. 263 e ss. Cambridge: University Press. 2011. p. 278 e ss.
240 PARADINE v. Jane. [1647] EWHC KB J5, (1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658) Sty 47,

(1658) 82 ER 519 (C).


241 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado… 2017, p. 248 e ss.
59

requisitos que podem embasar a incidência da doutrina. Somente situações


muito específicas é que poderão dar causa à aplicação da doutrina.
Sendo assim, não se faz possível a readaptação do contrato pelo juiz
quando houver a incidência da doutrina da frustration of purpose242. O que
denota uma aplicação prática do conceito de frustration of purpose muito restrita
e ressalta a diferença entre a solução inglesa e as soluções romanistas para
casos similares. Em suma, esta é solução do contexto jurídico inglês ao
problema da manutenção do vínculo das partes aos contratos privados
desequilibrados em razão da alteração superveniente das circunstâncias.243

1.2. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Relativamente ao Direito norte-americano, as soluções trazidas por esta


ordem jurídica para que as partes se vejam desobrigadas do cumprimento de
suas prestações em razão de acontecimentos supervenientes, que acabaram
por alterar o circunstancialismo do contrato, restam patentes através das
doutrinas da supervening frustration e impracticability of performance.
Ambas, no que toca a sua formulação, sofreram influências do contexto
jurídico inglês, sobretudo daquelas que advieram com o caso Taylor v. Caldwell
suprarreferido. Mormente a doutrina da frustration passou a ser aplicada nos
Estados Unidos da América pelos tribunais que foram provocados na sequência
da proibição de comercialização de bebidas alcoólicas que se deu através da
XVIII Emenda à Constituição Federal e da National Prohibition Act, pelos
arrendatários, vendedores de bebidas alcoólicas, que viram seus negócios
afetados pelo impedimento referido. E, por esta razão, visavam se desobrigar de
seus contratos de arrendamento.244

242 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 8.


243 Sobre a restrição da aplicação prática da doutrina, refere: ARAÚJO, Fernando. Teoria
económica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 629.
244 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 246-247.; Sentença proferida em 2 de

Dezembro de 1921 pelo Supremo Tribunal do Estado de Nova Iorque, Appelate Division, em
COURT of Appeal. Appelate Division, em Doherty v. Monroe Eckstein Brewing Co., 191 N.Y.S.
59; Cfr: WEISKOPF, Nicholas R. Frustration of Contractual Purpose – Doctrine or myth? In: t.
John’s Law Review, vol 70, Issue 2 Volume 70, Spring 1996, Number 2, Article 3, March 2012,
disponível em:
https://scholarship.law.stjohns.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&httpsr
edir=1&article=1607&context=lawreview.
60

As referidas doutrinas encontram seus traçados tanto no Uniform


Commercial Contracts (UCC)245, o qual se cuida de um Código do Direito vigente
e nesta medida, de Direito positivo246. Como também no Restatements Second
of Contracts, instrumento este que não detém caráter vinculativo, mas tem valor
persuasivo.247 Cuidam-se, ambos, das principais fontes de direito com o fim de
revelação das normas jurídicas frente aos casos de desequilíbrios
supervenientes em razão de terem sido alteradas as circunstâncias, no âmbito
do Direito norte-americano.
A doutrina da supervening frustration248 estabelece que poderá haver
desobrigação do cumprimento da prestação quando houver frustração do objeto
principal do contrato, em razão do advento de um evento superveniente. Em
termos gerais, institui que se trata de frustração superveniente o acontecimento
que se dá no momento ou após a conclusão do contrato e é responsável por
frustrar, de forma substancial, o principal objetivo da parte cuja prestação fora
afetada. A frustração referida pode ocorrer em dois momentos distintos: aquando
do fechamento do contrato; ou depois do fechamento do contrato, ou seja, na
fase de execução contratual. A depender do momento da eclosão do fato, sequer
nasce a obrigação contratual da parte afetada.249
Para além disto, a referida frustração deve ter sido causada pela eclosão
de um evento imprevisível e extraordinário. Para esta doutrina será imprevisível
o evento cuja não ocorrência deve ter sido considerada para viabilizar a
contratação consoante aconteceu. Também não pode se tratar de evento cuja
ocorrência tinha, a parte que invoca a incidência da doutrina, condições de saber
sobre a possibilidade de eclodir e incidir no seio do contrato. Ainda, será
extraordinário na medida em que deve se tratar de fato não imputável à parte
que invoca a incidência da doutrina o acontecimento do fato; ou seja, deve estar
fora dos riscos próprios do contrato em causa.250

245 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Uniform Commercial Code. Disponível em:


http://www.law.cornell.edu//ucc.
246 O UNIFORM Commercial Code. [Em linha]. Disponível em: http://www.law.cornell.edu//ucc.

Acesso em: 10 de fev. de 2018, a despeito de se tratar de um código de Direito, difere das
codificações romanistas. Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 320 e ss.
247 TIMM, Luciano Benetti. Common Law… 2012, p. 560.
248 TIMM, Luciano Benetti. Common Law… 2012, p. 560.
249 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305 e ss.
250 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305 e ss.
61

É neste sentido que colocam os §§265 e 266 do Restatement Second of


Contracts.
Consoante os §266 do Restatement Second of Contracts, quando, no
momento em que se deu a conclusão do contrato, decorrer um fato
superveniente, sem que a parte cuja prestação fora afetada por este fato não
detenha qualquer culpa sobre o seu desencadeamento. Ainda, que não tinha
razão alguma para saber sobre a possibilidade do seu surgimento e, inclusive,
que a consideração acerca do não acontecimento deste fato tenha sido decisiva
para a contratação ter ocorrido conforme ocorreu. E mais, que este fato seja
responsável por frustrar, de forma substancial, o principal objetivo desta parte
com aquela contratação. Em tais condições, nenhum dever de cumprir com a
prestação a que se obrigou nasce. Salvo, se a língua local e as circunstâncias
indicarem o contrário.251
Nos termos do §265 do Restatement Second of Contracts, quando: após
a celebração de um contrato, vier a eclodir um fato responsável por frustrar de
forma substancial o principal objetivo de uma das partes com aquela contratação;
que a eclosão deste fato tenha se dado sem culpa da parte que teve sua
prestação frustrada; ainda, que a não ocorrência do evento que eclodiu tenha
sido um requisito básico, aquando do fecho da contratação, para que a parte
celebrasse o contrato do modo que o fez; fica, nessas circunstâncias, a parte
cuja prestação fora afetada desobrigada ao cumprimento das prestações que
sejam remanescentes. Do mesmo modo, salvo se a língua local e as
circunstâncias indicarem o contrário.252
Como consequência da incidência da doutrina da supervening
frustration, consoante estabelece o §272, poderão as partes desobrigarem-se de
suas prestações, sem prejuízo do direito que lhes incumbe de obter
indemnização pelos danos causados e as restituições que se fizerem cabíveis
nos termos dos §§240 e 377253.

251 RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha]. Disponível em:


https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf; acesso em: 05 de Janeiro de 2018.
252 RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha]. Disponível em:
https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf; acesso em: 05 de Janeiro de 2018.
253 RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha]. Disponível em:
https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf,. Acesso em: 10 de fev. de 2018. Ǥ 240. Part
Performances as Agreed Equivalents. If the performances to be exchanged under an exchange
of promises can be apportioned into corresponding pairs of part performances so that the parts
of each pair are properly regarded as agreed equivalents, a party's performance of his part of
62

Já a doutrina da «impracticability of performance», prevê a possibilidade


de as partes desobrigarem-se do cumprimento das prestações contratuais,
quando fazê-lo tenha se tornado excessivamente oneroso para a parte a quem
incumbia o cumprimento da prestação. Há, aqui, uma impraticabilidade no
cumprimento - não uma impossibilidade absoluta por ter se tornado o objeto
contratual impossível. Impraticabilidade esta decorrente de uma alteração das
circunstâncias do contrato, que se verifica na medida de um acréscimo excessivo
e desarrazoado dos custos da prestação do devedor.254
As circunstâncias alteradas que são capazes de desencadear a
incidência da doutrina da «impractcability of performance» são aquelas que
compõem o contrato e que tenham sido assumidas pelos contratantes, no
momento da celebração, como circunstâncias que não viriam a acontecer.255
Ademais disto, a alteração capaz de desencadear a aplicação da regra,
deve gerar um aumento dos custos da prestação afetada, diga-se, excessivo e
desarrazoado. Considerar apenas o acréscimo do custo ou mesmo o colapso do
mercado não são situações suficientemente hábeis a desencadear a aplicação,
eis que frente a esta sistemática jurídica é suposto que em contratos com preços
fixos estes custos estejam cobertos no preço estabelecido256.
Situações como grave escassez de matéria-prima ou suprimento, em
virtude de guerra, embargo, falha na colheita local, corte inesperado do principal
recurso necessário ao fornecimento ou algo similar, que tenham desencadeado
o aumento nos custos. Ainda, quando estas situações tiverem sido causa a
impedir o vendedor de fornecer os suprimentos necessários ao cumprimento do
que lhe cabia. Também haverá a hipótese de desobrigação do cumprimento da

such a pair has the same effect on the other's duties to render performance of the agreed
equivalent as it would have if only that pair of performances had been promised. § 377. Restitution
in Cases of Impracticability, Frustration, Non-Occurrence of Condition or Disclaimer by
Beneficiary. A party whose duty of performance does not arise or is discharged as a result of
impracticability of performance, frustration of purpose, non-occurrence of a condition or disclaimer
by a beneficiary is entitled to restitution for any benefit that he has conferred on the other party
by way of part performance or reliance.»
254 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 310; SUPREME Court of California. Mineral Park

Land Co vs. Howard. Supreme Court of California, Mar 13, 1916, 156 P. 458, (Cal. 1916).
255 UNIFORM Commercial Code: official text and comments. The American Law Institute, National

Conference of Commissioners on Uniform State Laws. Chicago, Illinois. 2017-2018 Edition. § 2-


615.
256 UNIFORM Commercial Code…, 2017-2018, § 2-615.
63

prestação contratual em decorrência da incidência da doutrina da


«impractcability of performance». 257
Outrossim as modificações ocorridas devem ter sido causadas por um
evento superveniente, inesperado e extraordinário. Eis que o advento do fato
não pode ter sido causado pela parte que invoca a incidência da doutrina. Não
pode esta ter influenciado para a ocorrência do evento. O não acontecimento
deve ter sido elementar para que a contratação tenha acontecido conforme
aconteceu. Ainda, a ocorrência deste evento não pode ser respeitante a uma das
partes e nem pode os encargos do acontecimento incumbir a uma das partes,
por serem riscos que lhe cabem258. Relativamente à previsibilidade do evento
considerada pela doutrina da impraticabilidade, importa ressaltar que esta
condição não é capaz de excluir, por si só, a possibilidade de exoneração259.
Esta doutrina resta tratada no «Restatement Second of Contracts»,
designadamente nos §§261 e 266. Consoante os ensinamentos do §266 se, no
momento do fechamento do contrato, sobrevier um fato que a parte cuja
prestação fora afetada não tinha nenhuma razão para conhecer a existência; que
o advento deste não tenha decorrido de culpa sua; que a não ocorrência deste
fato tenha sido elementar para dar causa ao contrato nos termos que fora
negociado e acordado pelos contraentes; ainda, que este seja responsável por
tornar a prestação da parte impraticável; sequer nasce, à parte, a obrigação
relativamente ao cumprimento de sua prestação. Salvo, se se a língua local e as
circunstâncias indicarem o contrário.260
Já o §261 diz que, se depois da celebração do contrato, sobrevier um
fato que torne o cumprimento da prestação que uma parte está obrigada
impraticável, sem que haja, entretanto, culpa sua no desencadeamento deste
fato. Ainda, que ao tempo do fechamento do contrato a não ocorrência deste
evento tenha sido crucial para a contratação ter acontecido, conforme

257 UNIFORM Commercial Code…, 2017-2018, § 2-615.


258 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 249.
259 Cfr: PINHEIRO, Luis de Lima. Direito Comercial Internacional: o direito privado da

globalização económica. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra


Editora, 2006. Suplemento 2005. Lisboa 2005. p. 240 e ss; FRANSWORTH, E. Allan. Contracts.
4ª ed, New York: Aspen Publishers, 2004, ISBN 0-7355-4540-5 (PB), p. 622 e ss.
260 «Where, after a contract is made, a party’s performance is made impracticable without his fault

by the occurrence of an event, the non-occurrence of which was a basic assumption in which the
contract was made, his duty to render that performance is discharged, unless the language or the
circumstances indicate the contrary». RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha].
Disponível em: https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf,. Acesso em: 05 de jan. de 2018.
64

aconteceu. Fica a parte afetada desobrigada de cumprir a(s) sua(s)


prestação(ões) remanescentes. Salvo, entretanto, se a língua local e as
circunstâncias indicarem o contrário.261
Nos termos desta fonte de Direito, como consequência da incidência da
doutrina da «impracticability of performance», consoante estabelece o §272,
poderão as partes desobrigarem-se de suas prestações, sem prejuízo do direito
que lhes incumbe de obter indemnização pelos danos causados e as restituições
que se fizerem cabíveis nos termos dos §§240 e 377262.
De mais também vem a doutrina referida, do mesmo modo tratada na §
2-615 do «Uniform Commercial Code (UCC)». Este dispositivo traz o conceito de
«commercial impracticability». Estabelece que, quando em um contrato de
compra e venda de mercadorias, os atrasos na entrega da mercadoria ou a não
entrega da mercadoria, seja total ou parcial, decorrerem de modo a tornar o
cumprimento do contrato impraticável, notadamente em virtude da ocorrência de
uma dada circunstância ou ainda em razão da não ocorrência de uma dada
circunstância e desde que estas (ocorrência ou não ocorrência) tenham sido
consideradas como fundamentais à contratação, não haverá violação dos
deveres contratuais.263
Uma vez provocado o judiciário estadunidense, para que haja a efetiva
incidência seja da doutrina da «supervening frustration» ou «impracticability of
performance», terão os tribunais de aferir o acontecimento que desencadeou a

261 «Where, after a contract is made, a party’s performance is made impracticable without his fault
by the occurrence of an event, the non-occurrence of which was a basic assumption in which the
contract was made, his duty to render that performance is discharged, unless the language or the
circumstances indicate the contrary». ». RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha].
Disponível em: https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf; acesso em: 05 de Janeiro de
2018.
262 RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha]. Disponível em:
https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf,. Acesso em: 10 de fev. de 2018, § 240. Part
Performances as Agreed Equivalents. If the performances to be exchanged under an exchange
of promises can be apportioned into corresponding pairs of part performances so that the parts
of each pair are properly regarded as agreed equivalents, a party's performance of his part of
such a pair has the same effect on the other's duties to render performance of the agreed
equivalent as it would have if only that pair of performances had been promised. § 377. Restitution
in Cases of Impracticability, Frustration, Non-Occurrence of Condition or Disclaimer by
Beneficiary. A party whose duty of performance does not arise or is discharged as a result of
impracticability of performance, frustration of purpose, non-occurrence of a condition or disclaimer
by a beneficiary is entitled to restitution for any benefit that he has conferred on the other party
by way of part performance or reliance.
263 Cfr: SUPREME Court of New York. Maple Farms, Inc. v. City School District of the City of

Elmira, NY. Supreme Court of New York, 352 N.Y.S. 2d 784, 1974 N.Y; HILMMAN, Robert A.
Principles… 2004, p. 310.
65

impraticabilidade no cumprimento do contrato, ou seja, primeiramente terá lugar


a análise relativa ao evento concreto264. Isso consiste em verificar se tratava o
evento novo de um evento que era suposto pelas partes não vir a acontecer.265
Depois, terá de ser aferida, no caso de «supervening frustration» ter
havido uma frustração no principal propósito de modo a impossibilitar o
cumprimento do contrato. No caso de «impracticability of performance», a
ocorrência de uma perturbação muito severa no seio do contrato, como aquelas
capazes de gerar aumentos nos custos. Verificando-se estes pressupostos
mencionados e, ainda, verificando-se que as partes não alocaram os riscos
relativos aos eventos que desencadearam para uma ou para outra, de forma
expressa ou tácita, poderá ter lugar a incidência dos preceitos das fontes de
Direito referidas.266
A incidência das doutrinas acima referidas, nos dizeres romanistas,
ocorrerá através da técnica de preenchimento ou integração de lacunas
contratuais. Frente ao cenário norte-americano, cuida-se da «default rule». As
«default rules» são «legal rules», entretanto, não têm caráter de «immutable
rules»267. Funcionam como regras supletivas à vontade das partes e, nesta
medida, servem ao preenchimento de lacunas contratuais nos contratos
incompletos. Isto quando a sua incidência não tiver sido derrogada por vontade
dos contratantes em virtude da contratação de outras regras.268
Não obstante a viabilidade de integração das lacunas nos contratos, há
que se ter em atenção que os tribunais estadunidenses são restritivos no que
toca à interpretação da existência dos requisitos à eficácia das doutrinas, a fim
de viabilizar o preenchimento. Isto faz com que poucas situações na prática

264 Acerca da interpretação contractual no contexto norte-americano, cfr: DIMATTEO, Larry A.;
HOGG, Martin. Comparative Contract Law: British and American Perspective. Oxford University
Press. United Kingdom. 2016, ISBN 978-0-19-872873-3, p. 231-293.
265 Cfr: SUPREME Court of New York. Maple Farms, Inc. v. City School District of the City of

Elmira, NY. Supreme Court of New York, 352 N.Y.S. 2d 784, 1974 N.Y; HILMMAN, Robert A.
Principles… 2004, p. 310.
266 Cfr: SUPREME Court of California. Mineral Park Land Co vs. Howard. Supreme Court of

California, Mar 13, 1916, 156 P. 458, (Cal. 1916); HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 310.
267 As «immutable rules» são regras que não podem ser derrogadas pelas partes e imperam

mesmo que intentem os contratantes a afastá-las. Cfr: AYRES, Ian; GERTNER, Robert. Filling
Gaps in Incomplete Contracts: An Economic Theory of Default Rule. The Yale Law Journal, vol
99:87; 1989-1990, (p. 87-130), p. 87 e ss.
268 AYRES, Ian; GERTNER, Robert. Filling…, 1989-1990, p. 87-130, p. 87 e ss.; TIMM, Luciano

Benetti. Common Law…, 2012, p. 535.


66

sejam capazes de desencadear a incidência das doutrinas e as soluções por


elas trazidas operadas por um terceiro.269
Igualmente, faz-se notório que os tribunais são bastante resistentes no
que toca a possibilidade de revisão judicial dos termos pactuados diante das
hipóteses de alteração das circunstâncias. É dada, frente a este contexto,
preferência à resolução do contrato, de modo a recolocar as partes ao status quo
ante a celebração do contrato.270
O posicionamento no sentido de maior restrição dos tribunais encontra
reforço em ideias/princípios estruturantes do sistema. Parte-se do princípio do
«sanctity of contracts», nos termos do qual somente em situações extremamente
específicas é que o devedor poderá liberar-se dos termos do contrato271.
Também porque o Estado norte-americano se trata de um Estado liberal, que
tem como valor fundamental a intervenção mínima nos domínios privados e que
é não paternalista.
Outrossim, merece destaque o princípio do «freedom of contract»,
trazido por este contexto jurídico na sua expressão máxima. Neste domínio de
justificação da menor intervenção do Estado nos contratos privados releva a
expressão do seu viés que reforça o princípio romanista ‘pacta sunt servanda’.
Nesta medida, acaba por assegurar que o contrato faz lei privada entre as partes
e, por esta razão, deve prevalecer aquilo foi pactuado. Diminuindo, deste modo,
a possibilidade de um terceiro, estranho ao contrato, interferir no seu plano.
Depois porque esta sistemática jurídica entende que rever os termos do contrato
original, o que é chamado de «forgone opportunity», é forma de ferir a boa-fé
objetiva.272

269 Neste sentido é possível notar através das decisões dos seguintes casos: ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA. Supreme Court of South Dakota. Groseth International Inc vs Tenneco, INC 410
N. W. 2d. 159 (S. D. 1987) (Groseth I), eis que entendeu que: “[...] a continuação das mesmas
condições de mercado e financeira das partes não é uma presunção ordinária básica das partes”;
Ainda, COURT of Appeals for the Sixth Circuit. Karl Wendt Farm Equipment CO, INC Co. vs
International Harvest Co., 931 F2d 1112 (6th Cir. 1991), entendeu: “[...] uma dramática queda no
mercado de equipamentos agrícolas resultando em redução de lucros não frustra os propósitos
elementares do contrato”. Cfr: TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 560-561;
FRANSWORTH, E. Allan. Contracts. 4ª ed, New York: Aspen Publishers, 2004, ISBN 0-7355-
4540-5 (PB), p.634-635.
270 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 560-561.
271 Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado..., 2017, p. 245 e ss.
272 Sobre o «freedom of contract», cfr: DIMATTEO, Larry A.; HOGG, Martin. Comparative…,

2016, p. 354; TIMM, Luciano Benetti. Common Law… 2012, p. 535.


67

Daí porque, a despeito de haver regras jurídicas integrantes ao sistema


jurídico norte-americano para solucionar casos de desequilíbrios
supervenientes, as doutrinas da «supervening frustration» e «imprecticability of
purpose» são mais restritivas que as doutrinas romanistas. Dado a resistência
dos tribunais, seja no que toca ao reconhecimento dos requisitos a provocar a
incidência das regras, seja no que toca à possibilidade de modificação do plano
contratual, têm, ambas, aplicação bastante limitada. Não obstante é com recurso
as referidas regras que se resolve o problema da manutenção do vínculo dos
contratantes aos contratos desequilibrados em razão de alterações
supervenientes das circunstâncias no contexto jurídico norte-americano.

CAPÍTULO III: SÍNTESE COMPARATIVA

A comparação operada nesta Parte I, de forma ampla, abrangente,


demonstrou que os sistemas jurídicos integrantes à família jurídica romano-
germânica analisados (França, Alemanha, Itália, Portugal e Brasil) e os sistemas
jurídicos integrantes ao Common Law também analisados (Inglaterra e Estados
Unidos da América) através de suas fontes de direito à revelação das regras
jurídicas, em termos gerais, apresentam soluções para o problema da
manutenção do vínculo entre as partes dos contratos privados quando houver
alteração das circunstâncias. Não obstante o façam em termos gerais, ficou do
mesmo modo demonstrado que há pontos de afastamento entre as soluções
trazidas.
Outrossim, a investigação empreendida revelou que as nuances trazidas
pelas soluções dos sistemas jurídicos romano-germânicos e do Common Law
são capazes de firmar a autonomização destas famílias jurídicas a respeito das
soluções para o problema da alteração das circunstâncias. Ainda que haja, até
mesmo entre os países que integram a mesma família jurídica, distinções no
tocante aos requisitos para a eficácia das regras e efeitos jurídicos a se
produzirem aquando de sua eficácia. Veja-se.
Entre os sistemas jurídicos nacionais pertencentes a família jurídica
romano-germânica e os pertencentes a família jurídica do Common Law perfaz-
se como ponto de distinção as fontes de direito à revelação das regras jurídicas
nesta seara. Enquanto que frente aos ordenamentos integrantes da família
68

jurídica romano-germânica as soluções são oriundas da lei e nesta medida se


cuidam de soluções positivadas. Face aos sistemas jurídicos analisados que
integram ao Common Law as soluções vêm mormente dos precedentes. Em que
pese frente ao sistema jurídico norte-americano haja lei específica,
designadamente o Uniform Commercial Code, esta não tem a mesma função e
alcance que as codificações dos sistemas romanistas, eis que se presta a
atender os casos nos exatos termos que dispõe, não indo além.
Também é ponto de distinção entre os sistemas a resistência operada
pelos tribunais para eficácia da norma. Seja no que toca à confirmação dos
requisitos à sua eficácia, seja no que toca aos efeitos que das regras podem
advir. Os sistemas jurídicos romano-germânicos são estruturados tendo como
base ideias sociais em que o Estado assume um papel mais paternalista e visa
coibir injustiças. Disto resulta, embora haja o devido cuidado ao se verificar a
confirmação dos requisitos à eficácia das regras e devam ser os elementos
comprovados de forma cumulativa, admitirem com maior facilidade, quando
comparados com os Direitos do Common Law, a interferência heterónoma no
domínio dos interesses privados para reaver o equilíbrio no seio dos contratos.
Aos sistemas jurídicos do Common Law estão subjacentes ideias liberais, que
reforçam o não paternalismo estatal e o que implica em maior liberdade para as
partes acertarem os termos com os quais se obrigam e menor possibilidade de
interferência heterónoma no âmbito dos acertos entre privados - situação que
reforça ser menor a eficácia das regras trazidas por estes Direitos.
Noutra senda, a comparação revelou que frente aos sistemas jurídicos
romanistas a alteração das circunstâncias, por si só, desencadeia a possibilidade
de incidência das regras legais aos casos de alteração das circunstâncias.
Notadamente, frente ao contexto jurídico inglês é necessário que haja, para além
da alteração das circunstâncias, a frustração do propósito do contrato para a
eficácia da doutrina por este sistema de Direito trazido, eis que tão somente a
alteração de circunstâncias é caso de hardship.
Ademais reforçou a autonomização destas famílias no tocante às
soluções para o problema da alteração das circunstâncias o que tange aos
efeitos jurídicos previstos a partir da eficácia das regras. De forma geral (com
exceção da França, que traz como efeito a renegociação contratual), os sistemas
romano-germânicos trazem como possibilidade a revisão ou resolução dos
69

contratos alterados. Já os sistemas do Common Law, mais uma vez devido ao


pensamento vetor destes contextos jurídicos, trazem como solução, nas
escassas hipóteses de eficácia das regras jurídicas, a possibilidade de extinção
do vínculo contratual.
Destarte, do exposto se pode concluir da comparação macro
empreendida que a despeito de todas as ordens jurídicas nacionais em atenção
trazerem, de modo geral, soluções para os casos de alteração das
circunstâncias, não o fazem de forma a solucionar necessariamente os mesmos
problemas. Designadamente porque as regras não visam resolver os exatos
mesmo casos e não terão eficácia, indubitavelmente, perante ocorrências
similares - e, portanto, não estabelecem necessariamente os mesmos efeitos
jurídicos.
Noutro passo, foi ainda possível aferir da investigação empreendida que
as distinções neste tocante para além de se verificarem entre as famílias
jurídicas romano-germânicas e do Common Law, também se vislumbram entre
os Direitos nacionais insertos nas próprias famílias-jurídicas investigadas, diga-
se umas, com as outras. Especificamente porque em verdade todos trouxeram
cláusulas gerais que carecem de interpretação aquando a integração contratual
e também porque em muitos dos sistemas não há unanimidade acerca do
entendimento dos fatos que provocam a eficácia das regras. Daí porque se
considera, frente as particularidades que individualizam os Direitos nacionais,
que embora as regras tenham sido trazidas com o intento de, ao menos nalguma
medida, solucionarem os mesmos problemas jurídicos, o alcance prático poderá
ser diferente.
70

PARTE II
A CLÁUSULA DE HARDSHIP NO COMÉRCIO INTERNACIONAL

CAPÍTULO I: TEORIA DO HARDSHIP NO DIREITO DO COMÉRCIO


INTERNACIONAL

Em paralelo aos movimentos que aconteciam nos diversos sistemas


jurídicos domésticos, os quais davam novas vestes à cláusula ‘rebus sic
stantibus’, no seio do comércio internacional também começou a ser sentida a
necessidade de fazê-lo. Isto, de modo a possibilitar a adequada interpretação e
integração dos contratos pelos tribunais que viessem a aplicar as regras às
necessidades do comércio internacional. Identificam-se algumas razões como
responsáveis por este movimento no domínio do tráfego jurídico internacional.
Desde há muito que os contratos internacionais se apresentam com uma
estrutura bastante complexa. Nesta medida, mesmo que não sejam eles
contratos de longo termo, frequentemente não se tratará de contratos puramente
instantâneos. Por isto, estarão suscetíveis às influências que o tempo pode sobre
eles exercer, eis que se encontram mais expostos a sofrerem desequilíbrios
supervenientes.273
Outrossim, a despeito de há muito haver regras que se prestam a regular
as relações internacionais, nem sempre os regramentos dos instrumentos
internacionais trouxeram soluções aos casos de desequilíbrios supervenientes
em razão do advento de fato capaz de alterar o circunstancialismo do contrato.
E mais, nem sempre trouxeram princípios comuns aos contratos internacionais.
Daí porque, por bastante tempo, as soluções para estes casos eram buscadas
nos ordenamentos jurídicos nacionais, quando houvesse a possibilidade para o
contrato sub judice. 274
Entretanto, a despeito da possibilidade, nem todas as jurisdições
nacionais traziam e trazem esta solução e as que fazem, fazem-no mediante a
necessidade de comprovação de uma série de requisitos e pressupostos de
admissibilidade. Esta situação é capaz de desencadear insegurança aos

273RIMKE, Joern. Force majeure… 1999-2000, p. 3 e ss.


274Cfr: ANTUNES, José Engrácia. Direito e Justiça…, 2007, p. 215; GLITZ, Frederico. Contrato
e sua conservação… 2008. p. 157; RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 3 e ss
71

contratantes internacionais pois, a depender da interpretação dada pelos


tribunais às regras trazidas (na maioria dos casos, cláusulas gerais) poderiam
vislumbrar solução aos desequilíbrios superveniente ou não275. Dada a incerteza
com relação a interpretação que viria a se dar, somado às distinções existentes
entre as diversas legislações nacionais, recorrer aos tribunais para solucionar os
casos de desequilíbrios supervenientes em decorrência da alteração das
circunstâncias não se mostrava uma solução jurídica e economicamente
viável.276
De mais, por muito, no domínio do comércio internacional, sobretudo por
meio dos instrumentos internacionais, não se fazia possível a relativização do
princípio ‘pacta sunt servanda’ em decorrência de alterações das circunstâncias
por conta do princípio da força obrigatória dos contratos277. Assim se fez até
mesmo depois de se terem iniciado os movimentos sociais que inspiraram o
restabelecimento do uso da cláusula ‘rebus sic stantibus’ com a nova faceta dada
pelos contextos nacionais. Por detrás deste privilégio concedido em demasia ao
princípio ‘pacta sunt servanda’, encontrava-se a ideia de «presunção de
competência dos operadores do comércio internacional»278. Pressupunha-se
que os profissionais atuantes neste ramo internacional tinham conhecimento e
eram suficientemente aptos para, além de conhecer, fazer uso dos instrumentos
jurídicos adequados a promover a salvaguarda de seus interesses. Ainda,
pressupunha-se que a inexistência de clausulado para obstar alguma
intercorrência superveniente era intencional e a escolha nestes termos era
consciente pelas partes, as quais haviam decidido por distribuir entre elas o risco
desta afetação279. A partir desta cultura contratual internacional restava, então,
justificada a inexistência de soluções através dos mecanismos internacionais.

275 Isto, na hipótese de não haver uma cláusula no contrato que previsse soluções para
resguardar a economia contratual, que houvesse sido alterada em virtude de um evento exterior
ao contrato. E, em razão de sua redação, permitisse ao tribunal competente intervir no seio do
negócio entabulado entre as partes (Cfr: MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula de hardship e
o contrato interno e internacional. Disponível em:
http://centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/artigos/Luiz%20Gustavo%20Meir
a%20Moser%20Comercio.pdfp. p.2.; PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas do
Reconhecimento e Aplicação do Hardship na Jurisprudência Arbitral Internacional. RBAr – nº 2
– Abr-Jun/2004 – Doutrina Nacional, p 33).
276 Cfr: ANTUNES, José Engrácia. Direito e Justiça…, 2007, p. 215; GLITZ, Frederico. Contrato

e sua conservação…, 2008. p. 157.


277 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008. p. 156.
278 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 33.
279 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 33.
72

Por todas as razões referidas, a solução aos casos de desequilíbrios


ocasionados pela alteração das circunstâncias no ambiente contratual
internacional primeiro teria de se dar à luz de solução negociada pelas partes.
Caberia intervenção dos tribunais para reaver o equilíbrio afetado apenas caso
tivessem as partes negociado neste sentido, eis que se não tivessem feito, a
omissão era entendida como algo consciente, desejado pelos contraentes.
Segundo, poderia se vislumbrar solução à luz das jurisdições nacionais, as quais
poderiam se prestar à integração contratual, entretanto, conforme dito, contar
com esta possibilidade era uma solução insegura e incerta.
Em decorrência da internacionalidade característica destas
contratações, o que resulta em ficarem estas sujeitas às influências dos
contextos políticos e económicos de países estrangeiros, que traz ao
cumprimento uma série de incertezas280 e torna o alcance dos mecanismos
desenvolvidos nos ordenamentos jurídicos internos bastante limitado a estas
contratações mercantis internacionais281, deu-se a necessidade de se adotarem
medidas para não mais privilegiar o princípio ‘pacta sunt servanda’ de forma
irrestrita. Fora esta a forma de fazer cessar a ocorrência de excessos
ocasionados por um contraente com relação ao outro e atender a uma lógica do
intercâmbio económico282/283, bem como proteger os interesses dos contraentes,
mormente quando a execução do contrato se tivesse tornado excessivamente
onerosa para uma das partes em razão de ter decorrido uma alteração
fundamental das circunstâncias que basearam o contrato284.
Então, no domínio do comércio internacional, iniciaram-se movimentos
no que toca à elaboração de soluções a se operarem a partir de instrumentos
internacionais aos contratos do comércio internacional, caso fossem
desequilibrados, de forma superveniente, em decorrência de alterações
substanciais nas circunstâncias que sobejaram a contratação. Sofreram, estas

280 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 3 e ss.


281 ANTUNES, José A. Engrácia. Direito e Justiça… 2007, p.215.
282 No contexto do comércio internacional, fora mais para atender a uma lógica do intercâmbio

económico e menos para atender aos anseios sociais que se deu a atribuição de nova roupagem
para a cláusula ‘rebus sic stantibus’ (Cfr: GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação…, 2008.
p. 149 e ss. e 156).
283 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação…, 2008. p. 149 e ss. e 156.
284 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação…, 2008. p. 149 e ss. e 156.
73

medidas, fortes influências com as consequências que o encerramento do Canal


de Suez desencadeou no seio dos contratos.285

1.1. O CONCEITO DE HARDSHIP E OS INSTRUMENTOS


INTERNACIONAIS

Durante o período de aproximadamente um ano, que se iniciou em


Novembro de 1956 até Abril de 1957, em consequência da guerra do Oriente
Médio, inúmeros operadores do comércio internacional viram o cumprimento dos
seus contratos tornar-se demasiadamente difícil, mormente porque ou não
lograram êxito em atender aos prazos estabelecidos nas contratações para a
entrega de mercadorias, ou porque cumprir com a prestação devida tornou-se
excessivamente oneroso, em termos económicos, eis que implicava em uma
alteração de rota e, como consequência, em um aumento dos custos para fazê-
la286. Nesta altura, tribunais ingleses e norte-americanos foram chamados a se
pronunciar para decidir o que ocorreria no seio destes contratos alterados. Para
ilustrar o que estava por acontecer na altura, cabe referir um caso em que o
encerramento do Canal gerou infortúnios no âmbito contratual.
O caso diz respeito a um litígio oriundo de dois contratos celebrados
pelos mesmos vendedores e compradores. Um deles datado de 12 de Outubro
de 1956 e o outro de 31 de Outubro deste mesmo ano. Fora acordada a venda
de 2.500 toneladas de amendoins do Sudão, não descascados, pela Albert D.
Goan & Company para a Société Interprofissionelle des Oléagineux Fluides
Alimentaires. A expedição deveria acontecer com destino a Nice e Marseille, no
mais tardar até Novembro de 1956. O preço ficou estabelecido, no primeiro
contrato em £49 10s e, no segundo contrato, em £54 5s por tonelada. Ambas as
transações referidas, estavam sujeitas à incidência do nº 38 do «Incorporated Oil
Seed Association Forms of Contract». Segundo a regra incorporada, no caso de
proibição de exportação ou importação, bloqueio, guerra, epidemia, greve ou em

285 Sobre o encerramento do Canal de Suez e as consequências econômicas que isto


desencadeou no seio dos contratos comerciais internacionais, cfr: BIRMINGHAM, Robert L. A
second look at the Suez Canal cases: excuse for nonperformance of contractual obligations in
the light of economic theory. In The Hasting Law Journal, vol 20, May 1969, p. 1393-1416.
Disponível em: http://www.repository.law.indiana.edu/facpub, p. 1400 e ss.
286 BIRMINGHAM, Robert L. A second…, 1969, p. 1400 e ss.
74

todos os casos de força maior, que impedissem a realização da expedição no


prazo estabelecido ou a entrega da mercadoria no prazo permitido, o prazo
deveria ser estendido, mas não deveria exceder dois meses. Depois disto, se a
situação de força maior persistisse, o contrato teria de ser cancelado.287
Em razão do encerramento do Canal de Suez neste período, nenhuma
entrega, pôde acontecer, diga-se, por esta rota. Não obstante os esforços na
altura dados no sentido de desobrigar-se do cumprimento da prestação, a
decisão final para o caso operou-se no sentido de que nenhuma alteração
substancial na natureza do contrato se deu com o encerramento do Canal de
Suez, a ponto de ensejar a incidência de teorias, à época, já utilizadas pelos
tribunais, de desobrigação contratual. Isto porque, a despeito de os custos serem
maiores, em razão da distância, ao utilizar-se de outra rota marítima (que no
caso seria costear a região do Cabo da Boa Esperança na África) a entrega da
mercadoria poderia ser feita à mesma. De mais, o cumprimento do contrato não
estava condicionado à rota que passaria pelo Canal de Suez.288
Principalmente na sequência dos acontecimentos que decorreram em
razão do encerramento das operações do Canal de Suez, algumas soluções,
sobretudo a nível de instrumentos destinados à interpretação e integração dos
contratos, passaram a ser ensaiadas para abranger as necessidades do
contexto comercial internacional e permitir a desobrigação contratual em
determinados casos. Dentre estas destaca-se a Convenção de Viena das
Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional Mercantil
(CISG, sigla em inglês, ou CVIM, sigla em francês), aberta para assinatura em
abril de 1980, com entrada em vigor no dia 1º de janeiro de 1988.289
Esta Convenção destina-se a reger os contratos internacionais de
compra e venda mercantil dos países signatários, consoante expressa seu artigo
1º290, desde que as partes não tenham rejeitado sua aplicação nos seus

287 «In case of prohibition of import or export, blockade or war, epidemic or strike, and in all cases
of force majeure preventing the shipment within the time fixed, or the delivery, the period allowed
for shipment or delivery shall be extended by not exceeding two months. After that, ig the case of
force majeure be still operating, the contract shall be cancelled.» Cfr: ALBERT D. Goan & Co. v.
Société Interprofissionelle des Oléagineux Fluides Alimentaires. (1960), 2 Q.B. 334 335 (1959).
288 BIRMINGHAM, Robert L. A second…, 1969, p. 1400-1402.
289 Cfr: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.3 e ss.
290 «Artigo 1. (1) A presente Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de

mercadorias celebrados entre partes que tenham o seu estabelecimento em Estados diferentes:
(a) quando estes Estados sejam Estados contratantes; ou (b) quando as regras de direito
internacional privado conduzam à aplicação da lei de um Estado contratante. (2) não é tomado
75

contratos (artigo 6º291)292. Referido instrumento reuniu as matérias que


anteriormente eram tratadas nas duas Convenções de Haia de 1964, quais
sejam, a Lei Uniforme sobre Venda Internacional de Mercadorias e a Lei
Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Venda Internacional de
Mercadorias293. E mais, teve como escopo harmonizar regras a serem aplicadas
aos contratos de compra e venda mercantil internacional dos diferentes sistemas
domésticos, que se encontram em diferentes níveis de desenvolvimento
económico294 e que são dela signatários.
Nomeadamente em seu artigo 79295, trouxe regras sobre a exoneração
de uma das partes com relação ao cumprimento de sua prestação contratual, em
um contrato de compra e venda internacional. Isto, desde que tenha havido um
impedimento que esteja além do controle das partes; razoavelmente imprevisível
no momento da conclusão do contrato; e razoavelmente impossível de se evitar

em conta o fato de as partes terem o seu estabelecimento em Estados diferentes quando este
fato não ressalte nem do contrato nem de transações anteriores entre as partes, nem das
informações dadas por elas em qualquer momento anterior à conclusão deste. (3) não são
tomadas em consideração para aplicação da presente Convenção nem a nacionalidade das
partes nem o caráter civil ou comercial das partes ou do contrato.» CONVENÇÃO da ONU sobre
os contratos de compra e venda de mercadorias. Uncitral: Viena, 1980. [Em linha]. Disponível
em: http://www.globalsaleslaw.org/__temp/CISG_portugues.pdf. Acesso em: 20 set. de 2017.
291 «Artigo 6. As partes podem excluir a aplicação da presente Convenção ou, sem prejuízo do

disposto no artigo 12, derrogar qualquer das suas disposições ou modificar-lhe os efeitos.»:
UNCITRAL. Convenção da ONU…, 1980.
292 A Convenção de Viena de 1980 fora projetada pela Comissão das Nações Unidas para o

Direito Mercantil Internacional (United Nations Comission in International Trade Law -


UNCITRAL). Neste sentido: GLITZ, Contrato e sua conversação…, 2008, p.. 140, nota 511.
293 PRADO, Maurício Almeida. Interpretação e aplicação da regra de “Exoneração” da

Convenção de Viena. Disponível em http://www.cisg-brasil.net/doc/Art%2079%20-


%20CISG%20WEBSITE%20-%2004%20maio.pdf; Cfr, disponível em: http://www.cisg-
brasil.net/a-cisg;
294 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.13
295 «Seção IV- Exoneração. Art. 79. 1) Uma parte não é responsável pela inexecução de qualquer

de suas obrigações se provar que tal inexecução deve-se a um impedimento alheio a sua
vontade e que não se poderia razoavelmente esperar dela que o levasse em consideração no
momento da conclusão do contrato, que o evitasse ou superasse, ou que evitasse ou superasse
suas consequências. 2) Se a inexecução por uma das partes dever-se à inexecução por um
terceiro que a parte contratou para executar todo o contrato ou parte dele, essa parte só fica
exonerada de sua responsabilidade nos casos em que: a) o for em virtude das disposições do
parágrafo precedente; e b) o terceiro contratado também seria exonerado se as disposições
desse parágrafo fossem aplicadas a ele. 3) A exoneração prevista no presente artigo produz
efeito enquanto durar o impedimento. 4) A parte que não executou suas obrigações deve
comunicar a outra parte do impedimento e de seus efeitos sobre sua capacidade de executá-las.
Se a outra parte não receber a comunicação em um prazo razoável a partir do momento em que
a parte que não executou tomou conhecimento ou deveria ter tomado conhecimento do
impedimento, esta deverá pagar perdas e danos devidos à falta de recebimento. 5) As
disposições do presente artigo não impedem nenhuma mas partes de exercer outros direitos
além de demandar perdas e danos nos termos da presente Convenção.» Tradução por: PRADO,
Maurício Almeida. Interpretação e… p. 3.
76

ou superar296. Inobstante, por diversas ordens de razões, o regramento trazido


acabou não sendo suficiente para o fim de desonerar as partes em decorrência
da alteração superveniente das circunstâncias basilares do contrato297. Dentre
os argumentos apresentados naquela altura, destaca-se o que foi posto no
sentido de que o artigo 79 da CISG respeitava aos casos de inexecução
contratual devido ao motivo de força maior298/299.
Deste modo, por não haver na altura uma regra a ser aplicável no
contexto do tráfego jurídico internacional a tratar das situações de desequilíbrios
supervenientes; por inexistirem regras e princípios comuns aos contratos
internacionais, estruturados de modo a possibilitar a mitigação do princípio ‘pacta
sunt servanda’ em razão do ‘rebus sic stantibus’ 300; muitas vezes acabava
vedada a possibilidade de intervenção de um tribunal competente nos contratos
internacionais alterados para reestabelecer o equilíbrio inicialmente intentado
pelas partes301, salvo se a lei interna eleita à interpretação e integração do
contrato comercial internacional admitisse os efeitos da cláusula ‘rebus sic
stantibus’ no âmbito do contrato que estivesse em atenção.

296 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 15 e ss.


297 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 15 e ss.
298 Cfr: RIMKE Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.15 e ss.
299 Não obstante este entendimento, atualmente se deve considerar que o referido dispositivo

abarca também a possibilidade de exoneração contratual em razão de situação de hardship. Isto


porque o termo «impedimento» não se restringe as situações em que a execução contratual
tornou-se impossível. Compreende, do mesmo modo, as situações em que houve uma alteração
das circunstâncias contratuais as quais não puderam ter sido razoavelmente consideradas e que
tornaram a execução contratual excessivamente onerosa para uma das partes. (Neste sentido
se coloca o parecer nº 7 do Conselho Consultivo da Convenção de Viena sobre Contratos de
Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG-AC), sobre a exoneração de
responsabilidade por perdas e danos conforme o artigo 79, em que foi relator o Prof. Alejandro
M. Garro, Columbia University School of Law, Nova Iorque, N.Y. EUA. Adotada pela CISG-AC
na sua 11ª reunião realizada em Wuhan, República Popular da China, em 12 de outubro de 2007.
CONVENÇÃO de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional
de Mercadorias. Parecer nº 7 sobre exoneração de responsabilidade por perdas e danos
conforme artigo 79 da CISG. (p. 1-24). 2007. [Em linha]. Disponível em: http://www.cisg-
brasil.net/downloads/cisgac/op7.pdf.). Acesso em: 10 de fev. 2018.
300 Refere RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 3 e ss que tentativas haviam sido feitas

no tráfego jurídico internacional, em particular através da CISG. Porém, o conceito trazido por
este instrumento internacional não foi suficiente para solucionar o problema integralmente. Pode-
se apontar como um dos motivos a validade da Convenção apenas pelos países que havia
ratificado seus termos; ou ainda em virtude do próprio artigo 79 da Convenção que por muito se
discutiu se serviria para solucionar os chamados casos de hardship. Cfr: CISG. Parecer nº 7…,
p. 1-24, 2007; Ainda que a doutrina se posicionasse pela impossibilidade de mitigação do
princípio ‘pacta sunt servanda’, a jurisprudência arbitral por algumas vezes reconheceu a
existência do princípio ‘rebus sic stantibus’ no comércio internacional (lex mercatoria). É o que
se pode notar das sentenças proferidas nos casos da Câmara do Comércio Internacional de nº
1512 e nº 4761, cfr: PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p 33-34 e ss.
301 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008, p. 138.
77

Disto resultou que os contratantes internacionais passaram a desenhar


soluções para salvaguardar a economia do contrato. Isto, para a hipótese de
contratos que a execução perdurasse no tempo serem acometidos pela
superveniência de acontecimentos capazes de alterar as circunstâncias
econômicas do contrato como um todo e tornar a sua execução muito mais
onerosa para uma das partes302/303. Fora, então, inicialmente interpretando o
princípio da autonomia da vontade304 e, de certa forma, inspirados nas diversas
teorias desenvolvidas pelos sistemas jurídicos domésticos que partiram da
cláusula ‘rebus sic stantibus’, assim como nas diretrizes da CISG, que passaram
os contratantes internacionais a arranjar soluções para as hipóteses de
desequilíbrio superveniente. Por este mesmo motivo que passaram a definir em
seus próprios contratos o que deveria ser entendido por hardship,
designadamente através de cláusulas que passaram a ser conhecidas como
cláusulas de hardship305/306.307
Nesta fase, as diversas cláusulas de hardship utilizadas nos contratos
do tráfego internacional assumiram contornos variados. Entretanto, certo era que
o termo hardship trazia a ideia de um rigor excessivo capaz de gerar aos
contraentes um estado de aflição ou até mesmo um grave problema308 e que a
salvaguarda efetivada por cláusulas desta natureza dar-se-ia quando esta

302 PINHEIRO, Luis de Lima. Direito Comercial Internacional… 2005, p. 216.


303 Para algumas notas sobre a cláusula de hardship, confrontar: FUCCI, Frederick R. Hardship
and Changed Circumstances as Grounds for Adjustment or Non-Performance of Contract:
Practical Considerations in International Infrastructure Investment and Finance. American Bar
Association. Section of International Law. Spring Meeting – April 2006. New York. Disponível em:
http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/fucci.html.
304 Acerca do princípio da autonomia privada no domínio dos contratos internacionais, cfr:

VICENTE, Dário Moura. A autonomia privada e os seus diferentes significados à luz do Direito
comparado. In: Revista de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nº 2,
2016, Almedina: Coimbra, 2016, ISBN 9780216355354.
305 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008. p. 138.
306 «Quando se menciona a contemporaneidade contratual analisada pelo viés do Direito

nacional, costuma-se destacar a mudança de enfoque do principio da autonomia da vontade.


Este teria se tornado limitado, motivo pelo qual nos referimos à autonomia privada. No Direito
Internacional, contudo, não haveria tal limitação, motivo pelo qual a doutrina se refere à
autonomia da vontade.», cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008.
p.138.
307 Incerto é precisar o momento do nascimento da cláusula de hardship enquanto condição do

contrato. Isto porque, conforme ressaltar-se-á no decorrer deste trabalho, o que está subjacente
a ela é a cláusula medieval ‘rebus sic stantibus’. E, nem sequer sobre a cláusula ‘rebus sic
stantibus’ há a absoluta certeza quanto a precisão do seu surgimento, conforme fora retro
referido.
308 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos

de longa duração. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 7. n 25. Abirl/jun 2010. p.19.
78

tivesse de produzir efeitos. Tais efeitos, perfazer-se-iam, em regra, no sentido


de compelir as partes a renegociar o contrato afetado por graves dificuldades
durante a sua fase de execução309/310.
Apenas em um segundo momento, com o desenvolvimento por
entidades internacionais do conteúdo teórico efetivamente capaz de auxiliar as
partes do comércio jurídico internacional311, que passou a ser vislumbrada a
possibilidade de solução aos casos de desequilíbrio superveniente decorrentes
de alterações das circunstâncias contratuais com recurso aos instrumentos
desenvolvidos para aplicação no comércio internacional. Isto se deu, sobretudo
com a publicação da primeira edição dos Princípios UNIDROIT312/313, no ano de

309 Cfr: PRADO, Maurício de Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 59.; MOSER, Luíz Gustavo
Meira. A cláusula… p. 2.
310 Refere PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 59, que no contexto dos

tribunais internacionais por muito a definição de hardship restou imprecisa e que o tratamento a
este termo destinado à época era ainda referido como ‘rebus sic stantibus’. Deste modo, para
além de a definição do termo não ser precisa, era também genérica.
311 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008, p. 137 e ss.
312 «A primeira edição dos Princípios Relativos aos Contratos do Comércio Internacional fora

aprovada pelo Conselho de Direção do UNIDROIT em 1994, e continha, a par das disposições
gerais, regras sobre a formação do contrato, a validade, a interpretação, o conteúdo, o
cumprimento e o incumprimento. A segunda edição foi aprovada em 2004, e oferece cinco
capítulos adicionais sobre representação; contrato a favor de terceiro; compensação; cessão de
créditos; assunção de dívidas; e transmissão da posição contratual e prescrição» (Cfr:
PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 175). Ademais, acerca dos princípios
UNIDROIT: BONELL, Michael Joachim. A new Approach to International Commercial Contracts:
the UNIDROIT Principles of International Commercial Contracts. Editor M.J. Bonell. Kluwer Law
International. 1998. p. 3-17. Breves apontamentos acerca da proposta trazida pelos Princípios
UNIDROIT: VICENTE, Dário Moura. Da Responsabilidade Pré-contratual em Direito
Internacional Privado. Almedina: Coimbra. 2001. p. 366 e ss. Com relação aos Princípios
UNIDROIT, cabe dizer que estes não detêm força obrigatória para as partes, porque não têm
poder normativo, e serão aplicados na prática em razão de seu poder persuasivo (Cfr: RIMKE,
Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 29 e ss; FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006, p. 9 e ss).
Muito embora não comportem poder normativo, podem obter o status de regra de direito,
tornando-se assim vinculativo, quando as partes de um contrato assim aderirem (Cfr: PRADO,
Mauricio Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p 49; RIMKE, Joern. Force majeure… 1999-
2000, p. 29 e ss). Ademais, apesar de não dependerem as regras contidas nos Princípios das
tradições jurídicas nacionais, as disposições nestes constantes estabelecem uma ponte entre
diversas tradições jurídicas (Cfr: VICENTE, Dário Moura. A crise económica mundial e os
contratos internacionais. In: Revista de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, nº 3, 2017, Almedina: Coimbra, Separata. 2017, p. 25). De mais, quanto a estes,
prudente, qualquer que seja a utilização atribuída pelas partes às normas neles contidas,
dimensionar no negócio a medida da incidência dos Princípios (UNIDROIT. Princípios relativos
aos Contratos Comerciais Internacionais Unidroit. Versão provisória publicada em língua
portuguesa. Publicada pelo Ministério da Justiça. Roma 1995. p. 23 e 30-31; UNIDROIT.
Princípios Unidroit relativos aos Contratos Comerciais Internacionais 2010. Tradução Professor
Lauro Gama Jr. [Em linha]. Disponível em:
https://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/translations/blackletter2010-
portuguese.pdf. Acesso em: 07 jan. 2018.).
313 Consoante dito anteriormente, fora publicada no ano de 1994 a primeira edição dos Princípios

UNIDROIT, a qual trouxe regras de direito substantivo destinadas a serem usadas no comércio
internacional. As normas nestes Princípios contidas encontram-se abertas para várias utilizações
79

1994, instrumento este que carrega o grande mérito de, desde sua publicação,
ter acrescentado «segurança às complexas relações desenvolvidas por meio
dos contratos internacionais314». Com o advento do referido instrumento
decorreu uma evolução da chamada lex mercatoria315-316, definiram-se regras de
direito substantivo a serem usadas no comércio internacional de todo o mundo317
e fora dada expressão à teoria de hardship, através dos artigos 6.2.1 a 6.2.3 que
a trouxeram enquanto regra, a ser, possivelmente, aplicada ao domínio dos
contratos do comércio internacional318.
Daí para frente as relações comerciais desequilibradas de forma
superveniente, em virtude de terem sido alteradas as circunstâncias que deram
causa a contratação, deixaram de depender das soluções advindas das
tradições jurídicas, das condições políticas e económicas dos países em que as
regras devessem ser aplicadas319. Deixaram também de depender de solução
negociada no domínio do contrato, de modo que passou a ser possível haver
solução com recurso aos instrumentos internacionais, desde que escolhidos
pelas partes a incidir no contrato aquando da integração contratual. E mais,
houve delimitação do conteúdo e das consequências jurídicas a decorrerem em
caso de hardship320.
Para além dos Princípios UNIDROIT também foram trazidas regras
neste sentido através dos Princípios Europeus do Direito dos Contratos,
Principles of European Contract Law (dovarante PECL). Publicados no ano de
1999, passaram a disciplinar, em suma, sobre questões relacionadas a

ligadas à disciplina dos contratos comerciais internacionais. Entretanto, elegendo, as partes, os


Princípios UNIDROIT, para a validade da utilização, deve-se verificar se a jurisdição
eventualmente escolhida para julgar o litígio considera válida esta escolha (Cfr: VICENTE, Dário
Moura. A crise…, 2017, p. 25 e ss; GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008, p.
154; PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p. 48).
314 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 150.
315 A chamada lex mercatoria é, em suma, encarada como um Direito material do comércio

internacional, que confere um grau de uniformidade internacional e fora constituída com base em
convenções internacionais, leis-modelos, documentos públicos, em segundo plano, nos
costumes e usos do comércio internacional (Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial
Internacional: contratos comerciais internacionais; Convenção de Viena sobre a venda
internacional de mercadorias; Arbitragem transnacional. Almedina. Coimbra. 2015. p. 180-181).
316 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…2004, p. 48 .
317 Embora os Princípios não representem um ius commune internacional, são expressões do

que se pode chamar de best rules para o comércio internacional (Cfr: VICENTE, Dário Moura. A
crise… 2017, p. 26).
318 Sobre terem os Princípios UNIDROIT sido publicado para a unificação da lei privada, cfr:

FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006. p.8.


319 UNIDROIT. Princípios… 1995. p. 8.; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
320 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 48 e ss.
80

formação, validade, conteúdo, efeitos, cumprimento e não cumprimento dos


contratos. Entretanto, diferentemente dos Princípios UNIDROIT, estes foram
elaborados para serem utilizados tão somente pelos países membros da União
Europeia. E tal deveu-se, sobretudo porque, inicialmente, intentava-se que
estes, eventualmente, tornassem-se um Código Europeu dos Contratos ou ao
menos parte de um Código Civil Europeu a conter regras a serem utilizadas pelos
Tribunais pertencentes aos países da União Europeia321. Designadamente
através do artigo 6.111322 do PELC, inserido o título “Change of
Circumnstances”, também fora destinado tratamento às situações de hardship,
eis que nestes Princípios referidos consta a teoria do hardship no contexto do
comércio internacional323.
Não obstante ambos os instrumentos referidos tenham trazido para o
domínio do contexto do comércio jurídico internacional a teoria do hardship por
intermédio das regras neles a constar. Tendo em vista que a aplicabilidade do
PELC é mais restrita que a dos Princípios UNIDROIT, a seguir será exposta a
teoria do hardship, que ganhou corpo enquanto regra tão somente à luz dos
Princípios UNIDROIT.

321 LANDO, Ole. Principles of European Contract Law and UNIDROIT Principles: Moving from
Harmonisation to Unification? In: Uniform Law Review (Revue de Droit Uniform). 2003-1/2. Vol.
VIII. p. 123 e ss; Principles of European Contract Law. Parts I and II. Prepared by The Comission
of European Contract Law. Chairman: Professor Ole Lando. Edited by OLE LANDO and HUGH
BEALE.
322 «Principles of European Contract Law, 1998, Article 6.111 (ex art. 2.117) – change of

circumstances: (1) A parte é obrigada a cumprir suas obrigações mesmo se a execução se tornar
mais onerosa, quer porque os custos da execução tenham aumentado ou porque o valor da
contraprestação tenha diminuído. (2) Se a execução do contrato se tornar excessivamente
onerosa por conta da alteração das circunstâncias, as partes estão obrigadas a negociar com o
fim de adaptar o contrato ou resolvê-lo, desde que: a) a alteração das circunstâncias aconteça
após a conclusão do contrato; b) a alteração das circunstâncias não pudesse ser levada em
consideração no momento de conclusão do contrato, e; c) o risco da alteração não fosse
assumido, contratualmente, pela parte lesada. (3) Se as partes falharem em chegar a um acordo
dentro de um prazo razoável, a Corte deve: a) resolver o contrato em data e termos a serem
identificados pela Corte, ou; b) adaptar o contrato de modo distribuir entre as partes, de maneira
justa e dentro da equidade, os ganhos e prejuízos advindos da alteração das circunstâncias. Em
qualquer dos casos a Corte deve obrigar ao pagamento de indenização aquele que se recusar a
negociar ou romper as negociações de forma contrária à boa-fé». Tradução por: GLITZ,
Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008. p. 169. Versão em inglês disponível
em: https://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/textef.html#a6111. Acesso em: 23/04/2017.
323 A razão de considerar que trazem os Princípios Europeus dos Contratos os traçados da teoria

de hardship se dá porque foram estes elaborados, quase que na integralidade, pela mesma
comissão europeia que participou da elaboração dos Princípios UNIDROIT.
81

1.2. A TEORIA DO HARDSHIP TRAZIDA PELOS PRINCÍPIOS UNIDROIT

Os Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais


Internacionais324/325, notadamente em seus artigos 6.2.2 e 6.2.3 refletem a teoria
do hardship. Através dos dispositivos supracitados restam definidos o conceito,
os efeitos e o modo de produção dos efeitos para os casos de hardship em
contratos que ou os Princípios tiverem sido considerados como instrumento
internacional hábil a operar aquando da integração do contrato; ou tenham sido
os dispositivos neles constantes incorporados com vezes de cláusulas. É nesta
medida de utilidade que se intenta, então, definir os elementos. Veja-se:

«Artigo 6.2.2. (Definição) Há hardship quando surgem acontecimentos


que alterem fundamentalmente o equilíbrio das prestações quer por
aumento do custo do cumprimento das obrigações quer por diminuição
do valor da contraprestação, e a) esses acontecimentos se verificaram
ou chegaram ao conhecimento da parte lesada depois da conclusão
do contrato; b) esses acontecimentos não podiam razoavelmente ser
tomados em consideração pela parte lesada no momento da conclusão
do contrato; c) esses acontecimentos escapam ao controlo da parte
lesada; d) o risco desses acontecimentos não foi assumido pela parte
lesada.
Artigo 6.2.3. (Efeitos) 1) Em caso de hardship, a parte lesada pode
pedir a renegociação do contrato. O pedido deve ser formulado sem
atraso injustificado e deve ser fundamentado. 2) O pedido não confere,
por si só, à parte lesada o direito de suspender a execução das suas
prestações. 3) Na falta de acordo entre as partes num prazo razoável,
qualquer das partes pode submeter a questão ao tribunal. 4) Se o
tribunal entender que se verifica um caso de hardship pode, conforme

324 A respeito dos artigos que tratam da cláusula de hardship, cumpre ressaltar que estes foram
trazidos já na versão dos Princípios de 1994.
325 A regra trazida pelos Princípios UNIDROIT é de que as partes estarão obrigadas a cumprir

com os termos do contrato que se obrigaram, mesmo que a sua prestação tenha se tornado mais
onerosa. Nestes termos reflete o artigo 6.2.1: (Observância do contrato) As partes estão adstritas
ao cumprimento do contrato, das suas obrigações, mesmo quando a execução se tenha tonado
mais onerosa (sem prejuízo do que diz os artigos seguintes). Este entendimento decorre do
princípio geral do caráter vinculativo do contrato (art. 1.3 – Força vinculativa do contrato: um
contrato celebrado validamente vincula as partes contratantes. Este artigo enuncia o princípio da
pacta sunt servanda). Mesmo que a parte sofra pesadas perdas em vez de lucros ou o
cumprimento tenha se tornado inútil, as cláusulas do contrato devem ser observadas. (Há
exceções, a exemplo art. 6.2.3).
82

o caso: a) pôr termo ao contrato na data e nas condições por ele


fixadas; ou b) modificar o contrato para restabelecer o equilíbrio das
prestações.»326

À luz dos Princípios, decorrerá hardship, sobretudo em contratos de


longo termo327, quando sobrevierem fatos que «alteram fundamentalmente o
equilíbrio do contrato», quer porque o custo da realização da prestação a cargo
de uma das partes aumentou, quer porque o valor da contraprestação a que tem
direito diminuiu”328. Ou seja, pois houve uma alteração nas circunstâncias que
fundaram a contratação como um todo, o que desencadeou um desequilíbrio
contratual.
Para efeitos de definição, importa ter em atenção o que significa
hardship. Trata-se de um fato (evento329) imprevisível (ou incerto330) e inevitável,
capaz de alterar fundamentalmente o equilíbrio do contrato como um todo e, por
esta razão, desencadear dificuldade para o seu cumprimento 331.
Designadamente porque tornou o seu cumprimento excessivamente oneroso
para uma das partes da relação contratual332, seja porque houve um aumento
dos custos, seja porque desencadeou uma diminuição do valor da

326 UNIDROIT. Princípios… 1995. p. 174 UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.


327 Refere, OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados: das noções à prática judicial.
Vol I. 2ª ed. Coimbra Editora. Junho de 2015, p. 337 e ss., que as cláusulas de hardship são
comumente encontradas nos contratos de duração, como exemplo refere os contratos de
construção, de fornecimento de materiais, obras de execução prolongadas, contratos de
transporte de volumes. Todavia, importa ressaltar que os Princípios relativos aos contratos
comerciais internacionais da Unidroit não excluem expressamente a possibilidade de invocar
hardship em contratos que não aqueles de prestação duradoura. Em que pese façam referência
a invocação do hardship preferencialmente nos contratos de duração. Cfr: Princípios… 1995. p.
178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
328 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p.26.; UNIDROIT. Princípios… 1995, p. 175-176;

UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.


329 Importa ter em atenção que o evento, responsável por causar o desequilíbrio no seio de um

contrato, não é, em si, o que determina a situação de hardship. É, entretanto, o responsável por
criar a base factual da dificuldade (Cfr: GIRSBERGER, Daniel; ZAPOLSKIS, Paulius.
Fundamental Alteration of the contractual equilibrium under hardship exemption. Mykolo Romeris
University, 2012, p. 122 e ss. Disponível em:
https://www.mruni.eu/upload/iblock/434/7_Girsberger.pdf., p. 123 e ss).
330 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé… 2015. p 597 e ss.
331 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 161 e ss.
332 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista.

Contratos privados…, 2015. p. 338 e s; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2016, p.26.; Coloca
RIMKE, Joern. Force majeure…p. 6: «The circumstances in which hardship generally exists (as
usually set out in hardship clauses) normally incorporate three elements. First, the circumstances
must have arisen beyond the control of ether party; self-induced hardship is irrelevant. Second,
they must be of fundamental character. Third, they must be entirely uncontemplated and
unforeseeable».; UNIDROIT. Princípios…. 1995. p. 175-178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p.
18 e ss.
83

contraprestação333. O que está em causa é a modificação das circunstâncias


contratuais como um todo, que tenha sido provocada por um evento.
Relativamente ao evento que eclodiu e interferiu no equilíbrio do
contrato, consoante o termo utilizado «not foreseeable» nos exemplos colocados
nos comentários oficiais dos Princípios UNIDROIT, espera-se seja ele
imprevisível334. Entretanto, cumpre-se fazer uma análise objetiva, sobretudo no
momento da produção de efeitos da cláusula335, a respeito da imprevisibilidade
deste evento.
Será imprevisível aquilo que é capaz de interferir dentro e conforme a
dinâmica do contrato o qual se está a considerar. Por esta mesma razão é que
não serão relevantes as alterações de cunho subjetivo, como a simples mudança
de opinião do credor da prestação com relação ao valor desta prestação336, para
a definição da imprevisibilidade do evento. Nesta medida, cabe conceber que
estão a referir-se a eventos como grandes alterações políticas e económicas,
alterações da política de importações e exportações, alterações tributárias
(cunho legal), alterações financeiras, aparição de novas técnicas de

333 Nos comentários oficiais dos Princípios UNIDROIT, restam exemplificadas situações de
aumento e de diminuição – ou frustração – do valor da prestação e contraprestação.
Relativamente ao aumento dos custos da prestação cita-se situação em que o aumento dos
custos deveu-se a um aumento espetacular do preço das matérias-primas que eram necessárias
para a produção de determinadas mercadorias. Com relação a diminuição do valor da
contraprestação cita-se dois casos que merecem destaque. O primeiro relativamente a
diminuição drástica do valor da contraprestação devido a um aumento espetacular da inflação
num preço que fora contratualmente adotado. O segundo relativamente a frustração da finalidade
da contraprestação devido a proibição da construção em um lote de terreno que fora adquirido
para este fim. (UNIDROIT. Princípios… 1995. p. 175-176; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e
ss). Faz também menção a alteração fundamental em razão do aumento ou diminuição dos
custos da prestação: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 161 e
ss.
334 O termo utilizado é imprevisibilidade do evento. Todavia, não cabe proceder a leitura da

imprevisibilidade à luz da teoria da imprevisão de matriz francesa, vez que os requisitos relativos
a cláusula de hardship a afastam da referida teoria (Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e
sua conservação… 2008, p. 164 e ss).
335 Parece pertinente referir que a análise cabe aquando da produção de efeitos da cláusula pois,

fazê-lo antes da conclusão do contrato de modo a constar a informação na cláusula, estar-se-ia


por delimitar os eventos capazes de promover a alteração das circunstâncias fundamentais no
contrato. E, nesta medida, estar-se-ia a encarregar os contratantes prever todos os eventos
capazes de interferir no equilíbrio contratual, bem como, consequentemente, estar-se-ia por
excluir outros eventos que não fossem, de antemão, previstos. Por esta razão a melhor
orientação é de que os contratantes desenhem cláusulas abertas, pois nem todas as
contingências seriam previsíveis em um primeiro momento.
336 ESCALONA, Nuria Marchal. La Cláusula de hardship en la contratación internacional. Revista

de la Corte Española de Arbitraje. Madrid: Cámaras de Comercio, Industria y Navegación de


España., v. XVII, 2000, p. 75-104; GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação…
p. 161, nota 610.
84

procedimentos de produção e outros eventos seja de cunho político, económico,


legal ou tecnológico337.
Dá-se conta desta exigência, vez que os comentários oficiais do artigo
6.2.2 dos Princípios, seja na versão portuguesa, seja na versão em língua
inglesa, fazem menção à imprevisibilidade do evento analisada dentro e
conforme a dinâmica do contrato (not foreseeable)338. Não bastasse, deve-se
assim entender por que se fosse o evento previsível as partes contratariam
soluções a operar diante da incidência deste, sobretudo porque os contratantes
internacionais, via de regra, têm expertise acerca dos riscos que envolvem as
operações que habitualmente fazem339.340
Ademais, o evento referido deve provocar uma alteração essencial no
equilíbrio do contrato. Daí se extrai que a renegociação em virtude de situação
de hardship decorrerá quando as condições gerais, basilares, do contrato foram

337 Cfr: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos Internacionais: negociação e


renegociação. São Paulo: Ícone. 1993, p. 78 e ss; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua
conservação… 2008, p. 161.
338 «2. A aceita fornecer a B petróleo em bruto do país X a um preço fixo durante os cinco anos

seguintes, apesar das tensões politicas agudas existentes nesta região. Dois anos depois da
conclusão do contrato, rebenta uma guerra entre facções em conflito em países vizinhos. A
guerra provoca uma crise mundial de energia e os preços do petróleo sobem em flecha. A não
poderá invocar hardship porque esse aumento do preço do petróleo bruto não era imprevisível.»
«3. Num contrato de compra e venda entre A e B, o preço é expresso na moeda do país X, cujo
valor já vinha a depreciar-se lentamente em relação a outras moedas mais importantes antes da
conclusão do contrato. Um mês mais tarde, uma crise política no país X provoca uma
desvalorização de cerca de 80% da moeda. A menos que algo diferente resulte das
circunstâncias, este será um caso de hardship, porque uma aceleração tao fulgurante da perda
de valor da moeda do país X não era previsível.» Neste sentido: UNIDROIT. Princípios… 1995.
p. 177; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss; Os mesmos exemplos estão referenciados na
versão em inglês de 2010, disponível em:
http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/integralversionprinciples2010
-e.pdf. Acesso em: 28/06/2017.
339 Cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 164. A tartar sobre

a imprevisibilidade do evento: PERILLO, Joseph. Force Majeure…, 1998, p. 1-9.


340 No tocante a imprevisibilidade do evento, cabe referir que não é um requisito considerado de

forma unanime. Sobretudo porque ao se referir ao elemento “imprevisível”, muitos remetem a


sua leitura à teoria da imprevisão de matriz francesa. Neste sentido procede a leitura do elemento
DOUDKO, Alexei G. Hardship in contract: the approach of the Unidroit Principles and legal
developments in Russia. Uniform Law Review. v.V. Unidroit/Kluwer Law Review/ Giuffrè. 2000,
p. 499. Disponível em
http://heinonline.org/HOL/Page?handle=hein.journals/droit2000&div=43&g_
sent=1&collection=journals, ao referir: «Practically speaking, all events are foreseeable in one
way or another, since people usually have access to enough information to enable then to make
credible predictions.» Entretanto, consoante refere MARTINS-COSTA, a opinião mais acertada
é a de que deve ser o hardship substancial e não imprevisível, segundo propõe a teoria da
imprevisão. Sobretudo porque «hoje se admite que tais cláusulas podem dizer respeito não
apenas a circunstâncias imprevisíveis, mas igualmente, a circunstâncias previstas (…), mas
incertas no quantum, podendo as partes tanto prever a possibilidade de um fato incerto ocorrer,
quanto cogitar da possibilidade de vir a impactar o contrato um fato incerto e indeterminado na
sua possibilidade de previsão». Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 22.
85

alteradas e, consequentemente, quando ambos os contratantes forem afetados


por esta alteração341. A essencialidade da alteração no equilíbrio do contrato
dependerá das circunstâncias que se verificarão no caso concreto342, no caso de
não terem sido elas especificadas pelos contratantes no corpo da cláusula.
Segundo os comentários oficiais dos Princípios UNIDROIT, para se
mensurar a essencialidade da alteração, quando a prestação for quantificável
em termos monetários, será fundamental aquela alteração igual ou superior a
50% do custo ou do valor da prestação343. Todavia, este não é o único critério a
ser usado, pois, para além deste, poderão ser considerados outros critérios que
não estritamente numéricos. Há quatro hipóteses que legitimam a mitigação da
força contratual. A primeira em razão do aumento ou a diminuição do valor da
prestação não pode ser mensurado numericamente344; a segunda porque,
embora possam ser medidos, tanto o aumento, quanto a diminuição dos custos
da prestação, o limiar da alteração foi significativamente reduzido ou aumentado;
a terceira porque o aumento ou a diminuição dos custos é apenas indireto 345; a
quarta porque houve a “frustration of purpose”346.

341 Cfr: ANTUNES, José A. Engrácia. Direito e Justiça…, 2007, p. 220; GLITZ, Frederico Eduardo
Z. Contrato e a sua conservação… 2008, p. 162.
342 UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 175; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
343 UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 175; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
344 Inspirado no caso Northern Corp. vc Chugach Eletric Assoc, de 1974 US, é exemplo hipotético

citado por GIRSBERGER, Daniel/ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental alteration…p. 130 e ss, de


situação em que o aumento ou a diminuição dos custos não podem ser numericamente medidas,
caso de uma contratação no deserto do Alaska para a construção de casas. Em suma, no caso
citado necessário que fosse movida uma grande quantidade de rochas de um lado para o outro
de um lago congelado. Método que há muito era utilizado na região sem que fosse reportado
qualquer incidente e, diga-se, método único tendo em vista que não havia transporte alternativo
para isto eis que a área era rodeada por montanhas. Entretanto, durante a transportação o lago
congelado acabou por rachar e, por esta razão, o caminhão acabou por afundar e o motorista
afogou-se. Considerando a hipótese de tratar-se esta de uma situação de hardship o ajustamento
do contrato que sofreu uma alteração fundamental poderia se dar através da permissão
concedida pelo Tribunal a parte prejudicada de fazer a entrega das rochas através de uma barca,
sem que tivesse de suportar todas as consequências da demora de vários meses. Ou ainda,
poderia ser o caso de o contrato ser declarado extinto e as partes ficarem isentas de pagar pelos
danos.
345 Segundo GIRSBERGER, Daniel/ ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental alteration… 2012, p.

133 e ss, esta situação decorre em casos de ganhos inesperados. Nomeadamente quando a
prestação de uma das partes, não necessariamente das duas, recebe benefícios que não eram
esperados pelas partes aquando do fechamento da contratação. Como exemplo, enumeram o
caso da venda de uma vaca que, tanto comprador quanto vendedor, acreditavam na
oportunidade que era infértil. Por esta razão fora a vaca vendida por um preço, diga-se, dez
vezes menor do que seria vendida no caso de ser fértil. Não obstante, após o fechamento do
contrato a vaca ficou prenha, o que demonstrou tratar-se esta de uma vaca fértil. Neste caso o
comprador teve um benefício inesperado.
346 Para que se possa considerar a ‘frustration of purpose’ para este fim, primeiramente cabe

verificar se houve frustração da finalidade que era comum a ambas as partes na relação
86

Muito embora tenham sido os Princípios UNIDROIT omissos com


relação a natureza do evento347, espera-se que os eventos capazes de
desencadear a situação de hardship – dificuldade - para o cumprimento do
contrato devam ter ocorrido ou ao menos sido conhecidos e tomados em
consideração pela parte prejudicada após a conclusão do contrato 348. Sendo
assim, o que está em causa são acontecimentos supervenientes à conclusão do
contrato, ou ao menos que seja superveniente, à conclusão do contrato o
conhecimento da parte prejudicada de tais acontecimentos.349. Mormente porque
se a parte tivesse tomado conhecimento dos eventos antes de se ter dado a
conclusão do contrato poderia tê-los considerado na dada altura e se precavido
com relação a eles, deixando estes de ser acontecimentos imprevisíveis. 350
Outrossim, é imprescindível que a alteração desencadeada por tais
acontecimentos esteja fora do controle da parte prejudicada e deve ser esta
alteração a responsável por impedir a (ou as) parte(s) de alcançar os benefícios
que visavam com aquela contratação351/352. Mais uma vez, o que corrobora
estarem em causa eventos como grandes alterações políticas e económicas,
alterações da política de importações e exportações, alterações tributárias

contratual. Ademais, a finalidade da prestação, que era componente da base do contrato e,


portanto, comum a ambas as partes, deve ter se tornado totalmente, ou quase totalmente, sem
uso, sem interesse, para a parte credora. Situação esta que acaba por frustrar a finalidade do
contrato (Cfr: GIRSBERGER, Daniel/ ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental alteration… 2012, p.
135 e ss).
347 A fazer referência neste sentido: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…,

2008, p. 163.
348 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista

de. Contratos privados… 2015. p. 338 e s; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.; Neste
sentido também coloca RIMKE, Joern. Force majeure… 1999-2000: “The circumstances in which
hardship generally exists (as usually set out in hardship clauses) normally incorporate three
elements. First, the circumstances must have arisen beyond the control of ether party; self-
induced hardship is irrelevant. Second, they must be of fundamental character. Third, they must
be entirely uncontemplated and unforeseeable”.; UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 175-178;
UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
349 ANTUNES, José A. Engrácia. Direito e Justiça…, 2007. p. 218-221.
350 UNIDROIT. Princípios…, 1995, p. 175-178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
351 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista

de. Contratos privados… 2015. p. 338 e ss; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.;
Princípios… 1995. p. 175-178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
352 Muito embora de acordo com a regra geral a deterioração financeira de uma das partes

adentre a esfera do controle das partes, o que não pode ser abarcado pelas situações de
hardship, em casos excecionais há doutrina que considera a possibilidade. Designadamente
quando se tratar de contratação de uma pequena companhia, a qual houver sido acometida por
uma alteração de circunstâncias. Nesta hipótese poderá se justificar a incidência da hardship.
Em casos como este considera-se essencial a verificação de que o cumprimento do contrato
pela parte prejudicada é capaz de levá-la à ruína financeira ou falência, entre outras
peculiaridades que deverão ser analisadas à luz do caso concreto (Cfr: GIRSBERGER, Daniel/
ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental alteration… 2012, p. 131 e ss).
87

(cunho legal), alterações financeiras, aparição de novas técnicas de


procedimentos de produção e outros eventos seja de cunho político, económico,
legal e tecnológico353, consoante sobredito.
Para além disto, tal alteração, diga-se, ocasionada seja por fatos
supervenientes à conclusão do contrato ou pela superveniência dos efeitos
danosos de um fato - que embora existente antes da conclusão do contrato, só
desencadeou efeitos danosos após a conclusão contratual -, deve estar fora dos
riscos próprios da contratação que a parte lesada deveria suportar354. Importa
ter em atenção que o que se pretende com a exigência de assumir os riscos não
é que, necessariamente, a parte prejudicada tenha explicitamente assumido os
encargos para ela, mas que os riscos devam ser da parte prejudicada em virtude
da própria natureza contratual355.
A regra do hardship nos termos dos Princípios UNIDROIT, somente
poderá ser invocada com relação às prestações ainda não cumpridas. Contudo,
em se tratando de um contrato em que o cumprimento da prestação se dê em
parcelas, não é vedado que a parte lesada invoque hardship relativamente as
parcelas que estejam a faltar.356
Uma vez reconhecido pelos contratantes que houve hardship, termo
definido consoante especificado, reconhecimento este que, conforme a regra,
dar-se-á em razão de pedido fundamentado pela parte prejudicada, a ser feito o
mais breve possível a partir da verificação da dificuldade357, terá lugar a
renegociação contratual358. Esta exigência se trata do principal objetivo e
principal efeito da incidência deste dispositivo359.
Aquando da renegociação terão as partes de trocar propostas e
contrapropostas, o que deverá decorrer em um prazo razoável360, com o objetivo

353 Cfr: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos Internacionais…1993, p. 78 e ss; GLITZ,
Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 161.
354 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017; FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006. p. 26.;

UNIDROIT. Princípios… 1995, p. 175-178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.


355 «Pressupõe-se que uma parte que se envolve numa transação especulativa aceita um certo

grau de risco, mesmo que não tenha tido total consciência deste risco no momento em que
contratou» (Cfr: UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 175-178; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18
e ss).
356 UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 177 e ss; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
357 UNIDOIRT. Princípios…, 1995. p. 179-183; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
358 Ao referir sobre o funcionamento do dispositivo que fundamenta a cláusula, cfr: VICENTE,

Dário Moura. A crise…, 2017,.26.


359 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação... 2008, p. 167.
360 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.
88

de se chegar a um novo plano para o contrato, o qual será a elas vinculante 361.
A adaptação por elas efetuada deverá se dar de boa-fé, mormente porque a
própria redação do artigo 6.2.3 assim faz crer e também porque a boa-fé negocial
é «ideia fundamental subjacente aos Princípios», conforme consta no seu artigo
1.7 e comentários oficiais362. Como também deve se dar de modo a aliviar a
excessiva onerosidade que o cumprimento da prestação do contrato alterado
seria capaz de impor para a parte prejudicada363/364. A renegociação contratual
nos termos dos dispositivos não decorrerá de forma automática. Assim como,
não dará direito à suspensão automática da execução contratual por qualquer
das partes365/366.
Nos termos dos dispositivos em questão, caso decorra o prazo para
readaptação contratual sem êxito no rearranjo, seja porque as partes não
chegaram a um acordo ou porque a parte não lesada ignorou, completamente,
o pedido de renegociação, poderá ser submetida, por qualquer das partes, a
questão ao tribunal que tenha jurisdição para tanto367. Diga-se, o qual, poderá
entender pela resolução do contrato ou modificação dos termos contratados.368
Com efeito, na hipótese de haver recusa de um dos contratantes, mas
sobretudo da parte não prejudicada, quanto a renegociação do contrato alterado,
seja porque agiu propositadamente neste sentido ou porque se omitiu de se

361 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…2008, p. 167.


362 «ARTIGO 1.7 (Boa fé) 1) As partes devem proceder segundo as regras da boa fé no comércio
internacional. 2) As partes não podem excluir nem limitar o alcance deste dever.». Segundo os
comentários oficiais, diversos são os artigos dos Princípios que trazem, direta ou indiretamente,
a aplicação do princípio da boa fé. Assim sendo, tem-se que a boa-fé deve ser considerada uma
ideia fundamental que se encontra subjacente aos referidos Princípios. A mais, mesmo na falta
de disposições acerca da boa-fé em outros dispositivos dos Princípios, estando as partes de um
contrato vinculadas aos seus termos, porque assim escolheram, devem, sem maiores debates,
proceder segundo a boa-fé, inclusive nas negociações que se derem no decurso do cumprimento
contratual (Cfr: UNIDROIT. Princípios…, 1995, p. 36 e ss; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e
ss.; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 155, nota 579).
363 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação… 2008, p. 168.
364 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados… 2015. p. 337 e ss; PINHEIRO, Luís

de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 216; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.
365 Artigo 6.2.3, UNIDROIT. Princípios…, 1985, p. 179; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
366 Importa observar que os Princípios UNIDROIT não propõem procedimento para a

renegociação contratual a ser efetivada pelas partes. Diferente é o que ocorre na cláusula
desenhada pela UNCITRAL. UNCITRAL, Legal guide on drawing up international contracts for
the construction of industrial works. New York. 1988, p. 246 e ss. Disponível em:
https://www.uncitral.org/pdf/english/texts/procurem/construction/Legal_Guide_e.pdf.
367 Nestes termos é a redação do artigo 6.2.3 dos Princípios UNIDROIT: Princípios…, 1985, p.

179; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss; PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…
2005, p. 221.; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação… 2008, p. 171.
368 UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 179-183; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
89

manifestar no prazo em que deveria fazê-lo, estar-se-á diante de uma infração


contratual369. Eis que a renegociação é uma obrigação contratual que impõe para
os contratantes duas prestações: a primeira de reunirem-se para formular
proposições sérias e atentas a todas as circunstâncias que rodeiam o contexto
(sob pena de recusando-se a fazê-lo estar-se diante de culpa contratual); e a
segunda de proceder às negociações conforme a boa-fé, ou seja, sem utilizarem-
se de «artimanhas, protelações, deslealdades ou renitências irrazoáveis»370.
A infração ocasionada diante de casos como o referido será capaz de
acarretar efeitos diversos, a depender do contexto jurídico do contrato, assim
como do direito aplicável ao contrato - embora, via de regra, os efeitos variem
entre o prosseguimento do contrato sem qualquer modificação, sua continuação
após adaptação dos seus termos, ou sua extinção371. Entretanto, caso tenham
escolhido as partes do contrato vincular-se no todo aos Princípios UNIDROIT,
segundo os artigos 1.7 e 2.15372 destes Princípios, a parte que proceder as
negociações de má-fé deverá ser responsabilizada pelos danos que causar a
outra parte373, situação que poderá ser verificável inclusive no caso de haver
decisão de tribunal judicial ou arbitral.
Sendo assim, pode-se dizer que a regra do hardship, a qual dá corpo à
teoria do hardship no comércio internacional, reflete o princípio ‘rebus sic
stantibus’ e, nesta medida, trata-se de uma veste atribuída pelo comércio
internacional para a cláusula medieval ‘rebus sic stantibus’374, conquanto com
especificidades. Diz-se isto, tendo em vista que as partes somente

369 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 169.


370 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula… 2010, p. 24.
371 Cfr: PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…2004 p 48; MONTEIRO, António Pinto

/ GOMES, Júlio. «A hardship clause» e o problema da alteração das circunstâncias (breve


apontamento). In: Juris Et De Iure. Nos 20 anos da Faculdade de Direito da UCP – Porto, 17-40,
Porto, 1998, p. 22. Sobre a cláusula de hardship, cfr: CORDEIRO-MOSS, Giuditta. Boilerplate…,
2011. p. 122 e ss; 175 e ss; 263; 326; 341; 367.; PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…,
2005. p. 221.; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 17.
372 «ARTIGO 1.7 (Boa fé) 1) As partes devem proceder segundo as regras da boa fé no comércio

internacional. 2) As partes não podem excluir nem limitar o alcance deste dever. ARTIGO 2.15
(Má fé nas negociações) 1) As partes são livres de negociar e não podem ser tidas por
responsáveis se não chegarem a um acordo. 2) Porém, a parte que na condução ou na ruptura
das negociações agir de má ++fé responde pelo prejuízo causado à outra parte. 3) Considera-
se que está de má fé designadamente a parte que enceta ou prossegue negociações quando
tenciona não chegar a acordo» (Cfr: UNIDROIT. Princípios…, 1985, p. 36 e 70; UNIDROIT.
Princípios… 2010, p. 18 e ss).
373 Cfr: PERILLO, Joseph. Force Majeure…, p. 1-9.
374 Sobre tratar-se a cláusula de hardship de uma cláusula mais evoluída que a cláusula rebus

sic stantibus: OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados… 2015. p. 340 e ss.
90

permanecerão vinculadas ao contrato no momento da sua execução quando


permanecerem as mesmas circunstâncias que fundaram a conclusão do
contrato375. Esta é a solução internacional, designadamente quando houver
recurso ao regramento do hardship através dos Princípios UNIDROIT aos casos
de manutenção do vínculo entre os contratantes em razão de desequilíbrios
supervenientes no seio dos contratos.

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS


COMERICIAIS INTERNACIONAIS

A cláusula de hardship surgiu e até os dias de hoje é expressão do


princípio da autonomia privada no contexto do comércio internacional. É este o
argumento primeiro a justificar a sua modelação. Entretanto, a despeito da
grande margem deste princípio no âmbito internacional, eis que vigora com maior
afinco a ideia de liberdade contratual, não se cuida de um princípio absoluto.
Designadamente a respeito do princípio da autonomia privada, importa
dizer que este encontra limitações à sua eficácia embora os mais recentes
instrumentos de harmonização e unificação do Direito dos contratos 376 tenham
vindo a consagrar de forma vasta a possibilidade «que alguém tem de
estabelecer suas próprias regras» e os efeitos jurídicos a virem para si operar

375 Consideram subjacente à cláusula de hardship a cláusula rebus sic stantibus: MOSER, A
cláusula…, p. 1-17; GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin; SANTOS, Thaysa Prado Ricardo dos. A
cláusula de hardship e o equilíbrio contratual – uma fórmula jurídica de justiça e democracia
contratual. disponível em:
http://www.fredericoglitz.adv.br/upload/tiny_mce/CAPITULOS_DE_LIVROS/GLITZ__PRADO_-
_Clausula_de_hardship_e_equilibrio_contratual.pdf.; PRADO, Maurício Almeida. Novas
perspectivas…2004. p. 32.; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p.
340 e ss.
376 Destaque para: Princípios UNIDROIT sobre os Contratos Comerciais Internacionais, artigo

1.1 «As partes são livres de celebrar um contrato e de estipular o seu conteúdo»; Princípios de
Direito Europeu dos Contratos – PECL -, artigo 1:102 «As partes são livres de celebrar um
contrato e de estipular o seu conteúdo, sem prejuízo das exigências da boa fé e das regras
imperativas estabelecidas por estes Princípios»; Projeto do Quadro Comum de Referência –
DCFR -, artigo II.-1:102 «As Partes são livres de celebrar um contrato ou outro ato jurídico e de
estipular o seu conteúdo, sem prejuízo de quaisquer regras imperativas aplicáveis»; Proposta de
Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um Direito Comum Europeu de
Compra e Venda – CESL – artigo 1º, nº 1 «As partes são livres de celebrar um contrato e estipular
o seu conteúdo, sob reserva das disposições imperativas aplicáveis». Neste sentido: VICENTE,
Dário Moura. A autonomia privada…2016, p. 277-305.
91

dentro de um dado espaço de liberdade377/378 (eis que a relevam no tocante a


liberdade de celebração, liberdade de estipulação do conteúdo dos contratos e
aplicabilidade, pelas partes, das disposições dos Princípios e instrumentos379).
Tal decorre sobretudo porque, também neste seio internacional a heteronomia e
a autonomia se entrelaçam380. Por esta razão não se pode considerar que a
autonomia derivará unicamente da vontade das partes contratantes. Será, neste
contexto, em razão das delimitações havidas, a chamada autonomia da vontade,
em verdade, privada. 381
O modo que a autonomia privada virá a se relacionar com os outros
princípios e regras que com ela concorrerão variará de acordo com os
ordenamentos, Princípios ou outros instrumentos que as partes estabelecerem
para o contrato internacional, ou seja, aqueles instrumentos que ao contrato
estiverem subjacentes382. Nesta linha, necessário que os contratantes
internacionais observem o que se relaciona com a autonomia privada, à luz da
legislação ou dos instrumentos de direito aplicáveis ao contrato em concreto,
para não tornar suas disposições inválidas e ineficazes383.
No que toca à modelação de uma cláusula de hardship, tendo em
consideração as questões levantadas acerca do princípio da autonomia privada

377 Neste sentido refere LEITÃO ao que se deve entender por autonomia privada. Cfr: LEITÃO,
Luís Manuel Teles de Menezes. Direito… vol I, 2017. p. 19 e ss.
378 Pondera LARENZ, Karl. Derecho… 1985, p. 67 e ss, que a autodeterminação, entendida como

uma capacidade fundamental do homem, assegura-lhe a possibilidade de celebrar contratos e a


possibilidade que ao homem se abre para regular suas relações jurídicas com os outros é um
importante tipo de atuação da autodeterminação – embora não seja o único. Porém, ainda que
seja esta liberdade de contratar um princípio do «direito justo», há numerosos limites. Alguns
destes advêm de outros princípios, outros derivam da mesma ideia da autodeterminação (neste
sentido exemplifica referindo as situações em que um ordenamento jurídico pode não reconhecer
o valor de contrato àqueles por meio dos quais uma pessoa se obriga frente a outra a cometer
um crime) e, outras limitações ainda tem seu fundamento em objetivos de políticas económicas.
379 Refere LEITÃO, Direito das Obrigações… vol I, 2017. p. 21, que a liberdade contratual, a qual

consiste na liberdade de celebração, liberdade de seleção do tipo negocial e liberdade de


estipulação, é a possibilidade concedida pela ordem jurídica a cada uma das partes de um
negócio jurídico de regular, por meio de um acordo mútuo, as suas relações com a outra parte,
a qual foi por ela livremente escolhida, em termos vinculativos.
380 Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A autonomia…, 2016, p. 277-305.
381 Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A autonomia…, 2016, p. 277-305.
382 Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A autonomia…, 2016, p. 277-305.
383 Designadamente no seio do direito português, pode-se citar princípios como: o princípio do

ressarcimento dos danos, o princípio da restituição do enriquecimento injustificado, o princípio


da boa-fé, o princípio da responsabilidade patrimonial; assim como, regras que restringem a
liberdade de celebração (como a obrigação de celebração de um contrato), restrições a liberdade
de estipulação (como contratos submetidos a um regime imperativo). Como responsáveis por
restringir a autonomia privada dos contraentes. Neste sentido, cfr: LEITÃO, Direito das
Obrigações… vol I, 2017. p. 19-59.
92

no contexto dos contratos comerciais internacionais, para que seja válida e


eficaz, de modo a se vir garantida a produção dos efeitos jurídicos que se
pretende, cumpre ter atenção as demais regras e princípios que com este virão
a se relacionar. Ainda que possam as partes estabelecer questões neste domínio
do modo que entenderem conveniente às necessidades das contratações em
causa384, no caso de procederem à modelação de forma desatenta as demais
nuances, poderá ser o caso de não se virem produzidos os efeitos desejados.
As delimitações acerca da modelação da cláusula de hardship serão
impostas ora pelas regras e princípios atinentes ao direito aplicável ao contrato,
os quais são variáveis a depender do sistema jurídico em causa, mas ao menos
nalguma medida existem. Outrora a partir dos instrumentos internacionais que
por escolha das partes as vinculam. E sempre em razão do princípio da boa-fé
objetiva, eis que esta é «filha da boa-fé385».386/387
Pese embora a margem de liberdade na modelação destas cláusulas e
que possam os contraentes as estabelecer consoante os aprouver, existem
instrumentos internacionais que, sobretudo em razão da teoria que trazem em
seus regramentos, são capazes de direcionar as partes no que toca à elaboração
de uma tal cláusula nos contratos do comércio internacional. Isto, seja porque
podem estes elucidar o que se espera se entenda por hardship no contexto do
comércio internacional e, a partir da definição, haver a possibilidade de os
desenharem cláusulas de hardship, conforme a sua vontade formalizada no
contrato. Seja porque podem, simplesmente, as partes de um contrato

384 A modelação de uma cláusula de hardship cumpre dar-se através de um «projeto de


adaptação» proposto no contrato, a constar já no momento da conclusão do contrato. cfr:
MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 18.
385 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 17.
386 Para notas sobre a validade e eficácia das cláusulas de hardship, cfr: PINHEIRO, Direito

Comercial…, 2005, p. 222.


387 Estabelecer o limite da relação entre heteronomia e autonomia privada é complexo, pois

carece de compreender toda a sistemática jurídica que está subjacente a contratação. Nem todo
contrato poderá trazer uma cláusula de hardship válida e eficaz. Vide, neste sentido, a relação
que se tem na República Popular de China com o princípio da autonomia privada. Muito embora
os Princípios Gerais de Direito Civil da República Popular da China, artigo 4º, consagrem o
princípio da autonomia da vontade, este é limitado apenas à esfera da conclusão contratual e
não abrange a escolha do parceiro contratual, a estipulação do conteúdo do contrato, sua
modificação, cessão ou definição da forma. Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A autonomia
privada… 2016, p. 290.
93

internacional, entender por bem incorporar os dispositivos trazidos pelos


instrumentos internacionais com o valor de cláusulas388/389.
A importância de considerar instrumentos auxiliadores, dá-se, em
primeiro lugar, porque foram estes elaborados por influência de juristas dos mais
diversos sistemas jurídicos e, nesta medida, atentos às mais variadas
especificidades dos sistemas de Direito e às necessidades do tráfego jurídico
internacional390. Segundo porque desta forma criam-se facilidades, tanto para as
partes, quanto para os seus advogados no que toca à modelação de soluções
eficazes aos casos de hardship aos seus contratos internacionais. De mais,
porque ao estabelecer um dado standard, fica também mais seguro proceder ao
enquadramento da cláusula enquanto cláusula de hardship.
Nesta linha, importa considerar a regra trazida pelos Princípios
UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais já referida no
capítulo antecedente, designadamente no Capítulo 6, Seção 2, tendo em vista
que este regramento traz à teoria do hardship aceita no âmbito dos contratos
internacionais. Assim como a cláusula-tipo de hardship elaborada no ano de
2003 pela “Comission on Commercial Law and Practice” da Câmara do Comércio

388 Dentre as várias funções que os Princípios UNIDROIT detém, destaca-se a possibilidade de
as partes acordarem em incorporar, seja uma ou várias de suas regras, como cláusulas
contratuais. Neste sentido: GAMA JÚNIOR, Os Princípios … p. 106 e ss. Neste sentido: GAMA
JÚNIOR, Lauro. Os Princípios UNIDROIT relativos aos contratos do comércio internacional: uma
nova dimensão harmonizadora dos contratos internacionais. p. 106 e ss. Disponível em:
http://www.oas.org/es/sla/ddi/docs/publicaciones_digital_XXXIII_curso_derecho_internacional_
2006_Lauro_Gama_Jr.pdf.
389 Lembrando-se, entretanto, que a validade e eficácia da cláusula estará condicionada as

demais regras e princípios aplicáveis ao contrato que estiver em questão.


390 Acerca da atenção que se deu as necessidades do tráfego jurídico internacional aquando da

elaboração dos variados instrumentos que servem para auxiliar as partes na modelação de
cláusulas desta natureza, cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito comercial…, 2005, p. 220-221.
94

Internacional, doravante CCI, eis que se trata de uma cláusula padrão usada
corriqueiramente pelos comerciantes internacionais391.392
Assim se faz tendo em vista que, inexistindo delimitação neste sentido
ficaria inviável dar conta, de forma exaustiva e exitosa, das cláusulas de hardship
de adaptação que podem ver-se modeladas. Conforme dito, por se estar a
adentrar o campo da autonomia privada dos contratantes, as cláusulas podem
formatar-se dos mais diversos modos393 e o conceito de hardship para o contrato
em concreto pode variar. Especialmente porque é, usualmente, no contexto da
cláusula de hardship que se discute o seu conceito394 e que as partes se ocupam
de especificar a relevância jurídica da alteração de circunstâncias que tornam o
cumprimento do contrato especialmente oneroso395.
Deste modo, delimitar a análise para os instrumentos referidos é forma
de, a partir de um padrão que se estabelece para este estudo, permitir identificar
as circunstâncias e o evento a desencadear a incidência da cláusula com maior
sucesso. Segundo, porque tratá-las consoante às disposições dos instrumentos

391 A CCI, fora fundada no ano de 1919 com o objetivo de representar o mundo dos negócios em
um momento histórico, em que o mundo intentava recuperar-se da devastação ocasionada pela
primeira Guerra Mundial, tornou-se uma organização que assumiu papel central no
desenvolvimento do comércio mundial. Haja vista que passou a definir, cada vez mais e de forma
mais complexa, regras internacionais, mecanismos e padrões que são usados reiterada e
diariamente pelos comerciantes internacionais. Designadamente no ano de 2003, a “Comission
on Commercial Law and Practice” da organização desenvolveu um modelo de cláusula de
hardship, chamada de cláusula-tipo de hardship. Esta fora desenhada com a finalidade de
facilitar o processo de elaboração de cláusulas de hardship nos contratos internacionais tanto
pelas partes, quanto por seus advogados e ajudá-los a levar em consideração a necessidade de
negociação de uma cláusula que previsse soluções para casos em que decorressem
circunstâncias inesperadas. PORTUGAL. International Chamber of Commerce. Disponível:
Informações disponíveis em: http://www.icc-portugal.com/ICC-Portugal/historia.
392 Para além dos referidos instrumentos, a hardship, ainda que possa ter assumido outro nome

como «change of circumstances», «excessively onerous», fora tratada em instrumentos de


cunho internacional como: Draft Common Frame of Reference – DCFR; TransLex Principles.
Neste sentido: GIRSBERGER, Daniel; ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental Alteration…, 2012, p.
122 e ss. Disponível em: https://www.mruni.eu/upload/iblock/434/7_Girsberger.pdf. Entretanto,
tendo em vista que o que se pretende é elucidar alguns dos principais instrumentos internacionais
que vieram a tratar da hardship que, em razão de sua redação vieram a inspirar a construção da
cláusula de hardship. não cabe proceder a um trabalho exaustivo no sentido de demonstrar todos
os instrumentos internacionais que tratam, e em que medida tratam, do hardship.
393 A modelação de uma cláusula de hardship de forma pormenorizada e não de modo a

reproduzir o que fora desenvolvido nos instrumentos internacionais pode ser motivada,
sobretudo, pelas especificidades da atividade desenvolvida. Por seus operadores conhecerem
melhor os riscos próprios que podem circundar aquela contratação específica, poderá ser o caso
de pormenorizarem condições e situações que não se veriam em uma cláusula padrão.
394 Neste sentido se coloca: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000.
395 A respeito da relevância jurídica da alteração das circunstâncias que torna o cumprimento do

contrato especialmente oneroso nos sistemas jurídicos nacionais, cfr: PINHEIRO, Luís de Lima.
Direito Comercial…, 2005. p. 216.
95

mencionados é maneira de dar conta de instrumentos internacionais com forte


expressão para atender as necessidades do tráfego jurídico do comércio
internacional. Do mesmo modo, porque ambos os instrumentos em análise se
fundam, estruturalmente, nos Princípios UNIDROIT. Enquanto o primeiro se trata
dos próprios Princípios UNIDROIT, o segundo reflete conteúdo inspirado nos
Princípios UNIDROIT retro referidos396. Depois, porque estes trazem modelo de
cláusula de hardship, geral e abstrata, enquanto cláusulas de adaptação e não
de revisão automática397.398

1.1. A REDAÇÃO E OS EFEITOS DA CLÁUSULA DE HARDSHIP (DE


ADAPTAÇÃO) À LUZ DOS PRINCÍPIOS UNIDROIT E DA CLÁUSULA-TIPO DA
CCI

Pese embora no que toca à redação das cláusulas de hardship,


conforme já referido, inexista uma forma única de desenhá-las399. Tratar-se-á
das cláusulas de hardship modeladas a partir da incorporação da teoria do
hardship dos dispositivos dos Princípios UNIDROIT, assim como da cláusula-
tipo elaborada pela CCI400.

396 Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 220-221.


397 As cláusulas de hardship podem assumir o formato de cláusulas de revisão automática. Assim
são quando, por exemplo, são trazidas nos contratos cláusulas de indexação ou de revisão de
preço, as quais, mediante dadas circunstâncias, desencadeiam a revisão automática do contrato.
Ou ainda podem assumir forma de cláusulas de adaptação, quando, mediante a comprovação
de algumas circunstâncias, desencadeia às partes o dever de renegociar o plano do contrato.
Neste sentido, cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 239 e ss; MARTINS-
COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 19 e ss.
398 ANTUNES, José A. Egrécia. Direito e Justiça…2007. p. 220.
399 Haja vista que podem as partes, em nome da autonomia privada (também chamada, no

comércio internacional de autonomia da vontade), observando o modo que este princípio


interage com os demais princípios com ele correlatos na regulação contratual (cfr: VICENTE, A
Autonomia…2016, p. 304), delimitar quais as dificuldades que desencadeiam o surgimento do
dever de renegociar (cfr: ROSA, Diana Serrinha. As cláusulas cross default no ordenamento
jurídico português. In: Revista de Direito das Sociedades. Ano VIII (2016), nº 1. Almedina. p. 211-
246)
400 Designadamente acerca das práticas contratuais, consta, nos comentários oficiais dos

Princípios UNIDROIT, que as diretrizes fornecidas têm um caráter geral. Sobretudo porque, os
contratos do comércio internacional comportam, frequentemente, cláusulas muito mais precisas
e elaboradas. Cfr: UNIDROIT. Princípios… 1995. p. 179; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e
ss.
96

Uma vez incorporadas os artigos 6.2.2 e 6.2.3 dos Princípios UNIDROIT


com o valor de cláusula de hardship401/402, terá esta como escopo prever a forma
que se remediará o desequilíbrio económico de contratos de longa duração403 -
desequilíbrio este ocasionado por fato que venha a alterar as circunstâncias que
fundaram a contratação404.
A eficácia da cláusula no sentido de renegociação contratual dar-se-á
quando a parte a que se propõe a remodelação do plano do contrato em
decorrência de hardship concordar que: i) houve a eclosão de um evento
imprevisível, incerto e inevitável, responsável por alterar o circunstancialismo da
contratação405; ii) que a alteração das circunstâncias foi responsável por
desequilibrar o contrato e nesta medida desencadear dificuldade para o
cumprimento da prestação, em razão de excessiva onerosidade406; iii) tenha o
evento que eclodiu ou ocorrido após a conclusão do contrato ou sido conhecido
e tomado em consideração pela parte prejudicada depois da celebração407; iv)
esteja, a alteração desencadeada, fora do controle das partes e seja responsável
por impedir os contratantes de alcançar os benefícios que pretendiam com a

401 Neste sentido: GAMA JÚNIOR, Lauro. Os Princípios… p. 106 e ss.


402 Ou ainda, quando as partes entenderem por bem em seguir fielmente suas diretrizes fazendo
apenas alguns acréscimos ou decréscimos que não modifiquem seu teor.
403 «Embora este artigo não exclua expressamente a possibilidade de invocação de hardship em

relação a outros tipos de contrato, o hardship será normalmente invocado nos contratos de
prestação duradoura, isto é, nos contratos em que a prestação de pelo menos uma das partes
se estende por um certo lapso de tempo.» Neste sentido: UNIDROIT. Princípios…, 1985, p. 174
e ss; UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
404 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados… 2015. p. 337 e ss; PINHEIRO, Luís

de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 216; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.
405 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 161 e ss.
406 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista

de. Contratos privados…, 2015. p. 338 e s; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2016, p.26.; Neste
sentido também coloca RIMKE, Force majeure…p. 6. «The circumstances in which hardship
generally exists (as usually set out in hardship clauses) normally incorporate three elements.
First, the circumstances must have arisen beyond the control of ether party; self-induced hardship
is irrelevant. Second, they must be of fundamental character. Third, they must be entirely
uncontemplated and unforeseeable».; UNIDROIT. Princípios…. 1995. p. 175-178; UNIDROIT.
Princípios… 2010, p. 18 e ss; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação…
2008, p. 162.; ANTUNES, José A. Engrácia. Direito e Justiça…, 2007, p. 220.
407 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 163; PINHEIRO, Luís

de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista Z. Contratos


privados… 2015. p. 338 e s; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.; Neste sentido
também coloca RIMKE, Joern. Force majeure… 1999-2000: «The circumstances in which
hardship generally exists (as usually set out in hardship clauses) normally incorporate three
elements. First, the circumstances must have arisen beyond the control of ether party; self-
induced hardship is irrelevant. Second, they must be of fundamental character. Third, they must
be entirely uncontemplated and unforeseeable».; UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 175-178;
UNIDROIT. Princípios… 2010, p. 18 e ss.
97

contratação408; v) tenha havido alteração nos riscos que não sejam próprios da
contratação409.
Havendo consenso entre os contratantes acerca da ocorrência do
hardship, terão as partes de renegociar o plano contratual, através de propostas
sérias e em um prazo razoável, o que deverão fazer à luz dos ditames da boa-
fé. Caso os contratantes infrinjam este dever contratual, estar-se-á diante de uma
infração contratual, sancionável consoante o Direito ou instrumentos
aplicáveis.410
Diante da incorporação dos artigos dos Princípios UNIDROIT com forma
de cláusula de hardship nos contratos, é pertinente que façam as partes constar
expressamente a incorporação da norma. Sobretudo porque não se tem
reconhecido a possibilidade de rescindir o contrato ou exigir a sua adaptação a
pedido da parte, em razão de uma alteração das condições económicas do
contrato, quando não houver expressamente previsto no contrato uma cláusula
de hardship411 (a não ser que o Direito que se presta a integrar o contrato traga
solução neste sentido).
Para além da cláusula de hardship que venha a reproduzir os termos dos
artigos 6.2.2 e 6.2.3 dos Princípios UNIDROIT, destacam-se, também, os
trabalhos realizados pela International Chamber of Commerce (ICC),
designadamente na elaboração de cláusula-tipo de hardship publicada no ano
de 2003.
Tal cláusula-tipo se trata de um modelo de cláusula geral, que não leva
em consideração as circunstâncias particulares de cada setor de atividade ou de
uma transação em especial. Por esta razão é que as partes contratantes,
querendo, poderão, para além de tão somente incorporá-la sem alterações,
utilizá-la como ponto de partida para a formulação de uma cláusula que seja mais

408 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 216; OLIVEIRA, Fernando Baptista
de. Contratos privados… 2015. p. 338 e ss; VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26.;
Princípios… 1995. p. 175-178;
409 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017; FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006. p. 26.;

UNIDROIT. Princípios… 1995, p. 175-178.


410 Cfr: VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 26; UNIDROIT. Princípios…, 1995. p. 179-

183; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação... 2008, p. 155-167; MARTINS-
COSTA, Judith. A cláusula… 2010, p. 24.
411 Neste sentido: PINHEIRO, Luis de Lima. Direito Comercial…, 2005. p. 173; GIRSBERGER,

Daniel /ZAPOLSKIS, Paulius, Fundamental alteration… 2012, p. 131 e ss;


98

ajustada ao caso concreto412. Entretanto, considerar-se-á, na sequência,


cláusula de hardship que reflita fielmente o modelo oportunizado pela CCI.
Contém, a cláusula-tipo o seguinte teor413:

«[1]. A parte de um contrato é obrigada a cumprir com o seu dever


contractual mesmo nos casos em que eventos tenham tornado o
cumprimento do contrato mais onerosos do que, razoavelmente,
poderia se ter antecipado no momento da conclusão do contrato. [2]
Não obstante o parágrafo 1º desta cláusula, quando a parte de um
contrato comprovar: a) o cumprimento dos seus deveres contratuais
tiver se tornado excessivamente onerosos em razão de um evento que
esteja razoavelmente fora do seu controle, que não poderia ser
razoavelmente esperado de ser tomado em consideração no momento
da conclusão do contrato e que, b) não poderia ser razoavelmente
evitado ou superado, seja o evento ou suas consequências, a parte é
obrigada, com um tempo razoável de invocação desta cláusula, de
negociar alternativas para os termos do contrato que razoavelmente
permitam superar as consequências do eventp. [3] Quando o parágrafo
2º desta cláusula se aplicar, mas quando uma alternativa contratual
aos termos do contrato que seja razoável para permitir as
consequências do evento não for acordada pela outra parte do contrato
como provado no paragrafo, a parte que invoca esta clausula pode
concluir o contrato» (tradução livre)414

412 Neste sentido coloca LIMA PINHEIRO, ao tratar da cláusula de força maior (Cfr: PINHEIRO,
Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005. p. 212); A mais, assim decorre porque em tais cláusulas
há grande margem de atuação das partes (Neste sentido; GLITZ, Frederico Eduardo Z. O
contrato…, 2008, p. 167).
413 Cfr. ICC Hardship Clause 2003, Paris, 2003.
414 [1]. A party to a contract is bound to perform its contractual duties even if events have rendered

performance more onerous than could reasonably have been anticipated at the time of the
conclusion of the contract. [2]. Notwithstanding paragraph 1 of this Clause, where a party to a
contract proves that: a) the continued performance of its contractual duties has become
excessively onerous due to an event beyond its reasonable control which it could not reasonably
have been expected to have taken into account at the time of the conclusion of the contract; and
that b) it could not reasonably have avoided or overcome the event or its consequence, the parties
are bound, within a reasonable time of the invocation of this Clause, to negotiate alternative
contractual terms which reasonably allow for the consequences of the event. [3]. Where
paragraph 2 of this Clause applies, but where alternative contractual terms which reasonably
allow for the consequences of the event are not agreed by the other party to the contract as
provided in that paragraph, the party invoking this Clause is entitled to termination of the contract.
Disponível em:
http://www.derecho.uba.ar/internacio//nales/competencia_arbitraje_iic_force_majeure_and_har
dship_clauses_2003.pdf.
99

Conforme sua redação, a «ICC Hardship model» prevê, para que se dê


a produção dos efeitos nela prevista, que se comprove: a) a ocorrência de um
evento que a parte prejudicada, a qual invoca a cláusula, não pudesse,
razoavelmente, ter levado em conta no momento da conclusão do contrato; b)
que a sua ocorrência, ou as consequências de sua ocorrência, não pudessem
ser razoavelmente evitadas ou superadas pela parte que invoca o uso da
cláusula; c) que a ocorrência do evento ultrapasse o controle razoável da parte,
ou seja, que não tenha sido por ela causado; e d) sobretudo, que a sua
ocorrência seja responsável por tornar o cumprimento do contrato
excessivamente oneroso.415
A cláusula-tipo de hardship da CCI assegura a necessidade de consenso
sobre a eclosão de um evento, o qual, para além de ultrapassar o controle
razoável das partes, tenha tornado o cumprimento do contrato, designadamente
da prestação, excessivamente oneroso para um dos contratantes416.
Primeiro, para a definição dos eventos capazes de desencadear a
situação de hardship e, nesta medida, a produção de efeitos intentados pela
cláusula, cabe, do mesmo modo que ocorre com as disposições dos Princípios
UNIDROIT, analisá-los de forma objetiva. Tendo em vista que estão em causa
eventos que não possam ser, razoavelmente, esperados de interferir no seio do
contrato, conforme a dinâmica daquele contrato em análise à luz do tipo
contratual em causa417. Nesta medida, tem-se que para o desencadeamento das
dificuldades referidas são considerados eventos políticos, económicos,
financeiros, legais e tecnológicos418.
Ainda, o evento que vier a eclodir – ou as consequências danosas do
evento que vier a eclodir – deve desencadear alteração fundamental no
circunstancialismo do contrato. Ou seja, deve este desencadear desequilíbrio na

415 Referidos pressupostos estão enunciados no nº 2 do modelo de cláusula de hardship


apresentado pela CCI. Cfr. ICC Hardship Clause 2003, Paris, 2003.; VICENTE, Dário Moura. A
crise…, 2017, p. 23.
416 Referindo esta questão: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação… 2008,

p. 161.
417 Nestes termos consta nos comentários da cláusula da ICC «not reasonably have been

expected». ICC – International Chamber of Commerce. ICC, Force Majeure Clause 2003. ICC
Hardship Clause 2003. Paris ICC Publishing 2003. p. . Importa, mais uma vez referir, que não
está em causa aqui as aspirações subjetivas dos contratantes para definir o que é inesperado
para o contrato.
418 A respeito dos eventos refere: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos
Internacionais…1993, p. 78 e ss.
100

base contratual. A interpretação assim decorre por duas razões: i) nos contratos
paritários, em que o princípio da equivalência entre prestações está subjacente,
é fundamental que haja equilíbrio entre prestação e contraprestação 419, e, ao se
tornar uma das prestações excessivamente onerosa no decorrer da execução
contratual, vislumbra-se a ocorrência de um desequilíbrio superveniente na base
do contrato, a qual comporta as circunstâncias fundamentais, essenciais, do
contrato; ii) também porque a cláusula-tipo da Câmara do Comércio
Internacional reflete o que está subjacente aos Princípios UNIDROIT e ao artigo
1467 do Código Civil italiano420, eis que fora nestes instrumentos inspirada421.
Relativamente ao que se deve considerar como sendo excessiva
onerosidade para o cumprimento do contrato, o critério para a definição da
alteração causada pelo evento não resta indicado, conforme ocorre com os
Princípios UNIDROIT422. É, entretanto, deixada a definição da excessiva
onerosidade para ser trabalhada à luz do contrato em concreto, podendo ser
estabelecido pelas partes, se assim entenderem, o critério, contratualmente423.
Assim como os Princípios UNIDROIT, a cláusula da CCI não se ocupou
de tratar da natureza do evento a ser considerado424. Entretanto, deve ser o
evento, ou ao menos as consequências prejudiciais deste evento,
supervenientes à conclusão do contrato425. Para além disto, cumpre, o evento
que interfere no seio do contrato e o desequilibra, estar fora do controle da parte,
não podendo ser a ela imputável. Daí porque são considerados para a eficácia

419 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé…, 2015, p. 590 e ss.


420 Conforme referido na presente investigação em Itália a regra da onerosidade excessiva
superveniente incide especialmente quando o desequilíbrio superveniente desencadeie
excessiva onerosidade para o cumprimento do contrato. Neste sentido, confrontar Parte I,
Capítulo I, item 1.3.
421 Assegura que a cláusula modelo da CCI fora inspirada nos instrumentos referenciados:

PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 220-221.


422 A cláusula modelo da CCI se limita apenas a indicar a ocorrência de excessiva onerosidade

para o cumprimento do contrato. Neste sentido: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua
conservação… 2008, p. 161.
423 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação… 2008, p. 162.
424 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e a sua conservação…, 2008, p. 163.
425 Segundo os comentários da cláusula modelo da CCI, a menção aos eventos que não puderem

ser antecipados no momento da celebração do contrato, é vaga e oportuniza as partes limitarem


a aplicação de hardship a eventos que forem supervenientes a conclusão do contrato. ICC –
International Chamber of Commerce. ICC, Force Majeure Clause 2003. ICC Hardship Clause
2003. Paris ICC Publishing 2003. p. 17.
101

da cláusula eventos políticos, económicos, financeiros, legais e tecnológicos 426.


E mais, deve ainda estar fora dos riscos próprios daquele contrato.427
Nos termos da cláusula-tipo da CCI, devidamente reconhecidos pelas
partes os requisitos necessários à sua incidência da cláusula, tem a parte que
invoca a cláusula - a parte prejudicada – primeiramente a obrigação de negociar
alternativa para que se possa, razoavelmente, superar as consequências
danosas do evento para o equilíbrio contratual428. Tendo em vista que o princípio
da boa-fé objetiva é um princípio ao qual se concede elevada importância nas
negociações internacionais e mais, conforme fora notado pela doutrina
internacional por ser a cláusula de hardship «filha da boa-fé429», deve, a
renegociação do contrato, dar-se também de boa-fé.430
Na hipótese de faltar acordo sobre a adaptação dos seus termos
alterados, terá, no entanto, a parte que demonstrar a ocorrência de hardship, a
faculdade de resolver o contrato431. Importa sublinhar que o fracasso das
negociações pode acarretar efeitos distintos, isto a depender do Direito aplicável
ao contrato432. Outras poderão ser as alternativas caso entendam os
contratantes de forma diversa e façam estipulação expressa neste sentido433.
A despeito de haver aproximação relativamente aos requisitos para se
configurar hardship tanto segundo os Princípios UNIDROIT, quanto segundo a
cláusula-tipo da CCI. E mais, ainda que tenha a solução trazida por ambos se

426 A respeito dos eventos refere: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos
Internacionais… 1993, p. 78 e ss.
427 GIRSBERGER, Daniel/ZAPOLSKIS, Paulius. Fundamental Alteration… 2012, p. 123 e ss.
428 Referidos pressupostos estão enunciados no nº 2 do modelo de cláusula de hardship

apresentado pela CCI. Cfr. ICC Hardship Clause 2003, Paris, 2003.; Cfr ainda: VICENTE, Dário
Moura. A crise…, 2017, p. 23.
429 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 17.
430 Referem dever ser a renegociação em razão da cláusula de hardship à luz do princípio da

boa-fé: GLITZ, Contrato e sua conservação… 2008, p. 155, nota 579; PRADO, Novas
Perspectivas…, 2004, p 48; MONTEIRO, António Pinto /GOMES, Júlio. A «Hardship Clause»…,
1998, p. 22. Sobre a cláusula de hardship, cfr: CORDEIRO-MOSS, Giuditta. Boilerplate…, 2011.
p. 122 e ss; 175 e ss; 263; 326; 341; 367.; PINHEIRO, Luís de Lima. Estudos de Direito Comercial
Internacional. Vol. I, Almedina: Coimbra, 2004, ISBN 97897204021485; VICENTE, Dário Moura.
A crise…, 2017, p. 17.
431 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 23; PINHEIRO, Luis de Lima. Direito Comercial…,

2005. p. 221.; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 170; ICC
Hardship Clause 2003, Paris, 2003.
432 PRADO, Maurício de Almeida. Novas Perspectivas…, 2004 p 48; MONTEIRO, António Pinto

/GOMES, Júlio. A «Hardship Clause»…p. 22.; CORDEIRO-MOSS, Giuditta. Boilerplate 2011. p.


122 e ss; 175 e ss; 263; 326; 341; 367.; PINHEIRO, Luís de Lima. Estudos…, 2004; VICENTE,
Dário Moura. A crise…, 2017, p. 17.
433 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 23.
102

estruturado pela renegociação do contrato alterado e não pela desobrigação do


devedor434. Existe diferença a se observar entre cláusulas de hardship que
venham a incorporar os dispositivos de cada um dos instrumentos pontuados,
designadamente a da possibilidade de revisão contratual por tribunal que
detenha jurisdição para atuar no seio do contrato, que tenha sofrido alteração
nas suas circunstâncias fundamentais em razão da eclosão de evento, a qual é
trazida apenas pela cláusula que reflete as diretrizes dos Princípios UNIDROIT,
e não pela cláusula-tipo da CCI.
A razão apresentada nas anotações da CCI para não referir a
possibilidade de adaptação por um tribunal é a de que a cláusula de hardship
deve encorajar as partes a encontrar as suas próprias soluções através de uma
cláusula que abranja a resolução de todas as controvérsias emergentes do
contrato435. Inobstante, é possível que as partes que venham a adotar a cláusula-
tipo da CCI sejam compelidas a levar a causa aos tribunais, judiciais ou arbitrais.
Isto, no caso de fazerem constar em seu contrato estipulação expressa neste
sentido436.
No contexto do comércio internacional, é conveniente, qualquer que seja
o modelo de cláusula de hardship estabelecido pelas partes em seus contratos,
que estas convencionem, concomitantemente, que a adaptação do contrato
deva ser feita por árbitros na falta de acordo das partes. Estipular uma cláusula
de arbitragem que não contenha esta previsão específica pode não ser
suficiente. Entretanto, para que esta alternativa seja exequível, necessário que
haja efetiva possibilidade de os árbitros desempenharem a função de adaptação
do contrato perante o, ou os, direitos estaduais que devam ser tidos em conta na
definição do estatuto da arbitragem. 437
Para além disto, importa ter em atenção que as partes que entendam
por bem convencionar a possibilidade de recurso aos tribunais estaduais devem
ater-se ao fato de que para ser válida e eficaz esta possibilidade, o Direito do
foro deverá permitir a hipótese. Isto porque, a possibilidade de confiar a
adaptação do contrato por um tribunal estadual, também depende do Direito

434 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008. p. 156.


435 PINHEIRO, Luís de Lima, Direito Comercial… 2005, p. 221.
436 VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 23.
437 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005. p. 222.; GLITZ, Frederico Eduardo Z.

Contrato e sua conservação…, 2008, p. 171-172.


103

aplicável ao contrato438. Caso se anteveja a possibilidade de recorrer a tribunais


arbitrais ou estaduais, validamente, para a adaptação do contrato, tal escolha
gozará da mesma vinculatividade que o negócio jurídico celebrado diretamente
pelas partes.439
A importância em se aferir as delimitações dos requisitos que constam
nos dispositivos dos Princípios UNIDROIT que tratam do hardship e da cláusula-
tipo da CCI, quando se está a analisar cláusulas de hardship negociadas que
reflitam suas diretrizes, dá-se para evitar interpretações variadas, eis que neste
caso se veria afastada a possibilidade de haver a uniformização que nesta
investigação se pretende a nível de definição das situações que provocarão a
eficácia da cláusula de hardship. Ainda, porque ambas refletem cláusulas de
hardship enquanto cláusulas de adaptação, em que os negociantes têm o dever
de renegociar os contratos alterados440.
Embora tenham sido trazidas cláusulas de hardship seguindo a ideia de
incorporação dos Princípios UNIDROIT ou da cláusula-tipo de hardship da CCI,
cabe mais uma vez chamar atenção para o fato de que, em decorrência do
princípio da autonomia privada referido anteriormente, podem vir a ser
negociadas tais cláusulas com outros contornos, conforme as partes do contrato
determinem. A depender da escolha das partes, poderão assumir a forma de
cláusulas de indexação ou revisão de preço441; bem como a depender do setor
de mercado que os contratos se prestam a atender, por vezes, conterão de forma
bastante mais específicas, os eventos que podem desencadear a produção de
efeitos. De mais, a critério dos contraentes e visando menores custos, poderão
vir a estabelecer consequências diversas.
A despeito da amplitude de formatação de tais cláusulas, importa ter em
atenção que, para serem percebidas como cláusulas de hardship, prudente
preservar seu escopo e, sobretudo, suas quatro funções essenciais442.

438 PINHEIRO, Luís de Lima, Direito Comercial…, 2005. p.222.


439 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005. p.222.
440 Sobre as cláusulas de hardship enquanto cláusulas de adaptação, cfr: MONTEIRO, António

Pinto / GOMES, Júlio. «A hardship clause»…1998, p. 21 e ss.


441 Apesar de ser mais frequente a negociação de cláusulas de hardship enquanto cláusulas de

adaptação (em que às partes é imposto o dever de renegociar o contrato), podem as cláusulas
de hardship assumir o formato de cláusulas de indexação ou de revisão automática. Nestes
casos, diferentemente do que trazem os instrumentos internacionais, a modificação do contrato
que destas resultam ocorrerá de forma automática, evitando, desde modo a necessidade de
recurso aos tribunais. Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas… 2004, p. 247-255.
442 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 20.
104

A primeira, a de garantir a manutenção do equilíbrio económico do


contrato e sua execução de modo equilibrado. Tal função impede, que o princípio
da intangibilidade do plano contratual, traga excessivo rigor no momento da
execução do contrato.
A segunda, de ser instrumento capaz de impor aos contratantes a
repartição dos riscos que resultarem de um evento superveniente e incerto.
Repartição esta que terá de ocorrer durante a etapa de renegociação que será
protagonizada tão somente pelos contratantes ou por estes e um terceiro que,
em regra, assumirá papel de árbitro443.
A terceira, de obstar a extinção do contrato em virtude de resolução por
excessiva onerosidade superveniente, dado que o contrato, por mais que
vulnerabilizado pelo evento superveniente ainda pode ser útil para as partes e
atender os interesses dos contraentes.
Por fim, a função de possibilitar às partes rearranjarem o plano
contratual, de modo a adaptá-lo aos seus interesses mútuos (self tailored rule),
o que se dará através do exercício da função «adaptativa» da autonomia
privada444.
De todo o exposto se pode extrair que a cláusula de hardship presta-se
a viabilizar a manutenção do equilíbrio global entre as prestações. O que se
perfazerá mediante a renegociação mandatória do contrato alterado, à luz dos
ditames da boa-fé, diga-se, medida que se consubstancia no efeito primordial de
tal cláusula445. A renegociação, entretanto, terá lugar quando houver uma
situação de hardship446, desencadeada em decorrência de um evento
superveniente, inesperado, imprevisível e extraordinário. Outrossim, quando
este evento, em decorrência da alteração fundamental das circunstâncias
basilares da contratação, acabar por tornar a execução do contrato
particularmente onerosa para uma das partes447.

443 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 20.


444 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 20.
445 RIMKE, Joern. Force majeure…, p. 25 e ss.
446 MONTEIRO, António Pinto. GOMES, Júlio. Porto. A «Hardship Clause»… 1998, p. 22.
447 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 216.
105

1.2. AS CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS CLÁUSULAS DE HARDSHIP À


LUZ DA FUNÇÃO E FINALIDADE

É possível conceber características comuns entre as cláusulas de


hardship concebidas a partir dos Princípios UNIDROIT ou da cláusula-tipo de
hardship da CCI. De partida, assume a cláusula de hardhsip o desígnio de um
«instrumento de conservação do negócio jurídico448». Isto porque, como efeito
primeiro da confirmação de hardship, quando se cumprirem, dentre outras, a
condição de ter a sua execução contratual se tornado excessivamente onerosa
para uma das partes em virtude de uma modificação das circunstâncias
económicas fundamentais daquela contratação, traz como dever às partes
investirem em tratativas para renegociarem o contrato449. Nesta medida, os
contratantes terão de se esforçar para readaptar os termos contratuais e assim
ao menos tentar viabilizar a conservação da fase de execução do contrato para
que possam obter os benefícios, conforme foram intentados aquando do fecho
da contratação, o que demonstra ser a cláusula referida, desenhada com a
finalidade de proporcionar a longevidade do contrato.450
Reflete, a cláusula de hardship, a intenção não só de atender ao
interesse económico respeitante as atividades comerciais, mas também de
funcionalização do contrato. Tendo em vista que o contrato contemporâneo
somente será funcional se lograr êxito em relacionar a segurança que se
pretende no tráfego jurídico, com valores como o equilíbrio do contrato e a justiça
social, que através dele deve se operar451. Disto se extrai o senso de justiça
contratual subjacente à cláusula de hardship452 (sobretudo porque esta imprime
a ideia de que ninguém contrata para experimentar prejuízos). Na hipótese de
se vir a configurar uma alteração fundamental das circunstâncias, nos termos da
cláusula, deverá haver uma readaptação do conteúdo do contrato. Eis que o que

448 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339.


449 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339 e ss ; GLITZ, Frederico
Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 137 e ss.; COSTA, José Augusto
Fontoura/NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas de força maior e de hardship nos
contratos internacionais. In Revista de Direito Mercantil, n 97. São Paulo. RT, janeiro/março,
1995, p. 77.
450 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339 e ss ; GLITZ, Frederico

Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 137 e ss.; COSTA, José Augusto
Fontoura/NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas…, 1995, p. 77.
451 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 179 e ss.
452 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 149 e ss.
106

se pretende é conciliar o interesse individual da parte com a necessidade


social453 e, diante do contexto internacional, com os demais princípios
concebidos com o fito de promover ou permitir a circulação de riquezas.
De mais, pode-se considerar deter tal cláusula um componente moral454,
o qual se faz presente por meio do apelo à equidade, que compõe o processo
de remodelação do clausulado. Apesar de não constar menção expressa à
equidade, ela atua como sinalizadora do caminho que a adaptação do contrato
deverá perseguir. Nesta medida, com fundamento na equidade, levando-se em
conta as circunstâncias do caso concreto455, dar-se-á a correção do contrato por
intermédio da atuação do julgador, seja judicial ou arbitral, notadamente para
que não haja locupletamento de uma das partes em detrimento da outra456.457

453 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula…p. 5; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos
Privados…2015. p. 340 e ss.
454 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Os contratos …, 2008, p. 154.
455 ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral. 13ª ed. Coimbra:

Almedina, 2006, p. 246.


456 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula… p. 6; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos

Privados…2015. p. 341 e ss.


457 A equidade ainda hoje remete a ideia de justiça do caso concreto. Nesta medida, o julgador,

ao decidir terá de se preocupar apenas com o caso que lhe é trazido, sem, no entanto, ter de
ponderar a necessidade de adotar a mesma decisão para caso que, mais tarde, venha a ter de
decidir (Cfr: CORDEIRO, António Menezes. A decisão segundo a equidade. In: O Direito. a. 122,
v. 2, p. 261-280, 1990. p. 267. CORDEIRO, António Menezes. Tratado… , 2012, p. 598-560).
Quando oportunizado recurso à equidade como critério de decisão à luz das circunstâncias do
caso deverá, o julgador, solucionará a problemática de forma bastante particular e com o intuito
de chegar ao mais próximo do que seria a justiça para a situação em voga (Cfr: VICENTE, Dário
Moura. Direito Comparado..., 2015, p. 139-142). Especialmente porque a equidade se trata de
uma «régua maleável» e não rígida como a norma positivada (Cfr: ASCENSÃO, José de Oliveira.
O Direito..., 2005, p. 246). no âmbito da decisão que deverá ser tomada pelo julgador em razão
de hardship, caberá ao tribunal, ao decidir fundado na equidade, considerar o contrato real, fruto
da autonomia privada das partes e ainda, aquilo que ele deveria ser diante das circunstâncias
alteradas. Aquando da decisão deverá fazer um cotejo entre as duas situações referidas para
definir o que prevalecerá, se o contrato modificado ou a extinção da relação contratual. Ainda, a
decisão deverá se dar de modo a não contundir com o princípio da boa-fé, eis que este é princípio
que norteia as relações negociais internacionais. Também, deverá ser feita de forma a se tentar
reaver a equivalência entre as prestações. Por esta razão não está em cogitação, através da
modificação que porventura vier a se operar pelo tribunal, possibilitar que a parte lesada venha
realizar as mais-valias que previa e que poderiam ter sido computadas no caso de não ter se
operado situação de hardship. E, por esta mesma razão, quando se operar a modificação a parte
lesada sempre sofrerá algum prejuízo ou, ao menos, um não-lucro. (Cfr: Neste sentido
MENEZES CORDEIRO, ao falar da equidade no âmbito da alteração das circunstâncias.
CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1105-1106 e ss). No entanto, no caso de
ter o contrato perdido a sua razão de ser porque não era mais possível reaver o equilíbrio
contratual, a resolução contratual será a medida a se impor (Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida,
Direito..., 2009, p. 348-349). Sobretudo, porque o que se pretende ao admitir a intervenção de
um terceiro no âmbito de um contrato internacional é a individualização da justiça do caso
concreto. Todavia, assim não deverá decorrer quando dela resultar uma injustiça ainda maior do
que àquela que adviria com a revisão contratual (Também neste sentido pondera MENEZES
CORDEIRO ao tratar da equidade no âmbito da alteração das circunstâncias no direito
português. CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 567).
107

Para além disto, trata-se a cláusula de hardship de cláusula


flexibilizadora e dinâmica. Flexibiliza à parte prejudicada reduzir os danos que
viria a sofrer em razão de uma alteração fundamental das circunstâncias do
contrato no caso de ter de cumprir o contrato alterado, através da remodelação
contratual458. De mais, flexibiliza também a noção de que o contrato é algo
inatingível, que representa pontos de interesses opostos entre os contratantes,
sobretudo porque trata a relação contratual como uma relação em que há
manifestação de interesses comuns dos contratantes, no decorrer de sua
evolução459. Ainda, reforça a ideia de se tratar o contrato de um instrumento de
consecução de objetivos mútuos e de interesses recíprocos, pelo que sua
execução, por vezes, será mais vantajosa do que sua extinção, mesmo que
readaptados os seus termos à nova realidade, o que traz à cláusula um cunho
colaborativo.
Do mesmo modo, é dinâmica e, por consequência, considerada como
cláusula-processo. Eis que concede às partes, através do exercício da sua
autonomia privada, a oportunidade de «converter uma relação estática em uma
relação evolutiva». Estabelece o modo que operar-se-ão soluções para a avença
no decorrer da execução contratual, fazendo com que permaneça em nas mãos
dos contraentes a forma que poderá decorrer a evolução do contrato460. E mais,
somente se torna perfeita no decurso da execução do contrato, muito embora os
elementos essenciais para a adaptação do contrato no caso de hardship devam
constar determinados, ou ao menos determináveis antes da fase de execução
do contrato.461
Outrossim, detém a expressão do princípio da boa-fé, pois condiciona a
colaboração que se dará aquando da renegociação à luz da boa-fé462. A boa-fé
impregnada nas cláusulas de hardship se trata da boa-fé obrigacional, também
chamada de objetiva. Este sintagma não traduz uma condição psicológica, um

458 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula… p. 5-6; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos
Privados…, 2015. p. 340 e ss.
459 COSTA, José Augusto Fontoura /NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas…, 1995, p.

87.
460 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula… 2010. p. 18.
461 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula…, p. 5-6. OLIVEIRA, Fernando Baptista de.

Contratos Privados…, 2015. p. 340 e ss.


462 PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p 48.
108

estado de fato, no sentido de «estar de boa-fé», situação esta que, por antinomia,
viria a ser tratada como má-fé. Contudo aponta, de forma concomitante, para:

«um instituto ou modelo jurídico (estrutura normativa alcançada pela


agregação de duas ou mais normas); a um standard ou modelo
comportamental pelo qual os participantes do tráfico jurídico
obrigacional devem ajustar o seu mútuo comportamento (standard
direcionador de condutas, a ser seguido pelos que pactuam atos
jurídicos, em especial os contratantes); e a um princípio jurídico (norma
de dever ser que aponta, imediatamente, a um «estado ideal de
coisas»)463».

Nas cláusulas de hardship a função da boa-fé obrigacional é de


«ajustamento do conteúdo do contrato», «direcionando-o e ajustando-o à
licitude». Nesta medida, deve haver um direcionamento das condutas dos
contratantes aquando da renegociação do contrato desequilibrado –
desequilibrado em razão do advento de dadas circunstâncias supervenientes -,
o qual se perfaz por um standard comportamental que determina o ajustamento
da própria conduta conforme faria um sujeito reto, honesto, leal e probo.464

1.3. ENSAIOS CONCLUSIVOS SOBRE A TEORIA DO HARDSHIP NO


CONTEXTO INTERNACIONAL

Destarte, do exposto, possível vislumbrar que as cláusulas de hardship


de adaptação modeladas a partir dos dispositivos 6.2.1 a 6.2.3 dos Princípios
UNIDROIT ou que se cuidem de incorporar a cláusula modelo da CCI trazem,
para o contexto do contrato, a teoria do hardship. Subjacente a esta teoria
desenvolvida no âmbito internacional465 está o princípio ‘rebus sic stantibus’.
Situação que resulta em uma aproximação entra a solução internacional e as
soluções trazidas pelos contextos jurídicos nacionais da família jurídica romano-
germânica.

463 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé… 2015. p. 261 e 263.


464 MARTINS-COSTA, A boa-fé… 2015. p. 231 e ss, 571 e ss; 590 e ss; ainda sobre a boa-fé,
cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé… 2015.
465 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados… 2015, p. 340 e ss.
109

Não obstante existam semelhanças entre a solução negociada pelas


partes por meio de uma cláusula de hardship, a qual incorpora a teoria do
hardship conforme trazido pelas regras dos Princípios UNIDROIT, com as
roupagens atribuídas pelos sistemas jurídicos nacionais à cláusula (doutrina)
‘rebus sic stantibus’, mormente romano-germânicos, a solução referida não se
confunde.
À partida, porque não há de se falar em um alcance geral no comércio
internacional para a regra do hardship, tampouco para a cláusula de hardship.
Designadamente porque a primeira somente poderá incidir caso haja acordo
entre as partes sobre a incidência do instrumento internacional que a traz
(Princípios UNIDROIT) à integração do contrato466/467. E a segunda somente
poderá incidir caso tenha sido expressamente negociada pelas partes. Nesta
medida, não se trata a regra referida de um elemento normativo do contrato e
não tem uma cláusula de hardship alcance geral.
Ainda porque enquanto na maioria dos sistemas jurídicos nacionais
romano-germânicos analisados a eficácia das regras que trazem soluções para
os casos de alterações das circunstâncias se dê no sentido de revisão ou
resolução do contrato, com exceção de França. Nos termos da teoria do hardship
desenvolvida no domínio internacional o efeito principal da incidência dos
dispositivos que a trazem é a renegociação contratual e não a revisão por
terceiro. Isto implica dizer que terão as partes de acertar os novos termos do
contrato quando reconhecida a existência de hardship, sem haver, contudo,
necessariamente, a intervenção de um tribunal, seja arbitral ou judicial, para se
chegar a um novo termo no contrato.

466 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 219.


467 Não obstante assim se entenda, através da decisão da Corte de Cassação Belga no caso
Scafom International BV vs Lorraine Tubes s.a.s., se pode notar entendimento de forma diversa.
Eis que esta Corte considerou um alcance geral aos Princípios UNIDROIT no momento da
integração contratual, pois entendeu, mesmo não tendo as partes escolhido vincular-se aos
Princípios referidos, recuso a regra que traz solução para os casos de hardship. Cfr: SUPREME
Court. Court of Cassation. Scafom International BV v. Lorraube Tubes S.A.S), 19 de Junho de
2009. [Em linha]. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/090619b1.html. Acesso em:
04 de jul. de 2018.
110

PARTE III
A CLÁUSULAS DE HARDSHIP E OS DIREITOS NACIONAIS

Conforme demonstrado na parte antecedente, deparou-se a prática


contratual internacional, para atender aos anseios dos contratantes
internacionais e diminuir a insegurança no tráfego internacional, com a
necessidade de desenhar soluções às situações de hardship468, por dois motivos
principais: primeiramente em razão do amplo privilégio concedido ao princípio
‘pacta sunt servanda’ no contexto do comércio internacional e depois porque
quando não existissem cláusulas negociadas pelas partes prevendo soluções
para desequilíbrios supervenientes no seio dos contratos, as questões de
dificuldades para o cumprimento acabariam por ser levadas para serem
resolvidas pela legislação a ser aplicável ao caso concreto, situação esta que
desencadearia uma insegurança aos contratantes469.
A solução empregada neste ambiente jurídico se deu, todavia, através
de instrumentos e cláusulas contratuais que expressam a doutrina do hardship
nas negociações internacionais, às quais passou-se a chamar de cláusula de
hardship. Relativamente à cláusula de hardship fora ganhando forma delimitada
com o decorrer dos anos e com o avanço dos instrumentos internacionais. Em
um primeiro momento a conceituação de hardship e os efeitos a se produzirem
em caso de hardship foram trazidas nos próprios clausulados, e desenhados em
decorrência do exercício da autonomia privada dos contratantes. Em um
segundo momento, sobretudo com o desenvolvimento dos Princípios UNIDROIT
no ano de 1994, houve expressão do conceito de hardship por meio das regras
neste instrumento contidas e uma consequente padronização relativamente a
estas cláusulas, não restando, entretanto, prejudicado o exercício da autonomia
privada dos contratantes, eis que não sobejam estes estritamente vinculados aos
termos trazidos.

468 Para mais notas sobre a cláusula de hardship, confrontar: FUCCI, Frederick R. Hardship…
2006, p. 02-11.
469 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 157. Também referindo

que sendo o contrato silente no que toca previsões para as partes no caso de hardship, havendo
alteração fundamental das circunstâncias que fundaram a contratação, será a questão submetida
a lei a que se submete o contrato: FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006, p. 11.
111

A despeito de ter sido a cláusula modelada para atender aos anseios do


tráfego jurídico comercial internacional, nada obsta, contudo, que seja esta
adaptada a fim de atender também as necessidades dos contratos comerciais
sujeitos a determinadas jurisdições nacionais. Isto, mais uma vez e de partida
em decorrência do exercício da autonomia privada dos contratantes.
É acerca da possibilidade de negociação de cláusulas de hardship, de
forma válida e eficaz e interesse em negociá-las nos contratos civis das ordens
jurídicas portuguesa, brasileira, inglesa e norte-americana; de mais, da cláusula
como expressão da interação dos sistemas jurídicos que se passa a tratar
adiante. A restrição a estas jurisdições ocorre porque não seria viável dar conta
de forma exitosa, neste trabalho, em razão das especificidades integrantes a
cada um dos ordenamentos jurídicos que são responsáveis por desencadear
variações na relação havida entre a heteronomia e a autonomia privada, das
peculiaridades dos variados sistemas.
Relativamente à família jurídica romano-germânica, os ordenamentos
que a esta integram comportam estruturação complexa, baseada em princípios
e valores fundantes de todo o sistema, que variam a depender do país que se
esteja a falar. Deste modo, não há que se falar no mesmo alcance para, muitas
vezes, os mesmos princípios, o que acaba por se revelar em soluções com
alcances diferenciados para problemas equivalentes. Relativamente à família
jurídica do Common Law cabe ter em atenção que se estima hoje que um terço
da Humanidade viva em países que se estruturam de acordo com o Common
Law470, fator que torna inviável análise sobre todos.471

470 Acerca dos países que integram a família do Common Law, refere, Dário Moura Vicente:
«Assim, compreende-se nela, na Europa, o Direito vigente na Inglaterra, no País de Gales, na
Irlanda do Norte e na República da Irlanda (o Direito escocês, como se verá adiante, não
pertence a esta família jurídica, visto que constituiu um sistema hibrido); na América, o Direito
dos Estados Unidos (à exceção do da Luisiana) e do Canadá (salvo o da província do
Quebeque); na Oceânia, o da Austrália e o da Nova Zelândia; e em África, os Direitos da Nigéria,
do Gana, da Tanzânia, do Quênia, do Uganda e da Libéria. Na Ásia, há países, como a Índia, o
Paquistão e Israel, cujos sistemas jurídicos são fortemente tributários do Common Law inglês;
mas, como veremos adiante, não se integram nesta família jurídica, antes constituem igualmente
sistemas híbridos, dada a relevância fundamental que assumiram na sua formação os Direitos
religiosos (respectivamente o hindu, o muçulmano e o judaico) observados pelas populações
locais.» VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado..., 2015. p. 228-229.
471 Cfr: VICENTE, Dário Moura. O lugar…, 2012. p. 19 e ss; p. 39 e ss; VICENTE, Dário Moura.

Direito Comparado…, 2015, p. 93-216, 225 e ss; Acerca dos princípios que estão subjacentes a
estes sistemas jurídicos, os quais são considerados como princípios de Direito justo, cfr:
LARENZ, Karl. O Derecho…; TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. Identidade do sistema jurídico
brasileiro, recepções de direito e função do direito comparado. In: Revista Brasileira de Direito
Comparado. 2009. p. 59 e ss (p.70); CORDEIRO, António Barreto Menezes. Do Trust… 2014, p.
112

CAPÍTULO I: A INTRODUÇÃO DA CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS


CONTRATOS SUJEITOS AOS DIREITOS NACIONAIS

As relações contratuais, com referência sobretudo aquelas


comerciais472, que tenham sido erigidas sob a égide de ordens jurídicas
nacionais ou sujeitas a determinadas jurisdições nacionais e com execução
prolongada no tempo, são suscetíveis ao desequilíbrio superveniente.
Especialmente em razão do advento de acontecimentos novos capazes de afetar
o circunstancialismo basilar de toda a contratação473. São estes acontecimentos
fatores de cunho político, económico, histórico, etc., hábeis a alterar os contextos
do momento da execução da(s) prestação(ões), de modo a torná-los diversos
daqueles em que decorreu o fechamento do contrato. Também capazes de
desencadear extrema dificuldade no cumprimento das obrigações assumidas ou
até mesmo frustrar o fim contratual almejado.
Em decorrência desta suscetibilidade a que as contratações estão
expostas, conforme fora demonstrado na primeira parte deste trabalho, também
nos planos nacionais, os variados sistemas jurídicos sentiram a necessidade de
ensaiar soluções para o fim de permitir que uma das partes se visse liberada, no
todo ou em parte, do contrato alterado. Notadamente porque a execução da
prestação contratual tornou-se onerosa para uma das partes e não
necessariamente impossível. Tal situação ocorreria, em regra, quando fosse
verificável a superveniência de uma alteração anormal das circunstâncias, lesiva
a um ou a ambos os contraentes.474
Entretanto, nem sempre são suficientes as soluções trazidas pelas
fontes de direito à revelação das normas jurídicas em um momento de integração
contratual, em um dizer romanista475, ainda, que são relativas aos casos de

59 e 195-196 e CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês… 2017, p. 31; HILLMAN,
Robert A. Principles…2004, p. 12 e ss; ASCENSÃO, José Oliveira. Interpretação…, p. 913-941;
TIMM, Luciano Benetti. Common Law…2012, p. 532.
472 Não se está a tratar das relações que possam vir a ser firmadas com consumidores, eis que,

em razão da Lei do Consumidor e demais instrumentos que se prestam a regular estas


contratações, tem especificidades que não é de interesse ponderar neste trabalho.
473 Neste sentido: CORDEIRO, António Menezes. Tratado…, 2016. p. 552.
474 LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direito das obrigações… vol. I, 2017. p. 123.
475 A respeito da integração das lacunas pelas fontes de direito, cfr: ASCENSÃO, José Oliveira.

Interpretação das leis, integração das lacunas, aplicação do princípio da analogia. Disponível
em: https://portal.oa.pt/upl/%7B0a2c7ef5-b0a3-449f-bee8-88db3fc0335f%7D.pdf; p. 913-941.
113

desequilíbrio superveniente e se fazem viáveis diante das necessidades


específicas do tráfego comercial; e nem sempre atendem de forma satisfatória
as exigências dos setores de mercado a que as contratações se destinam. Isto
porque, para que se viabilize a incidência das regras colocadas pelos sistemas
de Direito, imperiosa a comprovação, cumulativa, de uma série de requisitos
legais e pressupostos de admissibilidade, os quais variam conforme o contexto
jurídico, e cuja aplicação também é variável a depender das interpretações que
possam ser trazidas pelos aplicadores das regras.
Daí porque, os contratantes comerciais dos mais diversos sistemas
privados, para atender aos interesses económicos subjacentes às suas
contratações, podem sentir-se motivados a arranjar soluções negociadas para
constar em seus contratos privados, visando, desta forma, resolver o problema
da manutenção do vínculo contratual quando houver desequilíbrio
superveniente. Nomeadamente com o fito de coibir os efeitos danosos que
alterações das circunstâncias são capazes de acarretar às contratações e
também para que possam resguardar, da forma que entenderem mais
adequado, o exercício de suas atividades.
É neste contexto que adentra a importância do estudo da figura jurídica
da cláusula de hardship de adaptação (e não de revisão automática, frise-se), no
âmbito dos ordenamentos jurídicos nacionais. E mais, a aferição da possibilidade
de negociá-las, de forma válida e eficaz, e do interesse em modelá-las também
nos contratos do comércio nacional. Cabe, todavia, ter em consideração, para
que sejam válidas e produzam os efeitos desejados perante cada uma das
ordens jurídicas que se pretenda destas fazer uso, as peculiaridades
subjacentes às sistemáticas jurídicas. Sendo assim, urge tratar na sequência das
medidas da viabilidade de se negociar soluções para os casos de desequilíbrio
superveniente, mediante a modelação de cláusula de hardship de adaptação e
ainda do interesse em fazê-lo. O que se fará, aplicando-se o raciocínio referido,
adentro dos itens que se destinam a cada um dos ordenamentos em atenção.
114

1.1. A CLÁUSULA DE HARDHSIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO


DIREITO PORTUGUÊS

Muito embora o sistema jurídico português preveja a possibilidade de


modificação do contrato, ou ainda, sua extinção, em razão de ter havido
alteração fundamental das circunstâncias basilares (e nesta medida tenha dado
expressão normativa ao princípio ‘rebus sic stantibus’), contar tão somente com
esta possibilidade neste domínio pode se mostrar insuficiente e insatisfatório.
Veja-se.
Primeiro porque a fronteira que se põe entre as situações em que uma
alteração superveniente das circunstâncias será considerada para ensejar a
eficácia da norma, daquela que se coloca para as situações em que a alteração
não será considerada, é difícil de precisar e, por vezes, variável 476. Isto, tendo
em consideração que no tocante à alteração das circunstâncias, por ter o
legislador português optado por estabelecer cláusulas gerais, terão os Tribunais
portugueses a incumbência de interpretar cada caso de acordo com as suas
particularidades e valorar os requisitos legais e pressupostos de admissibilidade
à eficácia da regra477.
Esta situação acaba por possibilitar a ocorrência de uma certa
discricionariedade dos julgadores na interpretação dos elementos necessários478
e impõe a dependência da eficácia da norma desta aferição a ser realizada pelos
tribunais, a qual poderá variar e se dar tanto por sua eficácia, quanto por sua
ineficácia479. Isto, a depender de muitas questões, mas principalmente do modo

476 Neste sentido se coloca: MONTEIRO, António Pinto. A «Hardship Clause»…, 1998, p. 19 e
ss.
477 COSTA, Direito..., 2009, p. 334-335.
478 TIMM, Luciano Benetti. «A manutenção da relação contratual empresarial internacional de
longa duração: o caso da hardship». 2006, In: Revista trimestral de direito civil: RTDC. Vol 7, n
27, p. 235-245, (jul/set 2006) Rio de Janeiro, Padma, p. 235 e ss.
479 Relata António Pinto Monteiro que a Revolução de 25 de Abril de 1974, embora as evidentes

repercussões na vida económica, não fora considerada pela jurisprudência portuguesa para fins
de aplicação do regime da alteração das circunstâncias. Ainda, fenómenos como a
nacionalização das empresas ou o encerramento da Bolsa também não foram considerados para
fins de eficácia do regime da alteração das circunstâncias, a despeito de serem situações
utilizadas de exemplos de escola da alteração da chamada «grande base negocial». O que
demonstra inexistir qualquer segurança a respeito das situações que serão consideradas para
fins de aplicação do instituto. Sobretudo porque a interpretação da situação a ser considerada
para tal fim dar-se-á no momento da integração contratual. Neste sentido: MONTEIRO, António
Pinto. A «Hardship Clause»…, 1998, p. 28 e ss.
115

que o evento novo interferiu no seio do contrato. Em verdade, neste domínio da


alteração das circunstâncias a realidade da prática dos Tribunais é a de que em
um escasso número de casos, se logrou ver êxito na aplicação da regra legal480.
Depois porque, quando se fizer necessária a eficácia da norma porque
as partes de um contrato não quiseram renegociar por elas o novo plano
contratual, ter-se-á lugar a intervenção unilateral, através de um terceiro, no caso
o julgador, no seio do contrato481. Especialmente porque não há, frente ao Direito
português, acolhimento ao dever de renegociação do contrato diante das
hipóteses de alteração das circunstâncias482. Neste caso retira-se da mão dos
contratantes a obrigação (dever) de empenharem-se nas negociações para
remediar o desequilíbrio superveniente e acaba-se por transferir a
responsabilidade de acertar um termo de equilíbrio e todo o desenrolar da
relação contratual a um terceiro que intervirá no âmbito do contrato, pautando-
se nos pressupostos de admissibilidade e requisitos legais considerados para a
produção de efeitos da norma, mas, em última análise, o fará segundo critérios
subjetivos. Igualmente, este terceiro, mesmo que operando consoante critérios
de equidade, poderá não trazer solução a contento para as partes
contratantes483. Eis que ele, sem necessariamente deter o mesmo conhecimento
que os contraentes no setor do mercado em que exercem atividade económica,
terá a incumbência de estabelecer o novo plano contratual, de modo a
restabelecer os termos das prestações e redistribuir os riscos para as partes.
Nesta medida, vislumbra-se que o Direito português se revela no
domínio da alteração das circunstâncias como sendo um sistema que privilegia
a heteronomia em detrimento da autonomia privada. Eis que a solução a ser
empregada vem da lei, comando este externo, que vem de fora, designadamente

480 Neste sentido: MONTEIRO, António Pinto. A «Hardship Clause»…, 1998, p. 29 e ss; TIMM,
Luciano Benetti. A manutenção… 2006, p. 235 e ss.
481 A situação referida decorrerá nos casos em que as partes não pretenderem, por elas,

promover a renegociação contratual. Eis que, caso queiram, poderão fazê-lo a qualquer tempo.
482 Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 238 e ss.
483 MONTEIRO, António Pinto. A «Hardship Clause»…, p. 36-38.
116

do Estado484/485. Para além disto, a despeito de, através da previsão legal ficar
demonstrada a preocupação do sistema jurídico português com a complexidade
e justiça social que acompanham a conceção contemporânea do contrato como
instituto jurídico, sobretudo porque a norma positiva traz uma forma de garantir
justa e equilibrada apreciação dos interesses dos contratantes486. Contar apenas
com esta possibilidade pode se mostrar insuficiente para resguardar a justa e
equilibrada apreciação dos interesses económicos do contrato e, por vezes, uma
medida insatisfatória.
Entretanto, por, sobretudo no âmbito empresarial ser o contrato «uma
forma de relacionamento económico e social equilibrado economicamente
(“ganha-ganha”) e não apenas uma relação jurídica ou um acordo de vontades
congelado no tempo do fechamento do negócio487», o que se concebe
contemporaneamente por contrato deve acompanhar a revolução económica.
Ainda, o contrato deve deixar de ser encarado como um vínculo de antítese entre
as partes e passar a ser encarado como um instrumento de cooperação entre os
contratantes para que possam atingir objetivos que tenham em comum 488. Daí
porque é oportuno observar outras soluções, de cunho colaborativo, para os
casos de desequilíbrio superveniente ao contrato, as quais sejam expressão do
exercício da autonomia de ambos os contratantes. Sem se limitar às soluções
legais que prevejam intervenções heterónomas para resolver o problema de
desequilíbrios supervenientes em razão da alteração das circunstâncias.
Nesta linha procede, então, analisar a viabilidade de modelação de
cláusulas de hardship de adaptação à luz dos Princípios UNIDROIT ou da
cláusula-tipo da CCI, consoante especificado anteriormente e doravante referida
de cláusula de hardship.

484 Em sentido contrário coloca FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada e Justiça
Contratual. (p. 239-254). In: Edição Comemorativa do Cinquentenário Código Civil. (p. 239-254).
Universidade Católica Editoria, Lisboa, 2017, ISBN 9789725405741, p. 245 e ss, eis que
considera que a regra trazida pelos artigos 437º e ss do Código Civil realiza o sentido mais
profundo da autonomia privada. Tendo em vista que permite haver o acompanhamento da
vontade das partes às circunstâncias específicas que lhes são concomitantes.
485 Sobre a relação entre a autonomia privada e a heteronomia, cfr: TELLES, Inocêncio Galvão.

Manual…, 2002. p. 20 e ss. A mais, ressalta PAIS DE VASCONCELOS que heteronomia


«significa a sujeição de um direito criado por outrem que não aqueles a que se destina».
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral do Direito Civil. Almedina. 2010. p. 15.
486 TELLES, Inocêncio Galvão. Manual…, 2002. p. 20 e ss.
487 TIMM, Luciano Benetti. A manutenção… p. 3
488 TIMM, Luciano Benetti. A manutenção… p. 4
117

Diante do contexto jurídico português, a aferição da viabilidade deve


começar pelo princípio da autonomia privada. Nesta sistemática o princípio
referido reveste-se do caráter de princípio geral do Direito Civil, porque é uma
das ideias fundamentais que inspira toda a organização do Direito desta ordem
jurídica489. Este princípio traz consigo a ideia de que há um espaço de liberdade
dentro do qual certas pessoas, ou ainda, certas categorias de pessoas, podem
praticar os atos que entendam pertinentes490. E mais, permite que pessoas ou
categorias o façam sem ter de fundamentar ou explicar suas decisões491.
A autonomia privada encontra a sua maior expressão no âmbito do
direito contratual. Tanto é assim que o princípio resta consagrado na ordem
jurídica portuguesa, de forma expressa, na parte do Código Civil destinada a
regular as relações contratuais, na parte respeitante ao Direito das
Obrigações492. De mais, seu exercício se perfaz mediante uma auto confirmação
jurídica, a qual reveste-se de atos de validade493.
A autonomia privada no direito português dos contratos divide-se em
quatro zonas: negociação, criação, estipulação e vinculação. Daí dizer que uma
das manifestações do princípio da autonomia privada é o princípio da liberdade
contratual. Referido princípio recebeu expressão normativa no artigo 405º do
Código Civil494, o qual permite a livre conformação dos contratos pelas partes
contratantes495, bem como concede às partes a liberdade de discutirem e
modelarem as cláusulas que integrarão seus negócios jurídicos. Neste tocante
há, pelas partes, liberdade de estipulação tanto do tipo contratual, quanto das
cláusulas que nos contratos constarão.

489 Neste sentido: CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios da autonomia privada e da liberdade
contratual. In: Para Jorge Leite: escritos jurídicos. Vol. II. Coimbra Editora. 2014. p. 99 e ss.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e
autodeterminação: notas sobre a evolução de um conceito na Modernidade e na Pós-
modernidade. In: Revista de Informação legislativa. Brasília, ano 41, nº 163, julho/setembro 2004.
(Separata) p. 117.
490 Neste sentido: CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios…, 2014. p. 101 e ss.
491 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Parte Geral: negócio jurídico. 4ª ed.

Almedina. 2017. v.II, p. 39 e ss.


492 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito…, vol. I, 2017, p. 21 e ss.
493 CORDEIRO, António Menezes. Tratado…, 2014. p. 40 e ss.
494 ARTIGO 405º (Liberdade contratual) 1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade

de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste
código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no
mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
495 CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios…, 2014. p. 103 e ss.
118

Não obstante em razão do princípio da autonomia privada e,


consequentemente, do princípio da liberdade contratual detenham as partes de
um contrato espaço de atuação, as margens de atuação conferidas aos
contratantes sofrem limitações. Ora tais limitações advêm de outros princípios,
como o princípio da boa-fé e o princípio da equivalência das prestações496, ora
de regras integrantes da sistemática jurídica portuguesa (vale dizer, da lei497),
ora em razão do conceito de justiça498, da moral e das limitações impostas pela
natureza499.
Especificamente no tocante à liberdade de criação e liberdade de
estipulação, estas liberdades concedidas correm o risco de desaparecer em
dadas situações. A primeira – liberdade de criação - desaparece quando a lei
estabelecer um numerus clausus de tipos negociais. Já a segunda – liberdade
de estipulação - sofre restrições por regras injuntivas (imperativas), que acabam
por impedir o afastamento do modelo legal.500
O exposto implica em considerar que nem a autonomia das partes no
âmbito contratual, nem a liberdade contratual, são irrestritas, ilimitadas.
Submetem-se às regras e princípios que delimitam e modelam seus exercícios.
A inobservância dos limites impostos pelo sistema pode ser causa a obstar a
validade e eficácia jurídica de cláusulas contratuais que tenham sido modeladas
por expressão da vontade das partes, como a própria cláusula de hardship. Isto
no caso de não se observar e compreender devidamente os fundamentos
subjacente e as delimitações legais, de ordem pública, pela natureza e morais,
que se confrontam à vontade das partes perante esta ordem jurídica.

496 O princípio da equivalência entre as prestações atua como um limitador do exercício da


autonomia privada. Isto porque ainda que tenham os contratantes, margem de liberdade na
modelação contratual, devem buscar na concretização dos contratos a equivalência, sobretudo,
material. Isto porque, desde que estejam os contratantes livremente esclarecidos, podem
celebrar contratos formalmente desequilibrados. Caso nasçam os contratos desequilibrados e
este desequilíbrio não tenha resultado de atuação livre e esclarecida dos contraentes poderá ser
o contrato anulado, modificado ou extinto, por exemplo, nos termos dos artigos 252, 282 e 283,
437 a 439 do Código Civil. Entretanto, muito embora atuem como limitadores, não se pode dizer
que no relacionamento entre o princípio da autonomia privada e princípio da equivalência entre
as prestações exista sempre e necessariamente prevalência de um sobre o outro. Neste sentido
coloca: VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria…, 2010, p. 25 e ss.
497 Consoante refere GALVÃO TELLES «a vontade dos interessados não paira acima da lei,

desenvolve-se e afirma-se dentro do seu âmbito (…)». TELLES, Inocêncio Galvão. Manual…,
2002. p. 18 e ss.
498 Cfr: FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada…2017, p. 239 e ss.
499 Neste sentido coloca: VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria…, 2010, p. 15.
500 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil, Teoria geral: acções e factos jurídicos. Vol. II.

Coimbra Editora. 1999. p. 78 e ss.


119

Todavia, pese embora as limitações que sofre o princípio da autonomia


privada e, consequentemente, o princípio da liberdade contratual à luz do
contexto jurídico português, estas não inviabilizam a validade e a eficácia de
cláusulas de hardship de adaptação negociadas à luz dos Princípios UNIDROIT
ou da cláusula-tipo da CCI. Tais modelos têm o intento de promover o
restabelecimento da justiça do contrato, para além de outras questões que
possam trazer, por meio da obrigação de renegociar, de boa-fé, o contrato que
vier a ser, de forma superveniente, desequilibrado na base que comporta as
circunstâncias causais, designadamente nos casos em que forçar o
cumprimento do contrato gere, a um dos contraentes, excessiva onerosidade. E
esta situação tenha como causa a eclosão de um acontecimento
superveniente501, inevitável, extraordinário, porque não correspondente aos
riscos próprios das partes contratantes502.
A justificativa para tal fato se concentra, de partida, no fato de se
encontrarem subjacentes a uma cláusula de hardship503 de adaptação, os
princípios ‘rebus sic stantibus’, justiça contratual comutativa e equivalência das
prestações (princípio material consagrado no artigo 237º do Código Civil
português)504. De mais, fazer nestes termos expressa a impossibilidade de
manutenção do contrato alterado porque contrário à boa-fé e impõe a
renegociação contratual de acordo com os ditames da boa-fé negocial505.
Princípio que além de constar expresso na regra da alteração das circunstâncias
é consagrado pela Ordem Jurídica portuguesa como um dos princípios vetores
das relações contratuais, conforme dispõe artigo 762º, nº 2 do Código Civil. Esta
conjuntura reforça a validade da cláusula e assegura o dever de os contratantes

501 Ou que as consequências danosas deste acontecimento sejam supervenientes.


502 Os limites e efeitos que compreenderão tais cláusulas poderão ser impostos pelos próprios
contraentes de acordo com o que for conveniente a contratação que estiver subjacente.
Atentando-se, entretanto, para a sua validade, as demais regras e princípios do sistema jurídico
português.
503 Sobretudo desenhada nos moldes acima colocados, que se fez segundo o conceito definido

na segunda parte deste trabalho.


504 O princípio da equivalência consta consagrado no artigo 237º do Código Civil português, pois

tal dispositivo estatuiu que no momento da interpretação dos negócios jurídicos onerosos deve
prevalecer o sentido “que conduzir a um maior equilíbrio das prestações.” Neste sentido: Neste
sentido coloca: VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral…, 2010, p. 25-26 e ss.
505 A respeito do papel da boa-fé no Direito, sobretudo no Direito Português, cfr: CORDEIRO,

António Menezes. Da boa fé…,2015.


120

agirem, durante a execução da prestação abrangida pela cláusula, observando


os deveres acessórios de proteção, lealdade, colaboração e informação.
Noutro passo, ao contratarem uma cláusula de hardship consoante
especificado, as partes acabam por realizar o intento mais profundo de
preservação ou restauração da justiça contratual que domina o ambiente da
alteração das circunstâncias frente à ordem jurídica portuguesa506 - o que implica
em não haver barreiras à sua modelação válida e eficaz em razão de regras
injuntivas do sistema. Eis que deste modo o escopo da norma estará preservado
através de um clausulado como este e nesta medida não haverá sido rompido
os interesses considerados pelo legislador507. Outrossim, porque o instituto deve
seguir a natureza comum dos preceitos obrigacionais508. Sendo assim, às
cláusulas de hardship desenhadas consoante especificado deve ser dada a
mesma relevância legal que se dá à «alteração ou desaparecimento da base
negocial»509, pelo que serão estas válidas e aptas a produzir efeitos jurídicos.
Constando cláusula de tal natureza, primeiramente as partes terão de se
empenhar nas renegociações. E somente em um segundo momento é que
poderá ter lugar, a depender do que tiver sido estabelecido no âmbito do

506 FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada… 2017, p. 241 e ss.
507 Neste sentido coloca OLIVEIRA ASCENSÃO, ao afirmar que para saber se uma norma é
injuntiva ou dispositiva cabe verificar, caso por caso, «se a regra trazida é ou não essencial à
fisionomia do instituto, se pode ou não ser posta de parte sem que se rompa o equilíbrio dos
interesses que foram tidos em conta pelo legislador». ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito…,
2005, p. 521-522. De mais, ensina MENEZES CORDEIRO no que toca a interpretação da lei, o
fazendo em conformidade com o artigo 9º do Código Civil português que diz: «Artigo 9º.
(Interpretação da lei) 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir
dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na
letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na
fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções
mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». A lei não deve ser
interpretada no sentido literal, imediato, que dela se pode exprimir. Fazê-lo desta forma pode
conduzir a conclusão inadequadas no que toca a intenção legislativa. É necessário ter em
atenção aquando da tarefa interpretativa o que está subjacente ao dispositivo legal e, nesta
medida, verificar as conexões e implicações que apenas poderão ser valoradas em conformidade
com o ordenamento jurídico em seu todo. (CORDEIRO, António Menezes. Tratado… vol I, 2012.
p. 671 e ss).
508 CORDEIRO, Tratado… v. IX, 2017, p. 539 e ss.; CORDEIRO, Direito das obrigações. 1. p.

73; JORGE, Fernando Pessoa. Direito das obrigações. 1972. p. 196 e ss..
509 Neste sentido: MONTEIRO, António Pinto. GOMES, Júlio. A «Hardship Clause»…, 1998, p.

34. Também entendendo que os artigos 437º e seguintes do Código Civil devem ter caráter
supletivo: Neste sentido: CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé..., 2015, p. 1107;
CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 539 e 560; LEITÃO, Luís Manuel Teles
de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 130-131; TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos… 2002,
p. 349.
121

contrato, a possibilidade de o contrato seguir para que um terceiro venha a


interpretá-lo e, havendo necessidade, integrá-lo510. Ou ainda, a possibilidade de
outras soluções serem adotadas para o caso concreto, situações estas que
serão tratadas em momento subsequente.

1.1.1. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação) nos


contratos comerciais nacionais

Noutro diapasão, superada a verificação da validade e eficácia de uma


cláusula de hardship de adaptação modelada à luz dos Princípios UNIDROIT ou
cláusula-tipo da CCI, oportuno considerar o que pode motivar as partes de um
contrato, especialmente comercial, a modelarem sob a égide do ordenamento
jurídico português, modelarem-na. Isto, de forma a estabelecer a obrigação de
renegociação do contrato quando houver um desequilíbrio superveniente em seu
seio.
Primeiro, cabe ter em atenção até que ponto é lícito às partes
derrogarem a incidência da regra do artigo 437º a 439º do Código Civil em virtude
da negociação de uma cláusula de hardship num momento de integração de
lacunas. Nesta medida, é preciso inquirir se podem dispor no todo a respeito da
incidência da norma em virtude de tal clausulado ou se, fora do âmbito do acordo
específico das partes, o regramento deverá operar porque não deixaria de ter
uma imperatividade, mesmo que subsidiária.
Esta é ainda questão controversa frente ao sistema jurídico português511.
Entretanto, a modelação de uma cláusula de hardship conforme demonstrado,
dá corpo à teleologia subjacente ao regramento da alteração das circunstâncias
do Direito português, qual seja, a de preservar ou restaurar a justiça do contrato
frente aos casos de desequilíbrio em razão de alteração supervenientes nas
circunstâncias. E mais, o faz pressupondo uma conceção objetiva da justiça
contratual, do mesmo modo que faz a regra legal, ainda que possa para além
desta conceção objetiva trazer uma conceção subjetiva das partes. Tal situação

510MONTEIRO, António Pinto. GOMES, Júlio. A «Hardship Clause»…, 1998, p. 37 e ss.


511 Defende, FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada… 2017, p. 243 e ss, uma
imperatividade subsidiária da regra do artigo 437º/1 do Código Civil. E mais, aponta que há no
direito positivo português elementos que apontam para a inderrogabilidade do artigo 437º/1,
como os artigos 830º/1 do Código Civil.
122

implica em não haver qualquer ofensa relativamente ao núcleo normativo formal


do artigo 437º/1 do Código Civil.512
De mais, ao negociar clausulado nestes termos acabam as partes por
quase que dar corpo à regra legal, mas o fazem de forma mais abrangente e de
forma a, consoante o conhecimento objetivo que detêm quanto ao setor a que
suas contratações se submetem, interpretarem de forma objetiva a cláusula
geral da alteração das circunstâncias. Pelo que a negociação de uma tal cláusula
poderá ser capaz de possibilitar a derrogação da incidência do preceito legal, eis
que «esta temática vive dominada pela autonomia privada», diante de cláusula
negociada que traga solução513. Contudo, importa sublinhar não ser certo que a
interpretação dos tribunais dar-se-á neste sentido, o que pode diminuir o
interesse, sobretudo a partir de uma análise económica do direito, de negociar
tais cláusulas, pois em meio as incertezas veem-se aumentados os custos ex
ante de negociação e não necessariamente a maximização dos resultados514. 515
Não obstante o retro enumerado o interesse na modelação de tal
clausulado pode se verificar em razão de outros fatores. A uma porque ao
negociar estas cláusulas as partes não ficam «à mercê de todos os azares do
destino»516. Estabelecem o domínio da superveniência, diga-se, concordância
que deverá se dar com uma concepção objetiva, capaz de provocar a obrigação
de renegociar o contrato ou, se assim quiserem, de extinguir o vínculo
existente.517
De mais, deste modo é razoável que as partes de contratos paritários,
as quais têm expertise nas negociações a que se submetem, encontrem

512 Em sentido contrário: FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada…2017, p. 241 e ss.
513 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 539 e ss.; PINHEIRO, Luís de Lima.
Direito Comercial…, 2005, p. 240 e ss.
514 Neste sentido cfr: ARAÚJO, Fernando. Teoria económica…, 2007, p. 625 e ss. Ainda sobre a

análise económica do direito, cfr: CALABRESI, Guido / MELAMED, A. Douglas. Property Rules,
Liability rules, and inalienability: one view of the cathedral. In: Harvard Law Review, vol. 85, apr
1972, nª 6, (p. 1089-1128), p. 1089 e ss.; COASE, R.H. The Problem of Social Cost. In: The
Jornal of Law and Economics, vol. III, oct. 1960 (p. 1-44), p. 1 e ss.
515 Em sentido contrário, cfr: FRADA, Manuel Carneiro da. Autonomia Privada e Justiça
Contratual. (p. 239-254). In: Edição Comemorativa do Cinquentenário Código Civil. (p. 239-254).
Universidade Católica Editoria, Lisboa, 2017, ISBN 9789725405741, p. 241 e ss,
516 Para além de caber considerar como «azares do destino» acontecimentos de ordem política,

económica, social e outros que podem decorrer e interferir no equilíbrio de um contrato. Cabe
considerar adentro deste domínio a interpretação que vier a dar um tribunal, na pessoa de seu
julgador, para as situações que possam provocar a eficácia da norma positiva constante do
Código Civil português (artigos 437º e ss). Conforme já referido nesta mesma investigação.
517 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 541.
123

melhores soluções para as problemáticas que venham a se instaurar,


designadamente em razão de um desequilíbrio superveniente, ainda mais
porque, em decorrência deste conhecimento específico, reúnem melhores
condições para chegar aos termos de uma readaptação contratual, de modo a
atender de forma mais exitosa interesses económicos gerais subjacentes às
contratações do tipo.518
Depois porque, diferentemente do que acontece quando há incidência
dos dispositivos legais que tratam da alteração das circunstâncias (leia-se
modificação ou resolução do contrato pela via judicial), podem as partes
estabelecer em suas cláusulas de hardship que, frente as hipóteses de sua
incidência, terá lugar a renegociação do contrato a se operar da maneira que
lhes pareça mais conveniente. Conveniência esta medida pela racionalidade dos
contraentes ao analisar questões operacionais da incidência da cláusula e dos
custos.519
Destarte, a despeito da incerteza relativamente a derrogação da regra
legal, - o que pode pesar como fator contrário a sua negociação diante da ordem
jurídica portuguesa -, a prática de negociação de cláusula de hardship é, afora
lícita, válida e eficaz, até mesmo recomendável. Mormente porque garante a
justiça material no seio dos contratos; possibilita aos contratantes estabelecerem
o regime de superveniência que consideram oportuno, considerando para além
de elementos objetivos relacionados às contratações em causa, elementos
subjetivos; evita, ou ao menos tenta evitar, litígios judiciais futuros; e, de mais,
deixa aos próprios negociantes o encargo e a possibilidade de encontrar as
soluções para seus próprios contratos, economicamente desequilibrados, não
transferindo a solução necessariamente para terceiros.520

518 MONTEIRO, António Pinto. GOMES, Júlio. A «Hardship Clause»…, 1998, p. 36-38.
519 Podem, por exemplo, os contratantes determinarem que a renegociação deverá se dar
através de mediação. A mediação para além de ter menores custos, dá oportunidade as partes
de, com a ajuda de um facilitador profissional, chegarem a uma solução ao problema que lhes
acometeu. Nesta medida, acaba dando vazão a acordos mais satisfatórios e preserva o bom
relacionamento das partes envolvidas.
520 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 542.
124

1.1.2. O papel da solução negociada e as suas implicações

Devidamente negociada cláusula de hardship válida e eficaz perante o


ordenamento jurídico português, o qual preveja como efeito primeiro a
renegociação contratual, tem-se de ter atenção à vinculatividade que esta gera
às partes521.
De antemão, o cumprimento da obrigação trazida em uma cláusula de
hardship deve se dar em razão do princípio da pontualidade, o qual se encontra
consagrado na ordem jurídica portuguesa no artigo 406º do Código Civil522. Este
princípio assegura que o contrato seja cumprido ponto a ponto, a satisfazer todos
os deveres, obrigações, ónus, nele estabelecidos523, de forma que haja uma
correspondência integral entre a prestação realizada e a prestação que o
vinculou. Nesta medida, terão de ser cumpridos todos os aspetos exigidos
contratualmente com relação à prestação524.
Para além disto, o dever de readaptação contratual diante da
superveniência de acontecimentos que venham a desequilibrar o contrato, cria,
às partes, obrigações. Obrigações que as vinculam, pois, em razão da boa-fé
negocial consagrada na ordem jurídica portuguesa, deve ser honrada a palavra
dada pelos contratantes525.
A primeira obrigação a que se refere é a de reunirem-se, os contratantes,
para renegociar os novos termos do contrato. A segunda, advém no sentido de
que, aquando da reunião para fins de renegociação, atuem os contratantes de
modo a «formular proposições sérias, relativas ao contrato, às suas bases
originárias, às circunstâncias atuais e à economia contratual globalmente

521 Importa ter em atenção que os contratos, uma vez válidos e eficazes, tornam-se vinculativos
as partes contratantes e, nesta medida, as partes ficam vinculadas aos efeitos nele previstos.
Por assim dizer, as cláusulas que constem em um contrato que válido e eficaz em sua
integralidade, também são vinculativas. Acerca dos efeitos dos contratos, cfr: TELLES, Inocêncio
Galvão. Direito das Obrigações. 1997. Editora Coimbra. 7ª ed. p. 82 e ss.
522 ARTIGO 406º (Eficácia dos contratos) 1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só

pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos
admitidos por lei. 2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos
especialmente previsto na lei.
523 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito… 1997, p. 82 e ss.
524 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações…, vol. II, 2017, p. 138 e ss.
525 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017. p. 540 e ss.
125

considerada»526. A renegociação contratual deverá se dar conforme os ditames


da boa-fé527.
Por esta razão, os contratantes terão de proceder em conformidade aos
deveres acessórios de conduta – proteção, informação e lealdade – aquando da
renegociação que se der em razão de cláusula de hardship. Fazê-lo nestes
moldes é atender às exigências do artigo 762º, nº 2 do Código Civil, o qual diz:
«2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito
correspondente, devem as partes proceder de boa fé.». 528
O devedor, no momento do cumprimento da sua prestação, não poderá
realizá-la apenas respeitando formalmente a vinculação assumida. Deve agir de
modo adequado à satisfação do interesse do credor, empregando todas as
medidas cabíveis para evitar os danos que possam vir a ser causados. Diga-se,
de forma leal, proba, razoável.529
Na hipótese de enviar propostas inaceitáveis para a outra parte, agindo
assim de forma protelatória, artimanhosa, desleal ou de modo a empregar
renitências irrazoáveis, estará atuando em contrariedade à boa-fé. Tal proceder
não será tolerado, pois a verdade é que neste caso só aparentemente é que se
estará sendo tentada a renegociação do contrato, mas na realidade não se quer
chegar a um termo razoável530.531
Referida falta poderá se vir configurada como hipóteses de
incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, tendo em vista que a
prestação ou não foi voluntariamente cumprida ou foi cumprida de forma
defeituosa532. Estas situações se confirmam como hipóteses de violação positiva

526 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de hardship…, 2010, p. 25-26.


527 Sobre o dever de observância dos ditames da boa-fé, designadamente deveres de conduta,
como deveres de informação e de consideração dos interesses da contraparte (deveres de
participar das negociações, de prestar as informações necessárias, apresentar propostas e
contrapropostas razoáveis, de não retardar as negociações, nem criar fatos que tornem
impossível a adaptação do contrato), aquando da renegociação do contrato, cfr: PINHEIRO, Luís
de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 240 e ss.;
528 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 140 e ss;

CORDEIRO, António Menezes. Tratado… vol. II, 2017, p. 61 e ss.


529 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 140 e ss.
530 Este raciocínio desenvolve: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 24 e ss.
531 Para maiores esclarecimentos em relação a boa-fé cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da

Boa fé…, 2015.


532 O princípio da pontualidade assegura que aquele que não cumprir com as obrigações contidas

na cláusula de hardship, quais sejam: a de reunirem-se para proceder as renegociações


contratuais; e, durante as renegociações, trocar propostas sérias, leais, probas; estará deixando
de cumprir com a obrigação nos termos que se vinculou. Caso assim proceda, poderá incorrer
em situação de cumprimento defeituoso, na medida em que, em caso como este, o contrato terá
126

do contrato. Nesta medida, poderá o credor exigir judicialmente o cumprimento


da prestação e de executar o património do devedor, nos termos do artigo 817º
do Código Civil. Ainda, nos termos do artigo 798º do Código Civil, por que houve
falta culposa por parte do devedor, poderá o credor exigir reparação pelos
prejuízos que tenham lhe sido causados533.534
Entretanto, caso as partes tenham se disposto a renegociar o contrato,
mas não logrem êxito com a renegociação, tendo sido prevista a possibilidade
de intervenção de um terceiro, poderão, o juiz ou o árbitro, atuarem no sentido
de proceder à readaptação ou resolução contratual nos termos dos artigos 437º
a 439º do Código Civil. Atuação esta que dependerá do que tiver sido previsto
pelas partes no corpo da cláusula, revisão e/ou revisão e resolução do contrato
– sobretudo porque nem o juiz, nem o árbitro, poderão se fazer substituir de
forma arbitrária a uma das partes535. E também porque, no caso de a incidência
da norma legal ter sido afastada por vontade das partes, que acertaram solução
a elas adequada, terá de ser dado atenção ao que foi estipulado e as
consequências legais que então passarão a ser cabíveis.536
Entretanto, cumpre ter atenção que não se está a dizer que no caso de
haver recusa ou renitência das partes em adaptarem o contrato alterado e houver
sido derrogada a regra da alteração das circunstâncias este subsistirá sempre
de forma desequilibrada. Eis que tendo sido caracterizada culpa contratual terá
o julgador a possibilidade de recorrer a outras regras legais, valores e princípios

sido cumprido de forma inexata ou incumprido. Neste sentido coloca o artigo 799º do Código
Civil, o qual coloca: «(Presunção de culpa e apreciação desta) 1. Incumbe ao devedor provar
que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa
sua. 2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil». Ainda neste sentido,
cfr: LEITÃO, Luís Manuel Teles. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 138 e ss.; Para outras
notas sobre o cumprimento das obrigações, cfr: CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX,
2017.
533 Sobre a possibilidade de responsabilização civil pelo incumprimento, cfr: TELLES, Direito…,

1997, p. 135 e ss; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II,
2017, p. 141 e ss.
534 Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 240 e ss.; Sobre a execução

específica e reparação por perdas e danos, confrontar: VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 276-282.
535 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28 e ss.
536 Conforme sobredito este é um ponto controverso frente a sistemática jurídica portuguesa. Isto

porque não há unanimidade no que toca a possibilidade de derrogação da regra dos artigos 437º
a 439º do Código Civil. Há forte corrente que manifesta a impossibilidade de derrogação
completa da regra da alteração das circunstâncias, assumindo, então, esta regra uma
imperatividade subsidiária. Pelo que, em um caso como o referido não ficariam as partes sem
solução a ser vislumbrada pelos tribunais. Neste sentido, cfr: FRADA, Manuel Carneiro da.
Autonomia Privada… 2017, p. 239-254.
127

que compõem o sistema para resolver eventuais injustiças que poderão vir a ser
ocasionadas com a manutenção do contrato desequilibrado de forma
superveniente537.

1.2. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO


DIREITO BRASILEIRO

De forma similar ao que ocorre na sistemática jurídica portuguesa,


embora exista a possibilidade de modificação do contrato ou ainda a sua
extinção em razão de alteração superveniente no seu circunstancialismo, esta
somente se verificará no caso de restarem comprovados, de forma cumulativa,
os requisitos legais e pressupostos de admissibilidade exigidos, seja para a
inteligência das normas do Código Civil ou das normas do Código de Defesa do
Consumidor. Entretanto, mais uma vez cabe dizer, embora haja solução
igualmente para os contratos de consumo, as implicações da utilização da norma
a seguir tratadas serão relativas, na integralidade, às relações paritárias, entre
iguais538.
Também no que toca a esta sistemática jurídica, cabe referir, a despeito
de haver tratamento legal para a questão do desequilíbrio superveniente, que a
aplicação das regras positivas pelos tribunais implica em soluções, por vezes,
não satisfatórias aos interesses concretos dos contratantes.
Em suma, isto decorre em razão de se estar permitindo a intervenção de
um terceiro, o qual não tem a mesma expertise das partes contratantes, no seio
do contrato, ou porque a regra deste sistema privilegia a heteronomia e não a
autonomia e deste modo subtrai dos negociantes o dever de se empenharem
nas negociações para arranjar soluções a fim de reaver o equilíbrio do contrato
alterado, o que acaba por desencadear inseguranças neste sentido.
A perspectiva contratual no sistema jurídico civil brasileiro também se
faz no sentido de que o contrato não se trata de um vínculo de antítese entre as
partes, mas de um instrumento de cooperação para que os contratantes possam

537 Nestes termos coloca MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28, 33-34, ao referir
sobre o sistema jurídico brasileiro.
538 Embora algumas soluções possam ser aplicadas também com relação as relações de

consumo, não se está a tratar de contratos consumeristas.


128

atingir um objetivo comum, que se perfaz através do cumprimento das


prestações.539
Partindo-se, então, desta premissa, procede analisar também a
viabilidade de deixar na mão das partes a responsabilidade por arranjarem
soluções para reaver o equilíbrio do contrato alterado em razão de alteração
superveniente das circunstâncias contratuais. Ou seja, a viabilildade da
modelação de forma válida e eficaz de cláusula de hardship de adaptação no
sistema jurídico brasileiro, doravante referida simplesmente como cláusula de
hardship540.
O fundamento da possibilidade de negociação de cláusula de hardship
no Direito interno brasileiro não está na lei. Mas, mais uma vez, se concentra na
autonomia privada dos contratantes541. O princípio da autonomia privada no
Direito brasileiro é, do mesmo modo como ocorre em Portugal, um dos princípios
vetores do Direito dos Contratos. Por autonomia privada se deve entender o
poder que as partes têm para contratar e estabelecer, por intermédio da
declaração de vontade manifesta, os efeitos que pretendem decorram com
aquela contratação - efeitos estes que são reconhecidos por lei.542
A autonomia privada se trata de um princípio «que exprime o
reconhecimento pelo direito positivo da eficácia jurídica da vontade dos
contratantes»543. Correlaciona-se com o princípio da autonomia privada, o
princípio da liberdade contratual544. Em sentido amplo, a liberdade contratual
engloba a liberdade de contratar ou não contratar; liberdade de fixação de

539 Neste sentido trata MARTINS-COSTA ao fazer uma introdução geral as diretrizes da
sistemática adota pelo Código Civil brasileiro de 2002. Cfr: MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários…2009, p. 1-76.
540 Acerca da aferição da existência e validade dos negócios jurídicos frente ao Direito brasileiro,

confrontar os ensinamentos de: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de


Direito Privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1974, atualizado em 2012, t.III, p. 196 e ss, 244 e
ss, 443 e ss; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Rio de
Janeiro: Editor Borsoi, 1974, atualizado em 2013, t.IV, p. 66 e ss, 78 e ss; AZEVEDO, Antônio
Junqueira de. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 31 e ss; 126 e ss.
541 Neste sentido: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 22.
542 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Contratos. Série Leituras Jurídicas. 2ªed. 2006. Editora

Atlas. p. 7 e ss. Também neste sentido: MELO, Leonardo Machado de. Princípios do direito
contratual: autonomia privada, relatividade, força obrigatória, consensualismo. (p. 67-96) In:
Teoria Geral dos Contratos. coord. LOTUFO e NANNI. Editora Atlas: São Paulo. 2011. p. 78 e
ss.
543 MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 82.
544 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil…, 2006, p. 7 e ss. MELO, Leonardo Machado de.

Princípios…, 2011. p. 78 e ss
129

conteúdo, o que garante às partes a possibilidade de modelação de cláusulas


que entendam pertinentes aos seus contratos; assim como a liberdade de
escolher com quem será formalizada a contratação e sob qual forma será
procedida.545
A liberdade contratual546, assim como a autonomia privada, atinentes às
partes de um contrato, sofrem, no âmbito negocial, delimitações547. Na ordem
jurídica brasileira tais derivam da ordem pública e dos bons costumes, conceitos
cuja interpretação varia consoante a época548. Igualmente derivam em razão e
nos limites da função social do contrato549, consoante dispõe artigo 421550 do
Código Civil; da boa-fé objetiva, consagrada no artigo 422 do Código Civil 551; do
equilíbrio económico no seio dos contratos (como a lesão, art. 157 do Código
Civil e onerosidade excessiva art. 317 e 478 a 480, ambos do Código Civil);
assim como das regras imperativas constantes na sistemática jurídica brasileira.
Embora as delimitações a que estão sujeitas a autonomia privada e a
liberdade contratual por outras regras e princípios, tais delimitações não são
capazes de afastar a possibilidade de negociação de uma cláusula de hardship
em um contrato sob a égide do Direito Civil brasileiro, conforme se verá a seguir.

545 MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 83.


546 Mais uma vez cabe ter em atenção que a liberdade contratual não se confunde com a
liberdade de contratar. Em virtude dos ditames constitucionais do Direito brasileiro, a liberdade
de contratar não sofre delimitações. Isto, pois, é direito inerente ao ser humano, celebrar o
contrato. Entretanto, o que sofre limitações é a liberdade contratual. Neste sentido coloca José
Fernando Simão, ao esclarecer a imprecisão terminológica do dispositivo legal do Código Civil
brasileiro. Crf: SIMÃO, José Fernando. Direito Civi…, 2006.
547 Acerca da relação entre a vontade e a lei, cfr: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.

Tratado de Direito Privado…, 1974, t.III.p. 97 e ss.


548 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil…, 2006, p. 7 e ss.
549 A função social do contrato é considerada por TARTUCE como um regramento de ordem

pública, conforme coloca o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil (Parágrafo único.
«Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos»).
Nesta medida não poderá ser afastado por vontade das partes. TARTUCE, Flávio. A função
social dos contratos. 2005. p. 201. A função social do contrato detém função em dois momentos.
Relativamente as partes de um contrato. Assim como, na relação dos contratantes com terceiros.
Com relação aos contratantes a função social representa a justiça interna do contrato. Assim
sendo, as cláusulas iniquas ou abusivas são contrárias a função social do contrato e por isto
podem ser consideradas nulas. Isto tendo em conta que estas cláusulas contrárias à função
social do contrato, desvirtuam o fim a que o contrato se presta, qual seja, de oportunizar a
circulação de riquezas e o alcance de fins comuns aos contratantes. Considera a função social
como um delimitador do exercício da autonomia privada e da liberdade contratual: NEGREIROS,
Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Editora Renovar. Rio de Janeiro. 2002. p. 205 e
ss.
550 Artigo 421. «A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social

do contrato.»
551 Artigo 422. «Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como

em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé».


130

Os princípios integrantes da teoria contratual do Direito brasileiro552,


sobretudo a boa-fé, equilíbrio económico e função social553, que acabam por
delimitar a autonomia dos contratantes exercida no Direito brasileiro, serão
fundamento para a modelação de uma cláusula de hardship de adaptação que
venha a refletir a teoria do hardship trazida pelos Princípios UNIDROIT ou da
própria cláusula-modelo da CCI. Tal fato demonstra respeito com relação à
principiologia estruturante do Direito dos contratos.554
A boa-fé se fará presente tanto no momento da modelação da cláusula,
situação em que a sua influência se revela na fase formativa de um contrato e
na fase negociatória, quando nas fases de conclusão e execução contratual, bem
como também na fase pós-contratual555. Daí porque é certo que os contratantes
devem renegociar o plano contratual sem atuar de forma artimanhosa,
protelatória, desleal ou a se utilizar de renitências desarrazoadas. Ou seja,
devem deixar, neste momento, guisar sua conduta à luz dos ditames da boa-fé
negocial556.
O princípio do equilíbrio económico, um dos princípios basilares da teoria
contratual contemporânea do Direito brasileiro, servirá como parâmetro para a
avaliação do conteúdo da cláusula e também do resultado que a eficácia desta
virá a desencadear para cada um dos contratantes557. E mais, através da
cláusula, estar-se-ão sendo ensaiadas soluções para resguardar um equilíbrio

552 A teoria contemporânea do Direito dos contratos consagrou princípios que são considerados
princípios sociais. Estes, o a boa-fé objetiva, equilíbrio económico do contrato e função social do
contrato, acabaram assumindo o papel de relativizar os princípios contratuais tradicionais, diga-
se, os quais não foram afastados da sistemática jurídico, a despeito de haver mitigação. Neste
sentido, cfr: LOTUFO, Renan. Teoria Geral dos Contratos. In: Teoria Geral dos Contrato. IDP –
Instituto de Direito Privado. Editora: Atlas. São Paulo. 2011. p.1-21.
553 A fazer menção sobre os princípios que integram a teoria contratual contemporânea do Direito

brasileiro, cfr: NEGREIROS, Teresa. Teoria…2002. p. 24 e ss.


554 Não se pode olvidar que, mesmo na hipótese de não constar expressamente em uma cláusula

de hardship sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro a obrigação de renegociar o contrato


de boa-fé, caberá aos contratantes agirem em conformidade com a boa-fé negocial. Sob pena
de não o fazendo virem a sofrer as sanções cabíveis. Eis que a boa-fé é um dos cânones
hermenêuticos dos negócios jurídicos privados no Direito brasileiro, o que implica em uma leitura
contratual sempre à luz da boa-fé. Isto implica dizer que em um processo técnico-jurídico no
sistema jurídico brasileiro a boa-fé (juntamente com outros critérios), será determinante para
interpretação e integração contratual. É assim que se colocam os artigos 113 e 422 do Código
Civil brasileiro. Neste sentido, cfr: AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 926;
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé..., 2015, p. 441-508; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa
..., 2008, p. 32.
555 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé…, 2015, p. 379-437.
556 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010 p. 24 e ss.
557 Neste sentido: NEGREIROS, Teresa. Teoria…, 2002. p. 154 e ss.
131

entre as posições económicas dos contratantes mesmo quando este vier a ser
afetado de forma superveniente. Agir deste modo é garantir a justiça no seio dos
contratos.558
Outrossim, deste modo não se estará por olvidar que o contrato deve
respeitar tanto as partes contraentes, como também as condicionantes sociais
que o envolvem e o afetam. Situação que se perfaz em conformidade com o
princípio da função social dos contratos (designadamente sua função interna), a
qual se trata da função exercida na ordem econômico-social559.560
Como condicionante do princípio da função social dos contratos
encontra-se a solidariedade561, a qual traz consigo a ideia de haver necessidade
de colaboração entre os contratantes, de respeito pelas partes às situações
jurídicas anteriormente constituídas562. Tudo o que oportuniza uma tal cláusula,
eis que uma alteração superveniente no circunstancialismo do contrato, altera a
situação jurídica que deu causa à sua constituição.
Ademais disto, em virtude da autonomia que as partes detêm, que sedia
o princípio da liberdade contratual e por esta razão a liberdade de modelação e
liberdade de forma, fora consagrada pela Ordem Jurídica brasileira a
possibilidade de as partes celebrarem contratos ditos atípicos. Diga-se, contratos
estes que não constam pormenorizados em lei e, por isto, permite-se à
formulação de cláusulas que as partes entendam pertinentes à integrarem seus
contratos. Tal permissão consta do artigo 425 do Código Civil de 2002 e se
perfaz, do mesmo modo, como fundamento para a negociação de cláusulas de
hardship563.
Noutro diapasão, no Direito brasileiro não se pode considerar que a regra
trazida pelo instituto da onerosidade excessiva superveniente se trata de regra
imperativa. De início, porque no âmbito contratual há prevalência da vontade das

558 Neste sentido: NEGREIROS, Teresa. Teoria…, 2002. p. 154 e ss.


559 Neste sentido: MARTINS-COSTA, Judith. Contratos. Conceito e evolução. In: Teoria Geral
dos Contratos. (coord.) LOTUFO e NANNI. Editora Atlas. 2011. p. 48 e ss.
560 NEGREIROS, Teresa. Teoria…, 2002. p. 205 e ss.
561 O princípio constitucional da solidariedade fundamenta a existência do princípio da função

social dos contratos. Cfr: NEGREIROS, Teresa. Teoria…, 2002. p. 205 e ss.
562 NEGREIROS, Teresa. Teoria…, 2002. p. 205 e ss.
563 Neste sentido: COSTA, José Augusto Fontoura; NUSDEO, Ana Mara de Oliveira. As
cláusual… 1995, p. 77; GAMA JÚNIOR, Lauro. Os Princípios…, p. 48; MOSER, Luiz Gustavo. A
cláusula…; MARTINS-COSTA, Judith. Comentários….2009, p. ; MARTINS-COSTA, A
cláusula… 2010, p. 22.
132

partes e das normas supletivas564, o que implica considerar que as normas


positivas terão aplicabilidade neste setor de atividades quando as partes tiverem
sido silentes no que respeita às soluções legais que desejam se apliquem. Ou
ainda, que a solução por elas apontadas no instrumento negocial tenha se dado
com faltas565.
Disto resulta poderem os contratantes, especialmente no domínio
contratual de contratos paritários566, regular seus interesses, inserir clausulados
– como a cláusula de hardship - de forma diversa e até mesmo oposta, àquela
apresentada pela norma positiva. E mais, poderem afastar as regras legais
desde que o façam «nos limites legais imperativos»567, o que se verifica mediante
a modelação de uma cláusula de hardship conforme especificado não ultrapassa
tais limites. Eis esta dá força ao núcleo normativo da regra legal, sobretudo
porque assegura estarem subjacentes a ela os princípios estruturantes do Direito
dos Contratos, que visam garantir a justiça material no seio dos contratos e, se
não fosse o caso, poderiam impossibilitar a sua derrogação.
Sendo assim, os artigos 317, 478 a 480 do Código Civil terão, aquando
de sua aplicação pelo intérprete, o papel de regras integrativas supletivas. Nesta
linha, incidirão quando não se puder perceber e resolver, no momento da
interpretação contratual, o que as partes desejaram decorresse no caso de
desequilíbrio superveniente em razão da alteração das circunstâncias. Em
virtude, então, desta impossibilidade, porque há espaço no contrato,
designadamente da solução a ser aplicada quando houver alteração das
circunstâncias basilares do contrato, é que caberá recurso aos artigos citados
para integração de lacunas568. Destarte, todos os argumentos acima esboçados

564 MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 85.; GOMES, Orlando.
Contratos…2008, p. 26
565 Neste sentido GOMES, Orlando. Contratos… 2008, p. 26
566 Importa ter em atenção as especificidades, variantes e facetas relativas aos contratos

consumeristas constituídos no domínio do Direito brasileiro. Para tanto cfr: MARQUES, Claudia
Lima. Contratos… 2002. p. 62.
567 Neste sentido GOMES, Orlando. Contratos… 2007, p. 26
568 A respeito da interpretação, qualificação e integração dos contratos, cfr: BENACCHIO,

Marcelo. Interpretação dos contratos. In: Teoria Geral dos contratos. Interpretação dos contratos.
LOTUFO, Renan/NANNI, Giovanni Ettore (coord). IDP – Instituto de Direito Privado. Editora
Atlas: São Paulo. 2011. p. 364 e ss.
133

dão força para a afirmação de não ser a modelação de uma cláusula de hardship
defesa por lei569.

1.2.1. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação) nos


contratos comerciais domésticos

Oportuno ainda mensurar o que pode dar causa a modelação de uma


cláusula de hardship frente ao ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme tratado, na Ordem Jurídica brasileira não há segurança no que
toca à interpretação que será dada aos elementos que, uma vez comprovados
cumulativamente, ensejarão a eficácia do instituto da onerosidade excessiva
superveniente. A divergência de entendimento é verificável tanto na seara dos
tribunais, por meio dos julgados selecionados, como também, na seara
doutrinária, vez que há autores que qualificam um dado requisito da regra da
onerosidade excessiva superveniente de uma forma e outros que qualificam este
mesmo elemento de outra570. Daí, possível extrair o primeiro elemento que pode
justificar o interesse para as partes na contratação de cláusula de hardship.
Deste modo se deixa a aferição do que seria necessário à eficácia do instituto
da onerosidade excessiva a encargo dos Tribunais e, ademais, não se deixa ao
acaso do destino a eclosão dos eventos supervenientes.571
Outrossim, também consoante fora acima ponderado, frente a esta
jurisdição há maior conformidade no que respeita ao entendimento no tocante a
possibilidade de derrogação da regra legal da excessiva onerosidade
superveniente pelas partes em um contrato paritário. Designadamente quando
estas arranjarem solução negociada que dê expressão ao núcleo normativo da
regra legal, o que é o caso de uma cláusula de hardship nos termos
referenciados.572

569 Neste sentido: COSTA, José Augusto Fontoura; NUSDEO, Ana Mara de Oliveira. As
cláusual… 1995, p. 77; GAMA JÚNIOR, Lauro. Os Princípios… p. 48; MOSER, Luiz Gustavo. A
cláusula…; MARTINS-COSTA, Judith. Comentários…. 2009, p. ; MARTINS-COSTA, A
cláusula… 2010, p. 22.
570 Vide o que fora dito a respeito da extraordinariedade e imprevisibilidade do evento

superveniente capaz de desencadear a eficácia da norma da onerosidade excessiva


superveniente no Direito Civil brasileiro.
571 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017. p. 541 e ss.
572 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28 e ss.; MELO, Leonardo Machado de.

Princípios…, 2011. p. 85.; GOMES, Orlando. Contratos… 2008, p. 26


134

Noutra senda, mediante a negociação de cláusula de hardship, caberá


aos contratantes do comércio, de antemão e à luz da expertise que detêm
relativamente às suas contratações, como também dos riscos que podem e que
cabe assumirem nas suas relações obrigacionais, estabelecer o âmbito dos
riscos que lhe incumbirão ao negociarem uma tal cláusula. E, diga-se, farão
guiados pelos seus conhecimentos, que são o reflexo das melhores condições
que reúnem, comparando-se a um terceiro, julgador, que, em regra, não detém
a mesma expertise no setor de mercado à que as relações negociais que estão
em causa subsumem-se.
Para além do supra considerado, poderão através das cláusulas de
hardship que venham a negociar, acertar que a eficácia da norma terá lugar,
através da forma que a racionalidade, mormente económica dos contratantes,
na medida da consideração do binómio baixos custos e eficácia, mostre
conveniente. Sendo assim, ao contratarem uma tal cláusula poderão, todavia, os
contratantes, delimitar o domínio da superveniência que intentam considerar
para ensejar a sua eficácia573, fazendo com que permaneça em suas mãos o
desenrolar da relação contratual. De mais, poderão ponderar os menores custos
para as suas soluções e ainda desafogar o judiciário brasileiro, que como é de
conhecimento adentro deste sistema de direito, é deveras comprometido. Todo
o referenciado mostra, então, ser a negociação de uma cláusula de hardship
frente a este que se mostra uma solução para além de válida e eficaz,
recomendável.

1.2.2. O papel da solução negociada e as suas implicações

Devidamente negociada cláusula de hardship válida e eficaz perante o


ordenamento jurídico brasileiro, que preveja como efeito primeiro e renegociação
contratual, tem-se, também, de ter atenção para a vinculatividade gerada às
partes. A modelação válida e apta à produção de efeitos de uma cláusula de
hardship desencadeia às partes um «dever de negociar, como um verdadeiro e
próprio dever de cumprimento do contrato naquilo que foi previsto, genérica e/ou
pontualmente, como objeto da renegociação»574.

573 Neste sentido coloca: CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017. p. 541.
574 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 24.
135

Por meio da cláusula de hardship, ao estabelecer o dever de


readaptação contratual diante da superveniência de acontecimentos que
venham a desequilibrar o contrato, as partes criam uma obrigação, a qual se
cuida de uma obrigação de fazer575. E, como diante de uma obrigação contratual,
duas prestações vão decorrer, vejamos.
A primeira obrigação, perfaz-se no sentido de que os contratantes
deverão reunir-se para renegociar o contrato576, acertando novos termos e
condições para o contrato prosseguir devidamente adaptado. Havendo recusa
relativamente a esta reunião que visa promover a renegociação do contrato, seja
porque uma das partes faltou ao encontro, seja porque não respondeu ao
chamado para a renegociação, seja porque enviou propostas inaceitáveis para
a outra parte, estar-se-á diante de uma hipótese de culpa contratual.
Notadamente porque as partes são obrigadas a «formular proposições sérias,
relativas ao contrato, às suas bases originárias, às circunstâncias atuais e à
economia contratual globalmente considerada».577
A segunda obrigação se amolda no sentido de que a renegociação que
as partes devem se empenhar tem de se dar segundo a boa-fé. Assim sendo,
cabe às partes formular propostas de forma séria, correta, leal, proba. Nesta
medida não serão admitidas «artimanhas, protelações, deslealdades ou
renitências irrazoáveis». E mais, não será tolerada negociação que decorra de
modo a desvirtuar-se da lealdade contratual esperada, ou seja, de modo a só,
aparentemente tentar-se negociar, mas na realidade não chegar a um termo
razoável. Eis que fazendo assim estarão sendo criados impasses a um
acordo.578
No caso de não procederem à luz da boa-fé, estar-se-á, também diante
da hipótese de inadimplemento culposo do contrato. Eis que restará violada a
boa-fé, tida como parâmetro de ajustamento de conduta para que se obtenha

575 Por se tratar de uma obrigação de fazer incide, neste tocante, a legislação processual atinente
a execução. Neste sentido: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 31.
576 Neste sentido, leia-se, reuniões físicas/presenciais ou não. Nesta medida podem as tratativas

decorrer através de mecanismos diversos, supletivos à uma reunião presencial como


notificações, emails, etc.
577 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 25-26.
578 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 24 e ss.
136

bom êxito na negociação, e ainda a confiança, a qual deriva de ato de autonomia


privada579/580.
Frente às hipóteses de culpa contratual que leve à extinção do contrato,
será o caso de inadimplemento voluntário e a partir da interpretação do artigo
475 do Código Civil brasileiro, poderá a parte prejudicada pedir tanto a resolução
do contrato, quanto o seu cumprimento forçado. Cabendo, entretanto,
cumulativamente, em qualquer dos casos, indemnização por perdas e danos.581
Caso as partes não se reúnam para renegociarem os termos do contrato
ou não o façam segundo a boa-fé, tendo sido prevista a possibilidade de
intervenção de um terceiro no seio de um contrato, poderão, o juiz ou o árbitro,
atuarem no sentido de proceder à readaptação ou resolução contratual.
Entretanto, em razão do princípio da conservação do negócio útil, a preferência
do sistema jurídico brasileiro se perfaz no sentido de readaptação contratual 582.
Limitada restará a atuação do juiz ou do árbitro à readaptação se não tiverem as
partes previsto, no seio da cláusula, a possibilidade de extinção do contrato583.
Designadamente porque nem o juiz e nem o árbitro poderão se fazer substituir
de forma arbitrária a uma das partes584. Nesta medida, quando houver cláusula
de hardship a intervenção de um terceiro no seio contratual para reaver o
equilíbrio entre prestação e contraprestação em razão da superveniência de um
evento que altere as circunstâncias basilares do contrato estará restrita às
situações em que tiver sido assim acordado pelos contratantes.

579 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 24 e ss.


580 Enunciado 24 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários
realizada em setembro de 2002: «Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no artigo 422 do
novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento,
independentemente de culpa.»
581 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil… 2006, p. 84 e ss; Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. A

cláusula…, 2010, p. 28, 33-34; VELOSO, Sílvia Mechelany / CATEB, Alexandre Bueno. Análise
económica do inadimplemento contratual oportunista versus o inadimplemento eficiente (eficient
breach). In: Revista da Associação Mineira de Direito e Economia. (p. 18-44) Disponível em:
www.revista.amde.org.br/index.php/ramde/article/download/197/pdf
582 Tal se pode notar dos dizeres de: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.

Direito... 2011, p. 621; AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários... 2011, p. 925-926; «Enunciado
nº 367: Art. 479. Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham
por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo
equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o
contraditório.» CONSELHO de Justiça Federal. IV Jornada de Direito Civil. Enunciado nº 367.
[Em linha] Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/488, acesso em: 05 de
Janeiro de 2018.
583 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28 e ss.
584 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28 e ss.
137

Isto não quer significar, porém, que inexistindo a possibilidade de


intervenção de um terceiro no seio do contrato porque não previsto pelas partes
na cláusula, diante de uma recusa ou renitência em adaptar os termos do
contrato, este subsistirá sempre de forma desequilibrada. Situação esta que
acabaria por beneficiar o culpado e mais, que faria parecer a cláusula que prevê
a renegociação do contrato «cláusula de estilo destituída de toda a eficácia».585
A inteligência desta afirmação se concentra no fato de que após
instaurando o litígio e tendo sido caracterizada a culpa contratual gerada em uma
situação de inadimplemento do contrato, imputável e culposo586, abrir-se-á um
leque de opções ao julgador. Este leque terá como razão de ser os efeitos
contratualmente predispostos sobre a inexecução contratual587, ou mesmo o
ordenamento jurídico brasileiro, notadamente por conta de situação de culpa
contratual e não em razão de desequilíbrio superveniente por conta da eclosão
de um acontecimento fora dos riscos próprios daquele contrato.

1.3. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO


DIREITO INGLÊS

Relativamente ao sistema jurídico inglês, quando se pretenda a


salvaguarda do vínculo contratual no caso de haver alteração das circunstâncias
basilares do contrato através da renegociação pelos contratantes, oportuno que
façam as partes constar, nos contratos sob a égide desta sistemática jurídica,
solução negociada. Notadamente através de uma cláusula de hardship.

585 Assim se posiciona MARTINS-COSTA, relativamente as situações em que inexista a


possibilidade de intervenção de um terceiro para reaver o equilíbrio do contrato em razão de
circunstâncias supervenientes, no direito brasileiro. MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…,
2010, p. 28.
586 No direito civil brasileiro, o artigo 394 do Código Civil que trata da mora, ressalta que a mora

se caracteriza não apenas pelo retardo da prestação, mas pela dissintonia em prestar da forma
devida, ou seja, da forma que prevê o contrato. Sendo assim, haverá dissintonia quando o
contrato prevê a renegociação, por meio de uma cláusula de hardship, e há recusa injustificada,
protelação ou emprego de artimanhas para adiar as reuniões ou delas se esquivar. A mora
poderá se transformar em inadimplemento definitivo se a prestação, por causa da mora, perder
a utilidade para o credor (art. 395 do Código Civil), cabendo neste último caso a resolução do
contrato por inadimplemento. E mais, em ambos os casos, tanto de mora quanto de
inadimplemento definitivo, caberá indenização por perdas e danos. Neste sentido leciona:
MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 34.
587 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28, 33-34.
138

De partida, tais cláusulas perante esta sistemática jurídica são, sem


elevar debates, válidas e eficazes. O princípio da autonomia privada é a «trave
mestra» do Direito dos Contratos inglês, assim como do próprio Direito Civil,
sobretudo porque os ideais liberais foram assimilados pelos tribunais ingleses.
Daí porque frente a esta ordem jurídica os dois principais fundamentos da
chamada autonomia privada, assim compreendida tradicionalmente pelos países
de cultura jurídica romano-germânica, notadamente da liberdade de celebração
e liberdade de estipulação, têm ampla vazão. A despeito de as doutrinas da
impossibility ou frustration já tratadas na presente investigação sofrerem
delimitações pela lei e pela moral, são estas delimitações muito mais reduzidas
quando comparadas às delimitações que imperam às doutrinas dos variados
países romanistas à solução do problema da manutenção dos contratos
desequilibrados. Isto tem como causa o fato de dois grandes valores dominarem
o sistema, quais sejam: a segurança jurídica e a liberdade individual.588
Desta dimensão que se dá à autonomia privada se extrai o motivo de
haver maior liberdade para as partes no que toca à modelação das soluções que
pretendam sejam verificáveis em seus contratos. Também por isto as restrições
impostas pelo sistema são muito menores, o que, neste contexto, mostram-se
como argumentos bastante fortes a garantir a sua validade e eficácia. De mais,
é também desta mesma ideia que se encontra justificação à preferência dada
para a vontade negociada das partes589.
Na sequência porque não há que se considerar, conforme é conhecido
pelo imaginário jurídico das sistemáticas romano-germânicas, o conceito de
frustration of purpose como uma regra com força injuntiva. Perante o Direito
inglês são reconhecidas algumas modalidades de terms implied que se prestam
a integrar um contrato mesmo que não tenham sido expressamente
negociados590. Em suma, tratam-se estes de cláusulas implícitas mais restritivas,
em termos de alcance, e se comparam às regras legais supletivas dos sistemas

588 CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário
Moura. Direito Comparado. 2015. p. 260.
589 Neste sentido coloca: HILMMAN, Robert A. Principles…, p. 306-307.
590 Sobre a sistematização dos implied terms em: i) terms implied by statute; ii) terms implied by

custom; iii) terms implied at Common Law; iv) terms implied by law; iv) terms implied by fact, cfr:
CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário Moura.
Direito Comparado…, 2015. p. 93 e ss.
139

jurídicos romanistas, ainda que não detenham uma perfeita equivalência


funcional com estas.591
Segundo a lógica jurídica em atenção e as espécies de terms implied, o
conceito de frustration consubstancia-se nos terms implied at common law, os
quais se consubstanciam em uma espécie do género terms implied by law.
Designadamente porque adentra aos termos contratuais impostos pelos
tribunais a uma dada categoria de contratos e incide quando se fizer necessária
a integração do contrato, mesmo que não tenha sido expressamente negociado
pelas partes. 592
Todavia, reconhecida a possibilidade para as partes afastarem a sua
incidência, situação em que não terão nem força supletiva. De mais, por não se
tratar de implied terms by law (by statute), também espécie do género terms
implied by law, mas para os quais em algumas situações é vislumbrada a força
injuntiva, sobretudo quando impõem as partes questões593 não há que se
considerar o conceito de frustration, que se consubstancia em terms implied at
common law, com força injuntiva ou imperativa.594
Outrossim, embora possa o conceito de frustration, porque um term
implied at common law, assumir força supletiva, não se presta a corrigir e, como
consequência, solucionar o que foi estabelecido pelos contraentes595. Restringe-
se a integrar, de forma supletiva e consoante a delimitação posta, quando se
fizer necessário. E mais, desde que a incidência não tenha sido afastada pelos
contraentes.
Noutra senda, conforme já referido, as soluções reveladas para a
incidência da doutrina da frustration of purpose e da doutrina do hardship não
têm a mesma aplicação prática, quando operadas pelos tribunais ingleses. E

591 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 149-150.


592 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário
Moura. Direito Comparado…, 2015. p. 93 e ss.
593 Cfr: CONSUMER Rights Act 2015. [Em linha]. Disponível em:
https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2015/15/section/31. Acesso em: 17 de jun. de 2018, que
atribui força injuntiva (imperativa) à maioria dos implied terms que são trazidos de forma positiva.
594 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito Inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário

Moura. Direito Comparado..., 2015. p. 93 e ss.


595 Não obstante, quando se faz necessária a integração contratual, recorre-se as «cláusulas

implícitas por força da lei» (terms implied in law), as quais podem ser resultantes de disposições
legais ou de precedentes judiciais. Entretanto, tem alcance muito mais estrito do que a integração
que decorre com recurso a lei dos países romanistas. VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 149 e ss.
140

ainda, quando não houver qualquer especificação a respeito dos casos de


alterações supervenientes, os tribunais serão muito mais restritivos ao interferir
no seio dos contratos, em virtude do princípio do «sanctity of contracts». O qual,
conforme já dito, prima pela vinculação dos contraentes.596
Do exposto se encontra a justificativa para a negociação, através de
cláusulas a integrar os contratos comerciais privados, das soluções a se
operarem quando houver alteração das circunstâncias especificamente, da
modelação de cláusulas de hardship de adaptação. Deixar para os tribunais
resolverem questões de desequilíbrio superveniente, que cause onerosidade
excessiva no que toca ao cumprimento das prestações sem que nada tenha sido
dito pelas partes a respeito das soluções a se operarem é deveras ineficaz.
Para além das questões de validade e eficácia da cláusula acima
referida, através da negociação destas nos contratos sujeitos ao Direito inglês,
as partes trazem para o seio do contrato privado a obrigação de, antes de
desonerarem-se de suas prestações contratuais, renegociarem o plano
contratual de modo a se esforçarem para promover a conservação do contrato.
Vincular as partes à renegociação contratual é forma de dar a elas a
oportunidade de manter em suas próprias mãos o desenrolar do contrato e a
realocação dos riscos, da forma que se fizer mais adequada. Nesta medida,
poderão chegar em melhores termos para o novo plano contratual, dada a
expertise que possuem no setor de mercado em que atuam. E ainda, poderão
adequá-lo a fim de ceifar perdas vultosas a cargo de apenas um contratante.
Igualmente, ao se esforçarem pela conservação do contrato, terão a
oportunidade de fazer valer valores de ordem moral que sejam superiores aos
fatos. Outrossim, terão a oportunidade de dar a devida importância à base ética
e axiológica do Direito e fazer valer a ideia do Direito justo597 - ainda que a
relação de base seja meramente comercial.
No que toca à renegociação, é dado renegociarem o plano contratual de
forma atenta à boa-fé. Entretanto, o farão com os contornos que são

596 PARADINE v. Jane. [1647] EWHC KB J5, (1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658) Sty 47,
(1658) 82 ER 519 (C).
597 A respeito do Direito justo, dos valores por trás desta conceção, cfr: LARENZ, Karl. Derecho

Justo…, 1985.
141

reconhecíveis diante desta jurisdição598, os quais diferem daqueles concebidos


pelos direitos dos países pertencentes a família romano-germânica. A
pertinência disto, como bem refere Dário Moura VICENTE, está no fato de ser a
teoria do hardship, e nesta mesma medida a cláusula de hardship, filha da boa-
fé599.
Nestes termos, primeiramente terão os contraentes a obrigação da
renegociação do contrato de modo a modelar a melhor solução para aplicar ao
seu contexto negocial. Muitas evidências deste contexto jurídico demonstram
que as partes em contratos comerciais de grandes vultos têm maior flexibilidade
em cooperar para se chegar a um novo plano para o contrato. Havendo uma
situação em que os contraentes se deparem com grandes perdas, acabam
despendendo maiores esforços para se chegar a um novo termo.600
Depois, no caso de não haver acordo, ficam terceiros (diga-se tribunais
judiciais ou arbitrais), permitidos a proceder à adaptação do contrato nos termos
pelas partes delineados em razão da cláusula. Neste caso, em virtude dos efeitos
que devem decorrer da cláusula, procederão à readaptação do contrato porque
estarão apenas dando atenção àquilo que constou negociado. De mais, nesta
oportunidade, poderão nortear-se por aquilo que já foi manifestado pelos
contraentes ao tempo das renegociações.
O não cumprimento pelos contratantes do dever de renegociar o contrato
estabelecido em uma tal cláusula, constitui violação contratual e enseja o
enforcement que, em regra, viabiliza a exigência de indeminização por perdas e
danos, devido ao incumprimento do contrato. Frente ao sistema jurídico inglês a
«specific performance» das obrigações contratuais não é direito potestativo do
devedor, poderá suceder quando a equity e/ou a lei assim permitirem. Como
também quando o arbitramento de uma indeminização («damages») for tido
como medida inadequada para o fim de acautelar a posição do credor. O

598 A respeito da boa fé no Direito inglês, cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito
Inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado..., 2015. p. 93 e ss.; Ainda
sobre este tema, discorre DIMATTEO, Larry A. / HOGG, Martin. Comparative… 2016, p. 196-209
e 356 e ss, que, pese embora a relutância de o Direito inglês reconhecer a doutrina da boa-fé no
âmbito contratual, há sinal de ter sido esta resistência mitigada através do julgado referente ao
caso YAM Seng Pte Ltd v International Trade Corporation Ltd, (2013 EWHC 111 QB, 2013 1 All
ER Comm 1321. Outrossim, ressalta que esta relutância tem como fundamento a importância de
resguardar a certeza nas relações comerciais e também a intenção de se manter o Direito inglês
com o status do Direito de maior escolha nas relações internacionais.
599 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017,
600 HILMMAN, Robert A. Principles…, p. 318-320.
142

principal meio para o enforcement dos contratos será, entretanto, a ação delitual
conhecida como assumpsit.601
Destarte, segundo o referido e que os precedentes ingleses trouxeram a
doutrina da frustration, a qual, muito embora carregue semelhanças com a
doutrina do hardship, mormente quando se está a falar dos requisitos
necessários à incidência, não encontra correspondência integral com esta, assim
como com relação aos efeitos jurídicos que hão de se produzir, fazendo-se
referência às considerações lançadas na Parte I deste trabalho, a respeito da
diferença entre os conceitos de frustration e hardship. Quando aos contratos
entre privados se aplique o Direito inglês e queiram as partes se precaver dos
efeitos nocivos que alterações supervenientes das circunstâncias podem causar
no equilíbrio do contrato, para além de ser válida e eficaz, a negociação de
cláusulas de hardship (de adaptação) é recomendável. De mais, disto se extrai
a razão de os contratos modelados de modo a permitir a incidência desta ordem
jurídica serem, em termos de conteúdo e repartição de riscos, bastante mais
pormenorizados.602

1.4. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO


DIREITO NORTE-AMERICANO

É válida e eficaz a modelação de cláusulas de hardship (de adaptação)


a fim de trazer soluções aos casos de desequilíbrios supervenientes em um
contrato celebrado sob a égide da ordem jurídica norte-americana ou que,
nalguma medida, deva a esta se submeter. No âmbito dos contratos sujeitos ao
Direito estadunidense, conforme sobredito, impera o princípio do «freedom of
contract». Para além de outras ideias que compõem este princípio, este
consagra a liberdade contratual na sua máxima expressão603. O que, em termos
de elaboração do plano contratual, significa que as partes têm quase que uma

601 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 280 e ss.


602 Não obstante, quando se faz necessária a integração contratual, recorre-se as «cláusulas
implícitas por força da lei» (terms implied in law), as quais podem ser resultantes de disposições
legais ou de precedentes judiciais. Entretanto, tem alcance muito mais estrito do que a integração
que decorre com recurso a lei dos países romanistas. VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 149 e ss.
603 Neste sentido: TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 535.
143

liberdade absoluta no que toca à modelação dos seus contratos e,


consequentemente, das cláusulas contratuais604.
Sagra-se, também nesta ordem jurídica, o princípio da atipicidade
contratual. Este, mais uma vez, firma a ideia de que as partes detêm ampla
liberdade na estruturação de seus contratos privados, eis que não haverá apenas
contratos-tipo, contratos nominados.605
Noutro diapasão, as regras legais aplicáveis pela sistemática jurídica
norte-americana aos casos de desequilíbrios supervenientes responsáveis por
alterar as circunstâncias das contratações, não detêm caráter
injuntivo/imperativo como regra.
Primeiro, este entendimento advém da regra geral de que as leis do
sistema anglo-americano vinculam apenas e tão somente no domínio dos limites
que dispõem606.
Segundo porque, para esta sistemática, as regras legais que têm o
condão de imperar relativamente à vontade das partes são aquelas chamadas
de «immutable rules». Quando não se tratarem, portanto, de regras imutáveis,
tratar-se-ão de «default rules», regras estas que podem ser derrogadas. No
âmbito das soluções trazidas por este sistema aos desequilíbrios contratuais
supervenientes em decorrência de alterações das circunstâncias, pode haver
afastamento destas por iniciativa das partes, eis que as regras se cuidam de
«default rules».607
Poder-se-ia pensar que, não havendo solução pela lei e havendo através
do «Restatement Second of Contracts», haveria de ser o caso de imperatividade
da regra em virtude do «restatement». Contudo, conforme já referido, os
«restatements» não têm caráter vinculativo, apenas persuasivo. Trata-se de
compilações de regras consideradas na ótica dos seus redatores como as
melhores para cada matéria, cuja ideia central poderá vir a se tornar vinculativa

604 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 535.


605 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 535.
606 ASCENSÃO, José Oliveira. Interpretação…, p. 913-941.
607 Acerca do preenchimento das lacunas contratuais em razão das immutable rules e default

rules, cfr: AYRES, Ian; GERTNER, Robert. Filling Gaps…, 1989-1990, p. 87-130, p. 87 e ss.
144

e se operar aquando da integração do contrato se o common law trouxer nos


precedentes através do ‘ratio decidenti’. Mas não é o caso.608
Terceiro porque as codificações existentes nos Estados Unidos da
América (sobretudo o Código que trata a respeito dos contratos comerciais ou
outras fontes de direito também aplicáveis no âmbito deste estudo), não
comportam princípios estruturantes que possam se sobrepor à autonomia das
partes (salvo raras exceções). Sendo assim as regras do Direito contratual
estadunidense são consideradas supletivas à vontade das partes (default
rule)609. Por esta razão, havendo, mediante o exercício da autonomia dos
contratantes, afastamento das regras, deverão se operar aquelas pelas partes
escolhidas.
Além das questões que se relacionam à validade e à produção de efeitos
jurídicos da cláusula acima referida, a negociação destas nos contratos sujeitos
ao Direito estadunidense, possibilita às partes trazer para o seio dos contratos
privados a obrigação de, antes de desonerarem-se de suas prestações
contratuais, renegociarem o plano contratual. Deste modo, esforçarem-se para
promover a conservação do contrato, fazer valer valores de ordem moral
superiores aos fatos e também fazer valer um pensamento de Direito mais justo.
E ainda, desta forma, acabam por considerar a importância da base ética e
axiológica do Direito, os fundamentos que se encontram subjacentes ao sistema
e não o reduzem a um complexo de leis causais. 610
De mais, por meio desta oportunidade, uma vez que estejam vinculadas
à renegociação contratual poderão os contratantes avaliar os melhores termos
para o novo plano contratual, dado a expertise que possuem no setor de
mercado em que atuam. Adequar a redistribuição dos riscos a fim de ceifar
perdas vultosas a cargo de apenas um contratante. Mais uma vez atentos

608 Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 326-327.; sobre a não
vinculatividade dos restatements, cfr: TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 560;
FRANSWORTH, E. Allan. Contracts… 2004, p. 619;
609 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 535.
610 Nos EUA verifica-se uma forte corrente que atribui bastante importância a análise económica

do direito. Não obstante a análise económica do direito possa contribuir de forma auxiliar ao
Direito, não pode ser capaz de reduzir o direito a um complexo de normas e esquecer da base
ética e axiológica do direito. Para além da economia, há exigências de outras naturezas que
devem ser observadas, como o Direito. Diga-se mais, não é a realidade económica que conduz
o Direito, e o Direito que deve conduzi-la. Neste sentido, cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 334-338; A respeito do Direito justo, do papel dos princípios em uma
ordem jurídica, cfr: LARENZ, Karl. Derecho Justo…, 1985.
145

minimamente à boa-fé negocial, pois a teoria do hardship, e nesta mesma


medida a cláusula de hardship, é filha da boa-fé611.612
Mediante a incidência da cláusula, primeiramente terão os contraentes a
obrigação da renegociação do contrato de modo a modelar a melhor solução
para aplicar-se ao seu contexto negocial. Em contratos comerciais de grandes
vultos as partes acabam por ter maior flexibilidade em colaborar para se chegar
a um novo plano para o contrato. Havendo uma situação em que os contraentes
se deparem com grandes perdas, acabam despendendo maiores esforços para
se chegar a um novo termo.613
Depois, no caso de não haver acordo, ficam terceiros (diga-se tribunais
judiciais ou arbitrais) permitidos a proceder a adaptação do contrato nos termos
pelas partes delineados em razão da cláusula. O farão sem levantar maiores
problemas porque estarão apenas dando atenção àquilo que constou negociado.
Ainda, neste momento, poderão nortear-se por aquilo que já foi manifestado
pelos contraentes ao tempo das renegociações.
No caso de os contraentes incumprirem o dever de renegociar o
contrato, do mesmo modo que ocorre frente à sistemática jurídica inglesa, frente
ao Direito norte-americano terá lugar o «enforcement» contratual. Nesta medida,
caberá arbitramento de indemnização, eis que não se trata a execução
específica («specific performance») de direito potestativo do devedor e esta terá

611 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017.


612 O princípio da boa-fé no Direito norte-americano deriva da legislação, mais especificamente
o UCC, § 1-304, o qual assegura: «Every contracto or duty withing [the Uniform Commercial
Code] imposes an obligation of good faith in its performance and enforcement». Neste contexto
ela significa honestidade de fato e impõem a observância de standards comerciais que são
considerados razoáveis de agir e negociar. Podem ser categoriazados em quatro tipos os casos
que se relacionam com a boa-fé. 1º) a falha na cooperação com a outra parte; 2º) exercício de
direitos contratuais; 3º) alterações contratuais; 4º) extinção do contrato. De mais, não há boa-fé
na fase da negociação contratual; a boa-fé não cria deveres de conduta às partes e ainda não
traz consigo a necessidade de haver cooperação entre os contraentes. Outrossim, aplica-se
aquando da interpretação do juiz. Outrossim, referido princípio também vem disciplinado no §205
do Restatement Seconf of Contracts, o qual diz: «Every contract imposes upon each party a duty
of good faith and fair dealing in its performance and enforcement.», a este respeito, confrontar:
RESTATEMENT (Second) of Contracts. [Em linha]. Disponível em:
https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf,. Acesso em: 10 de fev. de 2018; TIMM, Luciano
Benetti. Common Law… 2012, p. 536 ss; DIMATTEO, Larry A.; HOGG, Martin. Comparative…,
2016, p. 210-219; A boa-fé neste sistema jurídico cuida-se de immutable part of any contract, o
que implica dizer que o dever de agir de boa-fé não pode ser derrogado pelas partes frente a
esta sistemática jurídica. Neste sentido, cfr: AYRES, Ian; GERTNER, Robert . Filling…, 1989-
1990, p. 87 e ss.;
613 HILMMAN, Robert A. Principles…, p. 318-320.
146

lugar apenas em casos muito específicos, quando o arbitramento de


indeminização se mostrar inadequado para tutelar a posição do credor.614
À luz do retro exposto, vê-se que a despeito de haver maior proximidade
teórica, notadamente dos requisitos teóricos à incidência, entre as doutrinas
estadunidenses para resolver os casos de alteração das circunstâncias e a
doutrina do hardship, não têm correspondência integral. Sobretudo em virtude
de serem os tribunais norte-americanos mais conservadores para reconhecer a
presença dos requisitos teóricos e mais ainda para viabilizar a eficácia destas
doutrinas.615
Sendo assim possível, por através da negociação de cláusulas de
hardship as partes darem primazia aos valores morais da sociedade, assim como
a base ética e axiológica do Direito. Ainda, poderem redistribuir os riscos de
forma mais justa de modo a viabilizar a manutenção do contrato, adaptando-o
às novas circunstâncias. Resulta ser recomendável e, pode-se dizer, comum no
tráfego jurídico comercial sujeito ao Direito norte-americano a modelação de
cláusulas negociadas pelas partes para solucionar casos de alteração das
circunstâncias.616

1.5. SÍNTESE COMPARATIVA

Da comparação empreendida nesta seção é possível perceber que a


despeito das particularidades de cada um dos sistemas jurídicos analisados e
também de particularidades das famílias jurídicas que estes integram, todos
trazem a possibilidade de negociação, de forma válida e eficaz, de cláusulas de
hardship de adaptação desenhada à luz dos Princípios UNIDROIT ou da
cláusula-modelo da CCI. A razão de ser desta possibilidade encontra morada
comum no princípio da autonomia privada e nos valores que estão subjacentes
a uma cláusula de hardship que reflita a teoria do hardship trazida sobretudo
pelos Princípios UNIDROIT.
O princípio da autonomia privada é consagrado por todas as jurisdições
investigadas nesta parte. Em cada uma delas recebe delimitação própria, eis que

614 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 280 e ss.


615 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 560.
616 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…, 2012, p. 560.
147

se relaciona de forma diversa com a heteronomia. As restrições impostas diante


das sistemáticas jurídicas pertencentes à família jurídica romano-germânica, são
deveras mais rigorosas que aquelas impostas aos sistemas que integram a
família jurídica do Common Law.
Frente ao Direito português princípios como a boa-fé e a equivalência
das prestações; regras injuntivas (imperativas) que compõem o sistema; a justiça
social, a lei, a moral e limitações impostas pela natureza são, por vezes, capazes
de delimitar a autonomia privada dos contratantes. Frente ao Direito brasileiro,
este princípio sofre delimitações em razão da ordem pública, dos bons costumes,
da função social dos contratos, da boa-fé objetiva, do equilíbrio económico no
seio dos contratos, assim como de regras imperativas (injuntivas). Frente ao
Direito inglês menor é a delimitação sofrida, sobretudo porque o princípio da
autonomia privada é a trave mestra do Direito dos Contratos neste domínio.
Entretanto, sofre delimitações ora pela lei, outrora pela moral, mas ainda assim
é muito menos significativa em razão dos valores que dominam o sistema, quais
sejam: a segurança jurídica e a liberdade individual. Por fim, diante da
sistemática jurídica estadunidense a delimitação também se perfaz com menor
amplitude, posto que impera o princípio da liberdade contratual na sua máxima
expressão, o que inclusive justifica a consagração e dá força à incidência do
princípio da atipicidade contratual, que possibilita as partes desenharem as
soluções contratuais que melhor lhes atenda.
Entretanto esta dinâmica entre a autonomia e heteronomia não é capaz,
em nenhuma das sistemática jurídicas aferidas, de impossibilitar a modelação
da cláusula de hardship de adaptação a refletir a teoria do hardship referida. A
resposta encontra abrigo no fato de uma cláusula desta natureza e nestes
moldes desenhada refletir as ideias e valores fundamentais trazidos pelos
princípios da boa-fé, da equivalência das prestações e equilíbrio económico do
contrato, da função social dos contratos, os quais estão no cerne da estruturação
dos sistemas jurídicos dos países investigados pertencentes à família jurídica
romano-germânica (que são bastante mais restritivos617). Isto é o que corrobora
a validade e eficácia de uma tal cláusula em todas estas ordens jurídicas.

617 Os países do Common Law são bastante mais permissivos no que toca a modelação de
cláusulas desta natureza. Eis que a autonomia privada, conforme dito, é a trave mestra destes
e, por isto, tem imensa vazão.
148

De mais, da comparação empregada também se faz possível perceber


que em todas as Ordens Jurídicas investigadas pode haver efetivo interesse na
modelação de uma tal cláusula ainda que este interesse se faça mais expressivo
nuns contextos jurídicos que em outros.
Nos países jurídicos romano-germânicos, notadamente Portugal e
Brasil, o interesse se concentra no fato de ser de difícil comprovação cumulativa
das exigências legais à eficácia dos institutos da alteração das circunstâncias e
onerosidade excessiva superveniente, o que implica em uma reduzida
aplicabilidade exitosa dos institutos pelos tribunais. De mais, porque deixar para
terceiros interpretarem os conceitos e integrarem o contrato lacunoso pode
aumentar as incertezas dos contratantes, relativamente ao que poderá vir a
decorrer no seio dos seus contratos. E, por fim, porque ao negociarem uma tal
cláusula retiram de um terceiro o dever de restabelecer o equilíbrio do contrato
e assumem a obrigação de restabelecê-lo por meio da renegociação do contrato
alterado. Entretanto, sobretudo em Portugal este interesse pode se vir reduzido
porque é ainda deveras controvertida a possibilidade de derrogação da regra
legal, mesmo quando houver a negociação de cláusulas de hardship, o que
resulta em poder se virem aumentados os custos de negociação sem que se
garanta o intento das partes, que é a resolução do problema da alteração das
circunstâncias tão somente com recurso à cláusula de hardship.
Já nos países do Common Law, designadamente Inglaterra e Estados
Unidos da América, a aplicabilidade das soluções trazidas por meio dos
precedentes e incorporadas nos sistemas referidos à revelação das regras
jurídicas aos casos de alteração das circunstâncias são mais restritivas.
Mormente porque, em decorrência dos valores que estão no cerne destas
jurisdições, a intervenção estatal no domínio dos contratos privados é diminuta
e excecional, o que implica em maior atenção à vontade das partes manifesta
através de clausulados contratuais, e também menor possibilidade de
intervenção heterónoma neste domínio.
Destarte, a despeito das particularidades de cada um dos sistemas
jurídicos sob investigação nesta Seção, quais sejam: Portugal, Brasil, Inglaterra
e Estados Unidos da América, certa é a validade e eficácia da modelação de
149

uma cláusula de hardship de adaptação a refletir as regras trazidas pelos


Princípios UNIDROIT e cláusula-modelo da CCI em todos os ordenamentos
neste capítulo analisados. Ainda, certo é que em todas as jurisdições possível
aferir o interesse que os contratantes podem ter em negociá-la. A despeito de
poder ser distinta a medida do interesse, o modo da produção de efeitos e as
consequências variadas que da modelação podem advir.

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP COMO EXPRESSÃO DA


INTERAÇÃO DOS SISTEMAS JURÍDICOS

1.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Até o momento foram consideradas as soluções trazidas pelo comércio


internacional, assim como pelos sistemas jurídicos nacionais português,
brasileiro, inglês e norte-americano relativamente às situações de desequilíbrio
superveniente no seio dos contratos comerciais, individualmente. Foram, para
tanto, analisadas as peculiaridades de cada sistema jurídico de interesse às tais
situações, as fontes de Direito neste domínio importantes à revelação das
normas jurídicas e as soluções trazidas pelos tribunais de tais ordens de Direito.
Isto, tanto no que toca aos ordenamentos jurídicos nacionais, como também no
tocante ao tráfego jurídico comercial internacional.
Notadamente no âmbito dos Direitos nacionais também fora tratada
acerca da viabilidade de modelar cláusulas, designadas por cláusulas de
hardship de adaptação, à luz dos Princípios UNIDROIT e cláusula-tipo da CCI.
Isto se deu a fim de verificar em que medida poderão ser consideradas válidas
e eficazes tais cláusulas perante os sistemas jurídicos analisados. Igualmente
fora aferido o interesse que os contratantes poderiam ter, à luz dos contextos
que os contratos estiverem insertos, em negociar cláusulas desta natureza.
Tudo, com o intuito de aferir adentro dos sistemas jurídicos individuais como o
problema é encarado e quais as soluções viáveis.
No decurso desta investigação foi possível perceber que, por não se
tratarem as realidades jurídicas analisadas, sejam estas nacionais ou
internacionais, de realidades estáticas, nem isoladas, acabam por interagir umas
com as outras. Esta dada interação detém uma dinâmica no que respeita ao seu
150

funcionamento, a qual se traduz em fenómenos de interação618. Adentro do


contexto que se investiga, dos desequilíbrios supervenientes em razão da
alteração das circunstâncias nos contratos entre iguais, identificou-se a cláusula
de hardship como um fenómeno da interação entre os sistemas jurídicos sob
aferição, assim como entre os sistemas nacionais e o contexto do tráfego jurídico
internacional. Daí porque, partindo-se da cláusula de hardship de adaptação
como fenómeno de interação entre sistemas jurídicos, será, na sequência,
tratada da razão da ocorrência deste fenómeno, como também da dinâmica
desta referida interação.

1.2. CAUSAS DO FENÓMENO

O «pluralismo jurídico» passou a ser sentido com maior intensidade em


decorrência da «globalização» ou «mundialização» da economia, cujas trocas
se fazem, em regra, por meio de contratos, assim como por conta da
intensificação do intercâmbio político e cultural - diga-se, fenómenos desejáveis
porque ajudam a promovem o desenvolvimento das sociedades - 619.

Notadamente porque se tem vivido, com maior veemência, a recepção de figuras


e institutos jurídicos de Direitos estrangeiros para os Direitos nacionais, situação
que vem a ser considerada como fonte de desenvolvimento destes Direitos e
resulta em torná-los plurais.620
Como consequência disto, adentro das próprias famílias jurídicas se
pôde ver escolhas, as quais são fruto de autorregulações de vários campos
sociais, de soluções distintas daquelas que habitualmente eram adotadas. Deste
modo as soluções não restam mais adstritas às regulações vindas da lei ou de
outras fontes de direito que são relevantes para os sistemas jurídicos que
estiverem em atenção621.

618 Neste sentido coloca VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 481 e ss, ao
tratar da interação dos sistemas jurídicos.
619 A falar de fenómenos de interação entre sistemas jurídicos: VICENTE, Dário Moura. O lugar…

2012, p. 15 e ss.
620 A falar de fenómenos de interação entre sistemas jurídicos: VICENTE, Dário Moura. O lugar…

2012, p. 15 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 519 e ss.
621 O pluralismo jurídico, para além de ser verificável de forma macro, pode também ser visto

dentro das próprias famílias jurídicas, eis que dentro das próprias famílias jurídicas existem
escolhas de soluções jurídicas distintas. «No sentido mais geral, portanto, a ideia de pluralismo
jurídico reflete a existência, em dado campo social, de mais de um conjunto de regras
obrigatórias. Este termo pode ser compreendido de duas formas: (i) como arranjo pelo qual o
151

No domínio dos contratos comerciais entre privados, as trocas e a


recepção de institutos e soluções jurídicas de Direito estrangeiro, fenómeno
também conhecido como «transplantes jurídicos», deram causa à recepção da
cláusula de hardship para diversas ordens jurídicas nacionais, situação que pode
ser considerada como expressão da pluralidade jurídica nesta seara. Tal resultou
sobretudo em virtude de haver necessidades semelhantes no tráfego jurídico
comercial, necessidades estas que permeiam as relações do comércio seja a
nível internacional ou nacional, a despeito de haver especificidades próprias em
cada um destes níveis e, por sua vez, distintas umas das outras.
Daí porque viável a adoção de medida equivalente, muito embora haja
diferenças entre as particularidades do tráfego jurídico internacional e dos
sistemas jurídicos português, brasileiro, inglês e norte-americano. E mais, daí
porque uma figura jurídica inicialmente modelada para atender às necessidades
do tráfego jurídico internacional fora recebida por sistemas de Direito nacionais
para atender às necessidades dos tráfegos jurídicos comerciais nacionais622. O
retro referido elucida não serem tanto as famílias jurídicas analisadas, quanto
cada um dos países integrantes a estas famílias jurídicas, imunes às influências
externas.
Não obstante seja esta cláusula fenómeno de interação entre as
sistemáticas jurídicas, imperioso entender a dinâmica desta referida interação. E
mais, a medida mesma desta interação. Porque a validade e a eficácia de uma
cláusula de hardship, sobretudo em cada um dos sistemas, dependerá também
das demais regras, princípios e valores que os compõem. Eis que a heteronomia
e a autonomia privada terão modos diferentes de se relacionar consoante a
jurisdição que se esteja em atenção.
Interessa, para esta investigação, a interação que se revela diante da
aproximação dos sistemas jurídicos. Aproximação esta que se dará

sistema jurídico convive com a diversidade (reconhecendo-a e atribuindo-a regras distintas) e (ii)
no sentido de “heterogeneidade normativa”, a qual estaria submetido o indivíduo, em que o
Direito não encontra suas fontes em um único sistema, mas também em autorregulações de
vários campos sociais que podem: ajudar-se, complementar-se, ignorar-se ou frustrar-se
mutuamente.» De mais, podem as regras serem legisladas ou serem normas para além da lei.
GLITZ, Frederico. Contrato, Globalização e Lex Mercatoria. São Paulo. Clássica Editora. 2014.
p. 35 e ss e 53.
622 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… p. 157. Também referindo que

sendo o contrato silente no que toca previsões para as partes no caso de hardship, havendo
alteração fundamental das circunstâncias que fundaram a contratação, será a questão submetida
a lei a que se submete o contrato: FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006, p. 11.
152

relativamente entre os sistemas jurídicos nacionais português, brasileiro, inglês


e norte-americano, tendo a figura da cláusula de hardship (de adaptação) papel
central.

1.3. APROXIMAÇÃO ENTRE SISTEMAS JURÍDICOS NACIONAIS

1.3.1. Da validade, da eficácia, dos efeitos jurídicos a se produzirem a partir das


cláusulas de hardship (de adaptação)

Com efeito, o argumento primeiro e comum aos sistemas jurídicos para


viabilizar a validade e eficácia de uma tal cláusula é a consagração da autonomia
privada, enquanto princípio e/ou valor subjacente às relações contratuais, em
todos os ordenamentos sob aferição e também no domínio internacional.
Entretanto, não é o fundamento único para a validação e a consequente
produção dos efeitos jurídicos desejados de uma cláusula de hardship.
Certo é que fora a autonomia privada consagrada em cada um dos
ordenamentos verificados. Entretanto, a despeito de sua consagração, fora
percebida com especificidades próprias, que são variáveis, em extensão, de
Estado para Estado. Mormente porque a heteronomia e a autonomia se
relacionam de formas diversas, em virtude dos valores que se concentram na
base dos sistemas, assim como dos demais princípios jurídicos e/ou regras que
compõem o sistema a que se estiver a tratar623. Esta lógica resulta em alcance
e relevância diferentes de um mesmo princípio jurídico, quando analisado para
a finalidade de validar a modelação de uma cláusula de hardship.
Assim, ainda que para esta aferição se deva partir da autonomia privada,
a validade de uma cláusula de hardship, não se dará tão somente à sua luz.
Terão de ser vistos os demais princípios que com ela se relacionam.
Designadamente neste tocante, a autonomia privada não confrontará as
mesmas delimitações e, nesta medida, não terá as mesmas condições e
configurações nos sistemas jurídicos analisados. Partir-se-á dos contextos que
menor delimitam o exercício da autonomia privada, para aqueles que operam a
delimitação de forma mais ampla.

623 Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A autonomia privada… 2016, p. 277-305.
153

Nos sistemas jurídicos do Common Law, designadamente Inglaterra e


Estados Unidos da América, a autonomia privada encontra maior expressão.
Veja-se.
Em Inglaterra o princípio da autonomia privada é reconhecido como
sendo a «trave mestra» do Direito dos Contratos, especialmente porque foram
assimiladas pelos tribunais ingleses as ideias liberais o que faz com que se
mantenha, nesta ordem de Direito, a conceção liberal dos contratos. Disto resulta
serem as delimitações aos princípios do «sanctity of contract» e «freedom of
contract» - os quais asseguram força à ideia de que as partes têm ampla
liberdade para acertar os termos que se vinculam (ou seja, têm ampla liberdade
de modelação e estipulação) e, em razão desta ampla escolha, aquilo por elas
estabelecido em um contrato torna-se a elas vinculativo no todo (salvo raras
exceções) - muito mais reduzidas.624
Frente a esta sistemática jurídica, as delimitações que a estes princípios
são impostas são dadas principalmente em decorrência da lei dos homens, da
lei da natureza e da moral625. A liberdade de celebração sofre limitações pela
impossibilidade que o sistema traz para se obrigar alguém a contratar e também
pela vedação que traz quanto à não contratação em decorrência de
discriminação. A liberdade de estipulação sofre limitações pelas leis do homem
e da natureza626. É desta forma que se pretende, neste contexto, garantir a
segurança no tráfego jurídico e primar pela liberdade individual627, valores estes
fundamentais.
Outrossim, esta ampla liberdade encontra fundamentos no cerne deste
sistema legal e da conceção moral que o funda. As ideias decorrentes do
liberalismo, individualismo e utilitarismo reforçam o entendimento de ampla
liberdade no exercício da vontade e, em decorrência, permitem que cada um

624 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito inglês…, 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário
Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 260.; CORDEIRO-MOSS, Guiditta. Boilerplate… 2011, p.
278 e ss; PARADINE v. Jane. [1647] EWHC KB J5, (1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658)
Sty 47, (1658) 82 ER 519 (C); VICENTE, Dário Moura. Direito…2017, p. 248 e ss.; HILMMAN,
Robert A. Principles…2004, p. 306-317; NEGREIROS, Teresa. Teoria… 2002. p. 24 e ss.
625 CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito… 2017, p. 260.
626 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito…2017, p. 36-37.
627 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito… 2017, p. 36-37; VICENTE, Dário Moura.

Direito…2015, p. 260.; CORDEIRO-MOSS, Guiditta. Boilerplate… 2011, p. 278 e ss; PARADINE


v. Jane. [1647] EWHC KB J5, (1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658) Sty 47, (1658) 82 ER
519 (C); VICENTE, Dário Moura. Direito… 2017, p. 248 e ss.; HILMMAN, Robert A. Principles…
2004, p. 306-317; NEGREIROS, Teresa. Teoria…2002. p. 24 e ss.
154

possa prever os efeitos das suas condutas e organizar suas vidas e decisões de
acordo com esta previsibilidade possível. Daí porque a estruturação se dar por
uma mínima interferência do Estado no seio privado assim evitam-se máculas
ou desvirtuações nas decisões dos particulares628.
Para além de a autonomia privada para o exercício da modelação de
cláusulas de hardship de adaptação não sofrer delimitações pelos outros
princípios subjacentes ao sistema, também não é o caso de delimitações
decorrerem a partir de regras injuntivas neste tocante. Certo é que no contexto
jurídico inglês, para operar no domínio dos contratos, existem as cláusulas
implícitas, chamadas de terms implied, as quais compreendem os terms implied
by law, que, por sua vez, podem ter uma origem legal (implied terms by law –
statute -), costumeira (terms implied by custom) ou jurisprudencial (terms implied
by common law). De mais, que estes, ao serem comparados ao imaginário
jurídico romanista, encontram correspondência às regras supletivas, e nesta
medida se prestam a integrar contratos lacunosos em algumas hipóteses.
Contudo, a estes, apenas em casos bastante específicos e de forma expressa,
é atribuído caráter injuntivo, o que não é o caso do conceito de frustration of
purpose.629
Nos Estados Unidos da América, também é dada ampla expressão ao
princípio da autonomia privada e escassas são as delimitações que o exercício
desta autonomia sofre frente a este contexto. A ampla liberdade encontra
justificativa nos ensinamentos decorrentes dos princípios do «sanctity of
contracts», «freedom of contract» e também do princípio da atipicidade
contratual. Especialmente porque o princípio do «freedom of contract» garante
às partes grande liberdade de celebração e estipulação das cláusulas a constar
em seus contratos, o que é corroborado pelo segundo princípio, eis que, ao não
haver contratos-tipo, também chamados de contratos nominados, resta
garantida a liberdade que os contratantes têm em acertar os termos de suas
relações.630

628 Neste sentido coloca: VICENTE, Dário Moura. Direito…2015. p. 260.


629 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito… 2017, p. 36-37; CONSUMER Rights Act
2015. [Em linha]. Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2015/15/section/31.
Acesso em: 17 de jun. de 2018.
630 TIMM, Luciano Benetti. Common… 2012, p. 535;
155

Poucas são as delimitações a que o exercício da autonomia privada dos


contratantes está sujeito. Isto porque, a despeito de haver codificações
responsáveis por trazer algumas regras jurídicas, não comportam estes Códigos
ou outras fontes de direito princípios estruturantes com força para se
sobressaírem à autonomia privada631.
A estruturação nestes termos tem como causa os fundamentos que se
prestam a compor o sistema. Também fazem frente a este contexto jurídico
ideias liberais, a primazia ao individualismo e as ideias de utilitarismo no domínio
dos contratos. Estes elementos são responsáveis por atribuir aos contratos a
condição de se tratar de um mecanismo para o exercício da autonomia da
vontade e da liberdade e, como consequência, darem destaque à vontade dos
contratantes para prever os efeitos de suas condutas, organizarem suas vidas e
decisões, bem como diminuir a possibilidade de intervenção estatal no seio dos
contratos privados632.
Outrossim, este sistema de Direito também não traz regras jurídicas com
caráter imperativo no domínio dos desequilíbrios supervenientes no seio dos
contratos comerciais entre privados. A uma, porque nesta jurisdição as regras
vinculam apenas no domínio que impõem633 e nesta medida, não tendo sido
explicitada esta condição não há que se considerar a vinculação. A duas, porque
os conceitos de «supervening frustration» e «impracticability of performance»
tratam de «default rules». O que significa que, a despeito de serem regras legais
(«legal rules»), são supletivas a vontade das partes e se prestam ao
preenchimento de lacunas nos contratos incompletos, quando a incidência
destas não tiver sido derrogada por vontade das partes.634
Já nos sistemas jurídicos pertencentes à família romano germânica,
notadamente Portugal e Brasil, a autonomia privada é delimitada por outros
princípios e regras os quais exercem maiores influências no exercício da vontade
dos privados. Veja-se.

631 TIMM, Luciano Benetti. Common… 2012, p. 535;


632 Neste sentido coloca GLITZ ao falar do modelo liberal do contrato, cfr: GLITZ, Frederico
Eduardo Z. Anotações…, 2011. p. 4; VICENTE, Dário Moura. Direito…2015. p. 260.
633 ASCENSÃO, José Oliveira. Interpretação…p. 913-941.
634 Cfr: AYRES, Ian; GERTNER, Robert. Filling Gaps…1989-1990, p. 87 e ss; TIMM, Luciano

Benetti. Common Law…2012, p. 535.


156

Em Portugal, como reflexo da consagração do princípio da autonomia


privada se tem o entendimento de que, no seio dos contratos comerciais entre
particulares, as partes têm liberdade de negociação, criação, estipulação e
vinculação, relativamente aos termos que intentarem às suas relações. Este
princípio recebeu expressão normativa através do artigo 405º do Código Civil
português.635
Entretanto, não o podem fazer de forma desmedida. As expressões do
princípio da autonomia privada (e aqui deve ser entendida a viabilidade de
negociação de uma cláusula de hardship) são delimitadas pelos princípios da
boa-fé e princípio da equivalência das prestações; por regras que integram o
sistema, sobretudo injuntivas; assim como pela justiça social, pela lei, pela moral
e pela natureza.636
Nesta medida, para que uma cláusula de hardship seja válida e eficaz
adentro deste sistema terá esta de, sobretudo, prestar-se a concretizar o
princípio da equivalência entre as prestações, ser negociada com a devida
observância aos ditames da boa-fé e prever seja a remodelação do plano
contratual, em decorrência da incidência de uma tal cláusula, também procedida
à luz da boa-fé. Somente neste caso é que as regras dos artigos 437º ao 439º
do Código Civil poderão ser derrogadas em virtude de solução negociada pelos
contratantes, eis que não estará sendo rompido o equilíbrio de interesses
considerados pelo legislador. Aconselhável que conste expresso o afastamento
da regra legal. Não obstante o exposto, mesmo que as partes procedam ao
afastamento não é certo perante este contexto que a regra legal poderá ser
derrogada no todo mesmo que garantido, através de uma tal cláusula, o apreço
ao núcleo normativo da regra.637

635 Cfr: CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios…2014, p. 103 e ss; CORDEIRO, António
Menezes. Tratado… v. II, 2017, p. 39 e ss.; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito…
vol I, 2017, p. 21 e ss.
636 Cfr: VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria…2010, p. 15 e 25 e ss; TELLES, Inocêncio

Galvão. Manual… 2002, p. 18 e ss.; ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil…1999, p. 78 e


ss.
637 Acerca dos delimitadores do exercício da autonomia privada neste tocante, cfr: CORDEIRO,

António Menezes. Da boa fé… 2015, p. 1107; CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX,
2017, p. 539 e 560; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito…, vol. II, 2017, p. 130-131
e ss; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral…2010, p. 15 e 25 e ss; TELLES, Inocêncio
Galvão. Manual…, 2002, p. 18 e ss.; ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil…1999, p. 78 e
ss; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado, vol I e II, 2015 e 2017; ASCENSÃO, José de
Oliveira. O Direito…, 2005, p. 521-522; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil
157

No Brasil também houve a consagração do princípio da autonomia


privada. E, de forma muito semelhante ao que acontece frente ao sistema
jurídico português, este princípio, um dos vetores do Direito dos Contratos,
reflete o poder que as partes têm para contratar ou não contratar, fixar o
conteúdo que pretendem e nesta medida estabelecer os efeitos que querem
produzam-se às suas relações jurídicas.638
Todavia, mais uma vez, porém agora nesta jurisdição, percebem-se
delimitações a este princípio. Estas derivam da ordem pública, dos bons
costumes, em razão e nos limites da função social do contrato, da boa-fé
objetiva, do princípio do equilíbrio económico no seio dos contratos, assim como
das regras injuntivas (imperativas) consagradas por este sistema.639
Nestes moldes, para que uma cláusula de hardship seja válida e eficaz
adentro do sistema jurídico brasileiro terá, mormente, de refletir os princípios do
equilíbrio económico, da função social dos contratos (artigo 421 do Código Civil)
e da boa-fé (art. 422 do Código Civil). Deste modo se operando, a vontade das
partes estará em conformidade com os fundamentos jurídicos do sistema, o que
viabiliza o afastamento das regras trazidas pelos artigos 317, 478 a 480 do
Código Civil para que haja incidência da solução negociada. Oportuno que
conste expresso o óbice à incidência da regra legal. Frente ao contexto brasileiro,
é de maior aceitação a possibilidade de derrogação das regras legais quando se
vir garantido o núcleo normativo da regra da excessiva onerosidade
superveniente através de uma cláusula de hardship.640
Do exposto resulta que frente às ordens jurídicas inglesa e norte-
americana haverá maior liberdade de criação e estipulação dos clausulados a
constarem nas relações contratuais privadas. Enquanto que, frente às ordens

: introdução, fontes de direito, interpretação da lei, aplicação das leis no tempo, doutrina geral.
4ª ed. Coimbra, Almedina, 2012. v. I, p. 671 e ss; MONTEIRO, António Pinto. GOMES, Júlio – A
«hardship clause»… 1998, p. 34.
638 Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula… 2010, p. 22; SIMÃO, José Fernando. Direito

Civil… 2006, p. 7 e ss; MELO, Leonardo Machado de. Princípios…2011, p. 78 e ss.


639 SIMÃO, José Fernando. Direito… 2006, p. 7 e ss; NEGREIROS, Teresa. Teoria…2002, p. 24

e ss, 154 e ss, 205 e ss; FARIAS, Cristiano Chaves de / ROSENVALD, Nelson. Direito…2011,
p. 622 e ss; MARTINS-COSTA, Judith. Contratos… 2011, p. 48 e ss; MELO, Leonardo Machado
de. Princípios…2011, p. 85 e ss; GOMES, Orlando. Contratos… 2008, p. 26 e ss.
640 SIMÃO, José Fernando. Direito…2006, p. 7 e ss; NEGREIROS, Teresa. Teoria… 2002, p. 24

e ss, 154 e ss, 205 e ss; FARIAS, Cristiano Chaves de / ROSENVALD, Nelson. Direito… 2011,
p. 622 e ss; MARTINS-COSTA, Judith. Contratos… 2011, p. 48 e ss; MELO, Leonardo Machado
de. Princípios…2011, p. 85 e ss; GOMES, Orlando. Contratos…2008, p. 26 e ss.
158

jurídicas portuguesa e brasileira (mas sobretudo portuguesa) esta margem


sofrerá maiores restrições. Notadamente porque a heteronomia exerce maior
influência no seio da autonomia privada, diminuindo o poder de autorregulação
das partes de um contrato.
Noutra senda, uma vez negociada cláusula nos termos referidos, diante
da operacionalização de tal clausulado, será o caso de as partes renegociarem
o contrato desequilibrado, eis que este é um dever que das cláusulas decorrem,
o que deverá se dar de boa-fé. Conquanto, a boa-fé não seja percebida da
mesma forma, como consequência, não tem a mesma consagração e o mesmo
alcance em todos os ordenamentos aferidos. Veja-se.
Frente aos Direitos português e brasileiro, atuar em consonância à boa-
fé no domínio da renegociação dos contratos significa agir de forma séria,
correta, leal e proba, não sendo admitidas artimanhas, protelações e
deslealdades - atendo-se, inclusive, aos deveres acessórios de informação,
proteção e lealdade; sob pena de, agindo de modo diverso, sujeitar-se as
sanções legais dos sistemas para os casos de incumprimento ou cumprimento
defeituoso641. Frente aos sistemas jurídicos inglês e norte-americano, ainda que
seja a boa-fé por estes conhecida642, não detém esta o mesmo alcance, e a sua
inobservância não comporta as mesmas sanções; por isto, a renegociação do
plano contratual poderá assumir nuances distintas das que decorrem
relativamente dos sistemas jurídicos das famílias jurídicas romano-germânicas
em atenção.
Nesta medida se percebe que, embora possa ser desenhado o mesmo
clausulado perante ordens jurídicas distintas, a sua modelação não terá

641 Cfr: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…2010, p. 24 e ss; MARTINS-COSTA, Judith. A


boa-fé…, 2015; PINHEIRO, Luís de Lima. Direito…, 2005, p. 240 e ss; LEITÃO, Luís Manuel de
Menezes. Direito… vol. II, 2017, p. 140 e ss; CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX,
201, p. 140 e ss; CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé… 2015, TELLES, Inocêncio Galvão.
Direito…., 2002, p. 135;
642 Em Inglaterra, em razão da que fora exercida pelo Direito Comunitário, sobretudo da Diretiva

nº 85/653/CE do Conselho, a boa-fé é também considerada no âmbito dos contratos celebrados.


Contudo, mesmo tendo passado a integrar esta ordem jurídica, não comporta a mesma
relevância que este princípio detém frente aos contextos jurídicos romanistas. Cfr: VICENTE,
Dário Moura. Direito Comparado. p. 524.; No Direito norte-americano a boa-fé recebeu
consagração a partir do §1-304 do UCC. Esta concebe o dever de honestidade e a observância
de alguns standards que são considerados para o fim das negociações. Entretanto, ainda assim
não comportam o mesmo alcance da boa-fé no domínio dos sistemas jurídicos romanistas. Cfr:
TIMM, Luciano Benetti. Common… 2012, p. 536 e ss; DIMATTEO, Larry A. / HOGG, Martin.
Comparative… 2016, p. 210-219; AYRES, Ian / GERTNER, Robert. Filling Gaps…, 1989-1990,
p. 87 e ss.
159

necessariamente o mesmo alcance. Cabe, para além de considerar o disposto


em uma cláusula, considerar todos os demais elementos, princípios, valores,
regras, que estruturam o Direito destas ordens jurídicas, e que estão no centro
da estruturação da sociedade - sejam eles de cunho jurídico, histórico,
económico, político e outros -, para se aferir o alcance efetivo que uma tal figura
jurídica terá.
A despeito das diferenças no que toca as delimitações relativas a
autonomia privada frente a cada uma das ordens jurídicas analisadas; a despeito
de serem estas distinções responsáveis por trazer diferenças entre os elementos
que se prestam a validar a modelação das cláusulas de hardship; a mais, a
despeito de tais distinções influenciarem na forma que se dará a produção dos
efeitos nestas cláusulas estabelecidos; ainda, a despeito de deverem em todos
os contextos jurídicos as partes reunirem-se e empenharem-se nas negociações
no caso de operacionalização do clausulado; a forma que a renegociação terá
de decorrer não terá de ser necessariamente similar e a inobservância dos
deveres trazidos não gerará, necessariamente, as mesmas consequências.
Contudo, certo considerar que todos os sistemas jurídicos analisados
admitem a modelação das cláusulas de hardship de adaptação quando
formatadas de modo a refletir a teoria do hardship com expressão nos
dispositivos dos Princípios UNIDROIT, como medida de solução aos casos de
desequilíbrio superveniente, que por alterar as circunstâncias basilares do
contrato, gera excessiva onerosidade no seu cumprimento. Isto reflete cuidar-se
a cláusula de hardship de fenómeno de interação entre os sistemas jurídicos
nacionais sob aferição e entre cada um deles e o contexto jurídico comercial
internacional.

1.3.2. Das consequências da desatenção ao dever de renegociação do contrato


em razão de uma cláusula de hardship (de adaptação)

Ultrapassada a aferição da possibilidade de se virem negociadas nos


contratos sob a égide dos direitos português, brasileiro, inglês e norte-americano
de forma válida, eficaz e também os efeitos a se produzirem diante da regular
incidência das cláusulas de hardship (de adaptação), cabe referir as
consequências da desatenção ao dever de renegociação do contrato, que
160

decorre em razão da operacionalização de uma tal cláusula. Eis que, as


consequências nestes casos poderão variar, a depender da ordem jurídica que
esteja inserta. Na sequência adotar-se-á a mesma ordem de exposição das
ideias retro utilizada.
Em Inglaterra e nos Estados Unidos da América, uma vez vislumbrada a
ocorrência de hardship, hábil a ensejar a incidência da cláusula, caso as partes
não se prestem a renegociar o contrato, estar-se-á diante de uma hipótese de
violação contratual. A violação referida enseja o «enforcement» contratual que,
em regra, viabiliza a exigência de indemnização por perdas e danos em
consequência do incumprimento do contrato. Somente em casos bastante
específicos e quando a equity (no caso do Direito inglês) ou a lei assim
permitirem é que terá lugar a «specific performance» do contrato, eis que se trata
esta de exceção.643
Em Portugal e no Brasil outra é a consequência primeira. Isto porque
frente a estes sistemas jurídicos a lógica natural é a da execução específica.
Nesta medida, diante da não realização de uma prestação devida, o remédio
jurídico primeiro cabível ao credor será no sentido de obrigar o devedor a prestar
exatamente o que prometeu (dare, facere ou non facere). Deste modo, estar-se-
á a oportunizar a satisfação do credor e a obtenção do resultado que se intenta
através da justiça, razão pela qual tanto o cumprimento específico, a prestação
do que é devido e a execução específica aparecem antes das demais
possibilidades. A reparação por perdas e danos é também cabível, entretanto
terá ela um papel sucedâneo.644/645

643 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 280 e ss; SILVA, João Calvão da.
Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. Coimbra, 1987. p. 190 e ss;
644 SILVA, João Calvão da. Cumprimento…1987. p. 140 e ss.; 184 e ss.; TELLES, Inocêncio

Galvão. Direito…, 2002, p. 135 e ss; LEITÃO, Luís Manuel de Menezes. Direito… vol. II, 2017,
p. 141 e ss; PINHEIRO, Luís de Lima. Direito…2005, p. 240 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…2017, p. 276-282. Frente ao contexto jurídico brasileiro poderá o credor, em casos
como este, pedir tanto pela resolução do contrato nos termos do artigo 475 do Código Civil,
quanto o seu cumprimento forçado. Em qualquer caso caberá, entretanto, a indemnização por
perdas e danos.Cfr: SIMÃO, José Fernando. Direito Civil… 2006, p. 84 e ss; MARTINS-COSTA,
Judith. A cláusula… 2010, p. 28, 33-34; VELOSO, Sílvia Mechelany / CATEB, Alexandre Bueno.
Análise económica…
645 Artigos 817º e 798º do Código Civil português, cfr: DECRETO-Lei nº 47 344, de 25 de

novembro de 1966. Código Civil Português. (Actualizado até à Lei 59/99, de 30/06). [Em linha].
Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugal_codigocivil.pdf>. Acesso em: 17 jun.
de 2017.
161

Neste domínio, ainda que com a modelação de uma cláusula de hardship


se intente inverter esta lógica do common law, gerando as partes uma vinculação
mais forte na medida em que, antes de mais, terão de renegociar os termos do
contrato alterado. Não é certo que a inobservância dos deveres de renegociação
do contrato em decorrência da operacionalização do clausulado constituirá uma
exceção ao enforcement do contrato, de modo a configurar-se, como solução
primeira, o «specific performance», situação que poderá se confirmar como
ponto de distinção entre os sistemas jurídicos frente à modelação de tal
clausulado.

1.3.3. O interesse na modelação de cláusulas de hardship (de adaptação)

Noutro diapasão, os fundamentos no que toca ao interesse na


modelação de uma cláusula de hardship são variáveis. A depender do sistema
jurídico que estiver em atenção, distintas poderão ser as justificativas para
incentivar as partes a desenharem-nas. Mais uma vez seguir-se-á a mesma
cronologia de exposição de ideias supra utilizada.
Na família jurídica do Common Law, designadamente em Inglaterra, as
partes têm a possibilidade de se desobrigarem de suas prestações contratuais,
mesmo que não tenham previsto contratualmente esta situação, quando o
advento de acontecimentos supervenientes tornar o cumprimento do contrato
impossível, porque ocasionou uma frustração do propósito principal. É o que
ensina a doutrina da «frustration of purpose». Entretanto, esta não corresponde
à doutrina do «hardship».646
Enquanto nos termos da doutrina do «hardship» as partes têm o dever
de renegociar o contrato em razão de um desequilíbrio superveniente,
responsável por causar excessiva onerosidade para um dos contratantes.
Segundo a doutrina da «frustration», somente alterações supervenientes do
equilíbrio financeiro não são suficientes a ensejar a incidência da doutrina, deve

646 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 246 e ss; PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas…2004, p. 247-255;
RIMKE, Joern. Force majeure… 1999-2000, p. 8; INGLATERRA. Law Reform…, seção 1 (2) e
(3); BARANAUSKASM Egidijus / ZAPOLSKI, Paulius. The effect…2009, p. 201-204.
162

haver a perda da utilidade do contrato, e a consequência é a extinção do vínculo


contratual e não a renegociação dos seus termos.647
Não bastasse isto, os tribunais ingleses são bastante restritivos no que
toca à aplicação da citada doutrina. Notadamente porque esta sistemática
jurídica é estruturada de forma a ressaltar o liberalismo e o individualismo, o que,
faz com que os contratos sejam um mecanismo para o exercício da autonomia
da vontade e da liberdade. A lógica deste sistema de Direito é não paternalista.
Neste imperam os ensinamentos dos princípios do «sanctity of contracts», ainda
frente a este tem ampla aplicação do princípio do «freedom of contracts». Sendo
assim, ainda que para os casos de frustração do propósito principal exista a
possibilidade de desvinculação contratual, um número reduzido de situações
dará causa a tal possibilidade.648
Nos Estados Unidos da América, em decorrência das doutrinas da
«supervening frustration» e «impracticability of performance» as partes têm a
possibilidade de se desobrigar das suas prestações contratuais quando, um
acontecimento superveniente for responsável por desencadear a frustração do
objeto principal do contrato, como também quando este for responsável por
tornar o cumprimento da prestação excessivamente oneroso. Tal fato demonstra
estarem abarcados pelas soluções trazidas pelo sistema os casos de
«hardship».649
Em que pese esta possibilidade e com isto haver ao menos alguma
aproximação conceitual mormente entre as doutrinas da «impracticability of

647 HILMMAN, Robert A. Principles… 2004, p. 305 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito
Comparado…, 2017, p. 246 e ss; PINHEIRO, Luís de Lima. Cláusulas típicas…2004, p. 247-255;
RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 8; INGLATERRA. Law Reform;
BARANAUSKASM Egidijus / ZAPOLSKI, Paulius. The effect… 2009, p. 201-204.
648 Cfr: CORDEIRO, António Menezes Barreto. Direito inglês…, 2017, p. 175 e ss; CORDEIRO-

MOSS, Guiditta. Boillerplate…, 2011, p. 278 e ss.; PARADINE v. Jane. [1647] EWHC KB J5,
(1647) Aleyn 26, [1658] EngR 486, (1658) Sty 47, (1658) 82 ER 519 (C); VICENTE, Dário Moura.
Direito Comparado…, 2017 , p. 248 e ss.; GLITZ, Frederico Eduardo Z. Anotações…, 2011. p.
4.; RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 7-8.
649 Cfr: TIMM, Luciano Benetti. Common Law… 2012, p. 560 e ss; RESTATEMENT (Second) of

Contracts. [Em linha]. Disponível em: https://www.nylitigationfirm.com/files/restat.pdf,. Acesso


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Supreme Court of New York, 352 N.Y.S. 2d 784, 1974 N.Y; FRANSWORTH, E. Allan.
Contracts….2004, p. 622 e ss.
163

performance» e «hardship», a verdade é que as Cortes norte-americanas são


muito conservadoras no que toca à eficácia da doutrina. Resultado disto é em
poucas situações ter-se logrado êxito em desobrigar os contratantes em
decorrência dos desequilíbrios supervenientes ocasionados em razão da
alteração das circunstâncias. 650
Outrossim, é dado frente a este contexto preferência à desobrigação do
contrato, e não à readaptação dos seus termos alterados. Sobretudo porque esta
sistemática também é estruturada de forma a ressaltar o liberalismo e o
individualismo. Mais uma vez em virtude dos princípios do «sanctity of contracts»
e «freedom of contracts», também consagrados nesta ordem. Porque diante
deste contexto jurídico, em decorrência do chamado «forgone opportunity», se
entende que um terceiro rever os termos do contrato original é forma de ferir a
boa-fé objetiva, consoante conhecida por este sistema de direito.651
Do que fora exposto é possível perceber que tanto em Inglaterra, quanto
nos Estados Unidos da América as soluções trazidas não solucionam os
problemas dos casos concretos da forma que a teoria do «hardship» visa
solucioná-los. Seja porque sequer há correspondência entre os requisitos que
ensejam a incidência (conforme ocorre em Inglaterra); seja porque mesmo
quando há correspondência (conforme ocorre no sistema estadunidense) os
tribunais são mais restritivos no que toca ao reconhecimento frente ao caso
concreto.
Por isto que, intentando soluções para os casos em que o advento de
um acontecimento superveniente gere alteração das circunstâncias do contrato
e, disto resulte excessiva onerosidade para o cumprimento da prestação. A mais,
pretendendo promover a conservação do contrato, mediante a remodelação dos
seus termos e redistribuição dos riscos contratuais, bem como fazer valer valores
de ordem moral superiores aos fatos, é de interesse que as partes negoceiem
cláusulas de «hardship».652

650 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…2012, p. 560;


651 TIMM, Luciano Benetti. Common Law…2012, p. 535-560; GLITZ, Frederico Eduardo Z.
Anotações…2011. p. 4.; ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Supreme Court of South Dakota.
Groseth International Inc vs Tenneco, INC 410 N. W. 2d. 159 (S. D. 1987) (Groseth I); COURT
of Appeals for the Sixth Circuit. Karl Wendt Farm Equipment CO, INC Co. vs International Harvest
Co., 931 F2d 1112 (6th Cir. 1991); VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado… 2017, p. 245 e
ss; DIMATTEO, Larry A. / HOGG, Martin – Comparative…, 2016, p. 354
652 Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 334-338; LARENZ, Karl. Derecho

Justo…, 1985.
164

Desta forma, concentrarão em suas mãos o desenrolar do contrato.


Poderão avaliar o modo mais adequado de redistribuir os riscos. Terão a
oportunidade de evitar perdas vultosas. Terão a oportunidade de conformar a
situção em causa com a ideia da justiça social, corolário sobretudo dos sistemas
romanistas653. Outrossim, terão a possibilidade de garantir que, no caso de não
chegarem a um termo a contento, caberá a intervenção de terceiros no seio do
contrato alterado para readaptá-lo.
Na família jurídica romano-germânica, notadamente em Portugal e no
Brasil, os sistemas jurídicos trouxeram soluções positivas para os casos de
desequilíbrios supervenientes capazes de desencadear alterações das
circunstâncias causais e excessiva onerosidade no cumprimento dos seus
termos. Em Portugal, por intermédio dos artigos 437º a 439º do Código Civil, os
quais deram expressão normativa à doutrina da alteração das circunstâncias. E
no Brasil, através dos artigos 317 e 478 a 480 do Código Civil, que deram
expressão normativa à doutrina da onerosidade excessiva superveniente.
As normas referidas foram consagradas em razão do forte apelo social
que fundamenta estas sociedades, apelo este que refletiu também no domínio
contratual. O referido se nota, designadamente do fato de haver consagração de
diversos princípios contemporâneos responsáveis por restringir a liberdade dos
indivíduos e prever uma maior regulamentação e interferência estatal no seio
dos contratos654. No tocante às soluções legais em atenção, que intentam reaver
o equilíbrio contratual afetado de forma superveniente, merecem destaque, em
suma, os princípios do ‘rebus sic stantibus’ (que em Portugal é conhecido como
equivalência das prestações e no Brasil como princípio do equilíbrio
económico655); da boa-fé negocial; da justiça social na sua sistemática jurídica;
bem como valores morais, que por vezes são superiores aos fatos.656
De mais porque as ordens jurídicas dos países que integram a família
romano-germânica dão atenção mais pronunciada à base ética e axiológica do
Direito. Daí porque o Direito destas ordens jurídicas não se reduz a um complexo

653 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…. 2015. p. 334 e ss.


654 Neste sentido, sobre o Direito brasileiro, cfr: NEGREIROS, Teresa. Teoria… 2002. p. 24 e ss,
278 e ss.
655 Neste sentido, sobre o Direito brasileiro, cfr: NEGREIROS, Teresa. Teoria… 2002. p. 24 e ss.
656 Neste sentido, ao tratar da análise económica do direito no âmbito do Direito norte-americano:

VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado... 2015, p. 334 e ss.


165

de leis causais em que se intenta dar efeito para técnicas de resolução dos
problemas sociais, como se estivesse diante de uma espécie de «engenharia
social».657
Relativamente aos requisitos e pressupostos à incidência das regras
legais dos sistemas português e brasileiro, a despeito de disparidades que possa
haver entre os requisitos hábeis a provocar a eficácia das regras legais entre
ambos os contextos jurídicos, fora demonstrado que não representam diferenças
cruciais entre elas. Para além de não haver tais distinções entre as regras
internas destas sistemáticas, também não se vislumbra diferenças significativas
entre os elementos a provocar a eficácia delas e da regra do «hardship» ou das
cláusulas de hardship negociadas de forma a incorporar a teoria do hardship do
comércio internacional. As semelhanças são resultantes sobretudo do fato de
todas estas teorias serem teorias que trouxeram nova roupagem à cláusula
medieval ‘rebus sic stantibus’.
Não obstante, na mencionada teoria não se vislumbrem distinções
cruciais entre os requisitos legais e pressupostos de admissibilidade das
soluções teóricas referidas, o que demonstra prestarem-se a solucionar casos
semelhantes (os casos de desequilíbrios supervenientes que, dado serem
responsáveis por desencadear alterações das circunstâncias, tenham tornado o
cumprimento do contrato excessivamente oneroso para uma das partes). Isto
poderia levar a pensar inexistir grande interesse em negociar, nos contratos
paritários, entre privados, sob a égide destas sistemáticas jurídicas, solução
equivalente às soluções legais, eis que já há solução pelo sistema. A realidade
da prática dos tribunais portugueses e brasileiros nesta seara é de que em um
número escasso de casos se logrou êxito em se ver a aplicação dos regimes
legais, designadamente porque é de difícil reconhecimento a ocorrência dos
requisitos previstos658.
De mais, as soluções legais trazidas pelos sistemas jurídicos português
e brasileiro preveem, mediante a comprovação cumulativa dos elementos à
incidência da norma, a possibilidade de revisão ou resolução do contrato

657 Neste sentido, ao tratar da análise económica do direito no âmbito do Direito norte-americano:
VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado... 2015, p. 334 e ss.
658 MONTEIRO, António Pinto. A «hardship clause»…, 1998, p. 28 e ss; TIMM, Luciano Benetti.

A manutenção… 2006.
166

alterado. Não há para as partes o dever de renegociar o contrato alterado. O que


implica em considerar que um terceiro terá necessariamente de intervir no seio
do contrato e arranjar a solução adequada aos contratantes, de modo que os
contratantes poderão permanecer vinculados, mesmo que a solução não tenha
se dado a atender, de forma efetiva, as necessidades do setor de mercado que
esteja em atenção às suas contratações.
Daí porque, quando as partes intentarem a conservação do contrato de
forma a contentar as efetivas necessidades comerciais que estejam as suas
contratações subjacentes; ainda, quando as partes pretendam a manutenção do
desenrolar da relação contratual em suas próprias mãos (sobretudo porque são
elas próprias que detém maiores conhecimento a respeito das relações
negociais a que se submetem); como também quando quiserem se precaverem
das influências que os azares do destino podem desencadear no seio dos seus
contratos; é também conveniente a negociação de cláusulas de hardship nos
contratos paritários, entre privados, sujeitos as jurisdições portuguesa e
brasileira (seja porque se cuidam de contratos nacionais, seja porque estas são
as legislações aplicáveis aquando da integração de um contrato internacional
lacunoso). Contudo, especialmente diante do contexto português, este interesse
pode se vir diminuto porque mesmo havendo cláusula nestes termos negociada,
pode-se ter uma aplicação subsidiária da regra da alteração das circunstâncias
conforme já referido.659

1.4. ELEMENTOS CONCLUSIVOS

Destarte, a despeito de diferenças as culturais, sociais e ideológicas


ainda serem capazes de individualizar e particularizar figuras jurídicas que,
aparentemente, prestar-se-iam a resolver as mesmas situações sociais660, da
interação que se procedeu nesta investigação, possível concluir que: embora
existam diferenças seja no que toca aos elementos que validam a incidência de
tais cláusulas em cada uma das ordens jurídicas estudadas, seja nas

659Cfr: CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 541.; MONTEIRO, António Pinto
/ GOMES, Júlio. «A cláusula de hardship»… 1998, p. 36-38.
660 Ao referir sobre a interação dos sistemas jurídicos: VICENTE, Dário Moura. Direito

Comparado… 2015, p. 520 e ss.


167

consequências que da inobservância dos deveres da operacionalização delas


decorram, seja no interesse de modelarem-nas, a cláusula de hardship de
adaptação que reflete o conceito, a teoria, do hardship constante sobretudo nos
Princípios UNIDROIT é expressão da interação entre as famílias jurídicas
analisadas com o contexto jurídico internacional, assim como entre cada um dos
sistemas jurídicos individualmente.
168

CONCLUSÃO

A preocupação com relação aos desequilíbrios ocasionados em razão


de alterações supervenientes das circunstâncias, designadamente nos contratos
civis que não se findam de forma instantânea, ou seja, que detém relativa
distância temporal entre o momento da conclusão e da execução, fora tomada
em consideração, tanto pelos direitos nacionais, quanto pelo comércio jurídico
internacional. Cada qual, entretanto, atento às necessidades e especificidades
que lhes são peculiares.
Frente aos contextos jurídicos nacionais aferidos no presente trabalho
(quais sejam: francês, alemão, italiano, português, brasileiro, inglês e norte-
americano661), foram desenvolvidas teorias diversas que ganharam expressão
normativa enquanto regras de direito e, desde sua origem, prestam-se à
revelação das regras jurídicas na seara da alteração das circunstâncias
atinentes à base contratual. A despeito das particularidades que as distinguem,
acabaram por refletir ideias subjacentes à cláusula medieval ‘rebus sic stantibus’,
em maior ou menor medida – e, neste espeque, evoluir as circunstâncias
jurídicas de relativização da força contratual.
Ainda que se cuidem de regras que visam solucionar, em princípio,
problemas decorrentes nos contextos jurídicos nacionais, por muito foram
também as soluções normativas a se operarem no contexto do comércio
internacional, quando assim fosse necessário. Primeiro porque em decorrência
das regras próprias do Direito internacional poderá haver aplicabilidade das
regras jurídicas nacionais a depender da escolha das partes a constar nos
próprios contratos internacionais. Depois porque demorou a se vir elaborada
solução específica aos contratos do comércio jurídico internacional, o que se
deu, de forma mais acertada, a partir do ano de 1994 com os Princípios
UNIDROIT. Entretanto, designadamente para os contratos do comércio
internacional as soluções oportunizadas por estas acabavam por não ser
satisfatórias, o que sobejou na necessidade de os próprios contratantes, muito

661Não obstante aqui se esteja a referir contextos jurídicos como o francês, alemão e italiano,
conforme dito já em sede introdutória, o presente trabalho não teve como foco aprofundar-se nas
nuances das regras destes sistemas. Entretanto, teve o intento de trazer algumas noções a
respeito destas regras dada a sua importância no domínio da alteração das circunstâncias.
169

antes do ano de 1994, começarem a procurar resoluções. Desta necessidade


surgiu a cláusula de hardship.
Nos primórdios de sua aplicação, os contratantes definiam o conceito de
hardship em seus próprios contratos, se fosse o caso, e não havia um standard
a ser seguido, se assim quisessem fazer. Mas, na sequência disto, movimentos
se deram no domínio dos contratos comerciais internacionais a fim de se
trazerem soluções específicas para os casos de alteração das circunstâncias –
movimentos esses que se justificaram sobretudo na insegurança jurídica
decorrente da pluralidade de regimes jurídicos envolvidos em negociações
internacionais. Daí resultou expressão ao conceito (ou teoria) do hardship, que
ganhou força de regra em instrumentos jurídicos internacionais como, por
exemplo, através dos Princípios UNIDROIT, o qual fora analisado no decurso do
presente trabalho. Seja através do conceito (ou teoria) do hardship expresso nos
referidos Princípios ou até mesmo no corpo de clausulados que tragam o
conceito de hardship, possível perceber que subjacente ao conceito de hardship
se encontra o princípio ‘rebus sic stantibus. Isto ocorre do mesmo modo que
acontece com relação às soluções trazidas pelos contextos jurídicos romano-
germânico. E mais, assim se define à luz de toda a evolução conceitual jurídica
que resultou do caminhar histórico das sociedades e das práticas comerciais.
Desta primeira parte se conclui que em primeiro lugar se pôde
vislumbrar a elaboração de soluções próprias para as questões de alteração das
circunstâncias nos contextos nacionais. Somente em um segundo momento que
se pôde ver expressão como regras de direito às soluções próprias do comércio
jurídico internacional para os casos de alteração das circunstâncias,
designadamente por meio da expressão, enquanto regra, ao conceito de
hardship.
A despeito desta ordem de desenvolvimento de regras jurídicas à
solucionarem os casos de alteração de circunstâncias a partir das fontes de
direito à revelação das normas jurídicas neste tocante, parece ter havido uma
inversão de ordem no que respeita a modelação de solução negociada pelas
partes para resolver problemas similares aos que as regras jurídicas se
prestavam a resolver. Notadamente porque que oriunda do tráfego jurídico
internacional a chamada cláusula de hardship, conforme movimento referido na
sequência dos acontecimentos que envolveram o Canal de Suez.
170

Entretanto, em decorrência da globalização e mundialização da


economia, por as soluções normativas nem sempre trazerem aos contratantes
as soluções mais adequadas às suas contratações, foi possível sentir o interesse
em se virem arranjadas soluções negociadas para resolver o problema das
alterações de circunstâncias também no seio dos contratos nacionais. Então,
agora inspirados nas soluções do comércio internacional, puderam os
contratantes nacionais desenhar para os seus contratos privados nacionais
cláusulas de hardship, de antemão porque esta é fruto do exercício da autonomia
privada dos contratantes.
Muito embora as especificidades dos sistemas jurídicos nacionais em
atenção no que toca à negociação de cláusulas de hardship (no contexto do
presente trabalho, destacadamente os ordenamentos jurídicos português,
brasileiro, inglês e norte-americano), e das diferentes formas de relação entre a
autonomia privada e a heteronomia, parece-nos certo concluir que a cláusula de
hardship de adaptação construída de forma a refletir os Princípios UNIDROIT ou
a cláusula-tipo da CCI é expressão da interação entre os sistemas jurídicos
citados. Isto porque é válida e eficaz perante todos. De mais, perante todos pode
haver interesse na sua modelação.
À guisa de conclusão, é possível afirmar que a análise sobre a
introdução da cláusula de hardship nos ordenamentos jurídicos nacionais se dá
com o objetivo de aferir a viabilidade (validade e eficácia) e interesse em fazê-lo
tanto quanto se estiver diante de um contrato civil interno (especificamente nas
jurisdições sob aferição), como também quando o direito nacional em atenção
for aplicável no momento da integração de um contrato internacional. A cláusula
de hardship representa, neste contexto, um importante instrumento de liberdade
contratual e salvaguarda da autonomia da vontade, e, portanto, sua estruturação
e modelação é um consectário essencial da moldura contratual do comércio
internacional.
171

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TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70001377498.


Julgamento em 19 de outubro de 2000.

TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2.


Julgamento em 18 de setembro de 2014.

TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 1320/11.4TVLSB.L1-8.


Julgamento em 19 de fevereiro de 2015.

TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo 2100/13.8TJLSB-L1-2. Julgamento


em 28 de janeiro de 2016.

TRIBUNAL da Relação de Guimarães. Processo 1387/11.5TBBCL.G1.


Julgamento em 31 de janeiro de 2013.

TAYLOR vs Caldwell [1863] 3 B&S 826.

YAM Seng Pte Ltd v International Trade Corporation Ltd, (2013 EWHC 111 QB,
2013 1 All ER Comm 1321.

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