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ANÁLISE MATEMÁTICA I

Armando Machado

UNIVERSIDADE DE LISBOA
Faculdade de Ciências
Departamento de Matemática
2014
ii

Classificação A.M.S. (2010): 26-01, 26A06


ISBN: 978-972-8394-26-4
ÍNDICE

Introdução v
Capítulo I. Números reais e limites
§1. Generalidades sobre os números reais 1
§2. O método de indução matemática e aplicações 25
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 32
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 49
§5. Limites de funções e de sucessões 73
§6. Sublimites e aplicações 108
Capítulo II. Funções contínuas e aplicações
§1. Definições e propriedades básicas 127
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 144
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 161
Capítulo III. Derivadas e aplicações
§1. Definições e propriedades básicas 173
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 191
§3. Primitivas e aplicações geométricas 217
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 255
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 293
Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos
§1. Somatórios finitos de números reais 315
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 326
§3. Somatórios arbitrários de números reais 345
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções
analíticas 381
Índice de Símbolos 419
Índice Remissivo 423
Bibliografia 427
INTRODUÇÃO

Este texto tem como principal objetivo apoiar o estudo da disciplina Análise
Matemática I, do curriculum do primeiro semestre do primeiro ano das
licenciaturas de Matemática e Matemática Aplicada, disciplina que lecionámos
nos últimos anos letivos. Ele não pretende, de modo nenhum, concorrer com os
muito bons livros que existem nesta área, como por exemplo os que escolhemos
para a bibliografia, livros cuja consulta será naturalmente muito recomendável,
especialmente para o estudante mais ambicioso. Este objetivo fez também com
que procurássemos em muitos pontos ser mais detalhados do que é usual
aparecer num livro de Análise Matematica, em particular sempre que são
introduzidos assuntos que a nossa experiência nos levava a considerar como
mais delicados para um estudante que encontra pela primeira vez uma
abordagem mais estruturada e justificada de assuntos examinados informalmente
no ensino secundário.
Muitos dos assuntos abordados nesta disciplina, como os limites de funções e
de sucessões, a continuidade, e a derivabilidade, já foram estudados no ensino
secundário, embora de forma assumidadamente desorganizada, incompleta e
pouco rigorosa. O conhecimento informal destes assuntos não é compatível com
a sua utilização em contextos mais avançados, facto que é especialmente
relevante quando consideramos estudantes das licenciaturas da área da
matemática, que são supostos conhecê-los de forma mais profunda e adquirirem
uma autonomia que lhes permita não só aplicá-los de forma fiável como serem
capazes de adaptá-los a situações diferentes e eventualmente novas (ver, a
propósito, o texto [3], proposto aos estudantes de Matemática que ingressam na
Universidade de Oxford). Por esse motivo é fundamental que esses assuntos
sejam reexaminados no início dos estudos universitários, apresentando
definições dos conceitos sem ambiguidades, habituando o estudante à neces-
sidade de justificar as propriedades que se enunciam e sublinhando as relações
de interdependência entre as diferentes matérias.
É claro que o objetivo de apresentar definições claras de todos os conceitos
envolvidos e de justificar todas as afirmações que se fazem tem sempre
limitações, sendo forçoso partir de um contexto básico constituído por conceitos
que não se definem e por relações entre esses conceitos que se admitem sem
justificação. Há várias escolhas possíveis para esse contexto básico que
dependem principalmente das motivações e da maturidade matemática dos
destinatários. Num curso com espírito de Fundamentos, destinado a um público
mais avançado que é suposto já dominar informalmente os assuntos, poder-se-á
partir de um contexto em que apenas se supõem conhecidas as propriedades dos
números naturais (ou até apenas a teoria dos conjuntos…) e, a partir daí,
construir sucessivamente os inteiros relativos, os números racionais e os
vi Introdução

números reais, e as operações e relações que os envolvem, estabelecendo as


respetivas propriedades. Trata-se de uma via cujo desenvolvimento tende a ser
lento e que facilmente se torna desmotivadora para a grande maioria dos
estudantes que entram na universidade e mesmo para muitos num estágio um
pouco mais avançado da formação matemática. Uma segunda via, muito
utilizada em livros mais avançados de Análise Matemática, a via axiomática,
consiste em isolar um conjunto muito limitado de conceitos e propriedades
primitivos envolvendo os números reais (uma axiomática) e em desenvolver em
seguida a restante teoria dos números reais de forma dedutiva a partir do que foi
tomado como ponto de partida. Mesmo esta via implica que se demonstrem
muitas propriedades que, apesar de não estarem incluídas nas de partida, o
estudante está habituado a considerar como evidentes, atividade que, apesar de
ter um papel formativo importante ao nível da exercitação do raciocínio
matemático, tende a tornar-se morosa e desencorajante para um grande número
de estudantes.
Tendo em conta as dificuldades que referimos no parágrafo anterior, fomos
conduzidos a utilizar no curso, e consequentemente neste texto, uma via que
corresponde a utilizar como contexto básico um conjunto ainda mais rico de
conceitos e propriedades, limitando assim a necessidade de justificação às
propriedades que ultrapassam esse contexto básico. O contexto básico consiste
essencialmente no facto de os números reais incluirem os números racionais (em
particular os números inteiros) e de no quadro dos números reais estarem
definidas a relação de ordem  e as operações algébricas  e ‚ (assim como
as suas inversas), de uma forma que estende as respetivas contrapartidas nos
números racionais, e gozando de todas as propriedades algébricas que o
estudante está habituado a utilizar e que já eram válidas no quadro destes
últimos. Quais são essas propriedades algébricas (para quem conheça o conceito,
são as dos chamados corpos ordenados) é algo que não enunciamos explicita-
mente no texto mas de que nos parece que o estudante facilmente terá cons-
ciência; tentar fazê-lo de uma forma sistemática poder-nos-ia conduzir à perda
de um tempo precioso e mais uma vez à possível desmotivação de muitos
estudantes. Apresentamos enfim a propriedade que distingue os números reais
dos números racionais (os números reais constituem um corpo ordenado
completo) propriedade que será introduzida na forma da exigência de existência
de supremo para os conjuntos majorados não vazios. Essa propriedade será
examinada com mais atenção e será essencial para todo o desenvolvimento
posterior da teoria.
Não parece necessário enumerar quais o assuntos que são abordados neste
curso, uma vez que isso é feito no índice, tal como nos dispensamos de descrever
resumidamente o tratamento dos diferentes assuntos quando esse tratamento é
praticamente o mesmo em todos os textos de Análise Matemática. Vamos assim
apenas referir apenas algumas das opções que tomámos e que não partilham a
mesma unanimidade.
Relativamente às chamadas “noções topológicas” pereceu-nos ser preferível
reduzi-las ao mínimo que é necessário para as aplicações ao estudo das funções;
reduzimo-las assim à noção de ponto aderente a um conjunto de números reais, e
Introdução vii

à pequena variante dos pontos de acumulação e dos pontos isolados, que é o que
é necessário para apoiar a noção de limite. Não referimos assim as noções usuais
de pontos interiores, exteriores e fronteiros, que são sem dúvida necessárias
quando se passa para ‘8 mas que no contexto de ‘ apenas intervêm
relativamente a conjuntos que são intervalos, caso em que correspondem apenas
a afirmar se os pontos são ou não uma das extremidades. Optámos também por
apresentar estas noções topológicas desde o início no contexto da reta estendida
‘, que inclui os objetos _ e _, por ser esse o contexto em se unificam mais
facilmente os diferentes tipos de limite que é usual considerar, embora em
qualquer caso nos limitemos a considerar que os conjuntos considerados são
subconjuntos de ‘.
A noção de limite é apresentada de início no contexto das funções e usando a
noção de vizinhança-$ de um ponto (finito ou infinito). A definição é apresen-
tada de forma a unificar os casos em que o ponto (aderente ao domínio) em que
se calcular o limite e o próprio limite podem ser finitos ou infinitos. Ao contrário
da opção tomada por vários autores, optámos por não excluir o valor da função
no ponto em que se toma o limite, quando pertencente ao domínio, da definição
de limite. Uma vez que examinamos também a noção trivial de limite relativo a
um subconjunto do domínio (ao qual o ponto ainda seja aderente), generalizando
o que se faz habitualmente com os limites laterais, quem preferir a noção alterna-
tiva poderá sempre considerar o limite relativo ao domínio com o ponto retirado.
Os limites das sucessões aparecem simplesmente como casos particulares dos
limites de funções, agora com domínio , não sendo assim necessário reenunciar
todas as propriedades que foram estudadas para os limites de funções.
Os sublimites de uma função num ponto são definidos como os limites nesse
ponto de uma restrição desta a algum subconjunto ao qual o ponto seja aderente
e é apresentada uma caracterização equivalente destes em termos de vizinhanças.
Os sublimites de uma sucessão são definidos como os sublimites desta enquanto
função o que dispensa o uso das subsucessões para o seu estudo, sendo substi-
tuídas pelas restrições desta a subconjuntos infinitos de . O teorema de
Bolzano-Weierstrass sobre a existência de sublimites é também demonstrado
primeiro para as funções, tal como a condição de Cauchy para a existência de
limite aparece para as funções antes de ser enunciada para as sucessões.
As exponenciais de base maior que ! e expoente real são definidas primeiro
para os expoentes racionais e, seguidamente estendidas a ‘ pela condição de ser
mantida a monotonia, provando-se então a continuidade da função obtida.
O estudo das derivadas é feito seguindo o caminho habitual e depois deste
são definidas as primitivas e são introduzidas através de exemplos algumas das
técnicas clássicas de primitivação. O estudo dessas técnicas não pretende ser
exaustivo e limita-se a examinar os exemplos mais simples e clarificadores. Uma
vez que o estudo do integral de Riemann não é abordado neste semestre,
pensámos ser interessante exemplificar algumas utilizações das primitivas, por
exemplo na determinação de áreas e de volumes de sólidos de revolução. Estes
exemplos são encarados como aplicações da Análise Matemática à “vida real”,
pensando nas área e nos volumes como realidades exteriores que se conhecem
viii Introdução

intuitivamente e que, a partir desse conhecimento, podem ser calculadas com o


auxílio do que foi estudado no curso.
O último capítulo tem um carácter diferente dos restantes, uma vez que os
assuntos expostos não se inserem no que é abordado no curso de Análise do
primeiro semestre. O nosso objetivo foi esboçar uma tentativa de abordagem do
estudo das séries que privilegia a não utilização da ordem no conjunto de índices
(famílias somáveis). Se se perde, por um lado, a ocasião de desenvolver a análise
das séries simplesmente convergentes (análise que foi, de qualquer modo abor-
dada de modo sucinto no momento do estudo da fórmula de Taylor com refe-
rência às séries de Taylor, essas sim consideradas num contexto ordenado de
limite das somas parciais), ganha-se em simplicidade em tudo o que respeita à
associatividade e aos pontos em que se é levado a considerar, por exemplo,
séries duplas. Faz-se, em particular, um estudo das propriedades elementares das
funções analíticas que tira partido das simplificações permitidas por esta abor-
dagem. No contexto em que nos colocamos tanto a definição das somas infinitas
como o estudo das propriedades de continuidade e derivabilidade para as somas
de funções está claramente inspirado (embora sem necessitarmos de o conhecer)
no modo de proceder habitual no quadro do integral de Lebesgue, não deixando
de aparecer referências aos teoremas da convergência monótona e dominada e
passando, naturalmente pelo lema de Fatou. O caráter de esboço deste capítulo e
o facto de termos querido manter o texto dentro de dimensões razoáveis
levou-nos a omitir assuntos importantes sobre as séries, como os critérios mais
finos de convergência no caso das parcelas positivas, omissão essa que não tem
nenhuma relação com a nossa opção pelas somas não ordenadas.
No fim de cada secção do texto propomos ao estudante um conjunto de
exercícios. Se um ou outro aparecem como complemento à exposição teórica,
um grande número corresponde ao que é tradicional propor nas aulas teó-
rico-práticas desta disciplina. Em particular, tomámos a liberdade de ir buscar ao
livro [7] do nosso colega Mário Figueira, que regeu esta disciplina durante
vários anos, muitos dos exercícios aí propostos. Assinalaremos com æ os
exercícios (ou as suas alíneas) que tenham um caráter mais teórico ou cuja
resolução seja um pouco mais exigente e com ææ aqueles que se podem
considerar como destinados aos estudantes mais corajosos.
CAPÍTULO I
Números reais e limites

§1. Generalidades sobre os números reais.

I.1.1 (Os números reais como corpo contendo os números racionais) Os


números reais são os personagens centrais de toda a Análise Matemática pelo
que é importante ter bem presentes as suas propriedades fundamentais.
Os números reais incluem os números racionais, em particular também os
números inteiros. No contexto dos números reais, estão definidas duas
operações fundamentais, a adição  e a multiplicação ‚ que generalizam
as operações análogas no quadro dos números racionais1. Estas operações
gozam de propriedades algébricas que os estudantes estão habituados a reco-
nhecer e aplicar e que, apesar de nos abstermos de detalhar completamente,
podem ser caracterizadas pelo facto de serem todas consequências de certas
propriedades básicas das operações, nomeadamente:
a) Valem as propriedades comutativa e associativa da adição e da multi-
plicação e a segunda tem a propriedade distributiva relativamente à primeira.
b) O número real ! é elemento neutro da adição e elemento absorvente da
multiplicação. O número real " é elemento neutro da multiplicação.
c) Cada número real B, admite um único simétrico, notado B, isto é, um
único número real que somado com ele dá !. Cada número real B Á ! admite
um único inverso, notado B" , isto é, um único número real que multiplicado
por ele dá ".
O facto de estas propriedades serem válidas costuma ser traduzido pela afir-
mação de que os números reais constituem um corpo (contendo os números
racionais).2 3
Como sucede em qualquer corpo, a partir da soma e da multiplicação ficam
definidas duas operações inversas, a subtração e a divisão: Dados números
reais B e C , existe um único número real que somado com C dá B, nomea-

1Quando falamos em generalização, estamos a significar que, se B e C são racionais, a


soma B  C e o produto B ‚ C, no contexto dos números reais, coincidem com a soma e a
multiplicação no contexto dos números racionais, em particular são números racionais.
2Os números racionais constituem também um corpo, o mesmo acontecendo com os
números complexos, estudados no ensino secundário. Já os números inteiros não consti-
tuem um corpo uma vez que no contexto destes não existem, em geral, inversos.
3O estudante interessado em aprofundar mais o modo como destas propriedades básicas
se podem deduzir as restantes poderá consultar, por exemplo, [2], [4] ou [9]. As mesmas
referências podem ser utilizadas para aprofundar o que resumiremos adiante em I.1.3
sobre a ordenação dos números reais.
2 Cap. I. Números reais e limites

damente o número
B  C œ B  ÐCÑ,
e, no caso em que C Á !, existe um único número real que multiplicado por C
dá B, nomeadamente o número
B
œ B ‚ C" ,
C
em particular, se C Á !, tem-se C" œ "C .

I.1.2 Para além das quatro operações, está definida no contexto dos números
reais (como no de qualquer corpo) uma outra noção, a de potência de
expoente inteiro maior ou igual a !. Assim, se B é um número real e 8 é um
número inteiro maior ou igual a !, a notação B8 (potência de base B e
expoente 8) designa naturalmente o produto de 8 termos todos iguais a B, no
caso em que 8 #, e nos outros casos está definida por B" œ B e B! œ ". Em
particular, tem-se B8 Á ! sempre que B Á !. Como consequências simples
das propriedades associativa e comutativa da multiplicação4, valem as
propriedades algébricas das potências:
ÐB ‚ CÑ8 œ B8 ‚ C8 , B78 œ B7 ‚ B8 , B7‚8 œ ÐB7 Ñ8 ,

e, consequentemente, se C Á ! e 7 8,

Š ‹ œ 8,
B 8 B8 C7
C78 œ .
C C C8
Tem-se, é claro,
" 8 œ ",
!8 œ !, se 8 "

(note-se que, por definição, !! œ ").


I.1.3 (Os números reais como corpo ordenado) Nos números reais está
definida uma ordenação, que generaliza a ordenação existente nos números
racionais. Quer isto dizer que, se B e C são números reais, sabemos o que
significa B  C (B maior que C) e que são válidas as propriedades transitiva e
tricotómica (esta última afirma que B  C só é possível quando B Á C e que,
dados números reais distintos, há sempre um que é maior que o outro).
Naturalmente, a relação oposta B  C é definida como significando o mesmo
que C  B e a relação lata B C significa “B  C ou B œ C ”, tendo C Ÿ B
como sinónima.

4A propriedade associativa já foi necessária para não haver dúvidas sobre a ordem pela
qual se multiplicam os 8 termos iguais a B. Para quem achar interessante procurar
justificar estas propriedades, sugere-se a resolução do exercício I.2.2, depois do estudo do
método de demonstração por indução matemática.
§1. Generalidades sobre os números reais 3

A relação de ordem  e a sua variante lata verificam, relativamente às


operações  e ‚ , um conjunto de propriedades (propriedades algébricas da
relação de ordem) que os estudantes estão habituados a reconhecer e aplicar e
que, apesar de nos abstermos de detalhar completamente, incluem as
seguintes, a partir das quais as restantes se podem deduzir facilmente:
a) Se B  C , então, para cada D , B  D  C  D . Em consequência, no caso
em que variamos ambas as parcelas da soma, podemos afirmar que, se B  C
e D  A, então
B  D  C  D  C  A,
e daqui concluímos facilmente que, se B  C , então B  C 5.
b) Se B  C e D  !, então B ‚ D  C ‚ D . Em consequência, se B  C e
D  !, então B ‚ D  C ‚ D 6. Concluímos destas duas propriedades a
habitual regra do sinal dum produto:
Se B  ! e D  !, então B ‚ D  !;
Se B  ! e D  !, então B ‚ D  !;
Se B  ! e D  !, então B ‚ D  !;
Se B  ! e D  !, então B ‚ D  !.

Da regra dos sinais dum produto decorre que, se B Á !, então B# œ B ‚ B, é


maior que !. Em particular " œ " ‚ "  ! e portanto, lembrando as
propriedades apontadas em a), todos os números naturais, podendo ser
obtidos como somas de um número finito de parcelas iguais a ", são também
maiores que !7. Também pela regra dos sinais, se B  !, então B"  ! e
B8  !, para cada inteiro 8 !, e, se B  !, então B"  ! 8. Analogamente
ao que referimos em a), quando variamos ambos os termos do produto,
podemos afirmar que, se B  C ! e D  A !, então
B‚D C‚D C‚A
e daqui concluímos outra das propriedades que usamos com frequência,
nomeadamente que, se B  C  !, então B"  C" .
O facto de o corpo dos números reais possuir uma ordenação com as proprie-
dades que acabamos de relembrar costuma ser traduzido pela afirmação de
que estamos em presença de um corpo ordenado9.

5Se, por absurdo, fosse B C , vinha ! œ B  ÐBÑ  C  ÐCÑ œ !.


6Reparar que D  !, e portanto B ‚ D  C ‚ D
7Uma versão mais correta deste argumento poderá ser dada depois de revermos adiante o
método de demonstração por indução matemática.
8Reparar que B ‚ B" œ "  !.
9Os números racionais constituem naturalmente também um corpo ordenado. Já os
números complexos, estudados no ensino secundário, não constituem um corpo ordenado,
uma vez que não foi definida no respetivo contexto nenhuma ordenação. Aliás a defini-
ção, no contexto dos números complexos, de uma ordenação para a qual ficássemos com
4 Cap. I. Números reais e limites

I.1.4 (Médias e a relação “estar entre”) Diz-se que um número real D está
entre dois números reais B e C se se verifica uma das duas duplas
desigualdades
B  D  C, C  D  B.
Uma propriedade importante dos números reais, que já era possuída pelos
números racionais, diz-nos que, se B Á C, existe sempre D que está entre B e
C 10. Uma maneira de exibir um exemplo de um D nas condições referidas é
tomar para D a média aritmética (ou simplesmente média) de B e C :
BC " "
Dœ œ B  C.
# # #
Com efeito, no caso em que B  C , deduzimos das propriedades algébricas
da relação de ordem atrás referidas que
" " " "
Dœ B C  C  C œ C,
# # # #
" " " "
D œ B C  B  B œ B,
# # # #
e o caso em que C  B tem uma justificação análoga, tendo em conta a
simetria dos papéis de B e C na relação “estar entre”. Repare-se que no caso
em que os reais distintos B e C são ambos racionais o real intermédio D que
construímos é também um número racional.
Refira-se, a propósito, um método mais geral para construir números reais
entre números reais distintos B e C : Suponhamos que se fixaram dois
números reais = e >, maiores que ! e com =  > œ " (por exemplo, = œ "$ e
> œ #$ , ou = œ $& e > œ #& , ou = arbitrário entre ! e " e > œ "  =). Se B e C são
números reais, ao número real
D œ =B  >C
dá-se o nome de média aritmética pesada de B e C (ou simplesmente média
pesada de B e C ), associada aos pesos = e > (a média usual é simplesmente a
média pesada associada aos pesos "# e "# ). Analogamente ao que foi feito para
as médias usuais, vemos que, se B  C e D é a média aritmética pesada de B e
C associada aos pesos = e >, então tem-se B  D  C , uma vez que
D œ =B  >C  =C  >C œ C,
D œ =B  >C  =B  >B œ B.

um corpo ordenado é impossível, uma vez que se tem 3 ‚ 3 œ "  !, contrariando uma
das propriedades válidas em qualquer corpo ordenado.
10Repare-se que esta propriedade não é válida no contexto dos números inteiros: Por
exemplo, entre # e $ não existe nenhum número inteiro.
§1. Generalidades sobre os números reais 5

Refira-se a propósito que, no caso em que B œ C, a média pesada =B  >C é


=B  >C œ =B  >B œ Ð=  >ÑB œ B œ C.

I.1.5 (Notações envolvendo conjuntos de números reais) No estudo da Análise


Matemática vamos encontrar muitas vezes conjuntos de números reais. A
noção de conjunto já foi utilizada várias vezes no ensino secundário e
dever-se-á ter presente, em particular, que um conjunto fica perfeitamente
determinado se exibirmos uma propriedade que distinga os elementos do
conjunto daqueles que não lhe pertencem e que não pode assim haver
conjuntos diferentes que tenham exatamente os mesmos elementos. Vamos
referir o significado de algumas notações que são utilizadas no contexto dos
conjuntos (no nosso caso, usualmente conjuntos de números reais) que na
maioria dos casos são já bem conhecidas pelos estudantes mas que
excecionalmente poderão ter significados que não coincidem exatamente
com aqueles a que estão habituados:
a) Se E e F designam conjuntos, as notações E  F , E  F e E Ï F
referem-se, respetivamente, à interseção, à união e à diferença dos
conjuntos, isto é, ao conjunto dos reais que pertencem simultaneamente a E e
a F , ao conjunto daqueles que pertencem a pelo menos um dos dois
conjuntos E e F , e ao conjunto dos números reais que pertencem a E mas
não pertencem a F . Sublinhe-se que, no último caso não se supõe, de modo
nenhum, que o conjunto F esteja contido no conjunto E; pode até acontecer
que E e F não tenham pontos comuns, caso em que E Ï F œ E. O facto de
um número real B pertencer a um conjunto E é usualmente notado por B − E
e diz-se então também que B é um elemento do conjunto E. Para afirmar o
contrário, isto é, que B não é elemento do conjunto E escreve-se B Â E. 11
b) Se E e F designam conjuntos, a notação E § F exprime que E está
contido em F (por outras palavras, que E é um subconjunto de F ), isto é,
que todos os elementos de E são também elementos de F 12; Com o mesmo
significado escreve-se também F ¨ E e diz-se que F contém E. Repare-se
que dizer que se tem E œ F é o mesmo que dizer que se tem
simultaneamente E § F e F § E (isto é, que E e F têm os mesmos
elementos) e que este facto conduz a um processo muitas vezes utilizado
quando se quer justificar uma igualdade envolvendo conjuntos.
c) O conjunto vazio, isto é, aquele que não tem nenhum elemento, é
habitualmente notado g. O conjunto de todos os número reais é representado
com o símbolo ‘ e usam-se notações do mesmo “alfabeto” para designar

11Em geral, um símbolo cortado significa o contário da correspondente versão não


cortada, como acontece com os símbolos bem conhecidos œ e Á .
12Note-se que em vários livros a notação E § F é tomada com um significado diferente,
nomeadamente, afirmando que E está estritamente contido em F , no sentido que, além de
E estar contido em F , E é diferente de F . Nesses livros usa-se a notação E © F no
sentido em que nós usamos E § F , isto é, quando não se quer excluir a possibilidade de
se ter E œ F .
6 Cap. I. Números reais e limites

alguns subconjuntos importantes de ‘, nomeadamente  para o conjunto dos


números racionais, ™ para o dos números inteiros e  para o dos números
naturais (os inteiros maiores que ! 13). Usaremos também a notação ! para
designar o conjunto dos números inteiros maiores ou iguais a !.
d) Expliquemos, com o auxílio de exemplos, o modo que utilizaremos para
explicitar conjuntos que são caracterizados por uma dada propriedade ou pela
enumeração de todos os seus elementos: A notação
ÖB − ‘ ± B −  e B  "×
descreve o conjunto dos números reais que são simultaneamente racionais e
maiores que "; A notação
$
Ö"ß #ß ß (×
#
designa o conjunto finito cujos únicos elementos são indicados entre
chavetas, conjunto que também pode ser designado por uma notação do tipo
exemplificado em primeiro lugar, embora de forma menos compacta:
$
ÖB − ‘ ± B œ " ou B œ # ou B œ ou B œ (×,
#
e, em particular, a notação Ö"× designa o conjunto unitário cujo único
elemento é o número real ".
Há ainda um tipo de notação menos explícita, que, apesar de idealmente ser
preferível evitar, não deixa muitas vezes dúvidas sobre o que se pretende
significar e que consiste em indicar entre chavetas alguns elementos do
conjunto seguidos de reticências, na esperança que isso indique, com alguma
dose de bom senso, quais os restantes elementos. Por exemplo escrevemos
" " "
Ö"ß ß ß á ß ×
# $ *
para significar o conjunto finito cujos elementos são os inversos dos números
naturais menores ou iguais a * ou
" " "
Ö"ß ß ß á ß # ß á ×
% * 8
para significar o conjunto infinito cujos elementos são os inversos dos
quadrados dos números naturais. Para estes conjuntos podem também ser
respetivamente utilizadas as notações mais precisas

13Paraalguns matemáticos os números naturais incluem o !. Não é essa a convenção que


faremos aqui, apesar de considerarmos que se podem considerar muito válidas as razões
que apontam para a eventual inclusão do ! (o número de elementos do conjunto vazio…).
§1. Generalidades sobre os números reais 7

š ›
" 14,
8 "Ÿ8Ÿ*
š #›
"
8 8−
ou, alternativamente, com a notação, em todos os casos utilizável, do tipo
referido no primeiro exemplo,
"
ÖB − ‘ ± existe 8 −  com " Ÿ 8 Ÿ * e B œ ×,
8
"
ÖB − ‘ ± existe 8 −  com B œ ×.
8#
e) Entre os conjuntos que são referidos com mais frequência no estudo da
Análise Matemática contam-se os intervalos, que o estudante já encontrou
também em estudos anteriores, nomeadamente os conjuntos dos tipos
Ò+ß ,Ó œ ÖB − ‘ ± + Ÿ B Ÿ ,×,
Ò+ß ,Ò œ ÖB − ‘ ± + Ÿ B  ,×,
Ó+ß ,Ó œ ÖB − ‘ ± +  B Ÿ ,×,
Ó+ß ,Ò œ ÖB − ‘ ± +  B  ,×,
Ò+ß _Ò œ ÖB − ‘ ± + Ÿ B×,
Ó+ß _Ò œ ÖB − ‘ ± +  B×,
Ó_ß ,Ó œ ÖB − ‘ ± B Ÿ ,×,
Ó_ß ,Ò œ ÖB − ‘ ± B  ,×,
Ó_ß _Ò œ ‘,

onde +ß , são números reais que se costumam referir como extremidades do


intervalo, dando-se o nome de pontos interiores do intervalo aos elementos
deste que não são extremidades. Observe-se que o conjunto vazio é um
intervalo, que se pode escrever com diferentes escolhas das extremidades,
nomeadamente é qualquer dos intervalos dos primeiros quatro tipos com
+  , ou dos segundo, terceiro ou quarto tipos com + œ , e que um conjunto
unitário Ö+× é também um intervalo, nomeadamente Ö+× œ Ò+ß +Ó. Chamamos
intervalos não triviais àqueles que têm mais que um elemento isto é, àqueles
cujas extremidades não coincidem.
I.1.6 (Máximo e mínimo dum conjunto) Se E é um conjunto de números reais,
chama-se máximo de E a um elemento de E que seja maior que todos os
outros elementos de E e mínimo de E a um elemento de E que seja menor
que todos ou outros elementos de E. O máximo e o mínimo de E, quando
existam, podem ser notados maxÐEÑ e minÐEÑ, ou simplesmente max E e
min E, respetivamente.
Observe-se que um conjunto E não pode ter mais que um máximo nem mais

14É costume considerar implicitamente que a variável 8 só toma valores inteiros.


8 Cap. I. Números reais e limites

que um mínimo visto que, por exemplo no primeiro caso, se + e +w fossem


dois máximos distintos, cada um deles teria que ser maior que o outro o que é
impossível15. Por este motivo é possível utlizar o artigo definido e dizer que
um número é o máximo ou o mínimo de um conjunto (também se diz o maior
ou o menor elemento do conjunto).
Observe-se também um conjunto pode não ter máximo ou não ter mínimo:
Desde logo, o conjunto vazio g não tem máximo nem mínimo, simplesmente
porque não tem nenhum elemento; O conjunto ‘ também não tem máximo
nem mínimo, uma vez que, para cada elemento + de ‘ o elemento +  " de
‘ é maior que ele e o elemento +  " de ‘ é menor que ele; O intervalo Ò!ß "Ò
tem mínimo ! mas não tem máximo, uma vez que se + − Ò!ß "Ò há sempre um
elemento deste conjunto maior que + (qualquer número real entre + e " 16).
Um erro frequente é fazer referência ao máximo ou ao mínimo de um
conjunto sem nos assegurarmos previamente da existência de máximo ou de
mínimo para o conjunto em questão.
Há um tipo importante de conjuntos para os quais podemos assegurar direta-
mente a existência de máximo e de mínimo: Trata-se dos conjuntos finitos e
não vazios. A explicação da razão por que isso acontece pode ser feita do
seguinte modo no que se refere ao máximo (o caso do mínimo é análogo):
a) Se o conjunto tem um único elemento, esse elemento é o máximo (e, de
facto, também o mínimo).
b) Se o número de elementos do conjunto é #, então a propriedade
tricotómica da ordenação garante que um deles é maior que o outro e esse é
então o máximo (o outro é o mínimo).
c) Se o número de elementos é $, utilizamos o que já sabemos sobre
conjuntos com # elementos: retiramos provisoriamente um dos elementos,
consideramos o máximo do conjunto parcial com # elementos que ficou e
repescando o elemento retirado, reparamos que o máximo entre este e o
máximo parcial considerado vai ser o máximo do conjunto total.
d) O raciocínio referido em c) pode ser adaptado trivialmente para mostrar
que os conjuntos com % elementos têm máximo, depois de sabermos que isso
acontece com aqueles que têm $ elementos, deduzindo daqui sucessivamente
que os conjuntos com & elementos, com ' elementos, etc… também têm
máximo. Note-se que uma explicação mais clara do raciocínio que acabamos
de fazer (menos etcetérica…) poderá ser feita quando for revisto adiante o
método de demonstração por indução matemática.
Para além dos conjuntos finitos não vazios, há outro tipo de conjuntos para
os quais se pode garantir a existência de mínimo embora não de máximo.
Mais precisamente, qualquer conjunto não vazio E de números naturais tem
um mínimo. A razão por que isso acontece é que, escolhido um elemento

15O que acabamos de fazer é o que se chama um raciocínio por absurdo: Para mostrar
que uma afirmação é verdadeira, admite-se que ela é falsa e tenta-se deduzir uma contra-
dição.
16Lembrar o que se referiu em I.1.4.
§1. Generalidades sobre os números reais 9

fixado : − E, podemos chamar Ew o conjunto dos elementos de E que são


menores ou iguais a :, conjunto que é ainda não vazio e já é finito (no
máximo : elementos) e como tal, admite um mínimo, verificando-se então
facilmente que esse mínimo é automaticamente também mínimo do conjunto
E na sua totalidade17 (costuma-se dizer, por este motivo, que os números
naturais têm a propriedade de boa ordenação).
I.1.7 (Majorantes e minorantes) Diz-se que um número real , é um majorante
de um conjunto E se , é maior ou igual a todos os elementos do conjunto E.
É claro que, se E tiver um elemento máximo , , esse máximo é, em particular,
um majorante de E. Note-se, no entanto, que, ao contrário do que acontecia
com a noção de máximo, não exigimos que um majorante tenha que
pertencer a E (se pertencesse, seria evidentemente o máximo de E). Um
conjunto E diz-se majorado se possuir algum majorante. Repare-se que, se
um conjunto E admite um majorante ,, então admite necessariamente mais
majorantes, por exemplo todos os números reais maiores que , (,  " ou,
mais geralmente ,  B, com B  ! estão nessas condições); é por essa razão
que utilizamos sempre o artigo indefinido, “um majorante” e não “o majo-
rante”. Examinemos alguns exemplos concretos:
a) O conjunto ‘ de todos os números reais não é majorado. Com efeito,
nenhum número , pode ser majorante de ‘, uma vez que ele não é maior ou
igual, por exemplo, ao elemento ,  " − ‘.
b) Analogamente, o conjunto Ò$ß _Ò não é majorado, uma vez que, se , é
um número real arbitrário, o maior dos dois números $ e ,  " pertence ao
conjunto e é maior que ,.
c) O intervalo Ò!ß "Ó, tem máximo ", em particular é majorado e " é um dos
seus majorantes. Os outros majorantes deste conjunto são exatamente os
números maiores que ", já que um número menor que " não pode ser
majorante (por não ser maior ou igual ao elemento " − Ò!ß "Ó.
d) O intervalo Ò!ß "Ò não tem máximo, já que, para cada B − Ò!ß "Ò existe
sempre um elemento deste conjunto que é maior que ele, por exemplo a
média de B e ". No entanto ele é majorado e um dos majorantes é ". De facto,
tal como acontecia em c), os restantes majorantes são exatamente os números
maiores que ", já que um número menor que ! não pode ser majorante (por !
pertencer ao conjunto) e um número em Ò!ß "Ò também não pode ser
majorante (senão seria o máximo que, como já referimos, o conjunto não
tem).
e) O exame do exemplo do conjunto vazio g levanta por vezes algumas
questões, por motivo da dificuldade de perceber o sentido de afirmar alguma

17No entanto, o máximo de Ew não tem que ser máximo de E e é essa a razão por que não
podemos garantir que qualquer conjunto contido em  tenha necessariamente máximo:
Por exemplo o conjunto dos números pares não tem máximo, como aliás também
acontece com o próprio .
10 Cap. I. Números reais e limites

coisa sobre todos os elementos do conjunto vazio18. No entanto, se


refletirmos com mais cuidado, facilmente reconheceremos que o conjunto
vazio g é majorado e que, de facto, os seus majorantes são todos os números
reais (por exemplo, & é um majorante de g, uma vez que não existe nenhum
elemento de g que seja maior que &).
Uma noção análoga à de majorante é a de minorante. Diz-se que um número
real + é um minorante de um conjunto E se + é menor ou igual a todos os
elementos do conjunto E. Se o conjunto E tiver mínimo +, esse mínimo é
certamente um minorante, mas um minorante não tem necessariamente que
pertencer ao conjunto (se pertencesse seria evidentemente o mínimo). Um
conjunto E diz-se minorado se possuir algum minorante. Deixamos para o
estudante a tarefa de examinar para estas noções exemplos análogos aos
apresentados acima para as noções de majorante e de conjunto majorado.
Referimos enfim uma nova definição: Diz-se que um conjunto E de números
reais é limitado se for simultaneamente majorado e minorado.
I.1.8 (Supremos e ínfimos) Já referimos atrás que se um conjunto E tiver ,
como elemento máximo, então , é, em particular, um majorante de E; de
facto, se refletirmos um pouco, concluímos que o máximo , é um majorante
especial, nomeadamente o menor de todos os majorantes, já que qualquer
número menor que , não pode ser majorante do conjunto, justamente por não
ser maior ou igual ao elemento , do conjunto. Por outro lado, no exemplo
estudado na alínea d) de I.1.7 verificámos que o conjunto Ò!ß "Ò, apesar de
não ter máximo, admite majorante e, de entre estes, um que é menor que
todos os outros, nomeadamente o número real " (não é máximo porque não
pertence ao conjunto). Somos assim conduzidos a uma definição que
descreve o que sucede nestes casos:
Dizemos que um conjunto E de números reais admite o número real , como
supremo se , é um majorante de E menor que todos os outros majorantes de
E (por outras palavras, o supremo, se existir, é o mínimo do conjunto dos
majorantes de E). Quando um conjunto E admite um supremo, este pode ser
notado supÐEÑ ou simplesmente sup E. Destacamos as seguintes proprie-
dades da noção de supremo:
a) Um conjunto não pode ter mais que um supremo (uma vez que o conjunto
dos seus majorantes não pode ter mais que um mínimo). Por esse motivo,
podemos usar o artigo definido e referir “o supremo” dum conjunto.
b) Se um conjunto tem máximo, então esse máximo é também supremo do
conjunto. Se um conjunto tem supremo então esse supremo é máximo se, e

18O que se passa é que qualquer afirmação que se faça sobre todos os elementos do
conjunto vazio é automaticamente vedadeira. Por exemplo, a afirmação “todos os elefan-
tes com seis pares de patas têm duas trombas” deve ser considerada como verdadeira por
qualquer pessoa que acredite que não existe nenhum elefante com tantas patas…
Repare-se que, se afirmação fosse falsa, a sua negação seria verdadeira e essa negação
correspondia a afirmar que existia um elefante com seis pares de patas que não tinha duas
trombas.
§1. Generalidades sobre os números reais 11

só se, pertencer ao conjunto.19


A noção de supremo admite uma “noção dual” (no mesmo sentido que
podemos considerar as noções de máximo e mínimo como duais, tal como as
de majorante e minorante):
Diz-se que um conjunto E de números reais admite o número real + como
ínfimo se + é um minorante de E maior que todos os outros minorantes de E
(por outras palavras, o ínfimo, se existir, é o máximo do conjunto dos mino-
rantes de E). Quando um conjunto E admite um ínfimo, este pode ser notado
infÐEÑ ou simplesmente inf E . De forma análoga, destacamos as seguintes
propriedades “duais” da noção de ínfimo:
aw ) Um conjunto não pode ter mais que um ínfimo (uma vez que o conjunto
dos seus minorantes não pode ter mais que um máximo). Por esse motivo,
podemos usar o artigo definido e referir “o ínfimo” dum conjunto.
bw ) Se um conjunto tem mínimo, então esse mínimo é também ínfimo do
conjunto. Se um conjunto tem ínfimo então esse ínfimo é mínimo se, e só se,
pertencer ao conjunto.
I.1.9 (Os números reais como corpo ordenado completo) O conjunto vazio g
não admite supremo, uma vez que todos os números reais são majorantes e
portante não existe um majorante mínimo. Um conjunto que não seja
majorado também não admite supremo, uma vez que não admitindo majo-
rantes, não pode ter um majorante mínimo. Uma propriedade fundamental
dos números reais é que estas são as únicas exceções:
Todo o conjunto E de números reais que seja majorado e não vazio admite
um supremo.
Esta propriedade é uma propriedade muito especial dos números reais e
costuma ser traduzida pela afirmação de que eles constituem um corpo orde-
nado completo. Por exemplo, veremos adiante, no exercício I.1.10, que os
números racionais, apesar de constituirem também um corpo ordenado, não
têm a propriedade de completude, já que existem conjuntos de números
racionais, majorados e não vazios, cujos majorantes racionais não têm um
mínimo.

A propriedade de completude que enunciámos atrás é a última


propriedade dos números reais que admitimos sem justificação. Todas as
propriedades que estudaremos daqui em diante podem ser justificadas a
partir das propriedades referidas até agora. Sem a propriedade de comple-
tude a maioria das propriedades importantes que são estudadas em Aná-
lise Matemática não poderia ser estabelecida. Como primeiro exemplo de
aplicação da propriedade de completude, vamos mostrar que não preci-
samos de admitir sem justificação a propriedade dual daquela, mas pode-
mos demonstrá-la a partir da que foi admitida.

19A relação entre máximo e supremo lembra talvez o ditado “Quem não tem cão, caça
com gato”, com o máximo a jogar o papel de cão e o supremo o de gato.
12 Cap. I. Números reais e limites

I.1.10 (A propriedade dual da que define a completude dos reais) Se E é um


conjunto minorado e não vazio de números reais, então E admite um ínfimo.
Dem:20 Vamos designar por F o conjunto dos minorantes do conjunto E,
conjunto que é não vazio uma vez que, por hipótese, E é um conjunto
minorado. Reparemos agora que, se B é um elemento arbitrário de E, B é um
majorante do conjunto F , já que cada elemento de F , sendo um minorante de
E, é, em particular, menor ou igual que B. Em particular, uma vez que E não
é vazio, vemos que o conjunto não vazio F é majorado. Pela propriedade de
completude, vemos que o conjunto F tem um supremo ,. Reparemos agora
que cada elemento B − E é maior ou igual a , , uma vez que, como já
referimos, B é um majorante de F e , é o menor desses majorantes. Esta
conclusão quer precisamente dizer que , é um minorante de E e portanto ,
não é só o supremo do conjunto dos minorantes de E, é mesmo o máximo
deste conjunto, por outras palavras, , é o ínfimo do conjunto E. 21

A propriedade que referimos a seguir, é outra das que facilmente aceita-


ríamos como já conhecida mas acabámos de prometer que a partir de
agora tudo admitiria uma justificação pelo que ficava mal começarmos já
a quebrar a promessa… Para além disso, é instrutuivo verificarmos como
a propriedade fundamental de completude intervém na demonstração
(diga-se, a propósito, que existem corpos ordenados, que não teremos
ocasião de examinar, em que a propriedade que vamos referir é falsa).

I.1.11 (Propriedade arquimediana dos números reais) O conjunto  dos


números naturais não é um subconjunto majorado de ‘. Por outras palavras,
dado um número real arbirário B, tão grande quanto se queira22, existe
sempre um número natural 8 tal que 8  B. 23
Dem: Vamos mostrar que  não é majorado pelo método de redução ao
absurdo, ou seja, vamos supor que  era majorado e verificar que isso nos
conduz a uma contradição. Ora, supondo que  é majorado, podemos chamar
, ao supremo de . Como , é o menor dos majorantes de  e ,  "  ,,

20A abreviatura “Dem:” será utilizada neste texto para anunciar uma demonstração do
resultado que se está a referir. Ver o exercício I.1.9, no fim desta secção, para uma
justificação alternativa à que vamos utilizar.
21O símbolo , usualmente no fim da linha, indica o fim de uma demonstração.
22A expressão “tão grande quanto se queira” é totalmente inútil do ponto de vista da
afirmação que estamos a fazer: A afirmação é válida para qualquer número real B, seja ele
intuitivamente grande ou não. Ao utilizarmos a expressão estamos a fazer o mesmo que se
disséssemos: Repare que o que estamos a afirmar sobre B é tanto mais “forte” quanto
maior for B, isto é, se for verdadeiro para um certo valor de B é trivialmente também
verdadeiro para os valores menores de B.
23O estudante menos habituado a interpretar este tipo de afirmações matemáticas deverá
examinar cuidadosamente o significado do que afirmámos: O número natural 8 depende
do número real B que nos derem; não afirmamos, de modo nenhum, que exista um
número natural que seja maior que todos os números reais (o que é claramente falso).
§1. Generalidades sobre os números reais 13

,  " não pode ser um majorante de , ou seja, existe um número natural 8


tal que 8 é maior que ,  ". Mas então 8  "  , , o que é absurdo, uma vez
que 8  " também é um número natural e , é, por hipótese, um majorante de
. Reparemos enfim que afirmar que  não é majorado é o mesmo que dizer
que, dado B − ‘ arbitrário, B não é um majorante de , ou seja, existe um
número natural maior que B. 
I.1.12 (Corolário24) Dado um número real $  !, tão pequeno quanto se
queira25, existe sempre um número natural 8 tal que 8"  $ .
Dem: Considerando o número "$  !, o resultado precedente afirma a
existência de um número natural 8 tal que 8  "$ , condição que implica que
"
8  $. 
I.1.13 (A parte inteira de um número real) Seja B um número real. Existe
então um único número inteiro : tal que B − Ò:ß :  "Ò, inteiro esse a que se
dá o nome de parte inteira de B e que se nota intÐBÑ.
Dem: Comecemos por reparar que, dados dois números inteiros distintos,
podemos chamar : ao menor deles e ; ao maior e, uma vez que :  ; , e
portanto :  " Ÿ ; (por se tratarem de números inteiros), constatamos que
Ò:ß :  "Ò e Ò;ß ;  "Ò não podem ter elementos comuns. Concluímos assim
que um número real B não pode pertencer a mais que um intervalo do tipo
Ò:ß :  "Ò. Provemos agora a existência de um intervalo do tipo Ò:ß :  "Ò que
contenha o ponto B, começando por examinar o caso particular em que
B !: Pela propriedade arquimediana, podemos considerar um número
natural maior que B e chamar 8 ao menor número natural nessas condições
(lembrar a propriedade de boa ordenação dos naturais referida em I.1.6).
Tem-se então que B é menor que 8 mas não é menor que 8  ", por outras
palavras, B pertence ao intervalo Ò8  "ß 8Ò, que é do tipo referido (com
: œ 8  "). Examinemos, por fim, o caso em que B  !. Nesse caso, tem-se
B  ! e portanto, como vimos atrás, existe um inteiro 7 tal que B
pertença ao intervalo Ò7ß 7  "Ò. Vemos então que, ou B œ 7, e portanto
B œ 7 − Ò7ß 7  "Ò, ou B − Ó7ß 7  "Ò, e portanto
B − Ó7  "ß 7Ò § Ò7  "ß 7Ò,

24Um corolário é uma afirmação que é consequência direta de um resultado estabelecido


anteriormente.
25Tal como acontecia com a expressão “tão grande quanto se queira”, utilizada em I.1.11,
a expressão “tão pequeno quanto se queira” é totalmente inútil do ponto de vista da
afirmação que estamos a fazer: A afirmação é válida para qualquer número real $  !,
seja ele intuitivamente pequeno ou não. Ao utilizarmos a expressão estamos a fazer o
mesmo que se disséssemos: Repare que o que estamos a afirmar sobre $  ! é tanto mais
“forte” quanto menor for o número $  !, isto é, se for verdadeiro para um certo valor de
$ maior que ! é trivialmente também verdadeiro para os valores maiores de $ . As letras
gregas $ e & são utilizadas com frequência em situações onde faz sentido utilzar a
expressão “tão pequeno quanto se queira”.
14 Cap. I. Números reais e limites

em qualquer caso B pertence a um intervalo do tipo Ò:ß :  "Ò (no primeiro


caso com : œ 7 e no segundo com : œ 7  ". 
I.1.14 (Densidade dos números racionais) Se B Á C são dois números reais,
existe sempre um número racional D entre B e C . 26
Dem: Como já aconteceu antes, tendo em conta a simetria dos papéis de B e
C, basta examinar o caso em que B  C. Como veremos adiante, se se tivesse
mesmo B  C  ", conseguia-se até encontrar um número inteiro entre B e C .
Por esse motivo vamos começar por tentar reduzir o caso geral a esse caso
particular. Ora, aplicando a propriedade arquimediana, podemos fixar um
"
número natural 8 maior que o número CB , tendo-se então

8C  8B œ 8ÐC  BÑ  ".
Tendo em conta I.1.13, podemos agora considerar um inteiro : tal que
8B − Ò:ß :  "Ò e obtemos então, por um lado, 8B  :  " e, por outro,
8C  8B  " :"
:"
pelo que o número racional D œ 8 verifica as desigualdades pretendidas
:"
B  C. 
8

Um facto que o estudante está habituado a utilizar sem levantar questões


mas que claramente necessita de uma explicação é a existência de raizes
quadradas para números reais positivos arbitrários, tanto mais que, tal
como já era conhecido pelos geómetras gregos e como recordaremos em
breve, essa propriedade não é verdadeira quando se trabalha apenas no
contexto dos números racionais. Não é de espantar que na demonstração
da existência de raizes quadradas a propriedade de completude dos núme-
ros reais jogue um papel essencial.

I.1.15 (Existência de raizes quadradas) Seja C ! um número real. Existe

dá o nome de raiz quadrada de C e que é notado ÈC . 27


então um, e um só, número real B ! tal que B# œ C , número esse a que se

Dem: Para uma melhor sistematização, vamos dividir a demonstração em


várias partes:
1) Comecemos por justificar o facto de não poder haver mais que um número
maior ou igual a ! cujo quadrado é igual a C. Ora, isso resulta de que, como

26Comparar com o que se referiu em I.1.4: Reparar que nesse momento apenas se
garantiu a existência de um número real entre B e C, enquanto que agora afirmamos mais,
que existe mesmo um número racional entre os dois números reais.
27É claro que um número menor que ! não pode ter raiz quadrada, uma vez que, como
sabemos, o quadrado de um número real arbitrário é sempre maior ou igual a !, como foi
referido em I.1.3.
§1. Generalidades sobre os números reais 15

referimos em I.1.3, se B  + !, então


B œ B ‚ B  + ‚ + œ +# ,
#

e portanto B# e +# não podem ser ambos iguais a C.


2) Para simplificar alguns detalhes, vamos começar por provar a existência
de raiz quadrada de C no caso particular em que C ".
Subdem: Consideremos o conjunto
E œ ÖB − ‘ ± B " e B# Ÿ C×
e reparemos que " − E e que C é um majorante de E, já que, se B  C, então
B# œ B ‚ B  C ‚ C C ‚ " œ C,
portanto B Â E. 28 Uma vez que E é majorado e não vazio, sabemos que E
admite um supremo - œ supÐEÑ, que verifica evidentemente - ", por ser
" − E. Vamos provar que esse supremo - é a raiz quadrada procurada, isto é
que - # œ C. Para isso vamos mostrar separadamente que qualquer das
desigualdades - #  C e - #  C conduz a contradição.
Comecemos por examinar o que sucederia se fosse - #  C. Chamemos 2 ao
#
menor dos dois números - e C- $- , reparando que se tem 2  !, 2 Ÿ - e
C- #
2Ÿ $- . Uma vez que -  2  - "e

Ð-  2Ñ# œ - #  #-2  2# Ÿ - #  #-2  -2 œ - #  $-2 Ÿ


Ÿ - #  ÐC  - # Ñ œ C,

vemos que -  2 − E, o que é absurdo por ser -  2  - e - ser o supremo


de E.
Examinemos agora o que sucederia se fosse - #  C . Chamemos 2 ao menor
# #
dos dois números - e - #-C , reparando que se tem 2  !, 2 Ÿ - e 2 Ÿ - #-C .
Uma vez que
Ð-  2Ñ# œ - #  #-2  2#  - #  #-2 - #  Ð- #  CÑ œ C
vemos que B Ÿ -  2, para cada B − E (se fosse B  -  2, vinha também
B#  Ð-  2Ñ#  C), por outras palavras -  2 também seria um majorante
de E o que é absurdo porque -  2  - e - , sendo o supremo de E, é o
menor dos majorantes de E.
3) Uma vez que !# œ !, e portanto ! é raiz quadrada de !, resta-nos mostrar
que os números reais C tais que !  C  " também têm raiz quadrada. Ora,
sendo !  C  ", tem-se "C  ", pelo que, tal como verificámos em 2), "C
admite uma raiz quadrada - . Tem-se então - # œ "C , donde

28Reparar que dizer que “se B − E então B Ÿ C” é equivalente a dizer que “se B  C
então B Â E” (duas afirmações contrarrecíprocas têm o mesmo valor de verdade).
16 Cap. I. Números reais e limites

Š ‹ ,
" " #
Cœ œ
-# -
o que mostra que C admite a raiz quadrada "- . 

O facto de todo o número real positivo admitir raiz quadrada vai-nos


permitir exibir, pela primeira vez, um exemplo de número que não é
racional.

ros reais que não são racionais. O número È# é um exemplo de irracional.


I.1.16 (Existência de números irracionais) Chamam-se irracionais aos núme-

Dem: Suponhamos, por absurdo, que È# era racional e portanto que se


podia escrever È# œ :; , com : e ; números naturais. Se necessário “simpli-
ficando” a fração, podemos já supor que : e ; são primos entre si, em
#
particular que não são ambos pares. Podemos agora notar que # œ :;# donde
:# œ #; # , o que implica que :# é par, e portanto : é par (o quadrado dum
número ímpar é ímpar). Tem-se assim : œ #8, para um certo natural 8, pelo
que Ð#8Ñ# œ #; # , donde ; # œ #8# , o que, como antes, implica que ; # é par, e
portanto ; é também par. Chegámos assim a uma contradição, visto que
estávamos a supor que : e ; não eram ambos pares. 

Uma das razões da importância dos números reais é a sua aplicabilidade


na “vida real”, nomeadamente como instrumento para traduzir a medida
de vários tipos de grandezas, como a massa, o comprimento ou a área. Em
cada um dos casos, fixada uma unidade base para a grandeza em questão,
é intuitivamente facil compreender o que é uma grandeza com uma
medida racional positiva: Por exemplo, uma grandeza cuja medida é (& é
uma grandeza que se obter somando ( grandezas de medida "& , estas
últimas sendo aquelas que somadas & vezes permitem obter a medida base
que se fixou. A experiência mostrou, no entanto, que, pelo menos no caso
do comprimento, a utilização única dos números racionais para medir era
insuficiente, nomeadamente quando os geómetras gregos descobriram que
a diagonal de um quadrado cujo lado fosse a unidade base de compri-

dentemente, a irracionalidade de È#). Por esse motivo considera-se que


mento não podia ser medida por um número racional (o problema é, evi-

os números reais são o contexto natural para se medir os diferentes tipos


de grandeza e essa hipótese de trabalho tem-se revelado fecunda para a
utilização da Matemática, em especial da Análise Matemática, na
compreensão da realidade.

I.1.17 Tal como o estudante já está habituado a considerar, a possibilidade de


utilizar os números reais para medir grandezas, neste caso o comprimento,
permite estabelecer uma correspondência biunívoca entre os números reais e
os pontos de uma reta, onde se fixou uma origem, uma unidade de
§1. Generalidades sobre os números reais 17

comprimento e um dos sentidos como positivo (um eixo orientado). Ao


número real ! fica a corresponder a origem fixada, a cada número real B
maior que ! fica a corresponder o ponto da reta para o lado positivo da
origem que está a distância B desta e a cada número real B menor que ! fica a
corresponder o ponto da reta para o lado negativo da origem que está à
distância B desta. Aos sentidos positivo e negativo costuma-se associar as
palavras “direita” e “esquerda” respetivamente e, por uma questão de “bom
senso”, procura-se naturalmente que, nos casos em que a estas palavras possa
corresponder uma interpretação geométrica, a escolha do sentido positivo
seja feita de forma a fazer coincidir as duas interpretações; é o que acontece
quando a reta considerada é imaginada como estando parcialmente colocada
horizontalmente numa página dum livro ou num quadro duma sala de aula,
mas já não acontece, por exemplo quando esta é imaginada na posição
vertical.

Repare-se que um número real é menor que outro se, e só se, o ponto corres-
pondente ao primeiro estiver à esquerda do ponto correpondente ao segundo.
Esta interpretação intuitiva dos números reais como identificando os pontos
de uma reta faz com que frequentemente se use a palavra “ponto” no lugar de
“número real” e se dê o nome de reta real ao conjunto ‘ dos números reais.
Refira-se a propósito que, a partir da correspondência entre números reais e
pontos de um eixo orientado, é possível obter, pelo método que o estudante
já conhece, uma correspondência biunívoca entre pares ordenados ÐBß CÑ de
números reais e pontos de um plano, no qual se fixou um referencial (que,
implicitamente, será sempre suposto ortonormado), dizendo-se então que B e
C são respetivamente a abcissa e a ordenada do ponto correspondente.

As correspondências entre números reais e pontos de uma reta e entre


pares ordemados de números reais e pontos de um plano, que acabamos
de recordar, têm aplicação nos dois sentidos. Por um lado, permitem apli-
car os números reais no estudo da geometria; é o que o estudante já
18 Cap. I. Números reais e limites

encontrou quando estudou geometria analítica, plana ou no espaço. Por


outro, permite encontrar na geometria um auxiliar intuitivo de grande
valor para as propriedades dos números reais ou, como estudaremos mais
adiante, das funções reais de variável real. Relativamente a este último
sentido, convirá sublinhar que temos apenas um auxiliar intuitivo e que
qualquer resultado que nos pareça ser válido na base de uma interpretação
geométrica terá sempre uma justificação alternativa baseada apenas nas
propriedades dos números reais que descrevemos à partida: Se é verdade
que a intuição geométrica é um valor essencial para a compreensão e a
descoberta em Matemática, um raciocínio feito apenas na base desta
conduz com frequência a afirmações incorretas.
A noção de valor absoluto de um número real, que examinamos a seguir é
um exemplo de noção que tem uma interpretação geométrica importante.

I.1.18 O valor absoluto de um número real é por vezes descrito de forma


informal como sendo “o número real sem o sinal”. Uma forma mais precisa e
por vezes mais manejável de o definir é dizer que o valor absoluto ou
módulo de B, notado lBl, é o maior dos dois números reais B e B:
lBl œ maxÖBß B×,
tendo-se assim lBl œ B se B ! e lBl œ B se B Ÿ ! (se B œ ! valem as
duas caracterizações). Repare-se que resulta diretamente da definição
apresentada que, se B é um número real, B e B têm o mesmo valor absoluto
e tanto B como B são menores ou iguais a esse valor absoluto. Geometrica-
mente, lBl é a distância à origem do ponto da reta correspondente a B.
I.1.19 (Propriedades do valor absoluto) Se B e C são números reais, tem-se
B lBl
lB ‚ Cl œ lBl ‚ lCl, l lœ (se C Á !),
C lCl
lB  Cl Ÿ lBl  lCl, lBl œ lBl.

Dem: Para obtermos a igualdade que envolve o módulo do produto, vamos


examinar separadamente cada um dos casos possíveis:
Se B ! e C !, então B ‚ C ! e portanto
lB ‚ Cl œ B ‚ C œ lBl ‚ lCl;
Se B ! e C Ÿ !, então B ‚ C Ÿ ! e portanto
lB ‚ Cl œ ÐB ‚ CÑ œ B ‚ ÐCÑ œ lBl ‚ lCl;
Se B Ÿ ! e C !, então B ‚ C Ÿ ! e portanto
lB ‚ Cl œ ÐB ‚ CÑ œ (B) ‚ C œ lBl ‚ lCl;
Se B Ÿ ! e C Ÿ !, então B ‚ C ! e portanto
lB ‚ Cl œ B ‚ C œ (B) ‚ ÐCÑ œ lBl ‚ lCl.
§1. Generalidades sobre os números reais 19

A propriedade envolvendo o valor absoluto do inverso resulta da que


acabamos de justificar, uma vez que
B B
lCl ‚ l l œ lC ‚ l œ lBl,
C C
lBl
donde l BC l œ lCl . Do mesmo modo, podemos escrever

lBl œ lÐ"Ñ ‚ Bl œ l"l ‚ lBl œ " ‚ lBl œ lBl.


Para justificar a propriedade do módulo da soma, em vez de tentar estudar,
como para o produto, todos os casos possíveis, o que seria neste caso mais
complicado, partimos duma ideia mais simples: Começamos por reparar que
se tem em todos os casos B Ÿ lBl e C Ÿ lCl 29 e portanto
B  C Ÿ lBl  lCl.
Do mesmo modo, de se ter B Ÿ lBl e C Ÿ lCl, deduzimos que
ÐB  CÑ œ ÐBÑ  ÐCÑ Ÿ lBl  lCl.
Uma vez que lB  Cl é igual a um dos dois números B  C e ÐB  CÑ, que
são ambos menores ou iguais a lBl  lCl, podemos finalmente concluir que
lB  Cl Ÿ lBl  lCl. 
I.1.20 (Conjuntos limitados e o valor absoluto) Um conjunto E § ‘ é
limitado se, e só se, existe Q ! tal que, para cada B − E, lBl Ÿ Q .
Dem: Suponhamos que existe Q ! tal que, para cada B − E, lBl Ÿ Q .
Em particular, para cada B − E, B Ÿ lBl Ÿ Q e B Ÿ lBl Ÿ Q , portanto
B Q , o que mostra que E admite Q como majorante e Q como
minorante, e portanto é limitado. Suponhamos, reciprocamente, que E é
limitado, ou seja, que admite um minorante + e um majorante , .
Consideremos o número Q !, Q œ maxÖl+lß l,l×. Para cada B − E, vem,
por um lado,
B Ÿ , Ÿ l,l Ÿ Q
e, por outro lado B +, donde
B Ÿ + Ÿ l+l Ÿ Q ;
Uma vez que lBl é igual a um dos dois números B e B, concluímos que
lBl Ÿ Q . 

O valor absoluto intervém na definição de um conceito que é sugerido


pela interpretação geométrica dos números reais como pontos de uma
reta. Repare-se, com efeito, que, se B C, a distância dos pontos da reta

29Igualdade no caso em que o número é maior ou igual a ! e desigualdade estrita caso


contrário.
20 Cap. I. Números reais e limites

que correspondem a estes dois números reais é igual a B  C e que, se


B Ÿ C ela é igual a C  B œ ÐB  CÑ, pelo que, em qualquer dos casos,
ela pode ser caracterizada como sendo o módulo lB  Cl. Estas
considerações geométricas, justificam que se apresente a seguinte
definição.

I.1.21 Dados números reais B e C, define-se a sua distância .ÐBß CÑ pela igual-
dade
.ÐBß CÑ œ lB  Cl.
Esta noção de distância verifica as seguintes propriedades que nós associa-
mos intuitivamente à ideia de distância30:
1) Dados Bß C − ‘, tem-se .ÐBß CÑ œ ! se, e só se, B œ C .
2) (Simetria) Dados Bß C − ‘, tem-se .ÐBß CÑ œ .ÐCß BÑÞ
3) (Desigualdade triangular31) Dados Bß Cß D − ‘, tem-se
.ÐBß DÑ Ÿ .ÐBß CÑ  .ÐCß DÑ.

Dem: A propriedade ") é uma consequência direta de se ter lDl œ ! se, e só


se, D œ ! e a propriedade 2) resulta de se ter lDl œ lDl. Quanto à desigual-
dade triangular, reparamos que se pode escrever B  D œ ÐB  CÑ  ÐC  DÑ,
e portanto
.ÐBß DÑ œ lB  Dl œ lÐB  CÑ  ÐC  DÑl Ÿ
Ÿ lB  Cl  lC  Dl œ .ÐBß CÑ  .ÐCß DÑ. 

I.1.22 (A distância entre dois valores absolutos) Dados dois números reais B e
C, tem-se
.ÐlBlß lClÑ Ÿ .ÐBß CÑ.

Dem: Podemos escrever


lBl œ lÐB  CÑ  Cl Ÿ lB  Cl  lCl,
donde
lBl  lCl Ÿ lB  Cl œ .ÐBß CÑ.

30Apesar disso, temos que justificar essas propriedades, uma vez que não é o nome que
atribuímos a uma noção que definimos que faz com que essa noção tenha que obedecer às
propriedades que associamos ao nome.
31A justificação deste nome tem a ver com o que acontece quando consideramos a noção
usual de distância entre pontos dum plano: Quando B, C e D designam pontos do plano a
desigualdade .ÐBß DÑ  .ÐBß CÑ  .ÐCß DÑ, válida quando eles não forem colineares, cor-
responde a propriedade usual que relaciona as medidas dos três lados dum triângulo,
sendo fácil reparar que, quando eles forem colineares, tanto pode ser verdadeira esta
desigualdade como a igualdade entre os dois membros.
§1. Generalidades sobre os números reais 21

Por simetria dos papéis de B e C , tem-se também


lCl  lBl Ÿ .ÐCß BÑ œ .ÐBß CÑ.
Uma vez que .ÐlBlß lClÑ œ llBl  lCll é um dos dois números lBl  lCl e
lCl  lBl, que vimos serem ambos menores ou iguais a .ÐBß CÑ, concluímos
que .ÐlBlß lClÑ Ÿ .ÐBß CÑ. 

A noção de distância é especialmente importante para entender intuitiva-


mente a noção de proximidade, esta última sendo de grande importância
em Análise Matemática, por exemplo na definição de limite e, em parti-
cular, na de continuidade.

I.1.23 Sejam + − ‘ e $  !. Para cada B − ‘ têm-se então as seguintes equiva-


lências:
.ÐBß +Ñ œ lB  +l Ÿ $ Í B − Ò+  $ ß +  $ Ó,
.ÐBß +Ñ œ lB  +l  $ Í B − Ó+  $ ß +  $ Ò.
Define-se a vizinhança-$ de + como sendo o intervalo
Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò
dos números reais que estão a uma distância menor que $ de +.
Dem: Uma vez que lB  +l é o maior dos dois números B  + e ÐB  +Ñ œ
+  B, dizer que se tem lB  +l Ÿ $ é equivalente a dizer que se tem
simultaneamente B  + Ÿ $ e +  B Ÿ $ ou seja B Ÿ +  $ e B +  $ , por
outras palavras, B − Ò+  $ ß +  $ Ó. A justificação da segunda equivalência é
inteiramente análoga. 

As equivalências que acabamos de estabelecer são muitas vezes utilizadas


na representação na forma de intervalo, ou de união de intervalos, das
soluções de certas inequações que envolvem valores absolutos. Por exem-
plo, o conjunto das soluções de lB  %l Ÿ # é o intervalo
Ò'ß #Ó œ Ò%  #ß %  #Ó
e o conjunto das soluções de lB  "l $ é o complementar do intervalo
Ó#ß %Ò œ Ó"  $ß "  $Ò, portanto a união de intervalos
Ó_ß #Ó  Ò%ß _Ò.
22 Cap. I. Números reais e limites

Exercícios

æ Ex I.1.1 Apesar de não nos propormos demonstrar (nem sequer enunciar)


todas as propriedades algébricas que decorrem de os números reais
constituirem um corpo (isto é, verificarem as propriedades básicas referidas
nas alíneas a) a c) de I.1.1) pode ser útil, do ponto de vista do treino da
capacidade de desenvolver raciocínios simples, justificar uma ou outra.
a) Utilizar as propriedades básicas dos corpos para mostrar que, dados
números reais B e C, tem-se B ‚ C œ ! se, e só se, B œ ! ou C œ ! (lei de
anulamento do produto).
b) Deduzir de a) a lei do corte: Se B Á ! e B ‚ C œ B ‚ D , então C œ D .
c) Já aconteceu um estudante mais distraído “generalizar” a lei do
anulamento do produto afirmando que “dados números reais B e C, tem-se
B ‚ C œ " se, e só se, B œ " ou C œ "”. Como explicaria a esse seu colega
que afirmação feita não é correta?
Ex I.1.2 Verificámos em I.1.4 que, se B  C e D é a média aritmética de B e C
associada aos pesos = e >, então B  D  C . Justificar a seguinte propriedade
recíproca: Se B, C e D são números reais com B  D  C , então existem pesos
=  ! e >  !, com =  > œ " tais que D œ = B  > C (por outras palavras,
todos os números entre B e C são médias pesadas de B e C com pesos
convenientes).
Ex I.1.3 Lembrando o que foi referido em I.1.4 sobre as médias aritméticas,
justificar que, dados dois números racionais +  ,, o intervalo Ó+ß ,Ò inclui
uma infinidade de números racionais. Sugestão: Raciocinar por absurdo: Se
houvesse apenas um número finito de racionais, e uma vez que existe pelo
menos um, poderíamos chamar - ao maior deles. O que aconteceria então à
média de - e , ?
Ex I.1.4 Parece intuitivo que, se + é um minorante de um conjunto E e , um
majorante desse conjunto, então + Ÿ ,. Provar que isso é efetivamente
verdade no caso em que E não é vazio. No caso em que E œ g, encontrar um
contraexemplo que mostra que a afirmação não é correta (lembrar o que foi
dito na alínea e) de I.1.7.
æ Ex I.1.5 Mostrar que, se +  , são dois números reais, então o intervalo
aberto Ó+ß ,Ò tem supremo , e ínfimo +.
Ex I.1.6 Determinar, caso existam, o supremo e o ínfimo de cada um dos
seguintes conjuntos referindo, em cada caso, se os valores determinados são
ou não máximos e mínimos, respetivamente.
a) O conjunto  dos números naturais.
b) O conjunto Ö 8" ×8− dos inversos dos números naturais.
§1. Generalidades sobre os números reais 23

c) O conjunto E dos números que se podem escrever na forma Ð"Ñ8 ‚ 8" ,


com 8 número natural.
Ex I.1.7 Sejam E e F dois conjuntos de números reais tais que E § F .
a) Reparar que todo o majorante de F é também um majorante de E e
deduzir daqui que, se os supremos existirem, tem-se supÐEÑ Ÿ supÐFÑ.
b) Reparar que todo o minorante de F é também um minorante de E e
deduzir daqui que, se os ínfimos existirem, tem-se infÐEÑ infÐFÑ.
æ Ex I.1.8 Sejam E e F dois conjuntos de números reais.
a) Mostrar que, se E e F admitem supremos, então a união E  F admite
como supremo o maior dos dois números supÐEÑ e supÐFÑ.
b) Mostrar que, se E e F admitem ínfimos, então a união E  F admite
como ínfimo o menor dos dois números infÐEÑ e infÐFÑ.
æ Ex I.1.9 Se E é um conjunto de números reais, notaremos E o conjunto
cujos elementos são exatamente os da forma B, com B − E.
a) Verificar que , é majorante de um conjunto E se, e só se, , é um
minorante do conjunto E.
b) Deduzir de a) que, , é supremo de um conjunto E se, e só se, , é ínfimo
do conjunto E.
c) Verificar que as conclusões de a) e b) permitem dar uma justificação
alternativa da propriedade dual da que define a completude, referida em
I.1.10.

todos os números racionais menores que È#. Mostrar que, apesar de E


Ex I.1.10 (O corpo ordenado  não é completo) Seja E §  o conjunto de

admitir um majorante racional e não ser vazio, o conjunto dos majorantes


racionais de E não tem mínimo, por outras palavras, no contexto dos

números reais, E tenha È# como supremo). Sugestão: Lembrar a


números racionais, não existe supremo para E (embora, no contexto dos

propriedade de densidade dos números racionais em I.1.14.


æ Ex I.1.11 Sejam +ß ,ß -ß . números racionais tais que +  ,È# œ -  . È#.
Mostrar que se tem necessariamente + œ - e , œ . .
æ Ex I.1.12 (No mesmo espírito que I.1.16) a) Sejam 8 um número natural,
+" ß +# ß á ß +8 números inteiros (positivos ou não) e B um número racional tal
que
B8  +" B8"  +# B8#  â  +8" B  +8 œ !.
Mostrar que B tem que ser um número inteiro. Sugestão: Se B não fosse
inteiro, podia escrever-se B œ :; , com : − ™, ; − ß ; Á " e : e ; primos
entre si. Atender então a que :8 e ; também são primos entre si e chegar a
um absurdo, substituindo B por :; na igualdade acima, multiplicando ambos
os membros por ; 8 e concluindo, a partir daí, que :8 seria múltiplo de ; .
b) Verificar que a conclusão de I.1.16 é uma consequência imediata do
24 Cap. I. Números reais e limites

resultado referido em a), tal como o é o facto mais geral de, para cada 8 − 

natural), o número È8 ser irracional.


que não seja um quadrado perfeito (isto é, o quadrado de um número

c) Verificar que, por exemplo, É $& é um número irracional e enunciar e


justificar um resultado geral, sobre irracionalidade das raizes quadradas de

este como caso particular. Sugestão: Ter em conta o facto de È"& ser
números racionais positivos dados na forma de fração irredutível, que tenha

irracional.
Ex I.1.13 Lembrar que as operações usuais quando aplicadas a números
racionais dão resultados racionais. Deduzir daqui que:
a) Se B é irracional, então B e B" são também irracionais.
b) Se + é racional e B é irracional, então +  B é irracional e, no caso em que
+ Á !, +B é irracional.
Mostrar ainda, com o auxílio de exemplos convenientes, que
c) Se B e C são irracionais, tanto pode acontecer que B  C seja racional
como que B  C seja irracional.
d) Se B e C são irracionais, tanto pode acontecer que BC seja racional como
que BC seja irracional.
Encontrar ainda um exemplo em que:
e) Os números reais B e C são irracionais e B  C e BC são ambos racionais.
Ex I.1.14 (Densidade dos números irracionais) Lembrar a propriedade de
densidade dos números racionais: Dados números reais B  C, existe sempre
um número racional D entre B e C. Utilizar esta propriedade para justificar a
correspondente propriedade de densidade dos números irracionais: Dados

Sugestão: Começar por considerar um número racional entre B  È# e


números reais B  C, existe sempre um número irracional D entre B e C .

C  È #.
æ Ex I.1.15 Lembrando que, como se viu na alínea b) do exercício I.1.12, È& e
È) são ambos irracionais, mostrar que È)  È& também é irracional.
Sugestão: Reparar que não se pode garantir, em geral, que a soma de

produto de È)  È& por È)  È& para deduzir que, se o primeiro fosse


números irracionais tenha que ser irracional. Neste caso, considerar o

racional, o mesmo sucedia com o segundo, deduzindo daí que È) seria


racional, o que sabemos não acontecer.
Ex I.1.16 Seja + um número real maior ou igual a !. Dado B − ‘ justificar as
equivalências
B# Ÿ + Í lBl Ÿ È+,
B#  + Í lBl  È+.
§1. Generalidades sobre os números reais 25

Ex I.1.17 Exprimir cada um dos seguintes conjuntos como intervalo ou como


união de intervalos:
a) ÖB − ‘ ± l#B  "l Ÿ "×;
b) ÖB − ‘ ± lB  &l  lB  "l×;
c) ÖB − ‘ ± lB#  #l Ÿ "×;
d) ÖB − ‘ ± Ð#B  $Ñ' ÐB  #Ñ !×.
æ e) ÖB − ‘ ± lB  #l  lB  $l  )×.
Ex I.1.18 a) Mostrar que, dados números reais + e , , o seu produto é sempre
menor ou igual que a média aritmética dos seus quadrados:
+#  , #
+, Ÿ ,
#
e descobrir quais os números reais para os quais é válida a igualdade entre os
dois membros. Sugestão: Reparar que Ð+  ,Ñ# ! e considerar o
desenvolvimento do quadrado no primeiro membro.
b) Deduzir de a) que, quaisquer que sejam os números reais Bß Cß !, com
!  !, tem-se
" # ! #
BC Ÿ B  C
! %
e reparar que a desigualdade em a) correponde ao caso particular em que
! œ #.
c) Deduzir de a) que, dados números reais - ! e . !, tem-se sempre

È-. Ÿ -  . ,
#

igualdade entre os dois membros. Nota: Costuma-se chamar a È-. a média


descobrindo também quais os números reais para os quais é válida a

geométrica dos números - e . pelo que o que concluímos nesta alínea foi
uma desiguladade envolvendo as médias geométrica e aritmética de dois

d) Deduzir de a) que, sempre que B#  C# Ÿ ", tem-se lB  Cl Ÿ È#.


números maiores ou iguais a !.

§2. O método de indução matemática e aplicações.

I.2.1 O método de indução matemática, ou simplesmente método de indução,


que alguns estudantes já estudaram no ensino secundário, não sendo um
método específico da Análise Matemática, tem muitas aplicações no estudo
desta. Trata-se de um método para mostrar que uma afirmação que depende
de um número natural arbitrário 8 é válida para todos os valores de 8. O
método consiste em dois passos:
Passo 1: Verifica-se que a afirmação que se obtém quando se dá a 8 o valor
26 Cap. I. Números reais e limites

" é verdadeira.
Passo 2: Verifica-se que sempre que a afirmação fica verdadeira quando se
substitui 8 por um certo número natural, ela fica também verdadeira quando
se faz a substituição de 8 pelo número natural seguinte. Na prática, para
efetuar este passo, o que se faz é supor que a afirmação é verdadeira quando
se substitui 8 por um certo natural : (hipótese de indução32) e demonstrar,
usando essa hipótese, que a afirmação é verdadeira quando se substitui 8
pelo natural :  ".
Uma vez efetuados estes dois passos, conclui-se que a afirmação é válida
para todos os valores de 8.

É fácil compreender a razão por que o método de indução se pode aplicar.


Com efeito, pelo passo 1, sabemos que a afirmação é válida para 8 œ ".
Mas então. pelo passo 2, a afirmação é válida para 8 œ #, por ser válida
para 8 œ ". Seguidamente, de novo pelo passo #, ela é válida para 8 œ $,
uma vez que já sabemos que ela é válida para 8 œ #. Prosseguindo deste
modo, constatamos que podemos chegar a provar a validade da afirmação
para qualquer valor particular de 8 que nos seja dado o que, evitando
questões ligadas aos Fundamentos da Matemática que, embora impor-
tantes, não parece oportuno estudar neste momento, é essencialmente o
mesmo que afirmar a validade da afirmação para todos os valores de 8.
Note-se que não pretendemos ter “demonstrado” a validade do método de
indução matemática, apenas tentámos ajudar a compreender o que se está
a passar quando o aplicamos (daí termos feito estas observações utili-
zando um “envergonhado” tipo de letra mais pequeno). Com efeito,
voltámos a utilizar o não muito satisfatório “Prosseguindo deste
modo…”33 que já apareceu, por exemplo quando em I.1.6, tentámos
justificar o facto de todo o conjunto finito e não vazio ter máximo e
mínimo. Aliás, uma das vantagens do método de indução matemática (não
a única) é permitir dispensar este tipo de raciocínios menos satisfatórios.
Examinamos a seguir, a título de exemplo, uma justificação mais concisa
do facto que acabámos de referir.

I.2.2 (De novo a existência de máximo e mínimo para os conjuntos finitos


não vazios) A existência de máximo e mínimo para os conjuntos finitos não
vazios, referida em I.1.6, pode ser enunciada do seguinte modo,
especialmente adaptado à aplicação do método de indução: Se 8 é um
número natural, então todo o conjunto E com 8 elementos tem máximo e
mínimo. Provemos então esta afirmação por indução, reparando que a ideia é

32Quem não compreendeu ainda bem a estutura do método de indução fica por vezes
chocado com esta hipótese de indução uma vez que a hipótese que se está a fazer
parece-se singularmente com aquilo que se quer demonstrar. No entanto não é isso que se
passa: O que se quer demonstrar é a validade da afirmação para todos os valores de 8 e a
hipótese de indução é que ela é válida para um valor particular de 8.
33Um raciocínio lógico deve consistir num número determinado de passos e a frase entre
aspas aponta para um raciocínio que não é deste tipo.
§2. O método de indução matemática e aplicações 27

a mesma que foi utilizada em I.1.6, embora o argumento fique mais conciso.
Dem: Como anteriormente vamos examinar apenas a existência de máximo,
uma vez que o caso do mínimo pode ser tratado com uma adaptação
evidente. No caso em que 8 œ ", o resultado é evidente, uma vez que o único
elemento do conjunto E é automaticamente o máximo deste conjunto.
Suponhamos (hipótese de indução) que : é um número natural tal que todos
os conjuntos com : elementos tenham máximo. Provemos então que, se E é
um conjunto com :  " elementos, então E tem máximo, o que terminará a
demonstração por indução. Ora, podemos escolher um elemento + − E e
considerar então o conjunto E Ï Ö+×, que se obtém retirando de E o elemento
escolhido, conjunto esse que tem : elementos. Pela hipótese de indução, o
conjunto E Ï Ö+× tem um máximo ,. Se ,  +, então , é um elemento de E
maior que todos os outros, portanto o máximo de E. Se ,  +, então + é um
elemento de E maior que todos os outros, portanto o máximo de E. Em
qualquer caso, o conjunto E tem máximo. 
I.2.3 (De novo o facto de todos os números naturais serem positivos) Em
I.1.3, depois de termos referido que "  ! e de sabermos que a soma de dois
números maiores que ! é maior que !, concluímos que qualquer número
natural é maior que !, por ser soma de um número finito de parcelas iguais a
". Este argumento, apesar de intuitivo, não era muito correto, uma vez que
apenas tínhamos examinado o que se passava com a soma de dois números
positivos e aqui tínhamos uma soma de mais parcelas. Mais uma vez o
método de indução matemática permite dar uma justificação alternativa mais
convincente e concisa.
Dem: Vamos provar, por indução que, para cada número natural 8, tem-se
8  !. Em primeiro lugar, para 8 œ " temos a afirmação "  !, que vimos
ser verdadeira. Suponhamos (hipótese de indução) que, para um certo
número natural :, tem-se :  !. De se ter :  ! e "  ! podemos então
deduzir que :  "  !  ! œ !, e portanto a afirmação é também verdadeira
para 8 œ :  ". 

Apresentamos a seguida mais um exemplo de como o método de indução


pode ser utilizado para demonstrar a validade uma fórmula que o estu-
dante já encontrou anteriormente. O resultado correspondente para as
progressões aritméticas será proposto como exercício no fim da secção
(exercício I.2.1).

I.2.4 (Soma de 8 termos de uma progressão geométrica) Lembremos que uma


progressão geométrica de razão < com 8 termos é uma sequência de 8
números tal que cada um, a partir do segundo, se obtenha a partir do anterior
multiplicando-o pela razão <. Sendo + o primeiro termo da progressão
geométrica, os termos desta progressão são assim
+ ß +< ß +<# ß á ß +<8" .
28 Cap. I. Números reais e limites

Vamos justificar por indução a fórmulaß que o estudante já encontrouß para a


soma dos termos de uma tal progressão, válida apenas no caso em que < Á ":
+Ð"  <8 Ñ
+  +<  +<#  â  +<8" œ .
"<
Dem: Para 8 œ " obtemos a igualdade + œ +Ð"<Ñ"< , que é claramente
34
verdadeira. Suponhamos que a igualdade é verdadeira quando 8 toma um
certo valor particular :, isto é, que
+Ð"  <: Ñ
+  +<  +<#  â  +<:" œ .
"<
Examinando então o caso em que 8 œ :  ", verificamos que
+  +<  +<#  â  +<: œ Ð+  +<  +<#  â  +<:" Ñ  +<: œ
+Ð"  <: Ñ +<: Ð"  <Ñ +  +<:  +<:  +<:"
œ  œ œ
"< "< "<
:"
+Ð"  < Ñ
œ ,
"<
o que mostra que a igualdade é também verdadeira para 8 œ :  ". 

É talvez oportuno fazer a observação de que o método de indução é um


método de demonstração e não um método de descoberta. Basta, por
exemplo, reparar no que aconteceria se não conhecêssemos a fórmula que
acabámos de justificar e alguém nos propusesse: “Tente encontrar por
indução uma fórmula para a soma dos termos de uma progressão geomé-
trica”… Na prática o que se costuma passar é que se chega a uma
conjetura (afirmação que não se tem a certeza que seja verdadeira)
utilizando experiências ou raciocínios de validade duvidosa e posterior-
mente tenta-se provar que a conjetura é verdadeira utilizado o método de
indução. Apresentamos a seguir mais um exemplo de aplicação do método
de indução, para justificar uma desigualdade que será aplicada mais que
uma vez mais adiante.

I.2.5 (Desigualdade de Bernouilli) Sejam 8 um número natural e B um número


real tal que B ". 35 Tem-se então
Ð"  BÑ8 "  8B.

Dem: Para 8 œ ", a desigualdade toma a forma "  B "  B, que é


verdadeira como igualdade. Suponhamos agora (hipótese de indução) que a

34Para 8 œ ! a fórmula também é válida se interpretarmos uma soma de zero parcelas


como sendo !.
35O número real pode assim ser estritamente positivo, nulo ou estritamente negativo,
mas, neste último caso, sem “descer” abaixo de ".
§2. O método de indução matemática e aplicações 29

desigualdade é verdadeira quando 8 toma um valor particular : natural, isto


é, que se tem
Ð"  BÑ: "  :B.
Podemos então escrever, reparando que "  B ! por ser B ",
Ð"  BÑ:" œ Ð"  BÑ: ‚ Ð"  BÑ Ð"  :BÑ ‚ Ð"  BÑ œ
œ "  B  :B  :B# "  Ð:  "ÑB,

em que, na última desigualdade, se atendeu ao facto de um quadrado de um


número real ser sempre maior ou igual a !. Concluímos assim que a
desigualdade é também verdadeira quando 8 toma o valor :  ", o que
termina a demonstração por indução. 
I.2.6 (Variante do método de indução matemática) O método de indução
matemática, que estudámos nesta secção, é utilizado para justificar que certas
afirmações que dependem de um número natural 8 são válidas para todos os
valores naturais de 8. Por vezes é cómodo utilizar uma pequena variante
deste método em que o que se pretende é mostrar que, dado um inteiro 8!
(positivo ou não) uma propriedade é válida para todos os inteiros 8 tais que
8 8! . Para isso, como primeiro passo, mostra-se que a propriedade é válida
quando 8 toma o valor 8! e, como segundo passo, mostra-se que, sempre que
a propriedade é válida quando 8 toma um certo valor : 8! , então ela é
também válida quando 8 toma o valor :  ". A diferença relativamente à
formulação original é apenas que agora se “começa” em 8! em vez de
“começar” em ". A justificação intuitiva desta variante é totalmente análoga
à da formulação original (que corresponde, aliás ao caso 8! œ " da variante).

Apresentamos a seguir três exemplos de utilização desta variante do


método de indução.

I.2.7 (Desigualdade de Bernouilli estrita) Sejam 8 # um número natural e


B Á ! um número real tal que B ". Tem-se então
Ð"  BÑ8  "  8B.

Dem: Para 8 œ #, a desigualdade toma a forma Ð"  BÑ#  "  #B e resulta


de se ter Ð"  BÑ# œ "  #B  B# , onde B#  !, por estarmos a supor B Á !.
Suponhamos agora (hipótese de indução) que a desigualdade é verdadeira
quando 8 toma um valor particular : #, isto é, que se tem
Ð"  BÑ:  "  :B.
Podemos então escrever, reparando que "  B ! por ser B ",
30 Cap. I. Números reais e limites

Ð"  BÑ:" œ Ð"  BÑ: ‚ Ð"  BÑ Ð"  :BÑ ‚ Ð"  BÑ œ


œ "  B  :B  :B#  "  Ð:  "ÑB,
em que, na última desigualdade, se atendeu ao facto de um quadrado de um
número real B Á ! ser sempre maior que !. Concluímos assim que a desi-
gualdade é também verdadeira quando 8 toma o valor :  ", o que termina a
demonstração por indução. 
I.2.8 Lembremos que o fatorial 8x de um número natural 8 é o produto de todos
os números naturais desde " até 8, tendo-se, em particular, "x œ " e fazen-
do-se também a convenção !x œ ". Vamos mostrar que, para cada inteiro
8 $, é válida a desigualdade

Ÿ ‚Š ‹ .
$8 * $ 8$
(1)
8x # %
Dem: Como primeiro passo, reparamos que, para 8 œ $, tem-se

œ œ ‚Š ‹
$$ $‚$‚$ * * $ $$
œ
$x "‚#‚$ # # %
pelo que a desigualdade é válida, como igualdade. Suponhamos agora que a
desigualdade enunciada é válida quando se substitui 8 por um certo : $.
Podemos então escrever

Ÿ ‚Š ‹ ‚ œ ‚Š ‹
$:" $: $ * $ :$ $ * $ Ð:"Ñ$
œ ‚ ,
Ð:  "Ñx :x :" # % % # %
o que mostra que a desigualdade é também válida quando se substitui 8 por
:  ". Ficou assim demonstrado por indução que a desigualdade é verdadeira
para todo o 8 %. 
I.2.9 A propriedade envolvendo o módulo do produto e da soma de dois
números reais referida em I.1.19, pode ser estendida para o caso em que
temos 8 # números B" ß B# ß á ß B8 :
lB" ‚ B# ‚ â ‚ B8 l œ lB" l ‚ lB# l ‚ â ‚ lB8 l,
lB"  B#  â  B8 l Ÿ lB" l  lB# l  â  lB8 l.

Dem: O caso em que 8 œ # é a propriedade referida. Supondo a propriedade


verdadeira no caso em que 8 œ : #, vemos que, no caso em que
8 œ :  ",
lB" ‚ B# ‚ â ‚ B:" l œ lB" ‚ B# ‚ â ‚ B: l ‚ lB:" l œ
œ lB" l ‚ lB# l ‚ â ‚ lB: l ‚ lB:" l,
lB"  B#  â  B:" l Ÿ lB"  B#  â  B: l  lB:" l Ÿ
Ÿ lB" l  lB# l  â  lB: l  lB:" l. 
§2. O método de indução matemática e aplicações 31

Exercícios

Ex I.2.1 (Soma de 8 termos de uma progressão aritmética) Lembremos que


uma progressão aritmética de razão < com 8 termos é uma sequência de 8
números tal que cada um, a partir do segundo, se obtenha a partir do anterior
somando-lhe a razão <. Sendo + o primeiro termo da progressão aritmética,
os termos desta progressão são assim
+ ß +  < ß +  #< ß á ß +  Ð8  "Ñ<.
Mostrar por indução a seguinte fórmula para a soma dos termos de uma tal
progressão:
8Ð8  "Ñ 36
+  Ð+  <Ñ  Ð+  #<Ñ  â  Ð+  Ð8  "Ñ<Ñ œ 8+  <.
#

æ Ex I.2.2 Recordámos em I.1.2 a noção de potência de expoente natural assim


como as propriedades básicas das potências. Demonstrar por indução cada
uma das três primeiras propriedades enunciadas, verificando, em particular,
onde intervieram as propriedades associativa e comutativa da multiplicação,
e aproveitar para provar, a partir destas, as outras duas propriedades que
foram enunciadas a seguir (esta última parte já não utiliza o método de
indução). Sugestão: Nas propriedades em que intervêm dois naturais 7 e 8,
considerar 7 fixado e aplicar o método de indução à variável 8.
Ex I.2.3 Mostrar que, para cada número natural 8,
#8$  $8#  8
"#  ##  â  8# œ .
'

Ex I.2.4 Mostrar que, se 8 ! é inteiro, então #8 8  ".


Ex I.2.5 Mostrar que, se B ! e 8 é um número natural, então
8Ð8  "Ñ #
Ð"  BÑ8 "  8B  B .
#

36Reparar que a expressão no segundo membro é igual à soma do primeiro com o último
termo, multiplicada por metade do número de termos. A caracterização da soma deste
último modo é atribuída a Gauss que, com 7 anos de idade, a teria utilizado na escola para
calcular a soma dos números naturais de " a "!!.
32 Cap. I. Números reais e limites

Ex I.2.6 Mostrar que, para cada número natural 8,


" " " "
 # â # Ÿ#
"# # 8 8
e deduzir que se tem também
" " "
 #  â  # Ÿ #.
"# # 8
Será que se consegue demonstrar diretamente, por indução, esta última desi-
gualdade?
æ Ex I.2.7 (Binómio de Newton) Sendo B e C números reais, demonstrar por
indução que, para cada natural 8,
ÐB  CÑ8 œ 8G! B8 C!  8G" B8" C"  8G# B8# C#  â  8G8# B# C8# 
 8G8" B" C8"  8G8 B! C8 ,

onde 8G: denota o número de combinações de 8 elementos tomados : a :,

8 8x
G: œ .
:xÐ8  :Ñx

§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas.

O estudante já encontrou no ensino secundário, embora de forma super-


ficial, a noção de limite de uma função num ponto e terá possivelmente
reparado que, de facto, essa noção engloba uma enumeração de nove
casos diferentes, conforme o limite seja um número real, _ ou _ e
conforme o ponto relativamente ao qual se considera o limite seja um
número real, _ ou _. Para evitarmos perder tempo a examinar sepa-
radamente todos esses casos e para descobrirmos o que há de comum a
todos eles, convirá considerar um conjunto que contenha, além dos
números reais, mais dois elementos designados por _ e _ e
examinar quais as noções que estamos habituados a considerar no
contexto dos números reais que podem ser tratadas de modo análogo neste
contexto mais estendido.

I.3.1 Vamos notar ‘ um conjunto cujos elementos são os números reais e mais
dois, que notamos _ e _ e chamamos respetivamente mais infinito e
menos infinito. Aos elementos de ‘ chamamos números reais estendidos e a
‘ é frequente dar o nome de reta estendida. A relação de ordem  pode ser
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 33

naturalmente prolongada ao contexto dos números reais estendidos pondo,


por definição _  _ e, para cada número real B, _  B e B  _
como únicas relações envolvendo os infinitos. É muito fácil constatar que as
propriedades transitiva e tricotómica (cf. I.1.3) continuam a ser válidas no
contexto dos números reis estendidos. Tendo em conta a validade destas
propriedades, faz todo o sentido adaptar trivialmente ao contexto de ‘ os
conceitos ligados à ordenação que examinámos em I.1.6, I.1.7 e I.1.8 no
contexto de ‘, nomeadamente:
a) Os conceitos de máximo e de mínimo para um conjunto E § ‘, máximos
e mínimos que podem em cada caso existir ou não mas, quando existirem,
são únicos. É claro que, quando E § ‘, tem-se também E § ‘ e ser máximo
ou mínimo de E no contexto de ‘ é exatamente o mesmo que ser máximo ou
mínimo de E no contexto de ‘Þ Repare-se que o conjunto total ‘ tem _
como máximo e _ como mínimo.
b) Os conceitos de majorante e de minorante de um conjunto. É claro que,
para um conjunto E § ‘ e um número real +, dizer que + é um majorante ou
um minorante de E no contexto de ‘ é o mesmo que dizer que o é no
contexto de ‘. Como no contexto dos números reais, todo o real estendido
maior que um majorante de E é também majorante de E e todo o real
estendido menor que um minorante de E é ainda minorante de E. Note-se
que, apesar de fazerem sentido, as noções de conjunto majorado e de
conjunto minorado no contexto de ‘ são totalmente inúteis já que, para
qualquer conjunto E § ‘, _ é um majorante de E e _ é um minorante
de E, em particular E é majorado e minorado no contexto de ‘. Por este
motivo, quando nos referirmos a um conjunto como sendo majorado,
minorado ou limitado, esse conjunto estará sempre contido em ‘ e será no
contexto de ‘ que essa referência será implicitamente considerada.
c) Os conceitos de supremo e de ínfimo de um conjunto E § ‘ continuam a
fazer sentido, sendo, como antes, respetivamente o menor dos majorantes e o
maior dos minorantes. Relativamente a estes conceitos poderíamos ser
levados a pensar na necessidade de sermos mais cuidadosos, no caso dos
subconjuntos de ‘, quanto às relações com a correspondentes noções no
contexto de ‘, já que, no contexto de ‘, temos o elemento _ como novo
majorante e o elemento _ como novo minorante. Vamos ver imedia-
tamente a seguir que, não só não aparece nenhuma confusão, como se
constata que o contexto de ‘ torna a situação muito mais simples de
descrever.
I.3.2 (O supremo e o ínfimo no contexto de ‘) Lembremos que, no contexto
de ‘, os conjuntos que têm supremo são aqueles que são majorados e não
vazios e os que têm ínfimo são aqueles que são minorados e não vazios.
Vamos verificar que, quando nos colocamos no contexto de ‘, não há
necessidade de admitir exceções e todos os subconjuntos de ‘ vão ter
supremo e ínfimo, que poderão naturalmente ser infinitos.
a) Comecemos por examinar o caso do conjunto vazio g. Analogamente ao
34 Cap. I. Números reais e limites

que referimos em I.1.9, todos os reais estendidos vão ser majorantes do


conjunto vazio, mas agora já é possível considerar o menor dos majorantes
que é _. Podemos assim dizer que o supremo do conjunto vazio é _.
Do mesmo modo se verifica que o ínfimo do conjunto vazio é _, já que
todos os reais estendidos são minorantes do conjunto vazio, e portanto o
maior deles é _.37
b) Se E § ‘ é um conjunto que não admita nenhum majorante finito (em
particular, se E § ‘ é um conjunto não majorado), então _ é o único
majorante de E e portanto o seu supremo. Do mesmo modo, se E § ‘ é um
conjunto que não admita nenhum minorante real (em particular, se E § ‘ é
um conjunto não minorado), então _ é o único minorante de E e portanto
o seu ínfimo.
c) Suponhamos agora que E § ‘ é um conjunto majorado e não vazio,
portanto que E admite um supremo, notado supÐEÑ no contexto dos números
reais estendidos. Uma vez que os majorantes de E no contexto de ‘ são os
majorantes de E no contexto de ‘ e mais o _, concluímos que supÐEÑ é
também o menor dos majorantes de E no contexto de ‘, ou seja supÐEÑ é
também supremo de E no contexto de ‘. Analogamente, se E § ‘ é
minorado e não vazio, o ínfimo infÐEÑ de E no contexto de ‘ é também
ínfimo de E no contexto de ‘.
d) Relativamente ao supremo, os únicos conjuntos E contidos em ‘ para os
quais ainda não verificámos a sua existência são aqueles que, admitindo um
majorante finito, não estão contidos em ‘, em particular contêm _ mas
não contêm _. Ora, para um tal conjunto E, podemos considerar o
conjunto E Ï Ö_×, que se obtém retirando-lhe o _, que já está contido
em ‘ e majorado. Uma vez que E e E Ï Ö_× têm claramente os mesmos
majorantes, vemos que o supremo de E Ï Ö_× no contexto de ‘, que já
sabemos existir, é também supremo de E. Analogamente, para um conjunto
E § ‘ que não está contido em ‘ mas admite um minorante finito, em
particular contém _ mas não contém _, o conjunto E também tem
ínfimo, no contexto de ‘, o qual coincide com o ínfimo de E Ï Ö_×.
Tendo em conta o que referimos anteriormente, todos os subconjuntos E de
‘ admitem um supremo e um ínfimo, que tal como referimos em I.1.8, serão
notados supÐEÑ e infÐEÑ respetivamente. Repare-se que não há lugar a
confusão ligada à utilização da mesma notação nos dois contextos uma vez
que, como foi referido, quando o supremo ou o ínfimo existem no contexto
de ‘, eles coincidem com o supremo e o ínfimo no contexto de ‘.

37Á primeira vista pode parecer um pouco chocante que o ínfimo do conjunto vazio seja
maior que o respetivo supremo, quando a nossa intuição nos aponta para o supremo dum
conjunto E ser necessariamente maior ou igual ao seu ínfimo. No entanto, se pensarmos
um pouco, realizamos que o único modo que temos para justificar este último facto passa
por fixar um elemento + em E e reparar que esse elemento tem que ser maior ou igual ao
ínfimo e menor ou igual ao supremo. Este raciocínio não é evidentemente possível no
caso do conjunto vazio.
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 35

I.3.3 Sejam E § F § ‘. Tem-se então:


supÐEÑ Ÿ supÐFÑ, infÐEÑ infÐFÑ.

Dem: Como supÐFÑ é um majorante de F , supÐFÑ é também um majorante


de E. Tem-se assim supÐEÑ Ÿ supÐFÑ, por supÐEÑ ser o menor dos
majorantes de E. A segunda desigualdade tem uma justificação análoga. 
I.3.4 O significado da expressão “estar entre” no contexto de ‘ é uma adptação
evidente do significado desta expressão no contexto de ‘, referido em I.1.4.
Repare-se que continua a ser verdade que, se B e C são reais estendidos
diferentes, então existe um número real D que está entre B e C . Com efeito,
isso já foi verificado em I.1.4 no caso em que B e C são finitos (através da
consideração da média aritmética de B e C ) e para completar a validade da
afirmação nos restantes casos basta reparar que ! está entre _ e _ e que,
dado B finito, o real B  " está entre B e _ e o real B  " está entre B e
_.

Para além da importância que vão ter na unificação dos diferentes casos
em que se pode considerar a noção de limite, a consideração do contexto
dos reais estendidos permite simplificar o estudo dos intervalos, cuja
definição na alínea e) de I.1.5 obrigava a considerar nove tipos distintos
de intervalos.

I.3.5 Chamam-se intervalos de ‘ aos conjuntos de um dos tipos


Ò+ß ,Ó œ ÖB − ‘ ± + Ÿ B Ÿ ,×,
Ò+ß ,Ò œ ÖB − ‘ ± + Ÿ B  ,×,
Ó+ß ,Ó œ ÖB − ‘ ± +  B Ÿ ,×,
Ó+ß ,Ò œ ÖB − ‘ ± +  B  ,×,

onde + e , são reais estendidos (as extremidades esquerda e direita).


Observe-se que, um intervalo do primeiro tipo é vazio se, e só se, +  , e
que um intervalo dos outros três tipos são vazios se, e só se, + , . Obser-
ve-se também que os intervalos de ‘, defnidos em I.1.5, são exatamente os
intervalos de ‘ que estão contidos em ‘. Como antes, um intervalo diz-se
não trivial quando +  ,, isto é, quando tem mais que um elemento.
I.3.6 (Propriedade de convexidade dos intervalos) Se um conjunto E § ‘ for
um intervalo de qualquer dos quatro tipos, então E tem claramente a seguinte
propriedade de convexidade, que decorre da propriedade transitiva da
relação de ordem:
Se os reais estendidos B Á C pertencem a E, então todos os reais que estão
entre B e C também pertencem a E.
I.3.7 Para um intervalo de ‘ que não seja vazio é muito fácil identificar os seus
supremo e ínfimo que vão ser respetivamente as extremidades direita e
36 Cap. I. Números reais e limites

esquerda. Mais precisamente:


a) Se + Ÿ , , o intervalo Ò+ß ,Ó tem claramente máximo , e mínimo + que são,
em particular, respetivamente o seu supremo e o seu ínfimo.
b) Se +  , , o intervalo Ò+ß ,Ò tem claramente mínimo +, que é também, em
particular, o seu ínfimo, e tem supremo , (que não é máximo). Com efeito, ,
é um majorante e o facto de , ser o menor dos majorantes resulta de que, se
, w  , tem-se maxÖ+ß ,w ×  , e portanto sabemos existir B entre maxÖ+ß ,w × e
, , real esse que vai ser assim um elemento de E maior que ,w , o que nos per-
mite concluir que , w não é majorante de E.
c) De modo análogo, vemos que, se +  , , o intervalo Ó+ß ,Ó tem máximo ,,
que é também, em particular, o seu supremo, e tem ínfimo + (que não é
mínimo).
d) Ainda de modo análogo, vemos que, se +  , , o intervalo Ó+ß ,Ò não tem
máximo nem mínimo mas tem , como supremo e + como ínfimo.
I.3.8 (A propriedade de convexidade caracteriza os intervalos) Suponhamos
que um conjunto E § ‘ possui a propriedade de convexidade referida em
I.3.6, isto é que, sempre que B Á C em E, todos os números reais entre B e C
estão também em E. O conjunto E é então necessariamente um intervalo.
Dem: Sejam , − ‘ e + − ‘ respetivamente o supremo e o ínfimo do
conjunto E. Uma vez que, para cada B − E, tam-se B Ÿ , e + Ÿ B,
concluímos que E § Ò+ß ,Ó. Vamos agora verificar que se tem necessaria-
mente Ó+ß ,Ò § E. Para isso consideramos C − Ó+ß ,Ò arbitrário. Uma vez que
C  ,, C não pode ser majorante de E e portanto existe D − E tal que C  D .
Do mesmo modo, uma vez que C  +, C não pode ser minorante de E e
portanto existe B − E tal que B  C. Verificámos assim que C está entre os
elementos B e D de E pelo que, pela propriedade de convexidade, C − E.
Ficou assim provado que Ó+ß ,Ò § E. É agora imediato constatar que, por
termos as inclusões
Ó+ß ,Ò § E § Ò+ß ,Ó,
os únicos reais estendidos que não sabemos se pertencem ou não a E são + e
, e, conforme cada um deles pertença ou não, E é necessariamente um dos
intervalos Ò+ß ,Ó, Ò+ß ,Ò, Ó+ß ,Ó ou Ó+ß ,Ò. 

Vamos agora examinar no contexto de ‘ a primeira noção topológica que


será estudada neste curso, a de ponto aderente a um conjunto. Esta noção
vai ser muito importante em várias situações, por exemplo quando estu-
darmos a noção de limite de uma função ou de uma sucessão (esta última
também uma noção topológica). A palavra “topológica” possui a raiz
“topo” de origem grega que está ligada à ideia de lugar e é utilizada em
Matemática em situações em que intervém a noção de proximidade.
Começamos por examinar a noção de proximidade de um número real e
definimos em seguida o que significa estar próximo de _ ou de _.
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 37

I.3.9 Consideremos um número real $  !. Diz-se que um número real B está


$-próximo de um número real + (ou que está próximo de + com $ como
critério de proximidade) se a distância .ÐBß +Ñ, definida em I.1.21, for menor
que $ . Tendo em conta o que vimos em I.1.23, dizer que B é $ -próximo de +
é o mesmo que dizer que
B − Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò,
onde Z$ Ð+Ñ é o que chamámos a vizinhança-$ de +.

Devemos reparar que “estar próximo de” não é um conceito absoluto, mas
que só faz sentido se se estiver a considerar um “critério de proximidade”,
isto é um número real $  !. Por exemplo, por mais que apeteça dizer que
"
"ß !!!" œ " 
"!!!!
está próximo de ", isso não será verdade se o critério de proximidade
considerado corresponder a $ œ "Î#!!!!, mas já será verdade se a
escolha corresponder a $ œ "Î"!!. Analogamente, por mais que isso nos
pareça falso, ( está próximo de " se a escolha do critério de proximidade
corresponder a $ œ #!.

I.3.10 (Propriedades elementares da proximidade de um número real)


a) Quanto menor for o real $  !, mais exigente é o correspondente critério
de proximidade de +, por outras palavras, se !  &  $ , todo o número real
&-próximo de + também é $ -próximo de +, ou ainda Z& Ð+Ñ § Z$ Ð+Ñ.
b) Por mais exigentes que sejamos, isto é, por menor que seja o real $  !, o
próprio + está sempre próximo de +. Ou seja, para cada $  !, + − Z$ Ð+Ñ.
c) Nenhum número real B diferente de + está arbitrariamente próximo de +.
Ou seja, se B Á +, podemos considerar um critério de proximidade para o
qual B não esteja próximo de +, ou ainda, existe $  ! tal que B Â Z$ Ð+Ñ.
Para o constatarmos, basta reparar que, se B  +, podemos tomar $ œ B  +
e que, se B  +, podemos tomar $ œ +  B visto que, no primeiro caso,
Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò œ Ó+  $ ß BÒ
e, no segundo caso,
Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò œ ÓBß +  $ Ò.

I.3.11 (As vizinhanças-$ de _ e de _) O facto de não sabermos que


significado dar à distância de um número real a _ ou a _ impede-nos de
definir o conceito de proximidade dos pontos infinitos em termos de distân-
cia. Fazemo-lo assim definindo diretamente as vizinhanças-$ , tendo como
objetivo que as propriedades análogas às enunciadas nas alíneas a), b) e c) de
I.3.10 continuem a ser verificadas.
Consideremos um número real $  !. Definem-se então as vizinhanças-$ de
38 Cap. I. Números reais e limites

_ e de _ como sendo respetivamente os intervalos


" "
Z$ Ð_Ñ œ Ó ß _Ó, Z$ Ð_Ñ œ Ò_ß  Ò,
$ $

e dizemos que B − ‘ está $-próximo de _ (respetivamente, de _), ou


que B está próximo de _ (respetivamente de _) com $ como critério de
proximidade quando se tem B − Z$ Ð_Ñ (respetivamente B − Z$ Ð_Ñ).

Reparemos que, ao contrário do que sucede com a proximidade de um


número real, situação em que dizer que B está $ -próximo de + é o mesmo
que dizer que + está $ -próximo de B (em ambos os casos estamos a
afirmar que a distância dos dois números reais é menor que $ ), dizer que
um número real B está $ -próximo de _ ou de _ não é o mesmo que
dizer que _ ou _ está $ -próximo de B, situação esta que aliás nunca
se verifica. Esta falta de simetria resulta de as vizinhanças dos pontos
infinitos não terem sido definidas a partir da noção de distância.

I.3.12 (Propriedades elementares da proximidade dos infinitos)


a) Quanto menor for o número real $  !, mais exigente são os correspon-
dentes critérios de proximidade de de _ e de _, por outras palavras, se
!  &  $ , todo o real estendido &-próximo de _ (respetivamente de _)
é também é $ -próximo de _ (respetivamente de _), ou ainda
Z& Ð_Ñ § Z$ Ð_Ñ, Z& Ð_Ñ § Z$ Ð_Ñ.

Basta, com efeito, repararmos que, sendo &  $ , vem "&  "$ e  "&   "$ .
b) Por mais exigentes que sejamos, isto é, por menor que seja o real $  !,
_ está próximo de _ e _ está próximo de _. Por outras palavras,
para cada $  !, _ − Z$ Ð_Ñ e _ − Z$ Ð_Ñ.
c) Nenhum real estendido B diferente de _ (respetivamente diferente de
_) está arbitrariamente próximo de _ (respetivamente de _). Por
outras palavras, sempre que B Á _ (respetivamente B Á _), podemos
considerar um critério de proximidade para o qual B não esteja próximo de
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 39

_ (respetivamente de _), ou ainda, existe $  ! tal que B Â Z$ Ð_Ñ


(respetivamente B Â Z$ Ð_Ñ).
Para o constatarmos, reparamos que, por um lado, _ e os reais menores ou
iguais a ! não pertencem a nenhuma vizinhança de _ e _ e os números
reais maiores ou iguais a ! não pertencem a nenhuma vizinhança de _ e,
por outro lado, que para cada real B  ! podemos considerar $ œ B"  !,
para o qual
B  ÓBß _Ó œ Z$ Ð_Ñ,

e que para cada B  ! podemos considerar $ œ  B"  !, para o qual


B  Ò_ß BÒ œ Z$ Ð_Ñ.

I.3.13 (Propriedade de Hausdorff das vizinhanças) Sejam +  , dois reais


estendidos, cada um deles finito ou infinito. Pode então fixar-se um critério
de proximidade, isto é um real $  !, tal que se tenha B  C, para cada
B − Z$ Ð+Ñ e C − Z$ Ð,Ñ, em particular tal que não exista nenhum real esten-
dido simultaneamente $ -próximo de + e de ,, ou seja tal que as vizinhanças
Z$ Ð+Ñ e Z$ Ð,Ñ não tenham nenhum elemento comum.
Dem: Tendo em conta o que foi referido em I.3.4, podemos considerar um
número real - tal que +  -  ,. Pelo que vimos nas alíneas c) de I.3.10 ou
I.3.12 (conforme o ponto seja finito ou infinito) podemos considerar critérios
de proximidade $ w e $ ww tais que - Â Z$ w Ð+Ñ e - Â Z$ ww Ð,Ñ. Uma vez que as
vizinhanças são sempre intervalos, a propriedade de convexidade dos
intervalos referida em I.3.6 garante que todos os elementos B de Z$ w Ð+Ñ são
menores que - (senão - estaria entre + e B e portanto pertenceria a Z$ w Ð+Ñ) e
que todos os elementos C de Z$ ww Ð,Ñ são maiores que - (senão - estaria entre C
e , e portanto pertenceria a Z$ ww Ð,Ñ). Concluímos daqui que B  C, para cada
B − Z$ Ð+Ñ e C − Z$ Ð,Ñ, em particular que Z$ w Ð+Ñ e Z$ ww Ð,Ñ não podem ter
elementos comuns. Uma vez que no enunciado referimos o mesmo critério de
proximidade para + e para ,, para terminar a demonstração basta reparar que,
se chamarmos $ ao menor dos dois números $ w e $ ww , tem-se $  ! e as
vizinhanças Z$ Ð+Ñ e Z$ Ð,Ñ verificam trivialmente as propriedades pedidas,
por estarem contidas nas vizinhanças Z$ w Ð+Ñ e Z$ ww Ð,Ñ (uma delas é mesmo
igual). 
I.3.14 (Pontos aderentes a um conjunto) Consideremos um conjunto E § ‘ e
um real estendido + − ‘. Diz-se que + é um ponto aderente a E (ou
simplesmente que + é aderente a E) se o conjunto E tiver elementos tão
próximos quanto se queira de +, isto é, se, qualquer que seja o critério de
proximidade $  !, existe pelo menos um ponto B − E que esteja $ -próximo
de +, por outras palavras, tal que B − Z$ Ð+Ñ.38

38Repare-se que, em geral, o ponto B − E que conseguimos encontrar $ -próximo de + vai


depender da exigência de proximidade $ . Não estamos, de modo nenhum, a exigir que
40 Cap. I. Números reais e limites

A noção de ponto aderente, como outras noções topológicas que serão


estudadas adiante, pode ser olhada intuitivamente no contexto de um jogo:
O primeiro jogador faz a sua jogada escolhendo um número real $  ! e o
segundo jogador responde escolhendo um elemento B − E, ganhando o
jogo se B estiver $ -próximo de + e perdendo-o caso contrário39. O ponto +
é assim aderente a E no caso em que o segundo jogador tem uma
estratégia que lhe permita ganhar seja qual for a jogada que o primeiro
jogador tenha feito e não é aderente no caso em que o primeiro jogador
tem uma possibilidade de jogar que não deixa o segundo jogador ganhar.

I.3.15 (Propriedades elementares da noção de ponto aderente)


a) O conjunto vazio g não tem pontos aderentes.
b) Se E § ‘ a + − E, então + é aderente a E.
c) Se E § F § ‘ e + − ‘ é aderente a E, então + é também aderente a F .
d) Dados dois conjuntos E § ‘ e F § ‘, um ponto + − ‘ é aderente à
união E  F se, e só se, + for aderente a pelo menos um daqueles dois
conjuntos.
Dem: A conclusão de a) resulta de que o conjunto vazio, não tem elementos,
em particular não pode ter elementos em nenhum vizinhança Z$ Ð+Ñ. A
conclusão de b) resulta de que, se + − E, para cada vizinhança Z$ Ð+Ñ pode-se
escolher o próprio + como ponto da vizinhança que pertence a E.40 Quanto a
c), sendo + aderente a E, então + é também aderente a F uma vez que, para
cada $  !, um elemento de E em Z$ Ð+Ñ é, em particular, um elemento de F
nesta vizinhança. Debrucemo-nos enfim sobre o que é afirmado em d). Em
primeiro lugar, e uma vez que E  F contém qualquer dos conjuntos E e F ,
resulta de c) que se + for aderente a algum destes dois conjuntos então + é
também aderente a E  F . Resta-nos mostrar que, se + é aderente a E  F ,
então + tem que ser aderente a E ou aderente a F , o que é o mesmo que dizer
que, se + não for aderente nem a E nem a F , então + também não é aderente
a E  F .41 Ora, se + não é aderente nem a E nem a F , quer dizer que se
pode considerar critérios de proximidade $ w  ! e $ ww  ! (que a priori
podem ser distintos) tais que em Z$ w Ð+Ñ não existam elementos de E e em
Z$ ww Ð+Ñ não existam elementos de F . Se chamarmos $ ao menor dos dois
números $ w e $ ww , número que é maior que ! e menor ou igual tanto a $ w como

exista um elemento de E que esteja simultaneamente $ -próximo de + para todo o $  !


(lembrando o que se referiu nas alíneas b) e c) de I.3.10 e de I.3.12, essa exigência só será
possível no caso em que + − E, caso em que podemos escolher para B o próprio +).
39A jogada do primeiro jogador é assim tanto melhor quanto menor for o $  ! que ele
escolhe mas o problema para ele é que não existe uma jogada que seja melhor que todas
as outras.
40Na linguagem do jogo, referida atrás, este é um caso em que o segundo jogador conse-
gue ganhar sem precisar sequer de conhecer a jogada do primeiro jogador.
41É o método de reciocínio a que se dá o nome de “passagem ao contrarrecíproco” que
diz que, para mostrar que, se um proposição é verdadeira então uma segunda também o é,
basta provar que, se a segunda é falsa, então a primeira é também falsa.
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 41

a $ ww , o facto de a vizinhança Z$ Ð+Ñ estar contida tanto em Z$ w Ð+Ñ como em


Z$ ww Ð+Ñ mostra que esta vizinhança não pode ter elementos de E nem de F , e
portanto não pode ter elementos de E  F . Provámos assim que + não é
aderente a E  F . 
I.3.16 (Corolário) Dado um número finito de conjuntos E" ß E# ß á ß E8 contidos
em ‘, onde 8 − , e sendo E œ E"  E#  â  E8 o conjunto dos pontos
B − ‘ que pertencem a pelo menos um daqueles conjuntos, um ponto + − ‘
é aderente a E se, e só se + for aderente a pelo menos um daqueles conjuntos.
Dem: Como antes, o facto de cada um dos conjuntos estar contido na união
E implica que se + é aderente a pelo menos um dos conjuntos, então + é
aderente a E. Justificamos a recíproca por indução em 8, começando por
reparar que, para 8 œ " a afirmação resulta de se ter E œ E" . Suponhamos a
afirmação verdadeira quando 8 œ : e vejamos o que se pode dizer quando
8 œ :  ", isto é, quando tivermos E œ E"  â  E:  E:" e + for
aderente a E. Ora, uma vez que se tem também
E œ ÐE"  â  E: Ñ  E:" ,

deduzimos da alínea d) de I.3.15 que + é aderente a E:" ou + é aderente a


E"  â  E: e neste último caso, pela hipótese de indução, + é aderente a
pelo menos um dos conjuntos E" ß á ß E: . 
I.3.17 (Corolário) Se E § ‘ é um conjunto finito, então os únicos pontos ade-
rentes a E são os elementos pertencentes a E.
Dem: Começamos por reparar que o resultado é verdadeiro no caso em que
E tem um único elemento, portanto E œ Ö,×.42 Ora, se +  Ö,×, isto é,
+ Á ,, já verificámos nas alíneas c) de I.3.10 e de I.3.12 a existência de
$  ! tal que , não pertença a Z$ Ð+Ñ, e portanto Z$ Ð+Ñ não tenha elementos
de Ö,×, o que mostra que + não é aderente a Ö,×.43 No caso em que E tem
um número 8 # de elementos, podemos escrever
E œ Ö+" ß +# ß á ß +8 × œ Ö+" ×  Ö+# ×  âÖ+8 ×
pelo que, se + é aderente a E, então + é aderente a um destes 8 conjuntos
unitários, e portanto + é um dos elementos +" ß +# ß á ß +8 . 

Pelo contrário, para um conjunto infinito já pode acontecer que existam


pontos aderentes que não lhe pertençam. O próximo resultado mostra que
se, por exemplo, ele não tiver máximo o supremo é um ponto nessas
condições.

42Reparemos que o caso em que E é vazio já é conhecido da alínea a) de I.3.15.


43Utilizámos, mais uma vez, o método de passagem ao contrarrecíproco.
42 Cap. I. Números reais e limites

I.3.18 Seja E § ‘ um conjunto não vazio. Tem-se então que o supremo supÐEÑ
e o ínfimo infÐEÑ são pontos aderentes a E.44
Dem: Vamos provar apenas que supÐEÑ é aderente a E, uma vez que a prova
de que o mesmo acontece com infÐEÑ é uma adaptação evidente da que
vamos apresentar. Vamos dividir a prova em três partes, conforme o tipo de
elemento de ‘ que o supremo é.
1) Se supÐEÑ œ _, então E não pode ter nenhum elemento maior que _
e portanto, por E não ser vazio, tem-se _ − E, o que implica que _ é
aderente a E.
2) Suponhamos que supÐEÑ œ _. Seja $  ! um critério de proximidade
arbitrário. Uma vez que "$ é menor que o supremo de E, $" não pode ser
majorante de E e portanto existe B − E tal que B  "$ , ou seja tal que
B − Ó "$ ß _Ó œ Z$ Ð_Ñ. Ficou assim provado que _ é aderente a E.
3) Suponhamos enfim que supÐEÑ œ , é finito. Seja $  ! um critério de
proximidade arbitrário. Uma vez que ,  $ é menor que o supremo de E,
,  $ não pode ser majorante de E e portanto existe B − E tal que
B  ,  $; uma vez que , é majorante de E vemos que, por outro lado, tem
que ser B Ÿ ,  ,  $ , donde B − Ó,  $ ß ,  $ Ò œ Z$ Ð,Ñ. Ficou assim
provado que , é aderente a E. 

Apesar de um conjunto não vazio E ter, em geral, outros pontos aderentes


além do supremo e do ínfimo, vamos ver que estes têm uma propriedade
especial: São respetivamente o maior e o menor dos pontos aderentes.

I.3.19 Seja E § ‘ um conjunto não vazio. Para cada - aderente a E, tem-se


então
infÐEÑ Ÿ - Ÿ supÐEÑ.

Dem: Para provar o resultado bastará mostrarmos que se ,  supÐEÑ então ,


não é aderente a E e que se +  infÐEÑ então + não é aderente a E. Como em
casos anteriores, provaremos apenas a primeira afirmação, já que a prova da
segunda pode ser obtida por uma adaptação simples da da primeira.
Suponhamos então que ,  supÐEÑ. Pelo que vimos nas alíneas c) de I.3.10
ou I.3.12 (conforme o ponto , seja finito ou infinito) podemos considerar um
critério de proximidade $  ! tal que supÐEÑ Â Z$ Ð,Ñ e, uma vez que as
vizinhanças são intervalos, a propriedade de convexidade dos intervalos
referida em I.3.6 garante que, para cada B − Z$ Ð,Ñ, B  supÐEÑ (senão
supÐEÑ estaria entre B e , ) e portanto B Â E. Provámos assim que Z$ Ð,Ñ não
tem nenhum elemento de E, o que mostra que efetivamente , não é aderente
ao conjunto E. 

44É claro que o supremo e o ínfimo do conjunto vazio não podem ser aderentes a este
conjunto, uma vez que o conjunto vazio não tem pontos aderentes. lembrar que o supremo
e o ínfimo do conjunto vazio existem e são respetivamente _ e _.
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 43

I.3.20 (Pontos aderentes a um intervalo) Seja +  , em ‘ e seja E um dos


intervalos Ò+ß ,Ó, Ò+ß ,Ò, Ó+ß ,Ó ou Ó+ß ,Ò. Tem-se então que os pontos aderentes a
E são exatamente os elementos do intervalo fechado Ò+ß ,Ó. 45
Dem: Que os elementos de Ò+ß ,Ó são todos aderentes a E resulta de a
extremidades + e , serem respetivamente o ínfimo e o supremo de E e de os
restantes elementos de Ò+ß ,Ó pertencerem a E. O facto de não existirem mais
pontos aderentes resulta de qualquer elemento de ‘ que não pertença a Ò+ß ,Ó
ser maior que , œ supÐEÑ ou menor que + œ infÐEÑ, em qualquer caso não
ser aderente a E. 
I.3.21 (Os infinitos como pontos aderentes) Seja E § ‘ um conjunto. Tem-se
então que:
a) Dizer que _ não é aderente a E é equivalente a dizer que E admite um
majorante finito.
b) Dizer que _ não é aderente a E é equivalente a dizer que E admite um
minorante finito.
c) Dizer que nem _ nem _ são aderentes a E é equivalente a dizer que
E é um subconjunto limitado de ‘.
Dem: a) Suponhamos que _ não é aderente a E. Existe assim $  ! tal
que a vizinhança Z$ Ð_Ñ œ Ó "$ ß _Ó não tenha nenhum elemento de E.
Ora, dizer que nenhum elemento de E é maior que "$ é o mesmo que dizer
que todos os elementos de E são menores ou iguais a "$ e portanto E admite
o majorante finito "$ . Suponhamos, reciprocamente, que o conjunto E admite
um majorante finito. Uma vez que qualquer número real maior que um
majorante de E é também majorante de E, concluímos que E admite um
majorante , finito e maior que !. Sendo $ œ ",  ! vem assim, para cada
B − E, B Ÿ , œ "$ , pelo que a vizinhança Z$ Ð_Ñ œ Ó $" ß _Ó não tem
nenhum elemento de E, o que mostra que _ não é aderente a E.
b) A demonstração de b) é uma adaptação evidente da demonstração que
apresentámos para a) pelo que não a explicitamos.46
c) Se E § ‘ é um conjunto limitado, então admite um majorante e um
minorante finitos e portanto, como vimos em a) e b), nem _ nem _ são
aderentes a E. Reciprocamente se nem _ nem _ são aderentes a E
então estes elementos também não pertencem a E, ou seja E § ‘ e, pelo que
vimos em a) e b), E é majorado e minorado ou seja é limitado. 
I.3.22 (Pontos de acumulação e pontos isolados) Seja E § ‘ um conjunto.
Diz-se que + − ‘ é um ponto de acumulação de E se + for aderente ao
conjunto E Ï Ö+× dos elementos de E diferentes de +, por outras palavras, se

45No caso em que + œ , , o conjunto dos pontos aderentes a Ò+ß +Ó œ Ö+× é ainda
Ö+× œ Ò+ß +Ó mas os restantes intervalos com ambas as extremidades iguais a + são vazios,
e portanto o conjunto dos respetivos pontos aderentes não é Ò+ß +Ó œ Ö+×.
46Pode ser interessante o estudante adaptar explicitamente a demonstração que fizémos
para a) de forma a fazer a prova de b).
44 Cap. I. Números reais e limites

em qualquer vizinhança Z$ Ð+Ñ existir pelo menos um elemento de E diferente


de +. Diz-se que + é um ponto isolado de E se + − E mas + não é ponto de
acumulação de E.
Como propriedades elementares destas noções, temos:
a) Se + é ponto de acumulação de E, então + é aderente a E (uma vez que
E Ï Ö+× § E).
b) Se + Â E, então + é ponto de acumulação de E se, e só se, é ponto
aderente a E (uma vez que E Ï Ö+× œ E).
c) Se E é um conjunto finito, então E não tem nenhum ponto de acumulação,
em particular qualquer + − E é um ponto isolado de E (se + − ‘, + não
pertence a E Ï Ö+× que é finito, portanto + não pode ser aderente a E Ï Ö+×,
pelo que referimos em I.3.17).
I.3.23 (Teorema de Bolzano-Weierstrass) Seja E § ‘ um conjunto infinito.
Existe então pelo menos um ponto de acumulação + − ‘ de E.
Dem: Consideremos um conjunto auxiliar F cujos elementos são os reais
estendidos , − ‘ tais que o conjunto E tem infinitos elementos maiores ou
iguais a , (por exemplo, _ pertence a F mas _ não pertence a F ). Seja
+ − ‘ o supremo do conjunto F . Vamos verificar que + é um ponto de
acumulação de E para o que será cómodo separar três casos, consoante o tipo
do real estendido +.
1) Suponhamos que + − ‘. Seja $  ! arbitrário. Uma vez que + é o menor
dos majorantes de F , +  $ não pode ser um majorante de F e portanto
existe , − F com ,  +  $ . Pela definição de F , existem infinitos
elementos de E maiores ou iguais a ,, e portanto também infinitos elementos
de E maiores que +  $ . Mas estes infinitos elementos de E maiores que
+  $ podem dividir-se em duas classes, a daqueles que são maiores ou
iguais a +  $ e a daqueles que pertencem a Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò e a
primeira dessas classes é necessariamente finita, senão, por definição, vinha
+  $ − F , contrariando o facto de + ser um majorante de F . Podemos assim
concluir que a classe dos elementos de E em Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò é
necessariamente infinita, em particular esta vizinhança tem elementos
distintos de +, o que prova que + é um ponto de acumulação de E.
2) Suponhamos que + œ _. Seja $  ! arbitrário. Uma vez que _ é um
majorante de F ,  "$ Â F e portanto só existe um número finito de elementos
de E maiores ou iguais a  "$ . Como E é infinito, existem infinitos elementos
de E menores que  "$ , em particular a vizinhança Z$ Ð_Ñ œ Ò_ß  $" Ò tem
elementos de E diferentes de _, o que prova que _ é um ponto de
acumulação de E.
3) Suponhamos que + œ _. Seja $  ! arbitrário. Uma vez que _ é o
menor dos majorantes de F , "$ não pode ser um majorante de F e portanto
existe , − F com ,  "$ . Pela definição de F , existem infinitos elementos de
E maiores ou iguais a , , e portanto também infinitos elementos de E maiores
que "$ . Em particular, concluímos que a vizinhança Z$ Ð_Ñ œ Ó "$ ß _Ó tem
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 45

elementos de E diferentes de _, o que prova que _ é um ponto de


acumulação de E. 

Apesar de a noção de ponto aderente a um conjunto ter sido apresentada


para elementos de ‘ que podem ser finitos ou infinitos e para conjuntos
que podem conter ou não algum dos pontos infinitos, as definições que
vamos apresentar a seguir serão, por uma questão de simplicidade, consi-
deradas apenas no contexto dos subconjuntos de ‘ e tendo em conta
apenas os pontos aderentes que são finitos. Esta simplificação revela-se
suficiente para a aplicação mais adiante das noções que vamos introduzir.

I.3.24 Seja E § ‘ um conjunto. Vamos notar E ou adÐEÑ o conjunto dos


números reais que são aderentes a E, conjunto a que damos o nome de
aderência de E.
Repare-se que o que referimos na alínea b) de I.3.15 implica que, para
qualquer conjunto E § ‘, tem-se sempre E § E. Chamam-se fechados os
conjuntos E § ‘ para os quais se tem mesmo E œ E, por outras palavras, os
conjuntos E § ‘ tais que todo o número real aderente a E seja um elemento
de E 47.
Diz-se que um conjunto E § ‘ é denso se todo o número real for aderente a
E, isto é, se E œ ‘.
I.3.25 (Propriedades dos conjuntos fechados) a) Todo o conjunto finito
E § ‘ é fechado, em particular o conjunto vazio g é fechado.
b) O próprio ‘ é um subconjunto fechado de ‘.
c) Se E e F são subconjuntos fechados de ‘, então os conjuntos E  F e
E  F são fechados.48
Dem: O facto de um conjunto finito ser fechado não é mais do que uma
reformulação de I.3.17.
O facto de ‘ ser um conjunto fechado resulta de todos os números reais,
independentemente de serem ou não aderentes a ‘, pertencerem a ‘.
Suponhamos agora que E e F são dois conjuntos fechados. Se B for aderente
a E  F , o facto de esta intersecção estar contida tanto em E como em F
implica que B é aderente a E e a F , portanto que B − E e B − F , por outras
palavras, B − E  F . Ficou assim provado que E  F é fechado.
Suponhamos agora que B é aderente a E  F . Tendo em conta o que
verificámos na alínea d) de I.3.15, B é aderente a E ou é aderente a F , pelo
que, no primeiro caso, B − E e, no segundo caso, B − F . Em qualquer dos
casos B − E  F , o que mostra que E  F é fechado. 

47Não excluímos assim que _ ou _ possa ser aderente a E, apesar de, por hipótese,
não pertencerem a E. Por outras palavras, não exigimos que E seja um conjunto limitado.
48Relativamente à interseção vale mesmo uma propriedade mais forte, que envolve inter-
seções de “muitos” conjuntos. Ver o exercício I.3.6 no fim de secção.
46 Cap. I. Números reais e limites

I.3.26 (Exemplos) a) Tendo em conta o que foi referido em I.3.20, sendo +  ,


em ‘, os intervalos
Ò+ß ,Ó, Ó_ß ,Ó, Ò+ß _Ò, Ó_ß _Ò œ ‘,

são conjuntos fechados mas já não o são os intervalos


Ò+ß ,Ò, Ó+ß ,Ó, Ó+ß ,Ò, Ó_ß ,Ò, Ó+ß _Ò,

uma vez que os três primeiros têm Ò+ß ,Ó como aderência e os dois últimos
têm respetivamente Ó_ß ,Ó e Ò+ß _Ò como aderência.
Note-se que os três últimos exemplos,
Ó+ß ,Ò, Ó_ß ,Ò, Ó+ß _Ò,
têm complementares que já são conjuntos fechados, respetivamente iguais a
Ó_ß +Ó  Ò,ß _Ò, Ò,ß _Ò e Ó_ß +Ó.
b) O conjunto  dos números racionais é um subconjunto denso de ‘ (com
efeito, se B − ‘, B é aderente a , uma vez que em qualquer vizinhança
Z$ ÐBÑ œ ÓB  $ ß B  $ Ò existem sempre números racionais de acordo com o
referido I.1.14). Com um pouco mais de cuidado verificamos mesmo que
qualquer B − ‘ é um ponto de acumulação de  (para cada $  !, considerar
um número racional entre B e B  $ ).
c) O conjunto ™ dos números inteiros é um conjunto fechado.
Dem: Dizer que todos os pontos aderentes a ™ pertencem a ™ é equivalente a
dizer que, se + Â ™, então + não é aderente a ™. Ora, considerando : − ™ tal
que + − Ò:ß :  "Ò, e portanto + − Ó:ß :  "Ò (cf. I.1.13), o facto de Ö:ß :  "×
ser fechado (é finito) e portanto + não ser aderente a Ö:ß :  "× garante a
existência de $  ! tal que Z$ Ð+Ñ não contenha nem : nem :  " e portanto,
pela propriedade de convexidade dos intervalos, Z$ Ð+Ñ também não contém
números menor que : nem números maiores que :  ", em particular não
contém nenhum número inteiro. Ficou assim provado que + não é aderente
ao conjunto ™. 
d) Embora, em geral, um subconjunto de um conjunto fechado não tenha que
ser fechado, no caso de ™ é verdade que qualquer subconjunto E § ™ é
fechado.
Dem: Suponhamos que + Â E. Se + Â ™, o que vimos em c) mostra que +
não é aderente a ™ e portanto também não é aderente a E (cf. a alínea c) de
I.3.15). Se + − ™, então qualquer outro inteiro é maior ou igual a +  " ou
menor ou igual a +  " e portanto a vizinhança Z" Ð+Ñ œ Ó+  "ß +  "Ò não
contém qualquer elemento de E pelo que, mais uma vez, + não é aderente ao
conjunto E. 
e) Se E § ™, então qualquer elemento : − E é um ponto isolado de E (com
efeito, como E Ï Ö:× é fechado, : não pode ser aderente a este conjunto).
I.3.27 (A aderência é um conjunto fechado) Seja E § ‘ um conjunto arbitrá-
rio. Então:
a) A aderência E é um conjunto fechado.
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 47

b) Se _ (respetivamente _) é aderente a E, então _ (respetivamente


_) é aderente a E.
Dem: a) Temos que mostrar se B − ‘ é aderente E então B − E, o que é
equivalente a mostrar que se B Â E então B não é aderente a E. Suponhamos
então que B Â E, isto é, que B não é aderente a E. Podemos assim considerar
$  ! tal que a vizinhança Z$ ÐBÑ œ ÓB  $ ß B  $ Ò não tenha elementos de E,
o que implica que E está contido no conjunto fechado
Ó_ß B  $ Ó  ÒB  $ ß _Ò
(união de dois intervalos que vimos na alínea a) de I.3.26 serem conjuntos
fechados). Deduzimos daqui que a aderência E está contida na aderência
desta união de intervalos, que coincide com esta união, o que implica que
Z$ ÐBÑ œ ÓB  $ ß B  $ Ò não tem elementos de E, e portanto B não é aderente
ao conjunto E.
b) Examinemos apenas o que se passa com _, uma vez que o que se passa
com _ é análogo. Passando ao contrarrecíproco, suponhamos então que
_ não é aderente a E. Existe assim uma vizinhança Z$ Ð_Ñ œ Ó "$ ß _Ó
que não tenha elementos de E, o que implica que E está contido no conjunto
fechado Ó_ß "$ Ó. Deduzimos daqui que a aderência E está contida na
aderência deste intervalo, coincidente com o próprio intervalo, o que implica
que Z$ Ð_Ñ œ Ó "$ ß _Ó não tem elementos de E, e portanto _ não é
aderente ao conjunto E. 

Exercícios

Ex I.3.1 Justificar o facto de, para um conjunto não vazio E § ‘, ser sempre
infÐEÑ Ÿ supÐEÑ. Quais os conjuntos não vazios E para os quais se tem
infÐEÑ œ supÐEÑ?
Ex I.3.2 Verificar que a conclusão do exercício I.1.8 continua a valer no contex-
to de ‘, sem que seja necessário explicitar nenhuma hipótese sobre a exis-
tência de supremo e de ínfimo (no contexto de ‘ eles existem sempre).
Ex I.3.3 Verificar que qualquer intervalo aberto Ó+ß ,Ò, com +  , em ‘, é uma
vizinhança Z$ Ð-Ñ, determinando quais os valores de - − ‘ e de $  !.
Ex I.3.4 Dados E § ‘ e + − ‘, mostrar que + é ponto de acumulação de E se, e
só se, em qualquer vizinhança Z$ Ð+Ñ existir uma infinidade de elementos de
E. Sugestão: Começar por supor que + é finito. Se nalguma vizinhança
Z$ Ð+Ñ houvesse só um número finito de elementos de E, considerar o mínimo
$ w das distâncias de + aos elementos de E dessa vizinhança que são diferentes
de + (se existirem) e reparar no que sucedia com a vizinhança Z$ w Ð+Ñ.
Adapatar então esta ideia aos casos em que + œ _ ou + œ _.
48 Cap. I. Números reais e limites

æ Ex I.3.5 (Interseções e uniões de famílias de conjuntos) As noções bem


conhecidas de união e de interseção de dois conjuntos admitem uma
generalização simples ao caso em que, em vez de dois, podemos ter mais
conjuntos, possivelmente até uma infinidade. Uma forma de enunciar essa
generalização é considerar um conjunto não vazio arbitrário de índices N e
supor que a cada índice 4 − N está associado um conjunto E4 (dizemos então
que os E4 constituem uma família de conjuntos indexada em N ); Define-se
então a interseção e a união da família dos E4 (ou, abreviadamente, dos E4 )
como sendo os conjuntos, notados respetivamente
, E4 , . E4 ,
4−N 4−N

cujos elementos são, no primeiro caso, aqueles que pertencem a todos os


conjuntos E4 e, no segundo caso, aqueles que pertencem a pelo menos um
dos conjuntos E4 . Determinar, na forma de intervalo, cada uma das seguintes
intersecções e uniões, todas elas indexadas no conjunto  dos números
naturais.

a) , Ò ß 8Ó b) . Ò ß 8Ó
" "
8 8
c) , Ò8ß 8  "Ò d) . Ò8ß 8  "Ò
8− 8−

8− 8−

e) , Ò"  ß $  Ó f) . Ò"  ß $  Ó
" " " "
8−
8 8 8−
8 8

æ Ex I.3.6 Seja N um conjunto não vazio de índices e, para cada 4 − N , conside-

a) Verificar que a interseção + E4 é também um conjunto fechado.


remos um conjunto fechado E4 § ‘.

4−N

finito, a união - E4 é também um conjunto fechado. Sugestão: Reparar que,


b) Mostrar, por indução, que, no caso em que o conjunto de índices N é

4−N
se 4! − N e se N Ï Ö4! × não for vazio, então

. E4 œ E4!  Š . E4 ‹.
4−N 4−N ÏÖ4! ×

N é infinito, a união - E4 não é necessariamente um conjunto fechado.


c) Mostar, com um contrexemplo, que, no caso em que o conjunto de índices

4−N

Ex I.3.7 Encontrar um subconjunto de , diferente de , que ainda seja denso.


Ex I.3.8 Verificar que um conjunto E § ‘ é denso se, e só se, quaisquer que
sejam + Á , em ‘, existe um elemento de E entre + e , (este facto explica a
utilização da palavra “densidade” em I.1.14 e no exercício I.1.14).
§3. Os reais estendidos. Ordenação e noções topológicas 49

æ Ex I.3.9 Dados E § ‘ e F § ‘, mostrar que


E  F œ E  F, E  F § E  F,

e encontrar um contraexemplo que mostre que não se tem necessariamente


E  F œ E  F.
Ex I.3.10 Verificar que, se , − ‘ é um majorante de um conjunto E § ‘, então
, é também um majorante da aderência E. Enunciar e justificar o resultado
correspondente para os minorantes. Sugestão: Reparar que, como se viu, os
intervalos Ó_ß ,Ó e Ò+ß _Ò são conjuntos fechados.
æ Ex I.3.11 Se E § ‘, chama-se conjunto derivado de E ao conjunto Ew dos
números reais que são pontos de acumulação de E. Mostrar que, qualquer
que seja E § ‘, o conjunto derivado Ew § ‘ é sempre fechado.
Ex I.3.12 Determinar os pontos aderentes, de acumulação e isolados dos
seguintes subconjuntos de ‘ e indicar quais os que são fechados:
a) ; b) ; c) ‘ Ï ;
d) š › ; e) ÖB − ‘ ± B#
"
%×; f) ÖB − ‘ ± lB  "l  lBl×.
8 8−

§4. Generalidades sobre funções e sucessões.

I.4.1 Tal como os conjuntos de números reais, as funções reais de variável real
jogam um papel muito importante no estudo da Análise Matemática. Sem
entrar em formalizações mais rigorosas, que o estudante terá ocasião de
encontrar noutras disciplinas, uma função real de variável real (ou simples-
mente função, se não houver risco de confusão) consiste num modo de
transformar cada número real pertencente a um certo conjunto (chamado
domínio da função) num número real que se obtém a partir daquele por
aplicação de uma certa regra (por vezes dá-se o nome de objeto ao número
real que vai ser transformado e ao resultado obtido costuma-se dar o nome da
valor ou imagem da função no objeto). As regras que são permitidas podem
ser muito variadas: Pode, por exemplo, ser uma expressão numa variável
destinada a ser substituída pelo número real a ser transformado, mas também
pode ser um conjunto de expressões com uma indicação de qual aquela que
se aplica, dependendo do valor a ser transformado (são as chamadas funções
definidas por ramos, que o estudante já encontrou no ensino secundário) e
pode ainda ser uma regra de qualquer outro tipo. O que é importante é que a
regra determine perfeitamente qual o número que se obtém quando se consi-
dera um dado valor a ser transformado.
É frequente utilizar-se uma letra, por exemplo 0 , para designar uma função e
então 0 ÐBÑ designa o valor da função no número real B do domínio. Para
50 Cap. I. Números reais e limites

referir que 0 é uma função de domínio \ , é usual escrever-se


0 À \ Ä ‘.
Uma observação importante é a de que, do mesmo modo que um conjunto
fica perfeitamente definido se soubermos quais são exatamente os números
reais que lher pertencem (o mesmo conjunto pode ser frequentemente
definido por regras diferentes), uma função fica perfeitamente definida pelo
seu domínio e pelo resultado que ela dá quando transforma um elemento
arbitrário desse domínio (uma mesma função pode, por exemplo, ser definida
por expressões diferentes).
Por vezes não se revela necessário utilizar uma letra para nomear uma função
e referimo-nos a ela por uma expressão que determine a regra de transfor-
mação envolvida. Na ausência de informação explícita sobre o domínio está
então implícito que este é constituído por todos os números reais para os
quais a expressão faz sentido (é o que se chama o domínio máximo de
B
definição da expressão). Por exemplo, quando se referir a função B" está-se
B
a pensar na função de domínio ‘ Ï Ö"× que a cada B associa B" e se
quisermos identificar uma função definida pela mesma regra de transforma-
ção mas com um domínio mais pequeno, podemos referi-la como a função
B
B" , com B − Ó"ß _Ò.

Em muitos casos, e como o estudante já constatou no ensino secundário,


pode ser de grande utilidade para compreender intuitivamente o compor-
tamento de uma função 0 , desenhar uma parte signifitiva do seu gráfico,
conjunto dos pontos de um plano que, relativamente a um certo referen-
cial, têm coordenadas da forma ÐBß 0 ÐBÑÑ, com B no domínio de 0 . É claro
que, como já sublinhámos em situações análogas, o esboço do gráfico des-
tina-se apenas a apoiar a noção intuição e qualquer justificação que seja
apresentada deverá poder, do ponto de vista lógico, dispensar esse esboço.
Repare-se que o gráfico de uma função nunca pode ter pontos distintos
com a mesma abcissa (cada reta paralela ao eixo das ordenadas não pode
ter mias que um ponto do gráfico).

I.4.2 (Exemplos) a) Pode-se definir uma função 0 À ‘ Ä ‘ escrevendo


È B,
0 ÐBÑ œ 
È "  B,
se B !
se B  !

(função definida por ramos).


§4. Generalidades sobre funções e sucessões 51

Com efeito, estamos a considerar uma regra que nos permite determinar sem
ambiguidade qual o transformado que consideramos para cada valor real de
B.
b) Podemos considerar funções 0 À ‘ Ä ‘ e 1À Ò!ß "Ó Ä ‘ definidas por
0 ÐBÑ œ "  B, 1ÐBÑ œ "  B.

Apesar de se tratar de funções definidas pela mesma expressão, são funções


diferentes por terem domínios diferentes.

Outra observação que é oportuno fazer é que a letra B utilizada acima não é
52 Cap. I. Números reais e limites

especialmente importante (é uma variável muda): A função 0 referida pode


ser também definida por 0 ÐCÑ œ "  C ou mesmo, sem usar nenhum símbolo,
podemos definir 0 como a função que transforma qualquer número no
resultado de subtrair esse número de ".
c) Podemos considerar funções 0 ß 1ß 2À ‘ Ä ‘ definidas por

2ÐBÑ œ œ
B, se B  !
0 ÐBÑ œ lBl, 1ÐBÑ œ maxÖBß B×, ,
B, se B Ÿ !

e podemos escrever 0 œ 1 œ 2 uma vez que, apesar de se tratar de definições


dadas por regras diferentes, todas conduzem ao mesmo resultado qualquer
que seja o valor dado a B.
d) Se \ § ‘ é um conjunto e + é um número real fixado, podemos
considerar uma função 0 À \ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ +, para cada B − \ .
A uma função deste tipo dá-se o nome de função constante.

I.4.3 (Codomínios e o contradomínio) Sejam \ § ‘ um conjunto e 0 À \ Ä ‘


uma função. Diz-se que um conjunto ] § ‘ é um codomínio (ou um espaço
de chegada) da função 0 se se tiver 0 ÐBÑ − ] , para qualquer B − \ . Para se
exprimir que o conjunto ] é um codomínio da função 0 À \ Ä ‘, também se
diz que 0 é uma função de \ para ] e escreve-se
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 53

0À \ Ä ] .
É claro que o próprio ‘ é sempre um codomínio de qualquer função e que,
em geral, se ] § ‘ é um codomínio da função 0 e ] § ] w § ‘, então ] w é
também um codomínio da função 0 . De entre todos os codomínios de uma
dada função 0 À \ Ä ‘ existe sempre um que está contido em todos os
outros: Trata-se do conjunto dos números reais que se podem escrever na
forma 0 ÐBÑ, para algum B − \ , conjunto a que se dá o nome de
contradomínio da função 0 e que se nota 0 Ð\Ñ.
Mais geralmente, se 0 À \ Ä ‘ é uma função e se E § \ é um subconjunto
do domínio, nota-se 0 ÐEÑ o conjunto dos números reais que se podem
escrever na forma 0 ÐBÑ, para algum B − E, conjunto a que se dá o nome de
imagem direta do conjunto E pela função 0 .

Uma imagem que pode porventura ajudar a compreender intuitivamente a


ideia de função é encará-la como uma espécie de máquina que possui uma
entrada por onde se introduzem números e uma saída por onde sai um
número cada vez que algum foi introduzido na entrada. A entrada da
máquina pode não aceitar qualquer número e o domínio da função é o
conjunto dos números que a máquina aceita. O que nos interessa da
máquina não é a forma como ela está construída por dentro mas apenas o
que resulta de seu funcionamento, isto é quais os números que ela faz saír
em resposta a cada entrada possível. Os codomínios da função que, ao
contrário do respetivo domínio, não fazem parte desta, são os tabuleiros
que podemos colocar à saída e que não deixam cair nenhum dos números
que podem sair.

I.4.4 (Restrição de uma função) Seja 0 À \ Ä ‘ uma função e seja E § \ um


suconjunto do seu domínio. Pode então considerar-se uma nova função,
agora de domínio E, que em cada ponto de E toma o mesmo valor que a
função 0 nesse ponto. Diz-se que essa função, que se nota 0ÎE , é a restrição
de 0 a E e que 0 é um prolongamento da função 0ÎE .49 Pode assim
escrever-se que 0ÎE À E Ä ‘ está definida por
0ÎE ÐBÑ œ 0 ÐBÑ. 50

É claro que, se o conjunto ] é um codomínio da função 0 , este conjunto é


também um codomínio da restrição de 0 : Se 0 À \ Ä ] , então 0ÎE À E Ä ] .

49Em geral, uma função definida em E poderá ter vários prolongamentos a \ , isto é,
pode ser restrição de várias funções definidas em \ .
50Tendo em conta esta igualdade, é muito raro utilizar na prática a notação 0 ÐBÑ:
ÎE
Utiliza-se 0ÎE para designar a restrição mas escreve-se 0 ÐBÑ para designar o valor da
restrição num ponto B − E.
54 Cap. I. Números reais e limites

No contexto da imagem intuitiva da função como uma máquina, fazer


uma restrição a um subconjunto do domínio corresponde a colocar um
filtro à entrada da máquina que deixa entrar menos números, sem alterar
nada do que está dentro da máquina.

I.4.5 (A função composta) Sejam 0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ‘ duas funções, em que,


conforme o indicado, o domínio da segunda é um dos codomínios da
primeira. Pode então definir-se uma nova função 1 ‰ 0 À \ Ä ‘, dita
composta de 1 com 0 (ou 1 após 0 ), cujo domínio coincide com o domínio
de 0 , por
1 ‰ 0 ÐBÑ œ 1Ð0 ÐBÑÑ.
É claro que, se ^ for um codomínio da função 1, então ^ é também um
codomínio da função composta 1 ‰ 0 , por outras palavras, se temos funções
0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ^ , então tem-se 1 ‰ 0 À ^ Ä ^ . 51

Repare-se que, mais uma vez no contexto da imagem intuitiva das funções
como máquinas, a função composta é a máquina que se obtém ligando a
saída da primeira máquina diretamente à entrada da segunda.

I.4.6 (Exemplo) Sejam 0 ß 1À ‘ Ä ‘ as funções definidas por 0 ÐBÑ œ B  " e


1ÐBÑ œ B# . Tem-se então que as funções compostas 1 ‰ 0 À ‘ Ä ‘ e
0 ‰ 1À ‘ Ä ‘ estão definidas por
1 ‰ 0 ÐBÑ œ ÐB  "Ñ# œ B#  #B  ", 0 ‰ 1ÐBÑ œ B#  ",

em particular trata-se de funções distintas (a composição de funções não goza


da propriedade comutativa).
I.4.7 (A função identidade) Seja \ § ‘. Pode então definir-se uma função
M\ À \ Ä ‘, a que se dá o nome de função identidade do conjunto \ , pela
igualdade M\ ÐBÑ œ B, para cada B − \ . O contradomínio desta função é o
próprio \ e portanto ela admite como codomínios todos os conjuntos que
contêm \ , em particular podemos também escrever M\ À \ Ä \ . As funções
identidade têm um comportamento interessante no contexto das funções
compostas que resumimos em três propriedades, das quais as duas primeiras
lhes atribuem um caráter semelhante ao dos elementos neutros das operações:
a) Se 0 À \ Ä ] é uma função, então

51Por vezes define-se mais geralmente a composta de duas funções sem exigir que o
domínio da segunda seja um codomínio da primeira mas paga-se um preço por isso, uma
vez que o domínio da composta passa a ser em geral mais pequeno que o domínio da
primeira. Preferimos não trabalhar nessa situação mais geral (que o estudante poderá ter
encontrado no ensino secundário) por questões de simplicidade e porque, em caso de
necessidade, pode sempre substituir-se a primeira função por uma restrição conveniente
para ficarmos nas hipóteses com que estamos a trabalhar.
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 55

0 ‰ M\ œ 0 À \ Ä ] .
b) Se 0 À \ Ä ] é uma função, então
M] ‰ 0 œ 0 À \ Ä ] .
c) Se 0 À \ Ä ] é uma função e E § \ , então, considerando a função
identidade ME À E Ä \ , tem-se
0 ‰ ME œ 0ÎE À E Ä ] .

I.4.8 (Associatvidade da composição) Consideremos três funções


0À \ Ä ] , 1À ] Ä ^ , 2À ^ Ä ‘,
em que o codomínio de cada uma coincide com o domínio da seguinte.
Tem-se então
Ð2 ‰ 1Ñ ‰ 0 œ 2 ‰ Ð1 ‰ 0 ÑÀ \ Ä ‘,
uma vez que ambos os membros transformam cada B − \ em 2Ð1Ð0 ÐBÑÑÑ. A
função igual a ambos os membros da igualdade anterior é com frequência
notada smplesmente 2 ‰ 1 ‰ 0 À \ Ä ‘.
I.4.9 (Funções injetivas) Diz-se que uma função 0 À \ Ä ‘ é injetiva se não
existirem elementos diferentes do domínio que tenham a mesma imagem, ou
seja, se quaisquer que sejam B Á + em \ , tem-se 0 ÐBÑ Á 0 Ð+Ñ. Repare-se
que, tendo em conta o método habitual de passagem ao contrarrecíproco,
dizer que uma função 0 À \ Ä ‘ é injetiva é equivalente a dizer que, sempre
que 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, tem-se necessariamente B œ +.
Repare-se que é fácil intuir no gráfico duma função se ela é injetiva: Isso
corresponde a verificar que não há pontos distintos do gráfico com a mesma
ordenada, ou seja, que as retas paralelas ao eixo das abcissas nunca
intersetam o gráfico em mais que um ponto.

O facto de uma função 0 À \ Ä ‘ ser injetiva pode ser descrito simbolica-


mente pela implicação 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ Ê B œ +. Ocasionalmente uma
pessoa menos atenta usa, em vez daquela, a implicação contrária
B œ + Ê 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ. Repare-se que isso não faz qualquer sentido: Esta
última implicação é válida para qualquer função, seja ela injetiva ou não,
uma vez que um mesmo objeto não tem mais que uma imagem.

I.4.10 (Exemplo) A função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B# não é injetiva,


como se reconhece recorrendo a um contraexemplo: Tem-se 0 Ð"Ñ œ 0 Ð"Ñ
apesar de se ter " Á ". No entanto, a restrição desta função ao subconjunto
Ò!ß _Ò do domínio, 0ÎÒ!ß_Ò À Ò!ß _Ò Ä ‘, já é injetiva!
56 Cap. I. Números reais e limites

Com efeito, dados B  + em Ò!ß _Ò (reparar que, dados reais distintos, um
deles é menor que o outro), tem-se, pelas relações bem conhecidas entre a
multiplicação e a relação de ordem,
0 ÐBÑ œ B ‚ B  + ‚ + œ 0 Ð+Ñ,
em particular 0 ÐBÑ Á 0 Ð+Ñ.
I.4.11 (A função inversa) Seja 0 À \ Ä ‘ uma função injetiva e consideremos o
respetivo contradomínio 0 Ð\Ñ. Podemos definir, a partir de 0 , uma nova
função 0 " À 0 Ð\Ñ Ä \ , a que se dá o nome de função inversa da função 0 ,
cujo domínio é o contradomínio de 0 e cujo contradomínio é o domínio de 0 ,
do seguinte modo: Para cada C − 0 Ð\Ñ, o valor 0 " ÐCÑ é o único elemento
B − \ tal que 0 ÐBÑ œ C .
Repare-se que, dado C − 0 Ð\Ñ, a existência de pelo menos um B nestas
condições resulta da definição de contradomínio e o facto de não haver mais
do que um é uma consequência de estarmos a supor que 0 é injetiva.
Uma observação simples, mas importante, é que, se 0 À \ Ä ‘ é injetiva,
então a sua inversa 0 " À 0 Ð\Ñ Ä \ é também injetiva e tem como inversa a
própria função 0 : Podemos escrever Ð0 " Ñ" œ 0 .
I.4.12 (Exemplos) a) Como vimos no exemplo I.4.10, podemos considerar uma
função injetiva 1À Ò0,_[ Ä ‘, definida por 1ÐBÑ œ B# . Uma vez que o
quadrado de qualquer número real é sempre maior ou igual a !, o
contradomínio da função 1 está contido em Ò!ß _Ò e, de facto, como
verificámos em I.1.15, o contradomínio é mesmo igual a Ò!ß _Ò. A função
inversa de 1 é a função 1" À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida pela condição de,

lembrando a definição da raiz quadrada, tem-se 1" ÐCÑ œ ÈC .


para cada C − Ò!ß _Ò, 1" ÐCÑ ser o único B ! tal que B# œ C pelo que,

b) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ "  B. O nosso objetivo é


determinar o contradomínio de 0 , verificar se 0 é injetiva e, em caso
afirmativo, clacular a função inversa. O método que vamos seguir, e que se
aplica com frequência na prática, permite-nos fazer isto tudo de uma só vez.
Comecemos por considerar C − ‘ arbitrário e determinar em que condições é
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 57

que C pertence ao contradomínio 0 БÑ, isto é, quando é que a equação


C œ 0 ÐBÑ admite solução. Ora esta equação é equivalente a C œ "  B, e
portanto também equivalente a C œ B  " e a B œ "  C . Concluímos
assim que existe sempre solução, ou seja, que o contradomínio de 0 é ‘, mas
também que essa solução é sempre única, o que quer dizer que a função 0 é
injetiva, e, por fim, ficámos a saber calcular o valor de B tal que 0 ÐBÑ œ C,
que é a solução encontrada B œ "  C. Podemos assim dizer que a função
inversa 0 " À ‘ Ä ‘ está definida por 0 " ÐCÑ œ "  C .
Repare-se que, o que é de certo modo exececional, podemos dizer neste caso
que se tem 0 " œ 0 (na definição duma função não é importante qual a letra
que utilizamos como variável).
c) Seja agora 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ B#  B. Dado C − ‘,
investiguemos as soluções de 0 ÐBÑ œ C , isto é, de B#  B œ C , ou ainda, de
forma equivalente de B#  B  C œ !. Mas esta condição é uma equação do
segundo grau em B, que sabemos ter duas soluções, nomeadamente
" „ È"  %C
Bœ ,
#
se "  %C  !, uma única solução se "  %C œ ! e nenhuma solução se
"  %C  !.52 Podemos assm concluir que o contradomínio de 0 é o
conjunto dos C − ‘ tais que "  %C !, portanto o intervalo Ò "% ß _Ò, e
que a função 0 não é injetiva, e portanto não tem função inversa, por haver
valores de C no contradomínio para os quais a equação tem mais que uma
solução.
I.4.13 (Exemplo elucidativo, embora mais delicado) Consideremos agora a
função 0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ B  ÈB#  "


e tentemos determinar o contradomínio, averiguar a injetividade e, eventual-
mente, determinar a função inversa. Como anteriormente, dado C − ‘
tentamos resolver a equação C œ 0 ÐBÑ, isto é,

(1) C œ B  È B#  " ,
que é sucessivamente equivalente às condições (reparar no cuidado neces-
sário, quando elevamos ambos os membros ao quadrado, para evitar introdu-
zir falsas soluções)

(2) C  B œ È B#  " ,

52Se o estudante tiver ocasião de rever o modo como se obtiveram no ensino secundário
as soluções de uma equação do segundo grau constatará que nesse processo apenas foram
necessárias as propriedades dos números reais revistas no início, para além da existência
de raízes quadradas dos números reais maiores ou iguais a !, que já justificámos atrás.
58 Cap. I. Números reais e limites

(3) CB ! • ÐC  BÑ# œ B#  " ,

(4) CB ! • C#  #BC œ " ,

C#  "
(5) CB ! • CÁ! • Bœ ,
#C

C#  " C#  "
(6) CÁ! • C ! • Bœ ,
#C #C

C#  " C#  "
(7) CÁ! • ! • Bœ ,
#C #C

C#  "
(8) C! • Bœ .
#C
Desta última condição deduzimos que existe solução se, e só se, C  ! e que,
nesse caso, a solução é única e dada a partir da última igualdade. Em
conclusão, a função é injetiva, o contradomínio é o intervalo Ó!ß _Ò e a
função inversa é
C#  "
0 " À Ó!ß _Ò Ä ‘, 0 " ÐCÑ œ .
#C
Note-se que este exemplo permite ilustrar um erro que aparece frequente-
mente em soluções obtidas de forma apressada: Partindo da afirmação
(verdadeira) de que o contradomínio da função 0 é o domínio da função
inversa 0 " parte-se da expressão obtida para 0 " para afirmar erroneamente
que o contradomínio de 0 seria ‘ Ï Ö!×, o domínio máximo de definição da
expressão que caracteriza 0 " , esquecendo que o domínio de uma função não
é necessariamente o domínio máximo de definição da expressão que a
caracteriza.
I.4.14 Repare-se que, uma vez que, fixado um referencial, os pontos ÐBß CÑ e
ÐCß BÑ são simétricos relativamente à bissetriz dos quadrantes ímpares,
podemos concluir que os gráficos de uma função injetiva e da sua inversa
obtêm-se um do outro por uma simetria relativamente a essa bissetriz. Na
figura a seguir esboçamos os gráficos da função 0 examinada no exemplo
I.4.13 e da sua inversa (este último em cinzento), representando também a
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 59

bissetriz referida.

I.4.15 (Funções sobrejetivas e funções bijetivas) Ao contrário da noção de


função injetiva, que tem apenas a ver com as propriedades da própria função,
as noções que vamos agora definir dependem não só da função envolvida
mas do codomínio desta que estamos a considerar. Dizemos que uma função
0 À \ Ä ] é sobrejetiva (ou que a função 0 de domínio \ é sobrejetiva
quando se considera ] como codomínio) se 0 Ð\Ñ œ ] , isto é, se o
codomínio considerado coincide com o contradomínio da função (em geral o
contradomínio só tem que estar contido no codomínio que se considera).
Quando se está a trabalhar com uma função 0 À \ Ä ] , para verificar que ela
é sobrejetiva, o que é preciso é constatar que, para cada elemento C − ] ,
existe pelo menos um B − \ tal que 0 ÐBÑ œ C .
Diz-se que uma função 0 À \ Ä ] é bijetiva se for simultaneamente injetiva
e sobrejetiva. A importância de uma função ser bijetiva é que ela tem inversa
da forma 0 " À ] Ä \ .
I.4.16 Seja 0 À \ Ä ] uma função bijetiva, com inversa 0 " À ] Ä \ . Tem-se
então, como decorre diretamente da definição,
0 " ‰ 0 œ M\ À \ Ä \ , 0 ‰ 0 " œ M] À ] Ä ] .

I.4.17 Suponhamos, reciprocamente, que temos duas funções 0 À \ Ä ] e


1À ] Ä \ , tais que 1 ‰ 0 œ M\ À \ Ä \ . Tem-se então que 0 é injetiva e a
sua inversa é a restrição de 1 ao contradomínio de 0 :
0 " œ 1Î0 Ð\Ñ À 0 Ð\Ñ Ä \ .

Se, além disso, for também 0 ‰ 1 œ M] À ] Ä ] , então 0 À \ Ä ] é bijetiva e


0 " œ 1À ] Ä \ .
Dem: Para verificar que 0 é injetiva, basta reparar que, se Bß + − \ são tais
que 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, podemos concluir que
60 Cap. I. Números reais e limites

B œ M\ ÐBÑ œ 1Ð0 ÐBÑÑ œ 1Ð0 Ð+ÑÑ œ M\ Ð+Ñ œ +.


Uma vez que 0 é injetiva, podemos considerar a sua inversa 0 " À 0 Ð\Ñ Ä \
e, para cada C − 0 Ð\Ñ, 0 " ÐCÑ é, por definição, um elemento de \ que
verifica 0 Ð0 " ÐCÑÑ œ C e daqui deduzimos que
1ÐCÑ œ 1Ð0 Ð0 " ÐCÑÑÑ œ Ð1 ‰ 0 ÑÐ0 " ÐCÑÑ œ M\ Ð0 " ÐCÑÑ œ 0 " ÐCÑ,
o que mostra que se tem efetivamente 0 " œ 1Î0 Ð\Ñ À 0 Ð\Ñ Ä \ .
Suponhamos agora que se tem também 0 ‰ 1 œ M] À ] Ä ] . Para cada
C − ] , tem-se então C œ M] ÐCÑ œ 0 Ð1ÐCÑÑ, pelo que C é a imagem por 0 de
um elemento de \ , nomeadamente o elemento 1ÐCÑ. Conclui-se assim que o
contradomínio de 0 coincide com o codomínio ] pelo que a função inversa
0 " é igual à função 1. 
I.4.18 (Propriedades de monotonia) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função.
a) Diz-se que 0 é crescente se, quaisquer que sejam B  + em \ , tem-se
0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ. Diz-se que 0 é estritamente crescente se, quaisquer que sejam
B  + em \ , tem-se 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ.
Repare-se que afirmar que 0 é estritamente crescente é equivalente a afirmar
que 0 é crescente e injetiva. Repare-se também que a condição de 0 ser
crescente pode ser enunciada, de modo equivalente, afirmando que, sempre
que B Ÿ + em \ , tem-se 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ (já que, quando B œ +, tem-se sempre
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, e portanto também 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ).
b) Diz-se que 0 é decrescente se, quaisquer que sejam B  + em \ , tem-se
0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ. Diz-se que 0 é estritamente decrescente se, quaisquer que
sejam B  + em \ , tem-se 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ.
Repare-se que afirmar que 0 é estritamente decrescente é equivalente a
afirmar que 0 é decrescente e injetiva. Repare-se também que a condição de
0 ser decrescente pode ser enunciada, de modo equivalente, afirmando que,
sempre que B Ÿ + em \ , tem-se 0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ (já que, quando B œ +, tem-se
sempre 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, e portanto também 0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ).
c) Diz-se que 0 é monótona se 0 for crescente ou decrescente e que 0 é
estritamente monótona se 0 for estritamente crescente ou estritamente
decrescente.
Repare-se que as propriedades de monotonia são facilmente intuidas a partir
do gráfico da função. Por exemplo, quando uma função é estritamente
crescente o gráfico sobe e quando a função é estritamente decrescente o grá-
fico desce (ou, o que é o mesmo, a secante definida por dois pontos
arbitrários do gráfico sobre ou desce, respetivamente).
I.4.19 (Exemplos) a) Se \ § ‘, a função identidade M\ À \ Ä ‘, definida por
M\ ÐBÑ œ B é estritamente crescente e a função M\ À \ Ä ‘, que a cada
B − \ associa B, é estritamente decrescente (se B  +, então B  +).
b) Se , − ‘ é um real fixado e \ § ‘, então a função constante 0 À \ Ä ‘.
definida por 0 ÐBÑ œ ,, é simultaneamente crescente e decrescente. No
entanto, afastadas as situações triviais em que \ tem um único elemento ou é
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 61

vazio, a função constante não é estritamente crescente nem estritamente


decrescente.
c) Consideremos a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B# Þ

Esta função tem restrição estritamente crescente ao intervalo Ò!ß _Ò, uma
vez que, se ! Ÿ B  +, tem-se
B# œ B ‚ B Ÿ B ‚ +  + ‚ + œ + # .
No entanto, esta função não é monótona, uma vez que a sua restrição ao
intervalo Ó_ß !Ó é estritamente decrescente, já que, se B  + Ÿ !, vem
! Ÿ +  B, portanto
B# œ ÐBÑ#  Ð+Ñ# œ +# .

d) A função 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B" œ B" tem uma


restrição estritamente decrescente ao intervalo Ó!ß _Ò uma vez que, se
!  B  +, tem-se B"  +" .

Esta função tem também uma restrição estritamente descrescente ao intervalo


Ó_ß !Ò, um vez que, se B  +  !, tem-se B  +  !, donde
62 Cap. I. Números reais e limites

" " " "


 œ  œ ,
B B + +
e portanto B"  +" . No entanto, a função 0 não é estritamente decrescente,
uma vez que, por exemplo, #  " e 0 Ð#Ñ œ  "#  " œ 0 Ð"Ñ.
e) A função 0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ œ
", se B − 
!, se B Â 

(conhecida como função de Dirichlet) não só não é monótona como não tem
restrição monótona a nenhum intervalo Ò+ß ,Ó com +  ,. Repare-se, a
propósito, que o contradomínio desta função é o conjunto Ö!ß "×, com dois
elementos, e que não é possível esboçar um gráfico para ela (apesar de o
gráfico ser um conjunto bem definido de pontos do plano).
I.4.20 (Composição e monotonia) Sejam 0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ‘ duas funções e
consideremos a respetiva composta 1 ‰ 0 À \ Ä ‘. Tem-se então:
a) Se 0 é crescente (respetivamente estritamente crescente) e 1 é crescente
(respetivamente estritamente crescente), então 1 ‰ 0 é crescente (respetiva-
mente estritamente crescente).
b) Se 0 é crescente (respetivamente estritamente crescente) e 1 é decrescente
(respetivamente estritamente decrescente), então 1 ‰ 0 é decrescente (respe-
tivamente estritamente decrescente).
c) Se 0 é decrescente (respetivamente estritamente decrescente) e 1 é cres-
cente (respetivamente estritamente crescente), então 1 ‰ 0 é decrescente (res-
petivamente estritamente decrescente).
d) Se 0 é decrescente (respetivamente estritamente decrescente) e 1 é decres-
cente (respetivamente estritamente decrescente), então 1 ‰ 0 é crescente (res-
petivamente estritamente crescente).
Dem: Todas as alíneas têm uma justificação semelhante pelo justificaremos
apenas a alínea d). Ora, supondo que 0 e 1 são ambas decrescentes, vemos
que, sempre que B  + em \ , vem, em primeiro lugar, 0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ e
portanto 1Ð0 ÐBÑÑ Ÿ 1Ð0 Ð+ÑÑ, o que mostra que 1 ‰ 0 é crescente. Analoga-
mente, supondo que 0 e 1 são ambas estritamente decrescentes, vemos que,
sempre que B  + em \ , vem, em primeiro lugar, 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ e portanto
1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ, o que mostra que 1 ‰ 0 é estritamente crescente. 
I.4.21 (Exemplos) a) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função crescente, então a função
1 œ 0 À \ Ä ‘, definida por 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, é decrescente, por ser a
composta da função 0 À \ Ä ‘ seguida da função decrescente M‘ À ‘ Ä ‘.
b) Se 0 À ‘ Ä ‘ é uma função estritamente decrescente, então a função
1À ‘ Ä ‘, definida por 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, é também estritamente decrescente,
por ser a composta de três funções estritamente decrescentes, M‘ À ‘ Ä ‘,
seguida da função 0 À ‘ Ä ‘ e seguida de novo da função M‘ À ‘ Ä ‘.
c) Se 0 À \ Ä Ó!ß _Ò é uma função estritamente crescente, então é
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 63

"
estritamente decrescente a função de \ para Ó!ß _Ò que a B associa 0 ÐBÑ
"
(frequentemente descrita como B È 0 ÐBÑ ), uma vez se trata da composta da
função estritamente decrescente de Ó!ß _Ò para Ó!ß _Ò, C È "C , com 0 .

I.4.22 (Inversa de função monótona) Seja 0 À \ Ä ] uma função bijetiva


crescente (respetivamente decrescente). Tem-se então que a função inversa
0 " À ] Ä \ é também crescente (respetivamente decrescente).
Dem: Examinemos apenas o caso em que 0 é crescente, ou seja, estritamente
crescente, uma vez que a demonstração do caso em que a função de partida é
decrescente é análogo. Sejam então C  , em ] . Temos que provar que se
tem 0 " ÐCÑ  0 " Ð,Ñ e isso resulta de que não pode ser 0 " ÐCÑ  0 " Ð,Ñ,
senão tinha-se
C œ 0 Ð0 " ÐCÑÑ  0 Ð0 " Ð,ÑÑ œ ,,
nem pode ser 0 " ÐCÑ œ 0 " Ð,Ñ, senão tinha-se
C œ 0 Ð0 " ÐCÑÑ œ 0 Ð0 " Ð,ÑÑ œ ,. 

I.4.23 (Exemplo) A função 2À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por 2ÐCÑ œ ÈC é
estritamente crescente, uma vez que, como referido nos exemplos na alínea
a) de I.4.12 e na alínea c) de I.4.19, ela é a inversa da função estritamente
crescente 1À Ò!ß _Ò Ä ‘ definida por 1ÐBÑ œ B# .

O resultado a seguir tem um enunciado longo para examinar todas as


hipóteses de aplicação. Para o estudante que possa ficar atemorizado, ou
para aquele que queira simplesmente ficar com uma mnemónica das prin-
cipais conclusões que vão ser enunciadas, podemos resumir dizendo que a
soma de funções com o mesmo tipo de monotonia tem o mesmo tipo de
monotonia, que o produto de uma função com um certo tipo de monotonia
por uma constante -  ! tem o mesmo tipo de monotonia e que o produto
de uma função com um certo tipo de monotonia por uma constante -  !
tem o tipo de monotonia oposto.

I.4.24 (Soma de funções monótonas) Sejam \ § ‘ um conjunto, 0 ß 1À \ Ä ‘


duas funções e - − ‘ uma constante e consideremos a função soma
0  1À \ Ä ‘ e a função -0 À \ Ä ‘, definidas por
Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ, Ð-0 ÑÐBÑ œ -0 ÐBÑ.
Tem-se então:
a) Se 0 e 1 são crescentes, então 0  1 é também crescente, sendo mesmo
estritamente crescente no caso em que pelo menos uma das funções 0 e 1
seja mesmo estritamente crescente.
b) Se 0 e 1 são decrescentes, então 0  1 é também decrescente, sendo
mesmo estritamente decrescente no caso em que pelo menos uma das funções
64 Cap. I. Números reais e limites

0 e 1 seja mesmo estritamente decrescente.


c) Se 0 é crescente e - !, então -0 é crescente, sendo mesmo estritamente
crescente no caso em que -  ! e 0 seja estritamente crescente.
d) Se 0 é crescente e - Ÿ !, então -0 é decrescente, sendo mesmo estrita-
mente decrescente no caso em que -  ! e 0 seja estritamente crescente.
e) Se 0 é decrescente e - !, então -0 é decrescente, sendo mesmo estrita-
mente decrescente no caso em que -  ! e 0 seja estritamente decrescente.
f) Se 0 é decrescente e - Ÿ !, então -0 é crescente, sendo mesmo estrita-
mente crescente no caso em que -  ! e 0 seja estritamente decrescente.
Dem: A conclusão de cada uma das alíneas resulta facilmente das proprie-
dades de ‘ como corpo ordenado que foram recordadas em I.1.3. A título de
exemplo, justifiquemos a) no caso em que 0 é crescente e 1 é estritamente
crescente. Podemos então dizer que, sempre que B  + em \ , vem
0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ e 1ÐBÑ  1Ð+Ñ, portanto
Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ  1ÐBÑ  0 Ð+Ñ  1Ð+Ñ œ Ð0  1ÑÐ+Ñ,
o que mostra que 0  1 é estritamente crescente. 

Para termos um resultado análogo para o produto de funções monótonas,


temos que ser um pouco mais cuidadosos uma vez que, como sabemos, a
multiplicação de ambos os membros de uma desigualdade por um real
negativo inverte o sentido da desigualdade. Para obtermos um enunciado
simples e uma vez que isso se revela suficiente para a maioria das aplica-
ções, vamos restringir a nossa atenção ao caso das funções com Ò!ß _Ò
como codomínio. Com essa hipótese, o resultado a seguir vai-nos dizer
que o produto de funções com o mesmo tipo de monotonia vai ter ainda
esse tipo de monotonia.

I.4.25 (Produto de funções monótonas positivas) Em geral, se \ § ‘ e se


0 ß 1À \ Ä ‘ são duas funções, define-se a função produto 0 ‚ 1À \ Ä ‘
pela condição de se ter
Ð0 ‚ 1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ.
Tem-se então:
a) Se 0 ß 1À \ Ä Ò!ß _Ò são crescentes (respetivamente estritamente cres-
centes) então 0 ‚ 1À \ Ä Ò!ß _Ò é crescente (respetivamente estritamente
crescente).
b) Se 0 ß 1À \ Ä Ò!ß _Ò são decrescentes (respetivamente estritamente
decrescentes) então 0 ‚ 1À \ Ä Ò!ß _Ò é decrescente (respetivamente estri-
tamente decrescente).
Dem: Como no resultado precedente, temos conclusões diretas das proprie-
dades de ‘ como corpo ordenado que foram recordadas em I.1.3. 
I.4.26 (Corolário) Para cada natural 5 ", tem lugar uma função estritamente
crescente 05 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por 05 ÐBÑ œ B5 (a função
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 65

potência de expoente 5 ).
Dem: Trata-se de uma consequência de I.4.25, por indução em 5 , uma vez
que 0" é a função identidade e que 05" ÐBÑ œ 05 ÐBÑ ‚ B. 
I.4.27 Existem ainda noções que são conhecidas no contexto dos conjuntos de
números reais e que se aplicam às funções, através dos respetivos
contradomínios. Nomeadamente:
a) Uma função 0 À \ Ä ‘ diz-se majorada, minorada ou limitada quando o
contradomínio 0 Ð\Ñ for majorado, minorado ou limitado, respetivamente.
b) Chamam-se supremo e ínfimo da função 0 À \ Ä ‘ aos supremo e ínfimo
do contradomínio 0 Ð\Ñ, que podem ser finitos ou infinitos. O supremo de 0
é notado
supÐ0 Ñ ou sup 0 ÐBÑ
B−\

e diz-se máximo da função no caso em que pertencer ao contradomínio e o


ínfimo de 0 é notado
infÐ0 Ñ ou inf 0 ÐBÑ
B−\

e diz-se mínimo da função no caso em que pertencer ao contradomínio.


Quando E § \ é um subconjunto do domínio, o supremo supÐ0ÎE Ñ e o
ínfimo infÐ0ÎE Ñ da restrição de 0 a E são também notados sup0 ÐBÑ e inf 0 ÐBÑ
B−E B−E
respetivamente.
I.4.28 (Observação sobre as funções trigonométricas) As funções trigono-
métricas, que o estudante já conhece do ensino secundário, têm um caráter
diferente das outras que temos encontrado neste curso, uma vez que a sua
definição não se baseia apenas na Análise Matemática mas entronca profun-
damente nas relações dos números reais com a Geometria, nomeadamente na
possibilidade de associar, fixado um referencial ortogonal e monométrico, a
cada número real uma posição de uma semirreta partindo da origem, que é
determinada pela rotação do semieixo positivo das abcissas, no “sentido
direto” e medida em radianos, associada a esse número real. Conhecida essa
semirreta, os valores das funções trigonométricas estão determinados pelas
coordenadas do ponto desta que pertence ao círculo trigonométrico, cosÐBÑ é
a abcissa, senÐBÑ é a ordenada e tanÐBÑ œ senÐBÑ
cosÐBÑ . Tendo em conta as conside-
rações anteriores, as funções trigonométricas, enquanto estiverem depen-
dentes da sua definição geométrica53, serão apenas utilizadas, por um lado
como apoio a exemplos, por outro como instrumento para a resolução de
problemas no contexto da aplicação da Análise Matemática à Geometria ou a

53Existem definições puramente do âmbito da Análise Matemática de funções “gémeas”


das funções trigonométricas que se prova, por métodos que recorrem à Geometria,
coincidirem com estas. Na secção IV.3 adiante daremos o exemplo de um método de
construção dessas funções “gémas”.
66 Cap. I. Números reais e limites

outras Ciências. As observações que fizémos relativamente às funções trigo-


nométricas aplicam-se do mesmo modo ao número 1, cuja definição nos é
dada neste momento apenas por métodos geométricos (área do círculo de raio
" ou semiperímetro deste).
I.4.29 (Sucessões) Chama-se sucessão a uma função 0 À  Ä ‘, cujo domínio é
o conjunto dos números naturais. Às sucessões pode assim aplicar-se tudo
que estudámos sobre funções em geral. Há, no entanto algumas particulari-
dades das sucessões relativamente às restantes funções:
Quando uma função é uma sucessão, os valores da função costumam ser
chamados termos da sucessão e ter uma interpretação ordinal: 0 Ð"Ñ é o
primeiro termo (ou termo de ordem "), 0 Ð#Ñ é o segundo termo (ou termo de
ordem #) e assim sucessivamente. Também dizemos que 0 Ð8  "Ñ é o termo
seguinte ao termo 0 Ð8Ñ. Esta interpretação ordinal das sucessões conduz
também à imagem intuitiva de uma sucessão como uma “fila infinita” de
números escritos uns a seguir aos outros
0 Ð"Ñß 0 Ð#Ñß 0 Ð$Ñß á ß 0 Ð8Ñß 0 Ð8  "Ñß á .
Outra particularidade é a notação: Para nos referirmos ao termo de ordem 8
de uma sucessão, ou seja à imagem de 8 −  pela função correspondente,
costuma-se pôr o valor 8 em índice e escrever ?8 no lugar de ?Ð8Ñ (também
é tradicional utilizar letras diferentes para as funções gerais e para as
sucessões, embora isso não seja obrigatório: 0 ß 1ß 2ß á costumam designar
funções enquanto que para os termos das sucessões costuma escrever-se ?8 ,
@8 , B8 ß á ). Ainda outra característica da notação das sucessões é a de que
não é costume (embora não seja proibido) chamar ? à sucessão cujo termo de
ordem 8 é ?8 , descrevendo, em vez disso, esta sucessão como sendo a
sucessão Ð?8 Ñ8− , ou, ainda mais simplesmente, a sucessão Ð?8 Ñ (os
parênteses, neste último caso, destinam-se a distinguir a sucessão de um
termo particular desta).
I.4.30 (Caracterização alternativa da monotonia de uma sucessão) Seja Ð?8 Ñ
uma sucessão. Os diferentes tipos de monotonia podem ser caracterizados
por comparação de cada termo com o seguinte:
a) A sucessão é crescente (respetivamente estritamente crescente) se, e só se,
para cada 8 − , ?8 Ÿ ?8" (respetivamente ?8  ?8" Ñ.
b) A sucessão é decrescente (respetivamente estritamente decrescente) se, e
só se, para cada 8 − , ?8 ?8" (respetivamente ?8  ?8" Ñ.
Dem: Como já fizémos anteriormente justificamos apenas uma das quatro
afirmações, por exemplo a da alínea a) relativa às sucessões crescentes, uma
vez que as outras justificações são totalmente análogas. Uma das implicações
é evidente: Se a sucessão é crescente, então, para cada 8 − , ?8 Ÿ ?8" ,
uma vez que 8  8  ". Suponhamos, reciprocamente, que, para cada
8 − , tem-se ?8 Ÿ ?8" . Temos que provar que, sempre que 8  7, tem-se
?8 Ÿ ?7 . Para isso, e tendo em visto uma tentativa de aplicar o método de
indução matemática, começamos por reparar que os números naturais 7 tais
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 67

que 8  7 são exatamente os que se podem escrever na forma 8  5 com


5 −  pelo que ficamos reduzidos a mostrar que, fixado 8 − , tem-se, para
cada 5 − , ?8 Ÿ ?85 .54 Ora, para 5 œ " esta afirmação é verdadeira, por
corresponder à hipótese que estamos a fazer e, supondo (hipótese de indução)
que ela é verdadeira para 5 œ :, vemos que, quando 5 œ :  ", podemos
escrever, tendo em conta a hipótese de indução e, mais uma vez, a hipótese
de cada termo ser menor ou igual ao seguinte,
?8 Ÿ ?8: Ÿ ?Ð8:Ñ" œ ?8Ð:"Ñ ,

o que mostra que a afirmação é verdadeira para 5 œ :  ". 


I.4.31 (Construção de sucessões pelo método recursivo) Para além dos
métodos usuais que se utilizam para construir funções gerais, existe ainda um
que é exclusivo das sucessões, o método recursivo. Este método tem alguma
coisa a ver como o método de demonstração por indução matemática mas
não se deve confundir com este.55 O método consiste em definir qual vai ser
o valor do primeiro termo ?" e dar uma regra que diga o que deve ser o termo
de ordem 8  ", ?8" , para quem conheça o termo ?8 de ordem 8 (o passo
recursivo). A justificação intuitiva do método é que podemos determinar ?# ,
uma vez que já conhecemos ?" , seguidamente podemos determinar ?$ a
partir de ?# , depois ?% a partir de ?$ e assim sucessivamente, com tanto mais
trabalho quanto maior for o valor de 8, podemos chegar à determinação de
?8 para qualquer valor particular de 8, o que nos leva a considerar a sucessão
como definida.

Tal como referimos nas observações a propósito do método de indução


que fizémos a seguir a I.2.1, a considerações anteriores para justificar a
validade do método recursivo devem ser encaradas como justificações
meramente intuitivas e não como verdadeiras justificações. Num curso
mais avançado de fundamentos da Matemática seria possível apresentar
uma justificação correta da validade do método recursivo, baseada numa
afirmação que se demonstra pelo método de indução matemática, mas
apresentá-la aqui seria na nossa opinião demasiado abstrato.

I.4.32 (Exemplos) a) O fatorial 8x de um número natural 8 foi definido como o


produto de todos os números naturais desde " até 8. Uma forma alternativa, e
de certa forma mais correta, de apresentar esta definição é dar uma definição
recursiva da função de  para  que a 8 associa 8x pondo

54Alternativamentepodíamos substituir o “truque” de escrever 7 na forma 8  5 , por


uma indução matemática na versão alternativa examinada em I.2.6.
55Trata-se de um método para definir uma sucessão e não de um método para justificar
uma afirmação.
68 Cap. I. Números reais e limites

"x œ ",
Ð8  "Ñx œ Ð8  "Ñ ‚ 8x
(a primeira igualdade diz-nos qual é a imagem do natural " e a segunda qual
é a imagem de 8  " desde que se conheça a imagem de 8). Lembramos de
novo que, apesar de ! não ser um número natural, também se define !x œ ", o
que é compatível com o passo rescursivo, uma vez que "x œ " œ " ‚ !x.
b) Seja Ð?8 Ñ8− uma sucessão de números reais. A partir desta pode-se
construir recursivamente uma nova sucessão ÐW8 Ñ8− , dita sucessão das
somas parciais da primeira, por
W" œ ?" ,
W8" œ W8  ?8" .

Tem-se assim W# œ ?"  ?# , W$ œ ?"  ?#  ?$ e, em geral,


W8 œ ?"  ?#  â  ?8
(fórmula que, desde que devidamente compreendida, pode ser facilmente
demonstrada por indução matemática56). Esta sucessão das somas parciais
vai ser importante quando examinarmos adiante as séries de números reais.
I.4.33 (Uma variante do método recursivo) Há situações em que, sem entrar
diretamente dentro do que foi explicado em I.4.31, se pode considerar
construções de sucessões por métodos que se podem considerar recursivos.
Sem tentar examinar a máxima generalidade, citamos apenas mais uma
situação que aparece com frequência: Pode definir-se recursivamente uma
sucessão definindo arbitrariamente quais os valores dos dois primeiros
termos ?" e ?# e dando em seguida uma regra que defina o que deve ser o
termo ?8# para quem conheça os termos ?8 e ?8" (ficamos a conhecer ?$ ,
por já conhecermos ?" e ?# , em seguida ?% fica determinado por já
conhecermos ?# e ?$ e assim sucessivamente). Um exemplo bem conhecido
desta variante do método recursivo é a definição da sucessão de Fibonacci,
definida por
?" œ "
?# œ "
?8# œ ?8  ?8"
e cujos primeiros termos são assim
", ", #, $, &, ), "$, #"ß á .

56Naturalmente o método de indução matemático é o método mais indicado para justificar


afirmações envolvendo uma sucessão definida recursivamente.
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 69

Exercícios

Ex I.4.1 Determinar os domínios máximos onde se podem definir funções pelas


expressões seguintes:
"
a) 0 ÐBÑ œ ;
BB$

B  ÈB
B"
b) 0 ÐBÑ œ # ;

c) 0 ÐBÑ œ Ê
B$
.
"  $B  #B#

Ex I.4.2 Determinar os contradomínios das seguintes funções:


a) 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘, definida por 0 ÐBÑ œ B  B" .
b) 0 À \ Ä ‘, definida por 0 ÐBÑ œ ÈBÐ%  BÑ, onde \ é o maior domínio
de definição desta expressão.
c) 0 À \ Ä ‘, definida por
B#  #B  #
0 ÐBÑ œ ,
B#  B  "
onde \ é o maior domínio de definição desta expressão.
d) 0 À ‘ Ä ‘, definida por 0 ÐBÑ œ B  intÐBÑ, onde intÐBÑ é a parte inteira de
B, definida em I.1.13.
e) 0 À ‘ Ä ‘, definida por 0 ÐBÑ œ B  intÐBÑ.
Ex I.4.3 a) Sejam 0 ß 1À ‘ Ä ‘ as funções definidas por

0 ÐBÑ œ œ ß 1ÐBÑ œ œ #
B se B ! ! se B !
Þ
! se B  ! B se B  !

b) Mostrar que a função 0 À Ò"ß "Ó Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ È"  B#


Determinar as compostas 1 ‰ 0 À ‘ Ä ‘ e 0 ‰ 1À ‘ Ä ‘.

admite Ò"ß "Ó como codomínio e determinar a função composta


0 ‰ 0 À Ò"ß "Ó Ä Ò"ß "Ó.

c) Seja agora 0 À Ò!ß "Ó Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ È"  B#


(restrição da função considerada na alínea anterior). Mostrar que esta função
admite Ò!ß "Ó como codomínio e caracterizar em seguida a função composta
0 ‰ 0 À Ò!ß "Ó Ä Ò!ß "Ó. O que poderá concluir sobre a função 0 a partir do
resultado obtido?
70 Cap. I. Números reais e limites

Ex I.4.4 Determinar quais os números reais + e , para os quais a função


0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ +B  , é invertível e tem inversa 0 " œ 0 .
Ex I.4.5 a) Determinar uma função 0 À ‘ Ä ‘ tal que, para cada B Á !,
"
0 Ð Ñ œ B#  " .
B
b) Mostrar que não existe nenhuma função 0 À ‘ Ä ‘ tal que, para cada B no
domínio,
0 ÐB# Ñ œ "  B,
mas que já existe uma função 0 À Ò!ß _Ò Ä ‘ nestas condições.
Ex I.4.6 Para cada uma das funções seguintes, verificar se é invertível e, em caso

a) 0 À Ò!ß _Ò Ä ‘, 0 ÐBÑ œ "  ÈB.


afirmativo, determinar a respetiva inversa.

b) 0 À Ò"ß "Ó Ä ‘, 0 ÐBÑ œ È"  B# .


c) 0 À ‘ Ï Ö"× Ä ‘,
B
0 ÐBÑ œ .
B"
æ d) 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘,

È "  B#
B
0 ÐBÑ œ .

Ex I.4.7 Sejam 0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ^ duas funções em que, como indicado, o


codomínio considerado para a primeira coincide com o domínio da segunda.
Mostrar que:
a) Se 0 e 1 são injetivas, também 1 ‰ 0 À \ Ä ^ é injetiva.
b) Se 1 ‰ 0 À \ Ä ^ for injetiva, então 0 é injetiva. Encontrar um exemplo
em que 1 ‰ 0 À \ Ä ^ seja injetiva, sem que 1 seja injetiva.
c) Se 0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ^ são sobrejetivas, também 1 ‰ 0 À \ Ä ^ é
sobrejetiva.
d) Se 1 ‰ 0 À \ Ä ^ for sobrejetiva, então 1À ] Ä ^ é sobrejetiva. Encontrar
um exemplo em que 1 ‰ 0 À \ Ä ^ seja sobrejetiva, sem que 0 À \ Ä ] seja
sobrejetiva.
Ex I.4.8 Mostrar que para cada número ímpar : a função 0: À ‘ Ä ‘, definida
por 0: ÐBÑ œ B: , é estritamente crescente. Sugestão: Utilizar o facto, já
verificado em I.4.26 de a restrição de 0: a Ò!ß _Ò ser estritamente cres-
cente).
Ex I.4.9 Generalizar uma parte do raciocínio feito na resolução do exercício I.4.8
para provar o seguinte facto geral.
Sejam \ § ‘ e + − \ um elemento fixado e notemos \Ÿ+ e \ + os
subconjuntos de \ constituídos respetivamente pelos elementos de \ que
§4. Generalidades sobre funções e sucessões 71

são menores ou iguais a + e por aqueles que são maiores ou iguais a +. Se


0 À \ Ä ‘ é uma função com restrição estritamente crescente (repetivamente,
crescente, estritamente decrescente ou decrescente) a cada um dos conjuntos
\Ÿ+ e \ + , então 0 é uma função estritamente crescente (respetivamente,
crescente, estritamente decrescente ou decrescente).
Por contraste, reparar no que sucedia no exemplo que examinámos na alínea
d) de I.4.19, em que se tem uma decomposição do domínio análoga à anterior
mas determinada por um ponto que não pertence ao domínio.
Ex I.4.10 Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Mostrar que
inf 0 ÐBÑ œ sup 0 ÐBÑ, sup 0 ÐBÑ œ inf 0 ÐBÑ.
B−\ B−\ B−\ B−\

Ex I.4.11 a) Sejam \ § ‘ e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções, cada uma com supremo


finito. Mostrar que a função soma 0  1À \ Ä ‘ também tem supremo finito
e que
supÐ0  1Ñ Ÿ supÐ0 Ñ  supÐ1Ñ.
Dar um exemplo de funções 0 e 1 em que os dois membos são iguais e outro
em que a desigualdade seja estrita.
b) Enunciar e justificar um resultado análogo ao da alínea a) mas com o
ínfimo no lugar do supremo.
Ex I.4.12 a) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função com supremo finito e - !
um real fixado. Mostrar que
sup -0 ÐBÑ œ - sup 0 ÐBÑ.
B−\ B−\

b) Enunciar e justificar um resultado análogo ao da alínea a) mas com o


ínfimo no lugar do supremo.
æ Ex I.4.13 Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä Ò!ß _Ò uma função com supremo finito.
Mostrar que

sup 0 ÐBÑ# œ Šsup 0 ÐBÑ‹ .


#

B−\ B−\

Ex I.4.14 Seja ,  ! um real fixado. Mostrar que a sucessão Ð?8 Ñ definida por
?8 œ ,8 é estritamente crescente se ,  " e estritamente decrescente se
,  ".
Ex I.4.15 Considerar a sucessão ÐB8 Ñ de números reais definida recursivamente
por
B" œ ", B8" œ "  ÈB8 .

Mostrar que esta sucessão é estritamente crescente e majorada. Sugestão:


72 Cap. I. Números reais e limites

Provar por indução matemática que se tem, para cada 8 − , B8 Ÿ B8" e


B8 Ÿ %.
Ex I.4.16 Considerar a sucessão ÐB8 Ñ de números reais definida recursivamente
por
#
B" œ &, B8" œ B8  ".
$
Mostrar que esta sucessão é estritamente decrescente e minorada.
Ex I.4.17 Considerar a sucessão Ð?8 Ñ8− definida recursivamente por
?8  ?8"
?" œ !, ?# œ ", ?8# œ
#
(a partir do terceiro, cada termo é a média dos dois anteriores).
a) Mostrar que esta sucessão não é crescente nem decrescente.
b) Mostrar que esta sucessão é limitada.
ææ Ex I.4.18 (Uma caracterização das funções estritamente monótonas) É
uma consequência direta das definições que, se \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ é uma
função estritamente monótona (cf. I.4.18) então, sempre que Bß Cß D − \ e C
está entre B e D (cf. I.1.4), 0 ÐCÑ está entre 0 ÐBÑ e 0 ÐDÑ. O objetivo deste
exercício é provar um recíproco, afastado o caso em que o domínio \ tenha
dois elementos ou menos.
Seja \ § ‘ um conjunto com pelo menos três elementos e seja 0 À \ Ä ‘
uma função tal que, sempre que Bß Cß D − \ e B  C  D , 0 ÐCÑ está entre
0 ÐBÑ e 0 ÐDÑ. Mostrar que 0 é estritamente monótona, seguindo o seguinte
caminho:
a) Mostrar que 0 é uma função injetiva.57 Sugestão: Dados três reais
distintos há sempre um que está entre os outros dois.
b) Sejam +  , em \ tais que 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ (respetivamente 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ).
Mostrar que a restrição de 0 a Ò+ß ,Ó  \ é estritamente crescente (respetiva-
mente estritamente decrescente).
c) Sejam +  , em \ tais que 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ (respetivamente 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ).
Mostrar que a função 0 é estritamente crescente (respetivamente estritamente
decrescente). Sugestão: Dados B  C em \ , para provar que 0 ÐBÑ  0 ÐCÑ
(respetivamente 0 ÐBÑ  0 ÐCÑ) aplicar duas vezes a conclusão de b), com o
menor dos quatro números +ß ,ß Bß C no lugar de + e o maior desses números
no lugar de , .

57É para esta alínea que precisamos que \ tenha pelo menos três elementos. Repare-se
que, se \ tivesse dois elementos, uma função constante não é estritamente monótona e
verifica a condição referida.
§5. Limites de funções e de sucessões 73

§5. Limites de funções e de sucessões.

A noção de limite de uma função 0 num ponto + joga um papel central em


toda a Análise Matemática intervindo, por exemplo, na definição da conti-
nuidade e da derivada. Intuitivamente, a função 0 tem limite , no ponto +
(ou quando a variável tende para +) se, sempre que B é um elemento do
domínio próximo de +, 0 ÐBÑ está próximo de ,. Por uma questão técnica,
ligada á unicidade do limite, convirá que o ponto + esteja próximo do
domínio da função, isto é, que seja aderente a esse domínio. No entanto,
como já referimos a propósito da noção de ponto aderente a um conjunto,
a noção de proximidade não é uma noção absoluta mas está sempre
dependente de um critério de proximidade, que corresponde a fixar um
número maior que !. Para além disso, constata-se que, para obtermos uma
definição útil, é necessário admitir que os critérios de proximidade para os
pontos + e , não sejam necessariamente os mesmos e que o primeiro
possa depender do segundo. Somos assim conduzidos à seguinte definição
que, apesar de não coincidir com a utilizada habitualmente no ensino
secundário, veremos mais tarde ser equivalente a esta.

I.5.1 Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função de domínio \ e + um real estendido


aderente ao domínio \ .58 Dado , − ‘, diz-se que , é limite de 0 no ponto +
(ou que , é limite de 0 ÐBÑ quando B tende para +) e escreve-se simbolica-
mente
0 ÐBÑ Ò ,,
BÄ+

se, qualquer que seja o critério de proximidade $  ! para ,, é possível


considerar um critério de proximidade &  ! para + (em geral dependente de
$ ) tal que, para todos os pontos B − \ que estão &-próximos de + (i. e.
pertencem a Z& Ð+Ñ), as correspondentes imagens 0 ÐBÑ estão $ -próximas de ,
(i. e. pertencem a Z$ Ð,Ñ).59

Tal como acontecia com a noção de ponto aderente a um conjunto, a


noção de limite pode ser olhada intuitivamente no contexto de um jogo, só
que agora com três jogadas e não duas, como acontecia então. O primeiro
jogador faz o seu lance escolhendo $  !. Em seguida, o segundo jogador
escolhe &  !. Por fim, vota a jogar o primeiro jogador escolhendo B − \
na vizinhança Z& Ð+Ñ (a garantia que ele pode jogar resulta de supormos
que + é aderente ao domínio \ ). Se nesta jogada o primeiro jogador con-
seguir que 0 ÐBÑ não pertença a Z$ Ð,Ñ ele ganha; caso contrário ganha o

58Reparar que + pode ser finito, _ ou _.


59Repare-se que, tal como acontecia com +, o limite , pode ser finito, _ ou _.
74 Cap. I. Números reais e limites

segundo jogador.60 Dizer que , é limite de 0 no ponto + é dizer que o


segundo jogador tem uma estratégia que lhe permita ganhar qualquer que
seja a jogada inicial do primeiro e dizer que , não é limite é dizer que é o
primeiro jogador que tem uma estratégia ganhadora.
Refira-se a propósito que não devemos confundir a existência de limite
para uma função num ponto com a noção de função limitada (referida na
alínea a) de I.4.27): A semelhança das raizes das duas palavras “limitada”
e “limite” é um “acidente” da língua portuguesa, que não aparece, por
exemplo, no inglês (“bounded” e “limit”) nem no francês (“borné” e
“limite”).

I.5.2 (Consequência de uma desigualdade estrita entre limites e unicidade


do limite) Sejam 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções, + um real estendido aderente a
\ e suponhamos que se tem
0 ÐBÑ Ò , − ‘, 1ÐBÑ Ò - − ‘,
BÄ+ BÄ+

com ,  - . Existe então &  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ,
0 ÐBÑ  1ÐBÑÞ
Em particular, dados uma função 0 À \ Ä ‘ e um real estendido + aderente a
\ , não pode haver mais que um real estendido , que seja limite de 0 ÐBÑ
quando B tende para +.
Por esse motivo, quando existe limite, podemos referir-nos a ele como sendo
o limite de 0 no ponto + (ou o limite de 0 ÐBÑ quando B tende para +) e usar,
para o designar, a notação
lim 0 ÐBÑ
BÄ+

Têm assim o mesmo significado as expressões 0 ÐBÑ Ò , e lim 0 ÐBÑ œ , .61


BÄ+ BÄ+
Dem: Tendo em conta a propriedade de Hausdorff das vizinhanças, que
examinámos em I.3.13, podemos considerar $  ! tal que C  D , para cada
C − Z$ Ð,Ñ e D − Z$ Ð-Ñ. Por definição, podemos considerar &w  ! e &ww  !
tais que, para cada B − E que esteja &w -próximo (respetivamente &ww -próximo)
de +, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ (respetivamente 1ÐBÑ − Z$ Ð-Ñ), em particular
0 ÐBÑ  1ÐBÑ. Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww , o facto de os
elementos B − \  Z& Ð+Ñ estarem simultaneamente &w -próximos e &ww -pró-
ximos de + implica que para esses elementos tem-se 0 ÐBÑ  1ÐBÑÞ
Para concluir que uma dada função 0 À \ Ä ‘ não pode ter mais que um
limite quando B tende para + basta agora repararmos que se fosse simultanea-

60Como no “jogo do ponto aderente” a primeira jogada é tanto melhor quanto menor for o
$ e a segunda jogada também é tanto melhor quanto menor for o &.
61Tal como já aconteceu noutras situações a letra B pode ser substituída por outra (é uma
variável muda): É indiferente escrever 0 ÐBÑ Ò , ou 0 ÐCÑ Ò , assim como escrever
BÄ+ CÄ+
lim 0 ÐBÑ ou lim 0 ÐCÑ.
BÄ+ CÄ+
§5. Limites de funções e de sucessões 75

mente 0 ÐBÑ Ò , e 0 ÐBÑ Ò - , com ,  - , podíamos aplicar o que aca-


BÄ+ BÄ+
bámos de mostrar, tomando para 1 a própria função 0 , para deduzir a existên-
cia de &  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ (e existe B nestas
condições por + ser aderente a \ ), 0 ÐBÑ  0 ÐBÑ, o que era absurdo. 
I.5.3 (Corolário — Passagem ao limite das desigualdades latas) Sejam
0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções com 0 ÐBÑ Ÿ 1ÐBÑ para cada B − \ e + um real
estendido aderente a \ e suponhamos que se tem
0 ÐBÑ Ò , − ‘, 1ÐBÑ Ò - − ‘.
BÄ+ BÄ+

Tem-se então , Ÿ - . 62
Dem: Supondo, por absurdo, que não era , Ÿ - , portanto que ,  - ,
podíamos concluir de I.5.2 a existência de &  ! tal que, para cada B − \ na
vizinhança Z& Ð+Ñ (pontos cuja existência resulta de + ser aderente a \ ) vinha
0 ÐBÑ  1ÐBÑ, o que contradizia a hipótese. 
I.5.4 (Dois casos triviais de existência de limite) Seja + um real estendido
aderente a um conjunto \ § ‘. Tem-se então:
a) A função identidade M\ À \ Ä ‘, definida por M\ ÐBÑ œ B tem limite + no
ponto +, o que pode ser expresso simbolicamente por
lim B œ + ou B Ò +.
BÄ+ BÄ+

b) Dado , − ‘, a função 0 À \ Ä ‘ de valor constante , tem limite , no


ponto +, o que pode ser expresso simbolicamente por
lim , œ , ou , Ò ,.
BÄ+ BÄ+

Dem: a) Dado $  !, podemos tomar para & o próprio $ , uma vez que, se
B − \ pertencer a Z$ Ð+Ñ, M\ ÐBÑ œ B − Z$ Ð+Ñ.
b) Dado $  !, podemos escolher &  ! arbitrariamente63. Com efeito,
qualquer que seja B − \ na vizinhança-& de + (ou não…), constata-se que
0 ÐBÑ œ , − Z$ Ð,Ñ. 
I.5.5 (Sublimites) Sejam \ § ‘, + um real estendido aderente a \ e 0 À \ Ä ‘
uma função. Diz-se que um real estendido , é um sublimite de 0 no ponto +
(ou um sublimite de 0 ÐBÑ quando B tende para +) quando , for limite no
ponto + de alguma restrição de 0 isto é, se existir algum subconjunto E § \
tal que + ainda seja aderente a E e que , œ lim 0ÎE ÐBÑ. Diz-se então, mais
BÄ+

62Um erro que é cometido com alguma frequência consiste em aplicar o análogo deste
resultado com as desigualdades Ÿ substituídas pelas correspondentes desigualdades
estritas  . Para constatar a falsidade do enunciado assim obtido ver o exercício I.5.2 no
fim da secção.
63Na linguagem do jogo, o segundo jogador nem precisa de tomar conhecimento de qual
foi a jogada do primeiro para ter a certeza de ganhar.
76 Cap. I. Números reais e limites

precisamente, que , é o sublimite de 0 no ponto + determinado pelo


subconjunto E. Como alternativa às notações lim 0ÎE ÐBÑ ou 0ÎE ÐBÑ Ò ,
BÄ+ BÄ+
também se escreve respetivamente
lim 0 ÐBÑ, 0 ÐBÑ Ò ,,
BÄ+ BÄ+
B−E B−E

assim como, nalguns casos particulares, notações alternativas evidentes como


lim 0 ÐBÑ, 0 ÐBÑ Ò ,,
BÄ+ BÄ+
BÁ+ BÁ+

quando se considera E œ ÖB − \ ± B Á +× (supondo-se neste caso que + é


aderente a este conjunto E, ou seja, que + é um ponto de acumulação de
\).64
Por vezes também utilizamos a notação lim 0 ÐBÑ, ou as alternativas que
BÄ+
B−E
referimos, sem estarmos em presença do limite de uma restrição, como forma
de explicitar o domínio que se está a considerar para a função, quando esta é
dada a partir de uma expressão analítica.
I.5.6 (Dos limites para os sublimites) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e +
aderente a \ tal que exista o limite , œ lim 0 ÐBÑ. Para cada subconjunto
BÄ+
E § \ tal que + seja ainda aderente a E, tem-se então também , œ lim 0 ÐBÑ.
BÄ+
B−E
Em particular , é o único sublimite de 0 no ponto +.
Dem: Seja $  ! arbitrário. Sabemos então que existe &  ! tal que, para
cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ venha 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Isto vai acontecer, em
particular, para cada B − E na vizinhança Z& Ð+Ñ, o que mostra que , também
é o limite no ponto + da restrição 0ÎE . O facto de ,, além de limite, ser
também um sublimite de 0 no ponto + resulta de que podemos sempre tomar
para E o próprio \ . Por fim, o facto de , ser o único sublimite de 0 no ponto
+ resulta da unicidade do limite, referida em I.5.2, que garante que nenhuma
restrição de 0 pode ter um limite diferente de , no ponto +. 

64Para alguns autores, a noção de limite de uma função 0 À \ Ä ‘ num ponto + é apre-
sentada de uma forma, não equivalente à que utilizámos em I.5.1, que ignora o valor que
a função 0 possa ter no ponto + e que só faz sentido no caso em que + é ponto de
acumulação de \ (foi essa a noção que o estudante encontrou no ensino secundário). É
claro que as duas formulações são equivalentes no caso em que + Â \ . A escolha que
fizémos parece-nos apresentar algumas vantagens e, de qualquer modo, se quisermos
significar a noção alternativa, podemos sempre escrever
lim 0 ÐBÑ,
BÄ+
BÁ+

nas notações que estamos a utilizar.


§5. Limites de funções e de sucessões 77

I.5.7 (Exemplo) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por

0 ÐBÑ œ œ
#, se B Ÿ ",
B, se B  ".

Tendo em conta I.5.6, podemos concluir que 0 não tem limite no ponto ", já
que ela admite os sublimites distintos # e " nesse ponto, determinados
respetivamente pelos subconjuntos Ó_ß "Ó e Ó"ß _Ò (a primeira restrição é
uma função constante e a segunda é a função identidade).

Vamos agora examinar uma situação em que a existência de sublimites


convenientes garante a existência de limite. Trata-se do caso em que o
domínio \ da função é união de dois subconjuntos E e F . O ponto +
onde se considera o limite tem que ser aderente a \ e portanto, como
referimos na alínea d) de I.3.15, tem que ser aderente a pelo menos um
dos conjuntos E e F . Duas situações são assim possíveis, ou + é aderente
a ambos os conjuntos, e então faz sentido considerar os sublimites corres-
pondentes, ou + é aderente a apenas um dos dois conjuntos, e apenas esse
determina um sublimite.

I.5.8 (Limites quando o domínio é uma união) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma


função, + um ponto aderente a \ e , − ‘. Sejam E § \ e F § \ dois
subconjuntos tais que E  F œ \ . Tem-se então que + a aderente a E ou a
F e:
a) Se + for aderente tanto a E como a F e se tiver
lim 0 ÐBÑ œ ,, lim 0 ÐBÑ œ ,ß
BÄ+ BÄ+
B−E B−F

então também lim 0 ÐBÑ œ , .


BÄ+
b) Se + for aderente a E e não for aderente a F e se se tiver lim 0 ÐBÑ œ ,
BÄ+
B−E
78 Cap. I. Números reais e limites

então também lim 0 ÐBÑ œ , .65


BÄ+
Dem: a) Seja $  ! arbitrário. Tendo em conta a existência de limite , no
ponto + para a restrição 0ÎE , podemos considerar &w  ! tal que, para cada
B − E na vizinhança Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Analogamente, considerando a
restrição 0ÎF , podemos também considerar &ww  ! tal que, para cada B − F
na vizinhança Z&ww Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Sendo &  ! o menor dos dois números
&w e &ww , vemos agora que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, tem-se
também B − Z&w Ð+Ñ e B − Z&ww Ð+Ñ pelo que, quer no caso em que B − E quer
naquele em que B − F (e uma destas condições tem que acontecer por ser
\ œ E  F ) vem 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Ficou assim provado que lim 0 ÐBÑ œ ,.
BÄ+
b) Seja $  ! arbitrário. Tendo em conta a existência de limite , no ponto +
para a restrição 0ÎE , podemos considerar &w  ! tal que, para cada B − E na
vizinhança Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Apesar de agora não estarmos a fazer
nenhuma hipótese sobre a restrição 0ÎF , o facto de + não ser aderente a F
permite-nos considerar &ww  ! tal que na vizinhança Z&ww Ð+Ñ não exista
nenhum elemento de F . Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww ,
vemos agora que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, tem-se também
B − Z&w Ð+Ñ e B − Z&ww Ð+Ñ e portanto, pela segunda condição, B Â F ; o facto de
se ter \ œ E  F implica então que B − E e portanto 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ.
Provámos assim que lim 0 ÐBÑ œ ,. 
BÄ+

I.5.9 (Exemplos) a) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por

0 ÐBÑ œ œ
", se B Ÿ ",
B, se B  ".

Tendo em conta I.5.8, podemos concluir que lim 0 ÐBÑ œ ", já que se tem
BÄ"
‘ œ Ó_ß "Ó  Ó"ß _Ò, com " aderente a ambos os conjuntos no segundo
membro, e que cada uma das restrições de 0 a Ó_ß "Ó e Ó"ß _Ò tem limite
" no ponto " (a primeira restrição é uma função constante e a segunda é a
função identidade).

b) Considerando de novo a função 0 que examinámos em a), vemos que

65Portanto, se + não é aderente a F , só os valores de 0 nos pontos de E são importantes


para a existência de limite , .
§5. Limites de funções e de sucessões 79

lim 0 ÐBÑ œ #. Com efeito, como antes, ‘ œ Ó_ß "Ó  Ó"ß _Ò, mas agora #
BÄ#
não é aderente a Ó_ß "Ó pelo que a nossa conclusão resulta de a restrição de
0 a Ó"ß _Ò ter limite # no ponto # (trata-se da função identidade).
c) Consideremos agora a função 1À ‘ Ä ‘ definida por
Ú ", se B Ÿ "
1ÐBÑ œ Û B,
Ü È$B,
se "  B  #
se # Ÿ BÞ

Tem-se lim 1ÐBÑ œ ", como se pode concluir aplicando duas vezes I.5.8, a
BÄ"
primeira para concluir que a restrição de 1 a Ó_ß #Ò tem limite " no ponto ",
por isso acontecer às suas restrições a Ó_ß "Ó e a Ó"ß #Ò, dois conjuntos com
" como ponto aderente, e a segunda para obter o limite referido, por se ter
‘ œ Ó_ß #Ò  Ò#ß _Ò, onde " é aderente ao primeiro conjunto mas não ao
segundo.
I.5.10 (Os limites têm um caráter local) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função,
+ um ponto aderente a \ e , − ‘. Dado <  !, o ponto + também é aderente
a \  Z< Ð+Ñ e tem-se
lim 0 ÐBÑ œ , Í lim 0 ÐBÑ œ ,.
BÄ+ BÄ+
B−\Z< Ð+Ñ

Dem: Trata-se de consequências diretas de I.3.15, I.5.6 e I.5.8, uma vez que
se pode escrever
\ œ Ð\  Z< Ð+ÑÑ  Ð\ Ï Z< Ð+ÑÑ,
em que o ponto + não é aderente a \ Ï Z< Ð+Ñ, por a vizinhança Z< Ð+Ñ não
intersetar este conjunto. 
I.5.11 (Propriedades especiais dos limites num ponto pertencente ao domí-
nio) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e + − \ .
a) A função 0 pode ter ou não limite no ponto + mas, se tiver, esse limite só
pode ser 0 Ð+Ñ.66

66Por este motivo, a procura do valor de um limite num ponto + só faz sentido no caso em
que esse ponto não pertence ao domínio da função 0 , embora sendo evidentemente ade-
80 Cap. I. Números reais e limites

b) Se + é ponto isolado de \ , então 0 Ð+Ñ é limite de 0 no ponto +.


c) Se + é ponto de acumulação de \ , então
lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ Í lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ.
BÄ+ BÄ+
BÁ+

d) O real 0 Ð+Ñ é sublimite de 0 no ponto +.


Dem: a) Suponhamos que 0 tem limite , no ponto +. Tendo em conta I.5.6, a
restrição 0ÎÖ+× À Ö+× Ä ‘ também tem limite , no ponto +. Mas essa restrição
é constante, e portanto com limite 0 Ð+Ñ no ponto +. Pela unicidade do limite,
tem-se assim , œ 0 Ð+Ñ.
b) Sendo + ponto isolado de \ , podemos escrever \ œ Ö+×  Ð\ Ï Ö+×Ñ
onde + não é aderente a \ Ï Ö+× pelo que, pela alínea b) de I.5.8, o facto de
0 Ð+Ñ ser limite da função constante 0ÎÖ+× no ponto +, implica que 0 tem
limite 0 Ð+Ñ no ponto +.
c) Sendo + ponto de acumulação de \ , vem \ œ Ö+×  Ð\ Ï Ö+×Ñ onde + é
aderente a Ö+× e a \ Ï Ö+× pelo que, uma vez que a função constante 0ÎÖ+×
tem limite 0 Ð+Ñ no ponto +, resulta de I.5.6 e da alínea b) de I.5.8 que 0 tem
limite 0 Ð+Ñ no ponto + se, e só se, isso acontece à sua restrição a \ Ï Ö+×.
d) A restrição de 0 ao conjunto Ö+× é constante, e portanto tem 0 Ð+Ñ como
limite no ponto +. 
I.5.12 (Limites laterais) Um exemplo de sublimites, muito utilizado na prática,
é o constituído pelos limites laterais. Sejam \ § ‘ e + − ‘ e notemos \+
e \+ os subconjuntos de \ definidos por
\+ œ ÖB − \ ± B  +×, \+ œ ÖB − \ ± B  +×.

Dizemos que + é um ponto de acumulação à esquerda de \ se + é aderente a


\+ e que + é um ponto de acumulação à direita de \ se + é aderente a
\+ . Se repararmos que \ Ï Ö+× é a união dos subconjuntos \+ e \+ ,
podemos dizer que + é ponto de acumulação de \ se, e só se, + é ponto de
acumulação à esquerda ou à direita de \ (cf. I.3.15).
Suponhamos agora que 0 À \ Ä ‘ é uma função. Quando + é ponto de acu-
mulação à esquerda de \ ao limite, se existir,
lim 0 ÐBÑ,
BÄ+
B−\+

que se nota também lim 0 ÐBÑ, dá-se o nome de limite à esquerda de 0 ÐBÑ
BÄ+
quando B tende para +, usando-se também a notação 0 ÐBÑ Ò , para expri-
BÄ+
mir o facto de aquele limite ter o valor , . Analogamente, quando + é ponto de
acumulação à direita de \ ao limite, se existir,

rente a este. Quando o ponto + pertence ao domínio a única questão é saber se 0 Ð+Ñ é ou
não limite.
§5. Limites de funções e de sucessões 81

lim 0 ÐBÑ,
BÄ+
B−\+

que se nota também lim 0 ÐBÑ, dá-se o nome de limite à direita de 0 ÐBÑ
BÄ+
quando B tende para +, usando-se também a notação 0 ÐBÑ Ò , para expri-
BÄ+
mir o facto de aquele limite ter o valor ,. Repare-se que, como consequência
de I.5.6 e I.5.8, valem as seguintes relações entre limites e limites laterais:
a) Se + é ponto de acumulação à esquerda e à direita de +, então
lim 0 ÐBÑ œ , Í lim 0 ÐBÑ œ , e lim 0 ÐBÑ œ ,.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
BÁ+

b) Se + é ponto de acumulação à esquerda de \ mas não é ponto de


acumulação à direita deste conjunto, então
lim 0 ÐBÑ œ , Í lim 0 ÐBÑ œ , .
BÄ+ BÄ+
BÁ+

c) Se + é ponto de acumulação à direita de \ mas não é ponto de acumulação


à esquerda deste conjunto, então
lim 0 ÐBÑ œ , Í lim 0 ÐBÑ œ , .
BÄ+ BÄ+
BÁ+

I.5.13 (Exemplo) Considerando o conjunto  § ‘ dos números racionais, que


já referimos em I.3.26 ser denso, podemos mesmo dizer que qualquer
número real B é simultaneamente ponto de acumulação à esquerda e à direita
de . Com efeito, com o mesmo argumento então utilizado, dada uma vizi-
nhança arbitrária Z$ ÐBÑ œ ÓB  $ ß B  $ Ò de B, existem números racionais
entre B  $ e B, que são assim elementos de Z$ ÐBÑ  B , e números
racionais entre B e B  $ , que são assim elementos de Z$ ÐBÑ  B .
I.5.14 (Os limites são aderentes ao contradomínio) Sejam \ § ‘ um
conjunto, 0 À \ Ä ] § ‘ uma função a + um real estendido aderente a \ tal
que exista o limite lim 0 ÐBÑ œ , − ‘. Tem-se então que , é aderente a ] , em
BÄ+
particular , é aderente ao contradomínio 0 Ð\Ñ.
Dem: Seja $  ! arbitrário. Podemos considerar &  ! tal que, para cada
B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Escolhendo um B − \ nestas
condições, o que é possível por + ser aderente a \ , vemos que 0 ÐBÑ pertence
a ]  Z$ Ð,Ñ, em particular esta interseção não é vazia. Fica assim provado
que , é aderente a ] . A afirmação envolvendo o contradomínio resulta de
que se pode sempre considerar 0 como função de \ para 0 Ð\Ñ. 
I.5.15 (Limites de sucessões) Uma vez que uma sucessão Ð?8 Ñ8− não é mais do
que uma função de domínio , não necessitamos apresentar uma definição
autónoma de limite de uma sucessão. Observe-se, no entanto, que os reais
82 Cap. I. Números reais e limites

estendidos aderentes a  são exatamente os números naturais e _ ( é um


subconjunto fechado de ‘ minorado e não majorado) e que os números
naturais são pontos isolados de , e portanto pontos onde o limite existe
sempre e é igual ao termo correspondente da sucessão. Por esse motivo o
único limite que é interessante considerar é o limite quando 8 tende para _
e notamos simplemente lim ?8 ou lim ?8 o limite lim ?8 , quando existir,
8 8Ä_
referindo-o simplemente como sendo o limite da sucessão. Refira-se a
propósito que uma sucessão diz-se convergente quando tiver limite finito.
O limite de uma sucessão Ð?8 Ñ8− é habitualmente caracterizado de uma
forma diferente, embora, naturalmente, equivalente à definição de limite de
uma função, neste caso em _. Nomeadamente, um real estendido , é limite
de uma sucessão Ð?8 Ñ8− se, e só se, qualquer que seja $  !, existe uma
ordem a partir da qual os temos da sucessão pertencem a Z$ Ð,Ñ, isto é, existe
8! −  tal que, para cada 8 8! em , ?8 − Z$ Ð,Ñ.
Dem: Num dos sentidos temos uma implicação evidente: Se, para cada $  !
existe 8! −  nas condições referidas, então, tomando & œ 8"!  !, vemos
que para cada 8 −  na vizinhança Z& Ð_Ñ, tem-se 8  "& œ 8! , e portanto
?8 − Z$ Ð,Ñ, o que mostra que lim ?8 œ ,. A implicação contrária é seme-
8Ä_
lhante mas temos que resolver um pequeno contratempo. Suponhamos, com
efeito, que lim ?8 œ , e seja $  ! arbitrário. Podemos então considerar
8Ä_
&  ! tal que, para cada 8 −  na vizinhança Z& Ð_Ñ, isto é, para cada
8  "& em , B8 − Z$ Ð,Ñ. Seríamos assim, tentados a escolher para 8! o
número "& , mas isso apresenta duas dificuldades: por um lado "& não tem que
ser um número natural, por outro, mesmo que o fosse ficaríamos a saber o
que sucede para 8  8! mas não para 8 œ 8! . Para tornear estas dificuldades
basta, no entanto, notar que, pela propriedade arquimediana referida em
I.1.11, podemos considerar um número natural 8!  "& e então, para cada
número natural 8 8! tem-se 8  "& , e portanto ?8 − Z$ Ð,Ñ. 
I.5.16 (Sucessões parciais) Para além das sucessões, é útil em certas situações
considerar também sucessões parcialmente definidas, ou sucessões parciais.
Daremos esse nome a funções cujo domínio é um subconjunto N de  que
seja infinito, tendo ainda assim _ como ponto aderente. Tal como
acontece com as sucessões, é usual utilizar uma notação do tipo Ð?8 Ñ8−N , ou
outra com um significado equivalente, para designar uma sucessão parcial.
"
Por exemplo, a expressão 8' não define uma sucessão mas já faz sentido
"
pensar na sucessão parcial Ð 8' Ñ8 ( .
Tal como acontece com as sucessões, quando se fala de limite de uma
sucessão parcial está subentendido que se trata do limite quando 8 Ä _ e
para este limites vale uma caracterização análoga à referida em I.5.15 para as
sucessões.
§5. Limites de funções e de sucessões 83

Até agora, apesar de tudo o que já estudámos sobre limites, estamos muito
limitados quanto aos limites que sabemos calcular: Para além de algumas
variações triviais, são essencialmente apenas os limites das funções cons-
tantes e das funções identidade. Para aumentar o leque desses limites
vamos agora estabelecer as chamadas propriedades algébricas dos limi-
tes, que permitem determinar limites de funções obtidas por soma,
produto ou outras operações algébricas a partir de outras cujos limites
sejam conhecidos. Repare-se que, ao contrário do que acontecia nos
resultados que estabelecemos atrás, em que apenas as propriedades gerais
das vizinhanças, comuns às dos diferentes tipos de pontos de ‘, eram
usadas, vamos agora ter necessidade de utilizar as caracterizações
explícitas das vizinhanças dos pontos finitos. Lembremos que, em geral,
se , − ‘, a vizinhança Z$ Ð,Ñ œ Ó,  $ ß ,  $ Ò é o conjunto dos C − ‘ tais
que .ÐCß ,Ñ  $ , onde .ÐCß ,Ñ œ lC  ,l.

I.5.17 (Limites da soma, do módulo e do produto) Sejam \ § ‘, + − ‘ ade-


rente a \ e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções tais que
lim 0 ÐBÑ œ ,, lim 1ÐBÑ œ - ,
BÄ+ BÄ+

com ,ß - finitos. Tem-se então:


a) lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ ,  -
BÄ+
b) lim l0 ÐBÑl œ l,l
BÄ+
c) lim Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ œ , ‚ - .
BÄ+

Dem: a) Seja $  ! arbitrário. Aplicando a definição do limite das funções 0


e 1, com o número $#  ! como dado à partida67, podemos considerar dois
números &w  ! e &ww  ! tais que, para cada B − \ na vizinhança Z&w Ð+Ñ, se
tenha 0 ÐBÑ − Z$ Î# Ð,Ñ, isto é, l0 ÐBÑ  ,l  $# , e que, para cada B − \ na
vizinhança Z&ww Ð+Ñ, se tenha 1ÐBÑ − Z$ Î# Ð-Ñ, isto é, l1ÐBÑ  -l  $# . Escolha-
mos agora para &  ! o menor dos dois números &w e &ww e vejamos o que
sucede com cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ. Ora, uma vez que se tem
simultaneamente B − Z&w Ð+Ñ e B − Z&ww Ð+Ñ, vem ao mesmo tempo
l0 ÐBÑ  ,l  $# e l1ÐBÑ  -l  $# , pelo que

67A razão por que escolhemos aplicar a definição com o número $ /2 dado à partida, e não
outro, não será naturalmente clara para quem esteja a acompanhar a demonstração pela
ordem pela qual ela é apresentada. Qualquer número maior que ! podia ter sido conside-
rado e o que se passa é que se verificou, eventualmente depois de alguma tentativa não
totalmente conseguida, que, com esta escolha, no fim as “contas davam” o que neces-
sitávamos. Uma questão análoga levanta-se, com ainda maior evidência, na demonstração
da alínea c) que apresentaremos adiante.
84 Cap. I. Números reais e limites

lÐ0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ  Ð,  -Ñl œ lÐ0 ÐBÑ  ,Ñ  Ð1ÐBÑ  -Ñl Ÿ


Ÿ lÐ0 ÐBÑ  ,Ñl  lÐ1ÐBÑ  -Ñl 
$ $
  œ $,
# #
ou seja 0 ÐBÑ  1ÐBÑ − Z$ Ð,  -Ñ. Ficou assim provado que ,  - é efeti-
vamente o limite de 0 ÐBÑ  1ÐBÑ quando B tende para +.
b) A justificação é agora bastante mais direta que a dada em a). Seja, com
efeito, $  ! arbitrário. Consideremos &  ! tal que, para cada B − \ na
vizinhança Z& Ð+Ñ se tenha 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ, ou seja .Ð0 ÐBÑß ,Ñ  $ . Tendo em
conta I.1.22, vemos que, para cada B − \ nessa mesma vizinhança Z& Ð+Ñ,
.Ðl0 ÐBÑlß l,lÑ Ÿ .Ð0 ÐBÑß ,Ñ  $,
ou seja, l0 ÐBÑl − Z$ Ðl,lÑ. Concluímos assim que l0 ÐBÑl Ò l,l.
BÄ+
c) Seja $  ! arbitrário. Uma vez que l0 ÐBÑl Ò l,l, podemos considerar
BÄ+
&w  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z&w Ð+Ñ, l0 ÐBÑl − Z" Ðl,lÑ, em
particular
l0 ÐBÑl  l,l  ".
$
Considerando o número #Ðl-l"Ñ  ! na definição do limite de 0 ÐBÑ e o
$
número #Ðl,l"Ñ  ! na do limite de 1ÐBÑ, podemos considerar &ww  ! e
&www  ! tais que, para cada B − \  Z&ww Ð+Ñ,
$
l0 ÐBÑ  ,l 
#Ðl-l  "Ñ
e, para cada B − \  Z&www Ð+Ñ,
$
l1ÐBÑ  -l  .
#Ðl,l  "Ñ
Seja &  ! o menor dos três números &w , &ww e &www Þ Para cada B − \  Z& Ð+Ñ
tem-se então
l0 ÐBÑ1ÐBÑ  ,-l œ l0 ÐBÑÐ1ÐBÑ  -Ñ  Ð0 ÐBÑ  ,Ñ-l Ÿ
Ÿ l0 ÐBÑl lÐ1ÐBÑ  -Ñl  lÐ0 ÐBÑ  ,Ñl l-l 
$ $
 Ðl,l  "Ñ  Ðl-l  "Ñ œ $,
#Ðl,l  "Ñ #Ðl-l  "Ñ
isto é, 0 ÐBÑ1ÐBÑ − Z$ Ð,-Ñ. Ficou assim provado que 0 ÐBÑ1ÐBÑ Ä ,- quando
B Ä +. 
I.5.18 (Corolário) De I.5.17 podemos concluir, sem precisar de novas demons-
trações, que, sendo \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções
tais que
§5. Limites de funções e de sucessões 85

lim 0 ÐBÑ œ ,, lim 1ÐBÑ œ - ,


BÄ+ BÄ+

com ,ß - finitos, então


lim 1ÐBÑ œ - , lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ ,  - .
BÄ+ BÄ+

Basta, com efeito, reparar que 1ÐBÑ œ Ð"Ñ ‚ 1ÐBÑ e que 0 ÐBÑ  1ÐBÑ œ
0 ÐBÑ  Ð1ÐBÑÑ.
I.5.19 (Corolário) Das propriedades envolvendo os limites da soma e do pro-
duto de duas funções estabelecidas em I.5.17 resultam facilmente por indu-
ção matemática propriedades análogas para as somas e os produtos de um
número finito de funções, nomeadamente:
Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0" ß 0# ß á ß 05 À \ Ä ‘ funções admi-
tindo limites finitos
lim 0" ÐBÑ œ ," , lim 0# ÐBÑ œ ,# , á lim 05 ÐBÑ œ ,5 .
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Tem-se então
lim Ð0" ÐBÑ  0# ÐBÑ  â  05 ÐBÑÑ œ ,"  ,#  â  ,5 ,
BÄ+
lim Ð0" ÐBÑ ‚ 0# ÐBÑ ‚ â ‚ 05 ÐBÑÑ œ ," ‚ ,# ‚ â ‚ ,5 .
BÄ+

Em particular, considerando 5 vezes a mesma função, vemos que, se


0 À \ Ä ‘ tem limite finito , quando B tende para +, então, para cada inteiro
5 !,
lim 0 ÐBÑ5 œ ,5
BÄ+

(o caso 5 œ ! é trivialmente verdadeiro).


I.5.20 (Exemplo) Utilizando os resultados precedentes, já ficamos com um leque
mais alargado de funções cujo limite sabemos determinar. Por exemplo
lim ÐB%  #B  $Ñ œ Ð"Ñ%  # ‚ Ð"Ñ  $ œ #.
BÄ"

I.5.21 (Limite do inverso68) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ Ï Ö!× uma função e


+ − ‘ aderente a \ tal que lim 0 ÐBÑ œ , − ‘ Ï Ö!×. Tem-se então
BÄ+

" "
lim œ .
BÄ+ 0 ÐBÑ ,

68Não "
confundir o inverso da função 0 , que é a função que a B associa o inverso 0 ÐBÑ de
0 ÐBÑ, com a função inversa da função 0 , que definimos em I.4.11, no caso em que 0 é
injetiva.
86 Cap. I. Números reais e limites

Dem: Seja $  ! arbitrário. Uma vez que l0 ÐBÑl Ä l,l  !, podemos


considerar &w  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z&w Ð+Ñ,

l0 ÐBÑl − Zl,lÎ# Ðl,lÑ œ ‘ ,


l,l $l,l
ß
# #
em particular l0 ÐBÑl  l,lÎ#. Considerando o número
$ l,l#
$w œ !
#
podemos considerar &ww  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z&ww Ð+Ñ,
0 ÐBÑ − Z$ w Ð,Ñ, isto é l0 ÐBÑ  ,l  $ w . Sendo &  ! o menor dos dois números
&w e &ww , vemos agora que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ,

¹  ¹œ
" " l,  0 ÐBÑl #$ w
 # œ $,
0 ÐBÑ , l0 ÐBÑl l,l l,l
"
isto é 0 ÐBÑ − Z$ Ð ", Ñ. 

I.5.22 (Corolário) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ e 1À \ Ä ‘ Ï Ö!× duas funções e


a − ‘ aderente a \ tal que lim 0 ÐBÑ œ , − ‘ e lim 1ÐBÑ œ - − ‘ Ï Ö!×.
BÄ+ BÄ+
Tem-se então
0 ÐBÑ ,
lim œ .
BÄ+ 1ÐBÑ -
0 ÐBÑ "
Basta. com efeito, reparar que 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ .

O estudo, neste momento, da propriedade que apresentamos em seguida


pode ser considerado, de certo modo, um “luxo”, uma vez que o resultado
poderá ser obtido com muito menos trabalho depois de estudarmos, como
faremos numa secção adiante, as propriedades das inversas de funções
contínuas. O mesmo se pode dizer aliás do resultado I.1.15 que garante a
existência de raizes quadradas. Fazemo-lo com o objetivo de podermos
resolver no fim deste secção alguns exercícios sobre a determinação de
limites envolvendo raizes quadradas e também porque a demonstração
que apresentaremos ilustra uma ideia (multiplicação pelo “conjugado”)
que é utilizada com frequência nalguns levantamentos de indeterminação.

I.5.23 (Limite da raiz quadrada) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä Ò!ß _Ò uma função


e + − ‘ aderente a \ tal que 0 ÐBÑ Ò , − ‘. Tem-se então , ! e
BÄ+

lim È0 ÐBÑ œ È,.


BÄ+

Dem: O facto de se ter , ! é uma consequência de I.5.3 (ou, alternativa-


mente, de I.5.14 e do facto de Ò!ß _Ò ser um conjunto fechado). Vamos
§5. Limites de funções e de sucessões 87

tratar separadamente os casos em que , œ ! e em que ,  !.


1) Suponhamos que , œ !. Dado $  ! arbitrário, podemos, partindo do
número $ #  !, considerar &  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð!Ñ,

quadrada (cf. I.4.23) tem-se, para cada B nessas condições ! Ÿ È0 ÐBÑ  $ ,


0 ÐBÑ − Z$ # Ð!Ñ, portanto ! Ÿ 0 ÐBÑ  $ # . Tendo em conta a monotonia da raiz

em particular È0 ÐBÑ − Z$ Ð!Ñ, o que mostra que se tem efetivamente


È0 ÐBÑ Ò ! œ È!.
BÄ+

número $ È,  !, considerar &  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð!Ñ,


2) Suponhamos que ,  !. Dado $  ! arbitrário, podemos, partindo do

0 ÐBÑ − Z$ È, Ð,Ñ, isto é, l0 ÐBÑ  ,l  $ È,. Para cada B nessas condições


tem-se então
È0 ÐBÑ  È,ÑÐÈ0 ÐBÑ  È,Ñ
lÈ0 ÐBÑ  È,l œ ¹ ¹Ÿ
Ð
È0 ÐBÑ  È,
$ È,
È, È,
l0 ÐBÑ  ,l
Ÿ  œ$

ou seja, È0 ÐBÑ − Z$ ÐÈ,Ñ, o que mostra que se tem efetivamente


È0 ÐBÑ Ò È,. 
BÄ+

Faltam-nos neste momento resultados que permitam estabelecer a existên-


cia de limites quando se consideram também limites infinitos. Esses resul-
tados costumam ser enunciados na forma de mnemónicas que o estudante
decerto já encontrou.

I.5.24 (As mnemónicas


Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ œ _,
l_l œ _ß l_l œ _ )
Sejam + um real estendido aderente a um conjunto \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma
função.
a) Se 0 ÐBÑ Ò _, então 0 ÐBÑ Ò _ e l0 ÐBÑl Ò _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) Se 0 ÐBÑ Ò _, então 0 ÐBÑ Ò _ e l0 ÐBÑl Ò _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
Dem: Trata-se de consequências diretas das definições, se repararmos que,
dado $  !, tem-se
0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ Ê 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ e l0 ÐBÑl œ 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñß
0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ Ê 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ e l0 ÐBÑl œ 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. 
88 Cap. I. Números reais e limites

I.5.25 (Caracterização alternativa dos limites infinitos) Sejam + um real


estendido aderente a um conjunto \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se
então:
a) lim 0 ÐBÑ œ _ se, e só se, qualquer que seja Q − ‘, existe &  ! tal
BÄ+
que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  Q .
b) lim 0 ÐBÑ œ _ se, e só se, qualquer que seja Q − ‘, existe &  ! tal
BÄ+
que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  Q .
Dem: Vamos justificar apenas a), uma vez que a conclusão de b) resulta de
aplicar a) à função que a B associa 0 ÐBÑ (B È 0 ÐBÑ). Comecemos por
supor que, qualquer que seja Q − ‘, existe &  ! tal que, para cada B − \
na vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  Q . Dado $  ! arbitrário, podemos aplicar a
nossa hipótese tomando Q œ "$ , considerando &  ! tal que, para cada
B − \  Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  $" , ou seja, 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Ficou assim provado
que lim 0 ÐBÑ œ _. Suponhamos reciprocamente que lim 0 ÐBÑ œ _.
BÄ+ BÄ+
Seja Q − ‘ arbitrário. Não podemos aplicar diretamente a definição
tomando $ œ Q" uma vez que não estamos a supor Q  !. No entanto
podemos considerar, por exemplo Q w œ maxÖQ ß "× e, considerando
$ œ Q" w  !, podemos considerar &  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ,
0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ, portanto 0 ÐBÑ  $" œ Q w Q . 
I.5.26 (As mnemónicas
Ð_Ñ  Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ  , œ _,
Ð_Ñ  Ð_Ñ œ  _, Ð_Ñ  , œ _ )

Sejam + um real estendido aderente a um conjunto \ § ‘ e 0 ß 1À \ Ä ‘


duas funções.
a) Se lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ _, então lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) Se lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ , − ‘, então lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
c) Se lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ _, então lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) Se lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ , − ‘, então lim Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
Dem: a) Seja $  ! arbitrário. Consideremos &w  ! e &ww  ! tais que, para
cada B − \  Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ e que, para cada B − \  Z&ww Ð+Ñ,
1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww , vemos que,
para cada B − \  Z& Ð+Ñ, tem-se 0 ÐBÑ  "$ e 1ÐBÑ  $" , donde
" " "
0 ÐBÑ  1ÐBÑ    ,
$ $ $
ou seja, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Tem-se assim 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.
BÄ+
b) Seja $  ! arbitrário. Consideremos &ww  ! tal que, para cada B − \ em
Z&ww Ð+Ñ, 1ÐBÑ − Z" Ð,Ñ, em particular 1ÐBÑ  ,  ". Aplicando I.5.25 com
Q œ "$  Ð,  "Ñ, podemos considerar &w  ! tal que, para cada B − \ em
§5. Limites de funções e de sucessões 89

Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  "$  Ð,  "Ñ. Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww ,
vemos que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ, tem-se
" "
0 ÐBÑ  1ÐBÑ   Ð,  "Ñ  Ð,  "Ñ œ ,
$ $
ou seja, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Tem-se assim 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.
BÄ+
c) Em vez de fazer uma demonstração análoga à de a), é mais fácil aplicar
I.5.24 e o que se viu em a), reparando que se tem então lim 0 ÐBÑ œ _ e
BÄ+
lim 1ÐBÑ œ _ e portanto
BÄ+

Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ Ð0 ÐBÑÑ  Ð1ÐBÑÑ Ò _,


BÄ+

donde, para o seu simétrico, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.


BÄ+
d) Analogamente ao que se fez em c), aplicamos I.5.24 e o que se viu em b),
reparando que se tem então lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ , − ‘ e
BÄ+ BÄ+
portanto
Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ Ð0 ÐBÑÑ  Ð1ÐBÑÑ Ò _,
BÄ+

donde, para o seu simétrico, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _. 


BÄ+

I.5.27 (As mnemónicas


Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ ‚ :9= œ _ )

Sejam + um real estendido aderente a um conjunto \ § ‘ e 0 ß 1À \ Ä ‘


duas funções.
a) Se 0 ÐBÑ Ò _ e 1ÐBÑ Ò _, então 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ Ò _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) Se 0 ÐBÑ Ò _ e 1ÐBÑ Ò , − Ó!ß _Ò então 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ Ò _.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
Dem: a) Seja $  ! arbitrário. Consideremos &w  ! e &ww  ! tais que, para
cada B − \  Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ e que, para cada B − \  Z&ww Ð+Ñ,
1ÐBÑ − Z" Ð_Ñ. Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww , vemos que,
para cada B − \  Z& Ð+Ñ, tem-se 0 ÐBÑ  "$ e 1ÐBÑ  ", donde
" "
0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ  ‚"œ ,
$ $
ou seja, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Tem-se assim 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.
BÄ+
b) Seja $  ! arbitrário. Consideremos os números $ w  ! e $ ww  ! definidos
por $ w = ,#$ e $ ww œ #, e, a partir destes, &w  ! e &ww  ! tais que, para cada
B − \  Z&w Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ w Ð_Ñ, isto é, 0 ÐBÑ  ,#$ , e que, para cada
B − \  Z&ww Ð+Ñ, 1ÐBÑ − Z$ ww Ð,Ñ œ Ó #, ß $,# Ò, em particular 1ÐBÑ  #, . Sendo
&  ! o menor dos dois números &w e &ww , vemos que, para cada
B − \  Z& Ð+Ñ, tem-se 0 ÐBÑ  ,#$ e 1ÐBÑ  #, , donde
90 Cap. I. Números reais e limites

# , "
0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ  ‚ œ ,
,$ # $
ou seja, 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ. Tem-se assim 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ Ò _. 
BÄ+

I.5.28 (Nota) Ao contrário do que fizémos em I.5.26, e com o objetivo de não


tornar o texto desnecessariamente pesado, abstivémo-nos de enunciar em
I.5.27 as conclusões que se deduzem diretamente das enunciadas em a) e b)
por utilização da propriedade I.5.24. Como exemplo, se 0 ÐBÑ Ò _ e
BÄ+
1ÐBÑ Ò _, então 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ Ò _, uma vez que se tem
BÄ+ BÄ+

Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ œ 0 ÐBÑ ‚ Ð1ÐBÑÑ Ò _,


BÄ+

por ser também 1ÐBÑ Ò _. Como outro exemplo, se 0 ÐBÑ Ò _ e


BÄ+ BÄ+
1ÐBÑ Ò , − Ó_ß !Ò, então 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ Ò _, uma vez que se tem
BÄ+ BÄ+

0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ œ Ð0 ÐBÑÑ ‚ Ð1ÐBÑÑ Ò _,


BÄ+

por ser 0 ÐBÑ Ò _ e 1ÐBÑ Ò , − Ó!ß _Ò. Limitamo-nos assim a


BÄ+ BÄ+
destacar, juntamente com aquelas, as mnemónicas que se somam às referidas
em I.5.27 e onde :9= e 8/1 significam respetivamente um número real maior
que ! e um número real menor que !:
Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ ‚ :9= œ _,
Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ ‚ 8/1 œ _,
Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ ‚ :9= œ _,
Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _, Ð_Ñ ‚ 8/1 œ _.

Note-se também que no contexto de I.5.26 e I.5.27 há “candidatos a mnemó-


nicas” que não conduzem a resultado e que constituem o que se costuma
designar por indeterminações, nomeadamente
(_)  Ð_Ñ, _ ‚ !.
Classificar a primeira como uma indeterminação corresponde a afirmar que,
de se saber que lim 0 ÐBÑ œ _ e lim 1ÐBÑ œ _, não se pode concluir,
BÄ+ BÄ+
por si só, a existência ou não de limite quando B tende para + de 0 ÐBÑ  1ÐBÑ
nem, em caso de existência, o valor desse limite. Quanto à segunda, o que
queremos significar é que, de se saber que lim 0 ÐBÑ é igual a _ ou a _ e
BÄ+
que lim 1ÐBÑ œ ! não se pode concluir nada sobre a existência ou o valor do
BÄ+
limite quando B tende para + de 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ. Existem técnicas, algumas das
quais o estudante já conhece do ensino secundário, para levantar
indeterminações, isto é, para determinar os limites de funções nalguns casos
em que a aplicação direta das regras algébricas dos limites e das mnemónicas
que examinámos conduzia a uma das indeterminações referidas.
§5. Limites de funções e de sucessões 91

I.5.29 (Exemplo) Suponhamos que se pretende calcular o limite lim B#  B. Se


BÄ_
repararmos que, pelas mnemónicas do produto, B# e B têm respetivamente
limites _ e _ quando B tende para _, verificamos que estamos na
presença de uma indeterminação do tipo Ð_Ñ  Ð_Ñ. No entanto, conse-
guimos levantar a indeterminação substituindo a expressão B#  B noutra
equivalente. Tem-se assim, uma vez que
lim B  " œ Ð_Ñ  Ð"Ñ œ _,
BÄ_

lim B#  B œ lim BÐB  "Ñ œ Ð_Ñ ‚ Ð_Ñ œ _.


BÄ_ BÄ_

I.5.30 (As mnemónicas Ð_Ñ5 œ _ e Ð_Ñ5 œ „_, com 5 natural)


Sejam + um real estendido aderente a um conjunto \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma
função e 5 − .
a) Se lim 0 ÐBÑ œ _, então lim 0 ÐBÑ5 œ _.
BÄ+ BÄ+
b) Se lim 0 ÐBÑ œ _, então lim 0 ÐBÑ5 œ _ se 5 par e lim 0 ÐBÑ5 œ _
BÄ+ BÄ+ BÄ+
se 5 ímpar.
Dem: Estas conclusões resultam facilmente por indução em 5 a partir da
propriedade na alínea a) de I.5.27 e das respetivas variantes referidas na nota
I.5.28, se repararmos que se pode escrever 0 ÐBÑ:" œ 0 ÐBÑ: ‚ 0 ÐBÑ. 
I.5.31 (As mnemónicas
" " "
œ !, œ _, œ _ )
„_ ! !
Sejam + um real estendido aderente a um conjunto \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ Ï Ö!×
uma função.
"
a) Se lim 0 ÐBÑ œ _ ou lim 0 ÐBÑ œ _, então lim 0 ÐBÑ œ !.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
"
b) Se lim 0 ÐBÑ œ ! e 0 Ð\Ñ § Ó!ß _Ò, então lim œ _.
BÄ+ BÄ+ 0 ÐBÑ
"
c) Se lim 0 ÐBÑ œ ! e 0 Ð\Ñ § Ó_ß !Ò, então lim œ _.
BÄ+ BÄ+ 0 ÐBÑ
Dem: a) Comecemos por supor que lim 0 ÐBÑ œ _. Seja $  ! arbitrário.
BÄ+
Escolhamos &  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ.
Sendo B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ tem-se 0 ÐBÑ  "$ , donde !  0 ÐBÑ
"
$ e
" "
portanto 0 ÐBÑ − Z$ Ð!Ñ. Provámos assim que lim 0 ÐBÑ œ !. O caso em que
BÄ+
lim 0 ÐBÑ œ _ reduz-se ao já examinado pelo método habitual de utilizar
BÄ+
I.5.24: Tem-se lim 0 ÐBÑ œ _ donde, como já vimos
BÄ+

" "
 œ Ä!
0 ÐBÑ 0 ÐBÑ
92 Cap. I. Números reais e limites

"
o que implica que lim œ ! œ !.
BÄ+ 0 ÐBÑ
b) Seja $  ! arbitrário. Podemos escolher &  ! tal que, para cada B − \ na
vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ Ð!Ñ e portanto, como 0 ÐBÑ − Ó!ß _Ò, tem-se
"
!  0 ÐBÑ  $. Para um tal B tem-se assim 0 ÐBÑ  $" , isto é, 0 ÐBÑ
"
− Z$ Ð_Ñ,
"
o que mostra que lim 0 ÐBÑ œ _.
BÄ+
c) Uma vez que 0 ÐBÑ Ò ! œ !, agora com 0 ÐBÑ − Ó!ß _Ò, o que
BÄ+
" " "
vimos em b) garante que  0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ Ò _, donde 0 ÐBÑ Ò _. 
BÄ+ BÄ+

I.5.32 (Mnemónicas envolvendo o quociente) Analogamente ao que fizémos


em I.5.22 para obter uma propriedade algébrica do limite do quociente a
partir das propriedades sobre o limite dum produto e o limite do inverso,
também agora podemos obter mnemónicas envolvendo limites infinitos a
tendo em conta as mnemónicas referidas em I.5.28 e I.5.31.
Por exemplo, a mnemónica
,
œ!
„_
significa que, dadas funções 0 À \ Ä ‘ e 1À \ Ä ‘ Ï Ö!× e um real
estendido + aderente a \ e tal que lim 0 ÐBÑ œ , − ‘ e lim 1ÐBÑ œ „_,
BÄ+ BÄ+
então lim 0 ÐBÑ œ ! e pode ser simplesmente explicada com a observação que
BÄ+ 1ÐBÑ
0 ÐBÑ " "
se tem então 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ , onde 1ÐBÑ Ò !. Destacamos em seguida
BÄ+
outras mnemónicas do mesmo tipo, cujos significados e demonstrações são
análogos e onde os símbolos :9= e 8/1 se referirâo, como atrás a números
reais maiores que ! e menores que ! respetivamente:
_ _ :9=
œ _, œ _, œ _,
! :9= !
_ _ 8/1
œ _, œ _, œ _,
! 8/1 !
_ _ :9=
œ _, œ _, œ _,
! :9= !
_ _ 8/1
œ _, œ _, œ _.
! 8/1 !
Costuma-se também classificar, com significado análogo ao referido em
I.5.28, os quocientes
_ !
, ,
_ !
como indeterminações.
I.5.33 (Exemplo) Vamos apresentar mais um exemplo de levantamento de
indeterminação. Apesar de se tratar de um tipo de indeterminação com que
§5. Limites de funções e de sucessões 93

certamente o estudante já trabalhava no ensino secundário, apresentamo-lo


com o convite para que seja examinado o modo como algumas das proprie-
dades atrás sistematizadas são aplicadas. Trata-se de determinar o limite
$B%  "
lim .
BÄ_ #B%  B#  &

Se calcularmos separadamente os limites do numerador e do denominador


constatamos que são ambos iguais a _, e portanto estamos em presença de
uma indeterminação do tipo _ _ . No entanto, transformando a expressão nou-
tra equivalente, depois de reparar que ‘ œ Ö!×  Б Ï Ö!×Ñ, onde _ não é
aderente a Ö!×, para aplicar a alínea b) de I.5.8, vemos que
$B%  " $B%  "
lim œ lim œ
BÄ_ #B%  B#  & BÄ_ #B%  B#  &
BÁ!
"
$ B% $
œ lim " &
œ .
BÄ_ # B#  B%
#
BÁ!

I.5.34 (A mnemónica È _ œ _) Sejam + um real estendido aderente a


\ § ‘ e 0 À \ Ä Ò!ß _Ò uma função tal que lim 0 ÐBÑ œ _. Tem-se
então lim È0 ÐBÑ œ _.
BÄ+

BÄ+
Dem: Seja $  ! arbitrário. Partindo do número $ #  !, podemos considerar
&  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$ # Ð_Ñ, isto é 0 ÐBÑ  $"# .
Para B − \  Z& Ð+Ñ, vem então È0 ÐBÑ  $" , isto é, È0 ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ, o
que mostra que È0 ÐBÑ Ò _. 
BÄ+

por B8 œ È8  "  È8. Uma vez que È8  " Ò _ e È8 Ò _,


I.5.35 (Exemplo) Tentemos determinar o limite da sucessão ÐB8 Ñ8− definida

uma tentativa direta de determinar o limite conduzia a uma indeterminação


do tipo Ð_Ñ  Ð_Ñ. No entanto, utilizando uma ideia que o estudante
possivelmente já encontrou, conseguimos levantar a indeterminação:
ÐÈ8  "  È8ÑÐÈ8  "  È8Ñ
lim ÐÈ8  "  È8Ñ œ lim
È8  "  È8
œ

È8  "  È8
Ð8  "Ñ  8 "
œ lim œ œ !.
_

I.5.36 (Limite da função composta) Sejam \ § ‘ e ] § ‘ dois conjuntos e


0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ‘ duas funções e consideremos a função composta
1 ‰ 0 À \ Ä ‘. Sejam +ß ,ß - − ‘, com + aderente a \ e , aderente a ] , tais
94 Cap. I. Números reais e limites

que lim 0 ÐBÑ œ , e lim 1ÐCÑ œ - .69 Tem-se então que 1 ‰ 0 tem limite -
BÄ+ CÄ,
quando B tende para +, isto é, lim 1Ð0 ÐBÑÑ œ - .
BÄ+
Com uma notação porventura mais sugestiva, podemos assim escrever
Se 0 ÐBÑ Ò , e 1ÐCÑ Ò - , então 1Ð0 ÐBÑÑ Ò - .
BÄ+ CÄ, BÄ+

Dem: Seja 3  ! arbitrário. Tendo em conta a existência de limite para a


função 1, podemos considerar $  ! tal que, para cada C − ] na vizinhança
Z$ Ð,Ñ, 1ÐCÑ − Z3 Ð-Ñ. Tendo em conta agora a existência de limite para a
função 0 , consideramos &  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ,
0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ donde, por ser 0 ÐBÑ − ] , podemos tomar C œ 0 ÐBÑ na
conclusão acima para concluir que 1Ð0 ÐBÑÑ − Z3 Ð-Ñ. Ficou assim provado
que 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ tem limite - quando B tende para +. 
I.5.37 (Exemplo) Uma noção que será estudada adiante mas que o estudante já
encontrou no ensino secundário é a de derivada de uma função 0 À ‘ Ä ‘
num ponto + − ‘. 70 Trata-se do limite, se existir
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+Ñ œ lim Þ
BÄ+ B+
BÁ+

Considerando a função :À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ Ï Ö+×, definida por :Ð2Ñ œ +  2,


para a qual se tem :Ð2Ñ Ò +, vemos que, no caso em que 0 tem derivada
2Ä!
no ponto +, tem-se também
0 Ð+  2Ñ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+Ñ œ lim .
2Ä! 2
2Á!

Repare-se que por um processo análogo, que o estudante é convidado a


explicitar, pode-se verificar que, reciprocamente, a existência deste último
limite implica a existência do limite que define a derivada de 0 no ponto +.
I.5.38 (Limites laterais de funções monótonas) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘
uma função crescente (respetivamente decrescente). Tem-se então:
a) Se _ é aderente a \ , então existe o limite lim 0 ÐBÑ, que é igual ao
BÄ_
supremo (respetivamente ínfimo) do contradomínio 0 Ð\Ñ.
b) Se _ é aderente a \ , então existe o limite lim 0 ÐBÑ, que é igual ao
BÄ_
ínfimo (respetivamente supremo) do contradomínio 0 Ð\Ñ.

69A utilização da variável C na função 1, distinta da variável B utilizada para a função 0 ,


não é evidentemente obrigatória, podendo utilizar-se a mesma variável nos dois contex-
tos. É, no entanto, comummente considerado que o uso de duas variáveis diferentes no
contexto de uma função composta (tal como no duma função inversa) facilita a intuição.
70Para simplificar a apresentação do exemplo estamos a supor que o domínio é a
totalidade de ‘, o que não é evidentemente necessário).
§5. Limites de funções e de sucessões 95

c) Se + − ‘ é um ponto de acumulação à esquerda de \ , então existe o


limite à esquerda lim 0 ÐBÑ, que é igual ao supremo (respetivamente ínfimo)
BÄ+
do conjunto 0 Ð\+ Ñ dos 0 ÐBÑ com B − \ e B  +.
d) Se + − ‘ é um ponto de acumulação à direita de \ , então existe o limite à
direita lim 0 ÐBÑ, que é igual ao ínfimo (respetivamente supremo) do
BÄ+
conjunto 0 Ð\+ Ñ dos 0 ÐBÑ com B − \ e B  +.

Dem: a) Seja , − ‘ o supremo (respetivamente ínfimo) de 0 Ð\Ñ. Seja $  !


arbitrário. Tendo em conta I.3.18, , é aderente a 0 Ð\Ñ pelo que existe - − \
tal que 0 Ð-Ñ − Z$ Ð,Ñ. Seja &  ! tal que - Â Z& Ð_Ñ. Como Z& Ð_Ñ é um
intervalo, para cada B − \ em Z& Ð_Ñ, tem-se então B  - donde
, 0 ÐBÑ 0 Ð-Ñ (respetivamente , Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð-Ñ) e portanto, por Z$ Ð,Ñ
ser um intervalo, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Provámos assim que 0 ÐBÑ Ò ,.
BÄ_
b) Seja , − ‘ o ínfimo (respetivamente supremo) de 0 Ð\Ñ. Seja $  !
arbitrário. Tendo em conta I.3.18, , é aderente a 0 Ð\Ñ pelo que existe - − \
tal que 0 Ð-Ñ − Z$ Ð,Ñ. Seja &  ! tal que - Â Z& Ð_Ñ. Como Z& Ð_Ñ é um
intervalo, para cada B − \ em Z& Ð_Ñ, tem-se então B  - donde
, Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð-Ñ (respetivamente , 0 ÐBÑ 0 Ð-Ñ) e portanto, por Z$ Ð,Ñ
ser um intervalo, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Provámos assim que 0 ÐBÑ Ò ,.
BÄ_
c) Seja , − ‘ o supremo (respetivamente ínfimo) de 0 Ð\+ Ñ. Seja $  !
arbitrário. Tendo em conta I.3.18, , é aderente a 0 Ð\+ Ñ pelo que existe
- − \+ tal que 0 Ð-Ñ − Z$ Ð,Ñ. Seja &  ! tal que - Â Z& Ð+Ñ. Como Z& Ð+Ñ é
um intervalo, para cada B − \+ em Z& Ð+Ñ, tem-se então B  - donde
, 0 ÐBÑ 0 Ð-Ñ (respetivamente , Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð-Ñ) e portanto, por Z$ Ð,Ñ
ser um intervalo, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Provámos assim que 0 ÐBÑ Ò ,.
BÄ+
d) Seja , − ‘ o ínfimo (respetivamente supremo) de 0 Ð\+ Ñ. Seja $  !
arbitrário. Tendo em conta I.3.18, , é aderente a 0 Ð\+ Ñ pelo que existe
- − \+ tal que 0 Ð-Ñ − Z$ Ð,Ñ. Seja &  ! tal que - Â Z& Ð+Ñ. Como Z& Ð+Ñ é
um intervalo, para cada B − \+ em Z& Ð+Ñ, tem-se então B  - donde
, Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð-Ñ (respetivamente , 0 ÐBÑ 0 Ð-Ñ) e portanto, por Z$ Ð,Ñ
ser um intervalo, 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Provámos assim que 0 ÐBÑ Ò ,. 
BÄ+
96 Cap. I. Números reais e limites

I.5.39 (Corolário) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função crescente (respetiva-


mente decrescente). Tem-se então:
a) Se + − ‘ é um ponto de acumulação à esquerda de \ , então, para cada
C − \ com C +, lim 0 ÐBÑ Ÿ 0 ÐCÑ (respetivamente lim 0 ÐBÑ 0 ÐCÑ),
BÄ+ BÄ+
em particular, se + não for máximo de \ , lim 0 ÐBÑ é finitoÞ
BÄ+
b) Se + − ‘ é um ponto de acumulação à direita de \ , então, para cada
C − \ com C Ÿ +, 0 ÐCÑ Ÿ lim 0 ÐBÑ (respetivamente 0 ÐCÑ lim 0 ÐBÑ), em
BÄ+ BÄ+
particular, se + não for mínimo de \ , lim 0 ÐBÑ é finitoÞ
BÄ+
c) Se + − ‘ é simultaneamente ponto de acumulação à esquerda e à direita de
\ , então lim 0 ÐBÑ Ÿ lim 0 ÐCÑ (respetivamente lim 0 ÐBÑ lim 0 ÐCÑ),
BÄ+ CÄ+ BÄ+ CÄ+
onde ambos os limites laterais são finitos.
Dem: A alínea a) resulta de 0 ÐCÑ ser então um majorante (respetivamente
minorante) do conjunto 0 Ð\+ Ñ e portanto ser necessariamente maior ou
igual (respetivamente menor ou igual) ao seu supremo (respetivamente ínfi-
mo). A alínea b) tem uma justificação análoga. A alínea c) resulta de a) uma
vez que, por esta, lim 0 ÐBÑ é um minorante (respetivamente majorante) do
BÄ+
conjunto 0 Ð\+ Ñ e portanto menor ou igual (respetivamente menor ou igual)
ao seu ínfimo (respetivamente supremo). 
I.5.40 (Limites por enquadramento) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e
0 À \ Ä ‘ uma função.
a) Se existirem funções 1ß 2À \ Ä ‘ com lim 1ÐBÑ œ lim 2ÐBÑ œ , − ‘ e,
BÄ+ BÄ+
para cada B − \ ,
1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 2ÐBÑ ou 2ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ 1ÐBÑ,
então também lim 0 ÐBÑ œ , .
BÄ+
b) Se existir uma função 1À \ Ä ‘ com lim 1ÐBÑ œ _ e, para cada
BÄ+
B − \ , 1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ, então também lim 0 ÐBÑ œ _.
BÄ+
c) Se existir uma função 2À \ Ä ‘ com lim 2ÐBÑ œ _ e, para cada
BÄ+
B − \ , 0 ÐBÑ Ÿ 2ÐBÑ, então também lim 0 ÐBÑ œ _.
BÄ+
Dem: a) Seja $  ! arbitrário. Podemos então considerar &w  ! e &ww  ! tais
que, para cada B − \  Z&w Ð+Ñ, 1ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ e, para cada B − \  Z&ww Ð+Ñß
2ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Sendo &  ! o menor dos dois números &w e &ww , vemos agora
que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ, 1ÐBÑ e 2ÐBÑ pertencem simultaneamente a
Z$ Ð,Ñ e portanto, por esta vizinhança ser um intervalo, também 0 ÐBÑ, que é
um daqueles dois reais ou está entre eles, pertence a Z$ Ð,Ñ. Ficou assim
provado que 0 ÐBÑ Ò , .
BÄ+
b) Seja $  ! arbitrário. Existe então &  ! tal que, para cada
B − \  Z& Ð+Ñ, 1ÐBÑ − Z$ Ð_Ñ œ Ó $" ß _Ó e portanto, por ser 1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ,
§5. Limites de funções e de sucessões 97

também 0 ÐBÑ − Ó "$ ß _Ó œ Z$ Ð_Ñ. Provámos assim que 0 ÐBÑ Ò _.
BÄ+
c) Podíamos dar uma justificação análoga à dada em b), mas também
podemos reduzir-nos à conclusão já obtida reparando que 2ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ e
que 2ÐBÑ Ò _, donde 0 ÐBÑ Ò _ e 0 ÐBÑ Ò _. 
BÄ+ BÄ+ BÄ+

I.5.41 (Exemplos) a) Seja 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ senÐBÑ
B .
" "
Sabemos que lim B œ _ œ !, mas não sabemos nada sobre o limite da
BÄ_
função senÐBÑ pelo que não podemos aplicar nenhuma das propriedades
algébricas dos limites para determinar o limite da função. No entanto, como
um seno está sempre entre " e ", podemos escrever  B" Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ B" , onde
 B" Ä ! e B" Ä !. Podemos assim concluir, por enquadramento, que
0 ÐBÑ Ò !.
BÄ_
b) Consideremos a função intÀ ‘ Ä ™, onde intÐBÑ é a parte inteira de B,
definida em I.1.13, portanto intÐBÑ œ :, para B − Ò:ß :  "Ò, com : − ™. Uma
vez que, para cada B − ‘, intÐBÑ Ÿ B  intÐBÑ  ", vem
B  "  intÐBÑ Ÿ B,
o que nos permite concluir, por enquadramento, que
lim intÐBÑ œ _, lim intÐBÑ œ _.
BÄ_ BÄ_

Vamos agora examinar outros exemplos de aplicação da determinação de


limites por enquadramento que têm um caráter mais geral e que serão
utilizados frequentemente.

I.5.42 (Caracterização alternativa dos limites finitos) Sejam \ § ‘, + − ‘


aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então:
a) lim 0 ÐBÑ œ ! se, e só se, lim l0 ÐBÑl œ !.
BÄ+ BÄ+
b) Mais geralmente, para cada , − ‘, lim 0 ÐBÑ œ , se, e só se,
BÄ+

lim .Ð0 ÐBÑß ,Ñ œ lim l0 ÐBÑ  ,l œ !.


BÄ+ BÄ+

Dem: a) Já vimos na alínea b) de I.5.17 que, se lim 0 ÐBÑ œ ! então também


BÄ+
lim l0 ÐBÑl œ !. Supondo, reciprocamente, que lim l0 ÐBÑl œ !, tem-se
BÄ+ BÄ+
também lim l0 ÐBÑl œ ! e portanto, pelo enquadramento
BÄ+

l0 ÐBÑl Ÿ 0 ÐBÑ Ÿ l0 ÐBÑl,


concluímos que lim 0 ÐBÑ œ !.
BÄ+
b) Como consequência da alínea a) de I.5.17, vemos que, se lim 0 ÐBÑ œ ,,
BÄ+
98 Cap. I. Números reais e limites

então
lim Ð0 ÐBÑ  ,Ñ œ lim 0 ÐBÑ  Ð,Ñ œ !,
BÄ+ BÄ+

e portanto lim l0 ÐBÑ  ,l œ !. Reciprocamente, se lim l0 ÐBÑ  ,l œ !, vem


BÄ+ BÄ+
lim Ð0 ÐBÑ  ,Ñ œ ! e portanto
BÄ+

lim 0 ÐBÑ œ lim ÐÐ0 ÐBÑ  ,Ñ  ,Ñ œ !  , œ ,. 


BÄ+ BÄ+

I.5.43 (Mnemónica limitado ‚ !) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e


0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções. Se 0 é uma função limitada e lim 1ÐBÑ œ !,
BÄ+
então lim 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ œ !.
BÄ+
Dem: Tendo em conta I.1.20, seja Q ! tal que l0 ÐBÑl Ÿ Q , para cada
B − \ . Tem-se então, para cada B − \ ,
! Ÿ l0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑl œ l0 ÐBÑl ‚ l1ÐBÑl Ÿ Q l1ÐBÑl,
onde lim Q l1ÐBÑl œ Q ‚ ! œ ! pelo que deduzimos, por enquadramento,
BÄ+
que lim l0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑl œ !, donde, por I.5.42, lim 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ œ !. 
BÄ+ BÄ+

Nos próximos resultados os limites envolvidos serão limites de sucessões.


O importância do primeiro acaba por ser maior do que o enunciado talvez
fizesse prever.

I.5.44 (O limite de B88 ) Sejam ÐB8 Ñ8− uma sucessão de números reais e + − ‘
um real estendido tal que B8"  B8 Ò +. Tem-se então
8Ä_
B8
lim œ +.
8Ä_ 8

Dem: Vamos tratar separadamente os casos em que + − ‘, + œ _ e


+ œ _, começando, no primeiro caso, por examinar o caso em que + œ !.
1) Suponhamos que B8"  B8 Ä !. Seja $  ! arbitrário. Comecemos por
considerar 8! −  tal que, para cada 8 8! , B8"  B8 − Z$ Î# Ð!Ñ, ou seja
$
lB8"  B8 l  .
#
B
Uma vez que a sucessão 8 È 88! também tem limite !, podemos, do mesmo
modo, considerar 8" −  tal que, para cada 8 8" ,

¸ ¸ .
B8! $
8 #
Sendo 8# o maior dos dois números naturais 8! e 8" , vemos agora que, para
§5. Limites de funções e de sucessões 99

cada 8 8# , vem, em particular, 8 8! e 8 8" donde

¸ ¸ œ ¸ 8! ¸Ÿ
B8 B  ÐB8! "  B8! Ñ  ÐB8! #  B8! " Ñ  â  ÐB8  B8" Ñ
8 8
Ÿ ¸ !¸
B8 lB8! "  B8! l  lB8! #  B8! " l  â  lB8  B8" l

8 8
$ Ð8  8! Ñ $# $ $
    œ $,
# 8 # #
B8
ou seja 8 − Z$ Ð!Ñ, o que mostra que
B8
lim œ !.
8Ä_ 8
2) Suponhamos agora, mais geralmente, que B8"  B8 Ä + − ‘. Conside-
remos uma nova sucessão ÐC8 Ñ8− definida por C8 œ B8  +8 e reparemos
que se tem
C8"  C8 œ ÐB8"  +Ð8  "ÑÑ  ÐB8  +8Ñ œ
œ ÐB8"  B8 Ñ  + Ä +  + œ !.

Aplicando a conclusão de a) a esta nova sucessão, concluímos que lim C88 œ !


e portanto tem-se
B8 C8  +8 C8
œ œ  + Ä !  + œ +.
8 8 8
3) Suponhamos que B8"  B8 Ä _. Seja $  ! arbitrário. Comecemos
por considerar 8! −  tal que, para cada 8 8! , B8"  B8 − Z$ Î# Ð_Ñ, ou
seja
#
B8"  B8  .
$
B
Uma vez que a sucessão 8 È 88! tem limite !, podemos considerar 8" − 
B
tal que, para cada 8 8" , 88! − Z"Î$ Ð!Ñ œ Ó $" ß $" Ò, em particular,
B8! "
 .
8 $
Sendo 8# o maior dos dois números naturais 8! e 8" , vemos agora que, para
cada 8 8# , vem, em particular, 8 8! e 8 8" donde
B8 B8  ÐB8! "  B8! Ñ  ÐB8! #  B8! " Ñ  â  ÐB8  B8" Ñ
œ !
8 8
" ÐB8! "  B8! Ñ  ÐB8! #  B8! " Ñ  â  ÐB8  B8" Ñ
  
$ 8
#
" Ð8  8! Ñ ‚ $ " # "
    œ
$ 8 $ $ $
100 Cap. I. Números reais e limites

B8
ou seja 8 − Z$ Ð_Ñ, o que mostra que
B8
lim œ _.
8Ä_ 8
4) Suponhamos enfim que B8"  B8 Ä _. Consideremos uma nova
sucessão ÐC8 Ñ8− definida por C8 œ B8 e reparemos que se tem
C8"  C8 œ ÐB8"  B8 Ñ Ä _.
Aplicando a conclusão de a) a esta nova sucessão, vemos que lim C88 œ _ e
portanto tem-se
B8 C8
œ  Ä _. 
8 8

I.5.45 (Sucessão exponencial de base maior que ") Seja ,  " um real fixado e
consideremos a sucessão de números reais que a 8 −  associa ,8 , a que se
dá o nome de sucessão exponencial de base , . 71 Tem-se então:
a) A sucessão , 8 é estritamente crescente e tem limite _. Em particular
, 8  ".
b) De facto pode-se afirmar mais: Para cada número inteiro 5 !, tem-se
,8
Ò _. 72
85 8
Dem: a) Temos uma sucessão de números maiores que ! e o facto de ela ser
estritamente crescente resulta de se ter
, 8" œ ,8 ‚ ,  ,8 ‚ " œ ,8 .
O facto de se ter , 8  " resulta de termos uma sucessão estritamente
crescente com , " œ ,  ". Para provarmos que ela tem limite _ vamos
utilizar a desigualdade de Bernouilli (cf. I.2.5), pondo , œ "  B, onde
B œ ,  "  !. Então, pela desigualdade referida, , 8 "  8B e portanto,
uma vez que "  8B Ä _, segue-se, por enquadramento, que , 8 Ä _.
b) Vamos provar a afirmação de b) por indução em 5 , começando por reparar
que o caso em que 5 œ ! é simplesmente a conclusão de a). Suponhamos a

base maior que ") e tentemos prová-lo quando 5 œ :  ". Como È,  ",
conclusão de b) verdadeira para um certo valor : ! de 5 (e para toda a

podemos, como antes, escrever È, œ "  C, com C  ! e vem, pela


desigualdade de Bernouilli,

71Não confundir a sucessão exponencial com a função potência: Na primeira o expoente


está fixo e o que varia é a base; na segunda é a base que está fixa e o que varia é o
expoente (de momento apenas em , daí o nome “sucessão exponencial” e não “função
exponencial”, uma vez que, apesar de o estudante trabalhar informalmente com elas no
ensino secundário, não definimos ainda potências de expoente não natural).
72Repare-se que, para k 1, este quociente conduzia a uma indeterminação do tipo _
_.
§5. Limites de funções e de sucessões 101

ÐÈ,Ñ8 Ð"  CÑ8 "  8C


œ C
8 8 8
e portanto, por ser

,8 ÐÈ,Ñ8 ÐÈ,Ñ8 ÐÈ,Ñ8


:"
œ ‚ C‚ Ä _
8 8 8: 8:
(pela hipótese de indução com a base È, ), concluímos por enquadramento
que se tem também
,8
lim œ _. 
8 8:"

I.5.46 (Sucessão exponencial de base menor que ") Seja !  ,  " um real
fixado e consideremos a sucessão exponencial de base , ,  Ä ‘, 8 È ,8 .
a) A sucessão , 8 é estritamente decrescente e tem limite !. Em particular
, 8  ".
b) De facto pode-se afirmar mais: Para cada número inteiro 5 !, tem-se
, 8 ‚ 85 Ò !. 73
8

"
Dem: Notando - œ  ", tem-se que a sucessão 8 È - 8 é estritamente
,
crescente, com os termos maiores que " e com limite _ e, para cada
8
natural 5 , 8- 5 Ä _. Uma vez que , œ "- , e portanto ,8 œ -"8 , concluímos
8
que a sucessão 8 È , 8 é estritamente decrescente, com os termos menores
"
que " e com limite _ œ ! e que
" "
, 8 ‚ 85 œ -8 Ò œ !. 
85
8 _

As conclusões nas alíneas b) de I.5.45 e de I.5.46 podem ser traduzidas


intuitivamente pelas afirmações que, se ,  ", ,8 tende para _ “com
mais força” que qualquer potência 85 e que, se ,  ", ,8 tende para !
“com mais força” do que qualquer potência 85 tende para _. O resul-
tado a seguir, que terá aplicações adiante, vai exibir, dentro do mesmo
ponto de vista, uma sucessão que tende para _ “ainda com mais força”
que ,8 . Recordemos que, se 8 − , o fatorial de 8, 8x é o produto de
todos os números naturais de " até 8:
8x œ " ‚ # ‚ â ‚ Ð8  "Ñ ‚ 8.

73Note-se que, para 5 ", este produto conduzia a uma indeterminação do tipo _ ‚ !.
102 Cap. I. Números reais e limites

I.5.47 Se ,  !, tem-se
8x
lim œ _,
8 ,8
e portanto também
,8
lim œ !.
8 8x
Dem: A segunda afirmação resulta da primeira uma vez que se tem
,8 "
œ 8x .
8x ,8

Fixemos um natural 5 tal que 5  , . Tendo em conta I.5.10, para verificar


que a função  Ä ‘, 8 È ,8x8 tem limite _ quando 8 tende para _,
basta verificar que isso sucede à sua restrição a
  Z 5" Ð_Ñ œ 5 œ Ö8 −  ± 8  5×.

Ora, sendo 8  5 , tem-se

‚Š ‹
8x 5x Ð5  "Ñ ‚ â ‚ 8 5x 5 85
8
œ 5 ‚
, , ,85 , 5 ,
5
onde, por ser ,  " e 8  5 Ä _, deduzimos de I.5.45 e do resultado
8
I.5.36 sobre o limite da função composta que

‚Š ‹
5x 5 85
5
Ò _.
, , 8

8x
O facto de a função 5 Ä ‘, 8 È ,8 ter limite _ em _ resulta agora
por enquadramento. 

Vamos agora examinar o modo como os limites de sucessões permitem


apresentar caracterizações alternativas dos pontos aderentes a um subcon-
junto de ‘ e dos limites de funções em pontos aderentes ao domínio, a
segunda das quais foi possivelmente a que estudante encontrou no ensino
secundário como definição. Começamos com um lema que permite
unificar uma parte comum das demonstrações dos dois resultados.

I.5.48 (Lema) Sejam + − ‘ e ÐB8 Ñ8− uma sucessão tal que, para cada 8 − ,
B8 − Z"Î8 Ð+Ñ. Tem-se então B8 Ä +.
Dem: No caso em que + é finito, o facto de se ter
" "
B8 − Z"Î8 Ð+Ñ œ Ó+  ß +  Ò,
8 8
§5. Limites de funções e de sucessões 103

e portanto +  8"  B8  +  8" , com +  8" Ä + e +  8" Ä +, implica, por


enquadramento, que B8 Ä +. No caso em que + œ _, o facto de se ter
B8 − Z"Î8 Ð_Ñ œ Ó8ß _Ó, e portanto 8  B8 , com 8 Ä _ß implica, por
enquadramento, que B8 Ä _. No caso em que + œ _, o facto de se ter
B8 − Z"Î8 Ð_Ñ œ [_ß 8Ò, e portanto B8  8, com 8 Ä _,
implica, por enquadramento, que B8 Ä _. 
I.5.49 (Caracterização segundo Heine dos pontos aderentes) Sejam E § ‘
um conjunto e + − ‘. Tem-se então que + é aderente a E se, e só se, existe
uma sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de E tal que + œ lim B8 .
Dem: Lembrando que uma sucessão não é mais do que uma função de
domínio , já sabemos, por I.5.14, que, se existir uma sucessão de elementos
de E com limite +, então + é aderente a E. Suponhamos, reciprocamente, que
+ é aderente a E. Para cada natural 8 existem então elementos de E na
vizinhança Z"Î8 Ð+Ñ pelo que, escolhendo B8 − E  Z"Î8 Ð+Ñ, obtemos uma
sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de E, que, pelo lema I.5.48 tem limite +. 
I.5.50 (Caracterização segundo Heine dos limites das funções) Sejam \ § ‘
um conjunto, 0 À \ Ä ‘ uma função e + um real estendido aderente a \ . A
função 0 tem limite , − ‘ no ponto + se, e só se, qualquer que seja a
sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de \ tal que B8 Ä +, tem-se 0 ÐB8 Ñ Ä , .
Dem: Lembrando que uma sucessão não é mais do que uma função de
domínio , já sabemos, por I.5.36, que, se lim 0 ÐBÑ œ , e B8 Ä +, com
BÄ+
B8 − \ , então 0 ÐB8 Ñ Ä ,.74 Provemos agora, pelo método do contrarrecí-
proco, que, se para toda a sucessão ÐB8 Ñ de elementos de \ , com B8 Ä +,
0 ÐB8 Ñ Ä ,, então lim 0 ÐBÑ œ ,. Para isso, vamos supor que , não é limite
BÄ+
de 0 ÐBÑ no ponto + e tentamos mostrar a existência de uma sucessão ÐB8 Ñ de
elementos de \ com B8 Ä + tal que a sucessão Ð0 ÐB8 ÑÑ8− não tenha limite
, . Ora, negando a condição de , ser limite da função, concluímos que existe
$  ! tal que, qualquer que seja &  !, não é verdade que todos os elementos
0 ÐBÑ com B − \  Z& Ð+Ñ pertençam a Z$ Ð,Ñ. Fixado um tal $ , podemos, para
cada natural 8, aplicar a afirmação precedente com & œ 8" para deduzir a
existência de algum B8 − \  Z"Î8 Ð+Ñ tal que 0 ÐB8 Ñ Â Z$ Ð,Ñ. Pelo lema
I.5.48, a sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de \ assim considerada tem limite +
e, no entanto, a correspondente sucessão Ð0 ÐB8 ÑÑ8− não tem certamente
limite , , por ter todos os elementos fora da vizinhança Z$ Ð,Ñ de ,. 

74Reparar que a função que a 8 associa 0 ÐB8 Ñ é a composta da função 0 com a função
que a 8 associa B8 .
104 Cap. I. Números reais e limites

Exercícios

Ex I.5.1 Provar diretamente, isto é, sem recorrer a nenhum dos teoremas sobre
limites que examinámos, que, se \ § ‘, + é aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ é
uma função para a qual exista lim 0 ÐBÑ œ , − ‘, então, para cada constante
BÄ+
- − ‘, tem-se lim -0 ÐBÑ œ -, .
BÄ+

Ex I.5.2 Sejam 0 ß 1À Ó!ß _Ò Ä ‘ as funções definidas por 0 ÐBÑ œ B" e


1ÐBÑ œ B# . Verificar que 0 ÐBÑ  1ÐBÑ, para cada B no domínio, que ambas
têm limite quando B tende para _ e que, no entanto não se tem
lim 0 ÐBÑ  lim 1ÐBÑ
BÄ_ BÄ_

(os dois limites são iguais). Notar que este exemplo mostra que o corolário
I.5.3 deixa de ser válido se substituirmos as desigualdades latas Ÿ pelas
correspondentes desigualdades estritas  .
Ex I.5.3 Utilizar diretamente a definição de limite para mostrar que a sucessão
cujo termo de ordem 8 é B8 œ #8"
8" tem limite #.

Ex I.5.4 Sendo 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ senÐBÑ, mostrar que os


sublimites de 0 ÐBÑ quando B tende para _ são exatamente os números
reais do intervalo Ò"ß "Ó e deduzir, em particular, que a função não tem
limite quando B tende para _.
Ex I.5.5 Para cada uma das sucessões com os termos de ordem 8 a seguir
indicados, averiguar a existência de limite e, em caso afirmativo, determi-
ná-lo.
"È #
a) B8 œ 8 ";
8
8"
b) C8 œ Ð"Ñ8 ;
8#
c) D8 œ Ð"Ñ8  ‘ .
" #
8
§5. Limites de funções e de sucessões 105

Ex I.5.6 Determinar os limites

a) lim ÐÈB  #  ÈBÑ ‚ ÈB  " ;


È"  B  È"  B
BÄ_

b) lim ;
B
c) lim ÉB#  ÈB#  B  B .
BÄ!

BÄ_

Ex I.5.7 Dar exemplos de funções 0 ß 1À ‘ Ä ‘ Ï Ö!× tais que


lim 0 ÐBÑ œ lim 1ÐBÑ − ‘
BÄ_ BÄ_

e que:
0 ÐBÑ
a) lim œ ";
1ÐBÑ
BÄ_
0 ÐBÑ
b) lim œ !;
BÄ_ 1ÐBÑ
0 ÐBÑ
c) lim œ _;
BÄ_ 1ÐBÑ
0 ÐBÑ
d) lim œ (;
BÄ_ 1ÐBÑ
0 ÐBÑ
e) lim não existe;
BÄ_ 1ÐBÑ

Ex I.5.8 Dar exemplo de duas sucessões ÐB8 Ñ8− e ÐC8 Ñ8− , nenhuma das quais
admitindo ! como limite, mas tais que limÐB8 ‚ C8 Ñ œ !.
Ex I.5.9 Sejam B8 o termo de ordem 8 de uma sucessão monótona e C8 o termo
de ordem 8 de uma sucessão limitada e suponhamos verificada a condição
"
lB8  C8 l  ,
8
para cada 8 − . Provar, em primeiro lugar, que ÐB8 Ñ é limitada e depois que
as duas sucessões têm um mesmo limite e que este é real.
Ex I.5.10 (Tender para infinito sem sinal determinado) Sejam \ § ‘, + um
real estendido aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Diz-se que 0 tende
para _ no ponto + (ou quando B tende para +) se se tem l0 ÐBÑl Ò _ e
BÄ+
escreve-se então 0 ÐBÑ Ò _.
BÄ+
a) Verificar que, quer no caso em que 0 ÐBÑ Ò _ como naquele em que
BÄ+
0 ÐBÑ Ò _, tem-se também 0 ÐBÑ Ò _.
BÄ+ BÄ+
b) Mostrar que, se existe , − ‘ tal que 0 ÐBÑ Ò , , então 0 não tende para
BÄ+
106 Cap. I. Números reais e limites

_ no ponto +.
c) Considerando a função 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B" , verificar
que se tem 0 ÐBÑ Ò _, embora não se tenha nem 0 ÐBÑ Ò _ nem
BÄ! BÄ!
0 ÐBÑ Ò _.
BÄ!

æ Ex I.5.11 Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ e + − ‘ aderente a \ . Diz-se que 0 é


localmente limitada em + se existir <  ! tal que a restrição de 0 a
\  Z< Ð+Ñ seja uma função limitada, isto é, tal que 0 Ð\  Z< Ð+ÑÑ seja um
subconjunto limitado de ‘.
a) Verificar que se 0 é uma função limitada, então 0 é localmente limitada
em qualquer ponto aderente ao domínio.
b) Verificar que, se existe , − ‘ tal que 0 ÐBÑ Ò ,, então 0 é localmente
BÄ+
limitada em +.
c) Verificar que, se 0 ÐBÑ Ò _ (cf. o exercício I.5.10), então 0 não é
BÄ+
localmente limitada em +.
d) Mostrar que, se uma sucessão ÐB8 Ñ8− tem limite , − ‘, então ela é
limitada (e não só localmente limitada em _). Sugestão: Lembrar que uma
sucessão é uma função de domínio  e reparar que, para cada <  !,
 Ï Z< Ð_Ñ é necessariamente um conjunto finito.
Ex I.5.12 Sejam \ § ‘, 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções e + − ‘ aderente a \ ,
a) Mostrar, por enquadramento, que, se 0 ÐBÑ Ò _ e 1 é uma função
BÄ+
majorada, então 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.
BÄ+
b) Mostrar, por enquadramento, que, se 0 ÐBÑ Ò _ e 1 é uma função
BÄ+
minorada, então 0 ÐBÑ  1ÐBÑ Ò _.
BÄ+

Ex I.5.13 Determinar, por enquadramento, os limites das sucessões cujos termos


de ordem 8 são os seguintes:
8x
a) ;
Ð8  %Ñx
" " "
b) #  â ;
8 Ð8  "Ñ# Ð#8Ñ#
8  cosÐ8Ñ
c) ;
8  cosÐ8Ñ
8x
d) 8 ;
È"( 8
8
e) Š ‹ .
8
§5. Limites de funções e de sucessões 107

Ex I.5.14 Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por

0 ÐBÑ œ œ
B$ , se B − 
B, se B Â .

Verificar quais os elementos + − ‘ nos quais a função 0 tem limite em ‘.


Ex I.5.15 Determinar os limites em _ e em _ da função 0 À ‘ Ä ‘ definida
por
B
0 ÐBÑ œ B  senÐBÑ.
#

Ex I.5.16 Determinar o limite em ! da função 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ definida por


"
0 ÐBÑ œ B senÐ Ñ.
B

Ex I.5.17 Verificámos no exercício I.4.15 que se pode definir recursivamente


uma sucessão ÐB8 Ñ8− por
B" œ ", B8" œ "  ÈB8

e que esta sucessão é estritamente crescente e majorada. Mostrar que a suces-

os teoremas sobre limites para mostrar que B œ "  ÈB.


são tem limite finito B e determinar o valor desse limite. Sugestão: Utilizar

Ex I.5.18 Verificámos no exercício I.4.16 que se pode definir recursivamente


uma sucessão ÐB8 Ñ8− por
#
B" œ &, B8" œ B8  "
$
e que esta sucessão é estritamente decrescente e minorada. Mostrar que a
sucessão tem limite finito B e determinar o valor desse limite.
æ Ex I.5.19 Dado > − Ò!ß "Ó, consideremos uma sucessão de números reais 08 Ð>Ñ
definida pelas condições
"
0" Ð>Ñ œ !, 08" Ð>Ñ œ 08 Ð>Ñ  Ð>  08 Ð>Ñ# Ñ.
#
a) Verificar, por indução, que, para cada natural 8 ",

! Ÿ 08 Ð>Ñ Ÿ È>.

>  0: Ð>Ñ# œ ÐÈ>  0: Ð>ÑÑÐÈ>  0: Ð>ÑÑ, onde o segundo factor é maior ou


Sugestão: Supondo a desigualdade verdadeira para 8 œ :, reparar que

igual a ! e o primeiro é menor ou igual a #.

convergente e, seguidamente, que 08 Ð>Ñ Ä È>.


b) Verificar que a sucessão Ð08 Ð>ÑÑ é crescente e deduzir, primeiro, que ela é
108 Cap. I. Números reais e limites

c) Reparar que, para cada 8 − , ficou definida uma função 08 À Ò!ß "Ó Ä ‘.
Verificar, por indução, que se 8 # a função 08 é uma função polinomial de
grau #8# .
d) Seja agora +  ! fixado. Encontrar funções polinomiais 18 À Ò!ß +Ó Ä ‘

limite È=. Sugestão: Reparar que para cada = − Ò!ß +Ó tem-se += − Ò!ß "Ó e
tais que, para cada = − Ò!ß +Ó, a sucessão Ð18 Ð=ÑÑ8− seja crescente e tenha

considerar a sucessão dos números reais 08 Ð += Ñ.


æ Ex I.5.20 Seja E § ‘ um conjunto.
a) Mostrar que, se + − ‘ é um ponto de acumulação à esquerda
(respetivamente à direita) de E, então existe uma sucessão estritamente
crescente (respetivamente estritamente decrescente) ÐB8 Ñ8− de elementos
de E com limite +. Sugestão: Examinando, para fixar ideias o caso em que +
é ponto de acumulação à esquerda, construir recursivamente a sucessão ÐB8 Ñ
de elementos de E+ , tomando B" − E+  Z" Ð+Ñ e, supondo B8 já
escolhido, verificar que se pode escolher B8" − E+  Z8" Ð+Ñ com
B8"  B8 .
b) Mostrar que, se E não é majorado (isto é, se _ é aderente a E), então
existe uma sucessão estritamente crescente ÐB8 Ñ8− de elementos de E com
B8 Ä _.
c) Mostrar que, se E não é minorado (isto é, se _ é aderente a E), então
existe uma sucessão estritamente decrescente ÐB8 Ñ8− de elementos de E
com B8 Ä _.
d) Concluir das alíneas anteriores que, se o conjunto E é não vazio e não tem
máximo (respetivamente não tem mínimo) então supÐEÑ (respetivamente
infÐEÑ) é limite de uma sucessão estritamente crescente (respetivamente
estritamente decrescente) de elementos de E.

§6. Sublimites e aplicações.

I.6.1 Recordemos a definição dos sublimites de uma função num ponto, apresen-
tada em I.5.5: Se \ § ‘, + é aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ é uma função, os
sublimites de 0 no ponto + são os reais estendidos , − ‘ que são limite de
alguma restrição 0ÎE À E Ä ‘, com E § \ e + aderente a E.
Recordemos também que, como referido em I.5.6, se , é limite de 0 À \ Ä ‘
no ponto +, então , também é sublimite de 0 no ponto +, sendo, de facto o
único sublimite de 0 nesse ponto.
Recordemos ainda que, como referido na alínea d) de I.5.13, no caso em que
+ − \ , 0 Ð+Ñ é um dos sublimites de 0 À \ Ä ‘ no ponto +, que pode ser
obtido a partir do subconjunto E œ Ö+×.
I.6.2 (Caracterização alternativa dos sublimites) Sejam \ § ‘, + aderente a
\ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então que um real estendido , − ‘ é um
§6. Sublimites e aplicações 109

sublimite de 0 no ponto + se, e só se, quaisquer que sejam $  ! e &  !,


existe B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ tal que 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ.75
Dem: Comecemos por supor que , é sublimite de 0 no ponto +, isto é, que
existe E § \ , com + ainda aderente a E tal que a restrição 0ÎE À E Ä ‘
tenha limite , quando B tende para +. Dado &  ! arbitrário, sabemos que +
ainda é aderente a E  Z& Ð+Ñ e que , é também limite no ponto + da restrição
de 0 a E  Z& Ð+Ñ (cf. I.5.10) pelo que , é aderente ao respetivo contrado-
mínio 0 ÐE  Z& Ð+ÑÑ (cf. I.5.14) e portanto, dado também $  !, existe um
ponto deste contradomínio em Z$ Ð,Ñ ou seja existe B − E § \ em Z& Ð+Ñ tal
que 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ.
Suponhamos agora, reciprocamente, que, quaisquer que sejam $  ! e &  !,
existe B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ tal que 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Queremos provar
que , é sublimite de 0 À \ Ä ‘ no ponto + e, para isso, podemos já afastar o
caso em que + − \ e , œ 0 Ð+Ñ, caso em que a conclusão já é conhecida.
Para cada natural 8, escolhamos B8 − \  Z"Î8 Ð+Ñ, com B8 Á + e
0 ÐB8 Ñ − Z"Î8 Ð,Ñ: Se + Â \ a possibilidade de escolher um tal B8 resulta de
aplicar a hipótese que estamos a fazer com $ œ & œ 8" ; Se + − \ , e portanto
, Á 0 Ð+Ñ, temos que ser mais cuidadosos mas começamos por considerar
$ w  ! tal que 0 Ð+Ñ Â Z$ w Ð,Ñ e aplicamos então a hipótese com & œ 8" e $
igual ao mínimo entre $ w e 8" . Consideremos agora o conjunto E § \ cujos
elementos são os B8 que foram escolhidos. Uma vez que, pelo lema I.5.48,
B8 Ä +, resulta de I.5.14 que + é aderente a E. Mostremos agora que a
restrição 0ÎE À E Ä ‘ tem limite , no ponto +, com o que ficará atingido o
obetivo de mostrar que , é sublimite de 0 no ponto +. Seja então $  !
arbitrário. Fixemos um natural 8! tal que 8"!  $ . Uma vez que o subcon-
junto de ‘
ÖB" ß B# ß á ß B8! ×

é finito, e portanto fechado, e não contém +, podemos considerar &  ! tal


que a vizinhança Z& Ð+Ñ não contenha nenhum dos seus elementos. Para cada
B − E na vizinhança Z& Ð+Ñ, tem-se B œ B8 para um certo 8  8! donde, por
ser 8"  8"!  $ , 0 ÐBÑ − Z"Î8 Ð,Ñ § Z$ Ð,Ñ. 

I.6.3 (Reformulação da caracterização dos sublimites) Sejam \ § ‘, + ade-


rente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então que um real estendido
, − ‘ é um sublimite de 0 no ponto + se, e só se, qualquer que seja &  !, ,
é aderente ao conjunto 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ. Em particular, se , é sublimite de
0 À \ Ä ] § ‘ no ponto +, então , é aderente ao contradomínio 0 Ð\Ñ, e
portanto também aderente a ] .
Dem: Basta reparar que afirmar que , é aderente a 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ é equiva-

75Na linguagem da proximidade, esta condição afirma que, quaisquer que sejam as exi-
gências de proximidade que se considerem, para + e para , , existe B − \ próximo de +
tal que 0 ÐBÑ esteja próximo de , .
110 Cap. I. Números reais e limites

lente a afirmar que, para cada $  !, Z$ Ð,Ñ tem algum elemento deste
conjunto, isto é, que existe B − \  Z& Ð+Ñ com 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. 
I.6.4 (Corolário — os sublimites infinitos) Sejam \ § ‘, + aderente a \ e
0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então:
a) _ é sublimite de 0 no ponto + se, e só se, qualquer que seja &  !, o
conjunto 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ não é majorado.
b) _ é sublimite de 0 no ponto + se, e só se, qualquer que seja &  !, o
conjunto 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ não é minorado.
Dem: Trata-se de um caso particular de I.6.3, lembrando a condição em
I.3.21 para _ ou _ ser aderente a um conjunto. 
I.6.5 (Sublimites duma restrição) Sejam \ § ‘, + aderente a \ e 0 À \ Ä ‘
uma função. Seja E § \ tal que + ainda seja aderente a E e que a restrição
0ÎE À E Ä ‘ admita , − ‘ como sublimite no ponto +. Então , é também
sublimite de 0 À \ Ä ‘ no ponto + (comparar com I.5.6, reparando que a
“passagem” se faz agora em sentido contrário).
Dem: Basta reparar que, se F § E é tal que + ainda seja aderente a F e que
0ÎF À F Ä ‘ tenha limite , no ponto +, então F também é um subconjunto de
\. 
I.6.6 (Sublimites quando o domínio é uma união) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘
uma função, + um ponto aderente a \ e , − ‘. Sejam E § \ e F § \ dois
subconjuntos tais que E  F œ \ . Tem-se então (comparar com I.5.8,
reparando que a “passagem” se faz agora em sentido contrário):
a) Se + for aderente tanto a E como a F , então todo o sublimite , − ‘ de
0 À \ Ä ‘ no ponto + é sublimite de pelo menos uma das restrições 0ÎE e
0ÎF nesse ponto.
b) Se + for aderente a E e não for aderente a F , então todo o sublimite , − ‘
de 0 À \ Ä ‘ no ponto + é também sublimite de 0ÎE À E Ä ‘ nesse ponto.
Dem: a) Seja G § \ , com + aderente a G , tal que 0ÎG À G Ä ‘ tenha limite
, no ponto +. Tem-se então G œ ÐG  EÑ  ÐG  FÑ e, tendo em conta
I.3.15, + é aderente a pelo menos um dos conjuntos G  E e G  F . Se + é
aderente a G  E, então a restrição de 0 a G  E, sendo uma restrição de
0ÎG , tem limite , no ponto + o que, por ser G  E § E, implica que 0ÎE tem
, como sublimite no ponto +. Analogamente se verifica que, se + é aderente a
G  F , então 0ÎF tem , como sublimite no ponto +.
b) Seja G § \ , com + aderente a G , tal que 0ÎG À G Ä ‘ tenha limite , no
ponto +. Tem-se então G œ ÐG  EÑ  ÐG  FÑ, onde, por ser G  F § F ,
+ não é aderente a G  F . Podemos então concluir por I.3.15 que + é
aderente a G  E. Como a restrição de 0 a G  E, sendo uma restrição de
0ÎG , tem limite , no ponto +, o facto de se ter G  E § E, implica que 0ÎE
tem , como sublimite no ponto +. 
I.6.7 (Os sublimites têm um carácter local) Sejam \ § ‘, + aderente a \ e
0 À \ Ä ‘ uma função. Dado <  !, + é ainda aderente ao conjunto
§6. Sublimites e aplicações 111

\  Z< Ð+Ñ e os sublimites de 0 no ponto + coincidem com os sublimites no


ponto + da restrição de 0 a \  Z< Ð+Ñ.
Dem: Trata-se de uma consequência dos resultados precedentes uma vez que
se pode escrever
\ œ Ð\  Z< Ð+ÑÑ  Ð\ Ï Z< Ð+ÑÑ,
em que o ponto + não é aderente a \ Ï Z< Ð+Ñ, por a vizinhança Z< Ð+Ñ não
intersetar este conjunto. 
I.6.8 (Exemplos) a) Reexaminemos o exemplo em I.5.7, constituído pela função
0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ œ
#, se B Ÿ ",
B, se B  ".

Concluímos então que 0 não tem limite no ponto ", já que esta função admite
os sublimites distintos # e " nesse ponto, determinados respetivamente pelos
subconjuntos Ó_ß "Ó e Ó"ß _Ò. Utilizando I.6.6, podemos agora concluir
que # e " são os únicos sublimites de 0 no ponto ", uma vez que as restrições
aos subconjuntos referidos tendo # e " como limites no ponto ", têm estes
como únicos sublimites nesse ponto.
b) Consideremos a sucessão ÐB8 Ñ8− definida por
#81
B8 œ # senÐ Ñ,
$
cujo gráfico sugerimos a seguir (lembrar que uma sucessão é uma função de
domínio ).
112 Cap. I. Números reais e limites

Tal como acontecia com a noção de limite, quando falamos simplesmente de


sublimite de uma sucessão está implícito que é _ o ponto em que se
considera esse sublimite. Aplicando I.6.5 e duas vezes I.6.6 podemos con-

È$, ! e È$ como sublimites. Com efeito,  é a união de três subcon-


cluir que esta sucessão tem como sublimites exatamente os números reais

juntos, que notaremos w , ww e www , cujos elementos são respetivamente os


múltiplos de $, os múltiplos de $ somados com " e os múltiplos de $ somados

constantes com os valores !, È$ e È$, respetivamente; Uma primeira


com #, e as restrições da sucessão àqueles três subconjuntos são funções

aplicação de I.6.6 garante-nos que a restrição a w  ww tem ! e È$ como


únicos sublimites e uma segunda identifica-nos por fim os sublimites da
sucessão original.
I.6.9 (Teorema de Bolzano-Weierstrass76) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \
e 0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então que 0 admite pelo menos um
sublimite , − ‘ no ponto +. Mais precisamente:
a) De entre os sublimites de 0 no ponto +, existe um que é maior que todos
os outros e que será notado lim sup 0 ÐBÑ ou lim 0 ÐBÑ. Este limite, a que se dá
BÄ+ BÄ+
o nome de sublimite máximo77 de 0 no ponto +, pode ser obtido do seguinte
modo: Notando, para cada &  !, .& − Ó_ß _Ó o supremo do conjunto
não vazio 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ, lim sup 0 ÐBÑ é o ínfimo do conjunto dos .& .
BÄ+
b) De entre os sublimites de 0 no ponto +, existe um que é menor que todos
os outros e que será notado lim inf 0 ÐBÑ ou lim 0 ÐBÑ. Este limite, a que se dá
BÄ+ BÄ+
o nome de sublimite mínimo78 de 0 no ponto +, pode ser obtido do seguinte
modo: Notando, para cada &  !, -& − Ò_ß _Ò o ínfimo do conjunto não
vazio 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ, lim inf 0 ÐBÑ é o supremo do conjunto dos -& .
BÄ+
Dem: Provaremos apenas as afirmações em a), uma vez que a prova de b)
pode ser obtida como uma adaptação simples da de a), que o estudante

76Este teorema é associado aos mesmos dois matemáticos que o teorema referido em
I.3.23, sobre a existência de pontos de acumulação para os conjuntos infinitos, com o qual
não parece ter nada em comum. A razão desta coincidência é que o resultado tratado atrás
foi o instrumento fundamental para a prova da primeira versão do resultado sobre a exis-
tência de sublimites, nessa altura apenas no contexto das sucessões.
77Ou, em calão frequentemente utilizado, embora não assumido, limessupe.
78Ou, no calão correspondente, liminfe.
§6. Sublimites e aplicações 113

facilmente encontrará79. Para o fazermos procederemos do seguinte modo:


Chamamos . ao real estendido que é ínfimo do conjunto dos reais estendidos
.& referidos no enunciado. Provaremos então, primeiro que . é um sublimite
de 0 no ponto +, depois que, qualquer que seja o sublimite , de 0 no ponto +,
tem-se , Ÿ . .
1) Vamos utilizar I.6.2 para mostrar que . é sublimite de 0 no ponto +.
Sejam $  ! e &  ! arbitrários. Temos que mostrar a existência de
B − \  Z& Ð+Ñ tal que 0 ÐBÑ − Z$ Ð.Ñ. Separamos essa verificação em três
casos, conforme . seja finito, _ ou _:
1.1) Suponhamos que . − ‘, e portanto Z$ Ð.Ñ œ Ó.  $ ß .  $ Ò. Tendo
em conta o facto de . ser definido como um ínfimo, seja &w  ! tal que
.&w  .  $ . Seja &ww  ! o menor dos dois números & e &w e reparemos que
\  Z&ww Ð+Ñ § \  Z& Ð+Ñ e 0 Ð\  Z&ww Ð+ÑÑ § 0 Ð\  Z&w Ð+ÑÑ e que a segunda
inclusão implica que .&ww Ÿ .&w  .  $ . Uma vez que .  $  . Ÿ .&ww , a
definição de .&ww como um supremo garante a existência de
B − \  Z&ww Ð+Ñ § \  Z& Ð+Ñ
tal que 0 ÐBÑ  .  $ e como, por outro lado, 0 ÐBÑ Ÿ .&ww  .  $ ,
concluímos que se tem 0 ÐBÑ − Ó.  $ ß .  5 Ò œ Z$ Ð.Ñ.
1.2) Suponhamos que . œ _, e portanto Z$ Ð.Ñ œ Ò_ß  "$ Ò. Tendo
em conta o facto de . ser definido como um ínfimo, seja &w  ! tal que
.&w   $" . Seja &ww  ! o menor dos dois números & e &w e reparemos que
\  Z&ww Ð+Ñ § \  Z& Ð+Ñ e 0 Ð\  Z&ww Ð+ÑÑ § 0 Ð\  Z&w Ð+ÑÑ e que a segunda
inclusão implica que .&ww Ÿ .&w   $" . Escolhendo então
B − \  Z&ww Ð+Ñ § \  Z& Ð+Ñ,

a caracterização de .&ww como um supremo garante que 0 ÐBÑ Ÿ .&ww   $" , ou


seja, 0 ÐBÑ − Ò_ß  "$ Ò œ Z$ Ð.Ñ.
1.3) Suponhamos que . œ _, e portanto Z$ Ð.Ñ œ Ó "$ ß _Ó. Tem-se
então .& œ _ e portanto pela definição de .& como supremo, existe
B − \  Z& Ð+Ñ tal que 0 ÐBÑ  $" , ou seja, tal que 0 ÐBÑ − Z$ Ð.Ñ.
2) Seja agora , − ‘ um sublimite arbitrário de 0 no ponto +. Tendo em conta
a caracterização dos sublimites em I.6.3, para cada &  !, , é aderente ao
conjunto 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ e portanto, como referido em I.3.19, , é menor ou
igual ao supremo .& deste conjunto. Verificámos assim que , é um minorante
do conjunto dos .& e portanto, por . ser o ínfimo deste conjunto, , Ÿ . . 
I.6.10 (O caso particular das sucessões) Tal como acontecia com os limites, no
caso de uma sucessão Ð?8 Ñ8− , isto é, de uma função de domínio , quando
falamos simplesmente de sublimites está implícito que _ é o ponto onde
estes são considerados e, do mesmo modo, as designações lim inf ?8 e

79Alternativamente,também se poderia provar b) por aplicação das conclusões de a) à


função B È 0 ÐBÑ. É o que propomos no exercício I.6.3 no fim da secção.
114 Cap. I. Números reais e limites

lim sup ?8 referem-se aos sublimites mínimo e máximo em _. As


caracterizações dos sublimites máximo e mínimo referidas em I.6.9 podem,
no caso das sucessões, ser dadas de um modo equivalente:
a) Sendo, para cada 8 − , A8 − ‘ definido por
A8 œ supÖ?: ×: 8 œ supÖ?8 ß ?8" ß ?8# ß …×,

tem-se A8 A8" para cada 8 e lim sup ?8 é o ínfimo do conjunto dos A8 .


b) Sendo, para cada 8 − , @8 − ‘ definido por
@8 œ infÖ?: ×: 8 œ infÖ?8 ß ?8" ß ?8# ß …×,

tem-se @8 Ÿ @8" para cada 8 e lim inf ?8 é o supremo do conjunto dos @8 .


Dem: Como anteriormente, examinamos apenas o caso do sublimite máximo
uma vez que a prova do outro caso é análoga. O facto de se ter A8 A8"
resulta de o conjunto cujo supremo define o segundo membro estar contido
no conjunto cujo supremo define o primeiro. O sublimite máximo lim sup ?8
foi caracterizado em I.6.9 como o ínfimo do conjunto dos reais estendidos .& ,
cada um dos quais definido como o supremo do conjunto dos ?: com
: −   Z& Ð_Ñ, conjunto esse que também pode ser caracterizado como o
conjunto dos ?: com : −  e :  "& , ou seja : 8 com 8 o menor dos
naturais maiores que "& . Por outras palavras, tem-se .& œ A8 para o natural 8
acima referido e como qualquer A8 é da forma .& para um &  ! conveniente
"
(tomar, por exemplo, & œ # se 8 œ " e & œ 8" se 8 #) vemos que o
conjunto dos .& coincide com o conjunto dos A8 e portanto lim sup ?8 é
efetivamente o ínfimo do conjunto dos A8 . 

Aproveitamos para definir os conjuntos compactos que, apesar de pode-


rem ter sido definidos em secções anteriores, admitem uma caracterização
equivalente que utiliza os sublimites das sucessões.

I.6.11 (Subconjuntos compactos de ‘) Um subconjunto ] § ‘ diz-se


compacto se for simultaneamente fechado e limitado. Um conjunto ] § ‘ é
compacto se, e só se, qualquer sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de ] , admite
pelo menos um sublimite , − ] .
Dem: 1) Comecemos por supor que ] é compacto. Sendo ÐB8 Ñ8− uma
sucessão arbitrária de elementos de ] , podemos considerar um sublimite ,
desta sucessão o qual, como referido em I.6.3, é aderente a ] , O facto de ]
ser limitado, ou seja, não ter _ nem _ como ponto aderentes (cf. I.3.21)
implica que , − ‘ e portanto, por ] ser fechado, , − ] .
2) Suponhamos agora que ] não é compacto. Tem-se então que ou ] não é
fechado, e portanto existe , − ‘ aderente a ] com , Â ] , ou ] não é
limitado e portanto um dos reais estendidos _ e _ é aderente a ] ; em
qualquer caso, existe , − ‘ aderente a ] com , Â ] . Tendo em conta I.5.49,
podemos então considerar uma sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de ] com
§6. Sublimites e aplicações 115

B8 Ä , e então o facto de , ser o único sublimite desta sucessão implica que


ela não tem nenhum sublimite pertencente a ] . 
I.6.12 (Máximos e mínimos dos compactos) Seja ] § ‘ um conjunto com-
pacto e não vazio. Tem-se então que ] tem um elemento máximo e um
elemento mínimo.80
Dem: O facto de ] ser limitado e não vazio implica que supÐEÑ e infÐEÑ são
finitos. Uma vez que o supremo e o ínfimo de E são aderentes a E, o facto de
E ser fechado implica que o supremo e o ínfimo pertencem a E e portanto
são respetivamente o máximo e o mínimo de EÞ 

Voltemos de novo ao estudo dos sublimites das funções num ponto, em


particular dos respetivos sublimites mínimo e máximo.

I.6.13 (Os sublimites únicos são limites) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e


0 À \ Ä ‘ uma função. Já sabemos que, se , − ‘ é limite de 0 no ponto +,
então , é o único sublimite de 0 nesse ponto. Vamos agora mostrar que,
reciprocamente, se , for o único sublimite de 0 no ponto +, então
0 ÐBÑ Ò ,.
BÄ+
Dem: Vamos mostrar que, se , não fosse limite de 0 no ponto +, então 0
admitia no ponto + algum sublimite - Á , . Ora, negando a condição de , ser
limite de 0 no ponto +, concluímos que se pode fixar $  ! tal que, qualquer
que seja &  ! existe algum B − \  Z& Ð+Ñ com 0 ÐBÑ Â Z$ Ð,Ñ. Resulta daqui
que, sendo
E œ ÖB − \ ± 0 ÐBÑ Â Z$ Ð,Ñ×,
o ponto + é aderente a E. Podemos assim considerar, tendo em conta I.6.9,
um sublimite - de 0ÎE À E Ä ‘ no ponto + e este sublimite não pode ser igual
a , por , não ser aderente ao contradomínio 0 ÐEÑ desta restrição (a
vizinhança Z$ Ð,Ñ não tem nenhum ponto em 0 ÐE)). Mas - , sendo sublimite
de 0ÎE , é também sublimite de 0 À \ Ä ‘, pelo que chegámos à conclusão
pretendida. 
I.6.14 (Corolário) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função.
Tem-se então que 0 tem limite no ponto + se, e só se
lim inf 0 ÐBÑ œ lim sup 0 ÐBÑ
BÄ+ BÄ+

e, nesse caso

80Lembrar que há subconjuntos não vazios de ‘ que não têm máximo ou não têm
mínimo, como, por exemplo, o intervalo Ò!ß "Ò (é limitado mas não é fechado) ou o
intervalo Ó_ß !Ó (é fechado mas não é limitado).
116 Cap. I. Números reais e limites

lim 0 ÐBÑ œ lim inf 0 ÐBÑ œ lim sup 0 ÐBÑ.


BÄ+ BÄ+ BÄ+

Dem: Se 0 tem limite no ponto +, então esse limite é o único sublimite nesse
ponto, e portanto coincide tanto com o sublimite máximo como com o
sublimite mínimo, que, em particular, têm que ser iguais. Reciprocamente, se
os sublimites máximo e mínimo coincidem, qualquer sublimite, que sabemos
estar entre eles, tem que coincidir com ambos e portanto, havendo um único
sublimite, esse sublimite é limite de 0 no ponto +. 
I.6.15 (Condição de Cauchy para a existência de limite finito) Sejam \ § ‘,
+ um real estendido aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Diz-se que 0
verifica a condição de Cauchy no ponto + se, qualquer que seja $  !, existe
&  ! tal que, quaisquer que sejam B e Bw em \  Z& Ð+Ñ,
.Ð0 ÐBÑß 0 ÐBw ÑÑ œ l0 ÐBÑ  0 ÐBw Ñl  $. 81

Tem-se então que a função 0 tem limite finito no ponto + se, e só se, verifica
a condição de Cauchy nesse ponto.82
Dem: Comecemos por supor que existe , − ‘ tal que 0 ÐBÑ Ò , . Dado
BÄ+
$  !, podemos aplicar a definição de limite, partindo do número $#  !,
para considerar &  ! tal que, para cada B − \  Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ − Z$Î# Ð,Ñ. Em
consequência, dados Bß Bw − \  Z& Ð+Ñ, tem-se que 0 ÐBÑ e 0 ÐBw Ñ pertencem
ambos a Z$Î# Ð,Ñ donde, pela desigualdade triangular (cf. I.1.21),
$ $
.Ð0 ÐBÑß 0 ÐBw ÑÑ Ÿ .Ð0 ÐBÑß ,Ñ  .Ð,ß 0 ÐBw ÑÑ   œ $,
# #
o que mostra que 0 verifica a condição de Cauchy.
Suponhamos, reciprocamente, que 0 verifica a condição de Cauchy. Seja ,
um sublimite de 0 no ponto +, cuja existência decorre do teorema de Bolza-
no-Weierstrass. Vamos provar que , é finito e que 0 ÐBÑ Ò , , o que termi-
BÄ+
nará a demonstração. Seja $  ! arbitrário. Pela condição de Cauchy,
considerando o número $#  !, podemos considerar &  ! tal que, quaisquer
que sejam Bß Bw − \  Z& Ð+Ñ, .Ð0 ÐBÑß 0 ÐBw ÑÑ  $# . Em particular, tomando
para Bw um elemento B! fixado em \  Z& Ð+Ñ, vemos que, para cada
B − \  Z& Ð+Ñ, .Ð0 ÐBÑß 0 ÐB! ÑÑ  #$ , ou seja

0 ÐBÑ − “0 ÐB! Ñ  ß 0 ÐB! Ñ  ’.


$ $
# #
Em particular 0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ é majorado e minorado pelo que, tendo em

81Intuitivamente,os valores de 0 em dois pontos do domínio \ suficientemente próximos


de + estão próximos um do outro.
82A razão da importância deste resultado é que ele permite garantir a existência de limite
finito mesmo em casos em que não se sabe qual é o valor desse limite.
§6. Sublimites e aplicações 117

conta I.6.4, nem _ nem _ são sublimites de 0 no ponto +, e portanto , é


efetivamente finito. Seja agora B − \  Z& Ð+Ñ arbitrário. Pela caracterização
dos sublimites em I.6.2, podemos considerar Bw − \  Z& Ð+Ñ tal que
0 ÐBw Ñ − Z$ Î# Ð,Ñ, isto é, .Ð0 ÐBw Ñß ,Ñ  $# . Uma vez que, como referimos
acima, tem-se necessariamente .Ð0 ÐBÑß 0 ÐBw ÑÑ  $# , obtemos, pela desigual-
dade triangular,
$ $
.Ð0 ÐBÑß ,Ñ Ÿ .Ð0 ÐBÑß 0 ÐBw ÑÑ  .Ð0 ÐBw Ñß ,Ñ   œ $,
# #
ou seja 0 ÐBÑ − Z$ Ð,Ñ. Ficou assim provado que , é efetivamente limite de
0 À \ Ä ‘ no ponto +. 
I.6.16 (Sucessões de Cauchy) Lembremos que uma sucessão ÐB8 Ñ8− não é
mais do que uma função de domínio  e que, no que diz respeito a limites
são os limites em _ da sucessão que são implicitamente considerados.
Chamam-se sucessões de Cauchy às sucessões que verificam a condição de
Cauchy em _. O que vimos em I.6.15 mostra-nos que uma sucessão
ÐB8 Ñ8− é convergente (isto é, tem limite finito) se, e só se, for uma sucessão
de Cauchy.
Analogamente ao que foi referido em I.5.15, a condição de Cauchy para uma
sucessão ÐB8 Ñ8− é habitualmente enunciada de uma forma diferente,
embora, naturalmente, equivalente à definição geral da condição de Cauchy
duma função, neste caso em _. Nomeadamente, a sucessão é de Cauchy
se, e só se, qualquer que seja $  !, existe uma ordem 8! −  tal que, para
cada 8ß 8w 8! em , .ÐB8 ß B8w Ñ  $ .
Dem: Num dos sentidos temos uma implicação evidente: Se, para cada $  !
existe 8! −  nas condições referidas, então, tomando & œ 8"!  !, vemos
que para 8ß 8w −  na vizinhança Z& Ð_Ñ, tem-se 8ß 8w  "& œ 8! , e
portanto .ÐB8 ß B8w Ñ  $ , o que mostra que temos uma sucessão de Cauchy. A
implicação contrária é semelhante mas temos que resolver um pequeno
contratempo. Suponhamos, com efeito, que temos uma sucessão de Cauchy e
seja $  ! arbitrário. Podemos então considerar &  ! tal que, sempre que
8ß 8w −  estão na vizinhança Z& Ð_Ñ, isto é, quando 8ß 8w  "& em ,
.ÐB8 ß B8w Ñ  $. Seríamos assim, tentados a escolher para 8! o número "& , mas
isso apresenta duas dificuldades: por um lado "& não tem que ser um número
natural, por outro, mesmo que o fosse ficaríamos a saber o que sucede para
8ß 8w  8! mas não se algum deles for 8! . Para tornear estas dificuldades
basta notar, no entanto, que podemos considerar um número natural 8!  "& e
então, para 8ß 8w −  com 8ß 8w 8! tem-se 8ß 8w  "& , e portanto
.ÐB8 ß B8w Ñ  $. 

Vamos agora estabelecer algumas propriedades simples dos sublimites


máximo e mínimo usando nas suas demonstrações as caracterizações
destes como máximo e mínimo do conjunto dos sublimites e tirando par-
118 Cap. I. Números reais e limites

tido do facto de existir sempre sublimite em qualquer ponto aderente ao


domínio.

I.6.17 (Simétrica duma função) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e


0 À \ Ä ‘ uma função. Tem-se então (com as convenções Ð_Ñ œ _ e
Ð_Ñ œ _):
a) Se , − ‘ é um sublimite de 0 no ponto +, então , é um sublimite no
ponto + da função 0 À \ Ä ‘, B È 0 ÐBÑ.
b) Em consequência,
lim sup 0 ÐBÑ œ lim inf 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+
lim inf 0 ÐBÑ œ lim sup 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

Dem: a) Basta atender a que, sendo E § \ , com + aderente a E, tal que


lim 0 ÐBÑ œ , , tem-se, aplicando I.5.17 e I.5.24, que lim 0 ÐBÑ œ ,Þ
BÄ+ BÄ+
B−E B−E
b) Notando , œ lim inf 0 ÐBÑ e - œ lim sup 0 ÐBÑ, , e - são sublimites de 0 no
BÄ+ BÄ+
ponto + donde, por a), , e - são sublimites no ponto + de 0 o que
implica que
lim inf 0 ÐBÑ œ , Ÿ lim sup 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+
(1)
lim inf 0 ÐBÑ Ÿ - œ lim sup 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

Aplicando estas desigualdades com a função 0 no lugar de 0 , obtemos


lim inf 0 ÐBÑ Ÿ lim sup 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+
lim inf 0 ÐBÑ Ÿ lim sup 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+

e portanto
lim inf 0 ÐBÑ lim sup 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+
(2)
lim inf 0 ÐBÑ lim sup 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

Combinando as desigualdades em (1) e (2), obtemos as igualdades enun-


ciadas. 
I.6.18 (Restrição de uma função) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e
0 À \ Ä ‘ uma função. Sendo E § \ tal que + seja aderente a E, tem-se
então
lim inf 0ÎE ÐBÑ lim inf 0 ÐBÑ, lim sup 0ÎE ÐBÑ Ÿ lim sup 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+ BÄ+
§6. Sublimites e aplicações 119

Dem: Uma vez que lim inf 0ÎE ÐBÑ é um sublimite de 0ÎE no ponto +, é
BÄ+
também um sublimite de 0 nesse ponto e portanto, por definição, é maior ou
igual que o sublimite mínimo lim inf 0 ÐBÑ. A justificação da segunda
BÄ+
desigualdade é análoga. 
I.6.19 (Monotonia) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas
funções tais que, para cada B − \ , 0 ÐBÑ Ÿ 1ÐBÑ. Tem-se então:
lim inf 0 ÐBÑ Ÿ lim inf 1ÐBÑ, lim sup 0 ÐBÑ Ÿ lim sup 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+ BÄ+

Dem: Seja - œ lim inf 1ÐBÑ e consideremos E § \ , com + aderente a E tal


BÄ+
que 1ÎE ÐBÑ Ò - . Se considerarmos a restrição 0ÎE À E Ä ‘, ela vai admitir
BÄ+
um sublimite ,, existindo assim F § E, com + aderente a F tal que
0ÎF ÐBÑ Ò ,. Uma vez que se tem também 1ÎF ÐBÑ Ò - , a propriedade de
BÄ+ BÄ+
monotonia dos limites garante que , Ÿ - e portanto, por , ser também um
sublimite de 0 À \ Ä ‘ no ponto +,
lim inf 0 ÐBÑ Ÿ , Ÿ - œ lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

A demonstração da segunda desigualdade, envolvendo os sublimites máxi-


mos, pode ser feita de modo análogo ou, alternativamente,, tendo em conta a
primeira desigualdade para as funções 0 e 1, que verificam
1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ, para cada B − \ : Tem-se
lim sup 1ÐBÑ œ lim inf 1ÐBÑ Ÿ lim inf 0 ÐBÑ œ lim sup 0 ÐBÑ,
BÄ+ BÄ+ BÄ+ BÄ+

o que implica a segunda desigualdade no enunciado. 


I.6.20 (Soma de funções) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 ß 1À \ Ä ‘
duas funções. Tem-se então, com as convenções correspondentes às
mnemónicas em I.5.26 e supondo, em cada caso, que o segundo membro não
é Ð_Ñ  Ð_Ñ nem Ð_Ñ  Ð_Ñ:
a) lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ lim inf 0 ÐBÑ  lim inf 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ Ÿ lim inf 0 ÐBÑ  lim sup 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
c) lim sup Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ Ÿ lim sup 0 ÐBÑ  lim sup 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
d) lim sup Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ lim sup 0 ÐBÑ  lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular, no caso em que existe lim 1ÐBÑ,


BÄ+

e) lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ lim inf 0 ÐBÑ  lim 1ÐBÑ;


BÄ+ BÄ+ BÄ+
f) lim sup Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ lim sup 0 ÐBÑ  lim 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+
120 Cap. I. Números reais e limites

Dem: a) Podemos já supor que as duas parcelas do segundo membro são


diferentes de _, sem o que a desigualdade era trivial. Seja E § \ , com +
aderente a E, tal que
lim Ð0ÎE ÐBÑ  1ÎE ÐBÑÑ œ lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ.
BÄ+ BÄ+

Considerando a restrição 0ÎE À E Ä ‘, vai existir F § E, com + aderente a


F, tal que
lim 0ÎF ÐBÑ œ lim inf 0ÎE ÐBÑ lim inf 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Considerando a restrição 1ÎF À F Ä ‘, vai existir G § F , com + aderente a


G, tal que
lim 1ÎG ÐBÑ œ lim inf 1ÎF ÐBÑ lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular lim 1ÎG ÐBÑ  _ e lim 0ÎG ÐBÑ œ lim 0ÎF ÐBÑ  _ pelo
BÄ+ BÄ+ BÄ+
que, aplicando I.5.17 e I.5.26, obtemos
lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ œ lim Ð0ÎE ÐBÑ  1ÎE ÐBÑÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim Ð0ÎG ÐBÑ  1ÎG ÐBÑÑ œ
BÄ+
œ lim 0ÎG ÐBÑ  lim 1ÎG ÐBÑ
BÄ+ BÄ+
lim 0ÎF ÐBÑ  lim inf 1ÐBÑ
BÄ+ BÄ+
lim inf 0 ÐBÑ  lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

b) Podemos já supor que as duas parcelas do segundo membro são diferentes


de _, sem o que a desigualdade era trivial. Seja E § \ , com + aderente a
E, tal que lim 0ÎE ÐBÑ œ lim inf 0 ÐBÑ. Considerando a restrição 1ÎE À E Ä ‘,
BÄ+ BÄ+
vai existir F § E, com + aderente a F , tal que
lim 1ÎF ÐBÑ œ lim sup 1ÎE ÐBÑ Ÿ lim sup 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular lim 1ÎF ÐBÑ  _ e lim 0ÎF ÐBÑ œ lim 0ÎE ÐBÑ  _ pelo
BÄ+ BÄ+ BÄ+
que, aplicando I.5.17 e I.5.26, obtemos
lim inf Ð0 ÐBÑ  1ÐBÑÑ Ÿ lim Ð0ÎF ÐBÑ  1ÎF ÐBÑÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim 0ÎF ÐBÑ  lim 1ÎF ÐBÑ Ÿ
BÄ+ BÄ+
Ÿ lim 0ÎE ÐBÑ  lim sup 1ÐBÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim inf 0 ÐBÑ  lim sup 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

c) e d) As demonstrações destas desigualdades podem ser obtidas por adapta-


§6. Sublimites e aplicações 121

ção natural das apresentadas para a) e b).83


e) e f) Temos consequências diretas de a) e b), no primeiro caso, e de c) e d),
no segundo, uma vez que, 1À \ Ä ‘ tendo limite no ponto +, tem-se
lim 1ÐBÑ œ lim inf 1ÐBÑ œ lim sup 1ÐBÑ. 
BÄ+ BÄ+ BÄ+

I.6.21 (Inverso duma função positiva) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e


"
0 À \ Ä Ó!ß _Ò uma função. Tem-se então (com as convenções _ œ! e
"
! œ _):
a) Se , − Ò!ß _Ó é um sublimite de 0 no ponto +, então ", é um sublimite no
ponto + da função 0" À \ Ä Ó!ß _Ò, B È 0 ÐBÑ
"
.
b) Em consequência,
" "
lim sup œ ,
BÄ+ 0 ÐBÑ lim inf 0 ÐBÑ
BÄ+
" "
lim inf œ .
BÄ+ 0 ÐBÑ lim sup 0 ÐBÑ
BÄ+

Dem: a) Basta atender a que, sendo E § \ , com + aderente a E, tal que


"
lim 0 ÐBÑ œ ,, tem-se, aplicando I.5.21 e I.5.31, lim 0 ÐBÑ œ ", Þ
BÄ+ BÄ+
B−E B−E
b) Notando , œ lim inf 0 ÐBÑ e - œ lim sup 0 ÐBÑ, , e - são sublimites de 0 no
BÄ+ BÄ+
" " "
ponto + donde, por a), , e - são sublimites no ponto + de 0 o que implica
que
" " "
œ Ÿ lim sup ,
lim inf 0 ÐBÑ , BÄ+ 0 ÐBÑ
BÄ+
(1) " " "
lim inf Ÿ œ .
BÄ+ 0 ÐBÑ - lim sup 0 ÐBÑ
BÄ+

"
Aplicando estas desigualdades com a função 0 no lugar de 0 , obtemos
"
"
Ÿ lim sup 0 ÐBÑ,
lim inf 0 ÐBÑ BÄ+
BÄ+
"
lim inf 0 ÐBÑ Ÿ "
,
BÄ+ lim sup 0 ÐBÑ
BÄ+

e portanto

83Ou, alternativamente, aplicando as conclusões de a) e b) às funções 0 e 1.


122 Cap. I. Números reais e limites

" "
lim inf ,
BÄ+ 0 ÐBÑ lim sup 0 ÐBÑ
BÄ+
(2)
" "
lim sup .
lim inf 0 ÐBÑ BÄ+ 0 ÐBÑ
BÄ+

Combinando as desigualdades em (1) e (2), obtemos as igualdades. 


I.6.22 (Produto de funções positivas) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e
0 ß 1À \ Ä Ò!ß _Ò duas funções. Tem-se então, com as convenções corres-
pondentes às mnemónicas em I.5.27 e supondo, em cada caso, que o segundo
membro não é Ð_Ñ ‚ ! nem ! ‚ Ð_Ñ:
a) lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ lim inf 0 ÐBÑ ‚ lim inf 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ Ÿ lim inf 0 ÐBÑ ‚ lim sup 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
c) lim sup Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ Ÿ lim sup 0 ÐBÑ ‚ lim sup 1ÐBÑ;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
d) lim sup Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ lim sup 0 ÐBÑ ‚ lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular, no caso em que existe lim 1ÐBÑ,


BÄ+

e) lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ œ lim inf 0 ÐBÑ ‚ lim 1ÐBÑ;


BÄ+ BÄ+ BÄ+
f) lim sup Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ œ lim sup 0 ÐBÑ ‚ lim 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Repare-se que todos os sublimites envolvidos pertencem a Ò!ß _Ó.


Dem: Comecemos por observar que, tendo em conta I.6.3 e o facto de
Ò!ß _Ò ser um conjunto fechado ao qual _ não é aderente, todos os
sublimites envolvidos no enunciado pertencem a Ò!ß _Ó.
a) Podemos já supor que as duas parcelas do segundo membro não são !,
sem o que a desigualdade era trivial. Seja E § \ , com + aderente a E e
lim Ð0ÎE ÐBÑ ‚ 1ÎE ÐBÑÑ œ lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ.
BÄ+ BÄ+

Considerando a restrição 0ÎE À E Ä ‘, vai existir F § E, com + aderente a


F, tal que
lim 0ÎF ÐBÑ œ lim inf 0ÎE ÐBÑ lim inf 0 ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Considerando a restrição 1ÎF À F Ä ‘, vai existir G § F , com + aderente a


G, tal que
lim 1ÎG ÐBÑ œ lim inf 1ÎF ÐBÑ lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular lim 1ÎG ÐBÑ  ! e lim 0ÎG ÐBÑ œ lim 0ÎF ÐBÑ  ! pelo que,
BÄ+ BÄ+ BÄ+
§6. Sublimites e aplicações 123

aplicando I.5.17 e I.5.27, obtemos


lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ œ lim Ð0ÎE ÐBÑ ‚ 1ÎE ÐBÑÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim Ð0ÎG ÐBÑ ‚ 1ÎG ÐBÑÑ œ
BÄ+
œ lim 0ÎG ÐBÑ ‚ lim 1ÎG ÐBÑ
BÄ+ BÄ+
lim 0ÎF ÐBÑ ‚ lim inf 1ÐBÑ
BÄ+ BÄ+
lim inf 0 ÐBÑ ‚ lim inf 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

b) Podemos já supor que as duas parcelas do segundo membro são diferentes


de _, sem o que a desigualdade era trivial. Seja E § \ , com + aderente a
E, tal que lim 0ÎE ÐBÑ œ lim inf 0 ÐBÑ. Considerando a restrição 1ÎE À E Ä ‘,
BÄ+ BÄ+
vai existir F § E, com + aderente a F , tal que
lim 1ÎF ÐBÑ œ lim sup 1ÎE ÐBÑ Ÿ lim sup 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Em particular lim 1ÎF ÐBÑ  _ e lim 0ÎF ÐBÑ œ lim 0ÎE ÐBÑ  _ pelo
BÄ+ BÄ+ BÄ+
que, aplicando I.5.17 e I.5.27, obtemos
lim inf Ð0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑÑ Ÿ lim Ð0ÎF ÐBÑ ‚ 1ÎF ÐBÑÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim 0ÎF ÐBÑ ‚ lim 1ÎF ÐBÑ Ÿ
BÄ+ BÄ+
Ÿ lim 0ÎE ÐBÑ ‚ lim sup 1ÐBÑ œ
BÄ+ BÄ+
œ lim inf 0 ÐBÑ ‚ lim sup 1ÐBÑ.
BÄ+ BÄ+

c) e d) As demonstrações destas desigualdades podem ser obtidas por adapta-


ção natural das apresentadas para a) e b).
e) e f) Temos consequências diretas de a) e b), no primeiro caso, e de c) e d),
no segundo, uma vez que, 1À \ Ä ‘ tendo limite no ponto +, tem-se
lim 1ÐBÑ œ lim inf 1ÐBÑ œ lim sup 1ÐBÑ. 
BÄ+ BÄ+ BÄ+

Exercícios

æ Ex I.6.1 (Caracterização dos sublimites segundo Heine) Sejam \ § ‘,


+ − ‘ aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Mostrar que um real estendido
, − ‘ é sublimite de 0 no ponto + se, e só se, existir uma sucessão ÐB8 Ñ8−
de elementos de \ tal que B8 Ä + e 0 ÐB8 Ñ Ä , . Sugestão: Para uma das
implicações utilizar as caracterizações dos pontos aderentes e dos limites
124 Cap. I. Números reais e limites

através de sucessões (cf. I.5.49 e I.5.50) e para a outra a caracterização dos


sublimites em I.6.2.
æ Ex I.6.2 (Sublimites e funções compostas) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a
\ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Suponhamos que existe ] § ‘, , − ‘ aderente
a ] e 1À ] Ä \ uma função tal que lim 1ÐCÑ œ + e que a composta
CÄ,
0 ‰ 1À ] Ä ‘ admita - − ‘ como sublimite no ponto ,. Mostrar que - é
sublimite de 0 À \ Ä ‘ no ponto +. Sugestão: Utilizar a caracterização dos
sublimites em I.6.2.
æ Ex I.6.3 Verificar que a conclusão da alínea b) de I.6.9, pode ser obtida a
partir da conclusão da respetiva alínea a), aplicada à função B È 0 ÐBÑ.
Poderá ser conveniente lembrar a conclusão do exercício I.1.9.
æ Ex I.6.4 Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Sendo
W+ o conjuntos dos sublimites finitos de 0 no ponto +, mostrar que:
a) W+ é um subconjunto fechado de ‘. Sugestão: Utilizar a caracterização
dos sublimites em I.6.3 e lembrar que a aderência de um subconjunto
arbitrário de ‘ é sempre fechada (cf. I.3.27) e que uma intersecção de uma
família arbitrária de conjuntos fechados é fechada (cf. o exercício I.3.6).
b) Se _ (respetivamente _) é aderente a W+ então _ (respetivamente
_) é sublimite de 0 no ponto +. Sugestão: Lembrar I.6.4 para verificar o
que sucede se _ ou _ não for sublimite de 0 no ponto +.
ææ Ex I.6.5 Seja ÐB8 Ñ8− uma sucessão, seja E o conjunto dos seus termos e
seja W o conjunto dos seus sublimites finitos.
a) Mostrar que E  W coincide com a aderência do conjunto E e concluir que
E  W é um conjunto fechado. Sugestão: Lembrar a alínea d) de I.3.15 e o
facto de os pontos aderentes a um conjunto finito pertencerem a este (cf.
I.3.17).
b) Mostrar que _ (respetivamente _) é sublimite da sucessão se, e só
se, _ (respetivamente _) é aderente a E. Sugestão: A mesma que para
a alínea precedente.
c) Concluir que, se nem _ nem _ forem sublimites da sucessão, então
E  W é um conjunto compacto (isto é, fechado e limitado), em particular a
sucessão é limitada.
d) Deduzir, em particular, que, se B8 Ä , − ‘, então E  Ö,× é um conjunto
compacto, em particular a sucessão é limitada.
æ Ex I.6.6 (Teorema do encaixe) a) Seja, para cada 8 − , E8 um subconjunto
compacto e não vazio de ‘ e suponhamos que, para cada 8, E8 ¨ E8"
(temos uma sucessão decrescente de conjuntos). Mostrar que existe B − ‘
que pertence simultaneamente a todos os conjuntos E8 .
Sugestão: Escolher, para cada 8 − , B8 − E8 e tomar para B um sublimite,
necessariamente finito, da sucessão ÐB8 Ñ8− .
b) Verificar que, sendo F8 œ Ó!ß 8" Ó, tem-se F8 ¨ F8" com F8 limitado e
não vazio (mas não fechado) mas não existe nenhum número real pertencente
§6. Sublimites e aplicações 125

simultaneamente a todos os F8 .
c) Verificar que, sendo G8 œ Ò8ß _Ò, tem-se G8 ¨ G8" com G8 fechado e
não vazio (mas não limitado) mas não existe nenhum número real
pertencente simultaneamente a todos os G8 .
Ex I.6.7 Determinar os sublimites máximo e mínimo da função 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘
definida por 0 ÐBÑ œ senÐ B" Ñ no ponto !.
Ex I.6.8 Determinar os sublimites máximo e mínimo das sucessões ÐB8 Ñ8−
definidas por:

a) B8 œ cosˆ ‰;
81
'
8
8Ð"Ñ #
b) B8 œ $ ;
c) B8 œ È8  Ð"Ñ8 È8  ".
#8  8  "

æ Ex I.6.9 (Exemplo de utilização da condição de Cauchy) a) Seja ÐB8 Ñ8−


uma sucessão de números reais verificando a seguinte condição: Para cada
8 ", B8# está entre B8 e B8" (cada termo a partir do terceiro está entre os
dois anteriores). Verificar que a sucessão tem limite finito se, e só se,
B8"  B8 tem limite !. Sugestão: Uma das implicações resulta dos teoremas
algébricos sobre os limites. Para a outra, começar por mostrar que, para cada
: 8  #, B: está entre B8 e B8" e deduzir daqui que a sucessão é de
Cauchy.84
b) Utilizar a conclusão de a) para mostrar que a sucessão Ð?8 Ñ8− referida no
exercício I.4.17 é convergente. Sugestão: Reparar que
"
?8#  ?8" œ  Ð?8"  ?8 Ñ.
#
c) Repare-se que, como é característico da utilização da condição de Cauchy
para provar a existência de limite, a conclusão de b) não nos diz nada sobre o
valor do limite da sucessão. Mostrar, independentemente de b), que a suces-
são tem limite #$ , verificando, por indução matemática, que se tem
# " #
?8"  œ  Ð?8  Ñ.
$ # $

æ Ex I.6.10 Para cada 8 − , seja B8 œ "  "#  â  8" .


a) Verificar que B8"  B8 Ò ! mas que ÐB8 Ñ8− não é uma sucessão de
Cauchy, uma vez que, para cada 8, B#8  B8 "# .

84Note-se que, sem a hipótese feita no início, a condição de se ter B8"  B8 Ä ! não é
suficiente para garantir que temos uma sucessão de Cauchy (ver o exercício I.6.10
adiante).
126 Cap. I. Números reais e limites

b) Reparando que a sucessão ÐB8 Ñ8− é crescente, o que se poderá dizer


sobre o seu limite, tendo em conta a conclusão de a)?
Ex I.6.11 Sejam 0 ß 1À  Ä ‘ as funções (sucessões) definidas por
0 Ð8Ñ œ Ð"Ñ8 e 1Ð8Ñ œ Ð"Ñ8" . Verificar que:
a) Uma soma de um sublimite de 0 em _ com um sublimite de 1 em _
não é necessariamente um sublimite de 0  1 em _.
b) Tem-se
lim sup Ð0 Ð8Ñ  1Ð8ÑÑ  lim sup 0 Ð8Ñ  lim sup 1Ð8Ñ,
lim inf Ð0 Ð8Ñ  1Ð8ÑÑ  lim inf 0 Ð8Ñ  lim inf 1Ð8Ñ.

æ Ex I.6.12 (Caracterização alternativa dos sublimites mínimo e máximo)


Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Diz-se que
- − ‘ é um majorante local (respetivamente minorante local) de 0 no ponto
+ se existir &  ! tal que - seja um majorante (respetivamente minorante) de
0 Ð\  Z& Ð+ÑÑ.
a) Verificar que, se - − ‘ é um majorante local, então lim sup 0 ÐBÑ Ÿ - e
BÄ+
que, se lim sup 0 ÐBÑ  - − ‘, então - é um majorante local. Concluir que
BÄ+
lim sup 0 ÐBÑ é o ínfimo do conjunto dos majorantes locais de 0 no ponto +.
BÄ+
b) Verificar que, se - − ‘ é um minorante local, então lim inf 0 ÐBÑ - e
BÄ+
que, se lim inf 0 ÐBÑ  - − ‘, então - é minorante local. Concluir que
BÄ+
lim sup 0 ÐBÑ é o supremo do conjunto dos minorantes locais de 0 no ponto +.
BÄ+

æ Ex I.6.13 Sejam 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções, + um real estendido aderente a \


e suponhamos que se tem
lim sup 0 ÐBÑ  lim inf 1ÐBÑÞ
BÄ+ B−E

Mostrar que existe então &  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança
Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ  1ÐBÑ (comparar com I.5.2)Þ Sugestão: Aplicar a conclusão do
exercício I.6.12, depois de escolher -ß . − ‘ com
lim sup 0 ÐBÑ  -  .  lim inf 1ÐBÑÞ
BÄ+ B−E
CAPÍTULO II
Funções contínuas e aplicações

§1. Definições e propriedades básicas.

II.1.1 Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Diz-se que 0 é contínua num


ponto + − \ se lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ ou, o que é o mesmo, se 0 tem limite no
BÄ+
ponto + (cf. I.5.11). Diz-se que 0 é uma função contínua se 0 for contínua
em todos os pontos do domínio \ .

Para além de resultados importantes sobre funções contínuas que estuda-


remos mais adiante, muitas propriedades destas são meras reformulações
de propriedades dos limites já estudadas na secção I.5. Poderá ser útil,
mesmo assim, explicitar essas reformulações mas substituiremos a sua
demonstração por uma referência, sem mais comentários, às propriedades
que estão na sua origem.

II.1.2 (Exemplos básicos de funções contínuas) Se \ § ‘, são contínuas a


função identidade M\ À \ Ä ‘, definida por M\ ÐBÑ œ B, e, para cada , − ‘, a
função \ Ä ‘ de valor constante , (cf. I.5.4).
II.1.3 (Restrição de função contínua) Se 0 À \ Ä ‘ é contínua num ponto
+ − \ e se + − E § \ , então a restrição 0ÎE À E Ä ‘ também é contínua no
ponto +. Em consequência, se E § \ e 0 À \ Ä ‘ é contínua em todos os
pontos de E, então 0ÎE À E Ä ‘ é contínua, em particular, se 0 À \ Ä ‘ é
contínua, também 0ÎE À E Ä ‘ é contínua (cf. I.5.6).
II.1.4 (Continuidade e pontos isolados) Se + é um ponto isolado de um con-
junto \ § ‘, então qualquer função 0 À \ Ä ‘ é contínua em + (cf. a alínea
b) de I.5.11). Se + − \ não é ponto isolado de \ (ou seja, é ponto de
acumulação de \ ) então uma função 0 À \ Ä ‘ é contínua em + se, e só se,
lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ
BÄ+
BÁ+

(cf. a alínea c) de I.5.11).


II.1.5 (Nota) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função e E § \ é um subconjunto tal que
0ÎE À E Ä ‘ seja contínua num certo ponto + − E, não podemos concluir que
0 seja contínua no ponto +. Como exemplo típico podemos pensar no
referido em I.5.7 em que a função 0 À ‘ Ä ‘ não é contínua no ponto " mas a
128 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

sua restrição ao subconjunto Ó_ß "Ó já é contínua nesse ponto.

Afirmar que uma função 0 À \ Ä ‘ é contínua em todos os pontos de


E § \ é assim “mais forte” do que afirmar que a restrição 0ÎE À E Ä ‘ é
contínua.O melhor que conseguimos para tirar conclusões sobre a conti-
nuidade num ponto de uma função a partir da continuidade nesse ponto de
uma ou mais restrições é:

II.1.6 (Das restrições para as funções) Sejam 0 À \ Ä ‘ uma função e + − \ .


a) Se + − E § \ é tal que 0ÎE À E Ä ‘ seja contínua no ponto + e + não é
aderente a \ Ï E, então 0 À \ Ä ‘ é contínua em + (cf. a alínea b) de I.5.8,
com F œ \ Ï E).
b) Se \ œ E  F , com + − E  F e com ambas as restrições 0ÎE À E Ä ‘ e
0ÎF À F Ä ‘ contínuas em +, então 0 À \ Ä ‘ é contínua em + (cf. a alínea a)
de I.5.8).
II.1.7 (Exemplos) a) Como aplicação da alínea a) de II.1.6, podemos concluir
que a função 0 À ‘ Ä ‘ que serviu de exemplo na nota II.1.5 já é contínua
em todos os pontos do domínio distintos de ": Nos pontos de Ó_ß "Ò por se
tratar de pontos não aderentes a Ò"ß _Ò onde a restrição de 0 a Ó_ß "Ò é
contínua; Nos pontos de Ó"ß _Ò por se tratar de pontos não aderentes a
Ó_ß "Ó onde a restrição de 0 a Ó"ß _Ò é contínua.
b) Consideremos a função 0 À ‘ Ä ‘ referida no exemplo I.5.9
§1. Definições e propriedades básicas 129

Como aplicação da alínea b) de II.1.6, podemos concluir que esta função é


contínua no ponto ", por isso acontecer às suas restrições a cada um dos
conjuntos Ó_ß "Ó e Ò"ß _Ò. Que ela é contínua nos restantes pontos do
domínio pode ser concluído por aplicação da alínea a) de II.1.6, como na
alínea a).
II.1.8 (Somas produtos e módulos de funções contínuas) Sejam 0 ß 1À \ Ä ‘
duas funções contínuas num ponto + − \ . São então também contínuas em +
as funções 0  1À \ Ä ‘, 0 ‚ 1À \ Ä ‘ e l0 lÀ \ Ä ‘ definidas por
Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ,
Ð0 ‚ 1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ,
l0 lÐBÑ œ l0 ÐBÑl

(cf. I.5.17) e, consquentemente, também 1 œ Ð"Ñ ‚ 1À \ Ä ‘ e


0  1 œ 0  Ð1ÑÀ \ Ä ‘ são contínuas em +. Mais geralmente, por
indução em 5 , se 0" ß á ß 05 À \ Ä ‘ são contínuas no ponto +, o mesmo
acontece a 0"  â  05 À \ Ä ‘ e a 0" ‚ â ‚ 05 À \ Ä ‘.
Em particular, para cada inteiro : !, é contínua a função potência de
expoente :, 0: À ‘ Ä ‘, definida por 0: ÐBÑ œ B: (o caso : œ ! resulta de
termos uma função constante).
II.1.9 (Quociente de funções contínuas) Sejam 0 À \ Ä ‘ e 1À \ Ä ‘ Ï Ö!×
funções contínuas num ponto + − \ . São então contínuas em + a função
" " "
1 À \ Ä ‘ definida por 1 ÐBÑ œ 1ÐBÑ (cf. I.5.21), e, consequentemente,
0
também a função 1 œ 0 ‚ "1 À \ Ä ‘.

II.1.10 (Composta de funções contínuas) Sejam \ § ‘, ] § ‘ e 0 À \ Ä ] e


1À ] Ä ‘ duas funções.
a) Se 0 for contínua num ponto + − \ e 1 for contínua no ponto 0 Ð+Ñ, então
a composta 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é contínua no ponto +. Em particular, se 0 e 1 são
funções contínuas, também 1 ‰ 0 é uma função contínua (cf. I.5.36).
b) Se + é aderente a \ , se 0 tem limite no ponto +, com , œ lim 0 ÐBÑ − ] e
BÄ+
se 1 é contínua no ponto , , então
lim 1Ð0 ÐBÑÑ œ 1Ð,Ñ
BÄ+

(cf. I.5.36).

Passamos agora a examinar alguns resultados, de utilização frequente, que


têm como hipótese a continuidade em todos os pontos do domínio.

II.1.11 (Teorema de Weierstrass) Sejam \ § ‘ um conjunto fechado e


limitado e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua. Tem-se então que 0 Ð\Ñ § ‘ é
também fechado e limitado e portanto, se \ Á g, a função 0 tem máximo e
mínimo.
130 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

Dem: Lembremos que os conjuntos fechados e limitados, também chamados


compactos, podem ser caracterizados pela propriedade de qualquer sucessão
de reais a eles pertencentes ter pelo menos um sublimite a eles pertencente
(cf. I.6.11). Seja então ÐC8 Ñ8− uma sucessão arbitrária de elementos de
0 Ð\Ñ e seja, para cada 8 − , B8 − \ tal que 0 ÐB8 Ñ œ C8 . O facto de \ ser
compacto implica a existência de um sublimite + − \ da sucessão ÐB8 Ñ8− ,
portanto de um conjunto N §  tendo _ como ponto aderente85 tal que
lim B8 œ +. Tendo em conta a continuidade de 0 no ponto +, deduzimos
8−N
então que
lim C8 œ lim 0 ÐB8 Ñ œ 0 Ð+Ñ − 0 Ð\Ñ,
8−N 8−N

o que mostra que a sucessão ÐC8 Ñ8− admite o sublimite 0 Ð+Ñ − 0 Ð\Ñ.
Provámos assim que 0 Ð\Ñ é compacto e portanto, no caso em que \ Á g, e
portanto 0 Ð\Ñ Á g, tem máximo e mínimo (cf. I.6.12) os quais são, por
definição, o máximo e o mínimo da função. 
II.1.12 (Corolário) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua. Se E § \
é um conjunto fechado e limitado, então 0 ÐEÑ é também um conjunto
fechado e limitado e portanto, no caso em que E Á g, tem máximo e mínimo.
Dem: Basta aplicar o teorema de Weierstrass à restrição 0ÎE À E Ä ‘, que é
ainda contínua e tem 0 ÐEÑ como contradomínio. 
II.1.13 (Nota) Acabamos de verificar que a imagem por uma função contínua de
um conjunto simultaneamente fechado e limitado é um conjunto simulta-
neamente fechado e limitado. Poderíamos conjeturar se a imagem de um
conjunto fechado terá que ser um conjunto fechado e se a imagem de um
conjunto limitado terá que ser um conjunto limitado. Tal não é o caso:
Pensando, por exemplo, na função contínua 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ B" , constatamos que a imagem do conjunto fechado Ò"ß _Ò (que não
é limitado) é o conjunto Ó!ß "Ó, que não é fechado, e que a imagem do
conjunto limitado Ó!ß "Ó (que não é fechado) é o conjunto Ò"ß _Ò, que não é
limitado.
II.1.14 (Imagem reciproca dum fechado) Sejam \ § ‘ e ] § ‘ dois
conjuntos fechados e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua. É então fechado o
conjunto
E œ ÖB − \ ± 0 ÐBÑ − ] ×,
a que se costuma dar o nome de imagem recíproca de ] por meio de 0 .
Dem: Seja + − ‘ aderente a E. Em particular, por ser E § \ , + é também
aderente a \ donde, por \ ser fechado, + − \ . Tendo em conta I.5.49,
podemos considerar uma sucessão ÐB8 Ñ8− de elementos de E, em particular
de \ , com B8 Ä +. Pela continuidade de 0 no ponto +, vem 0 ÐB8 Ñ Ä 0 Ð+Ñ,

85Ou seja, neste caso, um subconjunto infinito.


§1. Definições e propriedades básicas 131

onde, pela definição de E, 0 ÐB8 Ñ − ] . Podemos assim concluir que 0 Ð+Ñ é


aderente a ] , donde, por ] ser fechado, 0 Ð+Ñ − ] , o que mostra que + − E.
Provámos assim que E é um conjunto fechado. 
II.1.15 (Teorema de Cauchy-Bolzano86) Sejam +  , em ‘ e 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘
uma função contínua. Se . − ‘ está entre 0 Ð+Ñ e 0 Ð,Ñ (cf. I.1.4), então existe
- − Ó+ß ,Ò tal que 0 Ð-Ñ œ . (a função contínua 0 toma todos os valores
intermédios).
Dem: Se . está entre 0 Ð+Ñ e 0 Ð,Ñ, duas situações são possíveis: Ou
0 Ð+Ñ  .  0 Ð,Ñ ou 0 Ð,Ñ  .  0 Ð+Ñ.
Vamos começar por examinar o caso em que 0 Ð+Ñ  .  0 Ð,Ñ. Seja
E § Ò+ß ,Ó,
E œ ÖB − Ò+ß ,Ó ± 0 ÐBÑ Ÿ .× œ ÖB − Ò+ß ,Ó ± 0 ÐBÑ − Ó_ß .Ó×,
conjunto que, tendo em conta II.1.14, é fechado e, naturalmente, limitado,
portanto compacto. Uma vez que + − E e , Â E, por ser 0 Ð+Ñ  .  0 Ð,Ñ,
em particular E não é vazio, podemos aplicar I.6.12 para garantir que o
conjunto E admite um elemento máximo - − Ò+ß ,Ò. Provemos que 0 Ð-Ñ œ . ,
com o que ficará atingido o nosso objetivo, já que então - Á +. Suponhamos,
por absurdo, que isso não acontecia, e portanto que 0 Ð-Ñ  . (- − E). Uma
vez que lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð-Ñ, podemos aplicar I.5.2, com a constante . como
BÄ-
segunda função, para garantir a existência de &  ! tal que, para cada
B − Ò+ß ,Ó na vizinhança Z& Ð-Ñ œ Ó-  &ß -  &Ò, 0 ÐBÑ  . , em particular
B − E. Mas isto conduz-nos a um absurdo, visto que, escolhendo B entre - e
o menor dos dois números , e -  &, maiores que - , obtínhamos um elemento
de E maior que - , contrariando o facto de - ser um majorante de E.
O caso em que 0 Ð,Ñ  .  0 Ð+Ñ admite uma justificação análoga, mas
também se pode reduzir ao que já demonstrámos, considerando a função
contínua 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘, para a qual se tem 0 Ð+Ñ  .  0 Ð,Ñ, e
deduzindo a existência de - − Ó+ß ,Ò tal que 0 Ð-Ñ œ . , portanto tal que
0 Ð-Ñ œ .. 
II.1.16 (Corolário) Sejam \ § ‘ um intervalo e 0 À \ Ä ‘ uma função
contínua. Tem-se então que o contradomínio 0 Ð\Ñ é também um intervalo.
Dem: Vamos utilizar a caracterização dos intervalos em I.3.8. Consideremos
então C Á D em 0 Ð\Ñ e seja . entre C e D . Existem assim + Á , em \ tais
que C œ 0 Ð+Ñ e D œ 0 Ð,Ñ, podendo já supor-se, para fixar ideias, que +  ,
(senão trocava-se os papéis de C e D ). Aplicando II.1.15 à restrição de 0 ao
intervalo Ò+ß ,Ó § \ , que é ainda uma função contínua, deduzimos a
existência de - − Ó+ß ,Ò § \ tal que 0 Ð-Ñ œ . , o que implica que se tem tam-
bém . − 0 Ð\Ñ. 
II.1.17 (Nota) Repare-se que, para a validade do teorema de Cauchy-Bolzano,
tal como do seu corolário, é essencial tanto a continuidade da função 0 como

86Que o estudante já encontrou, embora sem justificação, no ensino secundário)


132 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

o facto de o domínio ser um intervalo: Para o constarmos, podemos pensar


na função 1À Ò"ß $Ó Ä ‘ definida por

1ÐBÑ œ œ
B  ", se B Ÿ #
,
B, se B  #

a qual está definida num intervalo mas não é contínua no ponto # e nunca
toma o valor $# , que está entre ! œ 1Ð"Ñ e $ œ 1Ð$Ñ, assim como na função
contínua 2À Ò"ß !Ó  Ò"ß #Ó Ä ‘ definida por 2ÐBÑ œ B, a qual não tem um
intervalo como domínio, que nunca toma o valor "# , que está entre
" œ 2Ð"Ñ e # œ 2Ð#Ñ.

Como primeira aplicação do teorema de Cauchy-Bolzano ou, mais preci-


samente, do seu corolário, temos a possibilidade de definir as raizes de
índice 5 dos reais maiores ou iguais a !, generalizando o que foi feito em
I.1.15 para as raizes quadradas. De facto, se examinarmos a demonstração
então feita, constatamos que ela seguia um caminho análogo ao utilizado
na demonstração do teorema de Cauchy-Bolzano, a demonstração deste
último acabando por ser mais simples por já dispormos de instrumentos
que então não estavam ao nosso alcance.

II.1.18 (A função raiz de índice 5 ) Seja 5 " um número natural. Para cada

B5 œ C, número real esse que é notado È


número real C ! existe então um, e um só, número real B ! tal que
5 C e a que se dá o nome de raiz de

Repare-se que È # C não é mais do que a raiz quadrada È C de C , definida em


índice 5 de C.

I.1.15 e que ÈC œ C.
"

Dem: Tendo em conta I.4.26 e II.1.8, sabemos que tem lugar uma função
contínua e estritamente crescente 05 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò, definida por
05 ÐBÑ œ B5 , a qual vai, em particular, ser injetiva. Para justificar a afirmação
no enunciado resta mostrar que a função 05 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò é sobre-
jetiva. Pelo corolário II.1.16 do teorema de Cauchy-Bolzano, 05 ÐÒ!ß _ÒÑ é
um intervalo e o facto de 05 ser crescente implica que ! œ 05 Ð!Ñ é o mínimo
desse intervalo e, tendo em conta I.5.30 e a alínea a) de I.5.38, que o
§1. Definições e propriedades básicas 133

supremo do intervalo é igual a lim B5 œ _. Concluímos assim que o


BÄ_
contradomínio é efetivamente Ò!ß _Ò. 

crescente Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò, que a C associa È


II.1.19 Para cada natural 5 ", ficou definida uma função estritamente
5 C , que não é mais do que a

função inversa da função bijetiva 05 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por
05 ÐBÑ œ B5 (lembrar que, como referido em I.4.22, a função inversa de uma
função estritamente crescente é estritamente crescente).

O próximo resultado, que é muitas vezes cómodo para provar a conti-


nuidade de uma função, diz-nos que uma função monótona cujo contrado-
mínio seja um intervalo é necessariamente contínua.

II.1.20 (Condição suficiente de continuidade) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma


função monótona cujo contradomínio 0 Ð\Ñ seja um intervalo. Tem-se então
que a função 0 é contínua.
Dem: Vamos começar por supor que a função 0 é crescente. Provemos a
continuidade de 0 num ponto + − \ . Lembrando II.1.4, essa continuidade é
sempre verificada quando + é um ponto isolado e, caso contrário, é equiva-
lente ao facto de se ter
lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ.
BÄ+
BÁ+

Tendo em conta o que foi referido em I.5.12, para mostrarmos que 0 é


contínua em +, bastará mostrar que, se + é ponto de acumulação à esquerda
de \ , então lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ e que, se + é ponto de acumulação à direita de
BÄ+
\ , então lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ. No caso em que + é ponto de acumulação à
BÄ+
esquerda de \ , vimos na alínea c) de I.5.38 que o limite à esquerda existe e é
o supremo do conjunto 0 Ð\+ Ñ, dos 0 ÐBÑ com B − \ e B  +, pelo que,
supondo, por absurdo, que não se tinha lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, concluíamos que
BÄ+
lim 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ e portanto, escolhendo C − ‘ entre lim 0 ÐBÑ e 0 Ð+Ñ,
BÄ+ BÄ+
obtínhamos um real não pertencente a 0 Ð\Ñ (menor que os 0 ÐBÑ com B +
e maior que os 0 ÐBÑ com B  +) e que, no entanto, estava entre dois
elementos de 0 Ð\Ñ (0 Ð+Ñ e qualquer elemento 0 ÐBÑ com B  +), contra-
riando a hipótese de 0 Ð\Ñ ser um intervalo. Analogamente, no caso em que +
é ponto de acumulação à direita de \ , o limite à direita existe e é o ínfimo do
conjunto 0 Ð\+ Ñ, dos 0 ÐBÑ com B − \ e B  +, pelo que, supondo, por
absurdo, que não se tinha lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, vinha lim 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ e
BÄ+ BÄ+
portanto, escolhendo C − ‘ entre lim 0 ÐBÑ e 0 Ð+Ñ, obtínhamos um real não
BÄ+
pertencente a 0 Ð\Ñ (maior que os 0 ÐBÑ com B Ÿ + e menor que os 0 ÐBÑ com
B  +) e que, no entanto, estava entre dois elementos de 0 Ð\Ñ (0 Ð+Ñ e
134 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

qualquer elemento 0 ÐBÑ com B  +), contrariando, mais uma vez, a hipótese
de 0 Ð\Ñ ser um intervalo.
Resta-nos examinar o caso em que a função 0 é decrescente. Nesse caso
poderíamos fazer uma demonstração análoga mas é mais simples reduzir-
mo-nos ao caso anterior, considerando o conjunto \ dos reais B, com
B − \ , e a função crescente 1À \ Ä ‘ definida por 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, cujo
contradomínio coincide com o de 0 e é portanto um intervalo. Podemos
assim concluir do que já provámos que 1 é contínua e portanto, pela
igualdade 0 ÐBÑ œ 1ÐBÑ, a função 0 é também contínua. 
II.1.21 (Nota) Repare-se que a hipótese de monotonia é essencial para podermos
concluir a continuidade de 0 . Por exemplo, a função 0 À Ò!ß #Ó Ä ‘ definida
por

0 ÐBÑ œ œ
"  B, se B Ÿ "
B, se B  "

não é contínua no ponto " e, no entanto, 0 ÐÒ!ß #ÓÑ é o intervalo Ò!ß #Ó.

II.1.22 (Continuidade da função raiz de índice 5 ) Para cada natural 5 " é

15 ÐCÑ œ È
contínua a função estritamente crescente 15 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por
5 C e tem-se

lim È
5
C œ _. 87
CÄ_

Dem: Já referimos em II.1.19 que esta função é estritamente crescente e é a


inversa da função bijetiva 05 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por 05 ÐBÑ œ B5 .
Como tal, o seu contradomínio é o intervalo Ò!ß _Ò o que, por II.1.20,
implica a continuidade de 15 . Quanto ao limite da função quando C Ä _,
temos uma consequência direta da alínea a) de I.5.38 que nos garante que
esse limite é o supremo do contradomínio Ò!ß _Ò de 15 . 

87Repare-se que as conclusões no caso em que 5 œ # podiam ser obtidas a partir de I.5.23
e I.5.34 e que, reciprocamente esses resultados podiam ter sido obtidos como conse-
quências do que agora enunciamos, se isso já fosse conhecido na altura.
§1. Definições e propriedades básicas 135

II.1.23 (Continuidade das funções trigonométricas88) As funções seno e cos-


seno,
senÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó § ‘, cosÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó § ‘,

são contínuas.
Dem: Tendo em conta o resultado II.1.10, sobre a composição de funções
contínuas, e a relação senÐBÑ œ cosÐ 1#  BÑ, válida para todo o B − ‘, é
suficiente mostrar que a função cosÀ ‘ Ä ‘ é contínua num ponto arbitrário
+ − ‘. Aplicando I.1.13 ao real #+1 , vemos que existe : − ™ tal que #+1 per-
tença ao intervalo Ò:ß :  "Ò, ou seja + − Ò#:1ß #:1+21Ò. Vamos provar a
continuidade no ponto + distinguindo quatro situações:
1) Suponhamos que + − Ó#:1ß #:1  1Ò. Neste caso, reparamos que a restri-
ção do cosseno a este intervalo é decrescente e tem como contradomínio o
intervalo Ó"ß "Ò 89 e portanto, por aplicação de II.1.20, é contínua. Deduzi-
mos então da alínea a) de II.1.6 que cosÀ ‘ Ä ‘ é contínua no ponto +, já
que + não é aderente ao conjunto fechado
‘ Ï Ó#:1ß #:1  1Ò œ Ó_ß #:1Ó  Ò#:1  1ß _Ò.

2) Suponhamos que + − Ó#:1  1ß #:1  #1Ò. Neste caso, reparamos que a


restrição do cosseno a este intervalo é crescente e tem como contradomínio o
intervalo Ó"ß "Ò e portanto, por aplicação de II.1.20, é contínua. Deduzimos

88Lembrar que, como referido em I.4.28, as funções trigonométricas têm um caráter


diferente das outras que temos encontrados, uma vez que a sua definição tem raízes na
Geometria e não se baseia apenas nas propriedades dos números reais. Por essa razão, é
legítimo usar argumentos geométricos para justificar propriedades destas funções.
89Cuidado! Ao contrário do que fizémos para mostrar a existência de raízes de índice :
dos números em Ò!ß _Ò, não é por aplicação de II.1.16 que concluímos que o contrado-
mínio é este intervalo, uma vez que ainda não conhecemos a continuidade das funções
trigonométricas. A explicação é um argumento geométrico, envolvendo o círculo trigono-
métrico que mostra que, para cada valor entre " e ", é possível encontrar um ângulo no
intervalo considerado que tem esse valor como cosseno.
136 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

então da alínea a) de II.1.6 que cosÀ ‘ Ä ‘ é contínua no ponto +, já que +


não é aderente ao conjunto fechado
‘ Ï Ó#:1  1ß #:1  #1Ò œ Ó_ß #:1  1Ó  Ò#:1  #1ß _Ò.

3) Suponhamos que + œ #:1. Neste caso, por aplicação de II.1.20, concluí-


mos que são contínuas as restrições do cosseno aos intervalos Ó#:1  1ß #:1Ó
e Ò#:1ß #:1  1Ò (a primeira crescente, a segunda decrescente e ambas com o
intervalo Ó"ß "Ó como contradomínio) e portanto, pela alínea b) de II.1.6, a
restrição do cosseno a Ó#:1  1ß #:1  1Ò é contínua em +. Daqui dedu-
zimos, pela alínea a) de II.1.6, que cosÀ ‘ Ä ‘ é contínua no ponto +, já que
+ não é aderente ao conjunto fechado
‘ Ï Ó#:1  1ß #:1  1Ò œ Ó_ß #:1  1Ó  Ò#:1  1ß _Ò.

4) Suponhamos que + œ #:1  1. Neste caso, por aplicação de II.1.20,


concluímos que são contínuas as restrições do cosseno aos intervalos
Ó#:1ß #:1  1Ó e Ò#:1  1ß #:1  #1Ò (a primeira decrescente, a segunda
crescente e ambas com o intervalo Ò"ß "Ò como contradomínio) e portanto,
pela alínea b) de II.1.6, a restrição do cosseno a Ó#:1ß #:1  #1Ò é contínua
em +. Daqui deduzimos, pela alínea a) de II.1.6, que cosÀ ‘ Ä ‘ é contínua
no ponto +, já que + não é aderente ao conjunto fechado
‘ Ï Ó#:1ß #:1  #1Ò œ Ó_ß #:1Ó  Ò#:1  #1ß _Ò.

II.1.24 A outra função trigonométrica cuja utilização é mais frequente é a função


tangente que, como sabemos já não tem como domínio ‘ mas sim o comple-
§1. Definições e propriedades básicas 137

mentar do conjunto

 ™1 œ š  :1›
1 1

# # :−™

dos zeros da função cosseno. A função tanÀ ‘Ï\ Ä ‘, que admite a caracte-
rização
senÐBÑ
tanÐBÑ œ ,
cosÐBÑ
vai também ser contínua, enquanto quociente de funções contínuas.
Recordemos que o estudo geométrico desta função diz-nos que ela não é
monótona, mas tem restrição estritamente crescente a cada um dos intervalos
do tipo

“  :1ß  Ð:  "Ñ1’
1 1
# #
e que o contradomínio de cada uma destas restrições é ‘. Em particular, por
aplicação das alíneas c) e d) de I.5.38 (e, mais uma vez, da alínea a) de II.1.6)
concluímos que nos pontos + œ 1#  :1 que não pertencem ao domínio,
tem-se
lim tanÐBÑ œ _, lim tanÐBÑ œ _.
BÄ+ BÄ+

II.1.25 (As funções trigonométricas inversas) Apesar de as funções trigonomé-


tricas senÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó, cosÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó e tanÀ ‘ Ï Ð 1#  ™1Ñ Ä ‘ não
serem injetivas, e portanto não terem funções inversas, é possível restringir
cada uma delas a um intervalo conveniente de forma a obter uma função
injetiva e com o mesmo contradomínio. São as inversas dessas restrições que
são conhecidas como funções trigonométricas inversas e que são implemen-
tadas (através de valores aproximados) em muitas calculadoras com as teclas
138 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

sin" cos" tan" .

É claro que, tal como as funções trigonométricas, estas funções inversas têm
também um carácter geométrico, e não estritamente do âmbito da Análise
Matemática. Concretizando:
a) A restrição da função seno ao intervalo Ò 1# ß 1# Ó é estritamente crescente,
em particular injetiva, e tem Ò"ß "Ó como contradomínio. Notamos
1 1
arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò ß Ó
# #
(ou sen" Ñ90 a função inversa desta restrição, que é assim bijetiva e
estritamente crescente e portanto contínua (cf. II.1.20).
b) A restrição da função cosseno ao intervalo Ò!ß 1Ó é estritamente decres-
cente, em particular injetiva, e tem Ò"ß "Ó como contradomínio. Notamos
arccosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß 1Ó
(ou cos" Ñ a função inversa desta restrição, que é assim bijetiva e estrita-
mente decrescente e portanto contínua.

c) A restrição da função tangente ao intervalo Ó 1# ß 1# Ò é estritamente cres-


cente, em particular injetiva, e tem ‘ como contradomínio. Notamos
1 1
arctanÀ ‘ Ä Ó ß Ò
# #
(ou tan" Ñ a função inversa desta restrição, que é assim bijetiva e estrita-
mente crescente e portanto contínua. Note-se que, por aplicação das alíneas
a) e b) de I.5.38, tem-se

90Mas línguas francesa e inglesa as traduções de “seno” são respetivamente “sinus” e


“sine” e essa é a razão para que se utilize frequentemente “sin”, “arcsin” e “sin" ” em vez
de “sen”, “arcsen” e “sen" ”.
§1. Definições e propriedades básicas 139

1 1
lim arctanÐBÑ œ  , lim arctanÐBÑ œ .
BÄ_ # BÄ_ #

No contexto dos limites de funções (ou, em particular, de sucessões) a


palavra “uniforme” faz sentido sempre que estejamos a considerar vários
limites ao mesmo tempo. Nessa situação, quando é dado $  !, destinado
a definir as vizinhanças no espaço de chegada, podemos, para cada um
dos limites considerados, considerar &  !, destinado a definir as vizi-
nhanças do ponto onde esse limite é considerado, de modo que se veri-
fique a condição na definição do limite. Em geral, o valor de & que se
consegue determinar depende, além do valor de $ , também do limite que
se considera. Quando, para cada $  !, for possível determinar &  ! que
sirva, ao mesmo tempo, para todos os limites considerados, falamos de
limite uniforme. Repare-se que, quando os limites considerados forem em
número finito, temos sempre um limite uniforme, uma vez que, conside-
rando &"  !, &#  !ß á ß &8  ! que sirvam para cada um dos limites, o
número &  ! igual ao mínimo daqueles 8 números serve ao mesmo
tempo para todos. A definição a seguir ilustra uma das situações em que a
questão da uniformidade se coloca.

II.1.26 (Continuidade uniforme) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função. Dado


E § \ , dizemos que 0 é uniformemente contínua nos pontos de E se,
qualquer que seja $  !, existe &  ! tal que, para cada + − E e B − \ com
B − Z& Ð+Ñ, tem-se 0 ÐBÑ − Z$ Ð0 Ð+ÑÑ. Dizemos que 0 é uniformemente
contínua se for uniformemente contínua nos pontos de \ .
Repare-se que, se 0 é uniformemente contínua nos pontos de E, então, em
particular, para cada + − E, lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, isto é, 0 é contínua em todos
BÄ+
os pontos de E. Em particular, considerando E œ \ , se 0 À \ Ä ‘ é
uniformemente contínua, então também é contínua.
II.1.27 (Exemplos) 1) Como ressalta das observações feitas para justificar I.5.4,
dados \ § ‘ e , − ‘, são uniformemente contínuas a função identidade
M\ À \ Ä ‘ e a função \ Ä ‘ de valor constante , (Dado $  !, escolher
& œ $ , no primeiro caso, e &  ! arbitrário, no segundo caso).
2) A função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B# , apesar de contínua, não é
uniformemente contínua. Para o mostrarmos vamos verificar que, por
140 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

exemplo, para $ œ ", não é possível escolher &  ! nas condição da


definição. O caminho resulta de considerar a sucessão que a cada 8 associa
È È È È
È8  "  È8 œ Ð 8  "  8ÑÐ 8  "  8Ñ œ
È8  "  È8 È8  "+È8
"
,

cujo limite sabemos ser !. Qualquer que fosse o candidato &  ! para

natural 8 tal que È8  "  È8  & e então, tomando + œ È8 e


verificar a condição de continuidade uniforme, podíamos então escolher um

B œ È8  ", constatávamos que B − Z& Ð+Ñ e, no entanto, por ser 0 Ð+Ñ œ 8 e


0 ÐBÑ œ 8  ", 0 ÐBÑ Â Z" Ð0 Ð+ÑÑ ou seja, o candidato não servia.
II.1.28 (Teorema de Heine-Cantor) Sejam \ § ‘, E § \ um conjunto
compacto (isto é, fechado e limitado) e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua em
todos os pontos de E. A função 0 é então uniformemente contínua nos
pontos de E.
Dem: Suponhamos, por absurdo, que 0 não era uniformemente contínua nos
pontos de E, isto é, que se podia considerar $  ! para o qual não havia
nenhuma escolha possível de &  ! nas condições da definição. Em
particular, se escolhêssemos & œ 8" , não teríamos êxito, ou seja, existiam dois
pontos +8 − E e B8 − \ tais que B8 − Z"Î8 Ð+8 Ñ, ou seja .Ð+8 ß B8 Ñ  8" , e,
no entanto, 0 ÐB8 Ñ Â Z$ Ð0 Ð+8 ÑÑ, ou seja . ˆ0 Ð+8 Ñß 0 ÐB8 щ $ . Reparemos
que, uma vez que 8" Ä !, as desigualdades ! Ÿ .Ð+8 ß B8 Ñ  8" implicam que
.Ð+8 ß B8 Ñ Ä !. Pensando agora na sucessão Ð+8 Ñ8− de elementos de E, o
facto de E ser compacto (cf. II.1.11) implica que existe um sublimite + − E
para esta sucessão, portanto que existe uma parte infinita N §  (isto é, com
_ como ponto aderente) tal que +8 Ò +, ou seja .Ð+ß +8 Ñ Ò ! (cf. a
8−N 8−N
alínea b) de I.5.42). De se ter
! Ÿ .Ð+ß B8 Ñ Ÿ .Ð+ß +8 Ñ  .Ð+8 ß B8 Ñ,
com o membro da direita a tender para !, para 8 − N , resulta por enquadra-
mento que .Ð+ß B8 Ñ Ò !, portanto B8 Ò +. Tendo em conta agora a conti-
8−N 8−N
nuidade de 0 no ponto +, tem-se 0 Ð+8 Ñ Ò 0 Ð+Ñ e 0 ÐB8 Ñ Ò 0 Ð+Ñ, donde
8−N 8−N

. ˆ0 Ð+8 Ñß 0 Ð+щ Ò !, . ˆ0 Ð+Ñß 0 ÐB8 щ Ò !.


8−N 8−N

Das desigualdades
! Ÿ . ˆ0 Ð+8 Ñß 0 ÐB8 щ Ÿ . ˆ0 Ð+8 Ñß 0 Ð+щ  . ˆ0 Ð+Ñß 0 ÐB8 щ,

mento que . ˆ0 Ð+8 Ñß 0 ÐB8 щ Ò !. Mas isto é absurdo, uma vez que, por
com o membro da direita a tender para !, para 8 − N , resulta por enquadra-
8−N
§1. Definições e propriedades básicas 141

construção, para todo o 8 − , em particular, para todo o 8 − N ,


. ˆ0 Ð+8 Ñß 0 ÐB8 щ $. 

Exercícios

Ex II.1.1 Lembrar que, para cada B − ‘, define-se a sua parte inteira intÐBÑ − ™
como sendo o único inteiro : tal que B − Ò:ß :  "Ò (cf. I.1.13). Determinar
quais os pontos + − ‘ onde a função intÀ ‘ Ä ™ é contínua.
Ex II.1.2 Sejam \ § ‘ um intervalo e 0 À \ Ä  § ‘ uma função contínua,
que só toma valores racionais. Mostrar que 0 é necessariamente uma função
constante.
Ex II.1.3 Sejam 0 ß 1À Ò!ß "Ó Ä ‘ duas funções contínuas tais que 0 Ð"Ñ œ 1Ð!Ñ.
Mostrar que é contínua a função 2À Ò!ß "Ó Ä ‘ definida por

2ÐBÑ œ 
0 Ð#BÑ se ! Ÿ B Ÿ "#
.
1Ð#B  "Ñ se "#  B Ÿ "

Ex II.1.4 Mostrar que a equação


ÐB  "Ñ(  BÐB  #Ñ œ !
tem pelo menos uma solução no intervalo Ó!ß #Ò.
Ex II.1.5 Seja 0 À Ò+ß ,Ó Ä Ò+ß ,Ó uma função contínua, cujo domínio e espaço de
chegada são ambos o intervalo limitado e fechado Ò+ß ,Ó § ‘, com + Ÿ , .
Mostrar que 0 tem pelo menos um ponto fixo, isto é existe pelo menos um
- − Ò+ß ,Ó tal que 0 Ð-Ñ œ - . Sugestão: Aplicar o terema de Cauchy-Bolzano à
função 0 ÐBÑ  B.
Ex II.1.6 a) Seja 0 À Ò!ß #1Ó Ä ‘ uma função contínua tal que 0 Ð!Ñ œ 0 Ð#1Ñ.
Mostrar que existe algum - − Ò!ß 1Ò para o qual 0 Ð-Ñ œ 0 Ð-  1Ñ.
Sugestão: Considerar a função 1 definida em Ò!ß 1Ó por
1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 ÐB  1Ñ.

b) Com base na conclusão de a), concluir que num dado meridiano terrestre
existem, em cada momento, dois pontos antípodas cuja temperatura é exacta-
mente igual.
æ Ex II.1.7 Seja T À ‘ Ä ‘ um polinómio de grau 8 ímpar,
T ÐBÑ œ +!  +" B  á  +8 B8 ,
onde +8  !.
142 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

a) Mostrar que existe B − ‘ tal que T ÐBÑ œ !. Sugestão: Utilizar o teorema


de Bolzano e ter em conta os limites de T ÐBÑ quando B tende para _ e
para _Þ
b) Utilizar a conclusão de a) para determinar o contradomínio T БÑ.
æ Ex II.1.8 Seja T À ‘ Ä ‘ um polinómio de grau 8 par,
T ÐBÑ œ +!  +" B  á  +8 B8 ,
onde +8  !. Mostrar que T tem um mínimo em ‘, isto é, existe B! − ‘ tal
que T ÐB! Ñ Ÿ T ÐBÑß para cada B − ‘Þ Sugestão: Reparar quais os limites de
T ÐBÑ quando B Ä _ e quando B Ä _, deduzindo que existem +  ! e
,  ! tais que, para B no complementar de Ò+ß ,Ó, T ÐBÑ  T Ð!ÑÞ Aplicar o
teorema de Weierstrass à restrição de T ao intervalo Ò+ß ,Ó.
æ Ex II.1.9 (Continuidade da função inversa) Sejam \ § ‘ um intervalo e
0 À \ Ä ‘ uma função contínua e injetiva.
a) Mostrar que 0 é estritamente monótona.
Sugestão: Tendo em conta o exercício I.4.18, basta mostrar que, para
+  ,  - em \ , 0 Ð,Ñ está entre 0 Ð+Ñ e 0 Ð-Ñ. Reparando que, de 0 Ð+Ñ, 0 Ð,Ñ
e 0 Ð-Ñ, um está entre os outros dois, aplicar o teorema de Bolzano-Cauchy
para contradizer a injetividade, tanto no caso em que 0 Ð+Ñ está entre 0 Ð,Ñ e
0 Ð-Ñ (existe B entre , e - tal que 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ) como naquele em que 0 Ð-Ñ
está entre 0 Ð+Ñ e 0 Ð,Ñ (argumento análogo).
b) Como aplicação de II.1.20, deduzir que a função inversa 0 " À 0 Ð\Ñ Ä \
é também contínua.
Ex II.1.10 (Contraexemplo quando o domínio não é um intervalo) Seja

0 ÐBÑ œ œ
B, se B − Ò!ß "Ò
0 À Ò!ß "Ò  Ò#ß $Ó Ä ‘, .
B  ", se B − Ò#ß $Ó

a) Mostrar que a função 0 é contínua e estritamente crescente, em particular


injetiva.
b) Mostrar que 0 ÐÒ!ß "Ò  Ò#ß $ÓÑ œ Ò!ß #Ó e que a função inversa
§1. Definições e propriedades básicas 143

0 " À Ò!ß #Ó Ä Ò!ß "Ò  Ò#ß $Ó


não é contínua.
æ Ex II.1.11 (Outro caso de continuidade da função inversa) Seja \ § ‘ um
conjunto compacto, ou seja, fechado e limitado (não necessariamente um
intervalo), e seja 0 À \ Ä ‘ uma função contínua e injetiva. Mostrar que a
função inversa 0 " À 0 Ð\Ñ Ä \ é também contínua.91 Sugestão: Tendo em
conta a caracterização dos limites segundo Heine em I.5.50, basta mostrar
que, para cada , − 0 Ð\Ñ e cada sucessão de elementos C8 − 0 Ð\Ñ com
C8 Ä ,, tem-se 0 " ÐC8 Ñ Ä 0 " Ð,Ñ. Para isso utilizar I.6.13, mostrando que a
sucessão Ð0 " ÐC8 ÑÑ8− , que tem necessariamente sublimite, não admite
nenhum sublimite distinto de 0 " Ð,Ñ.
æ Ex II.1.12 a) Reexaminando a demonstração da alínea a) de I.5.17, mostrar
que, se E § \ § ‘ e se 0 ß 1À \ Ä ‘ são duas funções uniformemente
contínuas nos pontos de E, então a soma 0  1À \ Ä ‘ é também
uniformemente contínua nos pontos de E.
b) Arranjar o contrexemplo que mostre que o análogo da alínea a), com a
soma substituída pela multiplicação, já não é verdadeiro. Sugestão: Pensar
no exemplo na alínea 2) de II.1.27.
c) Reexaminando a demonstração da alínea c) de I.5.17, encontrar hipóteses
suplementares sobre duas funções 0 ß 1À \ Ä ‘ uniformemente contínuas nos
pontos de um certo E § \ , que permitam garantir que 0 ‚ 1À \ Ä ‘ é
também uniformemente contínua.
æ Ex II.1.13 Verificar que a função 0 À Ó!ß "Ó Ä ‘, definida por 0 ÐBÑ œ B" ,
apesar de contínua, não é uniformemente contínua. reparar que este exemplo,
juntamente com o examinado na alínea 2) de II.1.27, mostra que para a
validade do teorema de Heine-Cantor (cf. II.1.28), é essencial tanto o facto
de o conjunto E ser fechado como o de ser limitado.
æ Ex II.1.14 a) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e E § \ e F § \ dois
subconjuntos tais que 0 seja uniformemente contínua nos pontos de E e
uniformemente contínua nos pontos de F . Mostrar que 0 é uniformemente
contínua nos pontos de E  F .
b) Utilizar a conclusão de a), com a decomposição
Ò!ß _Ò œ Ò!ß "Ó  Ò"ß _Ò

nida por 0 ÐBÑ œ ÈB. Sugestão: Para a continuidade uniforme nos pontos de
para mostrar que é uniformemente contínua a função 0 À Ò!ß _Ò Ä ‘ defi-

Ò!ß "Ó utilizar o teorema de Heine-Cantor e para a continuidade uniforme nos

91Naturalmente, no contraexemplo do exercício II.1.10 o domínio da função 0 , apesar de


limitado, não é fechado.
144 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

pontos de Ò"ß _Ò reparar que, se + pertence a este intervalo e B − Ò!ß _Ò,

lÈB  È+l œ
ÈB  È+
lB  +l
Ÿ lB  +l.

§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos.

Lembremos as propriedades das potências de base real e expoente inteiro


maior ou igual a ! que referimos em I.1.2, nomeadamente que se tem
ÐB ‚ CÑ8 œ B8 ‚ C8 , B78 œ B7 ‚ B8 , B7‚8 œ ÐB7 Ñ8 ,
e, consequentemente, se C Á ! e 7 8,

Š ‹ œ 8,
8
B B
8 C7
C78 œ .
C C C8
O nosso objetivo nesta secção é, limitando agora a nossa atenção ao caso
em que a base da potência é um real maior que !, caso em que as potên-
cias são ainda reais maiores que !, extender sucessivamente a definição de
potência de modo a permitir que o expoente seja primeiro um inteiro arbi-
trário, depois um número racional e, por fim, um número real, tendo como
linha orientadora o objetivo de as propriedades atrás referidas continua-
rem a ser válidas depois de cada extensão. Para a primeira extensão basta
exigir que a base seja diferente de !.

II.2.1 (Potências de expoente inteiro) Vamos definir as potências de base , Á !


e expoente inteiro arbitrário, partindo da observação trivial que qualquer
inteiro : pode ser sempre representado, embora não de maneira única, como
diferença de dois inteiros maiores ou iguais a !. Nomeadamente, se : !
podemos escrever : œ :  ! (ou : œ Ð:  "Ñ  ", ou : œ Ð:  #Ñ  #, ou
á ) e se :  ! podemos escrever : œ !  Ð:Ñ (ou : œ "  Ð"  :Ñ ou …).
Seja , Á ! um número real. Para cada : − ™ pode então definir-se um real
, : Á ! pela condição de se ter, quaisquer que sejam os inteiros 7 e 8
maiores ou iguais a ! com : œ 7  8,
,7
,: œ ,
,8
vindo , :  !, sempre que ,  !. Para : !, esta definição conduz ao
mesmo resultado que a definição original de potência referida em I.1.292 e
tem-se

92Sem isso a notação que estamos a utilizar seria ambígua.


§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 145

" 93
, : œ .
,:
Em particular, não há incompatibilidade com a notação usual , " , para
designar o inverso de um número real , Á !.
Dem: A possibilidade de definir , : pelo método indicado resume-se a
verificar que, se um mesmo inteiro admitir duas decomposições
: œ 7  8 œ 7w  8w
como diferenças de inteiros maiores ou iguais a !, então tem-se
w
,7 ,7
œ ,
,8 ,8w
w w
o que é equivalente a , 7 ‚ ,8 œ ,7 ‚ ,8 ou seja, pelas propriedades
w w
conhecidas das potências de expoentemaior ou igual a !, a , 78 œ ,7 8 .
Mas esta última igualdade é uma consequência de se ter 7  8w œ 7w  8,
como consequência de 7  8 œ 7w  8w . No caso em que : !, o facto de
esta definição conduzir ao mesmo resultado que a conhecida anteriormente é
uma consequência direta da propriedade das potências de expoente natural
que afirma que, sendo : œ 7  8, em particular 7 8, tem-se
,7
, 78 œ .
,8
Por outro lado, reparando que se : ! se pode escrever : œ !  :
concluímos que então
,! "
, : œ :
œ :,
, ,
e esta igualdade também vale se :  ! por ser uma consequência de
"
, : œ ,Ð:Ñ œ . 
, :

II.2.2 (Manutenção das propriedades algébricas das potências) Quando as


bases são reais diferentes de ! e os expentes são inteiros arbitrários,
continuam a ser válidas as propriedades
Ð, ‚ -Ñ: œ ,: ‚ - : , ,:; œ ,: ‚ ,; , ,:‚; œ Ð,: Ñ; ,
e, consequentemente

93Por vezes utiliza-se esta igualdade como definição, aparentemente mais simples, das
potências de expoente inteiro negativo, mas a definição, aparentemente menos direta, que
estamos a utilizar vai-nos permitir simplificar as demonstrações das propriedades das
potências de expoente inteiro.
146 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

Š ‹ œ :,
, : ,: -: "
- :; œ , - ; œ .
- - -; -;
Dem: Para provar as três primeiras igualdades, ponhamos : œ 7  8 e
; œ 7w  8w (diferenças de inteiros maiores ou iguais a !). Tem-se então,
como :  ; œ Ð7  7w Ñ  Ð8  8w Ñ e :; œ Ð77w  88w Ñ  Ð78w  87w Ñ,
Ð, ‚ -Ñ7 ,7 ‚ - 7 ,7 -7
Ð, ‚ -Ñ: œ œ œ ‚ œ ,: ‚ - : ,
Ð, ‚ -Ñ8 ,8 ‚ - 8 ,8 -8
w w w
, 77 ,7 ‚ ,7 ,7 ,7
, :; œ 88w œ 8 w œ ‚ w œ ,: ‚ ,; ,
, , ‚ ,8 ,8 ,8
w
w w w w ,77
w Ð,7 Ñ7
, 77 88 , 77 ‚ ,88 ,87w Ð,8 Ñ7w
, :; œ 78w 87w œ 78w œ œ œ
, , ‚ ,87w ,78w Ð,7 Ñ8w
,88w Ð,8 Ñ8w

ˆ ,,8 ‰7
œŠ ‹ œ Ð,: Ñ; . 94
7 w
,7 ;
ˆ ‰
œ 8w
,7 ,8
,8

Tal como já acontecia no casos das potências de expoente natural, as três


últimas igualdades resultam das primeiras, que permitem escrever

Š ‹ ‚ - : œ Š ‚ - ‹ œ ,: ,
, : , :

- -
- :; ‚ - ; œ - Ð:;Ñ; œ - : ,

e do facto de se ter, em particular,


-! "
- ; œ - !; œ œ ;. 
-; -

II.2.3 (Potências de expoente racional) Para definir em geral as potências de


expoente racional, suporemos sempre que temos uma base ,  !. Partimos
da observação trivial de que qualquer inteiro < pode ser sempre representado,
embora não de maneira única, como quociente 8: de un número inteiro : por
um número natural 8. Por exemplo, ! œ !" œ !& ,  "# œ " $ $ #
# œ ' , * œ '.
Seja ,  ! um número real. Para cada < −  pode então definir-se um real
, <  ! pela condição de se ter, quaisquer que sejam : − ™ e 7 −  com
< œ 7: ,

94Seria instrutivo o estudante tentar demonstrar estas três propriedades no caso em que se
tivesse optado por dar a definição alternativa mais simples das potências de expoente
negativo referida na nota de pé de página 93. Cedo verificará que, principalmente na
segunda propriedade, a simplificação se “paga bem caro” com a necessidade de tratar
separadamente os casos em que cada expoente é positivo ou negativo e, no caso em que
são de sinais diferentes, se são do mesmo valor absoluto ou, senão, qual dos dois é maior
em valor absoluto.
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 147

, < œ È,: œ ˆÈ,‰ .


7 7 :

Para < − ™, esta definição conduz ao mesmo resultado que a definição em


II.2.1.

È , : œ ˆÈ ,‰ . Ora, tendo em conta a definição da raiz de índice 7 e o facto


Dem: Comecemos por mostrar que, para cada : − ™ e 7 − , tem-se
7 7 :

de o segundo membro ser maior que !, isso resulta de se ter

ŠˆÈ, ‰ ‹ œ ˆÈ,‰ œ ŠˆÈ,‰ ‹ œ ,: .


: 7 :7 7 :
7 7 7

A possibilidade de definir , < pelo método indicado resume-se a verificar que,


se um mesmo racional admitir duas decomposições
: ;
<œ œ ,
7 8
com :ß ; − ™ e 7ß 8 − , então tem-se
È
7
, : œ È, ; .
8

Ora, tendo em conta o facto de, por I.4.26, a função Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò,
B È B78 ser estritamente crescente, e portanto injetiva, isso resulta de se ter
:8 œ ;7, e portanto

ˆÈ , : ‰ œ ŠˆÈ,: ‰ ‹ œ Ð,: Ñ8 œ ,:8 œ ,;7 œ


78 7 8
7 7

œ Ð,; Ñ7 œ ŠˆÈ,; ‰ ‹ œ ˆÈ,; ‰ .


8 78 7
8 8

No caso em que < − ™, o facto de esta definição conduzir ao mesmo


resultado que a definição em II.2.1 resulta de que se pode escrever < œ "< e
de se ter ÐÈ
"
,Ñ< œ ,< . 
II.2.4 (Manutenção das propriedades algébricas das potências) Quando as
bases são reais maiores que ! e os expoentes são racionais arbitrários,
continuam a ser válidas as propriedades
Ð, ‚ -Ñ< œ ,< ‚ - < , ,<= œ ,< ‚ ,= , ,<‚= œ Ð,< Ñ= ,
e, consequentemente

Š ‹ œ <,
, < ,< ,< "
,<= œ , ,< œ ,
- - ,= ,<
e, para 8 − ,

, 8 œ È, .
" 8

Dem: Para provar as três primeiras igualdades, ponhamos < œ 7: e = œ 8; e


lembremos que, por I.4.26, para cada natural 5, é estritamente crescente, e
148 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

portanto injetiva, a função Ó!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò, B È B5 . Assim, a primeira


igualdade resulta de se ter
ˆÐ, ‚ -Ñ< ‰7 œ ˆÈ7
Ð, ‚ -Ñ: ‰ œ Ð, ‚ -Ñ: œ ,: ‚ - : œ
7

œ ˆÈ,: ‰ ‚ ˆÈ - : ‰ œ ˆÈ,: ‚ È -: ‰ œ
7 7 7 7 7 7 7

œ Ð, < ‚ - < Ñ7 ,
:8;7
a segunda de se ter <  = œ 78 , e portanto

Ð,<= Ñ78 œ ˆ È,:8;7 ‰


78
œ ,:8;7 œ ,:8 ‚ ,;7 œ
78

œ Ð,: Ñ8 ‚ Ð,; Ñ7 œ ˆÐÈ,: Ñ7 ‰ ‚ ˆÐÈ,; Ñ8 ‰ œ


7 8 8 7

œ Ð,< Ñ78 ‚ Ð,= Ñ78 œ Ð,< ‚ ,= Ñ78 ,


:;
e a terceira de se ter < ‚ = œ 78 , e portanto

Ð,<‚= Ñ78 œ ˆ È,:‚; ‰ œ ,:‚; œ Ð,: Ñ; œ ŠˆÈ,: ‰ ‹ œ


78 78 7 7 ;

œ ˆ, < ‰ œ ˆÐ,< Ñ; ‰ œ ŠˆÈ Ð,< Ñ; ‰ ‹ œ ˆÐ,< Ñ= ‰ .


7; 7 8 7 78
8

Como no caso das potências de expoente inteiro, as três igualdades seguintes


resultam das primeiras, que permitem escrever

Š ‹ ‚ - < œ Š ‚ - ‹ œ ,< ,
, < , <

- -
, <= ‚ ,= œ ,Ð<=Ñ= œ ,< ,

e do facto de se ter, em particular,


,! "
, < œ , !< œ <
œ <
, ,
e a última igualdade vem de que, por definição, , 8 œ È ," œ È
"
8 8
,. 

Como instrumentos auxiliares para definir as potências de base maior que


! e expoente real arbitrário e estudar as suas propriedades, vamos agora
examinar dois lemas envolvendo as funções potência de expoente racional
e as funções exponenciais de variável racional. Tratando-se de resultados
auxiliares, que serão implicados por resultados mais fortes a ser estudados
posteriormente, enunciamos apenas as propriedades que teremos necessi-
dade de utilizar, em particular examinamos, no primeiro caso, apenas as
funções potência de expoente racional <  ! e, no segundo, apenas as
funções exponenciais de base ,  ".

II.2.5 (Lema sobre a potência de expoente <  ! em ) Seja <  ! um


racional fixado. Tem-se então que a função Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, que a B
associa B< é contínua e estritamente crescente e verifica "< œ ".
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 149

7
Dem: Podemos escrever < œ 8, com 7ß 8 − , e sabemos que se tem então

B< œ È
8
B7 ,

em parrticular "< œ È 8
" œ ", pelo que as conclusões do enunciado resultam

crescente (cf. II.1.8 e I.4.26) e de a função Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, C È È


de a função Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, B È B7 , ser contínua e estritamente
7 C , ser

contínua e estritamente crescente (cf. II.1.22 e II.1.19). 


II.2.6 (Lema sobre a exponencial de base ,  ") Seja ,  " um real fixado.
Tem-se então que a função  Ä Ó!ß _Ò, que a < associa ,< é contínua e
estritamente crescente.95
Dem: Vamos dividir a prova em várias partes:
1) Mostremos que a função é estritamente crescente, isto é, que se <  = em
, tem-se , <  ,= .
Subdem: Tem-se =  <  !, donde, por II.2.5, , =<  "=< œ " o que
implica que
, <  ,< ‚ ,=< œ ,= .
2) Vamos mostrar que lim , < œ ".
<Ä!
Subdem: Tendo em conta I.5.38, sabemos que existe este limite lateral e é
igual ao ínfimo - dos , < , com < −  e <  !. Uma vez que, para cada < − 
com <  !, , <  ,! œ ", tem-se - ". Suponhamos, por absurdo, que se
" "
tinha -  ". Para cada natural 8 tinha-se - Ÿ , 8 , donde - 8 Ÿ Ð, 8 Ñ8 œ , e
8
isto é absurdo, uma vez que a sucessão - tem limite _ (cf. I.5.45), que
não é aderente ao conjunto majorado Ó_ß ,Ó.
3) Vamos mostrar que se tem também lim , < œ ".
<Ä!
Subdem: Vamos aplicar o resultado I.5.36 sobre o limite da função
composta, considerando a função ! Ä ! , que a < associa <, a qual
tem limite ! quando < Ä !. Tem-se então
"
lim œ lim ,< œ lim ,= œ ",
<Ä! ,< <Ä! =Ä!

donde
" "
lim , < œ lim "
œ œ ".
<Ä! <Ä!
,<
"

4) Vamos demonstrar a continuidade da função num ponto + −  arbitrário.


Subdem: Tendo em conta o que vimos em I.5.11 e I.5.12 e o facto de se ter
, ! œ ", tem-se mesmo lim ,< œ ". O facto de se ter <  + Ò ! implica, pelo
<Ä! <Ä+

95Repare-se que, enquanto nos limitávamos à variável natural ou inteira, não referimos a
continuidade uma vez que, sendo o domínio constituído apenas por pontos isolados, a
continuidade era trivial.
150 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

resultado sobre o limite da função composta, que


lim , <+ œ lim ,= œ "
<Ä+ =Ä!

e portanto
lim , < œ lim Ð,<+ ‚ ,+ Ñ œ " ‚ ,+ œ ,+ . 
<Ä+ <Ä+

II.2.7 (Potências de expoente real) Seja ,  ! um número real. Pode então


definir-se, para cada B − ‘, , B − Ó!ß _Ò pela condição de se ter
, B œ lim ,< 96
<ÄB
<−

e, no caso em que B − , esta definição conduz ao mesmo resultado que a


definição em II.2.3. Além disso:
a) No caso em que ,  ", ,B é também o ínfimo dos ,< , com <  B e < − ,
e o supremo dos , < , com <  B e < − .
b) No caso em que , œ ", tem-se "B œ ", para cada B − ‘.
c) No caso em que !  ,  ", e portanto ",  ", tem-se

ˆ ", ‰B
"
,B œ .

Dem: Vamos dividir a demonstração em três partes, conforme se tenha


,  ", , œ " ou !  ,  ".
1) Suponhamos que ,  ". Uma vez que a função  Ä Ó!ß _Ò, < È ,< , é
crescente, e que cada B − ‘ é simultaneamente ponto de acumulação à
esquerda e à direita de , resulta de I.5.38 e de I.5.39 que os limites laterais
lim , < e lim ,< existem, são respetivamente o ínfimo dos ,< , com <  B e
<ÄB <ÄB
< − , e o supremo dos ,< , com <  B e < − , e verificam
!  lim ,< Ÿ lim ,<  _.
<ÄB <ÄB

No caso em que B −  o que vimos em II.2.6 mostra-nos que ,B , no sentido


da definição em II.2.3, é o limite de , < quando < Ä B, < −  e portanto é
também igual a cada um dos limites laterais referidos. Resta-nos assim
mostrar que, no caso em que B Â , os dois limites laterais referidos são
iguais, visto que isso implicará que o valor comum é o limite desejado.
Consideremos então duas sucessões de elementos <8 − B e =8 − B com
<8 Ä B e =8 Ä B e reparemos que os =8  <8 constituem uma sucessão de
racionais com limite B  B œ !, e portanto, mais uma vez por II.2.6, que

96A restrição < −  é feita naturalmente só para sublinhar o que se está a considerar, uma
vez que, antes desta definição, ,< só esta definido para < − .
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 151

, Ð=8 <8 Ñ Ä ,! œ ".


Vemos agora que
lim , < lim , =8 , =8
<ÄB
œ œ lim < œ lim ,Ð=8 <8 Ñ œ "
lim ,< lim , < 8 ,8
<ÄB

pelo que, como tínhamos que justificar,


lim , < œ lim ,< − Ó!ß _Ò.
<ÄB <ÄB

2) Suponhamos que , œ ". Neste caso a afirmação do enunciado é trivial, por


se reduzir ao facto de o limite da função constante de valor " em cada ponto
aderente ao domínio existir e ser igual a ".
3) Suponhamos que !  ,  ". Neste caso, tem-se ",  " pelo que, pelo caso
já estudado em 1), existe o limite

lim ˆ ‰ œ ˆ ‰
" < " B
<ÄB , ,
e daqui concluímos a existência do limite

<ÄB ˆ " ‰ ˆ ", ‰B


" " "
lim , < œ lim œ lim < œ
<ÄB <ÄB "<
, ,

assim como o facto de, no caso em que B − , vir ˆ ", ‰ œ ,"B (no sentido da
B

definição em II.2.3) e portanto o limite referido ser igual a , B (no sentido


dessa definição). 
II.2.8 (Monotonia e continuidade da função exponencial) Para cada ,  !, a
função exponencial exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò, definida por exp, ÐBÑ œ ,B é contí-
nua97. Além disso:
a) Se ,  ", esta função é estritamente crescente e verifica

97A continuidade desta função não resulta trivialmente da definição de ,B como limite de
<
, quando < Ä B, uma vez que aí o limite considerado é um limite em que < − ,
enquanto que, para a continuidade, no limite que intervém deve-se considerar < − ‘.
152 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

lim , B œ _, lim ,B œ !.


BÄ_ BÄ_

b) Se !  ,  ", esta função é estritamente decrescente e verifica

lim , B œ !, lim ,B œ _.


BÄ_ BÄ_

Dem: Examinemos separadamente os casos em que ,  ", , œ " e ,  ":


1) Suponhamos que ,  ". Se B  C em ‘, podemos escolher racionais <ß =
com B  <  =  C e então a caracterização de ,B como um ínfimo e a de ,C
como um supremo implicam que ,B Ÿ ,<  ,= Ÿ ,C . Provámos assim que a
função exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò é estritamente crescente. Tendo em conta I.5.38,
podemos concluir a existência dos limites lim , B e lim ,B assim como,
BÄ_ BÄ_
para cada + − ‘, dos limites laterais lim , B e lim ,B e o que nos resta
BÄ+ BÄ+
provar é que os dois primeiros são respetivamente iguais a _ e a ! e que os
dois últimos são ambos iguais a ,+ e para isso vamos ter em conta I.5.6 e
I.5.36. Em primeiro lugar, lembrando I.5.45,
lim , B œ lim ,8 œ _,
BÄ_ 8Ä_
8−

em segundo lugar
" "
lim , B œ lim ,8 œ lim œ œ!
BÄ_ 8Ä_ 8Ä_ ,8 _
8− 8−

e, quanto aos limites laterais,


lim ,B œ lim ,< œ lim ,< œ ,+ ,
BÄ+ <Ä+ <Ä+
<− <−
lim ,B œ lim ,< œ lim ,< œ ,+ .
BÄ+ <Ä+ <Ä+
<− <−

2) O caso em que , œ " é trivial visto que então a função exp, é a função
constante de valor ".
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 153

"
3) Suponhamos que !  ,  ". Tem-se então ,  " pelo que, por ser, pela
alínea c) de II.2.7,

ˆ ", ‰B
" "
exp, ÐBÑ œ ,B œ œ ,
exp"Î, ÐBÑ

a continuidade da função exp, resulta da continuidade de exp"Î, , o facto de


exp"Î, ser estritamente crescente implica que exp, é estritamente decrescente
e
" "
lim , B œ œ !, lim , B œ œ _. 
BÄ_ _ BÄ_ !

II.2.9 (Corolário) Para cada , Á " em Ó!ß _Ò, a função exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò é
bijetiva.
Dem: Suponhamos que ,  ". A função é injetiva, por ser estritamente
crescente, e, tendo em conta II.1.16, o contradomínio exp, Ð‘Ñ é um intervalo
contido em Ó!ß _Ò. Uma vez que a extremidades desse intervalo são iguais
aos respetivos ínfimo e supremo, isto é, ao ínfimo e ao supremo dos ,B com
B − ‘, constatamos que esse ínfimo e esse supremo, iguais aos limites da
função em _ e em _ respetivamente (cf. I.5.38), são ! e _. O contra-
domínio é assim o intervalo Ó!ß _Ò.
O caso em que !  ,  " admite uma justificação análoga, mas também
pode resultar de se ter então ",  " e da fórmula
"
exp, ÐBÑ œ ,
exp"Î, ÐBÑ

que mostra que exp, é a composta da bijeção exp"Î, À ‘ Ä Ó!ß _Ò com a
bijecção Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, C È "C . 

II.2.10 (Manutenção das propriedades algébricas das potências) Quando as


bases são reais maiores que ! e os expoentes são números reais arbitrários,
continuam a ser válidas as propriedades
Ð, ‚ -ÑB œ ,B ‚ - B , ,BC œ ,B ‚ ,C , ,B‚C œ Ð,B ÑC ,
e, consequentemente

Š ‹ œ B,
, B ,B ,B "
,BC œ , ,B œ .
- - ,C ,B
Dem: As duas primeiras propriedades têm justificações naturais, a partir das
propriedades correspondentes em II.2.4: Considerando sucessões de números
racionais <8 Ä B e =8 Ä C , tem-se , <8 Ä , B e - <8 Ä - B , donde
Ð, ‚ -ÑB œ lim Ð, ‚ -Ñ<8 œ lim Ð,<8 ‚ - <8 Ñ œ ,B ‚ - B
e, por ser <8  =8 Ä B  C,
154 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

,BC œ lim ,<8 =8 œ lim Ð,<8 ‚ ,=8 Ñ œ ,B ‚ ,C .


Como no caso das potências de expoente racional, as três últimas igualdades
resultam das duas primeiras, que permitem escrever

Š ‹ ‚ - B œ Š ‚ - ‹ œ ,B ,
, B , B

- -
, BC ‚ ,C œ ,ÐBCÑC œ ,B ,
e do facto de se ter, em particular,
,! "
, B œ , !B œ œ B.
,B ,
Relativamente à terceira de entre as primeiras, já temos que ser um pouco
mais cuidadosos98.
Vamos começar por provar o caso particular em que o segundo expoente é
racional, ou seja, que, se B − ‘ e = − , tem-se ,B‚= œ Ð,B Ñ= . Esta igualdade
é trivial no caso em que = œ !, por ambos os membros serem iguais a ", e, no
caso em que =  !, ela resulta do lema em II.2.5, visto que, considerando
uma sucessão de racionais <8 Ä B, vem , <8 Ä , B e <8 ‚ = Ä B ‚ =, donde
Ð, B Ñ= œ lim Ð,<8 Ñ= œ lim ,<8 ‚= œ ,B‚= .
Enfim, o caso em que =  ! reduz-se ao que acabamos de tratar, visto que,
por ser =  !, vem
" "
Ð,B Ñ= œ œ B‚= œ ,B‚= .
Ð,B Ñ= ,
Provado este caso particular, podemos passar ao caso geral em que B − ‘ e
C − ‘. Consideramos então uma sucessão de racionais =8 Ä C e, aplicando o
caso particular já examinado, vemos que, por ser B ‚ =8 Ä B ‚ C,
, B‚C œ lim ,B‚=8 œ lim Ð,B Ñ=8 œ Ð,B ÑC . 

II.2.11 (A função logaritmo) Para cada , Á " em Ó!ß _Ò, define-se a função
logaritmo de base , , log, À Ó!ß _Ò Ä ‘ como sendo a inversa da função
bijetiva exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò (cf. o corolário II.2.9).
Tem-se então que log, À Ó!ß _Ò Ä ‘ é bijetiva e contínua e, além disso:
a) Se ,  ", a função é estritamente crescente e verifica
lim log, ÐCÑ œ _, lim log, ÐCÑ œ _.
CÄ! CÄ_

98O problema é que nos falta uma propriedade que garanta que, se ,8 Ä , e <8 Ä B,
então tenha que ser ,8<8 Ä ,B . Esta propriedade, apesar de verdadeira, só será justificada
adiante em II.2.15.
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 155

a) Se !  ,  ", a função é estritamente decrescente e verifica


lim log, ÐCÑ œ _, lim log, ÐCÑ œ _.
CÄ! CÄ_

Dem: A função é bijetiva, por ser a inversa de uma função bijetiva e é


estritamente crescente ou estritamente decrescente, conforme ,  " ou
!  ,  ", por se tratar da inversa de um função com a mesma propriedade.
O facto de a função ser contínua é uma consequência de ser monótona e ter
um intervalo como contradomínio (cf. II.1.20). No caso em que ,  " (respe-
tivamente, !  ,  ") o facto de termos uma função crescente (respetiva-
mente, decrescente) implica que os limites em ! e em _ são o ínfimo _
(respetivamente, o supremo _) e o supremo _ (respetivamente, o ínfi-
mo _) do contradomínio (cf. I.5.38). 
II.2.12 (Propriedades algébricas dos logaritmos) Seja , Á " em Ó!ß _Ò.
Tem-se então
log, Ð"Ñ œ !, log, Ð,Ñ œ ",

e, para Bß C − Ó!ß _Ò e D − ‘,


log, ÐB ‚ CÑ œ log, ÐBÑ  log, ÐCÑ, log, ÐBD Ñ œ D ‚ log, ÐBÑ,
e, consequentemente,
B "
log, Ð Ñ œ log, ÐBÑ  log, ÐCÑ, log, Ð Ñ œ log, ÐCÑ.
C C
156 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

Dem: As duas primeira igualdades resultam de se ter , ! œ " e ," œ ,.


Notando que B œ , log, ÐBÑ e C œ ,log, ÐCÑ , vem, pelas propriedades algébricas
das potências em II.2.10,
B ‚ C œ ,log, ÐBÑ ‚ ,log, ÐCÑ œ ,log, ÐBÑlog, ÐCÑ ,
donde
log, ÐB ‚ CÑ œ log, ÐBÑ  log, ÐCÑ,
e
BD œ Ð, log, ÐBÑ ÑD œ ,log, ÐBÑ‚D ,
donde
log, ÐBD Ñ œ D ‚ log, ÐBÑ.
Por último, o terceiro par de igualdades resulta de se ter
B B
log, ÐBÑ œ log, Ð ‚ CÑ œ log, Ð Ñ  log, ÐCÑ
C C
e portanto
"
log, Ð Ñ œ log, Ð"Ñ  log, ÐCÑ œ !  log, ÐCÑ. 
C

II.2.13 (Mudança de base nos logaritmos) Sejam , Á " e - Á " em Ó!ß _Ò.
Tem-se então
"
log- Ð,Ñ œ
log, Ð-Ñ
e, para cada B − Ó!ß _Ò,
log- ÐBÑ œ log- Ð,Ñ ‚ log, ÐBÑ.

Dem: Uma vez que se pode escrever

B œ , log, ÐBÑ œ ˆ- log- Ð,Ñ ‰


log, ÐBÑ
œ - log- Ð,Ñ‚log, ÐBÑ ,

concluímos que log- ÐBÑ œ log- Ð,Ñ ‚ log, ÐBÑ. Em particular, tomando B œ - ,
vem
" œ log- Ð-Ñ œ log- Ð,Ñ ‚ log, Ð-Ñ,
o que implica a primeira igualdade. 
II.2.14 (A função potência de expoente real) Seja . − ‘ e consideremos a
função potência de expoente . , 0. À Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, definida por
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 157

0. ÐBÑ œ B. . Tem-se então que esta função é contínua99 e:


a) Se .  !, a função é estritamente crescente e verifica
lim B. œ !, lim B. œ _.
BÄ! BÄ_

b) Se . œ !, a função é constante de valor ".


c) Se .  !, a função é estritamente decrescente e verifica
lim B. œ _, lim B. œ !.
BÄ! BÄ_

Dem: Fixermos uma base ,  ". Tem-se então


0. ÐBÑ œ exp, Ðlog, ÐB. ÑÑ œ exp, Ð. log, ÐBÑÑ
pelo que as conclusões resultam de as funções exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò e
log, À Ó!ß _Ò Ä ‘ serem contínuas e estritamente crescentes e do
conhecimento dos limites destas funções nas extremidades dos seus domí-
nios. 
II.2.15 (Limite da potência) Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 1À \ Ä ‘
0 À \ Ä Ó!ß _Ò duas funções tais que
lim 0 ÐBÑ œ - , lim 1ÐBÑ œ . ,
BÄ+ BÄ+

com - − Ó!ß _Ò e . − ‘. Tem-se então100


lim 0 ÐBÑ1ÐBÑ œ - . .
BÄ+

Dem: Fixemos uma base auxiliar , − Ó!ß _Ò, com , Á ". Tendo em conta a
continuidade da função log, À Ó!ß _Ò Ä ‘, tem-se
lim log, Ð0 ÐBÑÑ œ log, Ð-Ñ
BÄ+

e portanto
lim log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ œ lim ˆ1ÐBÑ ‚ log, Ð0 ÐBÑщ œ . ‚ log, Ð-Ñ.
BÄ+ BÄ+

Daqui resulta, tendo em conta a continuidade da função exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò,

œ ,.‚log, Ð-Ñ œ ˆ,log, Ð-Ñ ‰ œ - . .


ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ .
lim 0 ÐBÑ1ÐBÑ œ lim ,log, 
BÄ+ BÄ+

99Lembrar que, no caso em que o expoente . é um inteiro com . ! sabemos mais que
isto: Vimos em II.1.8 que a função é restrição de um função contínua definida pela
mesma fórmula em ‘.
100Comparar com I.5.17.
158 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

II.2.16 (Nota) Repare-se que, para a validade do resultado precedente, foi essen-
cial supor que -  !. Se se tivesse lim 0 ÐBÑ œ !, não podíamos aplicar o
BÄ+
resultado para concluir a existência ou o valor do limite para 0 ÐBÑ1ÐBÑ , até
porque !. não está em geral definido. De certo modo, pode-se pensar que o
!, relativamente à base de uma potência, joga um papel análogo ao dos infi-
nitos, relativamente à multiplicação, e que, conforme o valor de . , !. pode
ser encarado seja como uma mnemónica (análoga às consideradas, para a
multiplicação em I.5.27 e I.5.28), seja como uma indeterminação (análoga ao
_ ‚ ! no contexto da multiplicação). Mais do que listar todas as mnemó-
nicas e indeterminações que se podem considerar no contexto das potências,
o que é talvez mais importante é notar que, em cada caso, para investigar o
que se pode dizer sobre o limite de uma potência 0 ÐBÑ1ÐBÑ , quando se
conhecem os limites, finitos ou infinitos de 0 ÐBÑ e de 1ÐBÑ, o melhor método
é utilizar a mesma ideia que apareceu na demonstração do resultado
precedente, tirando partido do conhecimento da continuidade e dos limites
nas extremidades dos domínios das funções log, e exp, . Para explicar o que
queremos dizer, apresentamos os próximos exemplos, deixando como
exercícios propostos no fim da secção o convite ao exame de resultados
análogos (que, insistimos, não parece importante conhecer de cor101).
II.2.17 (Exemplos: A mnemónica !:9= œ ! e as indeterminações !! e
"_ )102 Sejam \ § ‘, + − ‘ aderente a \ e 1À \ Ä ‘ 0 À \ Ä Ó!ß _Ò
duas funções. Tem-se então:
a) Se lim 0 ÐBÑ œ ! e lim 1ÐBÑ œ .  !, então lim 0 ÐBÑ1ÐBÑ œ !;
BÄ+ BÄ+ BÄ+
b) De se ter lim 0 ÐBÑ œ ! e lim 1ÐBÑ œ ! nada se pode concluir sobre a
BÄ+ BÄ+
existência ou o valor do limite de 0 ÐBÑ1ÐBÑ .
c) De se ter lim 0 ÐBÑ œ " e lim 1ÐBÑ œ _, nada se pode concluir sobre a
BÄ+ BÄ+
existência ou o valor do limite de 0 ÐBÑ1ÐBÑ .
Dem: Fixemos uma base auxiliar ,  " em ‘.
a) Tendo em conta o conhecimento do limite lim log, ÐCÑ œ _ e o resul-
CÄ!
tado sobre o limite da função composta, sabemos que
lim log, Ð0 ÐBÑÑ œ _
BÄ+

e daqui deduzimos que


lim log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ œ lim ˆ1ÐBÑ ‚ log, Ð0 ÐBÑщ œ :9= ‚ Ð_Ñ œ _.
BÄ+ BÄ+

101Embora não seja proíbido…


102As mnemónicas das indeterminções que encontrámos até aqui correspondiam a opera-
ções, como !! que não faziam sentido. Não é o caso desta: Tem-se, algébricamente,
!! œ " no contexto das potências de base real e expoente inteiro maior ou igual a !.
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 159

Tendo em conta o conhecimento do limite lim exp, ÐCÑ œ ! e o resultado


CÄ_
sobre o limite da função composta, concluímos agora que
ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰
lim 0 ÐBÑ1ÐBÑ œ lim ,log, œ !.
BÄ+ BÄ+

b) Como em a), tem-se


lim log, Ð0 ÐBÑÑ œ _
BÄ+

pelo que, por ser


log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ œ 1ÐBÑ ‚ log, Ð0 ÐBÑÑ,

nada sabemos afirmar sobre o limite de log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ o mesmo acontecendo


estamos em presença de uma indeterminação do tipo ! ‚ Ð_Ñ e portanto

com o limite de 0 ÐBÑ1ÐBÑ .


c) Como anteriormente, tem-se
lim log, Ð0 ÐBÑÑ œ !
BÄ+

pelo que, por ser


log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ œ 1ÐBÑ ‚ log, Ð0 ÐBÑÑ,

nada sabemos afirmar sobre o limite de log, ˆ0 ÐBÑ1ÐBÑ ‰ o mesmo acontecendo


estamos em presença de uma indeterminação do tipo Ð_Ñ ‚ ! e portanto

com o limite de 0 ÐBÑ1ÐBÑ . 


II.2.18 (Um limite notável) Sejam ,  " em ‘ e 5 ! em ™ fixados. Tem-se
então
,B
lim œ _.
BÄ_ B5
B−Ó!ß_Ò

Dem: Lembremos que, como se verificou em I.5.45, tem-se


,8
lim œ _.
8Ä_ 85
8−

Uma vez que, como foi referido no exemplo na alínea b) de I.5.41, a função
intÀ ‘ Ä ™ tem limite _ em _, tem-se, como limite da função
composta,
, intÐBÑ"
lim œ _
BÄ_ ÐintÐBÑ  "Ñ5
B−Ó!ß_Ò

e então de se ter , B ,intÐBÑ e B5 Ÿ ÐintÐBÑ  "Ñ5 , concluímos que


160 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

,B ,intÐBÑ " ,intÐBÑ"


œ ‚
B5 ÐintÐBÑ  "Ñ5 , ÐintÐBÑ  "Ñ5
donde, por enquadramento, também
,B
lim œ _. 
BÄ_ B5
B−Ó!ß_Ò

II.2.19 (O limite de È8
B8 ) Sejam ÐB8 Ñ8− uma sucessão de números reais em
Ó!ß _Ò e + − Ò!ß _Ó um real estendido tal que BB8" Ò +. Tem-se então
8 8Ä_

lim ÈB8 œ
8
+. 103
8Ä_

Dem: Consideremos uma base auxiliar ,  ". Tem-se então que a sucessão
B8"
8 È log, ÐB8" Ñ  log, ÐB8 Ñ œ log, Ð Ñ
B8
tem limite log, Ð+Ñ se + − Ó!ß _Ò, _ se + œ ! e _ se + œ _. Tendo
em conta I.5.44 assim como a continuidade e os limites nas extremidades do
domínio da função log, , concluímos que a sucessão

œ log, ÐÈ
log, ÐB8 Ñ
8È 8
B8 Ñ
8
tem limite log, Ð+Ñ se + − Ó!ß _Ò, _ se + œ ! e _ se + œ _ e
portanto, tendo em conta a continuidade e os limites nas extremidades do
domínio da função exp, , a sucessão
8ÈÈ
8
B8 œ exp, ˆlog, ÐÈ
8
B 8 щ

tem limite exp, ˆlog, Ð+щ œ + se + − Ó!ß _Ò, ! se + œ ! e _ se + œ _,


em qualquer dos casos tem limite +. 

Exercícios

Ex II.2.1 Completar e justificar os segundos membros das seguintes mnemó-


nicas, envolvendo limites de potências (a quarta já apareceu como exemplo

103Reparar na analogia com I.5.44, resultado que vai, aliás, ser utilizado na justificação
deste.
§2. As exponenciais de variável real e os logaritmos 161

em II.2.17):
!_ œ , !8/1 œ , !_ œ , !:9= œ
Ð_Ñ_ œ , Ð_Ñ8/1 œ , Ð_Ñ:9= œ , Ð_Ñ_ ,
Ð  "Ñ_ , Ð  "Ñ_ œ , Ð  "Ñ_ œ , Ð  "Ñ_ œ .

Ex II.2.2 Encontrar outras indeterminações envolvendo potências, para além das


referidas nas alíneas b) e c) de II.2.17.

Ex II.2.3 Determinar o limite da sucessão ÐB8 Ñ8− definida por B8 œ É


8 8"
8 .

Ex II.2.4 Determinar o limite


#B  "
lim .
BÄ_ $B  #

Ex II.2.5 Deduzir da conclusão do limite notável em II.2.18 que, dados


!  ,  " em ‘ e 5 ! em ™ fixados, tem-se
lim B5 ‚ , B œ !.
BÄ_

Ex II.2.6 Utilizar o limite notável em II.2.18 para determinar o limite


B)  (B&  "
lim .
BÄ_ #B

Ex II.2.7 a) Deduzir da conclusão do limite notável em II.2.18 que, dados ,  "


em ‘ e 5 −  fixados, tem-se
C
lim œ _.
CÄ_ log, ÐCÑ5
C"

b) Utilizar a conclusão de a) para mostrar que lim È


8
8 œ ".
8−

a) Obter de novo o limite lim È


Ex II.2.8 Utilizar II.2.19 para:
8
8 œ ".
b) Verificar que lim È
8−
8
8x œ _.
8−

§3. A exponencial e o logaritmo neperianos.

II.3.1 (A constante de Neper) Consideremos as sucessões ÐB8 Ñ8− e ÐC8 Ñ8− de


números reais em Ó"ß _Ò definidas por
162 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

B8 œ ˆ"  ‰ , C8 œ ˆ"  ‰ œ B8 ‚ ˆ"  ‰.


" 8 " 8" "
8 8 8
Tem-se então que a primeira é estritamente crescente, a segunda é estrita-
mente decrescente e ambas têm um mesmo limite real, a que se dá o nome de
constante de Neper, que é notada com o símbolo / e que verifica as desigual-
dades
#  /  $. 104
Dem: Vamos começar por mostrar que a primeira sucessão é crescente e que
a segunda é decrescente, para o que bastará verificar que, para cada 8 − ,
B8 Ÿ B8" e C8 C8" ou, o que é equivalente,
B8" C8
", ".
B8 C8"
Para o fazermos vamos utilizar duas vezes a desigualdade de Bernouilli
"
estrita em I.2.7, no primeiro caso com B œ  Ð8"Ñ# e no segundo caso com
"
B œ 8Ð8#Ñ . Com efeito,

ˆ"  8"
" ‰8" ˆ 8# ‰8"
Š ‹
ˆ"  8" ‰ ˆ 8" ‰
B8" 8" 8Ð8  #Ñ 8" 8  "
œ 8 œ 8 œ ‚ œ
B8 Ð8  "Ñ# 8

 ˆ"  ‰‚
8

œ Š"  ‹
" 8" 8" " 8"
‚ œ ",
Ð8  "Ñ# 8 8" 8
ˆ"  8" ‰8" ˆ 8" ‰8"
œŠ ‹
C8 Ð8  "Ñ# 8# 8
ˆ"  8"
" ‰ ˆ 8# ‰
8
œ 8#
œ 8#
‚ œ
C8" 8Ð8  #Ñ 8"
8"

œ Š"  ‹  ˆ"  ‰ ‚
" 8# 8 " 8
‚ œ ",
8Ð8  #Ñ 8" 8 8"

como queríamos. Da igualdade C8 œ B8 ‚ ˆ"  8" ‰ deduzimos que, para


cada 8 − , B8 Ÿ C8 Ÿ C" , pelo que a sucessão ÐB8 Ñ, além de crescente, é

seus termos. Mais uma vez a igualdade C8 œ B8 ‚ ˆ"  8" ‰, com "  8" Ä ",
majorada, tendo assim um limite finito /, igual ao supremo do conjunto dos

implica que a sucessão decrescente ÐC8 Ñ tem também limite /, que é assim
também igual ao ínfimo do conjunto dos seus termos. O facto de se ter #  /
resulta de se ter

104É claro que é possível encontrar intervalos mais reduzidos onde se encontra /, mas
citamos este neste momento apenas a título de exemplo que pode ser útil. O estudante já
encontrou este número anteriormente, embora sem preocupações de rigor e viu referida
uma aproximação decimal do tipo / œ #ß (")#)")#)%&*…, a qual não é mais do que uma
afirmação não justificada (embora justificável…) de que / pertence a um certo intervalo
muito mais pequeno.
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 163

B # œ ˆ"  ‰ œ  #
" # *
/
# %
e o facto de se ter /  $ resulta de se ter
" %''&'
/ Ÿ C& œ Ð"  Ñ' œ  $. 105
& "&'#&

II.3.2 A constante de Neper / joga um papel fundamental em toda a Análise


Matemática, em particular, e por razões que serão mais claras em breve (cf.
II.3.4), constituem uma base privilegiada para a exponencial e o logaritmo.
Por esse motivo, é usual em Matemática notar simplesmente
expÀ ‘ Ä Ó!ß _Ò, logÀ Ó!ß _Ò Ä ‘,
as funções exp/ e log/ respetivamente. No entanto, e uma vez que nas
máquinas de calcular é comum utilizar o símbolo log com o sentido de log"! ,
usaremos a notação alternativa, já encontrada no ensino secundário,
lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘, lnÐBÑ œ log/ ÐBÑ

para designar o logaritmo na base / (também chamado logaritmo nepe-


riano).106

Apesar de o número / ter sido definido como o limite de uma sucessão, é


útil verificar que ele pode ser também obtido como limite em _ e em
_ de um prolongamento natural dessa sucessão como função definida
numa união de intervalos de ‘. O método de obter este resultado mais
forte, no caso do limite em _ é semelhante ao utilizado em II.2.18 para
B
obter o limite em _ de B È B, 5 a partir do correspondente resultado
para as sucessões.

II.3.3 (A constante de Neper como limite de uma função) Reparemos que,


para C − ‘ Ï Ö!×, tem-se "  "C  ! se, e só se, C − Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò e
consideremos a função

C È ˆ"  ‰ .
" C
Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò,
C
Tem-se então:

105A fração poderá ser feia mas este cálculo tem a vantagem de, pelo menos em princípio,
não estarmos dependentes de uma calculadora para obter o resultado.
106Antes da generalização do uso das calculadoras, os logaritmos de base "! eram utili-
zados como auxiliares para efetuar aproximadamente multiplicações de números. Por esse
motivo, a notação log era utilizada no lugar de log"! e usava-se, como faremos, ln no
lugar de log/ . Hoje, no entanto, a importância dos logaritmos de base "! é muito limitada.
164 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

lim ˆ"  ‰ œ /, lim ˆ"  ‰ œ /.


" C " C
CÄ_ C CÄ_ C
Dem: Vamos começar por justificar o primeiro dos dois limites referidos,
começando por notar que, uma vez que _ não é aderente ao complementar
Ó_ß "Ò  Ó!ß "Ò de Ò"ß _Ò no domínio, será suficiente provar que

ˆ "  ‰C œ / .
"
(1) lim
CÄ_ C
C−Ò"ß_Ò

Em primeiro lugar, pelo resultado sobre o limite da função composta, e tendo


em conta o limite em _ da função intÀ ‘ Ä ™ (cf. a alínea b) de I.5.41),
vem

ˆ"  ‰intÐCÑ œ /,
"
lim
CÄ_ intÐCÑ
C−Ò"ß_Ò

ˆ"  ‰intÐCÑ" œ /,
"
lim
CÄ_ intÐCÑ  "
C−Ò"ß_Ò

e portanto, por ser lim ˆ"  " ‰


intÐCÑ œ" e lim ˆ"  "
intÐCÑ"
‰" œ ",
CÄ_ CÄ_
C−Ò"ß_Ò C−Ò"ß_Ò
também, por multiplicação,

ˆ"  ‰intÐCÑ" œ /,
"
lim
CÄ_ intÐCÑ
C−Ò"ß_Ò

ˆ"  ‰intÐCÑ œ /.
(2)
"
lim
CÄ_ intÐCÑ  "
C−Ò"ß_Ò

Reparemos agora que, de se ter intÐCÑ Ÿ C  intÐCÑ  ", deduzimos que,


para cada C − Ò"ß _Ò,

ˆ"  ‰C Ÿ ˆ"  ‰C Ÿ ˆ "  ‰intÐCÑ" ,


" " "
C intÐCÑ intÐCÑ
ˆ"  ‰C ˆ"  ‰C ˆ"  ‰intÐCÑ ,
" " "
C intÐCÑ  " intÐCÑ  "
e destas duas desigualdades e dos limites em (2) resulta, como queríamos, o
limite em (1).
Passemos agora ao segundo dos limites no enunciado. Ora, considerando a
composta com a função
Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò Ä Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò, C È C  ",
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 165

vemos que

lim ˆ"  ‰ œ lim ˆ"  ‰D" œ lim ˆ ‰


" C " D D"
œ
CÄ_ C DÄ_ D  " DÄ_ D  "

œ lim ˆ ‰ œ lim Šˆ"  ‰ ‚ ˆ"  ‰‹ œ


D  " D" " D "
DÄ_ D DÄ_ D D
œ lim ˆ"  ‰ œ /.
" D

DÄ_ D

II.3.4 (Dois limites notáveis) Considerando as funções lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘ e


expÀ ‘ Ä Ó!ß _Ò, ambas de base /, tem-se
lnÐBÑ /B  "
lim œ ", lim œ ". 107
BÄ" B" BÄ! B
BÁ" BÁ!

Dem: Tendo em conta a continuidade da função ln, deduzimos de II.3.3 que,


com C − Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò, tem-se

lim C lnˆ"  ‰ œ lim lnˆ"  ‰ œ lnÐ/Ñ œ ",


" " C
CÄ_ C CÄ_ C
lim C lnˆ"  ‰ œ lim lnˆ"  ‰ œ lnÐ/Ñ œ "Þ
" " C
CÄ_ C CÄ_ C
Por composição com as funções
Ó"ß _Ò Ä Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò,
Ó!ß "Ò Ä Ó_ß "Ò  Ó!ß _Ò,
"
ambas definidas por B È B" , cujos limites em " são respetivamente _ e
_, vemos que

lnŠ"  " ‹ œ lim C lnˆ"  ‰ œ ",


lnÐBÑ " " "
lim œ lim
BÄ" B  " BÄ" B  " B"
CÄ_ C

lnŠ"  " ‹ œ lim C lnˆ"  ‰ œ ",


lnÐBÑ " " "
lim œ lim
BÄ" B  " BÄ" B  " CÄ_ C
B"

lnÐBÑ
e portanto, os limites laterais sendo iguais, tem-se lim œ ".
BÄ" B"
BÁ"
A partir do limite que acabámos de estabelecer, e por composição com a
restrição a ‘ Ï Ö!× da função expÀ ‘ Ä Ó!ß _Ò, que toma valores em
Ó!ß _Ò Ï Ö"× e tem limite " no ponto !, obtemos

107Reparar que estes dois limites correspondem a indeterminações do tipo !! .


166 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

lnÐ/C Ñ C
" œ lim œ lim C ,
CÄ! /C  " CÄ! /  "
CÁ! CÁ!

donde finalmente
/C  " " "
lim œ lim C œ C œ ". 
CÄ! C CÄ!
/C " lim C
CÁ! CÁ! CÄ! / "
CÁ!

A função exponencial de base / intervém na definição de duas funções


importantes, o seno e o cosseno hiperbólicos, que jogam um papel de
certo modo paralelo ao do seno e do cosseno trigonométricos. Esse parale-
lismo poderá não ser muito evidente de início mas tornar-se-á progressi-
vamente mais claro ao estabelecermos algumas das suas propriedades.

II.3.5 (As funções hiperbólicas) Dá-se o nome de seno hiperbólico e de cosseno


hiperbólico às funções senhÀ ‘ Ä ‘ e coshÀ ‘ Ä ‘ definidas por
/B  /B /B  /B
senhÐBÑ œ , coshÐBÑ œ .
# #

II.3.6 (Primeiras propriedadades das funções hiperbólicas) As funções


senhÀ ‘ Ä ‘ e coshÀ ‘ Ä ‘ são contínuas e têm os seguintes limites em
_ e em _:
lim senhÐBÑ œ _, lim senhÐBÑ œ _,
BÄ_ BÄ_
(1)
lim coshÐBÑ œ _, lim coshÐBÑ œ _.
BÄ_ BÄ_

Tem-se além disso, para cada B − ‘,


(2) cosh# ÐBÑ  senh# ÐBÑ œ " 108
e coshÐBÑ  ! e portanto

(3) coshÐBÑ œ È"  senh# ÐBÑ.

Tem-se ainda que a função senh é ímpar e a função cosh é par109, isto é, para
cada B − ‘,

108comparar com a identidade conhecida para as funções trigonométricas


cos# ÐBÑ  sen# ÐBÑ œ ".
109Mais uma semelhança com as funções trigonométricas usuais.
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 167

(4) senhÐBÑ œ senhÐBÑ, coshÐBÑ œ coshÐBÑ


e que, para cada B − ‘,
(5) senhÐBÑ  coshÐBÑ œ /B .

Dem: A continuidade das funções hiperbólicas e os limites referidos


resultam trivialmente da continuidade e dos limites em _ e em _ da
exponencial de base / e a desigualdade coshÐBÑ  ! resulta de a exponencial
só tomar valores estritamente positivos. Reparamos enfim que
cosh# ÐBÑ  senh# ÐBÑ œ
Ð/B Ñ#  Ð/B Ñ#  #/B /B Ð/B Ñ#  Ð/B Ñ#  #/B /B
œ  œ
% %
/#B  /#B  # /#B  /#B  #
œ  œ ".
% %
que
/B  /B /B  /B
senhÐBÑ œ œ œ senhÐBÑ,
# #
B B B B
/ / / /
coshÐBÑ œ œ œ coshÐBÑ
# #
e que
/B  /B /B  /B
senhÐBÑ  coshÐBÑ œ  œ /B . 
# #

II.3.7 (Monotonia e contradomínio das funções hiperbólicas) a) A função


senhÀ ‘ Ä ‘ é estritamente crescente e bijetiva e verifica senhÐ!Ñ œ !.
b) A função coshÀ ‘ Ä ‘ tem restrições estritamente decrescente a Ó_ß !Ó
e estritamente crescente a Ò!ß _Ò e verifica coshÐ!Ñ œ ". Consequentemente
o contradomínio desta função é Ò"ß _Ò, igual ao contradomínio de cada
uma das restrições referidas.
168 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

Dem: a) Sabemos que a função B È /B é estritamente crescente e daqui


resulta que é também estritamente crescente a função B È /B (composta
daquela à esquerda e à direita com duas funções estritamente decrescentes),
de onde deduzimos que é estritamente crescente a função
/B  /B
B È senhÐBÑ œ .
#
Em particular esta função é injetiva e o contradomínio é um intervalo tendo
os limites _ e _ como supremo e ínfimo, respetivamente, por outras
! !
palavras o contradomínio é ‘. Enfim, tem-se senhÐ!Ñ œ / /# œ !.
! !
/ /
b) Tem-se coshÐ!Ñ œ # œ ". Uma vez que senhÐBÑ Ÿ senhÐ!Ñ œ ! para
B Ÿ ! e senhÐBÑ senhÐ!Ñ œ ! para B !, as propriedades de monotonia
da função C È C# (cf. o exemplo c) em I.4.19) garantem que a função
B È senh# ÐBÑ tem restrições estritamente decrescente a Ó_ß !Ó e estrita-
mente crescente a Ò!ß _Ò e deduzimos daqui e da igualdade

coshÐBÑ œ È"  senh# ÐBÑ

que o mesmo acontece à função coshÀ ‘ Ä ‘. Concluímos daqui, tendo em


conta o conhecimentos dos limites desta função, que o contradomínio da
restrição de cosh ao intervalo Ó_ß !Ó é um intervalo com " œ coshÐ!Ñ como
mínimo e _ como supremo, portanto é Ò"ß _Ò e, analogamente, que o
contradomínio da restrição de cosh ao intervalo Ò!ß _Ò é um intervalo com
" œ coshÐ!Ñ como mínimo e _ como supremo, portanto é também
Ò"ß _Ò. O facto de estas duas restrições terem ambas o contradomínio
Ò"ß _Ò implica trivialmente que coshÀ ‘ Ä ‘ também tem esse contrado-
mínio. 
II.3.8 (As funções hiperbólicas inversas) Tendo em conta o referido em II.3.7,
a função senhÀ ‘ Ä ‘ é bijetiva e estritamente crescente e, embora a função
coshÀ ‘ Ä ‘ não o seja, a sua restrição já é uma função bijetiva e estrita-
mente crescente Ò!ß _Ò Ä Ò"ß _Ò. As inversas destas funções bijetivas
são notadas
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 169

arcsenhÀ ‘ Ä ‘, arccoshÀ Ò"ß _Ò Ä Ò!ß _Ò


e são assim também bijetivas e estritamente crescentes.110 Estas funções
admitem as seguintes caracterizações alternativas, que constituem também
justificações alternativas da sua continuidade:
arcsenhÐCÑ œ lnÐC  ÈC#  "Ñ,
arccoshÐCÑ œ lnÐC  ÈC#  "Ñ.

relação (3) em II.3.6, tem-se coshÐBÑ œ ÈC#  " e portanto


Dem: Dado C − ‘, seja B − ‘ tal que C œ senhÐBÑ. Tendo em conta a

/B œ senhÐBÑ  coshÐBÑ œ C  ÈC#  ",


donde

arcsenhÐCÑ œ B œ lnÐC  ÈC#  "Ñ.


Seja agora C " e consideremos B ! tal que C œ coshÐBÑ. Da relação (2)
em II.3.6. e uma vez que senhÐBÑ !, vem

senhÐBÑ œ Ècosh# ÐBÑ  " œ ÈC#  "

donde

arccoshÐCÑ œ B œ arcsenhÐÈC#  "Ñ œ


œ lnŠÈC#  "  ÉÐÈC#  "Ñ#  "‹
œ lnÐC  ÈC#  "Ñ. 

II.3.9 (Funções hiperbólicas no argumento duplo111) Para cada B − ‘, tem-se


senhÐ#BÑ œ # senhÐBÑcoshÐBÑ,
coshÐ#BÑ œ senh# ÐBÑ  cosh# ÐBÑ œ
œ # senh# ÐBÑ  " œ
œ # cosh# ÐBÑ  ".
/B /B /B /B
Dem: Das definições senhÐBÑ œ # e coshÐBÑ œ # , obtemos, por um
lado,
Ð/B Ñ#  Ð/B Ñ# " /#B  /#B "
senhÐBÑcoshÐBÑ œ œ œ senhÐ#BÑ
% # # #
e, por outro lado,

110Repararno paralelo com as funções trigonométricas inversas examinadas em II.1.25.


111Repararno paralelismo com as fórmulas conhecidas para o seno e o cosseno do argu-
mento duplo.
170 Cap. II. Funções contínuas e aplicações

/#B  /#B  # /#B  /#B  #


senh# ÐBÑ  cosh# ÐBÑ œ  œ
% %
#/#B  #/#B
œ œ coshÐ#BÑ.
%
As duas restantes caracterizações de coshÐ#BÑ resultam desta e das fórmulas
cosh# ÐBÑ œ senh# ÐBÑ  ", senh# ÐBÑ œ cosh# ÐBÑ  ". 

Exercícios

Ex II.3.1 Utilizar II.3.3 para determinar os limites das sucessões ÐB8 Ñ8−
definidas por:

a) B8 œ ˆ"  ‰ ,
" 8

b) B8 œ ˆ ‰ .
#8
8 8
8"

Ex II.3.2 a) Mostrar que para cada B !

lim ˆ"  ‰ œ /B .
B 8
8− 8
b) Mostrar que para cada B  ! tem-se também

limˆ"  ‰ œ /B .
B 8
8− 8

Ex II.3.3 Seja , Á " em Ó!ß _Ò uma base fixada. Verificar que os limites
notáveis análogos aos de II.3.4 têm uns valores menos naturais, nomeada-
mente:
log, ÐBÑ " ,B  "
lim œ , lim œ lnÐ,Ñ.
BÄ" B  " lnÐ,Ñ BÄ! B
BÁ" BÁ!

Ex II.3.4 Justificar as fórmulas para as funções hiperbólicas aplicadas a uma


soma de dois argumentos:
senhÐB  CÑ œ senhÐBÑcoshÐCÑ  coshÐBÑsenhÐCÑ,
coshÐB  CÑ œ coshÐBÑcoshÐCÑ  senhÐBÑsenhÐCÑ.
Reparar no paralelo com as fórmulas do mesmo tipo para as funções trigono-
§3. A exponencial e o logaritmo neperianos 171

métricas e no facto de estas fórmulas implicarem trivialmente as referidas em


II.3.9.
CAPÍTULO III
Derivadas e aplicações

§1. Definições e propriedades básicas.

III.1.1 Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e + − \ ponto de acumulação de


\. Retomando a definição que o estudante já encontrou decerto no ensino
secundário112, dizemos que 0 é derivável (ou diferenciável) em + se existir e
for finito o limite
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
lim ,
BÄ+ B+
BÁ+

limite esse que é notado 0 w Ð+Ñ e a que se dá o nome de derivada de 0 no


ponto +. Se o limite referido existir mas for _ ou _, definimos ainda
0 w Ð+Ñ œ _ ou 0 w Ð+Ñ œ _, respetivamente, dando a este valor o nome de
derivada de 0 no ponto +, embora não consideremos 0 derivável em +.
III.1.2 (Nota) A razão por que se exigiu que + seja ponto de acumulação do
domínio \ de 0 é o facto de o limite referido ser o de uma função cujo
domínio é \ Ï Ö+×, sendo assim necessário que + seja aderente a \ Ï Ö+×,
que é precisamente a condição para + ser ponto de acumulação de \ .
Frequentemente, ao referir o limite que define a derivada escrevemos sim-
plesmente lim 0 ÐBÑ0
B+
Ð+Ñ
, considerando assim que a condição B Á + está
BÄ+
implícita pelo facto de B  + aparecer em denominador.

Apesar de o estudante já ter encontrado essa interpretação anteriormente, não


deixamos de sublinhar o significado geométrico do quociente 0 ÐBÑ0
B+
Ð+Ñ
, cujo
limite define a derivada: Trata-se do declive da secante ao gráfico da função

112eventualmente com restrições desnecessárias sobre o domínio, por exemplo a exigên-


cia de se tratar de um intervalo.
174 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 determinada pelos pontos deste de abcissas + e B. Definindo a tangente ao


gráfico de 0 no ponto de abcissa + como sendo a reta limite (se existir) das
retas secantes ao gráfico determinadas pelos pontos de abcissa + e B, quando
B tende para +, isto é, a reta passando pelo ponto de abcissa + e cujo declive
é o limite dos declives daquelas secantes, vemos que a derivada vai ser o
declive da reta tangente.

III.1.3 (Nota) Repare-se que nas considerações precedentes, como noutras que
vão seguir, temos utilizado a letra + para o ponto em que se considera a
derivada e a letra B para a variável que intervém no limite que define a
derivada. No entanto, uma vez que estas letras são variáveis mudas, nada nos
impede, depois dos cálculos efetuados, passar a utilizar a letra B para desig-
nar o ponto em que se considera a derivada. Por exemplo, veremos adiante
que, sendo 0 ÐBÑ œ B8 , tem-se 0 w Ð+Ñ œ 8+8" . Poderemos então também
dizer que se tem 0 w ÐBÑ œ 8B8" .
III.1.4 Dizemos que 0 À \ Ä ‘ é derivável quando, para cada B − \ , B é ponto
de acumulação de \ e 0 é derivável em B. Quando isso acontecer, fica
definida uma nova função 0 w À \ Ä ‘, que a cada B − \ associa a derivada
0 w ÐBÑ no ponto B, função a que se dá o nome de função derivada.
III.1.5 (Continuidade das funções deriváveis) Se a função 0 À \ Ä ‘ é
derivável no ponto + − \ , ponto de acumulação de \ , então 0 é contínua no
ponto +.
Dem: Tendo em conta I.5.17, vemos que, por 0 w Ð+Ñ ser finito,

lim Ð0 ÐBÑ  0 Ð+ÑÑ œ lim Š ‚ ÐB  +Ñ‹ œ 0 w Ð+Ñ ‚ ! œ !,


0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
BÄ+ BÄ+ B+
BÁ+ BÁ+

pelo que
lim 0 ÐBÑ œ lim ˆÐ0 ÐBÑ  0 Ð+ÑÑ  0 Ð+щ œ !  0 Ð+Ñ œ 0 Ð+Ñ,
BÄ+ BÄ+
BÁ+ BÁ+

o que implica que 0 é contínua em + (cf. II.1.4). 


§1. Definições e propriedades básicas 175

Tal como acontecia com a determinação dos limites, será excepcional em


casos concretos que se tenha que recorrer à definição de derivada para
determinar estas. Como naquele caso, o que se faz é determinar a derivada
de certas funções básicas e depois aplicar regras de derivação que permi-
tem determinar as derivadas de certas funções a partir das de outras que
entram na respetiva definição.

III.1.6 (Dois casos triviais de existência de derivada) Sejam \ § ‘ e + − \ ,


ponto de acumulação de \ . Tem-se então:
a) A função identidade M\ À \ Ä ‘, definida por M\ ÐBÑ œ B, é derivável em
+ e com derivada igual a ".
b) Para cada , − ‘, a função 0 À \ Ä ‘ constante de valor , , definida por
0 ÐBÑ œ ,, é derivável em + e com derivada !.
Dem: Basta atender a que o limite de uma função constante é igual a essa
constante e a que, no primeiro caso, tem-se
M\ ÐBÑ  M\ Ð+Ñ B+
œ œ"
B+ B+
e, no segundo caso,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ ,,
œ œ !. 
B+ B+

III.1.7 (Derivadas da soma e do produto) Sejam \ § ‘, + − \ ponto de


acumulação de \ , 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções deriváveis em + e - − ‘ uma
constante. Tem-se então:
a) A soma 0  1À \ Ä ‘ e o produto -0 À \ Ä ‘, que a cada B associam
respetivamente 0 ÐBÑ  1ÐBÑ e -0 ÐBÑ, são deriváveis em + e
Ð0  1Ñw Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ  1w Ð+Ñ, Ð-0 Ñw Ð+Ñ œ -0 w Ð+Ñ.

b) O produto 0 ‚ 1À \ Ä ‘, que a cada B associa 0 ÐBÑ1ÐBÑ, é derivável em


+e
Ð0 ‚ 1Ñw Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ1Ð+Ñ  0 Ð+Ñ1w Ð+Ñ.

Dem: Relativamente a a), vem, pelas propriedades algébricas dos limites,


Ð0  1ÑÐBÑ  Ð0  1ÑÐ+Ñ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ  0 Ð+Ñ  1Ð+Ñ
œ œ
B+ B+
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 1ÐBÑ  1Ð+Ñ
œ  Ò 0 w Ð+Ñ  1w Ð+Ñ,
B+ B+ BÄ+
Ð-0 ÑÐBÑ  Ð-0 ÑÐ+Ñ -0 ÐBÑ  -0 Ð+Ñ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ œ- Ò -0 w Ð+Ñ.
B+ B+ B+ BÄ+

Relativamente a b) usamos também a continuidade em + das funções


176 Cap. III. Derivadas e aplicações

deriváveis nesse ponto e obtemos


Ð0 ‚ 1ÑÐBÑ  Ð0 ‚ 1ÑÐ+Ñ 0 ÐBÑ1ÐBÑ  0 Ð+Ñ1Ð+Ñ
œ œ
B+ B+
0 ÐBÑ1ÐBÑ  0 Ð+Ñ1ÐBÑ  0 Ð+Ñ1ÐBÑ  0 Ð+Ñ1Ð+Ñ
œ œ
B+
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 1ÐBÑ  1Ð+Ñ
œ 1ÐBÑ  0 Ð+Ñ Ò 0 w Ð+Ñ1Ð+Ñ  0 Ð+Ñ1w Ð+Ñ. 
B+ B+ BÄ+

III.1.8 (Corolário — derivada da diferença) Nas hipóteses anteriores, a


diferença 0  1À \ Ä ‘, definida por Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ é derivável
em + e com derivada 0 w Ð+Ñ  1w Ð+Ñ nesse ponto.
Dem: basta reparar que 0  1 é a soma da função 0 com o produto da função
1 pela constante ". 
III.1.9 (Corolário — derivada da potência de expoente natural) Sejam
\ § ‘, + − \ ponto de acumulação de \ , 0 À \ Ä ‘ uma função derivável
em + e 8 um natural. A função 0 8 À \ Ä ‘, definida por Ð0 8 ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ8 , é
então também derivável em + e com
Ð0 8 Ñw Ð+Ñ œ 80 w Ð+Ñ0 Ð+Ñ8" .
Em particular, considrando 0 ÐBÑ œ B, vemos que a função 18 ÐBÑ œ B8 tem
derivada 1w8 Ð+Ñ œ 8+8" (ou, alternativamente, uma vez que + é arbitrário,
1w8 ÐBÑ œ 8B8" ).
Dem: Fazemos a demonstração por indução matemática. Para 8 œ " a
afirmação é trivialmente verdadeira (recordar que 0 Ð+Ñ! œ "). Supondo
(hipótese de indução) que o resultado vale para 8 œ :, vemos que, para
8 œ :  ", tem-se 0 :" œ 0 : ‚ 0 , donde
Ð0 :" Ñw Ð+Ñ œ Ð0 : Ñw Ð+Ñ0 Ð+Ñ  0 : Ð+Ñ0 w Ð+Ñ œ
œ :0 w Ð+Ñ0 :" Ð+Ñ0 Ð+Ñ  0 : Ð+Ñ0 w Ð+Ñ œ
œ Ð:  "Ñ0 w Ð+Ñ0 : Ð+Ñ. 

III.1.10 (Derivada do inverso e do quociente) Sejam \ § ‘, + − \ ponto de


acumulação de \ , 0 À \ Ä ‘ e 1À \ Ä ‘ Ï Ö!× duas funções deriváveis em
+. Tem-se então que:
a) A função "1 À \ Ä ‘, que a B associa 1ÐBÑ
"
, é derivável em + e com
derivada

ˆ ‰w Ð+Ñ œ 
" 1w Ð+Ñ
.
1 1Ð+Ñ#
0 ÐBÑ
b) A função 01 À \ Ä ‘, que a B associa 1ÐBÑ , é derivável em + e com
§1. Definições e propriedades básicas 177

ˆ ‰w Ð+Ñ œ
0 0 w Ð+Ñ1Ð+Ñ  0 Ð+Ñ1w Ð+Ñ
.
1 1Ð+Ñ#
"
c) Em particular, para cada 8 − , a função que a B associa 1ÐBÑ8 œ 1ÐBÑ8
tem derivada no ponto + igual a
8 1w Ð+Ñ
œ 81w Ð+Ñ1Ð+Ñ8" .
1Ð+Ñ8"

Dem: Utilizando as propriedades algébricas dos limites, vem, tendo em conta


a continuidade de 1 no ponto +,
ˆ "1 ‰ÐBÑ  ˆ "1 ‰Ð+Ñ "
1ÐBÑ  "
1Ð+Ñ  1ÐBÑ
1Ð+Ñ
œ œ œ
B+ B+ 1ÐBÑ1Ð+ÑÐB  +Ñ
" 1ÐBÑ  1Ð+Ñ 1w Ð+Ñ
œ Ò  ,
1ÐBÑ1Ð+Ñ B  +Ñ BÄ+ 1Ð+Ñ#
o que justifica o valor da derivada em a). A conclusão de b) resulta da de a) e
da regra de derivação do produto, por se ter 01 œ 0 ‚ "1 :

ˆ ‰w Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ
0 " 1w Ð+Ñ 0 w Ð+Ñ1Ð+Ñ  0 Ð+Ñ1w Ð+Ñ
 0 Ð+Ñ œ .
1 1Ð+Ñ 1Ð+Ñ# 1Ð+Ñ#
Quanto a c), aplicando o que vimos em a) com a função B È 1ÐBÑ8 no lugar
de 1 e tendo em conta III.1.9, obtemos para derivada
81w Ð+Ñ1Ð+Ñ8" 8 1w Ð+Ñ
œ œ 81w Ð+Ñ1Ð+Ñ8" 
1Ð+Ñ#8 1Ð+Ñ8"

III.1.11 (Derivadas de restrições e derivadas laterais) Analogamente ao que


sucedia com a noção de limite, e como consequência disso (cf. I.5.6 e I.5.8),
podemos dizer que:
a) Sejam 0 À \ Ä ‘ uma função, + − \ um ponto de acumulação de \ ,
onde 0 tenha derivada 0 w Ð+Ñ e + − ] § \ tal que + ainda seja ponto de acu-
mulação de ] . Então a restrição 0Î] À ] Ä ‘ é também derivável em + e com
derivada Ð0Î] Ñw Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ.
b) Sejam 0 À \ Ä ‘ uma função, + − \ um ponto de acumulação de \ e
E § \ e F § \ dois subconjuntos com \ œ E  F : Tem-se então que + é
ponto de acumulação de E ou de F e:
b1) Se + − E  F , + for ponto de acumulação de E e de F e ambas as
restrições 0ÎE À E Ä ‘ e 0ÎF À F Ä ‘ tiverem iguais derivadas em +, então 0
tem derivada em +, com
0 w Ð+Ñ œ Ð0ÎE Ñw Ð+Ñ œ Ð0ÎF Ñw Ð+Ñ.

b2) Se + − E for ponto de acumulação de E, mas não de F e se a


178 Cap. III. Derivadas e aplicações

restrição 0ÎE À E Ä ‘ tiver derivada em +, então 0 tem derivada em + e


0 w Ð+Ñ œ Ð0ÎE Ñw Ð+Ñ.
Analogamente aos limites laterais, definidos em I.5.12, um caso particular
importante das observações precedentes é aquele em que consideramos
\ œ \Ÿ+  \ + , onde, naturalmente,
\Ÿ+ œ ÖB − \ ± B Ÿ +×, \ + œ ÖB − \ ± B + ×:

Quando + for ponto de acumulação de \Ÿ+ (respetivamente de \ + ), isto é


(cf. I.5.12), for ponto de acumulação à esquerda (respetivamente à direita) de
\ , à derivada no ponto +, se existir, da restrição de 0 a esse conjunto dá-se o
nome de derivada à esquerda (respetivamente à direita) de 0 no ponto +,
notada 0 w Ð+ Ñ (respetivamente 0 w Ð+ Ñ). Dizemos que 0 é derivável à
esquerda (respetivamente à direita) no ponto + quando existir e for finita a
derivada à esquerda (respetivamente à direita) nesse ponto.
Tenha-se presente que as derivadas laterais, esquerda e direita, são derivadas,
no sentido usual, de restrições da função pelo que a elas se aplica automa-
ticamente tudo o que for estabelecido no contexto geral das derivadas de
funções.
III.1.12 (Exemplo) Consideremos a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por
Ú
Ý "# B#  "# , se B  !
0 ÐBÑ œ Û B$  "# ,
Ý" #
se ! Ÿ B Ÿ "
Ü #B , se "  B

e averiguemos a derivabilidade113 de 0 nos diferentes pontos do domínio.

1) Suponhamos que +  !. Considerando ‘ œ Ó_ß !Ò  Ò!ß _Ò, como +


não é ponto de acumulação de Ò!ß _Ò, a derivabilidade de 0 em + é
equivalente à derivabilidade da sua restrição a Ó_ß !Ò e, tendo em conta que

113Por “derivabilidade” estamos a entender o facto de existir ou não derivada e, em caso


de existência, o valor desta.
§1. Definições e propriedades básicas 179

nesse intervalo 0 ÐBÑ œ "# B#  "# , resulta das regras de derivação que 0 é
derivável em + e com
"
0 w Ð+Ñ œ ‚ #+  ! œ +.
#
2) Suponhamos que + œ !. Como em 1), o facto de + não ser ponto de
acumulação de Ó"ß _Ò mostra que a derivabilidade de 0 em + é equivalente
à derivabilidade em + da sua restrição a Ó_ß "Ó. Ora, como
Ó_ß "Ó œ Ó_ß !Ó  Ò!ß "Ó onde, para B − Ó_ß !Ó, 0 ÐBÑ œ "# B#  "# (para
B œ ! também, uma vez que a expressão no segundo membro toma aí o valor
 "# œ 0 Ð!Ñ!) e, para B − Ò!ß "Ó, 0 ÐBÑ œ B$  "# , constatamos que em ! a
restrição referida tem derivadas à esquerda e à direita iguais aos valores em !
de "# ‚ #B  ! e de $B#  !, isto é, ambas iguais a !. Podemos assim
concluir que 0 é derivável em !, e com 0 w Ð!Ñ œ !.
3) Suponhamos que !  +  ". Como ‘ œ ÐÓ_ß !Ò  Ó"ß _ÒÑ  Ò!ß "Ó e +
não é ponto de acumulação de Ó_ß !Ò  Ó"ß _Ò, a derivabilidade de 0 em
+ é equivalente à derivabilidade em + da sua restrição a Ò!ß "Ó a qual, por se
ter aí 0 ÐBÑ œ B$  "# , resulta das regras de derivação: A função 0 é derivável
em + e com
0 w Ð+Ñ œ $+#  ! œ $+# .

4) Suponhamos que + œ ". Neste caso podemos garantir que 0 não é


derivável em +, uma vez que + pertence aos conjuntos Ò!ß "Ó e Ò"ß _Ò, sendo
ponto de acumulação de ambos, e que 0 ÐBÑ œ B$  "# , para B − Ò!ß "Ó, e
0 ÐBÑ œ "# B# , para B − Ò"ß _Ò, o que implica que estas duas restrições têm
derivadas diferentes em ", a primeira igual a $ ‚ "#  ! œ $ e a segunda
igual a "# ‚ # ‚ " œ ". A função é, no entanto derivável tanto à esquerda
como à direita nesse ponto.
5) Suponhamos que +  ". Como em 1), tem-se ‘ œ Ó_ß "Ó  Ó"ß _Ò,
onde + não é ponto de acumulação de Ó_ß "Ó donde, por ser 0 ÐBÑ œ "# B#
para B − Ó"ß _Ò concluímos que 0 é derivável em + e com
"
0 w Ð+Ñ œ ‚ #+ œ +.
#

III.1.13 (Derivadas da exponencial e do logaritmo neperianos) As funções


expÀ ‘ Ä Ó!ß _Ò, lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘,
(cf. II.3.2) são deriváveis e com
"
expw ÐBÑ œ expÐBÑ, lnw ÐCÑ œ .
C
Dem: Seja + − ‘ arbitrário. Tendo em conta as propriedades algébricas da
180 Cap. III. Derivadas e aplicações

exponencial, o resultado sobre o limite da função composta e o limite notável


em II.3.4, vem
expÐBÑ  expÐ+Ñ expÐ+  ÐB  +ÑÑ  expÐ+Ñ
lim œ lim œ
expÐ+шexpÐB  +Ñ  "‰
BÄ+ B+ BÄ+ B+
œ lim œ
BÄ+ B+
expÐCÑ  "
œ expÐ+Ñ ‚ lim œ expÐ+Ñ.
CÄ! C
Seja agora , − Ó!ß _Ò arbitrário. Tendo em conta as propriedades algé-
bricas do logaritmo, o resultado sobre o limite da função composta e o limite
notável em II.3.4, vem
lnÐCÑ  lnÐ,Ñ " lnÐ C Ñ " lnÐBÑ "
lim œ lim ‚ C , œ ‚ lim œ . 
CÄ, C, CÄ, ,
, " , BÄ" B  " ,

III.1.14 (A derivada da função composta) Sejam \ § ‘, ] § ‘, 0 À \ Ä ] e


1À ] Ä ‘ duas funções e + − \ , ponto de acumulação de \ tal que 0 seja
derivável em +, que 0 Ð+Ñ seja ponto de acumulação de ] e que 1 seja
derivável em 0 Ð+Ñ. Tem-se então que a composta 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é derivável
em + e
Ð1 ‰ 0 Ñw Ð+Ñ œ 1w Ð0 Ð+ÑÑ ‚ 0 w Ð+Ñ.

Dem: Tem-se \ Ï Ö+× œ E  F , onde


E œ ÖB − \ Ï Ö+× ± 0 ÐBÑ Á 0 Ð+Ñ×, F œ ÖB − \ Ï Ö+× ± 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ×.
Sabemos que 0 é contínua em +, por ser derivável nesse ponto e vemos que,
se + for aderente a E, vem

œ lim Š ‹œ
1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ 1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
lim ‚
BÄ+ B+ BÄ+ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ B+
B−E B−E
1ÐCÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ lim ‚ lim œ 1w Ð0 Ð+ÑÑ ‚ 0 w Ð+Ñ.
CÄ0 Ð+Ñ C  0 Ð+Ñ BÄ+ B+
CÁ0 Ð+Ñ B−E

Por outro lado, se + for aderente a F , tem-se


1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ
lim œ lim 0 œ !.
BÄ+ B+ BÄ+
B−F B−F

No caso em que 0 Ð+Ñ œ !, e portanto ! œ 1 Ð0 Ð+ÑÑ ‚ 0 w Ð+Ñ, podemos assim


w w

concluir de I.5.8 que


§1. Definições e propriedades básicas 181

1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ


Ð1 ‰ 0 Ñw Ð+Ñ œ lim œ 1w Ð0 Ð+ÑÑ ‚ 0 w Ð+Ñ.
BÄ+ B+
BÁ+

Suponhamos agora que 0 w Ð+Ñ Á !. Tem-se então que + não é aderente a F


visto que, se o fosse, viria
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+Ñ œ lim œ lim œ lim ! œ !.
BÄ+ B+ BÄ+ B+ BÄ+
BÁ+ B−F B−F

Podemos assim concluir, mais uma vez por I.5.8 que + é aderente a E e que,
como antes,
1Ð0 ÐBÑÑ  1Ð0 Ð+ÑÑ
Ð1 ‰ 0 Ñw Ð+Ñ œ lim œ 1w Ð0 Ð+ÑÑ ‚ 0 w Ð+Ñ. 
BÄ+ B+
B−E

"
III.1.15 (Exemplo) Seja 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ / B ,
tem-se 0 ÐBÑ œ expÐ1ÐBÑÑ, com 1ÐBÑ œ B" . Tendo em conta III.1.10 e III.1.13,
1À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ é derivável em cada B e com 1w ÐBÑ œ " B# e expÀ ‘ Ä ‘ é
derivável em cada C e com expw ÐCÑ œ expÐCÑ. Aplicando o resultado sobre a
derivada da função composta, concluímos assim que 0 é derivável em cada
B − ‘ Ï Ö!× e com
" " " "
0 w ÐBÑ œ expÐ Ñ ‚ # œ  # / B .
B B B

III.1.16 (Derivada da potência de expoente real) Seja . − ‘ e consideremos a


função potência de expoente . , 0. À Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, definida por
0. ÐBÑ œ B. . Tem-se então que 0. é derivável em cada B − Ó!ß _Ò e com
0.w ÐBÑ œ . B." . 114

Dem: Podemos considerar a caracterização alternativa


0. ÐBÑ œ expÐlnÐB. ÑÑ œ expÐ. lnÐBÑÑ
pelo que, tendo em conta o teorema de derivação da função composta e as
derivadas da exponencial e do logaritmo em III.1.13,
. .
0.w ÐBÑ œ expÐ. lnÐBÑÑ ‚ œ B. ‚ œ . B." . 
B B

114Comparar com o caso do expoente natural, examinado em III.1.9, lembrando que, se


0 ÐBÑ œ B, tem-se 0 w ÐBÑ œ ". Reparar que, em geral, a derivada de uma função do tipo
B È 0 ÐBÑ. , onde 0 ÐBÑ  !, se pode obter, a partir do resultado agora enunciado, pelo
teorema de derivação da função composta.
182 Cap. III. Derivadas e aplicações

função contínua 15 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò, definida por 15 ÐBÑ œ È


III.1.17 (Derivada da função raiz de índice 5 ) Seja 5 −  e consideremos a
5
B (cf.
II.1.22). Tem-se então que 15 é derivável em cada B  !, e com

È
"
1w5 ÐBÑ œ 5
,
5 B5"
e, se 5 #, 1w5 Ð!Ñ œ _ (em particular, 15 não é derivável em !).115
Dem: Se +  !, então + não é aderente a Ö!× pelo que a derivabilidade de 15
em + é equivalente à da sua restrição a Ó!ß _Ò. Uma vez que se tem
"
15 ÐBÑ œ B 5 , para cada B − Ó!ß _Ò, obtemos

È
" " " " 5" "
1w5 Ð+Ñ œ + 5 œ + 5 œ 5 .
5 5 5 +5"
Quanto à derivada em !, ela decorre imediatamente da definição, uma vez
que, para B Á ! em Ò!ß _Ò,
"
15 ÐBÑ  15 Ð!Ñ B5 "
œ œ B 5 " Ò _,
B! B BÄ!

"
por ser 5  "  ! (cf. II.2.14). 
III.1.18 (Derivada da função inversa) Sejam \ § ‘, ] § ‘ e 0 À \ Ä ] uma
função bijetiva. Seja + − \ , ponto de acumulação de \ , tal que 0 seja
derivável em + e com 0 w Ð+Ñ Á ! e que a função inversa 0 " À ] Ä \ seja
contínua em , œ 0 Ð+Ñ.116 Tem-se então que , é ponto de acumulação de ] e
0 " é derivável em , e com

ˆ0 " ‰w Ð,Ñ œ
"
.
0 w Ð+Ñ

Dem: A função 0 é contínua em +, por ser derivável, e consequentemente,


uma vez que a injetividade de 0 garante que 0 Ð\ Ï Ö+×Ñ § ] Ï Ö,×, o facto
de , também ser o limite em + da restrição de 0 a \ Ï Ö+× implica, por
I.5.14, que , é aderente a ] Ï Ö,×, ou seja que , é ponto de acumulação de
] . Tendo em conta o resultado sobre o limite da função composta vemos
agora que
0 " ÐCÑ  0 " Ð,Ñ " " "
lim œ lim 0 Ð0 " ÐCÑÑ0 Ð+Ñ
œ œ ,
CÄ, C, CÄ, lim 0 ÐBÑ0 Ð+Ñ 0 w Ð+Ñ
0 " ÐCÑ+ BÄ+ B+

"
o que mostra que 0 w Ð+Ñ é a derivada de 0 " no ponto , . 

115Se 5 œ ", 1 ÐBÑ œ B, donde 1w Ð!Ñ œ ".


5 5
116Em muitos casos concretos utiliza-se II.1.20 para garantir a continuidade de 0 " .
§1. Definições e propriedades básicas 183

III.1.19 (O caso 0 w Ð+Ñ œ !) Sejam \ § ‘, ] § ‘ e 0 À \ Ä ] uma função


bijetiva. Seja + − \ , ponto de acumulação de \ , tal que 0 seja derivável em
+ e com 0 w Ð+Ñ œ !. Tem-se então que, apesar de , œ 0 Ð+Ñ − ] ser, como no
resultado precedente, um ponto de acumulação de ] ß a função inversa
0 " À ] Ä \ não é derivável no ponto ,, embora possa ter derivada infinita
nesse ponto.
Dem: Suponhamos, por absurdo, que 0 " era derivável no ponto , œ 0 Ð+Ñ.
Aplicando o teorema da função composta à função M\ œ 0 " ‰ 0 , concluí-
mos que
" œ ÐM\ Ñw Ð+Ñ œ Ð0 " Ñw Ð,Ñ ‚ 0 w Ð+Ñ œ !,
o que era absurdo. 

por 1ÐCÑ œ ÈC, cuja continuidade em todos os pontos é um caso particular


III.1.20 (Exemplos) a) Consideremos a função 1À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida

do que foi verificado em II.1.22. Uma vez que se trata da função inversa da
função 0 À Ò!ß _Ò Ä Ò!ß _Ò definida por 0 ÐBÑ œ B# , a qual é derivável em
todos os pontos e com 0 w ÐBÑ œ #B, em particular 0 w ÐBÑ Á ! para cada B Á !,
concluímos do teorema de derivação da função inversa que, para cada
C − Ó!ß _Ò, portanto C œ B# , para um certo B Á !, 1 é derivável em C e
"
com 1w ÐCÑ œ #B . No entanto este não é o resultado que se espera, o que se

tem B œ ÈC, pelo que chegamos à conclusão que


quer é conhecer 1w ÐCÑ como função de C. Para isso só há que reparar que se

"
#È C
1w ÐCÑ œ ,

que é evidentemente o mesmo resultado que já obtivéramos, por outro


caminho e numa situação mais geral, em III.1.17.
b) Consideremos a função lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘, cuja continuidade em todos os
pontos já foi provada em II.2.11. Uma vez que se trata da inversa da função
expÀ ‘ Ä Ó!ß _Ò, que já verificámos em III.1.13 ser derivável em todos os
pontos e com derivada expw ÐBÑ œ expÐBÑ Á !, podemos concluir do teorema
de derivação da função inversa que, para cada C − Ó!ß _Ò, portanto
C œ expÐBÑ, para um certo B − ‘, ln é derivável em C e com derivada
lnw ÐCÑ œ exp"ÐBÑ , ou seja, em função de C ,
"
lnw ÐCÑ œ ,
C
que é evidentemente o mesmo resultado que já obtivéramos diretamente em
III.1.13.

Vamos agora examinar o que se pode dizer sobre as derivadas das funções
trigonométricas. Uma vez que, como já observámos anteriormente, estas
funções não são do âmbito estrito da Análise Matemática, sendo definidas
184 Cap. III. Derivadas e aplicações

num contexto de Geometria, não é de espantar que seja mais uma vez um
argumento geomético que permite estabelecer o resultado fundamental
que conduz à determinação das derivadas que procuramos. Repare-se
também no facto de ser essencial que a unidade de medição de ângulos
utilizada seja o radiano.

III.1.21 (Dois limites notáveis) Para cada B Á ! em ‘ 1# ß 1# , tem-se


senÐBÑ
cosÐBÑ Ÿ Ÿ"
B
e, consequentemente,
senÐBÑ
lim œ ".
BÄ! B
BÁ!

Tem-se também
cosÐBÑ  "
lim œ !. 117
BÄ! B
BÁ!

Dem: Comecemos por supor que !  B  1# . Nas três figuras seguintes


consideramos no círculo trigonométrico um sector circular de ângulo B e dois
triângulos, o primeiro contido e o segundo contendo esse sector.

A área do sector circular é igual a B# 118; O primeiro triângulo tem um base


igual a " e a correspondente altura igual a senÐBÑ pelo que a sua área é igual
a "# senÐBÑ; O segundo triângulo tem uma base igual a " e a correspondente
altura igual a tanÐBÑ pelo a sua área é igual a "# tanÐBÑ. Comparando as áreas,
vemos assim que

117Reparar que estes dois limites correspondem a indeterminações do tipo !! .


118A área do círculo todo, correspondente a #1 radianos, é 1 .
§1. Definições e propriedades básicas 185

" B "
senÐBÑ Ÿ Ÿ tanÐBÑ,
# # #
portanto
senÐBÑ
senÐBÑ Ÿ B Ÿ ,
cosÐBÑ

e destas duas desigualdades decorre respetivamente que senÐBÑ B Ÿ " e que


senÐBÑ

no caso em que B  ! em ‘ 1# ß 1#  e o caso em que B  ! neste intervalo


cosÐBÑ Ÿ B . Ficam assim provadas as duas desigualdades do enunciado

resulta de se ter então B  !, cosÐBÑ œ cosÐBÑ e senBÐBÑ œ senB


ÐBÑ
. Uma
vez que, pela continuidade da função cosÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó, tem-se
lim cosÐBÑ œ cosÐ!Ñ œ ",
BÄ!
BÁ!

concluímos agora, por enquadramento, que


senÐBÑ
lim œ ".
BÄ! B
BÁ!

Relativamente ao último limite, vem, tendo em conta a continuidade das


funções trigonométricas,
cosÐBÑ  " cos# ÐBÑ  " senÐBÑ senÐBÑ
lim œ lim œ lim ‚ œ
BÄ! B BÄ! BÐcosÐBÑ  "Ñ BÄ! B cosÐBÑ  "
BÁ! BÁ! BÁ!
senÐ!Ñ
œ"‚ œ !. 
cosÐ!Ñ  "

III.1.22 (Derivadas do seno e do cosseno) As funções trigonométricas


senÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó e cosÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó são deriváveis em cada B − ‘ e com
senw ÐBÑ œ cosÐBÑ, cosw ÐBÑ œ senÐBÑ.

Dem: Dado + − ‘, podemos escrever, para cada B Á +,


senÐBÑ  senÐ+Ñ senÐ+  ÐB  +ÑÑ  senÐ+Ñ
œ œ
B+ B+
senÐ+ÑcosÐB  +Ñ  cosÐ+ÑsenÐB  +Ñ  senÐ+Ñ
œ œ
B+
cosÐB  +Ñ  " senÐB  +Ñ
œ senÐ+Ñ  cosÐ+Ñ
B+ B+
pelo que, uma vez que, pelos limites notáveis em III.1.21,
186 Cap. III. Derivadas e aplicações

cosÐB  +Ñ  " cosÐCÑ  "


lim œ lim œ !,
BÄ+ B+ CÄ! C
senÐB  +Ñ senÐCÑ
lim œ lim œ ",
BÄ+ B+ CÄ! C
obtemos
senÐBÑ  senÐ+Ñ
senw Ð+Ñ œ lim œ senÐ+Ñ ‚ !  cosÐ+Ñ ‚ " œ cosÐ+Ñ.
BÄ+ B+
Lembrando agora a identidade cosÐBÑ œ senÐ 1#  BÑ, válida para todo o
B − ‘, vemos agora, pelo teorema da derivação da função composta, que
1
senw ÐBÑ œ cosÐ  BÑ ‚ Ð"Ñ œ senÐBÑ. 
#

III.1.23 (Derivada da tangente) Lembremos que, sendo

 ™1 œ š  :1›
1 1

# # :−™

o conjunto dos zeros da função cosÀ ‘ Ä Ò"ß "Ó, a função tanÀ ‘ Ï \ Ä ‘


está definida por tanÐBÑ œ senÐBÑ
cosÐBÑ Þ Tem-se então que esta função é derivável
em cada B − ‘ Ï \ e com
"
tanw ÐBÑ œ œ "  tan# ÐBÑ.
cos# ÐBÑ

Dem: Tendo em conta a regra de derivação do quociente, vem


senw ÐBÑcosÐBÑ  senÐBÑcosw ÐBÑ cos# ÐBÑ  sen# ÐBÑ
tanw ÐBÑ œ œ ,
cos# ÐBÑ cos# ÐBÑ
tendo-se, por um lado,
cos# ÐBÑ  sen# ÐBÑ "
œ
cos# ÐBÑ cos# ÐBÑ
e, por outro lado,
cos# ÐBÑ  sen# ÐBÑ sen# ÐBÑ
œ "  œ "  tan# ÐBÑ. 
cos# ÐBÑ cos# ÐBÑ

III.1.24 (Derivadas das inversas das funções trigonométricas) Recordemos as


funções inversas de restrições das funções trigonométicas, definidas em
II.1.25:
1 1 1 1
arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò ß Ó, arccosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß 1Ó, arctanÀ ‘ Ä Ó ß Ò,
# # # #
§1. Definições e propriedades básicas 187

que se verificou nesse resultado serem funções contínuas. Tem-se então que
as duas primeiras são deriváveis em todos os pontos de Ó"ß "Ò, e com
derivadas

È"  C # È"  C #
" "
arcsenw ÐCÑ œ , arccosw ÐCÑ œ ,

e a última é derivável em todos os pontos de ‘ e com derivada


"
arctanw ÐCÑ œ .
"  C#
Dem: Uma vez que a função arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò 1# ß 1# Ó é contínua e é a
inversa da restrição Ò 1# ß 1# Ó Ä Ò"ß "Ó da função sen, função essa que é
derivável em cada B − Ò 1# ß 1# Ó e com derivada cosÐBÑ, que é diferente de !
se B − Ó 1# ß 1# Ò, concluímos do teorema de derivação da função inversa em
III.1.18 que, para cada C − Ó"ß "Ò, com C œ senÐBÑ, a função arcsen é
derivável em C e com arcsenw ÐCÑ œ cos"ÐBÑ . Mas uma vez que cosÐBÑ  ! para
B − Ó 1# ß 1# Ò, da relação sen# ÐBÑ  cos# ÐBÑ œ " resulta que

cosÐBÑ œ È"  sen# ÐBÑ œ È"  C# ,


o que nos permite concluir que

È"  C #
" "
arcsenw ÐCÑ œ œ .
cosÐBÑ

Analogamente, uma vez que, para cada B − Ó!ß 1Ò, cosw ÐBÑ œ senÐBÑ, com
senÐBÑ  !, concluímos que, para cada C − Ó"ß "Ò, com C œ cosÐBÑ, a
função arccos é derivável em C e com

È"  cos ÐBÑ È"  C #


" " "
arccosw ÐCÑ œ œ œ .
senÐBÑ #

Do mesmo modo, uma vez que a função arctanÀ ‘ Ä Ó 1# ß 1# Ò é contínua e é a


inversa da restrição Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘ da função tan, que tem derivada em cada B

tanw ÐBÑ œ "  tan# ÐBÑ Á 0,


concluímos esta função é derivável em cada C − ‘ e que, sendo C œ tanÐBÑ,
" "
arctanw ÐCÑ œ œ . 
"  tan# ÐBÑ "  C#

III.1.25 (Derivadas das funções hiperbólicas e suas inversas) As funções


hiperbólicas senhÀ ‘ Ä ‘ e coshÀ ‘ Ä ‘ (cf. II.3.5) são deriváveis em cada
B − ‘ e com
188 Cap. III. Derivadas e aplicações

senhw ÐBÑ œ coshÐBÑ, coshw ÐBÑ œ senhÐBÑ.

Quanto às funções hiperbólicas inversas


arcsenhÀ ‘ Ä ‘, arccoshÀ Ò"ß _Ò Ä Ò!ß _Ò
(cf. II.3.8), a primeira é derivável em cada C − ‘ e com

ÈC #  "
"
arcsenhw ÐCÑ œ

e a segunda é derivável em cada C − Ó"ß _Ò e com

ÈC #  "
"
arccoshw ÐCÑ œ .

Dem: Os valores das derivadas das funções hiperbólicas resulta das


identidades que as definem
/B  /B /B  /B
senhÐBÑ œ , coshÐBÑ œ .
# #
e da caracterização da derivada da função exponencial. Reparemos agora
que, dado C − ‘, com C œ senhÐBÑ, o facto de se ter senhw ÐBÑ œ coshÐBÑ Á !
implica, pelo teorema de derivação da função inversa que arcsenh é derivável
em C e com

Èsenh# ÐBÑ  " ÈC #  "


" " "
arcsenhw ÐCÑ œ œ œ .
coshÐBÑ

Analogamente, dado C  ", com C œ coshÐBÑ e B  !, o facto de se ter


coshw ÐBÑ œ senhÐBÑ Á ! implica que arccosh é derivável em C e

È È
" " "
arccoshw ÐCÑ œ œ œ . 
senhÐBÑ #
cosh ÐBÑ  " #
C "

Exercícios

Ex III.1.1 Mostrar que, se 0 À ‘ Ä ‘ é uma função derivável num certo ponto


+ − ‘, então existe limite para a sucessão que a 8 associa

8 Š0 ˆ+  ‰  0 Ð+Ñ‹.
"
8
Encontrar um exemplo que mostre que a recíproca desta afirmação não é
verdadeira.
§1. Definições e propriedades básicas 189

Ex III.1.2 Sejam 0 À ‘ Ä ‘ uma função e + − ‘ fixado119.


a) Mostrar que 0 é derivável em + se, e só se, existir o limite
0 Ð+  2Ñ  0 Ð+Ñ
lim
2Ä! 2
e que, quando isso acontecer, esse limite é igual à derivada 0 w Ð+Ñ.
b) Mostrar que, se 0 é derivável em + então
0 Ð+  2Ñ  0 Ð+  2Ñ
lim œ 0 w Ð+Ñ
2Ä! #2
e dar um exemplo em que o limite no primeiro membro exista e seja finito,
sem que 0 seja derivável em +.
Ex III.1.3 Utilizar um dos limites notáveis examinados nesta secção para
ÐBÑ
determinar o limite lim sen
B1 .
BÄ1

Ex III.1.4 Determinar os números naturais : para os quais a função 0 À ‘ Ä ‘


definida por
B: senˆ B" ‰,
0 ÐBÑ œ œ
se B Á !
:
!, se B œ !

a) É derivável em todos os pontos B − ‘;


b) É derivável em todos os pontos e a função derivada 0 w À ‘ Ä ‘ é contínua.
Ex III.1.5 Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ lB%  B$ l.
a) Determinar os pontos onde 0 é diferenciável.
b) Determinar os pontos do gráfico de 0 em que a recta tangente é horizontal.
Ex III.1.6 Examinando o contraexemplo no exercício II.1.10, verificar que não
se pode garantir a conclusão do teorema de derivação da função inversa (cf.
III.1.18) sem fazer a exigência de continuidade desta.
Ex III.1.7 Na determinação das derivadas da exponencial e do logaritmo em
III.1.13 foi essencial que a base considerada fosse a constante de Neper.
Dado, em geral, , Á " em Ó!ß _Ò, determinar, mais geralmente, as
derivadas das funções exponencial e logaritmo de base , ,
exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò, log, À Ó!ß _Ò Ä ‘.

Ex III.1.8 Encontrar uma relação entre as funções arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò 1# ß 1# Ó e


arccosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß 1Ó que dê uma explicação para a relação evidente entre
as respetivas derivadas, referidas em III.1.22.

119O facto de considerarmos ‘ como domínio tem como único objetivo permitir um
enunciado mais conciso.
190 Cap. III. Derivadas e aplicações

Ex III.1.9 Verificar que as funções


1 1
arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò ß Ó, arccosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß 1Ó,
# #
não são deriváveis em " e em ", mas têm derivadas (infinitas) nesses
pontos.
Ex III.1.10 Encontrar os pontos em que são deriváveis e as derivadas nesses
pontos das funções definidas pelas expressões seguintes e tendo como
domínios os domínios máximos de definição dessas expressões:

b) 0 ÐBÑ œ ÈB#  ";


a) 0 ÐBÑ œ arcsenÐ"  BÑ;
%

d) 0 ÐBÑ œ ˆBB ‰ ;
c) 0 ÐBÑ œ lnÐlnÐBÑÑ,
B

e) 0 ÐBÑ œ Ð"  B# ÑB ;
f) 0 ÐBÑ œ ÈB ‚ senÐBÑ;

g) 0 ÐBÑ œ lnŠ ‹.
senÐBÑ
"  cosÐBÑ

Ex III.1.11 Seja 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ lnÐlBlÑ. Verificar


que se tem 0 w ÐBÑ œ B" , para cada B − ‘ Ï Ö!×.
æ Ex III.1.12 Diz-se que um conjunto \ § ‘ é simétrico se, para cada B − \ ,
tem-se também B − \ . Sejam \ § ‘ um conjunto simétrico e 0 À \ Ä ‘.
Diz-se que 0 é uma função par (respetivamente ímpar) se, para cada B − \ ,
0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ (respetivamente 0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ).
a) Verificar que, se 0 é uma função par (respetivamente ímpar) e + − \ é um
ponto de acumulação de \ onde 0 seja derivável, então + é também um
ponto de acumulação de \ onde 0 é derivável e 0 w Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ
(respetivamente 0 w Ð+Ñ œ 0 w Ð+Ñ).
b) Deduzir de a) que, se 0 é uma função par (respetivamente ímpar) e se
] § \ é o conjunto dos pontos de \ que são pontos de acumulação de \ e
onde 0 é derivável, então ] é um conjunto simétrico e a função0 w À ] Ä ‘ é
ímpar (respetivamente par).
Ex III.1.13 Seja 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ ÈsenÐB# Ñ.
a) Verificar que 0 é derivável em cada B Á ! e determinar a sua derivada
nesses pontos.
b) Verificar que 0 não é derivável em !, embora seja derivável à esquerda e à
direita nesse ponto.
Ex III.1.14 (A tangente hiperbólica e a sua inversa) Para cada B − ‘,
define-se naturalmente a sua tangente hiperbólica tanhÐBÑ por
§1. Definições e propriedades básicas 191

senhÐBÑ /B  /B
tanhÐBÑ œ œ B .
coshÐBÑ /  /B

a) Verificar que a função tanhÀ ‘ Ä Ó"ß "Ò é ímpar e que, para cada B − ‘,
"
tanh# ÐBÑ œ "  ,
cosh# ÐBÑ
em particular tanhÐBÑ − Ó"ß "Ò. Concluir que tanhÀ ‘ Ä Ó"ß "Ò é estrita-
mente crescente e, determinando os respetivos limites em _ e em _,
mostrar que ela é bijetiva.
b) Verificar que a função tanhÀ ‘ Ä Ó"ß "Ò é derivável em cada B e com
"
tanhw ÐBÑ œ œ "  tanh# ÐBÑ.
cosh# ÐBÑ

c) Seja arctanhÀ Ó"ß "Ò Ä ‘ a função inversa da função tanhÀ ‘ Ä Ó"ß "Ò.
Mostrar que, para cada C − Ó"ß "Ò, tem-se
"
arctanhw ÐCÑ œ ,
"  C#
" "C
arctanhÐCÑ œ lnÐ Ñ.
# "C

§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções.

Vamos estudar nesta secção resultados que relacionam propriedades duma


função, em particular propriedades de monotonia, com propriedades da
sua derivada. Pode-se dividir esses resultados em duas classes: Nos da
primeira, que têm uma justificação mais direta, deduzimos propriedades
da derivada a partir de propriedades da função; nos da segunda partimos
de propriedades da derivada para deduzir propriedades da função. Os
resultados da primeira classe vão ser consequência simples da seguinte
propriedade elementar.
192 Cap. III. Derivadas e aplicações

III.2.1 (Resultado básico elementar) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e


+ − \. Tem-se então:
a) Suponhamos que 0 tem máximo em +, isto é, que 0 Ð+Ñ é máximo de 0 ou,
equivalentemente, que 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ, para cada B − \ . Se + for ponto de
acumulação à direita de \ e 0 tiver derivada à direita em +, então
0 w Ð+ Ñ Ÿ !. Se + for ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver
derivada à esquerda em +, então 0 w Ð+ Ñ !. Em particular (teorema de
Fermat), se + for ponto de acumulação à esquerda e à direita de \ e 0 for
derivável em +, então 0 w Ð+Ñ œ !.

b) Suponhamos que 0 tem mínimo em +, isto é, que 0 Ð+Ñ é mínimo de 0 ou,


equivalentemente, que 0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ, para cada B − \ . Se + for ponto de
acumulação à direita de \ e 0 tiver derivada à direita em +, então
0 w Ð+ Ñ !. Se + for ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver
derivada à esquerda em +, então 0 w Ð+ Ñ Ÿ !. Em particular (teorema de
Fermat), se + for ponto de acumulação à esquerda e à direita de \ e 0 for
derivável em +, então 0 w Ð+Ñ œ !.
Dem: a) Por hipótese, tem-se 0 ÐBÑ Ÿ 0 Ð+Ñ, para cada B − \ e portanto,
sendo \+ (respetivamente \+ Ñ o conjunto dos elementos de \ maiores
(respetivamente menores) que +, tem-se 0 ÐBÑ0
B+
Ð+Ñ
Ÿ !, para cada B − \+ , e
0 ÐBÑ0 Ð+Ñ
B+ !, para cada B − \+ . Podemos assim concluir de I.5.3 que, se +
for ponto de acumulação à direita de \ e 0 tiver derivada à direita em +,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim Ÿ!
BÄ+ B+
B−E+

e que, se + for ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver derivada à


esquerda em +,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim !.
BÄ+ B+
B−E+

No caso em que 0 é derivável em +, simultaneamente ponto de acumulação à


§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 193

esquerda e à direita de \ , vai-se ter 0 w Ð+Ñ œ 0 w Ð+ Ñ œ 0 w Ð+ Ñ e portanto,


pelo que vimos atrás, 0 w Ð+Ñ Ÿ ! e 0 w Ð+Ñ !, donde 0 w Ð+Ñ œ !.
b) Por hipótese, tem-se 0 ÐBÑ 0 Ð+Ñ, para cada B − \ e portanto tem-se
0 ÐBÑ0 Ð+Ñ
B+ !, para cada B − \+ , e 0 ÐBÑ0
B+
Ð+Ñ
Ÿ !, para cada B − \+ . Como
em a), podemos assim concluir que, se + for ponto de acumulação à direita de
\ e 0 tiver derivada à direita em +,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim !
BÄ+ B+
B−E+

e que, se + for ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver derivada à


esquerda em +,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim Ÿ !.
BÄ+ B+
B−E+

Como em a), no caso em que 0 é derivável em +, simultaneamente ponto de


acumulação à esquerda e à direita de \ , vai-se ter, pelo que vimos atrás,
0 w Ð+Ñ ! e 0 w Ð+Ñ Ÿ !, donde 0 w Ð+Ñ œ !. 
III.2.2 (Notas) 1) Com frequência, o domínio \ da função que estamos a consi-
derar é um intervalo não trivial. Nesses casos, a extremidade esquerda é
ponto de acumulação à direita de \ , a extremidade direita é ponto de acumu-
lação à esquerda de \ e os pontos de \ que não são extremidades (pontos
interiores do intervalo) são simultaneamente pontos de acumulação à
esquerda e à direita de \ .
2) É frequente aplicar-se o resultado precedente não diretamente à função
que estamos a estudar mas à sua restrição a um subconjunto conveniente do
domínio, lembrando que a existência de derivada num certo ponto para a
função original implica a existência de derivada, com igual valor, da sua
restrição, desde que ainda tenhamos um ponto de acumulação do domínio da
restrição. Por exemplo, o estudante já terá tido ocasião de aplicar a conclusão
do teorema de Fermat (derivada nula) a pontos em que a função não tem
máximo nem mínimo, mas apenas máximo ou mínimo relativos.
194 Cap. III. Derivadas e aplicações

O enunciado que referimos pode ainda ser aplicado nestes casos, reparando
que a restrição da função a um subconjunto conveniente já atinge máximo ou
mínimo nos pontos em questão.
III.2.3 (Monotonia e derivadas) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e
+ − \. Tem-se então:
a) Suponhamos que a função 0 é crescente. Se + for ponto de acumulação à
direita de \ e 0 tiver derivada à direita em +, então 0 w Ð+ Ñ !. Se + for
ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver derivada à esquerda em +,
então 0 w Ð+ Ñ !. Em particular, se + for ponto de acumulação de \ e 0 for
derivável em +, então 0 w Ð+Ñ !.
b) Suponhamos que a função 0 é decrescente. Se + for ponto de acumulação
à direita de \ e 0 tiver derivada à direita em +, então 0 w Ð+ Ñ Ÿ !. Se + for
ponto de acumulação à esquerda de \ e 0 tiver derivada à esquerda em +,
então 0 w Ð+ Ñ Ÿ !. Em particular, se + for ponto de acumulação de \ e 0 for
derivável em +, então 0 w Ð+Ñ Ÿ !.
Dem: Notemos, como temos feito, \ + e \Ÿ+ o subconjuntos de \ , com
união \ constituídos pelos B − \ que verificam B + e B Ÿ +, respetiva-
mente e lembremos que + é ponto de acumulação de \ se, e só se, for ponto
de acumulação de pelo menos um dos conjuntos \ + e \Ÿ+ e que então a
existência de derivada no ponto + arrasta a das correspondentes derivadas
laterais e com o mesmo valor. As conclusões do enunciado são então uma
consequência direta de III.2.1 e da observação que se 0 é crescente então as
restrições de 0 a \ + e \Ÿ+ têm respetivamente um mínimo e um máximo
em + e que se 0 é decrescente então as restrições de 0 a \ + e \Ÿ+ têm
respetivamente um máximo e um mínimo em +. 
III.2.4 (Nota) Poderia talvez pensar-se que, no caso em que a função 0 À \ Ä ‘
é, por exemplo, mesmo estritamente crescente, pudesse concluír-se que
necessariamente 0 w Ð+Ñ  !. Tal não é o caso, como o mostra o exemplo da
função estritamente crescente 0 À ‘ Ä ‘, 0 ÐBÑ œ B$  ", para a qual se tem
0 w Ð!Ñ œ !.

Vamos agora examinar o que se pode dizer “no sentido contrário”, isto é,
que conclusões se poderão tirar sobre a monotonia de 0 a partir das
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 195

propriedades das suas derivadas. Para isso vamos trabalhar no contexto


das funções definidas num intervalo que sejam contínuas em todo o domí-
nio e deriváveis nos pontos interiores do intervalo. As conclusões sobre a
monotonia vão resultar de dois teoremas que demonstramos primeiro e
que serão aplicados também noutras ocasiões.

III.2.5 (Teorema de Rolle) Sejam +  , em ‘ e 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘ uma função


contínua, derivável em todos os pontos B − Ó+ß ,Ò e tal que 0 Ð+Ñ œ 0 Ð,Ñ.
Existe então - − Ó+ß ,Ò tal que 0 w Ð-Ñ œ !. 120
Dem: Uma vez que Ò+ß ,Ó é fechado, limitado e não vazio, o teorema de
Weierstrass (cf. II.1.11) garante que existem pelo menos um ponto de Ò+ß ,Ó
onde 0 atinge um valor máximo e um ponto de Ò+ß ,Ó onde0 atinge um valor
mínimo. Se esses valores máximo e mínimo coincidirem, a função é
constante e portanto tem derivada nula não só num como em todos os pontos
de Ó+ß ,Ò. Supondo agora que eles não coincidem, o facto de se ter
0 Ð+Ñ œ 0 Ð,Ñ implica que ou o máximo ou o mínimo é atingido num ponto
- − Ó+ß ,Ò e então, pelo teorema de Fermat em III.2.1, tem-se 0 w Ð-Ñ œ !. 
III.2.6 (Exemplos) Vamos examinar três exemplos que mostram como as
diferentes hipóteses do teorema de Rolle são necessárias para se poder tirar a
conclusão.
1) A função 0 À Ò!ß "Ó Ä ‘, 0 ÐBÑ œ B, é derivável, em particular contínua em
todo o B − Ò!ß "Ó e com 0 w ÐBÑ œ ", não existindo assim nenhum ponto de
Ó!ß "Ò onde a derivada seja igual a !. A hipótese que falha aqui é o facto de
não se ter0 Ð!Ñ œ 0 Ð"Ñ.
2) A função 0 À Ò"ß "Ó Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ lBl, ou, equivalentemente,
por

0 ÐBÑ œ œ
B, se ! Ÿ B Ÿ "
B, se " Ÿ B  !,

é contínua e verifica 0 Ð"Ñ œ 0 Ð"Ñ e, no entanto, nos pontos em que é


derivável (todos com a exceção de !), a sua derivada é igual a " ou a " e
portanto nunca é !. A hipótese que falha agora resulta de no ponto !, interior
ao intervalo domínio, a função não ser derivável.
3) A função 0 À Ò!ß "Ó Ä ‘ definida por

120É claro que, uma vez que uma função derivável num ponto é sempre contínua nesse
ponto, se tivéssemos exigido que a função fose também derivável nos pontos + e , não
teria sido necessário explicitar a condição de continuidade. Pode parecer à primeira vista
que não exigir a derivabilidade nas extremidades do domínio seja um pormenor de menor
interesse mas, como veremos adiante aplicações do teorema de Lagrange, que é uma
consequência do de Rolle, onde é importante não exigir a derivabilidade nas extremi-
dades.
196 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 ÐBÑ œ œ
B, se ! Ÿ B  "
0, se B œ "

verifica 0 Ð!Ñ œ 0 Ð"Ñ, é derivável em cada B − Ó!ß "Ò e com 0 w ÐBÑ œ ", em
particular não existe nenhum ponto em que a derivada seja !. A hipótese que
falha neste caso é a continuidade, uma vez que a função não é contínua no
ponto ".
III.2.7 (Teorema de Lagrange) Sejam +  , em ‘ e 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘ uma função
contínua e derivável em todos os pontos B − Ó+ß ,Ò. Existe então - − Ó+ß ,Ò tal
que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 121
0 w Ð-Ñ œ .
,+
Dem: Considere-se 7 − ‘ definido por
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
7œ .
,+
Consideremos uma função auxiliar 1À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida por
1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  7ÐB  +Ñ
que, tal como 0 , é contínua e derivável em cada B − Ó+ß ,Ò, tendo-se
1w ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ  7.
O interesse de considerar esta função 1 está em que, tendo em conta a
definição da constante 7,
1Ð+Ñ œ 0 Ð+Ñ  7Ð+  +Ñ œ 0 Ð+Ñ,
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
1Ð,Ñ œ 0 Ð,Ñ  7Ð,  +Ñ œ 0 Ð,Ñ  Ð,  +Ñ œ
,+
œ 0 Ð,Ñ  Ð0 Ð,Ñ  0 Ð+ÑÑ œ 0 Ð+Ñ,
e portanto 1Ð+Ñ œ 1Ð,Ñ. Podemos assim aplicar o teorema de Rolle à função 1
para concluir a existência de - − Ó+ß ,Ò tal que
! œ 1w Ð-Ñ œ 0 w Ð-Ñ  7,
ou seja, 0 w Ð-Ñ œ 7, o que, lembrando a definição de 7, é precisamente a
conclusão pretendida. 

121Relativamente ao teorema de Rolle, dispensámos a hipótese de se ter 0 Ð+Ñ œ 0 Ð,Ñ mas


a conclusão deixou de ser a existência de um ponto interior com derivada igual a !.
Repare-se que, no caso em que 0 Ð+Ñ œ 0 Ð,Ñ, a conclusão do teorema de Lagrange
traduz-se por 0 w Ð-Ñ œ !, pelo que o teorema de Rolle acaba por ser um caso particular do
de Lagrange que só foi necessário, como vamos ver, para demonstrar este (podíamos
ter-lhe dado o nome de Lema de Rolle).
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 197

III.2.8 (Nota) A conclusão do teorema de Lagrange tem uma interpretação


geométrica interessante: Uma vez que que o quociente 0 Ð,Ñ0,+
Ð+Ñ
é o declive
da secante ao gráfico de 0 que passa pelos pontos de abcissas + e , e que
0 w Ð-Ñ é o declive da tangente ao gráfico no ponto de abcissa - , o que o
teorema de Lagrange afirma é a existência de um ponto interior onde a
tangente ao gráfico é paralela à secante que une as extremidades do gráfico.

Existe ainda uma outra interpretação do teorema de Lagrange que porventura


alguns considerarão menos interessante: Lembrando que a derivada instan-
tânea de um veículo pode ser interpretada como sendo a derivada da função
“distância precorrida”, se um veículo passar em dois identificadores de Via
Verde que distam "!! Km um do outro com um intervalo de meia hora, a
polícia poderá deduzir que nalgum momento a velocidade foi #!! Km/h e
passar o correspondente auto de contravenção122.
III.2.9 (Corolário do teorema de Lagrange) Sejam \ § ‘ um intervalo e
0 À \ Ä ‘ uma função contínua e derivável nos pontos interiores do
intervalo. Dados + Á , em \ , existe - entre + e , tal que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
œ 0 w Ð-Ñ.
,+
Dem: No caso em que +  , a conclusão resulta de aplicar o teorema de
Lagrange à restrição de 0 ao intervalo Ò+ß ,Ó § \ , cujos pontos interiores são
também pontos interiores de \ . O caso em que +  , reduz-se ao anterior, se

122Foi referido na comunicação social que o teorema de Lagrange já chegou ao conhe-


cimento das autoridades e que estas estão a considerar a hipótese de o utilizar da forma
descrita.
198 Cap. III. Derivadas e aplicações

reparamos que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ
œ . 
,+ +,

III.2.10 (Limite de derivada é ainda derivada) Sejam \ § ‘ um intervalo não


trivial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua, derivável em todos os
pontos B Á + em \ e tal que exista o limite
lim 0 w ÐBÑ œ j − ‘.
BÄ+
BÁ+

Então 0 tem derivada no ponto + e 0 w Ð+Ñ œ j, portanto 0 é derivável em + se,


e só se, j − ‘.
Dem: No caso em que + não é extremidade direita de \ , podemos aplicar
III.2.9 à restrição de 0 ao intervalo \ + para deduzir a existência para cada
B  + em \ de um real -ÐBÑ com +  -ÐBÑ  B tal que
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ 0 w Ð-ÐBÑÑ;
B+
Por enquadramento, tem-se lim -ÐBÑ œ + e daqui resulta, tendo em conta a
BÄ+
hipótese e o teorema sobre o limite da função composta, que existe a
derivada à direita
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim œ lim 0 w Ð-ÐBÑÑ œ j.
BÄ+ B+ BÄ+

Analogamente, no caso em que + não é extremidade esquerda de \ ,


podemos aplicar III.2.9 à restrição de 0 ao intervalo \Ÿ+ para deduzir a
existência para cada B  + em \ de um real -ÐBÑ com B  -ÐBÑ  + tal que
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ 0 w Ð-ÐBÑÑ;
B+
Por enquadramento, tem-se lim -ÐBÑ œ + e daqui resulta, tendo em conta a
BÄ+
hipótese e o teorema sobre o limite da função composta, que existe a
derivada à esquerda
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+ Ñ œ lim œ lim 0 w Ð-ÐBÑÑ œ j.
BÄ+ B+ BÄ+

No caso em que + não é extremidade de \ , o facto de 0 ter derivadas à


direita e à esquerda no ponto +, ambas iguais a j, implica que 0 tem derivada
j nesse ponto. 
III.2.11 (Derivadas e monotonia) Sejam \ § ‘ um intervalo e 0 À \ Ä ‘ uma
função contínua. Tem-se então:
a) Se para cada ponto interior B do intervalo \ a função 0 é derivável em B e
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 199

0 w ÐBÑ ! então a função 0 é crescente;


b) Se para cada ponto interior B do intervalo \ a função 0 é derivável em B
e 0 w ÐBÑ  ! então a função 0 é estritamente crescente;
c) Se para cada ponto interior B do intervalo \ a função 0 é derivável em B e
0 w ÐBÑ Ÿ ! então a função 0 é decrescente;
d) Se para cada ponto interior B do intervalo \ a função 0 é derivável em B
e 0 w ÐBÑ  ! então a função 0 é estritamente decrescente.
Dem: Sejam +  , arbitrários em \ . Do corolário do teorema de Lagrange
concluímos a existência de - − Ó+ß ,Ò tal que 0 Ð,Ñ0
,+
Ð+Ñ
œ 0 w Ð-Ñ, por outras
palavras, tal que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ œ 0 w Ð-ÑÐ,  +Ñ.
Sob as hipóteses de a) tem-se 0 w Ð-Ñ !, donde 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ !, ou seja,
0 Ð+Ñ Ÿ 0 Ð,Ñ o que, tendo em conta a arbitrariedade de + e ,, implica que 0 é
crescente. Sob as hipóteses de b) tem-se 0 w Ð-Ñ  !, donde 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ  !,
ou seja, 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ o que implica que 0 é estritamente crescente. Sob as
hipóteses de c) tem-se 0 w Ð-Ñ Ÿ !, donde 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ Ÿ !, ou seja,
0 Ð+Ñ 0 Ð,Ñ o que implica que 0 é decrescente. Sob as hipóteses de d)
tem-se 0 w Ð-Ñ  !, donde 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ  !, ou seja, 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ o que
implica que 0 é estritamente decrescente. 
III.2.12 (Funções com derivada !) Sejam \ § ‘ um intervalo e 0 À \ Ä ‘
uma função contínua tal que, para cada B − \ , 0 w ÐBÑ œ !. Tem-se então que
0 é uma função constante.123
Dem: Podíamos apresentar uma justificação análoga às da demonstração
precedente, mas também se pode observar que temos uma aplicação direta
das alineas a) e c) deste, uma vez que por ser simultaneamente 0 w ÐBÑ ! e
0 w ÐBÑ Ÿ !, podemos concluir que 0 é simultaneamente crescente e decres-
cente, portanto constante. 

O resultado precedente vai ter uma importância fundamental em várias


situações da Análise Matemática, como por exemplo em relação com a
noção de primitiva de uma função, que será abordada na próxima secção.
Examinamos a seguir dois exemplos interessantes de aplicação deste
resultado. O primeiro parte da observação de que a função 0 À ‘ Ä ‘
definida por 0 ÐBÑ œ /B goza de uma propriedade ímpar, a de que se tem
0 w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, para cada B − ‘. Poderíamos ser levados a conjeturar se
esta será a única função ‘ Ä ‘ com esta propriedade124 mas facilmente

123A recíproca deste resultado já era conhecida, mesmo sem a hipótese de o domínio ser
um intervalo: Uma função constante tem derivada ! em todos os pontos do domínio que
são pontos de acumulação deste.
124A igualdade 0 w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, uma relação que se requer entre uma função e a sua
derivada, é um exemplo daquilo a que se dá o nome de uma equação diferencial. O
estudo geral das equações diferenciais, um assunto de grande interesse na Matemática e
nas suas aplicações será encontrado mais adiante no decorrer da licenciatura.
200 Cap. III. Derivadas e aplicações

constatamos que a função de valor constante ! também a tem e que isso


também acontece, para cada constante real +, com a função definida por
0 ÐBÑ œ +/B . O que é interessante é que, como verificamos a seguir, não
há mais exemplos de funções nestas condições para além dos que
acabamos de referir. No segundo exemplo verificamos que, se um par de
funções Wß GÀ ‘ Ä ‘ tem um comportanto semelhante ao do seno e do
cosseno no que respeita à derivação, então elas têm que ter uma certa
forma, envolvendo o seno e o cosseno, que referiremos a seguir.

III.2.13 (Funções que coincidem com a sua derivada) Seja 0 À ‘ Ä ‘ uma


função derivável em cada ponto B − ‘ e com 0 w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ. Existe então
uma constante + − ‘ tal que 0 ÐBÑ œ +/B , para cada B − ‘.
Dem: Consideremos uma nova função 1À ‘ Ä ‘ definida por 1ÐBÑ œ 0/ÐBÑ B e
reparemos que, pela regra de derivação do quociente, para cada B − ‘,
0 w ÐBÑ/B  0 ÐBÑ/B
1w ÐBÑ œ œ !.
Ð/B Ñ#

A função 1 tem assim um valor constante + e a identidade + œ 1ÐBÑ œ 0/ÐBÑ


B

diz-nos precisamente que 0 ÐBÑ œ +/B . 


III.2.14 (Funções com um comportamento semelhante ao do seno e do cos-
seno) Sejam WÀ ‘ Ä ‘ e GÀ ‘ Ä ‘ duas funções125 deriváveis em cada
B − ‘ e com
(1) W w ÐBÑ œ GÐBÑ, G w ÐBÑ œ WÐBÑ. 126

Existem então duas constantes +ß , − ‘ tais que


WÐBÑ œ +senÐBÑ  ,cosÐBÑ,
(2)
GÐBÑ œ +cosÐBÑ  ,senÐBÑ,

em particular se for WÐ!Ñ œ ! e GÐ!Ñ œ " tem-se necessariamente


WÐBÑ œ senÐBÑ e GÐBÑ œ cosÐBÑ.
Observe-se a propósito que, dadas duas constantes +ß , − ‘, as funções W e
G definidas por (2) verificam efetivamente as condições (1).
Dem: Consideremos duas funções auxiliares 0 ß 1À ‘ Ä ‘ definidas por
0 ÐBÑ œ senÐBÑWÐBÑ  cosÐBÑGÐBÑ,
1ÐBÑ œ cosÐBÑWÐBÑ  senÐBÑGÐBÑ.

Por derivação, obtemos

125Reparar que as letras que estamos a utilizar para designar estas funções destinam-se a
sublinhar a semelhança que estas têm com o seno e o cosseno que conhecemos.
126Estas igualdades constituem um exemplo do que se costuma chamar um sistema de
equações diferenciais.
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 201

0 w ÐBÑ œ cosÐBÑWÐBÑ  senÐBÑGÐBÑ  senÐBÑGÐBÑ  cosÐBÑWÐBÑ œ !,


1w ÐBÑ œ senÐBÑWÐBÑ  cosÐBÑGÐBÑ  cosÐBÑGÐBÑ  senÐBÑWÐBÑ œ !,

pelo que, como antes, temos duas funções constantes ou seja, existem
+ß , − ‘ tais que para cada B − ‘
senÐBÑWÐBÑ  cosÐBÑGÐBÑ œ +,
cosÐBÑWÐBÑ  senÐBÑGÐBÑ œ ,.
Multiplicando ambos os membros da primeira igualdade por senÐBÑ, ambos
os membros da segunda por cosÐBÑ e somando os resultados, obtemos
sen# ÐBÑWÐBÑ  senÐBÑcosÐBÑGÐBÑ  cos# ÐBÑWÐBÑ  senÐBÑcosÐBÑGÐBÑ œ
œ +senÐBÑ  ,cosÐBÑ,

ou seja, WÐBÑ œ +senÐBÑ  ,cosÐBÑ. A segunda igualdade em (2), resulta


desta última por derivação. Por fim, se for WÐ!Ñ œ ! e GÐ!Ñ œ ", deduzimos
de (2) que
! œ WÐ!Ñ œ +senÐ!Ñ  ,cosÐ!Ñ œ ,,
" œ GÐ!Ñ œ +cosÐ!Ñ  ,senÐ!Ñ œ +,
e portanto, mais uma vez por (2), WÐBÑ œ senÐBÑ e GÐBÑ œ cosÐBÑ. 

Vamos agora examinar uma generalização do teorema de Lagrange que


será útil em várias situações, em particular para explicar o funcionamento
de um método expedito de levantar indeterminações.

III.2.15 (Teorema de Cauchy) Sejam +  , em ‘ e 0 ß :À Ò+ß ,Ó Ä ‘ duas


funções contínuas e deriváveis em cada B − Ó+ß ,Ò e com :w ÐBÑ Á !. Tem-se
então :Ð+Ñ Á :Ð,Ñ e existe - − Ó+ß ,Ò tal que
0 w Ð-Ñ 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 127
w
œ .
: Ð-Ñ :Ð,Ñ  :Ð+Ñ

Dem: Comecemos por reparar que o facto de se ter :Ð+Ñ Á :Ð,Ñ é uma
consequência do teorema de Lagrange, que nos garante que existe . − Ó+ß ,Ò
tal que
:Ð,Ñ  :Ð+Ñ
œ :w Ð.Ñ Á !.
,+
Tal como na demonstração do teorema de Lagrange, defina-se 7 − ‘ por

127Repare-se que, se tomarmos para : a função definida por :ÐBÑ œ B, para a qual se tem
:w ÐBÑ œ ", a conclusão do teorema de Cauchy é precisamente a do teorema de Lagrange.
202 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ

: (, )  : ( + )
e consideremos uma função auxiliar 1À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida por
1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  7Ð:ÐBÑ  :Ð+ÑÑ
que, tal como 0 e :, é contínua e derivável em cada B − Ó+ß ,Ò, tendo-se
1w ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ  7:w ÐBÑ.
O interesse de considerar esta função 1 está em que, tendo em conta a
definição da constante 7,
1Ð+Ñ œ 0 Ð+Ñ  7Ð:Ð+Ñ  :Ð+ÑÑ œ 0 Ð+Ñ,
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
1Ð,Ñ œ 0 Ð,Ñ  7Ð:Ð,Ñ  :Ð+ÑÑ œ 0 Ð,Ñ  Ð:Ð,Ñ  :Ð+ÑÑ œ
:Ð,Ñ  :Ð+Ñ
œ 0 Ð,Ñ  Ð0 Ð,Ñ  0 Ð+ÑÑ œ 0 Ð+Ñ,
e portanto 1Ð+Ñ œ 1Ð,Ñ. Podemos assim aplicar o teorema de Rolle à função 1
para concluir a existência de - − Ó+ß ,Ò tal que
! œ 1w Ð-Ñ œ 0 w Ð-Ñ  7:w Ð-Ñ,
w
ou seja, :0 wÐ-Ñ
Ð-Ñ œ 7, o que, lembrando a definição de 7, é precisamente a
conclusão pretendida. 
III.2.16 (Corolário do teorema de Cauchy) Sejam \ § ‘ um intervalo e
0 ß :À \ Ä ‘ duas funções contínuas e deriváveis nos pontos B interiores do
intervalo e com :w ÐBÑ Á !. Dados + Á , em \ , tem-se :Ð+Ñ Á :Ð,Ñ / existe
- entre + e , tal que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 w Ð-Ñ
œ w .
:Ð,Ñ  :Ð+Ñ : Ð-Ñ

Dem: No caso em que +  , a conclusão resulta de aplicar o teorema de


Cauchy às restrições de 0 e : ao intervalo Ò+ß ,Ó § \ , cujos pontos interiores
são também pontos interiores de \ . O caso em que +  , reduz-se ao
anterior, se reparamos que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ
œ . 
: (, )  : ( + ) : (+ )  : (, )

III.2.17 (Regra de Cauchy para levantar indeterminações em limites à


direita) Sejam +  , em ‘ e 0 ß :À Ó+ß ,Ò Ä ‘ duas funções deriváveis, com
:ÐBÑ Á ! e :w ÐBÑ Á ! para cada B − Ó+ß ,Ò, verificando uma das duas
hipóteses (H1) ou (H2)
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 203

(H1) lim 0 ÐBÑ œ ! e lim :ÐBÑ œ ! 128


BÄ+ BÄ+

(H2) lim l:ÐBÑl œ _ 129


BÄ+

e tais que exista o limite


0 w ÐBÑ
(H3) lim œ j − ‘.
BÄ+ :w ÐBÑ

Tem-se então também


0 ÐBÑ
lim œ j. 130
BÄ+ :ÐBÑ

Dem: Vamos começar por supor que se verifica a hipótese (H1). Comecemos
por prolongar as funções 0 e : ao intervalo Ò+ß ,Ò dando a ambos os
prolongamentos (que notamos também 0 e :) o valor ! no ponto + e repa-
rando que se obtêm assim funções com as mesmas derivadas nos pontos de
Ó+ß ,Ò e contínuas em + (embora não necessariamente deriváveis)131. Para
cada B − Ó+ß ,Ò podemos então aplicar o teorema de Cauchy às restrições a
Ò+ß BÓ das funções prolongadas 0 e : para garantir a existência de um ponto
intermédio, que notaremos -ÐBÑ − Ó+ß BÒ, tal que
0 ÐBÑ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 0 w Ð-ÐBÑÑ
œ œ w .
:ÐBÑ :ÐBÑ  :Ð+Ñ : Ð-ÐBÑÑ
De se ter +  -ÐBÑ  B resulta, por enquadramento, que lim -ÐBÑ œ + pelo
BÄ+
que da hipótese (H3) resulta, como limite da função composta, que :0 ÐBÑ
ÐBÑ
também tem limite j quando B Ä +.
Vamos, por fim, tratar o caso menos direto em que é a hipótese (H2) que
supomos verificada. Comecemos por estabelecer uma fórmula que teremos
ocasião de aplicar duas vezes. Dados B  C em Ó+ß ,Ò, vem

128Estas hipóteses são verificadas nos casos em que tentamos levantar indeterminações do
tipo !! .
129Repare-se que, neste caso, não fazermos nenhuma exigência sobre o limite de 0 ÐBÑ.
No entanto, nos caso mais frequente de utilização, estamos a tentar levantar um indeter-
minação do tipo _ _ , e portanto 0 também tem limite infinito.
130Note-se que, apesar de, para fixar ideias, termos suposto um domínio do tipo Ó+ß ,Ò,
este resultado pode ser aplicado ao caso de outros domínios que contenham um intervalo
deste tipo, através da consideração de restrições para as funções.
131É aqui que intervêm as hipóteses (H1).
204 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 ÐBÑ  0 ÐCÑ 0 ÐBÑ 0 ÐCÑ


œ  œ
:ÐBÑ  :ÐCÑ :ÐBÑ  :ÐCÑ :ÐBÑ  :ÐCÑ
0 ÐBÑ " 0 ÐCÑ "
œ  ,
:ÐBÑ "  :ÐCÑ :ÐBÑ "  :ÐCÑ
:ÐBÑ :ÐBÑ

de onde deduzimos que


0 ÐBÑ :ÐCÑ 0 ÐBÑ  0 ÐCÑ 0 ÐCÑ
(1) œ Ð"  Ñ  .
:ÐBÑ :ÐBÑ :ÐBÑ  :ÐCÑ :ÐBÑ
Vamos agora separar a demonstração em vários casos, conforme o valor do
limite j.
A) Comecemos por examinar o caso em que j œ !. Seja $  ! arbitrário.
Pela condição (H3), podemos considerar &"  ! tal que, para cada D − Ó+ß ,Ò
w
em Z&" Ð+Ñ, l :0 wÐDÑ $
ÐDÑ l  $ . Fixemos agora C − Ó+ß ,Ò em Z&" Ð+Ñ e reparemos que,
para cada +  B  C , o teorema de Cauchy garante que, para um certo -
entre B e C , em particular em Z&" Ð+Ñ,

¸ ¸œ¸ ¸ .
0 ÐBÑ  0 ÐCÑ 0 w Ð-Ñ $
(2)
:ÐBÑ  :ÐCÑ :w Ð-Ñ $
"
Reparemos agora que, pela hipótese (H2), tem-se lim œ !, e portanto
BÄ+ l:ÐBÑl
também

lim ¸ ¸ œ !, lim ¸ ¸ œ !,
:ÐCÑ 0 ÐCÑ
BÄ+ :ÐBÑ BÄ+ :ÐBÑ

em Z&# Ð+Ñ, ¸ ::ÐBÑ ¸  ", donde "  ::ÐBÑ


o que nos permite considerar &#  ! e &$  ! tais que, para cada B − Ó+ß ,Ò
ÐCÑ ÐCÑ ÐCÑ
 " e !  "  ::ÐBÑ  #, e, para
cada B − Ó+ß ,Ò em Z&3 Ð+Ñ, ¸ :0 ÐBÑ
ÐCÑ
¸  $$ . Seja enfim &  ! o menor dos
números &# , &$ e C  + e examinemos o que se passa para cada B − Ó+ß ,Ò em
Z& Ð+Ñ. Ora, tem-se, em particular, B  C pelo que, tendo em conta (1) e (2),

¸ ¸ Ÿ ¸"  ¸¸ ¸¸ ¸  #  œ $.
0 ÐBÑ :ÐCÑ 0 ÐBÑ  0 ÐCÑ 0 ÐCÑ $ $
:ÐBÑ :ÐBÑ :ÐBÑ  :ÐCÑ :ÐBÑ $ $
0 ÐBÑ
Ficou assim provado que se tem efetivamente lim œ !.
BÄ+ :ÐBÑ
B) Vamos agora examinar, mais geralmente, o caso em que j − ‘ é arbitrá-
rio. Para isso, consideramos uma nova função derivável 1À Ó+ß ,Ò Ä ‘
definida por 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  j:ÐBÑ, para a qual se tem

ˆ  j‰ œ !
1w ÐBÑ 0 w ÐBÑ  j:w ÐBÑ 0 w ÐBÑ
lim œ lim œ lim
BÄ+ :w ÐBÑ BÄ+ :w ÐBÑ BÄ+ :w ÐBÑ

pelo que, tendo em conta o caso particular estudado em A), tem-se


§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 205

0 ÐBÑ 1ÐBÑ  j:ÐBÑ 1ÐBÑ


lim œ lim œ lim  j œ !  j œ j.
BÄ+ :ÐBÑ BÄ+ :ÐBÑ BÄ+ :ÐBÑ

C) Vamos agora examinar o caso em que j œ _. Seja $  ! arbitrário.


Pela condição (H3), considerando a vizinhança Z $ Ð_Ñ, podemos consi-
$
w
derar &"  ! tal que, para cada D − Ó+ß ,Ò em Z&" Ð+Ñ, l :0 wÐDÑ $
ÐDÑ l  $ . Fixemos
agora C − Ó+ß ,Ò em Z&" Ð+Ñ e reparemos que, para cada +  B  C , o teorema
de Cauchy garante que, para um certo - entre B e C , em particular em Z&" Ð+Ñ,
0 ÐBÑ  0 ÐCÑ 0 w Ð-Ñ $
(3) œ w  .
:ÐBÑ  :ÐCÑ : Ð-Ñ $
"
Reparemos agora que, pela hipótese (H2), tem-se lim œ !, e portanto
BÄ+ l:ÐBÑl
também

lim ¸ ¸ œ !, lim ¸ ¸ œ !,
:ÐCÑ 0 ÐCÑ
BÄ+ :ÐBÑ BÄ+ :ÐBÑ

em Z&# Ð+Ñ, ¸ ::ÐBÑ ¸  "$ , donde ::ÐBÑ


o que nos permite considerar &#  ! e &$  ! tais que, para cada B − Ó+ß ,Ò
ÐCÑ ÐCÑ ÐCÑ
 "$ e "  ::ÐBÑ  #$ , e, para cada B − Ó+ß ,Ò
em Z&3 Ð+Ñ, ¸ :0 ÐBÑ
ÐCÑ
¸  "$ donde :0 ÐCÑ "
ÐBÑ   $ . Seja enfim &  ! o menor dos
números &# , &$ e C  + e examinemos o que se passa para cada B − Ó+ß ,Ò em
Z& Ð+Ñ. Ora, tem-se, em particular, B  C pelo que, tendo em conta (1) e (3),
0 ÐBÑ # $ " "
 ‚  œ ,
:ÐBÑ $ $ $ $
0 ÐBÑ
ou seja, :ÐBÑ − V$ Ð_Ñ. Ficou assim provado que se tem efetivamente
lim 0 ÐBÑ œ _.
BÄ+ :ÐBÑ
D) Examinemos enfim o caso em que j œ _. Embora se pudesse fazer
uma demonstração análoga à de C) vamos, em vez disso, aplicar o que se viu
em C) com a função 0 substituída pela função derivável 1À Ó+ß ,Ò Ä ‘
definida por 1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, reparando que
1w ÐBÑ 0 w ÐBÑ
lim w
œ lim w œ _.
BÄ+ : ÐBÑ BÄ+ : ÐBÑ

Pelo provado em C) tem-se assim


0 ÐBÑ 1ÐBÑ
lim œ lim œ _. 
BÄ+ :ÐBÑ BÄ+ :ÐBÑ

III.2.18 (Nota) Note-se que, para aplicar a regra, supõe-se que existe limite para
o quociente das derivadas e concluímos daí a existência e valor do limite para
o quociente das funções. Pode perfeitamente acontecer que o quociente das
206 Cap. III. Derivadas e aplicações

funções tenha limite e que, no entanto o quociente das derivadas não o tenha
(para um exemplo, ver a alínea f) do exercício III.2.19 adiante).
Note-se também que o facto de só termos referido no resultado precedente
limites à direita em pontos finitos se destinou a não multiplicar ainda mais o
comprimento do enunciado e o número de variantes do raciocínio para obter
o resultado mais geral. Veremos em breve, por raciocínios triviais de redução
ao caso dos limites à direita em pontos finitos, que o resultado anterior vale,
com adaptações evidentes, para limites à esquerda em pontos finitos e para
limites em _ e em _.
III.2.19 (Exemplos) 1) Tentemos determinar o limite
B"(  "
lim .
BÄ" B5  #B  "
Uma vez que o numerador e o denominador têm ambos limite ! quando
B Ä " , podemos aplicar a regra de Cauchy (tomando, por exemplo o
domínio Ó"ß #Ò, já que " não é aderente a Ò#ß _Ó) para garantir que, se o
limite no segundo membro existir,
B"(  " "(B"'
lim œ lim % .
BÄ" B5  #B  " BÄ" &B  #
Ora, por aplicação das regras usuais sobre os limites, vemos que o limite do
segundo membro existe e é igual a "(
$ , pelo que este é o limite procurado.
2) Calculemos o limite
cosÐBÑ  "
lim .
BÄ! B#
Com antes, o numerador e o denominador têm ambos limites 0 e
considerando, por exemplo, como domínio Ó!ß 1Ò, vemos que, se o limite do
segundo membro existir,
cosÐBÑ  " senÐBÑ
lim œ lim .
BÄ! B# BÄ! #B
Este último limite existe e pode ser calculado a partir de um dos limites
notáveis conhecidos (cf. III.1.21) ou, alternativamente, a partir de uma
segunda aplicação da regra de Cauchy:
cosÐBÑ  " senÐBÑ cosÐBÑ "
lim #
œ lim œ lim œ .
BÄ! B BÄ! #B BÄ! # #
3) Alguém com demasiado entusiasmo pela regra de Cauchy determinou
erradamente o seguinte limite:
cosÐBÑ senÐBÑ !
lim œ lim œ œ !.
BÄ! B BÄ! " "
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 207

O erro veio da aplicação da regra de Cauchy num caso em que não se verifica
nenhuma das hipóteses (H1) e (H2) (o denominador tem limite ! mas o
numerador não). O limite correto é simplesmente
cosÐBÑ "
lim œ  œ _.
BÄ! B !
4) Examinemos uma aplicação da regra de Cauchy para determinar o limite
lim BlnÐBÑ, que corresponde a uma indeterminação do tipo ! ‚ _. Uma
BÄ!
primeira ideia é transformá-la numa indeterminação do tipo !! , reparando que
B
BlnÐBÑ œ "
,
lnÐBÑ

onde o numerador e o denominador principais têm ambos limite !. Só que,


por aplicação da regra de Cauchy ficamos reduzidos ao cálculo do limite
quando B Ä ! de
" B
" "
œ "
,
B ‚ lnÐBÑ# lnÐBÑ#

que se vê claramente ter ainda “pior aspeto” que o de partida, sendo também
claro que continuar a aplicar a regra de Cauchy não vai melhorar as coisas. A
solução é neste caso transformar a expressão original não numa
indeterminação do tipo !! mas numa do tipo _ _ . Obtemos assim, por
aplicação da regra de Cauchy com a hipótese (H2),
"
lnÐBÑ B
lim BlnÐBÑ œ lim "
œ lim œ lim B œ !.
BÄ! BÄ!
B
BÄ!  B"# BÄ!

Como anunciámos atrás, vamos agora enunciar versões da regra de


Cauchy para os limites à esquerda e para os limites em _ e em _,
constatando-se que elas se podem obter por aplicação do resultado já
estabelecido para os limites à direita. Lembrando a relação entre limites
num ponto e limites laterais nesse pontos, é claro que a regra de Cauchy
também poderá ser utilizada para a determinação de limites não laterais
num ponto.

III.2.20 (Regra de Cauchy para levantar indeterminações em limites à


esquerda) Sejam +  , em ‘ e 0 ß :À Ó+ß ,Ò Ä ‘ duas funções deriváveis,
com :w ÐBÑ Á ! para cada B − Ó+ß ,Ò, verificando uma das duas hipóteses (H1)
ou (H2)
(H1) lim 0 ÐBÑ œ ! e lim :ÐBÑ œ !
BÄ, BÄ,
208 Cap. III. Derivadas e aplicações

(H2) lim l:ÐBÑl œ _


BÄ,

e tais que exista o limite


0 w ÐBÑ
(H3) lim œ j − ‘.
BÄ, :w ÐBÑ
Tem-se então também
0 ÐBÑ
lim œ j. 132
BÄ, :ÐBÑ

Dem: Sejam 1ß <À Ó,ß +Ò Ä ‘ as funções deriváveis definidas por


1ÐCÑ œ 0 ÐCÑ e <ÐCÑ œ :ÐCÑ, para as quais 1w ÐCÑ œ 0 w ÐCÑ e <w ÐCÑ œ
:w ÐCÑ Á ! e que se constata, pelo resultado sobre o limite da função
composta, que verificam uma das hipóteses (H1) ou (H2), para C Ä , .
Uma vez que
1w ÐCÑ 0 w ÐCÑ 0 w ÐBÑ
lim w
œ lim w
œ lim w œ j,
CÄ, < ÐCÑ CÄ, < ÐCÑ BÄ, : ÐBÑ
podemos aplicar III.2.17 para concluir que
0 ÐBÑ 0 ÐCÑ 1ÐCÑ
lim œ lim œ lim œ j. 
BÄ, :ÐBÑ CÄ, :ÐCÑ CÄ, <ÐCÑ

III.2.21 (Regra de Cauchy para levantar indeterminações em limites em


_) Sejam +  ! em ‘ e 0 ß :À Ó+ß _Ò Ä ‘ duas funções deriváveis, com
:w ÐBÑ Á ! para cada B − Ó+ß _Ò, verificando uma das duas hipóteses (H1)
ou (H2)
(H1) lim 0 ÐBÑ œ ! e lim :ÐBÑ œ !
BÄ_ BÄ_

(H2) lim l:ÐBÑl œ _


BÄ_

e tais que exista o limite


0 w ÐBÑ
(H3) lim œ j − ‘.
BÄ_ :w ÐBÑ

Tem-se então também

132Note-se que, apesar de, para fixar ideias, termos suposto um domínio do tipo Ó+ß ,Ò,
este resultado pode ser aplicado ao caso de outros domínios que contenham um intervalo
deste tipo, através da consideração de restrições para as funções.
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 209

0 ÐBÑ
lim œ j. 133
BÄ_ :ÐBÑ

Dem: Sejam 1ß <À Ó!ß +" Ò Ä ‘ as funções definidas por 1ÐCÑ œ 0 Ð "C Ñ e
<ÐCÑ œ :Ð "C Ñ, que são deriváveis, com
" w " " w "
1w ÐCÑ œ  0 Ð Ñ, <w ÐCÑ œ  :Ð ÑÁ!
C# C C# C
e verificam uma das hipóteses (H1) ou (H2), para C Ä !. Uma vez que

1w ÐCÑ 0 w Ð "C Ñ 0 w ÐBÑ


lim w
œ lim "
œ lim œ j,
CÄ! < ÐCÑ CÄ! < w Ð Ñ BÄ_ :w ÐBÑ
C

podemos aplicar III.2.17 para concluir que

0 ÐBÑ 0 Ð "C Ñ 1ÐCÑ


lim œ lim " œ lim œ j. 
BÄ_ :ÐBÑ CÄ! :Ð Ñ CÄ! < ÐCÑ
C

III.2.22 (Regra de Cauchy para levantar indeterminações em limites em


_) Sejam ,  ! em ‘ e 0 ß :À Ó_ß ,Ò Ä ‘ duas funções deriváveis, com
:w ÐBÑ Á ! para cada B − Ó_ß ,Ò, verificando uma das duas hipóteses (H1)
ou (H2)
(H1) lim 0 ÐBÑ œ ! e lim :ÐBÑ œ !
BÄ_ BÄ_

(H2) lim l:ÐBÑl œ _


BÄ_

e tais que exista o limite


0 w ÐBÑ
(H3) lim œ j − ‘.
BÄ_ :w ÐBÑ

Tem-se então também


0 ÐBÑ
lim œ j. 134
BÄ_ :ÐBÑ

Dem: Sejam 1ß <À Ó,ß _Ò Ä ‘ as funções deriváveis definidas por

133Note-se que, apesar de, para fixar ideias, termos suposto um domínio do tipo Ó+ß _Ò,
com +  !, este resultado pode ser aplicado ao caso de outros domínios que contenham
um intervalo deste tipo, através da consideração de restrições para as funções.
134Note-se que, apesar de, para fixar ideias, termos suposto um domínio do tipo Ó_ß ,Ò,
com ,  !, este resultado pode ser aplicado ao caso de outros domínios que contenham
um intervalo deste tipo, através da consideração de restrições para as funções.
210 Cap. III. Derivadas e aplicações

1ÐCÑ œ 0 ÐCÑ e <ÐCÑ œ :ÐCÑ, para as quais 1w ÐCÑ œ 0 w ÐCÑ e <w ÐCÑ œ
:w ÐCÑ Á ! e que verificam uma das hipóteses (H1) ou (H2), para
C Ä _. Uma vez que
1w ÐCÑ 0 w ÐCÑ 0 w ÐBÑ
lim œ lim œ lim œ j,
CÄ_ < w ÐCÑ CÄ_ < w ÐCÑ BÄ_ :w ÐBÑ

podemos aplicar III.2.21 para concluir que


0 ÐBÑ 0 ÐCÑ 1ÐCÑ
lim œ lim œ lim œ j. 
BÄ_ :ÐBÑ CÄ_ :ÐCÑ CÄ_ <ÐCÑ

Exercícios

æ Ex III.2.1 (Versão incrementada do teorema de Lagrange) Sejam +  ,


em ‘ e 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘ uma função contínua e derivável à esquerda e à direita
em todos os pontos B − Ó+ß ,Ò. Mostrar que existe então - − Ó+ß ,Ò tal que
0 Ð,Ñ0 Ð+Ñ
,+ seja igual a uma das derivadas laterais 0 w Ð-  Ñ e 0 w Ð-  Ñ ou esteja
entre estas duas. Sugestão: Proceder como na demonstração do teorema de
Lagrange, depois de enunciar e demonstrar uma versão incrementada do
teorema de Rolle.
Ex III.2.2 Sejam \ § ‘ um intervalo, 0 À \ Ä ‘ uma função contínua e Q !
tal que, para cada ponto interior B do intervalo \ , 0 seja derivável em B e
com l0 w ÐBÑl Ÿ Q .
a) Utilizar o teorema de Lagrange para mostrar que, quaisquer que sejam
+ß , − \,
l0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñl Ÿ Q l,  +l.

b) Sejam + − \ fixado e $  !. A continuidade de 0 no ponto + garante a


existência de &  ! tal que, para cada B − \ na vizinhança Z& Ð+Ñ, 0 ÐBÑ
pertence à vizinhança Z$ Ð0 Ð+ÑÑ, mas não nos diz nada sobre a forma como
podemos explicitar um tal &. Mostrar que, com as hipóteses que estamos a
fazer, pode-se tomar & œ Q$ (se Q  !, senão qualquer & serve) e deduzir,
em particular, que a função 0 é uniformemente contínua.
Ex III.2.3 Mostrar que equação B$  $B  " œ ! tem uma única solução e que
esta pertence ao intervalo Ó!ß "Ò.
Ex III.2.4 Utilizar o teorema de Lagrange para mostrar que dados números reais
+ß ,, com !  + Ÿ ,, tem-se
,+ , ,+
Ÿ lnÐ Ñ Ÿ .
, + +
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 211

Ex III.2.5 Utilizar o teorema de Lagrange para mostrar que:


a) Para cada B  !,
B
 lnÐ"  BÑ  B.
"B
b) Quaisquer que sejam Bß C − ‘,
lsenÐBÑ  senÐCÑl Ÿ lB  Cl.

a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B  ÈB#  " é estritamente


Ex III.2.6 (Método alternativo de examinar o exemplo em I.4.13) Mostrar que

crescente e determinar o seu contradomínio utilizando os seus limites em


_ e em _. Determinar em seguida a função inversa 0 " , reparando na
razão por que os cuidados tidos no exemplo referido não são agora
necessários.
æ Ex III.2.7 (Versão de III.2.11 com pontos excecionais) Sejam \ § ‘ um
intervalo, \! um conjunto finito de pontos interiores do intervalo \ (pontos
excecionais) e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua. Mostrar que:
a) Se para cada ponto interior B do intervalo \ não pertencente a \! a
função 0 é derivável em B e com 0 w ÐBÑ ! então a função 0 é crescente;
b) Se para cada ponto interior B do intervalo \ não pertencente a \! a
função 0 é derivável em B e com 0 w ÐBÑ  ! então a função 0 é estritamente
crescente;
c) Se para cada ponto interior B do intervalo \ não pertencente a \! a
função 0 é derivável em B e com 0 w ÐBÑ Ÿ ! então a função 0 é decrescente;
d) Se para cada ponto interior B do intervalo \ não pertencente a \! a
função 0 é derivável em B e com 0 w ÐBÑ  ! então a função 0 é estritamente
decrescente.
Sugestão: Fazer a demonstração por indução no número 8 de pontos
excecionais, reparando que o caso 8 œ ! é o resultado III.2.11 já conhecido.
Sendo + o menor ponto excecional, considerar a decomposição
\ œ \Ÿ+  \ + , aplicando a conclusão do exercício I.4.9 e a hipótese de
indução à restrição de 0 a \ + .
Ex III.2.8 Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ B$  $B#  $B  ".
Verificar que esta função é estritamente crescente, apesar de existir um ponto
do domínio em que a sua derivada é igual a !.
Ex III.2.9 Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ #B  cosÐBÑ.
a) Mostrar que 0 é estritamente crescente e sobrejetiva.
b) Determinar a derivada da função inversa 0 " no ponto $1, assim como os
pontos em que essa função inversa tem derivada igual a ".
Ex III.2.10 Seja 0 À Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò a função definida por 0 ÐBÑ œ BB .
Determinar o contradomínio desta função a partir do estudo da sua mono-
tonia e dos limites em ! e em _.
212 Cap. III. Derivadas e aplicações

Ex III.2.11 Verificar para que valores de ,  ! a equação ,B œ B admite pelo


menos uma solução e, dentre estes quais aqueles para os quais essa solução é
única.
Ex III.2.12 Estudar a monotonia e os limites em ! e em _ da função 0
definida por
/B
0 ÐBÑ œ
B/
e concluir, sem utilizar a calculadora, qual dos dois números /1 e 1/ é o
maior. Justificar também que existem dois, e só dois, valores de B − Ó!ß _Ò
tais que /B" œ B/ .
æ Ex III.2.13 a) Mostrar que a função 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ B lnˆ"  ‰
"
B
é estritamente crescente. Sugestão: Apesar de não ser talvez muito simples
verificar que 0 w ÐBÑ  !, concluir esse facto provando que a função
0 w À Ó!ß _Ò Ä ‘ é estritamente decrescente e calculando o seu limite em
_.
b) Deduzir de a) que a função 1À Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò definida por

1ÐBÑ œ ˆ"  ‰
" B
B

que afirma que a sucessão 8 È ˆ"  8" ‰ é estritamente crescente (referimos


é estritamente crescente e verificar que esta afirmação é mais forte do que a
8

em II.3.1 que ela é crescente).


Ex III.2.14 (Generalização de III.2.13) Dada uma constante 5 − ‘, é imediato
constatar que, para cada + − ‘, a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ +/5B
verifica a “equação diferencial” 0 w ÐBÑ œ 50 ÐBÑ. Verificar que estas são as
únicas soluções desta equação diferencial.135
æ Ex III.2.15 (Formulação alternativa de III.2.14) Sejam W À ‘ Ä ‘ e
GÀ ‘ Ä ‘ duas funções deriváveis em cada B − ‘ e com
(1) W w ÐBÑ œ GÐBÑ, G w ÐBÑ œ WÐBÑ.

a) Utilizando a conclusão de III.2.14, concluir a existência de B! − Ò!ß #1Ò tal

135Esta conclusão tem importantes aplicações, por exemplo, nas ciências da natureza. É
frequente sermos levados a admitir que certas grandezas, como a massa de um corpo
formado por uma substância radiativa, têm uma taxa de variação instantânea que deve ser
proporcional ao valor da grandeza. O que acabamos de concluir diz-nos que essa gran-
deza é caracterizada por uma lei de variação do tipo > È +/5> , onde a constante 5 é
determinada pela constante de proporcionalidade envolvida e a constante + é o valor da
grandeza no instante > œ !.
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 213

que WÐB! Ñ œ ! e GÐB! Ñ !. Sugestão: Aplicar o teorema de Cauchy-Bol-


zano ao intervalo Ò!ß 1Ó para deduzir a existência de B" − Ò!ß 1Ò tal que
WÐB" Ñ œ ! e escolher então para B! um dos dois elementos B" e B"  1.
s eG
b) Aplicando de novo III.2.14, mas agora à funções W s definidas por

s œ WÐB!  >Ñ,
WÐ>Ñ s
GÐ>Ñ œ GÐB!  >Ñ,

concluir a existência de - ! tal que


WÐBÑ œ - senÐB  B! Ñ, GÐBÑ œ - cosÐB  B! Ñ.

Ex III.2.16 (Um resultado do mesmo tipo que III.2.14) a) Verificar que, dados
números reais +ß ,, as funções Gß WÀ ‘ Ä ‘ definidas por
(1) GÐBÑ œ +/B  ,/B , WÐBÑ œ +/B  ,/B ,
verificam o “sistema de equações diferenciais”
(2) W w ÐBÑ œ GÐBÑ, G w ÐBÑ œ WÐBÑ.

b) Suponhamos agora que Gß WÀ ‘ Ä ‘ são duas funções deriváveis que


verifiquem o sistema de equações diferenciais (2). Mostrar que existem
números reais +ß , tais que as funções G e W sejam definidas por (1).
Sugestão: Derivar as funções que a B associam respetivamente
WÐBÑcoshÐBÑ  GÐBÑsenhÐBÑ,
WÐBÑsenhÐBÑ  GÐBÑcoshÐBÑ,
para concluir que estas funções tomam valores constantes -ß . respetiva-
mente. Multiplicando a primeira por coshÐBÑ, a segunda por senhÐBÑ e
subtraindo, concluir que WÐBÑ œ - coshÐBÑ  . senhÐBÑ.
Ex III.2.17 (Uma demonstração incorreta do teorema de Cauchy) Apresen-
tamos em seguida uma ideia para demonstrar o teorema de Cauchy a partir do
de Lagrange que só tem o “pequeno problema” de não estar correta. O que se
pede neste exercício é que se encontre onde está o erro:
Aplicando o teorema de Lagrange separadamente às funções 0 e : concluímos a
existência de um ponto - − Ó+ß ,Ò tal que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ :Ð,Ñ  :Ð+Ñ
0 w Ð-Ñ œ , :w Ð-Ñ œ
,+ ,+
e daqui concluímos que
0 Ð,Ñ0 Ð+Ñ
0 w Ð-Ñ ,+ 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
œ œ .
:w Ð-Ñ :Ð,Ñ:Ð+Ñ :Ð,Ñ  :Ð+Ñ
,+

Ex III.2.18 (Pergunta aparecida em prova de avaliação) Para um certo + − ‘,


a função 0 À ‘ Ä ‘, definida por
214 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 ÐBÑ œ œ
senÐBÑ
B1 , se B Á 1
+, se B œ 1
é contínua em ‘.
a) Determinar o valor de +.
b) Calcular 0 w Ð1Ñ.
c) Sendo 1À ‘ Ä ‘ uma função diferenciável tal que 1Ð"Ñ œ ! e 1w Ð"Ñ œ #,
determinar Ð0 ‰ 1Ñw Ð"Ñ.
Ex III.2.19 Determinar os seguintes limites:
$B  #B
a) lim ;
BÄ! B
Ð"  BÑÐ"  lnÐ"  BÑÑ
b) lim ;
BÄ" lnÐBÑ
tanÐBÑ  B
c) lim ;
BÄ! B  senÐBÑ

lnÐ"  " Ñ
d) lim "ÎlnÐBÑ B ;
BÄ_ / "
"
e) lim B ;B
BÄ!
B  senÐBÑ
f) lim ;
BÄ_ B"
g) lim senÐBÑsenÐBÑ .
BÄ!

Ex III.2.20 Determinar o limite da sucessão Ð?8 Ñ8− definida por

? 8 œ 8 ÐÈ
8
$È
8
#Ñ,
por aplicação do limite calculado na alínea a) do exercício III.2.19.
æ Ex III.2.21 Determinar o limite

lim ˆÈ
$
B $  B #  È B #  B ‰.
BÄ_

Sugestão: “Tirar B para fora” de cada uma das raízes e transformar a


expressão obtida numa indeterminação do tipo !! .
Ex III.2.22 Seja 0 À Ò"ß "Ó Ä ‘ a função definida por

0 ÐBÑ œ arcsenÐBÑ  BÈ"  B# .


Utilizar a conclusão de III.2.10 para verificar que se tem

0 w ÐBÑ œ #È"  B# ,
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 215

para cada B − Ò"ß "Ó, apesar de por utilização das regras de derivação só
conseguirmos garantir este resultado para B − Ó"ß "Ò.
æ Ex III.2.23 (Incursão pela possibilidade de definir a exponencial de um
número complexo) Sejam +ß , dois números reais (que, para a alínea c),
serão a parte real e o coeficiente da parte imaginária de um número complexo
D œ +  ,3.
a) Verificar que a sucessão Ð<8 Ñ definida por

<8 œ ŠÊÐ"  Ñ  Ð Ñ# ‹
+ # , 8

8 8
tem limite igual a /+ . Sugestão: Utilizar a regra de Cauchy para determinar o
limite da função de variável real, definida numa vizinhança conveniente de
_,

lim ŠÐ"  Ñ  Ð Ñ# ‹ . 136


B
+ # , #

BÄ_ B B
b) Verificar que a sucessão Ð?8 Ñ (sucessão parcialmente definida no caso em
que + é um inteiro menor que !) definida por

?8 œ 8 arctanŠ ‹ œ 8 arctanˆ ‰
,
8 ,
+
" 8 8+

tem limite igual a , . 137 Sugestão: Utilizar a regra de Cauchy para deter-
minar o limite da função de variável real, definida numa vizinhança conve-
niente de _,

lim B arctanˆ ‰.
,
BÄ_ B+
c) Para efeitos desta alínea, vamos dizer que uma sucessão (possivelmente
parcialmente definida) de números complexos ?8  @8 3 tem como limite um
número complexo ?  @3 se as correspondentes sucessões de números reais
Ð?8 Ñ e Ð@8 Ñ tiverem como limites ? e @, respetivamente.138 Verificar que,
considerando o número complexo D œ +  ,3, a sucessão de números
complexos
D
D8 œ Ð"  Ñ8
8
admite como limite o número complexo /+ ÐcosÐ,Ñ  senÐ,Ñ3Ñ facto que, por
comparação com a conclusão do exercício II.3.2, leva a que se defina a

136É claro que não faz sentido aplicar a regra de Cauchy para determinar diretamente o
limite de uma sucessão.
137Veremos na alínea c) que esta sucessão, tal como a considerada na alínea a), não “cai
propriamente do céu”.
138Esta definição é equivalente à que será encontrada mais tarde nos estudos.
216 Cap. III. Derivadas e aplicações

exponencial do número complexo D por


expÐDÑ œ /D œ /+,3 œ /+ ÐcosÐ,Ñ  senÐ,Ñ3Ñ.

Sugestão: Verificar que, pondo

=8 œ ÊÐ"  ‹
,
+ # , 8
Ñ  Ð Ñ# , !8 œ arctanŠ +
8 8 " 8

(no caso em que + é inteiro menor que !, apenas para 8 Á +), o complexo
"  8D pode ser escrito na forma trigonométrica como

œ =8 ‚ ˆcosÐ!8 Ñ  senÐ!8 Ñ3‰


D
"
8
e aplicar então a fórmula de Moivre e as conclusões das alíneas a) e b).139
Nota: Reparar que, no caso em que se toma D œ ,3 se obtém a fórmula de
Euler
/,3 œ cosÐ,Ñ  senÐ,Ñ3,
onde o segundo membro é o que no ensino secundário é usualmente notado
cisÐ,Ñ, fórmula que tem como caso particular a igualdade
/13 œ ".
d) Verificar que as exponenciais dos números complexos verificam ainda a
propriedade habitual expÐD  AÑ œ expÐDÑ ‚ expÐAÑ, e portanto também
expÐDÑ œ exp"ÐDÑ . Sugestão: Utilizar as fórmulas conhecidas para o cosseno
e o seno da soma de dois ângulos ou, alternativamente, a igualdade, já
encontrada no ensino secundário, cisÐ!  " Ñ œ cisÐ!Ñ ‚ cisÐ" Ñ que, ela
mesma, resulta das fórmulas referidas.
æ Ex III.2.24 (Teorema de Darboux) Sejam +  , em ‘ e 0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘ uma
função derivável em cada ponto do domínio. Se . − ‘ está entre 0 w Ð+Ñ e
0 w Ð,Ñ então existe - − Ó+ß ,Ò tal que 0 w Ð-Ñ œ . . Sugestão: No caso em que
0 w Ð+Ñ  .  0 w Ð,Ñ considerar a função 1À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida por 1ÐBÑ œ
0 ÐBÑ  .B, verificar que 1w Ð+Ñ  ! e 1w Ð,Ñ  ! e deduzir de III.2.1 que um
ponto - − Ò+ß ,Ó onde 1 atinja o valor mínimo tem que pertencer a Ó+ß ,Ò e
portanto tem que verificar 1w Ð-Ñ œ . . No caso em que 0 w Ð+Ñ  .  0 w Ð,Ñ
fazer um raciocínio análogo ou aplicar o caso anterior considerando a função

139Poderá parecer estranho, embora não seja a primeira vez que encontremos esse facto
que para calcular o limite de uma sucessão que se pode considerar puramente do âmbito
da Análise Matemática tenhamos que passar pelas funções trigonométricas que, como já
sublinhámos, são de natureza geométrica e, pior que isso, o próprio resultado dependa
destas. Este facto não nos deve espantar muito, uma vez que quando se trabalhou com
números complexos no ensino secundário, a forma trigonométrica de representação destes
foi essencial para o estudo de muitas propriedades, como as que envolvem o cálculo de
potências e de raízes.
§2. Aplicações das derivadas ao estudo das funções 217

0 .
Nota: Comparar este resultado com o teorema de Cauchy-Bolzano em
II.1.15, resultado que implicaria aliás a nossa conclusão se estivéssemos a
supor que 0 w À Ò+ß ,Ó Ä ‘ é contínua, o que não estamos.

§3. Primitivas e aplicações geométricas.

III.3.1 Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função. Diz-se


que uma função J À \ Ä ‘ é uma primitiva da função 0 se, para cada
B − \ , J é derivável em B e com J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ.
Repare-se na utilização do artigo indefinido “uma”: Não estamos, de modo
nenhum, a afirmar que uma dada função não possa ter mais que uma
primitiva. O enunciado a seguir aclara completamente essa questão.
III.3.2 Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função,
admitindo J À \ Ä ‘ como primitiva. Tem-se então que as primitivas da
função 0 são exatamente as funções KÀ \ Ä ‘ da forma KÐBÑ œ J ÐBÑ  - ,
com - − ‘ constante.
Dem: Tendo em conta o facto de as constantes terem derivada ! e de a
derivada da soma ser a soma das derivadas, vemos que, se KÐBÑ œ J ÐBÑ  - ,
então Kw ÐBÑ œ J w ÐBÑ  ! œ 0 ÐBÑ, o que mostra que K também é uma
primitiva de 0 . Reciprocamente, se K é outra primitiva de 0 , tem-se, para
cada B − \ ,
ÐK  J Ñw ÐBÑ œ Kw ÐBÑ  J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 ÐBÑ œ !,
donde, tendo em conta III.2.12,140 existe uma constante - − ‘ tal que, para
cada B − ‘, KÐBÑ  J ÐBÑ œ - , ou seja, KÐBÑ œ J ÐBÑ  - . 

O conhecimento da primitiva duma função é muitas vezes importante,


como veremos, para a modelação de certos problemas, por exemplo
geométricos. No entanto, a determinação de uma primitiva para uma
função é muitas vezes um problema menos simples que o da determinação
de uma derivada uma vez que, para estas últimas, possuímos regras de
derivação que nos permitem derivar quase todas as funções que nos apa-
recem na prática.
Apesar do que referimos sobre o défice de regras de primitivação, há duas
regras de derivação (cf. III.1.7) que implicam trivialmente regras corres-
pondentes de primitivação muito utilizadas.

III.3.3 (Primitivação por decomposição) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial


e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções, admitindo J ß KÀ \ Ä ‘ como primitivas,

140Por isso a importância de exigirmos que o domínio seja um intervalo.


218 Cap. III. Derivadas e aplicações

respetivamente. Tem-se então que a função 0  1À \ Ä ‘ admite a função


J  KÀ \ Ä ‘ como primitiva e, para cada constante - − ‘, a função
-0 À \ Ä ‘ admite -J À \ Ä ‘ como primitiva.

Apresentamos em seguida uma tabela com algumas primitivas, ditas


imediatas, por terem sido obtidas simplesmente pelo método “Acho que
me lembro de uma função que tinha esta derivada”, combinado eventual-
mente com uma das propriedades referidas em III.3.3.

III.3.4 (Tabela com algumas primitivas “imediatas”)


Função Domínio Primitiva Notas
- B−‘ -B -−‘
"
B8 B−‘ 8" B
8"
8−
"
B. B − Ó!ß _Ò ." B." . − ‘, . Á "
: "
B B − Ó_ß !Ò :" B:" : − ™, : Á "
"
B B − Ó!ß _Ò lnÐBÑ
B
/ B−‘ /B
senÐBÑ B−‘ cosÐBÑ
cosÐBÑ B−‘ senÐBÑ
"
cos# ÐBÑ B − Ó 1# ß 1# Ò tanÐBÑ
È"B#
"
B − Ó"ß "Ò arcsenÐBÑ
"
"B# B−‘ arctanÐBÑ
senhÐBÑ B−‘ coshÐBÑ
coshÐBÑ B−‘ senhÐBÑ
ÈB# "
"
B−‘ arcsenhÐBÑ

ÈB# "
"
B − Ó"ß _Ò arccoshÐBÑ

È"B#
" "
Repare-se que as primitivas de e de "B# têm uma característica
singular: Apesar de estarmos a primitivar funções que são puramente do
âmbito da Análise Matemática, as primitivas que encontrámos estão depen-
dentes de uma definição geométrica que sai assim do contexto estrito da
Análise Matemática. A afirmação de que cada uma destas funções admite
uma primitiva não é assim uma afirmação que possamos considerar neste
momento como demonstrada dentro do contexto puro da Análise Mate-
mática. Uma tal demonstração pode efetivamente ser feita (cf. IV.3.28 e
IV.3.31 adiante) mas apenas com instrumentos de que não dispomos de
momento.

Note-se que a dificuldade com as primitivas é encontrar uma e que, se


alguém nos aponta uma primitiva para uma função, será em geral muito
§3. Primitivas e aplicações geométricas 219

simples saber se o resultado é ou não correto, bastando derivar a primitiva


proposta para verificar se o resultado é ou não a função que queríamos
primitivar. Trata-se de um fenómeno semelhante ao da determinação de
uma solução de uma equação: O estudante possivelmente não conseguirá
encontrar uma solução da equação
B%  'B$  (B#  'B  # œ !
mas se alguém lhe disser que #  È$ é uma solução da equação, será
bastante simples verificar que isso é verdade.

III.3.5 (Exemplo de primitiva que ainda se pode classificar de imediata)

por 0 ÐBÑ œ #B#  ÈB  $. Uma vez que temos uma soma de três funções
Pretendemos determinar uma primitiva da função 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘ definida

mais simples (aparecendo na tabela precedente), a primeira das quais


multiplicada por uma constante, concluímos, por utilização de III.3.3, que
será suficiente encontrar uma primitiva para cada uma dessas funções mais
simples. Ora: a) Uma vez que a função B# admite a primitiva "$ B$ , a função
#B# admite a primitiva #$ B$ ; b) A função ÈB œ B"Î# admite a primitiva
"
$Î# B
$Î#
œ $# ÈB$ ; c) A função de valor constante $ admite como primitiva

definida por J ÐBÑ œ #$ B$  #$ ÈB$  $B é uma primitiva da função 0 . Se


a função $B. Podemos assim concluir que a função J À Ó!ß _Ò Ä ‘

pretendermos outra primitiva, basta somar uma constante à função que


obtivémos, obtendo, por exemplo, a função J s definida por

s ÐBÑ œ # B$  # ÈB$  $B  /1 .
J
$ $

III.3.6 (Primitivação por partes) O método de primitivação por partes é um


método de primitivar que se baseia na regra de derivação dum produto em
III.1.7. São dados um intervalo não trivial \ § ‘ e duas funções
0 ß 1À \ Ä ‘, da primeira das quais se conhece uma primitiva J À \ Ä ‘ e a
segunda das quais admite uma derivada 1w À \ Ä ‘. A função que se pretende
primitivar é a função 0 1À \ Ä ‘, B È 0 ÐBÑ1ÐBÑ. O método diz-nos que, se
conseguirmos encontrar uma primitiva LÀ \ Ä ‘ da função B È J ÐBÑ1w ÐBÑ
então a função \ Ä ‘, B È J ÐBÑ1ÐBÑ  LÐBÑ é uma primitiva da função
0 1.
Dem: Tendo em conta a regra de derivação do produto, vemos que a
derivada da função J ÐBÑ1ÐBÑ  LÐBÑ está definida por
B È J w ÐBÑ1ÐBÑ  J ÐBÑ1w ÐBÑ  L w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ1ÐBÑ. 

III.3.7 (Exemplos) Repare-se que uma primitivação por partes de uma dada
função não é um mero processo algorítmico: É preciso decompor a função
dada como um produto de duas funções 0 e 1, a primeira das quais saibamos
primitivar, de modo que o produto da primitiva da primeira pela derivada da
220 Cap. III. Derivadas e aplicações

segunda seja mais fácil de primitivar. Vejamos o que se passa nalguns


exemplos:
a) Tentemos encontrar por partes uma primitiva para a função ‘ Ä ‘,
B È BsenÐBÑ. Numa primeira tentativa tomemos, nas notações de III.3.6,
#
0 ÐBÑ œ B, que tem uma primitiva J ÐBÑ œ B# , e 1ÐBÑ œ senÐBÑ, para a qual
1w ÐBÑ œ cosÐBÑ. Ficamos então com a necessidade de determinar uma
#
primitiva da função B È J ÐBÑ1w ÐBÑ œ B# cosÐBÑ, o que parece ser uma tarefa
ainda menos simples que a que tínhamos a partida. Façamos agora uma
segunda tentativa, tomando 0 ÐBÑ œ senÐBÑ, que tem uma primitiva
J ÐBÑ œ cosÐBÑ, e 1ÐBÑ œ B, para a qual 1w ÐBÑ œ ". Ficamos assim
conduzidos a procurar uma primitiva da função B È J ÐBÑ1w ÐBÑ œ cosÐBÑ,
o que não apresenta dificuldade. Obtemos assim como primitiva da função
dada a função
B È J ÐBÑ1ÐBÑ  ÐsenÐBÑÑ œ BcosÐBÑ  senÐBÑ.
É claro que é muito simples confirmar o resultado: Derivando o resultado
obtido obtém-se efetivamente a função dada à partida.
b) Para procurar uma primitiva para a função lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘, utilizamos a
decomposição lnÐBÑ œ " ‚ lnÐBÑ, tomando assim 0 ÐBÑ œ ", com uma
primitiva J ÐBÑ œ B, e 1ÐBÑ œ lnÐBÑ, portanto 1w ÐBÑ œ B" . Tem-se assim
J ÐBÑ1w ÐBÑ œ ", com primitiva B, pelo que obtemos como primitiva de ln a
função
B È BlnÐBÑ  B.
Mais uma vez, podemos facilmente confirmar que não nos enganámos
derivando esta última função e constatando que obtemos a função cuja primi-
tiva procurávamos.
c) O nosso objetivo é determinar uma primitiva L para a função ‘ Ä ‘,
B È /B cosÐBÑ. Tentamos, para isso, utilizar o método de primitivação por
partes, com 0 ÐBÑ œ /B , com primitiva J ÐBÑ œ /B , e com 1ÐBÑ œ cosÐBÑ, para
a qual 1w ÐBÑ œ senÐBÑ, concluindo que, se tivermos uma primitiva
OÀ ‘ Ä ‘ da função B È J ÐBÑ1w ÐBÑ œ /B senÐBÑ, bastará tomar para L a
função
(1) LÐBÑ œ J ÐBÑ1ÐBÑ  OÐBÑ œ /B cosÐBÑ  OÐBÑ.
Para procurarmos uma primitiva O da função B È /B senÐBÑ utilizamos
mais uma vez o método de primitivação por partes, agora com 0 ÐBÑ œ /B ,
com primitiva J ÐBÑ œ /B , e com 1ÐBÑ œ senÐBÑ, e concluímos que, se
s ‘ Ä ‘ da função B È J ÐBÑ1w ÐBÑ œ /B cosÐBÑ,
tivermos uma primitiva LÀ
bastará tomarmos para O a função
(2) s .
OÐBÑ œ J ÐBÑ1ÐBÑ  OÐBÑ œ /B senÐBÑ  LÐBÑ
s , vemos que, uma vez que
Supondo agora que existe uma tal primitiva L
§3. Primitivas e aplicações geométricas 221

ambas as funções L s e L são primitivas de B È /B cosÐBÑ, existe uma


s
constante - − ‘ tal que LÐBÑ œ LÐBÑ  - e, tendo em conta esta relação e
substituindo (2) em (1), obtemos
LÐBÑ œ /B cosÐBÑ  Ð/B senÐBÑ  LÐBÑ  -Ñ
donde
#LÐBÑ œ /B cosÐBÑ  /B senÐBÑ  - ,
" -
LÐBÑ œ Ð/B cosÐBÑ  /B senÐBÑÑ  .
# #
Examinando o raciocínio feito, e uma vez que somando uma constante a uma
primitiva se obtém outra primitiva, ficamos a saber que, se existir uma
primitiva da função B È /B cosÐBÑ, o que é equivalente à existência de uma
primitiva da função B È /B cosÐBÑ, obtemos como primitiva desta última
função a função definida por B È "# Ð/B cosÐBÑ  /B senÐBÑÑ. Em rigor, o
nosso problema ainda não está resolvido porque, para concluir que esta
função é uma primitiva precisámos da hipótese de existir uma primitiva,
facto que neste momento não temos ainda instrumentos para garantir
diretamente. No entanto temos uma solução muito simples para o nosso
problema: Uma vez que temos um candidato a primitiva, para confirmarmos
o resultado basta derivarmos esse candidato e verificar que obtemos
efetivamente a função que queríamos primitivar, o que é uma tarefa que não
oferece qualquer dificuldade.141
III.3.8 (Primitivação por substituição) Do mesmo modo que a primitivação por
partes se baseia na regra de derivação de um produto a primitivação por
substituição tem a sua raiz no teorema de derivação da função composta (cf.
III.1.14). Sejam \ § ‘ e ] § ‘ dois intervalos não triviais e :À ] Ä \
uma função derivável. Sejam 0 À \ Ä ‘ e J À \ Ä ‘ duas funções.
a) Se J é uma primitiva de 0 , então a função J ‰ :À ] Ä ‘, C È J Ð:ÐCÑÑ,
é uma primitiva da função \ Ä ‘, C È 0 Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ.
b) Suponhamos agora que :À ] Ä \ é monótona e bijetiva e que :w ÐCÑ Á !,
para cada C − ] . Se J ‰ :À ] Ä ‘ é uma primitiva da função \ Ä ‘,
C È 0 Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ, então J é uma primitiva de 0 .
Dem: a) Temos uma consequência direta do teorema de derivação da função
composta: Uma vez que J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, para cada B − \ , tem-se, para cada
C − ],
ÐJ ‰ :Ñw ÐCÑ œ J w Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ œ 0 Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ.

b) Comecemos por reparar que, por II.1.20 e I.4.22, a função monótona

141Esta última observação pode ser generalizada a outras situações: Não temos que ser
muito cuidadosos com a validade dos raciocínios que fazemos quando procuramos
encontrar uma primitiva, desde que, depois de obtido um resultado, derivemos este para
confirmar que se obtém a função que queríamos primitivar.
222 Cap. III. Derivadas e aplicações

:" À \ Ä ] é contínua, e portanto, tendo em conta III.1.18, é derivável.


Uma vez que, por hipótese, J ‰ :À ] Ä ‘ é derivável, podemos concluir que
J œ ÐJ ‰ :Ñ ‰ :" À \ Ä ‘
é também derivável. Tendo em conta a hipótese e o teorema de derivação da
função composta, vemos agora que, para cada C − ] ,
J w Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ œ ÐJ ‰ :Ñw ÐCÑ œ 0 Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ
e portanto, por ser :w ÐCÑ Á !, J w Ð:ÐCÑÑ œ 0 Ð:ÐCÑÑ. Enfim, por : ser
bijetiva, podemos, para cada B − \ , considerar C œ :" ÐBÑ na igualdade
precedente para obter J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, o que mostra que J é uma primitiva da
função 0 . 
III.3.9 (Exemplos que aplicam a alínea a) de III.3.8)
a) Tentemos encontrar uma primitiva da função 1À ‘ Ä ‘ definida por
1ÐCÑ œ C senÐC# Ñ. A função sen é uma das que conhecemos uma primitiva
imediata mas neste caso temos a expressão senÐC# Ñ que poderia complicar a
procura de uma primitiva. No entanto, como a derivada da função :À ‘ Ä ‘,
:ÐCÑ œ C# é :w ÐCÑ œ #C e que a expressão senÐC# Ñ aparece multiplicada por
C, somos levados a utilizar o método de primitivação por substituição (como
se costuma dizer, fazemos B œ C# ). Reparamos assim que se tem
1ÐCÑ œ 0 Ð:ÐCÑÑ:w ÐCÑ, onde 0 À ‘ Ä ‘ está definida por 0 ÐBÑ œ "# senÐBÑ e
tem assim uma primitiva J À ‘ Ä ‘, J ÐBÑ œ  "# cosÐBÑ, pelo que 1 admite a
primitiva K œ J ‰ :À ‘ Ä ‘, que está definida por KÐCÑ œ  "# cosÐC# Ñ.
b) Pretendemos uma primitiva da função 1À Ó"ß _Ò Ä ‘ definida por
"
1ÐCÑ œ #C# . Aqui, a função cuja primitiva conhecemos é a função B È B" ,
de domínio Ó!ß _Ò, pelo que “fazemos B œ #C  #” isto é, consideramos a
função :À Ó"ß _Ò Ä Ó!ß _Ò, :ÐCÑ œ #C  #, com derivada :w ÐCÑ œ #, e,
escrevendo 1ÐCÑ œ # ‚ Ð "# ‚ :ÐCÑ "
Ñ, obtemos como primitiva de 1 a função
KÀ Ó"ß _Ò Ä ‘ definida por KÐCÑ œ "# lnÐ#C  #Ñ.
c) Para determinar uma primitiva da função tangente tanÀ Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘,
reparamos que tanÐCÑ œ senÐCÑ
cosÐCÑ , onde cosÐCÑ  ! no intervalo referido, pelo
que, “fazendo B œ cosÐCÑ” e reparando que a derivada de cosÐCÑ é senÐCÑ,
concluímos que aquela função tem uma primitiva J À Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘ definida
por
J ÐCÑ œ lnÐcosÐCÑÑ.

Antes de examinarmos alguns exemplos de primitivas que aplicam o


referido na alínea b) de III.3.8, vamos debruçar-nos, ainda com a ajuda da
alínea a) desse resultado, sobre métodos de obter algumas primitivas de
funções que aparecem com frequência na prática, as frações racionais e as
potências de funções trigonométricas. Fá-lo-emos apenas através de
§3. Primitivas e aplicações geométricas 223

alguns exemplos mais simples, remetendo o estudante por exemplo para


[4] ou [7] para um exame mais sistematizado destas primitivas.

III.3.10 (Exemplos de primitivas de funções racionais) Uma função definida


num intervalo diz-se racional se puder ser obtida como quociente de duas
funções polinomiais, em que o denominador, naturalmente, não se anula
nesse intervalo.
a) Procuremos uma primitiva da função 0 À ‘ Ä ‘ definida por
"
0 ÐBÑ œ .
"  #B#
Com o objetivo de nos aproximarmos de uma função cuja primitiva
conhecemos, escrevemos
È#
"  ÐÈ#BÑ# È# "  ÐÈ#BÑ#
" "
0 ÐBÑ œ œ ‚

e então, como em III.3.9, com a substituição C œ È#B, obtemos a primitiva


J À ‘ Ä ‘ definida por

arctanÐÈ#BÑ.
È#
"
J ÐBÑ œ

b) Tentemos primitivar a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por


B#
0 ÐBÑ œ .
B# B"
Reparando que a derivada do denominador é #B  ", reescrevemos então 0
como soma de uma função que primitivaremos facilmente com outra função
racional cujo numerador é constante:
" #B  % " #B  " " $
0 ÐBÑ œ ‚ œ ‚ #  ‚
# B#  B  " # B  B  " # B#  B  "
Notando 0" ÐBÑ e 0# ÐBÑ a primeira e a segunda parcelas à direita, respetiva-
mente, constatamos, tomando C œ B#  B  " (expressão que só toma
valores maiores que !), que 0" admite a primitiva J" definida por
"
J" ÐBÑ œ lnÐB#  B  "Ñ.
#
Quanto a 0# , reparamos que

B#  B  " œ ÐB  Ñ#  œ ‚ ˆ ‰ "
È$ È$
" $ $ # " #
B
# % %

pelo que podemos pôr esta função “a jeito”:


224 Cap. III. Derivadas e aplicações

œ È$ ‚
È$
#
"
"  ˆ È#$ B  " ‰#
"  ˆ È#$ B  " ‰#
0# ÐBÑ œ # ‚ .
È$ È$

Obtemos assim uma primitiva J# de 0# definida por

J# ÐBÑ œ È$ ‚ arctanˆ ‰
È$ È$
# "
B

donde, finalmente, uma primitiva J de 0 definida por

lnÐB#  B  "Ñ  È$ ‚ arctanˆ ‰.


È$ È$
" # "
J ÐBÑ œ B
#

c) Consideremos agora a função 0 À Ó#ß _Ò Ä ‘ definida por


B$  B
0 ÐBÑ œ ,
B#  $B  #
onde o denominador
B#  $B  # œ ÐB  "ÑÐB  #Ñ
toma valores maiores que ! no domínio. Uma boa ideia é fazer a divisão com
resto do polinómio no numerador pelo polinómio no denominador, de modo
a obter 0 como soma de uma função polinomial com um quociente de
polinómios com o grau do numerador mais pequeno que o do denominador.
Isso pode ser feito pelo algoritmo que o estudante possivelmente conhece
(análogo ao algoritmo da divisão inteira de números) ou, alternativamente,
pelo método de “ir acertando as contas”142:
B$  B œ BÐB#  $B  #)  $B#  B œ
œ BÐB#  $B  #)  $ÐB#  $B  #)  )B  '.

Podemos assim escrever


)B  '
0 ÐBÑ œ B  $ 
B#  $B  #
e, reparando que a derivada do denominador é #B  $ será útil143 ainda
escrever
#B  $ '
0 ÐBÑ œ B  $  % ‚  # .
B#  $B  # B  $B  #
Notemos 0" ÐBÑ a soma das três primeiras parcelas e 0# ÐBÑ a última. Fazendo

142Que, na realidade, corresponde ao algoritmo sem a sua apresentação gráfica.


143A estratégia passa por diminuir o grau do numerador na expressão que não sabemos
primitivar.
§3. Primitivas e aplicações geométricas 225

C œ B#  $B  #, já sabemos como obter uma primitiva J" de 0" , nomea-


damente,
B#
J" ÐBÑ œ  $B  % lnÐB#  $B  #Ñ œ
#
B#
œ  $B  % lnÐB  "Ñ  % lnÐB  #Ñ.
#
Quanto a 0# , começamos por reparar que B#  $B  # œ ÐB  "ÑÐB  #Ñ e a
estratégia aconselhada é tentar encontrar uma decomposição
" + ,
œ  ,
ÐB  "ÑÐB  #Ñ B" B#
com + e , constantes reais a determinar. Reparando que esta identidade é
equivalente a " œ +ÐB  #Ñ  ,ÐB  "Ñ, ou ainda a
" œ Ð+  ,ÑB  #+  ,,
sendo assim verificada se +  , œ ! e #+  , œ ", sistema de equações que
admite a solução , œ " e + œ ".144 Tem-se assim que
' ' '
0# ÐBÑ œ œ 
B#  $B  # B" B#
admite uma primitiva J# definida por
J# ÐBÑ œ ' lnÐB  "Ñ  ' lnÐB  #Ñ
pelo que obtemos finalmente uma primitiva J de 0 definida por
B#
J ÐBÑ œ  $B  # lnÐB  "Ñ  "! lnÐB  #Ñ. 145
#

144Pode provar-se, embora não o façamos neste curso, que a possibilidade de encontrar
uma decomposição do tipo procurado não foi uma questão de sorte. Em geral, utilizando
um teorema de Bézout, que o estudante encontrará mais tarde no curso, seguido de um
argumento simples utilizando a divisão com resto de polinómios, pode provar-se que,
dados dois polinómios T ÐBÑ e UÐBÑ de graus maiores que ! (no caso em análise com grau
") que sejam primos entre si, no sentido de não serem divisíveis por um mesmo polinó-
mio de grau maior que !, existem necessariamente polinómios EÐBÑ e FÐBÑ com graus
inferiores aos de T ÐBÑ e UÐBÑ, respetivamente, (no caso em análise com grau !) tais que
EÐBÑUÐBÑ  FÐBÑT ÐBÑ œ ".
145Um caminho alternativo para chegarmos a uma primitiva consistiria em começar por
tirar partido da decomposição
" " "
œ 
ÐB  "ÑÐB  #Ñ B" B#
para decompor a função dada como soma de duas funções racionais com os denomi-
nadores B  " e B  # e só então efetuar duas divisões para obter um polinómio somado
226 Cap. III. Derivadas e aplicações

d) Consideremos agora a função 0 À Ó"ß _Ò Ä ‘ definida por


"
0 ÐBÑ œ .
B$  "
Como nos exemplos anteriores, tentamos decompor o denominador como
produto de polinómios de grau inferior, reparando que podemos tomar para
um deles o polinómio B  ", já que o denominador se anula para B œ ".
Usando o método de “ir acertando as contas”, que já utilizámos para o
exemplo em c), vem
B$  " œ B# ÐB  "Ñ  B#  " œ
œ B# ÐB  "Ñ  B ÐB  "Ñ  B  " œ
œ ÐB#  B  "Ñ ÐB  "Ñ.
Seguidamente vamos tentar escrever
"
0 ÐBÑ œ
ÐB#  B  "Ñ ÐB  "Ñ
como soma de duas funções racionais com denominadores B#  B  " e
B  ", respetivamente, e com numeradores com grau inferior aos denomina-
dores, ou seja, procuramos constantes +ß ,ß - tais que se tenha
" + ,B  -
œ 
ÐB#  B  "Ñ ÐB  "Ñ B  " B#  B  "
ou, o que é equivalente,
" œ + ÐB#  B  "Ñ  Ð,B  -Ñ ÐB  "Ñ,
ou seja
" œ Ð+  ,Ñ B#  Ð,  -  +Ñ B  Ð+  -Ñ. 146
Esta identidade será verificada se se tiver +  , œ !, ,  -  + œ ! e
+  - œ " e, resolvendo este sistema de três equações com três incógnitas,
obtemos a solução + œ "$ , , œ  "$ e - œ #$ . Temos assim, como era nosso
objetivo, a decomposição
" " " B#
0 ÐBÑ œ ‚  ‚ .
$ B  " $ B#  B  "

com duas funções racionais com numeradores constantes. Só com alguma experiência se
consegue decidir qual o caminho menos trabalhoso.
146Para uma explicação (sem justificação) da razão por que fazemos esta tentativa e não
outra, ver o que referimos atrás, na nota de pé de página 144. De qualquer modo, do
ponto de vista lógico, essa explicação não é necessária e a certeza de existir uma decom-
posição do tipo procurado resulta de que vamos determinar explicitamente uma.
§3. Primitivas e aplicações geométricas 227

Tal como fizémos no exemplo em b), reparando que a derivada do segundo


denominador é #B  " e que esse denominador se pode decompor na forma
ÐB  "# Ñ#  $% , podemos “ajeitar” ainda mais a expressão de 0 escrevendo
" " " #B  %
0 ÐBÑ œ ‚  ‚ # œ
$ B" ' B B"
" " " #B  " " "
œ ‚  ‚ #  ‚ # œ
$ B" ' B B" # B B"
" " " #B  " # "
œ ‚  ‚ #  ‚ œ
$ B  " ' B  B  " $ "  Ð È B  È" Ñ#
#
$ $

È$
#

$ B  " ' B  B  " È$ "  Ð È B 


" " " #B  " "
œ ‚  ‚ #  ‚ .
È$ Ñ
# " #
$

É agora simples obter como primitiva a função J À Ó"ß _Ò Ä ‘ definida


por

È$ È$ È$
" " " # "
J ÐBÑ œ lnÐB  "Ñ  lnÐB#  B  "Ñ  arctanÐ B Ñ.
$ '

III.3.11 (Exemplos de primitivas de potências de funções trigonométricas)


a) Consideremos a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ sen# ÐBÑ. O método
mais simples de encontrar uma primitiva para a função 0 é lembrar uma das
fórmulas para o cosseno do ângulo duplo,
cosÐ#BÑ œ #cos# ÐBÑ  " œ "  #sen# ÐBÑ.
A segunda permite-nos escrever a função a primitivar na forma
" "
0 ÐBÑ œ  cosÐ#BÑ
# #
e, “tomando C œ #B”, obtemos uma primitiva J À ‘ Ä ‘ definida por
B "
J ÐBÑ œ  senÐ#BÑ,
# %
ou, alternativamente, lembrando a fórmula do seno do ângulo duplo,
B "
J ÐBÑ œ  senÐBÑcosÐBÑ.
# #
b) Procuremos agora uma primitiva da função 0 À ‘ Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ sen$ ÐBÑ. Neste caso podemos reescrever 0 na forma
0 ÐBÑ œ senÐBÑ Ð"  cos# ÐBÑÑ œ senÐBÑ  senÐBÑcos# ÐBÑ.
A primeira parcela tem a primitiva imediata cosÐBÑ e, quanto à segunda,
reparando que senÐBÑ é a derivada de cosÐBÑ, podemos “tomar C œ cosÐBÑ”
228 Cap. III. Derivadas e aplicações

$
de modo a obter uma primitiva C$ , ou seja, "
$ cos$ ÐBÑ. Obtemos assim para 0
uma primitiva J À ‘ Ä ‘ definida por
"
J ÐBÑ œ cosÐBÑ  cos$ ÐBÑ.
$
c) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ cos% ÐBÑ. Para obter uma
primitiva podemos proceder duas vezes como em a):

0 ÐBÑ œ ˆ Ð"  cosÐ#Bщ œ  cosÐ#BÑ  cos# Ð#BÑ œ


" # " " "
# % # %
" " "
œ  cosÐ#BÑ  Ð"  cosÐ%BÑÑ.
% # )
Obtemos então a primitiva J À ‘ Ä ‘ definida por
$ " "
J ÐBÑ œ B  senÐ#BÑ  senÐ%BÑ.
) % $#
d) Seja agora 0 À Ó!ß 1Ò Ä ‘ a função definda por 0 ÐBÑ œ sen"ÐBÑ . Um método
de encontrar uma primitiva, usando ideias semelhantes às das alíneas prece-
dentes é escrever 0 na forma
senÐBÑ senÐBÑ
0 ÐBÑ œ œ
sen# ÐBÑ "  cos# ÐBÑ
e então, “tomando C œ cosÐBÑ” (cuja derivada é senÐBÑ), somos conduzidos
"
a procurar uma primitiva para a função 1À Ó"ß "Ò Ä ‘, 1ÐCÑ œ "C #.

Procedendo como nos exemplos em III.3.10, escrevemos 1 na forma

1ÐCÑ œ  ˆ ‰
" " "

# "C "C
o que nos permite identificar uma primitiva KÀ Ó"ß "Ò Ä ‘ de 1 definida por

KÐCÑ œ  ˆlnÐ"  CÑ  lnÐ"  Cщ.


"
#
A partir daqui, obtemos uma primitiva J À Ó!ß 1Ò Ä ‘ de 0 , definida por

J ÐBÑ œ  ˆlnÐ"  cosÐBÑÑ  lnÐ"  cosÐBÑщ œ


"
#

œ lnŠË ‹.
"  cosÐBÑ
"  cosÐBÑ

Reparemos que a expressão anterior ainda pode ser simplificada: Tendo em


§3. Primitivas e aplicações geométricas 229

conta o facto de se se ter senÐBÑ  ! no domínio, vem também

J ÐBÑ œ lnŠË ‹œ
Ð"  cosÐBÑÑÐ"  cosÐBÑÑ
Ð"  cosÐBÑÑ#

œ lnŠË ‹ œ lnŠ ‹.
"  cos# ÐBÑ senÐBÑ
Ð"  cosÐBÑÑ # "  cosÐBÑ

III.3.12 (Exemplos de primitivas com o auxílio da alínea b) de III.3.8)


a) Procuremos uma primitiva da função 0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ ÈB#  ".


Um dos caminhos que ocorre utilizar é procurar uma substituição que “faça
desaparecer” a raíz quadrada e, para isso, podemos considerar a função
:À ‘ Ä ‘ definida por :ÐCÑ œ senhÐCÑ (cf. II.3.5) que é crescente, bijetiva e
com derivada coshÐCÑ Á !.147 Somos assim conduzidos a procurar uma
primitiva para a função ‘ Ä ‘
C È :w ÐCÑ0 Ð:ÐCÑÑ œ coshÐCÑÈsenh# ÐCÑ  " œ cosh# ÐCÑ œ
" "
œ  coshÐ#CÑ
# #
(lembrar II.3.9), sendo facil de obter uma tal primitiva, nomeadamente a
função
" "
CÈ C  senhÐ#CÑ.
# %
Para podermos aplicar a alínea referida, conviria apresentar esta primitiva na
forma C È J Ð:ÐCÑÑ, para uma função J À ‘ Ä ‘ conveniente. Para isso,
reparamos que, considerando a função hiperbólica inversa arcsenhÀ ‘ Ä ‘,
(cf. II.3.8) tem-se
" " " "
C  senhÐ#CÑ œ C  senhÐCÑcoshÐCÑ œ
# % # #
œ arcsenhÐ:ÐCÑÑ  :ÐCÑ È:ÐCÑ#  "
" "
# #
pelo que podemos tomar para J , que vai ser a primitiva procurada, a função
definida por

arcsenhÐBÑ  BÈB#  ".


" "
J ÐBÑ œ
# #
Quem preferir não utilizar explicitamente no resultado a função hiperbólica

147Outro caminho possível, mas que se revela mais trabalhoso, considera :ÐCÑ œ tanÐCÑ,
C − Ó 1# ß 1# Ò, e tira partido da identidade "  tan# ÐCÑ œ cos"# ÐCÑ .
230 Cap. III. Derivadas e aplicações

inversa arcsenh pode substituir esta pela sua caracterização em II.3.8 e


escrever

lnÐB  ÈB#  "Ñ  BÈB#  ".


" "
J ÐBÑ œ
# #
b) Procuremos agora, dado <  !, uma primitiva da função 0 À Ò<ß <Ó Ä ‘
definida por

0 ÐBÑ œ È<#  B# .
Como no caso da alínea a), procuramos uma substituição que “faça desa-
parecer” a raíz quadrada e, para isso, será cómodo começar por substituir 0
pela sua restrição ao intervalo aberto Ó<ß <Ò. Consideremos então a função
:À Ó 1# ß 1# Ò Ä Ó<ß <Ò definida por :ÐCÑ œ <senÐCÑ que é crescente, bijetiva e
com derivada <cosÐCÑ Á !.148 Somos assim conduzidos a procurar uma
primitiva da função Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘,

C È :w ÐCÑ0 Ð:ÐCÑÑ œ <cosÐCÑÈ<#  <# sen# ÐCÑ œ <# cos# ÐCÑ œ


<# <#
œ  cosÐ#CÑ,
# #
sendo fácil obter uma tal primitiva, nomeadamente a função Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘,
<# <# <# <#
CÈ C  senÐ#CÑ œ C  senÐCÑcosÐCÑ œ
# % # #
Ñ  :ÐCÑ È<#  :ÐCÑ# .
<# :ÐCÑ "
œ arcsenÐ
# < #
Obtemos assim como primitiva da restrição de 0 a Ó"ß "Ò a restrição a este
intervalo da função J À Ò<ß <Ó Ä ‘ definida por

arcsenÐ Ñ  BÈ<#  B# .
<# B "
J ÐBÑ œ
# < #
Reparamos enfim que, de facto, a própria função J é uma primitiva de 0
visto que nos pontos < e < que falta examinar podemos, tendo em conta a
continuidade de 0 e J aplicar III.2.10 para deduzir que se tem ainda
J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ.

Vamos agora examinar aplicações geométricas da determinação de primi-


tivas, por exemplo no cálculo da área de certas figuras planas e do volume
de certos sólidos ou na determinação do baricentro de certas figuras
planas. Repare-se que os cálculos que vamos fazer devem ser encarados
no contexto de aplicações da Análise Matemática, neste caso à Geometria
e não no contexto puro da Análise Matemática, já que se vai trabalhar
com um conceito de área que supomos conhecido e cujas propriedades

148É para termos esta última condição que retirámos os pontos < e < ao domínio de 0 .
§3. Primitivas e aplicações geométricas 231

intuitivas habituais serão admitidas sem preocupações. Trata-se de uma


observação análoga à que já fizémos a propósito das funções trigonomé-
tricas.

III.3.13 A primeira situação em que vamos determinar uma área situa-se no


contexto em que se fixa um referencial ortogonal e monométrico no plano e
se considera como unidade de área a correspondente à unidade de compri-
mento utilizada nos eixos. Consideramos um intervalo fechado e limitado
Ò+ß ,Ó com + Ÿ , e uma função contínua 0 À Ò+ß ,Ó Ä Ò!ß _Ò. A área que
queremos determinar é a da região do plano limitada pelo gráfico de 0 , pelo
eixo das abcissas e pelas rectas verticais de abcissas + e , ou, dito de outro
modo, do conjunto dos pontos ÐBß CÑ tais que + Ÿ B Ÿ , e ! Ÿ C Ÿ 0 ÐBÑ.

É claro que, no caso trivial em que + œ , a área em questão é igual a ! pelo


que o caso que apresenta interesse é aquele em que +  , . Será no entanto
útil não afastar a priori o caso trivial.
Uma propriedade simples, mas muito útil adiante, é que, nas condições
descritas, existe um ponto - − Ò+ß ,Ó tal que a área considerada é igual a
0 Ð-ÑÐ,  +Ñ.
Dem: Tendo em conta o teorema de Weierstrass (II.1.11), podemos consi-
derar pontos +w ß ,w − Ò+ß ,Ó tais que 0 Ð+w Ñ e 0 Ð,w Ñ sejam respetivamente o
máximo e o mínimo da função 0 e então a região considerada está contida
num retângulo de base ,  + e altura 0 Ð+w Ñ e contém um retângulo com a
mesma base e altura 0 Ð,w Ñ.

Resulta daqui que a área E da região considerada verifica as desigualdades


232 Cap. III. Derivadas e aplicações

0 Ð,w ÑÐ,  +Ñ Ÿ E Ÿ 0 Ð+w ÑÐ,  +Ñ.


Aplicando o teorema de Cauchy-Bolzano (II.1.15) à função contínua
B È 0 ÐBÑÐ,  +Ñ, concluímos a existência de - entre +w e ,w ou igual a um
destes dois, em qualquer caso em Ò+ß ,Ó, tal que E œ 0 Ð-ÑÐ,  +Ñ. 
III.3.14 (A função área parcial) No contexto de III.3.13, suponhamos +  , e
notemos, para cada B − Ò+ß ,Ó, EÐBÑ a área da região que se obtém quando se
substitui 0 pela sua restrição ao intervalo Ò+ß BÓ.

A função EÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ assim definida é então uma primitiva de 0 que veri-


fica a condição EÐ+Ñ œ !.
Dem: O facto de se ter EÐ+Ñ œ ! resulta de que, quando B œ +, a região
reduz-se a um segmento de reta. Resta-nos verificar que em cada B! − Ò+ß ,Ó a
função EÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ tem derivada igual a 0 ÐB! Ñ. Ora, dado B Á B! em Ò+ß ,Ó,
EÐBÑ  EÐB! Ñ vai ser a área da região assinalada na primeira das figuras
abaixo, no caso em que B  B! , e o simétrico da área da região assinalada na
segunda dessas figuras, no caso em que B  B! .

Tendo em conta o que verificámos em III.3.13, em qualquer dos dois casos


podemos associar a cada B Á B! um elemento -ÐBÑ de Ò+ß ,Ó, entre B e B! ou
igual a um destes, tal que EÐBÑ  EÐB! Ñ œ 0 Ð-ÐBÑÑÐB  B! Ñ. Por enquadra-
mento tem-se então lim -ÐBÑ œ B! e portanto, pela continuidade de 0
BÄB!
concluímos que
§3. Primitivas e aplicações geométricas 233

EÐBÑ  EÐB! Ñ
Ew ÐB! Ñ œ lim œ lim 0 Ð-ÐBÑÑ œ 0 ÐB! Ñ,
BÄB! B  B! BÄB!

pelo que temos o valor da derivada que pretendíamos. 


III.3.15 (O caso mais geral de região entre dois gráficos) Suponhamos, mais
geralmente, que +  , e que temos duas funções contínuas 0 ß 1À Ò+ß ,Ó Ä ‘
tais que 1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ para cada B − Ò+ß ,Ó e que a área que pretendemos
calcular é a da região do plano limitada pelos gráficos de 0 e 1 e pela retas
verticais de abcissas + e , , isto é, do conjunto dos pares ÐBß CÑ tais que
B − Ò+ß ,Ó e 1ÐBÑ Ÿ C Ÿ 0 ÐBÑ. 149

Como anteriormente, seja, para cada B − Ò+ß ,Ó, EÐBÑ a área da região que se
obtém quando se consideram as restrições de 0 e 1 ao intervalo Ò+ß BÓ. A
função EÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ assim definida é então uma primitiva da função
B È 0 ÐBÑ  1ÐBÑ que verifica EÐ+Ñ œ !.
Dem: Vamos começar por tratar o caso particular em que, ao contrário do
caso sugerido na figura no enunciado, a função 1, e portanto também a
função 0 admite Ò!ß _Ò como codomínio.

Neste caso tem-se, para cada B − Ò+ß ,Ó, EÐBÑ œ E0 ÐBÑ  E1 ÐBÑ, onde E0 e
E1 são as funções associadas em III.3.14 a 0 e a 1, respetivamente. Tendo
em conta esse resultado, vemos assim que EÐ+Ñ œ ! e para cada B − Ò+ß ,Ó
Ew ÐBÑ œ E0w ÐBÑ  E1w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ,

o que é precisamente o que estamos a afirmar. O caso geral pode agora ser

149A situação descrita anteriormente corresponde assim ao caso em que 1ÐBÑ œ !, para
cada B.
234 Cap. III. Derivadas e aplicações

reduzido ao caso particular já estudado se reparamos que podemos sempre


fixar uma constante - − ‘ tal que as funções s0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  - e
s1ÐBÑ œ 1ÐBÑ  - já admitam Ò!ß _Ò como codomínio (tendo em conta o
teorema de Weierstrass, II.1.11, podemos tomar para - o simétrico do valor
s
mínimo de 1) e que então, sendo EÐBÑ as áreas associadas às funções s0 e s1,
s
tem-se EÐBÑ œ EÐBÑ e s0 ÐBÑ  s1ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ. 
III.3.16 (Cálculo da área da região em estudo) No contexto de III.3.15 supo-
nhamos que se encontrou uma primitiva LÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ da função Ò+ß ,Ó Ä ‘,
B È 0 ÐBÑ  1ÐBÑ. A área desta região é então igual a LÐ,Ñ  LÐ+Ñ.
Dem: Considerando a função EÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida em III.3.15, a área que
estamos a procurar determinar é, por definição, EÐ,Ñ. Uma vez que E e L
são duas primitivas da mesma função 0  1 sabemos que existe uma
constante 5 − ‘ tal que EÐBÑ œ LÐBÑ  5 para todo o B − Ò+ß ,Ó. Tem-se
então
! œ EÐ+Ñ œ LÐ+Ñ  5,
de onde deduzimos que 5 œ LÐ+Ñ e obtemos enfim
EÐ,Ñ œ LÐ,Ñ  5 œ LÐ,Ñ  LÐ+Ñ. 

III.3.17 (Exemplos) a) Determinemos a área da região constituída pelos pontos


ÐBß CÑ tais que B#  # Ÿ C Ÿ B.

Estudando a função B  ÐB#  #Ñ, constatamos que se tem B#  # Ÿ B se, e


só se, B − Ò"ß #Ó. Somos assim conduzidos a considerar as funções 0 e 1
definidas nesse intervalo por 0 ÐBÑ œ B e 1ÐBÑ œ B#  #. Uma vez a função
0 ÐBÑ  1ÐBÑ œ B  ÐB#  #Ñ admite uma primitiva LÀ Ò"ß #Ó Ä ‘ definida
# $
por LÐBÑ œ B#  B$  #B, obtemos como área da região considerada
) " " *
LÐ#Ñ  LÐ"Ñ œ Ð#   %Ñ  Ð   #Ñ œ .
$ # $ #
b) Procuremos agora determinar a área de um semicírculo de raio <, que

por 0 ÐBÑ œ È<#  B# (Lembrando que B#  C# œ <# é uma equação da


realizamos como a região determinada pela função 0 À Ò<ß <Ó Ä ‘, definida
§3. Primitivas e aplicações geométricas 235

circunferência de raio < e centro na origem, constata-se que esta região é


efetivamente o semicírculo — na figura a seguir tomamos < œ ").

Jé determinámos, no exemplo na alínea b) de III.3.12, uma primitiva desta


função, nomeadamente a função J À Ò<ß <Ó Ä ‘ definida por

arcsenÐ Ñ  BÈ<#  B# .
<# B "
J ÐBÑ œ
# < #
Obtemos assim para a área do semicírculo
<# <# 1 <# 1 <# 1 <#
J Ð<Ñ  J Ð<Ñ œ arcsenÐ"Ñ  arcsenÐ"Ñ œ  Ð Ñœ .
# # % % #
Note-se que não devemos ficar exuberantes com o resultado obtido: Limitá-
mo-nos a confirmar um facto que já conhecíamos e que foi utilizado
inúmeras vez no caminho que conduziu aos cálculos precedentes. Com efeito
o número 1 apareceu, por definição, como a área do círculo de raio " e esse
facto foi utilizado para a definição do radiano como unidade de ângulo e,
através disso, para o cálculo das derivadas das funções trigonométricas e
portanto das suas inversas. O que era perturbador era se tivéssemos chegado
a um resultado diferente para a área do semicírculo…

Vamos agora utilizar uma ideia análoga para aplicar as primitivas ao


estudo de outro problema geométrico, o do cálculo do volume dum sólido
de revolução.

III.3.18 Voltemos a considerar um intervalo fechado e limitado Ò+ß ,Ó com + Ÿ ,


e uma função contínua 0 À Ò+ß ,Ó Ä Ò!ß _Ò. Rodemos agora no espaço o
gráfico desta função em torno do eixo das abcissas, obtendo o que se chama
uma superfície de revolução, um processo que nos faz lembrar o modo como
o moleiro faz por exemplo uma jarra de barro. Pretendemos agora determinar
o volume do sólido de revolução limitado por essa superfície e pelos planos
perpendiculares ao eixo nos pontos de abcissa + e , , isto é o sólido
esquematizado a seguir, primeiro em perspetiva e sem as “tampas” e depois
no estilo da representação da figura humana pelos antigos egípcios, isto é
numa visão lateral ignorando o efeito de perspetiva, visão essa que, para uma
236 Cap. III. Derivadas e aplicações

maior clareza, será a que utilizaremos adiante.

Tal como em III.3.13, existe sempre um ponto - − Ò+ß ,Ó tal que o volume do
sólido de revolução seja igual a 10 Ð-Ñ# Ð,  +ÑÞ
Dem: O caso em que + œ , é trivial, bastando tomar - œ + œ ,Þ
Suponhamos então que +  ,. Tendo em conta o teorema de Weierstrass
(II.1.11), podemos considerar pontos +w ß ,w − Ò+ß ,Ó tais que 0 Ð+w Ñ e 0 Ð,w Ñ
sejam respetivamente o máximo e o mínimo da função 0 e então o sólido de
revolução considerado está contido num cilindro “deitado” de altura ,  + e
raio da base 0 Ð+w Ñ e contém um cilindro com a mesma altura e raio da base
0 Ð,w Ñ.

Resulta daqui que o volume Z do sólido de revolução verifica as desigual-


dades
10 Ð,w Ñ# Ð,  +Ñ Ÿ Z Ÿ 10 Ð+w Ñ# Ð,  +Ñ.
Aplicando o teorema de Cauchy-Bolzano (II.1.15) à função contínua
B È 10 ÐBÑ# Ð,  +Ñ, concluímos a existência de - entre +w e ,w ou igual a um
destes dois, em qualquer caso em Ò+ß ,Ó, tal que Z œ 10 Ð-Ñ# Ð,  +Ñ. 
III.3.19 (A função volume parcial) No contexto de III.3.18 notemos, para cada
B − Ò+ß ,Ó, Z ÐBÑ o volume do sólido de revolução que se obtém quando se
§3. Primitivas e aplicações geométricas 237

substitui 0 pela sua restrição ao intervalo Ò+ß BÓ.

Supondo +  ,, a função Z À Ò+ß ,Ó Ä ‘ assim definida é então uma primitiva


da função B È 10 ÐBÑ# que verifica a condição Z Ð+Ñ œ !.
Dem: O facto de se ter Z Ð+Ñ œ ! resulta de que, quando B œ +, o sólido de
revolução reduz-se a um círculo num plano. Resta-nos verificar que em cada
B! − Ò+ß ,Ó a função Z À Ò+ß ,Ó Ä ‘ tem derivada igual a 10 ÐB! Ñ# . Ora, dado
B Á B! em Ò+ß ,Ó, Z ÐBÑ  Z ÐB! Ñ vai ser o volume do sólido assinalado na
primeira das figuras abaixo, no caso em que B  B! , e o simétrico do volume
do sólido assinalado na segunda dessas figuras, no caso em que B  B! .

Tendo em conta o que verificámos em III.3.18, em qualquer dos dois casos


podemos associar a cada B Á B! um elemento -ÐBÑ de Ò+ß ,Ó, entre B e B! ou
igual a um destes, tal que Z ÐBÑ  Z ÐB! Ñ œ 10 Ð-ÐBÑÑ# ÐB  B! Ñ. Por
enquadramento tem-se então lim -ÐBÑ œ B! e portanto, pela continuidade de
BÄB!
0 concluímos que
238 Cap. III. Derivadas e aplicações

Z ÐBÑ  Z ÐB! Ñ
Z w ÐB! Ñ œ lim œ lim 10 Ð-ÐBÑÑ# œ 10 ÐB! Ñ# ,
BÄB! B  B! BÄB!

pelo que temos o valor da derivada que pretendíamos. 


III.3.20 (O caso mais geral da região entre dois gráficos) Suponhamos, mais
geralmente, que +  , e que temos duas funções 0 ß 1À Ò+ß ,Ó Ä Ò!ß _Ò,
contínuas e tais que 1ÐBÑ Ÿ 0 ÐBÑ para cada B − Ò+ß ,Ó, e que o volume que
pretendemos calcular é o do sólido de revolução obtido por rotação da região
do plano limitada pelos gráficos de 0 e 1 e pela retas verticais de abcissas + e
, , isto é, do conjunto dos pares ÐBß CÑ tais que B − Ò+ß ,Ó e 1ÐBÑ Ÿ C Ÿ 0 ÐBÑ
(uma bóia “com forma original”).150

Como anteriormente, seja, para cada B − Ò+ß ,Ó, Z ÐBÑ o volume do sólido de
revolução gerado região que se obtém quando se consideram as restrições de
0 e 1 ao intervalo Ò+ß BÓ. A função Z À Ò+ß ,Ó Ä ‘ assim definida é então uma
primitiva da função B È 10 ÐBÑ#  11ÐBÑ# que verifica Z Ð+Ñ œ !.
Dem: Como em III.3.15, para cada B − Ò+ß ,Ó, Z ÐBÑ œ Z0 ÐBÑ  Z1 ÐBÑ, onde
Z0 e Z1 são as funções associadas em III.3.19 a 0 e a 1, respetivamente.
Tendo em conta esse resultado, vemos assim que Z Ð+Ñ œ ! e para cada
B − Ò+ß ,Ó
Z w ÐBÑ œ Z0w ÐBÑ  Z1w ÐBÑ œ 10 ÐBÑ#  11ÐBÑ# ,

o que é precisamente o que estamos a afirmar. 


III.3.21 (Cálculo do volume do sólido de revolução) No contexto de III.3.20,
suponhamos que se encontrou uma primitiva LÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ da função
2À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida por 2ÐBÑ œ 10 ÐBÑ#  11ÐBÑ# . O volume do sólido de
revolução é então igual a LÐ,Ñ  LÐ+Ñ.
Dem: Considerando a função Z À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida em III.3.20, o volume
que estamos a determinar é, por definição, Z Ð,Ñ. Uma vez que Z e L são
duas primitivas da mesma função B È 10 ÐBÑ#  11ÐBÑ# sabemos que existe
uma constante 5 − ‘ tal que Z ÐBÑ œ LÐBÑ  5 para todo o B − Ò+ß ,Ó.
Tem-se então

150A situação descrita anteriormente corresponde assim ao caso em que 1ÐBÑ œ !, para
cada B.
§3. Primitivas e aplicações geométricas 239

! œ Z Ð+Ñ œ LÐ+Ñ  5,
de onde deduzimos que 5 œ LÐ+Ñ e obtemos enfim
Z Ð,Ñ œ LÐ,Ñ  5 œ LÐ,Ñ  LÐ+Ñ. 

III.3.22 (Exemplos) a) Procuremos confirmar a validade da fórmula que há


muito utilizamos para o volume de um cone de revolução com raio da base <
e altura 2. Para isso reparamos que um tal cone pode ser obtido como o
sólido de revolução definido pela função 0 ÐBÑ œ 2< B, com o intervalo Ò!ß 2Ó
como domínio.

Uma vez que a função 2À Ò!ß 2Ó Ä ‘ definida por


<# #
2ÐBÑ œ 10 ÐBÑ# œ 1 B
2#
#
< $
admite a primitiva LÀ Ò!ß 2Ó Ä ‘ definida por LÐBÑ œ 1 $2 # B , obtemos

como volume do cone o valor


<# $ "
LÐ2Ñ  LÐ!Ñ œ 1 2 œ ‚ Ð1<# Ñ ‚ 2
$2# $
(um terço da área da base vezes a altura).
b) Determinemos agora o volume de uma esfera de raio ". Para isso

pelo gráfico da função 0 À Ò"ß "Ó Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ È"  B# .


reparamos que esta pode ser obtida como o sólido de revolução determinado
240 Cap. III. Derivadas e aplicações

Uma vez que a função 2À Ò"ß "Ó Ä ‘ definida por


2ÐBÑ œ 10 ÐBÑ# œ 1Ð"  B# Ñ
B$
admite a primitiva LÀ Ò"ß "Ó Ä ‘ definida por LÐBÑ œ 1ÐB  $ Ñ, obtemos
como volume da esfera o valor
" " %
LÐ"Ñ  LÐ"Ñ œ 1Ð"  Ñ  1Ð"  Ñ œ 1,
$ $ $
o que está de acordo com a fórmula para o volume de uma esfera que o
estudante já encontrou anteriormente, possivelmente sem justificação.
III.3.23 (Algumas observações sobre a noção física de baricentro de uma
região plana) Consideremos uma região limitada e de área maior que ! do
plano e pensemos nela como uma simplificação de um corpo de espessura
desprezível constante, constituído por um material homogéneo (por exemplo
um tampo de uma mesa). Suponhamos que pretendemos equilibrar esse
corpo em cima de uma haste. O ponto onde devemos colocar a haste é o que
se chama o baricentro (ou centro de figura, ou centróide) da região plana.
Ilustramos a seguir dois exemplos de regiões planas com os respetivos
baricentros assinalados com a letra F .

Observe-se que no segundo exemplo o centróide não pertence à região pelo


que, para podermos colocar a haste, temos que imaginar que prolongámos o
§3. Primitivas e aplicações geométricas 241

corpo com um material de peso que se possa considerar insignificante.


Considerações físicas, que não cabe aqui explicitar mas que não deixam de
ser plausíveis, levam a concluir que a noção de baricentro goza, entre outras,
das seguintes propriedades:
a) (baricentro e transformações geométricas) Se movermos uma região
(usando translações e rotações), o baricentro move-se do mesmo modo, por
outras palavras, fica na mesma posição relativamente à região. Se substi-
tuirmos uma figura pela sua simétrica relativamente a uma reta, o baricentro
é transformado no seu simétrico. Como consequência, se a região admite um
eixo de simetria, o baricentro está necessariamente sobre esse eixo (examinar
o primeiro dos exemplos atrás) e se admitir dois eixos de simetria concor-
rentes, o baricentro está no ponto de interseção dos eixos (examinar o
segundo dos exemplos atrás). Em particular o baricentro de uma região poli-
gonal regular é o respetivo centro e o baricentro de uma região retangular é a
interseção das perpendiculares ao meio de dois lados concorrentes.
b) (baricentro e semiplanos) Se uma região está contida num dado semi-
plano (aberto ou fechado), então o seu baricentro também está contido nesse
semiplano (não se pode equilibrar o corpo num ponto se ele está todo “para o
outro lado”). Em consequência, se uma região está contida no interior de um
polígono convexo então o seu baricentro também está no interior desse
polígono (reparar que o interior de um polígono convexo é a interseção de
semiplanos limitados pelas retas definidas pelos seus lados).
c) (baricentro e subdivisões) Fixemos um sistema de eixos ortogonal e
monométrico no plano. Suponhamos que a região, com área E Á ! está
subdividida em duas partes com áreas Ew e Eww (portanto E œ Ew  Eww Ñ. Se
uma das partes tiver área nula, o baricentro da região coincide com o da outra
parte; caso contrário, sendo ÐBß CÑ as coordenadas do baricentro F da região
total e ÐBw ß Cw Ñ e ÐBww ß Cww Ñ as coordenadas dos baricentros F w e F ww das duas
partes, B e C são respetivamente as médias pesadas de Bw e Bww e de Cw e Cww , em
w ww
anbos os casos com os pesos EE e EE (cf. I.1.4). Em particular, neste último
caso, o ponto F está no segmento de reta que une F w e F ww (ou é igual a
ambos se estes coincidirem).
Como exemplo, considere-se a figura abaixo, onde a região foi subdividida
num triângulo equilátero e um quadrado, cujos baricentros foram deter-
minados por intersção de eixos de simetria.

Repare-se que, como a área do quadrado é maior que a do triângulo, o


baricentro da região total está no segmento que une os dois baricentros mas
242 Cap. III. Derivadas e aplicações

mais próximo do baricentro do quadrado.


d) (Propriedade de aditividade associada a uma subdivisão) As relações
que enunciámos em c) entre as coordenadas do baricentro da região total e as
dos baricentros das duas partes podem ser escritas explicitamente na forma
Ew w Eww ww Ew w Eww ww
Bœ B  B , Cœ C  C
E E E E
ou, de forma equivalente, se notarmos
B
s œ EB, sC œ EC
(a abcissa reescalada e a ordenada reescalada associadas à região) e
analogamente, Bs w œ E w Bw , B
sww œ Eww Bww , sCw œ Ew Cw e sCww œ Eww Cww as coorde-
nadas reescaladas associadas a cada uma das partes,
B sw  B
sœB sww , sC œ sCw  sCww .
Note-se que, apesar de o baricentro de uma região de área ! não estar
definido, podemos ainda definir para uma tal região as suas coordenadas
reescaladas Bs e sC como sendo ! e então as igualdades precedentes continuam
a ser válidas quando alguma das partes, ou ambas, tenha área !.
A propriedade de aditividade das coordenadas reescaladas que acabamos de
referir, análoga à propriedade de aditividade das áreas, faz com que, como
veremos, seja por vezes mais simples determinar o baricentro de uma região
começando por determinar a abcissa e a ordenada reescaladas, obtendo a
partir daí as coordenadas do baricentro pelas fórmulas B œ EBs e C œ EsC .
d) (Propriedade de monotonia para regiões no primeiro quadrante) Para
regiões contidas no primeiro quadrante fechado, a propriedade de aditividade
referida em c) arrasta uma propriedade de monotonia: Se uma região está
contida noutra cada uma das coordenadas reescaladas associadas à primeira é
menor ou igual à correspondente coordenada reescalada associada à segunda.
Para o concluirmos basta considerar a região complementar da primeira na
segunda que, de acordo com o referido na alínea b) de III.3.23 tem as
coordenadas do baricentro maiores ou iguais a !, o mesmo acontecendo
portanto às coordenadas reescaladas.
III.3.24 Analogamente ao que foi feito em III.3.13, fixemos um referencial orto-
gonal e monométrico no plano e consideremos um intervalo fechado e
limitado Ò+ß ,Ó com ! Ÿ + Ÿ , 151 e uma função contínua 0 À Ò+ß ,Ó Ä Ò!ß _Ò.
Consideremos a região do plano limitada pelo gráfico de 0 , pelo eixo das
abcissas e pelas rectas verticais de abcissas + e , ou, dito de outro modo, ao
conjunto dos pontos ÐBß CÑ tais que + Ÿ B Ÿ , e ! Ÿ C Ÿ 0 ÐBÑ.

151A condição + ! tem uma natureza técnica e é destinada a simplificar o que faremos
a seguir. Ela não diminui a generalidade das regiões cujo baricentro saberemos determi-
nar, uma vez que podemos sempre fixar os eixos de modo que ela se verifique.
§3. Primitivas e aplicações geométricas 243

Com o objetivo de encontrar um método para determinar o baricentro desta


região, naturalmente quando a sua área não for !, começamos por um
resultado auxiliar no mesmo espírito que os obtidos em III.3.13 e em III.3.18.
Esse resultado afirma que, nas condições referidas, existem pontos
-ß . − Ò+ß ,Ó tais que a abcissa reescalada Bs e a ordenada reescalada sC
associadas à região sejam dadas por
+, "
B
sœ 0 Ð-ÑÐ,  +Ñ, sC œ 0 Ð.Ñ# Ð,  +Ñ.
# #
Dem: Tendo em conta o teorema de Weierstrass (II.1.11), podemos consi-
derar pontos +w ß ,w − Ò+ß ,Ó tais que 0 Ð+w Ñ e 0 Ð,w Ñ sejam respetivamente o
máximo e o mínimo da função 0 e então a região considerada está contida
num retângulo de base ,  + e altura 0 Ð+w Ñ e contém um retângulo com a
mesma base e altura 0 Ð,w Ñ. Pelas propriedades de simetria do baricentro,
sabemos que estes dois retângulos têm baricentros respetivamente com as
0 Ð+w Ñ w
+, 0 Ð, Ñ
coordenadas Ð +,# ß # Ñ e Ð # ß # Ñ e portanto com coordenadas reesca-
ladas, no primeiro caso, +, w " w #
# 0 Ð+ ÑÐ,  +Ñ e # 0 Ð+ Ñ Ð,  +Ñ e, no segundo
caso, +, w " w #
# 0 Ð, ÑÐ,  +Ñ e # 0 Ð, Ñ Ð,  +Ñ. Pela propriedade de monotonia
referida na alínea d) de III.3.23, tem-se assim

+, +,
0 Ð,w ÑÐ,  +Ñ Ÿ B sŸ 0 Ð+w ÑÐ,  +Ñ,
# #
" "
0 Ð,w Ñ# Ð,  +Ñ Ÿ sC Ÿ 0 Ð+w Ñ# Ð,  +Ñ.
# #
244 Cap. III. Derivadas e aplicações

Aplicando o teorema de Cauchy-Bolzano (II.1.15), no primeiro caso, à


função contínua B È +, # 0 ÐBÑÐ,  +Ñ e, no segundo caso, à função contínua
B È "# 0 ÐBÑ# Ð,  +Ñ, concluímos a existência de - e . entre +w e ,w ou igual a
um destes dois, em qualquer caso em Ò+ß ,Ó, tal que se verifiquem as igual-
dades no enunciado. 
III.3.25 (As funções associadas às regiões parciais) No contexto de III.3.24
s
notemos, para cada B − Ò+ß ,Ó, \ÐBÑ s ÐBÑ as coordenadas reescaladas
e ]
associadas à região que se obtém quando se substitui 0 pela sua restrição ao
intervalo Ò+ß BÓ.

s ]
Supondo +  ,, as funções \ß s À Ò+ß ,Ó Ä ‘ assim definida= são então
primitivas das funções
"
B È B0 ÐBÑ, BÈ 0 ÐBÑ# ,
#
s
respetivamente, e verificam as condições \Ð+Ñ œ!e] s Ð+Ñ œ !.
s s
Dem: O facto de se ter \Ð+Ñ œ ! e ] Ð+Ñ œ ! resulta de que, quando B œ +,
a região reduz-se a um segmento de reta, portanto com área igual a !.
Resta-nos verificar que em cada B! − Ò+ß ,Ó as funções \ß s ]
s À Ò+ß ,Ó Ä ‘ têm
respetivamente derivadas iguais a B! 0 ÐB! Ñ e "# 0 ÐB! Ñ# . Ora, dado B Á B! em
s
Ò+ß ,Ó, \ÐBÑ s !Ñ e ]
 \ÐB s ÐBÑ  ]s ÐB! Ñ vão ser as coordenadas reescaladas
associadas à região assinalada na primeira das figuras abaixo, no caso em que
B  B! , e os simétricos das coordenadas reescaladas associadas à região
assinalada na segunda destas, no caso em que B  B! .

Tendo em conta o que verificámos em III.3.24, em qualquer dos dois casos


§3. Primitivas e aplicações geométricas 245

podemos associar a cada B Á B! dois elementos -ÐBÑ e .ÐBÑ de Ò+ß ,Ó, entre B
e B! ou igual a um destes, tais que

s
\ÐBÑ s ! Ñ œ B  B! 0 Ð-ÐBÑÑÐB  B! Ñ,
 \ÐB
#
s ÐBÑ  ] "
s ÐB! Ñ œ 0 Ð.ÐBÑÑ# ÐB  B! Ñ.
]
#
Por enquadramento tem-se então lim -ÐBÑ œ B! e lim .ÐBÑ œ B! e portanto,
BÄB! BÄB!
pela continuidade de 0 concluímos que
s
s w ÐB! Ñ œ lim \ÐBÑ  \ÐB! Ñ œ B! ‚ lim 0 Ð-ÐBÑÑ œ B! 0 ÐB! Ñ,
\
BÄB! B  B! BÄB!
s
s w ÐB! Ñ œ lim ] ÐBÑ  ] ÐB! Ñ œ " ‚ lim 0 Ð.ÐBÑÑ# œ " 0 ÐB! Ñ# ,
]
BÄB! B  B! # BÄB! #
pelo que temos os valores das derivadas que pretendíamos. 
III.3.26 (Cálculo das coordenadas reescaladas da região em estudo) No
contexto de III.3.24:
a) Suponhamos que se encontrou uma primitiva KÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ da função
Ò+ß ,Ó Ä ‘, B È B0 ÐBÑ. A abcissa reescalada da região em estudo é então
igual a KÐ,Ñ  KÐ+Ñ.
b) Suponhamos que se encontrou uma primitiva LÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ da função
Ò+ß ,Ó Ä ‘, B È "# 0 ÐBÑ# . A ordenada reescalada da região em estudo é então
igual a LÐ,Ñ  LÐ+Ñ.
Dem: a) Considerando a função \À s Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida em III.3.25, a abcissa
s . Uma vez que \
reescalada que estamos a determinar é, por definição \Ð,Ñ se
K são duas primitivas da mesma função B È B0 ÐBÑ sabemos que existe uma
constante 5 − ‘ tal que \ÐBÑs œ KÐBÑ  5 para todo o B − Ò+ß ,Ó. Tem-se
então
s
! œ \Ð+Ñ œ KÐ+Ñ  5 ,
de onde deduzimos que 5 œ KÐ+Ñ e obtemos enfim
s
\Ð,Ñ œ KÐ,Ñ  5 œ KÐ,Ñ  KÐ+Ñ.

b) Considerando a função ] s À Ò+ß ,Ó Ä ‘ definida em III.3.25, a ordenada


s Ð,Ñ. Uma vez que ]
reescalada que estamos a determinar é, por definição ] s e
" #
L são duas primitivas da mesma função B È # 0 ÐBÑ sabemos que existe
uma constante 5 − ‘ tal que ] s ÐBÑ œ LÐBÑ  5 para todo o B − Ò+ß ,Ó.
Tem-se então
s Ð+Ñ œ LÐ+Ñ  5 ,
!œ]
246 Cap. III. Derivadas e aplicações

de onde deduzimos que 5 œ LÐ+Ñ e obtemos enfim


s Ð,Ñ œ LÐ,Ñ  5 œ LÐ,Ñ  LÐ+Ñ.
] 

III.3.27 (Exemplo) Consideremos uma região constituída por um quarto de


círculo de raio ", que colocamos com centro na origem e contida no primeiro
quadrante (cf. a figura a seguir onde já representámos o baricentro que
vamos determinar).

função 0 À Ò!ß "Ó Ä Ò!ß _Ò definida por 0 ÐBÑ œ È"  B# .


Esta região é a determinada, no contexto que estudámos anteriormente, pela

A função Ò!ß "Ó Ä Ò!ß _Ò,

B È B0 ÐBÑ œ BÈ"  B# œ  ‚ Ð#BÑÐ"  B# Ñ # .


" "

#
admite uma primitiva K definida por
" $
KÐBÑ œ  Ð"  B# Ñ #
$
e portanto a abcissa reescalada associada à região é
"
B
s œ KÐ"Ñ  KÐ!Ñ œ .
$
Uma vez que a região tem área E œ 1% , podemos concluir que a abcissa do
baricentro é EBs œ $%1 .
Uma vez que a região é simétrica relativamente à bissectriz dos quadrantes
ímpares, já podemos concluir que a ordenada do barticentro é também igual a
%
$1 . Confimemos este resultado calculando essa ordenada pelos métodos
estudados atrás: A função Ò!ß "Ó Ä Ò!ß _Ò
" " B#
BÈ 0 ÐBÑ# œ 
# # #
admite uma primitiva L definida por
§3. Primitivas e aplicações geométricas 247

B B$
LÐBÑ œ 
# '
e portanto a ordenada reescalada associada à região é
" " "
sC œ LÐ"Ñ  LÐ!Ñ œ  œ
# ' $
sC %
e daqui deduzimos que a ordenada do baricentro é E œ $1 , de acordo com o
previsto.
III.3.28 (O baricentro duma região triangular) O baricentro de uma região
triangular pode ser obtido do seguinte modo: Para cada vértice do triângulo
considera-se a reta paralela ao lado oposto (base do triângulo) cuja distância
ao vértice é #Î$ da distância da base ao vértice; as três retas assim obtidas
intersetam-se num mesmo ponto152 que vai ser o baricentro.

Dem: O que temos que mostrar é que o baricentro pertence a cada uma das
três retas referidas. Vamos começar por examinar o caso particular em que o
triângulo é retângulo e em que a base correspondente ao vértice é um dos
catetos. “Coloquemos” o triângulo num sistema de eixos da forma descrita na
figura abaixo, em que a base considerada é a contida no eixo das abcissas.

Temos neste caso a região associada à função 0 À Ò!ß +Ó Ä Ò!ß _Ò definida
,# #
por 0 ÐBÑ œ +, B. Uma vez que a função B È #" 0 ÐBÑ# œ #+ #B admite a
primitiva LÀ Ò!ß +Ó Ä Ò!ß _Ò definida por

152Não seria a priori evidente que as três retas passassem por um mesmo ponto, aliás se,
em vez de #Î$ tivéssemos usado outra proporção, a interseção de cada par de retas não
pertenceria à terceira. O facto de as três retas passarem por um mesmo ponto (que é com-
partilhado por outras situações da geometria do triângulo que o estudante decerto conhe-
ce) é parte da conclusão que estamos a enunciar.
248 Cap. III. Derivadas e aplicações

,# $
LÐBÑ œ B ,
'+#
concluímos que a ordenada reescalada sC é dada por
,# $ +,#
sC œ LÐ+Ñ  LÐ!Ñ œ #
+ œ
'+ '
"
e portanto, como a área E do triângulo é igual a # +, , a ordenada do
baricentro é
sC ,
œ ,
E $
o que quer precisamente dizer que o baricentro pertence à reta horizontal de
ordenada $, que é paralela à base e a uma distância do vértice igual a #$ ,, com
, distância do vértice à base.
Passemos agora ao caso em que não estamos na situação descrita
anteriormente. Podemos considerar então a perpendicular à base que passa
pelo vértice considerado, a qual determina dois triângulos retângulos com o
mesmo vértice e com os catetos opostos contidos na mesma reta que contém
a base (as figuras a seguir ilustram as duas situações possíveis, conforme os
ângulos adjacentes à base sejam ambos agudos ou um deles seja obtuso). Em
qualquer caso a reta paralela à base sobre a qual afirmamos que se situa o
baricentro é a mesma para o triângulo dado e para os dois triângulos
retângulos pelo que, como para estes já sabemos que o baricentro se encontra
efetivamente nela, resulta da propriedade dos baricentros referida na alínea c)
de III.3.23 que o mesmo acontece com o triângulo dado.

III.3.29 (Nota) Em Geometria costuma definir-se o baricentro dum triângulo


como sendo o ponto de interseção das três medianas, isto é das três retas que
unem os vértices aos pontos médios dos lados opostos (prova-se que essas
três retas passam por um mesmo ponto). Um exercício simples de Geometria
Analítica, que não parece oportuno abordar aqui, mostra que esse ponto de
interseção tem uma distância a cada vértice igual a #$ da distância deste ao
ponto médio do lado oposto o que, lembrando o teorema de Tales, implica
que ele pertence a cada uma das paralelas referidas no enunciado de III.3.28,
e portanto coincide com o baricentro da região triangular que determinámos.
§3. Primitivas e aplicações geométricas 249

Exercícios

Ex III.3.1 Determinar primitivas das funções definidas por cada uma das
expressões seguintes nos domínios indicados.

a) 0 ÐBÑ œ ÈB& , B − Ò!ß _Ò;


$

ÈB  "  ÈB  "
"
b) 0 ÐBÑ œ , B − Ó"ß _Ò;

c) 0 ÐBÑ œ ÐB  "ÑÈB  ", B − Ó"ß _Ò;


d) 0 ÐBÑ œ BsenÐB#  "Ñ:
e) 0 ÐBÑ œ arcsenÐBÑ, B − Ó"ß "Ò;
, B − ÓÈ#ß È#Ò;
È #  B#
"
f) 0 ÐBÑ œ

"
g) 0 ÐBÑ œ # , B − ‘;
B  #B  #
"
h) 0 ÐBÑ œ # , B − Ó"ß _Ò:
B  #B  $
"
i) 0 ÐBÑ œ , B − Ó"ß _Ò;
BlnÐBÑ
"
j) 0 ÐBÑ œ % , B − Ó"ß _Ò;
B "
k) 0 ÐBÑ œ sen# ÐBÑcos# ÐBÑ, B − ‘;
j) 0 ÐBÑ œ ÈB#  ", B − Ò"ß _Ò.

Ex III.3.2 Determinar uma primitiva da função 0 À Ó_ß !Ò Ä ‘ definida por


0 ÐBÑ œ B" .
Ex III.3.3 Determinar uma primitiva da função 0 À ‘ Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ lBl.
Ex III.3.4 Determinar a área da região determinada pelo eixo das abcissas e o
gráfico da função seno restrita ao intervalo Ò!ß 1Ó.
250 Cap. III. Derivadas e aplicações

Ex III.3.5 Determinar a área limitada pelos gráficos das funções


0 ÐBÑ œ senÐB# Ñ  BÐÈ1  BÑ, 1ÐBÑ œ senÐB# Ñ,

definidas no intervalo Ò!ß È1Ó.

Ex III.3.6 Mostrar que o volume do toro de revolução (bóia com a forma usual),
obtido por rotação de um círculo de raio < em torno de um eixo do seu plano
a uma distância V < do centro, é igual a #1# <# V .

æ Ex III.3.7 Dada uma esfera maciça de raio V fez-se um furo segundo a


direcção de um diâmetro com uma broca de raio < e obteve-se assim um
sólido do tipo “pérola” de colar. Verificou-se que a altura do sólido, quando
pousado com uma das aberturas para baixo, era igual a # (cf. a figura abaixo,
onde, para simplificar, se colocaram as aberturas para os lados)
§3. Primitivas e aplicações geométricas 251

Determinar o volume do sólido, reparando que o resultado não depende de V


e <. Sugestão: Reparar que o valor da altura implica uma relação entre V e <.
æ Ex III.3.8 (Generalização de III.3.25 e III.3.26) Sejam 0 ß 1À Ò+ß ,Ó Ä ‘ duas
funções contínuas, onde +  , mas não necessariamente + !, tais que, para
cada B − Ò+ß ,Ó, 0 ÐBÑ Ÿ 1ÐBÑ. Pretendemos determinar a abcissa reescalada B s
e a ordenada reescalada sC da região limitada pelos gráficos de 0 e de 1 e
pelas retas verticais de abcissas + e , o que nos permitirá, se conhecermos a
área da região, suposta diferente de ! (cf. III.3.16), determinar as coorde-
nadas do baricentro da região.

Analogamente ao que tem vindo a ser feito, notamos, para cada B − Ò+ß ,Ó,
s
\ÐBÑ e]s ÐBÑ as coordenadas reescaladas associadas à região que se obtém
quando se substitui 0 e 1 pelas suas restrições ao intervalo Ò+ß BÓ. Os valores
s
procurados são assim \Ð,Ñ e]s Ð,Ñ e tem-se naturalmente \Ð+Ñ
s œ] s Ð+Ñ œ !.
a) Suponhamos provisoriamente as condições suplementares de se ter + !
e de 0 e 1 admitirem Ò!ß _Ò como codomínio (a região está contida no
primeiro quadrante fechado). Utilizar III.3.25 para deduzir que as funções
\sß ]
s À Ò+ß ,Ó Ä ‘ são deriváveis e com derivadas

s w ÐBÑ œ BÐ1ÐBÑ  0 ÐBÑÑ,


\ s w ÐBÑ œ " ˆ1ÐBÑ#  0 ÐBÑ# ‰.
]
#
b) Verificar que as conclusões de a) continuam a ser válidas mesmo sem
supor as condições suplementares referidas nessa alínea. Deduzir que, se
Kß LÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ forem primitivas das funções

ˆ1ÐBÑ#  0 ÐBÑ# ‰
"
B È BÐ1ÐBÑ  0 ÐBÑÑ, BÈ
#
respetivamente, então a abcissa e a ordenada reescaladas da região são iguais
a KÐ,Ñ  KÐ+Ñ e LÐ,Ñ  LÐ+Ñ respetivamente.
Sugestão: Considerar uma constante - tal que 0 ÐBÑ  - !, para cada B, e
novas funções 0" ß 1" À Ò!ß ,  +Ó Ä Ò!ß _Ò definidas por
0" ÐBÑ œ 0 ÐB  +Ñ  - , 1" ÐBÑ œ 1ÐB  +Ñ  - ,
às quais já podemos aplicar as conclusões obtidas em a). Reparar que a
região associada a 0 e 1 pode ser obtida a partir da associada a 0" e 1" por
uma translação de coordenadas Ð+ß -Ñ e, notando EÐBÑ e E" ÐBÑ as áreas
252 Cap. III. Derivadas e aplicações

parciais associadas a 0 e a 1 e a 0" e a 1" assim como, em geral, utilizando o


índice " para distinguir as quantidades associadas a 0" e 1" , reparar que
s
\ÐBÑ s " ÐB  +Ñ  +EÐBÑ,
œ\ s " ÐBÑ œ ]
] s " ÐB  +Ñ  -EÐBÑ,

onde Ew ÐBÑ œ 1ÐBÑ  0 ÐBÑ.

Ex III.3.9 a) Utilizar o exercício III.3.8 para determinar o baricentro da região


limitada pelos gráficos das funções sen ß cosÀ ‘ Ä ‘, entre os pontos de
interseção destes gráficos com abcissas 1% e &%1 .

b) Mostrar que uma rotação de ")!° em torno do baricentro que foi


determinado transforma a região considerada nela mesma. Que propriedade
dos baricentros nos teria permitido prever o resultado que foi obtido?
Ex III.3.10 (Áreas de regiões definidas em coordenadas polares) Sejam + Ÿ ,
no intervalo Ò!ß #1Ó e 0 À Ò+ß ,Ó Ä Ò!ß _Ò uma função contínua.

Esta função, no caso em que +  , , vai definir uma “curva”, constituída


pelos pontos com coordenadas da forma
ˆ0 Ð>ÑcosÐ>Ñß 0 Ð>ÑsenÐ>щ,

com > − Ó+ß ,Ò, pontos cuja distância à origem é 0 Ð>Ñ. O que se pretende neste
§3. Primitivas e aplicações geométricas 253

exercício é justificar um método para determinar a área da região aberta153


limitada pela curva e pelos segmentos de reta que unem as extremidades
desta à origem, mais precisamente, da região cujos elementos são os pontos
distintos da origem com argumento > − Ó+ß ,Ò e com distância à origem menor
que 0 Ð>Ñ.154

a) Mostrar que existe - − Ò+ß ,Ó tal que a área E da região seja dada por
"
Eœ 0 Ð-Ñ# Ð,  +Ñ.
#
b) Seja, para cada B − Ò+ß ,Ó, EÐBÑ a área da região análoga que se obtém
quando se substitui 0 pela sua restrição ao intervalo Ò+ß BÓ. Verificar que
EÐ+Ñ œ ! e que Ew ÐBÑ œ "# 0 ÐBÑ# .

c) Deduzir de b) que, se KÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ for uma primitiva da função que a B


associa "# 0 ÐBÑ# , então a área da região que estamos a considerar é dada por
KÐ,Ñ  KÐ+Ñ.
Ex III.3.11 Utilizar a conclusão do exercício III.3.10 para determinar a área da
cardióide, região constituídas pelos pontos do plano distintos da origem que

153O facto de considerarmos a região aberta ou a região fechada é irrelevante para efeito
do cálculo da área mas evita alguns problemas técnicos no que faremos a seguir.
154Repare-se que, no caso em que + œ , não há curva mas esta região é o conjunto vazio.
254 Cap. III. Derivadas e aplicações

têm um argumento > − Ó!ß #1Ò e distância à origem menor que "  senÐ>Ñ.

Ex III.3.12 (Todas as funções contínuas têm primitiva?) Um teorema impor-


tante da Análise Matemática, cuja demonstração será estudada na disciplina
de Análise do segundo semestre, afirma que qualquer função contínua
0 À Ò+ß ,Ó Ä ‘, cujo domínio é um intervalo fechado e limitado não trivial
Ò+ß ,Ó, admite uma primitiva J À Ò+ß ,Ó Ä ‘. 155
Uma tentativa de explicação deste resultado seria fazer notar que, no caso em
que 0 admite Ò!ß _Ò como codomínio, a função “área parcial”
EÀ Ò+ß ,Ó Ä ‘ referida em III.3.14 é uma tal primitiva e que, no caso geral,
pode-se encontrar, pelo teorema de Weierstrass, uma constante - tal que
0 ÐBÑ  - !, para cada B, e então, partindo de uma primitiva desta função e
subtraindo -B, obtém-se uma primitiva de 0 .
Por que razão este argumento não pode ser considerado como uma
demonstração no contexto da Análise Matemática?

155De facto, deduz-se daqui facilmente que a mesma conclusão é válida no caso em que o
domínio é um intervalo não trivial de qualquer tipo.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 255

§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor.

III.4.1 (Derivadas de ordem # e $) Seja \ § ‘ um conjunto cujos elementos


são todos pontos de acumulação, por exemplo um intervalo não trivial, e seja
0 À \ Ä ‘ uma função.
1) Embora sem relação com a derivabilidade será cómodo dizer que 0 é !
vezes derivável num ponto + − \ se 0 for contínua no ponto + e, nesse caso,
definir a sua derivada de ordem !, 0 Ð!Ñ Ð+Ñ, no ponto + como sendo sinónimo
de 0 Ð+Ñ. Dizemos que 0 é ! vezes derivável, ou que é de classe G ! , se 0 for
! vezes derivável em todos os pontos de \ , isto é, se 0 for contínua.
2) Dizemos que 0 é " vez derivável num ponto + − \ se for derivável nesse
ponto e, nesse caso, definimos a sua derivada de ordem ", 0 Ð"Ñ Ð+Ñ, no ponto
+ como sendo sinónima de 0 w Ð+Ñ. A função 0 diz-se " vez derivável se for "
vez derivável em todos os pontos de \ , ou seja, como foi definido em III.1.4,
se for derivável, ficando então definida uma nova função 0 Ð"Ñ œ 0 w À \ Ä ‘,
a que se dá o nome de função derivada, ou função derivada de ordem ".
Dizemos que a função 0 À \ Ä ‘ é de classe G " se for derivável e a função
derivada 0 w À \ Ä ‘ for contínua (ou seja, de classe G ! …). Lembrar também
que sabemos que uma função derivável é sempre contínua, ou seja, de classe
G !.
3) Diz-se que 0 À \ Ä ‘ é # vezes derivável num ponto + − \ se a função
for derivável (ou seja " vez derivável) e a função derivada 0 w œ 0 Ð"Ñ À \ Ä ‘
for derivável no ponto +. A derivada de 0 w no ponto + é então notada 0 ww Ð+Ñ
ou 0 Ð#Ñ Ð+Ñ e chamada de segunda derivada de 0 no ponto +, ou derivada de
ordem # de 0 nesse ponto. A função diz-se # vezes derivável se tiver
derivada de segunda ordem em todos os pontos (ou seja, se for derivável e a
função derivada 0 w À \ Ä ‘ também for derivável) e ficamos então com uma
função 0 ww œ 0 Ð#Ñ À \ Ä ‘ a que se dá o nome de segunda derivada de 0 , ou
derivada de ordem # de 0 , dizendo-se, neste caso, que a função 0 é de classe
G # quando a função 0 ww À \ Ä ‘ for contínua (ou seja, quando 0 w for de
classe G " Ñ. Repare-se que, uma vez que uma função derivável é contínua,
concluímos que uma função # vezes derivável é sempre de classe G " , e
portanto também de classe G ! .
4) O que vamos referir nesta alínea vai ser um caso particular da definição
recursiva que explicaremos adiante mas, mesmo assim, talvez valha a pena
examinar explicitamente mais um passo. Diz-se que 0 À \ Ä ‘ é $ vezes
derivável num ponto + − \ se a função for # vezes derivável e a função
derivada de segunda ordem 0 ww œ 0 Ð#Ñ À \ Ä ‘ for derivável no ponto +. A
derivada de 0 ww no ponto + é então notada 0 www Ð+Ñ ou 0 Ð$Ñ Ð+Ñ e chamada de
terceira derivada de 0 no ponto +, ou derivada de ordem $ de 0 nesse ponto.
A função diz-se $ vezes derivável se tiver derivada de terceira ordem em
256 Cap. III. Derivadas e aplicações

todos os pontos (ou seja, se for # vezes derivável e a função segunda


derivada 0 ww À \ Ä ‘ for derivável) e ficamos então com uma função
0 www œ 0 Ð$Ñ À \ Ä ‘ a que se dá o nome de terceira derivada de 0 , ou
derivada de ordem $ de 0 . Neste caso dizemos que a função 0 é de classe G $
quando a função 0 www À \ Ä ‘ for contínua (ou seja, quando 0 ww for de classe
G " Ñ. Analogamente ao que foi dito nas alíneas precedentes, uma função $
vezes derivável é sempre de classe G # , e portanto também de classe G " e G ! .
III.4.2 (Exemplo de aplicação — máximos e mínimos relativos) Sejam \ um
intervalo, + um ponto interior a \ e 0 À \ Ä ‘ uma função derivável em + e
atingindo nesse ponto um máximo ou um mínimo (ou, mais geralmente, um
máximo ou um mínimo relativos). Sabemos então (teorema de Fermat, cf.
III.2.1 e III.2.2) que se tem 0 w Ð+Ñ œ !. Já observámos, no entanto que o facto
de se ter 0 w Ð+Ñ œ ! não garante por si só que a função tenha que ter em + um
máximo ou mínimo relativo. Vamos agora verificar que o facto de ser ter
0 w Ð+Ñ œ !, complementado pelo conhecimento da derivada de segunda
ordem no ponto + pode ser suficiente para tirarmos conclusões sobre a
existência de máximo ou mínimo relativos. Mais precisamente:
Sejam \ um intervalo e 0 À \ Ä ‘ uma função # vezes derivável num ponto
+ interior a \ e tal que 0 w Ð+Ñ œ ! e 0 ww Ð+Ñ  ! (respetivamente 0 ww Ð+Ñ  !).
Existe então &  ! tal que, para cada B − Z& Ð+Ñ  \ , 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ (respeti-
vamente 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ), por outras palavras, 0 atinge em + um mínimo estrito
(respetivamente máximo estrito) relativo.156
Dem: Examinaremos apenas o caso em que 0 ww Ð+Ñ  ! uma vez que aquele
em que 0 ww Ð+Ñ  ! pode ser demonstrado de modo análogo ou, alternativa-
mente, por aplicação do caso que vamos examinar à função 0 . Ora, tendo
em conta o facto de se ter
0 w ÐBÑ 0 w ÐBÑ  0 w Ð+Ñ
lim œ lim œ 0 ww Ð+Ñ  !
BÄ+ B  + BÄ+ B+
BÁ+ BÁ+

implica, pela propriedade dos limites referida em I.5.2, que existe &  ! tal
w
que para cada B − Z& Ð+Ñ  \ se tenha 0B+ÐBÑ
 !, portanto 0 w ÐBÑ  ! se B  +
e 0 w ÐBÑ  ! se B  +Þ Concluímos daqui, por III.2.11, que a função 0 é estri-
tamente crescente no intervalo Z& Ð+Ñ  \ + e estritamente decrescente no
intervalo Z& Ð+Ñ  \Ÿ+ em particular se B Á + em \  Z& Ð+Ñ, quer no caso
em que B  + como naquele em que B  +, tem-se 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ. 
III.4.3 (Derivadas de ordem superior) Não há nenhuma razão para pararmos
nas derivadas de ordem $ e podemos também definir derivadas de ordem
superior. Utilizamos para isso uma definição recursiva, que define o que são
as derivadas de ordem :  " a partir das derivadas de ordem :, generalizando
o que se fez nas alíneas 3) e 4) de III.4.1 para passar das derivadas de

156Pelo contrário, se for também 0 ww Ð+Ñ œ !, não poderemos dizer nada sobre a existência
ou não de extremo relativo em +, sem fazer um estudo mais completo.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 257

primeira ordem para as de segunda e das derivadas de segunda ordem para as


de terceira. Para não multiplicarmos o número de plicas na notação das
derivadas, será usual utilizar nas derivadas de ordem superior a $, ou nas de
ordem indeterminada, as notações sem plicas.
A definição recursiva consiste em admitir que já sabemos os que são, para
um certo : ", as funções : vezes deriváveis e o que são as respetivas
derivadas de ordem :, notadas 0 Ð:Ñ , em particular, o que são as funções de
classe G : . Diz-se então que uma função 0 À \ Ä ‘ é :  " vezes derivável
num ponto + − \ se for : vezes derivável e a função derivada de ordem :,
0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ for derivável no ponto + e, nesse caso, a derivada desta função
no ponto + toma o nome de derivada de ordem :  " de 0 no ponto + e é
notada 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ. A função 0 À \ Ä ‘ diz-se :  " vezes derivável se o for
em todos os pontos de \ (caso em que ela é automaticamente de qualquer
das classes G ! ß G " ß G # ß á ß G : ) e diz-se de classe G :" quando, além disso,
a função 0 Ð:"Ñ À \ Ä ‘ assim obtida for contínua.157
Referimos enfim que a função 0 À \ Ä ‘ diz-se de classe G _ , ou indefini-
damente derivável, se for de classe G : para todo o natural :.
III.4.4 (Resultado elementar de uso frequente) Seja \ § ‘ um conjunto cujos
elementos são todos pontos de acumulação, por exemplo um intervalo não
trivial, e seja 0 À \ Ä ‘ uma função. Dados : " e ; ", a função é :  ;
vezes derivável num ponto + − \ se, e só se, ela é : vezes derivável e a
derivada de ordem :, 0 Ð:Ñ À \ Ä ‘, é ; vezes derivável no ponto + e, nesse
caso, a derivada 0 Ð:;Ñ Ð+Ñ coincide com a derivada de ordem ; , Ð0 Ð:Ñ ÑÐ;Ñ , da
função 0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ no ponto +. Em consequência, 0 À \ Ä ‘ é :  ; vezes
derivável (respetivamente, é de classe G :; ) se, e só se, é : vezes derivável e
0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ é ; vezes derivável (respetivamente de classe G ; ).
Dem: Trata-se de um resultado que porventura seremos levados a aceitar
como muito intuitivo mas do qual se pode explicitar uma prova por indução
matemática no número natural ; : Para ; œ ", temos simplesmente a definição
recursiva da derivada de ordem superior. Suponhamos então que a afirmação
é verdadeira para um certo ; ". Pela definição recursiva, 0 é
:  Ð;  "Ñ œ Ð:  ;Ñ  " vezes derivável em + se, e só se for :  ; vezes
derivável e a derivada de ordem :  ; , 0 Ð:;Ñ À \ Ä ‘ for derivável em +,
tendo-se então 0 Ð:;"Ñ Ð+Ñ œ Ð0 Ð:;Ñ Ñw Ð+Ñ. Mas, pela hipótese de indução, 0
é :  ; vezes derivável se, e só se for : vezes derivável e com 0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ ;
vezes derivável, caso em que 0 Ð:;Ñ œ Ð0 Ð:Ñ ÑÐ;Ñ . Concluímos assim que 0 é

157Deve ter-se em atenção uma particularidade do caso : œ ! que implicou que começás-
semos a nossa definição recursiva com a passagem de " para #: De acordo com as
convenções que estamos a fazer, embora uma função :  " vezes derivável num ponto
(onde : ") seja : vezes derivável em todos os pontos, uma função " vez derivável em
todos os pontos não tem que ser ! vezes derivável (isto é, contínua) em todos os pontos,
embora o seja evidentemente no ponto em questão. É claro que, quando a função for "
vez derivável em todos os pontos a particularidade deixa de existir: A função tem também
derivada de ordem ! em todos os pontos e portanto é de classe G ! .
258 Cap. III. Derivadas e aplicações

:  Ð;  "Ñ vezes derivável em + se, e só se 0 for : vezes derivável, a


função 0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ for ; vezes derivável e a função Ð0 Ð:Ñ ÑÐ;Ñ À \ Ä ‘ for
derivável em + o que, mais uma vez pela definição recursiva, é equivalente à
função 0 Ð:Ñ ser ;  " vezes derivável em +, tendo-se nesse caso

0 Ð:;"Ñ Ð+Ñ œ Ð0 Ð:;Ñ Ñw Ð+Ñ œ ˆÐ0 Ð:Ñ ÑÐ;Ñ ‰ Ð+Ñ œ Ð0 Ð:Ñ ÑÐ;"Ñ Ð+Ñ,
w

o que termina a prova por indução. 

Vamos agora verificar que um número muito importante de funções que


encontramos na prática são de classe G _ . Fazemo-lo verificando esse
facto para algumas funções e mostrando em seguida que as operações
usuais que permitem construir novas funções a partir de outras mais
simples conduzem a funções de classe G : quando partem de funções de
classe G : Þ As justificações destes últimos factos serão feitas em geral por
indução, aplicando o caso : œ " da propriedade estabelecida em III.4.4.
Observe-se a propósito que, apesar de para os exemplos básicos que refe-
rimos a seguir conseguirmos encontrar caracterizações explícitas das deri-
vadas de ordem :, isso pode ser considerado, de certo modo, excecional.
Para muitas funções de classe G _ definidas por expressões mais compli-
cadas, conseguimos determinar para cada : uma expressão para a sua
derivada de ordem : (calculando sucessivamente as derivadas de ordens
inferiores) mas não é fácil explicitar uma fórmula que dê diretamente para
cada : a derivada de ordem :.

III.4.5 (As funções constantes) Se - − ‘, a função constante 0 À ‘ Ä ‘ de valor


- é de classe G _ e com 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ !, para cada : ".
Dem: A demonstração, por indução em :, é uma consequência do facto de
uma função constante ser contínua e ter derivada !. 
III.4.6 (As funções potência de expoente natural) Se 8 é um número natural,
então a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B8 é de classe G _ tendo-se
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ ! para :  8 e, para ! Ÿ : Ÿ 8,
8x
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ B8: , 158
Ð8  :Ñx

em particular 0 Ð8Ñ ÐBÑ œ 8x. Repare-se que, em particular, tem-se 0 Ð:Ñ Ð!Ñ œ !
para cada : Á 8 e, é claro, 0 Ð8Ñ Ð!Ñ œ 8x.
Dem: O caso em que : œ ! é trivialmente verdadeiro. Para : œ ", sabemos
que se tem
8x
0 Ð"Ñ ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ œ 8B8" œ B8" .
Ð8  "Ñx
Supondo que a afirmação do enunciado é verdadeira para um certo : 1

158De facto, esta fórmula também vale trivialmente para : œ !.


§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 259

verifiquemo-la para o natural seguinte :  ". Se : œ 8 estamos a supor que


0 Ð:Ñ ÐBÑ œ 8x (constante) e portanto 0 Ð:"Ñ ÐBÑ œ !. Se :  8 estamos a supor
que 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ !, e portanto também 0 Ð:"Ñ ÐBÑ œ !. Por fim, se :  8
8x
estamos a supor que 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ Ð8:Ñx B8: e daqui deduzimos que

8x 8x
0 Ð:"Ñ ÐBÑ œ Ð8  :ÑB8:" œ B8Ð:"Ñ .
Ð8  :Ñx Ð8  Ð:  "ÑÑx
Em qualquer dos casos, justificámos a afirmação do enunciado com :  " no
lugar de :, o que prova o resultado por indução em :. 
III.4.7 (A função exponencial) Ainda com uma justificação mais simples que a
dada para o caso da função potência de expoente natural, verificamos
imediatamente que a função exponencial de base /, expÀ ‘ Ä ‘, definida por
expÐBÑ œ /B , é de classe G _ , e com expÐ:Ñ ÐBÑ œ expÐBÑ, para cada : !.
III.4.8 (As funções seno e cosseno) As funções cosÀ ‘ Ä ‘ e senÀ ‘ Ä ‘ são
de classe G _ e as suas derivadas cosÐ;Ñ e senÐ;Ñ , de ordem ; , estão definidas
pelas seguintes fórmulas, onde : ! é um inteiro:
cosÐ%:Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ, senÐ%:Ñ ÐBÑ œ senÐBÑß
cosÐ%:"Ñ ÐBÑ œ senÐBÑ, senÐ%:"Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑß
cosÐ%:2Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ, senÐ%:#Ñ ÐBÑ œ senÐBÑß
cosÐ%:$Ñ ÐBÑ œ senÐBÑ, senÐ%:$Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ.

Dem: Derivando sucessivamente obtemos cosw ÐBÑ œ senÐBÑß cosww ÐBÑ œ


cosÐBÑß coswww ÐBÑ œ senÐBÑ, cosÐ%Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ. Daqui resulta, por indução
em :, que cosÐ%:Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ e portanto

cosÐ%:"Ñ ÐBÑ œ ˆcosÐ%:Ñ ‰ ÐBÑ œ cosw ÐBÑ œ senÐBÑ,


Ð"Ñ

cosÐ%:#Ñ ÐBÑ œ ˆcosÐ%:Ñ ‰ ÐBÑ œ cosÐ#Ñ ÐBÑ œ cosÐBÑ,


Ð#Ñ

cosÐ%:$Ñ ÐBÑ œ ˆcosÐ%:Ñ ‰ ÐBÑ œ cosÐ$Ñ ÐBÑ œ senÐBÑ.


Ð$Ñ

As fórmulas para as derivada do seno têm uma justificação análoga ou,


alternativamente, resultam das anteriores se repararmos que a igualdade
senw ÐBÑ œ cosÐBÑ implica que

senÐ;"Ñ ÐBÑ œ ˆsenw ‰ ÐBÑ œ cosÐ;Ñ ÐBÑ.


Ð;Ñ

III.4.9 (A função B" ) A função 0 À ‘ Ï Ö!× Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ "


B é de
classe G _ e as suas derivadas de ordem : ! estão definidas por
Ð"Ñ: :x
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ .
B:"
Dem: O caso : œ ! é trivialmente verdadeiro. Provamos, por indução em :,
260 Cap. III. Derivadas e aplicações

que 0 é de classe G : para cada : −  e com a derivada de ordem : definida


do modo indicado. Isso vai resultar por aplicação da regra de derivação do
inverso de uma função (cf. III.1.10). Vem assim 0 w ÐBÑ œ "
B# e, supondo que,
Ð:Ñ Ð"Ñ: :x
para um certo : ", 0 ÐBÑ œ B:" , obtemos
w Ð"Ñ: :xÐ:  "ÑB: Ð"Ñ:" Ð:  "Ñx
0 Ð:"Ñ ÐBÑ œ 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ œ . 
B#:# B:#

III.4.10 (A função B. ) Seja . − ‘ e consideremos a função 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘


definida por 0 ÐBÑ œ B. . Esta função é de classe G _ e as derivadas de ordem
: " estão definidas por
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ .Ð.  "ÑÐ.  #ÑâÐ.  Ð:  "ÑÑB.: .

Dem: Provamos, por indução em :, que 0 é de classe G : para cada : e com a


derivada de ordem : definida do modo indicado. O caso em que : œ "
resume-se à igualdade 0 w ÐBÑ œ .B." , que já encontrámos em III.1.16.
Supondo que, para um certo : ",
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ .Ð.  "ÑÐ.  #ÑâÐ.  Ð:  "ÑÑB.: ,
obtemos então, pelo mesmo resultado
w
0 Ð:"Ñ ÐBÑ œ 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ .Ð.  "ÑÐ.  #ÑâÐ.  Ð:  "ÑÑÐ.  :ÑB.:" œ
œ .Ð.  "ÑÐ.  #ÑâÐ.  Ð:  "  "ÑÑB.Ð:"Ñ . 

III.4.11 (Restrições) Sejam ] § \ dois subconjuntos de ‘ cujos elementos são


todos pontos de acumulação. Se 0 À \ Ä ‘ é uma função : vezes derivável
num ponto + − ] , então a restrição 0Î] À ] Ä ‘ é também : vezes derivável
no ponto + a com a mesma derivada de ordem : no ponto + que 0 . Em conse-
quência, se 0 é : vezes derivável (respetivamente de classe G : ) então 0Î] é
também : vezes derivável (respetivamente de classe G : Ñ.
Dem: Trata-se de uma propriedade que decorre naturalmente, por indução
em :, da propriedade sobre a derivada de uma restrição e daquela que afirma
que a restrição de uma função contínua num ponto é contínua nesse ponto. 
III.4.12 (Linearidade) Sejam \ § ‘ um conjunto cujos elementos são todos
pontos de acumulação, 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções e - − ‘.
a) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis num ponto + − \ então as funções
0  1À \ Ä ‘ e -0 À \ Ä ‘ são também : vezes deriváveis em B e com
Ð0  1ÑÐ:Ñ Ð+Ñ œ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ  1Ð:Ñ Ð+Ñ, Ð-0 ÑÐ:Ñ Ð+Ñ œ -0 Ð:Ñ Ð+Ñ.

b) Se 0 e 1 forem : vezes deriváveis (respetivamente de classe G : ) então as


funções 0  1 e -0 são também : vezes deriváveis (respetivamente de classe
G Ð:Ñ ).
Dem: Trata-se, como antes, de uma propriedade que decorre naturalmente,
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 261

por indução em :, da propriedade sobre a derivada de uma soma e do


produto por uma constante (cf. a alínea a) de III.1.7), tendo em conta a
continuidade num ponto da soma de duas funções contínuas nesse ponto e do
produto de uma constante por uma função contínua nesse ponto. 
III.4.13 (Corolário) Uma vez que uma soma finita de funções pode ser sempre
obtida por aplicação repetida da operação de somar duas funções, decorre do
resultado precedente que uma soma finita de funções : vezes deriváveis num
ponto + é ainda uma função : vezes derivável no ponto + e com derivada de
ordem : em + igual à soma das derivadas de ordem : no ponto + das funções
de partida (se se quiser ser mais claro pode sempre fazer-se um raciocínio por
indução no número de parcelas). Consequentemente, a soma finita de
funções : vezes deriváveis (respetivamente de classe G : Ñ é ainda : vezes
derivável (respetivamente de classe G : ).
Como exempo de aplicação do que acabamos de referir, e tendo em conta
III.4.6, concluímos que, se 0 À ‘ Ä ‘ é uma função polinomial de grau 8 "
da forma
0 ÐBÑ œ +! B8  +" B8"  +# B8#  â  +8" B  +8 ,

com +! ß +" ß á ß +8 em ‘ e +! Á !, então 0 é de classe G _ , 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ ! para


cada :  8, 0 Ð8Ñ ÐBÑ œ 8x+! e 0 Ð:Ñ Ð!Ñ œ :x+8: para cada ! Ÿ : Ÿ 8. Esta
conclusão permite-nos, em particular, escrever a igualdade
0 w Ð!Ñ 0 Ð#Ñ Ð!Ñ # 0 Ð8"Ñ Ð!Ñ 8" 0 Ð8Ñ Ð!Ñ 8
0 ÐBÑ œ 0 Ð!Ñ  B B â B  B ,
"x #x Ð8  "Ñx 8x
que não é mais do que um caso particular da fórmula de Maclaurin que
estudaremos mais adiante nesta secção.
III.4.14 (Produto de funções) Sejam \ § ‘ um conjunto cujos elementos são
todos pontos de acumulação e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções.
a) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis num ponto + − \ então 0 ‚ 1À \ Ä ‘ é
também : vezes derivável no ponto +.
b) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis (respetivamente de classe G : ) então 0 ‚ 1
é também : vezes derivável (respetivamente de classe G : ).159
Dem: O caso em que : œ ! resulta de o produto de funções contínuas num
ponto ser contínuo nesse ponto. O caso em que : œ " resulta imediatamente
da fórmula para a derivada de um produto
Ð0 ‚ 1Ñw ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ1ÐBÑ  0 ÐBÑ1w ÐBÑ.
O caso geral demonstra-se por indução em :, reparando que a derivada de

159Repare-se que, ao contrário do que fizémos em III.4.12, não exibimos aqui uma
fórmula explícita para a derivada de ordem : de 0 ‚ 1 no ponto +. Ver o exercício III.4.3
adiante para uma tal fórmula.
262 Cap. III. Derivadas e aplicações

ordem :  " de 0 ‚ 1 num certo ponto é a derivada de ordem : nesse ponto


da função Ð0 ‚ 1Ñw . 160 
III.4.15 (Corolário) Analogamente ao que sucedia no caso da soma, decorre do
resultado precedente que um produto finito de funções : vezes deriváveis
num ponto + é ainda uma função : vezes derivável no ponto + (se se quiser
ser mais claro pode sempre fazer-se um raciocínio por indução no número de
factores). Consequentemente, o produto finito de funções : vezes deriváveis
(respetivamente de classe G : Ñ é ainda : vezes derivável (respetivamente de
classe G : ).
III.4.16 (Quociente de funções) Sejam \ § ‘ um conjunto cujos elementos são
todos pontos de acumulação e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções, com 1ÐBÑ Á !,
para cada B − \ .
a) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis num ponto + − \ então a função
0
1 À \ Ä ‘ é também : vezes derivável no ponto +.
b) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis (respetivamente de classe G : ) então 01 é
também : vezes derivável (respetivamente de classe G : Ñ. 161
Dem: O caso em que : œ ! resulta de o quociente de funções contínuas num
ponto ser contínuo nesse ponto. O caso em que : œ " resulta imediatamente
da fórmula para a derivada de um quociente
0 0 w ÐBÑ1ÐBÑ  0 ÐBÑ1w ÐBÑ
Ð Ñw ÐBÑ œ .
1 1ÐBÑ#
O caso geral demonstra-se por indução em :, reparando que a derivada de
ordem :  " de 01 num certo ponto é a derivada de ordem : nesse ponto da
função Ð 01 Ñw . 162 

III.4.17 (Composta de funções) Sejam \ § ‘ e ] § ‘ dois conjuntos cujos


elementos sejam todos pontos de acumulação e 0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ‘ duas
funções.
a) Se 0 À \ Ä ] é : vezes deriváve6 num ponto + − \ e 1À ] Ä ‘ é : vezes
derivável no ponto 0 Ð+Ñ, então a função composta 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é também :
vezes derivável no ponto +.
b) Se 0 e 1 são : vezes deriváveis (respetivamente de classe G : Ñ então 1 ‰ 0
é também : vezes derivável (respetivamente de classe G : Ñ.
Dem: O caso em que : œ ! resulta da propriedade bem conhecida sobre a

160Repare-se que no passo de indução tivémos que utilizar não só a hipótese de indução
mas também a conclusão de III.4.12.
161Mais uma vez neste resultado, apesar de afirmarmos que um certa função é : vezes
derivável, não exibimos nenhuma fórmula para a sua derivada de ordem :. O mesmo vai
acontecer nos dois resultados a seguir.
162Repare-se que no passo de indução tivémos que utilizar não só a hipótese de indução
mas também as conclusões de III.4.12 e III.4.14.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 263

composta de funções contínuas em pontos convenientes. O caso em que


: œ " resulta imediatamente da fórmula para a derivada da função composta
Ð1 ‰ 0 Ñw ÐBÑ œ 1w Ð0 ÐBÑÑ0 w ÐBÑ. O caso geral demonstra-se por indução em :,
reparando que a derivada de ordem :  " de 1 ‰ 0 num certo ponto é a
derivada de ordem : nesse ponto da função Ð1 ‰ 0 Ñw . 163 
III.4.18 (Caso particular, frequente nas aplicações, em que se pode ser mais
detalhado) Nas hipóteses de III.4.17, suponhamos que existem constantes
-ß . − ‘ tais que, para cada B − \ , 0 ÐBÑ œ -B  . (em particular, 0 é
mesmo de classe G _ ). Se 1À ] Ä ‘ é : vezes derivável num ponto +, onde
: !, então
Ð1 ‰ 0 ÑÐ:Ñ Ð+Ñ œ - : 1Ð:Ñ Ð0 Ð+ÑÑ.

Dem: O caso : œ ! é trivialmente verdadeiro. Reparando que, para cada


B − \ , 0 w ÐBÑ œ - , o caso : œ " do enunciado reduz-se ao teorema de
derivação da função composta: Em cada B tal que 1 seja derivável em 0 ÐBÑ,
Ð1 ‰ 0 Ñw ÐBÑ œ 1w Ð0 ÐBÑÑ ‚ 0 w ÐBÑ œ -1w Ð0 ÐBÑÑ.
O caso geral resulta então, mostrando, por indução em :, que em cada B tal
que 1 seja : vezes derivável em B, Ð1 ‰ 0 ÑÐ:Ñ ÐBÑ œ - : 1Ð:Ñ Ð0 ÐBÑÑ. 
III.4.19 (A função inversa) Sejam \ § ‘, ] § ‘ conjuntos cujos elementos
são todos pontos de acumulação e 0 À \ Ä ] uma função bijetiva derivável,
com 0 w ÐBÑ Á ! para cada B, e com inversa 0 " À ] Ä \ contínua164.
a) Se 0 À \ Ä ] é : vezes derivável num ponto + − \ , então 0 " À ] Ä \ é
: vezes derivável no ponto 0 Ð+Ñ.
b) Se 0 À \ Ä ] é : vezes derivável (respetivamente de classe G : ) então
0 " À ] Ä \ é também : vezes derivável (respetivamente de classe G : ).
Dem: O caso em que : œ ! é trivial. O caso em que : œ " resulta de que,
como se verificou em III.1.18, tem-se, para cada C − ] ,
"
Ð0 " Ñw ÐCÑ œ . 165
0 w Ð0 " ÐCÑÑ
O caso geral demonstra-se por indução em :, a partir da fórmula precedente,
reparando que a derivada de ordem :  " de 0 " num certo ponto é a
derivada de ordem : nesse ponto da função Ð0 " Ñw . 166 

163Repare-se que no passo de indução tivémos que utilizar não só a hipótese de indução
mas também a conclusão de III.4.14.
164Em muitos casos concretos utiliza-se II.1.20 para garantir a continuidade de 0 " .
165De facto, a conclusão de a) para : œ " resume-se a III.1.18, sendo assim válida com
hipóteses menos exigentes que as que estamos a fazer.
166Repare-se que no passo de indução tivémos que utilizar não só a hipótese de indução
mas também as conclusões de III.4.17 e de III.4.16.
264 Cap. III. Derivadas e aplicações

Vamos agora utilizar as derivadas de ordem superior para estudar a


fórmula de Maclaurin (e posteriormente a fórmula de Taylor que é uma
generalização simples desta) que permite aproximar funções admitindo
derivadas de ordem superior por polinómios, nomeadamente os chamados
polinómios de Maclaurin. Como motivação para a definição destes,
relembramos o modo de caracterizar os coeficientes dum polinómio
referido em III.4.13. O estudo destas fórmulas será feito exclusivamente
no contexto de funções cujos domínios são intervalos não triviais.

III.4.20 (Fórmula de Maclaurin) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial com


! − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função : vezes derivável em !, onde : ".
Define-se então a aproximação de Maclaurin (ou polinómio de Maclaurin)
de ordem : de 0 como sendo o polinómio
0 Ð#Ñ Ð!Ñ # 0 Ð$Ñ Ð!Ñ $ 0 Ð:Ñ Ð!Ñ :
T: ÐBÑ œ 0 Ð!Ñ  0 w Ð!ÑB  B  B â B
#x $x :x
e o resto de Maclaurin de ordem : de 0 como sendo a função <: À \ Ä ‘
definida por <: ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  T: ÐBÑ. Pode então escrever-se a fórmula de
Maclaurin de ordem de : da função 0 ,
0 Ð#Ñ Ð!Ñ # 0 Ð:Ñ Ð!Ñ :
0 ÐBÑ œ 0 Ð!Ñ  0 w Ð!ÑB  B â B  <: ÐBÑ.
#x :x
Por extensão, se 0 À \ Ä ‘ é uma função arbitrária, encaramos o valor 0 Ð!Ñ
como sendo a aproximação de Maclaurin de ordem ! de 0 e define-se o
resto de Maclaurin de ordem !, <! À \ Ä ‘ por <! ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð!Ñ,
obtendo-se assim a fórmula de Maclaurin de ordem ! da função 0
0 ÐBÑ œ 0 Ð!Ñ  <! ÐBÑ.

III.4.21 (Fórmula de Taylor) Sejam, mais geralmente, \ § ‘ um intervalo não


trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função : vezes derivável num ponto + − \ , onde
: ". Definimos então a aproximação de Taylor de ordem : de 0 centrada
em + como sendo a função167 T: À \ Ä ‘ definida por
0 Ð#Ñ Ð+Ñ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ
T: ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ#  â  ÐB  +Ñ:
#x :x
e o resto de Taylor de ordem : de 0 centrado em + como sendo a função
<: À \ Ä ‘ definida por <: ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  T: ÐBÑ. Pode então escrever-se a
fórmula de Taylor de ordem : da função 0 centrada em +,

167De facto, tal como no caso particular da aproximação de Maclaurin, trata-se de um


polinómio de grau menor ou igual a : (como se reconhece desenvolvendo cada uma das
potências de B  +) mas o importante é a sua decomposição em potências de B  +.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 265

0 Ð#Ñ Ð+Ñ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ


0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ#  â  ÐB  +Ñ:  <: ÐBÑ.
#x :x

Como antes, por extensão, se 0 À \ Ä ‘ é uma função arbitrária, encaramos


o valor 0 Ð+Ñ como sendo, a aproximação de Taylor de ordem ! de 0 centrada
em + e o resto de Taylor de ordem !, <! À \ Ä ‘ por <! ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ,
obtendo-se assim a fórmula de Taylor de ordem ! da função 0 ,
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  <! ÐBÑ.
Repare-se que se tem trivialmente <: Ð+Ñ œ !.
É claro que a aproximação, o resto e a fórmula de Maclaurin não são mais do
que a aproximação, o resto e a fórmula de Taylor no caso em que ! − \ e se
considera + œ ! pelo que todas as propriedades que se estabelecerem no
“contexto Taylor” aplicam-se, em particular no “contexto Maclaurin”.
Repare-se que a fórmula de Taylor, tal como a de Maclaurin, não necessita
de demonstração, uma vez que é um consequência direta da definição do
resto <: ÐBÑ de ordem :. O que será importante é, como faremos adiante,
estabelecer propriedades do resto, por exemplo majorações deste, em valor
absoluto, que permitam encarar a aproximação de Taylor T: ÐBÑ como consti-
tuindo uma aproximação de 0 ÐBÑ e o resto <: ÐBÑ como o erro que se comete
com essa aproximação.
III.4.22 No caso em que a função 0 À \ Ä ‘ é :  " vezes derivável no ponto +
(: !), comparando as fórmulas de Taylor de ordens : e :  ", concluímos
que, para cada B − \ ,
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
<: ÐBÑ œ ÐB  +Ñ:"  <:" ÐBÑ.
Ð:  "Ñx

III.4.23 Tendo em conta a definição <: ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  T: ÐBÑ, onde a aproximação
de Taylor T: é uma função de classe G _ , podemos dizer que o resto de
Taylor <: À \ Ä ‘ tem as mesmas propriedades de derivabilidade que a
função 0 , mais precisamente, para cada 5 !, <: é 5 vezes derivável num
ponto B − \ se, e só se, 0 for 5 vezes derivável em B e <: é de classe G 5 se,
e só se, 0 é de classe G 5 .
III.4.24 (Exemplo) Seja 0 À Ó_ß "Ò Ä ‘ a função de classe G _ definida por
"
0 ÐBÑ œ .
"B
Tendo em conta o cálculo, feito em III.4.9, da derivada de ordem : da função
C È "C e o corolário III.4.18, vemos que para cada : !

:x
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ .
Ð"  BÑ:"
266 Cap. III. Derivadas e aplicações

A fórmula de Maclaurin de ordem : de 0 vai ser assim, neste caso


"
œ "  B  B#  â  B:  <: ÐBÑ.
"B
Repare-se que, o que é de certo modo excecional, é possível neste caso dar
uma fórmula explícita para o resto <: À Ó_ß "Ò Ä ‘. Com efeito, pela
fórmula da soma dos termos de uma progressão geométrica (cf. I.2.4), tem-se
"  B:"
"  B  B#  â  B: œ
"B
(fórmula válida trivialmente também para : œ !) e daqui deduzimos que
" "  B:" B:"
<: ÐBÑ œ  œ .
"B "B "B

III.4.25 (Lema168) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma


função derivável, que seja :  " vezes derivável em + − \ , onde : !.
Sejam <:" À \ Ä ‘ o resto de Taylor de ordem :  " de 0 centrado em + e
s<: À \ Ä ‘ o resto de Taylor de ordem : centrado em + da função
0 w À \ Ä ‘, que, no caso em que : ", é : vezes derivável em +. Tem-se
w
então, para cada B − \ , <:" ÐBÑ œ s<: ÐBÑ.
Dem: Basta reparar que, no caso em que : œ !, de se ter
<" ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ
obtém-se, por derivação, <"w ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ  0 w Ð+Ñ œ s<! ÐBÑ e que, no caso em
que : ", de se ter
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
<:" ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:" ,
Ð:  "Ñx
obtém-se, por derivação,

w #0 Ð#Ñ Ð+Ñ $0 Ð$Ñ Ð+Ñ


<:" ÐBÑ œ 0 w ÐBÑ  0 w Ð+Ñ  ÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x $x
Ð:  "Ñ0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ: œ
Ð:  "Ñx
Ð0 w ÑÐ#Ñ Ð+Ñ
œ 0 w ÐBÑ  0 w Ð+Ñ  Ð0 w Ñw Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
Ð0 w ÑÐ:Ñ Ð+Ñ
 â ÐB  +Ñ: œ s<: ÐBÑ. 
:x

168Este lema será frequentemente utilizado em demonstrações por indução.


§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 267

III.4.26 (Exemplo) Seja 1À Ó_ß "Ò Ä ‘ a função de classe G _ definida por


1ÐBÑ œ lnÐ"  BÑ
"
para a qual se tem 1w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ, onde 0 ÐBÑ œ "B é a função que estudámos
Ð:"Ñ
no exemplo III.4.24. Tem-se assim 1 ÐBÑ œ 0 Ð:Ñ ÐBÑ, para cada : !,
pelo que a fórmula de Maclaurin de ordem : " de 1 vai ser
B# B$ B:
lnÐ"  BÑ œ B   â  s<: ÐBÑ,
# $ :
onde não temos uma expressão tão precisa sobre o resto s<: À Ó_ß "Ò Ä ‘
como acontecia no exemplo referido. Tendo em conta o lema III.4.25,
ficamos no entanto a saber que, no caso em que : ", sendo <:" o resto de
Maclaurin de ordem :  " de 0 , tem-se
B:
s<w: ÐBÑ œ <:" ÐBÑ œ
"B
o que, em conjunto com o facto geral de se ter s<: Ð!Ñ œ !, permite deduzir
informações sobre s<: ÐBÑ como por exemplo, pelo teorema de Lagrange, para
cada B Á !,
-:
s<: ÐBÑ œ B ,
"-
para um certo - entre ! e B. Estudaremos adiante um método mais geral de
obter informações sobre o resto (o resto na forma de Lagrange).
III.4.27 (Propriedade fundamental do resto) Sejam \ § ‘ um intervalo não
trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função : vezes derivável num ponto + − \ , onde
: !. O resto de Taylor de ordem : de 0 centrado em +, <: À \ Ä ‘ verifica
então a propriedade
<: ÐBÑ
lim œ !.
BÄ+ ÐB  +Ñ:
BÁ+

Dem: O caso : œ ! resulta trivialmente de se ter <! ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ,


lembrando que um função ! vezes derivável em + é, por definição, contínua
nesse ponto. Para : ", fazemos a demonstração por indução em :. No caso
em que : œ " temos uma consequência direta da definição de derivada:
Supomos que 0 é derivável em + e, uma vez que
<" ÐBÑ œ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ,
tem-se, para cada B Á +,
<" ÐBÑ 0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ  0 w Ð+Ñ qp 0 w Ð+Ñ  0 w Ð+Ñ œ !.
B+ B+ BÄ+
268 Cap. III. Derivadas e aplicações

Suponhamos agora que o resultado é válido para um certo : " e vejamos o


que se pode afirmar quando 0 À \ Ä ‘ é uma função :  " vezes derivável
em +, em particular derivável. Ora, aplicando a regra de Cauchy para o
levantamento de indeterminações (cf. III.2.17 e III.2.20) vemos que, no caso
em que o segundo limite existe,
w
<:+1 ÐBÑ <:" ÐBÑ
lim œ lim .
BÄ+ ÐB  +Ñ:+1 BÄ+ Ð:  "ÑÐB  +Ñ:
BÁ+ BÁ+

w
Mas, como verificámos em III.4.25, tem-se <:" ÐBÑ œ s<: ÐBÑ, onde s<: é o
resto de Taylor de ordem : centrado em + da função 0 w À \ Ä ‘, que é :
vezes derivável, pelo que, tendo em conta a hipótese de indução, o limite no
segundo membro é efetivamente igual a !. 
III.4.28 (Propriedade de unicidade da aproximação de Taylor) Sejam \ § ‘
um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função : vezes derivável num
ponto + − \ , onde : 0. Sejam ,! ß ," ß á ß ,: em ‘ tais que, sendo
T˜ ÐBÑ œ ,!  ," ÐB  +Ñ  â  ,: ÐB  +Ñ:

e definindo <À
˜ \ Ä ‘ por <ÐBÑ
˜ œ 0 ÐBÑ  T˜ ÐBÑ, ou seja, pela condição de se
ter, para cada B − \ ,
0 ÐBÑ œ ,!  ," ÐB  +Ñ  â  ,: ÐB  +Ñ:  <ÐBÑ
˜ ,

se tenha
<ÐBÑ
˜
lim œ !.
BÄ+ ÐB  +Ñ:
BÁ+

Tem-se então que T̃ é a aproximação de Taylor de ordem : centrada em + de


0 , ou seja,
0 Ð#Ñ Ð+Ñ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ
,! œ 0 Ð+Ñ, ," œ 0 w Ð+Ñ, ,# œ , â ,: œ ,
#x :x
e portanto <ÐBÑ
˜ œ <: ÐBÑ.
Dem: Vamos demonstrar o resultado por indução em :. No caso em que
: œ !, estamos a supor que 0 é contínua em + e que se tem 0 ÐBÑ œ ,!  <ÐBÑ
˜
com <ÐBÑ
˜ Ä ! quando B Ä +, B Á + e daqui resulta que
0 Ð+Ñ œ lim 0 ÐBÑ œ ,! .
BÄ+
BÁ+

Suponhamos que o resultado é válido para um certo : 0 e provemo-lo para


funções 0 À \ Ä ‘ que sejam :  " deriváveis em + e para as quais se possa
escrever
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 269

(1) 0 ÐBÑ œ ,!  ," ÐB  +Ñ  â  ,:" ÐB  +Ñ:"  <ÐBÑ


˜ ,
<ÐBÑ
˜
com ÐB+Ñ:" Ä ! quando B Ä +, B Á +. Pondo então

VÐBÑ œ ,:" ÐB  +Ñ:"  <ÐBÑ


˜ ,

tem-se, para cada B Á +,


VÐBÑ <ÐBÑ
˜
œ ÐB  +ÑÐ,:"  ÑÄ!
ÐB  +Ñ: ÐB  +Ñ:"
quando B Ä + e
0 ÐBÑ œ ,!  ," ÐB  +Ñ  â  ,: ÐB  +Ñ:  VÐBÑ

o que nos permite concluir, pela hipótese de indução, que


0 Ð#Ñ Ð+Ñ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ
,! œ 0 Ð+Ñ, ," œ 0 w Ð+Ñ, ,# œ , â ,: œ Þ
#x :x
A igualdade (1) pode assim ser reescrita na forma
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  ,:" ÐB  +Ñ:"  <ÐBÑ
˜
:x
e, comparando-a com a fórmula de Taylor em III.4.21ß
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  ÐB  +Ñ:"  <:" ÐBÑ,
:x Ð:  "Ñx
<:" ÐBÑ
onde, por III.4.27, se tem também ÐB+Ñ:" Ä ! quando B Ä +, B Á +,
obtemos
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
,:" ÐB  +Ñ:"  <ÐBÑ
˜ œ ÐB  +Ñ:"  <:" ÐBÑ
Ð:  "Ñx
e portanto, para B Á +,
<˜ÐBÑ 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ <:" ÐBÑ
,:"  :"
œ 
ÐB  +Ñ Ð:  "Ñx ÐB  +Ñ:"
donde finalmente, considerando os limites de ambos os membros quando
270 Cap. III. Derivadas e aplicações

B Ä +,
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
,:" œ . 
Ð:  "Ñx

III.4.29 (Exemplo) Seja 1À ‘ Ä ‘ a função de classe G _ definida por


"
1ÐCÑ œ .
"  C#
Apesar de podermos calcular, desde que tenhamos tempo suficiente,
sucessivamente as derivadas 1w ÐCÑ, 1ww ÐCÑ, 1Ð$Ñ ÐCÑ…, não é fácil obter uma
fórmula geral para a derivada 1Ð:Ñ ÐCÑ de ordem : num ponto C arbitrário.
Vamos ver no entanto que, por aplicação do resultado de unicidade III.4.28,
podemos obter a fórmula de Maclaurin de 1 de ordem par arbitrária e, a partir
daí, estabelecer fórmulas explícitas para as derivadas de todas as ordens de 1
no ponto !. Para isso, partimos da fórmula de Maclaurin de ordem : da
"
função 0 À Ó_ß "Ò Ä ‘, 0 ÐBÑ œ "B , que obtivémos em III.4.24,
"
œ "  B  B#  â  B:  <: ÐBÑ,
"B
B:"
onde <: ÐBÑ œ "B , e, substituindo B por C# , obtemos
"
(1) 1ÐCÑ œ œ "  C#  C%  â  Ð"Ñ: C#:  <: ÐC# Ñ.
"  C#
<: ÐBÑ
Reparamos então que, por se ter lim B: œ !, obtemos
BÄ!

<: ÐC# Ñ : <: ÐC# Ñ


lim œ Ð"Ñ lim œ !.
CÄ! C#: CÄ! ÐC # Ñ:

Podemos assim concluir que (1) é a fórmula de Maclaurin de ordem #: da


função 1, com as parcelas identicamente nulas omitidas, em particular que o
resto de Maclaurin s<#: ß de ordem #:ß de 1 está definido por
C#:#
s<#: ÐCÑ œ <: ÐC# Ñ œ Ð"Ñ:" .
"  C#
Tendo em conta a arbitrariedade de :, vemos que as derivadas de ordem
ímpar de 1 no ponto ! são iguais a ! e as derivadas de ordem par no ponto !
são dadas por
1Ð#:Ñ Ð!Ñ œ Ð"Ñ: ‚ Ð#:Ñx.
O facto de as derivadas de ordem ímpar no ponto + serem ! implica também,
por III.4.22, que os restos de Maclaurin de ordem ímpar s<#:" estão definidos
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 271

por
C#:#
s<#:" ÐCÑ œ s<#: ÐCÑ œ Ð"Ñ:" .
"  C#

Vamos agora estabelecer uma nova caracterização do resto de Taylor de


ordem :, que permite controlar melhor o comportamento deste.

III.4.30 (O resto na forma de Lagrange) Sejam \ § ‘ um intervalo não tri-


vial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função :  " vezes derivável, onde : !.
Sendo <: À \ Ä ‘ o resto de Taylor de ordem : de 0 centrado em +, então,
para cada B Á + em \ , existe - entre + e B tal que
0 Ð:"Ñ Ð-Ñ
<: ÐBÑ œ ÐB  +Ñ:"
Ð:  "Ñx
(forma de Lagrange do resto), isto é, tal que
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ 0 Ð:"Ñ Ð-Ñ
â ÐB  +Ñ:  ÐB  +Ñ:" .
:x Ð:  "Ñx

Dem: Vamos demonstrar a conclusão por indução em :. O caso em que


: œ ! resulta diretamente do corolário do teorema de Lagrange em III.2.9
que, por 0 À \ Ä ‘ ser derivável, garante a existência de - entre + e B tal que
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
œ 0 w Ð-Ñ,
B+
ou seja, 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð-ÑÐB  +Ñ.
Suponhamos o resultado verdadeiro para um certo : ! e estudemos o que
se pode dizer no caso em que 0 é :  # vezes derivável. Notemos <:" o
resto de Taylor de ordem :  " de 0 centrado em + e s<: o resto de ordem :
da função :  " vezes derivável 0 w À \ Ä ‘ centrado no mesmo ponto, lem-
w
brando que, pelo lema III.4.25, tem-se <:" ÐBÑ œ s<: ÐBÑ. Aplicando o
corolário do teorema de Cauchy às funções deriváveis \ Ä ‘ que a B
associam <:" ÐBÑ e ÐB  +Ñ:# , ambas com o valor ! para B œ + e a segunda
com derivada diferente de ! para B Á +, concluímos a existência de C entre +
e B tal que
w
<:" ÐBÑ <:" ÐCÑ " s<: ÐCÑ
:#
œ œ
ÐB  +Ñ Ð:  #ÑÐC  +Ñ:" :  # ÐC  +Ñ:"
e, aplicando agora a hipótese de indução à função 0 w , concluímos a existência
272 Cap. III. Derivadas e aplicações

de - entre + e C, e portanto também entre + e B, tal que

<:" ÐBÑ " 0 w Ð:"Ñ Ð-Ñ 0 Ð:#Ñ Ð-Ñ


:#
œ œ . 
ÐB  +Ñ :  # Ð:  "Ñx Ð:  #Ñx

III.4.31 (Exemplo) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função de classe G _ definida por


0 ÐBÑ œ /B . Como referimos em III.4.7, tem-se 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ /B , para todo o
B − ‘ e : − , pelo que a fórmula de Maclaurin de ordem : é, neste caso,
B# B$ B:
/B œ "  B    â+  <: ÐBÑ.
# $x :x
Usando a propriedade fundamental do resto referida em III.4.27, sabemos
< ÐBÑ
que lim :B: œ ! o que, apesar de nos apontar para uma tendência de l<: ÐBÑl
BÄ!
se tornar “bastante pequeno” desde que B esteja “suficientemente próximo”
de !, não nos dá nenhuma informação efetiva mais objetiva que nos permita
majorar o valor absoluto do erro para um dado valor de B. Já utilizando o
/-
resto na forma de Lagrange sabemos que se tem <: ÐBÑ œ Ð:"Ñx B:" , para um
certo - entre ! e B, o que permite majorar de forma muito mais efetiva o
valor absoluto do erro <: ÐBÑ. Por exemplo, se quisermos determinar uma boa
aproximação de / œ /" , podemos usar o valor aproximado
" " "
/¸""  â
# $x :x
tendo a certeza que a diferença entre o valor exato e a aproximação, sendo
/- $
igual a Ð:"Ñx para um certo - entre ! e ", está entre ! e Ð:"Ñx (lembrar que,
como vimos em II.3.1, tem-se / Ÿ $…). Uma vez que o fatorial cresce com
uma certa rapidez, não é em geral necessário tomar um valor grande de :
para obter uma boa aproximação de / ou mais geralmente de /B . Refira-se a
propósito que as calculadoras conhecem à partida o modo de efetuar as
quatro operações básicas e que, quando calculam valores da exponencial, do
seno, do cosseno, etc…, é com a ajuda de aproximações do tipo da anterior
que o fazem.

Com o objetivo de tirar mais consequências da fórmula de Taylor, com o


resto na forma de Lagrange, vamos agora abordar muito resumidamente a
noção de soma duma série, noção essa que será estudada com mais pro-
fundidade no segundo semestre.

III.4.32 (Séries) Seja Ð?8 Ñ8− uma sucessão de números reais. Podemos então
associar-lhe uma nova sucessão ÐW8 Ñ8− , dita sucessão das somas parciais da
primeira, pondo
W" œ ?" , W# œ ?"  ?# , W$ œ ?"  ?#  ?$, á W8 œ ?"  ?#  â  ?8
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 273

(comparar com o que referimos em I.4.32), ou, utilizando a notação de soma-


tório,

W8 œ " ?5 .
8

5œ"

Quando nos referirmos a uma sucessão Ð?8 Ñ8− como sendo uma série
estaremos a indicar que certas propriedades que vamos referir dizem respeito
não a esta sucessão mas à sucessão das somas parciais. Por exemplo,
chamamos soma da série ao limite, se existir, da sucessão das somas parciais
(a soma da série pode ser um número real, _ ou _), limite esse que é
notado

" ?5
_

5œ"

ou, de forma mais sugestiva mas menos precisa,


?"  ?#  ?$  â  ?8  â
e dizemos que a série é convergente se tiver soma finita e que é divergente
caso contrário, isto é, se não tiver soma ou esta for _ ou _.
Quando nos quisermos referir à própria sucessão Ð?8 Ñ8− , é usual dizer que
consideramos a sucessão dos termos da série169.
É comum cometer-se o abuso de utilizar a notação ! ?5 ou
_

5œ"

?"  ?#  ?$  â  ?8  â
para designar a série definida pelos termos ?8 , em vez da soma dessa série
(que pode ou não existir). Em geral este abuso não apresenta perigo, uma vez
que será claro a partir do contexto em que a notação é utilizada qual dos dois
significados estamos a considerar. Por exemplo se afirmamos que
?"  ?#  ?$  â  ?8  â é convergente estamos a pensar na série e se
escrevemos ?"  ?#  ?$  â  ?8  â Ÿ " estamos a pensar na soma da
série (suposta, naturalmente, convergente).
III.4.33 (Condição necessária para a convergência) Se uma série é
convergente, então a sucessão Ð?8 Ñ8− dos seus termos tem limite !.
Dem: Sendo = − ‘ a soma da série, sabemos, por definição, que a sucessão
ÐW8 Ñ8− das somas parciais tem limite =. Reparando que, para 8 #,
?8 œ W8  W8" e que, tendo em conta o limite da função composta, a
função  # Ä ‘, 8 È W8" também tem limite =, concluímos que a função
 # Ä ‘, 8 È ?8 œ W8  W8" tem limite =  = œ !. Uma vez que _

169Seria mais natural falarmos antes de “parcelas da série” mas a designação “termos da
série” é a mais utilizada.
274 Cap. III. Derivadas e aplicações

não é aderente ao subconjunto Ö"× de , a afirmação anterior implica que a


sucessão Ð?8 Ñ8− tem limite !. 
III.4.34 (O exemplo da série harmónica) É usual dar o nome de série harmó-
nica à série
" " "
"  â â
# $ 8
isto é à série cuja sucessão Ð?8 Ñ8− dos termos está definida por ?8 œ 8" .
Apesar de esta sucessão ter limite !, a série é divergente.
:
Dem: Mostremos, por indução em :, que se tem sempre W#: # , o que
implicará, por enquadramento, que W#: Ä _. Isso implicará a divergência
da série visto que, se esta fosse convergente aquela sucessão deveria ter a
soma da série por limite. Ora, o caso em que : œ " é claro, uma vez que
" "
W#" œ W# œ " 
# #
:
e, supondo que, para um certo :, W#: # , reparamos que W#
:" se obtém a
"
partir de W#: somando-lhe #: parcelas todas maiores ou iguais #:" , donde
" " : " :"
W#:" W#:  #: ‚ œ W#:   œ ,
#:" # # # #
o que termina a justificação por indução. 
III.4.35 (O exemplo das séries geométricas) Dado B − ‘, consideremos a série
"  B  B#  B$  â  B8  â,
a que se dá o nome de série geométrica de razão B e seja W8 ÐBÑ a respetiva
soma parcial de ordem 8. Vejamos o que se passa para cada valor de B.
Se B œ " todos os termos são iguais a " pelo que W8 œ 8 e portanto a série,
apesar de não ser convergente, tem _ como soma.
Suponhamos, a partir de agora, que B Á ", caso em que W8 é a soma de 8
termos de uma progressão geométrica de razão diferente de " e portanto, pelo
que vimos em I.2.4, temos a caracterização explícita170
"  B8
(1) W8 œ "  B  B#  â  B8" œ .
"B
No caso em que lBl  ", tem-se lB8 l œ lBl8 Ä !, portanto também B8 Ä !
"
pelo que W8 Ä "B , ou seja,
"
"  B  B#  B$  â  B8  â œ .
"B

170O que é, de certo modo excecional. Para muitas séries, não se consegue arranjar uma
fórmula explícita para as somas parciais.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 275

No caso em que B œ ", resulta de (1) que W8 œ " se 8 é ímpar e W8 œ ! se


8 é par pelo que a sucessão das somas parciais não tem limite. A série não
tem assim soma, em particular é divergente.
No caso em que B  ", tem-se B8 Ä _ donde, por ser "  B  !,
W8 Ä _; A série é assim divergente mas admite _ como soma.
Por fim, no caso em que B  ", tem-se "  B  ! e lBl8 Ä _ e portanto
para 8 ímpar ou 8 par tem-se respetivamente
"  lBl8 "  lBl8
W8 œ Ä _, W8 œ Ä _,
"B "B
o que implica que a série não tem soma, em particular é divergente.
III.4.36 (Séries de termos positivos171) Chamam-se séries de termos positivos
às séries cuja sucessão Ð?8 Ñ8− dos termos verifica ?8 !, para cada 8.
Uma tal série tem sempre soma, pertencente a Ò!ß _Ò ou igual a _, que é
igual ao supremo de todas as somas parciais, uma vez que a sucessão destas é
crescente e com termos positivos.

III.4.37 (Propriedades de “linearidade”) a) Se ! ?5 é convergente e + − ‘,


_

então ! +?5 é também convergente e


5œ"
_

5œ"

" +?5 œ +" ?5 .


_ _

5œ" 5œ"

b) Se ! ?5 e ! ?
s5 são convergentes, então ! Ð?5  ?
_ _ _
s5 Ñ é também conver-
5œ" 5œ" 5œ"
gente e

" Ð?5  ?
s5 Ñ œ Š" ?5 ‹  Š" ?
s5 ‹Þ
_ _ _

5œ" 5œ" 5œ"

Dem: Temos uma consequência de que, para as sucessões das somas parciais
associadas, vem

" +?5 œ + " ?5 ,


8 8

5œ" 5œ"

" Ð?5  ?
s5 Ñ œ Š" ?5 ‹  Š" ?
s5 ‹,
8 8 8

5œ" 5œ" 5œ"

171Apesar de frequentemente se considerarem positivos apenas os números que são maio-


res que !, vamos neste texto utilizar sempre o adjetivo “positvo” no sentido de maior ou
igual a !. Quando quisermos falar de números maiores que ! poderemos chamá-los de
estritamente positivos.
276 Cap. III. Derivadas e aplicações

tendo em conta as propriedades dos limites de sucessões (e, mais geralmente,


funções) em I.5.17. 
III.4.38 (As séries de Taylor e de Maclaurin) Sejam \ § ‘ um intervalo não
trivial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função de classe G _ . Para cada B − ‘
define-se então a série de Taylor de 0 centrada no ponto + no ponto B como
sendo a série
0 ww Ð+Ñ 0 Ð8Ñ Ð+Ñ
0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ#  â  ÐB  +Ñ8  â
#x 8x
ou seja, a série cuja sucessão Ð?8 ÐBÑÑ8− de termos está definida por
?" ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ e, para cada 8 #,
0 Ð8"Ñ Ð+Ñ
?8 ÐBÑ œ ÐB  +Ñ8" 172Þ
Ð8  "Ñx
No caso particular em que ! − \ e + œ !, também se dá o nome de série de
Maclaurin de 0 no ponto B à série
0 ww Ð!Ñ # 0 Ð8Ñ Ð!Ñ 8
0 Ð!Ñ  0 w Ð!ÑB  B â B  â,
#x 8x
ou seja, à série da Taylor de 0 centrada em ! no ponto B. Uma vez que as
séries de Maclaurin são simplesmente um caso particular das de Taylor, tudo
o que se disser sobre estas últimas aplica-se também às primeiras.
III.4.39 Repare-se que, nas condições de III.4.38, dado B − \ , para cada 8 "
a soma parcial W8 ÐBÑ é igual à aproximação de Taylor de ordem 8  " da
função 0 centrada em + no ponto B,
0 ww Ð+Ñ 0 Ð8"Ñ Ð+Ñ
W8 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ#  â  ÐB  +Ñ8" ,
#x Ð8  "Ñx

pelo que a fórmula de Taylor diz-nos que se tem 0 ÐBÑ œ W8 ÐBÑ  <8" ÐBÑ,
onde <8" À \ Ä ‘ é o resto de Taylor de ordem 8  " centrado em +.
São especialmente interessantes os pontos B − \ tais que a série de Taylor
no ponto B seja convergente e tenha soma igual a 0 ÐBÑ, facto que acontece
trivialmente para B œ +.173 Tendo em conta o facto de a soma de uma série
ser, por definição, o limite da sucessão das suas somas parciais isso vai
suceder se, e só se, a sucessão Ð<8 ÐBÑÑ8− dos restos de Taylor de ordem 8
calculados em B tiver limite !.174

172Fóirmula que é aliás também válida para 8 œ ".


173Note-se que pode acontecer que a série de Taylor seja convergente para um dado
B − \ e que a sua soma não seja 0 ÐBÑ. Para um exemplo, ver o exercício III.4.19 adiante.
174Se quisermos ser mais detalhados na explicação deste facto, o que talvez já não seja
necessário nesta fase do curso, dizemos que a sucessão 8 È 0 ÐBÑ  W8 ÐBÑ œ <8" ÐBÑ
tem limite ! se e só se, isso acontecer à sua restrição a  # ou seja, aplicando duas vezes
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 277

III.4.40 (Exemplos) a) Sendo 0 À Ó_ß "Ò Ä ‘ a função de classe G _ definida


por
"
0 ÐBÑ œ ,
"B
o que verificámos no exemplo III.4.24 diz-nos que a sua série de Maclaurin
no ponto B é
"  B  B#  â  B:  â,
ou seja, é a série geométrica de razão B. Como vimos em III.4.35, esta série é
convergente se, e só se, lBl  " e, nessse caso, a sua soma é precisamente
0 ÐBÑ.
b) Sendo 1À Ó_ß "Ò Ä ‘ a função de classe G _ definida por
1ÐBÑ œ lnÐ"  BÑ,
o que verificámos no exemplo III.4.26 diz-nos que a sua série de Maclaurin
no ponto B é
B# B$ B:
(1) !B  â â
# $ :
e que, para : ", o resto de Maclaurin s<: À Ó_ß "Ò Ä ‘ de ordem : verifica
a condição
B:
(2) s<w: ÐBÑ œ .
"B
Utilizando o teorema de Lagrange, vemos que, se : #, para cada B Á !
existe - entre ! e B tal que
s<: ÐBÑ s<: ÐBÑ  s<: Ð!Ñ -:
(3) œ œ s<w: Ð-Ñ œ .
B B! "-
No caso em que !  B  ", deduz-se de (3) que
B- : B:"
!  s<: ÐBÑ œ 
"- "B
:"
e portanto, por enquadramento, por ser B"B Ä ! quando : Ä _, tem-se
também s<: ÐBÑ Ä ! quando : Ä _, por outras palavras, temos uma série
convergente e com
B# B$ B:
(4) !B  â  â œ lnÐ"  BÑ.
# $ :

o limite da função composta (uma vez com a bijeção  Ä  # , 8 È 8  " e outra a sua
inversa), se e só se, a sucessão Ð<8 Ñ8− tiver limite !.
278 Cap. III. Derivadas e aplicações

conclusão que, como acontece sempre com uma série de Maclaurin, é


também trivialmente verdadeira para B œ !.
No caso em que "  B  !, deduzimos de (3) que

s: ÐBÑl œ ¹ ¹ Ÿ lBl:"
B- :
l<
"-
e portanto, por enquadramento, por ser lBl:" Ä 0, tem-se também
s<: ÐBÑ Ä !, pelo que, mais uma vez, temos uma série convergente e com
B# B$ B:
!B  â  â œ lnÐ"  BÑ.
# $ :
Note-se que, se lBl  ", tem-se, pelo que vimos em I.5.45,

¹ ¹œ
B: lBl:
Ä _
: :
pelo que a sucessão dos termos da série em (1) não tem limite !, o que
implica que essa série é divergente. Para B œ ", a série (1) tem soma parcial
de ordem 8 # igual à soma parcial de ordem 8  " da série harmónica e
portanto, como esta, é divergente.175 Ficou apenas em aberto o que se passa
para B œ ". Para estudar o comportamento da sucessão dos restos de
Maclaurin s<: Ð"Ñ é mais cómodo utilizar a caracterização na forma de
Lagrange desses restos que nos diz que se tem, para um certo - entre ! e ",
1Ð:"Ñ Ð-Ñ
s<: Ð"Ñ œ Ð"Ñ:" Þ
Ð:  "Ñx
"
Uma vez que, sendo 0 ÐBÑ œ "B , tem-se, como referimos em III.4.24,
:x
1Ð:"Ñ ÐBÑ œ 0 Ð:Ñ ÐBÑ œ ,
Ð"  BÑ:"
concluímos que
" "
l<
s: Ð"Ñl œ :"
Ÿ .
Ð:  "ÑÐ"  -Ñ :"
Temos assim, mais uma vez, uma série convergente e com
" " "
(5) !"   â  Ð"Ñ:  â œ lnÐ#Ñ.
# $ :
c) A série de Maclaurin destacada em (4) na alínea b) costuma ser “resu-
mida” omitindo o primeiro termo, por ser identicamente !. Escrevemos
assim, para " Ÿ B  ",

175Note-se que os valores de B " não pertencem ao domínio da função que estamos a
estudar, pelo que a série (1) não pode ser encarada como série de Maclaurin desta.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 279

B# B$ B:
(6) B  â  â œ lnÐ"  BÑ,
# $ :
igualdade que parece decorrer trivialmente de (4) mas que merece ser
examinada para entender a situação.176 O que se passa é que, como se
constata facilmente, a soma parcial de ordem 8 da série no primeiro membro
de (6) coincide com a soma parcial de ordem 8  " da série no primeiro
membro de (4) e portanto, pelo resultado sobre o limite da função composta,
a sucessão das somas parciais de (6) converge para o mesmo limite que a das
somas parciais de (4). De qualquer modo, do ponto de vista estrito, a série no
primeiro membro de (6) não é a série de Maclaurin. No caso particular em
que B œ ", é usual multiplicar ambos os membros de (5) por " e omitir o
primeiro termo igual a ! de modo a obter a igualdade
" " "
"   â  Ð"Ñ:"  â œ lnÐ#Ñ. 177
# $ :

Apresentamos a seguir mais um exemplo de série de Maclaurin que é sufi-


cientemente importante para não o enunciarmos como um mero exemplo.

III.4.41 (A série exponencial) Consideremos a função exponencial expÀ ‘ Ä ‘,


expÐBÑ œ /B , que sabemos ser de classe G _ e com derivadas de ordem :
expÐ:Ñ ÐBÑ œ expÐBÑ (cf. III.4.7). Tem-se então que, para cada B − ‘, a série
de Maclaurin desta função é convergente e com soma expÐBÑ, nomeadamente
B# B$ B:
"B  â  â œ /B .
#x $x :x
Dem: O facto de a série de Maclaurin ser a referida resulta do que
examinámos no exemplo III.4.31. Nesse mesmo exemplo verificámos que,
para cada : ", o resto de Maclaurin de ordem : desta função <: À ‘ Ä ‘
verificava a condição de se ter, para cada B Á !,
B:"
(1) <: ÐBÑ œ /- ,
Ð:  "Ñx
para um certo - entre ! e B. No caso em que B  ! resulta de (1) que se tem

176Na secção IV.4 adiante estudaremos as séries de funções do tipo das anteriores (séries
de potências) de uma forma ligeiramente menos geral mas muito mais manejável, que
permite, em particular, encarar esta omissão de um termo de uma forma muito mais
simples.
177A série no primeiro membro é semelhante à série harmónica, a única diferença estando
na alternância de sinal dos termos, e, por esse motivo, costuma-se dar-lhe o nome de série
harmónica alternada.
280 Cap. III. Derivadas e aplicações

lBl:" lBl:"
l<: ÐBÑl Ÿ /! œ
Ð:  "Ñx Ð:  "Ñx
:"
lBl
onde, como vimos em I.5.47, Ð:"Ñx Ä 0, pelo que concluímos por enquadra-
mento que <: ÐBÑ Ä ! quando : Ä _, facto que é trivialmente verdadeiro
também para B œ !. No caso em que B  ! resulta analogamente de (1) que
se tem
B:"
!  <: ÐBÑ Ÿ /B
Ð:  "Ñx
:"
B
onde, pelo resultado já citado, Ð:"Ñx Ä 0 e portanto, mais uma vez por
enquadramento, <: ÐBÑ Ä ! quando : Ä _. 

Vamos examinar uma última forma para o resto de Taylor de ordem : que
se revela útil para algumas aplicações.

III.4.42 (O resto na forma de Peano) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial,


+ − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função :  " vezes derivável em +, onde : !, e
seja <: À \ Ä ‘ o resto de Taylor de ordem : de 0 centrado em +. Definimos
então uma nova função =: À \ Ä ‘ por
Ú
=: ÐBÑ œ Û
<: ÐBÑ
ÐB+Ñ:" , se B Á +

Ü
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
Ð:"Ñx , se B œ +

para a qual se tem trivialmente, para cada B − \ ,


<: ÐBÑ œ =: ÐBÑÐB  +Ñ:"

(forma de Peano do resto) e portanto


0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  =: ÐBÑÐB  +Ñ:" .
:x
Repare-se que, no caso particular em que : œ !, estamos a supor 0 derivável
em + e a função =! À \ Ä ‘ está definida por

=! ÐBÑ œ œ
0 ÐBÑ0 Ð+Ñ
B+ , se B Á +
w
0 Ð+Ñ, se B œ +.

III.4.43 (Continuidade no resto na forma de Peano) Sejam \ § ‘ um inter-


valo não trivial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função :  " vezes derivável em +,
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 281

onde : !. Tem-se então:


a) A correspondente função =: À \ Ä ‘, que figura na forma de Peano do
restoß é contínua no ponto +.178
b) A função =: À \ Ä ‘ é contínua em todos os pontos se, e só se, 0 À \ Ä ‘
é contínua em todos os pontos (o que sucede necessariamente no caso em que
: ") .
Dem: Tendo em conta III.4.22 e III.4.27, tem-se
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
<: ÐBÑ œ ÐB  +Ñ:"  <:" ÐBÑ,
Ð:  "Ñx
<
:" ÐBÑ
com lim ÐB+Ñ :" œ !. Podemos assim garantir que, quando B Ä +, B Á +,
BÄ+

<: ÐBÑ 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ <:" ÐBÑ 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ


=: ÐBÑ œ :"
œ  :"
Ä œ =: Ð+Ñ,
ÐB  +Ñ Ð:  "Ñx ÐB  +Ñ Ð:  "Ñx
o que prova a continuidade de =: no ponto +. No caso em que 0 é contínua, a
continuidade de =: nos pontos B Á + resulta da continuidade desses pontos
da sua restrição a \ Ï Ö+× (eles não são aderentes a Ö+×), continuidade essa
que resulta da continuidade do resto <: (cf. III.4.23) e da igualdade
<: ÐBÑ
=: ÐBÑ œ .
ÐB  +Ñ:"
Reciprocamente, se =: À \ Ä ‘ é contínua, a igualdade
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  =: ÐBÑÐB  +Ñ:"
:x
mostra que 0 À \ Ä ‘ é contínua. 
III.4.44 (Derivabilidade no resto na forma de Peano) Sejam \ § ‘ um inter-
valo não trivial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função :  # vezes derivável em +,
onde : !. Notemos =: À \ Ä ‘ e =:" À \ Ä ‘ as correspondentes funções
que figuram nos restos na forma de Peano e s=: À \ Ä ‘ a função análoga
associada à função 0 w À \ Ä ‘, que é :  " vezes derivável em +. Tem-se
então:
a) A função =: é derivável em + e com
0 Ð:#Ñ Ð+Ñ
=w: Ð+Ñ œ =:" Ð+Ñ œ .
Ð:  #Ñx

178É para que isto suceda que se atribuiu à função =: no ponto + o valor referido em
III.4.42.
282 Cap. III. Derivadas e aplicações

b) Mais geralmente, para cada B − \ , a função =: é derivável em B e com


=w: ÐBÑ œ s=: ÐBÑ  Ð:  "Ñ=:" ÐBÑ,

e portanto =w: À \ Ä ‘ é contínua em +.


c) A função =: À \ Ä ‘ é de classe G " se, e só se, 0 À \ Ä ‘ for de classe G "
(o que sucede necessariamente no caso em que : ") .
Dem: A derivabilidade de =: e =:" nos pontos B Á + resulta da derivabili-
dade nesses pontos da sua restrição a \ Ï Ö+× (eles não são aderentes a Ö+×),
derivabilidade essa que resulta da derivabilidade dos restos <: e <:" (cf.
III.4.23) e das igualdades
<: ÐBÑ <:" ÐBÑ
=: ÐBÑ œ , =:" ÐBÑ œ .
ÐB  +Ñ:" ÐB  +Ñ:#
Comparando as igualdades
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
(1)
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  =: ÐBÑÐB  +Ñ:" ,
:x

0 Ð:Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  â  ÐB  +Ñ: 
:x
(2)
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
 ÐB  +Ñ:"  =:" ÐBÑÐB  +Ñ:# ,
Ð:  "Ñx
obtemos, para cada B Á +,
0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
=: ÐBÑ œ  =:" ÐBÑÐB  +Ñ
Ð:  "Ñx
e portanto, por derivação,
(3) =w: ÐBÑ œ =:"
w
ÐBÑÐB  +Ñ  =:" ÐBÑ.

Por outro lado, derivando (2), obtemos, para B Á +,


0 Ð:"Ñ Ð+Ñ
0 w ÐBÑ œ 0 w Ð+Ñ  0 ww Ð+ÑÐB  +Ñ  â  ÐB  +Ñ: 
:x
w
 =:" ÐBÑÐB  +Ñ:#  Ð:  #Ñ=:" ÐBÑÐB  +Ñ:" œ
0 w Ð:Ñ Ð+Ñ
œ 0 w Ð+Ñ  Ð0 w Ñw Ð+ÑÐB  +Ñ  â  ÐB  +Ñ: 
:x
 =w:" ÐBÑÐB  +Ñ:#  Ð:  #Ñ=:" ÐBÑÐB  +Ñ:"

donde, comparando com a fórmula de Taylor para a função 0 w , com o resto


§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 283

na forma de Peano,
(4) s=: ÐBÑ œ =w:" ÐBÑÐB  +Ñ  Ð:  #Ñ=:" ÐBÑ.

Combinando (3) e (4) vemos agora que, para cada B Á +,


=w: ÐBÑ œ s=: ÐBÑ  Ð:  #Ñ=:" ÐBÑ  =:" ÐBÑ œ
(5)
œ s=: ÐBÑ  Ð:  "Ñ=:" ÐBÑ.

Tendo em conta III.4.43, o segundo membro de (5) tem limite quando B Ä +


igual a s=: Ð+Ñ  Ð:  "Ñ=:" Ð+Ñ e deduzimos então de III.2.10 que =: também
é derivável em + e com derivada
=w: Ð+Ñ œ s=: Ð+Ñ  Ð:  "Ñ=:" Ð+Ñ œ
" :  " Ð:#Ñ
œ Ð0 w ÑÐ:"Ñ Ð+Ñ  0 Ð+Ñ œ
Ð:  "Ñx Ð:  #Ñx
:  # Ð:#Ñ :  " Ð:#Ñ
œ 0 Ð+Ñ  0 Ð+Ñ œ
Ð:  #Ñx Ð:  #Ñx
"
œ 0 Ð:#Ñ Ð+Ñ œ =:" Ð+Ñ.
Ð:  #Ñx
em particular a fórmula (5) é válida também para B œ + e =w: é contínua em +.
No caso em que 0 À \ Ä ‘ é de classe G " , e portanto 0 e 0 w são contínuas
em todos os pontos, resulta de III.4.43 que as funções s=: e =:" são contínuas
em todos os pontos, e portanto, pela identidade em b), a função =w: À \ Ä ‘ é
contínua em todos os pontos, ou seja =: À \ Ä ‘ é de classe G " . Recipro-
camente, se =: À \ Ä ‘ é de classe G " , a igualdade
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  =: ÐBÑÐB  +Ñ:"
:x
mostra que 0 À \ Ä ‘ é de classe G " . 
III.4.45 (Derivadas de ordem superior no resto de Peano) Sejam \ § ‘ um
intervalo não trivial, + − \ e 0 À \ Ä ‘ uma função :  ;  " vezes
derivável em +, onde : ! e ; ". Sendo =: À \ Ä ‘ a função que figura
na forma de Peano do resto, tem-se então:
a) A função =: é ; vezes derivável em + e com
0 Ð:;"Ñ Ð+Ñ
=Ð;Ñ
: Ð+Ñ œ =:; Ð+Ñ œ .
Ð:  ;  "Ñx

b) A função =: À \ Ä ‘ é ; vezes derivável em cada B − \ e é de classe G ;


se, e só se, 0 for de classe G ; (o que acontece necessariamente no caso em
que : ").
284 Cap. III. Derivadas e aplicações

Dem: Se =: for de classe G : então 0 é de classe G : , como decorre da


igualdade
0 Ð#Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ# 
#x
0 Ð:Ñ Ð+Ñ
â ÐB  +Ñ:  =: ÐBÑÐB  +Ñ:" .
:x
As restantes afirmações resultam por indução em ; , reparando que o caso em
que ; œ " é precisamente o que estabelecemos em III.4.44 e que o passo de
indução resulta da igualdade na alínea b) do resultado citado, que nos diz
que, sendo s=: À \ Ä ‘ a função que figura na forma de Peano do resto de 0 w ,
=w: ÐBÑ œ s=: ÐBÑ  Ð:  "Ñ=:" ÐBÑ. 

Exercícios

Ex III.4.1 a) Verificar que a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ B# senÐ B" Ñ se


B Á ! e 0 Ð!Ñ œ ! é derivável em todos os pontos do domínio mas não é de
classe G " .
b) Verificar que a função 1À ‘ Ä ‘ definida por 1ÐBÑ œ B% senÐ B" Ñ se B Á ! e
1Ð!Ñ œ ! é duas vezes derivável mas não é de classe G # .
Ex III.4.2 Sejam \ § ‘ um intervalo, 0 À \ Ä ‘ uma função e + − \ um ponto
interior de \ (isto é, que não seja nenhuma das suas extremidades).
a) Verificar que existe &  ! tal que a vizinhança Z& Ð+Ñ esteja contida em \
e mostrar que, se 0 for derivável em +, então
0 Ð+  2Ñ  0 Ð+  2Ñ
lim œ 0 w Ð+Ñ,
2Ä! #2
l2l&

reparando que esta conclusão já foi tirada no exercício III.1.2, com a hipótese
mais forte de se ter \ œ ‘, que não simplifica nada a demonstração.
æ b) Supondo que 0 é # vezes derivável em +, mostrar que
0 Ð+  2Ñ  0 Ð+  2Ñ  #0 Ð+Ñ
lim œ 0 ww Ð+Ñ.
2Ä! 2#
l2l&

Sugestão: Utilizar a regra de Cauchy para levantar a indeterminação no pri-


meiro membro e aplicar em seguida a conclusão de a) à função 0 w À \ Ä ‘.
æ c) Supondo que 0 é $ vezes derivável em +, mostrar que
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 285

0 Ð+  #2Ñ  #0 Ð+  2Ñ  #0 Ð+  2Ñ  0 Ð+  #2Ñ
lim œ 0 www Ð+Ñ.
2Ä! #2$
l2l&Î#

ææ d) Tentar encontrar uma função de 2 no mesmo espírito que as


anteriores que, no caso em que 0 é % vezes derivável em +, tenha como limite
0 Ð%Ñ Ð+Ñ quando 2 Ä !, com l2l  #& .
æ Ex III.4.3 (Fórmula de Leibnitz) Demonstrar por indução em : a seguinte
fórmula de Leibnitz para a derivada de ordem : num ponto + de duas funções
0 e 1 que são : vezes deriváveis no ponto +:
Ð0 ‚ 1ÑÐ:Ñ Ð+Ñ œ 0 Ð:Ñ Ð+Ñ1Ð+Ñ  :G" 0 Ð:"Ñ Ð+Ñ1Ð"Ñ Ð+Ñ  :G# 0 Ð:#Ñ Ð+Ñ1Ð#Ñ Ð+Ñ 
 â  :G; 0 Ð:;Ñ Ð+Ñ1Ð;Ñ Ð+Ñ  â  :G:" 0 Ð"Ñ Ð+Ñ1Ð:"Ñ Ð+Ñ 
 0 Ð+Ñ1Ð:Ñ Ð+Ñ. 179

Sugestão: Lembrar que Š :; ‹ designa o número de combinações de :


elementos tomados ; a ; (número de subconjuntos de ; elementos de um
conjunto com : elementos) e a relação Š :"
; ‹ œ Š ; ‹  Š ;" ‹.
: :

Ex III.4.4 Qual o número máximo de zeros que pode ter uma função $ vezes
derivável 0 À ‘ Ä ‘ com 0 www ÐBÑ  !, para cada B − ‘?
Ex III.4.5 Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por
0 ÐBÑ œ B'  B%  B$  B#  B.
Verificar se 0 atinge ou não um extremo relativo no ponto " e, em caso
afirmativo, se se trata de um máximo relativo ou de um mínimo relativo.
Ex III.4.6 (Exemplo de uma equação diferencial de segunda ordem)
a) Dadas constantes +ß , − ‘, verificar que a função WÀ ‘ Ä ‘ definida por
WÐBÑ œ +senÐBÑ  ,cosÐBÑ
é uma solução da “equação diferencial de segunda ordem” W ww ÐBÑ œ WÐBÑ.
b) Seja WÀ ‘ Ä ‘ uma função # vezes derivável e tal que, para cada B − ‘,
W ww ÐBÑ œ WÐBÑ. Verificar que existem constantes +ß , − ‘ tais que, para
cada B − ‘,
WÐBÑ œ +senÐBÑ  ,cosÐBÑ.

Sugestão: Reparar que temos uma consequência direta de III.2.14.


c) Nas hipóteses de b), e lembrando a conclusão do exercício III.2.15,

179Repararna semelhança com a fórmula do binómio de Newton, para potência : de uma


soma de duas parcelas, já encontrada no ensino secundário, para a qual também
propusemos como exercício (I.2.7) uma demonstração por indução em :.
286 Cap. III. Derivadas e aplicações

concluir a existência de B! − Ò!ß #1Ò e - ! tal que se tenha


WÐBÑ œ - senÐB  B! Ñ.

Ex III.4.7 (Porque é que as coisas oscilam) É comum uma grandeza física,


como o alongamento orientado de uma mola relativamente à sua posição de
equlíbrio, ter uma variação ao longo do tempo traduzida por uma função
0 À ‘ Ä ‘ que verifica uma equação diferencial de segunda ordem do tipo
0 ww Ð>Ñ œ  5 # 0 Ð>Ñ, com uma constante 5  ! conveniente180. Utilizar a
conclusão da alínea c) do exercício III.4.6, para concluir a existência de
>! − Ò!ß #51 Ò e - ! tal que, para cada > − ‘,
0 Ð>Ñ œ - senÐ5Ð>!  >ÑÑ,
#1
em particular que a grandeza varia periodicamente com o período 5 .

Ex III.4.8 Sendo 0 À Ó!ß _Ò Ä ‘ a função (cf. III.4.10) definida por

ÈB
" "
0 ÐBÑ œ œ B #

"
verificar que 0 w ÐBÑ œ  "# B # " e, por indução que para cada : #
" "
0 Ð:Ñ ÐBÑ œ Ð"Ñ: ‚ $ ‚ & ‚ ( ‚ â ‚ Ð#:  "Ñ B # : œ
#:
" Ð#:  "Ñx  " :
œ Ð"Ñ: Ð#:"Ñ B # .
# Ð:  "Ñx

Ex III.4.9 a) Reparando que, para cada 8 ", a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por


0 ÐBÑ œ Ð"  BÑ8 é um polinómio de grau 8, em particular, para cada :  8,
tem derivada de ordem : identicamente !, utilizar a fórmula de Taylor com o
resto na forma de Lagrange para obter a identidade
Ð"  BÑ8 œ "  8G" B  8G# B#  â  8G: B:  â  8G8" B8"  B8 ,

e reparar que esta identidade é um caso particular da fórmula do binómio de


Newton, já examinada no exercício I.2.7.
b) Utilizar a conclusão de a) para obter a fórmula do binómio de Newton
sobre o desenvolvimento de ÐB  CÑ8 .
Ex III.4.10 Se 0 À ‘ Ä ‘ é um polinómio de grau 8, mostrar que, para +ß B − ‘,
0 ww Ð+Ñ 0 Ð8Ñ Ð+Ñ
0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ  0 w Ð+ÑÐB  +Ñ  ÐB  +Ñ#  â  ÐB  +Ñ8 .
#x 8x

180Comparar com o que se disse na nota de pé de página 135 na página 212. A razão
deste comportamento, no caso da mola, deriva da existência de uma força de sentido
contrário ao alongamento e com uma grandeza proporcional a este.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 287

æ Ex III.4.11 (Complementos sobre a série harmónica) Consideremos a série


harmónica, associada à sucessão Ð?8 Ñ8− com ?8 œ 8" , e seja ÐW8 Ñ8− a
sucessão das respetivas somas parciais.
a) Aplicando o teorema de Lagrange à função lnÀ Ó!ß _Ò Ä ‘, mostrar que,
para cada 8 − ,
" "
Ÿ lnÐ8  "Ñ  lnÐ8Ñ Ÿ .
8" 8
b) Aplicar a segunda das desigualdades em a) a cada uma das parcelas de
" " "
(1) W8 œ "   â
# $ 8
para concluir que se tem
W8 lnÐ8  "Ñ
e reparar que esta desigualdade permite dar uma demonstração alternativa do
facto de se ter
" " "
"   â   â œ _.
# $ 8
c) Aplicar a primeira das desigualdades em a) a cada uma das parcelas de (1)
para concluir que se tem
W8 Ÿ "  lnÐ8Ñ
e concluir desta desigualdade e da que foi estabelecida em b) que se tem
W8
lim œ"
lnÐ8Ñ
(a sucessão das somas parciais é “comparável” à sucessão 8 È lnÐ8Ñ).
Ex III.4.12 (Convergência de uma série de Dirichlet) Tendo presente a
conclusão do exercício I.2.6, concluir que é convergente a série de termos
positivos
" " "
"  â # â
% * 8
e que a sua soma é menor ou igual a #.181
Ex III.4.13 Verificar que as funções senÀ ‘ Ä ‘ e cosÀ ‘ Ä ‘ tomam em cada
B − ‘ um valor igual ao da soma das respetivas séries de Maclaurin, e
concluir que,

181Pode provar-se, mas com métodos de que não dispomos neste momento, que a soma
#
desta série é igual a 1' , um valor que não deixa de ser inesperado. Esse resultado será
obtido no exercício IV.3.12 adiante.
288 Cap. III. Derivadas e aplicações

B$ B& B#:"
senÐBÑ œ B    â  Ð"Ñ:  â,
$x &x Ð#:  "Ñx
B# B% B#:
cosÐBÑ œ "    â  Ð"Ñ:  â. 182
#x %x Ð#:Ñx
Encontrar majorações para os restos de Maclaurin destas funções com ordens
#:  " e #: respetivamente. Sugestão: Tal como foi feito com a função
exponencial em III.4.41, lembrar a convergência para ! da sucessão estudada
em I.5.47.
æ Ex III.4.14 (Série de Maclaurin para a função arctan) Tenhamos presente
o que foi examinado no exemplo III.4.29 relativamente à função 1À ‘ Ä ‘,
"
de classe G _ , definida por 1ÐBÑ œ "B# e lembremos que, sendo 0 À ‘ Ä ‘ a

função definida por 0 ÐBÑ œ arctanÐBÑ, 0 é derivável em cada B e com


0 w ÐBÑ œ 1ÐBÑ, em particular 0 é também de classe G _ . Notemos s< os restos
de Maclaurin de 1 e < os de 0 .
a) Lembrando as caracterizações das derivadas em ! de 1,
1Ð#:Ñ Ð!Ñ œ Ð"Ñ: ‚ Ð#:Ñx, 1Ð#:"Ñ Ð!Ñ œ !,
onde : !, e dos restos de Maclaurin de 1,
B#:#
s<#:" ÐBÑ œ s<#: ÐBÑ œ Ð"Ñ:" ,
"  B#
onde : !, assim como a igualdade <5w ÐBÑ œ s<5" ÐBÑ, 5 ", deduzir que

0 Ð#:"Ñ Ð!Ñ œ Ð"Ñ: ‚ Ð#:Ñx, 0 Ð#:#Ñ Ð!Ñ œ !,


e que, para B !,
! Ÿ Ð"Ñ:" <#:"
w
ÐBÑ œ Ð"Ñ:"s<#: ÐBÑ Ÿ B#:# ,

deduzindo daqui que


"
! Ÿ Ð"Ñ:" <#:# ÐBÑ œ Ð"Ñ:" <#:" ÐBÑ Ÿ B#:$
#:  3
(a diferença dos dois membros tem derivada maior ou igual a ! e é nula em
!) e portanto
"
l<#:# ÐBÑl œ l<#:" ÐBÑl Ÿ B#:$ .
#:  3

182Reparar que as séries de Maclaurin têm termos identicamente nulos intercalados entre
os das séries descritas (e, no caso do seno, no início desta) mas que o facto de os termos
omitido não altera nem a convergência nem o valor da série. Comparar com o que foi
referido no exemplo na alínea c) de III.4.40.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 289

b) Deduzir de a) que, para cada ! Ÿ B Ÿ ", arctanÐBÑ é a soma da sua série


de Maclaurin e portanto, omitindo, como no exercício III.4.13 e com a
mesma justificação, os termos identicamente nulos,
B$ B& B#:"
(1) arctanÐBÑ œ B    â  Ð"Ñ:  â.
$ & #:  "
Multiplicando ambos os membros por ", verificar que a mesma conclusão é
válida para " Ÿ B Ÿ !. Concluir em particular a validade da soma da série
1 " " " "
œ "     â  Ð"Ñ:  â.
% $ & ( #:  "
c) Verificar que, se lBl  ", apesar de B pertencer ao domínio da função
B È arctanÐBÑ, a série no segundo membro de (1) não é convergente, por a
sucessão dos seus termos não ter limite igual a !.
æ Ex III.4.15 (Aplicação a um cálculo aproximado de 1 ) A série de
Maclaurin para a função arctanÀ ‘ Ä Ó 1# ß 1# Ò, obtida no exercício III.4.14,
aponta para a possibilidade de obter valores aproximados de 1, por exemplo
a partir do facto de se ter 1% œ arctanÐ"Ñ. De facto, a utilização direta desta
fórmula não é muito eficiente, tendo em conta a lentidão com que a sucessão
das somas parciais da série cuja soma é 1% converge (por exemplo, somando
1000 termos da série, obtemos um valor aproximado de 1 igual a $Þ"%#&*…,
que só tem as duas primeiras casas decimais exatas). Constata-se, no entanto,
que para valores positivos de B consideravelmente menores que " a
convergência da série de Maclaurin torna-se mais rápida e tanto mais rápida
quanto menor for B (pensar no comportamento de B#:" para valores
pequenos de B e grandes de :). O objetivo deste exercício é examinar um
método, baseado também na utilização da mesma série, que foi utlizado pelo
matemático inglês John Machin em 1706 para obter um valor aproximado de
1 com 100 decimais corretos.
a) Seja ! − ‘ tal que tanÐ!Ñ œ "& , por outras palavras, ! œ arctanÐ "& Ñ.
Lembrando as fórmulas para a tangente de uma soma de dois ângulos e, em
particular, para a tangente do dobro de um ângulo,
tanÐ!Ñ  tanÐ" Ñ #tanÐ!Ñ
tanÐ!  " Ñ œ , tanÐ#!Ñ œ ,
"  tanÐ!ÑtanÐ" Ñ "  tan# Ð!Ñ
verificar sucessivamente os valores
& "#! 1 " 183
tanÐ#!Ñ œ , tanÐ%!Ñ œ , tanÐ%!  Ñœ .
"# ""* % #$*
Deduzir daqui a seguinte fórmula de Machin que permite calcular valores

183O êxito deste método resulta assim de algumas coincidências felizes associadas ao
facto de termos partido do valor "& .
290 Cap. III. Derivadas e aplicações

1
aproximados de % e, a partir destes, de 1:
1 " "
œ % arctanÐ Ñ  arctanÐ Ñ.
% & #$*
b) Com o auxílio da calculadora, obter um valor aproximado de 1 a partir da
fórmula de Machin, substituindo arctanÐ "& Ñ pela soma dos primeiros 7 termos
"
da sua série de Maclaurin e arctanÐ #$* Ñ pela soma dos primeiros dois termos
184
da sua série de Maclaurin . Dever-se-á obter, dependendo do número de
algarismos exibidos pela calculadora, o resultado
1 ¸ $Þ"%"&* #'&$& ))…,
onde só o último algarismo não é o correto.
ææ c) Havendo paciência e destreza no cálculo feito à mão (a calculadora
não será agora de grande utilidade…) fazer o mesmo que foi feito na alínea
b) mas somando 20 termos da primeira série e 7 termos da segunda e traba-
lhando em cada cálculo intermédio com 38 casas decimais. Não havendo
enganos nos cálculos, dever-se-á obter o valor aproximado
1 ¸ $Þ"%"&* #'&$& )*(*$ #$)%' #'%$$ )$#(* )")"$…,
onde as 30 primeiras casas decimais estão exatas!
Ex III.4.16 (Pergunta aparecida em prova de avaliação) æ a) Escrever a

0 ÐBÑ œ ÈB, com o resto na forma de Lagrange.


fórmula de Taylor de ordem # centrada no ponto % para a função

b) Usar a alínea anterior para obter um valor aproximado de È& e verificar


que o erro obtido é inferior a 0,002Þ
Ex III.4.17 (Pergunta aparecida em prova de avaliação) a) Determinar o
desenvolvimento de Maclaurin de segunda ordem (Taylor, centrado em !) da
função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ /B senÐBÑ, com o resto na forma de
Lagrange.
b) Deduzir de a) que, para cada B  !,
# $
l/B senÐBÑ  B  B# l  B .
$

æ Ex III.4.18 (Irracionalidade da constante de Neper /) a) Sendo 8 −  com


8 #, considerar a fórmula de Maclaurin de ordem 8 da função 0 ÐBÑ œ /B ,
com o resto na forma de Lagrange, para deduzir que se tem
" " "
/œ""  â  <8
# $x 8x
$
com !  <8  Ð8"Ñx .

184Tomamos menos termos no segundo caso por termos uma convergência mais rápida.
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 291

b) Deduzir de a) que, para cada 8 #,


8x 8x 8x
8x/ œ 8x  8x   â  8x<8
# $x 8x
com !  8x<8  " e concluir que 8x/ não é um número inteiro.
c) Deduzir de b) que o número / não é racional. Sugestão: Se se tivesse
/ œ 8: , então 8x/ seria um número inteiro.
æ Ex III.4.19 (Uma função de classe G _ com propriedades singulares)
a) Verificar que, para cada 5 −  tem-se
" "
lim / B œ !.
BÄ! B5
Sugestão: Fazendo uma mudança de variáveis, isto é, utilizando de forma
conveniente os resultado sobre o limite da função composta, temos uma
consequência simples do limite notável em II.2.18.
b) Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por

0 ÐBÑ œ œ
"
/ B , se B  !
.
!, se B Ÿ !

Mostrar que a função 0 é de classe G _ e com derivadas de ordem 5


verificando 0 Ð5Ñ ÐBÑ œ ! para cada B Ÿ !.
Sugestão: Seja, para cada 5 − , 05 À ‘ Ä ‘ a função definida por

05 ÐBÑ œ œ B5
" "
/ B , se B  !
.
!, se B Ÿ !

Mostrar que 0 é derivável em todos os pontos e com 0 w ÐBÑ œ 0# ÐBÑ e que


cada 05 é derivável em todos os pontos e com
05w ÐBÑ œ 505" ÐBÑ  05# ÐBÑ
e deduzir, por indução em :, que a função 0 e cada uma das funções 05 são
de classe G : para todo o :. Sugestão: Para a derivabilidade no ponto !
poderá ser útil ter em conta III.2.10.
c) Mostrar que a série de Maclaurin da função 0 é convergente para todo o
B − ‘ mas que a sua soma é igual a 0 ÐBÑ se, e só se B Ÿ !.
Ex III.4.20 (Aplicação do resto na forma de Peano à determinação de
máximos e mínimos relativos) Sejam \ um intervalo, + um ponto interior a
\ e 0 À \ Ä ‘ uma função que, para simplificar o enunciado suporemos de
classe G _ . Suponhamos que 0 w Ð+Ñ œ !. Viu-se em III.4.2 que, se 0 ww Ð+Ñ  !
(respetivamente 0 ww Ð+Ñ  !), então 0 atinge em + um mínimo estrito (respeti-
vamente máximo estrito) relativo mas se fosse 0 ww Ð+Ñ œ ! não sabíamos tirar
nenhuma conclusão. Suponhamos agora que, para um certo : #,
0 Ð:Ñ Ð+Ñ Á ! e que, para cada " Ÿ ;  :, 0 Ð;Ñ Ð+Ñ œ ! (a derivada de ordem :
292 Cap. III. Derivadas e aplicações

é a primeira que não se anula). Utilizar a fórmula de Taylor com o resto na


forma de Peano e ter em conta III.4.43 para mostrar que:
a) Se : é par então 0 atinge em + um extremo relativo estrito, que é mínimo
se 0 Ð:Ñ Ð+Ñ  ! e máximo se 0 Ð:Ñ Ð+Ñ  !.
b) Se : é ímpar então 0 não atinge em + um extremo relativo.
Ex III.4.21 (Derivadas de ordem superior e paridade de funções) Sejam
\ § ‘ um conjunto simétrico (ver o exercício III.1.12) cujos elementos são
todos pontos de acumulação e 0 À \ Ä ‘ uma função par (respetivamente
ímpar). Se 0 for : vezes derivável, mostrar que a função 0 Ð:Ñ À \ Ä ‘ é par
(respetivamente ímpar) se : é par e é ímpar (respetivamente par) se : é
ímpar. Deduzir que, no caso em que ! − \ e 0 é : vezes derivável em !,
tem-se 0 Ð:Ñ Ð!Ñ œ ! se : é ímpar (respetivamente se : é par).
æ Ex III.4.22 (Funções ímpares de classe G _ ) Seja \ § ‘ um intervalo
simétrico não trivial, portanto de um dos tipos Ó_ß _Ò, Ó+ß +Ò ou
Ò+ß +Ó, com +  !.
a) Verificar que se 1À \ Ä ‘ é uma função par de classe G _ então tem lugar
uma função ímpar de classe G _ 0 À \ Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ B1ÐBÑ.

b) Verificar que se 0 À \ Ä ‘ é uma função ímpar de classe G _ então existe


uma única função par de classe G _ 1À \ Ä ‘ tal que, para cada B − \ ,
0 ÐBÑ œ B1ÐBÑ.

tendo-se então 1Ð!Ñ œ 0 w Ð!Ñ. Sugestão: Considerar a fórmula de Maclaurin


de ordem ! para a função 0 com o resto na forma de Peano e ter em conta
III.4.45.
æ Ex III.4.23 (Funções pares de classe G _ ) Seja \ § ‘ um intervalo

Ò+ß +Ó, com +  ! e notemos ] o intervalo Ò!ß _Ò, Ò!ß È+Ò ou Ò!ß È+Ó
simétrico não trivial, portanto de um dos tipos Ó_ß _Ò, Ó+ß +Ò ou

respetivamente.
a) Verificar que se 1À ] Ä ‘ é um função de classe G _ arbitrária então tem
lugar uma função par de classe G _ 0 À \ Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ 1ÐB# Ñ.

b) Verificar que se 0 À \ Ä ‘ é uma função par de classe G _ então existe


uma única função de classe G _ 1À ] Ä ‘ tal que, para cada B − \ ,
0 ÐBÑ œ 1ÐB# Ñ,
nomeadamente a definida por 1ÐCÑ œ 0 ÐÈCÑ.
Sugestão: Reparar que, para a função 1 definida do modo referido, tem-se
que 1 é contínua e, para cada C Á !,
§4. Derivadas de ordem superior e fórmula de Taylor 293

0 w ÐÈCÑ.
"
#È C
1w ÐCÑ œ

Ter em conta o exercício III.4.22 para concluir a existência de uma função


w
par de classe G _ 2À \ Ä ‘ com 2Ð!Ñ œ 0 ww Ð!Ñ e, para B Á !, 2ÐBÑ œ 0 BÐBÑ e
deduzir, por exemplo pela regra de Cauchy, que 1 é derivável em ! e com

1w Ð!Ñ œ lim 1w ÐCÑ œ lim 2ÐÈCÑ œ 2Ð!Ñ œ 0 ww Ð!Ñ.


" " "
CÄ! CÄ! # # #
Deduzir que a função 1À ] Ä ‘ é de classe G " e seguidamente, por indução
em :, que 1 é de classe G : para todo o :, e portanto de classe G _ .
Ex III.4.24 a) Utilizar a conclusão obtida no exercício III.4.23 para mostrar que
é de classe G _ a função 0 À Ò!ß _Ò Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ cosÐÈBÑ.

æ b) Encontrar um prolongamento de classe G _ a ‘ da função referida na


alínea a), prolongamento que poderemos notar também 0 . Mais precisa-
mente, pretende-se exprimir explicitamente os valores 0 ÐBÑ com B  !
utilizando “funções elementares” já estudadas anteriormente. Sugestão: Con-
siderar a série de Maclaurin da função considerada em a) e procurar os
valores de 0 ÐBÑ para B Ÿ ! de modo a obter uma função de classe G _ com a
mesma série de Maclaurin.

cosÐÈBÑ,
0 ÐBÑ œ œ
se B !
?, se B  !

§5. Aplicação ao sentido da concavidade.

As propriedades de monotonia duma função são propriedades que se


definem a partir da comparação dos valores da função em dois pontos
distintos arbitrários do seu domínio (cf. I.4.18). A noção de sentido da
294 Cap. III. Derivadas e aplicações

concavidade, que o estudante reconhece de forma mais ou menos


intuitiva, envolve o exame do que se passa em três pontos distintos
arbitrários do domínio. Para a definirmos de modo preciso será cómodo
estabelecer uma relação importante que envolve os valores de uma função
em três pontos distintos do seu domínio.

III.5.1 Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e +  ,  - três pontos do domí-


nio. Os pontos do gráfico de 0 com estes pontos como abcissas vão
determinar três secantes ao gráfico cujos declives nos interessa comparar.

Chamaremos declive esquerdo ao da recta que passa por Ð+ß 0 Ð+ÑÑ e


Ð,ß 0 Ð,ÑÑ, por outras palavras,
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ
declive esquerdo œ ,
,+
declive direito ao da recta que passa por Ð,ß 0 Ð,ÑÑ e Ð-ß 0 Ð-ÑÑ, por outras
palavras,
0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
declive direito œ ,
-,
e declive total ao da recta que passa por Ð+ß 0 Ð+ÑÑ e Ð-ß 0 Ð-ÑÑ, por outras
palavras,
0 Ð-Ñ  0 Ð+Ñ
declive total œ .
-+
Uma relação importante entre estes três declives é que o terceiro é a média
pesada dos dois primeiros associada aos pesos (maiores que ! e de soma ")
,+ -,
=œ , >œ
-+ -+
(cf. I.1.4) e consequentemente:
1) Se o declive esquerdo é igual ao declive direito então o declive total é
igual a estes.
2) Se o declive esquerdo é diferente do declive direito então o declive total
está entre estes dois.
Dem: É imediato constatar-se que os pesos = e > definidos no enunciado são
efetivamente maiores que ! e de soma igual a ". O facto de ter lugar a média
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 295

referida corresponde à igualdade


0 Ð-Ñ  0 Ð+Ñ ,  + 0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ -  , 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
œ  ,
-+ -+ ,+ -+ -,
cuja verificação não oferece dificuldade. O facto de o declive total estar entre
os declives esquerdo e direito, quando estes forem diferentes, e ser igual a
ambos, quando estes forem iguais, é uma consequência das propriedades das
médias pesadas referidas em I.1.4. 
III.5.2 (Comportamento de três pontos do domínio no que respeita à conca-
vidade) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função e +  ,  - três pontos do
domínio. Tendo em conta o que referimos em III.5.1, verifica-se uma, e uma
só, das três condições seguintes:

1) Os declives esquerdo, direito e total são todos iguais. Neste caso dizemos
que 0 é retilínea nestes três pontos.
2) O declive esquerdo é menor que o declive total e este é menor que o decli-
ve direito. Neste caso dizemos que 0 curva para cima nestes três pontos.
3) O declive esquerdo é maior que o declive total e este é maior que o declive
direito. Neste caso dizemos que 0 curva para baixo nestes três pontos.
As definições anteriores admitem uma interpretação geométrica que, não
sendo essencial para o que faremos a seguir, pode ser importante para apoiar
a nossa intuição. Essa interpretação baseia-se no facto de um ponto do plano
se encontrar sobre uma reta oblíqua, abaixo desta ou acima dela conforme a
sua ordenada seja igual, menor ou maior que a do ponto da reta com a mesma
abcissa. Tendo isso em conta, é fácil concluir que:
1w ) Dizer que 0 é retilínea nos pontos +  ,  - é equivalente a fizer que os
três pontos do gráfico com abcissas +ß ,ß - estão sobre uma mesma reta.
2w ) Dizer que 0 curva para cima nos pontos +  ,  - é equivalente a qual-
quer das seguintes afirmações: a) O ponto do gráfico de abcissa , está abaixo
da reta secante que passa pelos pontos do gráfico de abcissas + e - ; b) O
ponto do gráfico de abcissa - está acima da reta secante que passa pelos
pontos do gráfico de abcissas + e , ; c) O ponto do gráfico de abcissa + está
acima da reta secante que passa pelos pontos do gráfico de abcissas , e - . 185
3w ) Dizer que 0 curva para baixo nos pontos +  ,  - é equivalente a qual-

185Não é necessário, nem talvez desejável, conhecer de cor estas caracterizações; as


figuras atrás constituem mnemónicas simples para nos lembrarmos delas.
296 Cap. III. Derivadas e aplicações

quer das seguintes afirmações: a) O ponto do gráfico de abcissa , está acima


da reta secante que passa pelos pontos do gráfico de abcissas + e - ; b) O
ponto do gráfico de abcissa - está abaixo da reta secante que passa pelos
pontos do gráfico de abcissas + e , ; c) O ponto do gráfico de abcissa + está
abaixo da reta secante que passa pelos pontos do gráfico de abcissas , e - .

Estamos agora em condições de definir facilmente o sentido da


concavidade de uma função. Tal como acontecia com a monotonia, há
lugar para uma versão estrita e uma versão lata de cada uma das
definições.

III.5.3 (Sentido da concavidade) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função.


a) Diz-se que 0 tem a concavidade estritamente voltada para cima, ou que é
estritamente convexa, se 0 curva para cima em quaisquer pontos +  ,  -
de \ .
b) Diz-se que 0 tem a concavidade voltada para cima, ou que é convexa,186
se em quaisquer pontos +  ,  - de \ a função 0 curva para cima ou é
retilínea.
c) Diz-se que 0 tem a concavidade estritamente voltada para baixo, ou que é
estritamente côncava, se 0 curva para baixo em quaisquer pontos +  ,  -
de \ .
d) Diz-se que 0 tem a concavidade voltada para baixo, ou que é côncava, se
em quaisquer pontos +  ,  - de \ a função 0 curva para baixo ou é
retilínea.
Repare-se que uma função tem simultaneamente a concavidade voltada para
cima e para baixo se, e só se, em quaisquer pontos +  ,  - a função é
retilínea ou seja, se, e só se, o gráfico da função está contido numa reta.187
III.5.4 (Exemplos) Nas duas figuras a seguir sugerimos duas funções definidas
no intervalo Ò "# ß $Ó. A primeira tem a concavidade voltada para cima, mas
não estritamente voltada para cima, e a sua restrição ao intervalo Ò"ß $Ó tem
mesmo a concavidade estritamente voltada para cima. A segunda tem a
concavidade estritamente voltada para baixo. Para reconhecermos
intuitivamente estes factos (o que é a única coisa que podemos fazer para
funções sugeridas por gráficos) o mais simples é utilizarmos a interpretação

186As palavras “convexa” e “côncava” costumam ser utilizadas apenas no caso em que o
domínio é um intervalo, hipótese que ainda não estamos a fazer neste momento.
187Quem tenha algum treino lógico constatará que, se o domínio \ tiver menos que três
elementos, qualquer função é simultaneamente estritamente convexa e estritamente côn-
cava mas que, afastada esta situação pouco interessante, uma função estritamente convexa
não pode ser côncava (nem, muito menos, estritamente côncava) e uma função estrita-
mente côncava não pode ser convexa (nem, muito menos, estritamente convexa). Temos
aqui uma situação semelhante à que se podia observar sobre a monotonia: Quando o
domínio tem apenas um elemento, qualquer função é ao mesmo tempo estritamente
crescente e estritamente decrescente.
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 297

geométrica referida nas alíneas 1w ) a 3w ) de III.5.2: Por exemplo, no caso da


segunda função, tudo o que temos que reparar é que, se considerarmos uma
secante ao gráfico que passa por pontos de abcissas +  - arbitrárias, a parte
do gráfico correspondente às abcissas entre + e - está estritamente acima
dessa secante.

Repare-se que não há a priori nenhuma relação entre o sentido da conca-


vidade e o sentido de variação da função: No primeiro exemplo a
concavidade está voltada para cima e a função é crescente mas no segundo
exemplo a concavidade está voltada para baixo e a função é estritamente
crescente num intervalo e estritamente decrescente noutro188.
III.5.5 (Efeito sobre o sentido da concavidade da substituição de uma função
pela sua simétrica) Sejam \ § ‘ e 0 À \ Ä ‘ uma função e consideremos
também a função 0 À \ Ä ‘, que a B associa 0 ÐBÑ. Tem-se então:
1) Se a função 0 é retilínea nos pontos +  ,  - de \ então o mesmo
acontece à função 0 .
2) Se a função 0 curva para cima nos pontos +  ,  - de \ então a função
0 curva para baixo nesses pontos.
3) Se a função 0 curva para baixo nos pontos +  ,  - de \ então a função
0 curva para cima nesses pontos.
Em consequência:
a) Se a função 0 tem a concavidade voltada para cima (respetivamente, estri-
tamente voltada parta cima) então a função 0 tem a concavidade voltada
para baixo (respetivamente, estritamente voltada para baixo).
b) Se a função 0 tem a concavidade voltada para baixo (respetivamente,
estritamente voltada parta baixo) então a função 0 tem a concavidade
voltada para cima (respetivamente, estritamente voltada para cima).189
Dem: As conclusões 1), 2) e 3) resultam de que, dados pontos +  ,  - , os
declives esquerdo, direito e total da função 0 são simétricos dos declives

188Talvez não seja por acaso que o intervalo em que a função é estritamente crescente
aparece antes daquele em que ela é estritamente decrescente. Será capaz de encontrar uma
explicação para esse facto?
189Com frequência este resultado será utilizado para deduzir resultados envolvendo um
dos sentidos da concavidade a partir de outros resultados já estudados que envolvem o
sentido oposto da concavidade,
298 Cap. III. Derivadas e aplicações

esquerdo, direito e total da função 0 e as conclusões de a) e b) decorrem


imediatamente das primeiras. 
III.5.6 (Existência de derivadas laterais no caso da concavidade voltada para
cima) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função com a concavidade voltada para
cima e + − \ . Tem-se então:
1) A função \ Ï Ö+× Ä ‘, B È 0 ÐBÑ0 B+
Ð+Ñ
, é crescente, sendo mesmo estrita-
mente crescente no caso em que 0 tenha a concavidade estritamente voltada
para cima.
2) Se + for ponto de acumulação à direita de \ então existe derivada à direita
0 w Ð+ Ñ, finita ou igual a _, que é igual ao ínfimo dos 0 ÐBÑ0B+
Ð+Ñ
com B  +.
No caso em que + não é mínimo de \ , essa derivada à direita é necessa-
riamente finita (ou seja, 0 é derivável à direita em +).
3) Se + for ponto de acumulação à esquerda de \ então existe derivada à
esquerda 0 w Ð+ Ñ, finita ou igual a _, que é igual ao supremo dos 0 ÐBÑ0 B+
Ð+Ñ

com B  +. No caso em que + não é máximo de \ , essa derivada à esquerda


é necessariamente finita (ou seja, 0 é derivável à esquerda em +).
4) Se + for simultaneamente ponto de acumulação à esquerda e à direita de
\ , então 0 w Ð+ Ñ Ÿ 0 w Ð+ Ñ, com ambos os membros finitos.
5) Se + não for máximo nem mínimo de \ , então 0 é contínua em +.
Dem: Comecemos por justificar a afirmação em 1), ou seja que, sempre que
B  C em \ Ï Ö+×,
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 0 ÐCÑ  0 Ð+Ñ
(1) Ÿ ,
B+ C+
tendo-se mesmo a correspondente desigualdade estrita no caso em que a
concavidade está mesmo estritamente voltada para cima. Três situações são
possíveis: a) Se B  C  + a desigualdade resulta de, na linguagem utilizada
em III.5.1 e III.5.2, o primeiro membro ser o declive total e o segundo ser o
declive direito; b) Se B  +  C a desigualdade resulta de, na mesma
linguagem, o primeiro membro ser o declive esquerdo e o segundo ser o
declive direito; c) Se +  B  C a desigualdade resulta de, na mesma
linguagem, o primeiro membro ser o declive esquerdo e o segundo ser o
declive total. Uma vez justificada a afirmação em 1), o que referimos em 2),
3) e 4) é uma mera reformulação das propriedades dos limites laterais de
funções crescentes examinadas em I.5.38 e no seu corolário I.5.39. A
conclusão de 5) resulta de que, afastados os casos em que + é mínimo ou
máximo de \ , podemos concluir que, se + for ponto de acumulação à direita,
resulta de 2) que a restrição de 0 a \ + é derivável em + e portanto contínua
nesse ponto, o que implica que lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ, e que, se + for ponto de
BÄ+
acumulação à esquerda, resulta de 3) que a restrição de 0 a \Ÿ+ é derivável
em + e portanto contínua nesse ponto, o que implica que lim 0 ÐBÑ œ 0 Ð+Ñ. 
BÄ+
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 299

III.5.7 (Exemplo) Sugerimos a seguir o gráfico de uma função com a concavi-


dade voltada para cima (mesmo estritamente voltada para cima), definida no
intervalo Ò!ß $Ó, que apresenta alguns dos “maus comportamentos” que não
são “proíbidos” pela propriedade precedente: Ela é contínua, mas tem
derivada à direita _ na extremidade esquerda ! do intervalo, não é
contínua na extremidade direita $ do intervalo e no ponto interior "# tem
derivadas laterais distintas.

III.5.8 (Existência de derivadas laterais no caso da concavidade voltada para


baixo) Sejam \ § ‘, 0 À \ Ä ‘ uma função com a concavidade voltada
para baixo e + − \ . Tem-se então:
1) A função \ Ï Ö+× Ä ‘, B È 0 ÐBÑ0 B+
Ð+Ñ
, é decrescente, sendo mesmo estri-
tamente decrescente no caso em que 0 tenha a concavidade estritamente
voltada para baixo.
2) Se + for ponto de acumulação à direita de \ então existe derivada à direita
0 w Ð+ Ñ, finita ou igual a _, que é igual ao supremo dos 0 ÐBÑ0 B+
Ð+Ñ
com
B  +. No caso em que + não é mínimo de \ , essa derivada à direita é
necessariamente finita (ou seja, 0 é derivável à direita em +).
3) Se + for ponto de acumulação à esquerda de \ então existe derivada à
esquerda 0 w Ð+ Ñ, finita ou igual a _, que é igual ao ínfimo dos 0 ÐBÑ0 B+
Ð+Ñ

com B  +. No caso em que + não é máximo de \ , essa derivada à esquerda


é necessariamente finita (ou seja, 0 é derivável à esquerda em +).
4) Se + for simultaneamente ponto de acumulação à esquerda e à direita de
\ , então 0 w Ð+ Ñ 0 w Ð+ Ñ, com ambos os membros finitos.
5) Se + não for máximo nem mínimo de \ , então 0 é contínua em +.
Dem: Este resultado admite uma demonstração análoga à de III.5.6 ou, alter-
nativamente, resulta de aplicar o resultado referido à função 0 , que, tendo
em conta III.5.5, tem a concavidade voltada para cima. 

A partir de agora vamos restringir o nosso estudo ao caso em que a função


tem como domínio um intervalo não trivial. Essa restrição tem nalguns
casos como único objetivo a simplificação dos enunciados (não é neces-
sário explicitar que pontos do domínio são pontos de acumulação à
esquerda ou à direita deste) e é noutros casos essencial, por exemplo
quando tivermos que aplicar o teorema de Lagrange,
300 Cap. III. Derivadas e aplicações

III.5.9 (Propriedades das derivadas no caso da concavidade voltada para


cima) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função com a
concavidade voltada par cima (respetivamente, estritamente voltada para
cima). Tem-se então:
1) Se +  , em \ , vem 0 w Ð+ Ñ Ÿ 0 w Ð,  Ñ (respetivamente, 0 w Ð+ Ñ  0 w Ð, Ñ).
2) Em particular, se a função 0 for derivável, então a função 0 w À \ Ä ‘ é
crescente (respetivamente, estritamente crescente).
3) Em particular, se 0 for # vezes derivável num ponto + − \ , então
0 ww Ð+Ñ !Þ190
Dem: Para justificarmos a afirmação em 1) começamos por notar que a
existência das derivadas laterais referidas decorre de III.5.6, que nos
caracteriza mesmo essas derivadas laterais como um ínfimo e um supremo,
respetivamente. Fixando um ponto B entre + e , , a caracterização referida
dessa derivadas laterais garante que
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 0 Ð,Ñ  0 ÐBÑ 0 ÐBÑ  0 Ð,Ñ
0 w Ð+ Ñ Ÿ Ÿ œ Ÿ 0 w Ð, Ñ,
B+ ,B B,
onde a segunda desigualdade é estrita no caso em que a concavidade está
estritamente voltada para cima. A conclusão de 2) é uma consequência
imediata da de 1) e a de 3) resulta do fecto de uma função crescente ter
derivada maior ou gual a ! em qualquer ponto em que seja derivável. 
III.5.10 (Propriedades das derivadas no caso da concavidade voltada para
baixo) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função com a
concavidade voltada par baixo (respetivamente, estritamente voltada para
baixo). Tem-se então:
1) Se +  , em \ , vem 0 w Ð+ Ñ 0 w Ð, Ñ (respetivamente, 0 w Ð+ Ñ  0 w Ð, Ñ).
2) Em particular, se a função 0 for derivável, então a função 0 w À \ Ä ‘ é
decrescente (respetivamente, estritamente decrescente).
3) Em particular, se 0 for # vezes derivável num ponto + − \ , então
0 ww Ð+Ñ Ÿ !Þ
Dem: Este resultado admite uma demonstração análoga à de III.5.9 ou, alter-
nativamente, resulta de aplicar esse resultado à função 0 , que tem a conca-
vidade voltada para cima (respetivamente, estritamente voltada para cima). 
III.5.11 (Condições que implicam a concavidade voltada para cima) Seja
\ § ‘ um intervalo não trivial e notemos intÐ\Ñ o intervalo constituído
pelos pontos interiores191, isto é, aquele que se obtém de \ retirando-lhe as
extremidades.

190Note-se que, mesmo que 0 tenha a concavidade estritamente voltada para cima, não se
pode concluir que 0 ww Ð+Ñ tenha que ser maior que !. Trata-se de um fenómeno análogo
àquele que verificámos com as funções estritamente crescentes, as quais podem ter
derivada nula nalguns pontos.
191Trata-se de um caso particular da noção de interior de um conjunto arbitrário que não
examinámos neste curso.
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 301

1) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função contínua, derivável nos pontos interiores de \


e tal que a função 0 w À intÐ\Ñ Ä ‘ seja crescente (respetivamente, estrita-
mente crescente), então a função 0 tem a concavidade voltada para cima
(respetivamente, estritamente voltada para cima).
2) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função contínua cuja restrição a intÐ\Ñ seja # vezes
derivável e tal que, para cada B − intÐ\Ñ, 0 ww ÐBÑ ! (respetivamente,
0 ww ÐBÑ  !)192, então a função 0 tem a concavidade voltada para cima
(respetivamente, estritamente voltada para cima).
Dem: Suponhamos que 0 verifica a hipótese em 1). Sejam +  ,  - em \ .
Tendo em conta o teorema de Lagrange (cf. III.2.7) podemos considerar B
entre + e , e C entre , e - tais que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
œ 0 w ÐBÑ, œ 0 w ÐCÑ.
,+ -,
Em particular, B e C são interiores a \ e B  C e portanto, pela hipótese
feita, tem-se
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
Ÿ ,
,+ -,
a desigualdade sendo estrita no caso em que 0 w À intÐ\Ñ Ä ‘ é mesmo
estritamente crescente. Relativamente a 2), tudo o que temos que notar é que
o facto de a restrição de 0 a intÐ\Ñ ter segunda derivada maior ou igual a !
(respetivamente, maior que !) em cada ponto impliva que a primeira derivada
desta restrição é crescente (respetivamente, estritamente crescente). 
III.5.12 (Condições que implicam a concavidade voltada para baixo) Seja
\ § ‘ um intervalo não trivial e notemos intÐ\Ñ o intervalo constituído
pelos pontos interiores, isto é, aquele que se obtém de \ retirando-lhe as
extremidades.
1) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função contínua, derivável nos pontos interiores de \
e tal que a função 0 w À intÐ\Ñ Ä ‘ seja decrescente (respetivamente, estrita-
mente decrescente), então a função 0 tem a concavidade voltada para baixo
(respetivamente, estritamente voltada para baixo).
2) Se 0 À \ Ä ‘ é uma função contínua cuja restrição a intÐ\Ñ seja # vezes
derivável e tal que, para cada B − intÐ\Ñ, 0 ww ÐBÑ Ÿ ! (respetivamente,
0 ww ÐBÑ  !)193, então a função 0 tem a concavidade voltada para baixo
(respetivamente, estritamente voltada para baixo).
Dem: Como em casos anteriores, a demonstração deste resultado é análoga à

192Estamos a fazer o abuso de notar 0 ww ÐBÑ a segunda derivada da restrição de 0 e não de


0 , uma vez que esta última poderá não estar definida de acordo com a definição que
estamos a utilizar.
193Estamos a fazer o abuso de notar 0 ww ÐBÑ a segunda derivada da restrição de 0 e não de
0 , uma vez que esta última poderá não estar definida de acordo com a definição que
estamos a utilizar.
302 Cap. III. Derivadas e aplicações

de III.5.11 ou, alternativamente, pode ser feita por aplicação do resultado


referido à função 0 . 
III.5.13 (Exemplo) A função 0 À Ò!ß _Ò Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ ÈB, é
contínua e, embora não seja derivável em !, é derivável em cada
B − Ó!ß _Ò e com 0 w ÐBÑ œ #È" B .

Constatamos assim que a derivada é estritamente decrescente em Ó!ß _Ó


pelo que podemos concluir que a função 0 tem a concavidade estritamente
voltada para baixo. Repare-se que, tal como é implicado por III.5.8, a função
0 , apesar de não ser derivável em ! (isto é, não ter aí derivada finita) tem
derivada infinita nesse ponto: 0 w Ð!Ñ œ _.

Os resultados precedentes permitem-nos estabelecer o sentido da concavi-


dade de uma função cujo domínio é um intervalo a partir do estudo das
suas derivadas nos pontos interiores, só sendo necessário admitir, relativa-
mente às extremidades, a sua continuidade nesses pontos. No entanto,
para uma função como, por exemplo, a definida em ‘ por
ÐB"Ñ# "
0 ÐBÑ œ 
"
# , se B Ÿ #,
B# " "
# , se B  #

em no ponto "# interior ao domínio as derivadas laterais são diferentes, não


temos ainda nenhum resultado que nos permita concluir que a concavi-
dade está estritamente voltada para cima, como a nossa intuição nos
parece indicar. Apresentamos a seguir dois resultados que nos permitem
lidar com situações deste tipo, um para cada sentido da concavidade.
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 303

III.5.14 (Convexidade por partes) Sejam \ § ‘ um intervalo e A um ponto


interior a \ e consideremos os intervalos \ŸA e \ A constituídos
respetivamente pelos B − \ com B Ÿ A e por aqueles com B A. Seja
0 À \ Ä ‘ uma função cuja restrições a \ŸA e a \ A tenham a concavidade
voltada para cima (respetivamente, estritamente voltada para cima) e tal que
0 w ÐA Ñ Ÿ 0 w ÐA Ñ.194 Podemos então concluir que 0 tem a concavidade
voltada para cima (respetivamente, estritamente voltada para cima).
Dem: Consideremos +  ,  - arbitrários em \ . Por hipótese, se os três
pontos pertencerem a um mesmo dos intervalos \ŸA e \ A , sabemos que 0
curva para cima ou é retilínea (respetivamente, curva para cima) nesses
pontos. Resta-nos assim examinar o que se passa quando isso não suceder,
isto é, quando +  A  - . Tratemos separadamente as diferentes hipóteses
possíveis sobre a relação entre A e , :
1) Examinemos o caso em que , œ A. Tendo em conta a caraterização das
derivadas laterais 0 w ÐA Ñ e 0 w ÐA Ñ como um supremo e como um ínfimo,
respetivamente, vem
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
œ Ÿ 0 w Ð, Ñ Ÿ 0 w Ð, Ñ Ÿ ,
,+ +, -,
o que mostra que 0 curva para cima ou é retilínia nos pontos +  ,  - (o
declive esquerdo é menor ou igual ao declive direito). No caso em que as
restrições curvam estritamente para cima, as desiguladades anteriores não
chegam para afastar a possibilidade de 0 ser retilínea nos pontos considerada
mas já o conseguimos fazer considerando um ponto auxiliar B com
+  B  , e reparando então que
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð,Ñ  0 ÐBÑ 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
 Ÿ ,
,+ ,B -,
onde a primeira desigualdade é a desigualdade entre o declive total e o
declive direito relativa aos pontos +  B  , de \ŸA e a segunda é a que já
provámos com os pontos B  ,  - no lugar dos pontos +  ,  - .
2) Examinemos o caso em que ,  A. Vem
0 Ð,Ñ  0 Ð+Ñ 0 ÐAÑ  0 Ð+Ñ 0 Ð-Ñ  0 Ð+Ñ
Ÿ Ÿ ,
,+ A+ -+
onde a primeira desigualdade resulta de 0 curvar para cima nos pontos
+  ,  A de \ŸA (o declive esquerdo é menor ou igual ao declive total) e a
segunda desigualdade resulta do caso estudado em 1), aplicado aos pontos
+  A  - (o declive esquerdo é menor ou igual ao declive total) e podemos
garantir que a primeira desigualdade é mesmo estrita no caso em que a
restrição de 0 a \ŸA tem mesmo a concavidade estritamente voltada para

194A existência destas derivadas laterais, a primeira finita ou _ e a segunda finita ou


_, encontra-se assegurada pelas propriedades estabelecidas em III.5.6. A desigualdade
que estamos a tomar como hipótese implica que elas são ambas finitas.
304 Cap. III. Derivadas e aplicações

cima. A relação estabelecida entre os declives esquerdo e total relativos aos


pontos +  ,  - mostra assim que 0 curva para cima (respetivamente,
estritamente para cima) nestes pontos.
3) Examinemos o caso em que A  , . Vem
0 Ð-Ñ  0 Ð+Ñ 0 Ð-Ñ  0 ÐAÑ 0 Ð-Ñ  0 Ð,Ñ
Ÿ Ÿ ,
-+ -A -,
onde a segunda desigualdade resulta de 0 curvar para cima nos pontos
A  ,  - de \ A (o declive total é menor ou igual ao declive direito) e a
primeira desigualdade resulta do caso estudado em 1), aplicado aos pontos
+  A  - (o declive total é menor ou igual ao declive direito) e podemos
garantir que a segunda desigualdade é mesmo estrita no caso em que a
restrição de 0 a \ A tem mesmo a concavidade estritamente voltada para
cima. A relação estabelecida entre os declives total e direito relativos aos
pontos +  ,  - mostra assim que 0 curva para cima (respetivamente,
estritamente para cima) nestes pontos. 
III.5.15 (Nota) Repare-se que para a validade do resultado precedente foi
essencial a condição de se ter 0 w ÐA Ñ Ÿ 0 w ÐA Ñ, como aliás é evidente pela
conclusão da alínea 4) de III.5.6. Por exemplo a função 0 À ‘ Ä ‘ definida
por

0 ÐBÑ œ 
B#  "# , se B Ÿ "
ÐB  #Ñ#  "# , se B  "

não tem a concavidade voltada para cima, embora isso aconteça às suas
restrições aos intervalos Ó_ß "Ó e Ò"ß _Ò.

III.5.16 (Concavidade por partes) Sejam \ § ‘ um intervalo e A um ponto


interior a \ e consideremos os intervalos \ŸA e \ A constituídos
respetivamente pelos B − \ com B Ÿ A e por aqueles com B A. Seja
0 À \ Ä ‘ uma função cuja restrições a \ŸA e a \ A tenham a concavidade
voltada para baixo (respetivamente, estritamente voltada para baixo) e tal que
0 w ÐA Ñ 0 w ÐA Ñ.195 Podemos então concluir que 0 tem a concavidade
voltada para baixo (respetivamente, estritamente voltada para baixo).

195A existência destas derivadas laterais, a primeira finita ou _ e a segunda finita ou


_, encontra-se assegurada pelas propriedades estabelecidas em III.5.8. A desigualdade
que estamos a tomar como hipótese implica que elas são ambas finitas.
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 305

Dem: Este resultado admite uma justificação análoga à apresentada para


III.5.14 ou, alternativamente, resulta de aplicar esse resultado à função
0 À \ Ä ‘. 
III.5.17 (Pontos de inflexão) Sejam \ § ‘ um intervalo, 0 À \ Ä ‘ uma
função e A um ponto interior a \ . Vamos dizer que 0 tem no ponto A um
ponto de inflexão absoluto se a restrição de 0 a um dos intervalos \ŸA e
\ A tiver a concavidade estritamente voltada para cima e a restrição de 0 ao
outro tiver a concavidade estritamente voltada para baixo.196

Mais geralmente, diz-se que 0 tem no ponto A um ponto de inflexão relativo,


ou simplesmente um ponto de inflexão, se existir um intervalo ] § \ , tendo
A como ponto interior, tal que a restrição de 0 a ] tenha em A um ponto de
inflexão absoluto.

Repare-se no paralelo com os extremos de uma função 0 À \ Ä ‘ cujo

196Dito de forma mais rápida, mas menos precisa, 0 deve mudar em A o sentido da
concavidade. Note-se que também se poderia ter apresentado uma versão lata desta con-
ceito (omitindo o advérbio “estritamente” na definição) mas não nos parece útil aprofun-
dar mais esta questão: A versão estrita parece-nos ser a que está mais de acordo com a
utilização comum deste conceito.
306 Cap. III. Derivadas e aplicações

domínio não terá que ser um intervalo: Depois da definição global do que é
um ponto de \ onde 0 atinge um máximo ou um mínimo absoluto, diz-se,
mais geralmente, que 0 atinge num ponto um máximo ou mínimo relativo se
a sua restrição a uma subconjunto “conveniente” ] atinge nesse ponto um
máximo ou mínimo absoluto. Neste caso, “conveniente” pode ser explicado
de várias maneiras equivalentes, por exemplo o ponto em questão não deve
ser aderente ao conjunto \ Ï ] dos pontos do domínio que estão a ser
ignorados. A diferença mais marcante é que, quando se fala simplesmente de
máximo ou mínimo é a noção absoluta que está implícita, ao contrário do que
acontece com os pontos de inflexão em que é a situação relativa que se
considera implícita.
III.5.18 (Nota) A definição que demos de ponto de inflexão absoluto (e,
consequentemente, também de ponto de inflexão relativo) não é a única
possível mas tem sobre a outra cuja utilização é mais frequente (e que
corresponde à propriedade que examinaremos adiante na alínea c) de
III.5.20) a vantagem de não exigir a derivabilidade da função no ponto que se
está a considerar. Por exemplo, a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ 
"
B# , se B Ÿ #
B#  "# , se B  "
#

tem um ponto de inflexão absoluto no ponto "# , no sentido que estamos a


considerar, o que poderá eventualmente chocar quem esteja habituado a uti-
lizar a outra definição (note-se que 0 não é derivável no ponto "# ).
III.5.19 (Pontos de inflexão e derivadas) Sejam \ § ‘ um intervalo não
trivial, 0 À \ Ä ‘ uma função derivável e A um ponto interior a \ . Tendo
em conta o que foi referido em III.5.9, III.5.10, III.5.11 e III.5.12, podemos
dizer que 0 tem em A um ponto de inflexão absoluto se, e só se, das
restrições de 0 aos intervalos \ŸA e \ A , uma é estritamente crescente e
outra é estritamente decrescente. Em particular, podemos dizer que:
1) Se 0 é # vezes derivável num ponto A e se A é um ponto de inflexão
absoluto, então 0 ww ÐAÑ œ ! (e portanto o mesmo acontece se A for um ponto
de inflexão relativo).
2) Se 0 for # vezes derivável e a segunda derivada 0 ww À \ Ä ‘ for estrita-
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 307

mente positiva num dos intervalos \A e \A e estritamente negativa no


outro, então A é um ponto de inflexão absoluto de 0 .

Os dois resultados seguintes mostram que o sentido da concavidade, no


caso das funções deriváveis, pode ser também caracterizado pela análise
da posição relativa do gráfico da função e das retas tangentes a este.

III.5.20 (Sentido da concavidade e posição do gráfico relativamente à reta


tangente) Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função
derivável num ponto A − \ . Tem-se então:
a) Se 0 tem a concavidade voltada para cima (respetivamente estritamente
voltada para cima) então, para cada B Á A em \ ,
0 ÐBÑ 0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ no caso geral,
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ no caso estrito,197
por outras palavras, geometricamente, a parte do gráfico de 0 correspondente
aos pontos de abcissa B Á A fica acima (respetivamente estritamente acima)
da reta tangente ao gráfico no ponto de abcissa A.

b) Se 0 tem a concavidade voltada para baixo (respetivamente estritamente


voltada para baixo) então, para cada B Á A em \ ,
0 ÐBÑ Ÿ 0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ no caso geral,
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ no caso estrito,198

por outras palavras, geometricamente, a parte do gráfico de 0 correspondente


aos pontos de abcissa B Á A fica abaixo (respetivamente estritamente
abaixo) da reta tangente ao gráfico no ponto de abcissa A.

197Repare-se que no caso em que B œ A os dois membros são sempre trivialmente iguais.
198Repare-se que no caso em que B œ A os dois membros são sempre trivialmente iguais.
308 Cap. III. Derivadas e aplicações

c) Se A é interior ao intervalo \ e 0 tem um ponto de inflexão absoluto em


A, então verifica-se um dos seguintes pares de condições

œ 0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ,


0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ, se B  A,
se B  A,

œ 0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ,


0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ, se B  A,
se B  A,

por outras palavras, geometricamente, a parte do gráfico de 0 correspondente


aos pontos de abcissa B  A fica estritamente de um dos lados da reta
tangente ao gráfico no ponto de abcissa A e a parte do gráfico de 0
correspondente aos pontos de abcissa B  A fica estritamente do outro lado
dessa reta.

Dem: a) Comecemos por supor que B  A. Tendo em conta a caracterização


de 0 w ÐAÑ œ 0 w ÐA Ñ na alínea 2) de III.5.6, tem-se
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ
0 w ÐAÑ Ÿ
BA
e a alínea 1) do mesmo resultado mostra-nos que, no caso da concavidade
estritamente voltada para cima, tomando C em ÓAß BÒ, tem-se mesmo
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 309

0 ÐCÑ  0 ÐAÑ 0 ÐBÑ  0 ÐAÑ


0 w ÐAÑ Ÿ  ,
CA BA
desigualdades que, por ser B  A  !, implicam as desigualdades enun-
ciadas. Suponhamos agora que B  A. Tendo em conta a caracterização de
0 w ÐAÑ œ 0 w ÐA Ñ na alínea 3) de III.5.6, tem-se
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ
Ÿ 0 w ÐAÑ
BA
e a alínea 1) do mesmo resultado mostra-nos que, no caso da concavidade
estritamente voltada para cima, tomando C em ÓBß AÒ, tem-se mesmo
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ 0 ÐCÑ  0 ÐAÑ
 Ÿ 0 w ÐAÑ,
BA CA
desigualdades que, por ser B  A  !, implicam mais uma vez as desi-
gualdades enunciadas.
b) A conclusão desta alínea admite uma justificação análoga à dada para a
alínea a), aplicando agora III.5.8 em vez de III.5.6, ou alternativamente,
resulta de aplicar a conclusão de a) à função 0 À \ Ä ‘.
c) Tendo em conta a definição dos pontos de inflexão absolutos, a conclusão
desta alínea resulta diretamente das conclusões de a) e b). 
III.5.21 (Das tangentes para o sentido da concavidade) Sejam \ § ‘ um
intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua e derivável em todos
os pontos interiores.
a) Se, para cada par de pontos Aß B interiores a \ ,
0 ÐBÑ 0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ
(respetivamente
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ ),
então 0 tem a concavidade voltada para cima (respetivamente, estritamente
voltada para cima).
b) Se, para cada par de pontos Aß B interiores a \ ,
0 ÐBÑ Ÿ 0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ
(respetivamente,
0 ÐBÑ  0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐB  AÑ ),
então 0 tem a concavidade voltada para baixo (respetivamente, estritamente
voltada para baixo).
Dem: a) Vamos utilizar a condição que implica a convexidade
(respetivamente convexidade estrita) na alínea 1) de III.5.11. Sejam então
A  D no interior de \ e reparemos que, aplicando a nossa hipótese duas
310 Cap. III. Derivadas e aplicações

vezesß se obtém
0 ÐDÑ 0 ÐAÑ  0 w ÐAÑÐD  AÑ,
0 ÐAÑ 0 ÐDÑ  0 w ÐDÑÐA  DÑß

e portanto, reparando que A  D  !,


0 ÐDÑ  0 ÐAÑ 0 ÐAÑ  0 ÐDÑ
0 w ÐAÑ Ÿ œ Ÿ 0 w ÐDÑ,
DA AD
onde as desigualdades são estritas no caso em que na hipótese a desigualdade
seja estrita. Fica assim provado que a derivada da restrição de 0 ao interior
de \ é crescente (respetivamente, estritamente crescente).
b) A demonstração de b) pode ser obtida por adaptação trivial da apresentada
para a) ou, alternativamente, resulta de aplicar a conclusão de a) à função
0 . 
III.5.22 (Nota) Pelo contrário, uma função derivável 0 que verifique, para um
certo A interior ao domínio, a condição na alínea c) de III.5.20 não tem
necessariamente um ponto de inflexão, nem sequer local, nesse ponto. Um
contraexemplo pode ser dado pela função 0 À ‘ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ œ
B lBl Ð#  senÐ B" Ñ, se B Á !
!, se B œ !

e pelo ponto A œ ! cujo gráfico sugerimos a seguir

com a seguinte ampliação junto da origem


§5. Aplicação ao sentido da concavidade 311

Exercícios

Ex III.5.1 Para cada uma das funções seguintes, determinar intervalos


maximais199 onde elas tenham a concavidade voltada para cima ou voltada
para baixo e identificar os pontos de inflexão.
a) B$  B, onde B − ‘;
b) #B$  $B# , onde B − ‘;
c) senÐBÑ, B − Ò!ß #1Ó;
d) BB , B − Ó!ß _Ò;
e) ltanÐBÑl, B − Ó 1# ß 1# Ò;
f) lB$  $Bl, B − ‘.
Ex III.5.2 Verificar que a função 0 À ‘ Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ lBl tem a
concavidade voltada para cima.
Ex III.5.3 (Pergunta aparecida em prova de avaliação) Considerar a função
0 À ‘ Ä ‘ definida por
#
0 ÐBÑ œ B /"B .

a) Verificar que lim 0 ÐBÑ œ ! e lim 0 ÐBÑ œ !.


BÄ_ BÄ_
b) Estudar 0 no que respeita à monotonia, extremos e sentido de concavi-
dade.
c) Determinar o contradomínio V de 0 . Justificar que existem exactamente
duas soluções da equação 0 ÐBÑ œ "% .
Ex III.5.4 (Pergunta aparecida em prova de avaliação) Determinar o sentido
da concavidade da função 0 À Ò!ß 1Ó Ä ‘, 0 ÐBÑ œ senÐBÑ, e utilizar a
caracterização do sentido da concavidade através dos declives das secantes
para deduzir que, se !  B  1# , então senBÐBÑ  1# .
Ex III.5.5 Sejam \ § ‘ um intervalo, A um ponto interior de \ e 0 À \ Ä ‘
uma função $ vezes derivável em A e tal que 0 ww ÐAÑ œ ! e 0 www ÐAÑ Á !.
Mostrar que 0 tem no ponto A um ponto de inflexão relativo.
æ Ex III.5.6 Seja 1À ‘ Ä ‘ uma função com a concavidade voltada para cima e
não constante. Justificar que, pelo menos um dos dois limites lim 1ÐBÑ e
BÄ_
lim 1ÐBÑ existe e é igual a _. Dar um exemplo (se se quiser, apenas
BÄ_

199Um intervalo maximal com uma dada propriedade é um intervalo que não está
estritamente contido em nenhum outro com a mesma propriedade. Por exemplo, aquilo
que usualmente se designa por intervalos de monotonia de uma função são os intervalos
maximais em que ela é crescente ou é decrescente.
312 Cap. III. Derivadas e aplicações

sugerido graficamente) em que apenas um daqueles limites é _.


Sugestão: Considerar +  , com 0 Ð+Ñ Á 0 Ð,Ñ e examinar separadamente o
que acontece em cada um dos casos 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ e 0 Ð+Ñ  0 Ð,Ñ, utilizando a
caracterização do sentido da concavidade pelos declives das secantes ao
gráfico.
æ Ex III.5.7 Sejam Ó+ß ,Ò § ‘ um intervalo aberto, não vazio, com extremidades
finitas ou infinitas, e 0 À Ó+ß ,Ò Ä ‘ uma função com a concavidade voltada
para cima.
a) Mostrar que se a função 0 não é decrescente então existe - − ‘ tal que a
restrição de 0 a Ò-ß ,Ò seja crescente.
b) Deduzir de a) que existe necessariamente o limite lim 0 ÐBÑ, que pode ser
BÄ,
finito, _ ou _. Mostrar que, no caso em que ,  _, o limite não pode
ser _ (embora possa ser _).
c) Supondo que ,  _ e que existe limite finito lim 0 ÐBÑ œ F , mostrar
BÄ,
que 0 pode ser prolongada a Ó+ß ,Ó como função convexa e descobrir quais os
valores que se pode dar a 0 Ð,Ñ para obter um tal prolongamento.
æ Ex III.5.8 (Comparar com a alínea 4) de III.5.6 e a alínea 1) de III.5.9)
Sejam \ § ‘ um intervalo não trivial e 0 À \ Ä ‘ uma função contínua tal
que:
1) Qualquer que seja + interior a \ , 0 tem derivadas laterais em + e
0 w Ð+ Ñ Ÿ 0 w Ð+ Ñ;
2) Quaisquer que sejam +  , no interior de \ , 0 w Ð+ Ñ Ÿ 0 w Ð, Ñ (respe-
tivamente, 0 w Ð+ Ñ  0 w Ð, Ñ).
Mostrar que 0 tem a concavidade voltada para cima (respetivamente, estrita-
mente voltada para cima). Enunciar condições análogas que impliquem o
sentido contrários para a concavidade. Sugestão: Dados +  ,  - em \ ,
utilizar a versão incrementada do teorema de Lagrange no exercício III.2.1
para comparar os declives esquerdo e direito.
Ex III.5.9 Sejam \ § ‘ um intervalo e 0 À \ Ä ‘ uma função. Sejam +  - em
\ e =ß >  ! com =  > œ " e lembremos que a média pesada =+  >- verifica
as desigualdades
+  =+  >-  -
(cf. I.1.4).
a) Mostrar que 0 é retilínea nos pontos +  =+  >-  - (cf. III.5.2) seß e só
se,
0 Ð=+  >-Ñ œ =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.

b) Mostrar que 0 curva para cima nos pontos +  =+  >-  - seß e só se,
0 Ð=+  >-Ñ  =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.
§5. Aplicação ao sentido da concavidade 313

c) Mostrar que 0 curva para baixo nos pontos +  =+  >-  - seß e só se,
0 Ð=+  >-Ñ  =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.

Ex III.5.10 (Médias pesadas e sentido da concavidade) Sejam \ § ‘ um


intervalo e 0 À \ Ä ‘ uma função. Lembrando a conclusão do exercício
I.1.2, deduzir do exercício III.5.9 que:
a) A função 0 tem a concavidade estritamente voltada para cima se, e só se,
quaisquer que sejam + Á - em \ e =ß >  ! com =  > œ ",
0 Ð=+  >-Ñ  =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ. 200

b) A função 0 tem a concavidade voltada para cima se, e só se, quaisquer que
sejam + Á - em \ e =ß >  ! com =  > œ ",
0 Ð=+  >-Ñ Ÿ =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.
Reparar que se + œ - esta desigualdade é sempre válida, como igualdade.
c) A função 0 tem a concavidade estritamente voltada para baixo se, e só se,
quaisquer que sejam + Á - em \ e =ß >  ! com =  > œ ",
0 Ð=+  >-Ñ  =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.

d) A função 0 tem a concavidade voltada para baixo se, e só se, quaisquer


que sejam + Á - em \ e =ß >  ! com =  > œ ",
0 Ð=+  >-Ñ =0 Ð+Ñ  >0 Ð-Ñ.
Reparar que se + œ - esta desigualdade é sempre válida, como igualdade.
æ Ex III.5.11 (Médias pesadas de 8 reais) Dado um número natural 8 #,
chamamos sequência de 8 pesos a uma sequência de 8 reais =" ß =# ß á ß =8
maiores que ! e tais que ="  =#  â  =8 œ ". Dada uma tal sequência e
dados 8 reais B" ß B# ß á ß B8 , chama-se média aritmética pesada, ou
simplesmente média pesada destes últimos, associada à sequência de pesos,
ao número real
=" B"  =# B#  â  =8 B8
(repare-se que, se 8 œ #, reencontramos a noção de média pesada de dois
reais examinada em I.1.4).
a) Verificar que, no caso em que 8 $, a média pesada atrás referida é igual
à média pesada, com os dois pesos =8 e "  =8 , entre B8 e a média pesada
=" =8"
dos 8  " reais B" ß á ß B8" , esta última com os pesos "= 8
ß á ß "= 8
.
b) Utilizar a conclusão de a) para mostrar, por indução, que, se \ é um inter-
valo e os reais B" ß B# ß á ß B8 pertencem a \ , então qualquer média pesada
destes reais pertence a \ .

200Reparar que é indiferente examinar os pontos +ß - com +  - ou com + Á - , uma vez


que a média de + e - com os pesos = e > coincide com a média de - e + com os pesos > e =.
314 Cap. III. Derivadas e aplicações

c) Generalizar a conclusão do exercício III.5.10, mostrando que, se \ é um


intervalo e 0 À \ Ä ‘ é uma função com a concavidade voltada para cima,
então, dados elementos B" ß á ß B8 e uma sequência de 8 pesos =" ß á ß =8 ,
tem-se
0 Ð=" B"  â  =8 B8 Ñ Ÿ =" 0 ÐB" Ñ  â  =8 0 ÐB8 Ñ,
tendo-se mesmo
0 Ð=" B"  â  =8 B8 Ñ  =" 0 ÐB" Ñ  â  =8 0 ÐB8 Ñ,
no caso em que 0 tem a concavidade estritamente voltada para cima e os
pontos B" ß á ß B8 não são todos iguais.
d) Enunciar e justificar a conclusão correspondente à da alínea c) para o caso
de uma função 0 À \ Ä ‘ com a concavidade voltada para baixo.
æ Ex III.5.12 (Médias geométricas pesadas de 8 reais positivos) Dada uma
sequência de 8 pesos =" ß =# ß á ß =8 e dados 8 números reais C" ß C# ß á ß C8
maiores que !, chama-se média geométrica pesada deste últimos ao número
real maior que !
C"=" ‚ C#=# ‚ â ‚ C8=8

(reparar que a média geométrica de dois reais positivos, definida no exercício


I.1.18, é o caso particular em que temos dois números e dois pesos reais
iguais, portanto ambos iguais a "# ). Generalizando a conclusão obtida no
exercício referido, mostrar que se tem sempre
C"=" ‚ C#=# ‚ â ‚ C8=8 Ÿ =" C"  =# C#  â  =8 C8

(a média geométrica pesada é menor ou igual à correspondente média


aritmética pesada) e que os dois membros são iguais se, e só se, os números
positivos C" ß C# ß á ß C8 são todos iguais. Sugestão: Utilizar a conclusão do
exercício III.5.11, verificando que a função exponencial expÀ ‘ Ä ‘,
expÐBÑ œ /B , tem a concavidade estritamente voltada para cima e conside-
rando reais B" ß B# ß á ß B8 tais que C4 œ /B4 .
§1. Somatórios finitos de números reais 315

CAPÍTULO IV
Somatórios finitos e infinitos

§1. Somatórios finitos de números reais.

Já encontrámos anteriormente a notação de somatório para designar a


soma de uma sequência finita de números reais. Por exemplo, se tivermos
números reais ?4 , para cada natural 4 entre " e %, o somatório ! ?4
%

4œ"
designa a soma
ÐÐ?"  ?# Ñ  ?$ Ñ  ?% ,
onde, ao contrário do que é habitual, utilizámos parênteses para sublinhar
a ordem pela qual as operações foram feitas. Se, em vez de o índice 4
variar entre " e %, ele variar entre " e um número natural 8, que não
explicitamos, o somatório ! ?4 tem um significado análogo, mas não é
8

4œ"
fácil explicitar esse significado sem utilizar o símbolo “…”. Um modo de
contornar essa incomodidade parte da observação que, por exemplo no
caso concreto apresentado no início, tem-se ! ?4 œ Ð! ?4 Ñ  ?% . Pode
% 3

então dar-se uma definição recursiva do significado de ! ?4 quando para


4œ" 4œ"
8

4œ"
cada natural 4 entre " e 8 temos um número real ?4 : Começamos por
explicitar que ! ?4 significa naturalmente ?" e, em seguida, supomos que
"

4œ"

para um certo :  8 já sabemos o que é ! ?4 e definimos então


:

4œ"

" ?4 œ Š" ?4 ‹  ?:" .


:" :

4œ" 4œ"

Em várias situações é útil extender a notação de somatório de modo a


somar famílias finitas de números reais ?4 em que o índice 4, em vez de
referir um número natural entre " e 8, refere um elemento de um certo
conjunto finito N de índices que não tem que ser constituído por números
nem ter uma ordenação preferencial e que, por comodidade, até admi-
timos que possa ser vazio. É o que faremos em seguida, sublinhando
desde já que isso só é possível porque a operação  que está em jogo é
comutativa, associativa e tem elemento neutro (nomeadamente !). Para
316 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

um estudo mais aprofundado, e com muitos exemplos concretos, dos


somatórios finitos, remetemos o leitor para o capítulo 2 de [1].

IV.1.1 Seja N um conjunto finito de índices com 8 elementos (que até pode ser
vazio) e seja B4 um número real para cada 4 − N (dizemos então que ÐB4 Ñ4−N

(ou soma201) ! B4 definindo simultaneamente para todos os subconjuntos


é uma família de números reais indexada em N ). Vamos definir o somatório

finitos M § N as “somas parciais” ! B4 . Para isso provaremos que há uma


4−N

única maneira de associar um número real a cada “soma parcial” ! B4 de


4−M

4−M
modo a que se verifiquem modo que se verifiquem as seguintes propriedades
“naturais” que para nós serão essenciais:
1) "B4 œ ! ;
4−g

2) Sempre que 4! − M , "B4 œ Š " B4 ‹  B4! .


4−M 4−MÏÖ4! ×

A “soma total” ! B4 que pretendemos definir é então simplesmente uma das


4−N
somas parciais determinadas pela condição referida.
Dem: A ideia é provar, por indução no inteiro : !, que há uma única

ou igual a : um número real ! B4 de modo a que as propriedades 1) e 2)


maneira de associar a cada parte M de N com um número de elementos menor

4−M

definir !B4 œ !, como determina a propriedade 1). Suponhamos então que,


sejam verificadas. Para : œ ! isso é certamente verdade: A solução única é

4−g
para um certo :  8 a afirmação que referimos é verdadeira. O que temos

:  " elementos a soma ! B4 de modo que, juntamente com as somas que já


que provar é que existe uma única maneira de definir para cada parte M com

4−M
estão bem definidas pela hipótese de indução, as propriedades 1) e 2) conti-
nuem a ser verdadeiras. Ora, dado um tal M , podemos escolher 4! − M , consi-
derar o conjunto M Ï Ö4! × com : elementos e definir

"B4 œ Š " B4 ‹  B4!


4−M 4−MÏÖ4! ×

(é a única escolha possível se queremos que se verifique a propriedade 2)).


Para mostrarmos que as propriedades 1) e 2) continuam válidas para os
conjuntos com um número de elementos menor ou igual a :  ", falta-nos

com a ajuda do símbolo ! e a soma é o valor que lhe atribuímos.


201A diferença entre “soma” e “somatório” é ténue: O somatório é a expressão construída
§1. Somatórios finitos de números reais 317

! B4 œ Š ! B4 ‹  B4" . É para verificar esse facto que são importantes as


apenas verificar que, se considerássemos 4" Á 4! em M , continuava a ter-se

4−M 4−MÏÖ4" ×
propriedades comutativa e associativa da soma: Vem

"B4 œ Š " B4 ‹  B4! œ ŒŠ " B4 ‹  B4"   B4! œ


4−M 4−MÏÖ4! × 4−MÏÖ4! ß4" ×

œŠ " B4 ‹  ÐB4"  B4! Ñ œ Š " B4 ‹  ÐB4!  B4" Ñ œ


4−MÏÖ4! ß4" × 4−MÏÖ4! ß4" ×

œ ŒŠ " B4 ‹  B4!   B4" œ Š " B4 ‹  B4" . 


4−MÏÖ4! ß4" × 4−MÏÖ4" ×

IV.1.2 (Nota) Repare-se que uma família ÐB4 Ñ4−N de números reais é a mesma
coisa que uma função de domínio N e codomínio ‘ e que B4 é simplesmente
uma notação alternativa para BÐ4Ñ. A diferença de notações é simplesmente
uma questão de uso e não tem um carácter essencial. Comparar com o que foi

notação ! B4 a variável 4 é o que se chama uma variável muda, que pode


referido em I.4.29 a propósito das sucessões. Observe-se também que na

assim ser substituída por outra, escrevendo por exemplo ! B5 , sem alterar o
4−N

5−N
significado da expressão (e, como veremos, há por vezes conveniência em
fazê-lo).
Como já referimos antes, o que estamos a fazer com os somatórios depende
apenas de a operação envolvida ser comutativa e associativa e ter elemento

obtínhamos uma noção análoga de “produtório”, em que o símbolo #


neutro. Se substituíssemos a soma pelo produto (onde o elemento neutro é ")

substitui o símbolo !, e que goza de propriedades análogas às que vamos


obter em seguida para os somatórios. Por exemplo, tem-se

$ B4 œ ", 8x œ $ :.
8

4−g :œ"

Nâo teremos ocasião de explorar o estudo dos produtórios neste texto.


IV.1.3 (Casos particulares) 1) No caso em que o conjunto N dos índices que
estamos a considerar é vazio (a soma não tem parcelas), o valor do somatório
fica imediatamente determinado pela propriedade 1) referida em IV.1.1:
"B4 œ !.
4−g

2) No caso em que N tem um único elemento, N œ Ö4" ×, tem-se


simplesmente
318 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

" B4 œ B4" ,
4−Ö4" ×

como resulta de aplicar a propriedade 2) referida em IV.1.1, reparando que


N Ï Ö4" × œ g.
3) No caso em que o número de elementos de N é #, N œ Ö4" ß 4# × tem-se
" B4 œ B4"  B4# ,
4−N

como resulta, mais uma vez, de aplicar a propriedade 2), reparando que
N Ï Ö4# × œ Ö4" ×. Repare-se que, alternativamente, também podíamos partir
do facto de se ter N Ï Ö4" × œ Ö4# × e obter o valor do somatório na forma
B4#  B4" , o que é naturalmente o mesmo resultado (mais uma vez fica bem

4) No caso em que N œ Ö"ß #ß á ß 8×, a soma ! B4 coincide com a que


patente a importância de a adição ser comutativa).

designámos nas observações introdutórias por ! B4 , uma vez que a definição


4−N
8

4œ"
recursiva desta última não é mais do que a definição recursiva da primeira,
com a exigência suplementar de, em cada passo, o índice que se retira ter que
ser o maior (em vez de ser arbitrário).
IV.1.4 (Nota) O leitor poderá ter ficado com a ideia de que os somatórios finitos
definidos em IV.1.1 são difíceis de calcular, em particular exigindo o cálculo
prévio e sucessivo de todos os somatórios parciais. De facto isso não
acontece e os somatórios indexados em conjuntos finitos arbitrários dão o
mesmo trabalho a calcular que os somatórios a que estávamos habituados e a
única diferença é que ficamos com a liberdade de escolher a ordem que nos
for mais conveniente para os índices, tendo a certeza que o resultado obtido
não depende dessa ordem. Por exemplo, no caso em que N œ Ö"ß #ß $ß %×, um
somatório do tipo ! ?4 , que também admite a notação ! ?4 , que era
%

4−N 4œ"
naturalmente calculado como
ÐÐ?"  ?# Ñ  ?$ Ñ  ?% ,
pode também ser calculado, entre outros modos, como
ÐÐ?$  ?# Ñ  ?% Ñ  ?" .
Estudamos a seguir algumas propriedades mais ou menos familiares dos
somatórios que em muitos casos contribuem para simplificar o respetivo
cálculo. Tendo em conta a definição recursiva que foi dada para os soma-
tórios, a justificação dessa propriedades será em geral feita por indução no
número de índices envolvido e tirará partido da liberdade de escolha do
primeiro índice que temos referido.
§1. Somatórios finitos de números reais 319

IV.1.5 (Mudança no conjunto de índices) Sejam N e O dois conjuntos finitos e


:À O Ä N uma função bijetiva (em particular os conjuntos têm necessaria-
mente o mesmo número de elementos). Dada uma família ÐB4 Ñ4−N de
números reais, indexada em N , podemos associar-lhe uma família indexada
em O , nomeadamente a família ÐB:Ð5Ñ Ñ5−O . Tem-se então

" B4 œ " B:Ð5Ñ .


4−N 5−O

Dem: A demonstração faz-se muito facilmente por indução no número de


elementos dos conjuntos de índices e ilustra a vantagem de termos usado uma
definição dos somatórios que é independente de qualquer ordenação dos
índices: O resultado é certamente verdadeiro quando o número de índices é !
uma vez que ambos os membros da igualdade são então iguais a !; Supondo
o resultado verdadeiro quando os conjuntos de índices têm 8 elementos, para
provar a sua validade quando estes têm 8  " elementos, escolhemos um
elemento 5! de O e o correspondente 4! œ :Ð5! Ñ − N e, utilizando a
definição recursiva e a hipótse de indução, obtemos

" B4 œ Š " B4 ‹  B4! œ


4−N 4−N ÏÖ4! ×

œŠ " B:Ð5Ñ ‹  B:Ð5! Ñ œ " B:Ð5Ñ . 


5−OÏÖ5! × 5−O

IV.1.6 (Exemplos) a) A igualdade

" "
"!! "!!
" "
#
œ
8œ"
8 :œ"
Ð"!"  :Ñ#

é verdadeira e resulta de aplicar o resultado precedente no caso em que N e


O são ambos iguais ao conjunto dos números naturais entre " e "!! e
:À O Ä N é a função bijetiva definida por :Ð:Ñ œ "!"  :. Apesar de neste
exemplo os dois conjuntos de índices envolvidos coincidirem, podemos
ainda dizer que estamos a fazer uma mudança no conjunto de índices.
b) Seja N o conjunto dos números ímpares menores que &!. Podemos
considerar uma função bijetiva do conjunto dos números naturais entre " e #&
para o conjunto N , que a : associa #:  " e, a partir daí, escrever, por
exemplo

" cosÐ8Ñ œ " cosÐ#:  "Ñ.


#&

8−N :œ"

IV.1.7 (O caso das parcelas todas iguais) Sejam N um conjunto finito de


índices com 8 elementos, B − ‘ e ÐB4 Ñ4−N a família constante definida por
B4 œ B para cada 4. Tem-se então
320 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

"B4 œ 8B.
4−N

Em particular, tem-se ! B4 œ ! no caso em que B4 œ ! para cada 4 − N .


4−N
Dem: A demonstração faz-se, mais uma vez, por indução no número de ele-
mentos de N e não a explicitamos por poder ser muito facilmente obtida pelo
estudante. 
IV.1.8 (Somatórios e monotonia) Sejam N um conjunto finito de índices e
consideremos duas famílias de números reais ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N tais que
B4 Ÿ C4 para cada índice 4. Tem-se então
" B4 Ÿ " C4 ,
4−N 4−N

e vem mesmo ! B4  ! C4 no caso em que existe pelo menos um índice 4


4−N 4−N
com B4  C4 .
Dem: A demonstração faz-se, mais uma vez, por indução no número de ele-
mentos de N e não a explicitamos por poder ser muito facilmente encontrada
pelo estudante. 
IV.1.9 (Distributividade) Sejam N um conjunto finito de índices, + − ‘ e
ÐB4 Ñ4−N uma família de números reais. Tem-se então

+ ‚ " B4 œ " Ð+ ‚ B4 Ñ.
4−N 4−N

Dem: A demonstração faz-se, mais uma vez, por indução no número de ele-
mentos de N e não a explicitamos por poder ser muito facilmente encontrada
pelo estudante. 
IV.1.10 (Primeira versão da associatividade) Sejam N um conjunto finito de
índices e ÐB4 Ñ4−N uma família de números reais. Suponhamos que o conjunto
de índices N é a união de dois subconjuntos disjuntos202 N w e N ww . Tem-se
então

" B4 œ Š" B4 ‹  Š" B4 ‹.


4−N 4−N w 4−N ww

Dem: Vamos fazer uma demonstração por indução no número de elementos


de N ww . No caso em que este é igual a !, ou seja N ww œ g e portanto N w œ N , a
fórmula resulta de se ter

202Isto é, sem nenhum índice em comum.


§1. Somatórios finitos de números reais 321

" B4 œ Š" B4 ‹  ! œ Š" B4 ‹  Š" B4 ‹.


4−N 4−N 4−N w 4−N ww

Supondo que a igualdade é verdadeira sempre que N ww tem : elementos,


provemo-la no caso em que N ww tem :  " elementos. Para isso, escolhemos
um elemento 4! − N ww e, reparando que o conjunto N Ï Ö4! × é a união dos
subconjuntos disjuntos N w e N ww Ï Ö4! ×, o segundo dos quais com :
elementos, escrevemos, utilizando a hipótese de indução,

" B4 œ Š " B4 ‹  B4! œ ŒŠ" B4 ‹  Š " B4 ‹  B4! œ


4−N 4−N ÏÖ4! × 4−N w 4−N ww ÏÖ4! ×

œ Š" B4 ‹  ŒŠ " B4 ‹  B4!  œ Š" B4 ‹  Š" B4 ‹. 


4−N w 4−N ww ÏÖ4! × 4−N w 4−N ww

IV.1.11 (Exemplo) O conjunto dos números naturais de " até "!! pode ser
decomposto como união de dois subconjuntos disjuntos, o daqueles que são
pares e o daqueles que são ímpares. Aplicando IV.1.10 e fazendo mudanças
nos conjuntos de índices (cf. IV.1.5) podemos escrever, com notações que se
explicam por si,

" œ" " œ" "


"!! "!! "!! &! &!
" " " " "
.
8œ"
8 8œ"
8 8œ" 8 :œ"
#: :œ" #:  "
8 par 8 ímpar

IV.1.12 (Versão mais geral da associatividade) Sejam N um conjunto finito de


índices e ÐB4 Ñ4−N uma família de números reais. Sejam E outro conjunto
finito de índices e, para cada + − E, N+ um subconjunto de N e suponhamos
que estes conjuntos são disjuntos dois a dois e de união N .203 Tem-se então

" B4 œ " Š" B4 ‹.


4−N +−E 4−N+

Dem: Fazemos a demonstração por indução no número de elementos do


segundo conjunto de índices E. Se este for !, isto é, E œ g, tem que ser
N œ g e a igualdade a estabelecer é verdadeira por ambos os membros serem
iguais a !. Suponhamos que a igualdade é verificada quando E tem :
elementos e provemo-la quando E tem :  " elementos. Para isso,
escolhemos um índice +! − E e notamos N w § N a união dos N+ com + Á +! .
Utilizando a hipótese de indução e a versão particular da associatividade

203Por outras palavras, cada índice em N pertence a um único dos subconjuntos N+ .


322 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

estabelecida em IV.1.10, obtemos então

" B4 œ Š" B4 ‹  Š" B4 ‹ œ Œ " Š" B4 ‹  Š" B4 ‹ œ


4−N 4−N w 4−N+! +−EÏÖ+! × 4−N+ 4−N+!

œ " Š" B4 ‹. 
+−E 4−N+

IV.1.13 (Propriedade de Fubini dos somatórios) Sejam N e O dois conjuntos


finitos de índices e, para cada 4 − N e 5 − O , B4ß5 − ‘ (por outras palavras,
e à parte o facto de estarmos a omitir parênteses na notação, estamos a consi-
derar uma família de números reais indexada no conjunto finito N ‚ O de
todos os pares Ð4ß 5Ñ com 4 − N e 5 − O ). Tem-se então

" Š" B4ß5 ‹ œ " Š" B4ß5 ‹


4−N 5−O 5−O 4−N

e o valor comum coincide com o somatório indexado em N ‚ O


" B4ß5 .
Ð4ß5Ñ−N ‚O

Dem: O conjunto N ‚ O pode ser considerado como a união para 4 − N dos


subconjuntos Ö4× ‚ O , consituídos pelos pares cuja primeira coordenada é 4,
conjuntos esses que são disjuntos dois a dois. Aplicando IV.1.12 e mudanças
nos conjuntos de índices associadas às funções bijetivas O Ä Ö4× ‚ O
definidas por 5 È Ð4ß 5Ñ (cf. IV.1.5) vem

" B4ß5 œ " B4w ß5 œ " Š " B4ß5 ‹ œ " Š" B4ß5 ‹. 204
Ð4ß5Ñ−N ‚O Ð4w ß5Ñ−N ‚O 4−N Ð4w ß5Ñ−Ö4ׂO 4−N 5−O

Analogamente, considerando agora N ‚ O como a união para 5 − O dos


subconjuntos N ‚ Ö5×, consituídos pelos pares cuja segunda coordenada é 5 ,
conjuntos esses que são disjuntos dois a dois, e fazendo também uma
mudança conveniente nos conjuntos de índices, vemos que se tem também

" B4ß5 œ " Š" B4ß5 ‹,


Ð4ß5Ñ−N ‚O 5−O j−N

em particular os membros à direita das duas igualdades são iguais. 


IV.1.14 (Corolário — soma de dois somatórios) Sejam N um conjunto finito
de índices e ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N duas famílias de números reais indexadas em
N . Tem-se então

204A primeira igualdade, que se resume à mudança do índice mudo 4 para 4w torna-se
necessária para que a terceira expressão tenha significado.
§1. Somatórios finitos de números reais 323

" ÐB4  C4 Ñ œ Š" B4 ‹  Š" C4 ‹.


4−N 4−N 4−N

Dem: Esta conclusão resulta dum caso particular da propriedade de Fubini


em IV.1.13 desde que se considere um novo conjunto de índices O œ Ö"ß #×
e uma família de elementos D4ß5 , com 4 − N e 5 − O , definida por D4ß" œ B4 e
D4ß# œ C4 . 

Como exemplo de aplicação do corolário precedente, reobtemos a seguir a


fórmula para a soma dos termos de uma progressão geométrica, já estabe-
lecida, por indução, em I.2.4.

IV.1.15 Sejam +ß < números reais, com < Á " e consideremos a progressão
geométrica com 8 termos, primeiro termo + e razão <, constituída pelos
números
+ ß +< ß +<# ß á ß +<8" .
Tem-se então a seguinte caracterização da soma W destes termos:
+Ð"  <8 Ñ
W œ +  +<  +<#  â  +<8" œ .
"<
Dem: Podemos escrever W na forma

W œ " +<: œ +  " +<:


8" 8"

:œ! :œ"

e daqui deduzimosß efectuando mudanças apropriadas nos conjuntos de


índices, que

<W œ " Ð+<:" Ñ œ " Ð+<5 Ñ œ


8" 8

:œ! 5œ"

œ Š" Ð+<5 Ñ‹  +<8 œ Š" Ð+<: Ñ‹  +<8


8" 8"

5œ" :œ"

e portanto, somando as igualdades obtidas,

Ð"  <ÑW œ W  <W œ +  Š" Ð+<: +<: Ñ‹  +<8 œ +Ð"  <8 Ñ,


8"

:œ"

donde, como queríamos,


+Ð"  <8 Ñ
Wœ . 
"<
324 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

Exercícios

Ex IV.1.1 Notemos c$ o conjunto de todos os subconjuntos do conjunto


Ö"ß #ß $× e, para cada E − c$ , seja =E a soma dos números pertencentes ao
conjunto E. Determinar a soma
" =E
E−c$

e reparar que não parece haver nenhuma ordenação preferencial do conjunto


dos oito índices deste somatório.
æ Ex IV.1.2 Mais geralmente, para cada inteiro 8 !, seja Ð8Ñ o conjunto dos
números naturais entre " e 8, por exemplo
Ð!Ñ œ g, Ð"Ñ œ Ö"×, Ð#Ñ œ Ö"ß #×, Ð$Ñ œ Ö"ß #ß $×,

seja cÐ8Ñ o conjunto de todos os subconjuntos de Ð8Ñ , que sabemos ter #8


elementos,205 e notemos
W8 œ " =E ,
E−cÐ8Ñ

onde, como no exercício precedente, =E denota a soma dos elementos do


subconjunto E. Verificar que W! œ ! e que, para cada inteiro 8 !,
W8" œ #W8  #8 Ð8  "Ñ.

Sugestão: Utilizar a propriedade associativa, para além de outras proprie-


dades dos somatórios referidas atrás, reparando que os subconjuntos de
Ð8"Ñ podem ser considerados de dois tipos, aqueles que não contêm 8  "
e aqueles que contêm 8  ".
Ex IV.1.3 (Binómio de Newton) Consideremos números reais B" e B# . Para
cada número natural 8, consideremos o conjunto de índices Ö"ß #×8 de todas
as sequências Ð3" ß 3# ß á ß 38 Ñ de elementos de Ö"ß #×. Mostrar, por indução em
8, que se tem
ÐB"  B# Ñ8 œ " B3" ‚ B3# ‚ â ‚ B38 .
Ð3" ßáß38 Ñ−Ö"ß#×8

Utilizando a propriedade associativa, para além de outras propriedades dos

205Poderá ser interessante fazer esta contagem, por indução em 8, usando uma sugestão
análoga à que apresentaremos adiante.
§1. Somatórios finitos de números reais 325

somatórios referidas atrás, deduzir daqui a fórmula do binómio de Newton

ÐB"  B# Ñ8 œ " 8G: B:" B8:


8

# .
:œ!

Ex IV.1.4 (Revisão sobre a soma dos termos de uma progressão aritmética)


Sejam +ß < números reais e consideremos a progressão aritmética com 8
parcelas, primeira parcela + e razão <, constituída pelos números
+ ß +  < ß +  #< ß á ß +  Ð8  "Ñ.
Justificar, pelo método que vamos sugerir206, a seguinte caracterização da
soma W destas parcelas:
W œ +  Ð+  <Ñ  â  Ð+  Ð8  "Ñ<Ñ œ
+  Ð+  Ð8  "Ñ<Ñ 8Ð8  "Ñ
œ8‚ œ 8+  <
# #
(a média da primeira e última parcela multiplicada pelo número de parcelas).
Sugestão: Reparar que W é definido como o somatório

W œ " Ð+  :<Ñ,
8"

:œ!

usando uma mudança no conjunto de índices obter as caracterizações


alternativas

W œ " Ð+  Ð8  "  5Ñ<Ñ œ " Ð+  Ð8  "  :Ñ<Ñ


8" 8"

5œ! :œ!

e deduzir daqui uma fórmula para #W como soma de 8 parcelas todas iguais.

206Que costuma ser atribuído a Gauss quando tinha 7 anos de idade.


326 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

§2. Somatórios arbitrários de números positivos.

Lembremos que, como já referimos por ocasião do estudo elementar das


séries feito na secção III.4, estamos neste texto a utilizar a palavra
“positivo” com o significado de “maior ou igual a !” e não, como é
frequente, com o sentido de “maior que !”. O objetivo desta secção é
verificar que é possível definir a soma de famílias arbitárias (não necessa-
riamente finitas) de números positivos, somas essas que podem ser finitas
ou _ mas que, para além disso, vão ter propriedades análogas ás
estudadas na secção precedente no contexto das famílias finitas, sendo,
por esse motivo, muito facilmente manipuláveis. Começamos por fazer
uma observação elementar sobre as somas finitas de parcelas positivas.

IV.2.1 (Propriedade de monotonia dos somatórios finitos de parcelas

! B4 ! e, para cada subconjunto M § N ,


positivas) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família finita de reais B4 !. Tem-se então

4−N

" B4 Ÿ " B4 .
4−M 4−N

Dem: A primeira afirmação resulta da propriedade de monotonia referida em


IV.1.8 e do facto de um somatório com as parcelas todas iguais a ! ser igual
a !. A segunda afirmação resulta da primeira, uma vez que se tem

" B4 œ Š" B4 ‹  Š " B4 ‹. 


4−N 4−M 4−N ÏM

IV.2.2 (Definição dos somatórios arbitrários de parcelas positivas) Seja N


um conjunto arbitrário de índices (finito ou infinito) e seja ÐB4 Ñ4−N uma
família de reais B4 0. Define-se então
" B4 − Ò!ß _Ó
4−N

somas ! B4 com M subconjunto finito de N .


como sendo o supremo de todas as somas parciais finitas, isto é, de todas as

4−M
Repare-se que no caso em que o conjunto de índices N é finito a soma assim
definida coincide com a já conhecida (em particular é menor que _) uma
vez que, tendo em conta IV.2.1, a conjunto das somas parciais finitas tem
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 327

como máximo a correspondente a M œ N .207


Repare-se ainda que se existir um índice 4! − N com B4!  !, então tem-se
mesmo
" B4 B4!  !,
4−N

uma vez que uma das somas finitas cujo supremo define o somatório é a
correspondente ao subconjunto Ö4! ×.
IV.2.3 (Mudança no conjunto de índices) Sejam N e O dois conjuntos de
índices e :À O Ä N uma função bijetiva. Dada uma família ÐB4 Ñ4−N com
B4 !, tem-se então
" B4 œ " B:Ð5Ñ .
4−N 5−O

Dem: Para cada subconjunto finito M de N , :" ÐMÑ é um subconjunto finito


de O e a restrição de : é uma função bijetiva de :" ÐMÑ para M pelo que,
como vimos em IV.1.5,
" B4 œ " B:Ð5Ñ .
4−M 5−:" ÐMÑ

Uma vez que todo o subconjunto finito de O é da forma :" ÐMÑ com M

supremo define ! B4 coincide com o conjunto das somas finitas cujo


subconjunto finito de N , concluímos que o conjunto das somas finitas cujo

supremo define ! B:Ð5Ñ e portanto os dois somatórios coincidem.


4−N

5−O

IV.2.4 (O caso das parcelas todas iguais) Sejam N um conjunto infinito de


índices, B − ‘ e ÐB4 Ñ4−N a família constante definida por B4 œ B para cada 4.
Tem-se então

" B4 œ œ
!, se B œ !
.
_, se B  !
4−N

Dem: Temos uma consequência de IV.1.7 uma vez que se B œ ! todas as


somas parciais finitas são ! e que se B  ! o somatório tem que ser maior ou
igual a 8B para cada natural 8 por existirem somas parciais finitas com um
número de índices arbitrário. 
IV.2.5 (Propriedades de monotonia) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família de números
reais B4 !. Tem-se então:

207Pelo contrário, sem a exigência de se ter B4 ! para cada 4, esta definição não faria
sentido. Por exemplo, para a família definida por B" œ ", B# œ # e B$ œ $, a soma é %
mas o supremo das somas parciais finitas é & œ B#  B$ .
328 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

a) Se, para cada 4 − N , ! Ÿ C4 Ÿ B4 , então


" C4 Ÿ " B4 ,
4−N 4−N

em particular se o segundo membro é finito então o primeiro membro


também o é.
b) Se N w § N é um subconjunto, finito ou infinito, então
" B4 Ÿ " B4 ,
4−N w 4−N

em particular se o segundo membro é finito então o primeiro membro


também o é.
Dem: A conclusão de a) resulta de IV.1.8, uma vez que, para cada parte
finita M de N , podemos escrever
" C4 Ÿ " B4 Ÿ " B4 ,
4−M 4−M 4−N

por outras palavras, ! B4 é um majorante de todas as somas finitas cujo

supremo define ! C4 . A conclusão de b) resulta de que, para cada subcon-


4−N

4−N
junto finito M de N w , M é também um subconjunto de N e portanto
" B4 Ÿ " B4 ,
4−M 4−N

por outras palavras ! B4 é um majorante de todas as somas finitas cujo

supremo define ! B4 .
4−N

4−N w

Embora já o pudéssemos ter feito antes, vamos agora examinar uma


situação de que possivelmente o leitor já se terá apercebido. Tata-se do
caso em que o conjunto de índices N é  e temos uma família ÐB8 Ñ8−
com B8 !, caso em que estudámos na secção III.4 o que se entende por
soma da série ! B8 , soma essa que, como referimos em III.4.36, está
_

8œ"
definida e é igual ao supremo, finito ou igual a _, das somas parciais
W: œ ! B8 . O que se passa é que neste contexto também faz sentido
:

considerar o somatório ! B8 , encarado como caso particular dos que esta-


8œ"

8−
mos a estudar nesta secção, e seria de certo modo incómodo se os dois
somatórios não tivessem o mesmo valor. Verificaremos a seguir, depois
de examinar um resultado auxiliar aplicável noutras situações, que essa
incomodidade não se concretiza mas fazemos notar desde já que o even-
tual problema poderia resultar de, embora ambos os somatórios apare-
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 329

cerem como supremos de somas parciais finitas, essas somas parciais no


segundo caso são mais do que as consideradas no contexto das séries, por
incluirem também somas com 8 a variar em conjuntos finitos como
Ö#ß &×.

IV.2.6 (Primeiro teorema da convergência monótona) Seja ÐB4 Ñ4−N uma


família de números reais B4 !. Suponhamos que ÐN8 Ñ8− é uma sucessão

N œ - N8 . Notando, para cada 8, W8 − Ò!ß _Ó a soma parcial


crescente de subconjuntos de N (isto é, com N8 § N8" para cada 8) tal que

8−

W8 œ " B4 ,
4−N8

a) Se existir 8! tal que W8! œ _, então também ! B4 œ _.


tem-se então:

4−N

crescente e tem a soma total ! B4 como limite (finito ou _).208


b) Se W8  _ para cada 8, então a sucessão das somas parciais ÐW8 Ñ8− é

4−N
Dem: A conclusão de a) resulta trivialmente da propriedade de monotonia na
alínea b) de IV.2.5. Essa mesma propriedade garante que, com a hipótese em

termos menores ou iguais à soma W œ ! B4 . Esta sucessão, sendo crescente,


b), temos uma sucessão de números reais W8 que é crescente e com todos os

4−N
tem limite igual ao supremo do conjunto dos seus termos, em particular
verifica lim W8 Ÿ W . Resta-nos provar a desigualdade oposta. Para isso
8Ä_
consideramos uma parte finita M § N arbitrária. Reparando que existe neces-
sariamente 8! tal que M § N8! (afastado o caso trivial em que M œ g,
podemos escolher para cada 4 − M um natural 84 tal que B4 − N84 e tomamos
para 8! o máximo do conjunto finito dos 84 assim escolhidos) podemos
concluir, mais uma vez pelas propriedades de monotonia dos somatórios que
" B4 Ÿ " B4 œ W8! Ÿ lim W8
8Ä_
4−M 4−N8!

donde, pela caracterização da soma total como um supremo das somas


parciais finitas,
W œ " B4 Ÿ lim W8 . 
8Ä_
4−N

208A necessidade de separar os dois casos resulta de na noção de limite duma sucessão
termos sempre exigido que os termos da sucessão sejam números reais e não reais esten-
didos. Se tivéssemos adaptado trivialmente a noção de limite a este contexto mais geral
bastaria termos referido a afirmação em b).
330 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

com B8 !. Tem-se então que o valor do somatório ! B8 , no sentido de


IV.2.7 (Séries e somas infinitas) Seja ÐB8 Ñ8− uma sucessão de números reais

IV.2.2, coincide com a soma da série ! B8 , no sentido de III.4.32.


8−
_

8œ"
Dem: Trata-se de uma consequência do resultado precedente se reparamos
que  é a união da sucessão crescente de subconjuntos 8 œ Ö"ß #ß á ß 8×,
que neste caso são finitos, e que as correspondentes somas parciais
W8 œ " B5
5−8

são as que intervêm na definição de soma da série em III.4.32. 


IV.2.8 (Propriedade associativa mais geral) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família arbitrária
de números reais B4 ! e suponhamos que o conjunto de índices N é uma
união, finita ou infinita, de subconjuntos N" disjuntos dois a dois, onde

a) Se para algum " se tiver ! B4 œ _, então ! B4 œ _.


" − F. Tem-se então:

b) Se para todos os índices " se tiver ! B4  _, então


4−N" 4−N

4−N"

" B4 œ " ˆ" B4 ‰


4−N " −F 4−N"

(somas finitas ou _).209

na alínea b) de IV.2.5. Suponhamos agora que ! B4  _ para todos os


Dem: A conclusão de a) resulta imediatamente da propriedade de monotonia

4−N"
índices " − F . Vamos dividir a prova da igualdade em b) em duas partes, em

1) Vamos começar por mostrar que ! B4 Ÿ ! ˆ! B4 ‰. Para isso, e tendo


cada uma das quais provamos uma das desigualdades entre os dois membros.

4−N " −F 4−N"

mostrar que para cada subconjunto finito M § N se tem ! B4 Ÿ ! ˆ! B4 ‰.


em conta a definição do primeiro membro como um supremo, bastará

4−M " −F 4−N"


Fixemos então M § N finito. Seja E a parte finita de F constituída pelos "
tais que M  N" Á g (no máximo um " para cada elemento de M ). Tem-se
então que o conjunto finito M é a união finita dos subconjuntos M  N" , com
" − E, que são disjuntos dois a dois, pelo que, tendo em conta a
associatividade finita estudada em IV.1.12 e as propriedades de monotonia
dos somatórios, podemos escrever

209Analogamente ao que foi referido na nota de pé de página 208, se se fizesse a


convenção de permitir parcelas iguais a _ nos somatórios, considerando a sua soma,
quando elas existam, igual a _, poder-se-ia dispensar a alínea a) e dizer que a fórmula
em b) é válida sem restrições.
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 331

" B4 œ " ˆ " B4 ‰ Ÿ " ˆ" B4 ‰ Ÿ " ˆ" B4 ‰,


4−M " −E 4−MN" " −E 4−N" " −F 4−N"

2) Vamos mostrar agora a desigualdade oposta ! B4 ! ˆ! B4 ‰. Para


como queríamos.

4−N " −F 4−N"

bastará provar que, fixado E § F finito, se tem ! B4 ! ˆ! B4 ‰.


isso, e tendo em conta a definição do segundo membro como um supremo,

4−N " −E 4−N"

certo E finito com 5 elementos, ! B4  ! ˆ! B4 ‰. Sendo $  ! tal que


Suponhamos, por absurdo, que isso não acontecia, portanto que, para um

4−N " −E 4−N"

ˆ" B4 ‰  $  " ˆ" B4 ‰,


4−N " −E 4−N"

podemos, para cada " − E, considerar M" § N" finito tal que

" B4 ˆ" B4 ‰ 
$
4−M" 4−N"
5

e, sendo M o conjunto finito união dos M" , com " − E, obtemos, tendo em
conta mais uma vez a associatividade finita em IV.1.12 e as propriedades de
monotonia dos somatórios,

" ˆ" B4 ‰ Ÿ " ˆˆ" B4 ‰  ‰ œ ˆ" ˆ" B4 ‰‰  ˆ" ‰ œ


$ $
5 5
œ ˆ" B4 ‰  $ Ÿ ˆ" B4 ‰  $  " ˆ" B4 ‰,
" −E 4−N" " −E 4−M" " −E 4−M "" −E

4−M 4−N " −E 4−N"

o que é o absurdo procurado. 

Tal como acontecia no caso das somas finitas, a propriedade associativa


tem algumas consequência triviais que é útil explicitar.

IV.2.9 (Propriedade de Fubini para somatórios) Sejam N e O dois conjuntos,


finitos ou infinitos, de índices e ÐB4ß5 ÑÐ4ß5Ñ−N ‚O uma família de números reais

1a) Se para algum 4 − N for ! B4ß5 œ _ então ! B4ß5 œ _.


com B4ß5 !. Tem-se então:

1b) Se para todo o 4 − N for ! B4ß5  _ então


5−O Ð4ß5Ñ−N ‚O

5−O

" ˆ" B4ß5 ‰ œ " B4ß5 .


4−N 5−O Ð4ß5Ñ−N ‚O
332 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

2a) Se para algum 5 − O for ! B4ß5 œ _ então ! B4ß5 œ _.

2b) Se para todo o 5 − O for ! B4ß5  _ então


4−N Ð4ß5Ñ−N ‚O

4−N

" ˆ" B4ß5 ‰ œ " B4ß5 . 210


5−O 4−N Ð4ß5Ñ−N ‚O

Dem: Começamos por reparar que, por mudança no conjunto de índices,


podemos concluir que para cada 4 − N fixado tem-se
" B4ß5 œ " B4w ß5 .
5−O Ð4w ß5Ñ−Ö4ׂO

Reparando que N ‚ O é a união disjunta dos subconjuntos Ö4× ‚ O com

concluir que se para algum 4 − N for ! B4ß5 œ _ vem


4 − N e aplicando a propriedade associativa em IV.2.8 podemos assim

5−O

" B4ß5 œ " B4w ß5 œ _


Ð4ß5Ñ−N ‚O Ð4w ß5Ñ−N ‚O

e que, caso contrário,


" ˆ" B4ß5 ‰ œ " ˆ" B4w ß5 ‰ œ " B4w ß5 œ " B4ß5 Þ
4−N 5−O 4−N Ð4w ß5Ñ−Ö4ׂO Ð4w ß5Ñ−N ‚O Ð4ß5Ñ−N ‚O

A justificação das afirmações em 2a) e 2b) é análoga, utilizando agora o


facto de N ‚ O ser a união disjunta dos conjuntos N ‚ Ö5× com 5 − O . 
IV.2.10 (Corolário — soma de dois somatórios) Sejam N um conjunto, finito
ou infinito, de índices e ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N duas famílias de números reais

a) Se ! B4 œ _ ou ! C4 œ _, então ! ÐB4  C4 Ñ œ _.


positivos. Tem-se então:

b) Se ! B4  _ e ! C4  _, então
4−N 4−N 4−N

4−N 4−N

" ÐB4  C4 Ñ œ Š" B4 ‹  Š" C4 ‹.


4−N 4−N 4−N

Dem: Como no caso finito, temos uma consequência da propriedade de


Fubini em IV.2.9. Com efeito, considerando um novo conjunto de índices
O œ Ö"ß #× e uma família de elementos D4ß5 , com Ð4ß 5Ñ − N ‚ O , definida
por D4ß" œ B4 e D4ß# œ C4 , tem-se

210Analogamente ao referido na nota de pé de página 209, se se fizesse a convenção de


permitir parcelas iguais a _ nos somatórios, considerando a sua soma, quando elas
existam, igual a _, poder-se-ia dispensar as alíneas 1a) e 2a) e dizer que as fórmulas
em 1b) e 2b) são válidas sem restrições.
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 333

" B4 œ " D4ß" , "C4 œ " D4ß# ,


4−N 4−N 4−N 4−N

" ÐB4  C4 Ñ œ " ˆ" D4ß5 ‰,


4−N 4−N 5−O

bastando então reparar que, no caso em que os dois somatórios dos segundo
membro da igualdade destacada no enunciado são finitos, a propriedade de
Fubini implica que ambos os membros dessa igualdade são iguais a
" D4ß5 . 
Ð4ß5Ñ−N ‚O

IV.2.11 (Corolário — diferença de dois somatórios) Sejam N um conjunto,

reais positivos tais que C4 Ÿ B4 para cada 4 e que ! B4  _. Tem-se então
finito ou infinito, de índices e ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N duas famílias de números

também ! C4  _ e
4−N

4−N

" ÐB4  C4 Ñ œ Š" B4 ‹  Š" C4 ‹.


4−N 4−N 4−N

Em consequência se existir 4! tal que C4!  B4! tem-se mesmo


" C4  " B4 .
4−N 4−N

Dem: Considerando também a família de números positivos ÐB4  C4 Ñ4−N , o


facto de se ter, para cada 4, B4 œ ÐB4  C4 Ñ  C4 implica, pelo resultado
precedente, que

" B4 œ Š" ÐB4  C4 Ñ‹  Š" C4 ‹,


4−N 4−N 4−N

com as parcelas no segundo membro ambas finitas, o que é equivalente à

C4!  B4! , donde B4!  C4!  !, já sabemos que ! ÐB4  C4 Ñ  ! e portanto


igualdade destacada no enunciado. No caso em que existe 4! tal que

tem-se mesmo ! C4  ! B4 .
4−N

4−N 4−N

Outra consequência trivial da propriedade associativa permite-nos trans-


formar somas parciais correspondentes a partes do conjunto de índices em
somas totais de famílias convenientemente modificadas.
334 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

IV.2.12 (Somas parciais e a função indicatriz) Sejam N um conjunto de


índices e ÐB4 Ñ4−N uma família de reais B4 !. Seja N w § N e consideremos a
função indicatriz ˆN w À N Ä Ö!ß "×, definida por

ˆN w Ð4Ñ œ œ
", se 4 − N w
.
!, se 4 Â N w

Tem-se então
" B4 œ " ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ.
4−N w 4−N

Dem: Reparando que N é a união disjunta dos subconjuntos N w e N Ï N w onde

portanto ! ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ œ !, a igualdade enunciada resulta da alínea a) de


B4 ‚ ˆN w Ð4Ñ œ B4 para cada 4 − N w e B4 ‚ ˆN w Ð4Ñ œ ! para cada 4 − N Ï N w , e

4−N
IV.2.8 no caso em que o primeiro membro é _ e da alínea b) do mesmo
resultado no caso em que este é finito. 

ÐB4 Ñ4−N uma família de números reais positivos com ! B4  _ e + ! em


IV.2.13 (Distributividade) Sejam N um conjunto, finito ou infinito, de índices,

4−N
‘. Tem-se então:
+ ‚ " B4 œ " Ð+ ‚ B4 Ñ.
4−N 4−N

Dem: Para cada parte finita M de N , tem-se, pela distributividade finita


referida em IV.1.9,
" Ð+ ‚ B4 Ñ œ + ‚ ˆ" B4 ‰ Ÿ + ‚ ˆ" B4 ‰,
4−M 4−M 4−N

pelo que, tendo em conta a definição da soma indexada em N como um


supremo das somas parciais finitas, tem-se
" Ð+ ‚ B4 Ñ Ÿ + ‚ ˆ" B4 ‰.
4−N 4−N

Resta-nos mostrar que se tem também


+ ‚ ˆ" B4 ‰ Ÿ " Ð+ ‚ B4 Ñ,
4−N 4−N

desigualdade que é verdadeira, por o primeiro membro ser igual a !, no caso


em que + œ !. Resta-nos verificar esta desigualdade no caso em que +  !.
Ora, aplicando a desigualdade já demonstrada com +" no lugar de + e + ‚ B4
no lugar de B4 , obtemos
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 335

" B4 œ " Ð ‚ + ‚ B4 Ñ Ÿ ‚ ˆ" Ð+ ‚ B4 щ


" "
4−N 4−N
+ + 4−N

e multiplicando ambos os membros desta desigualdade por +, obtemos


+ ‚ ˆ" B4 ‰ Ÿ " Ð+ ‚ B4 Ñ,
4−N 4−N

como queríamos. 

finitas ou infinitas, de elementos de reais positivos tais que ! B4  _ e


IV.2.14 (Produto de dois somatórios) Sejam ÐB4 Ñ4−N e ÐC5 Ñ5−O duas famílias,

! C5  _. Tem-se então


4−N

5−O

ˆ" B4 ‰ ‚ ˆ" C5 ‰ œ " ÐB4 ‚ C5 Ñ.


4−N 5−O Ð4ß5Ñ−N ‚O

Dem: Tendo em conta IV.2.9 e IV.2.13, vem


ˆ" B4 ‰ ‚ ˆ" C5 ‰ œ " ˆB4 ‚ " C5 ‰ œ " ˆ" ÐB4 ‚ C5 щ œ

œ "
4−N 5−O 4−N 5−O 4−N 5−O

ÐB4 ‚ C5 Ñ. 
Ð4ß5Ñ−N ‚O

O nosso próximo objetivo nesta secção é examinar o que se passa quando,


em vez de uma família de reais positivos, tivermos uma família de
funções com um mesmo domínio e com Ò!ß _Ò como codomínio.
Podemos então somar para cada ponto do domínio o valores das funções
nesse ponto obtendo assim uma nova função com o mesmo domínio e
com valores em Ò!ß _Ó (a função soma) e, no caso em que esta admita
Ò!ß _Ò como codomínio, será útil estudar os limites num ponto da
função soma, relacionados com os limites no mesmo ponto das funções
parcelas, também supostos finitos. É o que faremos a partir de agora
limitando-nos nesta secção ao caso particular em que o domínio é  e os
limites são considerados em _ (as funções são sucessões).

IV.2.15 (Limites de sucessões crescentes e somatórios telescópicos) Seja


Ð@8 Ñ8− uma sucessão crescente de reais em [0,_[. Pode então
considerar-se uma nova sucessão Ð?8 Ñ8− de reais positivos definida por
?" œ @" , ?8 œ @8  @8" se 8 #,

e tem-se então
336 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

lim @8 œ " ?8 ,
_

8Ä_
8œ"

costumando-se dizer que o segundo membro é o somatório telescópico


associado à sucessão de partida.
Dem: A soma no segundo membro é o limite da sucessão das somas parciais
W8 œ ! ?: pelo que tudo o que temos que reparar é que se tem W8 œ @8 para
8

:œ"
cada 8 o que se pode verificar muito facilmente por indução ou, alterna-
tivamente, de forma mais intuitiva mas menos precisa (e que explica a razão
da palavra “telescópica”211) escrevendo
W8 œ @"  Ð@#  @" Ñ  Ð@$  @# Ñ  â  Ð@8  @8" Ñ. 

IV.2.16 (Segundo teorema da convergência monótona) Sejam N um conjunto,


finito ou infinito, de índices e, para cada 4 − N , 04 À  Ä Ò!ß _Ò uma
sucessão crescente de reais positivos (para a qual, para melhor clareza,
estamos a utilizar uma notação funcional212). Suponhamos que, para cada
4 − N,
B4 œ lim 04 Ð8Ñ  _
8Ä_

e que, para cada 8 − ,


0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ  _.
4−N

Tem-se então que a sucessão 0 À  Ä Ò!ß _Ò assim definida é crescente e

lim 0 Ð8Ñ œ " B4 ,


8Ä_
4−N

ou seja, é válida a “passagem ao limite”

lim Š" 04 Ð8Ñ‹ œ " Š lim 04 Ð8Ñ‹.


8Ä_ 8Ä_
4−N 4−N

Dem: O facto de a sucessão 0 ser crescente é uma consequência direta da


propriedade de monotonia na alínea a) de IV.2.5. Tendo em conta IV.2.15,

211De facto, a associação aos telescópios não é a mais correta. Devia melhor pensar-se
nas lunetas, aparelhos para auxiliar a visão de objetos distantes que costumam ser
divididos em segmentos tubulares que, depois de utilizados, podem ser compactados por
inserção de cada segmento no seguinte.
212Os primeiros termos da sucessão 0 são assim notados 0 Ð"Ñ, 0 Ð#Ñ, 0 Ð$Ñ… em vez de,
4 4 4 4
como é mais habitual para as sucessões, 04ß" , 04ß# , 04ß$ … tentando evitar a confusão que
poderia resultar dos duplos índices.
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 337

cada B4 também pode ser calculado pela soma telescópica

B4 œ " 14 Ð8Ñ,
8−

onde as sucessões 14 À  Ä Ò!ß _Ò estão definidas por 14 Ð"Ñ œ 04 Ð"Ñ e, para
cada 8 #, 14 Ð8Ñ œ 04 Ð8Ñ  04 Ð8  "Ñ e daqui deduzimos, tendo em conta
IV.2.9, que

(1) " B4 œ " Š" 14 Ð8Ñ‹ œ " 14 Ð8Ñ.


4−N 4−N 8− Ð4ß8Ñ−N ‚

Por outro lado, podemos definir, para cada 8 − , 1Ð8Ñ œ ! 14 Ð8Ñ, vindo
4−N

1Ð"Ñ œ "14 Ð"Ñ œ "04 Ð"Ñ œ 0 Ð"Ñ  _


4−N 4−N

e, tendo em conta IV.2.11, para cada 8 #,

1Ð8Ñ œ " 14 Ð8Ñ œ Š" 04 Ð8Ñ‹  Š" 04 Ð8  "Ñ‹ œ


4−N 4−N 4−N
œ 0 Ð8Ñ  0 Ð8  "Ñ  _

e portanto, mais uma vez por IV.2.9 e IV.2.15,

(2) lim 0 Ð8Ñ œ "1Ð8Ñ œ "Š" 14 Ð8Ñ‹ œ " 14 Ð8Ñ.


8Ä_
8− 8− 4−N Ð4ß8Ñ−N ‚

Comparando as igualdades (1) e (2) obtemos assim a igualdade


lim 0 Ð8Ñ œ " B4 . 
8Ä_
4−N

O nosso próximo passo é tentar encontrar outra situação em que, sem a


exigência de partirmos de sucessões crescentes 0 À  Ä Ò!ß _Ò seja
ainda válida a passagem ao limite referida no resultado precedente.
Note-se que, tendo em conta o exercício IV.2.7 adiante, a hipótese de
monotonia não pode ser simplesmente abandonada, sendo necessário
encontrar outra que a possa substituir. É isso que faremos em seguida
começando por estabelecer um lema que mostra que, na ausência de uma
hipótese que substitua a monotonia vale ainda “metade” da condição de
convergência.

IV.2.17 (Lema de Fatou) Sejam N um conjunto, finito ou infinito, de índices e,


para cada 4 − N , 04 À  Ä Ò!ß _Ò uma sucessão de reais positivos. Supo-
nhamos que, para cada 4 − N , existe o limite
338 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

B4 œ lim 04 Ð8Ñ  _
8Ä_

e seja, para cada 8 − ,


0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ − Ò!ß _Ó.
4−N

Qualquer que seja o real j  ! B4 existe então 8! −  tal que, para todo o
4−N
8 8! , se tenha 0 Ð8Ñ  j.
Dem: Seja, para cada 4 − N , 14 À  Ä Ò!ß _Ò a sucessão de reais positivos
definida por
14 Ð8Ñ œ inf Ö04 Ð:Ñ×: 8 œ inf Ö04 Ð8Ñß 04 Ð8  "Ñß 04 Ð8  #Ñ…×.

Para cada 4 − N , a sucessão 14 é crescente (14 Ð8  "Ñ é o ínfimo de um


conjunto contido naquele cujo ínfimo define 14 Ð8Ñ) e tem-se 14 Ð8Ñ Ÿ 04 Ð8Ñ e,
como vamos ver, tem-se ainda
B4 œ lim 14 Ð8Ñ. 213
8Ä_

Ora, dado $  ! arbitrário, podemos considerar 8" −  tal que, para cada
8 8" ,
$ $
04 Ð8Ñ − Z $ ÐB4 Ñ œ ÓB4  ß B4  Ò
# # #
e então, lembrando que o ínfimo de um conjunto não vazio é aderente a esse
conjunto (cf. I.3.18), concluímos que, para cada 8 8" ,
$ $
14 Ð8Ñ − ÒB4  ß B4  Ó § Z$ ÐB4 Ñ.
# #
Reparemos agora que, se, para um certo 8! − , ! 14 Ð8! Ñ œ _, então,
4−N
para cada 8 8! , por ser 04 Ð8Ñ 14 Ð8! Ñ, vem

0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ "14 Ð8! Ñ œ _  j.


4−N 4−N

Resta-nos examinar o caso em que ! 14 Ð8Ñ  _ para todo o 8, caso em


4−N
que podemos aplicar o segundo teorema da convergência monótona às suces-
sões crescentes 14 À  Ä Ò!ß _Ò para concluir que

213Quem tiver presente o estudo dos sublimites de funções e sucessões, feito na secção
I.6, poderá dispensar a explicação que vamos dar, uma vez que, como se verificou em
I.6.10, o limite da sucessão crescente 14 é o sublimite mínimo da sucessão 04 a qual, por
ter limite B4 , tem este real como único sublimite.
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 339

lim Š" 14 Ð8Ñ‹ œ " B4


8Ä_
4−N 4−N

e portanto, considerando $  ! tal que a vizinhança Z$ Ð! B4 Ñ tenha todos os


4−N
elementos maiores que j (cf. a propriedade de Haudorff em I.3.13),
deduzimos a existência de 8! −  tal que para cada 8 8!
" 14 Ð8Ñ − Z$ Ð" B4 Ñ
4−N 4−N

e portanto, for ser 04 Ð8Ñ 14 Ð8Ñ,

0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ " 14 Ð8Ñ  j. 


4−N 4−N

infinito, de índices e ÐC4 Ñ4−N uma família de reais positivos com ! C4  _


IV.2.18 (Teorema da convergência dominada) Sejam N um conjunto, finito ou

4−N
(a família dominadora). Consideremos, para cada 4 − N , uma sucessão
04 À  Ä Ò!ß _Ò admitindo limite finito
B4 œ lim 04 Ð8Ñ
8Ä_

e tal que, para cada 8 − , 04 Ð8Ñ Ÿ C4 (a condição de dominação). Para cada


8 −  tem-se então
0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ  _
4−N

e tem-se
lim 0 Ð8Ñ œ " B4  _,
8Ä_
4−N

ou seja, é válida a “passagem ao limite”

lim Š" 04 Ð8Ñ‹ œ " Š lim 04 Ð8Ñ‹  _.


8Ä_ 8Ä_
4−N 4−N

Dem: Comecemos por notar que as desigualdades 04 Ð8Ñ Ÿ C4 permitem


definir sucessões s0 4 À  Ä Ò!ß _Ò por s0 4 Ð8Ñ œ C4  04 Ð8Ñ com limites
finitos

s4 œ lim s0 4 Ð8Ñ œ C4  B4 ,
B
8Ä_

tendo-se em particular B4 Ÿ C4 e B
s4 Ÿ C4 , donde
340 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

"B4 Ÿ "C4  _, "B


s4 Ÿ "C4  _
4−N 4−N 4−N 4−N

"B
s4 œ Š"C4 ‹  Š"B4 ‹.
4−N 4−N 4−N

As desigualdades 04 Ð8Ñ Ÿ C4 implicam que

0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ Ÿ "C4  _


4−N 4−N

e portanto
s0 Ð8Ñ œ " s0 4 Ð8Ñ œ Š"C4 ‹  Š"04 Ð8Ñ‹ œ Š"C4 ‹  0 Ð8Ñ.
4−N 4−N 4−N 4−N

Seja $  ! arbitrário. Aplicando o lema de Fatou às sucessões 04 e às suces-


sões s0 4 , permite considerar 8" ß 8# −  tais que para cada 8 8"

0 Ð8Ñ  Š"B4 ‹  $
4−N

e para cada 8 8#

Š"C4 ‹  0 Ð8Ñ œ s0 Ð8Ñ  Š"B


s4 ‹  $ œ Š"C4 ‹  Š"B4 ‹  $ ß
4−N 4−N 4−N 4−N

e portanto

0 Ð8Ñ  Š"B4 ‹  $.
4−N

pertence à vizinhança Z$ Š! B4 ‹ o que mostra que a sucessão Ð0 Ð8ÑÑ8−


Sendo 8! o máximo entre 8" e 8# , concluímos que, para cada 8 8! , 0 Ð8Ñ

converge efetivamente para ! B4 .


4−N

4−N

Exercícios

Ex IV.2.1 Lembremos a notação ! œ   Ö!×, para o conjunto dos inteiros


positivos. Seja ! Ÿ B  ". Lembrando a fórmula para a soma dos termos de
uma série geométrica (cf. III.4.35), calcular de duas maneiras distintas o
somatório
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 341

" B:;
Ð:ß;Ñ−! ‚!

para deduzir que

" Ð8  "ÑB8 œ ˆ ‰ .
" #
8−!
"B

Ex IV.2.2 Determinar o valor do somatório

"
"
.
8−™
#l8l

Ex IV.2.3 (Convergência das séries de Dirichlet) Seja !  " um número real.


Verificar que se tem

"
_
" #!
Ÿ ,
8œ"
8! #!  #

em particular que a série no primeiro membro (a série de Dirichlet associada


a !) é convergente. Note-se que para a soma desta série é usada a notação
' Ð!Ñ:

' Ð! Ñ œ "
_
"
,
8œ"
8!

dizendo-se que a função 'À Ó!ß _Ò Ä Ó!ß _Ò assim definida é a função
zeta de Riemann.214
Sugestão: Reparar que, para cada 5 $, a soma parcial

W5 œ "
5
"
8œ"
8!

verifica

W5 Ÿ "  " "


5 5
" " " "
 Ÿ "  ! W5  ! W5 .
:œ"
Ð#:Ñ! :œ" Ð#:  "Ñ! # #

absurdo que se tem ! 8" œ _ reparando que, se esta soma tivesse um


Ex IV.2.4 (Prova alternativa da divergência da série harmónica) Mostrar por

8−

214De facto trata-se de uma restrição da função zeta de Riemann, esta última podendo ser
definida num domínio maior por um processo diferente.
342 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

valor finito, viria

" œ" " œ" "


" " " " "

8−
8 8 par 8 8 ímpar 8 :− #: :− #:  "

"  " œ" .


" " " " "

# 8− 8 # 8− 8 8− 8

Ex IV.2.5 Seja Ð@8 Ñ8− a sucessão crescente de reais positivos definida por
"
@8 œ "  8" . Verificar que as parcelas ?8 do somatório telescópico
associado (cf. IV.2.15) estão definidas por
" " "
?8 œ  œ .
8 8" 8Ð8  "Ñ
Deduzir que

"œ" "
_ _
" "
8œ"
8Ð8  "Ñ 8œ"
Ð8  "Ñ#

e concluir uma majoração para a soma da série de Dirichlet !


_
"
8# que coin-
8œ"
cide com a obtida no exercício IV.2.3.
Ex IV.2.6 Verificar que a conclusão da alínea b) do primeiro teorema da
convergência monótona IV.2.6 (a parte menos trivial desse resultado) pode
ser obtida como consequência do segundo teorema da convergência
monótona IV.2.16 por utilização das funções indicatrizes dos subconjuntos
de índices envolvidos.
Ex IV.2.7 Consideremos  como conjunto de índices e, para cada : − , seja
0: À  Ä Ò!ß _Ò a sucessão definida por

0: Ð8Ñ œ œ
", se 8 œ :
!, se 8 Á :

(a função indicatriz do conjunto Ö:×). Verificar que, para cada índice : − ,


lim 0: Ð8Ñ œ !
8Ä_

e que, para cada 8 − ,


" 0: Ð8Ñ œ "
:−

e concluir, em particular que

lim Š" 0: Ð8Ñ‹ Á " Š lim 0: Ð8Ñ‹.


8Ä_ 8Ä_
:− :−
§2. Somatórios arbitrários de números positivos 343

Por que razão não se pode aplicar neste caso o segundo teorema da conver-
gência monótona nem o teorema da convergência dominada?
Ex IV.2.8 (Para quem conheça a noção de conjunto numerável e as proprie-

que ! B4  _. Sendo N w § N o conjunto dos índices 4 para os quais


dades básicas desta) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família de números reais B4 ! tal

4−N
B4  !, mostrar que N w é finito ou numerável. Sugestão: Mostrar que, para
cada 8 − , o conjunto N8 dos índices 4 tais que B4 8" é finito.
Ex IV.2.9 Seja, para cada 8 − ,

B8 œ "
_ :
/ 8
.
:œ"
#:

Verificar que se tem B8  _ e que a sucessão ÐB8 Ñ8− é crescente e com


lim B8 œ ".
8Ä_

Ex IV.2.10 (Nova prova da divergência da série harmónica) Para cada : − ,


seja E: §  o conjunto com #: elementos,
E: œ Ö8 −  ± #: Ÿ 8  #:" ×,

e consideremos a sua função indicatriz ˆE: À  Ä Ö!ß "× (cf. IV.2.12).


Verificar que

" ˆE Ð8Ñ œ "


" " "
8−
8 : 8−E
8 #
:

e que, para cada 8 − , lim " ˆE: Ð8Ñ œ ! e deduzir daqui, tendo em conta
o teorema da convergência dominada, que !
:Ä_ 8
"
8 œ _.
8−

Ex IV.2.11 Tendo em conta o facto de se ter

"
" " " "
œ "     â œ _,
8−
8 # $ %

verificar que, para as seguintes somas parciais,

"
" " " "
œ    â œ _,
8 par
8 # % '

"
" " "
œ "    â œ _.
8 ímpar
8 $ &

Sugestão: Reparar que a segunda soma é maior ou igual à primeira e que,


344 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

multiplicando por # os termos da primeira, obtém-se os trmos da série


harmónica.
Ex IV.2.12 Para cada par Ð7ß 8Ñ −  ‚  seja B7ß8 − Ò!ß _Ò e suponhamos
que, para cada 8, ! B7ß8  _. Verificar que se tem então
_

7œ"

" Š" B7ß8 ‹ œ " Š" B7ß8 ‹,


_ 7 _ _

7œ" 8œ" 7œ" 7œ8

onde com a notação “tipo série” ! B7ß8 estamos naturalmente a significar o


_

7œ8
somatório com o índice 7 a variar no conjunto Ö8ß 8  "ß 8  # á ×.
Sugestão: Reparar na igualdade, envolvendo funções indicatrizes,
ˆÖ"ß#ßáß7× Ð8Ñ œ ˆÖ8ß8"ßá× Ð7Ñ,

e aplicar o teorema de Fubini em IV.2.9 à família indexada em  ‚ 


constituída pelos B7ß8 ‚ ˆÖ"ß#ßáß7× Ð8Ñ.
Ex IV.2.13 Lembrar que, como se viu no exercício IV.2.3, a função zeta de
Riemann 'À Ó"ß _Ò Ä Ó!ß _Ò está definida por

' Ð! Ñ œ "
_
"
,
8œ"
8!

Verificar que esta função é estritamente decrescente e utilizar o teorema da


convergência dominada para mostrar que
lim ' Ð!Ñ œ ".
!Ä_

Ex IV.2.14 a) Verificar que, para cada : − ,

"
_
"  8:
/  _.
8œ"
8

Sugestão: Calcular a soma ! / : , reparando que se trata de uma série


_ 8

8œ"
geométrica (cf. III.4.35) multiplicada por uma constante.
b) Utilizar o segundo teorema da convergência monótona para mostrar que se
tem

lim "
_
"  8:
/ œ _.
:Ä_
8œ"
8
§3. Somatórios arbitrários de números reais 345

§3. Somatórios arbitrários de números reais.

IV.3.1 (Famílias somáveis de números reais) Se N é um conjunto finito ou

família somável se se tiver ! lB4 l  _. Para uma tal família podemos
infinito de índices dizemos que uma família ÐB4 Ñ4−N de números reais é uma

4−N
então considerar famílias associadas de números reais ÐB 
4 Ñ e ÐB4 Ñ com

(1) ! Ÿ B
4 Ÿ lB4 l, ! Ÿ B4 Ÿ lB4 l, B4 œ B4  B4 ,

definidas por

4 œ œ !, B4 œ œ
B4 , se B4 ! !, se B4 !
(2) B , .
se B4  ! B4 , se B4  !

Tem-se então
"B
4 Ÿ
"lB4 l  _, "B4 Ÿ "lB4 l  _,
4−N 4−N 4−N 4−N

o que nos permite definir o somatório

" B4 − ‘, " B4 œ Š"B


4 ‹Š
"B4 ‹.
4−N 4−N 4−N 4−N

Repare-se que no caso em que o conjunto de índices N é finito esta soma


coincide com a que examinámos na secção IV.1, tendo em conta a terceira
igualdade em (1) e as propriedades básicas das somas finitas (cf. IV.1.9 e
IV.1.14).
Repare-se também que no caso em que o conjunto de índices é arbitrário mas
B4 ! para cada 4, esta soma coincide com a que definimos na secção IV.2,
uma vez que para cada 4 vem B 
4 œ B4 e B4 œ ! .

IV.3.2 (Condição necessária para a somabilidade) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família
somável de números reais. Para cada $  ! existe então uma parte finita

Dem: Tendo em conta a definição da soma ! lB4 l  _ como um supre-


M § N tal que lB4 l  $ para cada 4 − N Ï M . 215

4−N
mo, podemos considerar uma parte finita M § N tal que
" lB4 l  " lB4 l  $,
4−M 4−N

215Comparar com o resultado III.4.33, sobre as séries convergentes.


346 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

e portanto, por ser ! lB4 l œ ! lB4 l  ! lB4 l,


4−N 4−M 4−N ÏM

" lB4 l œ " lB4 l  " lB4 l  $.


4−N ÏM 4−N 4−M

Para cada 4! − N Ï M tem-se então

lB4! l Ÿ " lB4 l  $. 


4−N ÏM

IV.3.3 Se ÐB4 Ñ4−N é uma família somável de números reais, então

¹" B4 ¹ Ÿ "lB4 l.
4−N 4−N

Dem: Tem-se, uma vez que B


4 Ÿ lB4 l,

" B4 œ Š"B
4 ‹Š
"B4 ‹ Ÿ "B4 Ÿ "lB4 l
4−N 4−N 4−N 4−N 4−N

e, uma vez que B


4 Ÿ lB4 l,

" B4 œ Š"B
4 ‹  Š"B4 ‹ Ÿ "B4 Ÿ "lB4 l
 

4−N 4−N 4−N 4−N 4−N

pelo que, uma vez que ¹! B4 ¹ é um dos dois números reais ! B4 e ! B4 ,


4−N 4−N 4−N
concluímos a desigualdade do enunciado. 
IV.3.4 (Mudança no conjunto de índices) Sejam N e O dois conjuntos de

de reais, vem também ! lB:Ð5Ñ l œ ! lB4 l  _ e


índices e :À O Ä N uma função bijetiva. Dada uma família somável ÐB4 Ñ4−N

5−O 4−N

" B4 œ " B:Ð5Ñ .


4−N 5−O

Dem: Temos uma consequência direta da definição e do correspondente


resultado IV.2.3 sobre somatórios de números positivos. 

O lema que examinamos em seguida vai servir para a demonstração da


propriedade de aditividade dos somatórios.

IV.3.5 (Lema) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família somável de números reais e sejam
ÐBw4 Ñ4−N e ÐB4ww Ñ duas família de reais positivos com B4 œ B4w  B4ww para cada 4 e
§3. Somatórios arbitrários de números reais 347

! Bw4  _ e ! B4ww  _. 216 Tem-se então


4−N 4−N

" B4 œ Š"Bw4 ‹  Š"B4ww ‹.


4−N 4−N 4−N

Dem: Considerando as famílias ÐB 


4 Ñ4−N e ÐB4 Ñ4−N utilizadas na definição da
soma, do facto de se ter
B  w ww
4  B4 œ B4 œ B4  B4

deduzimos que B ww w 
4  B4 œ B4  B4 e portanto, tendo em conta IV.2.10,

Š"B
4 ‹Š
"B4ww ‹ œ " ÐB ww
4  B4 Ñ œ
4−N 4−N 4−N

œ " ÐBw4  B4 Ñ œ Š"Bw4 ‹  Š"B4 ‹


4−N 4−N 4−N

donde

" B4 œ Š"B
4 ‹Š
"B4 ‹ œ Š"B4w ‹  Š"B4ww ‹. 
4−N 4−N 4−N 4−N 4−N

IV.3.6 (Aditividade e distributividade) Sejam ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N duas famílias
somáveis de números reais e + − ‘. São então também somáveis as famílias
ÐB4  C4 Ñ4−N e Ð+B4 Ñ4−N e tem-se

" ÐB4  C4 Ñ œ Š"B4 ‹  Š"C4 ‹,

" +B4 œ + " B4 .


4−N 4−N 4−N

4−N 4−N

Em particular concluímos também que é somável a família ÐB4  C4 Ñ4−N e


que

" ÐB4  C4 Ñ œ Š"B4 ‹  Š"C4 ‹.


4−N 4−N 4−N

Dem: O facto de termos famílias somáveis resulta de que


lB4  C4 l Ÿ lB4 l  lC4 l, l+B4 l œ l+llB4 l,

donde

216Estas condições são verificadas pelos B 


4 e pelos B4 utilizados na definição do
somatório.
348 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

" lB4  C4 l Ÿ " ÐlB4 l  lC4 lÑ œ Š"lB4 l‹  Š"lC4 l‹  _,

" l+B4 l œ " l+llB4 l œ l+l"lB4 l  _.


4−N 4−N 4−N 4−N

4−N 4−N 4−N

Reparamos agora que, usando as notações da definição em IV.3.1, as igual-


dades B4 œ B   
4  B4 e C4 œ C4  C4 implicam que

B4  C4 œ ÐB   
4  C4 Ñ  ÐB4  C4 Ñ,

com B 
4  C4 ! , B 
4  C4 !e

"ÐB
4  C4 Ñ œ Š
 "B
4 ‹Š
"C4 ‹  _,
4−N 4−N 4−N

"ÐB4  C4 Ñ œ Š"B 4 ‹  Š"C4 ‹  _,


4−N 4−N 4−N

pelo que, aplicando o lema IV.3.5217,

" ÐB4  C4 Ñ œ Š"ÐB


4  C4 Ñ‹  Š
 "ÐB4  C4 Ñ‹ œ
4−N 4−N 4−N

œ ŠŠ"B 4 ‹  Š"B4 ‹‹  ŠŠ"C4 ‹  Š"C4 ‹‹ œ


4−N 4−N 4−N 4−N

œ Š"B4 ‹  Š"C4 ‹.
4−N 4−N

Analogamente, no caso em que + !, tem-se +B4 œ +B 


4  +B4 com
+B
4 !, +B
4 !e

"Ð+B
4 ќ+
"B4  _, "Ð+B4 Ñ œ +"B4  _
4−N 4−N 4−N 4−N

donde

"+B4 œ Š"+B
4 ‹Š
"+B4 ‹ œ + ŠŠ"B4 ‹  Š"B4 ‹‹ œ +"B4
4−N 4−N 4−N 4−N 4−N 4−N


e, no caso em que +  !, tem-se +B4 œ +B 
4  Ð+B4 Ñ com +B4 0,

+B4 !e

217A necessidade de aplicar o lema vem de que nada nos diz que B 
4  C4 tenha que ser a
 
“parte positiva” de B4  C4 e analogamente para B4  C4 . Isso certamente não acontece,
por exemplo, no caso em que B4  ! e C4  !.
§3. Somatórios arbitrários de números reais 349

"Ð+B
4 Ñ œ +"B4  _,
 "Ð+B4 Ñ œ +"B4  _
4−N 4−N 4−N 4−N

donde

"+B4 œ Š"+B
4 ‹  Š"+B4 ‹ œ

4−N 4−N 4−N

œ + ŠŠ"B 4 ‹  Š"B4 ‹‹ œ +"B4 .


4−N 4−N 4−N

Por fim, as conclusões envolvendo a diferença de duas famílias somáveis


resultam do que já estabelecemos se reparmos que a diferença de dois
números é igual à soma do primeiro com o produto do segundo por ". 
IV.3.7 (Propriedade de monotonia) Sejam ÐB4 Ñ4−N e ÐC4 Ñ4−N duas famílias
somáveis de números reais com C4 Ÿ B4 para cada 4. Tem-se então
" C4 Ÿ " B4 ,
4−N 4−N

tendo-se mesmo ! C4  ! B4 no caso em que exista um índice 4! com


4−N 4−N
C4!  B4! . 218
Dem: Basta atender a que se tem B4 œ C4  ÐB4  C4 Ñ e portanto

" B4 œ Š" C4 ‹  Š"ÐB4  C4 Ñ‹,


4−N 4−N 4−N

onde B4  C4 ! e, no caso em que C4!  B4! , B4!  C4!  !. 


IV.3.8 (Somas totais e somas parciais) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família somável de
números reais. Tem-se então:
a) Para cada N w § N a família ÐB4 Ñ4−N w é também somável.

N8 § N8" para cada 8) tal que N œ - N8 então


b) Se ÐN8 Ñ8− é uma sucessão crescente de subconjuntos de N (isto é, com

8−

" B4 œ lim Š" B4 ‹.


8Ä_
4−N 4−N8

Dem: A conclusão de a) resulta de que, a família ÐB4 Ñ4−N sendo somável,


tem-se

218Trata-se da propriedade que corresponde à enunciada na alínea a) de IV.2.5 no


contexto dos números positivos. É claro que a propriedade correspondente à enunciada na
alínea b) desse resultado não tem paralelo no contexto dos números reais arbitrários.
350 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

" lB4 l Ÿ " lB4 l  _.


4−N w 4−N

Quanto a b), nas notações da definição em IV.3.1, tem-se

" B4 œ Š"B
4 ‹Š
"B4 ‹
4−N 4−N 4−N

onde, como vimos em IV.2.6

" B
4 œ lim Š" B4 ‹, " B4 œ lim Š" B4 ‹
8Ä_ 8Ä_
4−N 4−N8 4−N 4−N8

e portanto

" B4 œ lim ŠŠ" B


4 ‹Š
" B4 ‹‹ œ lim Š" B4 ‹. 
8Ä_ 8Ä_
4−N 4−N8 4−N8 4−N8

IV.3.9 (Séries e famílias somáveis) Seja ÐB8 Ñ8− uma família somável,
indexada no conjunto  dos números naturais. É então convergente a
correspondente série ! B8 e tem-se
_

8œ"

"B8 œ " B8 .
_

8œ" 8−

Dem: Por definição de soma da série (cf. III.4.32), tem-se ! B8 œ lim W:


_

8œ" :Ä_
onde os W: são as somas parciais

W: œ " B8 œ " B8 .Þ
:

8œ" 8−Ö"ßáß:×

Uma vez que os subconjuntos Ö"ß á ß :× de  constituem uma sucessão

somas parciais W: é também igual a ! B8 .


crescente cuja união é , resulta de IV.3.8 que o limite da sucessão das

8−

IV.3.10 (Nota) Ao contrário do que sucedia no contexto dos reais positivos, não
estamos de modo nenhum a afirmar que, no contexto do números reais
arbitrários e quando o conjunto dos índices é , a noção de família somável
seja equivalente à de série convergente. O que o resultado precedente afirma
é que, quando a família é somável, a soma da família coincide com a soma da
série mas pode perfeitamente acontecer que para uma série convergente a
correspondente família de termos não seja somável. Um exemplo típico desta
situação é o da série harmónica alternada (cf. III.4.40) que verificámos ser
convergente e com soma
§3. Somatórios arbitrários de números reais 351

" Ð"Ñ:"
_
" " " "
œ "    â  Ð"Ñ:"  â œ lnÐ#Ñ;
:œ"
: # $ :

No entanto a família dos termos desta série não é somável uma vez que a
soma dos valores absolutos dos seus termos é

"
_
" " " "
œ "    â   â œ _.
:œ"
: # $ :

Às séries que correspondem a famílias somáveis de números reais, isto é,


àquelas cuja soma dos valores absolutos dos termos é finita, costuma-se dar o
nome de séries absolutamente convergentes.
O que estamos a fazer nesta secção é assim desistir provisoriamente de
considerar as séries que são convergentes mas não absolutamente conver-
gentes ganhando com isso a possibilidade de trabalhar no contexto mais
manejável das família somáveis onde, para além de termos mais liberdade no
conjunto de índices, podemos utilizar propriedades como a mudança no
conjunto de índices que não são válidas em geral.

Antes de prosseguirmos o estudo das somas de famílias somáveis, vamos


examinar ainda um resultado que aplica o que temos estudado no contexto
destas à construção de séries convergentes que não são necessariamente
absolutamente convergentes

IV.3.11 (Séries alternadas decrescentes) Seja Ð+8 Ñ8 " uma sucessão decres-
cente (no sentido lato) de reais maiores ou iguais a !. Então:
a) Para a família de números positivos +8  +8" , com 8 ímpar, vem
! Ÿ +"  +# Ÿ " Ð+8  +8" Ñ œ
8 ímpar
œ Ð+"  +# Ñ  Ð+$  +% Ñ  Ð+&  +' Ñ  â Ÿ +"  _.

b) No caso em que se tem, além das hipóteses acima, +8 Ä !, vem conver-


gente a série

" Ð"Ñ:" +: œ +"  +#  +$  +%  â


_

:œ"

(embora não necessariamente absolutamente convergente, como vimos no


exemplo referido na nota IV.3.10), tendo-se

" Ð"Ñ:" +: œ " Ð+8  +8" Ñ,


_

:œ" 8 ímpar

e portanto
352 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

! Ÿ +"  +# Ÿ " Ð"Ñ:" +: Ÿ +" . 219


_

:œ"

Às séries deste tipo é usual dar o nome de séries alternadas decrescentes.


Dem: a) Considerando, para cada : ", o conjunto dos ímpares menores ou

conjunto dos ímpares pelo que, tendo em conta IV.3.8, ! Ð+8  +8" Ñ é o
iguais a #:  ", obtemos uma sucessão crescente de conjuntos cuja união é o

8 ímpar
limite da sucessão que a : associa
W: œ " Ð+8  +8" Ñ.
8 ímpar
8Ÿ#:"

A conclusão de a) resulta então de que, para cada :,


! Ÿ +"  +# Ÿ W: œ Ð+"  +# Ñ  â  Ð+#:"  +#: Ñ œ
œ +"  Ð+#  +$ Ñ  â  Ð+#:#  +#:" Ñ  +#: Ÿ +" .
s 8 a soma parcial de ordem 8 da série alternada decrescente,
b) Notemos W
portanto
s 8 œ +"  +#  +$  +%  â  Ð"Ñ8" +8 .
W

Nas notações utilizadas na prova de a), tem-se, para cada : ", Ws #: œ W: e


s
W #:" œ W:  +#: pelo que, por ser, por mudança de variáveis +#: Ä !,

! Ð+8  +8" Ñ como limite, por outras palavras, mais uma vez por mudança
vemos que as sucessões que a : associam W s #: e W
s #:-1 têm ambas a soma

8 ímpar
de variáveis, as funções ÐWs 8 Ñ8 par e ÐW
s 8 Ñ8 ímpar têm ambas aquela soma como
limite o que, por I.5.8, implica que a sucessão ÐW s 8 Ñ8− tem ainda essa soma
como limite. 
IV.3.12 (Propriedade associativa geral) Seja ÐB4 Ñ4−N uma família somável de
números reais e suponhamos que o conjunto de índices N é uma união, finita
ou infinita, de subconjuntos N" disjuntos dois a dois, onde " − F. Tem-se
então:
" B4 œ " ˆ" B4 ‰,
4−N " −F 4−N"

onde estamos a afirmar, em particular, que cada somatório no segundo


membro corresponde a uma família somável.
Dem: Consideremos as famílias de reais positivos ÐB 
4 Ñ4−N e ÐB4 Ñ4−N

219Ver o exercício IV.3.3, no fim da secção, para desigualdades mais gerais, embora
menos simples, que as enunciadas nestas duas alíneas.
§3. Somatórios arbitrários de números reais 353

referidas na definição do somatório em IV.3.1. Já sabemos que, para cada


" − F , a família ÐB4 Ñ4−N" é somável, tendo-se, por definição,

" B4 œ Š"B
4 ‹Š
"B4 ‹.
4−N" 4−N" 4−N"

Sabemos também que

¹" B4 ¹ Ÿ " lB4 l


4−N" 4−N"

e, lembrando a associatividade no contexto positivo examinada em IV.2.8,


vemos que

" ¹" B4 ¹ Ÿ " Š" lB4 l‹ œ " lB4 l  _,


" −F 4−N" " −F 4−N" 4−N

ou seja a família que a " associa ! B4 é somável, e que


4−N"

" Š"B
4 ‹œ
" B4  _,
" −F 4−N" 4−N

" Š"B 4 ‹ œ " B4  _,


" −F 4−N" 4−N

pelo que, usando mais uma vez o lema IV.3.5, vem

" ˆ" B4 ‰ œ "Š"B


4 ‹
"Š"B4 ‹ œ
" −F 4−N" " −F 4−N" " −F 4−N"

œ Š"B 4 ‹  Š"B4 ‹ œ " B4 . 


4−N 4−N 4−N

Repare-se que para a conclusão do resultado precedente é necessário fazer


a hipótese de a família de todos os elementos envolvidos ser somável.
Pode perfeitamente acontecer que o segundo membro faça sentido (isto é
todos os somatórios correspondam a famílias somáveis) sem que o
primeiro membro o faça. Um exemplo é a família indexada em  que a 8
associa Ð"Ñ8 : Esta família não é somável, uma vez que
" ¸Ð"Ñ8 ¸ œ " " œ _,
8− 8−

juntos N: œ Ö#:  "ß #:× com : −  tendo-se ! Ð"Ñ8 œ "  " œ ! e


e, no entanto, podemos considerar  como a união disjunta dos subcon-

8−N:
portanto
354 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

" Š" Ð"Ñ8 ‹ œ " ! œ !.


:− 8−N: :−

No entanto, no caso em que o conjunto de índices é uma união finita de


subconjuntos, o que acabamos de referir já não pode suceder:

IV.3.13 (Complemento no caso das uniões finitas) No caso em que N œ - N"


" −F
com os N" disjuntos dois a dois e F conjunto finito, dada uma família de
números reais ÐB4 Ñ4−N tal que para cada " − F a família ÐB4 Ñ4−N" seja
somável, podemos concluir que ÐB4 Ñ4−N é somável e portanto, por IV.3.12,
" B4 œ " ˆ" B4 ‰.
4−N " −F 4−N"

Dem: Tendo em conta IV.2.8, vem

" lB4 l œ " Š" lB4 l‹  _


4−N " −F 4−N"

(soma de uma família finita de números positivos). 

Tal como acontecia no contexto dos somatórios com parcelas positivas, a


propriedade de associatividade admite várias consequências importantes.

IV.3.14 (Propriedade de Fubini para somatórios) Sejam N e O dois


conjuntos, finitos ou infinitos, de índices e ÐB4ß5 ÑÐ4ß5Ñ−N ‚O uma família
somável de números reais. Tem-se então
" ˆ" B4ß5 ‰ œ " B4ß5 œ " ˆ" B4ß5 ‰,
4−N 5−O Ð4ß5Ñ−N ‚O 5−O 4−N

onde todos os somatórios correspondem a famílias de números reais que são


somáveis.
Dem: Tal como acontecia em IV.2.9, vamos ter uma consequência da
propriedade associativa com o auxílio de mudanças convenientes nos
conjuntos de índices: Começamos por reparar que, por mudança no conjunto
de índices, podemos concluir que para cada 4 − N fixado tem-se
" B4ß5 œ " B4w ß5 .
5−O Ð4w ß5Ñ−Ö4ׂO

Reparando que N ‚ O é a união disjunta dos subconjuntos Ö4× ‚ O com


4 − N e aplicando a propriedade associativa em IV.3.12 podemos assim
concluir que
§3. Somatórios arbitrários de números reais 355

" ˆ" B4ß5 ‰ œ " ˆ" B4w ß5 ‰ œ " B4w ß5 œ " B4ß5 ,
4−N 5−O 4−N Ð4w ß5Ñ−Ö4ׂO Ð4w ß5Ñ−N ‚O Ð4ß5Ñ−N ‚O

o que prova a primeira igualdade. A prova da segunda é análoga, utilizando


agora o facto de N ‚ O ser a união disjunta dos conjuntos N ‚ Ö5× com
5 − O. 
IV.3.15 (Produto de dois somatórios) Sejam ÐB4 Ñ4−N e ÐC5 Ñ5−O duas famílias
somáveis de números reais. Tem-se
ˆ" B4 ‰ ‚ ˆ" C5 ‰ œ " ÐB4 ‚ C5 Ñ,
4−N 5−O Ð4ß5Ñ−N ‚O

onde a família do segundo membro também é somável.


Dem: Começamos por reparar que, tendo em conta IV.2.14,
" |B4 ‚ C5 | œ " ÐlB4 l ‚ lC5 lÑ œ ˆ" lB4 l‰ ‚ ˆ"l C5 l‰  _,
Ð4ß5Ñ−N ‚O Ð4ß5Ñ−N ‚O 4−N 5−O

o que mostra que a família envolvida no segundo membro também é


somável. Podemos agora, como no caso positivo, escrever
ˆ" B4 ‰ ‚ ˆ" C5 ‰ œ " ˆB4 ‚ " C5 ‰ œ " ˆ" ÐB4 ‚ C5 щ œ

œ "
4−N 5−O 4−N 5−O 4−N 5−O

ÐB4 ‚ C5 Ñ. 
Ð4ß5Ñ−N ‚O

IV.3.16 (Somas parciais e a função indicatriz) Sejam ÐB4 Ñ4−N uma família de
números reais e N w § N e consideremos a correspondente função indicatriz
ˆN w À N Ä Ö!ß "× (cf. IV.2.12). Tem-se então que a família ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ4−N é
somável se, e só se, a família ÐB4 Ñ4−N w for somável e, nesse caso,
" B4 œ " ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ.
4−N w 4−N

Dem: A primeira afirmação é uma consequência de que, como se viu em


IV.2.12,
" lB4 l œ " ÐlB4 l ‚ ˆN w Ð4ÑÑ œ " ÐlB4 ‚ ˆN w Ð4ÑlÑ.
4−N w 4−N 4−N

A segunda resulta da propriedade associativa em IV.3.12, considerando N


como a união disjunta de N w e N Ï N w e reparando que para 4 − N w vem
356 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

B4 ‚ ˆN w Ð4Ñ œ B4 e para 4 − N Ï N w vem B4 ‚ ˆN w Ð4Ñ œ !, portanto


" ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ œ " ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ  " ÐB4 ‚ ˆN w Ð4ÑÑ œ

œ " B4  " ! œ " B4 .


4−N 4−N w 4−N ÏN w


4−N w 4−N ÏN w 4−N w

Mostra a experiência que o teorema da convergência monótona é um


resultado que se aplica essencialmente apenas no contexto das somas de
parcelas positivas. É o teorema da convergência dominada que interessa
generalizar ao contexto dos somatórios gerais de números reais.

infinito, de índices e ÐC4 Ñ4−N uma família de reais positivos com ! C4  _


IV.3.17 (Teorema da convergência dominada) Sejam N um conjunto, finito ou

4−N
(a família dominadora). Consideremos, para cada 4 − N , uma sucessão
04 À  Ä ‘ admitindo limite finito
B4 œ lim 04 Ð8Ñ − ‘
8Ä_

e tal que, para cada 8 − , l04 Ð8Ñl Ÿ C4 (a condição de dominação). São


então somáveis a família ÐB4 Ñ4−N e, para cada 8 − , a família Ð04 Ð8ÑÑ4−N e,
sendo
0 Ð8Ñ œ " 04 Ð8Ñ − ‘,
4−N

tem-se
lim 0 Ð8Ñ œ " B4 ,
8Ä_
4−N

ou seja, é válida a “passagem ao limite”

lim Š" 04 Ð8Ñ‹ œ " Š lim 04 Ð8Ñ‹.


8Ä_ 8Ä_
4−N 4−N

Dem: O facto de para cada 8 −  a família Ð04 Ð8ÑÑ4−N ser somável resulta de
se ter
" l04 Ð8Ñl Ÿ " C4  _.
4−N 4−N

Do mesmo modo, de se ter l04 Ð8Ñl Ä lB4 l concluímos que lB4 l Ÿ C4 e


portanto
§3. Somatórios arbitrários de números reais 357

" lB4 l Ÿ " C4  _


4−N 4−N

pelo que a família ÐB4 Ñ4−N é somável. Reparemos agora que

¹0 Ð8Ñ  " B4 ¹ œ ¹" 04 Ð8Ñ  " B4 ¹ œ ¹" Ð04 Ð8Ñ  B4 ѹ Ÿ

Ÿ " l04 Ð8Ñ  B4 l


4−N 4−N 4−N 4−N

4−N

pelo que, uma vez que para cada 4 − N se tem lim l04 Ð8Ñ  B4 l œ ! e
8Ä_

l04 Ð8Ñ  B4 l Ÿ l04 Ð8Ñl  lB4 l Ÿ #C4 ,

com ! #C4 œ #! C4  _, podemos concluir do teorema da convergência


4−N 4−N
dominada no contexto positivo (cf. IV.2.18)
lim " l04 Ð8Ñ  B4 l œ !
8Ä_
4−N

donde também lim ¹0 Ð8Ñ  ! B4 ¹ œ ! e portanto, por I.5.42,


8Ä_ 4−N

lim 0 Ð8Ñ œ " B4 . 


8Ä_
4−N

O teorema da convergência dominada admite uma generalização trivial,


que é aquela que será aplicada com maior frequência, em que os limites
de sucessões são substituídos por limites de funções num ponto aderente
ao seu domínio.

IV.3.18 (Teorema da convergência dominada para limites de funções) Sejam

positivos com ! C4  _ (a família dominadora). Sejam \ § ‘, + − ‘


N um conjunto, finito ou infinito, de índices e ÐC4 Ñ4−N uma família de reais

4−N
aderente a \ e, para cada 4 − N , 04 À \ Ä ‘ um função admitindo limite
finito
lim 04 ÐBÑ œ B4 − ‘
BÄ+

e verificando l04 ÐBÑl Ÿ C4 para cada B (a condição de dominação). São então


somáveis a família ÐB4 Ñ4−N e, para cada B − \ , a família Ð04 ÐBÑÑ4−N e, sendo

0 ÐBÑ œ " 04 ÐBÑ − ‘,


4−N
358 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

a função 0 À \ Ä ‘ assim definida verifica


lim 0 ÐBÑ œ " B4 ,
BÄ+
4−N

ou seja, é válida a “passagem ao limite”

lim Š" 04 ÐBÑ‹ œ " ˆ lim 04 ÐBщ.


BÄ+ BÄ+
4−N 4−N

Dem: Como na versão para as sucessões, o facto de para cada B − \ a


família Ð04 ÐBÑÑ4−N ser somável resulta de se ter
" l04 ÐBÑl Ÿ " C4  _
4−N 4−N

e o facto de se ter lim l04 ÐBÑl œ lB4 l implica que lB4 l Ÿ C4 , e portanto
BÄ+

" lB4 l Ÿ " C4  _,


4−N 4−N

o que mostra que a família ÐB4 Ñ4−N é somável. O facto de se ter

lim 0 ÐBÑ œ " B4


BÄ+
4−N

resulta agora da caracterização de Heine dos limites (cf. I.5.50) visto que,

vimos em IV.3.17 garante que a sucessão Ð0 Ð?8 ÑÑ tem limite ! B4 .


qualquer que seja a sucessão Ð?8 Ñ de elementos de \ com limite +, o que

4−N

Os dois resultados seguintes, que são consequências simples do teorema


da convergência dominada para limites de funções, vão-nos explicitar
hipóteses sob as quais se podem tirar conclusões sobre a continuidade e
derivabilidade de funções definidas como somatórios de outras.

IV.3.19 (Continuidade dum somatório de funções) Sejam \ § ‘, N um


conjunto de índices arbitrário e, para cada 4 − N , 04 À \ Ä ‘ uma função

! C4  _ tal que para cada 4 − N e B − \ se tenha l04 ÐBÑl Ÿ C4 (a


contínua. Suponhamos que existe uma família ÐC4 Ñ4−N de reais positivos com

4−N
condição de dominação). Fica então bem definida uma função contínua
0 À \ Ä ‘ por
0 ÐBÑ œ " 04 ÐBÑ.
4−N

Dem: O facto de 0 estar bem definida corresponde à afirmação de que, para


§3. Somatórios arbitrários de números reais 359

cada B − \ a família Ð04 ÐBÑÑ4−N é somável e isso é uma das conclusões do

que, para cada + − \ , 0 Ð+Ñ œ ! 04 Ð+Ñ é o limite de 0 ÐBÑ quando B Ä + e


teorema IV.3.18. O facto de a função 0 ser contínua corresponde a afirmar

4−N
isso é mais uma vez uma consequência do mesmo teorema uma vez que, pela
continuidade das funções 04 , cada 04 Ð+Ñ é o limite de 04 ÐBÑ quando B Ä +. 
IV.3.20 (Derivabilidade dum somatório de funções) Sejam \ § ‘ um
intervalo, N um conjunto de índices e, para cada 4 − N , 04 À \ Ä ‘ uma

somável e que existe uma família ÐC4 Ñ4−N de reais positivos com ! C4  _
função derivável. Suponhamos que para cada B − \ a família Ð04 ÐBÑÑ4−N é

4−N
tal que para cada 4 − N e B − \ se tenha l04w ÐBÑl Ÿ C4 (a condição de
dominação). Tem-se então que a função 0 À \ Ä ‘ definida por
0 ÐBÑ œ " 04 ÐBÑ
4−N

é derivável e com
0 w ÐBÑ œ " 04w ÐBÑ
4−N

para cada B − \ .
Dem: Seja + − \ arbitrário. Para cada 4 − N , tem-se
04 ÐBÑ  04 Ð+Ñ
04w Ð+Ñ œ lim
BÄ+ B+
e, lembrando o corolário do teorema de Lagrange em III.2.9 220, tem-se, para
um certo - entre B e +,

¹ ¹ œ l04w Ð-Ñl Ÿ C4 .
04 ÐBÑ  04 Ð+Ñ
B+
Uma vez que

œ"
0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ 04 ÐBÑ  04 Ð+Ñ
,
B+ 4−N
B+

deduzimos agora de IV.3.18 que se tem

œ " 04w Ð+Ñ.


0 ÐBÑ  0 Ð+Ñ
0 w Ð+Ñ œ lim 
BÄ+ B+ 4−N

220É para poder aplicar esse resultado que estamos a exigir que o domínio \ seja um
intervalo.
360 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

Vamos agora dar um exemplo de aplicação dos resultados precedentes a


uma construção estritamente no contexto da Análise Matemática de fun-
ções “gémeas” das funções trigonométricas seno e cosseno, que nos apa-
receram inicialmente como funções definidas num contexto de Geometria
e cujas propriedades foram naturalmente estabelecidas nesse contexto (cf.
o que foi referido em I.4.28). Vamos utilizar para as funções que vamos
construir designações análogas às das funções “gémeas” mas escrevendo a
letra inicial em maiúscula quando for importante sublinhar o contexto em
que estamos a considerá-las.

IV.3.21 (As funções trigonométricas “gémeas”) Para cada B − ‘ podem


definir-se números reais SenÐBÑ e CosÐBÑ como somas das seguintes famílias
somáveis:

SenÐBÑ œ " Ð"Ñ:


B#:" B$ B& B(
œB    â,
:−!
Ð#:  "Ñx $x &x (x

CosÐBÑ œ " Ð"Ñ:


B#: B# B% B'
œ"    â.
:−!
Ð#:Ñx # %x 'x

tendo-se trivialmente SenÐ!Ñ œ ! e CosÐ!Ñ œ " assim como as “propriedades


de paridade”
SenÐBÑ œ SenÐBÑ, CosÐBÑ œ CosÐBÑ.

As funções
SenÀ ‘ Ä ‘, CosÀ ‘ Ä ‘

assim definidas são de classe G _ e verificam


Senw ÐBÑ œ CosÐBÑ, Cosw ÐBÑ œ SenÐBÑ.

Dem: O facto de termos famílias somáveis resulta de que, tendo em conta a


série para a função exponencial referida em III.4.41, vem

" ¹Ð"Ñ: ¹œ" Ÿ"


B#:" lBl8 lBl8
œ /lBl  _
:−!
Ð#:  "Ñx 8−
8x 8−
8x
!
8 ímpar

e, analogamente,

" ¹Ð"Ñ: ¹œ" Ÿ"


B#: lBl8 lBl8
œ /lBl  _.
:−!
Ð#:Ñx 8−
8x 8−
8x
! !
8 par

Para verificarmos a validade dos valores indicados para as derivadas destas


funções (em particular a sua continuidade) basta examinar o que se passa
com a restrição destas funções a intervalos do tipo ÓVß VÒ, com V  !
§3. Somatórios arbitrários de números reais 361

arbitrário, uma vez que, dado + − ‘, podemos escolher V tal que


+ − ÓVß VÒ e então a existência e o valor da derivada no ponto + de uma
função definida em ‘ são equivalentes aos da sua restrição a ÓVß VÒ. 221
Reparemos agora que, definindo para cada 8 − ! a função 08 À ‘ Ä ‘ por
B8
08 ÐBÑ œ ,
8x
estas funções são deriváveis em cada ponto e com 0!w ÐBÑ œ ! e, para 8 ",
08w ÐBÑ œ 08" ÐBÑ. Uma vez que

SenÐBÑ œ " Ð"Ñ: 0#:" ÐBÑ


:−!

onde, para B − ÓVß VÒ

¸Ð"Ñ: 0#:" ÐBѸ œ ¸0#: ÐBѸ Ÿ


w V #:
Ð#:Ñx
e

" œ" Ÿ"


V #: V8 V8
œ /V  _,
:−!
Ð#:Ñx 8− 8x 8−
8x
! !
8 par

deduzimos de IV.3.20 que a função Sen é derivável em cada B − ÓVß VÒ e


com
Senw ÐBÑ œ " Ð"Ñ: 0#:"
w
ÐBÑ œ " Ð"Ñ: 0#: ÐBÑ œ CosÐBÑ.
:−! :−!

Analogamente, uma vez que


CosÐBÑ œ " Ð"Ñ: 0#: ÐBÑ
:−!

onde, para B − ÓVß VÒ, ¸Ð"Ñ! 0!w ÐBѸ œ ! e, se : ",

¸Ð"Ñ: 0#: ÐBѸ œ ¸0#:" ÐBѸ Ÿ


w V #:"
Ð#:  "Ñx
e

221Trata-se de uma propriedade geral da noção de limite já que + não é aderente ao com-
plementar ‘ Ï ÓVß VÒ (cf. a alínea b) de I.5.8).
Mostra a experiência que é frequente não se conseguir aplicar diretamente os resultados
IV.3.19 e IV.3.20 para provar a continuidade ou derivabilidade de funções definidas
como somatórios de outras por não se conseguirem estabelecer globalmente as
necessárias desigualdades de dominação mas que se consegue tornear essa dificuldade à
custa de considerar restrições a subconjuntos convenientes do domínio.
362 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

!" œ" Ÿ"


V #:" V8 V8
œ /V  _,
:−
Ð#:  "Ñx 8− 8x 8−
8x
! !
8 ímpar

deduzimos de IV.3.20 que a função Cos é derivável em cada B − ÓVß VÒ e


com
Cosw ÐBÑ œ !  " Ð"Ñ: 0#:
w
ÐBÑ œ " Ð"Ñ: 0#:1 ÐBÑ œ

œ " Ð"Ñ;" 0#;" ÐBÑ œ SenÐBÑ.


:− :−

;−!

Ficou assim provado que as funções Sen e Cos são deriváveis em cada ponto
e com a derivadas indicadas no enunciado, em particular com derivadas
contínuas e resulta agora por indução em 5 que estas funções são de classe
G 5 para todo o 5 − , ou seja, são de classe G _ . 

Repare-se que, se nos situarmos no contexto geométrico onde as funções


trigonométricas usuais sen e cos foram definidas, o que verificámos em
III.2.14 (ou, alternativamente, os desenvolvimentos em série de Maclaurin
obtidos no exercício III.4.13) mostra-nos que se tem SenÐBÑ œ senÐBÑ e
CosÐBÑ œ cosÐBÑ. Por esse motivo, passado o que estamos a fazer nesta
secção em que o objetivo é sublinhar o diferente ponto de vista em que
nos colocamos, as notações SenÐBÑ e CosÐBÑ serão abandonadas e substi-
tuídas pelas notações usuais senÐBÑ e cosÐBÑ.
Faz naturalmente sentido perguntarmo-nos se será possível verificar que
as funções Sen e Cos verificam propriedades que conhecemos para as
funções “gémeas” sem precisarmos de passar pelo conhecimento destas
últimas. É a verificação de algumas dessas propriedades que faremos a
seguir, notando desde já que, com a exceção de uma delas, não utiliza-
remos explicitamente as caracterizações destas funções como somas das
séries mas apenas as propriedades de derivabilidade referidas em IV.3.21.

IV.3.22 (Relação fundamental entre as funções trigonométicas) Para cada


B − ‘ tem-se
Sen# ÐBÑ  Cos# ÐBÑ œ ",
em particular lSenÐBÑl Ÿ " e lCosÐBÑl Ÿ ".
Dem: Seja 0 À ‘ Ä ‘ a função definida por 0 ÐBÑ œ Sen# ÐBÑ  Cos# ÐBÑ.
Tendo em conta as propriedades de derivabilidade referidas em IV.3.21,
obtemos
0 w ÐBÑ œ #SenÐBÑSenw ÐBÑ  #CosÐBÑCosw ÐBÑ œ
œ #SenÐBÑCosÐBÑ  #CosÐBÑSenÐBÑ œ !
o que nos garante que a função 0 é constante, e portanto
§3. Somatórios arbitrários de números reais 363

Sen# ÐBÑ  Cos# ÐBÑ œ Sen# Ð!Ñ  Cos# Ð!Ñ œ ".


Uma vez que Cos# ÐBÑ ! e Sen# ÐBÑ !, a igualdade precedente implica
que Sen# ÐBÑ Ÿ " e Cos# ÐBÑ Ÿ ", ou seja, lSenÐBÑl Ÿ " e lCosÐBÑl Ÿ ". 
IV.3.23 (Lema — Funções com comportamento semelhante a Sen e Cos)222
Sejam WÀ ‘ Ä ‘ e GÀ ‘ Ä ‘ duas funções deriváveis em cada B − ‘ e com
(1) W w ÐBÑ œ GÐBÑ, G w ÐBÑ œ WÐBÑ.

Existem então duas constantes +ß , − ‘ tais que


WÐBÑ œ +SenÐBÑ  , CosÐBÑ,
(2)
GÐBÑ œ +CosÐBÑ  ,SenÐBÑ,
em particular se for WÐ!Ñ œ ! e GÐ!Ñ œ " tem-se necessariamente
WÐBÑ œ SenÐBÑ e GÐBÑ œ CosÐBÑ.
Dem: Consideremos duas funções auxiliares 0 ß 1À ‘ Ä ‘ definidas por
0 ÐBÑ œ SenÐBÑWÐBÑ  CosÐBÑGÐBÑ,
1ÐBÑ œ CosÐBÑWÐBÑ  SenÐBÑGÐBÑ.

Por derivação, obtemos


0 w ÐBÑ œ CosÐBÑWÐBÑ  SenÐBÑGÐBÑ  SenÐBÑGÐBÑ  CosÐBÑWÐBÑ œ !,
1w ÐBÑ œ SenÐBÑWÐBÑ  CosÐBÑGÐBÑ  CosÐBÑGÐBÑ  SenÐBÑWÐBÑ œ !,

pelo que temos duas funções constantes ou seja, existem +ß , − ‘ tais que
para cada B − ‘
SenÐBÑWÐBÑ  CosÐBÑGÐBÑ œ +,
CosÐBÑWÐBÑ  SenÐBÑGÐBÑ œ ,.
Multiplicando ambos os membros da primeira igualdade por SenÐBÑ, ambos
os membros da segunda por CosÐBÑ e somando os resultados, obtemos
Sen# ÐBÑWÐBÑ  SenÐBÑCosÐBÑGÐBÑ  Cos# ÐBÑWÐBÑ  SenÐBÑCosÐBÑGÐBÑ œ
œ +SenÐBÑ  , CosÐBÑ,

ou seja, tendo em conta IV.3.22, WÐBÑ œ +SenÐBÑ  , CosÐBÑ. A segunda


igualdade em (2), resulta desta última por derivação. Por fim, se for WÐ!Ñ œ !
e GÐ!Ñ œ ", deduzimos de (2) que

222Comparar com a versão análoga para as versões geométricas das funções trigonomé-
tricas estabelecida em III.2.14, versão essa cuja demonstração vai ser praticamente decal-
cada adiante.
364 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

! œ WÐ!Ñ œ +SenÐ!Ñ  ,CosÐ!Ñ œ ,,


" œ GÐ!Ñ œ +CosÐ!Ñ  ,SenÐ!Ñ œ +,
e portanto, mais uma vez por (2), WÐBÑ œ SenÐBÑ e GÐBÑ œ CosÐBÑ. 
IV.3.24 (Propriedades de aditividade e de duplicação) Quaisquer que sejam
Bß C − ‘, tem-se
SenÐB  CÑ œ SenÐBÑCosÐCÑ  CosÐBÑSenÐCÑ,
CosÐB  CÑ œ CosÐBÑCosÐCÑ  SenÐBÑSenÐCÑ.

Em particular, no caso em que tomamos C œ B, obtemos as fórmula habituais


para o argumento duplo
SenÐ#BÑ œ #SenÐBÑCosÐBÑ,
CosÐ#BÑ œ Cos# ÐBÑ  Sen# ÐBÑ œ
œ #Cos# ÐBÑ  " œ
œ "  #Sen# ÐBÑ.

Dem: Consideremos B fixado e definamos funções Wß GÀ ‘ Ä ‘ por


WÐCÑ œ SenÐB  CÑ, GÐCÑ œ CosÐB  CÑ.

Derivando, obtemos
W w ÐCÑ œ CosÐB  CÑ œ GÐCÑ, G w ÐCÑ œ SenÐB  CÑ œ WÐCÑ

pelo que, pelo lema IV.3.23, concluímos a existência de constantes +ß , − ‘


tais que para cada C
SenÐB  CÑ œ WÐCÑ œ +SenÐCÑ  ,CosÐCÑ,
CosÐB  CÑ œ GÐCÑ œ +CosÐCÑ  ,SenÐCÑ,
e, considerando C œ ! nas fórmulas precedentes, verificamos que , œ SenÐBÑ
e + œ CosÐBÑ. 
IV.3.25 (Lema) Para cada ! Ÿ B Ÿ " tem-se CosÐBÑ "# e SenÐBÑ &' B.
Dem: Tendo em conta a propriedade associativa dos somatórios (cf. IV.3.12)
vem

CosÐBÑ œ Š"  ‹Š  ‹âœ


B# B% B'
# %x 'x
œ "Š ‹
B#: B#:#

:−
Ð#:Ñx Ð#:  #Ñx
!
: par

e, uma vez que, sendo ! Ÿ B Ÿ ", tem-se B# Ÿ ", e portanto B#:# Ÿ B#: , e
Ð#:  #Ñx Ð#:Ñx donde
§3. Somatórios arbitrários de números reais 365

B#: B#:#
 !,
Ð#:Ñx Ð#:  #Ñx
concluímos que
B# " "
CosÐBÑ " " œ .
# # #
Analogamente, e aplicando mais uma vez a propriedade associativa, vem

SenÐBÑ œ ŠB  ‹Š  ‹âœ


B$ B& B(
$x &x (x
œ"Š ‹
B#:" B#:$

:−
Ð#:  "Ñx Ð#:  $Ñx
!
: ímpar

e portanto, uma vez que, sendo ! Ÿ B Ÿ ", tem-se B#:$ Ÿ B#:" e


Ð#:  "Ñx Ð#:  "Ñx donde
B#:" B#:$
 !,
Ð#:  "Ñx Ð#:  $Ñx
concluímos que
B$ " &
SenÐBÑ B BÐ"  Ñ œ B. 
' ' '

IV.3.26 (O “gémeo” do Pi) Fica bem definido um real C pela condição de C# ser
o menor elemento do conjunto dos B ! tais que CosÐBÑ œ !. Tem-se então
#  C  % e:
a) SenÐ C# Ñ œ " e CosÐ C# Ñ œ !.
b) A restrição da função Sen a Ò!ß C# Ó é estritamente crescente e com Ò!ß "Ó
como contradomínio. A restrição da função Cos a Ò!ß C# Ó é estritamente
decrescente e com Ò!ß "Ó como contradomínio.
Dem: Vamos dividir a demonstração em várias alíneas:
1) Vamos começar por provar que o conjunto dos B ! tais que CosÐBÑ œ !
admite um mínimo B! e que "  B!  #. Isso provará em particular que C
fica bem definido pela condição do enunciado, tendo-se C œ #B! , e portanto
#  C  %.
Subdem: Tendo em conta a propriedade referida em II.1.14, o conjunto E
dos B ! tais que CosÐBÑ œ !, que pode ser descrito como
E œ ÖB − Ò!ß _Ò ± CosÐBÑ − Ö!××,
é um conjunto fechado, e naturalmente minorado, e portanto, se verificarmos
que ele não é vazio ele vai admitir um mínimo B! , nomeadamente o seu
ínfimo (cf. I.3.18). Ora, tendo em conta o lema IV.3.25 e a propriedade de
366 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

duplicação em IV.3.24, tem-se

CosÐ#Ñ œ "  #Sen# Ð"Ñ Ÿ "  # ‚ ˆ ‰ œ 


& # (
 !,
' ")
pelo que o teorema da Cauchy-Bolzano (cf. II.1.15) garante a existência de
um elemento de E menor que #. Como referimos isso arrasta a existência do
mínimo B! de E, que verifica necessariamente B!  # e o facto de se ter
B!  " resulta do lema referido, que garante que os elementos menores ou
iguais a " não pertencem a E.
2) O facto de se ter C# − E diz-nos que CosÐ C# Ñ œ !. Vamos agora verificar
que a restrição de Sen a Ò!ß C# Ó é estritamente crescente e com Ò!ß "Ó como
contradomínio, em particular que SenÐ C# Ñ œ ".
Subdem: Para cada B − Ò!ß C# Ò tem-se CosÐBÑ  ! visto que, se fosse
CosÐBÑ Ÿ ! o teorema de Cauchy-Bolzano arrastava a existência de
C − Ò!ß BÓ com CosÐCÑ œ !, contrariando o facto de C# ser o mínimo de E. O
facto de se ter Senw ÐBÑ œ CosÐBÑ  ! para cada B − Ó!ß C# Ò implica que a
restrição de Sen a Ò!ß C# Ó é estritamente crescente, em particular SenÐBÑ  !
para cada B − Ó!ß C# Ó. Da igualdade
C C C
" œ Sen# Ð Ñ  Cos# Ð Ñ œ Sen# Ð Ñ
# # #
podemos assim concluir que SenÐ C# Ñ œ " e portanto o contradomínio da
restrição de Sen a Ò!ß C# Ó, que por II.1.16 sabemos ser um intervalo, é neces-
sariamente o intervalo Ò!ß "Ó.
3) Vamos verificar por fim que a restrição da função Cos a Ò!ß C# Ó é estrita-
mente decrescente e com Ò!ß "Ó como contradomínio.
Subdem: Ora o facto de termos uma função estritamente decrescente resulta
de se ter
Cosw ÐBÑ œ SenÐBÑ  !

para cada B − Ó!ß C# Ò e daqui concluímos que o contradomínio da restrição


referida que, como antes, é necessariamente um intervalo, é o intervalo
ÒCosÐ"Ñß CosÐ!ÑÓ œ Ò!ß "Ó. 

É claro que, quando nos situamos no contexto geométrico em que as


funções trigonométricas originais aparecem, podemos concluir que a
constante C definida atrás coincide com a constante 1 definida nesse
contexto. Como acontecia com as notações Sen e Cos para as funções
gémeas de sen e cos, a utilização da maiúscula C restringe-se apenas ao
que fazemos nesta secção e posteriormente passar-se-á a utilizar de novo a
notação 1.
§3. Somatórios arbitrários de números reais 367

IV.3.27 (Fórmulas de “redução ao primeiro quadrante”)


a) Para cada B − ‘ tem-se
C C
SenÐ  BÑ œ CosÐBÑ, CosÐ  BÑ œ SenÐBÑ,
# #
e, em consequência, também
C C
SenÐ  BÑ œ CosÐBÑ, CosÐ  BÑ œ SenÐBÑ.
# #
b) Para cada B − ‘ tem-se
SenÐC  BÑ œ SenÐBÑ, CosÐC  BÑ œ CosÐBÑ,

em particular SenÐCÑ œ ! e CosÐCÑ œ ".


c) Para cada B − ‘ tem-se
SenÐ#C  BÑ œ SenÐBÑ, CosÐ#C  BÑ œ CosÐBÑ,

por outras palavras, as funções Sen e Cos são periódicas com #C como
período.
Dem: Tendo em conta as propriedades de aditividade em IV.3.24, vem
C C C
SenÐ  BÑ œ SenÐ ÑCosÐBÑ  CosÐ ÑSenÐBÑ œ
# # #
œ " ‚ CosÐBÑ  ! ‚ SenÐBÑ œ CosÐBÑ,
C C C
CosÐ  BÑ œ CosÐ ÑCosÐBÑ  SenÐ ÑSenÐBÑ œ
# # #
œ ! ‚ CosÐBÑ  " ‚ SenÐBÑ œ SenÐBÑ

e as segundas fórmulas destacadas em a) resultam das primeiras tendo em


conta as caracterizações de CosÐBÑ e SenÐBÑ em IV.3.21. As fórmulas na
alínea b) resultam das primeiras que foram referidas na alínea a) se reparar-
mos que se tem
C C C C
SenÐC  BÑ œ SenÐ  Ð  BÑÑ, CosÐC  BÑ œ CosÐ  Ð  BÑÑ.
# # # #
Analogamente, as fórmulas em c) resultam das referidas em b) se repararmos
que se tem
SenÐ#C  BÑ œ SenÐC  ÐC  BÑÑ, CosÐ#C  BÑ œ CosÐC  ÐC  BÑÑ.

Tal como acontecia com as funções trigonométricas originais, as funções


Sen e Cos vão admitir restrições injetivas a intervalos convenientes cujas
inversas, importantes nas aplicações, são “gémeas” das funções arcsen e
arccos referidas em II.1.25 e, naturalmente, coincidem com estas quando
nos situamos no contexto geométrico.
368 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

IV.3.28 (As funções trigonométricas inversas) a) Tem-se CosÐBÑ ! para


cada B − Ò C# ß C# Ó e a restrição da função Sen ao intervalo Ò C# ß C# Ó é
estritamente crescente, em particular injetiva, e tem Ò"ß "Ó como contrado-
mínio. Notamos
C C
arcSenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò ß Ó
# #
(ou Sen" Ñ a função inversa desta restrição, que é assim bijetiva e estrita-
mente crescente e portanto contínua (cf. II.1.20). Esta função é derivável em
cada C − Ó"ß "Ò e com

È"  C #
"
arcSenw ÐCÑ œ .

b) Tem-se SenÐBÑ ! para cada B − Ò!ß CÓ e a restrição da função Cos ao


intervalo Ò!ß CÓ é estritamente decrescente, em particular injetiva, e tem
Ò"ß "Ó como contradomínio. Notamos
arcCosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß CÓ
(ou Cos" Ñ a função inversa desta restrição, que é assim bijetiva e estrita-
mente decrescente e portanto contínua. Esta função é derivável em cada
C − Ó"ß "Ò e com

È"  C #
"
arcCosw ÐCÑ œ .

Dem: a) Já verificámos na alínea b) de IV.3.26 que CosÐBÑ ! para cada


B − Ò!ß C# Ó e a identidade CosÐBÑ œ CosÐBÑ implica que o mesmo sucede
para B − Ò C# ß !Ó. Já sabemos que a restrição de Sen a Ò!ß C# Ó é estritamente
crescente a tem Ò!ß "Ó como contradomínio. Daqui deduzimos, tendo em conta
a identidade SenÐBÑ œ SenÐBÑ, que a restrição de Sen a Ò C# ß !Ó é
também estritamente crescente e com Ò"ß !Ó como contradomínio e,
juntando estes dois factos, podemos concluir que a restrição de Sen a
Ò C# ß C# Ó é estritamente crescente e com contradomínio Ò"ß "Ó (reparar que,
no caso em que B  C em Ò C# ß C# Ó com B  ! e !  C, vem
SenÐBÑ  SenÐ!Ñ  SenÐCÑ). A derivabilidade de arcSen em cada
C − Ó"ß "Ò e o valor da sua derivada resultam agora com uma justificação
decalcada pela feita em III.1.24 para a função “gémea” arcsen, onde o facto
de se ter CosÐBÑ  ! para B − Ó C# ß C# Ò é uma consequência de se ter
CosÐBÑ œ CosÐBÑ.
b) Já verificámos na alínea b) de IV.3.26 que SenÐBÑ ! para cada
B − Ò!ß C# Ó e a identidade SenÐCBÑ œ SenÐBÑ œ SenÐBÑ implica que o
mesmo sucede para B − Ò C# ß CÓ. Já sabemos que a restrição de Cos a Ò!ß C# Ó é
estritamente decrescente a tem Ò!ß "Ó como contradomínio. Uma vez que
§3. Somatórios arbitrários de números reais 369

CosÐBÑ œ SenÐB  C# Ñ (uma identidade equivalente à identidade


CosÐ C#  BÑ œ SenÐBÑ) e que a restrição de Sen a Ò!ß C# Ó é estritamente
crescente e com Ò!ß "Ó como contradomínio, vemos que a restrição de Sen a
Ò C# ß CÓ é estritamente decrescente e com Ò"ß !Ó como contradomínio e,
juntando os dois factos, podemos concluir que a restrição de Sen a Ò!ß CÓ é
estritamente decrescente e com contradomínio Ò"ß "Ó. A derivabilidade de
arcCos em cada C − Ó"ß "Ò e o valor da sua derivada resultam agora com
uma justificação decalcada pela feita em III.1.24 para a função “gémea”
arccos, onde o facto de se ter SenÐBÑ  ! para B − Ó!ß CÒ é uma consequência
de se ter SenÐBÑ œ CosÐB  C# Ñ (uma identidade equivalente à identidade
SenÐ C#  BÑ œ CosÐBÑ). 
IV.3.29 (Parametrização da circunferência) Sejam +ß , − ‘ tais que
+#  ,# œ ".223 Existe então um único B − ÓCß CÓ tal que + œ CosÐBÑ e
, œ SenÐBÑ.
Dem: Comecemos por reparar que se tem +# Ÿ " e , # Ÿ ", e portanto + e ,
pertencem a Ò"ß "Ó.
"Ñ Comecemos por supor que , !. Tendo em conta a alínea b) de IV.3.28,
existe um único B − Ò!ß CÓ tal que CosÐBÑ œ + e então, por ser SenÐBÑ ! e
Cos# ÐBÑ  Sen# ÐBÑ œ ", vemos que

SenÐBÑ œ È"  Cos# ÐBÑ œ È"  +# œ ,.

Note-se, além disso, que se tem , œ ! se, e só se, + œ „", portanto se, e só
se, B œ ! ou B œ C e daqui deduzimos, em particular, que o único B − Ò!ß CÓ
tal que CosÐBÑ œ + é também o único B − ÓCß CÓ tal que + œ CosÐBÑ e
, œ SenÐBÑ, já que, se B − ÓCß !Ò, tem-se B − Ó!ß CÒ e portanto
SenÐBÑ œ SenÐBÑ  !.
2) Suponhamos agora que ,  !. O que verificámos em 1) aplicado aos reais
+ e , garante a existência de um único C − Ó!ß CÒ tal que CosÐCÑ œ + e
SenÐCÑ œ , e então tem-se, para o elemento B œ C − ÓCß !Ò,
CosÐBÑ œ CosÐCÑ œ +, SenÐBÑ œ SenÐCÑ œ ,
e este B é o único elemento de ÓCß !Ò (e portanto de ÓCß CÓ) nestas condi-
ções visto que, se Bw − ÓCß !Ò verificasse as mesma propriedades, vinha
Bw − Ó!ß CÒ e
CosÐBw Ñ œ CosÐBw Ñ œ +, SenÐBw Ñ œ SenÐBw Ñ œ , ,

portanto Bw œ C, donde Bw œ C œ B. 

223Interpretando geometricamente, + e , são as coordenadas de um ponto da circunfe-


rência de centro na origem e raio ".
370 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

A função trigonométrica tan também admite uma função “gémea” Tan


definida de maneira análoga àquela mas com as funções Sen e Cos no
lugar de sen e cos. Para simplificar o enunciado, e porque isso é suficiente
para as aplicações mais importantes, vamos considerá-la apenas definida
no intervalo Ó C# ß C# Ò.

IV.3.30 Para cada B − Ó C# ß C# Ò definimos TanÐBÑ − ‘ por


SenÐBÑ
TanÐBÑ œ .
CosÐBÑ

A função TanÀ Ó C# ß C# Ò Ä ‘ assim definida é derivável em todos os pontos B


e com derivada
"
Tanw ÐBÑ œ œ "  Tan# ÐBÑ
Cos# ÐBÑ
e é estritamente crescente e com contradomínio ‘, em particular verifica
lim TanÐBÑ œ _, lim TanÐBÑ œ _.
BÄ C# BÄ C#

Dem: O facto de se ter CosÐBÑ  ! para cada B − Ó C# ß C# Ò é conhecido no


caso em que B ! e para B Ÿ ! é uma consequência da identidade
CosÐBÑ œ CosÐBÑ. Usando as regras de derivação e o conhecimento das
derivadas de Sen e de Cos, obtemos agora
Senw ÐBÑCosÐBÑ  SenÐBÑCosw ÐBÑ
Tanw ÐBÑ œ œ
Cos# ÐBÑ
Cos# ÐBÑ  Sen# ÐBÑ "
œ œ
Cos# ÐBÑ Cos# ÐBÑ
ou, alternativamente,
Cos# ÐBÑ  Sen# ÐBÑ Sen# ÐBÑ
Tanw ÐBÑ œ #
œ" œ "  Tan# ÐBÑ.
Cos ÐBÑ Cos# ÐBÑ
Qualquer das fórmulas obtidas mostra que se tem Tanw ÐBÑ  ! para cada B, e
portanto temos uma função estritamente crescente. O facto de o contrado-
mínio ser ‘ é equivalente ao facto de a função ter os limites referidos quando
B Ä  C# e quando B Ä C# , facto que é consequência de se ter CosÐBÑ  !,
C C
lim SenÐBÑ œ SenÐ Ñ œ ", lim CosÐBÑ œ CosÐ Ñ œ !,
BÄ C# # BÄ C# #
C C
lim SenÐBÑ œ SenÐ Ñ œ ", lim CosÐBÑ œ CosÐ Ñ œ !. 
BÄ C# # BÄ C# #
§3. Somatórios arbitrários de números reais 371

IV.3.31 Tendo em conta as propriedades referidas para a função Tan, podemos


considerar a função inversa desta, notada
C C
arcTanÀ ‘ Ä Ó ß Ò,
# #
que é também contínua e estritamente crescente e tem limites
C C
lim arcTanÐCÑ œ  , lim arcTanÐCÑ œ .
CÄ_ # CÄ_ #
Com justificação decalcada pela feita em III.1.24 para a função “gémea”
arctan, vemos que esta função é derivável em cada C − ‘ e com
"
arcTanw ÐCÑ œ . 224
"  C#

IV.3.32 (Nota sobre o “retorno às origens”) A partir de agora, e como já


referimos anteriormente, vamos voltar a utilizar as notações habituais senÐBÑ,
cosÐBÑ, tanÐBÑ e 1 no lugar das notações SenÐBÑ, CosÐBÑ, TanÐBÑ e C
utilizadas nesta secção quando era importante sublinhar o facto de estarmos a
considerar as definições analíticas em vez das definições geométricas.
Analogamente, voltaremos a utilizar para as funções trigonométricas inversas
as notações arcsenÐBÑ, arccosÐBÑ e arctanÐBÑ em vez de arcSenÐBÑ,
arcCosÐBÑ e arcTanÐBÑ. O que fizémos nesta secção deverá ter sido suficiente
para convencer o estudante que as noções envolvidas podem ser consideradas
como fazendo sentido num contexto puramente analítico, portanto sem
nenhum apelo às respetivas definições geométricas, tanto no que diz respeito
às suas definições como à prova das suas propriedades básicas.
Este retorno às notações habituais aplica-se, em particular, aos exercícios a
seguir.

Exercícios

Ex IV.3.1 Lembrar que, se ! Ÿ <  ", a fórmula para a soma dos termos de uma
série geométrica garante-nos que

" <: œ
"
 _.
:−!
"<

224Valerá a pena referir o facto de só agora sabermos, num contexto puramente analítico,
a existência de uma primitiva para a função “puramente analítica” ‘ Ä ‘ que a C associa
"
"C# . Analoga observação poderia ter sido feita, relativamente à função Ó"ß "Ò Ä ‘ que
a C associa È"C
"
# , a propósito de IV.3.28.
372 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

Tendo isso em conta, mostrar que se B − ‘ verifica lBl  " então

Š" ‹Ð"  BÑ œ B  "


B8 "
B8 ,
8−
8 8 #
8Ð8  "Ñ

ondo os somatórios envolvidos correspondem a famílias somáveis de núme-


ros reais. Nota: Apesar de, como se verificou na alínea b) de III.4.40, o
somatório envolvido no primeiro membro ter como soma lnÐ"  BÑ, isso é
irrelevante para a resolução do exercício, que involve apenas a utilização das
propriedades das famílias somáveis estudadas nesta secção.
Ex IV.3.2 Lembremos que a fórmula para a soma dos termos de uma série
geométrica diz-nos que, se B − ‘ com lBl  ", então

" B: œ "  B  B#  B$  â œ
"
.
8−!
"B

Calcular de duas maneiras distintas o somatório


" B:;
Ð:ß;Ñ−! ‚!

de modo a deduzir a igualdade

" Ð8  "ÑB8 œ
"
.
8−!
Ð"  BÑ#

Ex IV.3.3 (Complementos sobre as desigualdades envolvendo a séries alter-


nadas decrescentes) Seja Ð+8 Ñ8 " uma sucessão decrescente (no sentido
lato) de reais maiores ou iguais a !. Generalizando o que foi estabelecido em
IV.3.11, mostrar que:
a) Para cada : ",
" Ð+8  +8" Ñ Ÿ " Ð+8  +8" Ñ Ÿ " Ð+8  +8" Ñ  +#:" .
8 ímpar 8 ímpar 8 ímpar
8Ÿ#:" 8Ÿ#:$

Sugestão: De preferência a adaptar a demonstração feita para provar o caso


particular na alínea a) do resultado referido, será mais simples utilizar a
propriedade associativa das somas de reais positivos e aplicar as
desigualdades já estabelecidas à sucessão decrescente que a 5 associa
,5 œ +#:#5 .
b) Deduzir de a) que, no caso em que se tem também +8 Ä !, notando
s 8 œ +"  +#  +$  +%  â  Ð"Ñ8" +8
W

a soma parcial de ordem 8 da série alternada decrescente ! Ð"Ñ:" +: ,


_

:œ"
§3. Somatórios arbitrários de números reais 373

tem-se, para cada : ",

s #: Ÿ " Ð"Ñ:" +: Ÿ W
_
W s #:"
:œ"

(a soma da série é maior ou igual a qualquer soma parcial de ordem par e


menor ou igual a qualquer soma parcial de ordem ímpar).
Ex IV.3.4 (Generalidades sobre 'Ð#Ñ)225 Lembrar que, como foi referido no
exercício IV.2.3, tem-se

'Ð#Ñ œ "
" " " "
#
œ"    â,
8−
8 % * "'

onde a soma envolvida é a de uma família somável de números positivos.


Utilizar uma mudança no conjunto de índices para mostrar que

' Ð#Ñ œ " # œ 


" " " " "
 â
% 8−
8 % "' $'
8 par

e deduzir daqui que

' Ð#Ñ œ " # œ "  


$ " " "
 â,
% 8−
8 * #&
8 ímpar

' Ð#Ñ œ " Ð"Ñ8" # œ "   


" " " " "
 â.
# 8−
8 % * "'

Ex IV.3.5 a) (Um lema combinatório) Lembrando a fórmula do binómio de


Newton

Ð+  ,Ñ8 œ " 8G: +: ,8: ,


8

:œ!

onde 8G: œ :xÐ8:Ñx


8x
são os coeficientes combinatórios, deduzir para cada
8 " as identidades

" 8G: œ #8 , " 8G: œ " 8G: œ #8" .


8 8 8

:œ! :œ! :œ!


: ímpar : par

Sugestão: No primeiro caso considerar + œ , œ " e no segundo caso


considerar + œ " e , œ ".
æ b) Lembrar que para cada B − ‘ os reais senÐBÑ e cosÐBÑ podem ser

225Teremos 1#
ocasião de verificar adiante, no exercício IV.3.12, que se tem 'Ð#Ñ œ ' .
374 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

caracterizados como as somas das famílias somáveis de números reais

senÐBÑ œ " Ð"Ñ:


B#:"
,
:−!
Ð#:  "Ñx

cosÐBÑ œ " Ð"Ñ:


B#:
.
:−!
Ð#:Ñx

Calcular de duas maneiras diferentes o somatório

"
B#:" ‚ B#;
Ð"Ñ:;
Ð:ß;Ñ−! ‚!
Ð#:  "ÑxÐ#;Ñx

de modo a obter de novo a fórmula


"
senÐBÑcosÐBÑ œ senÐ#BÑ.
#

Ex IV.3.6 (Visão alternativa sobre a decomposição em série de lnÐ"  BÑ)


a) Verificar que se pode definir uma função :À Ó"ß "Ò Ä ‘ por

:ÐBÑ œ " Ð"Ñ5"


B5 B# B$
œB   â,
5−
5 # $

onde o somatório envolvido é o de uma família somável, e que esta função é


derivável e com
"
:w ÐBÑ œ .
"B
Sugestão: Apesar de não se conseguir aplicar diretamente o resultado de
derivabilidade das funções definidas como somas (cf. IV.3.20), isso já é
possível se considerarmos a restrição de : a um intervalo do tipo Ó<ß <Ò,
onde !  <  " é arbitrário.
b) Deduzir de a) que, para cada B − Ó"ß "Ò
B# B$
lnÐ"  BÑ œ :ÐBÑ œ B    â,
# $
tendo em conta o facto de termos funções com uma mesma derivada e que
coincidem para B œ !.
æ c) Utilizando a propriedade associativa, concluir que se tem, para cada B
em Ò!ß "Ò,

lnÐ"  BÑ œ " 05 ÐBÑ,


5−

onde
§3. Somatórios arbitrários de números reais 375

B#5" B#5
05 ÐBÑ œ  !
#5  " #5
" "
e que cada 05 À Ò!ß "Ò Ä Ò!ß _Ò é crescente e tem limite #5"  #5 quando
B Ä ". Considerando uma sucessão crescente de reais em Ò!ß "Ò com limite ",
utilizar o teorema da convergência monótona (cf. IV.2.16) para deduzir que

lnÐ#Ñ œ " Š ‹,
" "

5−
#5  " #5

onde o somatório é o de uma família somável de parcelas positivas.


æ d) Reobter a partir de c) e de IV.3.11 a decomposição em série226

lnÐ#Ñ œ " Ð"Ñ5"


_
" " " "
œ"   â
5œ"
5 # $ %

(a série é convergente, embora não tenhamos uma família somável).


Ex IV.3.7 (Visão alternativa sobre a decomposição em série de arctanÐBÑ)
a) Verificar que se pode definir uma função :À Ó"ß "Ò Ä ‘ por

:ÐBÑ œ " Ð"Ñ5"


B#5" B$ B&
œB   â,
5−
#5  " $ &

onde o somatório envolvido é o de uma família somável, e que esta função é


derivável e com
"
:w ÐBÑ œ .
"  B#
Sugestão: Apesar de não se conseguir aplicar diretamente o resultado de
derivabilidade das funções definidas como somas (cf. IV.3.20), isso já é
possível se considerarmos a restrição de : a um intervalo do tipo Ó<ß <Ò,
onde !  <  " é arbitrário.
b) Deduzir de a) que, para cada B − Ó"ß "Ò
B$ B&
arctanÐBÑ œ :ÐBÑ œ B    â,
$ &
tendo em conta o facto de termos funções com uma mesma derivada e que
coincidem para B œ !.
æ c) Utilizando a propriedade associativa, concluir que se tem, para cada B
em Ò!ß "Ò,

226Comparar com o que foi feito na alínea c) de III.4.40.


376 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

arctanÐBÑ œ " 05 ÐBÑ,


5−

onde
B%5$ B%5"
05 ÐBÑ œ  !
%5  $ %5  "
" "
e que cada 05 À Ò!ß "Ò Ä Ò!ß _Ò é crescente e tem limite %5$  %5" quando
B Ä ". Considerando uma sucessão crescente de reais em Ò!ß "Ò com limite ",
utilizar o teorema da convergência monótona (cf. IV.2.16) para deduzir que

œ arctanÐ"Ñ œ " Š ‹,
1 " "

% 5−
%5  $ %5  "

onde o somatório é o de uma família somável de parcelas positivas.


æ d) Reobter a partir de c) e de IV.3.11 a decomposição em série227

œ " Ð"Ñ5"
_
1 " " " "
œ"   â
% 5œ"
#5  " $ & (

(a série é convergente, embora não tenhamos uma família somável).


Ex IV.3.8 (Um curso rápido sobre os números complexos) O estudante que
encontrou os números complexos no ensino secundário poderá ter ficado
com a ideia de que eles são algo de misterioso e que não têm nada a ver com
os números reais que temos vindo a estudar neste curso. O objetivo deste
exercício é apontar para uma construção explícita dos números complexos a
partir do números reais, que faz, em particular, com que aqueles se possam
considerar no contexto da Análise Matemática, em que estes têm um papel
central.
Do ponto de vista que nos interessa, um número complexo é simplesmente
um par ordenado Ð+ß ,Ñ de números reais (par esse que se verá em breve
corresponder ao número complexo que é usualmente escrito na forma
+  ,3). No conjunto ‚ dos números complexos define-se uma soma e uma
multiplicação do seguinte modo (que no caso da multiplicação parecerá um
pouco artificial):
Ð+ß ,Ñ  Ð-ß .Ñ œ Ð+  -ß ,  .Ñ,
Ð+ß ,Ñ ‚ Ð-ß .Ñ œ Ð+-  ,.ß +.  ,-Ñ.

Identifica-se ainda cada número real + com o número complexo Ð+ß !Ñ e


usa-se a notação 3 para o número complexo Ð!ß "Ñ.
a) Verificar as propriedades comutativas, associativas e distributiva das
operações atrás definidas228:

227Comparar com o que foi feito no exercício III.4.14.


228Nenhuma das verificações é difícil mas algumas podem exigir alguma paciência.
§3. Somatórios arbitrários de números reais 377

Ð+ß ,Ñ  Ð-ß .Ñ œ Ð-ß .Ñ  Ð+ß ,Ñ,


Ð+ß ,Ñ ‚ Ð-ß .Ñ œ Ð-ß .Ñ ‚ Ð+ß ,Ñ,
ÐÐ+ß ,Ñ  Ð-ß .ÑÑ  ÐBß CÑ œ Ð+ß ,Ñ  ÐÐ-ß .Ñ  ÐBß CÑÑ,
ÐÐ+ß ,Ñ ‚ Ð-ß .ÑÑ ‚ ÐBß CÑ œ Ð+ß ,Ñ ‚ ÐÐ-ß .Ñ ‚ ÐBß CÑÑ,
ÐÐ+ß ,Ñ  Ð-ß .ÑÑ ‚ ÐBß CÑ œ Ð+ß ,Ñ ‚ ÐBß CÑ  Ð-ß .Ñ ‚ ÐBß CÑ.

Verificar ainda que ! œ Ð!ß !Ñ é elemento neutro da soma, que " œ Ð"ß !Ñ é
elemento neutro da multiplicação e que o complexo 3 œ Ð!ß "Ñ verifica
3 ‚ 3 œ Ð"ß !Ñ œ ".

b) Verificar que a identificação de um número real + com o número


complexo Ð+ß !Ñ é compatível com as operações, isto é, que se tem
Ð+ß !Ñ  Ð-ß !Ñ œ Ð+  -ß !Ñ,
Ð+ß !Ñ ‚ Ð-ß !Ñ œ Ð+-ß !Ñ.
Verificar ainda, utilizando estas identificações, as fórmulas
+ ‚ Ð-ß .Ñ œ Ð+-ß +.Ñ,
+  ,3 œ Ð+ß ,Ñ.

c) Para cada complexo D œ Ð+ß ,Ñ œ +  ,3, define-se o seu conjugado


D œ Ð+ß ,Ñ œ +  ,3. Verificar que, dados D œ Ð+ß ,Ñ e A œ Ð-ß .Ñ, tem-se
D  A œ D  A, D‚AœD‚A
e que
D  D œ #+, D ‚ D œ +#  , #
(dois números reais, o segundo dos quais é maior ou igual a ! e é ! apenas
para D œ !).
d) Verificar que, analogamente ao que acontece no contexto dos reais, a
soma e a multiplicação admitem operações inversas (a segunda parcialmente
definida). Mais precisamente, dados D œ +  ,3 e A œ -  .3 existe um
único complexo que somado com A dá D , nomeadamente
D  A œ Ð+  -Ñ  Ð,  .Ñ3
e, no caso em que A Á !, existe um único complexo que multiplicado por A
dá D , nomeadamente
D "
œ ‚ ÐD ‚ AÑ
A A‚A
(a fração no segundo membro refere o inverso de A ‚ A enquanto número
real).
æ e) Define-se o módulo ou valor absoluto do complexo D œ Ð+ß ,Ñ œ +  ,3
por
378 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

lDl œ ÈD ‚ D œ È+#  ,# .
Verificar que, no caso em que D œ Ð+ß !Ñ é real, esta definição coincide com
a de valor absoluto de um número real e que, dados D œ Ð+ß ,Ñ œ +  ,3 e
A œ Ð-ß .Ñ œ -  .3, tem-se
lD ‚ Al œ lDl ‚ lAl, lD  Al Ÿ lDl  lAl.

Sugestão: A igualdade resulta facilmente da caracterização do valor absoluto


que envolve a multiplicação pelo conjugado. A desigualdade tem uma
justificação geométrica simples mas a justificação puramente analítica é um
pouco mais artificiosa. Para a obter, elevar ambos os membros ao quadrado,
simplificar, elevar de novo ambos os membros ao quadrado e justificar e
utilizar a igualdade
Ð+-  ,.Ñ#  Ð+.  ,-Ñ# œ Ð+#  ,# ÑÐ- #  . # Ñ
para concluir que
Ð+-  ,.Ñ# Ÿ Ð+#  ,# ÑÐ- #  . # Ñ.

Ex IV.3.9 (A forma trigonométrica dos números complexos revisitada)

< œ È+#  ,# o seu valor absoluto. Deduzir de IV.3.29 a existência de


a) Seja D œ +  ,3, com +ß , − ‘, um número complexo diferente de ! e seja

! − ‘ tal que
D œ <ÐcosÐ!Ñ  3senÐ!ÑÑ
(forma trigonométrica de D ), número ! esse que pode sempre ser escolhido
em Ó1ß 1Ó.
b) Deduzir das fórmulas de aditividade das funções trigonométricas em
IV.3.24 que se tem
ÐcosÐ!Ñ  3senÐ!ÑÑ ‚ ÐcosÐ" Ñ  3senÐ" ÑÑ œ ÐcosÐ!  " Ñ  3senÐ!  " ÑÑ
e deduzir daqui que
"
œ cosÐ!Ñ  3senÐ!Ñ œ ÐcosÐ!Ñ  3senÐ!ÑÑ.
ÐcosÐ!Ñ  3senÐ!ÑÑ

c) Deduzir de b), por indução em 8 − , a fórmula de Moivre


ÐcosÐ!Ñ  3senÐ!ÑÑ8 œ cosÐ8!Ñ  3senÐ8!Ñ
e concluir seguidamente que esta fórmula é válida, mais geralmente, para
8 − ™.
d) Verificar que para cada ! − ‘ existe um, e um só, : − ™ tal que
!  #:1 − Ó1ß 1Ó e que então, sendo !! œ !  #:1,
§3. Somatórios arbitrários de números reais 379

cosÐ!Ñ  3senÐ!Ñ œ cosÐ!! Ñ  3senÐ!! Ñ.


!1 !1
Sugestão: Se #1 − ™ tomar : œ #1  ", caso contrário tomar

: œ intˆ ‰.
!1
#1
e) Mostrar que, dados !ß " − ‘, tem-se
cosÐ!Ñ  3senÐ!Ñ œ cosÐ" Ñ  3senÐ" Ñ
se, e só se, existe ; − ™ tal que !  " œ #; 1.
Ex IV.3.10 (Soma de 8 termos de uma progressão geométrica de números
complexos) Sejam D e A números complexos, com A Á ", e consideremos a
progressão geométrica de 8 termos com primeiro termo D e razão A, isto é, a
sequência dos 8 números complexos
D ß D ‚ A ß D ‚ A# ß âß D ‚ A8" .
Adaptar trivialmente o que foi feito, no contexto dos reais, em IV.1.15 de
modo a deduzir que, também neste caso, a soma dos termos da progressão é
D ‚ Ð"  A8 Ñ
D  D ‚ A  D ‚ A#  â  D ‚ A8" œ .
"A

æ Ex IV.3.11 (Exemplo de soma de uma série trigonométrica) Seja < − ‘


com l<l  ". Mostrar que, para cada B − ‘, tem-se

" <8 cosÐ#81BÑ œ


_
"  <cosÐ#1BÑ
œ
8œ!
Ð"  <cosÐ#1BÑÑ#  <# sen# Ð#1BÑ
"  <cosÐ#1BÑ
œ ,
"  <#  #<cosÐ#1BÑ
onde a soma no primeiro membro é a de uma família somável de números
reais. Reparar que esta igualdade implica trivialmente que

" <8 cosÐ#81BÑ œ


_
<cosÐ#1BÑ  <#
.
8œ"
"  <#  #<cosÐ#1BÑ

Sugestão: Apesar de a fórmula a demonstrar só envolver números reais, a


sua justificação mais natural passa pela consideração de números complexos.
Reparar que a soma pedida pode ser calculada como o limite para : Ä _
das somas parciais

W: œ " <8 cosÐ#81BÑ,


:

8œ!

e que estas são as partes reais das somas de números complexos


380 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

s : œ " <8 ˆcosÐ#81BÑ  3senÐ#81Bщ,


:
W
8œ!

parcela igual a " e razão <ˆcosÐ#1BÑ  3senÐ#1Bщ. Utilizando a fórmula


que envolvem uma progressão geométrica de :  " parcelas com primeira

para a soma dos termos de uma tal progressão geométrica, e recorrendo ao


método habitual de transformar o denominador num número real, obter a
fórmula
"  <cosÐ#1BÑ  <:" cosÐ#Ð:  "Ñ1BÑ  <:# cosÐ#:1BÑ
W: œ .
Ð"  <cosÐ#1BÑÑ#  <# sen# Ð#1BÑ

#
ææ Ex IV.3.12 ('Ð#Ñ œ 1' ) Tendo presente a definição e as propriedades de
'Ð#Ñ referidas no exercício IV.3.4, verificar que, para cada B − Ò "# ß "# Ó,

"
_
" "
B# œ ' Ð#Ñ  Ð"Ñ8 # # cosÐ#81BÑ
#1 # 8œ"
1 8
1#
e, considerando B œ "# na igualdade anterior, deduzir que se tem ' Ð#Ñ œ ' .
Sugestão generosa: Percorrer sucessivamente os seguintes passos:
a) Definir uma função 0 À ‘ Ä ‘ por

"
_
" "
(1) 0 ÐBÑ œ ' Ð#Ñ  Ð"Ñ8 # # cosÐ#81BÑ,
#1 # 8œ"
1 8

reparar que 0 Ð!Ñ œ ! e que 0 é uma função par e deduzir do resultado


IV.3.19, sobre a continuidade dum somatório, que 0 é uma função contínua.
b) Tendo em conta a paridade e a continuidade de 0 , para estabelecer a
identidade pretendida basta provar que ela é válida quando B toma uma valor
B! arbitrário em Ó!ß "# Ò e para isso bastará provar que, dado $  ! arbitrário,
tem-se l0 ÐB! Ñ  B#! l  $ . No que se segue considerar-se-á B! − Ó!ß "# Ò e $  !
fixados.
c) Para cada !  <  " definir uma função 0< À ‘ Ä ‘ por

"
_
" "
(2) 0< ÐBÑ œ ' Ð#Ñ  Ð"Ñ8 <8 # # cosÐ#81BÑ
#1 # 8œ"
1 8

(comparar com (1)). Utilizar o teorema da convergência dominada para


limites de funções (cf. IV.3.18) para verificar que, para cada B − ‘,
0 ÐBÑ œ lim 0< ÐBÑ
<Ä"

e deduzir do teorema de derivação de somatórios (cf. IV.3.20) e das fórmulas


obtidas no exercício IV.3.11 que cada 0< é duas vezes derivável e com
§3. Somatórios arbitrários de números reais 381

0<w ÐBÑ œ # " Ð<Ñ8


_
"
senÐ#81BÑ,
8œ"
18

0<ww ÐBÑ œ % " Ð<Ñ8 cosÐ#81BÑ


_

8œ"
%<cosÐ#1BÑ  %<#
œ ,
"  <#  #<cosÐ#1BÑ
em particular 0<w Ð!Ñ œ !.
d) Deduzir de c) que, para cada B − Ò!ß B! Ó,
#  #<# #  #<#
l0<ww ÐBÑ  #l œ Ÿ ,
Ð"  <Ñ#  #<Ð"  cosÐ#1BÑÑ #<7
onde 7  ! é o mínimo de "  cosÐ#1BÑ para B − Ò!ß B! Ó. Concluir que se
pode fixar !  <  " de modo que
$ $
l0 ÐB! Ñ  0< ÐB! Ñl  , l0< Ð!Ñl œ l0< Ð!Ñ  0 Ð!Ñl 
$ $
e l0<ww ÐBÑ  #l  $ para cada B − Ò!ß B! Ó e, aplicando a fórmula de Maclaurin
de ordem ", com o resto na forma de Lagrange, à função B È 0< ÐBÑ  B# ,
deduzir que se tem, como se pretendia,
l0 ÐB! Ñ  B#! l Ÿ l0 ÐB! Ñ  0< ÐB! Ñl  l0< ÐB! Ñ  B#! l Ÿ
$ B# #$ $
  l0< Ð!Ñ  Ð0<ww Ð-Ñ  #Ñ ! l    $.
$ # $ )

§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções


analíticas.

IV.4.1 Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números reais, indexada no conjunto ™ !


dos inteiros positivos. A uma tal família fica associada uma função
0 À \ Ä ‘ definida por
(1) 0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â  +: B:  â,
: !

cujo domínio \ será considerado como sendo o conjunto dos B − ‘ para os


quais a soma referida corresponde a uma família somável.229 Repare-se que é
trivial que esse domínio \ inclui, pelo menos, o número real ! (tendo-se

229Por vezes considera-se um domínio que pode ser “ligeiramente” maior, nomeadamente
aquele que é constituído pelos B para os quais se obtém uma série convergente (onde o
382 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

0 Ð!Ñ œ +! ). Dizemos que a função 0 definida por (1) é a função determinada


pela série de potências associada à família Ð+: Ñ: ! (seria mais próprio dizer
“soma de potências” mas o uso consagrou a primeira das expressões) e que
\ é o domínio de somabilidade (ou intervalo de somabilidade230) da série de
potências.
Tal como acontecia quando introduzimos a noção de série em III.4.32,
podemos considerar que a série de potências é simplesmente a família
Ð+: Ñ: ! mas ao referi-la como série de potências queremos significar que é a
função associada 0 que nos interessa sendo então frequente referirmos a série
de potências pela expressão
" +: B: ,
: !

ou
+!  +" B  +# B#  â  +: B:  â

podendo naturalmente omitir-se o coeficente +: no caso em que este seja ".


Esta expressão também designa o valor da função 0 associada num ponto B
do domínio \ , sendo normalmente claro do contexto em qual dos dois
sentidos a utilizamos (comparar mais uma vez com o que foi dito em III.4.32,
no contexto das séries, a propósito da notação ! ?5 ).
_

5œ"

IV.4.2 É cómodo, com frequência, considerar como séries de potências certas


somas do mesmo tipo mas em que o conjunto dos índices é uma parte própria
de ™ ! , como, por exemplo,

" " B: .
" :
B ou
: &
: : ímpar

Ao fazê-lo, estamos a subentender que consideramos a série de potências


cujos coeficientes correspondentes aos índices não explicitados são todos
iguais a !. Repare-se que, tendo em conta as propriedades de associatividade
dos somatórios (cf. IV.3.13), o intervalo de somabilidade da série de potên-
cias que está implícita coincide com o conjunto dos B para os quais a família
explicitada é somável e, para os valores de B nesse intervalo, o valor em B da
função associada coincide com a soma da família explicitada (a soma dos
termos omitidos é igual a !).
Como caso particular deste tipo de séries de potências com um conjunto de
índices estritamente contido em ™ ! temos aquele em que o conjunto de
índices é finito (trata-se, de certo modo, de séries de potências “degene-

termo de ordem 8 é +8" B8" ), mas não é o que faremos adiante. Pelo contrário, não há
inconveniente, e por vezes é útil, em considerar por restrição um domínio mais reduzido.
230Vamos verificar em IV.4.3 que se trata de um intervalo.
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 383

radas”). É claro que, para uma tal série de potências o domínio de somabi-
lidade é ‘ e a função ‘ Ä ‘ que ela define é uma função polinomial.
IV.4.3 (O raio de convergência) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números reais e
consideremos a correspondente série de potências
" +: B: .
: !

Seja e a classe dos reais < ! tais que o conjunto dos l+: l<: , com : !, é
majorado. Tem-se então que e é um intervalo com elemento mínimo ! e,
sendo ! Ÿ V Ÿ _ o supremo de e, o intervalo de somabilidade \ da
série de potências é um dos intervalos ÓVß VÒ ou ÒVß VÓ. Dizemos que V
é o raio de convergência (ou raio de somabilidade) da série de potências.
Dem: É imediato que ! − e, sendo portanto o mínimo de e. O facto de e
ser um intervalo resulta de que, se < − e e ! Ÿ <w Ÿ <, então vem também
<w − e, por ser l+: l<w : Ÿ l+: l<: , para cada :. Vamos dividir em três partes a
justificação de que o intervalo de somabilidade \ é efetivamente um dos
intervalos indicados.
1) Suponhamos que B pertence ao intervalo de somabilidade \ da série de
potências. O que vimos em IV.3.2 garante a existência de uma parte finita M
de ™ ! tal que l+: B: l Ÿ " para cada : Â M e então o máximo entre " e o
maior dos reais l+: B: l com : − M é um majorante do conjunto dos
l+: llBl: œ l+: B: l. Concluímos assim lBl é um dos elementos de e, portanto
lBl Ÿ V.
2) Suponhamos agora que lBl  V . Podemos então considerar < − e tal que
lBl  <, portanto lBl <  ". Considerando Q ! tal que, para cada : !,
l+: l<: Ÿ Q , vemos agora, reparando que ™ ! é a união da sucessão
crescente de subconjuntos Ö!ß "ß á ß 8× com 8 − ™ ! e lembrando a fórmula
para a soma dos termos de uma progressão geométrica, que

" l+: B: l œ "l+: llBl: œ " l+: l <: Š ‹ Ÿ "Q Š ‹ œ


lBl : lBl :
: ! : ! : !
< : !
<

Q Š"  Š < ‹ ‹
8"

œ lim " Q Š ‹ œ lim


lBl
8
lBl :
œ
8Ä_
:œ!
< 8Ä_ "  lBl <
Q
œ lBl
 _,
" <

por outras palavras, a família dos +: B: é somável, ou seja, B − \ .


3) Verificámos assim que ÓVß VÒ § \ § ÒVß VÓ, e portanto, uma vez que
B − \ Í B − \ (por ser l+: B: l œ l+: ÐBÑ: l), \ é um dos intervalos
ÒVß VÓ ou ÓVß VÒ, conforme V pertença ou não a \ . 
384 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

IV.4.4 (Nota) O mesmo raciocínio que foi feito na parte 1) da demonstração,


mas utilizando III.4.33 em vez de IV.3.2, mostra que se a família dos +: B:
definir uma série convergente (mesmo que não tenhamos uma família
somável), tem-se ainda B − ÒVß VÓ. O domínio “ligeiramente maior” refe-
rido na nota de pé de página 229 (a que se costuma dar o nome de domínio
de convergência ou intervalo de convergência) só pode assim ser diferente
do intervalo de somabilidade \ quando este último for o intervalo aberto
ÓVß VÒ, com V  _. Nesse caso, aquele pode ser qualquer dos intervalos
ÓVß VÒ, ÓVß VÓ, ÒVß VÒ ou ÒVß VÓ (o domínio de convergência já não é
necessariamente simétrico). Fica assim explicada a palavra “ligeiramente”
que aparece na referida nota de pé de página.

Vamos agora estudar alguns critérios que permitem com frequência deter-
minar de forma mais efetiva o raio de convergência de uma série de
potências. O primeiro critério será estudado em IV.4.5 numa versão com
hipóteses desnecessariamente fortes, tendo em atenção o estudante que se
sinta atemorizado com a noção de sublimite superior de uma sucessão
que, apesar de introduzida neste texto na secção I.6, não foi muito
utilizada desde essa introdução. Estudaremos adiante em IV.4.8 a versão
mais geral deste critério que, do ponto de vista formal, torna inútil o
resultado particular IV.4.5.

IV.4.5 (Critério da raíz) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números reais e conside-
remos a correspondente série de potências
" +: B: .
: !

Suponhamos que existe o limite

lim Él+: l œ + − Ò!ß _Ó.


:

:Ä_
: "

Tem-se então:
a) Se + − Ó!ß _Ò, então o raio de convergência da série de potências é
V œ +" .
b) Se + œ !, então o raio de convergência da série de potências é V œ _,
por outras palavras, o intervalo de somabilidade é ‘.
c) Se + œ _, então o raio de convergência da série de potências é V œ !,
por outras palavras, o intervalo de somabilidade é Ö!×.
Dem: Vamos dividir a demonstração em várias partes:
1) Vamos começar por provar que, se +  _ e < ! é tal que <+  ",
então o conjunto dos l+: l<: , com : !, é majorado, isto é, nas notações de
IV.4.3, < − e.
Subdem: Uma vez que
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 385

lim <Él+: l œ <+  ",


:

:Ä_
: "

" e deduzir a existência de :! " tal que, para cada : :! , <È


podemos considerar uma vizinhança de <+ constituída por reais menores que
:
l+: l  ", e
portanto também

l+: l <: œ Š<Él+: l‹  ".


:
:

O máximo entre " e o maior dos l+: l <: com :  :! é assim um majorante do
conjunto de todos os l+: l <: .
2) Vamos agora mostrar que, se + œ _ e <  ! ou se +  _ e <+  ",
então < Â e.
Subdem: Em ambos os casos tem-se

lim <Él+: l  "


:

:Ä_
: "

(no primeiro caso o limite é _ e no segundo caso é <+) pelo que podemos
fixar , − ‘ tal que

lim <Él+: l  ,  "


:

:Ä_
: "

vemos que existe :! " tal que, para cada : :! , <È


e, considerando uma vizinhança do limite constituída por reais maiores que , ,
:
l+: l  , , e portanto
também

l+: l <: œ Š<Él+: l‹  ,: .


:
:

Uma vez que , : Ä _ concluímos que se tem também l+: l <: Ä _, em
particular o conjunto dos l+: l <: não é majorado e portanto < Â e.
3) Vamos agora verificar como as conclusões de 1) e 2) implicam as afirma-
ções feitas no enunciado.
Comecemos por examinar o caso em que !  +  _. O que vimos em 1)
implica que V +" visto que, se isso não acontecesse, podíamos considerar <
com V  <  +" e então, por ser <+  ", vinha < − e, contrariando o facto
de < ser maior que o supremo V de e. O que vimos em 2) implica que para
cada < − e tem <+ Ÿ ", donde < Ÿ +" e daqui resulta que o supremo V de e
verifica também V Ÿ +" , e portanto V œ +" .
Examinemos agora o caso em que + œ !. Para cada < ! em ‘ tem
<+ œ !  " pelo que, tendo em conta o que foi visto em 1), < − e, o que
implica que e œ Ò!ß _Ò e V œ _.
386 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

Examinemos enfim o caso em que + œ _. O que vimos em 2) diz-nos que


se tem <  e para cada <  !, e portanto e œ Ö!× e V œ !. 
IV.4.6 (Critério da razão) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números reais, com
+: Á !, e consideremos a correspondente série de potências
" +: B: .
: !

Suponhamos que existe o limite


l+: l
lim œ V − Ò!ß _Ó.
:Ä_ l+:" l

Tem-se então que V é o raio de convergência da série de potências.


Dem: Considerando o inverso da sucessão referida, restrita a , vemos que
l+:" l
lim œ + − Ò!ß _Ó,
:Ä_ l+: l
: "

com + œ V" , se V − Ó!ß _Ò, + œ _, se V œ !, e + œ !, se V œ _,


pelo que, tendo em conta II.2.19, tem-se também

lim Él+: l œ +.
:

:Ä_
: "

A conclusão resulta agora diretamente de IV.4.5. 


IV.4.7 (Exemplos) a) Consideremos a série de potências

"
"
B: .
: !
:"

O critério mas simples de aplicar para determinar o raio de convergência é o


da razão. Com efeito
"
+: :" :#
lim œ lim "
œ lim œ ",
:Ä_ +:" :"
:#

o que nos permite concluir que o raio de convergência é ". Uma vez que,
para B œ ", obtemos a soma

" œ " œ _,


" "
: !
:  " 8− 8

concluímos que o intervalo de somabilidade desta série é Ó"ß "Ò.


b) Consideremos a série de potências
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 387

"
" :
B .
: $
:#

Mais uma vez o critério da razão é o mais fácil de utilizar, embora tenhamos
que ter algum cuidado uma vez que este pressupõe que os coeficientes +: são
todos diferentes de ! e neste caso +! œ +" œ +# œ !. O que podemos fazer
para ultrapassar esta dificuldade é reparar que, tendo em conta as
propriedades de associatividade (cf. IV.3.13) os valores de B para os quais

qualquer família ! +: B: com +: œ :"# para : $ podendo, por exemplo,


esta família é somável coincidem com aqueles para os quais é somável

: !
considerar-se aquela com +! œ +" œ +# œ ", que são diferentes de !.
Obtemos então
"
+: +: :# Ð:  "Ñ#
lim œ lim œ lim "
œ lim œ"
:Ä_ +:" :Ä_ +:" :Ä_
Ð:"Ñ#
:Ä_ :#
: $ : $ : $

e, uma vez que, para B œ ", ! "


:#  _, como já verificámos em vários
: $
exercícios, concluímos que o intervalo de somabilidade da série é Ò"ß "Ó.
c) Consideremos a série de potências

"
" :
B .
: !
:x

Tem-se
"
+: :x
lim œ lim "
œ lim Ð:  "Ñ œ _
:Ä_ +:"
Ð:"Ñx

pelo que, mais uma vez pelo critério da razão, o intervalo de somabilidade é
‘. Este resultado não é de espantar, tendo em conta o estudo da série de
Maclaurin da função exponencial feito em III.4.41. Note-se que, se
quisermos ser cuidadosos, e uma vez que as séries foram então estudadas
tendo  como conjunto de índices, devemos utilizar uma mudança de
índices:

" B œ"
" : "
B8" œ /B .
: !
:x 8−
Ð8  "Ñx

d) Consideremos a série de potências


" :x B: .
: !

Tem-se
388 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

+: :x "
lim œ lim œ lim œ!
:Ä_ +:" Ð:  "Ñx :"

pelo que, ainda pelo critério da razão, o intervalo de somabilidade é Ö!×.


e) Consideremos agora a série de potências
" +: B: ,
: !

onde

+: œ  # "
"
:, se : é par
,
#:# , se : é ímpar

série cujos primeiros termos são assim


" " " " " & "
"  B  B#  B$  B%  B  B'  â.
) % $# "' "#) '%
Tem-se

œœ"
+: ), se : é par
,
+:" #, se : é ímpar
+:
o que mostra que a sucessão das razões +:" admite os sublimites distintos ) e
"
e não tem assim limite. O critério da razão não é portanto aplicável.
#
Podemos, no entanto, aplicar o critério da raíz para determinar o raio de
convergência: Tem-se, para cada : ",

É
"
l+: l œ  " :#
#, se : é par
ˆ#‰ : ,
:

se : é ímpar

pelo que a sucessão destas raízes tem limite "# , por isso suceder às suas
restrições ao conjunto dos pares maiores ou iguais a # e ao conjunto dos
ímpares. Podemos assim concluir que esta série tem raio de convergência
igual a #. De facto, é fácil concluir que o intervalo de somabilidade é o
intervalo aberto Ó#ß #Ò visto que quando se substitui B por # obtém-se uma
família que a cada : associa ", se : é par, e "% , se : é ímpar, família que não é
somável por ter todos os termos maiores a iguais a "% (alternativamente, por
ter infinitos termos maiores ou iguais a ").
IV.4.8 (Critério da raíz revisitado) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números reais
e consideremos a correspondente série de potências
" +: B: .
: !
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 389

Consideremos o sublimite máximo

lim sup Él+: l œ + − Ò!ß _Ó .231


:

:Ä_
: "

Tem-se então:
a) Se + − Ó!ß _Ò, então o raio de convergência da série de potências é
V œ +" .
b) Se + œ !, então o raio de convergência da série de potências é V œ _,
por outras palavras, o intervalo de somabilidade é ‘.
c) Se + œ _, então o raio de convergência da série de potências é V œ !,
por outras palavras, o intervalo de somabilidade é Ö!×.232
Dem: Vamos dividir a demonstração em várias partes:
1) Vamos começar por provar que, se +  _ e < ! é tal que <+  ",
então o conjunto dos l+: l<: , com : !, é majorado, isto é, nas notações de
IV.4.3, < − e.
Subdem: Tendo em conta a caracterização do sublimite máximo de uma
sucessão na alínea a) de I.6.10, podemos definir, para cada : "
,: œ sup ˜È
5
l+5 l™5 :

e então a sucessão dos ,: é decrescente e com + como ínfimo do conjunto


dos seus termos. Afastando já o caso trivial em que < œ ! (sabemos que
! − e), o facto de se ter +  "< implica a existência de :! " tal que ,:!  "<
e então para cada : :! vem

É
: "
l+: l Ÿ ,: Ÿ ,:!  ,
<
donde <È
:
l+: l  ", e portanto também

l+: l <: œ Š<Él+: l‹  ".


:
:

O máximo entre " e o maior dos l+: l <: com :  :! é assim um majorante do
conjunto de todos os l+: l <: .
2) Vamos agora mostrar que, se + œ _ e <  ! ou se +  _ e <+  ",
então < Â e.
Subdem: Vamos utilizar o facto de o sublimite máximo, como qualquer
sublimite, ser o limite da restrição da sucessão a um subconjunto M de  ao
qual _ é aderente, isto é, um subconjunto infinito de . Em ambos os
casos tem-se

231Este,ao contrário do limite em IV.4.5, pode sempre ser considerado. É claro que,
quando existe limite, o limite coincide com o sublimite máximo.
232Reapre-se que as conclusões são exatamente as mesmas que em IV.4.5.
390 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

lim <Él+: l  "


:

:Ä_
:−M

(no primeiro caso o limite é _ e no segundo caso é <+) pelo que podemos
fixar , − ‘ tal que

lim <Él+: l  ,  "


:

:Ä_
:−M

vemos que existe :! − M tal que, para cada : :! em M , <È


e, considerando uma vizinhança do limite constituída por reais maiores que , ,
:
l+: l  ,, e
portanto também

l+: l <: œ Š<Él+: l‹  ,: .


:
:

Uma vez que


lim , : œ _,
:Ä_
:−M

concluímos que se tem também


lim l+: l <: œ _,
:Ä_
:−M

em particular o conjunto dos l+: l <: não é majorado e portanto < Â e.


3) Vamos agora verificar como as conclusões de 1) e 2) implicam as afirma-
ções feitas no enunciado.233
Comecemos por examinar o caso em que !  +  _. O que vimos em 1)
implica que V +" visto que, se isso não acontecesse, podíamos considerar <
com V  <  +" e então, por ser <+  ", vinha < − e, contrariando o facto
de < ser maior que o supremo V de e. O que vimos em 2) implica que para
cada < − e tem <+ Ÿ ", donde < Ÿ +" e daqui resulta que o supremo V de e
verifica também V Ÿ +" , e portanto V œ +" .
Examinemos agora o caso em que + œ !. Para cada < ! em ‘ tem
<+ œ !  " pelo que, tendo em conta o que foi visto em 1), < − e, o que
implica que e œ Ò!ß _Ò e V œ _.
Examinemos enfim o caso em que + œ _. O que vimos em 2) diz-nos que
se tem <  e para cada <  !, e portanto e œ Ö!× e V œ !. 

233Esta parte da demonstração é decalcada, sem qualquer modificação, da correspondente


parte da demonstração de IV.4.5.
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 391

IV.4.9 (Exemplo) Consideremos a série de potências

"
" " "
B#8" œ B  B$  B&  â,
8−
#8  " $ &

ou seja, a definida pela família Ð+: Ñ: ! com +: œ ! se : é par e +: œ :" se : é


ímpar. Vamos determinar o intervalo de somabilidade desta série de dois

1) Para cada : ", tem-se È l+: l œ ! se : é par e È


modos distintos.
: :
l+: l œ É
: "
: se : é

ímpar. Uma vez que, para a sucessão É


: "
: , com : − , tem-se

"
:" :
"
œ Ä ",
:
:"

concluímos, por II.2.19, que É : "


: Ä ". Vemos assim que a restrição da
sucessão dos Èl+: l, com : ", tem uma restrição ao conjunto dos ímpares
:

com limite " e uma restrição ao conjunto dos pares identicamente !, e


portanto com limite !, o que nos permite concluir que esta sucessão não tem
limite mas tem ! e " como únicos sublimites (cf I.6.6), tendo-se assim

lim sup Él+: l œ ".


:

: "

Podemos assim utilizar a versão do critério da raíz em IV.4.8 para deduzir


que o raio de convergência desta série de potências é igual a ". De facto,
podemos afirmar que o intervalo de somabilidade é o intervalo aberto Ó"ß "Ò
visto que, tomando B œ ", obtém-se a soma de números positivos
" " "
"   â
$ & (
que é infinita uma vez que, se fosse finita também o seria a soma, com os
termos majorados pelos daquela,
" " " "
   â
# % ' )
o que arrastava, pela propriedade associativa, que era finita a soma da série
harmónica
" " "
"    â,
# $ %
o que sabemos não acontecer.
2) Há uma maneira alternativa de determinar o intervalo de somabilidade
desta série de potências. Começamos por observar que este intervalo coincide
com o intervalo de somabilidade da série de potências
392 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

"
" " "
B#8# œ "  B#  B%  â
8−
#8  " $ &

visto que ! está em qualquer intervalo de somabilidade e, se B Á !, cada uma


das somas se obtém da outra multiplicando-a por uma constante ÐB ou B" ).
Ora, esta última pode ser obtida a partir da soma

" C8" œ "


" "
C:
8−
#8  " : !
#:  "

substituindo C por B# . Uma vez que esta última pode ser estudada muito
facilmente por utilização do critério da razão, concluindo-se que o seu
intervalo de somabilidade é Ó"ß "Ò (ter-se-ia que fazer um estudo análogo ao
feito no método referido em 1) para deduzir que o intervalo é aberto),
podemos concluir que o intervalo de somabilidade da série de que partimos é
constituído pelos B tais que B# − Ó"ß "Ò, sendo assim também o intervalo
Ó"ß "Ò.
IV.4.10 (Continuidade nas séries de potências) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de
números reais, indexada no conjunto ™ ! dos inteiros positivos e a
correspondente função 0 À \ Ä ‘ definida por
(1) 0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â  +: B:  â,
: !

cujo domínio \ é o intervalo de somabilidade da série. Tem-se então que 0 é


uma função contínua.
Dem: Vamos começar por supor que o intervalo de somabilidade \ é

de potências. Tem-se assim ! C:  _, para C: œ l+: lV : . Tem-se então,


fechado, isto é, que \ œ ÒVß VÓ, onde V é o raio de convergência da série

para cada B − \ , 0 ÐBÑ œ ! 0: ÐBÑ, onde as funções 0: À \ Ä ‘, definidas


: !

: !
por 0: ÐBÑ œ +: B: , são contínuas e verificam l0: ÐBÑl Ÿ C: . Aplicando
IV.3.19, podemos assim concluir que 0 À \ Ä ‘ é uma função contínua.
Vamos agora supor que o intervalo de somabilidade \ é aberto, isto é, que
\ œ ÓVß VÒ. Provemos a continuidade de 0 num ponto B! − \ arbitrário.
Fixemos < tal que lB! l  <  V . Sendo & œ <  lB! l  !, a vizinhança
Z& ÐB! Ñ está contida em Ó<ß <Ò e não intersecta assim o conjunto \ Ï Ó<ß <Ò.
Para provar a continuidade em B! de 0 basta assim provar a continuidade em

início da demonstração, de IV.3.19 uma vez que ! C:  _, para


B! da restrição de 0 a Ó<ß <Ò. Ora isso resulta, como no caso examinado no

: !
C: œ l+: l<: , onde as funções contínuas restrições de 0: a Ó<ß <Ò verificam
l0: ÐBÑl Ÿ C: , para cada B − Ó<ß <Ò. 
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 393

IV.4.11 (Série de potências derivada) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de números


reais, indexada no conjunto ™ ! dos inteiros positivos e consideremos a
correspondente série de potências
" +: B: œ +!  +" B  +# B#  â.
: !

Chamamos série de potências derivada desta à série


+"  #+# B  $+$ B#  â,
isto é, à correspondente à família Ð,: Ñ: ! com ,: œ Ð:  "Ñ+:" .
Tem-se então que estas duas séries de potências têm o mesmo raio V de
convergência e, sendo \ e \ w , respetivamente, os seus intervalos de
somabilidade, tem-se \ w § \ . Em particular, o único caso em que se tem
\ Á \ w é aquele em que !  V  _, \ œ ÒVß VÓ e \ w œ ÓVß VÒ.
Dem: Sejam V e V w , respetivamente, os raios de convergência da série de
potências original e da série derivada.
Comecemos por mostrar que \ w § \ . Ora, se B − \ w , tem-se
" Ð:  "Ñl+:" B: l œ " l,: B: l  _
: ! : !

donde também
" l+8 B8 l œ " l+:" B:" l Ÿ " Ð:  "Ñl+:" B:" l œ

œ lBl " Ð:  "Ñl+:" B: l  _


8 " : ! : !

: !

e portanto
" l+8 B8 l œ l+! l  " l+8 B8 l  _,
8 ! 8 "

ou seja, B − \ . Em particular, sabemos já que V w Ÿ V .


Para mostrar a igualdade dos dois raios de convergência vamos supor, por

V w  B  C  V . Uma vez que È


absurdo, que se tem V w  V . Podemos então considerar Bß C − ‘ tal que
8 Ä ", por ser 8"
podemos concluir que È8 B Ä B e portanto, considerando uma vizinhança
8 Ä " (cf. II.2.19),
8

8! " tal que para cada 8 8! venha È


de B constituída por reais menores que C, podemos garantir a existência de
8
8 B  C , o que, por ser C − \ ,
implica que

" 8 l+8 l B8 œ " l+8 l ŠÈ 8 B‹ Ÿ " l+8 C8 l Ÿ " l+8 C8 l  _


8
8

8 8! 8 8! 8 8! 8 !
394 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

e portanto

" l,: B: l œ " Ð:  "Ñl+:" lB:" œ " 8l+8 lB8 œ


" "
: !
B: ! B8 "

" 8l+8 lB8  " 8l+8 lB8  _Þ


8 "
" ! "
œ
B 8œ" B 8 8!

Chegámos assim à conclusão que B − \ w , que é absurdo, uma vez que


B  Vw . 
IV.4.12 (Derivabilidade nas séries de potências) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de
números reais e consideremos a correspondente série de potências
" +: B: œ +!  +" B  +# B#  â
: !

e a série de potências derivada


+"  #+# B  $+$ B#  â œ " Ð:  "Ñ+:" B:
: !

assim como as correspondentes funções 0 À \ Ä ‘ e 1À \ w Ä ‘ definidas


por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,

1ÐBÑ œ " Ð:  "Ñ+:" B: œ +"  #+# B  $+$ B#  â,


: !

: !

cujos domínios \ e \ w são os respetivos intervalos de somabilidade. Tem-se


então que, para cada B − \ w § \ , a função 0 é derivável em B e com
0 w ÐBÑ œ 1ÐBÑ.
Dem: Vamos começar por supor que o intervalo de somabilidade \ w é

das duas séries de potências. Tem-se assim ! C:  _, para


fechado, isto é, que \ w œ ÒVß VÓ, onde V é o raio de convergência comum

: !

C: œ Ð:  "Ñl+:" lV : ,

donde também, pondo D! œ ! e, para cada : ", D: œ C:" œ :l+: lV :" ,


" D: œ D!  " D8 œ !  " C:  _.
: ! 8 " : !

Tem-se então, para cada B − \ w § \ , 0 ÐBÑ œ ! 0: ÐBÑ, onde as funções


: !
0: À \ w Ä ‘, definidas por 0: ÐBÑ œ +: B: , são deriváveis e com derivadas
0!w ÐBÑ œ ! e, para : ", 0:w ÐBÑ œ :+: B:" , que verificam l0:w ÐBÑl Ÿ D: . Apli-
cando IV.3.20, podemos assim concluir que 0 À \ Ä ‘ é derivável em cada
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 395

B − \ w e com
0 w ÐBÑ œ " 0:w ÐBÑ œ !  ": +: B:" œ 1ÐBÑ.
: ! : "

Suponhamos agora que o intervalo de somabilidade \ w é aberto, isto é, que


\ w œ ÓVß VÒ. Provemos a derivabilidade de 0 num ponto B! − \ w
arbitrário e calculemos a respetiva derivada. Fixemos < tal que lB! l  <  V .
Sendo & œ <  lB! l  !, a vizinhança Z& ÐB! Ñ está contida em Ó<ß <Ò e não
intersecta assim o conjunto \ Ï Ó<ß <Ò. Para estudar a derivabilidade em B!
de 0 basta assim estudar a derivabilidade em B! da restrição de 0 a Ó<ß <Ò.

IV.3.20 uma vez que ! D:  _, para D! œ ! e, se : ", D: œ :l+: l<:" ,


Ora isso resulta, como no caso examinado no início da demonstração, de

: !
onde as funções contínuas restrições de 0: a Ó<ß <Ò verificam l0:w ÐBÑl Ÿ D: ,
para cada B − Ó<ß <Ò. 
IV.4.13 (Exemplos) a) Partimos da série de potências
" B: œ "  B  B#  B$  â
: !

cujo raio de convergência se verifica pelo critério da razão ser igual a " e
cujo intervalo de somabilidade se verifica ser o intervalo Ó"ß "Ò, uma vez
que para B œ " temos uma família com todos os termos iguais a ", que não é
portanto somável. Relembremos também que, pelo exame do limite da
sucessão das somas parciais, que são somas de termos de progressões
geométricas, já determinámos antes que, para cada B − Ó"ß "Ò,

" B: œ
"
: !
"B

(cf. III.4.35). Reparemos que a série de potências precedente é a série de


potências derivada da série de potências

 â œ " ,: B: ,
B# B$
B 
# $ : !

com ,! œ ! e ,: œ :" para cada : ". Os resultados precedentes garantem


que se pode definir 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ por

âœ"
B# B$ B:
0 ÐBÑ œ B  
# $ : "
:

"
e que se tem 0 w ÐBÑ œ "B , o que, em conjunto com o facto de ser 0 Ð!Ñ œ !,
implica que
396 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

"
B: B# B$
œB   â œ lnÐ"  BÑ
: "
: # $

"
(o segundo membro também é uma primitiva de "B que toma o valor ! em
!), resultado a que já chegáramos, com um pouco mais de trabalho, em
III.4.40, no contexto das séries de Maclaurin.
b) Partimos, mais uma vez, da série de potências
" B: œ "  B  B#  B$  â
: !

cujo intervalo de somabilidade é Ó"ß "Ò, e que já referimos em a) ter soma

"  B  B#  B$  â œ " B: œ
"
: !
"B

para cada B − Ó"ß "Ò. Utilizando mais uma vez os resultados precedentes,
mas considerando agora a série de potências derivada desta, podemos
concluir que, para cada B − Ó"ß "Ò,

"  #B  $B#  %B$  â œ " Ð:  "ÑB: œ


"
,
: !
Ð"  BÑ#

uma conclusão a que já chegáramos no exercício IV.3.2 por um método mais


artificioso.
c) Partimos mais uma vez do facto de se ter, para cada B − Ó"ß "Ò,

"  B  B#  B$  â œ " B: œ
"
.
: !
"B

Substituindo B por C# , deduzimos daqui que, para cada C − Ó"ß "Ò,

"  C#  C%  C'  â œ " Ð"Ñ: C#: œ


"
: !
"  C#

e deduzimos daqui que, considerando uma série de potências que tem esta
como série derivada, pode-se definir uma função 1À Ó"ß "Ò Ä ‘ por

 â œ " Ð"Ñ:
C$ C& C( C#:"
1ÐCÑ œ C    ,
$ & ( : !
#:  "
"
para a qual se tem 1Ð!Ñ œ ! e 1w ÐCÑ œ "C # o que, pelo argumento já utilizado

em a) permite deduzir que, para cada C − Ó"ß "Ò,

" Ð"Ñ:
C#:" C$ C& C(
œC    â œ arctanÐCÑÞ
: !
#:  " $ & (
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 397

Mais uma vez, reencontrámos por um processo mais organizado uma conclu-
são já obtida no exercício IV.3.7 assim como, de forma mais artificiosa e no
contexto das séries de Maclaurin, no exercício III.4.14.
IV.4.14 (As séries de potências definem funções de classe G _ ) Seja Ð+: Ñ: !
uma família de números reais e consideremos a correspondente série de
potências
" +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,
: !

cujo raio de convergência V supomos ser estritamente positivo. Tem-se então


que a correspondente função 0 À ÓVß VÒ Ä ‘, definida por

0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,


: !

é de classe G _ e, para cada : !, a derivada de ordem : em ! é


0 Ð:Ñ Ð!Ñ œ :x+: .
Ð:Ñ
Por outras palavras, tem-se +: œ 0 :xÐ!Ñ , ou seja, a série de potências é a série
de Maclaurin da função 0 .
Temos assim, em particular, um resultado de unicidade da decomposição de
uma função como soma de uma série de potências nalgum intervalo Ó&ß &Ò,
com &  !, contido no seu domínio: Então & é menor ou igual ao raio de
convergência da série de potências e esta é necessariamente a série de
Maclaurin da função.
Dem: Provemos, por indução em : !, que uma função deste tipo é de
classe G : e com derivada de ordem : em ! igual ao produto de :x pelo
coeficiente de B: . Para : œ !, temos uma consequência do teorema de
continuidade em IV.4.10 e do facto de se ter
0 Ð!Ñ œ +!  " ! œ +! .
: "

Suponhamos o resultado verdadeiro para um certo : !. Tendo em conta


IV.4.12, sabemos que 0 é derivável em todo o B − ÓVß VÒ e com

0 w ÐBÑ œ " Ð:  "Ñ+:" B: œ +"  #+# B  $+$ B#  â,


: !

por outras palavras, a função 0 w À ÓVß VÒ Ä ‘ é a correspondente à série de


potências determinada pela família Ð,: Ñ: ! com ,: œ Ð:  "Ñ+:" , série cujo
raio de convergência é também V . Pela hipótese de indução
0 w À ÓVß VÒ Ä ‘ é de classe G : , e portanto 0 é de classe G :" , e
Ð:Ñ
0 Ð:"Ñ Ð!Ñ œ 0 w Ð!Ñ œ :x,: œ :xÐ:  "Ñ+: œ Ð:  "Ñx+: . 
398 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

IV.4.15 (Linearidade nas séries de potências) Sejam Ð+: Ñ: ! e Ð,: Ñ: ! duas


famílias de números reais definindo séries de potências cujos intervalos de
somabilidade contenham ambos um certo conjunto \, isto é, tais que se
possam definir funções 0 ß 1À \ Ä ‘ por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,

1ÐBÑ œ " ,: B: œ ,!  ," B  ,# B#  â.


: !

: !

Seja ainda - − ‘. Tem-se então que as funções 0  1À \ Ä ‘ e -0 À \ Ä ‘


estão definidas por
Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ œ "Ð+:  ,: ÑB: ,

Ð-0 ÑÐBÑ œ -0 ÐBÑ œ " Ð-+: ÑB: ,


: !

: !

ou seja, estão definidas pelas séries de potências associadas às famílias


Ð+:  ,: Ñ: ! e Ð-+: Ñ: ! , as quais têm portanto também intervalos de
somabilidade contendo \ .
Por este motivo, costuma-se dar o nome de série de potências soma das duas
primeiras e série de potências produto da primeira pelo real - a estas duas
séries, respetivamente.
Dem: Temos uma consequência direta das propriedades de aditividade e
distributividade em IV.3.6. 
IV.4.16 (Série de potências dos módulos) Consideremos uma série de potências
correspondente a uma família Ð+: Ñ: ! , com intervalo de somabilidade \ e
função associada 0 À \ Ä ‘,
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â.
: !

Chamamos série de potências dos módulos da primeira à determinada pela


família Ðl+: lÑ: ! . Esta série tem o mesmo intervalo de somabilidade \ e a
função associada 0 À \ Ä ‘,
0 ÐBÑ œ " l+: l B: œ l+! l  l+" lB  l+# lB#  â
: !

verifica a desigualdade
l0 ÐBÑl Ÿ 0 ÐlBlÑ
para cada B − \ .
Dem: O facto de os intervalos de somabilidade coincidirem é uma conse-
quência da definição da família somável em IV.3.1, uma vez que se tem
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 399

l+: B: l œ ll+: lB: l.

Quanto à desigualdade, resulta de IV.3.3 queß para cada B − \ ,

l0 ÐBÑl œ ¹" +: B: ¹ Ÿ " l+: B: l œ " l+: l lBl: œ 0 ÐlBlÑ. 


: ! : ! : !

IV.4.17 (Produto de séries de potências) Sejam Ð+: Ñ: ! e Ð,: Ñ: ! duas famílias


de números reais definindo séries de potências cujos intervalos de somabi-
lidade contenham ambos um certo conjunto \, isto é, tais que se possam
definir funções 0 ß 1À \ Ä ‘ por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,

1ÐBÑ œ " ,: B: œ ,!  ," B  ,# B#  â.


: !

: !

Tem-se então que a função 0 ‚ 1À \ Ä ‘ está definida por


Ð0 ‚ 1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ œ " -: B: œ -!  -" B  -# B#  â,
: !

onde
-: œ " +4 ,5 .
4ß5 !
45œ:

Em particular, a série de potências associada à família Ð-: Ñ: ! , a que se


costuma dar o nome de série de potências produto das primeiras, tem um
intervalo de somabilidade que contém \ . Repare-se que os primeiros
coeficentes da série de potências produto são
-! œ +! ,! ,
-" œ +! ,"  +" ,! ,
-# œ +! ,#  +" ,"  +# ,! ,
-$ œ +! ,$  +" ,#  +# ,"  +$ ,! .

Dem: Mudando os conjuntos de índices e aplicando IV.3.15, vemos que para


cada B − \
0 ÐBÑ1ÐBÑ œ " +4 ,5 B45 .
4ß5 !

Reparemos agora que o conjunto N dos pares Ð4ß 5Ñ com 4 ! e 5 ! é a


união da família de subconjuntos disjuntos dois a dois N: , com : inteiro
maior ou igual a !, onde N: é o conjunto dos pares Ð4ß 5Ñ com 4  5 œ :.
Tendo em conta a propriedade associativa em IV.3.12 deduzimos agora que
400 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

para cada B − \

0 ÐBÑ1ÐBÑ œ " Š " +4 ,5 B45 ‹ œ " Š " +4 ,5 ‹ B: œ " -: B: ,


: ! 45œ: : ! 45œ: : !

como queríamos. 
IV.4.18 (Potência duma série de potências) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de
números reais definindo uma série de potências que supomos ter um raio de
convergência V estritamente positivo, e seja \ § ‘ o seu intervalo de
somabilidade, podendo portanto definir-se uma função 0 À \ Ä ‘ por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â.
: !

Ð8Ñ
Dado um inteiro 8 ! existe então uma única família Ð-: Ñ: ! de números
reais tal que para cada B − \
0 ÐBÑ8 œ " -:Ð8Ñ B: .
: !

Em particular, a série de potências associada à família referida, à qual damos


o nome de série de potências potência 8 da série de partida, tem um intervalo
de somabilidade que contém \ .
Consideremos, além disso, a série de potências dos módulos, definida por
Ðl+: lÑ: ! e a função associada 0 À \ Ä ‘ definida por

0 ÐBÑ œ " l+: l B: œ l+! l  l+" lB  l+# lB#  â


: !

Ð8Ñ
e notemos, para cada 8 !, Ð- : Ñ: ! a série de potências potência 8 da série
de potências dos módulos, portanto aquela para a qual
0 ÐBÑ8 œ " - Ð8Ñ :
: B .
: !

Tem-se então
l-:Ð8Ñ l Ÿ - :Ð8Ñ .
Ð8Ñ
Dem: Comecemos por notar que a unicidade de uma tal família Ð-: Ñ: ! é
uma consequência da última afirmação em IV.4.14.234 Passemos então à
justificação, por indução em 8, da existência de tais famílias e das
Ð"Ñ
desigualdades referidas. Para o caso em que 8 œ ", basta tomar -: œ +: , e
Ð"Ñ
consequentemente também - : œ l+: l, em particular a desigualdade é verifi-

234Épara podermos aplicar este resultado que fazemos a hipótese de termos um raio de
convergência maior que !.
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 401

cada como igualdade. O caso em que 8 œ ! é também trivial uma vez que
Ð!Ñ Ð!Ñ Ð!Ñ Ð!Ñ
0 ÐBÑ! œ " œ 0 ÐBÑ! pelo que basta tomar -! œ - ! œ " e -: œ - : œ !
para cada : ", série de potências essa cujo intervalo de somabilidade é ‘.
Suponhamos que as conclusões são válidas para um certo 8 ". Para cada
B − \ vem
0 ÐBÑ8" œ 0 ÐBÑ8 ‚ 0 ÐBÑ, 0 ÐBÑ8" œ 0 ÐBÑ8 ‚ 0 ÐBÑ,

pelo que, por IV.4.17,


0 ÐBÑ8" œ " -:Ð8"Ñ B: ,
: !

com

-:Ð8"Ñ œ " -4 +5 ,
Ð8Ñ

45œ:

e também
0 ÐBÑ8" œ " - Ð8"Ñ
: B: ,
: !

com

œ " - 4 l+5 l,
Ð8Ñ
- Ð8"Ñ
:
45œ:

e vemos, utilizando a hipótese de indução, que

l-:Ð8"Ñ l œ ¹ " -4 +5 ¹ Ÿ " l-4 l l+5 l Ÿ " - 4 l+5 l œ - :Ð8"Ñ ,


Ð8Ñ Ð8Ñ Ð8Ñ

45œ: 45œ: 45œ:

o que mostra que as conclusões são válidas para o inteiro 8  ". 


IV.4.19 (Composta de séries de potências) Seja Ð+: Ñ: ! uma família de
números reais definindo uma série de potências, que supomos ter um raio de
convergência V estritamente positivo, e seja \ § ‘ o seu intervalo de
somabilidade, podendo portanto definir-se uma função 0 À \ Ä ‘ por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â.
: !

Consideremos também a série de potências dos valores absolutos Ðl+: lÑ: ! ,


que tem trivialmente os mesmos raio de convergência e intervalo de somabi-
lidade (já que ll+: lB: l œ l+: B: l) assim como a correspodente função
0 À \ Ä ‘ definida por
402 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

0 ÐBÑ œ " l+: l B: œ l+! l  l+" lB  l+# lB#  â.


: !

Seja Ð,8 Ñ8 ! uma segunda família de números reais, definindo uma série de
potências, que supomos ter um raio de convergência estritamente positivo e
seja !  $ Ÿ _ menor ou igual a esse raio de convergência, podendo
portanto definir-se uma função 1À Ó$ ß $ Ò Ä ‘ por

1ÐCÑ œ " ,8 C8 œ ,!  ," C  ,# C#  â.


8 !

Suponhamos enfim que l+! l  $ . Seja \ w § \ o conjunto dos B − \ tais


que 0 ÐlBlÑ − Ó$ ß $ Ò. Tem-se então:
a) Existe &  ! tal que Ó&ß &Ò § \ w ;
b) Para cada B − \ w tem-se 0 ÐBÑ − Ó$ ß $ Ò;
c) Existe uma família Ð-: Ñ: ! de números reais tal que, para cada B − \ w ,

1Ð0 ÐBÑÑ œ " -: B: ,


: !

em particular a série de potências determinada por esta família tem um


intervalo de somabilidade contendo \ w (e portanto um raio de convergência
maior ou igual a &).
Nas hipóteses anteriores diz-se que a série de potências determinada pela
família Ð-: Ñ: ! é a série de potências composta das séries de potências
determinadas pelas famílias Ð,: Ñ: ! e Ð+: Ñ: ! .235
Dem: Comecemos por reparar que, tendo em conta IV.4.10, a função
0 À \ Ä ‘ é contínua, e portanto o mesmo acontece com a função \ Ä ‘
que a B associa 0 ÐlBlÑ. Uma vez que esta função aplica ! em l+! l  $
deduzimos, considerando uma vizinhança de l+! l constituída por reais
menores que $ , que existe & com !  &  V tal que para cada B − Ó&ß &Ò
venha 0 ÐlBlÑ  $ , ou seja, B − \ w . Provámos assim a conclusão de a) e a de
b) resulta de que, como referido em IV.4.16, l0 ÐBÑl Ÿ 0 ÐlBlÑ e portanto
0 ÐBÑ − Ó$ ß $ Ò sempre que 0 ÐlBlÑ − Ó$ ß $ Ò.
Tendo em conta IV.4.18, podemos, para cada 8 !, considerar séries de
Ð8Ñ Ð8Ñ Ð8Ñ Ð8Ñ
potências determinadas por famílias Ð-: Ñ: ! e Ð- : Ñ: ! , com l-: l Ÿ - : ,
tais que, para cada B − \ ,

235Repare-se que resulta da última afirmação em IV.4.14 que os -: ficam perfeitamente


determinados pelas séries de potências Ð+: Ñ: ! e Ð,8 Ñ8 ! . Resumindo o que foi dito
anteriormente, as hipóteses que permitem definir a composta das duas séries de potências
é que ambas tenham raios de convergência maiores que ! e que l+! l seja inferior ao raio
de convergência da série determinada pela família Ð,: Ñ: ! .
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 403

0 ÐBÑ8 œ " -:Ð8Ñ B: , 0 ÐBÑ8 œ " - :Ð8Ñ B: .


: ! : !

Em particular, para cada B − \ w , o facto de se ter 0 ÐlBlÑ − Ó$ ß $ Ò implica,


tendo em conta o teorema de Fubini em IV.2.9, que

" l,8 l l-:Ð8Ñ l lBl: Ÿ " l,8 l - :Ð8Ñ lBl: œ " Š" l,8 l - :Ð8Ñ lBl: ‹ œ

œ " l,8 l 0 ÐlBlÑ8  _


8ß: 8ß: 8 ! : !

8 !

(igual a 1Ð0 ÐlBlÑÑ). Podemos agora aplicar a versão do teorema de Fubini em


IV.3.14 para deduzir que, para cada B − \ w ,

1Ð0 ÐBÑÑ œ " ,8 0 ÐBÑ8 œ " ,8 Š" -:Ð8Ñ B: ‹ œ " ,8 -:Ð8Ñ B: œ


8 ! 8 ! : ! 8ß:

" Š" ,8 -:Ð8Ñ B ‹.


(1)
:
œ
: ! 8 !

Ð8Ñ
Para cada : !, o facto de a família dos ,8 -: B: , com 8 !, ser somável
para cada B − \ w pemite-nos, considerando B Á ! em \ w e multiplicando por
" Ð8Ñ
B: , deduzir que é também somável a família dos ,8 -: , com 8 !. Podemos
assim definir, para cada : !,

-: œ " ,8 -:Ð8Ñ
8 !

e deduzimos da igualdade (1) que, para cada B − \ w ,


1Ð0 ÐBÑÑ œ " -: B:
: !

o que prova a afirmação em c). 


IV.4.20 (Notas) 1) A demonstração do resultado precedente não nos fornece um
método efetivo simples para determinar os coeficientes -: da série de
potências composta. Com frequência, quando for fácil obter as derivadas de
ordem superior da função 1 ‰ 0ÎÓ&ß&Ò À Ó&ß &Ò Ä ‘, para determinar estes
coeficientes atendemos ao facto de, como referido em IV.4.14, a série de
potências composta ser a série de Maclaurin daquela composta. Trata-se de
um processo de certo modo oposto ao que encontrámos em situações como a
da alínea c) de IV.4.13 situações em que, não sendo prático obter
explicitamente as derivadas de ordem superior de uma função, a série de
potências que a define (série de Maclaurin) foi obtida diretamente a partir do
conhecimentos das séries de potências associadas a outras funções mais
simples.
2) Em muitas aplicações do resultado precedente, aquilo que conhecemos são
404 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

as funções 0 e 1 e não temos uma expressão explícita para a função 0 ,


associada à série de potências dos módulos. Esse facto dificulta por vezes a
determinação de &  ! para o qual tenhamos a certeza que a composta 1 ‰ 0
admita uma decomposição em série de potências em Ó&ß &Ò. Um caso em que
esta dificuldade não aparece é aquele em que a série Ð,8 Ñ8 ! , que determina a
função 1, tem um raio de convergência _, e portanto tem ‘ como inter-
valo de somabilidade. Nesse caso o que foi referido em IV.4.19 diz-nos
simplesmente que o domínio de somabilidade para a série de potências
composta contém o domínio de somabilidade da série de potências Ð+: Ñ: ! ,
que determina a função 0 . Um exemplo desta situação (e também da referida
na nota 1) é aquele que examinamos a seguir no estudo da convergência da
série binomial.
IV.4.21 (A série binomial) Seja ! − ‘. Por analogia com a definição dos
coeficientes combinatórios bem conhecidos

8 8x 8Ð8  "ÑâÐ8  :  "Ñ


G: œ œ
:xÐ8  :Ñx :x
(onde ! Ÿ : Ÿ 8 são inteiros e, para a segunda igualdade, é cómodo supor
: "), e generalizando esta, definimos !G! œ " e, para cada inteiro : ",

! !Ð!  "ÑâÐ!  :  "Ñ


G: œ
:x
(reparar que, quando ! é um inteiro positivo, a segunda definição dá
!
G: œ ! para cada :  !).
Chamamos série binomial de expoente ! à série determinada pela família
Ð !G: Ñ: ! . Afastado o caso trivial em que ! é um inteiro maior ou igual a !,
esta série tem raio de convergência " e, para cada B − Ó"ß "Ò, a sua soma é

Ð"  BÑ! œ " !G: B: œ


: !
!Ð!  "Ñ # !Ð!  "ÑÐ!  #Ñ $
œ "  !B  B  B  â. 236
# $x
Dem: Uma vez que, por ! não ser um inteiro positivo, os coeficientes
combinatórios são todos diferentes de !, podemos tentar utilizar o critério da
razão (cf. IV.4.6) para determinar o raio de convergência. Ora,

236No caso em que ! œ 8 é um inteiro maior ou igual a !, tem-se !G: œ ! para :  8


pelo que o raio de convergência é _ e a soma da série é simplesmente o valor dum
polinómio, sendo ainda igual a Ð"  BÑ8 pela fórmula do binómio de Newton (cf. o
exercício III.4.9).
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 405

l !G: l l!Ð!  "ÑâÐ!  :  "Ñl Ð:  "Ñx


! œ ‚
l G:" l :x l!Ð!  "ÑâÐ!  :  "ÑÐ!  :Ñl
"
:" " :
œ œ ! Ä ",
l!  :l l :  "l :Ä_

pelo que o raio de convergência é efetivamente igual a ". Consideremos


agora a função 2À Ó"ß "Ò Ä ‘ de classe G _ definida por 2ÐBÑ œ Ð"  BÑ! ,
para a qual se verifica facilmente por indução que as derivadas de ordem
: ! são dadas por 2Ð!Ñ ÐBÑ œ Ð"  BÑ! e, para : ",
2Ð:Ñ ÐBÑ œ !Ð!  "ÑâÐ!  :  "ÑÐ"  BÑ!: ,

tendo-se, em particular, !G: œ :x" 2Ð:Ñ Ð!Ñ, por outras palavras, a série referida
no enunciado é a série de Maclaurin da função 2. Tendo em conta IV.4.14,
para provar a asserção do enunciado basta provar a existência de uma série
de potências associada a uma família Ð-: Ñ: ! de reais e com raio de
convergência maior ou igual a " tal que, para cada B − Ó"ß "Ò,

2ÐBÑ œ Ð"  BÑ! œ " -: B: œ -!  -" B  -# B#  â.


: !

Ora, isso é uma consequência direta de IV.4.19 (lembrar a nota 2 em


IV.4.20) visto que, para B − Ó"ß "Ò, podemos escrever
2ÐBÑ œ /!lnÐ"BÑ œ 1Ð0 ÐBÑÑ,
onde 1ÐCÑ œ /C e 0 ÐBÑ œ !lnÐ"  BÑ, com

1ÐCÑ œ "
" 8
C
8 !
8x

para cada C − ‘ (raio de convergência _, cf. a alínea c) de IV.4.7 e


III.4.41) e

0 ÐBÑ œ " Ð"Ñ:" B: œ !B  B#  B$  â


! ! !
: "
: # $

(raio de convergência ", cf. a alínea a) de IV.4.13 com a substituição de B


por B). 

Apesar de no estudo das funções que podem ser definidas por séries de
potências o ponto ! do domínio ter um papel privilegiado, este estudo
permite-nos facilmente definir as funções analíticas, nas quais esse papel
privilegiado já não aparece.
406 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

IV.4.22 Sejam \ § ‘ um intervalo aberto e 0 À \ Ä ‘ uma função.


a) Se ! − \ , diz-se que 0 é analítica em ! se existir &  ! com Ó&ß &Ò § \
e uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo domínio de somabilidade contenha
Ó&ß &Ò tais que para cada B − Ó&ß &Ò se tenha

0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â.


: !

b) Mais geralmente, se B! − \ , podemos considerar o intervalo aberto


\B! œ \  B! , que contém !, cujos elementos são os B  B! com B − \
(ou, o que é o mesmo, os C − ‘ tais que B!  C − \ ) e a função
0B! À \B! Ä ‘ definida por 0B! ÐCÑ œ 0 ÐB!  CÑ e dizemos que 0 é analítica
em B! se 0B! é analítica em ! (repare-se que, no caso em que B! œ !, esta
definição é equivalente à dada em a).
c) Diz-se que 0 é analítica se for analítica em todos os pontos B! − \ .
IV.4.23 (Caracterização equivalente) A definição de função analítica num
ponto B! − \ , apresentada na alínea b) de IV.4.22, pode ser apresentada de
forma equivalente sem referir explicitamente a função 0B! : A função
0 À \ Ä ‘ é analítica em B! − \ se, e só se, existir &  ! com
ÓB! &ß B!  &Ò § \ e uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo domínio de
somabilidade contenha Ó&ß &Ò tais que

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: œ +!  +" ÐB  B! Ñ  +# ÐB  B! Ñ#  â


: !

para cada B − ÓB! &ß B!  &Ò (reparar que 0 ÐBÑ œ 0B! ÐB  B! Ñ). Repare-se
que, tendo em conta IV.4.14 e III.4.18, uma tal série de potências Ð+: Ñ: ! é
única, uma vez que se tem necessariamente
" Ð:Ñ "
+: œ 0 Ð!Ñ œ 0 Ð:Ñ ÐB! Ñ
:x B! :x
por outras palavras, a série destacada é a série de Taylor de 0 centrada no
ponto B! (cf. III.4.38)

O próximo resultado apresenta-nos um primeiro exemplo de função analí-


tica, que não é tão evidente como poderia parecer à primeira vista.

IV.4.24 (As séries de potências definem funções analíticas) Seja Ð+: Ñ: ! uma
família de números reais cuja série de potências associada tenha um raio de
convergência V  !. Tem-se então que a função 0 À ÓVß VÒ Ä ‘, definida
por
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,
: !

é uma função analítica.


§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 407

Dem: O que é consequência imediata da definição é que a função 0 é analí-


tica em !. Para verificarmos que 0 é analítica num ponto B! arbitrário, isto é
que 0B! À \  B! Ä ‘ é analítica em !, atendemos a que 0B! ÐBÑ œ 0 ÐB!  BÑ
e aplicamos IV.4.19 para garantir a existência de Ð- : Ñ: ! e de &  ! tal que
para cada B − Ó&ß &Ò se tenha B!  B − ÓVß VÒ e

0B! ÐBÑ œ 0 ÐB!  BÑ œ " -: B: . 237 


: !

IV.4.25 (Exemplos de funções analíticas) a) As funções constantes, a função


identidade e, mais geralmente, qualquer função polinomial 0 À ‘ Ä ‘,
0 ÐBÑ œ +!  +" B  +# B#  â  +R BR ,
são funções analíticas. De facto elas são as associadas a séries de potências
“degeneradas”, com intervalo de somabilidade ‘.
b) A função exponencial expÀ ‘ Ä ‘, expÐBÑ œ /B , e as funções trigono-
métricas senÀ ‘ Ä ‘ e cosÀ ‘ Ä ‘ são funções analíticas. Basta, com efeito,
recordar as respetivas caracterizações como séries de potências, com inter-
valos de somabilidade ‘:
" # " " 8
/B œ "  B  B  B$  â  B  â,
# $x 8x
" " "
senÐBÑ œ B  B$  B&  â  Ð"Ñ8 B#8"  â,
$x &x Ð#8  "Ñx
" " "
cosÐBÑ œ "  B#  B%  â  Ð"Ñ8 B#8  â.
# %x Ð#8Ñx

c) A função 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ definida por


"
0 ÐBÑ œ .
"B
é uma função analítica. Trata-se, com efeito, da função definida pela série
geométrica
"  B  B#  B$  â œ " B:
: !

cujo intervalo de somabilidade é Ó"ß "Ò (cf. III.4.35).


d) O que vimos em IV.4.21 (série binomial) mostra-nos que, se ! − ‘,

237A série de potências que em IV.4.19 era notada 0 é aqui a série “degenerada”, com
domínio de somabilidade ‘, correspondente à função B È B!  B, isto é, aquela com B!
como coeficiente de índice !, " como coeficiente de índice " e todos os restantes coefi-
cientes iguais a !
408 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

podemos considerar uma função analítica 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ definida por


!Ð!  "Ñ # !Ð!  "ÑÐ!  #Ñ $
0 ÐBÑ œ Ð"  BÑ! œ "  !B  B  B  â.
# $x

IV.4.26 (Restrição de uma função analítica) Sejam \ um intervalo aberto,


0 À \ Ä ‘ uma função e \ w § \ outro intervalo aberto. A função 0 é
analítica num ponto B! − \ w se, e só se, então a restrição 0Î\ w À \ w Ä ‘ é
analítica em B! .
Em consequência, se 0 é analítica, então também 0Î\ w À \ w Ä ‘ é analítica.
Dem: É evidente que se a restrição 0Î\ w À \ w Ä ‘ é analítica em B! então o
mesmo acontece à função 0 À \ Ä ‘ visto que sendo &  ! tal que
ÓB! &ß B!  &Ò § \ w e que exista uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo
domínio de somabilidade contenha Ó&ß &Ò tal que

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: œ +!  +" ÐB  B! Ñ  +# ÐB  B! Ñ#  â


: !

para cada B − ÓB! &ß B!  &Ò, tem-se também ÓB! &ß B!  &Ò § \ .
Suponhamos agora que 0 À \ Ä ‘ é analítica em B! e seja &  ! tal que
ÓB! &ß B!  &Ò § \ e que exista uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo
domínio de somabilidade contenha Ó&ß &Ò tal que

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: œ +!  +" ÐB  B! Ñ  +# ÐB  B! Ñ#  â


: !

para cada B − ÓB! &ß B!  &Ò. A única questão que nos impede de concluir
imediatamente que a restrição de 0 também é analítica em B! é o facto de não
se ter necessariamente ÓB! &ß B!  &Ò § \ w . Para ultrapassarmos isso,
lembramos que o complementar ‘ Ï \ w é um conjunto fechado, pelo que
existe &w  ! tal que ÓB! &w ß B!  &w Ò não tem pontos de ‘ Ï \ w , por outras
palavras, ÓB! &w ß B!  &w Ò § \ w , Sendo agora &ww  ! o menor dos dois
números & e &w , é claro que ainda se tem ÓB! &ww ß B!  &ww Ò § \ w e, para cada
B − ÓB! &ww ß B!  &ww Ò tem-se

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: œ +!  +" ÐB  B! Ñ  +# ÐB  B! Ñ#  â. 


: !

IV.4.27 (Operações envolvendo funções analíticas) Sejam \ § ‘ um


intervalo aberto, 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções e - − ‘. Se 0 e 1 são analíticas
num ponto B! − \, então são também analíticas em B! as funções 0  1,
0 ‚ 1 e -0 , que a B associam respetivamente 0 ÐBÑ  1ÐBÑ, 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ e
-0 ÐBÑ. Em consequência, se 0 e 1 são analíticas, então também 0  1, 0 ‚ 1
e -0 são analíticas.
Como consequência da afirmação envolvendo o produto, vemos, por indução
em 8 que, para cada 8 − , se 0 À \ Ä ‘ é analítica num ponto B! − \
(respetivamente 0 é analítica), o mesmo acontece com a função B È 0 ÐBÑ8 .
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 409

Dem: Basta examinarmos o que sucede com 0  1 e 0 ‚ 1 uma vez que -0 é


o caso particular do produto em que tomamos para 1 a função constante de
valor - . Se repararmos que, nas notações na alínea b) de IV.4.22, tem-se
Ð0  1ÑB! œ 0B!  1B! e Ð0 ‚ 1ÑB! œ 0B! ‚ 1B! , ficamos reduzidos a examinar
o caso em que B! œ !. Ora, nesse caso, podemos considerar &  !, &w  ! e
séries de potências Ð+: Ñ: ! e Ð,: Ñ: ! com Ó&ß &Ò § \ , Ó&w ß &w Ò § \ , tais
que, para cada B − Ó&ß &Ò,

0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â


: !

e, para cada B − Ó&w ß &w Ò,

1ÐBÑ œ " ,: B: œ ,!  ," B  ,# B#  â.


: !

Sendo &ww  ! o menor dos dois números & e &w , tem-se Ó&ww ß &ww Ò § \ e
deduzimos de IV.4.15 e IV.4.17 a existência de séries de potências Ð-: Ñ: ! e
Ð.: Ñ: ! cujos intervalos de somabilidade contenham Ó&ww ß &ww Ò e tais que, para
cada B − Ó&ww ß &ww Ò,

0 ÐBÑ  1ÐBÑ œ " -: B: œ -!  -" B  -# B#  â,

0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ œ " .: B: œ .!  ." B  .# B#  â.


: !

: !

IV.4.28 (A composta de funções analíticas) Sejam \ e ] intervalos abertos e


0 À \ Ä ] e 1À ] Ä ‘ duas funções. Se 0 é analítica num ponto B! − \ e 1
analítica no ponto C! œ 0 ÐB! Ñ, então a função composta 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é
analítica em B! . Em consequência, se 0 e 1 são analíticas, então também
1 ‰ 0 é analítica.
Dem: 1) Comecemos por examinar o caso em que B! œ ! e C! œ 0 ÐB! Ñ œ !.
Sejam Ð,8 Ñ8 ! uma série de potências e $  ! menor ou igual ao seu raio de
somabilidade tais que para cada C − Ó$ ß $ Ò se tenha C − ] e

1ÐCÑ œ " ,8 C8 œ ,!  ," C  ,# C#  â.


8 !

Analogamente, consideremos &w  ! e uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo


intervalo de somabilidade contenha Ó&w ß &w Ò tais que, para cada B − Ó&w ß &w Ò,
se tenha B − \ e
0 ÐBÑ œ " +: B: œ +!  +" B  +# B#  â,
: !

em particular +! œ 0 Ð!Ñ œ !. Aplicando IV.4.19, concluímos a existência de


!  & Ÿ &w e de uma série de potências Ð-: Ñ: ! tais que para cada B − Ó&ß &Ò
410 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

se tenha ! +: B: − Ó$ ß $ Ò e
: !

1Ð0 ÐBÑÑ œ 1Š" +: B: ‹ œ " -: B: ,


: ! : !

o que mostra que 1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é efetivamente analítica em !.


2) Vamos agora examinar o caso geral em que B! não é necessariamente ! e
C! œ 0 ÐB! Ñ não é necessariamente !. Por definição é analítica em ! a função
0B! À \  B! Ä ‘ definida por 0B! ÐBÑ œ 0 ÐB!  BÑ e portanto também o é a
função 0̃ À \  B! Ä ‘ definida por
0˜ ÐBÑ œ 0B! ÐBÑ  C! œ 0 ÐB!  BÑ  C! ,

para a qual se tem 0˜ Ð!Ñ œ 0 ÐB! Ñ  C! œ ! assim como 0˜ Ð\Ñ § ]  C! . Do


mesmo modo, é analítica em ! a função 1C! À ]  C! Ä ‘ definida por
1C! ÐCÑ œ 1ÐC!  CÑ e portanto, pelo caso particular examinado em 1), vem
também analítica em ! a função 1C! ‰ 0˜ À \  B! Ä ‘, a qual está definida
por
1C! ‰ 0˜ ÐBÑ œ 1C! Ð0 ÐB!  BÑ  C! Ñ œ 1Ð0 ÐB!  BÑÑ œ Ð1 ‰ 0 ÑB! ÐBÑ.

Concluímos assim que Ð1 ‰ 0 ÑB! À \  B! Ä ‘ é analítica em !, ou seja,


1 ‰ 0 À \ Ä ‘ é analítica em B! . 

Com a ajuda do resultado precedente podemos, em particular, utilizar o


exemplo estudado na alínea d) de IV.4.25 para provar a analiticidade de
certas funções importantes.

IV.4.29 Para cada ! − ‘, é analítica a função 0! À Ó!ß _Ò Ä ‘ definida por


0! ÐCÑ œ C! .
Em particular, tomando ! œ ", vemos que a função 1 œ 0" À Ó!ß _Ò Ä ‘
definida por
"
1ÐCÑ œ
C
é analítica.
Dem: Lembremos que, como referido na alínea d) de IV.4.25, é analítica a
função 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ definida por 0 ÐBÑ œ Ð"  BÑ! . Seja agora C!
arbitrário em Ó!ß _Ò e provemos que é analítica em C! a restrição de 0! ao
intervalo aberto Ó!ß #C! Ò, que contém C! e está contido em Ó!ß _Ò o que,
como referido em IV.4.26, será suficiente para garantir que 0! À Ó!ß _Ò Ä ‘
é analítica em C! . Ora, para cada C − Ó!ß #C! Ò, tem-se CC! − Ó!ß #Ò, portanto
C
C!  " − Ó"ß "Ò, e vem
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 411

0! ÐCÑ œ C!! ‚ ˆ ‰ œ C!! ‚ 0 Ð  "Ñ


C ! C
C! C!
o que implica que a restrição referida é analítica por ser o produto da
constante C!! pela composta da função 0 À Ó"ß "Ò Ä ‘ com a função polino-
mial (e portanto analítica) Ó!ß #C! Ò Ä Ó"ß "Ò que a C associa CC!  ". 

IV.4.30 (O inverso e a potência de uma função analítica) Seja \ § ‘ um


intervalo aberto.
a) Se ! − ‘ e 0 À \ Ä Ó!ß _Ò é uma função analítica num ponto B! − \
(respetivamente uma função analítica) então o mesmo acontece com a função
\ Ä ‘, B È 0 ÐBÑ! .
b) Se 0 À \ Ä ‘ Ï Ö!× é uma função analítica num ponto B! − \
(respetivamente uma função analítica) então o mesmo acontece com a função
"
\ Ä ‘, B È 0 ÐBÑ .
Dem: a) Basta atender a que a função referida é a composta da função
0 À \ Ä Ó!ß _Ò com a função analítica Ó!ß _Ò Ä ‘, C È C! .
b) Uma vez que 0 é uma função contínua num intervalo que não toma o
valor !, o teorema de Cauchy-Bolzano garante que se tem 0 Ð\Ñ § Ó!ß _Ò
ou 0 Ð\Ñ § Ó_ß !Ò. No primeiro caso a conclusão resulta do que
verificámos em a), com ! œ ". No segundo caso, podemos reduzirmo-nos
à conclusão do primeiro se repararmos que a função B È 0 ÐBÑ é analítica e
toma valores em Ó!ß _Ò e que se tem
"
0 ÐBÑ œ  . 
0 ÐBÑ

IV.4.31 (Exemplos) a) A função trigonométrica tanÀ Ó 1# ß 1# Ò Ä ‘ é analítica.


De facto, uma vez que, como já referimos, senÀ ‘ Ä ‘ e cosÀ ‘ Ä ‘ são
analíticas, e portanto o mesmo acontece às suas restrições ao intervalo
Ó 1# ß 1# Ò, basta reparar que se tem
senÐBÑ "
tanÐBÑ œ œ senÐBÑ ‚ ,
cosÐBÑ cosÐBÑ
e portanto temos o produto de duas funções analíticas, a segunda tendo em
conta IV.4.30.
b) A função 0 À ‘ Ä ‘ definida por
"
0 ÐBÑ œ
"  B#
é analítica. Temos, com efeito, o inverso de uma função analítica que nunca
toma o valor ! (uma função polinomial). Observe-se que, apesar de o
domínio desta função analítica ser ‘, ela não pode ser globalmente definida a
partir da construção referida em IV.4.24, visto que a única série de potências
412 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

cuja soma é 0 ÐBÑ nalguma vizinhança de ! é a sua série de Maclaurin, que


como verificámos na alínea c) de IV.4.13 é
"  B#  B%  B'  â œ " Ð"Ñ: B#: ,
: !

série de potências cujo intervalo de somabilidade é Ó"ß "Ò, e portanto não


pode ter soma 0 ÐBÑ para valores de B fora desse intervalo.
IV.4.32 (Derivada de uma função analítica) Sejam \ § ‘ um intervalo aberto
e 0 À \ Ä ‘ uma função analítica. Tem-se então que 0 é derivável, em
particular contínua, em todos os pontos de \ e a função 0 w À \ Ä ‘ é
também analítica. Em consequência, uma função analítica 0 À \ Ä ‘ é
mesmo de classe G _ .
Dem: Seja B! − \ arbitrário. Seja &  ! tal que ÓB!  &ß B!  &Ò § \ e que
exista uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo domínio de somabilidade
contenha Ó&ß &Ò tal que para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò,

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: Þ
: !

Tendo em conta IV.4.11 e IV.4.12, podemos concluir que a restrição de 0 a


ÓB!  &ß B!  &Ò é derivável em cada B e com derivada nesse ponto igual a
"Ð:  "Ñ+:" ÐB  B! Ñ:
: !

e, tendo em conta o facto de os elementos de ÓB!  &ß B!  &Ò não serem


aderentes a
\ Ï ÓB!  &ß B!  &Ò § Ó_ß B!  &Ó  ÒB!  &ß _Ò,
podemos aplicar III.1.11 para garantir que 0 À \ Ä ‘ é também derivável em
cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò, em particular em B! , e com

0 w ÐBÑ œ "Ð:  "Ñ+:" ÐB  B! Ñ: .


: !

Tendo em conta a arbitrariedade de B! , 0 é derivável em todos os pontos de


\ e a igualdade precedente, válida para todo o B − ÓB!  &ß B!  &Ò mostra
que 0 w À \ Ä ‘ é analítica em B! . Mais uma vez pela arbitrariedade de B! ,
concluímos que 0 w À \ Ä ‘ é analítica. É agora simples mostrar, por indução
em :, que as funções analíticas são de classe G : para todo o : (lembrar que
se 0 w é de classe G : então 0 é de classe G :" ) e portanto são também de
classe G _ . 
IV.4.33 (Exemplo de função não analítica) A função 0 À ‘ Ä ‘ considerada na
alínea b) do exercício III.4.19, apesar de ser de classe G _ , não é analítica em
!, em particular não é analítica. Com efeito, se isso acontecesse, existiria
&  ! e uma família Ð+: Ñ: ! de reais tais que para cada B − Ó&ß &Ò
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 413

0 ÐBÑ œ " +: B:
: !

e sabemos que nestas condições +: œ 0 Ð:Ñ Ð!Ñ œ !. Concluíamos assim que


teria que ser 0 ÐBÑ œ ! para cada B − Ó&ß &Ò em contradição com o facto de
se ter 0 ÐBÑ  ! para cada B  !.
IV.4.34 (Primitiva de uma função analítica) Sejam \ § ‘ um intervalo aberto
e 0 À \ Ä ‘ uma função analítica. Seja J À \ Ä ‘ uma primitiva de 0 , isto
é, uma função derivável e com J w ÐBÑ œ 0 ÐBÑ para cada B − \ . Tem-se então
que J é também uma função analítica.
Dem: Seja B! − \ arbitrário. Seja &  ! tal que ÓB!  &ß B!  &Ò § \ e que
exista uma série de potências Ð+: Ñ: ! cujo domínio de somabilidade
contenha Ó&ß &Ò tal que para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò,

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: Þ
: !

Tendo em conta IV.4.11, podemos considerar uma série de potências Ð,: Ñ: !


cujo domínio de somabilidade também contém Ó"ß "Ò definida por
+
,! œ J ÐB! Ñ e ,: œ :"
: para : " (a série de potências derivada desta é a
primeira). Podemos assim definir uma função J s À ÓB!  &ß B!  &Ò Ä ‘ por

s ÐBÑ œ " ,: ÐB  B! Ñ:
J
: !

que, lembrando IV.4.12, é derivável em cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò e com


s w ÐBÑ œ " Ð:  "Ñ,:" ÐB  B! Ñ: œ " +: ÐB  B! Ñ: œ 0 ÐBÑ.
J
: ! : !

Constatamos assim que J s e a restrição de J a ÓB!  &ß B!  &Ò são duas


primitivas da restrição de 0 a esse intervalo o que implica a existência de
uma constante - − ‘ tal que J ÐBÑ œ J s ÐBÑ  - para cada
B − ÓB!  &ß B!  &Ò. O facto de se ter J ÐB! Ñ œ ,! œ J s ÐB! Ñ implica que
- œ !. Concluímos assim que para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò
s ÐBÑ œ " ,: ÐB  B! Ñ:
J ÐBÑ œ J
: !

o que mostra que J é uma função analítica em B! . 


IV.4.35 (Exemplos) a) A função arctanÀ ‘ Ä Ó 1# ß 1# Ò é analítica. Com efeito,
"
sabemos que a sua derivada é a função B È "B # a qual é analítica por ser a
#
inversa da função analítica B È "  B .
b) A função arcsenÀ Ó"ß "Ò Ä Ó 1# ß 1# Ò é analítica. Com efeito, sabemos que
a sua derivada em cada B é
414 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

È "  B#
" "
arcsenw ÐBÑ œ œ Ð"  B# Ñ #

pelo que o facto de a função derivada ser analítica é uma consequência da


alínea a) de IV.4.30, com ! œ  "# .

Vamos agora examinar alguns resultados que conduzirão a uma proprie-


dade de certo modo surpreendente das funções analíticas: Se duas funções
analíticas coincidirem num subconjunto do domínio, com certas proprie-
dades que detalharemos, então têm que coincidir em todo o seu domínio.
Começamos por examinar um lema.

IV.4.36 (Lema) Sejam \ um intervalo aberto e 0 À \ Ä ‘ uma função analítica.


Seja ^ § \ o conjunto dos zeros de 0 , isto é o conjunto dos B − \ tais que
0 ÐBÑ œ !. Se B! − \ for um ponto de acumulação do conjunto ^ , então
existe &  ! tal que ÓB!  &ß B!  &Ò § ^ . 238
Dem: Vamos demonstrar o resultado pelo métodode passagem ao
contrarrecíproco. Suponhamos então que não existe &  ! nas condições
referidas. Sejam &  ! e Ð+: Ñ: ! uma família de números reais tais que
ÓB!  &ß B!  &Ò § \ e que se tenha

0 ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ: œ +!  +ÐB  B! Ñ  +# ÐB  B! Ñ#  â


: !

para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò. Uma vez que estamos a supor que 0 ÐBÑ não é
sempre ! neste intervalo, tem que existir algum +: Á ! e podemos notar :! o
menor dos índices : nessas condições. Tem-se então para cada B neste
intervalo
0 ÐBÑ œ " +ÐB  B! Ñ: œ ÐB  B! Ñ:! ‚ " +: ÐB  B! Ñ::! œ
: :! : :!
œ ÐB  B! Ñ: 1ÐBÑ,

com
1ÐBÑ œ " +: ÐB  B! Ñ::! œ " +:! ; ÐB  B! Ñ;
: :! ; !

para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò (esta série de potências tem o mesmo raio de
convergência que a que define 0 ÐBÑ uma vez que os valores B Á B! para os
quais ela converge são os mesmos239). Tendo em conta IV.4.10, a função

238Esta propriedade é classificada como um lema uma vez que a que enunciamos a seguir
utiliza-a na sua demonstração mas afirma mais com as mesmas hipóteses.
239Cada uma obtém-se da outra multiplicando cada parcela por ÐB  B Ñ: ou por
!
"ÎÐB  B! Ñ: .
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 415

1À ÓB!  &ß B!  &Ò Ä ‘ é contínua e portanto, por ser 1ÐB! Ñ œ +:! Á !,


existe &w  ! tal que, para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò na vizinhança Z&w ÐB! Ñ,
1ÐBÑ Á ! (considerar uma vizinhança de +:! que não contenha !). Sendo
&ww  ! o menor dos números & e &w , vemos agora que, para cada B Á B! em
Z&ww Ð!Ñ, tem-se 1ÐBÑ Á !, e portanto 0 ÐBÑ œ ÐB  B! Ñ: 1ÐBÑ Á !, ou seja,
B Â ^ , o que mostra que B! não é um ponto de acumulação de ^ . 
IV.4.37 (Resultado mais forte) Sejam \ um intervalo aberto e 0 À \ Ä ‘ uma
função analítica. Seja ^ § \ o conjunto dos zeros de 0 , isto é o conjunto
dos B − \ tais que 0 ÐBÑ œ !. Se B! − \ for um ponto de acumulação do
conjunto ^ , então ^ œ \ , isto é, 0 ÐBÑ œ ! para todo o B − \ .
Dem: Seja \ œ Ó+ß ,Ò, onde cada uma das extremidades + e , pode ser finita
ou infinita. Já sabemos, pelo lema precedente, que existe &  ! tal que
ÓB!  &ß B!  &Ò § ^ . Vamos dividir a prova de que ^ œ \ em duas partes,
provando primeiro que ÒB! ß ,Ò § ^ e depois que Ó+ß B! Ó § ^ .
1) Consideremos o supremo -  B! do conjunto dos B − \ com B B! e
ÒB! ß BÓ § ^ , conjunto que contém todos os reais entre B! e B!  &, e
comecemos por provar que ÒB! ß -Ò § ^ . Ora, isso resulta de que se B − ÒB! ß -Ò
o facto de - ser um supremo garante a existência de Bw − \ com Bw  B e
ÒB! ß Bw Ó § ^ e então o facto de se ter B − ÒB! ß Bw Ó implica que se tem
efetivamente B − ^ . Provemos agora que se tem - œ , , o que provará que
ÒB! ß ,Ò § ^ , o nosso objetivo nesta alínea. Ora, se fosse, por absurdo, -  ,
vinha - − \ e - , sendo ponto de acumulação de ÒB! ß -Ò, era também ponto de
acumulação de ^ pelo que, mais uma vez pelo lema precedente, existia
&w  ! tal que Ó-  &w ß -  &w Ò § ^ de onde deduzíamos que qualquer C em
Ó-ß -  &w Ò verificava ÒB! ß CÓ § ^ , portanto pertencia ao conjunto que
considerámos com supremo - , um absurdo.
2) A prova de que se tem também Ó+ß B! Ó § ^ pode ser feita de modo
análogo e poderia ser interessante o estudante tentar fazer por si essa
adaptação do que foi feito em 1). No entanto, se quisermos poupar trabalho
(o que é também instrutivo), poderemos aplicar o que já verificámos a uma
função analítica auxiliar, nomeadamente a função s0 À Ó,ß +Ò Ä ‘ definida
por s0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ: Para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò tem-se
B − ÓB!  &ß B!  &Ò, portanto s0 ÐBÑ œ 0 ÐBÑ œ !, o que implica, em
particular, que B! é um ponto de acumulação do conjunto dos zeros de s0 . O
que vimos em 1) garante assim que todos os elementos C − ÒB! ß +Ò são
zeros de s0 e daqui decorre que todos os B − Ó+ß B! Ó são zeros de 0 . 
IV.4.38 (Corolário) Sejam \ um intervalo aberto e 0 ß 1À \ Ä ‘ duas funções
analíticas tais que exista um conjunto E § \ , admitindo um ponto de
acumulação B! − \ , tal que 0 ÐBÑ œ 1ÐBÑ para todo o B − E. Então 0 œ 1,
isto é, tem-se mesmo 0 ÐBÑ œ 1ÐBÑ para todo o B − \ .
Dem: A função analítica \ Ä ‘, B È 0 ÐBÑ  1ÐBÑ toma o valor ! em todos
os pontos de E e portanto B! , que é ponto de acumulação de E, é também
poto de acumulação do conjunto dos zeros daquela função analítica.
416 Capítulo IV. Somatórios finitos e infinitos

Aplicando IV.4.37, vemos que para cada B − \ tem-se 0 ÐBÑ  1ÐBÑ œ !,


donde 0 ÐBÑ œ 1ÐBÑ. 

Exercícios

Ex IV.4.1 Determinar os raios de convergência das seguintes séries de potências


e, quando os resultados estudados no curso o permitirem, identificar os seus
intervalos de somabilidade.
a) " :# B: ,
: !

b) "
"
B: ,
: #
:"

c) "
Ð"Ñ8 8
B ,
8 "
88"

d) "
"
B8 ,
8 !
Ð#  cosÐ81ÑÑ8

æ e) "
8x 8
B .
8 !
88

Ex IV.4.2 Identificar os valores de B para os quais os somatórios seguintes


correspondem a famílias somáveis.

a) "
" $8
B ,
8
b) " È8 ÐÈBÑ8 ,
8 "

8 !

c) "
"
ÐB  "Ñ#8 .
8 !
8x

Ex IV.4.3 Lembrar que, como se verificou no exemplo a) em IV.4.13, para cada


B − Ó"ß "Ò tem-se

"
B:
œ lnÐ"  BÑ.
: "
:

a) Mostrar que se pode definir uma função contínua J À Ò"ß "Ó Ä ‘ por

J ÐBÑ œ "
"
B:"
: "
:Ð:  "Ñ
§4. Propriedades elementares das séries de potências. Funções analíticas 417

e que esta função é derivável em cada B − Ó"ß "Ò e com


J w ÐBÑ œ lnÐ"  BÑ.
Concluir que se tem para cada B − Ó"ß "Ò

"
"
B:" œ J ÐBÑ œ Ð"  BÑ lnÐ"  BÑ  B.
: "
:Ð:  "Ñ

b) Deduzir de a) que se tem

"
Ð"Ñ:"
œ # lnÐ#Ñ  "
: "
:Ð:  "Ñ

"
"
œ ",
: "
:Ð:  "Ñ

reparando que a segunda conclusão também se pode obter a partir da


"
igualdade :Ð:"Ñ œ :"  :"
"
, pelo exame das somas parciais da série
(comparar com IV.2.15).
Ex IV.4.4 Sejam \ § ‘ um intervalo aberto e 0 À \ Ä ‘ uma função analítica
num ponto B! − \ . Mostrar que existe &  ! tal que ÓB!  &ß B!  &Ò § \ e
que a restrição de 0 a ÓB!  &ß B!  &Ò seja uma função analítica.
Sugestão: Lembrar IV.4.24.
Ex IV.4.5 Sejam \ um intervalo aberto, 0 À \ Ä ‘ uma função analítica,
B! − \ e &  ! menor ou igual ao raio de convergência da série de potências
determinada pela família Ð :x" 0 Ð:Ñ ÐB! ÑÑ: ! e tal que ÓB!  &ß B!  &Ò § \ .
Pode então concluir-se que 0 ÐBÑ é a soma da sua série de Taylor nesse
intervalo, isto é, que

0 ÐBÑ œ "
" Ð:Ñ
0 ÐB! Ñ ÐB  B! Ñ: œ
: !
:x
" ww
œ 0 ÐB! Ñ  0 w ÐB! ÑÐB  B! Ñ  0 ÐB! Ñ ÐB  B! Ñ#  â
#x
para cada B − ÓB!  &ß B!  &Ò.
Porque razão esta conclusão não é uma consequência direta da definição de
função analítica e de que forma ela pode ser deduzida facilmente de IV.4.38?
Índice de Símbolos

B8 2
E  F , E  F , E Ï F , B − E, B Â E 5
E § F, E ¨ F 5
g 5
‘, , ™, , ! 6
Ò+ß ,Ó, Ò+ß ,Ò, Ó+ß ,Ó, Ó+ß ,Ò 7, 35
maxÐEÑ, minÐEÑ 7
supÐEÑ 10, 34
infÐEÑ 11, 34

ÈC
intÐBÑ 13
14
lBl 18, 377
.ÐBß CÑ 20
Z$ Ð+Ñ œ Ó+  $ ß +  $ Ò 21
8x 30
8 8x
G: œ :xÐ8:Ñx 32
‘ , _ , _ 32
Z$ Ð_Ñ œ Ó "$ ß _Ó, Z$ Ð_Ñ œ Ò_ß  $" Ò 37
E , adÐEÑ 45
Ew 49
0 À \ Ä ‘, 0 ÐBÑ 49
0 À \ Ä ] , 0 Ð\Ñ, 0 ÐEÑ 52
0ÎE À E Ä ‘ 53
1 ‰ 0 ÐBÑ œ 1Ð0 ÐBÑÑ 54
M\ À \ Ä ‘, M\ ÐBÑ œ B 54
0 " À 0 Ð\Ñ Ä \ 56
0  1À \ Ä ‘, Ð0  1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ  1ÐBÑ 63
supÐ0 Ñ, sup 0 ÐBÑ, sup0 ÐBÑ 65
B−\ B−E
infÐ0 Ñ, inf 0 ÐBÑ, inf 0 ÐBÑ 65
B−\ B−E
-0 À \ Ä ‘, Ð-0 ÑÐBÑ œ -0 ÐBÑ 56
0 ‚ 1À \ Ä ‘, Ð0 ‚ 1ÑÐBÑ œ 0 ÐBÑ ‚ 1ÐBÑ 64
0 ÐBÑ Ò , 73
BÄ+
lim 0 ÐBÑ 74
BÄ+
lim 0 ÐBÑ , 0 ÐBÑ Ò , 75
BÄ+ BÄ+
B−E B−E
420 Índice de Símbolos

lim 0 ÐBÑ , 0 ÐBÑ Ò , 75


BÄ+ BÄ+
BÁ+ BÁ+
\+ œ ÖB − \ ± B  +× 80
\+ œ ÖB − \ ± B  +× 80
lim 0 ÐBÑ 80
BÄ+
lim 0 ÐBÑ 81
BÄ+
lim ?8 œ lim ?8 82
8Ä_
0 ÐBÑ Ò _ 105
BÄ+
lim sup 0 ÐBÑ , lim 0 ÐBÑ 112
BÄ+ BÄ+
lim inf 0 ÐBÑ , lim 0 ÐBÑ 112
È
BÄ+ BÄ+
5 C 132
arcsenÀ Ò"ß "Ó Ä Ò 1# ß 1# Ó 138
arccosÀ Ò"ß "Ó Ä Ò!ß 1Ó 138
arctanÀ ‘ Ä Ò 1# ß 1# Ó 138
,: , : − ™ 144
,< , < −  146
,B , B − ‘ 150
exp, À ‘ Ä Ó!ß _Ò, exp, ÐBÑ œ ,B 151
log, À Ó!ß _Ò Ä ‘ 154
/ 162
exp œ exp/ À ‘ Ä Ó!ß _Ò 163
ln œ log/ À Ó!ß _Ò Ä ‘ 163
B B
senhÐBÑ œ / / # B 166
B
coshÐBÑ œ / / # 166
arcsenhÀ ‘ Ä ‘ 168
arccoshÀ Ò"ß _Ò Ä Ò!ß _Ò 168
0 w Ð+Ñ 173
0 wÀ \ Ä ‘ 174
\Ÿ+ œ ÖB − \ ± B Ÿ +× 178
\ + œ ÖB − \ ± B +× 178
0 w Ð+ Ñ, 0 w Ð+ Ñ 178
/B /B
tanhÐBÑ œ senhÐBÑcoshÐBÑ œ /B /B 190
arctanhÀ Ó"ß "Ò Ä ‘ 190
expÐ+  ,3Ñ œ /+,3 œ /+ ÐcosÐ,Ñ  senÐ,Ñ3Ñ 216
0 ww Ð+Ñ, 0 www Ð+Ñ, 0 Ð:Ñ Ð+Ñ 255ß 256
T: ÐBÑ, <: ÐBÑ 264
W8 œ ! ?5
8
273

! ?5
5œ"
_
273
5œ"
=: À \ Ä ‘ 280
Índice de Símbolos 421

! B4 316, 326
4−N
ˆN w À N Ä Ö!ß "× 334
' Ð! Ñ 341
SenÐBÑ, CosÐBÑ 360
C 365
arcSenÐCÑ, arcCosÐCÑ 368
TanÐBÑ 370
arcTanÐCÑ 371
‚ 376
D 377

! +: B:
lDl 377
382
: !
!
G: œ !Ð!"ÑâÐ
:x
!:"Ñ
404
\+ œ \  + 406
Índice Remissivo

abcissa 17 cosseno hiperbólico 166


abcissa reescalada 240 crescente (função) 60
aderência 45 critério de proximidade 37, 38
aderente 39 curvar para baixo (em três pontos) 295
aproximação de Maclaurin 264 curvar para cima (em três pontos) 295
arquimediana (propriedade) 12 Darboux (teorema) 216
baricentro 240 declive direito 294
base 2 declive esquerdo 294
Bernouilli (desigualdade de) 28 declive total 294
bijetiva (função) 59 decrescente (função) 60
binómio de Newton 32, 286, 324 denso (conjunto) 45
boa ordenação (propriedade) 9 derivada (de função) 173
Bolzano-Weierstrass (teorema) 44, 112 derivada à direita 178
Cauchy (condição de) 116 derivada à esquerda 178
Cauchy (regra) 202, 207, 208, 209 derivada lateral 178
Cauchy (sucessão de) 117 derivada de ordem : 255ß 256
Cauchy (teorema) 201 derivado (conjunto) 49
Cauchy-Bolzano (teorema) 131 derivável (função) 173
centro de figura 240 desigualdade de Bernouilli 28
centróide 240 diferença de conjuntos 5
classe G : (função) 255ß 256 diferenciável (função) 173
classe G _ (função) 256 Dirichlet (função) 62
codomínio 52 Dirichlet (série) 287
compacto (conjunto) 114 distância 20
complexo 376 domínio de convergência 384
complexo conjugado 377 domínio de função 49
composta (função) 54 domínio máximo de definição 50
concavidade (sentido da) 296 domínio de somabilidade 382
condição de Cauchy 116 eixo orientado 17
conjugado 377 espaço de chegada 52
conjunto compacto 114 está entre 4
conjunto denso 45 estritamente crescente (função) 60
conjunto derivado 49 estritamente decrescente (função) 60
conjunto fechado 45 estritamente monótona (função) 60
conjunto limitado 10 Euler (fórmula) 216
conjunto majorado 9 expoente 2
conjunto minorado 10 exponencial (função) 151, 216
conjunto simétrico 190 extremidade de intervalo 7, 35
conjunto unitário 6 família indexada em conjunto 316
constante de Neper 162 fatorial 30
contínua (função) 127 Fatou (lema) 337
contradomínio 52 família de conjuntos 48
convergente (sucessão) 82 família dominadora 339
convexidade (propriedade de) 35 família somável 345
corpo 1 fechado (conjunto) 45
corpo ordenado 3 Fermat (teorema) 192
corpo ordenado completo 11 Fibonnaci (sucessão) 68
424 Índice Remissivo

forma trigonométrica de complexo 378 Heine (limites, segundo…) 103


fórmula de Euler 216 Heine (pontos aderentes, segundo…) 103
fórmula de Leibnitz 285 Heine (sublimites, segundo…) 123
fórmula de Maclaurin 264 Heine-Cantor (toerema) 140
fórmula de Moivre 378 hipótese de indução 26
fórmula de Taylor 264 identidade 54
Fubini (propriedade) 322, 331 imagem recíproca 130
função 49 indeterminação 90
função analítica 406 indicatriz 334
função bijetiva 59 ínfimo 10, 33, 65
função de classe G : 255ß 256 infinito (mais e menos) 32
função de classe G _ 256 injetiva (função) 55
função composta 54 interseção de conjuntos 5, 48
função côncava 296 intervalo 7, 35
função constante 52 intervalo de convergência 384
função contínua 127 intervalo de somabilidade 382
função convexa 296 intervalo não trivial 7, 35
função crescente 60 inversa (função) 56
função decrescente 60 irracional 16
função derivada 174 Lagrange (resto) 271
função derivável num ponto 173 Lagrange (teorema) 196
função derivável à direita num ponto 178 Leibnitz (fórmula) 285
função derivável à esquerda num ponto 178 limitado (conjunto, função) 10, 65
função diferenciável num ponto 173 limite (de função num ponto) 73
função de Dirichlet 62 limite (de sucessão) 82
função estritamente côncava 296 limite à direita 81
função estritamente convexa 296 limite à esquerda 80
função estritamente crescente 60 limites laterais 80
função estritamente decrescente 60 localmente limitada (função) 106
função estritamente monótona 60 logaritmo (função) 154
função exponencial 151 logaritmo neperiano 163
função hiperbólica 166 Machin (fórmula) 290
função hiperbólica inversa 168 Maclaurin (polinómio, resto, fórmula) 264
função identidade 54 Maclaurin (série) 276
função ímpar 166, 190 majorado (conjunto, função) 9, 65
função indefinidamente derivável 256 majorante 9
função indicatriz 334 majorante local 126
função injetiva 55 máximo 7, 65
função inversa 56 média 4
função localmente limitada 106 média aritmética 4
função logaritmo 154 média aritmética pesada 4, 313
função monótona 60 média geométrica 25
função par 166, 190 média geométrica pesada 314
função periódica 367 média pesada 4, 313
função potência 64, 156 método de indução matemática 26
função produto 64 mínimo 7, 65
função racional 223 minorado (conjunto, função) 10, 65
função restrição 53 minorante 10
função sobrejetiva 59 minorante local 126
função soma 63 módulo 18, 377
função uniformemente contínua 139 monótona (função) 60
função : vezes derivável 255ß 256 Neper (constante) 162
funções hiperbólicas 166, 190 Newton (binómio) 32, 286, 324
funções hiperbólicas inversas 168, 190 número complexo 376
Índice Remissivo 425

ordenada 17 série divergente 273


ordenada reescalada 240 série exponencial 279
parte inteira 13 série geométrica 274
passo recursivo 67 série harmónica 274
Peano (resto) 280 série harmónica alternada 279, 350
periódica (função) 367 série de Maclaurin 276
período 367 série de potências 382
polinómio de Maclaurin 264 série de potências composta 402
ponto de acumulação 43 série de potências derivada 393
ponto de acumulação à direita 80 série de potências potência 8 400
ponto de acumulação à esquerda 80 série de potências produto 399
ponto aderente 39 série de potências soma 398
ponto fixo 141 série de potências dos módulos 398
ponto de inflexão 305 série de Taylor 276
ponto de inflexão absoluto 305 série de termos positivos 275
ponto de inflexão relativo 305 simétrico (conjunto) 190
ponto interior de intervalo 7 sobrejetiva (função) 59
ponto isolado 43 somas parciais 273, 326
potência de expoente natural 2 somatório 316
primitiva 217 somatório telescópico 336
progressão aritmética 31 soma de série 273
progressão geométrica 27 subconjunto 5
prolongamento de função 53 sublimite 75
propriedade arquimediana 12 sublimite máximo 112
propriedade de boa ordenação 9 sublimite mínimo 112
propriedades algébricas das sucessão 66
potências 2, 145, 147 sucessão de Cauchy 117
próximo 37, 38 sucessão convergente 82
$-próximo 37, 38 sucessão crescente de subconjuntos 329
quadrado perfeito 24 sucessão exponencial 100
raio de convergência 383 sucessão de Fibonnaci 68
raio de somabilidade 383 sucessão parcial 82
raiz de índice 5 132 sucessão parcialmente definida 82
raiz quadrada 14 sucessão das somas parciais 68
reais estendidos 32 supremo 10, 33, 65
regra de Cauchy 202, 207, 208, 209 tangente hiperbólica 190
resto de Lagrange 271 Taylor (aproximação, fórmula, resto) 264
resto de Maclaurin 264 Taylor (série) 276
resto de Peano 280 tender para _ 105
resto de Taylor 264 teorema de Bolzano-Weierstrass 44, 112
restrição de função 53 teorema de Cauchy 201
reta estendida 32 teorema de Cauchy-Bolzano 131
reta real 17 teorema de Darboux 216
retilínea (em três pontos) 295 teorema de Fermat 192
Riemann (função zeta) 341 teorema de Heine-Cantor 140
Rolle (teorema) 195 teorema de Lagrange 196
seno hiperbólico 166 teorema de Rolle 195
sequência de pesos 313 teorema de Weierstrass 129
série 273 termo de série 273
série absolutamente convergente 351 termo de sucessão 66
série alternada decrescente 351 termo seguinte 66
série binomial 404 tricotómica (propriedade) 3
série convergente 273 união de conjuntos 5, 48
série de Dirichlet 341 uniformemente contínua (função) 139
426 Índice Remissivo

valor absoluto 18, 377 Weierstrass (teorema) 129


variável muda 52 zeta (função) 341
vizinhança-$ 21, 37
Bibliografia
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