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Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe
chuvas intensas. A construção desordenada que tais índices promovem nas cidades.
das edificações, muitas vezes ocupando áreas Dependendo do contexto espacial, um
impróprias como margem de mananciais, evento extremo superior a 100 mm, por
vertentes íngremes, topos de morro, fundos de exemplo, pode repercutir em dinâmicas
bacias, com infraestrutura pública de urbanas distintas. Enquanto se observa uma
drenagem precária, etc., evidenciam a rotina sem muitas mudanças nas áreas dotadas
configuração de diferentes níveis de de um eficiente sistema de macrodrenagem,
fragilidade espacial, face às suscetibilidades a em algumas áreas periféricas, que se quer
ocorrência de eventos climáticos extremos. contam com sistema viário instalado, as
Nessa perspectiva, a análise geográfica consequências de tal precipitação podem ser
do clima, ou seja, a espacialização dos catastróficas. Sob este aspecto, o referido
eventos climáticos no território, segundo Neto artigo tem como objetivo apresentar através
(2008), ajuda a “compreender e explicar como da Geografia Clima uma interpretação para os
e em quais circunstâncias o território foi (e eventos climáticos extremos de precipitação
tem sido) produzido e como esta ação afeta de na região metropolitana de Recife/PE de 2000
forma diferenciada os diversos agentes a 2010, tendo ainda como objetivos
sociais”. Para o referido autor, na abordagem específicos apresentar a média aritmética e os
da Geografia do Clima, devem ser dados diários de precipitação, identificar os
consideradas variáveis como conforto fenômenos meteorológicos causadores dos
humano e ambiental, vulnerabilidade distúrbios de precipitação e apresentar as
socioambiental e a produção do espaço principais consequências quando da
urbano, sem, contudo, desconsiderar as ocorrência de um evento extremo de
abordagens clássicas da Climatologia precipitação no local.
Geográfica.
A observância e contextualização 1.1 Fundamentação Teórica
processos naturais e sociais sobre o território. tempo e do clima, enquanto que a Geografia
estudo dos eventos climáticos, a utilização das do espaço produzido pelos agentes sociais e
simples interpretação das médias não Max Sorre à análise geográfica do clima,
gênese e ritmo, como elementos essenciais ao dessas necessidades, que conduzem o homem
entendimento dos fenômenos atmosféricos a elaboração de funções, o autor destaca as
como categorias de análise geográfica, necessidades “materiais, imateriais,
combatendo dessa forma as abordagens econômicas, sociais, culturais, morais e
generalizadoras e de caráter regional. Como afetivas”, em que afirma que estas produzem
forma de contribuir com essa análise os objetos e as formas geográficas. Estas
integrada proposta pela Geografia do Clima, necessidades criam, portanto, objetos técnicos
faz-se também necessário o resgate do que têm a finalidade de antever determinada
conceito de espaço geográfico, como também demanda da sociedade.
a compreensão do processo de constituição Os padrões de ocupação humana se
dos padrões de ocupação humana. desenvolvem substancialmente sob um
O espaço geográfico, suporte para a suporte natural onde, segundo Barrios (1986),
ocupação humana, permite inúmeras através de um suposto controle, uma
definições. Para Santos (1996, p.51), “o sociedade ou classe social conseguem
espaço é formado por um conjunto “produzir e reproduzir suas condições
indissociável, solidário e também materiais de existência”. Entretanto essa
contraditório, de sistemas de objetos e tentativa de controle produz reações da
sistemas de ações, não considerados natureza, pois, ainda segundo Barrios, “o
isoladamente, mas como o quadro único no nível e o caráter do desenvolvimento das
qual a história se dá”, sendo os objetos1 tudo forças produtivas alcançados pelas formações
aquilo engendrado pelo homem na superfície sociais históricas definem as condições que se
da Terra e que se materializaram como efetua a adequação sociedade/meio físico”.
herança histórica mediante as ações que Ocorre que essa adequação, no caso de uma
compreendem os mecanismos de criação ou exploração que desconsidera as limitações do
modificação dos objetos. Neste caso a ação é meio, repercute em problemáticas
um processo dotado de propósito, em que um socioambientais bastante adversas, sendo
agente, quando muda alguma coisa, está estas respostas do meio físico ao (re)
mudando a si mesmo (natureza íntima) e, modelamento do espaço que antes da
concomitantemente, a natureza externa (o adequação seguia ritmo pertinente à sua
espaço geográfico). capacidade de suporte.
Estas ações advêm de necessidades A precipitação sobre um território
que, segundo Santos (1996) podem ser desigual, tal como se apresenta na cidade do
naturais ou criadas. Ao exemplificar algumas Recife, constroem diferentes espacialidades,
1
Objetos: segundo Santos (1996, p.59), “Esses objetos geográficos são do domínio tanto do que se chama a Geografia
Física como do domínio do que se chama a Geografia Humana e através da história desses objetos, isto é, da forma
como foram produzidos e mudam, essa Geografia Física e essa Geografia Humana se encontram”.
visíveis nas distintas paisagens urbanas diante corroborar de forma propositiva com o
da incidência de eventos extremos. Nesse diagnóstico socioespacial urbano. Segundo
aspecto, a análise do ritmo climático pode Monteiro (apud Neto, 2008, p. 71), somente a
Brasil, podendo provocar chuvas abundantes abril e início de maio, Melo e Cavalcanti
quando sua migração ocorrer entre o fim de (2009).
Segundo Ferreira, Ramírez e Gan com um tempo de vida de quatro a onze dias e
(2009), os VCANs são sistemas apresentam um formato de vírgula invertida,
meteorológicos caracterizados por centros de como pode ser observada na área destacada da
baixa pressão com origem na alta troposfera, Figura 2. Todavia, quando um vórtice se
são quase estacionários, mas também podem origina sobre o continente, parte da região
deslocar-se para leste ou para oeste Nordeste apresenta nebulosidade e chuva (na
permanecendo por vários dias. No Brasil, os periferia do vórtice) com céu claro nas regiões
VCANs de origem tropical atuam mais centrais.
frequentemente entre dezembro e fevereiro
estação chuvosa de Recife o período de abril a valores acima de 100 mm, atingindo duas
agosto (Figura 5), em que o desvio padrão máximas, um em maio e a outra em julho.
apresenta um maior grau de dispersão com
Tabela 2. Valores máximos de precipitação diária para os anos de 2000, 2005 e 2010.
Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2000 56,7 30 31,3 124,8 52 98 114,5 169,5 108,8 13,2 5 96,8
% 57,3 20,8 13,4 42,9 16,5 27,8 32,6 91,1 92,2 21,0 15,2 142,4
2005 5,2 27,5 19,8 33 164,8 108,3 67,3 54,5 11,5 22,5 5 88,5
% 5,3 19,1 8,5 11,3 52,2 30,8 19,2 29,3 9,7 35,7 15,2 130,1
2010 28 3,8 21 46 41,5 126,3 56,5 24,5 12,5 29,5 11,5 0
% 28,3 2,6 9,0 15,8 13,1 35,9 16,1 13,2 10,6 46,8 34,8 0,0
Média 99 144 233 291 316 352 351 186 118 63 33 68
é uma ausência de sistemas estruturados para indivíduo, mas sim, no contexto do homem
o escoamento, a contento, da drenagem. No como ser social, inserido numa sociedade de
bairro de Iputinga, por exemplo, classes e pertencente a um dado meio técnico
independentemente da quantidade de água e científico”. Portanto, o homem não é
precipitada, são evidentes nas imediações da passivo no processo de interação com a
Av. Caxangá, vias coletoras do sistema viário, natureza, ele participa e deve fazer valer suas
desprovidas se quer de pavimentação pretensões, desde que estejam atentas as
primária, contribuindo para formação de condicionantes de convivência com os
depressões comumente preenchidas pelas eventos climáticos extremos.
águas das chuvas. Muitas quadras se
resumem, ao longo do dia, a trechos 4. Conclusões
interditados por horas, obstruindo o trânsito O uso da média para caracterizar o
dos próprios moradores. comportamento da precipitação em um
O já complexo sistema viário determinado local é colaborativo quando do
metropolitano entra em colapso seguidamente uso concomitante das medidas de dispersão
aos eventos de chuva, onde são comuns o (desvio padrão) a fim de identificar a zona de
transbordamento dos canais fluviais, a normalidade de um dado evento. No entanto,
interdição dos fundos de micro-bacias, o devido a sua natureza sintetizadora, uma
comprometimento de passagens molhadas e avaliação mais ampla do fenômeno necessita
pontes, o desmoronamento de barreiras, a de outros parâmetros para descrição
superlotação dos hospitais com vítimas dos particularizada da ocorrência de eventos
eventos extremos de precipitação, o extremos meteorológicos, apenas observados
agravamento do déficit habitacional devido a com a análise dos dados diários de
destruição de residências, o comprometimento precipitação.
do calendário escolar devido a ocupação das As médias nos apresentam a tendência
instituições de ensino por desabrigados, etc. dos dados se concentrarem em um
Tais problemáticas atingem gradações determinado valor central, já os dados diários
distintas na cidade, sendo mais agravadas nas de precipitação nos permitiram além de
periferias e áreas cuja população apresenta um indicar os valores médios, também a imagem
poder aquisitivo menor e que não possui real da concentração da chuva em um período
histórico de mobilização social para cobrar bem como sua variabilidade temporal. A
providências do poder público. partir destas descrições pode-se procurar
Ainda, segundo Neto (2008), a identificar os sistemas meteorológicos
“relação clima - sociedade, não mais se dá na atuantes através do período de maior
dimensão do homem enquanto espécie, ou concentração da precipitação, sua
(Org.). A construção do espaço. São Paulo: Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto.