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Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251

Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe

Uma Abordagem da Geografia do Clima Sobre os Eventos Extremos de


Precipitação em Recife-PE
Geórgia Cristina de Sousa Oliveira1, José Petronilo da Silva Junior2, Ranyére Silva Nóbrega3,
Osvaldo Girão4
1
Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email: gc-olivei@bol.com.br ;
2
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email:josepetronilo@hotmail.com;
3
Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal de Pernambuco, email:
ranyere.nobrega@ufpe.br
4
Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal Rural de Pernambuco, email:
osgirao@gmail.com

Artigo recebido em 29/06/2011 e aceite em 02/08/2011


RESUMO
A região metropolitana de Recife-PE tem apresentado constantes casos de inundações decorrentes de eventos de
precipitação extremos. Estas inundações afetam significativamente a dinâmica da população uma vez que os
alagamentos dificultam a mobilidade urbana, inundam casas, desencadeiam deslizamentos de encostas, retardam as
atividades de infraestrutura da cidade, etc. Tendo em vista os fatos apresentados, este trabalho busca apresentar a
interrelação entre os eventos extremos de precipitação, suas causas (sistemas meteorológicos principais) e a dinâmica
social da região baseado no conceito da geografia do clima. Para isso, utilizou-se da análise descritiva dos dados de
precipitação diários de 2000 a 2010 de Recife-PE fornecidos pelo LAMEPE (Laboratório de Meteorologia de
Pernambuco). Os principais resultados destacam que nestes últimos dez anos, o ano de 2000 (considerado ano de La
Niña) e o de 2005 e 2010 (anos de El Niño) foram os de maiores ocorrências de eventos extremos.

Palavras-chave: Sistemas atmosféricos, dinâmica da população, urbanização, região metropolitana.

An Climate Geography Approach on Extreme


Precipitation Events in Recife-PE
ABSTRACT
Recife-PE metropolitan area has shown constant cases of flooding caused by extreme precipitation events. These floods
significantly affect population dynamics, since, flooding difficult urban mobility, flooding homes, triggering landslides,
slowing the activities of the city's infrastructure, etc. Given the facts presented, this work objective to show the
interrelationship between the extreme precipitation events, their causes (major weather systems) and social dynamics of
the region based on the concept of geography climate. For this, used descriptive analysis of daily rainfall data from
2000 to 2010 in Recife-PE, provided by LAMEPE (Meteorological Laboratory of Pernambuco). The main results point
out that over the past ten years, the year 2000 (La Niña years considered) and the 2005 and 2010 (El Niño years) were
the highest occurrences of extreme events.

Keywords: atmospheric systems, population dynamics, urbanization, metropolitan area.

1. Introdução pessoas na região metropolitana de Recife


A interferência do clima sobre a (PE) tem apresentado grande relevância,
produção do espaço e para o cotidiano das tendo em vista o padrão de uso e ocupação do
território em processo e a ocorrência de
* E-mail para correspondência: gc-olivei@bol.com.br
(Oliveira, G. C. S.).

Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 238


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chuvas intensas. A construção desordenada que tais índices promovem nas cidades.
das edificações, muitas vezes ocupando áreas Dependendo do contexto espacial, um
impróprias como margem de mananciais, evento extremo superior a 100 mm, por
vertentes íngremes, topos de morro, fundos de exemplo, pode repercutir em dinâmicas
bacias, com infraestrutura pública de urbanas distintas. Enquanto se observa uma
drenagem precária, etc., evidenciam a rotina sem muitas mudanças nas áreas dotadas
configuração de diferentes níveis de de um eficiente sistema de macrodrenagem,
fragilidade espacial, face às suscetibilidades a em algumas áreas periféricas, que se quer
ocorrência de eventos climáticos extremos. contam com sistema viário instalado, as
Nessa perspectiva, a análise geográfica consequências de tal precipitação podem ser
do clima, ou seja, a espacialização dos catastróficas. Sob este aspecto, o referido
eventos climáticos no território, segundo Neto artigo tem como objetivo apresentar através
(2008), ajuda a “compreender e explicar como da Geografia Clima uma interpretação para os
e em quais circunstâncias o território foi (e eventos climáticos extremos de precipitação
tem sido) produzido e como esta ação afeta de na região metropolitana de Recife/PE de 2000
forma diferenciada os diversos agentes a 2010, tendo ainda como objetivos
sociais”. Para o referido autor, na abordagem específicos apresentar a média aritmética e os
da Geografia do Clima, devem ser dados diários de precipitação, identificar os
consideradas variáveis como conforto fenômenos meteorológicos causadores dos
humano e ambiental, vulnerabilidade distúrbios de precipitação e apresentar as
socioambiental e a produção do espaço principais consequências quando da
urbano, sem, contudo, desconsiderar as ocorrência de um evento extremo de
abordagens clássicas da Climatologia precipitação no local.
Geográfica.
A observância e contextualização 1.1 Fundamentação Teórica

espacial dos eventos extremos são de grande A Geografia Climática trabalha

relevância para compreensão da dinâmica dos essencialmente os mecanismos físicos do

processos naturais e sociais sobre o território. tempo e do clima, enquanto que a Geografia

Apesar de contribuir numa macroescala para o do Clima busca compreender a organização

estudo dos eventos climáticos, a utilização das do espaço produzido pelos agentes sociais e

médias anuais dos dados de precipitação, as conseqüências na ocorrência de eventos

apresenta barreiras metodológicas para a climáticos extremos nestes espaços. Neto

compreensão da dinâmica do clima local. A (2008), ao discorrer sobre a contribuição de

simples interpretação das médias não Max Sorre à análise geográfica do clima,

evidencia, assim, a gradação dos impactos destaca a importância da análise da dinâmica,

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gênese e ritmo, como elementos essenciais ao dessas necessidades, que conduzem o homem
entendimento dos fenômenos atmosféricos a elaboração de funções, o autor destaca as
como categorias de análise geográfica, necessidades “materiais, imateriais,
combatendo dessa forma as abordagens econômicas, sociais, culturais, morais e
generalizadoras e de caráter regional. Como afetivas”, em que afirma que estas produzem
forma de contribuir com essa análise os objetos e as formas geográficas. Estas
integrada proposta pela Geografia do Clima, necessidades criam, portanto, objetos técnicos
faz-se também necessário o resgate do que têm a finalidade de antever determinada
conceito de espaço geográfico, como também demanda da sociedade.
a compreensão do processo de constituição Os padrões de ocupação humana se
dos padrões de ocupação humana. desenvolvem substancialmente sob um
O espaço geográfico, suporte para a suporte natural onde, segundo Barrios (1986),
ocupação humana, permite inúmeras através de um suposto controle, uma
definições. Para Santos (1996, p.51), “o sociedade ou classe social conseguem
espaço é formado por um conjunto “produzir e reproduzir suas condições
indissociável, solidário e também materiais de existência”. Entretanto essa
contraditório, de sistemas de objetos e tentativa de controle produz reações da
sistemas de ações, não considerados natureza, pois, ainda segundo Barrios, “o
isoladamente, mas como o quadro único no nível e o caráter do desenvolvimento das
qual a história se dá”, sendo os objetos1 tudo forças produtivas alcançados pelas formações
aquilo engendrado pelo homem na superfície sociais históricas definem as condições que se
da Terra e que se materializaram como efetua a adequação sociedade/meio físico”.
herança histórica mediante as ações que Ocorre que essa adequação, no caso de uma
compreendem os mecanismos de criação ou exploração que desconsidera as limitações do
modificação dos objetos. Neste caso a ação é meio, repercute em problemáticas
um processo dotado de propósito, em que um socioambientais bastante adversas, sendo
agente, quando muda alguma coisa, está estas respostas do meio físico ao (re)
mudando a si mesmo (natureza íntima) e, modelamento do espaço que antes da
concomitantemente, a natureza externa (o adequação seguia ritmo pertinente à sua
espaço geográfico). capacidade de suporte.
Estas ações advêm de necessidades A precipitação sobre um território
que, segundo Santos (1996) podem ser desigual, tal como se apresenta na cidade do
naturais ou criadas. Ao exemplificar algumas Recife, constroem diferentes espacialidades,

1
Objetos: segundo Santos (1996, p.59), “Esses objetos geográficos são do domínio tanto do que se chama a Geografia
Física como do domínio do que se chama a Geografia Humana e através da história desses objetos, isto é, da forma
como foram produzidos e mudam, essa Geografia Física e essa Geografia Humana se encontram”.

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visíveis nas distintas paisagens urbanas diante corroborar de forma propositiva com o
da incidência de eventos extremos. Nesse diagnóstico socioespacial urbano. Segundo
aspecto, a análise do ritmo climático pode Monteiro (apud Neto, 2008, p. 71), somente a

[...] análise rítmica detalhada ao nível de tempo, revelando a gênese dos


fenômenos climáticos pela interação dos elementos e fatores, dentro de uma
realidade regional, é capaz de oferecer parâmetros válidos à consideração dos
diferentes e variados problemas geográficos desta região.

Considerando este arcabouço denominada Oscilação Sul. Nesse sentido,


conceitual, depreendem-se que a análise quando o Índice de Oscilação Sul é positivo
rítmica deve ser subsidiada pelo (La Niña), a célula de Walker (célula de
conhecimento da precipitação diária e dos circulação vertical-zonal), revela movimento
tipos de eventos meteorológicos influentes em ascendente do ar em Darwin e descendente no
uma determinada região, sistemas estes meio do Pacífico devido às diferenças de
exemplificados por suas características físicas pressão entre eles. Essa situação favorece à
bem como por suas particularidades. ressurgência junto à costa sulamericana do
Nesse sentido, vale destacar que em Pacífico, estimulando as atividades pesqueiras
Recife - PE foram identificados como e um ramo ascendente permanece sobre a
responsáveis pelos eventos extremos de Amazônia contribuindo para a ocorrência de
precipitação nos últimos anos os seguintes chuva.
sistemas atmosféricos: La Niña, ZCIT (Zona Já a ZCIT, é uma região de baixa
de Convergência Intertropical), VCANs pressão nas latitudes equatoriais, onde ocorre
(Vórtices Ciclones de Altos Níveis) e DOLs a confluência e convergência dos alísios de
(Distúrbios Ondulatórios de Leste) ou nordeste e de sudeste, verificada nas imagens
simplesmente Ondas de Leste. Todavia, deve- de satélite como uma banda de nebulosidade
se ser entendido que a maior ou menor bem definida sobre a região tropical, como se
intensidade destes eventos podem estar observa na área destacada da Figura 1. É
associados a outros em menor escala caracterizada por grandes aglomerados
geradores de intensa atividade convectiva convectivos causadores de fortes aguaceiros,
(Nóbrega, R.S, consulta interna). Cavalcanti (2009). Sua migração é sazonal e
Diante deste contexto, Nobre e Shukla ocorre no Atlântico Equatorial entre agosto e
(1996), Nóbrega et al. (2000) e Mendonça e setembro mais para o norte e durante março e
Danni-Oliveira (2007), explicam que as águas abril mais para o sul. No entanto, quando de
do Pacífico interagem com a atmosfera e sua permanência por mais tempo em ambos
geram uma espécie de gangorra barométrica os hemisférios determina a qualidade da
entre as porções leste e oeste do oceano, estação chuvosa no norte do Nordeste do

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Brasil, podendo provocar chuvas abundantes abril e início de maio, Melo e Cavalcanti
quando sua migração ocorrer entre o fim de (2009).

Figura 1. Ilustração da Zona de Convergência Intertropical – ZCIT.

Segundo Ferreira, Ramírez e Gan com um tempo de vida de quatro a onze dias e
(2009), os VCANs são sistemas apresentam um formato de vírgula invertida,
meteorológicos caracterizados por centros de como pode ser observada na área destacada da
baixa pressão com origem na alta troposfera, Figura 2. Todavia, quando um vórtice se
são quase estacionários, mas também podem origina sobre o continente, parte da região
deslocar-se para leste ou para oeste Nordeste apresenta nebulosidade e chuva (na
permanecendo por vários dias. No Brasil, os periferia do vórtice) com céu claro nas regiões
VCANs de origem tropical atuam mais centrais.
frequentemente entre dezembro e fevereiro

Figura 2. Ilustração de um Vórtice Ciclone de Altos Níveis – VCAN.

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Os DOLs também conhecidos por de leste provocam ocorrência de DOLs


Ondas de Leste se propagam desde o oeste da (Figura 3), que se propagam para oeste,
África até o Atlântico Tropical e sua imersos no campo dos alísios acompanhando
propagação dura de uma a duas semanas com um cavado. As chuvas mais intensas
ocorrência no início e no fim do inverno acontecem após a passagem do eixo do
austral, Machado et al (2009). Reconhecendo, cavado, pois nesta área se processam os
Cavalcanti (2009) explica que no Atlântico movimentos ascendentes mais fortes (Alves;
Sul, a convergência dos ventos de sul, Nóbrega, 2010; Varejão-Silva, 2005).
associados aos sistemas frontais com ventos

Figura 3. Ilustração de um Distúrbio Ondulatório de Leste.

2. Material e Métodos entre as coordenadas geográficas de latitude


2.1 Localização da área de estudo 8º 04' 03'' S e longitude 34º 55' 00'' W.
A cidade do Recife, conforme dados De acordo com os dados do
do site da Prefeitura, possui um território de recenseamento de 2000, a população da
220 km², limitando-se ao norte com as cidade totaliza 1.422.905 habitantes,
cidades de Olinda e Paulista, ao sul com o correspondendo a 18% da população do
município de Jaboatão dos Guararapes, a Estado, e a 44% da Região Metropolitana do
oeste com São Lourenço da Mata e Recife (RMR), o que lhe propicia uma
Camaragibe, e a leste com o Oceano densidade demográfica de 6.458
Atlântico. O centro da cidade está situado habitantes/km². A geomorfologia do território

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da cidade se distribui da seguinte forma: A partir destes foram destacados os


morros: 67,43%; planícies: 23,26%; anos com médias acima da normalidade, bem
aquáticas: 9,31%; Zonas Especiais de como observados seus valores máximos
Preservação Ambiental - ZEPA: 5,58%; e diários e os sistemas meteorológicos
extensão de praia: 8,6 km (Prefeitura do propulsores. Esta caracterização possibilitou
Recite, 2011). Portanto, observa-se na capital identificar as causas de um evento extremo de
pernambucana um quadro geomorfológico precipitação e as conseqüências deste para
majoritariamente de risco, onde mais de 50% uma dada população.
do território encontra-se nas feições de
morros, mais suscetíveis aos eventos 3. Resultados e Discussão
extremos de precipitação, sendo destaque os 3.1 Análise estatística e rítmica
eventos de deslizamentos. A estatística descritiva dos dados de
Apesar de ter sido criada desde 1986, precipitação dos anos 2000 a 2010 mostraram
com a publicação do Decreto Municipal que a média anual foi de 177,7 mm e o desvio
N°13.603, a Coordenadoria de Defesa Civil padrão de 167,8 mm, o que nos apresentou
do Recife (CODECIR), responsável em uma zona de normalidade entre 9,9 mm e
“planejar e coordenar ações de defesa civil de 345,5 mm (Média+DP e Média-DP). A partir
natureza preventiva, assistencial e desta aplicação destacou-se como o mês de
recuperativa, que se destinem a evitar ou maior ocorrência de valores acima da média e
reduzir as consequências das calamidades”, desvio padrão, junho, com 80% de
não disponibiliza em seu site dados relativos precipitação acima da normalidade.
ao monitoramento das áreas de risco da Verificou-se também que os valores
cidade do Recife. acima da normalidade coincidem com o inicio
da estação chuvosa em Recife (de março a
2.2 Procedimentos Metodológicos julho), no entanto, foi verificado que em
O método de abordagem da pesquisa agosto, pós-estação chuvosa também ocorreu
foi o indutivo e o procedimento utilizado foi o um evento de precipitação extremo que
estatístico baseando-se, sobretudo no conceito garantiu a alta no volume médio total para
de análise rítmica. De posse dos dados diários este mês.
de precipitação para Recife – PE, de 2000 a Através da aplicação do coeficiente de
2010, fornecidos pelo Laboratório de variação e dos valores médios mensais
Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE), (Figura 4), verificou-se que entre setembro e
foram identificadas as médias mensais e março os valores registrados apresentam
anuais de precipitação e seus respectivos variabilidade maior, ou seja, uma dispersão
desvios padrão e coeficientes de variação. dos dados em torno da média bastante

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significativa, já entre abril e agosto os valores valores proporcionais de precipitação, com


tendem a homogeneidade, apresentando exceção dos eventos extremos.

Figura 4. Médias mensais de precipitação (mm) e coeficiente de variação (%).

De posse destas informações e dos considerado ano de El Niño não justificando


dados diários destacamos especificamente os valores extremos de precipitação. Sugere-
para análise os anos de 2000 e 2005, pois se a análise nos padrões do Dipolo do
apresentaram as maiores precipitações dos Atlântico para este ano, em específico,
últimos 10 anos, e 2010, para subsidiar podendo ser esta a condição de grande escala
especificamente as conseqüências que a que potencializou a chuva acima da média.
intensidade e a concentração de um evento Importante destacar que no ano de
podem propiciar, embora não tenha sido 2010, embora marcado pela ocorrência de um
ultrapassada a média para o mês de junho. fenômeno extremo, apenas o mês de junho
Com relação aos valores médios apresentou uma anormalidade na precipitação
mensais e desvio padrão observou-se que o com relação a média anual e o desvio padrão,
ano de maior ocorrência de valores acima da no entanto, quanto a média mensal, não foi
média foi 2000, considerado ano de La Niña, verificado nada além do limite para o mês
este fenômeno, portanto, pode explicar o fato supracitado. Nesse sentido, vale destacar que
deste ano ter sido o mais chuvoso entre os 10 este ano foi considerado ano de El Niño e
analisados, sendo necessária análise apresentou tal característica, com destaque,
adequada, que não é objeto deste estudo. todavia para junho, que proporcionou um
Já o ano de 2005 quanto a média mais volume acima do esperado devido a influência
o desvio padrão mensal apresentou-nos que os de outro evento, conhecido como distúrbios
meses de maio (500,6 mm) e junho (634,5 ondulatórios de leste ou ondas de leste.
mm) tiveram uma precipitação acima da Com relação às médias mensais de
normalidade, com 762,5 e 811 mm precipitação e desvio padrão para os anos de
respectivamente. No entanto, este foi 2000, 2005 e 2010, considerou-se como

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estação chuvosa de Recife o período de abril a valores acima de 100 mm, atingindo duas
agosto (Figura 5), em que o desvio padrão máximas, um em maio e a outra em julho.
apresenta um maior grau de dispersão com

Figura 5. Médias mensais de precipitação (mm) e Desvio Padrão (mm).

Os principais resultados também chuva se faz presente em pelo menos 20 dias.


mostram que a estação de maior freqüência de Além disso, tem-se nos meses de junho e
precipitação pluvial é a outono-inverno julho o maior número de ocorrências de
(Tabela 1), considerando o mês de abril o precipitação/mês.
início da estação chuvosa, pois, em um mês, a

Tabela 1. Número de dias com precipitação > 1mm.


Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2000 14 12 12 20 17 22 25 18 20 6 3 5
2005 4 10 9 12 24 26 21 20 5 6 4 6
2010 18 9 7 20 16 21 23 19 10 4 2 0

Na Tabela 2 podemos observar os Buscando identificar o número de


valores máximos de precipitação diária para ocorrências de eventos extremos de
os anos 2000, 2005 e 2010. Os maiores picos precipitação, foi contabilizado para tanto, o
se encontram nos meses de maio, junho e número de dias com precipitação acima de
agosto, chovendo 164.5, 126.3 e 100 mm (Tabela 3). Diante dos resultados,
169.5mm/dia, respectivamente. Diante deste verifica-se que em 2000 ocorreram cinco
contexto, avalia-se a ocorrência de eventos eventos, em 2005, quatro e em 2010, dois. É
extremos de precipitação, visto que em apenas notável a diminuição na espacialização
um dia os valores precipitados correspondem temporal da precipitação, ficando esta mais
a 52,2, 35,9 e 91,1% dos valores médios concentrada em um determinado mês.
históricos para o dado período.

Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 246


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Tabela 2. Valores máximos de precipitação diária para os anos de 2000, 2005 e 2010.
Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2000 56,7 30 31,3 124,8 52 98 114,5 169,5 108,8 13,2 5 96,8
% 57,3 20,8 13,4 42,9 16,5 27,8 32,6 91,1 92,2 21,0 15,2 142,4
2005 5,2 27,5 19,8 33 164,8 108,3 67,3 54,5 11,5 22,5 5 88,5
% 5,3 19,1 8,5 11,3 52,2 30,8 19,2 29,3 9,7 35,7 15,2 130,1
2010 28 3,8 21 46 41,5 126,3 56,5 24,5 12,5 29,5 11,5 0
% 28,3 2,6 9,0 15,8 13,1 35,9 16,1 13,2 10,6 46,8 34,8 0,0
Média 99 144 233 291 316 352 351 186 118 63 33 68

Tabela 2. Número de dias com precipitação >100 mm.


Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2000 - - - 1 - - 2 1 1 - - -
2005 - - - - 3 1 - - - - - -
2010 - - - - - 2 - - - - - -

No entanto, as concentrações de chuva 3.2 Diagnóstico Socioambiental


no mês junho de 2010, apesar de menor A compreensão das variações
ocorrência alterou significativamente a vida conseqüentes de distintos sistemas
da população das áreas susceptíveis a atmosféricos pode ser percebida pela análise
inundações, pois para estes dois dias choveu rítmica, pois a mesma permite a associação
um montante de 228,1 mm, o equivalente a das variações dos elementos do clima e tipos
64,8% da média mensal, sendo decretado de tempo, decorrentes dos mecanismos de
estado de calamidade pública, com um circulação regional (Monteiro, 2000; Girão,
balanço inestimável de perdas para as áreas 2007).
atingidas. Segundo Neto (2008, p. 75),

A entrada de um sistema atmosférico, (...), por exemplo, se espacializa de


maneira mais ou menos uniforme num determinado espaço, em escala
local. Entretanto, em termos socioeconômicos, este sistema produzirá
diferentes efeitos em função da capacidade (ou possibilidade) que os
diversos grupos sociais tem para defenderem-se de suas ações.

Assim sendo, considerando o desigual níveis de convivência com os eventos


padrão de uso e ocupação do solo em Recife, climáticos extremos, tal como pode ser
é de se esperar o diagnóstico de diferentes observado nos períodos de chuvas intensas

Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 247


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que castigaram a capital do Pernambuco nos de maio de 2005 e 18 de junho de 2010,


períodos que tiveram como pico de conforme Quadro 1.
precipitação os dias 01 de agosto de 2000, 30

Quadro 1. Resumos dos principais problemas identificados na Região Metropolitana do Recife em


2000, 2005 e 2010.
Evento de Pico de Consequências na região metropolitana do Recife
Precipitação
01 de agosto de 22 mortos, 100 feridos e mais de 60 mil pessoas desabrigadas,
2000 transbordamento de rios e destruição de pontes e casas. Nas áreas
periféricas foram registrados 102 deslizamentos de barreiras
30 de maio de Casas parcialmente ou totalmente destruídas; pontes danificadas;
2005 rodovias estaduais atingidas e interditadas; a água inundou ruas
centrais, hospitais, escolas e casas comerciais, provocando
enormes prejuízos materiais. Escolas foram transformadas em
abrigos para os desabrigados, comprometendo o calendário
escolar.
18 de junho de Maior tragédia da década: dezenas de pessoas morreram,
2010 milhares ficaram desabrigadas desalojadas; casas foram
destruídas; pontes ficaram danificadas ou totalmente levadas pela
água; estradas foram danificadas.
Fonte: Portal UOL, 2011.

Diante do desenho urbano superficial da drenagem, bem como foram


metropolitano do Recife, tais consequências objeto de amplo trabalho de manutenção dos
frequentes dos eventos extremos de sistemas, apesar da prática de boa parte dos
precipitação se processam de forma desigual habitantes ainda insistir em lançar resíduos
na cidade. Observa-se pelo histórico de uso e nas vias públicas que, quando levados pela
ocupação que as políticas públicas de drenagem nos períodos de chuva, obstruem as
ordenamento territorial não conseguiram galerias responsáveis pelo escoamento da
preparar a cidade para uma perspectiva de água precipitada. Ato contínuo, os cálculos
desenvolvimento urbano, onde deveria ser considerados para o dimensionamento dos
objeto de preocupação a consideração das sistemas de drenagem têm como referência as
bacias de micro e macro drenagem, a médias climáticas, ainda sendo rara a
preservação das áreas permeáveis/canais de consideração dos eventos extremos.
drenagem e o controle mais rígido da Salvaguardando tais localidades,
impermeabilização. contempladas com infra-estrutura de
Entretanto, as áreas mais centrais e escoamento da drenagem urbana, nas regiões
turísticas, tiveram nos últimos anos periféricas e próximas aos inúmeros canais
investimentos em sistemas de escoamento fluviais que cortam a cidade, o que se observa

Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 248


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é uma ausência de sistemas estruturados para indivíduo, mas sim, no contexto do homem
o escoamento, a contento, da drenagem. No como ser social, inserido numa sociedade de
bairro de Iputinga, por exemplo, classes e pertencente a um dado meio técnico
independentemente da quantidade de água e científico”. Portanto, o homem não é
precipitada, são evidentes nas imediações da passivo no processo de interação com a
Av. Caxangá, vias coletoras do sistema viário, natureza, ele participa e deve fazer valer suas
desprovidas se quer de pavimentação pretensões, desde que estejam atentas as
primária, contribuindo para formação de condicionantes de convivência com os
depressões comumente preenchidas pelas eventos climáticos extremos.
águas das chuvas. Muitas quadras se
resumem, ao longo do dia, a trechos 4. Conclusões
interditados por horas, obstruindo o trânsito O uso da média para caracterizar o
dos próprios moradores. comportamento da precipitação em um
O já complexo sistema viário determinado local é colaborativo quando do
metropolitano entra em colapso seguidamente uso concomitante das medidas de dispersão
aos eventos de chuva, onde são comuns o (desvio padrão) a fim de identificar a zona de
transbordamento dos canais fluviais, a normalidade de um dado evento. No entanto,
interdição dos fundos de micro-bacias, o devido a sua natureza sintetizadora, uma
comprometimento de passagens molhadas e avaliação mais ampla do fenômeno necessita
pontes, o desmoronamento de barreiras, a de outros parâmetros para descrição
superlotação dos hospitais com vítimas dos particularizada da ocorrência de eventos
eventos extremos de precipitação, o extremos meteorológicos, apenas observados
agravamento do déficit habitacional devido a com a análise dos dados diários de
destruição de residências, o comprometimento precipitação.
do calendário escolar devido a ocupação das As médias nos apresentam a tendência
instituições de ensino por desabrigados, etc. dos dados se concentrarem em um
Tais problemáticas atingem gradações determinado valor central, já os dados diários
distintas na cidade, sendo mais agravadas nas de precipitação nos permitiram além de
periferias e áreas cuja população apresenta um indicar os valores médios, também a imagem
poder aquisitivo menor e que não possui real da concentração da chuva em um período
histórico de mobilização social para cobrar bem como sua variabilidade temporal. A
providências do poder público. partir destas descrições pode-se procurar
Ainda, segundo Neto (2008), a identificar os sistemas meteorológicos
“relação clima - sociedade, não mais se dá na atuantes através do período de maior
dimensão do homem enquanto espécie, ou concentração da precipitação, sua

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periodicidade e as conseqüências para uma de chuvas extremas no litoral da região


dada região, especialmente áreas consideradas Nordeste do Brasil: aspectos numéricos na
de risco. previsão operacional do tempo. Tese de
Tais análises podem corroborar para a Doutorado. Universidade Federal do Rio de
compreensão de parte das causas das tragédias Janeiro: Rio de Janeiro. Disponível em:
urbanas que tiveram e tem lugar no Recife. fenix3.ufrj.br/60/teses/coppe_d/AlessandroSa
Todavia, sua leitura também deve estar rmentoCavalcanti.pdf. Acessado em: 15 de
associada à avaliação do processo do uso e mai de 2011.
ocupação do território, bem como a
Ferreira, N. J; Ramírez, M. V; Gan, M. A.
qualificação das ações do poder público frente
(2009). Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis
aos eventos climáticos extremos.
que atuam na vizinhança do Nordeste do
5. Agradecimentos Brasil (p.43-59). In: Cavalcanti, I. F. A. et al
Os autores agradecem ao apoio da (org.). Tempo e Clima no Brasil. São Paulo:
UFPE pela concessão de bolsas de pós- Oficina de Texto.
graduação e ao grupo de pesquisa
Girão, O. (2007). Análise de Processos
Tropoclima. Ao Laboratório de Meteorologia
Erosivos em Encostas na Zona Sudoeste da
de Pernambuco (LAMEPE) pelos dados de
Cidade do Recife – Pernambuco. 305 f. Tese
precipitação
(Doutorado em Geografia) – Universidade
6. Referências Federal do Rio de Janeiro, CCMN, Rio de
Alves, K. M. A. S.; Nóbrega, Ranyére Silva. Janeiro.
(2010). Discussão conceitual sobre Distúrbios
Machado, L. A. T. et al. (2009). Distúrbios
Ondulatórios de Leste (DOL S) e sua
Ondulatórios de Leste (p.61-73). In:
influencia nos eventos pluviométricos do
Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e
Nordeste Brasileiro - NEB. In: II Workshop
Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto.
de Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos,
2010, Recife. Mudanças Climáticas e Melo, A. B. C.; Cavalcanti, I. F de A.; Souza,
impactos ambientais. P. P. (2009). Zona de Convergência

Barrios, S. (1986). A produção do espaço. In: Intertropical do Atlântico (p.25-39). In:

Souza, Maria Adélia A. de; Santos, Milton Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e

(Org.). A construção do espaço. São Paulo: Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto.

Nobel. p.1-24 (Coleção espaços).


Mendonça, F.; Danni-Oliveira, I. M. (2007).
Cavalcanti, A. S. (2009). Avaliação de Climatologia: noções básicas e climas do
padrões atmosféricos associados à ocorrência Brasil. São Paulo: Oficina de Textos.

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Monteiro, Carlos Augusto de Figueiredo. option=com_content&view=article&id=337:e


(2000). Geossistemas: A história de uma nchentes&catid=45:fenomenos-naturais&Item
procura. São Paulo: Editora Contexto. 127 p. id=105

Neto, J. L. S. (2008). Da climatologia PREFEITURA DO RECIFE. Acessado em 12


geográfica à geografia do clima: gênese, de maio de 2011 em
paradigmas e aplicações do clima como http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamen
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ANPEGE, v. 4, p. 61 – 88.
Santos, Milton. (1996). A natureza do
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Niño ea influência conjunta do dipolo do 3.ed. São Paulo: Hucitec.
Atlântico no Estado do Ceará. IN: XI
Silva Júnior, José Petronilo. (2004). Padrões
Congresso Brasileiro de Meteorologia,
de ocupação Humana e seus Impactos Sócio-
Florianópolis.
ambientais Identificados nos Biomas da
Nobre, P.; Shukla, J. (1996). Variations of sea Caatinga, Mata Atlântica e Ecossistema de
surfasse temperature, Wind stress, and rainfall Manguezal no Nordeste Brasileiro,
over the tropicla altantic and South America. Monografia (Conclusão do Curso de
Journal of Climate, 9, 2464-2479. Bacharelado em Geografia) – UFRN, Natal.

PORTAL UOL. Acessado em 12 de maio de Varejão-Silva, M. A. (2005). Meteorologia e


2011 em http://www.pe-az.com.br/index.php? Climatologia. Recife: Versão Digital. 522p.

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