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RESUMO
Deslizamentos são episódios de extrema importância, resultantes da atuação de processos geomorfológicos nas mais diversas
escalas temporais causando, em geral, enormes prejuízos à sociedade. Dentre os diversos fatores condicionantes destacam-se os
parâmetros morfológicos do terreno, os quais controlam diretamente o equilíbrio das forças e, indiretamente, a dinâmica
hidrológica dos solos. Embora muitos estudos tenham voltado a atenção para a descrição de eventos e para o monitoramento de
campo, pouco ainda se sabe sobre a previsão de ocorrência destes fenômenos. Acredita-se aqui que a combinação de
mapeamentos e monitoramentos de campo, através de modelos matemáticos baseados em processos, tenha muito a contribuir
nessa direção. Neste sentido, diversos estudos de campo vêm sendo realizados nas bacias dos rios Quitite e Papagaio no sentido
de caracterizar o papel desempenhado pelos diversos parâmetros topográficos no condicionamento dos deslizamentos ali
ocorridos em 1996. A partir do modelo digital de terreno das bacias, com uma resolução de 4m2, combinado com vários
mapeamentos ali realizados, foi definido o potencial de deslizamento para as diversas classes de cada atributo topográfico.
Paralelamente, foram realizados ensaios de campo com o permeâmetro de Guelph e simulações com o modelo matemático
SHALSTAB, voltado para a previsão de áreas instáveis, de modo a englobar os mais diferentes cenários. Os resultados atestam o
importante papel desempenhado pelos parâmetros topográficos forma da encosta e área de contribuição, geralmente desprezados
pelas metodologias de previsão de áreas susceptíveis a deslizamentos.
Palavras chave: deslizamentos, hidrologia das encostas, modelagem matemática, instrumentação dos solos.
ABSTRACT
Landslides are important geomorphological processes, acting along different temporal scales and generally causing huge problems
to society. Between the different controlling factors an important role is played by the morphological parameters which directly
affect the equilibrium between the forces and indirectly control hillslope hydrology. Although many studies have focused on the
description of previous events and field monitoring, little is known about landslide prediction, defining where and when these
processes will happen in the near future. It is believed that the combination of field mapping and monitoring with process-based
mathematical models is an important tool to landslide investigation. A variety of studies have been carried out in Quitite and
Papagaio river basins in order to investigate the role played by the topographic parameters in the landslides triggered by 1996
intense rainstorms. Based on the digital terrain model of the basins, with a 4m2 resolution, together with the different maps
obtained, a landslide potential index for the many classes of each topographic attribute was defined. At the same time, field
experiments with the Guelph permeameter were carried out and a variety of scenarios were simulated with the SHALSTAB
model, a mathematical model for the topographic control on shallow landslides. The results attest the important role played by the
topographic parameters hillslope form and contribution area on landsliding in the studied area. However, these topographic
attributes are not considered by most of the procedures used to predict landslide generation.
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Figura 1 – Evidências de retrabalhamento de antigos depósitos de corridas de massa na bacia do rio Quitite, Jacarepaguá
(RJ). Na porção inferior desta bacia os fundos de vales encontram-se preenchidos por espessos depósitos de
corridas de massa, alcançando em muitos locais mais de 10,0 m de espessura. A erosão parcial causada pela
última corrida de massa (1996) expôs antigos depósitos, formados pela intercalação de fases de deposição e de
erosão, sobre os quais muitas casas foram construídas.
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Há várias propostas de classificação desses nas porções côncavas do relevo (hollows), geralmente
processos em todo o mundo (Varnes, 1958; Varnes, preenchidas por depósitos coluviais, uma vez que estas
1978; Hansen, 1984b; Hutchinson, 1988; Sassa, 1989; representam zonas de convergência de fluxos tanto
IAEG, 1990, entre outras) e, embora não caiba aqui superficiais quanto subsuperficiais (Reneau et al.,
uma discussão dessas propostas, deve-se destacar que 1984; Coelho Netto, 1985; Lacerda e Sandroni, 1985;
o trabalho de Varnes (1978) ainda é o mais utilizado. Dietrich et al., 1986; Reneau e Dietrich, 1987; Pedrosa
No Brasil, porém, destaca-se o esquema proposto por et al., 1988; Fernandes, 1990; Avelar e Coelho Netto,
Guidicini e Nieble (1984), o qual de uma forma bem 1992; Fernandes et al., 1994, entre outros). Conse-
simplificada, divide os movimentos de massa em qüentemente, é de se esperar um forte controle da
escoamentos (englobando rastejos e corridas), escor- morfologia do terreno na localização dessas cicatrizes
regamentos (translacionais e rotacionais), subsidências no campo, uma vez que as formas do relevo, em planta
e movimentos complexos (revisão em Fernandes e e em perfil, irão definir os níveis de convergência
Amaral, 1996). Sabe-se, no entanto, que a aplicação hidrológica de uma determinada topografia e, em úl-
direta desses sistemas de classificação aos movimentos tima análise, os níveis de poro-pressão desenvolvidos
observados na natureza não é tarefa simples. Além das (Fernandes e Amaral, 1996). Como será discutido
dificuldades derivadas das atividades antrópicas e das neste artigo, alguns estudos tiveram sucesso em prever
rápidas transformações que ocorrem nas cicatrizes dos a localização de zonas de saturação na paisagem a
deslizamentos, há problemas associados à própria partir de modelos matemáticos baseados, principal-
complexidade dos fenômenos, onde muitos movimen- mente, nas características topográficas (por ex., O'Lou-
tos são deflagrados como escorregamentos translacio- ghlin, 1986; Moore et al., 1991; Dietrich et al., 1993).
nais e se transformam gradativamente em corridas de Um outro mecanismo de instabilização das
massa devido ao excesso de água (por ex., Kochel, encostas é o da perda da sucção (e da coesão aparente),
1987). relacionada ao aumento da umidade do solo decorrente
Deve-se ressaltar, como destacado por Augusto do avanço da frente de infiltração, no qual a ruptura
Filho e Virgili (1998), que a classificação desses ocorre sem que a condição de saturação seja alcançada
fenômenos assume especial relevância quando esta (Fredlund, 1987). Embora este mecanismo seja ainda
possui um caráter genético associado, relacionando a pouco conhecido entre nós, exceções são feitas para os
tipologia dos movimentos com os processos e estudos de Wolle e Carvalho (1989) e Wolle e Hachich
mecanismos necessários para a deflagração tornando- (1989) nas encostas de Cubatão (SP), e para os
se, então, uma importante base teórica para os estudos trabalhos de Vargas Jr. et al. (1986; 1990) nas encostas
de previsão e desenvolvimento de modelos. Por da cidade do Rio de Janeiro. Certamente, o avanço no
exemplo, para a cidade do Rio de Janeiro, Amaral conhecimento desse mecanismo depende da implan-
(1997) mostrou que os escorregamentos rasos de solo, tação de monitoramentos de campo, em escalas espa-
geralmente sob a forma de movimentos translacionais, ciais e temporais detalhadas, capazes de registrar a
são os mais importantes, respondendo por cerca de dinâmica hidrológica dos solos no momento da
38% de todos os processos ocorridos entre 1962 e ruptura, fato este não trivial.
1992. Diversos estudos nos levam a acreditar que tal Outros mecanismos de instabilização, tais
comportamento não se limite ao Rio de Janeiro, sendo como o impacto associado à queda de lascas rochosas
característico de todo o escarpamento da Serra do Mar (por ex., Barros et al., 1988; Avelar e Lacerda, 1997) e
(Wolle e Carvalho, 1989; Lacerda, 1997). Dessa os abalos sísmicos (por ex., Keefer, 1984; Jibson e
forma, devido à sua importância e representatividade Keefer, 1993) podem também, localmente, assumir
espacial, tornam-se urgentes procedimentos grande importância.
metodológicos voltados para a previsão da ocorrência
desses movimentos translacionais rasos na paisagem.
2.2. Fatores condicionantes
2.1. Mecanismos de ruptura
Sabe-se que os deslizamentos são condicio-
nados por complexas relações entre fatores geológicos,
Vários são os mecanismos que levam à insta-
englobando as características lito-estruturais (por ex.,
bilização das encostas (por ex., Barata, 1969;
Hencher, 1987; Amaral et al., 1992) e tectonicas (por
Brunsden e Prior, 1984; Sidle et al., 1985; Anderson e
ex., Alexander e Formichi, 1993), geomorfológicos
Richards, 1987; Wolle e Carvalho, 1989; Selby, 1993;
(por ex., Tsukamoto et al., 1982; Dietrich et al., 1986;
Lacerda, 1997). Dentre eles, destaca-se o aumento da
Gryta e Bartholomew, 1989; Vieira et al., 1997),
poro-pressão positiva e a conseqüente diminuição do
climáticos (por ex., Guidicini e Iwasa, 1976; Caine,
fator de segurança, relacionado à saturação dos solos
1980; Vargas Jr. et al., 1986; Tatizana et al., 1987a;
(por ex., Guidicini e Nieble, 1984; Harp et al., 1990).
Kay e Chen, 1995; Glade, 1998), antrópicos (por ex.,
Como amplamente reconhecido pela literatura geo-
Sidle et al., 1985), entre outros (ver revisão em
morfológica, este processo torna-se mais importante
Varnes, 1978; Guidicini e Nieble, 1984; Sidle et al.,
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1985; Crozier, 1986; Selby, 1993; Augusto Filho e Fernandes, 1990; Crozier e Vaughan, 1990; Fernandes
Virgili, 1998, entre outros). e Amaral, 1996, entre outros). Dessa forma, o
Aqueles fatores de cunho geomorfológico, parâmetro topográfico área de contribuição (por
muitas vezes chamados de parâmetros topográficos, unidade de contorno), para cada ponto (célula) dentro
tratam das relações entre a forma e a hidrologia de uma bacia, em geral desprezado pelos estudos de
(superficial e sub-superficial) da encosta, englobando definição de áreas susceptíveis a deslizamentos,
parâmetros tais como: declividade, forma da encosta assume aqui grande importância uma vez que
(tanto em perfil quanto em planta), área de contri- relaciona-se diretamente com a concentração dos
buição, orientação das encostas (aspecto), espessura do fluxos de água e com a conseqüente saturação dos
solo, comprimento da encosta, (as)simetria dos vales e solos (Beven e Kirkby, 1979; O'Loughlin, 1986;
elevação (revisão em Fernandes e Amaral, 1996). Dietrich et al., 1995).
Dentre todos esses parâmetros, a declividade vem
sendo utilizada como o principal, ou mesmo o único 2.3. Condutividade hidráulica dos solos
parâmetro de caráter topográfico incorporado aos estu-
dos de previsão e definição de áreas instáveis gerando, Estudos integrados voltados para a compre-
com freqüência, distorções na análise dos desliza- ensão dos deslizamentos requerem, também, a incor-
mentos. Como conseqüência dessa interpretação áreas poração de ensaios e monitoramentos de campo
de menor declividade, inicialmente definidas como de visando, em última análise, a caracterização da hidro-
baixa susceptibilidade mostram, com freqüência, a logia das encostas. Dentre os ensaios destacam-se
presença de deslizamentos no campo, principalmente aqueles voltados para a estimativa da condutividade
na forma de corridas de massa (por ex., Guimarães et hidráulica (saturada e não-saturada) e da espessura do
al., 1999a; Guimarães, 2000). Tal fato evidencia que solo, enquanto que os monitoramentos geralmente rea-
outros fatores condicionantes devem ser também lizados englobam mensurações da umidade e/ou da
considerados. sucção dos solo.
Vários estudos buscaram caracterizar, dentro A condutividade hidráulica do solo, em
de uma escala de análise regional, os fatores topográ- termos específicos de deslizamentos, assume impor-
ficos condicionantes de deslizamentos. Contribuições tância tanto na recarga da água superficial (velocidade
significativas foram dadas pelos estudos realizados na da infiltração) quanto na geração de descontinuidades
Virgina (USA), a partir de estudos em centenas de hidráulicas no interior do perfil de alteração, as quais
deslizamentos deflagrados pelo furacão Camille em poderão atuar localmente como camadas de impedi-
1969 (Gao, 1993), e em Porto Rico (Larsen e Torres- mento ao fluxo vertical favorecendo, conseqüentemen-
Sanchez, 1998), onde foram mapeadas mais de 3000 te, a geração de elevadas poro-pressões positivas. Em-
cicatrizes. De um modo geral, estes trabalhos avalia- bora diversos procedimentos possam ser utilizados
ram, com base em modelos digitais de terreno, o papel para a determinação da condutividade hidráulica dos
desempenhado por algumas das variáveis topográficas solos, tanto em campo quanto em laboratório (Fetter,
(elevação, orientação e declividade) na localização 1994; Oliveira e Filho, 1996; Stephens, 1996; Tindall
espacial dos deslizamentos, sendo que o estudo reali- e Kundel, 1999, entre outros), no caso dos
zado por Gao incorporou também a forma da encosta e deslizamentos, devem ser privilegiados métodos de
o de Larsen e Torres-Sánchez o uso do solo. Com base campo envolvendo porções maiores do solo, as quais
na distribuição das cicatrizes, e sua relação com as englobem fluxos preferenciais associados a macro-
diversas classes de atributos topográficos levantados poros (Beven e Germann, 1982; Schoeneberger e
foi, então, definido o potencial de deslizamento de Amoozegar, 1990) originados, por exemplo, a partir de
cada classe. fendas de contração, buracos de raízes ou animais,
Diversos estudos de cunho geomorfológico além de estruturas relíquias da rocha. Alguns estudos
têm chamado a atenção para o papel desempenhado comparativos (por ex. Paige e Hillel, 1993; Schoene-
pelas porções côncavas do relevo (hollows) na berger et al., 1995) mostram que para solos arenosos, a
convergência dos fluxos de água, tanto em superfície condutividade hidráulica saturada medida no campo é
quanto em sub-superfície (Dunne, 1970; Coelho Netto, superior àquela de laboratório, enquanto um compor-
1985; Dietrich e Dunne, 1993, entre outros), favore- tamento inverso é observado em solos argilosos.
cendo o desenvolvimento de condições de saturação Dentre os métodos de campo destaca-se o
nos solos (por ex., Anderson e Burt, 1978; O'Loughlin, permeâmetro de Guelph (Reynolds e Elrick, 1985), o
1986; Fernandes et al., 1994, entre outros) e, em qual embora originalmente desenvolvido para estudos
última análise, a geração de deslizamentos nas encos- agronômicos (por ex., Salverda e Dane, 1993), vem
tas (Dietrich e Dunne, 1978; Tsukamoto et al., 1982; tendo seu uso expandido para a geotecnia (por ex.,
Reneau et al., 1984; Lacerda e Sandroni, 1985; Campos et al., 1992; Coutinho et al., 1997; Moreira,
Dietrich et al., 1986; Reneau e Dietrich, 1987; Coelho 1998; Vieira, 2001; Vieira e Fernandes, submetido).
Netto et al., 1988; Pedrosa et al., 1988; Coelho Netto e Este instrumento possui diversas vantagens para os
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estudos de deslizamentos, uma vez que permite medir Durante os ensaios no campo, a combinação
a condutividade hidráulica in situ (Figura 2a), é de do uso de cortes já existentes, associados a cicatrizes,
fácil transporte, requer pouca água para o ensaio e com a abertura de trincheiras, dentro de um processo
pode alcançar grandes profundidades (alguns metros), contínuo, permite a obtenção de perfis de conduti-
entre outras. A estrutura leve, associada à facilidade de vidade hidráulica englobando profundidades signifi-
montagem (Figura 2b), permitem que este instrumento cativas, podendo alcançar em alguns casos, como nas
seja transportado e utilizado em elevadas altitudes, encostas do Rio de Janeiro, mais de 6,0 metros dentro
sobre encostas íngremes, ou seja, dentro da realidade do manto de intemperismo (Moreira, 1998; Vieira,
encontrada no relevo acidentado de muitas áreas do 2001; Vieira e Fernandes, submetido).
sudeste brasileiro.
a b
CICATRIZ
Figura 2 – (a) Realização de ensaio de campo, com o permeâmetro de Guelph, para a determinação da condutividade hidráulica
saturada dos solos junto à cicatriz de deslizamento na bacia do rio Papagaio. As características de portabilidade do
equipamento permitem seu uso em áreas distantes, íngremes e elevadas. Neste local, por exemplo, o ensaio foi realizado
em uma encosta a 600 m de altitude, com declividade ao redor de 45o. (b) Visão esquemática do permeâmetro de Guelph.
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pósitos de deslizamentos recentes pode sugerir futuros Carrara et al., 1991; Van Westen, 1993; Carrara et al.,
padrões de comportamento das instabilidades. Dentro 1995; Chung e Fabbri, 1995; Leroi, 1997; Guzzetti et
deste enfoque merece destaque os mapas inventários al., 1999; Santos, 2000). Assume-se aqui que os
(por ex., Wieczorek, 1984; Amaral, 1996). Em geral, fatores que causaram a instabilidade em um certo local
são produzidos mapas refletindo a densidade de no passado serão os mesmos que ali gerarão futuros
deslizamentos no campo, seja para um único evento ou deslizamentos. Nestes métodos, os critérios e regras de
para uma série temporal de algumas décadas combinação são baseados em fatos, ou seja, padrões
(Campbell, 1973; Wright et al., 1974; Gao, 1993; mensurados a partir de observações de campo, ao
Larsen e Torres-Sanchez, 1998, entre outros). No invés da simples experiência do pesquisador, tornan-
entanto, como destacado por Van Westen (1993), as do-se de suma importância, a disponibilidade de exten-
informações geradas a partir desses procedimentos sos bancos de dados representativos dos processos a
limitam-se apenas às áreas onde ocorreram serem previstos, fato este ainda raro na realidade
deslizamentos no passado. brasileira.
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necessário a obtenção de relações entre o acontecimen- módulo de estabilidade. O primeiro módulo, baseado
to dos deslizamentos e a freqüência de ocorrência de nos estudos pioneiros de Beven e Kirkby (1979) e
certos fatores que deflagram a ruptura. Na grande O’Loughlin (1986), modela o balanço entre a
maioria das situações, em especial para a realidade concentração e a transmissão da água no solo
brasileira, o principal fator iniciador é a chuva e diver- caracterizando, em última análise, os locais na
sos trabalhos buscaram caracterizar relações entre paisagem que estarão submetidos à saturação. O
precipitação e deslizamentos, capazes de serem utili- segundo módulo, baseado no clássico modelo de
zadas em modelos de previsão e em sistemas de alerta Talude Infinito (ver revisão em Carson e Kirkby,
(Guidicini e Iwasa, 1976; Crozier, 1986; Vargas Jr. et 1972), simula a estabilidade de uma porção de solo
al., 1986; Keefer et al., 1987; Tatizana et al., 1987a; situada diretamente sobre embasamento rochoso. Nas
Tatizana et al., 1987b; Capecchi e Focardi, 1988; análises desses dois módulos são incorporados
Almeida e Nakazawa, 1991; Pedrosa, 1994; D'Órsi et parâmetros topográficos (declividade, área de contri-
al., 1997). buição), estes obtidos a partir de um modelo digital de
Deve ser lembrado, no entanto, que estes terreno; climáticos (precipitação); além de diversas
procedimentos de previsão de áreas susceptíveis a propriedades do solo (espessura, condutividade hidráu-
deslizamentos precisam estar acoplados a sistemas de lica saturada, densidade, coesão e ângulo de atrito).
monitoramento de campo, principalmente aqueles vol- A Equação 1 mostra, como exemplo, um
tados para a caracterização da dinâmica hidrológica resultado da combinação dos dois módulos do modelo
das encostas permitindo, então, uma real validação dos para a situação de solos com coesão. A implementação
resultados estimados. desses cálculos para cada célula (4 m2) da área estu-
dada, dentro de um ambiente SIG, permite hierarquizar
a área em termos de susceptibilidade à ocorrência de
4. Metodologia
deslizamentos. Ou seja, quanto maior for valor abso-
luto da razão Qc/ T, maior será a instabilidade do local.
A questão da previsão de áreas instáveis na
Mais detalhes podem ser obtidos em (Montgomery e
paisagem é aqui investigada através da utilização de
Dietrich, 1994; Dietrich e Montgomery, 1998;
um modelo matemático determinístico, o qual privile-
Guimarães, 2000; entre outros).
gia o controle topográfico dos deslizamentos nas
encostas. Este modelo é aqui aplicado a duas bacias
localizadas no Maciço da Tijuca (RJ) e a sua eficiência Qc sinθ C' ρ tanθ
é avaliada através da comparação, dentro de um SIG, = + s 1 − (1)
T (a / b) ρ gzcos2 θ tanφ ρw tanφ
entre as áreas previstas como instáveis pelo modelo e w
aquelas onde efetivamente ocorreram deslizamentos
onde:
em 1996.
Qc é a chuva crítica necessária para a ruptura,
T é a transmissividade do solo (produto entre a
4.1. O Modelo SHALSTAB
condutividade hidráulica saturada e a espessura do
solo),
O modelo SHALSTAB (Dietrich e
a é a área de contribuição,
Montgomery, 1998) é um modelo matemático
determinístico (steady-state) que visa a definição dos
θ é a declividade do local,
locais no relevo mais susceptíveis à ocorrência de ρw é a densidade da água,
escorregamentos translacionais rasos. Este modelo, g é a aceleração da gravidade,
desenvolvido ao longo da década de 90 (Dietrich et al., z é a espessura do solo,
1993; Dietrich et al., 1995), vem sendo aplicado a ρs é a densidade global do solo saturado,
diversos locais na costa oeste dos Estados Unidos φ é o ângulo de atrito do solo, e
(Montgomery, 1994; Montgomery e Dietrich, 1994; C’ é a coesão efetiva do solo.
Montgomery et al., 1998) e, mais recentemente, no
Brasil (Guimarães et al., 1999a; Guimarães et al., Deve ser destacado que, diferentemente da
1999b; Guimarães, 2000; Guimarães et al., grande maioria dos procedimentos de previsão de risco
submetido). Diferentemente de outros modelos, este e/ou susceptibilidade a deslizamentos, discutidos aqui
possui como principal característica a ênfase dada ao anteriormente, este modelo tem a grande virtude de
papel desempenhado pela topografia na deflagração incorporar o parâmetro área de contribuição na análise
desses movimentos, englobando tanto a declividade da estabilidade. Tal fato permite uma representação
quanto a área de contribuição. mais fiel do papel exercido pela topografia no condi-
Em termos gerais, o modelo SHALSTAB cionamento dos deslizamentos, incorporando os efei-
analisa, para cada célula dentro de um grid, obtido a tos de convergência dos fluxos de água exercido pelos
partir de um modelo digital de terreno, o resultado da hollows definindo, em última análise, os locais na pai-
combinação de um módulo hidrológico com um sagem submetidos a poro-pressões positivas críticas.
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Maciço da Tijuca
Maciço da
Pedra Branca
Figura 3 - Localização das bacias dos rios Quitite e Papagaio, na vertente oeste do Maciço da Tijuca, drenando em direção à
baixada de Jacarepaguá. A parte inferior da figura mostra a fotografia aérea sobre o modelo digital de terreno de alta
resolução (2m x 2m), podendo ser observadas as cicatrizes dos escorregamentos de 1996. Na porção superior dessas
bacias predominaram escorregamentos translacionais rasos, os quais alimentaram as corridas de massa observadas nas
porções média e inferior. Os rios Quitite (esquerda) e Papagaio (direita) fazem sua confluência em área densamente
ocupada, próxima à baixada de Jacarepaguá.
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permeâmetro de Guelph (Figura 2), englobando 5.1. Controles Morfológicos dos Deslizamentos
perfis de alteração desenvolvidos sobre diferentes
litologias. Com o intuito de mapear possíveis des- A Figura 4 resume os resultados obtidos na
continuidades hidráulicas no interior desses perfis, análise do potencial de deslizamento (PD) associado
associadas a condições críticas de poro-pressão, os aos parâmetros de declividade (a), forma da encosta
ensaios foram realizados no interior e próximo a (b) e área de contribuição (c). Esses resultados,
cicatrizes de deslizamentos de 1996. embora atestem a influência da declividade no
Em cada perfil as mensurações foram feitas condicionamento de deslizamentos, sugerem a exis-
a intervalos constantes (0,30 m próximo à superfície tência de limites críticos desse parâmetro nessas
e 0,50 m em condições mais profundas), desde a bacias. Como pode ser observado na Figura 4a, o
superfície do terreno até o impenetrável, alcançando- potencial de deslizamento cresce com o aumento da
se em alguns casos cerca de 6,0 metros de profun- declividade até a classe 37,0o-55,5º. A partir daí,
didade. Nestes locais, foram acopladas medições novos incrementos na declividade, ao contrário,
próximas (menos de 5,0 m de distância), situadas acarretam em uma diminuição no potencial de
fora e dentro da cicatriz, onde foram sendo esca- deslizamento. Esse comportamento dá suporte a
vadas trincheiras gradativamente mais profundas. outros estudos (por ex., Gao, 1993; Larsen e Torres-
O uso do permeâmetro de Guelph, graças à Sanchez, 1998), em que limites críticos de
sua portabilidade, permitiu a realização de mensu- declividade foram também observados. Sabe-se, no
rações in situ em encostas bastante íngremes, situ- entanto, que a análise isolada do papel desempe-
adas a mais de 500m de elevação, em locais com nhado pela declividade na deflagração de desliza-
elevada densidade de escorregamentos translacio- mentos é tarefa difícil de ser alcançada. Como obser-
nais rasos. Mais detalhes a respeito dessas análises vado nos mapeamentos de campo realizados nessas
podem ser obtidos em Vieira (2001) e Vieira e bacias, torna-se evidente a existência de relações
Fernandes (submetido). entre a declividade e outros parâmetros, tais como
espessura do solo, foliação metamórfica e fraturas de
alívio de tensão, os quais também exercem influên-
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES cia na estabilidade das encostas.
(a) 60
(b) 40 F OR M A D A E N C OS TA
50 DEC L IV IDADE
30
40
%
30 20
20
10
10
0 0
0-18.5 18.6-37.0 37.1-55.5 55.6-74.0 C onvexa R etilínea C ônca va
C la sses de D eclivida de (graus) F orm a d a E ncosta
L EG E N D A
(c) Freq uencia de O
Freqüência correncia (% )
Ocorrência
30
Potencial de
d e Deslizam
D eslizam ento -- PD (% )
25
Á R EA D E C O NT R IB U IÇ Ã O
20
%
15
10
0
100001-1100000
10001-100000
1001-10000
801-1000
201-400
601-800
101-200
401-600
81-100
21-40
61-80
41-60
0-20
2
C
Classes
lasses de Área
Area d e C o
ontribuicao
ntribuição (m )
Figura 4 – Freqüência de ocorrência e Potencial de Deslizamento (PD) associados às diversas classes dos parâmetros
morfológicos investigados nas bacias dos rios Quitite e Papagaio: (a) declividade, (b) forma da encosta e (c) área de
contribuição. O Potencial de Deslizamento é determinado através da razão entre o número de células afetadas por
escorregamentos (obtidos pelo mapeamento da cicatrizes) e o número total de células daquela classe (para cada
parâmetro morfológico analisado), dentro das duas bacias (modificado de Guimarães, 2000).
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Ksat (cm/s)
-5 -4 -3 -2 -1 0
10 10 10 10 10 10
0
(C4P2 + C4P4)
60
120
Profundidade (cm)
180
240
300
360
420
480
540
Figura 5 - Variação vertical da condutividade hidráulica saturada, medida in situ com o permeâmetro de Guelph, em um
perfil de alteração na bacia do rio Papagaio. O perfil foi montado através da combinação das mensurações feitas em
trincheiras abertas no interior e próximo à borda da cicatriz de um deslizamento ( a partir de Vieira, 2001).
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Mudanças tão acentuadas na condutividade paração dos locais instáveis previstos pelo modelo
hidráulica, em um curto espaço do perfil de alte- com a localização das cicatrizes dos escorregamen-
ração, representam descontinuidades hidráulicas tos de 1996. Como mostrado na Figura 6c, a efici-
importantes a serem identificadas em estudos de ência do modelo é evidente, uma vez que das 92
campo, as quais certamente, contribuirão para o cicatrizes mapeadas em 1996 nas duas bacias, 95%
desenvolvimento de poro-pressões positivas eleva- delas foram previstas pelo modelo dentro das duas
das durante chuvas intensas, podendo definir a loca- classes de maior instabilidade (Guimarães et al.,
lização espacial dos planos de ruptura de algumas 1999b; Guimarães, 2000; Guimarães et al.,
cicatrizes de deslizamentos no campo. Tais áreas, submetido).
devido à sua instabilidade potencial, devem ter pri-
oridade na instrumentação com piezômetros e tensi-
ômetros de modo a ter sua dinâmica hidrológica 6. Considerações finais
monitorada. Maiores detalhes sobre a variação late-
ral da condutividade hidráulica saturada na bacia Os resultados obtidos nos estudos realiza-
podem ser obtidos em Vieira (2001) e Vieira e dos nas bacias dos rios Quitite e Papagaio, relativos
Fernandes (submetido). a um ambiente de alta energia típico da Serra do
Mar, evidenciam o importante papel desempenhado
5.3. Previsão de áreas susceptíveis pela morfologia do terreno no condicionamento dos
movimentos de massa. Os mapeamentos e simu-
A Figura 6 apresenta, em 3 dimensões, os lações realizadas permitiram definir que a área de
resultados da aplicação do Modelo SHALSTAB às contribuição (por unidade de contorno) é um parâ-
bacias dos rios Quitite e Papagaio, para um dos metro morfológico muito importante, devendo ser
vários (mais de 125) cenários simulados. Os valores incorporado às metodologias voltadas para a pre-
utilizados nessa simulação, associados aos vários visão de áreas de risco a deslizamentos. Ou seja, a
parâmetros considerados pelo modelo (ver Equação análise do papel da topografia no condicionamento
1), encontram-se descritos na legenda dessa figura. dos deslizamentos deve ir além da tradicional me-
Os níveis de instabilidade são expressos a partir de dição da declividade do terreno.
classes de Log (Qc/T), definidos pela aplicação da A combinação de modelos matemáticos ba-
Equação 1 à cada célula (4 m2) das bacias (Figura seados em processos com monitoramentos de
6a). Os níveis de instabilidade propostos pelo campo, voltados para a caracterização da dinâmica
modelo variam da classe incondicionalmente estável hidrológica sub-superficial dos solos, torna-se
(laranja) até a incondicionalmente instável (cinza), importante ferramenta nos estudos de previsão de
com gradação contínua entre esses níveis extremos. áreas susceptíveis a deslizamentos. O fato dos
A comparação deste mapa com os mapeamentos de resultados aqui mostrados do modelo não terem
campo nos permite afirmar que muitas das áreas incorporado, nesta etapa do trabalho, variações
consideradas pelo modelo como incondicionalmente espaciais das propriedades do solo ao longo das
instáveis (cinza) representam, na realidade, locais bacias, apenas das variáveis morfológicas (declivi-
caracterizados pela presença de paredão rochoso. dade e área de contribuição), e mesmo assim este ter
Nestes locais o resultado do modelo não admite a tido uma eficiência de cerca de 95% é, incon-
preservação de solo na encosta, concordando com o testavelmente, uma prova de sua robustez e do
observado nesses mapeamentos. importante papel desempenhado pela topografia na
Na Figura 6b, representando uma visão de deflagração dos deslizamentos ali ocorridos. Acredi-
detalhe de parte da área estudada, as cicatrizes dos ta-se aqui que este modelo possui um enorme
escorregamentos mapeados em 1996 (contornos em potencial de uso na definição de áreas instáveis em
preto) encontram-se sobrepostas ao mapa de suscep- regiões onde as propriedades do solo são ainda
tibilidade. Pode-se notar que, diferentemente de pouco conhecidas, pelo menos a níveis de resolução
outros procedimentos de previsão de áreas suscep- próximos àqueles utilizados aqui para a discreti-
tíveis em uso, há uma íntima relação entre a forma zação da topografia (grid de 2m x 2m), situação
alongada das cicatrizes observadas no campo e as comum na grande maioria das situações.
áreas previstas pelo modelo como mais críticas, Embora outros fatores estejam envolvidos
representadas pelas cores vermelha e cinza. Ou seja, na geração desses fenômenos (por ex. geológicos,
aqui as áreas críticas não são apenas “pontos” ou antrópicos), acredita-se aqui que uma melhor
“círculos” em uma mapa, mas sim polígonos alonga- investigação dos parâmetros morfológicos, com
dos que seguem as direções de transporte de água e destaque para a forma da encosta e para a área de
sedimentos observadas no campo. Mais uma vez, contribuição, possibilitada nos dias de hoje pela
torna-se evidente a vantagem do uso de modelos crescente disponibilidade de modelos digitais de
baseados em processos, os quais refletem com maior terreno de alta resolução, levará a uma melhor
precisão os mecanismos observados na natureza. compreensão dos mecanismos de ruptura envolvidos
Os resultados dessas simulações, embora e uma previsão mais efetiva desses fenômenos em
ainda iniciais, vêm sendo validados através da com- escalas regionais.
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