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AS MULHERES NEGRAS ROMPENDO O SILÊNCIO NO LIVRO

DIDÁTICO SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI1

SILVA, Rosana de Medeiros2

RESUMO: A proposta deste trabalho é apresentar algumas considerações acerca de


levantamento preliminar do conteúdo sobre gênero/raça, presente no livro didático “Sociologia
para Jovens do Século XXI”, de Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa, à
luz das perspectivas dos Estudos Pós-Coloniais Latino- e o Feminismo Negro Latino americano.
Para tratar os dados fizemos uso da Análise de Conteúdo via Análise Temática (BARDIN,
2006);Para isso, as reflexões de bellHooks, Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Léila González,
Angela Davis, aqui serão tomadas como alguma das principais referências que orientarão o
nosso olhar. Os resultados apontaram que a obra analisada, em sua edição do PNLD de 2015,
mobiliza autores majoritariamente do eixo ocidental de produção acadêmica, dentre os quais
destaca Deborah Blum, Joan Scott, Simone de Beauvoir, Alfred Kinsey, Michel Foucault, Luiz
Mott, Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro e Lorene Bernardete da Silva. Ressalta, assim,
pelas ausências e presenças, privilégios epistêmicos e hierarquia de saberes. Já na edição de
2018, a crítica do feminismo negro e pós-colonial é incorporada ao conteúdo do LDS
enriquecendo o debate, trazendo grandes intelectuais negras. Pretende-se com este artigo,
demonstrar a importância de se estudar mulheres negras na educação básica, visando promover
a valorização da imagem da mulher negra quebrando estereótipos e mitos históricos, além de
focar na formação de uma sociedade em que os sujeitos respeitem e sejam respeitados nas suas
diferenças, anulando então práticas excludentes tão comuns na sociedade.

Palavras-chave: Estudos Pós-coloniais; Feminismo Negro, Livro Didático; Sociologia.

INTRODUÇÃO

A vigente edição do Plano Nacional do Livro Didático aprovou cinco obras


didáticas para a disciplina de Sociologia. Dentro dos limites desde texto, optou-se por
selecionar apenas uma para ser submetida à observação e análise qual foi mencionado
anteriormente, o livro “Sociologia para Jovens do Século XXI”, de Luiz Fernandes de
1
Artigo desenvolvido na pós-graduação, para o componente curricular Tópicos Especiais em Práticas de
Ensino eConteúdos Curriculares, ministrada pelo professor Dr.º Isaac Alexandre da Silva, como parte das
atividades desenvolvidas no período 2019.1.
2
Mestranda em Sociologia, noMestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional – PROFSOCIO
(UFCG/CDSA). Graduada em Ciências Sociais (Licenciatura), pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA). Integrante do Núcleo de
Estudos e Pesquisa em Etnicidade e Cultura (NEPEC). Membro do corpo editoral do Periódico: Cadernos
de Ciências Sociais (CDSA/UFCG).Email: medeirosrosana01@gmail.com.
Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa (2016). Sua escolha deve-se primeiro, porque
tal obra esteve presente nas duas últimas edições do PNLD de Sociologia, permitindo-se
um exercício comparativo, e é uma entre duas obras dessa edição do programa que
contempla um debate de gênero em capítulo exclusivo ao tema. No caso desta obra
específica, possui não apenas um, mas dois capítulos exclusivos sobre a temática,
destacando-se em relação às demais obras do PNLD da disciplina pelo espaço dedicado
a esse campo de conhecimento.
As pesquisas sobre ensino de Sociologia na educação básica, no âmbito das pós-
graduações, em especial em Educação e em Ciências Sociais, têm sido ampliadas nos
últimos anos, principalmente após a inclusão obrigatória da disciplina no currículo
escolar3, em 2008, como aponta balanço realizado por Anita Handfas (2017). Os
sentidos e a história da disciplina, assim como o currículo e a formação dos professores,
figuram entre os temas mais pesquisados, no entanto, a autora indica um incremento de
trabalhos envolvendo livros didáticos, sinalizando um interesse crescente sobre esse
objeto. Mais do que uma peça técnica de referência, pretensamente neutra, o livro é um
“lugar privilegiado” de produção e reprodução simbólica, parte constituinte da dinâmica
social na qual é produzido.
Posto isto, compreendemos que os livros didáticos se configuram enquanto um
espaço, dentro da cultura educacional, no qual as Mulheres Negras são representadas
nos diversos setores da vida social. Portanto, o livro didático é o resultado de uma
seleção curricular que opera por meio de determinados interesses sociais, culturais,
políticos e econômicos, embasando conhecimentos que, em sua grande maioria,
refletem os valores ideológicos dos grupos dominantes.
Sendo assim, em linhas gerais, pensar o que significa estudar raça e gênero nas
escolas, qual definição desse conceito é construída pelos livros e como o a presença das
Mulheres Negras é organizada e exposta, mobilizou aqui o exercício proposto. Além
disso, pensar a dinâmica de (re) distribuição de poder dentro do currículo escolar,
através do que e como certos conteúdos estão ou não presentes, também contribuiu para
as considerações.

3
A Lei Federal 11.684 de 2008 alterou o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional(LDB), estabelecendo a obrigatoriedade das disciplinas Sociologia e a Filosofia, em todas as
séries do ensino médio, nas redes públicas e privadas do país. No entanto, em 2017, a reforma do ensino
médio, sancionada pela Lei 13.415, alterou a estrutura desse nível de ensino e, entre outras coisas, retirou
a obrigatoriedade da Sociologia (e também da Filosofia) como disciplina componente de sua grade
curricular.
Neste momento, procura-se apenas suscitar algumas reflexões e possíveis
olhares sobre umas temáticas tão caras e atuais quanto o debate de gênero/raça dentro
das salas de aula, além de destacar o livro didático como uma via de acesso eficaz para
esses objetivos.
Para a análise do Livro Didático de Sociologia recorremos à metodologia da
análise de conteúdo, que pode ser definida como aquela que auxilia na compressão dos
sentidos de determinado texto, estando ele oculto ou mais evidente para a/o
leitora/leitor. Segundo Laurence Bardin (2016), a análise de conteúdo tem, em geral,
três etapas, a primeira é a “pré-análise”, na qual o/a pesquisador/a deve analisar as
características do texto; a etapa da “exploração do material a ser analisado”, na qual se
busca perceber as consequências das mensagens encontradas no texto pesquisado; e, por
fim, a “interpretação propriamente dita”, na qual serão tratadas, as dadas e descritas as
partes relevantes, por meio de codificações apreendidas nas unidades de registro e de
contexto anteriormente formuladas (BARDIN, 2016).

2. BREVE HISTÓRICO DOS MANUAIS E/OU LIVROS DIDÁTICO DE


SOCIOLOGIA NO BRASIL

Foi a partir da década de 30, com a inserção da sociologia na grade curricular do


ensino secundário4, que temos registrado a presença dos primeiros livros e/ou manuais
nas escolas (GUELFI, 2001; MEUCCI, 2011). De acordo com Guelf (2001) o primeiro
manual nacional destinado ao ensino da sociologia na escola, foi o de Delgado de
Carvalho publicado em 1931. Os primeiros manuais didáticos de sociologia produzidos
no Brasil datam de 1931 a 1948, como fontes originais – e enquanto fenômenos
sociológicos – de produtos e produtores de formas de representação da vida social
singular do período.
Dessa forma, o processo de institucionalização da ciência sociológica no Brasil
pode ser compreendido através da produção e difusão do conhecimento da sociologia
por meio dos primeiros manuais didáticos que eram usados nos cursos normais,
secundários e preparatórios para o ensino superior. Pois, sua sistematização encontrava
se inserido na preocupação e interesse dos autores em difundir a nova área de
conhecimento no sistema regular de ensino. (MEUCCI, 2001).

4
Atualmente ensino médio.
Não obstante, os investimentos nas publicações pedagógicas, a partir da década
de 30 também se encontravam relacionados aos incentivos e interesses da indústria
editorial, que tinha por finalidade angariar recursos no mercado, promovendo a
nacionalização dos livros adotados no sistema de ensino do Brasil. Segundo Meucci
(2007), a sociologia ganha espaço para as primeiras produções didáticas condicionada
por um lado pela consolidação da disciplina no sistema regular de ensino e por outro
pelo surgimento de um mercado editorial, sobretudo voltado à reprodução de obras
sobre o Brasil e ao investimento na área pedagógica.
Com o ingresso da sociologia como componente curricular obrigatório no
Ensino Médio em 2008, abrisse um novo leque de possibilidades para esta disciplina.
Mas, é apenas em 2012 que passará a integrar o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) foram avaliados e distribuídos livros didáticos de sociologia pensados para essa
modalidade de ensino. Nesse contexto, Meucci (2014), nos chama a refletir sobre a
importância do PNDL e da participação inédita da sociologia, pois nos coloca diante de
uma produção livros em todo o país no período de 2009 a 2010, ou seja, no período que
marca a reintrodução da sociologia no Ensino Médio.
A inserção da sociologia no PNDL 2012 vem para contribuir com o processo de
legitimação da disciplina e com a produção didática voltada a atender e suprir as
exigências referentes ao ensino médio. Segundo Meucci (2013), o acesso ao
pensamento social brasileiro não é algo exclusivo da sociologia, outras disciplinas como
história, geografia e literatura também são importantes veículos de rotinização do
pensamento social e sociológico. Contudo, a recente institucionalização da sociologia
no nível médio e a atual produção didática, incentivada, sobretudo pelo PNLD, nos
colocam diante de um novo momento no qual se faz necessário investigar e
compreenderas condições atuais de circulação deste conhecimento.
No entanto, “O avanço da consolidação de nossa disciplina como componente
curricular em todas as escolas de ensino médio no Brasil se traduziu nesta segunda
edição do PNLD 2015 na aprovação de seis livros didáticos de Sociologia.” (BRASIL,
2014 p.07). Tal fato pode ser considerado um grande avanço tanto no que diz respeito à
quantidade de livros disponibilizados para análise e como na “diversidade maior de
títulos com abordagens de temas pouco – ou não – contemplados nas obras apresentadas
no PNLD 2012”. (TAVARES, 2014, p. 07). Ampliando, assim, o debate referente à
necessidade de se reconstruir conteúdos, temas, linguagens, metodologias e objetos de
estudos das ciências sociais que sejam capazes de contribuir com a formação do jovem
aluno do ensino médio.
Assim, o material didático, não só para a sociologia, mas para as diferentes
disciplinas encontra-se como um dos recursos mais utilizados no ambiente escolar, pois
cabe a este determinar os conteúdos e condicionar as estratégias de ensino, assumindo
assim, o papel de um currículo escrito. Ao mesmo tempo, que passa a ser um
instrumento legitimador das propostas e discursos oficiais, tornando-se um mecanismo
possuidor de poder no ambiente escolar. Os livros didáticos muito têm a nos revelar a
respeito da sociologia de hoje, e parte disso se dá justamente pelo que eles não dizem,
ou seja, pelo que é pressuposto em seus textos. Daí a relevância de investigar esse
recurso didático.

3. OLHARES DO FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO PÓS-COLONIAL


NO LDS “SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI”

Nos últimos anos entende-se como Movimento Negro as mais diversas formas
de organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta
contra o racismo e que visam à superação desse perverso fenômeno na sociedade. São
muitas e ricas as ações ao combate ao racismo que vimos desenvolvendo. Alguns
escritos estimularam o pensamento crítico, com excelência em alguns campos que tem
resultado em avanços reais a questão racial. Como nos alerta Maria Aparecida da Silva
a educação é uma das áreas em que figura o maior número de experiências concretas e
produção teórica nos escopos de trabalhos realizados pelo Movimento Negro e o
pensamento pós-colonial na contemporaneidade. (CARNEIRO, 2002).
O Livro didático é de um recurso extrema importância para o acesso á cultura e
o desenvolvimento da Educação e em muitas circunstâncias o livro didático é o único
contato e foram nos Livros Didáticos onde houve as primeiras denunciações a
sedimentação de papéis sociais subalternos protagonizados por personagens negros e a
retificação de estereótipos racistas. Grupos políticos, acadêmicos, culturais, religiosos e
artísticos com o objetivo explícito de superação do racismo e da discriminação racial, da
valorização e afirmação das histórias e da cultura negra no Brasil de rompimento das
barreiras racistas impostas aos negros e às negras na ocupação dos diferentes espaços e
lugares na sociedade como as instituições escolares. (GOMES, 2017, p.25).
Para tentar compreender que representações sobre as mulheres negras estão
presentes nos Livros Didáticos de Sociologia, construiu-se um percurso metodológico
de análise de dados. Assim, é como aporte desses olhares que nos lançamos sobre a obra
selecionada: o livro didático “Sociologia para jovens do século XXI”.
De acordo com o Guia do PNLD 2018, essa obra se caracteriza por uma
abordagem temática, em torno da qual são apresentados os autores clássicos e
contemporâneos das Ciências Sociais. Uma característica marcante da obra é a
valorização de situações familiares aos jovens para a abordagem dos temas
sociológicos. Nele, a Sociologia é apresentada a partir de fatos do cotidiano,
privilegiando os conhecimentos prévios dos estudantes e problematizando os mais
variados fenômenos da realidade em suas dimensões social, política, econômica e
cultural. Essa característica da obra pode ser observada nos títulos dos capítulos que
fazem alusão a frases, jargões letras de música ou acontecimentos da realidade, por
meio dos quais os principais conteúdos da Sociologia, Antropologia e Ciência Política
serão abordadas.
O livro do estudante, com 400 páginas, é estruturado em torno de três unidades,
cada qual com oito capítulos, somando 24 capítulos compostos por seções e subseções.
A unidade 1, “Sociedade e conhecimento sociológico”, propõem uma introdução ao
pensamento social e tem como objetivo apresentar os principais conceitos das Ciências
Sociais por meio de seus autores e debates clássicos; a unidade 2, “Trabalho, Política e
Sociedade”, destaca a constituição do capitalismo e sua manifestação concreta nos
processos de globalização e neoliberalismo; por fim, a unidade 3, intitulada “Relações
sociais contemporâneas”, oferece uma coletânea de temas atuais que se desenvolvem
em oito capítulos que tratam: 1) da questão urbana e 2) da terra no Brasil, 3) violência e
desigualdades sociais, 4) religiosidade e juventude, 5) racismo e o dilema racial
brasileiro, 6) gênero e dominação masculina, 7) diversidade sexual e de gênero,
e,finalmente, 8) da questão indígena – sendo esses dois últimos temas, trabalhados em
capítulos exclusivos, as novidades dessa edição.
Como anunciado na introdução desse trabalho, os esforços serão voltados para
analisar, ainda que em caráter preliminar, os capítulos destinados à temática de
gênero/raça. No entanto, vale ressaltar que, para uma análise mais apurada da
abordagem do tema na obra, faz-se necessária a leitura atenta e pormenorizada de todo o
volume, a fim de identificar e problematizar as interfaces com as perspectivas de gênero
e o modo como são realizadas, além das mudanças e permanências em relação às
edições anteriores, entre outros.
De acordo com Limoeiro (2016), a obra “Sociologia para jovens do século
XXI”, em sua edição do PNLD de 2015, mobiliza autores majoritariamente do eixo
ocidental de produção acadêmica, dentre os quais destaca Deborah Blum, Joan Scott,
Simone de Beauvoir, Alfred Kinsey, Michel Foucault, Luiz Mott, Miriam Abramovay,
Mary Garcia Castro e Lorene Bernardete da Silva. Ressalta, assim, pelas ausências e
presenças, privilégios epistêmicos e hierarquia de saberes. Já na edição de 2018, a
crítica do feminismo negro e decolonial são incorporadas ao conteúdo do capítulo 22
enriquecendo o debate. Segundo os autores,

É importante ressaltar que a divisão da história do feminismo em três ondas


coloca as mulheres brancas de classe média como agentes centrais da história
da luta pelos direitos das mulheres (…) essa perspectiva histórica estabelece
o início do movimento feminista com o movimento das sufragistas e está
relacionada a um ponto de vista eurocêntrico que ignora iniciativas,
organizações e associações de outras mulheres, de outros continentes e etnias.
A perspectiva feminista clássica, que tem o seu paradigma na mulher branca
ocidental, encobrindo as contradições intragênero e entre os gêneros em uma
sociedade racializada, tendeu a apresentar as experiências desse grupo
específico como sendo a experiência de todas as mulheres. O movimento
feminista ‘oficial’ não levou em consideração as sobreposições das
desigualdades, pois gênero, raça e classe social se combinam de modo muito
cruel na vida de algumas mulheres (PEREIRA, 2018 apud OLIVEIRA;
COSTA, 2016, p.p 346-347).

Rompendo o debate sobre gênero e do capiltalismo patriarcal, os leitores do LDS


“Sociologia para jovens do século XXI” passam a conhecer nomes do pensamento
intelectual negro brasileiro, a filósofa Djamila Ribeiro e a antropóloga Léila Gonzalez,
como também, os pensamentos da norte-americana Angela Davis. Consideradas de
grande importância para o Movimento Feminista Negro e com um pensamento
decolonial contribuíram para denunciarem o entrelaçamento ao racismo e a estrutura de
classes. Sobre Lélia Gonzalez, os autores escrevem:

Sua intervenção acadêmica e sua militância se pautaram por um caráter de


denúncia sistemática não somente do machismo, mas também do racismo, em
especial aquele que atinge e exclui de forma bastante violenta as mulheres
negras e indígenas na sociedade brasileira. Lélia Gonzalez se contrapõe ao
feminismo branco e elitista que se impunha como hegemônico em nosso país,
destacando a necessidade de se repensar as reivindicações das mulheres e a
luta contra as opressões existentes, tendo como ponto de partida as diferentes
trajetórias vividas, demarcadas pela sua classe social e pela cor de sua pele
(CARDOSO, 2014). A militância de Lélia Gonzalez em torno do que ficou
conhecido como o feminismo negro marcou a década de 1990, no Brasil
(PEREIRA, 2018 apud OLIVEIRA; COSTA, 2016, p.p 345-346).
Baseada no pensamento da feminista negra Léila Gonzalez, Djamila Ribeiro
ganha reconhecimento no LDS com uma visão ampla sobre o tema através do trecho no
artigo intitulado: “As diversas ondas do feminismo acadêmico” publicado originalmente
no Blog Carta Capital, em 25 de Março de 2014, no qual a filósofa evidência que

As críticas trazidas por algumas feministas dessa terceira onda […] vêm no
sentido de mostrar que o discurso universal é excludente; excludente porque
as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, seria necessário
discutir gênero com recorte de classe e raça, levar em conta as
especificidades das mulheres. Por exemplo, trabalhar fora sem a autorização
do marido jamais foi uma reivindicação das mulheres negras/pobres, assim
como a universalização da categoria “mulheres” tendo em vista a
representação política, foi feita tendo como base a mulher branca de classe
média. Além disso, propõe, como era feito até então, a desconstrução das
teorias feministas e representações que pensam a categoria de gênero de
modo binário, masculino/feminino (PEREIRA, 2018 apud OLIVEIRA;
COSTA, 2016, p. 346).

Se examinarmos criticamente, ou até mesmo de maneira breve, é perceptível que


a linha central do livro didático, infelizmente a condição da mulher ainda é partilhada e
sustenta a supremacia branca. O imperialismo, sexismo e racismo distorcem a educação
a tal ponto que ela deixou de ser uma prática de liberdade. O clamor pelo
reconhecimento da diversidade, por repensar os modos de conhecimento e pela
desconstrução das antigas epistemologias, bem como a exigência concomitante de uma
transformação dos livros didático, como ensinar e sermos ensinados sobre feminismo,
que antes aprecia de forma universal na obra, foram necessárias revoluções, para que o
recorte do feminismo negro tivesse local para aparecer, de modo que o conhecimento
sobre o tema fosse partilhado e ao mesmo tempo a reflexão crítica sobre a produção
contemporânea da teoria feminista mostra com clareza a ideia da mulher universal, e
começa a ocorrer ou torna-se mais óbvio a segregação e a institucionalização das lutas,
e desejos, dentro dos movimentos feministas negras, descobriram que aquilo que lutava,
liam, não tinha sentido, ou quando podia ser sentido não tinha ligação com a realidade
vivida, isto é, as mulheres universais, escondiam histórias reais de mulheres com
“reivindicações e desejos específicos, cuja luta reflete o grau das relações de poder
presentes na sociedade. Existe outros saberes, outras culturas, outras experiências à
margem dos poderes e da ideologia que predomina” (OLIVEIRA; COSTA, 2016, p.
350).
Segundo a filósofa francesa Simone de Beavouir (1980), a mulher foi construída
como o Outro, a mesma é vista como objeto. De forma simples, seria pensar a mulher
como algo que tivesse uma função. A partir desse olhar do dominador, um olhar
masculino, impede a mulher de ser um “ser pra si”, um sujeito que não conheceria todas
as possibilidades ofertadas pelo mundo, um sujeito invisível.
Na última seção do capítulo 22, os autores apresentam a seguinte pergunta: “Por
que é importante estudar e pesquisar sobre mulheres? Em qualquer situação de
colonização, de dominação, o oprimido, o explorado desenvolve vários estilos de
relatos, falando de outra maneira, para aqueles que têm o poder de oprimir e dominar,
uma maneira que permite que seja compreendido por quem não conhece sua maneira de
falar, sua língua. Sempre existiu um olhar colonizador sobre os saberes, as produções
das mulheres brancas e das mulheres negras, onde faz necessário para os autores
OLIVEIRA e COSTA (2016) problematizar a invisibilidades dessas como sujeitas,
para, além disso, sujeitos da ciência e do conhecimento.
Se para Simone de Beavouir, a mulher é o Outro, por não ter nenhuma
reciprocidade do olhar do homem, pra Granda Kilomba, a mulher negra e o Outro, do
Outro, posição que colocar a mulher negra em um lugar mais difícil. Para Kilomba se
faz necessário enfrentar essa invisibilidade, a fim de alcançar a igualdade entre gêneros,
pois as mesmas ocupam um lugar muito difícil na sociedade supremacista branca a fim
de radicar a violência de gênero, ampliando seus direitos de cidadania e ganhar forças
para pensar a interssecionalidade ampliando o olhar e percebendo que não pode haver
primazia de uma opressão sobre as outras e que é preciso romper com a estrutura. É
pensar que raça, classe e gênero não podem ser categorias pensadas de forma isolada,
porque são indissociáveis. (RIBEIRO, 2018, p.122). E assim, os autores do livro
didático de sociologia “Sociologia para jovens do século XXI” fazem algumas
considerações a fim de provocar os leitores:

Precisamos refletir sobre a importância dos grupos dominados se tornarem


canais de resistência e de luta (…). Você concorda que através dos estudos
feministas e do maior engajamento em movimentos sociais e coletivos de
mulheres pode-se transformar e mudar a realidade de discriminação e
violência que descreveremos aqui? (...) Afinal, para você, a educação está
diretamente relacionada à possibilidade de mudanças na sociedade?
(PEREIRA, 2018 apud OLIVEIRA; COSTA, 2016, p. 353).

Encerrando o capitulo 22, os autores trazem uma citação, em caixa de destaque,


grande intelectual negra, nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie: “o gênero dita o modo
como experimentamos o mundo. Mas podemos mudar isso (…) a cultura está em
constante mudança (…) não é a cultura que molda as pessoas, são as pessoas que fazem
a cultura” (ADICHE, 2015 apud OLIVEIRA; COSTA, 2016, p. 353). O capitulo foi
iniciado com um homem branco discutindo sobre o ser mulher e finaliza com uma
mulher negra chamando para a mudança. Logo, partindo do principio hegemônico,
transgredindo o pensando, Chimammanda, “ergue a voz” 5 ao final do capitulo, e pensa
como feminista pensa como uma mulher negra, rompendo com a universalidade em
relação aos homens. Portanto, segundo Djamila Ribeiro (2017), as mulheres negras vê
historicamente produzindo saberes e insurgências, de maneira que se faz necessário para
o enfrentamento à visão colonial. A tomada de consciência sobre o que significa
desestabilizar a norma hegemônica é vista como inapropriada ou agressiva porque ai
esta confrontado o poder.

O Livro Didático “Sociologia para jovens do século XXI”, traz reflexões na qual
o olhar sociológico diante das diversidades, questões de gênero, raça, classe às questões
raciais, se fazem presentes ao ponto de suscita reflexões interessantes, e diante das
mesmas possa possibilitar os avanços diante dos desafios enfrentados pelas populações
que fogem do olhar colonizador, e das normas impostas pelo patriarcado
heteronormativo, apresentando as contribuições para as Ciências Sociais, e sobretudo,
tomar a educação como prática de liberdade instigando os estudantes a se pensarem
como participantes desses processos sociais e os ensinando a transgredir.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva que norteou esse trabalho foi a de tentar compreender o


tratamento que tem sido dado à mulher negra no Livro Didático de Sociologia, com
recorte, escolhemos o titulo “Sociologia para jovens do século XXI”. Mesmo
identificando alguns ranços de colonialidade que existem nas políticas pedagógicas e
que se materializam no LD usado na sala de aula.
De acordo com Limoeiro (2016), a obra “Sociologia para jovens do século
XXI”, em sua edição do PNLD de 2015, mobiliza autores majoritariamente do eixo
ocidental de produção acadêmica, dentre os quais destaca Deborah Blum, Joan Scott,
Simone de Beauvoir, Alfred Kinsey, Michel Foucault, Luiz Mott, Miriam Abramovay,
5
O ato de erguer a voz expressão utilizada pela intelectual negra bell hooks é mais do que o simples ato de
proferir palavras através da fala, erguer a voz se encontra no plano da ação. Surge através da sua primeira
obra, publicada originalmente em 1989 nos Estados Unidos Erguer a voz: pensar como feminista, pensar
como negra.
Mary Garcia Castro e Lorene Bernardete da Silva. Ressalta, assim, pelas ausências e
presenças, privilégios epistêmicos e hierarquia de saberes. Já na edição de 2018, a
crítica do feminismo negro e descolonial são incorporadas ao conteúdo do capítulo 22
enriquecendo o debate, com grandes intelectuais negras, dentre elas: Angela Davis,
Djamila Ribeiro, Léila Gonzalez e Chimamanda NgoziAdichie. É nesse sentido que
esse texto buscou também destacar a relevância do ensino tanto de Sociologia, quanto
de gênero/raça nas escolas, dada a potencial contribuição de ambos em vista de uma
educação democrática e descolonizadora do conhecimento.
O que significa estudar gênero/raça nas escolas, como a presença desse debate
vem aumentando a presença das intelectuais negras, imagens de mulheres negras vistas
por uma nova ótica, e se tornando um consenso nos livros didáticos e o que tais obras
revelamdo debate travado no campo científico são algumas das questões que podem
serlevantadas como desdobramento das considerações expostas, sinalizando
possibilidades para o aprofundamento das investigações acerca dos debates sobre,
gênero/raça, mulheres negras no espaço escolar.
As mulheres negras não precisam de mediação, são protagonistas de sua própria
história, porém, a oportunidade de criar epistemologias, novos produtos pedagógicos,
novos debates e reflexões, de reunir os coletivos negros em prol de um futuro melhor e
mais justo significa um grande avanço na luta da causa da mulher negra.

REFERÊNCIAS

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