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LUÍS ALONSO SCHÖKEL

B ÍB L IA D O P E R E G R IN O
I yj?lon o eeóoubo ini .ohá'udsac'V ob c

NOVO TESTAMENTO
Titulo original
Biblia d e l peregrino - Nuevo Testamento - Edición de <■■■ti i<1¡. ■
Ega - Mensajero - Verbo Divino
© Luís Alonso Schoke!, 1996

Colaborador para a edigáo espanhola (1-2Cor)


José M aría Pérez Escobar

Edigáo brasileira
Tradugáo do texto bíblico
José B ortolini e ivo Stornioio

Tradugáo do vocabuiário, introdugóes e notas


José Raim undo Vidigal

Revisáo literária
José D ias G ouiart

Revisáo técnica e tradugáo dos acréscimos ás notas dos evitm


José B ortolini

Revisáo tipográfica
Jeam Carlos Lopes

Capa
Cláudio Pastro

Com aprovagáo eclesiástica


Carta protocolar ns 0403/99

© PAULUS - 2000
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 Säo Paulo (Brasil)
Fax (0...11) 570-3627
Tel. (0...11) 5084-3066
http://www.paulus.org.br
dir.editorial@paulus.org.br

ISBN 85-349-1598-9 (encadernada)


ISBN 85-349-1632-2 (brochura)
ÍNDICE

4brrviaturas
l'it'fácio à ediqáo brasileira
Prólogo
Viinibulário de notas tem áticas do N ovo Testamento
^ nitf’elho segundo M ateus
t vmi^clho segundo M arcos
> vini)',dho segundo Lucas
( Viiii);clho segundo Joáo
Alus dos Apóstalos
i mía aos Romanos
hlnicira carta aos Corintios
•si finida carta aos Corintios
i min aos Gálatas
t mía aos Efésios
i mía aos Filipenses
i mía aos Colossenses
l't in ir ira carta aos Tessalonicenses
•»numida carta aos Tessalonicenses
hlnicira carta a Timoteo
fci.^imda carta a Timoteo
I mia a Tito
i mia a Filemon
i mía aos Hebreus
i mía de Tiago
l'ilinnia carta de Pedro
ti*.pínula carta de Pedro
hlini'iia carta de Joáo
carta de Joáo
|n , n ía carta de Joáo
I mía de Judas
A|im alipse

A l’iilcstina no tempo de Jesús


A>i Viagens de Sáo Paulo
ABREVIATURAS

G é n e sis............................... ..............Gn Jo e !.................................


E xodo.................................. ...............Ex A m os.............................
L evítico............................... ...............Lv A b d ia s...........................
N ú m e ro s............................ .............Nm J o ñ a s ............................. h
D euteronòm io................... ...............Dt M iq u éia s....................... ii
Naum ............................
Josué ................................... ................ Js Habacuc ........................ ..... 1I ‘
J u íz e s .................................. ................ Jz S o fo n ias........................ ]|t
R ute...................................... ................Rt A g e u .............................
S a m u e l................................ .. lSm , 2Sm Z acarías.........................
R e is...................................... .... 1Rs, 2Rs Malaquias .................... t t■
('ro ñ ic a s .................................. ICr, 2Cr
Esdras ................................. ............. Esd r- i=
N eem ias..............................................Ne M a te u s..........................
M arco s.......................... í\ 1
Tobias.................................. ................Tb
Judite................................... .................Jd L ucas.......................................... 1

E ste r.................................... ...............Est J o á o ....................................... !


Atos dos A p ó sto lo s.... \|
M acabeus........................... lM c, 2Mc
R om anos...................... .... ....... Im -
.................Jó C o rin tio s...................... ..... ICor, '< m»
S a lm o s ................................ ............... SI G á la ta s.......................... ................ '.i
Provérbios.......................... .................Pr E fé s io s ......................... ................. 1i
Ecl F ilipenses..................... .................. 1i
C àntico.................................................Ct C olossenses................. ................... < l
S ab ed o ria........................... ................Sb T essalonicenses........... ........... l i s , 2 1 -
Eclesiástico (Ben S irac)............... Eclo T im oteo........................ .......lT m , 1' V\f\
T ito ................................ .................. 1 1
Isaías ................................... .................Is F ilem o n .........................
Je re m ía s............................. .................Jr H eb reu s........................ .................. Ilh
L am entagóes..................... ...............Lm Carta de Sao Tiago..... ..................... IV.
B aruc.................................. ................Br Cartas de Sao P ed ro ... .......... lP d, 2IM
E zeq u iel.......... .................. ................Ez Cartas de Sao Jo á o ..... ....lJo , 2Jo, 3Jo
Daniel ................................ ............... Dn Carta de Sáo Ju d a s..... ......... .............. Id
O s é ia s ................................ ................Os A p o calip se .................. .................... A,»

E m ordern alfabética:
Ab Abdias IC r Primeiro livro das Crónicas
Ag Ageu 2Cr Segundo livro das Crónicas
Am Amos Ct Càntico dos Cánticos
Ap Apocalipse Dn Daniel
At Atos dos Apóstolos Dt Deuteronòmio
Br Baruc Ecl Eclesiastes
C1 Colossenses Eclo Eclesiástico (Ben Sirac)
ICor Prim eira carta aos Corintios Ef Efésios
2Cor Segunda carta aos Corintios Esd Esdras
7 ABREVIATURAS

M líster MI M alaquias
h lixodo Mq M iquéias
h 1 /cquiel Mt Evangelho de Sáo M ateus
II l ’il ¡penses Na Naum
hn l'ilemon Ne N eem ias
Nm Números
Hl ( ¡álatas
(Im (¡Cnesis Os Oséias
IM' 1 labacuc lP d Primeira carta de Sáo Pedro
III' 1 lebreus 2Pd Segunda carta de Sáo Pedro
1» Isaías Pr Provérbios
iil Carta de Sao Judas Rm Carta aos Romanos
II Joel IR s Primeiro livro dos Reis
In Joñas 2 Rs Segundo livro dos Reis
Jó Jó Rt Rute
Jo Evangelho de Sao Joáo
II» Primeira carta de Sao Joáo Sb Sabedoria
»'Jo Segunda carta de Sao Joáo Sf Sofonias
Uo Terceira carta de Sáo Joáo SI Salmos
Jr Jeremías ISm Primeiro livro de Samuel
Is Livro de Josué 2Sm Segundo livro de Samuel
Jt Judite Tb Tobías
Jz Livro dos Juízes Tg Carta de Sáo Tiago
Ix Evangelho de Sáo Lucas lT m Prim eira carta a Timoteo
Lm Lamentagóes 2Tm Segunda carta a Timoteo
l.v Levítico lT s Primeira carta aosTessalonicenses
2Ts Segunda carta aosTessalonicenses
Mc Evangelho de Sáo Marcos
Tt Carta a Tito
IMc Primeiro livro dos M acabeus
,’Mc Segundo livro dos M acabeus Zc Zacarías

A s citaqóes sao feita s do seguinte m odo:


A vírgula separa capítulo de versículo. 3,2.5.7-9 (segundo livro dos Macabeus,
Exem plo: Gn 3,1 (livro do Génesis, capítulo 3, versículos 2, 5 e de 7 a 9);
capítulo 3, versículo 1); o hífen indica seqüéncia de capítulos (—)
o ponto I'ejvírgula separa capítulos e li- ou de versículos (-). Exemplo: Jo 3—
vros. Exemplo: Gn 5,1-7; 6 ,8 ; Ex 2,3 5; 2Tm 2,1-6; Mt 1,5-12,9 (evange-
(livro do Génesis, capítulo 5, versículos lho segundo Sao Joáo, capítulos de 3
de 1 a 7; capítulo 6 , versículo 8 ; livro a 5; segunda carta a Timoteo, capítulo
do Éxodo, capítulo 2, versículo 3); 2, versículos de 1 a 6 ; evangelho de Sao
o ponto separa versículo de versículo, Mateus, do capítulo 1, versículo 5 ao
quando nao seguidos. Exempio: 2Mc capítulo 12, versículo 9).

O utras abreviaturas:

a.C. Antes de Cristo ms. M anuscrito(s)


cap. (caps.) Capitulo(s) par. paralelo(s)
d.C. Depois de Cristo s (ss) Seguinte(s)
LXX Versäo dos Setenta (Septuaginta) v. (vv.) Versiculo(s)
O B SE R V A L E S

N otas
As notas de rodapé foram escritas com dupla intengáo: exegética e teológico
pastoral. Assim, pois, partindo da com preensáo exegética, que esclarece a com
preensáo do texto, tais notas se abrem á in terp retad o teológico-pastoral, na qual
nao falta o eco do Antigo Testamento, as vezes para ilustrar o tema e outras pau
contras tá-lot
As alternativas de tradugáo se encontram ñas próprias notas.
Paralelos
I lá lugares paralelos de perícope (entre paréntesis depois de cada título ou segin i
do texto) ou de versículo (incluidos ñas notas de rodapé).
PREFACIO A EDIQAO BRASILEIRA

l)uas frases de Isaías ajudam a en- e sabio. N esse m anancial se alimenta-


I¡‘líder p o r que aparece no Brasil mais ram várias geraqóes, e muitas outras
nina versáo da Biblia, nascida da com- “sugaráo com satisfaqáo a abundán-
Iniéncia do saadoso Luís Alonso Schókel cia ” dessa sabedoria contemplativa.
(1020-1998). A prim eira fra se o profe- Quando decidiu-se publicar no Bra­
lu a endereqa aJerusalém que está para sil essa versáo, Pe. Alonso já havia pre­
ilar à luz multidóes: “A um ente o espa­ parado muitos acréscimos as notas dos
do de sua tenda, ligeira estenda a lona, evangelhos (quase um tergo a mais em
estique as cordas, fin q u e as estacas, relagáo as notas da prim eira edigáo es­
¡>orque voce vai se estender para a di­ p a n tó la ). Na presente versáo já incor­
mita e para a esquerda... ” (Is 54,2-3a). poram os esses acréscimos.
Aumentar o espago da tenda e esten- Na traduqáo, sempre quepossível con­
ilcr-se para todos os lados como resul­ servam os o estilo e as opgdes textuais
tado da fecundidade que vem de Deus: do Pe. Alonso, introduzindo mudangas
cis a prim eira razáo. som ente quando estritamente necessá-
A segunda frase dirige-se a todos os rias. Na revisáo técnica, sempre que
que se consideram filh o s e filh a s d eJe- possível harm onizam os notas e texto
rusalém: “Voces poderáo ornamentar­ bíblico.
se nela até ficarem satisfeitos com a A medida que os anos iam passando,
consolagao que eia tem; sugaráo com Pe. Alonso foiperdendo a visáo. Longe
satisfagao a abundancia do seu seio ” de se lamentar, fo i aprendendo, como
(Is 66,11). A Biblia é nossa m áe comum, dizia, a “ler menos e a contemplar mais
e quanto mais a conhecemos, mais dela E com essa proposta que a Biblia do
nos alimentamos e vivemos. E o segun­ peregrino chega ás máos do leitor bra-
do motivo. D e fato, ainda nao havia sileiro: como làmpada para os pés e
aparecido em nosso país um texto bíbli­ luz para o caminho (cf. SI 119,105) ; náo
co com tal quantidade de notas, real- somente o caminho do corpo, mas, igual­
qando a riqueza da Sagrada Escritura. mente, para o caminho da alma, pois
Por isso PAULUS E ditora decidiu eia também é peregrina e nos ensilla a
publicar a presente versáo, a fim de que desejar: “Como a corqa bramindo por
mais pessoas aumentem sua fam iliari- águas correntes, assim minha alma está
dade com a Palavra de Deus, à seme- bramindo p o r ti, ó meu D eus! M inha
Ihanqa da fam iliaridade que Pe. A lonso alma tem sede de Deus, do Deus vivo:
tinha com eia. D e fato, a Biblia do pe­ quando voltarei a ver a fa ce de Deus ? ”
regrino amadureceu após 25 anos de (SI 42,2-3).
traballio, estudo e contemplagáo. Nela
se encontra sua alma de poeta, místico Os Editores
*• . Wsajujt» im .oidi«, s
•fewttui> <.f. -ö'v-»'.''A, i ß n W j m n ¿ s a w U v,nÆ < v.vj - \ u 'm a '
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S&JVöA A, k > \o ïV io \f\ -iA tn o a <ùïno%«i \m ; s*\a s' - .j c>
<>MV C/:-: " "A i!>. , «V,'. > s b * ç l » »V ;>b .ib«fthnv. ra ù o 1 >>\
■'' » ■ î a , ,y> a .issVi ,h w îw » s a w ¿ a o n í. aiWàSi i s .( \ \ <■11
o b t i l ' Q . ...'. ; ,... ;• \ r:.\ iviot) A a ta b /á a w j U R M ^ j a o ) a « a m c.\»m.vm
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iï m £ j»; otno3 :w»Vr.

«¿ m «i - - >'tosi^ vA
îio<\ ,am\y ßl> Mrumaoi o rtnam

'■ -V 'ô:. i)'ô" '.M¡0- ■ a u ç a b « u \.i 'Ohvw-t a u w n \y '.c


i'Vtti asròr, ..áns . mfrza .■s,mv\ws,u * rfc - n a ’iVsw \ a w > m w a?. ..w .jq - ,r
ViAW 'W V, > ■ mí: 3Q -a w m 6 ><.waC; jVi r. '■•■.>..• ■■o'.iij
o z n o i K â H a u ^ ^ v.anaiV' .-ttsysb »- .A
■¡V .‘A ;y . . . i s. i . aiV. .ùv a u ç A A l 'A ..:
,
:‘r>V\ .OÖ5»\qiK3ij\Q ■ ; ..Ì j
-, , v r A v .-v j. v> . snV . ■:>' v
PRÓLOGO

/ u. comentário vem singelam ente discorrem sem demarcar propriedades


11 , ni'iii um lugar num trem que há tem- privadas. Poderáo variar a seleçâo de
jhi t'••hi ululando. N ao é m uito volutno- dados, a ênfase ou acento e a form ula-
«ii /h >n¡ue nao desenvolve as explica- çâo. Sem terem entrado em acordo,
•ii \ <• está redigido em estilo conciso. m uitos comentários coincidem, porque
i i'ln ar equivale a des-dobrar: um len- os autores já estavam de acordo antes
11/«’stlabrado ocupa mais centímetros de escrever. O meu comentário avança
ifuiiilnidos que um dobrado. E eu dei- com a corrente geral, no rumo já tra­
tii no leitor o trabalho de desdobrar. gado p o r muitos. Concretamente, por
i luíais comentadores dispdem de mais urna regido mediana ou moderada. O
ri/mqo e podem discutir opinióes e es- m eu mentor, colocando-se no lugar de
, Iniecer sem pressa. D estinaram -m e um leitor médio, recomendou-me evi­
¡mucaspáginas: tenho de oferecer ma- tar hipóteses mais audazes ou chocan­
1 . 1 mi abundante sem desenvolvé-lo, tes. Confesso-o, para tranqiiilidade de
, iiniiciar muitas opinióes sem discuti- m uitos leitores, porém e m ais ainda
1.1s Digo o mesmo do estilo. H oje em para nao desautorizar outros comenta­
ilui as pessoas do Primeiro M undo se dores que aceitam o risco das hipóte­
\ubmetem quase obsessivam ente a tra- ses com o desejo de progredir na com-
l,tinentos ou dietas para emagrecer. Eu preensáo. Nao sendo especialista do N T
i mitrolei minha natureza e a subm eti a nem de qualquer um de seus livros, eu
nina dieta rigorosa de palavras. D esse m e senti mais independente de outros
modo, o comentário vem a ser como um comentadores nos conteúdos, embora
disquete de alta densidade, como um livre na formulaçâo.
( I) no qual cabem várias sinfonías de Essa minha limitaçâo confessa é o
Hruckner. que define o perfil deste comentário.
Sem dúvida, isso dificulta a tarefa do Sou e tenho sido po r muitos anos espe­
leitor; mas este livro nao ép a ra um lei­ cialista do AT, professor de teología
tor, é para um estudante ou estudioso. bíblica, quer dizer, de temas sintéticos;
I. urna ediqao de estudo. N ao é livro de e autor de ampios comentários a m ui­
leitura; oferece material abundante a tos livros do AT. Como habitante espi­
quem quiser trabalhar. Também é livro ritual do AT, reli amplamente, meditei
de consulta, ao menos deprim eira con­ e estudei o NT; e creio ter encontrado
sulta. Apresenta o texto bíblico com o nele algumas ressonáncias nao apon-
comentário, de modo que avancem p or tadas p o r outros: padróes ou estrutu-
trilhos paralelos: desde a Genealogía ras, imagens e símbolos, instituiçôes,
de Jesús Cristo até o Vem, Senhor Je­ conceitos, expressóes semíticas.
sús do Apocalipse. Também é livro de M eu pressuposto hermenêutico é que
meditaqáo: ao leitor fie l oferece sua os autores do N T tinham como pátria
ressonancia pessoal, am plifica suas espiritual os livros que nós chamamos
sugestóes, compóe variagóes sobre seus A ntigo Testamento, e que eles denomi-
temas. navam Escritura ou L ei e Profetas ou
D iga m o s algo do conteúdo. Urna designavam com o nom e de Moisés,
grande quantidade, e m esm o a maio- D avi etc. A s citaçôes expressas sâo a
ria dos dados deste comentário, épa r- m anifestaçâo palpável dessa naciona-
tilhada. Os exegetas de profissao ha- lidade bíblica. N a constituiçâo conci­
bitam o territorio nacional, p elo que liar Dei Verbum descreve-se o Antigo
PRÓLOGO 12

Testamento como preparando, profecía haja dependencia. P i\n ,ir . n.i


e prefiguraqáo. A s citaqóes do A T no paqo m ais am pio para cuín i ,u ■V
N ovo demonstram com que amplidüo contexto doAT: ás vezes ¡un....... h, .1
de critérios os autores consideravam a outras para ilustrar ou />.//., ■
profecía e a prefiguraqño. Essa liber- tar. O que nao posso é subita 1.7 1 .i.hj
dade nos orienta, ensina e nos convida caso a urna análise, nem
a ampliar o raio de correspondencias. aduzir o texto integral da \ /ni ,.■.
O que elesfaziam inspirados, nós o fa- aludidas. Essa deve ser utnii ,1........
zem os com modèstia e confianqa. fa s do usuàrio, com a (¡mil ir ,1 .1......
Nao menos importante é a linguagem brindo pessoalm ente a un ida ..............
na qual tomam form a com unicável o dos dois testamentos, a cuhmn,, ¡
anuncio e a reflexao sobre o aconteci- A ntigo no Novo.
mento de Jesús Cristo, sua pessoa, obra A s introduqóes a cada obra ■. /,j
e doutrina. Entre as “preparaqóes ” do tivamente ampias: servem ¡ni 1,1
AT, urna bastante importante fo i p re­ car aproximadamente cada tun.i .........
parar a linguagem para expressar a contexto histórico; ou para n< nll i. >m
nova revelaqào. Pois bem, um escritor bre ele algumas hipóteses pcrhtn ■■■
em geral náo está refletidamente cons­ Conservei nesta ediqüo o Voc mImiI h i
ciente de influxos ou reminiscencias. O de notas temáticas, como instruía, m
que ele assimilou, ao longo de sua vida para ir conhecendo a mentalidn,!.
e carreira, pode emergir a certa altura linguagem dos autores bíblicos
sem que ele se de conta. N ós Ihe per- Q uanto ao m odo m ais freqiicith i.
guntamos ao encontrá-lo: — E vocepen- expor, comeqo com urna visüo 1
sou nisto quando escrevia essa p á g i­ da perícope ou seqáo, na qual timi >.
na ? — Náo. M as eu o conhecia, e agora orientaqào substancial. Dentro th
que voce me aponía isto, creio que tem unidade menor me detenho quamh ». 1/
razáo: fo i a reminiscencia que agiu. gum versículo requer urna explica^, 1,■
Para escutar esse tim bre ou acento particular ou quando nos oferecc ul
particular, do A n tig o Testamento no substancioso em que nos deter. Quun
Novo, épreciso ter fam iliaridade e trei- do o leitor desliza o olhar pela pagi ti, 1
namento: é o que eu quis trazer. essas linhas concisas Ihe servem ,1,
Outros se fixam m ais na mediaqáo advertencia: “preste atenqáo ao que <li
das versóes parafrásticas — targuns — este versículo”, e certamente o lettm
ou nos com entários midráxicos. E le­ agradece porque o ajudaram a detcr
gítimo, porém os autores do N T citam se. E o que importa nao é a linha </<>
diretamente da versào grega corrente comentário, mas sim a frase bíblica que
— os Setenta — e alguns mostram co- a nota aponta.
nhecer o o rig in a l hebraico. O utros O mom ento melhor do comentário <•
comentadores dúo grande destaque a quando o leitor o deixa na parte inferii n
paralelos da comunidade de Qumrñ, de da página, para fica r a sos com o ten
escritos rabínicos e gregos, inclusive to. E a hora da verdade e da vida.
do gnosticism o incipiente. E útil tudo
quanto possa esclarecer, embora náo L uís A lonso Schókel
VOCABULARIO d e n o t a s t e m á t ic a s
DO n o v o t e s t a m e n t o

I -,ic vocabulário náo é urna concordancia: cita passagens escolhidas e signifi-


> iiiv.r,, tam pouco é um dicionário com pleto de teología do NT. Está concebido
iiiiin u om panhar a leitura do texto com o prim eira orientagáo sum ária e para
t¡ *indar passagens im portantes sobre alguns tem as seletos. O estilo é ágil, qua-
(i te legráfico. Para m aior inform agáo, será bom recorrer aos tratados ou dicio-
iiiii ios am pios de Teología Bíblica.
| ( ) si nal —» rem ete á palavra que o acom panha).

A anjos a Cristo (Mt 28,9-17). A outros


deuses é idolatria (At 7,43); à fera
Aliraao. Falam da sua descendencia ou à sua estátua (Ap 13). Com fre-
natural (Mt 3,9 e Jo 8,39). Modelo de qüéncia trata-se de simples prostra­
lé sem -» obras (Rm 4), de fé = espe- l o expressando profundo respeito.
langa (Hb 11,8-19), de obras inspira­ —» Deus. —» Veneragáo.
das pela fé (Tg 2,21-23). “Seio de...” A dultèrio. Jesus confirm a o m anda­
é um lugar privilegiado no banquete mento (M t 5,27), o estende ao desejo
celeste, junto a (segundo o costu- (M t 5,28). Perdoa a adúltera incul­
me de comer reclinados em divas). cando a conversáo (Jo 8,1-8). —* M a­
Adáo. Le 3,38 faz subir a genealogía de trimonio.
Jesús até Adáo. Ef 5,25ss apresenta a Agricultor. Sáo freqüentes as imagens
figura de Adáo e Eva na simbologia agrícolas no NT: semeadura (Mt 13),
matrimonial de Cristo e da Igreja. Rm colheita (Jo 4), semente (Jo 12,24),
5 apresenta Adáo como tipo de Cristo eomparagáo (IC or 15,37), colheita (Mt
por oposicáo. C1 1,15 alude talvez ao 13,41), vindima (Ap 14,10), braceiros
primeiro homem no título “primogé­ (M t 20,1), arrendatários (M t 21,33).
nito”. A expressáo literalista “filho do _ Deus agricultor (Jo 15,1). —» Traballio.
homem” parece decalque do sem i­ Agua. Objeto ou instrumento de m ila­
tismo ben ’adam = filho de Adáo (se­ gres (Mt 8,23-27; Jo 5, a piscina). De
gundo Ezequiel). —» Homem. —» Eva. ablugóes rituais (Jo 2,1-11; 3,25);
Admiragáo, estupor, assombro, mara- polèm ica (M e 7,1-4). Do batismo:
vilha, estranheza. Sobretudo nos Evan- como purificagáo (ICor 6,11; Ef 5,26s);
gelhos, reagáo freqüente diante do de corpo e de espirito (Hb 10,22);
grandioso, do sobre-humano ou ines­ comparado ao dilùvio (lP d 3,20). Sím­
perado. Sujeito: Jesús (Mt 8,10; Le bolo do —» Espirito (Jo 7,38 e 19,34;
7.9), geralm ente as pessoas, o povo. cf. Jo 5,6); no relato da Samaritana
Objeto: os —* milagres, o ensinamen- (Jo 4). —* Mar, oceano. —» Manan-
to, a conduta. Estranheza (Jo 4,27; cial. —» Nuvem.
lJo 3,13). Alegría. Imagens: banquete, bodas, te-
Adogáo. —» Filho. souro. Dom messiànico: junta a sau-
Adoragáo. No sentido estrito só a Deus dagáo grega chaire com a tradigáo
(M t 4,10, cf. IC or 14,25). Náo a ho- profètica. De Cristo: pela revelagáo
mens (At 10,26, a Paulo; Ap 19,10; do Pai (Le 10,21 par.); por Lázaro (Jo
22.9). A Cristo (F1 2,10s; Hb 1,6); os 11,15). Pelo Messias: de A braáo (Jo
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 16

(anaphero Le 24,51 duvidoso; ana- li


lambano At 2,2-11; hypolam bano At
1.9). Cristo aos seus (paralambano B abilonia. Ap aprese............ ••
Jo 14,2). Também se usa subir (Jo Iònia, capital e m b lin u ii' > i IhÍ{
20,17; E f 4,8-10, citando SI 68,19); contra Deus e contra o ( •■>■i
por isso, a ascensáo a Jerusalém é seus, e descreve a qu< .l.i i i. m
seu co m eto (Le 9,51). Joáo emprega déla (Ap 18). No m esni" ...... i
ir, partir (poreuo, hypago 8,14; 13, a Roma o nome de Bal ni...... ■>I
33; 14,2; 16,5). H ebreus em prega 5.13). —> Satanás.
atravessar, entrar no céu, através do Balaáo. Seguindo lendas Ini •11■ > i.mí
véu ou cortina 4,14; 6,20. —» Paixáo. que o texto bíblico, Bala-m I
—» Gloria. -» Céu. como modelo de doutrin.i i ii . i
Astros. Segundo concepgoes antigas, os citagáo ao mal (2Pd 2 ,l(> M n ,
astros celestes determinam ou revelam 2.14).
os destinos humanos. O Messias tem B andeira,estandarte. Mt 2’l . '(> | ,
seu astro, que os magos reconhecem velmente se refere ao esimi. I m. i
(At 2,2.10). Uma constelacao de sete Jesús Cristo em sua partisi.i . ,...
estrelas sao os anjos das sete igrejas do uma tradigáo, a cruz.
(Ap 1,20). Na projegáo celeste do Ap, Banquete. Une no caráterfestivo h j«t»
muitos astros celestes sao arrastados tilha social. Por isso Jesus oí ' n ,
pela cauda do dragao (Ap 12,4), en- banquetes rituais (páscoa) c;im iu m
quanto que a mulher é coroada de uma convites de amigos (Le 10, I ‘i
consteladlo nova de doze estrelas. A m esm o de pecadores (Mt ‘1,1 o i
queda dos astros é um dado da es- 19,2-10). Como símbolo: o su pn
catologia (Mt 24,29). Astro matutino do banquete no reino (Le 14,1 i
é o Messias glorificado, que se opóe á escatològico das virgens ( M t ■ 1111
arrogancia do homem de Is 14,12. o do céu (Ap 3,20).
Autoridade. Humana, do centuriáo (Mt Batismo. É uma imersáo ritual. De 1*. >
8.9); de Herodes, jurisdiqáo (Le 23, e de Jesús, de água e do Espirilo. •l>
7). De Jesús: no seu ensinamento (Mt arrependimento e perdào e de ren i
7,29), para perdoar pecados (Mt 9,6), cimento. Simbolismo: de ablugao »
sobre os demonios (M e 3,15), para purificagáo (IC or 6,11; Ef5,26ss); 11.
julgar (Jo 5,27), para entregar e reto­ renascer (Jo 3,3-8; Tt 3,5; lP d I i
m ar a vida (Jo 10,18). Recebida do 23); de m orrer e ressuscitar.
Pai (M t 28,18) e transm itida aos dis­ B elzebù. Um dos nom es do diabo ou
cípulos (Mt 10,1). Das —> trevas (odio chefe dos demonios (Le 11,15-1'))
e morte) (Le 22,53; C1 1,13). insultando Jesús (Mt 10,25). De um ori
A utoridades. (Le 12,11; Rm 13,1-3). ginal B a a l Zebul, deform ado mali
Lista: rei —* Herodes, govem ador (ou ciosamente em Bel-zebub. —* Satanás
procurador) Pilatos, Festo; —» César Bem-aventuranga (= macarismo). For
(= Im perador), com andos militares. ma literária tradicional de felicitagao
—» Sum o sacerd o te, -» C onselho Parte substancial do manifesto de Cris
(Sinédrio), —» anciáos (= senadores, to (Mt 5 e Le 6 , valores, felicidades,
chefes do povo). Autoridade moral, em vez de mandamentos ou proibi
com petencia reconhecida: fariseus, gòes). Estendida aos que créem (Jo
_ letrados ou juristas. 20,29), aos que esperam (Mt 24,46).
A zim os. Pao e outros alim entos sem Maria e Isabel (Le 1,45-46), a máe de
levedura. A levedura é principio de Jesús (Le 11,27). Ocasióes: a prova-
fermentagáo e por isso de corrupgáo. gáo (Tg 1,12); a paixáo (lP d 3,14); o
Exclui-se durante a semana da Pás- banquete escatològico (Le 14,15); o
coa. Daí Paulo tira sua ¡magem de uma casamento do Cordeiro (Ap 19,9).
vida crista sem levedura de corrupcáo Béngáo. De Deus ao homem: é eficaz,
(IC o r 5,5ss). ou torga dons e poderes (Ef 1,3; Mt
17 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

IjpV M; lPd 3,9). De Cristo aos discí- basar) significa muitas vezes aspec­
! Mili*is, de despedida (Le 24,50-53). tos de urna realidade unitaria ou pre­
.■jtr Jesús ao Pai, sobre os páes (Mt dom inio de um aspecto ou dimensáo
»(4,19; Le 24,30). Do homem a Deus: do homem. Sublinha a corporeidade,
■lupressa louvor ou agradecim ento o realism o — nao fantasma — (Le
t|M e 14,16; Rm 1,25; Tg 3,9). Do 24.39); fator de relagáo: “urna carne”
íhnvo ao M essias, aclam agáo (Mt (Gn 2,23ss); de descendéncia “car­
i ¡11,39, Ramos). De um homem a ou- nal” (Rm 1,3); da en-car-nagáo (Jo
• lio, desejando-lhe um bem ou felici- 1,14); u n iversalidade, toda carne.
ImiuIo-o (Hb 7,1-7; Le 2,34, Simeáo); M uitas vezes indica a debilidade ou
; mis p erseg u id o re s (L e 6,28; Rm caducidade do homem. Pode deter­
| I 14). —» Perdáo. m inar seu significado por polariza-
gao: sarx = o material/so/na = o or­
c gánico; carne/espírito, carne/Deus,
carne/redengáo (Rm 7-8; G1 5); car-
(nlamidade. —* Praga. ne/coragáo (Rm 2,28). O puramente
(Jftlice. Segundo a tradigáo do AT, pode humano: critérios, valores, interesses,
í ser de ira ou de béngáo. De ira (Mt o instintivo (2Cor 5,16; F1 1,6; títu­
li 26,39; Jo 18,11); Babilonia (Ap 16, los humanos (2Cor 11,18). —»• Cor-
19). De béngáo: eucarística (M e 14, po. —* Sangue. —■*Alma.
I 23; IC or ll,2 5 s s , antes desse bebe- Castigo. -* Retribuigáo.
i se um prim eiro cálice na ceia pascal, Cegueira. Jesús cura (Le 11,14; Jo 9).
Le 22,14-18). Oferecido aos ídolos M etáfora de incapacidade ou resis-
= demonios (IC o r 10,21). téncia a crer ou com preender (Le
Caminho. M etáfora comum (AT) de 6.39); guias cegos (M t 23,16; Rm
conduta, proceder. A vida nova dos 2,19). -* Visáo.
cristáos cham a-se sim plesm ente O César. Nome próprio do primeiro dita-
Caminho em At 9,2; 19,2; etc. Como dor romano (Calígula), que se trans­
processo rumo á meta, Cristo é o ca­ m ite e passa a significar imperador.
minho para o Pai (Jo 14,6); para a Le 2,1 m enciona César A ugusto a
vida (M t 7,14); para a salvagáo (At propósito do recenseam ento; Jesús
16,17). Os cam inhos de D eus sao responde á pergunta sobre o tributo
seus designios, métodos e estilo (Rm imperial (Le 20,22-25); Pilatos arris­
11,33). —* Mediador. ca perder sua am izade (Jo 19,12);
Canto. Sao escassas no NT as referen­ Paulo apela a seu tribunal (At 25,
cias musicais. De instrumentos: a alu- lls s ) . —> Autoridade.
sáo a brinquedos infantis (M t 11,17), Céu. Im agina-se com o o lugar onde
ao toque de trombeta hiperbólico (Mt Deus habita; depois se usa para nao
6,2), á trom beta escatológica (IC o r pronunciar o nome de Deus (cf. “cas­
15,52; lT s 4,15). Mais generoso Ap, tigo do céu”). Como destino final fe­
com as sete trom betas (A p 8 ), as liz, expressa-se com diversos com ­
cítaras (Ap 5,8) e os cantos (Ap 5,9). ponentes e imagens, como lugar ou
Carisma. Dom gratuito e extraordiná- estado, com o prémio ou dom. Festa
rio, variado, repartido pelo Espirito (M t 25,21); banquete (Le 13,29), pos-
para o bem da com unidade. Texto se do reino (Mt 25,34); alegría (lP d
básico (IC o r 12-14) com enumera- 4.13); gloria e paz (Rm 2,6.10); as-
gao e descrigáo de alguns. Mengóes sento (E f 2,6; Ap 3,21); coroa (lP d
freqüentes e dispersas em At. Podem- 4.13); paraíso (Le 23,43); seio de
se agrupar: de conhecimento, de pa- A braáo (Le 16,23). Em Ap se apre-
lavra, de agáo. senta como cidade com a presenga e
Carne. É difícil determ inar conceitos com panhia de Deus. —» Terra.
na antropología semítica, que o NT Circuncisáo. Jesús observa a Lei (Le
em boa parte retoma. Carne (sarx, 2,21), e Paulo diz de si (F13,5). Quan-
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 18

do os pagaos se incorporam aos cren- gem o uso cúltico, »pa-.icu.


tes, surge urna disputa sobre a neces- orificios, e a imagem di l .i
sidade da circuncisáo, que se debate 29.36; At 8,32; lP d 1,1**). N.. v
e se resolve no concilio de Jerusalém calipse,degoladoou m o iio | \i ■
(At 15). Paulo a relativiza e apela a vencedor (Ap 17,14), núpLi.r. i \ | . i
urna circuncisáo metafórica do espi­ 7.9); cordeiro e —» pastor ( /\ | • i i
rito. O batismo substituí a circunci­ Na imagem do pastor (Jo .’i I •i
sáo (C1 2,11). Coroa. Premio por urna viltm.i i h >.
Ciúme. Inveja(Rm 13,13;T g3,14) dos 9,25; Ap 2,10); sinal de nii|> i . >
judeus frente aos cristáos (At 5,17; (Ap 4,4).
17,5). Paulo os provoca, buscando Corpo. Como organismo unil.u.......i
sua conversáo (Rm 10,10; 11,11). Ciú- ferenciado em membros e ..........
mes amorosos (2Cor 11,2). —» M a­ em prega-se como imagem da l n 11
trimonio. cuja cabega é o Messias (1 Coi I ’ (■
Coleta. —* Esmola. 12,5).
Confianza. —* Esperanza. —* Fé. Crer. —» Fé.
Conhecer, reconhecer, tratar: sáo tres Criagáo. O NT trata da criagáo m< im
significados do verbo grego, prolon­ que o AT. A novidade que introdu
gando a tradigáo do AT. Seu objetivo apresentar C risto com o agenii ih
pode ser urna pessoa, urna verdade, criagáo (Jo 1,1-3; C1 1,16; Hb I . ’ i ■
um mistério, vontade etc. Positivo: modelo e fim de toda a criagáo (< i
dom do Espirito (IC o r 12,8); ilumi­ 1,17). Por isso os cristáos sáo mu >
n a d o (2Cor 4,6). Negativo: acaba-se criagáo, ou humanidade (2Cor 5,1 / )
(1 Cor 13,8ss), incha (1 Cor 8 ,1), o amor 0 mundo criado pode revelar o ( m
o limita (IC or 13,2ss). Objeto: Deus dor (Rm l,19ss). —» Novo.
(2Cor 4,6); Cristo (F1 3,8; Ef 4,13), Cristáo. Adjetivo derivado do gu r..
“Eu sou” (Jo 8,28); a verdade (IT m christos = ungido, equivale a “me.
2,4). O - » F i l h o e o - P a i (Mt 11,27). sianista”: em concreto designa .0
Consagragáo. E a dedicaqáo de obje­ guém que reconhece Jesús de Na/an
tos e pessoas á divindade, pela qual como o M essias esperado por Israel
passam á esfera sagrada. Nao por e enviado a todo o mundo. O adjci i
dedicagáo externa, mas pela aceita- vo é cunhado em Antioquia (At 11
gao de Deus e a transformagáo reali­ 26). Usa-se sem mais em At 26,28 e
zada por Cristo (Jo 17,19) e pelo Es­ 1Pd 4,16. O sintagma grego en chris
pirito (IC o r 3,16). —* Santidade. to equivale às vezes a cristáo. —» San
C on sciencia. P sicológica: expressa tidade.
como coragáo ou —* espirito (kardia, Cristo. (Urna exposigáo sobre Jesús
pneum d). Ética e religiosa: em cons­ Cristo equivaleria a resum ir o N I
ciencia (Rm 13,5), boa (At 23,1; Hb inteiro.) O termo significa Ungido =
13,18), tranqüila (lJ o 3,20-23), pes- M essias. Primeiro, é um adjetivo de
soal e alheia (IC o r 10,29); testemu- título, que se substantiva com o arti
nho da consciencia (Rm 2,15; 9,1; go: o Ungido por antonomàsia, o rei
2Cor 1,12); exam e de consciencia messiànico. Mais tarde torna-se nome
(IC o r 11,18). pròprio de Jesus, só ou especialm en­
Conselho. —* Sinédrio. te em form as com postas. Os dois
C o rag ao . Com o no AT, representa a em pregos sáo bastante claros em
interioridade consciente e responsá- muitos casos (com artigo, em creden-
vel do homem (Rm 2,15), sede da fé ciais), sào duvidosos em muitos ou-
(Rm 10,9-10), nele habita Cristo (Ef tros. (Faga-se a prova lendo Messias
3,17), origem da conduta ética (Mt onde està Cristo.)
15,19-20). Cronologia. A partir dos Evangelhos é
Cordeiro. Nome ou título emblemático impossível reconstruir urna cronolo­
aplicado a Jesús Cristo, no qual conver- gia nem sequer relativa da vida de
19 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

li mi1,. em aixá-la em dados externos D


iniiic apmximagóes. A d a ta d o de
iiiiv.n ría (por Dionisio o Pequeño) é Davi. M enciona-se como destinatàrio
i i i Aikm (llero d es morre no ano 4 da promessa dinástica (2Sm 7), como
n< ) antepassado do Messias (M t 22,45;
t mi /. Suplicio oriental, usado pelos Rm 1,3); tanto que Filho de Davi é
mili.unís como pena extrem a a náo- título messiànico (Mt 21,9). Aparece
niiiMiios por crimes graves. Os rela­ também como autor inspirado da Es­
to'. ila paixáo supóem conhecido o critura (M e 12,35ss; At 1,16). A cha­
mudo do suplicio. Paulo usa o termo ve de Davi é sua autoridade real con­
i niño equivalente de paixáo. O cris- sumada no Messias (Ap 3,7).
tiio i leve carregar sua cruz (Le 9,23); D em onios, espíritos im undos, maus.
• i m il ¡car sua carne = instintos (G1 Os Evangelhos os apresentam segun­
■•..'•I); Paulo está crucificado para o do as crenqas da época. Geralmente
mundo (G1 6,14). Se a mensagem da produzem —» enfermidades ou pos-
i n i/ é um escándalo, é também urna sessáo; adivinhagáo (At 16,16). Náo
lott,a (IC o r l,18ss). induzem ao pecado nem levam à con­
1 tillo. Jesús participa regularmente do d e n a d o ; mas podem levar a perder a
i tillo judaico tradicional: festas, ritos, fé ( 1Tm 4,1 ; 1Jo 4,6). Aparecem perso­
sacrificios, templo e sinagogas. Ins- nificados: reconhecem, falam, pedem,
laura um novo culto formulado em habitam, saem. Jesus e os apóstolos
lo 4,21, instituido na eucaristía como tém poder sobre eles. Identificados
banquete e memoria. M encionam-se com os ídolos (IC or 1 0 ,2 0 ).
eelebragóes das primeiras com unida­ Deserto. Seguindo a tradigáo do AT,
des (At 20,7). Paulo descreve e dá desempenha urna fu n d o importante:
normas (IC o r 11; 14). At desenvol- o Batista ai se retira (com o Elias),
ve amplamente o tema. —» Sábado. Jesus passa quarenta dias submetido
-* Sacrificio. —» Templo. à te n ta d o (como Moisés, os israelitas
( umprir, completar, aperfeiqoar, con­ e Elias); retira-se para orar (Me 1,35);
sumar, encher. Cumprir urna ordem para ensinar (Mt 14,13); é refugio na
ou —» mandato = observar, guardar. p e rse g u id o (Ap 1 2 ,6 ).
Cumprir-se urna —» profecía: cíta- Designio, plano, projeto. A sa lv a d o ¿
góes freqüentes do AT. Plenificar: concebida em seu conjunto com o
Deus plenifica tudo; Cristo está ple­ projeto de Deus elaborado de ante-
no e plenifica tudo (E f 1,10; 4,10; Cl máo, que se cumpre com a aqáo da
2,9); plenifica o universo (E f 1,23), liberdade humana. Estáo definidos os
a Igreja (id.); os fiéis se enchem de tempos, as personagens, os aconteci-
Cristo (Cl 2,10; Ef 4,13); de Deus (Ef mentos, os destinos. Uns se anunci-
3,19). Plenitude = totalidade: de Is­ am com grande antecedéncia, outros
rael (Rm 11,12), dos pagáos (Rm quando já sucederam. Dai as fórm u­
11,25). C om pletar, arrem atar (Mt las freqüentes “assim se cum priu” e
5,17); o com plem ento (Jo 16,24), “tinha que”. Exemplos: Ef 1,11; Rm
cumpre-se o —* tempo ou prazo (G1 8,29ss.
4,4). L evar á perfeiqáo, arrematar, Destino, -j* Designio.
consumar (teleioo)\ Cristo sua tarefa Deus. a) E o mesmo do AT (m onoteís­
(Jo 4,34; 5,36; 17,4); por sua morte e m o): D eus dos Pais (A t 3,13), de
ressurreigáo (Hb 2,6); para outros Abraáo-Isaac-Jacó (Mt 22,32), de Is­
(Hb 5,9); os seus (Jo 17, 4). Os cris- rael (Mt 15,31). Conserva seus aspec­
táos: com o o Pai (Mt 5,48); como tos duros e exigentes (M t 11,21; 12,
chamado (Mt 19,21); como ideal e 41): parábola do adm inistrador (Mt
meta (F1 3,12.15); na escatologia (E f 18,23-33, julgam ento Mt 25). b) A
4,13). A lei e o culto sáo incapazes face nova no NT é de Pai: primeiro
(Hb 7,19; 9,9; 10,1.14). de Jesús, que na terceira pessoa pode
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 20

usar sinónimos, na segunda pessoa o 9,35;Jo 1,34, comarlifii» , -nii„


chama Pai (exceto na citagáo do SI beranam ente os apóstolo' ii i m
22). A paternidade se estende a ou- par.; Jo 15,16). Os apósiol.. t.. i
tros (M t 5,45). Dai os aspectos de gam a atividade de escolln i i a m i Í )
bondade, com paixáo, gratu id ad e, Os cristáos podem levai m„i i
amor (1 Jo 4,8). As vezes Deus é subs­ eleitos (Rm 8,33; 2Tm MU i t * *
tituido por Céus ou pelo passivo teo­ urna fungáo e impóe suas < |«J
lógico. —» Trindade. (C1 3,12).
Diabo, Satanás, Belzebù, o Forte, Ser­ Elias. Várias passagens dos mim.m. ,,,
pente prim ordial, Dragáo, Fera do em conexáo com o Batista, .n, i m, ¡
mar e da terra. Ap 20,2 identifica vá- expectativa dos judeus pela voli.t >
rios nomes. É chefe de um bando (Ap Elias (M t 11,14; 17,lis ) . A t , ..
12,7ss; M e 3,22-27); nao se manteve tran sfig u rad o representando i r i
na verdade e caiu, é hom icida e m en­ fecia. Tg 5,17 o apresenta comíi m
tiroso (Jo 8,44); é deus e chefe deste délo de —* intercessáo.
mundo (2Cor 4,8; Jo 12,31); senhor Enfermidade. Menciona-se quasc >m
da m orte (Hb 2,14). A ge contra a pre como ocasiáo de m ilagre.
Igreja: rouba a semente (M t 13,19); de nascenga ou contraídas, cm.i- • i.
semeia o joio (M t 13,28); entra em naturalmente ou incuráveis; algiini.t
Judas (Le 22,3); estorva o apóstolo causam impureza legal, como enl, i
(lT s 2,18; 2Cor 12,7). Mas com per- midades da pele, hemorragias; onli .
missáo de Deus (Jó 1-2; Le 22,3; Ap sáo atribuidas á agáo de —» denumh ,
12,13), luta com Cristo (M t 4 par.) e ou espíritos. Podem c o n sid e ra -,
é vencido (Le 10,18), é expulso (Jo como um castigo, efeito do -» peca. I.,
12,31), o mais forte o vence (Me 3,27; (Jo 5,14). Tg 5,15 menciona a —» un
Rm 16,2; lJ o 3,8). A ele é permitido gáo dos enfermos.
atacar os cristáos para prova e vitó- Erro. A verdade de Jesús e do seu evtin
ría (E f 6,10s; lP d 5,8). gelho tem que defender-se do erro o
Diáconos. Sobre a sua instituicáo (At da mentira. Jesús denuncia o erro do ,
6,1-4). Em sentido genérico, sao os seus rivais (Mt 22,29) e previne con
ministros com fungóes especiáis na tra o fermento dos fariseus (Le 12,1)
Igreja; em particular, os apóstolos. e contra os falsos profetas dos últi
Divorcio. —» M atrimonio. mos tempos (M t 24,5.11). Os aposto
Dor. -» Paixáo. los redobram as advertencias: contra
os falsos doutores (lT m 1,4), engana
E dos e engañadores (2Tm 3,13; 2Pd
2 ,ls), o espirito do erro (lJo 4,6), o se-
Edificar. M etáfora para expressar a dutor (Ap 12,9). —» Verdade. —» Pro­
pluralidade de elementos na unidade feta.
e estabilidade. Ligada com a m etáfo­ Escándalo, armadilha, tropero. Provo­
ra do corpo, introduz o aspecto de cado por Deus: por seu plano estra-
vitalidade. Cristo ressuscitado, novo nho, paradoxal (Le 2,34), pelos ante­
templo (M e 14,58); pedra angular, da cedentes de Jesús (M e 6,3), inclusive
Igreja (12,10). Pedro (Mt 16,18), os pelas curas (Mt 11,6), pela cruz (IC or
apóstolos, fundam entos (Ef 2,20), os 1,21). Provocado pelos hom ens (Le
cristáos pedras (lP d 2,5), os pagáos 17,1; Me 9,42), pelo —* A nticristo
(E f 2,22). O sujeito é Deus (At 20, (2Ts 2,9s). Escándalo como impulso
32), Cristo (M t 16), o apóstolo (Rm ao pecado (Me 9,43-47). —* Provagáo.
15,20), o cristáo (Rm 15,2). Escravo, servo, empregado, operário.
Eleigáo. Ato livre e soberano de Deus A escravidáo na Grécia geralmente
(Rm 9,14-33); é eterna (E f 1,4), pode náo era cruel; o escravo podia ser de
parecer paradoxal (IC o r l,27s). Je­ confianza, desem penhar tarefas deli­
sus é o Eleito por antonomàsia (Le cadas; os trabalhos manuais e arte-
21 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

Htyiuis muitas vezes eram entregues a 4,23). b) O Espirito divino em Cris­


Bfcravos = empregados. Aparente neu- to; na concepgáo (Le 1,35), batismo
fctlidade frente à escravidáo (IC o r (Le 3,21), ministério (Le 4,1), milagres
l p , 2 1 ss), com inversáo de papéis na (Le 11,20), cruz (Hb 9,14), ressurrei-
B rd e m espiritual; igualdade em rela- qáo (Rm 8,11), poder (Rm 1,4), euca­
« A o a Cristo (G13,28; C13,11). A eles ristia (Jo 6,36), prega ás almas (lP d
B e reeomenda a obediéncia (Ef 6,5- 3,18ss). c) O Espirito e os apóstelos:
B ; carta a Filemon). Uso metafórico: pentecostes, na ressurreigáo (Jo 7,
[pllulo de M aria (Le 1,38), de apósto- 37ss; Jo 20,22); recorda e faz com-
!alo, Cristo escravo (F12,7) torna livres preender (Jo 14,25s; 15,18.25s), ins­
■ (C l 5,1) e am igos (Jo 15,15). —» Li- pira os que falam (At 4,8), confirma
1 bcrdade. o testem unho (At 5,32), guia (At 20,
{■ K ritura. —* Inspiraçâo. 22). d) O Espirito e a Igreja: pente­
[lim ó la . M uito estimada em círculos costes, a Igreja local (At 4,31), anima
■ lapienciais e autores tardíos. Louva- o corpo (IC o r 12,13), consagra um
■ ge em At 9,36; Paulo a organiza em templo (IC o r 3,16), imposigáo das
■ forma de coleta a favor da Igreja po- máos (At 8,17). e) Agáo nos crentes:
bre de Jerusalém (2Cor 8—9). Deve- consagra (lP d 1,2), regenera (Jo 3,3-
I' se evitar a ostentaçâo (M t 6,2ss). Je- 6 ), dá a filiagáo (Gl 4,6), habita (Rm
■ sus radicaliza a esmola na renuncia 8.9), dá esperanza (Rm 15,13), de
I (Mt 19,21 par.). am or fraterno (Rm 5,5; 2Cor 6 , 6 ), é
Espada. O termo grego (machaira) de- penhor (2Cor 1,22), sela a nova alian­
| signa a espada militar, o sabre e a faca za (2Cor 3,6), dá liberdade (2Cor 3,
de uso pessoal — nao se usavam ta- 17), transforma (2Cor 3,18), fonte de
lheres — (Le 22,8; Jo 18,10); uso carism as (IC o r 12), cria unidade (E f
militar no Getsêmani (Le 22,49s), em 4,3s), dá solidariedade (F12,1), dá tes­
tentativa de suicidio (At 16,27), ins­ tem unho ( lJ o 5,6), pede com a es­
trum ento de execuçâo capital (A t posa (Ap 22,17). —» Trindade. —» Deus.
12,2). Metáfora ou emblema de guer­ E tern id ad e, perpetuidade. C onvém
ra (Mt 10,34), no combate espiritual distinguir entre perpétuo-indefinido-
(Ef 6,17), o m artirio (Rm 13,4). No sem termo e definitivo-sem remédio
castigo escatológico (Ap 6,4; 13,14). (urna destruigáo definitiva corta a
Esperança, confiança, expectativa. Os p e r d u r a lo do sujeito destruido). A
Evangelhos, sem usar o termo, tra- perpetuidade ou p e rd u r a lo pode ser
zem urna mensagem de esperança e absoluta, sem limite, ou respeito a um
mostram a espera do reinado de Deus. parám etro, p. ex. vitalicio, por toda a
Entre as très virtudes (IC o r 13,13), vida. N o N T os significados de aion,
assemelhada à fé em Hb 11; seu ob­ aionios nem sempre se distinguem
jeto é o que náo se vê (Rm 8,24s). com precisáo. Exemplos: vitalicio (Rm
Géra constância, paciéncia, perseve- 8,13). Definitivo: com negagáo, nun­
rança (lP d 1,21; Rm 5,4; 15,4), —» Pro- ca: juízo final (Hb 6,2), perdigáo (2Ts
messa. 1.9). Indefinido, perpètuo: a vida em
Espinho. A coroa de espinhos náo é Joáo, seu contràrio é a cólera (Rm
instrumento de tortura (espinhos que 2.7). M enciona um torm ento inde­
se cravam), mas de zombaria: coroa finido (Ap 20,10, reinado); opóem
real de um presum ido rei feita de vida e fogo (Mt 18,8-19,16 e Jd 7-
material desprezível (cf. Jz 9,14). O 21). —» Tempo.
espinho na carne de 2Cor 12,7 é pro- E ucaristía. Instituigáo (Le 22,15-22
vavelm ente urna enferm idade ou a par.); celebragáo (At 20,11); teolo­
perseguiçâo. —* Reino. gia (Jo 6 e IC o r 11); alianza (M e
Espirito, a) Do homem: alentó, princi­ 14,22-24); sacrificio pascal (IC o r
pio vital (At 17,25; Hb 4,12); princi­ 5.7); com unháo com Cristo (IC o r
pio de vida consciente (Rm 12,11; Ef 10,14-22).
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 22

Eva. Além das referencias explícitas á Fé. a) Crer em: Deus que ...... i. i. i. ,
criagáo (lT m 2,13) e ao pecado (2Cor cumpre em Cristo; ñas |>ai >< n . t
11,3), poderiam aludir por contraste Jesús; em Joáo, sinònimo il. . ■mmi
á M adalena no jardim no dia da res- achegar-se a, receber. I>) < mi m
surreigáo (Jo 20) e á m ulher celeste Deus e em Jesús Cristo qm • i ■ i
de Ap 12. —* Adáo. por causa de e em seus mil.u i• iM
Evangelho. —* Introdugáo aos Evan- 9,2); falta fé (M e 6,5s). c) I .
gelhos. radical, decisiva (Me 9,42; M i i "i,
Exem plo. Oferece-se á imitagáo: Deus por eia se obtém a justiga (Km t| ,
Pai na sua perfeigáo (M t 5,48); Jesús processo (Rm 10,14-17). Ti.ulii# »*
no seu sacrificio por am or (Jo 13, em —» obras (Tg 2,14-26): ...... In
15.34; lP d 2,21); Paulo (IC o r 11,1). vida (Jo 20,31; lJ o 5,13). lili 11 i.ii
Expiagáo. É pagamento ou compensa- de urna fé que equivale a —* e\|.. i..,
gao por um reato ou culpa; pode ser ga. —* Pregagáo.
ato cúltico. A ela se refere Hb 9,22s; Fecundidade. E a bèngào primai ia ii ..
parecem aludir 2Cor 7,1; lJo 1,7.9. 1,22), suprem a em M aria, mai .1
—» Sacrificio. —* Perdáo. Messias (Le 1,42). A cadeia da In un
didade conduz desde A dào ate I<- n
F (Le 3,23-38). M etaforicamente, l'an
lo é màe (Gl 4,19) e pai (IC or 4.1 ■i
Familia, a) Dos deveres fam iliares se —» Genealogia.
fala em poucas ocasióes: dever de Felicidade. —» Bem-aventuranga.
sustentar (nao só honrar) os país (M t Festa. C alendários do AT (Lv t ,
7,8-11 par.). Em séries: C1 3,18—4,6 Dt 16).
(os escravos, ou seja, em pregados e Filho (hyios, país). Como em hebraii. .
operários tom avam parte na ordena- em sentido estrito e ampio, deseen
gao familiar); lT m 5,4; Tt 2,4s. b) Je­ dente, discípulo, membro. Senii< !• ■
sús im póe lim ites ao am or familiar, pròprio (Le 11,12). Filho de Deus a )
subordinando-o á fidelidade á sua Sentido limitado, equivale a homi m
pessoa (M t 10,21): estabelece urna de Deus (M t 14,33). b) Título me:,
nova familia, cujo vinculo é cumprir siànico: nos sinóticos Jesus nào o u s a
a vontade do Pai (M t 12,46-50). c) em Joáo aparece cinco vezes. c) Sen
As relagóes fam iliares sao tomadas tido transcendente (At 13,33); por sua
como sím bolo para expressar o mis- atividade, expulsando dem onios e
tério: paternidade de Deus, frater- perdoando pecados; título —» Senhoi
nidade dos cristáos, m atem idade de e —» M essias (At 2,36); enviado por
Ap 12 (Sinagoga ou Igreja). Deus (Rm 8,3; Gl 4,4); Filho em sen
Fariseus. Herdeiros dos hasidim (lM c tido pieno (CI 1,13; Hb 1,2 — contra
1) que se distanciam de Joáo Hircano posto aos profetas — ); tem um -* co-
(135-104 a.C.) e de sua política mun­ nhecimento intimo e ùnico do —» Pai,
dana; organizam -se e conseguem a possui o Espirito, realiza a filiagào de
hegemonía espiritual cerca do ano 70; Israel (M t 2,15, citando Os 11,1). Fi­
dominam o judaism o posterior, sao lho ùnico e herdeiro, em intimidade
leigos, entre eles há especialistas da com o Pai. Ñas cartas se m ostra sua
lei (g ra m m a teis - letrados); nem natureza divina, origem divina, po­
colaboracionistas nem rebeldes; afer­ der divino. O tem a predom ina no
rados as suas tradigóes. Esperam o evangelho de Joáo. O Filho concede
Messias, créem na —» ressurreigáo, na a filiagào, é o m ediador ùnico. O tí­
justiga pelas —* obras. Méritos: sen­ tulo Filho de Deus é no N T soterio-
tido religioso, fidelidade, ter salva­ lógico com implicagòes metafísicas.
do o judaism o. Críticas: juridicism o, —* Trindade.
form alism o, particularismo. —* Sa- Filhos de Deus. Texto básico: Rm 8 .
duceus. De escravos feitos livres pela adogào
23 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

M ()l 4,5ss), portanto livres, co-herdei- (Jo 1,14). As vezes substituí Deus ou
»fiw, com direito à imortalidade; cha- é redundante (At 7,55). Os crentes a
■Blnmos Deus de Abba e somos real- esperam (C11,27), como estado e náo
» flim te filhos de D eus (lJ o 3 ,ls s ), lugar (Rm 8,21); assemelham-se a ela
* ¡rmáos de Jesus primogènito e parti- (F1 3,21).
9 elpantes da natureza divina (2Pd 1,4); Glossolalia. Forma particular de lingua-
■ (liiscidos pela fé (Jo 1,12s) e pelo —» ba- gem, mais expressáo que inform ado,
1 llsmo (Gl 3,26s). porque a sua articu la d o náo corres­
j Pode ser teofánico (Hb 12,19, ponde a urna língua comum, partilha-
Sinai). Parece ter caráter de prova: da. Tem, antes, f u n d o monológica.
P paixáo? (Le 12,49), s a lg a d o (M e E ininteligível, se náo se interpreta,
I' M,49). Tem f u n d o judicial: no batis- supondo-se que contenha in form ado
i mo (?) (M t 3 ,l i s ; IC or 3,13). Signi- (IC o r 14). Urna língua m ilagrosa­
' fica a c o n d e n a d o definitiva (M t 18, m ente entendida por pessoas de mui-
8 ), eterna (Hb 10,27; 2Pd 3,7), geena tas línguas (At 2). —* Carisma.
(Mt 5,22; Ap 8,7ss; 11,5), -> inferno Graga. a) De quem a possui, é o atrati-
1 (Ap 20,10.14). vo e seu efeito, a ce itad o , populari-
franqueza, liberdade, audàcia (par- dade (At 2,47; 4,33); ganhar o favor
1 resia). Jesús anunciando sua paixáo (At 24,27). b) De quem a dá, é o favor:
(Me 8,32), subindo para a festa (Jo gratuito (Rm 3,24), dilatado e abun­
7,10), ensinando (Jo 16,25-29); na sua dante (Rm 5), náo pelas obras (Rm
vitória (C1 2,15). O apóstolo na sua 11,16); é ativo e eficaz (IC o r 15,10;
p re g a d o a judeus e pagaos (At 4, 2Cor 6,1), salva (E f 2,5), é suficiente
13.29; 2Cor 3,12). O cristáo para apro­ (2Cor 12,9). N áo se deve receber em
xim arse de Cristo (Ef 3 ,lis ); unida à váo (2Cor 6,1), sob pena de perdé-la
esperanza (Hb 3,6). —* Verdade. = cair em desgrana (G1 5,4).
Guerra. Um dos sinais escatológicos
G (M t 24,6). Uso freqüente como m e­
táfora: Apocalipse contempla a bata-
Galiléia. Regiáo setentrional da Pales­ lha celeste de M iguel contra o Dra-
tina. Ai Jesús com eta seu ministério, gáo (A p 12,7) e a guerra da Fera
antes de subir a Jerusalém e marca contra os consagrados (Ap 13,7; Ef
encontro com seus discípulos para 6 , 1 2 ); fala de urna luta contra pode­
depois da ressurreigao. res malignos. Mais freqüente é o tema
Genealogia. Segundo o costume do AT, da vitória: Jesús venceu o mundo (Jo
dois evangelistas compóem urna ge­ 16,33; Ap 3,21), como leáo (Ap 5,5),
nealogia estilizada de Jesús. Mt 1,1- com o cavaleiro (Ap 19,11); á sua
17 vai descendo de Abraáo a Jesus im ita d o , os cristáos sáo convidados
em très etapas de catorze nomes; Le a vencer (Ap 3,5; 21,7) pelo sangue
3,23-28 vai subindo até Adáo e Deus, do Cordeiro (Ap 12,11), pela fé (lJo
numa visào mais universal: Jesus é 5,4). Da guerra se tomam as imagens
filho de Adáo (ben ’adarri). de —» espada e —* armadura.
Glòria, a) Na esfera da honra, presti­
gio (IC or 10,31; FI 2,11); dar, reconhe- H
cer a glòria (Le 17,18), a confissào
(Jo 9,24). A sua fo rm u la d o constituí Heranga. É conseqüéncia da filia d o
as doxologias. b) Na esfera da rique­ de Cristo (Mt 21,3; Hb 1,2) e se esten-
za, fausto, é pouco freqüente. c) Na de aos co-herdeiros (Rm 8,17); ou-
imagem de esplendor, brilho: dos torga-se pela —* alianqa = testam en­
astros (IC o r 15,40; Le 2,9; 2 C o r3 ,7 - to (Hb 9,15); seu penhor é o Espirito
4,6, ex p lan ad o importante), na trans­ (E f l,13s). Náo basta ser filhos car-
fig u rad o (Le 9,32); elemento da es­ nais de Abraáo (Rm 4); abre-se aos
catologia (Mt 24,30; 25,31); revela-se pagáos (E f 3,6; G13,28s). Seu objeto
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 24

é a vida eterna (Mt 19,29), o —» reino (Rm 6 ,6 ; E f 4,24). 1-11li< ■. i •


(IC o r 15,50), a -* bénSáo (lP d 3,9). decalque literal de um .sen nii .,. 11
Herodes, o G rande (Le 1,5; M t 2,1- ’adam, bar ñas) que di .............. i,
12); Antipas, o do Batista e da pai­ divíduo (singular) da culi 11>, ' ..i
xáo; Agripa, o de Paulo (At 25—26). Adáo = homem (como hi /i \i ■ ¡ i
Hipocrisia. Do grego hypokrites = co­ significa um israelita). A:, mui “ 1
mediante, histriáo. O hipócrita repre­ p. ex., em Is 51,12; 52,1 I M M
senta um papel externo, faz teatro 45,3; etc.; em Ezequiel eqim il........i
para parecer ao público o que náo é: antitítulo “filho de Adáo” (m ...... . ■>
religioso, devoto, exem plar; assim quer um). Dn 7,13 fala de “ lim i . i,
perverte com má in te n s o a boa acáo; m ana” contraposta às qualn> I. i .
é um ferm ento que corrom pe (Le precedentes: essa figura sol" ..... ■
12,1). Em Mateus e Lucas, sáo acusa­ nuvem ao céu (náo desee no i> n|. i
dos de hipócritas os fariseus e outros. em 7,27 identifica-se essa figm .........|
H oniem . A visáo física do homem no “o povo dos santos do Altissimo
NT náo segue o modelo grego, mas Uma tradugáo literal ou decaIqiu ■i. ,,
o semítico do AT (com a e x c e d o pla­ o grego hyios (tou) anthropou, >!• ><p>, I
tónica de Hb 4,2): predom ina a uni- parece derivar a especulado sol .........
dade, embora se com ponha de carne ser misterioso, celeste, que cli -.i. 11
(sarx) e alentó alma-espirito (psyche- numa nuvem. Tal especulad* • cnIm
pneuma). O c o ra d o (mente) é a sede atestada no “Livro das Semelham r
da vida consciente, recordagóes, pen- de Henoc etiópico (1 Hen(et) 37 111
samentos, desejos, decisóes; os rins, finge um ser angélico, nao humano
sede de paixóes; a cabega, sede da destinado a julgar os homens no hm
responsabilidade (At 18,6); os olhos, (esse texto é provavelmente posici <>u
da estim ativa (M t 6,22s). O corpo ao NT). Nos Evangelhos só Jesús, qu
(som a) é organism o com posto de costuma evitar títulos, o usa; os n.n
membros e órgáos. Sendo imagem de radores, que náo temem os títulos, nao
Deus (IC o r 11,7; cf. C1 3,10), o ho­ o usam. As vezes, onde um evangel i ,i.i
mem fornece imagens = sím bolos ou usa a expressáo, o paralelo póe pn>
antropomorfismos para falar de Deus. nome, p. ex., Le 6,22/Mt 5,11; Le 1 2 ,K/
Mas com m uita freqüéncia o homem Mt 10,2; Mt 16,13/Lc 9,18; Me 8,31/
se contrapóe a Deus: em sua aQáo (Me Mt 16,21. Falta a expressáo em texto
6,9), em seu ser (Jo 10,33), na obe­ capitais como Mt 17,1-8 (transfigura
diencia devida (At 5,4.29), na sua re­ d o ) e Mt 28,18-20 (plenitude de po
c la m a d o (Rm 9,20), no saber (IC o r der), que o empregam no plural signi
2), na palavra (IT s 2,13). O homem ficando “homens” (Me 3,28 e Ef 3,5).
é mortal (At 14,14; Hb 9,27), lim ita­ Falta totalmente em Paulo, inclusive
do em seu conhecim ento (Mt 16,23), onde se podia esperar, como em ITs
critérios (IC o r 3,3), alcances (2Cor 1,10; lTm 2,6. Inácio deAntioquia (El
12,4). O Filho de Deus se faz homem 20,2) o justifica “por ser filho de Da­
(Jo 1,1-16; F1 2,7) e sublinha sua hu- vi”, Barnabé o opóe a “filho de Deus"
manidade comum, apropriando-se do Náo se sabe quando entra na comuni-
semitismo “filho de A dáo” (hyios an- dade cristá a especu lad o citada. Por
thropou, ben ’adam), como os demais isso optam os por um a soluqáo in­
homens (Hb 2,11.17; Rm 8,3). Para termèdia nesta trad u d o : geralmente
renovar a imagem de Deus no homem traduzimos “o/este Homem”; em con­
(C1 3,10), para salvar todos os ho­ textos claramente escatológicos recor­
mens (lT m 2,4), para uma nova hu- remos á fórmula “o Filho do Homem”.
m anidade = c r ia d o (2Cor 5,17). A Hora. —» Tempo.
ordem nova da redengáo se expressa Hum ildade. Virtude capital e doutrina
em várias oposiQÓes: interior/exterior central no NT: figura no manifesto
(Rm 7,22; 2C or 4,16), novo/velho de Jesús (bem-aventurangas), como
25 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

l ili i mk i;¡1(Le 6 ), como atitude (Mt 5); Im ortalidad e ou incorruptibilidade


iiloi r.mo (Mt 23,12). Jesús dá exem- (aphtharsia). É título de Deus (Rm
|i|n iimsua en carn ad o (F12,8), no seu 1,23; lT m 1,17); do hom em pela
i iiilu tic vida, inclusive no triunfo ressurreigáo (IC o r 15,50), o cristáo
(Mi .’1,2); presta especial atengáo aos o é em potencia (2Tm 1,10), porque
humildes (Me 9,41; 10,31). O cris- traz urna semente imortal (lP d 1,23).
i,ii> em r e la d o a Deus (Le 17,7-10; —» Vida.
l<in ',27); em r e la d o aosoutros (Me Inferno. Sinónimos: Hades, Abismo,
•J.' Rm 12,16). —» Orgulho. Geena, Morte. Ao xeol do AT, lugar
dos m ortos e nao de castigo, pode
I corresponder Hades e Abismo. Ima-
gina-se com o lugar subterráneo ao
liluliilria. Culto de falsos deuses ou qual se desee (M t 11,23), com portas
ilc- suas imagens. Sao nulidade, nada (M t 16,28) e habitantes, com o um
( l( or 8,4), inertes (IC o r 12,2); sao cárcere (lP d 3,19). Pode aparecer
demonios (IC o r 10,19). A avareza é personificado, acompanhado ou nao
unía idolatría (C.l 3,5. Cf. Mt 6,24). de thanatos (Ap 6 , 8 ; 20,13s). Como
lyicja. Neologismo calcado do grego lugar de castigo costum a cham ar­
i kklesía, que significa assembléia de se Geena, lugar de —» fogo, vermes,
i idadáos e traduz o hebraico qahul e —» trevas, dor e raiva. Jd 4 e 2Pd 2,4
'(•da. Sem m encionar a palavra, a re- falam de cárcere tem poral à espera
alidade está presente nos Evangelhos, do —» julgam ento. Ap 9 ,ls fala do
t|uando mostram o plano e execugáo Pogo, do qual sobe a Fera (Ap 11,7).
tic Jesús ao form ar um grupo estável De uma d e stru id o final ou p e rd id o
e recomendar-lhe a continuidade. A (apoleia) falam F1 3,19; 2Pd 3,7 e Ap
palavra aparece em Mt 16,18 onde 20,14.
Jesús se declara fundador da Igreja, I n s p ir a lo . Agáo do Espirito sugerin-
e em Mt 18,17, onde já aparece numa do palavras ou prom ovendo agóes.
l'undo judicial. O livro dos Atos des- Palavras: citando o AT, p. ex., Davi
creve a expansáo e aplica o termo as (M t 22,43; At 1,16); sobre a Escritu­
igrejas locáis, das quais é máe e che- ra em geral (2Tm 3,15s e 2Pd 1,19-
fe a de Jerusalém , e entre as quais 21); no testem unho dos cristáos (Mt
adquire logo um lugar especial a de 10,20; At 6,10; IC or 12,3); a glosso­
Antioquia. Cada igreja tem sua orga- lalia (IC o r 14,14). Oferece um orá­
nizacáo e seus funcionários: episka- culo (At 13,2; 19,1). Impele (Mt 4,1;
poi = vigilantes, presbyteroi = anciáos, At 11,12). —» Palavra. -* Carisma.
diakonoi = servidores. Paulo prolon­ —» Escritura.
ga a idéia e introduz várias imagens. Instinto. * Carne.
Efésios e Colossenses se destacam Intercessáo. Cristo intercede por Pedro
por sua visáo de uma Igreja univer­ (Le 22,3 ls), pelos que o confessam
sal. Apocalipse volta á idéia das igre­ (Mt 10,32s); pelos crentes (Jo 17,11-
jas locáis, mas contem pla também a 26); Cristo ressuscitado (Rm 8,34; Hb
Igreja universal na imagem da Nova 7,25; lJo 2,1). O Espirito Santo (Jo
Jerusalém, a noiva do Cordeiro. Im a­ 14,16; Rm 8,26). O apóstolo: fre­
gens: corpo, cuja cabega é Jesús Cris­ quente ñas cartas (Rm 1,9; F11,3). O
to (IC o r 12; Ef l,22ss; C1 1,18), es­ cristáo (E f l,17ss; 3,16ss; Tg 5,16).
posa do M essias (E f 5; Ap 21,11), —» Oracáo.
cidade (Ef 2,19), edificio e templo In terp reta d o . O NT interpreta com
(M t 16,18; lP d 2,5). freqüencia o Antigo. Citando textos
Imagem. Cristo de Deus (2Cor 4,4; C1 e acrescentando ás vezes “assim se
1,15; Hb 1,3). O homem de Deus (C1 cum priu”, com o argum entos numa
3,10). O homem de Cristo (IC o r 15, discussáo; explorando símbolos, co­
49); por agáo do Espirito (2Cor 3,18). mo esposo, água, luz (Jo); lendo co-
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 26

mo sím bolos instituig 6 es_(Hb); usan­ póem (Mt 23,31); antecipa-se (Jo 3,18);
do modelos, p. ex., do Éxodo, Pen­ consuma-se na paixáo (Jo 12,31s). Fica
tateuco, M ateus; caso especial é o pendente um julgam ento futuro e fi­
Apocalipse. A chave é cristológica, a nal: de Deus (Rm 2,16; 2Tm 4,1); de
técnica muitas vezes —* targúmica ou Cristo (Mt 25; At 17,31). —* Ira. —» Tes-
—» midráxica. temunho.
Ira. Persiste o conceito do AT. A ira de Juram ento. R ecom endam náo jurar
Deus abarca toda a hum anidade pe­ (M t 5,33-36 e Tg 5,12), denuncia a
cadora (E f 5,6), da qual Jesús nos li- casuística do jurar (M t 23,16-22). Pe­
vra (lT s 1,10); a ira escatológica ou dro jura falso (M e 14,71). Aceita-se
condenagáo afetará os impenitentes o juram ento: Jesús no processo (Mt
(Rm 2,4s). Também Jesús é capaz de 26,36s; 2Cor 1,23; Hb 7,20s.28) fala
mostrar ira ou indignagáo (M e 3,5) e do juram ento de Deus, que confirma
de apresentá-la ñas parábolas (Le a promessa.
12,46). O cristáo náo deve ceder á ira Justina. Com urna só raiz, dikai-, se
(Mt 5,22; Rm 12,19). Pode designar expressam m uitos significados man
condenagáo. —» Julgamento. tendo certa unidade de contexto men
Irmáo. —* Familia. tal. Para orientar-se, é útil dispor tic-
um repertorio de distingóes com suax
J oposicóes. A ntes de tudo, honradez/
justiga/inocéncia. a) Honradez: em
Jejum . Nega o valor ou a oportunida- relagáo a urna norm a/em relagáo ii
de (M e 2,18-22); relativiza-o (C1 2, um a pessoa: a D eus/aos homeni,
16; Rm 14,17); aprova-o (M e 9,29); oposto: m aldade, perversáo. b) N.i
pratica-o (At 10,30). Por analogía, a ordem jurídica: justiga, direito naln
continencia (lC o r 7,5). ral/positivo, mérito; oposto: injiiMl
Jerusalém . a) Empírica: a ela váo os ga, prejuízo, ofensa, c) Na ordem |ii
magos (M t 2), Aria espera a liberta­ dicial: inocencia; oposto: culpa, rrulit
d o de Jerusalém (Le 2,38); ai se con­ Em segundo lugar, deve-se distinguí'
sumará a paixáo (M t 16,21); Lucas ajustiga do soberano, legal, que |
constrói a grande subida de Jesús a castigar ou indultar; a do jui/, n til
Jerusalém que comega em 9,51. Re­ butiva, que deve absolver ou <omi­
cebe Jesús com festa (Ramos), mas nar; a das partes, comutativa. Cuiii" iw
logo o rejeita (Mt 23,38) e sofrerá o antigüidade o soberano era lamltfHi
castigo (Le 19,44). M as nela comega juiz, a primeira e a segunda (hmImh
a Igreja (Pentecostes) e déla parte a sobrepor-se e também conliitulli
pregagáo apostólica (Le 24,47). b) A Em terceiro lugar, deve-sc con .iilcH>
celeste é a —» Igreja (Hb 12,22; Ap a passagem do negativo ao ..... ......
21-22). —* Galiléia. da maldade á honradez, por intnl«»
Judeus. Ñas passagens polémicas de ga de atitudee de condula, d.i m|n«u
Joáo (Jo 5; 8 ; 19 etc.) costuma desig­ ga = divida á justiga, poi mi ■
nar as autoridades; a apresentagáo dos compensagáo, ajuste; da i ul|"i i in
judeus em vários textos está condi­ céncia, por expiagao, «■imi|iiimt>HM
cionada pelas polém icas em curso na total da pena, indulto mi >■i .i. i 'i. •
primeira geragáo, que culm inam na exemplos ilustra rao ov.»-. di^iirtihf»
ruptura do sínodo de Jám nia = Yabné M ateus op 6 eájustii.;.i I.ni -h. .. Ii (til
(por volta de 85 d.C.). Paulo tem e objetiva, a nova limu nl< * >iiÍM
como norma dirigir-se primeiro aos exigente em conleiido i inI■n"ii h k
judeus (At); sobre a vocagáo deles (M t 5,20; 6,33). lo Ir, i....... ti M
reflete em Rm 9—11. na o julgam ento do l piin ■(■< M
Julgam ento. É im inente com a chega- do uma inocencia, nina <mI|-< •'«tj
da do —» reinado de Deus: o Batista condenagáo. Al Id. >'• | | > it#j
o anuncia, várias parábolas o pro- sin tese: vcncrai, h <(/■*/*• “• ■!
27 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

com Deus; justiga (dikaiosyne) para blasfêm ia (At 6,57-60), Paulo nâo
com os hom ens. Paulo utiliza com chega a morrer (At 14,18).
abundancia e fluidez as im agens e Leáo. Título de Cristo (Ap 5,5) e figu­
vocabulàrio dessa justiga. Rm 1,17: ra dos viventes (Ap 4,7). Imagem do
Deus revela sua justiga-inocència-di- Diabo (lP d 5,8).
reito de soberano, fazendo passar da Lei. Como instituigáo humana, é copia­
culpa à inocència pelo indulto; Rm da ou imitada de outras culturas; de-
3,5: nas relagóes do hom em com pois canonizada como torá = instru-
Deus, opóe com clareza o direito-ino- gáo = ordenagáo de Deus, vinculada
cència (dikaiosyne) de Deus e a nos- à alianga; duplicada no Deuteronó-
sa culpa = nao direito (adikia); Rm mio; com entada e recoberta por le­
3,21 fala de urna honradez-justiga trados e rabinos, com tendência a
obtida nào pela lei, mas pela fé; Rm absolutizá-la, a tom á-ia universal. O
5,20 contrapòe: pela lei, o delito e a N T reconhece sua origem mosaica
culpa; pela graga-indulto, a vida; Rm (G13,20) e divina (Rm 2,27). Seu con-
6,13.19: fala dos mem bros como ins­ teúdo é bom (Rm 7,12); mas a sub-
trumentos da nova honradez. Ef 4,24: mete a urna crítica geral que abrange
fala do hom em novo criado em esta­ todos os seus campos, o ético, o ju rí­
do de inocència-honradez (dikaiosy­ dico, o ritual. O termo nomos quali-
ne). O verbo dikaioo também tem urna ficado equivale às vezes a regime: do
gama de significados. Mt 11,19: a Sa- pecado (Rm 7,22), de pecado e mor­
bedoria (sophia) se acredita; Le 7,29: te (Rm 8,2), do Espirito de vida, i. é,
c reconhecer que D eus tem razào, de Cristo (G1 6,2), da fé (Rm 3,27).
direito; Le 10,19: apresenta urna ten­ Jesús e a Lei: sua atitude, conduta e
tativa de justificar-se-desculpar-se principios sem com plexos. Aceita,
pela casuística; Le 18,14: contrapòe mas relativiza e limita: sobre o tem ­
a sentenga de Deus absolvendo o pe- plo (M t 5,24), a oferenda (M e 7,9), o
i ador contrito e condenando o supos- sábado, as norm as de pureza (M t
10 honrado, m érito/demérito; Rm 2, 7,14-23). Radicaliza o ético na série
I ? e 3,20: sobre a fungào da lei e da de antíteses (Mt 5,21-48). Reduz tudo
Ir; Rm 3,26: Deus possui a justiga e ao duplo preceito (Mt 22,34-40). Se­
l’i-rdoando pode outorgá-la ao peca- gundo Paulo, a Lei nao outorga a ju s­
11«ir. O adjetivo dikaios. Honradez (Mt tiga aos judeus: prova-o pela Escri­
I 19); de ju stig a co m u tativ a (M t tura, pela experiéncia universal e
'o,4); o soldo (CI 4,1); inocència: pessoal, “é a força do pecado” (IC or
un',ue inocente (M t 23,35); Jesus 15,56). Nâo obriga os pagaos conver­
Inocente (Le 23,47); julgam ento (Le tidos: At 15,2; 2Cor 3; E f 2,15; C1 2,
■(1.2 0 ). 14. Agora Cristo é a lei: ocupa o lu­
gar da torá rabínica em símbolos ti­
L rados do AT.
Lepra. O termo hebraico designa gene-
• niii|i.iilu. Opòe-se à luz, com o subs- ricam ente urna enfermidade da pele,
........ menor na noite ou nas trevas em muitos casos curável; é muito du-
■i l ,S;Ap 18,23). Comparagàoem vidosa a existéncia da lepra na Pa­
i " il»>I;is (M t 25,1-8); o Batista em lestina antiga. Nos Evangelhos subli-
>■lm;iiii i luz do Messias (Jo 5,35); a nha-se o aspecto de impureza legal.
i 'i ivi.i profètica (2Pd 1,19); o olho Letrados, juristas (gram m ateis, nomi-
«pi llili i fornece luz (M t 6,22). Nào koi). Na m aioria eram —» fariseus.
lei i il., ( ssária na Jerusalém celeste Faziam estudos especiáis da —* Lei
H i t ' '. ’)■ -* Luz. (tora), recebiam urna espécie de títu­
< ,io. Pena para blasfem os (Jo lo e podiam ensinar; eram consulta­
1 1 II H) e adúlteras (Jo 8,3-11). dos em matérias legáis (halaká). Em
l i lièvi"• morre lapidado, acusado de geral sâo hostis a Jesús, embora um
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 28

tente segui-lo (M t 8,19) e outro nao digào ocidental). M aria a máe de Je­
esteja longe do reino (M e 12,28-34). sus: domina a etapa da infancia (Mt
Liberdade. a) Psicológica: é afirmada 1,18-25; Le 1-2). Nos sinóticos rea­
ou pressuposta no aceitar ou rechaçar parece em Mt 12,46-50 par. Joáo a
a mensagem, mas fica condicionada apresenta em momentos decisivos e
e lim itada pelo —» m undo (lJ o 2,15) entrelazados: em Caná, primeiro si-
e pelo instinto (Rm 7; 8,7). b) Política: nal, e junto à cruz, onde é nomeada
nao im porta tanto, reconhece-se o máe de Joáo; depois da ressurreiqáo
pagamento do tributo (Mt 22,2): tam- está em Jerusalém acom panhando os
bém importa m enos a liberdade so­ apóstelos (At 1,14). Maria Madalena:
cial (IC o r 7,21-24). c) Crista: é con­ é uma das mulheres curadas que acom-
cedida pela verdade (Jo 8,32), por panham Jesús (Le 8,1-3); presente no
Cristo (Jo 8,36), pelo Espirito (2Cor Calvàrio (M t 27,36); diante do sepul­
3,17); é liberdade do pecado (Rm 7,14; cro (Mt 27,61); vai ao sepulcro (MI
6,14.18), da —» morte (Cl 2,12-14), que 28,1); segundo Jo 20,1-18, é a primei-
é o último inimigo (IC o r 15,26), de ra testemunha e anunciadora da res-
—» Satanás (Ap 20,3.10), do instinto surreiqáo. M aria de Betánia, irmá de
(Rm 8,13), da —» lei ou regime legal Marta, aparece hospedando e escu
(Gl, Rm 6 ). Mas nao há de ser pre­ tando Jesús (Le 10,38-41), o unge (Jo
texto para o mal (IC or 8,9; lP d 2,16). 12,1-8). — Mulher.
—* Roma. —►César. —» Franqueza. M atrimonio. Jesús corrige a legislarán
Línguas m isteriosas. —» Glossolalia. mosaica, apelando para a instituidlo
Luz. Sentido próprio (M t 10,27; Jo que refere Gn 2; Me 10,1-9 par. Hit
3 ,2 0 ), e le m e n to da te o fa n ia na alguma excegáo? Mt 5,32 e 19,9 silo
transfiguraçâo (Mt 17,2). Como sím­ textos discutidos (porneia). Instili
bolo: Deus é luz (lJo 1,5); Cristo é góes sobre o matrimonio (IC o r 7; I I
luz (Jo 1,4; 8,12); o discípulo deve sé- 5,22-33; lP d 3,7). O matrimònio,
lo (M t 5,14.16; E f 5,8s; lJ o 2,9-11). símbolo da uniáo do Messias coni «
—» Trevas. Igreja (E f 5; Jo 3,29; 2Cor 11,2; A|-
21,2.9; 22,17.20). -» Virgindade
M M ediador. Gl 3,19 refere a Moni'*
Agora Jesús Cristo é o único Mnllit
M aldiçâo. Nao se deve m aldizer ao dor entre os homens e Deus, cuino
próximo nem ao inimigo (Le 6,28; Filho, profeta, servo (lT m 2,5; I Mi N,(i
Rm 12,14; T g 3,9s); os judeus se 9,15ss; 12,24). Por sua relagño mili *
am aldiçoam no processo de Cristo com o Pai (M t 11,27), porque vni un
(Mt 27,25). Jesús amaldiçoa a figuei- Pai (Jo 14,6).
ra (Mt 21,8); tornou-se maldiçâo (so- M elquisedec. Hb 5,1-10 e 7,1 «
freu as conseqüéncias), pelos homens ploram a figura de Melquiseilo mi
(Gl 3,13). Paulo amaldiçoa o falso Gn 14 e SI 110.
pregador (Gl 1,8) e o incestuoso para M em oria. Em forma implícita •■•Jil |n»
converté-lo (IC o r 5,3-5). —» Bênçâo. sente como exigencia em toil.i ,i mil
M anifestaçâo. —» Revelaçâo. —* Pa- sáo de Jesús. Explicitamenle i ' IMmii
rusia. a recomendagáo de Jo I5,.’0 i ii In»
M âos, im posiçâo das. Gesto eficaz de tituigáo form al da memonn "ion
cura (Me 16,18), de bênçâo (M e 10, rística (IC o r 11,25). llm.i |ni>ll^4t
16) ou rito de nomeaçâo (2Tm 1,6), produz seu efeito de recniiliri loieiih
que costum a incluir o dom específi­ quando é recordada ao ciuii|nli
co do Espirito (At 8,17). Pedro (Mt 26,65), os ¡mino. (Mi H
Maria. Très figuras principáis têm esse 63), os cristáos (2IM M-uimi
nome no evangelho: a máe de Jesús, corda os fatos da inlam i.i ( I ■ ' l" ') |
a M adalena e a de Betánia (as duas M em oria judicial dir. ili Iti,««
nMimas se confundem ás vezes na tra- 18,5).
29 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

M enino. M encionam -se suas brinca- Misericordia, a) Jesús dá mostras cons­


deiras (Mt 11,16), Jésus os acolhe (Mt tantes de m isericordia em sentim en­
19,13) e eles o aclamam (M t 21,15). to e em obras: à multidáo (Me 6,34),
Jésus os apresenta com o modelo de aos enfermos (Mt 14,14), à viúva (Le
atitude espiritual humilde e recepti­ 7,13); preocupa-se, com padece-se
va (Mt 18,2-5). Sentido negativo de (Hb 4,15); assim se revela o perfil do
infantilismo (ÍC o r 14,20). M ateus e seu Pai. b) Deus é rico em misericor­
Lucas se interessam pela infância de dia (E f 2,4. Cf. Ex 34,6), pela qual
Jésus. nos salva (Tt 3,5), nos regenera (1 Pd
M essias. —* Cristo. 1,3); na parábola do filho pródigo (Le
M estre (didaskalos, rabbi). Título cor- 15,20), com os pagaos (Rm 15,9), o
rente de alguns judeus e de Jésus (Mt leva com o título (2Cor 1,3); pelo que
17,24; 26,18), reconhecido por Nico- o hom em deve im itá-lo (Le 6,36). c)
demos como enviado por Deus (Jo O cristáo: tem uma bem-aventuranga
3,2), o título está implícito em toda a (Mt 5,7), o bom samaritano (Le 10,
sua tarefa de ensinar. Na Igreja apa- 33), o mau administrador (Mt 18,33);
recem cargo e título ñas listas (IC o r sentim entos (C1 3,12); vale mais que
12,28s; Ef 4,11); mas nao se deve o sacrificio (M t 9,13) e que as obser­
cobiçar essa funçâo (Tg 3,1). vancias (M t 23,23). —» Compaixáo.
M idraxe. Tipo de com entário rabínico —» Ira.
i Biblia: náo crítico, mas relacionan­ M isterio. O grego mysterion pode sig­
do textos, explorando seu potencial nificar símbolo, segredo, mistério que
• imbólico, am pliando relatos para se revela. Símbolo (E f 5,32; Ap 1,20;
explicá-los (hagadá), tirando conse- 17,7). Segredo que se comunica ou
(|iiências para a conduta (halaká). explica: ñas parábolas do reino (Mt
< orno técnica e estilo presente no NT. 13,11). M istério que se revela, pro­
* Interpretaçâo. jeto secreto: antes escondido (IC or
Milagres. Sinónimos: prodigios, por- 2,7; E f 3,9) e agora revelado (E f 1,9;
i' utos, sinais (thaumasia, terata, se- C 11,26). Seu conteúdo: o evangelho
mcia, dynameis). As vezes acumu- (E f 6,19); a obstinagáo dos judeus
l.un-se os termos (segundo a tradiçâo (Rm 11,25), a vocacáo dos pagaos:
■l'>AT). Os termos sugerem o mara- frequente. Há tam bém um “mistério
illioso, extraordinário, sobre-huma- da iniqüidade”, um poder do mal que
iii) da açâo ( p l\ thaumasiorí) ou in- atua em segredo (2Ts 2,7). Em lT m
i" im sua funçâo. Sua funçâo é: fazer 3,16 equivale a um prontuàrio ou cre­
.... Iiem extraordinário, provar um do da fé e da piedade.
I»»1er; sáo parte integrante da mis- M oisés. Referencia simples ao AT (Mt
mu* de Jesús e dos apóstalos. Histo- 8,4; 19,7; At 7). Em paralelo antité­
ii' Hlade: há nos Evangelhos certa ten- tico (M t 5; 2Cor 3; Jo 1,17; Jo 6,32);
ilfii' ni a aumentar, duplicar; o efeito na boca dos rivais (Jo 9,28s). Tipo
""l«ivoe nos rivais abona uma histo- de Cristo: do batismo (IC or 10,2), na
H' i l ule básica. M uitos sáo sinais e fidelidade (Hb 3,2). Comparece na
......... ilagres em sentido metafísico. tran sfig u rad o , canta-se seu càntico
i i' iio nos rivais (M t 21,15); como novo (Ap 15,3).
«i urna força saísse dele (M e 5,30; M orte. Ap 2,11 distingue uma primei-
I ■ '■ l‘>); resumo em A t 2,22. Paulo, ra e uma segunda morte. A primeira
■i' dro, os realiza (At; Rm 15,19). seria a condigáo do homem, ao mes-
^ | i i t i ' os —» carism as (IC o r 12,28). mo tempo mortal (cf. Eclo 17,15; Hb
" pi. l. ir. pedem a Jesús um sinal que 9,27) e destinado à imortalidade (Sb
fc iH|,nnr sua missâo (M t 12,38; Jo 2,23). O pecado frustra esse destino
' Ml' i' us o oferece (Jo 2,11; 4,54), e fecha a saída à morte primeira (bio­
fc i» ii' ' o povo (Jo 2,23) e a Nico- lógica); o pecado consolida a morte
t ■ i lo 3,2); transm ite seu poder. primeira na morte segunda (Rm 5,12;
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 30

6,16; Tg 1,15 — paradoxo— ).A m or- do (Jo 16,33). c) Em outro sentido, o


te segunda é o último inimigo a ser m undo pode ser redimido: Deus o
vencido (IC o r 15,26). Cristo o reali­ reconcilia consigo (2Cor 5,19); Cristo
za, nâo de fora, mas entrando como vem salvá-lo (lT m 1,15), é sua luz
“m ais forte” na casa controlada pelo (Jo 8,12). Deus o ama (Jo 3,16s). d)
“forte” (Le 11,21s). Jesús passa pela O cristáo nao é do mundo (Jo 15,19),
morte prim eira dando-lhe saída para nao deve amá-lo (lJo 2,15; Tg 4,4),
a vida; assim vence definitivamente deve vencé-lo (lJo 5,4s), relativizá-
a morte (IC o r 15,14; cf. Is 25,8; Os lo (IC o r 7,31); mas há de permane­
13,14); passa ao reino onde nâo existe cer nele (Jo 17,15) e pregar nele e a
a m orte (Ap 21,4). Entâo a m orte ele o evangelho (Me 16,15).
pode glorificar a Deus: de Pedro (Jo
21,19), de Paulo (F1 1,20). Entâo o N
hom em pode configurar (sym m or-
phos) sua morte à de Cristo (FI 3,10) Nome. O vocábulo grego (onoma) con­
fazendo déla urna passagem para a serva os significados do hebraico shem:
vida, inclusive antecipa essa passagem nome-título-fama. Como em portu­
(U o 3,14). Vencendo a morte, Cristo gués, é decisivo o uso das preposi
vence tam bém o m edo que escravi- qóes: imposiqáo + e x p lic a d o (MI
za (Hb 2,15). —* Inferno —» Ressur- 1.21), mudanza de nome, Pedro (Mi'
reiçào. 3,16), novo (Ap 2,17). Em nome de
M ulher. Jésu s lhes dedica especial (en onomati): representando, com h
atençâo: admite-as em sua companhia autoridade de (Mt 7,22; Le 10,7), du
(Le 8,2), em sua am izade (Jo 11), Pai (Jo 5,43; 10,25; IC or 5,4). IVI.i
dedica-lhes milagres, perdoa a adúl­ nome (hyper o. dia o.) por causa tli
tera (Jo 8,11), adm ite a unçâo (Le (At 21,13), por causa do nome <|in
7,36-50). Sâo protagonistas na sepul­ invocam, por serem cristáos; odiadnn
tura e nos prim eiros m om entos da (Mt 10,22). Em atencao a (epi o.) (M>
ressurreiçâo. Figuram nas saudaçôes 9,37.41). Invocando, mencionando
das cartas. Sâo iguais no batism o (G1 alegando: o bendizer (M e 11,'), Ai
3,12s) e na esperança (lP d 3,7). Sua 4 ,1 7 s), a le g a n d o na petigáo (I"
funçâo é subordinada (nâo se consi­ 14,13); alegar o título falsamente (Mi
dera indignidade ser súdito) na fam i­ 24,5). Para, em honra de (eis o ) lii
lia (lT m 2,15) e no culto (IC o r 11,3); vocando e consagrando: batismo (Mi
pode falar usando o véu (IC o r 11,5); 28,19; IC o r 1,13.15), u n c a o | Id
nâo deve falar (IC o r 14,34; lT m 5,14), congregagáo (Mt 18,20) 111»
2,12). Sobre as —» viúvas (lT m 5,3- lo: sublim e, suprem o (Fl .’. MI, | l
10). —» Maria. 1.21). At 2,21 póe o nome di lew*
M undo, a) Sentido cronológico: o uni­ Cristo ao citar J1 3,5.
verso criado, que com eça (M t 24,21) Novo. O adjetivo define em I>l<>«o IM
com a criaçâo (E f 1,4) e terminará a nova alianza, o Novo Ii sIuihi nhi
(Mt 13,40). O mundo dos homens (Le Embora seja continuadlo do miit-iM
12,30). Os “elem entos do m undo” algo novo se instaura, deixando hhM
parecem ser realidades ou forças cós­ q u ad o o o u tro , completando. im I»»*#
micas que dominam ou submetem o ve abolindo o antigo iiunni
homem. b) Sentido teológico. Con- form al, ultrapassanclo a i f o m id
traposto a Deus (IC o r 1,20-28; 2,12); superando a imaginario. I ln imm *11
hostil a Deus e a Jesús Cristo (IC o r gao nova (2Cor 5,17), mu Ii>iihm|
2,8). Idéia central em Joâo, que leva novo (E f 4,24), novos cii'»ím>iimcNÍ®
ao extremo a oposiçâo, até considéra­ (M t 13,52). O homem d n » h|i|IM
los irreconciliáveis (Jo 17,9); é jul- á novidade (Mt 9 ,17) c vlvn iiMi* (I
gado e condenado com seu chefe (Jo da nova (Rm 6,4), pcln movIiIkmÉ j|
12,31s), porque Cristo venceu o mun­ Espirito (Rm 7,6). Min ll> >i
31 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

te a última novidade, que Jesús anun­ va aprecia e define valores: daí o


cia (M t 26,29), do universo (2Pd semitismo “olho m au” = tacanho, in-
3,13; Ap 21,5). —* Criagáo. vejoso (M t 6,23; Mt 20,15; Me 5,2)
Números. Valor sim bólico de sete e de e correlativam ente “olho bom/sim-
doze no Apocalipse; de letras: os 153 ples” = generoso (Mt 6,22); cobiga
peixes e o en igm ático 6 6 6 de Ap de bens (lJ o 2,16). —» Ver. —> Visáo.
13,18. Oragáo. a) De Jesús. Oracáo ritual: alu­
Nuvem. O motivo clássico da nuvem de as 18 bén§áos e cita o “Ouve, Is­
teofánica aparece na —* transfigura­ rael”, dá grabas ao partir o páo e re­
d o , —* ascensáo e —* parusia: indica cita o grande H allel (M e 14,26).
a presenta, velando a figura. Ora§áo pessoal: é freqüente, no ba-
tismo (Le 3,21), ao escolher os Doze
O (Le 6,12), na eonfissáo de Pedro (Le
9,18). Oraqáo ao Pai (Mt ll,1 5 s; Jo
Obediencia. Jesús obedece á —» lei: 11,41; Jo 17), no Getsémani, na cruz,
práticas litúrgicas, o imposto do tem ­ b) Do cristáo. Cristo nos ensina a orar
plo (Mt 17,24ss), nasce sob a lei (G1 (Mt 6,9-13; Le 11,2-5) sem m ultipli­
4,4). Obedece ao Pai (Le 2,49; 4,43); car palavras. O cristáo deve orar com
até á cruz (F1 2,8; Hb 10,5-10, citan­ confianza (Mt 18,19), com perseve­
do SI 40); é sua com ida (Jo 3,34). A rancia (Le 18,1), sem titubear (Tg 1,5-
obediencia do cristáo: inculcada em 8 ), com sinceridade interna (M t 6 ,6 ),
l ,c 17,7-10; no Pai nosso. A fé como em com panhia (M t 18,19), com hu-
i ibediéncia ou resposta positiva (Rm mildade (Le 18,9-14).
1,5; 10,16; 15,18). Na vida familiar: Orgulho. O hom em nao deve gloriar­
mulher, filhos e servos (E f 6 ). se: de suas qualidades e dons (iC o r
<Mu as, tarefa. a) De Deus: atuou na 4,7), da lei (Rm 2,23), das obras como
■i uiqáo, que é obra sua (Hb 1,10; 2,7; méritos (E f 2,9; Rm 3,27), por razóes
l l citando o AT), na historia sal- hum anas (2Cor 11,18), por cima dos
ilica (Hb 3,9), na redengáo (Jo 9,3), outros (Rm 11,18), de valores hum a­
■ continua atuando (Jo 5,17). Jesús nos (lC o r 3,21), diante de Deus ale­
" 11 be do Pai sua tarefa, a ser reali- gando m éritos-direitos (IC or 1,29).
"l.i até o fim: idéia freqüente em Mas pode e deve gloriar-se: de Deus
1 • "> (Jo 1,32-38; 17,4). b) O homem. (Rm 5,11), de Jesús Cristo (F1 3,3),
i a nin lado, as obras nao dáo —* jus- da cruz (G16,14), das tr ib u ía le s (G1
'' a, 11fio dáo direitos diante de Deus: 5,3) e fraquezas (2Cor 12,5-9), da
' u doutrina de Paulo em Gálatas e esperanza (Rm 5,2); o apóstolo por
• ‘Mii.mos. Por outro lado, urna —* fé urna comunidade (2Ts 1,4; 2Cor 7,4).
■11 niica e vital produz frutos de boas —» Humildade.
Ljtliia-.. como explica Tiago; por isso
■ ■i mvadas (Mt 5,16); recomenda-
1 ■ i ’( or 9,8); Deus as leva em con-
1 \p \2 );p o re la sju lg a rá(R m 2 ,6 ). Paciéncia. De Deus, adiando (Rm 2,5);
1 1 "iiin mi o Diabo realiza suas obras de Cristo (At 8,32), como exemplo
" i • t.K). (2Ts 3,5); do cristáo (Rm 5,3), ñas
•Mr.i i 1 i se para iluminar e perfumar provagóes (Tg 1,2-4). —> Paixáo.
1 • , 16), é m edicinal (Le 10,34); Pagaos, gentíos, nagóes. Subsiste no
|ii|n> i' i se no rito da —* unijáo (Hb NT a ambigüidade do hebraico goyim
* 1 Ir >,14). = pagáos/nagoes, como mostra Mt 25.
I ***1 1 "ino órgáo da visáo percebe O principio é que a redengáo do M es­
lp|t* na ebe a luz e a fornece a to- sias é universal e anula as diferenijas
* "i po (o corpo inteiro vé pelos (Rm 5,18). A prática da incorporado
■ i • "mu cuna lampada (Mt 6,22). pode-se apreciar, p. ex., em A t 10-
ti como sede da estim ati­ 11. A s cartas explicam a doutrina
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 32

(Rm 12,13; E f 4,4-6). Essa vocaçâo ginativo, quase sempre de agáo, e um


universal é revelada agora (Rm 16, plano de significado transcendente.
26). —» Prosélito. Com freqiiència se referem à iminèn-
Pai. —* Deus. —» Trindade. cia ou presenta do reinado definiti­
Paixáo. a) Os relatos alcançam, já na vo (escatològico) de Deus. Algumas
tradiçâo oral, urna form a estável e incorporam a ex p lic ad o posterior da
orgánica, distinguem -se pela ordem comunidade, ou melhor, sao texto e
e concentraçao, com variantes signi­ leitura. Sobre sua compreensào (Mt
ficativas. b) Teología. Faz parte de 13,14s).
um designio, “tem que, há d e”, é Paráclito. E o advogado ou valedor.
anunciada très vezes (M e 8,31; 9,31; Sua funcjào é exortar, defender, con­
10,33s) e referida outras vezes, ex­ solar. Título de Jesús Cristo (1 Jo 2,1);
plicada depois (Le 24,25); prefigu­ do Espirito (Jo 14,16).
rada em Is 53 e SI 22 entre outros; Parusia. Significa, em geral, presenqa/
pregada sem rodeios pelos apóstolos visita, em particular a visita festivi!
em Atos. É resgate (Mt 20,28 par.). de um monarca. Em sentido técnico
Jesús trata déla conscientem ente (Mt é a segunda e definitiva vinda de Je
26; Jo 13,lss), querendo (M e 14,42). sus Cristo, com gloria, para julgar r
Paulo prefere o termo cruz; é prova instaurar o reino definitivo do Pai
de —» am or (2Cor 5,14), revela —* sa- Textos básicos: Mt 24 e 1—2 Ts; on
bedoria e força (IC o r 1,18), opera a tras referéncias (IC or 15,23; Tg 5, /,
redençâo (Rm 3); é fundamento do 2Pd 1,16; 3,4-12; lJo 2,18). Sem us.n
—* culto (F12,11), do —» batismo (Rm o termo, referem-se a ele com sinA
6 ) e da eucaristía (IC o r 10). Joáo a nim os: m a n ife sta d o (epiphaiifin)
apresenta como exaltaçâo (3,14; 8,28; dia do Senhor, vinda de Cristo, ni
12,32); é ato de —» solidariedade (Hb contro. O modo será terrível e In,II
2,18; 5,8) e exemplo (lP d l,21ss). c) vo: com gloria, acompanhado de un
O cristao deve aceitá-la e imitá-la (Mt jo s (céu), com aparato cósmic o, u
10; 16,24 par.; F1 l,29s); o apóstolo todos os homens. Sobre o tempo, luí
(At 9,16) se gloria (2Cor 12); parti- duas versóes: será repentina/pievi*
cipaçâo física na tribulaçâo (thlipsis) ta, im inente/adiada; segundo lottn
e m ística no batismo. está acontecendo agora, é espiiiliml
Palavra. a) De Deus: por primeiro é escondida, nao espetacular; o Apoi h
citado o AT (Rm 13,9; A p 17,17). É a lipse a faz coincidir com a quedii di
boa noticia proclam ada (At 4,29; F1 Roma = Babilonia.
1,4); a m ensagem da verdade (E f Páscoa. Jesús celebra a tradicional i l .
1,13), da vida (F1 2,16), auténtica 2,41; Jo 2,23), a última sua (Mi
(lT s 2,13), é força (IC o r 1,18), é li­ par.). E a nova páscoa (1 Coi '■>,/) mi
vre (2Tm 2,9) e julga (Hb 4,12). b) cificado na hora de matai o • i m
Jesús é a Palavra (Jo 1,1.14; lJo 1,1; deiro (Jo 19,14). —►Sacri I n io
Ap 19,13); sua palavra soa com au- Pastor. Como imagem: l<-xt<>•• ImIM*4K
toridade (Mt 7,29), é do Pai (Jo 6 ,6 8 ), (Jo 10,21 e lPd).
é de Deus (Hb 1,2). Paz. Saudaqáo hebraica, ctr.i.i • .i|««
Pao. O m ilagre dos pâes se conta nos tólica; é eficaz (Mt IO. I ') Aimink
quatro Evangelhos, duas vezes em Mt se no nascimento (I c I 11. • **
e em Me (M t 14 e 15; Me 6 e 8 ). O na entrada em Jernsalcin (I • I ' 1 s*l
sentido do pao eucarístico se explica é saudagáo do Ressuseiludo (I ■ ' j
em Jo 6 : Jesús é o pao do céu que dá 36), dom do Espirilo (l'ui Mii j j
vida. 5,22). Incluí a paz com I mi * | M
Parábola. Traduz sem definir o he­ 5,1); na Igreja (I l ’ Il I / )
braico mashal, que é aforismo, com- dos (Mt 5,9; I Ib I I I ) • 'l.-iié .
p araçâo, fáb u la, relato exem plar. Pecado. Termo í n n d a m . nini /i.tmdfÉ
<'orno tal, costuma ter um plano im a­ sinónimos: unomni ( ■• ni l> o
33 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

(injusticia), paraptom a e parabasis cados (Mt 9,2ss), pede perdáo pelos


(transgressáo); outros sao específicos. algozes (Le 23,34), concede o poder
Metáforas: divida, mancha, carga. Em aos apóstolos (Jo 20,21-23), que o
relagáo com uma norma, com urna exercem normalmente (At 5,31). b)
pessoa, Deus ou Cristo: afastar-se, O perdáo se obtém pelo batismo de
abandonar, negar. Personifica-se. A Joáo (M e 1,4), pela fé (At 10,43),
presenga e a doutrina do pecado sao pelo am or (Le 7,47), pela súplica da
fundam entáis e constantes no NT, Igreja (Tg 5,13s); do perdáo se ex­
como fundo de contraste para a men- cluí o pecado contra o Espirito Santo
sagem positiva da boa noticia. Para (Me 3,28s). c) O cristáo deve perdoar
orientar-se na complexidade, sao úteis os irmáos e os inimigos (M t 18,21-
algumas distingóes: a) como ato res- 35; Le 17,3).
ponsável, individual ou coletivo, como Perseguirá0- Jesús é perseguido (Jo
condiqáo humana, radical e univer­ 13,18) e o seráo seus discípulos (Jo
sal; interior ao homem e concebido 15,20); Jesús o anuncia (Jo 16,1-4).
como exterior a ele, hamartia perso­ Paulo, antes perseguidor, é persegui­
nificada; b) como infragáo de uma do (At 9) como os outros apóstolos
norma objetiva, lei ou mandamento, (At 4). É parte da vida cristá ( 1Ts 3,3);
como ruptura com uma pessoa, Deus deve ser enfrentada com paciencia
ou Cristo; c) daí se seguem as conse- (Mt 10,22) e até com gozo (Mt 5,11-
c|iiéncias: culpa-reato, ira-condena- 12; lP d 4,12); rezar pelos persegui­
cao, castigo-m orte; d) o pecado co­ dores (Rm 12,14).
metido se anula pelo perdáo, que é Pescador. Como imagem (Mt 4,19 par.).
l' iacja de Deus por meio de Jesús Cris­ Pobreza. E uma bem-aventuranga (Mt
ti >; seu poder se detém pela —* graga; 5,3; Le 6,20; explanagáo em Tg 1,9-
c) o pecado se relaciona com o ins­ 11; 2,1-13); duas classes de pobreza
tinto (sarx), com o —* Diabo, com o (Ap 3,17s); a viúva pobre e generosa
* mundo (segundo Joáo). Há peca- (Le 21,1-4). Cristo se fez pobre (2Cor
>l' >s que acarretam a morte ( lJ o 5, 8,9); pobreza do apóstolo (Mt 10,9;
I lis). Textos mais significativos: Rm 19,21-25). —» Riqueza.
<■ Jo 12,17; lJo . Jesús nao comete Pomba. Exemplo de sim plicidade sem
l" i ido (Jo 8,46) e vem para ocupar- duplicidade nem mescla (M t 10,16).
■ iln pecado (Rm 8,3; 2Cor 5,21). Imagem na qual se manifesta o Espi­
■ ■ i<lor. Em sentido técnico, costuma- rito, aludindo talvez ao Càntico dos
v i i i i i chamar de pecador quem leva- Cánticos e revelando o amor.
vii uma vida pública depravada ou Pragas. A palavra grega plege é tradu-
lo >iiicava uma profissáo pecaminosa, gáo do hebraico makka. Significa pri-
■ni.. |n o stitu ta se -» publícanos (Mt meiro golpe, chaga (At 16,23-33; Ap
'< lambém quem nao cum pria a 13,3). Dai passa a significar uma des­
1 . i iiisaica (Jo 7,49), inclusive os grana ou calamidade grave e coleti-
■ | h ,.d..', (Mt 26,45). va. Tomando como modelo ou inspi­
• i. i (> NT distingue entre pedra r a d o o relato de Exodo, Apocalipse
Un/i,.,) , rocha (petra) na linha da descreve o suceder-se de diversas
b> i. anidan hebraica entre ’eben e gur. pragas mais ou menos fantásticas.
1 ............i os termos (Mt 16,18). Je- Pregagáo, proclamar (kerysso). E anún-
*n» . i |M-iira angular (Mt 21,42; Ef cio oficial, em virtude de um cargo
f 'i IIM 2,7) e a pedra de tropero ou m issáo, oral e público. Funcjáo
n ni Rm 9,32, citando SI 118, prim ària do Batista, de Jesús, dos
* l 16). Os cristáos sao pedras apóstolos. Seu conteúdo básico é o
. lilicagáo da Igreja (lP d evangelho ou boa noticia, o reinado/
* II .’I). reino de Deus, a pessoa e obra e men-
* 1 1 ■ 11 \ Deus com pete perdoar sagem de Jesús Cristo. Deve ser uni­
■ i' ' i NI 130). Jesús perdoa —» pe­ versal e será acompanhada de sinais
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 34

e dotada de força superior. Convida zantes, homens rclij'.ioM r.. /•/1. i>,<
à conversâo e à fé. Os Evangelhos e noi (At 10) ou \ehom cn,‘i t u i t|
os Atos a apresentam em açâo. —» Pagaos.
Primicias, primogénito, a) Cristo é o Ppovérbios, aforismos, si ni'ii. ,
primogénito do Pai (Hb 1,6), de mui- das formas do mashal. !■ " .... i .
tos irmâos, da criaçào (Cl 1,15), dos generosamente o género m i ........ a
mortos por ser o prim eiro ressuscita- namento e pregagáo. .........................
do (IC o r 15,20.23; Cl 1,18; Ap 1,5). pilar um repertorio ou aniel.., ¡ . i
b) O cristâo; é prim icias (2Ts 2,13; les, como um texto sapiem i.il .i • 1
Tg 1,18; Ap 14,4), em bora cronoló­ P ublicano. Cobrador tic itn| >•■ n
gicamente se possam chamar prim i­ servigode Roma; iam acomp mh . i
cias os judeus (Rm 1,16); o primeiro e protegidos por policiais 11 ■- i . ■i
convertido de uma regiâo (Rm 16,5). tipos de impostos: o geral (/■■ "
Possuir com o prim icias o Espirito phoros) e o da alfándega ou Im in
(Rm 8,23). dor (telos). O sistema se pn i . .
Profano. Em teoria há dois sistemas de abusos: o cobrador, e mar. .mi.I.
oposiçôes: sagrado/profano e puro/ chefe, se enriqueciam á cusía .la p
im puro-contam inado; na prática se pulagáo, por isso eram mal vra.i
sobrepóem. O profano pode ser con­ cham ados de pecadores. Coi ive 11. ...
sagrado, o impuro pode ser purifica­ se Levi-M ateus e Zaqueu. O ía ......I
do por abluçôes ou açôes rituais. Os publicano (Le 18,9-14).
tabus, alimentos e relaçôes nao ad- Pureza legal. A legislagao do 1 < m
mitem mudança. e do Deuteronómio e mais ainda a m
Profeta. Os do AT sao citados ou a eles terpretagáo rígida dos fariscir.
se fazem alusóes. Os do NT: existén- abolidas por Jesús (Mt 15,1 ls:.) <¡i.
cia (At 13,1; 21,10; talvez Ef 3,5); insiste na pureza interior, que 6 i....
nomeaçâo (E f 4,11), profetisas (At bem-aventuranga (Mt 5,8). —* Prolan.
21.9). Jesús é profeta (Le 4,24), tido
como tal (M t 21,46), o profeta (Jo R
6,14). A profecía é um carisma (IC or
12,28ss; 14,32; !Ts5,20). O A ^ c a lip - Rabí, rabino. Pela etimología é ti 11■I•■
se se apresenta com o profecía (1,3; honorífico, na prática era título bi­
22 . 10). mestre. O Batista e com freqüéiu i.i
Promessa. O AT é em boa parte pro- Jesús o recebem. As vezes se tradu,
messa, em sua dinám ica interior his­ por didaskalos = mestre ou epistat. ,
tórica e em seu m ovim ento para o R econciliagáo. Texto básico 2Coi >
futuro. O NT vem cum prir e trans­ 18ss: Deus reconcilia consigo o ho
bordar todas as prom essas do AT no mem, por meio de Cristo. Pregá-la e
dom de Jesús e do Espirito, a) Jesús o m in istério apostólico prim ário
é o sim = realizaçâo das promessas Reconciliam -se judeus com pagao;.
(2Cor 1,20); faz múltiplas promessas (E f 2,16), o céu com a térra (C11,20).
aos seus: bem -aventuranças (Mt 5,1- —* Perdáo. —» Pecado.
12), apoio na missáo (M t 28,20); re­ Redengáo. O NT prolonga o uso do;
sume-as na vida eterna (Jo 3,16). b) verbos hebraicos pdh e g 7. No sen l i
O Espirito é a promessa do Pai (At do genérico de libertar (Le 1,68; 2,38.
1,4; G1 3,14). c) O cristâo é herdeiro 24,21); de uma conduta (Tt 2,14; Hb
das prom essas (E f 3,6), continua es­ 9,15; lP d 1,18). Com o matiz de com
perando o cum prim ento da promes­ prar, resgatar uma propriedade alie
sa final (Hb 10,26). —» Esperança. nada (IC o r 6,20; 7,23; G1 3,13; 4,5;
Prosélito = adventicio. Distinguiain-se Ap 5,9); para adquirir (E f 1,14) por
os plenam ente convertidos ao juda­ um prego (lP d 1,18; Rm 3,24). Com
ismo e circuncidados (Mt 23,15), pre­ o matiz de resgatar de uma escravi
sentes (At 2,11; 6,5); e os simpati­ dáo (Rm 8,23; E f 4,30).
NOTAS TEMÁTICAS DO NT

llno, reinado. Como territorio e pos- 30s), escatológica (M t 25; Rm 2,6;

I Ée, com o exercício do poder real.


Mantém-se certa ambigüidade de sig­
nificado. O reinado se aproxima, che-
ga, com eta, no reino a pessoa entra e
le incorpora. Termo (basileia) típico
dos sinóticos. O Batista e Jesús o
Ap 2,23; 20,12s). Segundo as obras
(2Tm 4,14; Hb 11,6; Ap 22,12); sem
proporqáo com os sofrimentos (Rm
8,18); a heranqa (C1 3,24) ou a vida
eterna (M t 25,46). —» Obras.
Revelagáo. Descobrir o oculto. Informar
«nunciam. É transcendente e presen­ sobre dados ou manifestar em a d o .
te, futuro e atual. Está para chegar O Pai revela a Pedro (Mt 16,17), o
(Me 1,15), já chegou (Mt 12,28), está Pai nos revela o Filho (G1 1,16). Je­
no meio (Le 17,20s). E dom de Deus sús revela o Pai (Mt ll,2 5 ss; Jo 1,18;
(Le 12,32; 21,29), nao depende da 14,9); revelar-se-á na parusia (2Ts
raga (Mt 8,12), mas da conversáo (Me 1,7). O Espirito revela a intimidade
I,15) e obediencia a Deus (M t 7, de Deus (IC o r 2,10), revela progres-
21ss). As parábolas do reino propóem sivamente (Jo 16,13). A c o n d id o ple­
ou sugerem essa tensáo entre o pre­ na de filhos de Deus se revelará (Rm
sente escondido e o futuro manifesto 8,19; lJo 3,2).
(Mt 13 e 21). Reino —» reinado de Rocha. -» Pedra.
Cristo (Le 23,42; Ef 5,5; 2Tm 4,1). Roma. Em 63 a.C. a Judéia é incorpo­
lessurrei^áo. Admitida pelos fariseus, rada á provincia romana da Siria; é
ao contràrio dos saduceus (M t 22,23; governada por um procurador ou go-
At 24,15); afirma-a no sentido de “le- vernador romano ou por reis e etnar-
vantar-se” para com parecer a julga- cas sob a tutela de Roma. Os romanos
mento. (Em Jo 5,29, a palavra grega se reservam várias competencias ju ­
' significa levantar-se: de quem jaz, do rídicas, respeitam a religiáo e costu-
sono, da morte, seguindo o hebraico mes locáis. Cobram impostos (por
qum.) meio de cobradores locáis, publica-
Ressurrei^áo de Cristo. Os relatos se nos), m antém tropas de o c u p a d o .
distinguem pela variedade nos Evan- Aceitos pelos saduceus, tolerados pe­
gelhos; nao há urna sèrie e urna or- los fariseus, odiados por grande par­
dem estáveis; sublinham a identidade te do povo. A s duas revoltas armadas
do Ressuscitado; comegam a expli­ contra Roma, nos anos 70 e 135, ter-
car o sentido e acrescentam instrucóes minam trágicamente com a destrui­
eclesiais. Dar testem unho da ressur- d o do templo e a d e v a sta d o de Je-
reigáo de Jesus é missáo primordial rusalém e da Judéia. —» Babilonia.
do apóstolo (At 1,21; 2,32 etc.). Dou-
trina: Jesus é a ressurreigáo (Jo 11,25);
texto básico (IC o r 15). Dos cristáos
s
(Rm 8,11; 2Cor 5,4; IC or 6,14); Je­ Sábado. Jesús polemiza contra a inter­
sus os ressuscita (Jo 6,39.44.53). —» Vi­ p re ta d o exagerada e casuística do
da. —» Morte. —* Eternidade. preceito bíblico; relativiza seu valor,
Ressuscitar. No sentido transitivo: em subordinando-o ao homem (Mt 22,
Naim (Le 7,11.17), a filha de Jairo 27), coloca-o sob sua autoridade (Me
(Mt 9,18-26), Lázaro (Jo 11). Dorcas 2,28). Por outro lado, ensina no sába­
(At 9,36-43), Éutico (At 20,9-12). do ñas sinagogas (M e 1,21; 6,2); o
Resto. Como no AT. mesmo fará Paulo (At 13,14). Os cris­
R etrib u id o . Castigo: os maus vinha- táos logo abandonaram a observan­
teiros (M t 2 1 ,3 3 -4 6 ), im postores cia do sábado e celebraram o “primei-
(2Cor 11,15). Por abuso da eucaris­ ro dia” como dia do Senhor (kyriakos)
tia (IC o r 11,30). Por nao crer (Le (IC o r 16,2; A t 20,7).
20,17-28), por nao converter-se (Mt Sabedoria. A sabedoria-sensatez-habi-
II,20-24). Da Babilonia sim bólica lidade era urna qualidade e atividade
(Ap 18). Prèm io: já na terra (M t 10, humana, internacional, transmitida e
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 36

aprendida em diversos am bientes. ma cordeiro que tira o pecado (Jo


Em tempos posteriores, os “sábios” 1,29), considera-o cordeiro pascal (Jo
(jhakamim) se concentram no estudo 19,14), atribui a seu sangue o perdáo
e na explicacáo da torà. Jesus reto­ dos pecados (Jo 1,7; 3,5). c) O cris-
ma em seu enfoque e estilo a tradi- táo oferece sua vida crista como sa­
gáo antiga (parábolas, aforismos), su­ crificio (Rm 12,1).
perando a estreiteza dos m estres, seu Saduceus. Provavelm ente vinculam
legalismo, e ensinando com autori- seu nome a Sadoc, sumo sacerdote
dade. a) Deus é sábio em seus planos de D avi e Salom áo. Form am uma
secretos (IC o r 2,7), é o único sábio espécie de seita religiosa e partido
(Rm 16,27), profundo (Rm 11,33), político: ricos, influentes, mas nao
múltiplo (E f 3,10). b) Jesus é a sabe- tanto sobre o povo, amigos dos ro­
doria de Deus (IC o r 1,27), encerra manos, rivais dos —» fariseus. Ape
todos os tesouros de sabedoria (C1 gam-se à Escritura sem as adigóes dos
2,3), progride na sabedoria (forma- fariseus; nao aceitam a ressurreigáo
gáo hum ana) (Le 2,40.52), propóe (M t 22,23-34) nem anjos nem espiri
coisas novas e antigas (M t 13,52). c) tos (At 23,6-8). Sào hostis a Jesús.
Sabedoria humana e divina, distingao Salvagáo. Tem dois componentes, sal
e polèmica. Texto básico (IC o r 1-2) var de, salvar para; é total, o homem
cam al/espiritual (2Cor 1,12/C1 1,9); todo; e universal, todos os homens; <
do alto/terrena (Tg 1,15); humana- é gratuita, a) Salvar: do pecado (Mi
m undana/divina (IC o r 2,13; 3,19/ 1.21), da —» ira (Rm 5,9), da -* mot
1,21). A Sabedoria de Deus se acre­ te (Tg 5,20). Salvar para a vida (I I
dita (Le 7,35), a hum ana se confun­ 2.5), para o reino celeste (2Tm 4 ,1H|
de (Rm 1,22); Deus esconde sua re- b) E total como mostram as curas (Mi
velagáo aos doutos (Mt 11,25). d) O 9.21), na tempestade (M t 14,30); di'"
homem pode adquirir essa nova sa­ cer da cruz (M e 15,30), mesmo il«
bedoria com o dom de Deus (Tg 1,5), morte (Jo 11,12). Seu contràrio í "
como carisma do Espirito (IC o r 12,8; perdigáo ou destruigáo (Tg 4,12), I
Ef 1,17), assim poderá ensinar aos universal (lT m 2,4) e gratuiti! (I 1
outros (C1 1,28). 2.5), pela fé (At 16,31). — H»
Sacerdotes. Judeus (M t 8,4) converti­ dengáo.
dos (A t 6,7). Jesús Cristo na exposi- Salvador. Título de Deus (Tt 1,'), il>
gáo de H ebreus. Os cristáos (lP d Jesús Cristo (At 5,31).
2,5.9; A p 1,6; 5,10; 20,6). Nao no S a m a ritan o s. Por suas origens e iieii
sentido diferenciado atual. —» Culto. gas, eram considerados pelos ¡míen
Sacrificio, a) Jesús, em bora admita o como cismáticos, quase pagaon; i»m
culto (M t 21,13), relativiza seu va­ tinham relacionamento. Admilinm •
lor: é preciso antes reconciliar-se com o Pentateuco como Escritura i> h«!
o irmáo (M t 5,23); mais vale a m ise­ sideravam o m onte Gari/.im «MW
ricordia (Mt 9,13). Estabelsce uma único lugar legítimo de cullo Imp«
nova alianga (Le 22,20), um novo rábola Jesus apresenta como muti**
modo de culto (Jo 4,21-24), apresen- um samaritano (Le 10,30-37),
ta-se com o novo tem plo (Jo 2,21) e verte uma mulher e toda i i i i i m |Wj*
anuncia a destruigáo do antigo (Mt lagáo (Jo 4), só um samaritano Vm(i
24, ls). b) A morte de Jesus como sa­ para lhe agradecer (Le 17,11«I#»
crificio: anunciado em Mt 20,28, afir­ Enquanto ele vivia, os apóNlolit» »*■
mado em Ef 5,2; figurado: no san­ devem pregar na Samaria; dé|tn(|rf
gue da nova alianga (IC o r 11,25), no ressurreigáo, sim (Mt 10.S; Al 1,1)
cordeiro pascal im olado (IC o r 5,7), Sangue. De —* sacrificio iIh Hi* 1
atribui-se ao sangue derram ado a re- -* alianga (Le 22,20; 1III I UlIJ. *
dengào e expiagáo (Rm 3,25). H e­ expiagao (Rm 3,25; Hl> V lli|, idte
breus desenvolve o tema. Joáo o cha­ do resgate (lP d 1,19), ponimi it» (*
37 NOTAS TEMÁTICAS DO NT
com Deus (C1 1,20; Ap 5,9). Sangue de M oisés (Jo 3,14). Referència à
eucaristico: é verdadeira bebida (con­ serpente primordial (Gn 3) em 2Cor
tra o uso e sentimento hebraicos). O 11,3; Ap 12,9; 20,2.
de C risto pede urna vinganga que Servo. O apóstolo é servo de Cristo
consiste no perdáo (Hb 12,24). (Rm 1,1; Tg 1,1). Os cristáos fiéis
Santidade. Condigáo especial e exclu­ (Ap 1,1). —* Escravo.
siva da divindade, à qual o homem Setenta (= LXX). É a tradugáo grega
acede pela consagragao. Sugere trans- oficial da Biblia Hebraica, à qual se
cendéncia total e absoluta perfeigáo acrescentam os livros deuterocanó-
moral. A dupla oposigáo sagrado/pro­ nicos (alguns escritos originalmente
fano e santo/pecador as vezes se so- em grego). E o texto citado norm al­
brepóe. E próxima da perfeigáo. Deus m ente no NT, embora nem sempre
é santo (Ap 4,8): assim o Filho o cha­ corresponda ao hebraico original.
ma (Jo 17,11) e o cristao há de fazé- Sím bolos. —» Interpretagáo.
lo na oragáo (M t 6,9). Jesús é santo, Sinagoga. Edificio local de culto. Gover­
consagrado pelo Espirito (Le 1,35; n a lo por um chefe ou arqui-sinagogo
Me 1,24). O E spirito é Santo (Jo (M e 5,22), com um em pregado ou
20,22) e consagra (Rm 15,16). Con­ sacristáo (Le 4,20). A celebragáo cos­
sagrados (ihagioi) é título frequente tuma seguir uma ordem fixa: oxem a
dos cristáos; pode ter um componente (“Ouve, Israel” Dt 6 ) com outras ora-
ético (C1 3,12; E f 5,27). —» Cumprir. góes, leituras da torà e profetas, ho­
Santuàrio, tabernáculo. E sua origem a m ilía, béngào. Jesus aproveita a ins-
tenda móvel que serve de recinto sa­ tituigáo para ensinar (Le 4; Jo 6 ),
grado, depois todo o recinto do tem­ com o tam bém os apóstolos (At 3).
plo ou o edificio dentro dele. Referi­ Expulsar da sinagoga é uma espécie
do como tipo do céu (Hb 8,2.5; 9 ,lis ) de excomunháo (Le 6,22; Jo 9,22.34).
e da Jerusalém celeste (Ap 21,3). Sinal. —» Milagre.
Satanás. —» Diabo. Sinèdrio. G rande Conselho, senado
Segredo m essiànico. Jesus proíbe di­ (gerousia). Supremo corpo de gover­
vulgar que é ele o Messias: aos de­ no e judicial. C om preende: sum os
monios (M e 1,25), aos curados (Me sacerdotes (familias sacerdotais do­
1,44), aos apóstolos (M e 8,30). minantes), chefes de familia da aristo­
Vio. Serve para fechar algo com ga­ cracia (anciáos, senadores), letrados.
rantía: o sepulcro (Mt 27,66), o livro Sao setenta, mais o sumo sacerdote
(Ap 5,2; 6,1), o Abism o (Ap 20,1). que o preside. Julgam e condenam
Serve para deixar a marca de garan- Jesús (M t 26,57-68); reuniáo delibe­
lia e protegáo (Ap 7,2; 9,4); o selo ou rativa prèvia (Jo 11,45-52); julgam os
marca do Espirito (Ef 1,13; 4,30). apóstolos (At 4—6) e Paulo (At 22-23).
'«rnhor. Tradugáo de ’adonay - Yhwh. —» Autoridade.
Título e nome de Deus (Le 1,38; At Sinóticos. Sao os evangelhos de Mateus,
¡ 17,24). Título de Cristo (Mt 21,3; Le Marcos e Lucas, que eoloeam proble­
/, 13; 11,39) em Joáo depois da res- mas com suas coincidèncias e discre­
urreigáo (Jo 20,18); o mesmo em At pancias: em cada perícope, ñas se-
',26, na invocagáo maraña tha (IC or qüéncias, na tendencia. A comparagáo
l(>,2 2 ), inserido na fórm ula nosso permite agrupar perícopes que figu­
Srnhor Jesús Cristo. E o título supre- rarli na tradigáo tripla (Mt-Mc-Lc), tra-
I Ido de F1 2,11, e dà nome ao domin- digáo dupla (Mt-Lc), simples no res­
I |¡n = dies dominica, kyriakos (Ap 1 , to. T ém sido elaboradas diversas
1 III). Título do Espirito (2Cor 3,17). teorías para explicar os fatos: a) uma
t»i |iente. E xem plo de astucia (M t teoria documental que póe como base
I lii.l 6), temível por seu veneno e usa- Me + uma fonte que se reconstrói (Q).
! l i romo injuria (Mt 23,33). Cristo na b) Interdependencia complexa, c) Tra­
■ mu / é antítipo da serpente benéfica digáo oral, na qual váo tomando for-
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 38

ma relatos e seqüéncias, de acordo diz que é de ouro. Equivale a sessen-


com formas relativam ente estáveis, ta m inas ou a seis mil denários (o
que os evangelistas empregam como denário è o salàrio de um dia). U sa­
materiais para sua composigáo pes- do em parábolas para indicar uma
soal. Hoje se estudam de preferencia quantidade muito grande.
as formas comuns da tradicào oral e o Targum. Tradugáo parafrástica e ex­
pròprio de cada evangelista: crítica das plicativa das leituras bíblicas que se
formas-géneros e da redagáo. liam em hebraico. Transmitidas em
Sofrimento. —» Paixáo. tradigáo oral e recolhidas mais tarde
Sol. Além do uso ordinàrio, é dom de por escrito. Influíram no uso que o
Deus sem distingóes (Mt 5,45). Es- NT faz do AT, como se reconhece
curece na paixáo (Le 23,45), em pen- cada vez mais. —» Interpretagáo.
tecostes (At 2,20), na -* parusia (Mt Temor. A raiz grega phobeo (como a
24,29; náo será necessàrio no céu (Ap hebraica y r ’) pode significar: o temor
21,23; 22,5). ou o m edo, a rev e rè n d a devida a
Solidariedade e conceitos associados. Deus, a intimidagáo diante do misté-
Participar = partilhar recebendo urna rio. a) Medo: dos hom ens (M t 10,
parte com outros; partilhar dando do 26.28; 2Cor 7,5), do castigo de Deus
pròprio, solidariedade como espirito (Hb 10,27,31). Medo de náo fazei
de ambos, a) Partilhar, tomar parte: algo perfeitamente, ou de esquecei
negativo (At 8,2), positivo (C1 1,12). detalhes (2Cor 7,15; F1 2,12). b) In
Jesús Cristo compartilha nossa carne timidagáo diante da aparigáo de an
e sangue (Hb 2,14), Pedro com Jesús jos (Le l,12s.29s), diante de milagro
(Jo 13,8). Da vocagáo (Hb 3,1), da res- (Mt 9,8; Le 7,16), diante da transí i
surreigáo (Ap 20,2), da mesa euca­ guragáo (M t 17,6). c) E tradicional c
ristica (IC o r 10,17), do Espirito (Hb freqüente a fórmula “náo temas, nim
6,4). Compartilhar urna culpa é cum- tem áis” ao apresentar-se o Senlmi
plicidade e solidariedade no mal (2Jo (Mt 28,5; Me 5,36; Jo 6,20). A vilo
11; lT m 5,22). b) Partilhar o pròprio ria sobre o tem or é atitude básica di<
(Gl 6,6; Rm 12,13; 15,16). Solidarie­ cristáo (Rm 8,15; lJo 4,18).
dade (At 2,42; 2Cor 9,13; Hb 13,16). Templo. -» Culto.
- » Amor. Tempo. Vocabulário: o genérico chin
Sonho, m eio de revelagáo (M t 1,24; nos, semelhante ao nosso; aion i ni.
2,12s), pesadelo (M t 27,19), fantasia etapa, século; kairos = sazáo, or*
(Jd 8). siáo, conjuntura; anos, dias, 1.... .
Sono, Jesus na barca (Mt 8,24), os após- instante. Urna sèrie (Ap 9,15), mui
tolos (M t 26,40), os guardas (M t 28, dupla (lT s 5,1). d) Aion = idailr,
13, ter sono (At 20,9). Uso m etafóri­ culo = passado (apo) (At 15,1H). iim»
co: preguiga (E f 5,14), m orte (Jo mcrial (ek) (Jo 9,32), futuro (II If
11,11; At 7,60; 1Ts 5,10). tem comego e fim (IC or 2,7), ¡iliM
Sumo sacerdote. Antes vitalicio, tom a­ plesmente por toda a vida (»•/*) 1In
se cargo anual desde Herodes M ag­ 8,35). Sécalos dos séculos dcNi^il* i
no. E a autoridade religiosa suprema, perpetuidade. Deus projeta <• <nuil#
preside o Conselho ou sinèdrio, a ele laasid ad es(E f3 ,ll; lTm 1,1 /) l'lÁjjJ
se deve um respeito sagrado (At 23,4). da graga (jubilar) (Le 4,1 *>) * 14)
Segundo Hebreus, Jesús Cristo é o do Senhor, de Cristo é a * |i,inn(* f
novo sumo sacerdote. dia escatològico, último (Jn (i,fw
pode significar o tempo <ln m
T Jesús (Jo 8,56), dia do *
to (lJ o 4,17), da —> ira ( Km I ') É
Talento. O riginalm ente unidade m áxi­ salvagáo (2Cor 6,2), do lil» iIpiv4h(B
ma ile prego; segundo peso, náo cu- 4,30). Hora: de Jesús (.lo ,',4 i,Jm
nliada, é de prata quando se náo se chega (Jo 12,23; 17,1 ), u iilHiiit(lN
39 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

2,18). Sazáo (kairos) um tempo pre­ Filho (lJ o 5,10), sobre o homem (At
definido que se oferece como ocasiáo 15,8). Jesús com suas obras (Jo 10,
talvez única, talvez últim a (Le 19, 25), diante de Pilatos (Jo 18,37; lT m
44s; 2Ts 2,6); é preciso aproveitá-la 6,13); sobre o Pai (Jo 7,7). A Escritu­
(Ef 5,16). Tempo; de p re p a ra d o (Hb ra dá testem unho (At 10,43; Rm
1,1), da paciencia de Deus (Rm 3,26), 3.21). O Batista (Jo 1,7.15), Paulo (At
de s a lv a d o (Rm 3,25). O tempo in­ 23,11), os apóstolos (At 1,8). Tim o­
dicado (G1 4,4). —» Eternidade. teo (2Tm 1,8). c) Sentido técnico de
T en tad o. Deve-se distinguir a prova­ martirio (Ap 2,13; 17,6).
d o que se deve superar para mode- Trabalho. O exemplo de Jesús na sua
rar-se e acreditar-se, e a te n ta d o que vida oculta o recomenda (M e 6,3; Mt
é induzir positivam ente ao mal. Por 13,55); dos que ele escolhe como dis­
á prova nao é induzir ao mal; ser ten­ cípulos (M t 4,18s); referencia ñas
tado pode ser uma p ro v a d o . a) As parábolas; como termo de compara-
de Cristo sao provas em que se con­ gao com a tarefa apostólica (M t 9,37;
fronta o designio do Pai com o opos- Jo 4,38); Paulo o pratica (At 20,34;
to (sentido etim ológico de sata); Je­ IC or 4,12) e o inculca (2Ts 3,6). Tra­
sús vence e se acredita, b) O cristao balho mais importante sào a obra de
deve suportar provacóes (Tg 1,3; lP d Deus (Jo 6,28s) e a tarefa apostólica.
1,7; IC o r 11,19), é tentado pela con­ Tradigáo. A transmissáo sucessiva da
cupiscencia (Tg 1,13-15) e pelo Dia- mensagem evangélica é essencial. Con-
bo que é o tentador (lT s 3,4s). teúdos concretos: a eucaristia (IC or
ierra, a) Como no AT, compóe com o 11,23), o Creio (IC o r 15,3), os ensi-
cóu o universo (M t 28,18), passará namentos e normas (2Ts 2,15; 3,16).
com ele (M e 13,31), dando lugar a Opóem -se ás tradigóes dos fariseus,
<nitros novos (Ap 21,1). Com valor que obscurecem e invalidam a lei de
imbólico se opóe ao céu como o pu- Moisés (M t 15,2-6) e outras tradigóes
i miente humano ao divino (Mt 6,10. m eram ente humanas (C1 2,8).
I9; Le 2,14; Jo 3,31). b) A térra habi- T ran sfigu rad ». Suprema m anifesta­
i nía, universal (Ap 8,13; 13,3; Mt d o da gloria de Jesús em vida: pro­
11 >34). A térra cultivada (Hb 6,7; Tg longa a m a n ife sta d o aos pastores
' ■.IK). c) O solo (Mt 10,29; Le 22,44). (Le 2), a do batism o, e antecipa a
\ morada subterránea dos m ortos ressu rreid o . Descreve-se acumulan­
(Mi 12,40; E f 4,9). d) Símbolo do do motivos simbólicos: —» gloria (Le
t- <uio (M t 5,4). 24, 26), luz (IC o r 15,40-44; lJo
I' i m iento. E o significado original 5,1), -* nuvem (Mt 26,64; lT s 4,17),
ili ■i'.iego diatheke, que passa a signi- brancura (M e 16,5; Mt 28,3), as teji­
li' H lecnicamente alianza. Com os das da presenta, o —» testemunho da
■ ‘(♦'•i sentidos jo g a Hb 9,16s e G1 Lei e dos Profetas e o do Pai. Vin-
I U>v Pode-se considerar bén^áo cula-se à —» Paixáo (Le 9,31). Textos
.........icntária a de Jesús na ascen- (Le 9, 28-36 par.; 2Pd 1,16). O cris-
I >•■(I >; 24,50-52); o discurso da ceia táo participa dessa gloria (2Cor 3; F1
11" i I 17) é discurso testamentário, 3.21).
I i'mulo m odelos do AT e de apó- Trevas. Em sentido m etafórico, é o
mundo sem Deus (lJo 1,5), do peca­
* ... a) Pode ter o sentido ju- do (Jo 12,35), do demonio (Ef 6,12),
II iilii i nico, p. ex., no processo de do òdio (lJ o 2,11), do castigo defini­
í 1 ni (MI 18,16). b) Geralmente sig- tivo (Mt 22,13). Deus é luz sem tre­
i-1' i ■ unía d e c la ra d o formal e pú- vas (1 Jo 1,5), das trevas tira luz (2Cor
|t i mi (|ual alguém se comprome- 4,6), transforma as trevas em —»• luz
i ■1111a I no pensamento de Joao. (E f 5,8).
í ' ■ i i c o s : Jo 5,31-39; 8,13-18; Trindade. O texto de Mt 28,19 cor­
l 'cus dá testemunho sobre o responde a uma fórm ula batism al
NOTAS TEMÁTICAS DO NT 40

posterior; é interpolagáo tardia (lJ o V


5.7). Em outras passagens há men-
góes trinitárias nao convertidas em Vento. Além de pneum a, relacionado
fórmulas: no batism o a voz do Pai, o com o Espirito, o NT fala de anemos
Filho e o Espirito; Jesús S enhor(lC or como força destruidora (M t 7,25),
12,3-6), o mesmo Espirito, o raeim o que Jesús controla (Me 4,39), e os
Deus (E f 5,18-20; lP d 1 ,3 .1 U 4 ): a quatro anjos de Ap 7,1. Também ser­
despedida de 2Cor 13,13 é talvez urna ve para indicar falta de orientaçâo,
fórm ula litúrgica. Term inología: é movimento sem rota (Ef 4,14).
obvio que o Pai é Deus; Jesús Cristo Verdade. Seguindo a tradiçâo hebraica,
é Deus (Jo 1,1.18), um com o Pai (Jo o NT apresenta os dois significados
10,30.33); Tomé o confessa (Jo 20, de verdade (objetivo) e sinceridade
18; lJo 5,20; talvez Rm 9,5); embo- (subjetivo); aparentado com eles está
ra nao se diga expressamente que o o sentido de fiel, de fiar-se. Contrá-
Espirito é Deus, deduz-se claram en­ rios: falso, mentiroso, desleal, a) Sen­
te por sua agáo e atributos, é cham a­ tido normal: a mulher confessa toda
do kyrios em 2Cor 3,17; figura como a verdade (Me 5,33). Sinceridade (Fl
pessoa em At 15,28. —* Deus. 1,18; ITm 2,7; Tt 1,13). Dai, fiar-sc
Trono. Assento e símbolo de autorida- (Rm 3,4); testemunho fidedigno (Jo
de real ou judicial. Sentado no trono 5,31; 8,13s; Ap 3,14). b) Auténtico,
ou entronizado é título de Deus, rei contràrio a falso, à imitaçâo: o Deus
supremo, no Apocalipse. Deus tem verdadeiro-auténtico (lJo 5,2), comi
um tribunal especial, nao para con­ da e bebida (Jo 6,55), videira (Jo
denar, mas para perdoar, conceder 15,1), oposto à imagem (Hb 9,24). i )
graga (Hb 4,16). Jesús herda o do tro­ Equivale à revelaçâo de Deus em i
no real de Davi (Le 1,32; Hb 1,8) e por Jesús (Jo 14,6; 8,32); a palavi n
terá um trono para julgar (Mt 25,31). do Pai (Jo 17,17), o Espirito (I ln
Os apóstolos teráo tronos para julgar/ 14,17; 15,26); o evangelho (2Cor
governar (M t 19,28). Também Sata­ lP d 1,22).
nás tem um trono em Pérgamo, onde Vestido. Basicamente consistía num i
reina (Ap 2,12). peça interior, espécie de bragas mi
Trováo. Voz de Deus em Joáo (cf. SI calçâo, urna túnica talar e um mmiln
29); elemento de teofania em A poca­ Usar urna segunda túnica sobri-pnMt
lipse; talvez a “grande voz” de Mt era ostentaçâo; ter urna de rcsi'i' i
27,50 aluda á teofania (qol gadol). indicava certo bem-estar. O pesi'it'lm
trabalha sem a túnica (Jo 21,/). tt»
u soldados nao rasgam a tùnica un imi
sùtil (Jo 19,24). Metàfora ilo in mili
Ungáo. a) Como os aromas e esséncias a nova condiçâo crista ou >i li »i>
se dissolviam em óleos, ungir = per­ (2Cor 5,2-4). —* Batismo.
fum ar pode ter sentido festivo (M t Vida, a) Esta vida (Le 16,25; A i l '1 1’
6.7), de agrado (Le 7,38-46; Jo 12,1- IC or 15,19); os autores pu l. mu »
8); há um perfum e de festa (Hb 1,9, palavrapsyché, b) A ouïra: . ,i iiiilirt
citando SI 45). b) Pelas proprieda- tic a ( lT m 6,19),nova(Rinfi.l II |n*
des do óleo há urna ungáo m edici­ sente e futura (ITm 4,8), n.i n «#i
nal (suaviza, protege) (Le 10,34), e reiçâo (Jo 5,29), é o termo ( Km M
se usará na ungáo ritual dos enfer­ mas jà està presente (2( 'm I Ht)
mos (Tg 5,14). c) Penetrando, o óleo Jésus é a vida (Jo 11,25), ,i ...... *til
tonifica, robustece, e se usa na con­ 5,26), a dá (Jo 6,33; I <),.1,*¡> l
s a g ra d o : do M essias (Le 4,18, cita­ condiçâo exige a fé ( lo '.I • 1«)
d o de Is 61,1; At 10,38); do cristáo cumprimento dos mamlami nltti
l" lo Espirito Santo (2Cor 1,21; lJo 5,29). e) C om posto1, ioni 'h i
' 'o /) genitivo: árvore (Ap .’./). i mm
41 NOTAS TEMÁTICAS DO NT

2,10), livro (Ap 2,5), manancial (Ap gènero apocalíptico, b) A visáo pro­
7,17), palavra (F1 2,16). priam ente dita com o ato supranor-
Videira, vinho. a) Israel era a videira mal da imaginagáo ou dos sentidos:
que fracassou; Jesús é a videira au­ Pedro (At 10,16), Paulo as menciona
téntica, que merece fé, única, da qual em IC or 12,lss. c) Símbolo da visáo
os cristáos sao ramos (Jo 15,lss). b) escatològica de Deus (Mt 5,8; IC or
Além do uso normal do vinho, deve- 13,12; 1Jo 3,2). —»Céu. —» Revelagáo.
se notar: o vinho eucarístico, m en­ Vitoria. —» Guerra.
cionado como cálice, o vinho m ila­ Viúva. Estado social e econòmico mais
groso de Caná, o vinho drogado e que familiar. E tradicional o cuidado
letárgico da cruz (M e 15,23), o vi­ das viúvas geralmente sem recursos
nho novo no reino (Mt 26,29). (At 6,1; Tg 1,27); IT m 5,3-16 des-
Vinganga. —»Ira. creve uma organizacáo que parece
Virgindade. Doutrina em IC o r 7. M a­ atribuir alguma fungáo particular ás
ría é virgem (Le 1) e também Jesús viúvas na com unidade e as conside­
(cf. Mt 19,10). Em sentido m etafóri­ ra com direito a um subsidio.
co, oposta á idolatria com o fornica­ Vocagáo. —» Eleigáo.
d o (Ap 14,4). —> M atrimonio. Vontade. —* Designio.
Visáo. Além do uso norm al de ver,
pode-se considerar no contexto da
revelagáo. a) Como recurso conven­
z
cional da época, especialm ente de Zelo. Diligència, fervor (IC o r 12,31;
m jos (Le 1,11). Recurso freqüente do Gl 4,18; lP d 3,13).
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^Emaus
M onte
das O livciras.
JE R U S A L E M S S
B elém •

M A nión
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS

INTRODUgAO
D urante certo tempo, a comunidade antítipo de M oisés e superior a ele. Já
judaica se reparte em tendencias e gru­ nos relatos da infancia nos fa z obser­
pos, que em alguns casos se poderiam var o paralelismo. M uito mais como le­
chamar de seitas. Quatro parecem ser gislador — nao mero m ediador — e
us m ais im portantes: saduceus, fari- mestre.
seus, essénios e zelotes. Com o dentro N este evangelho Jesús aprova e re-
de alguns grupos se podem form ar es­ comenda os m andamentos da lei ju d a i­
colas, é legítimo fa la r de pluralismo. ca; e os corrige, propondo “bem-aven-
i onvivem entre tensoes, tolerancia, in- turaneas ” e acrescentando: “eu porém
•liferenga. Em certa época, os que re- vos d ig o ... ” D iante da conduta de ad­
• <mhecem Jesús como M essias sao um versarios típicos, pronuncia em tom
.1,7 upo a mais, olhado p o r outros gru- polém ico seus ais. D urante seu minis-
/'('.v com suspeita ou tolerancia. N ao tério lim ita-se ao Israel de entáo; ex­
liiltam ameagas e esbogos de persegui­ cepcionalmente concede algum milagre
do. Em 70 sobrevém a catástrofe de a pagaos, olhando com suspeita seus
rusalém e Judéia. D as ruinas mate- concidadáos. Depois do momento esca-
1litis e da crise espiritual emerge um tológico, investido de plenos poderes
1upo fariseu que unifica poderosa- com a ressurreigao, lega o seu ensina-
nt,’ o judaism o normativo, excluin- mento como mandamento. Em lugar da
1 ••iualquer pluralismo. A rejeigáo aos convergencia das nagóes, anunciada
'i /nos, ou “nazarenos”, v a ise inten- pelos profetas, ordena a dispersao p o r
lindo até tornar-se oficial no sínodo todo o mundo. Em lugar da circunci-
'• 1m inia (entre os anos 85 e 90). Os sáo, instaura o batismo.
Ihilen i ristáos sao excluidos form al- M ateus chama de “igreja ” a com u­
|t. ule da sinagoga. P or seu lado, que nidade crista, e a considera continua­
■ luí, ilo espiritual, sentimental e de con- dora legítima do Israel histórico. E o
|hm eiuirdam em relagao a suas raízes Israel auténtico, que já entrou na eta­
fiilllICtIS? pa final. Jesús anunciou a iminéncia do
I l'iiiii i’ssas com unidades parece es- “reinado de D eus ” e realizou o ato de­
I 11 1 l ’i iruanamente Mateus. Nao pre- cisivo com sua m orte e ressurreigao. A
)hi‘ \¡>licar usos e tradigóes judai- comunidade nao deve ter saudade do
i Ir os respeita, estima e explora, passado, nem renegá-lo. A tingiu um
a continuidade e a novidade, presente glorioso, nao imaginado. A g o ­
H ’ mu dono de casa que tira de ra se aglutina em sua lealdade a Jesús,
|| i' i" usa coisas novas e v elhas” M essias e Mestre, novo M oisés e filho
' ('i mtinuidade, porque em Je- de Davi. E urna comunidade conscien­
•iiii >Mi ■ssias, se cumprem aspro- te e organizada: vño se fx a n d o normas
• ii I d atinge sua perfeigáo; só de conduta, p rá ticas sacram entais e
un .bordando as expectativas. litúrgicas, até urna instituigao ju d i­
•hlii-com freqüéncia textos do cial; urna comunidade que se abre para
H .h • \< ssenta) que se cumprem proclam ar a sua mensagem a judeus e
" • iln vida de Jesús. Sua ge- pagaos. Jesús a tinha preparado, es-
ahi ientonta a A braáo, “nosso colhendo, instruindo e prevenindo seus
l P ' i . h \ so, apresenta Jesús como após tolos.
MATEUS 46 INTRODUgÁO

Sinopse munidade (18), discurso escatológico


(24—25). Segue-se como desenlace a
O evangelho de M ateus se distingue paixáo, calcada sobre o Salm o 22 e
p ela clareza da composiqáo e exposi- outros textos doAT.
gáo. O tom é didático e o estilo é so ­
brio. A grande introdugao da infancia Autor e data
(1-2) tem val'. rd e relato programático
que se inspira em M oisés no Egito e A tradigáo antiga atribuiu este evan­
em anúncios proféticos. O corpo se re­ gelho a M ateus apóstolo; tal atribui-
parte geográficam ente entre o mitiis- gdo considera-se hoje bastante duvido-
tério na Galiléia (4—13) e em Jerusalém sa. A noticia de Pápias, recolhida por
(14-26). A fora outros blocos e cone- Eusébio, segundo a qual M ateus com-
xóes, sobressaem nele os fam osos cin­ pilou oráculos em hebraico (ou ara-
co discursos — como novo Pentateuco. maico), nao merece crédito. O autor
O serm ño da montanha (5—7), antítipo deste evangelho deve ter sido um ju-
da lei do Sinai; a missáo presente dos deu helenista, que cita o AT, os LXX.
apóstolos (10), que prefigura a futura; Data provável: a década de 80-90. L u­
as parábolas (13), que explicam como gar provável: alguma cidade da Siria,
é o reinado de Deus; instrugóes á co- p. ex. Antioquia.
MAT E IIS

G enealogia (Le 3,23-38) — ‘G e­ n Josias gerou Jeconias e seus irmáos,

1 nealogia de Jesus Cristo, da linha-


gem de Davi, da linhagem de Abraäo:
2A braao gerou Isaac, Isaac gerou
Jacó, Jacó gerou Juda e seus irmäos.
3De Tamar, Juda gerou Farés e Zara;
l'arés gerou Esrom, Esrom gerou Aram.
por ocasiáo da deportagáo para B abi­
lonia.
12Depois da deportagáo para Babilo­
nia, Jeconias gerou Salatiel, Salatiel ge­
rou Zorobabel.
13Zorobabel gerou Abiud, Abiud ge­
4A ram gerou Aminadab, Aminadab rou Eliacim, Eliacim gerou Azor.
gerou Naasson, Naasson gerou Salmon. 14A zor gerou Sadoc, Sadoc gerou
^De Raab, Salm on gerou Booz; de Aquim, Aquim gerou Eliud.
Rute, Booz gerou Obed, Obed gerou Eliud gerou Eleazar, Eleazar gerou
lessé. Mata, Mata gerou Jacó.
hJessé gerou o rei Davi. Da mulher 16Jacó gerou José, esposo de Maria, da
'li' Urias, Davi gerou Salomäo. qual nasceu Jesús, chamado Messias*.
Salomào gerou Roboäo, Roboäo ge- 17Portanto, as geragóes deA braáo até
11 m Abias, Abias gerou Asaf. Davi sao catorze; de Davi até a depor­
’ Asaf gerou Josafä, Josafä gerou Jo- tagáo para Babilonia, catorze; da depor­
i i'i. Jorào gerou Ozias. tagáo para Babilonia até o Messias, ca­
’<)/.ias gerou Joatäo, Joatäo gerou torze.
V i/., Acaz gerou Ezequias.
"Iv.equias gerou Manassés, Manas- Anúncio a José (Le 2,1-7) — lsO nasci­
1 . i’.itou Amon, Amon gerou Josias. mento de Jesús o Messias aconteceu as-

• I 17 Mateuscomeça sua historia imi- condeu os espioes (Js 2), Rute, a estran-
>genealogías do Génesis (5; 10; 36) geira moabita, e Betsabéia, a adúltera mae
..... cas. Mas troca o tradicional plural de Salomào (2Sm 11); a quinta é María.
' ii oes” pelo singular (que o grego usa Nao chama María esposa de José, mas sim
>1ln .’,4 e 5,1), porque vai concentrar- o contràrio, José esposo de Maria (Gl 4,4
iiiima geraçâo especial, culminante, a diz “nascido de mulher”).
l> .ir., apresentado com seu título de Pode-se comparar esta genealogia com
PMltr. A bênçâo genesíaca, que era ex- a de Lucas 3,23-38, que é ascendente e
« i h. “crescei e multiplicai-vos”, aqui remonta a Adáo.
* "i ' linear, em progressâo ininterrupta 1,1 Gn 11; lC r 1-3.
i i•!. nilude histórica do Messias. 1,16 *Ou: cujo título é o Messias.
i i i i l.iro e explícito o seu desejo de 1,18-25 A sèrie precedente desemboca
il h i rrie, pela divisâo em très seg- no fato individual, que nao é um a mais,
Iielo número de dois setenarios porém único e extraordinàrio. Mateus se
H*1 i 1' ' l ipa. Com tal artificio, o nascí- apóia na promessa/profecia de Is 7,14, lida
1 li .us fica inserido e enquadra- num sentido específico já pela tradi§ao
lll i i" luna da humanidade, na historia judaica. O hebraico ‘Imh significa de modo
HIHi r" 11 Abraáo é o pai dos crentes, indiferenciado “moga, jovem nubil”. Isaías
I tt limitador de uma dinastía real; o refere provavelmente à esposa de Acaz,
i- i n. lu í,trios de promessas divi- a mae de Ezequias. Os judeus de lingua
i illm da historia humana e da grega tinham especificado o sentido tra-
■.ir ma. Mencionam-se quatro duzindoparthenos = virgem. Mateus segue
►r i ....... hu .i de Judá que o engana e essa tradigáo e autentica-a no seu relato. É
H •' " ; l. Kaab, a prostituta que es- possível que tivesse intengáo apologética
48 1,19 2,15 49 MATEUS
MATEUS

sim: Sua máe, M aria, estava prom etida 22Tudo isso aconteceu para que se magos* do Oriente se apresentaram em haviam visto surgir avangava á frente
a José, e antes dr m atrim ònio engra- cumprisse o que o Senhor havia anun­ Jerusalém, 2perguntando: deles, até deter-se sobre o lugar em que
vidou por obra do Espirito Santo. Jo ­ ciado por meio do profeta: 23Ve, a virgem — Onde está o rei dos judeus recém- estava o menino. 10Ao ver o astro, en-
sé, seu esposo, que era honrado e náo está grávida, dará à luz um filho que será nascido? Vimos surgir seu astro e vie- cheram-se de ¡mensa alegría. 1!Entra-
quería difam á-la*, decidiu repudiá-la chamado Emanuel (que significa Deus- mos render-lhe homenagem. ram na casa, viram o menino com sua
privadam ente. 20Já o tinha decidido, conosco). 24Quando despertou do sono, 3Ao ouvir isso, o rei Herodes come- máe Maria, e, prostrando-se, prestaram-
quando um anjo do Senhor lhe apare- José fez o que o anjo do Senhor lhe ha­ gou a tremer, e toda Jerusalém com ele. lhe homenagem. Depois abriram seus
ceu em sonhos e lhe disse: via ordenado, e acolheu sua esposa.25Po- 4Entáo, reunindo todos os sum os sacer­ cofres e lhe ofereceram como dons ou-
— José, filho de Davi, náo tenhas rém náo teve relagóes com ela, até que dotes e doutores do povo, perguntou- ro, incensó e mirra. I2Em seguida, avi­
medo de acolher Maria como tua espo­ deu à luz um filho, a quem chamou Jesús. lhes onde deveria nascer o M essias. sados por um sonho que náo voltassem
sa, pois o que eia concebeu é obra do ^Responderam-lhe: á casa de Herodes, regressaram para sua
Espirito Santo. 21Dará à luz um filho, a 2 Homenagem dos m agos — ‘Jesús — Em Belém de Judá, como está es­ térra por outro caminho.
quem tu cham arás Jesús, porque ele nasceu em Belém de Judá, quando crito pelo profeta: 6Tu, Belém, no terri­
salvará seu povo de seus pecados. Herodes reinava. Aconteceu que uns torio de Judá, em nada és o m enor dos Fuga para o Egito e matanga de ino­
povoados de Judá, pois de ti sairá um centes — 13Depois que partiram, um
chefe, o pastor do m eu po vo Israel. anjo do Senhor apareceu em sonhos a
contra boatos que comegavam a difundir­ mostrar que em Jesús cumprem-se as pro­ 7Entáo Herodes, chamando secreta­ José e lhe disse:
se sobre o nascimento de Jesús. No senti­ fecías. Dá-nos como equivalentes o nomc mente os magos, perguntou-lhes o tem ­
de Jesús e o de Emanuel. — Levanta-te, pega o menino e a máe,
do de “virgem” foi recebido no texto e ilo exato em que havia aparecido o as­ foge para o Egito e fica ai até que eu te
transmitido pela Igreja. ini; 8depois os enviou a Belém com a avise, porque Herodes vai procurar o
O relato mostra com toda a clareza que 2,1-12 O episodio está centrado no tem;i
fi'iomendagáo: menino para matá-lo.
a maternidade de Maria nao é obra de José, da realeza. Herodes, chamado o Grande
(37-4 a.C.), é rei da Judéia, um reí estran Averiguai com exatidáo o que se 14Levantou-se, pegou o menino e a
mas do Espirito Santo, fato que é afirma­ n l« re ao menino. Quando o encontrar-
do duas vezes no breve relato. José, inter­ geiro, idumeu, nomeado e protegido pelo máe, ainda de noite, e se refugiou no
senado romano; é visto como ilegítimo poi •l. ., informai-me, para que eu também Egito, 15onde residiu até a morte de He­
pelado enfaticamente como “filho de Da­
vi”, garante a linhagem dinástica de Jesús, parte da populaçâo (cf. Dt 17,15). Jesiw a prestar-lhe homenagem. rodes. Assim se cumpriu o que o Senhor
que receberá esse título. Celebraram-se, nasce na cidade de Davi, como descendí'n T endo ouvido a recom endagáo do anunciou pelo profeta: Chamei meu fi-
segundo o costume, os esponsais, náo o te de Davi, potencialmente sucessor lcgl ■i Ilartiram. Imediatamente o astro que Iho que estava no Egito.
casamento, e náo há coabitatilo preceden­ timo (cf. Am 9,11; Ez 37,24; Jr 30,«),
do o nascimento. (Pode-se comparar com 33,15). Para Herodes é um rival perigosu, 1" lilhos. De Belém saiu Davi e sairá 2.10 Amengáo enfática da alegría náo é
outros nascimentos extraordinários: Gn 21; a ser eliminado. Concordam com Heroilm i, ./, scendente esperado (cf. 2Sm 5,2 uma simples nota psicológica, mas reco-
25,23-26; Jz 13,3-5.) cortesáos e vizinhos complacentes da cu .....o Iítulo de pastor). A tradígáo leu neste lhe uma longa tradigáo do AT.
Aqui se diz que José era “honrado”. O pital; “toda Jerusalém” é enfático e inti n ri■* imIio a epifania ou m an ifestalo do 2.11 Entram na casa (de José), náo numa
termo poderia significar que era “inocen­ cional, antecipando uma oposiçâo. ■i i, I' a aos pagaos, ligando com o anún- gruta usada como dormitorio. Náo men­
te” no assunto que comegava a se mani­ Uns “magos” orientais (astronomie í ' I' 1¡n 49,10: “Nao se afastará de Judá ciona José. Na tradigáo bíblica, tem papel
festar, mas que nao queria repudiá-la. astrologia nao estavam separadas enlfliit •■■i.....em o bastáo de comando do meio preponderante a máe do rei ou do herdei­
(Veja-se a legislagáo em Dt 22,23-24.) veja-se Dn 2,2.10 em grego), que o niih , ir. n»rlhos, até que lhe tragam tributo ro (cf. SI 45,10). “A máe com o menino”:
“Privadamente” com o mínimo de teste- rador supóe conhecedores de tradignril • i"" iis lhe rendam homenagem”. pode aludir a Mq 5,2: “até que a máe dé á
munhas, sem processo ou agáo pública. A prediçôes judaicas (talvez o oráculo «lf 1 I ' i >u: astrólogos. luz”. A máe com o menino será uma ima-
visáo em sonhos recorda os sonhos de ou- Balaáo, Nm 24,17 sobre a estrela de luid I * ( >ru go anatole significa o “levan- gem favorita da iconografía crístá.
tro José e os supera. O menino será real­ que avança), acorrem a render homciinuHl » i ni i.ilico = oriente, ou o levante ou 2,13-15 José continua em seu papel de
mente “filho” de María. Se José impóe o ao presumido herdeiro, tratando-o mini fctif!" 1.......astro. Aqui vale o segundo sig­ confidente sofrido e eficiente: é ele quem
nome é porque age como pai legal (com- título de “Rei dos judeus” (será o lilulnt|( uí" i i" i >■.magos dizem “seu astro”, com enfrenta os problemas domésticos e trans-
pare-se com Zacarías, Le 1,13). O nome cruz, 27,11.29.37). A astucia malien« til )IHi ' .ivo que o dá por conhecido. cendentais, e os resolve, executando or-
do menino (o mesmo que Josué e pareci­ Herodes é vencida pelo milagro da r'iliijí B * i ..........ador mostra Herodes conhe- dens divinas. A citagáo de Oséias (11,1) é
do com Oséias) enuncia e anuncia o desti­ e pela fidelidade dos visitantes. ( >•. mugit ■ i, i " iinga messiànica dos judeus. adaptada oportunamente ao episodio, e
no: se um rei deve “salvar” seu povo, tam- trazem o tributo dos pagaos ao rei uiliM ■NI 1 .... ns doutores interpretando a sugere que Jesús está refazendo concen­
bém o descendente de Davi nasce para (Is 60,6; Z c8,20-22; SI 72,10-15; H'.'.11 M ii i n o Messias anunciado e es- tradamente a sorte histórica do seu povo.
salvar seu povo dos pecados. Salvagáo te­ Omitem-se as descriçôes, já couln>i<|fl ■ É 1 i i 'a n u o s sacerdotes costumavano (Veja-se também Nm 27,8). Oséias se re­
ológica, náo política. Mateus emprega o em textos do AT. *< 1............ os doutores, fariseus. fere ao éxodo e apresenta Israel como
sonho como meio de revelagáo fidedigna A profecía de Miquéias (5,1) M'i i .’Sin 5,2. menino que o Senhor chama “meu filho”.
(cf. Eclo 34,1-8). humilde aldeia de Belém as prt-i • ¡A i' mi. i Mu- homenagem”: reconhe- A aplicagáo a Jesús confere ao título outra
1,19 *Ou: era inocente, mas nao queria... de Jerusalém. A mesma oposir.m " 0#1 i »ii.i 'iirmil.ule superior. Mas na boca dimensáo.
1,22-23 Abraáo, o patriarca, Davi, o rei, presente relato. Só que para Mali u» |4 M p *» (Mili ' piessáo de ironía perver­ Pode-se comparar com a sorte de Moisés:
■ .ir,,,., I ..lías, o profeta. Mateus gosta de é humilde, mas gloriosa por caira >l> « y tii# 1 «li i ’i lar os visitantes. salvo (Ex 2,1-9), perseguido para ser morto
m
MATEUS 50 2,16

16Entáo Herodes, vendo-se enganado 21Levantou-se, pegou o menino e a


pelos magos, enfureceu-se e mandou máe e se dirigiu para Israel. 22Mas, ao
m atar todos os m eninos m enores de ouvir que Arquelau sucederá a seu pai
dois anos em Belém e seus arredores, Herodes como rei de Judá, temeu diri-
de acordo com o tempo que tinha ave­ gir-se para lá. E avisado em sonhos, par-
riguado com os magos. 17Entáo se cum- tiu para a provincia da Galiléia 23e foi
priu o que anunciou o profeta Jeremías: m orar num povoado chamado Nazaré.
lHEscuta-se uma voz em Ramá: pranto Assim se cumpriu o que foi anunciado
e soluqos copiosos. É Raquel que cho­ pelo profeta: Será chamado Nazareno.
ra seusfilhos e recusa consolagao, p o r­
que já nao vivem. Joño Batista (Me 1,2-8; Le 3,1-18; Jo
19Quando Herodes morreu, o anjo do
Senhor apareceu em sonhos a José no
3 1,19-28) — ‘Por esse tempo apre-
sentou-se Joáo Batista no deserto da
Egito, 20e lhe recomendou: Judéia, proclamando:
— Levanta-te, toma o menino e a máe — 2Arrependei-vos, pois está próxi­
e dirige-te para Israel, pois morreram mo o reinado de Deus.
os que atentavam contra a vida do m e­ 3E o que havia anunciado o profeta
nino. Isaías: Uma voz clama no deserto: Pre-

(2,15), em marcha com a familia (4,20 as babilidade o nascimento de Cristo. É si),',


fórmulas). Egíto foi também tradicional nificativa a fórmula repetida “o menino c
lugar de refugio e asilo (IRs 11,40; Jr 43). a máe” pela ordem e pelo que nao diz.
2,16-23 Outras fontes falam da suspeita 2,22 Dados históricos sobre Arquelaii
doentia e da crueldade desapiedada de justificam esse temor de José.
Herodes, inclusive contra a sua própria fa­
milia. O narrador apresenta um modelo 3,1-12 Com uma fórmula temporal geni
definitivo de violéncia contra vítimas ino­ rica, o narrador introduz em cena Joan
centes, por ambigao de poder. Anossa tra- com seu título pròprio “o Batista”. E a lipii
digáo captou e salientou isso ao chamar gao entre os profetas e Jesús: o que os pin
os meninos de “inocentes” por antono­ fetas viram e entreviram como futuro, Jt»(»
masia. O episodio refaz em nova chave a o mostra presente. Escolhe urna citaban il"
matanza dos meninos no Egito (Ex 1,15- profeta do retorno (Is40,3 segundo a |nul
22). Sobre o assanhamento contra crianzas tuagáo do grego): ou seja, do sennini»
pode-se ver 2Rs 8,12; Is 13,16.18; Os 14,1. éxodo, que se atualiza agora no deíinillvH
Menores de dois anos equivale a lactantes. O deserto recorda a viagem dos isiarlilii»*
Acitagáo de Jr 31,15 parece referír-se, simboliza a nova peregrinado. A | uim4
em seu contexto original, á tribo de Benja- gem pela agua recorda a passagem do mtj
mim como representante do reino seten- Vermelho e do Jordáo (veja-se l< <n lllj
trional; o narrador adapta livremente a ci- sobre a passagem do mar como bulinimi
tagáo, fixando-se no pranto da matriarca. Joáo tem um aspecto de a s e r i a (. uNtf
O narrador procura pontuar cada episodio Elias, 2Rs 1,8). Prega a fariseus e -..hIih «t»
com uma citagáo do AT, vista como predi- com acento profètico, embora m ui . «|»l(
<jáo ou prefiguragáo. Mas ainda nao se citar pecados. Exige o arrepem I.....ni*»
conseguiu identificar o texto a que se re­ 8,6), a confissáo pública (Nc ')). ■'1
fere o v. 23 sobre o título de “nazareu”. sao como fruto (SI 50,23; 5 I, l ‘.| I • «MU
Pensa-se na figura de Sansáo nazireu (Jz sinal de purificado, o balismo
13,5-7) ou no “rebento” (Is 11,1, mais pro- 3.2 Reinado de Deus (“do\ i c n * , («tjj
vável). Polémicamente os judeus chama- evitar mencionar Deus) se u-.anl •-»«UH
ram os cristáos de “nazarenos”. Alguns leitmotiv do evangelho. ( >:. Vilnitm <tfe|
comentaristas suspeitam de uma alusáo ao 98 anunciam a viuda tío SciiIioi 1|<h» fÉ
sinónimo hebraico “broto” (Jr 23,5; 33,15). vernar o mundo”. O reinado ........iti®
2,20-21 A morte de Herodes (4 a.C.) celeste se apresenlara na | .. . .• t .1. i
eostuma ser tomada para datar com pro- 3.3 Is 40,3; 2Ks 1,8.
3,17 51 MATEUS

parai o caminho para o Senhor, aplai- direito de tirar-lhe as sandálias. Ele vos
nai sua estrada. Esse Joào usava urna batizará com Espirito Santo e com fogo.
veste de pèlos de camelo, cingia-se com 12Já em punha o a pá para lim par sua
cinturaci de couro e se alim entava de eirá: o trigo o recolherá no celeiro, e
gafanhotos e mel silvestre. 5Iam a eie queim ará a palha num fogo que nao se
de Jerusalém, de toda a Judéia e da re- apaga.
giào do Jordào, 6e se faziam batizar por
eie no Jordào, confessando seus peca­ Batismo de Jesús (Me 1,9-11; Le 3,21s;
dos. 7Ao ver que m uitos fariseus e sa- Jo 1,29-34) — 13Por esse tempo, foi Je­
duceus iam para que os batizasse, dis- sús da Galiléia ao Jordáo e se apresen-
se-lhes: tou a Joáo para que o batizasse. 14Joáo
— Raga de víboras! Quem vos ensi- o impedia, dizendo:
nou a fugir da c o n d e n a d o que se apro­ — Sou eu quem precisa ser batizado
xima? 8Dai frutos válidos de arrepen- por ti, e tu vens a mim?
dimento, 9e nào penseis que basta dizer 15Jesus lhe respondeu:
a si mesmos: N osso p a i é Abrado. Pois — Deixa por ora, pois desse modo
vos digo que dessas pedras Deus pode convém que realizemos toda a justiga.
hiar filhos para Abraào. 10O machado Diante disso, consentiu. 16Jesus foi
l i està posto à raiz da árvore; a àrvore batizado, saiu da água e logo o céu se
<|iie nao produz frutos bons será córta­ abriu, e ele viu o Espirito de Deus que
la langada ao fogo. n Eu vos batizo descia como urna pom ba e pousava so­
iun agua em sinai de arrependimento. bre ele; 17ouviu-se urna voz do céu que
i pois de mim, vem alguém com mais dizia: Este é o meu Filho querido, o meu
"iioridade do que eu, e eu nào tenho predileto.

' >Acorrem de Jerusalém, como se o reduz o tema a urna expressáo ética de


mii|>lo e seu culto nao satisfizessem o humildade.
ii li icio da penitència e a p reparalo para 3,12 Is 66,24.
■lii'i’ada do reinado anunciado. 3,13-17 O batismo é a segunda epifanía
,1 / s O tom e o apelido fazem suspeitar ou manifestado de Jesús: aosjudeus pre­
i 1 I iriseus e saduceus nào acorriam com sentes e á comunidade crista que escuta o
■n '1i ulade, com boa disposigào (cf. Is evangelho. Jesús se incorpora ao povo na
1,111) l<a§a de víboras: 12,34; 23,33 (cf. cerimónia, mas no diálogo mostra o senti­
I l i "') Aconversáo é fruto do arrepen- do diferente da sua a§á°: o que para ou-
.......ilo Acondcnaqào (orge) é a senten- tros era sinal de arrependimento, para ele
1« 'I' i paragào definitiva no julgamento é plenitude de justicia: é enfrentar seu des­
i« iinloj’ico (12). tino (batismo/morte) e é conferir ao batis­
' 1In-. ocar os patriarcas era recurso na mo cristáo o poder de tornar justos.
M m■■'■ao (p. ex. Ex 32,13; cf. Jo 8,33). O testemunho celeste deixa perceber
In. imi' ito hebraico se poderiajogar com urna estrutura trinitária: voz do Pai, re-
■l'H ii. io de “filhos” e “pedras” (banim pouso do Espirito e título de Filho. Deve-
M ....... I 51,1-2 apresenta Abraào e se unir ao batismo final (28,19). A figura
• iocha e pedreira”. da pomba talvez aluda simbólicamente á
Lj* 111 l'i iino de plantas inúteis (Is 27,11; esposa do Cántico dos Cánticos (cf. Jo 1,
| f l < I /) 32). A filiagáo atestada pelo próprio Pai
il deve ser relacionada com a filiagáo hu­
n-.ao às sandálias parece refe-
tt ■ miiiolo matrimoniai do levirato mana de Mt 1,1-17 (vejam-se combina­
■* 1 l'i 25,5-10 e Rt 4). Os quatro dos SI 2,7, o rei como filho e Is 42,1, o ser­
pi« li«i i i At 13 asmencionam; o sim- vo preferido). Recebendo o Espirito, está
iai.. r na versào do evangelho ungido e declara-se sua missáo messiá-
i imi. mga tradigáo transmite essa nica.
. i., i. ológica das sandálias, ao 3,16 Os céus se abriram, como na visáo
......... a uadigào, também antiga, inaugural de Ezequiel 1,2.
MATEUS 52 4,1

Jesús posto á prava (M e l,12s; Le 8Novamente o Diabo o levou a urna


4 4,1-13) — 1Entáo Jesús, movido pelo
Espirito, retirou-se ao deserto para ser
m ontanha altíssima e lhe mostrou to­
dos os reinos do mundo em seu esplen­
posto á prova pelo Diabo. 2Jejuou qua- dor, 9e lhe disse:
renta dias e quarenta noites, e no fim — Tudo isso te darei se prostrado me
sentiu fome. 3A proxim ou-se o tentador prestares homenagem.
e lhe disse: 10Entáo Jesús lhe replicou:
— Se és filho de Deus, ordena que — Vai-te, Satanás! Pois está escrito:
estas pedras se transformem em pao. A o Senhor teu D eus adorarás, e som en­
4Ele respondeu: te a ele prestarás culto.
— Está escrito que nao som ente de n No mesmo instante o Diabo o dei-
pao vive o homem, m as de toda pala- xou e anjos vieram servi-lo.
vra que sai da boca de Deus.
5Entáo o Diabo o levou á Cidade San­ Na Galiléia (M e l,14s; Le 4,14s) —■
ta, colocou-o no beiral do templo, 6e lhe 12Ao saber que Joáo fora preso, Jesús
disse: se retirou para a Galiléia, l5saiu de Na-
— Se és filho de Deus, langa-te para zaré e se estabeleceu em Cafamaum,
baixo, pois está escrito que ele deu or- junto ao lago, no territorio de Zabulón
dens a seus anjos a teu respeito, e eles e Neftalí. Assim se cumpriu o que foi
te levaráo ñas palm as das máos, para anunciado pelo profeta Isaías: ^Terri­
que teu p é nao tropece na pedra. torio de Zabulón e territorio de Neftalí,
7Jesus replicou: caminho do mar, do outro lado doJor•
— Também está escrito: N ao poras dáo, Galiléia dos pagaos. leO povo qui
á prova o Senhor teu Deus. habitava em trevas viu urna luz inte/U

4,1-11 Deve-se evitar chamá-las de ten- quando lhe pede pao (Mt 7,9). Ver tam<
taçôes, porque sâo provaçôes. Como o bém Sb 2,18 e o contexto.
povo de Israel, passado o mar Vermelho e 4.6 Os anjos a servido do homem, (tf
guiado por Moisés, é posto à prova repeti­ filho, contra poderes nefastos. Citacjáo dt
das vezes no deserto, assim Jesús, depois um salmo de confianza (SI 91,11-12). |
do batismo, é guiado pelo Espirito e en­ 4.7 Dt 6,16.
frenta provaçâo no deserto. O povo falhou 4.8 O monte da visáo parece reminl
várias vezes, Moisés urna vez. Jesús su­ cencía do de Abraáo, quando se detéin
pera todas as provas. O evangelho encena país de Canaá (Gn 13) e do monte de OI
dramáticamente o grande confronto, en­ Moisés contemplou a térra antes de ti
tre o projeto salvador do Pai e o anti- rer (Dt 34; cf. Ez 40,2); opóe-se ao m<
projeto apresentado pelo rival (diabolos, da transfigurado (Mt 17,1). Os reine
o Satâ do AT; cf. Jó 1-2). O mílagre fácil mundo com seu esplendor se opftcffl
e injustificado, o espetáculo gratuito abu­ reino dos céus com sua gloria. Sol
sando dos anjos, e sobretudo o poderío homenagem, ver Dn 3,5.10.15.
universal, submetendo-se às regras do 4,10 Vai-te: compare-se com 16,2.1,
jogo impostas pelo pretenso soberano do tagáo de Dt 6 em termos de monotd
mundo. Contra isso, très citaçôes tiradas estrito. Ele está acima dos anjos (III»
do contexto do éxodo: Dt 8,3; 6,16; 6,13 4,12-17 Cafamaum, junto ao lugo,
(cf. Ex 17,1-7 e Nm 20,7-13). sua cidade (9,1). Galiléia, a comaren ti
4.1 Levado pelo Espirito: como Ezequiel ra paga e paganizada, será ceníírio ilu
(3,12; 11,1). O Espirito, pelo quai foi con­ lagáo luminosa, como no grande itl
cebido e que desceu sobre ele no batismo. de Is 8,23-9,1 messianicamente liil
4.2 Jejuou: como Moisés (Ex 34,28) e presenta do menino dos títulos xultl
sentiu fome como o povo. A mensagem abreviada de J
4.3 A prova da filiaçâo: No contexto de como a do Batista (3,2). Só i|iin
Dt 8,3 fala-se de Deus como pai que edu- personifica, e o arrependimcnlo <|
— nao dá a seu filho urna pedra é para receber o evangelho (4,,’ t,
5,2 53 MATEUS

sa, para os que habitavam em sombras C ham ou-os, 22e eles ¡m ediatam ente,
de m orte Ihes am anheceu a luz. 17A deixando a barca e o pai, o seguiram.
partir disso começou Jesus a proclamar: 23Jesus percorria toda a Galiléia en-
— A rrependei-vos, pois está próxi­ sinando ñas sinagogas, proclamando a
mo o reinado de Deus. boa noticia do reino e curando todo tipo
de enferm idades e doengas entre o po-
Chama os prim eiros discípulos (Me vo. 24Sua fama se espalhou por toda a
1 , 1 6 - 2 0 ; Le 5 , 1 - 1 1 ) — 18Enquanto cami- Siria, de modo que lhe traziam todos os
nhava junto ao lago da Galiléia, viu dois que padeciam diversas enfermidades ou
irmâos — Simâo, apelidado Pedro, e tinham doengas: endemoninhados, lu­
André seu irm âo — que lançavam urna náticos, paralíticos. Ele os curou.
rede na água, pois eram pescadores. 25Seguia-o urna grande m ultidáo da
|(,Disse-lhes: Galiléia, Decápole, Jerusalém, Judéia
— Vinde comigo e vos farei pesca­ e Transjordania.
dores de homens.
20Im ediatam ente deixaram as redes e Sermáo da montanha: as bem-aven-
0 seguiram. 21Um pouco mais adiante
viu outros dois irmâos — Tiago de Ze-
1>cdeu e Joâo seu irmâo — na barca com
in pai Zebedeu, consertando as redes.
5 turancas (Le 6,20-23) — 'Vendo a
m ultidáo, subiu ao m onte. Sentou-se
e os discípulos se aproximaram. 2Abriu
a boca e os instruiu nestes termos:

n inado de Deus é centro da sua pregagao, correspondências e contrastes. Jesús se


"y.iindo Mateus. dirige a todos os que o escutam (4,25), à
I 18-22 O chamado é categórico, a res- multidáo. Dirige-se à nova comunidade
pi'.ia c imediata e incondicional. O oficio ou povo seu. O seu discurso é exigéncia
miniano, “pescadores”, é assumido e trans- incondicional, convite a urna constante
>ihlido: o pescador vive em contato com superaçâo de si mesmo, denuncia de mes-
.....lemento potencialmente hostil e nao tem quinhezas e infidelidades, oferta da mise­
c-n.iniido o éxito de sua tarefa (a imagem ricordia de Deus. Através dessa comuni­
"in valor negativo em Hab 1,14-17). Se­ dade limitada, dirige-se à comunidade
nni..... ir atrás: expressáo freqüente no Dt humana, fermento para urna transforma-
i.... nullificar a fidelidade ao Senhor; ver o çâo da historia.
►Ii i i i i i . k Io de Eliseu (IRs 1 9 ,1 9 - 2 1 ) . Dai No ampio discurso ou instruçâo, compos­
........i i spiritualidade crista do “seguimen- to de material heterogéneo, podem-se dis­
• - ili nina pessoa, Jesús. Desde o comego, tinguir algumas unidades menores. As bem-
* luí encabeza a sèrie dos discípulos. aventuranças com o contraste entre lei
• ' ' .’.5 Resumo narrativo. Aatividade antiga e nova (5,1-16.17-48); très obras de
* •' ir imita e unifica ensinamento(7,28- justiça ou fidelidade: esmola, oraçâo e je-
• 1 i ' proclam ado da boa noticia ou jum (6,1-4.5-15.16-18). Seguem-se outros
«M|)i Ilio (10,7; 24,14) e curas (8,16-17). temas, como a confiança em Deus e a mi­
«h I imi.i se difunde e atrai urna afluencia sericordia com o próximo (6,19-7,12) e um
»■ " i" ■ i-nta todo o Israel histórico, com esclarecimento sobre os dois camínhos e
• <l> ni eomo capital. os falsos profetas. Encerra o discurso a
< ‘ 11 ..... a profecía de Is 41,27; comparaçâo das duas construçôes (7,7-29).
♦f* i' 1,1
i 'i I l . i sorte de enfermidades: pro- 5,1-12 Depois do solene inicio, “abriu
pMl'lii. III DI 7,15. a boca” (cf. Is 53,7; Ez 3,27; SI 78,2), en-
cabeçam o discurso as oito bem-aventu-
* 11 -elmao da montanha” é como ranças, como cerne do manifesto. O géne­
«ihmi. ,in do novo povo de Deus, o ro (em hebraico ashrë) é mais freqüente
•i-, ii.i nova alianza, o manifesto do nos salmos e na poesia sapiencial. Sao
tu» mi ulcir. Deve ser lido com o enunciados de valor, nao mandamentos
M‘-i i . ao fundo, para apreciar (como o decálogo do Sinai). Revelam urna
MATEUS 54 5,3 5,22 55 MATEUS

3Felizes os pobres de coragáo, 7Felizes os misericordiosos, "Felizes vós quando vos injuriarem Jesus e a lei — 17Náo penseis que vim
porque o reinado de Deus lhes per- porque os trataráo com misericordia. e vos perseguirem e vos caluniarem de abolir a lei ou os profetas. Nao vim abo­
tence. 8Felizes os limpos de coragáo, tudo por minha causa. 12Ficai contentes lir, mas cumprir. 18Asseguro-vos que,
4Felizes os afligidos, porque veráo a Deus. e alegres, pois vosso premio no céu é enquanto durarem o céu e a terra, nem
porque seráo consolados. 9Felizes o que procurara a paz, abundante*. Da mesma forma persegui­ um i ou til da lei deixará de se realizar.
5Felizes os despossuídos, porque se chamaráo filhos de Deus. rán! aos profetas que vos precederam. 19Portanto, quem violar o mínimo des-
porque herdaráo a térra. 10Felizes os perseguidos por causa da ses preceitos e ensinar outros a fazé-lo,
fiFelizes os que tém fome e sede de justiga, Sal e luz (Me 9,50; Le 14,34s; Me 4,21; será considerado mínimo no Reino de
justiga, porque o reinado de Deus lhes per- Le 8,16; 11,33) — 13Vós sois o sal da Deus. Mas quem o cumprir e o ensinar
porque seráo saciados. tence. térra: se o sal perde o gosto, com que o será considerado grande no reino de
salgaráo? Serve somente para ser joga- Deus. 20Pois eu vos digo: se vossa justi­
do fora e para que as pessoas o pisem. ga náo superar a dos letrados e fariseus,
“felicidade” humana paradoxal, que vin­ com várias dessas bem-aventurangas). O 14Vós sois a luz do mundo. Náo se pode náo entrareis no Reino de Deus.
cula promessas de bens excelentes a exi­ salmo se reza no contexto da partilha ideal esconder uma cidade construida sobre 21O uvistes que foi dito aos antigos:
gencias extraordinárias. Mateus insiste em da terra (Js 12-21) e do injusto agambar- um monte. 15Náo se acende um lam- N áo matarás-, o homicida responderá
atitudes mais do que em situagóes. Mais camento. Aqui nao se deve logo espiritua­ parina para tapá-la com uma vasilha, perante o tribunal. 22Pois eu vos digo:
do que espiritualizar, vai à raiz; pretende lizar. mas para colocá-la no candelabro, a fim todo aquele que se encher de cólera
mais o alcance que a precisáo. Tal como 5.6 Fome e sede sáo metáfora freqüente de que ilumine todos os que estáo na contra seu irmáo responderá perante o
estao formuladas, a felicidade nao está no de desejo intenso, de necessidade sentida, casa. 16Brilhe vossa luz diante dos ho­
e seu objeto pode ser inclusive Deus (p. tribunal. Quem chamar seu irmáo de
exercício, mas em suas conseqiiéncias; mens, de modo que, ao ver vossas boas inútil responderá perante o Conselho.
mas nao se exclui que a conseqüéncia ex. SI 42,2; 63,2). O objeto aqui é a justi­
ga, tomada em seu sentido mais ampio. obras, glorifiquen! vosso Pai do céu. Quem o cham ar de louco incorrerà na
acóntela já no exercício. A mesma pro­
messa toca à primeira e à oitava, em in- Varios textos do “sermáo do monte” es­
clusào; a quarta e a oitava referem-se à clarecen! o alcance transcendente de tal
justiga. justiga: 5,20; 6,1.25.31.33. É a justiga que 5,11-12 Passando á segunda pessoa ver­ euleam (e as vezes corrigem), receberá sua
5.3 O tema dos pobres é corrente no AT corresponde ao reinado de Deus. “Seráo bal, acrescenta essa ampliagáo da oitava; plenitude de sentido no cumprimento da
e seu sentido é claro; ver como exemplo o saciados”: Eclo 4,28 diz: “Até a morte luta supóe as perseguigóes dos primeiros cris- nova economia. A lei se articula em múl­
cántico de Ana (ISm 2,8 e SI 72,4.13 lido pela justiga, e o Senhor combaterá em teu táos, aos quais anima. Um bom comentá- tiplos preceitos, que se cumprem quando
em chave messiànica). O difícil é precisar favor”. rio pode ser lido em lPd 4,4.12-19; 2Cr sao postos em pràtica. As profecias, como
o sentido da restrigáo toi pneumati (que o 5.7 A misericordia ou piedade é um dos 36,16. A chave está na cláusula “por cau­ predigóes, cumprem-se quando o anuncia­
paralelo de Le 6 nao traz). Indica a inte- atributos máximos de Deus (Ex 34,6 par.). sa de mim” (cf. SI 44,23 por tua causa, e do acontece.
rioridade consciente: em sentido inte­ Também é aconselhada ao homem (Pr 74,22). Os profetas predecessores sáo “Nào penseis”, diz, como que adiantan-
lectual? ou seja, reconhecem sua pobreza 14,21), inclusive como “bem-aventuranga” Elias, Amos, Jeremías e outros. do-se a uma dedugáo precipitada dos ou-
diante de Deus, sabem que sao pobres; em (SI 41,2). O passivo é teológico, tem Deus 5,12 *Ou: porque Deus vos premiará vintes (da Igreja). Refere-se a “preceitos”
sentido volitivo? ou seja, aceitam a pobre­ como agente. Compare-se com Pr 14,31 c com abundancia. contidos na Escritura, náo a tradigóes ou
za e renunciam à cobiga. O portugués “de 19,17. 5,13-16 O sal comunica e reparte seu interpretagóes acrescentadas. O i (yod) é a
coragáo” respeita a ambigüidade do origi­ 5.8 Ou, sinceros, com Deus e com os sabor e conserva alimentos, mas pode se menor letra do alfabeto hebraico. Jesús fala
nal. O reinado de Deus vem para eles. homens (vejam-se as fórmulas de SI 24,4 desvirtuar; a luz ilumina todos, mas pode com uma autoridade que está acima da le-
5.4 Os afligidos: freqüente nos salmos, e Pr 22,11). Essa pureza que procede du ser escondida. Assim há de ser a comuni- gislagáo antiga. Sua interpretagáo é autén­
como argumento para mover e comover a dentro opóe-se à pureza somente extern« dade cristá: ativamente, náo por vaidade, tica.
Deus; também nos dois éxodos (Ex 3,17; ou ritualista (Mt 23,25-28). Ver a Deus i mas para louvor do Pai. A cidade irradian­ A dos letrados e fariseus: ou porque náo
Is 48,10; 61,1-3). O consolo é típico de desejo e esperanga suprema (SI 11,7; 17,15; do luz do alto é como a Jerusalém que, em cumpriam o que ensinavam, ou porque
anuncios proféticos (Is 40,1 par.). É fre­ 63,3), que Moisés nao alcangou (Ex 33,20 meio as trevas, ilumina como farol os po- invalidavam a lei com sua casuística, ou
quente 1er no AT unidos “pobre e afligi­ e a alusáo de Jo 1,14). vos, na visáo de Is 60,1-3; sua luz é so- porque se fixavam na letra sem penetrar
do”; náo é raro que o segundo esteja uni­ 5.9 A paz faz parte do anúncio mes inente reflexo do amanhecer do Senhor. no espirito. Jesus cumpre lei e profetas
do com “oprimido ou marginalizado”, e siánico (Is 2,2-5 em chave escatológicii 5,14 Is 60,1-3. em seu sentido profundo. O reino de Deus
até se confundam por sua semelhanga fo­ cf. Pr 12,20). A forma grega fala de agflo 5.17-48 Depois de propor “felicidades” é visto como um territòrio no qual se entra,
nética. Sob esse pano de fundo as trés pri- em favor da paz e da concordia (Eclo 2.V ■ni lugar de “mandamentos”, Jesús expóe ou como uma instituigáo á qual alguém
meiras bem-aventurangas poderiam ser 1-2 em àmbito doméstico). Filhos de Deus ■na posigáo diante da lei tradicional, a torá. se incorpora. Os membros do novo rei­
tratadas unitariamente: pobres e afligidos é título honorífico que se le em Dt 14,1 I’iimeiro em termos genéricos, incluindo no tém de superar os doutores, imitando
e oprimidos seráo consolados com a terra Os 2,1. A tradigào aplicou a Jesús o título luda a Escritura na fórmula consagrada “lei Jesús.
e o céu. de Isaías 9, “príncipe da paz”. profetas”; depois numa série de contra- 5,21-26 Na forma reiterada “foi dito/eu
5.5 Citagáo do SI 37,11, acrescentando 5.10 Os perseguidos: 10,23; 23,34. “I'w posigóes agudamente perfiladas. vos digo” Jesus se apresenta como autori­
o artigo; salmo dedicado aos injustamente causa da justiga”: por serem justos, comí' 5.17-20 O AT, especialmente na sua qua- dade soberana. Aqui há alguém maior que
despossuídos (e que tem outros contatos vítimas inocentes: ver Sb 2. ulade de lei, que também os profetas in- Moisés. A primeira antítese compreende
MATEUS 56 5,23

pena do fogo. 23Se enquanto levas tua jogado inteiro no forno. 3üSe tua máo
oferenda ao altar te recordas de que teu direita te leva a pecar, corta-a e atira-a
irmào tem queixa contra ti, 24deixa tua para longe. É melhor perder um mem ­
oferenda diante do aitar, vai primeiro bro do que ser jogado inteiro no forno.
reconciliar-te com teu irmào e depois vai 31Foi dito: Quem repudia sua mulher Ihe
levar tua oferenda. -^Procura rapidamen­ dé urna ata de divorcio. 32Pois eu vos
te um acordo com aquele que pleiteia digo: quem repudia sua mulher— exceto
contigo, enquanto estás a caminho com em caso de concubinato — a induz a
eie. Do contràrio, teu rival te entregará adulterar, e quem se casa com urna di­
ao juiz, o juiz ao oficial de justiga, e te vorciada comete adultèrio.
colocarào no cárcere. 26Asseguro-te que 33Também ouvistes que foi dito aos
nào sairás enquanto nào tiveres pago o antigos: Nao perjurareis e cumprirás teus
último centavo. 27Ouvistes que foi dito: juramentos ao Senhor. 34Pois eu vos di­
Nào cometerás adultèrio. 28Pois eu vos go: nao juréis de modo algum: nem pelo
digo: quem olha urna mulher desejan- céu, que é trono de Deus; 35nem pela ter­
do-a, jà cometeu adultèrio com eia em ra, que é estrado de seus pés; nem por
seu coragào. 29Se teu olho direito te leva Jerusalém, que é a capital do Soberano;
a pecar, arranca-o e atira-o para longe. 36nem por tua cabega, pois nao podes
É melhor perder um membro do que ser tornar branco ou preto um cábelo. Seja

duas partes: sobre o homicidio, sobre a é hiperbólica. O “forno” sugere o castigo


reconciliagáo. a) O mandamento de nao escatològico.
matar (Ex 20,13; Dt 5,17; Lv 24,17) ra- 5,31-32Terceira antítese. Sobre o divói
dicaliza-se na atitude interior (cf. Lv 19, cío, exigido pela lei (Dt 24,1) para afastai
17-18), — de onde brota o homicidio (Gn do lar a imoralidade e a infamia, concedi
4,1-7; 37,4.8) — , e se estende a ofensas do pelos rabinos ao homem, sem muil:i
menores. “Inútil e louco” sao insultos gra­ dificuldade. Jesus se opóe à lei e à sua ju
ves que negam ao outro a capacidade de risprudència. Sobre a cláusula de excegào
compreender: expressam desprezo e tai- continua-se discutindo gragas à polissetnia
vez rancor, inveja, e podem conduzir a do o termo gregopornéia, que nào sigili
agóes graves. O castigo está escalona­ fica adultèrio nem permissào genèrica
do: o tribunal local, o Conselho nacio­ refere-se à uniào ilegal que nào é verdn
nal, o pròprio Deus. O “fogo” é o do cas­ deiro matrimònio?, as comunidades jiulrii
tigo escatològico, localizado na Geena cristas admitiam urna excegào? A letra Ia
(cf. Is 66,15.16.24), lugar associado a vorece a segunda hipótese, a interpretaran
sacrificios humanos de criangas (Jr 7, tradicional, a primeira.
31). b) O preceito negativo “nào matar” 5,31 Dt 24,1.
estende-se à exigencia positiva da recon- 5,33-37 Quarta antítese. Sobre o ..... i
ciliagáo, posta para dar mais ènfase em (Lv 19,12; Nm 30,2). Entre cristàos, ;i sin
relagáo com o culto. O ensinamento de ceridade deve ser tal que torne inúlil Imln
Jesús poderia citar textos afins do AT juramento (Tg 5,12). O jurameiilu n i
(como Is 1,10-20; 58,1-12; Jr 7; Eclo 34, procedimento legai e pràtica religiosa ni
18-22). mitidos e respeitados. No fundo, o r n i l a u h i
5,27 Ex 20,14. residuo de desconfianga na simple', pulii
5,27-30 Segunda antítese. Sobre o adul­ vra humana, e procura respalda l a i m i n
tèrio. A proibigáo do decálogo (Ex 20,14; urna instància superior. Nào se ( I r v i in.,
Dt 5,18), sob pena de morte (Lv 20,10), ter Deus nisso nem substituir ...........un
radicaliza-se até a atitude interior, o dese- com seus atributos ou símbolos <'mini H
jo consentido que induz ao ato (cf. Pr trono, que è o céu (Is 66,1), oii i . n|iiu||
6,25.27; Jó 31,1; Eclo 9,5). Também abar­ que è Jerusalém (SI 48,2). () sim r u ilM
ca os sentidos, pois pela visáo entra o de- concentran) as formas elementan-, .la " li
sejo (cf. Davi em 2Sm 11,2 e o episodio tenga gramatical e lógica; veja m i • *|»ti
de Susana em Dn 14), ao passo que a máo sigào de Paulo (2Cor 1,17-2(1)
é o membro do tato e da agào. A expressáo 5,34 Is 66,1; SI 48,2.
6,5 57 MATEUS

vossa linguagem sim, sim, nào, nâo. 0 postos fazem isso. 47Se amais somente
que passa disso procede do Maligno. os vossos irmàos, que fazeis de extraor­
38Ouvistes que foi dito: Olito por olho, dinàrio? Também os pagaos fazem isso.
dente po r dente. 39Pois eu vos digo: nâo 48Sede, portanto, perfeitos como vosso
résistais ao malvado. Pelo contràrio, se Pai do céu é perfeito.
alguém te dá uma bofetada na face di-
reita, oferece-lhe a esquerda. 40Ao que EsmoIa, ora^ao e jejum (Le 11,2-
pleitear contigo para tirar-te a túnica,
deixa-lhe também o manto. 41Se alguém
te força a caminhar mil passos, caminha
com ele dois mil. 42Dá a quem te pede, e
nâo rejeites quem te pede emprestado.
43Ouvistes que foi dito: Am arás o teu
6 4) — 1Guardai-vos de praticar as boas
obras em público para serdes admirados.
Caso contràrio nao vos recompensará
vosso Pai do céu. 2Quando deres esmo-
la, nao fagas tocar a trombeta à frente,
como fazem os hipócritas* ñas sinago­
próximo e odiarás o teu inimigo. 44Pois gas e nas ruas, para que o povo os lou-
c u vos digo: Amai vossos inimigos, rezai ve. Asseguro-vos que já receberam seu
pelos que vos perseguem. 45Assim sereis pagamento. 3Quando deres esmola, nào
lilhos de vosso Pai do céu, que faz sur­ saiba a esquerda o que faz a direita. ‘ Des­
gir seu sol sobre maus e bons, e faz cho- se modo tua esmola ficará oculta, e teu
ver sobre justos e injustos. 46Se amais Pai, que ve o escondido, te pagará.
■órnente os que vos amam, que prèmio 5Quando rezardes, nao faqais como
merecéis? Também os coletores de im- os hipócritas, que gostam de rezar em

5,38-42 Quinta antítese. Trata-se da lei 6.1 O principio geral se prende à inten­
■lo taliäo (Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21), d o ou finalidade, que pode ser raiz ou
i"' na sua origem tentava por um freio à motor das obras, modelando-as qualitati­
■ 111ral da violencia (o grito de Lamec, Gn vamente. Contradiz a norma de 5,16? Nao,
I 23-24); o principio da equivalencia rege porque tal norma fala de conseqiiéncia, nao
iimilos textos do AT, até salmos em que o de finalidade, e o resultado é o louvor de
"uiiile apela a Deus para que lhe faga jus- Deus, nao do homem. Orientadas para o
M',.1 () freio que Cristo propòe é vencer o Pai celeste, nossas obras recebem dele uma
m.il rom o bem (cf. SI 35,11-13). Os très recompensa.
i » .i propostos representam muitos ou- 6.2-18 Normas sobre esmola, oragáo e
" " uà ordem do sofrer, possuir e execu- jejum, tres práticas tradicionalmente reco­
" I ùnica e manto sao as duas pegas do mendadas.
Vi h i . ilio normal (cf. Dt 24,13). Sobre a 6.2 *Ou: comediantes.
Hi 'i.....idade pode-se ver Pr 3,27s; sobre 6.2-4 A esmola é muito recomendada no
li i incrostar veja-se a instrugào de Ben AT, especialmente em textos tardios. So-
mi' (líelo 29,1-13). bressai o livro de Tobias, que a converte
■ i ■ 18 Sexta antítese. Sobre o òdio ao quase em leitmotiv; ver também Is 58,10;
liilinir.o nao conhecemos nenhum texto Pr 3,27; SI 112,3.5 etc. Subordinar a es-
(Hi i" no do AT. Aproximam-se a boa dis­ mola, que é altruismo, ao interesse pes-
tili 11 '»I 139,22: “Eu odeio, Senhor, os que soal, que é egoísmo, é esvaziá-la de senti­
1* ttli i un”; Pr 29,27 “o criminoso é de­ do (pode-se pensar em patrocinadores
li’ i ni" | irlos justos”. O preceito de Jesus publicitarios). Deve-se salientar o aforismo
fi ■Hi '.ngestöes do AT (como Ex 23,4- do v. 3, no qual esquerda e direita pode-
• i> i ' 1 I 7-18; Jr 15,15) e as faz culmi- riam sugerir a oposta valorizado tradi­
li "■ ■ i. ns,io e no motivo: nada menos cional. “Quem se compadece do pobre em­
li ...... Lu mi de Deus Pai. Enfaticamen- presta ao Senhor” (Pr 19,17). Ben Sirac
' ' il ."I”, porque Deus controla suas nos oferece uma instrugáo sobre o mes-
..............in favor dos homens, sem dis- quinho e o generoso (Eclo 14,2-19).
iij ■ . .. il é fonte de bens, luz e calor. 6.5-15 Sobre a oragáo: em particular, de
' i I'*,2 e outros textos convidam poucas palavras, o Pai-nosso.
* ..miidade” de Deus. Jesus fala 6.5-6 Nào se refere à oracíto comunità­
| 1, i ii'ii.n.i" e a centra no amor. ria, que é necessariamente pública; mui-
MATEUS 58 6,6

pé nas sinagogas e nas esquinas para se pois vosso Pai sabe do que nécessitais,
exibirem ao povo. Asseguro-vos que jà antes que o peçais. 9Rezai assim:
receberam seu pagamento. 6Quando fo­ Pai nosso do céu! Seja respeitada a
res rezar, entra no teu quarto, fecha a santidade do teu nome, 10venha teu rei­
porta e reza a teu Pai em segredo. E teu nado, cumpra-se teu designio na terra
Pai, que vê o escondido, te pagará. 7Quan- como no céu; n dá-nos hoje o pao de
do rezardes, nâo sejais faladores como amanhá*, 12perdoa nossas ofensas co­
os pagâos, que pensam que à força de mo também nós perdoamos aos que nos
palavras serâo ouvidos. 8Nâo os imitéis, ofendem; 13náo nos deixes sucumbir à

tos salmos concluem com o louvor a Deus 6.10 O reinado de Deus é o exercício do
“perante a assembléia”, mas falam tam- seu poder. Vir é símbolo espacial que se
bém de orar na cama (SI 4,5; 77,2-5), de resolve na realizagáo histórica final (SI
súplica de doentes (SI 6; 38). Jésus fala, 98,8-9). Este pedido corresponde ao anún
antes, da oraçâo em particular. Nâo se deve ció primordial da boa nova, por obra do
convertê-la em espetáculo. Que contra­ Batista e de Jesús.
senso louvar a Deus para glòria propria! Cumprir o designio equivale ao anterioi,
Deus nâo está confinado no templo, mas a exercer o reinado. O designio é concreto
presente em toda parte, embora oculto (Is e diferenciado. O pedido náo é fatalismo
45,15). nem resignado inerte. Este pedido resson
6,6 2Rs 4,33. ao longo do evangelho (7,21; 12,50) e no
6,7-8 Nao condena a freqiiéncia (Le momento dramático do Getsémani (26,4.’)
18,1) nem a assiduidade, mas a proli- *Ou: de cada dia.
xidade (cf. Tg 1,26; nao frear a lingua; 6.11 Sendo duvidoso o significado iln
Eclo 7,17). Antes de pedi-lo: Is 65,24; epiousion (a Vulgata traduz de forma ilili
SI 139,4. rente a mesma palavra em Mt supersnl>\
6,9-13 Nós a chamamos “oraçâo do­ tantialem e em Le quotidianuni), propoem
minical” porque foi ensinada por nosso se duas interpretares. O pao empinni
Senhor, e por isso tem um lugar privile­ cotidiano, “que dá pao a todo vívente" IM
giado. No contexto se apresenta como 136,25); o pao do amanhá escatol(V.n o:
compendio oposto à prolixidade (poly- celeste, antecipado na eucaristía (Jo l>) <1
logia). E fazer-lhe justiça multiplicá-lo? segundo parece um pouco mais provnvi'1
Nâo será melhor saboreá-lo ou ruminá-lo? (ver Ex 16,19-25 sobre o alimento p.u ■<"
Contém urna invocaçâo e sete pedidos, dia de descanso), a náo ser que prcvalcyi»
très em honra de Deus, quatro a favor do bivalencia, e no sustento diário tía vnln •
homem. Várias sintetizam a dimensáo em­ vislumbre a vida perdurável, o dia elnllrt
pírica com a transcendente: Pai/céu, rei- 6.12 O perdáo: o texto usa a imafrm
no/venha, terra/céu, perdoamos/perdoa. divida, que abarca qualquer caso Nmi
6,9 Invocaçâo a Deus Pai (SI 89,27 o tenhais dividas com ninguém, a nao i I
rei; Eclo 51,10 um particular). Lucas es- do amor mutuo” (Rm 13,8), como na jm
creve só “Pai”; talvez se trate da fórmula rábola dos devedores (Mt IX,.’/ Mi ^
original ou primitiva. Pai equivale ao novo eondigáo do perdáo mutuo está |a . iihm
nome de Deus que implica a consciéncia ciada e comentada em Eclo . ’ X , I / •'* *
da filiaçâo, testemunhada pelo Espirito; é doa a ofensa a teu próximo e, !•■r
a primeira palavra do cristào (cf. Rm 8,15- dires, teus pecados seráo perdoinln«1
16; Gl 4,6-7). 6.13 Aprovagáo é condieao <tn IminniH
Santificar nâo é dar, mas reconhecer. Q em particular do homem ii li;-n■■• ti >1
nome pode ser também o título e a fama. 2,1-5) e do cristáo; náo pedimo |mi>i ■fi
Náo mostrar a santidade de Deus foi o de­ nos livres de provagóes; com l<un mi ■■¡
lito de Moisés (Nm 27,14). Is 29,23 o negativa pedimos para sii| h i a la M Mi
anuncia para a salvaçâo escatològica. Ez 26,41).
36,23 o estende aos pagáos. O contràrio é O maligno é o tentadoi. ........ i i........
profaná-lo: abusando dele, manipulan- tenta provocar a queda; « o ‘«ai i . i
do-o, trivializando-o. serpente.
6,25 59 MATEUS

prova e livra-nos do m aligno. 14Pois se caruncho, onde os ladróes arrombam e


perdoais aos hom ens as ofensas, vosso roubam. 20A cum ulai riquezas no céu,
Pai do eéu vos perdoará, 15mas se nao onde nao roem traça nem caruncho,
perdoais aos hom ens, tam pouco vosso onde ladróes nao arrombam nem rou­
Pai vos perdoará vossas ofensas. bam. 21Pois onde está tua riqueza, ai
16Quando jejuardes, nao fagais um estará teu coraçâo.
rosto sombrío com o os hipócritas, que 220 olho fom ece luz a todo o corpo:
desfiguram o rosto para fazer o povo ver portanto, se teu olhar é generoso, todo
que estáo jejuando. A sseguro-vos que o teu corpo será luminoso; 23porém, se
j á receberam seu pagam ento. 17Quan- teu olhar é m esquinho, todo teu corpo
do jejuares, perfum a a cabera, lava o será tenebroso. E se tua fonte de luz está
rosto, 18de m odo que os homens nao ás escuras, que terrível escuridáo!
percebam teu jejum , mas somente teu 24N inguém pode estar a serviço de
l’ai, que está escondido; e teu Pai, que dois senhores, pois ou odeia um e ama
ve o escondido, te pagará. o outro, ou agradará a um e desprezará
o outro. Nao podéis estar a serviço de
Sobre o possuir — 19Náo acumuléis Deus e do Dinheiro. ^ P o r isso vos re­
t iquezas na térra, onde roem a traga e o com endó que nao andéis angustiados

No Pai-nosso ressoa a experiencia de 31,13.23-24; 37,11; cf. Mt 20,15). Esse uso


i niel no processo de sua libertagáo: pro- é atestado também na literatura rabínica.
vngóes no deserto, o maná cotidiano, a Ophthalmosponeros nunca significa olho
onlade de Deus promulgada como lei, a doente; haplous significa generoso (2Cor
•niilidade cúltica do nome revelado a 8,2; Tg 1,5). O jogo consiste em sobre-
lo isc s , o reinado de Deus pela alianga na por os dois sentidos: o olho simples vé
luna entregue. bem, ilumina toda a pessoa = o generoso
<• I(>-18 Havia jejuns prescritos e volun- é luminoso (“espléndido” em portugués).
1u i' ■. públicos por alguma calamidade (J1 O olho mau, tacanho ou invejoso, deixa
i I i 2,12), e privados para respaldar a ás escuras. Assim se enquadram esses vv.
"pin •i (2Sm 12,16). Compare-se o jejum na presente perícope sobre o possuir. So­
......i ilo dia da expiagáo (Lv 16,29-31) bre mesquinho e generoso disserta Eclo
um ,i crítica cómica e indignada de Is 14,3-16.
"i i / Sobre o jejum dos discípulos: Mt 6,24 Mamón é o deus do dinheiro, da
y,H I > cobiga: rival inconciliável do Deus verda-
(i !'» 14 Quatro recomendagóes sobre deiro, que é doador generoso (SI 21,5;
i *****' ilc bens, comentando o espirito de 37,4; 136,25 etc.) e ensina a dar. A cobiga
ittilii. .i da primeira bem-aventuranga. é idolatría, diz C13,5. O cobigoso nao pos-
<> i' * .’I Tesouros no céu. Profetas e sui, mas é possuído por seus bens e suas
«■i■*■ni mis condenam transformar as ri- Snsias. Quevedo sentenciava: Poderoso
.......... ni ponto de apoio para a existén- cavaleiro é Dom Dinheiro.
l ui* ■ SI 62,11 no contexto). Um modo 6,24-34 Bens terrenos e confianga em
......... de nao acumular é a esmola, Deus. Condena o afá excessivo de segu-
I «tu Tni.i l’r 19,17 eexplicaEclo29,10- ranga, a falta de confianga em Deus, típi­
t * *>**i**>i**líelo 3,14-15, a esmola que o cos de urna mentalidade paga. Já Ben Sirac
ni i ....... seu valor em favor do fi- denunciava essa preocupagáo “que acaba
A ii i.,» SI 39,12; o ladráo: Ex 22,1. com a saúde” (Eclo 31,1-2). Recomenda
i a concentragáo
.< nerosidade e mesquinhez. Há nos valores do reino e a
|f* mu i- '.i, palavras intraduzível. Para confianga em Deus Pai. Devem-se enten­
p tu-* . u*i, i* olho é o órgáo da visáo e der ligados os dois correlativos, para nao
t ■ I * I i* nlilade estimativa (cf. “aos excluir a previsáo económica razoável. “O
1 m ’) i illio bom/olho mau, sobre- reinado de Deus e sua justiga” buscam
I «t* .it*.t|". .i*> significa generoso/mes- também urna ordem justa entre os homens.
il h I ■'), l>r 22,9; Eclo 14,3.10; As imagens tiradas da natureza, embora a
MATEUS 60 6,26

pela comida e bebida para conservar a ga, e o resto vos daráo por acréscimo.
vida ou pela roupa para cobrir o corpo. 34Portanto, náo vos preocupéis com o
Nao vale m ais a vida do que o susten­ amanhá, pois o amanhá se ocupará con­
to, o corpo m ais do que a roupa? 260 b - sigo mesmo. A cada dia basta o seu pro­
servai as aves do céu: nao semeiam nem blema.
colhem nem ajuntam em celeiros e, no
entanto, vosso Pai do céu as sustenta. Avisos diversos — 'N áo julgueis e
Nao valéis vós mais do que elas? 27Quem
de vós pode, à força de se preocupar,
7 náo sereis ju lgados. 2Com o jul-
gardes vos julgaráo. A medida que usar-
prolongar um pouco a vida? 28Por que des para m edir será usada para con-
vos angustiais pela roupa? O bservai vosco. 3Por que observas a felpa no olho
como crescem os lirios silvestres, sem de teu irmáo, e náo reparas a viga do
trabalhar nem fiar. 29A sseguro-vos que teu? 4Como te atreves a dizer a teu ir­
nem Salomào, com todo o seu esplen­ máo: deixa-me tirar a felpa do olho, en-
dor, se vestiu com o um deles. 30Pois se quanto levas uma viga no teu? h i p ó ­
à erva do cam po, que hoje cresce e crita! Tira primeiro a viga de teu olho,
amanhâ a lançam ao forno, Deus veste e entáo poderás distinguir para tirar a
assim, nâo vestirá melhor a vós, des­ felpa do olho de teu irmáo.
confiados? 31Em conclusâo, nâo vos hNáo jogueis o que é santo aos caes,
angustiéis, pensando: o que com ere­ náo jogueis vossas pérolas aos porcos,
mos, o que beberem os, o que vestire­ para que náo as pisoteiem e depois se
mos. 32Tudo isso procuram os pagaos. voltem para destrogar-vos.
E vosso Pai do céu sabe que tendes ne- 7Pedi e vos daráo, buscai e encon
cessidade de tudo isso. 33Buscai antes trareis, batei e vos abriráo; 8pois quem
de tudo o reinado de Deus e sua justi- pede recebe, quem busca encontra, ii

servigo do ensinamento, revelam algo da uma observagáo psicológica correta: ii


sensibilidade contemplativa de Jesús, que homem esforga-se por náo ver seus de Id
prolonga textos do AT (p. ex. SI 36,7; tos, para assim conviver com eles. O pro
104,27-28). Sobre Salomáo, IRs 10. A feta tem de inventar uma personagem fii
perícope se encerra com um aforismo la­ tícia para denunciar o rei ou o povo (2Nm
pidar. O texto é paradoxal: sob urna su­ 12; Is 5).
perficie agradável circula uma exigéncia 7,6 Interrompe o contexto. Cáes e pur
dramática. Náo ensina a despreocupar-se, eos eram animais desprezíveis ou inipil
mas a mudar o objeto da preocupagáo. De ros. Para comer das oferendas ou saniti
fato, se o afá humano buscasse o auténti­ cios do culto a pessoa deve estar puní Nflil
co reinado de Deus, seguir-se-ia um tran­ inculca o esoterismo, mas a devida cI i ni il
quilo e simples bem-estar. Ideal que náo gáo no uso dos tesouros cristáos. 1’mU
poucos cristáos viveram. na-se o santo e os indignos náo se heimtl
ciam. Ben Sirac diz em chave sapirm 1*1
7,1-5 Comega aqui uma série de breves que “ensinar um néscio é pegar enlnlhir
instrugóes e exortagóes. A primeira é con­ (Eclo 22,9).
tra o julgamento arrogante, “hipócrita”, 7,7-11 Orar confiando em Dem l'»l
que despreza e condena. Recordemos nos- complementa ou comenta o Pai-mr.in Al
sa imagem do “telhado de vidro”. Mas náo tres frases sáo variagóes que rel< >ii.uii* «
se excluí a admoestagáo e mesmo o julga­ ensinamento; a forma passiva lem I Mrt
mento em casos extremos (cf. 18,15-17). como sujeito. O pròprio Deus ennvlil» I
Os rabinos usavam a proporgáo (v. 2) como pedir e promete dar (SI 2,8; 27,1 pH'IH I
norma positiva do julgamento; Jesús a cita procurar). Ele pròprio convida a pnn til#
para proibir o julgamento. Paulo aplica o e se deixa encontrar (Is 55,(i; li "> llj
ensinamento á comunidade crista, a pro­ Sois maus: pelo egoísmo radimi i|it» #
pósito de consciéncia escrupulosa e for­ entanto é vencido pelo afeto palei im 1UÈ
mada (Rm 14). O ensinamento encerra é mais pai que qualquer pai ..............|H<f
7,23 61 MATEUS

quem bate lhe abrem. 9Quem de vós, frutos os reconhecereis. Colhem-se uvas
se seu filho lhe pede pao, lhe dá urna das sargas ou figos dos cardos? 17Uma
pedra? 10ou se lhe pede peixe, lhe dá árvore sadia dá frutos bons, urna árvo-
urna cobra? n Pois se vós, sendo táo re prejudicada dá frutos ruins. 18Uma
maus, sabéis dar coisas boas a vossos árvore sadia nao pode dar frutos ruins,
filhos, quanto mais dará vosso Pai do nem urna árvore prejudicada pode dar
céu coisas boas aos que lhe pedirem! frutos bons. 19A árvore que nao der fru­
12Tratai os outros assim como quereis tos bons será cortada e lancada ao fogo.
que vos tratem. Nisso consistem a lei e 20Assim, pois, pelos frutos os reconhe­
os profetas. cereis.
21Nem todo aquele que me disser:
A conduta correta — 13Entrai pela Senhor, Senhor! entrará no reino de
porta estreita; porque é larga a porta e Deus, mas aquele que cum prir a vonta-
espacioso o cam inho que leva á perdi- de de meu Pai do céu. 22Quando che-
cao, e sao muitos os que por ela entram. gar aquele dia, muitos me diráo: Senhor,
'''Quáo estreita é a porta, quáo aperta- Senhor! Nao profetizamos em teu nome?,
do o cam inho que leva á vida, e sao nao expulsam os demonios em teu no­
poucos os que a encontram! 15Guardai- me?, nao fizemos milagres em teu no­
vos dos falsos profetas, que se aproxi- me? 23E eu entáo lhes declararei: Nun­
iiKim de vós disfam ados de ovelhas, e ca vos conheci; apartai-vos de mim,
I><>r dentro sao lobos ferozes. 16Por seus malfeitores.

lucí patemidade imita a Deus. Precisamen- 7,15 Os falsos profetas foram o pesade-
| por seu amor paterno, quer dar “coisas lo dos auténticos (cf. Jr 23 e Ez 13 entre
.... nao satisfazer caprichos prejudi- outros). Elogiam e nào denunciam (Is
i i i s . Ver em 2Cor 12,8-9 um caso em que 30,10); prometem falsamente a paz (Jr
11' i i s nega um pedido de Paulo; outras 6,14; 8,11). Nào faltarào falsos profetas ñas
■vi s por causa da má disp o silo dos que comunidades cristas (Mt 24,11.24; IJo 2
..... .. a ele, se nega a responder (Ez 14). fala de anticristos), nem mestres que “elo-
/.II) SI 37,4. giem os ouvidos” (2Tm 4,3).
M A regra de ouro, suma de toda a 7,16-20 Também é tradicional a imagem
I ■iiiura, se encontra, na sua formulagào do fruto (Eclo 27,6; Pr 1,31; 11,30; 31,3);
■c a iva, em outras culturas, também em ver também a parábola de Joatáo em Jz 9,
II I, I i. Sua aplicagào abarca desde o co- a de Isaías em Is 5 e Tg 3,12. Os frutos
ii li ni" ite o heroico. É outra formulagào podem ser suas agóes ou os efeitos da sua
....i..... ao próximo: “como a si mesmo” pregacào (cf. Jr 8,11; Ez 13,10).
•Mmi.i vertente ativa. 7,21-23 Esses vv. tragam um horizonte
1 i .17 O cristao há de tomar decisóes escatològico que todo o sermáo da mon-
• 'umiliar entre dificuldades e ambigiii- tanha adotará. Porque nele está a “vonta-
pil> le .us o previne e lhe oferece eritè­ de do Pai” (6,10; cf. SI 143,10) a ser cum-
mi i•n i distinguir, usando e renovando prida, é o caminho que leva à vida. “Em
• . ns tradicionais do caminho, da nome de” significa: como enviados, repre­
■ ■ il i construgào. A insistencia do sentando ou invocando o Senhor; também
' l ' i indica o sentido pràtico da ins- o fazem os falsos profetas (segundo Jr
in in li l as sete vezes de “fazer” no po- 27,15). Tampouco bastará a atividade
M» I» I n . neo de Is 5,1-7). carismàtica de profetizar ou fazer milagres.
* | * i l i 11adicional a imagem dos dois “Aquele dia” refere-se à parusia, o mo­
— • i|i ex. Pr 4,10-19), inclusive està mento de prestar contas. Invocar Jesús
ii ili ' l i Ii novo o critèrio de largueza como Senhor é profissào solene de fé, mas
• •• " . a (ciimparar com o caminho lar- nao basta. A admoestacào é grave: a últi­
b» • 'il 11'>.-15 ou 18,37). O proprio Je- ma frase é urna sentenza definitiva de con­
......... . corno caminho e como por- denado, adaptagao do SI 6,9, súplica de
l i ' ' ' i 10,7.9). um doente.
MATEUS 62 7,24

24Assim, pois, quem escuta estas mi- 27Caiu a chuva, cresceram os rios,
nhas palavras e as póe em prática pare- sopraram os ventos, golpearan) a casa
ce-se com um hom em prudente que e ela desmoronou. Foi um desmorona-
construiu a casa sobre rocha. mento terrível.
25Caiu a chuva, cresceram os ríos, 28Quando Jesús terminou seu discur­
sopraram os ventos e se abateram so­ so, a m ultidáo estava maravilhada com
bre a casa; mas nao a derrubaram por­ seu ensinamento; porque ele a ensinava
que estava alicergada na rocha. 2f,Quem com autoridade, nao como os letrados.
escuta estas m inhas palavras e nao as
póe em prática parece-se com um ho­ Curas (M e 1,40-45; Le 5,12-16;
mem sem juízo que construiu a casa
sobre areia.
8 7,2-10; Jo 4,43-54; Me 1,29-34; Le
4,38-41) — 'Q uando descia do monte,

7,24-27 Podc-se 1er a comparagáo so­ rar, Jesús está introduzindo o reinado de
bre o paño de fundo de Ez 13,10-14, que Deus, que deseja salvar o homem todo,
fala da construyo fraca que é derrubada inclusive do poder da morte.
pelo aguaceiro. Jesús apresenta com auto- Os relatos de cura seguem com grande
ridade a sua mensagem como terreno fir­ liberdade um esquema básico, no qual cos-
me sobre o qual se pode construir urna vida tumam-se destacar o diálogo com o doen­
frente á furia dos elementos. Os dois tipos te ou a pessoa encarregada e o efeito nos
sao qualificados de prudente e sem juízo, que presenciam ou ouvem falar. No pri-
termos sapienciais (cf. Mt 11,19; ICor meiro plano se aprecia a necessidade de
1,30); o manifestó de Jesús oferece ao ho­ crer e confiar em Jesús para dispor-se a
mem que o cumpre a sabedoria auténtica, receber a cura.
para que seja realmente homo sapiens.
7,28 A autoridade de Jesús nao se apóia 8,1-4 O texto grego fala de “lepra”, de
em citagóes de doutores, nao progride por “limpar”, e da “oferta” estabelecida pela
casuística sutil; expóe com limpidez e exi­ leí. Estamos, pois, no ámbito de Lv 13—
ge sem concessóes. 14: urna elaborada sintomatologia de do-
engas da pele, de gravidade variada, que
8—9 Formam um bloco de dez curas contagiam por contato e podem excluir do
(contando as duas separadas de endemo- culto. Nao é certo, é muito duvidoso que
ninhados), interrompidas por urna viagem se trate no evangelho de lepra em sentido
marítima com milagre e duas vocagóes. clínico; é que a versáo grega traduziu por
Dez é o número de totalidade, que se arti­ lepra um termo hebraico genérico que en­
cula em varios campos da saúde e integri- globa muitas lesóes da pele (nenhuma
dade do homem. Outra contagem possí- identificável como lepra). Aquí se trataría
vel: nove curas humanas mais um milagre da forma extrema, incurável. Os sacerdo­
cósmico. Como paño de fundo, devemos tes examinavam, diagnosticavam e em
ter presentes os anúncios proféticos de certos casos confinavam ou excluíam da
curas: p. ex. Is 35 na caravana que volta vida civil. Exemplo interessante dessa ex-
do desterro anuncia a cura de cegos, sur- clusáo pode ser lido no relato de 2Rs 7.
dos, mudos e coxos; pode-se acrescentar Outros casos: María, irmá de Moisés (Nm
alguns milagros dos profetas taumaturgos, 12), o rei Ozias (2Cr 26,16-21). Jesús cura,
Elias e Eliseu, o “leproso” Naamá, o me­ limpa, restituí á vida da comunidade. (■'
nino morto. Quanto aos beneficiarios, sao muito expressivo o diálogo conciso: “se
dignos de atengáo: um doente crónico ex­ queres, podes”: eré no poder, conta com o
cluido da sociedade, um pagao, urna mu- querer. Jesús quer, pois para isso tem o
lher em estado impuro e endemoninhados. poder. Se Jesús evita a publicidade, quei
O valor de sinal das curas está confirma­ que, pelo cumprimento de um preceito,
do na mensagem ao Batista (11,5). Mas as a classe sacerdotal se dé conta de sua ali
curas nao sao prova extrínseca e hetero­ vidade. Os sacerdotes deviam diagnosli
génea de urna doutrina e missáo, mas já car, nao podiam curar, mesmo que o qui
sao realizagáo parcial e concreta: ao cu- sessem.
8,17 63 MATEUS

urna grande m ultidáo o seguía. 2Um que vá, ele vai; a outro que venha, ele
leproso se aproxim ou dele, prostrou-se vem; ao servo que faga isso, ele o faz.
diante dele e lhe disse: 10Ao ouvi-lo, Jesús se admirou e dis­
— Senhor, se queres, podes curar-me. se aos que o seguiam:
3Ele estendeu a máo e o tocou, di- — Eu vos asseguro: fé sem elhante
zendo: nao en co n trei em nenhum israelita.
— Quero, fica curado. u Digo-vos que m uitos víráo do Orien­
No mesmo instante curou-se da le­ te e Ocidente e sentaráo com Abraáo,
pra. 4Jesus lhe disse: Isaac e Jaco no reino de Deus. 12Ao
— Nao o digas a ninguém; vai apre- passo que os cidadáos do reino seráo
sentar-te ao sacerdote e, para que lhes expulsos para as trovas exteriores. Ai
conste, leva a oferta estabelecida por haverá pranto e ranger de denles.
Moisés. 13Ao centuriáo Jesús disse:
5Ao entrar em Cafarnaum, um centu- — Vai e acó n tela como acreditaste.
riáo se aproximou dele e lhe suplicou: Nesse instante o criado ficou curado.
— 6Senhor, meu criado está em casa 14Entrando Jesús na casa de Pedro,
deitado com paralisia, e sofre terrivel- viu a sogra dele deitada com febre.
mente. 15Tom ou-a pela máo, e a febre passou;
7Disse-lhe: ela se levantou e se pos a servi-los.
— Eu irei curá-lo. 16Ao entardecer, lhe trouxeram muitos
8M as o centuriáo lhe replicou: endem oninhados. Ele, com urna pala­
— Senhor, nao sou digno de que en­ vra, expulsava os dem onios, e todos
tres sob mea teto. Basta que pronuncies os enferm os se curavam . 17Assim se
urna palavra e meu criado ficará cura­ cumpriu o anunciado pelo profeta Isaías:
do. ‘Tam bém eu tenho um superior e E le assum iu nossas fraquezas e car-
soldados as minhas ordens. Se digo a este regou nossas enfermidades.

8,2 2Rs 5. um paralítico, doenc;a incurável, se amplia


8,4 Lv 4,12. como anuncio missionário de alcance uni­
8,5-13 Nao por ser doente, mas por ser versal (cf. Is 2,2-5; Mq 4,1-5; SI 87 etc.).
pagáo, o centuriáo fica fora da comunida- A expressáo de SI 107,3 se enche de novo
de de Israel; um judeu observante náo po­ sentido. “Sentaráo” á mesa, no banquete
día entrar na sua casa. Além disso, repre- do reino, imagem freqüente, inspirada tai-
•.entava o poder estrangeiro de Roma. Mas vez pela promessa escatológica de Is 25,
pela sua fé entra na nova comunidade e 6- 8 .
eresce como figura exemplar: denúncia 8,14-15 Pode-se inferir a ¡ntercessáo de
ilo s que resislem a crer, anuncio de mui- Pedro ou se supóe que Mateus sublinhe a
los que creráo. Percebe-se a polémica da iniciativa espontánea de Jesús. O gesto de
i omunidade crista frente ao judaismo ofi- tomar pela máo é atribuido a Deus no AT:
i i¡il: os obstáculos legáis náo sao impedi- Is 42,6 o servo; 45,1 Ciro; Jr 31,32 o povo
inento para a agáo benéfica de Jesús. etc. A cura capacita a mulher para o servi­
() centuriáo expóe com simplieidade a do (ver em contraste SI 41,4.11).
i’iavidade da situagáo. Jesús o entende 8,16-17 Duas coisas chamam a atengáo
• "ino pedido discreto e se oferece para neste resumo. Primeiro, o paralelismo que
1111<■rvir pessoalmente. Mas o centuriáo identifica “demonios” com “doengas”.
«Hiende o poder de Jesús em termos mití- Segundo, a citaijáo livremente adaptada de
i ni-, da sua experiencia pessoal. Imagina Is 53,4 (podia ter citado Is 29,18 ou 35,5-
i ii', como subordinado a um poder su­ 6). Diz que o Messias toma sobre si o so-
perior e as doengas como subordinados frimento para poupá-lo a outros: é salva­
il.lt cis? dor á sua custa, por amor. As curas sao
i iis remonta-se aos patriarcas, saltan- muito mais que sinais apologéticos. Ne-
1" i ilianqa mosaica. O simples caso de las “aparece a bondade do nosso Deus e
MATEUS 64

Seguim ento (Le 9,57-62) — 18Vendo ca, os discípulos o seguiram . •'11m. . i,.
Jesus a multidào que o rodeava, deu tamente levantou-se tal tempcsi i.l. >u|
ordem de atravessar o lago. 19Entào lago, que as ondas cobriam a em lun i
aproximou-se um letrado e lhe disse: qáo; enguanto isso, ele continua' i i ,
— Mestre, eu te seguirei aonde fores. mindo.-"’Aproximaram-se e o de | ■.i i
20Jesus lhe respondeu: ram, dizendo:
— As raposas tèm tocas, os pássaros — Senhor, salva-nos, pois c s ta m n i
tèm ninhos, mas este Homem nào tem afundando.
onde recostar a cabe$a. 26Disse-lhes:
21Outro discípulo lhe disse: — Como sois covardes e desconI I<>1
— Senhor, deixa-me ir prim eiro en­ Levantou-se e ordenou aos ventos < n
terrar meu pai. lago, e sobreveio urna calma perlc ii i
22Jesus lhe respondeu: 27Os homens diziam assombrados:
— Segue-me, e deixa que os m ortos — Que tipo de individuo é es.s<
enterrem seus mortos. quem até os ventos e o lago obedeo 111

A tem pestade acalm ada (Me 4,35-41; Os endem oninhados (M e 5,1-20 i


Le 8,22-25) — 23Quando subia à bar- 8,26-39) — 28Ao chegar á outra m u

Salvador e seu amor pelos homens” (Tt (1,5). Levanta-se e repreende: como o Si
3,4). nhor á maré dos povos (Is 17,13), o m.u
8,18-22 O entusiasmo suscitado pelo (Na 1,4) ou o mar Vermelho (SI 106,'>)
ensinamento e pelos milagres nao deve ilu­ Assim se revela dominador dos elemut
dir, pois o seguimento de Jesús é exigen­ tos cósmicos (como Deus em SI 104,7 (>)
te. Os dois casos sao complementares e Os presentes entrevéem nele um poder su
exemplares: um é um letrado que quer fa- bre-humano superior aos ventos (SI 104,1)
zer-se discípulo, e Jesús o enfrenta com a 8,28-34 Segundo a concepgáo da época,
dificuldade; outro é discípulo, e Jesús náo o mundo dos espíritos perniciosos ou ma
lhe permite distrair-se. Apresenta a pobre­ lévolos se associa com o contaminado que
za quotidiana do pregador itinerante. As mancha, também o territorio pagáo, com o
raposas: SI 63,11; Ez 13,4; as aves: SI doente que contagia (Lv 11,7; SI 91,6), com
104,12.17. Pr 27,8 compara o “vagabun­ o mundo infernal que devora (Jó 18,13). Os
do longe do lar” com o “pássaro que fugiu demonios sentem a presenta de Jesús, re
do ninho”. Sobre o fundo de Jr 16,5-7 res- conhecem-no e o confessam Filho de Deus,
salta a exigéncia radical de Jesús, numa ou Messias. Confissáo pesarosa e fon¿ad;i
fórmula paradoxal, especialmente porque como a dos inimigos derrotados no AT,
enterrar os pais era dever sagrado, como “e saberáo que eu sou o Senhor” (freqiien
se lé nos relatos patríarcais, ou com insis- te em Ez). Confissáo de impotencia e me-
téncia no livro de Tobías (Tb 4,3-4; 14,12): do, que náo vale: “Também os demonios
os que confinam seu horizonte a esta vida créem e tremem de medo” (Tg 2,19).
mortal que se ocupem de enterrar; eles por Com sua presenta e agáo, Jesús vai des­
sua vez seráo enterrados. Jesús chama a terrando o poder demoníaco: empurrando-
urna vida nova, à vida. Nem sequer basta o ao reino do impuro (porcos, Is 66,3.17),
a atividade exemplar de Tobit enterrando ao abismo da perdigáo (precipicio, mar).
mortos (cf. Tb 2,3-8; 14,10). Os vizinhos náo demonstram apreciar tal
8,23-27 O mar na sua realidade empírica libertagáo, e sua atitude contrasta com a
pode ser força destruidora, incontrolável admiragáo de outros ante o poder de Je­
para o homem (cf. SI 69,3.16; 107,23-30). sús. Está bem libertar de demonios dois ho­
Até ai os pescadores do lago seriam um caso mens e de sustos a populagáo, mas nego­
a mais. Porém o mar apresenta outro as­ cio é negocio.
pecto no AT: é a potencia levantina, caóti­ Embora a regiáo seja pagá, náo se diz
ca, que Deus submete e apazigua (SI 93; que os personagens o sejam. “Antes do
104,6-7; etc.). Jesús “dormia” como Joñas tempo” é antes da derrota final.
65 MATEUS

r Hti inii.n no territorio de gadarenos, tendido numa maca. Ao ver a fé que ti-
•mi tin lln ao encontro dois endemo- nham, Jesús disse ao paralítico:
■iiili nli >•., saídos dos sepulcros; eram — Animo, filho! Teus pecados estáo
i >ii denlos, que ninguém se atrevía a perdoados.
r i " .n |x>i aquele caminho. 29Imedia- 3Entáo alguns letrados pensaram:
uim nir |)iiseram-se a gritar: — Esse blasfema.
I 11lio de Deus! Que tens conos- 4Jesus, lendo seus pensamentos, disse:
,n " Vu sté antes do tempo para nos — Por que pensáis mal? sO que é
Ht. miiu-iitar? mais fácil: dizer teus pecados estáo per­
\ i i i ta distancia havia urna grande doados, ou dizer levanta-te e caminha?
ni iii.kI.i de porcos fugando. 31Os demó- 6Pois, para que saibais que este Homem
iit*■*. Ilic suplicaram: tem autoridade na térra para perdoar pe­
Se nos expulsas, envia-nos á ma- cados — dirigindo-se ao paralítico, dís-
ii.nl,i de porcos. se-lhe:
1 Disse-lhes: — Levanta-te, toma a maca e vai para
Ide. casa.
l ies saíram e entraram nos porcos. A 7Ele se levantou e foi para sua casa.
n i , n i . ida em massa se langou ao lago por 8Ao ver isso, a multidáo ficou espanta­
iini.i encosta e se afogou na água. Os da, e dava gloria a Deus por ter dado
|M’.lores fugiram, chegaram ao povoa- tal autoridade aos homens.
iln e contaram o que havia acontecido
. mu os endemoninhados. 340 povoado Chama M ateus (M e 2,13-17; Le 5,27-
m u i massa saiu ao encontro de Jesús e, 32) — 9Seguindo adiante, Jesús viu um
.ni vé-lo, lhe suplicaram que se retiras- homem (chamado Mateus) sentado dian­
nr de seu territorio. te da mesa dos impostos. Disse-lhe:
— Segue-me.
Cura um paralítico (Me 2,2-12; Le Ele se levantou e o seguiu. 10Estando
9 5,17-26) — 'Subiu a uma barca, atra-
vessou á outra margem e chegou á sua
Jesús na casa, sentado á mesa, m uitos
coletores e pecadores chegaram e se
eidade. 2Levaram-lhe um paralítico es- sentaram com Jesús e seus discípulos.

8,29 *Ou: que queres de nós? (IR s artigo, a um individualmente; somente as-
1,18). sim se explica a admiragáo expressa pelo
povo (homem/homens); nao se admiram
9,1-8 O paralítico é doente incurável, de que um personagem sobre-humano te­
está morto em vida. Os carregadores ma­ nha recebido tal poder.
lcriáis sao também portadores espirituais, “O perdáo é coisa tua”, diz SI 130,4 (cf.
pela fé. Jesús conduz a atengáo para a re- Is 55,7 rico em perdáo); os mediadores do
lagáo, tradicionalmente sentida, entre do- AT nao perdoam, só intercedem pedindo
enga e pecado. Vejam-se salmos de doen- perdáo para os outros (Ex 32; Nm 14; 2Sm
tes, p. ex. 38,4.6 “por causa do teu furor, 12 etc.). O máximo que fazem é oferecer
por causa de meus pecados, por causa de sacrificios de expiagáo (Lv 4). Deus con-
minha insensatez”; e 41,5: “Cura minha fere sua autoridade a Jesús “na terra”j cum-
vida, pois pequei contra ti”; um eco em prindo assim a profecía de Jr 31,34. É mais
Tg 5,14-15. Perdoando, Jesús nao blasfe­ fácil perdoar que curar? E mais atraente,
ma, pois veio libertar do pecado (Mt 1,21). mais convincente para os objetores da
Como “homem”, recebeu poder de perdo- cura; mas a cura física deve remeter á cura
ar e curar; o povo se admira de que tal espiritual, que segundo SI 51,12 equivale
poder tenha sido concedido “aos homens”. a uma criagáo.
A expressáo grega ho hyios tou anthropou 9,9-13 Nao somente perdoa pecados,
designa um individuo da coletividade hu­ mas transforma o pecador: de um explo­
mana (semitismo: compare-se com o títu­ rador, com uma palavra, faz um discípulo.
lo de Ezequiel “filho de Adáo”), e com o O sistema de arrecadagáo de impostos, por
MATEUS 66

“ Vendo isso, os fariseus disseram aos guém póe um remendó de pane n.mi
discípulos: numa roupa velha; pois o a cresi, m i>i i
— Por que vosso mestre come com repuxa a roupa e faz um rasgo pi ■
coletores e pecadores? l7Nem se póe vinho novo em odi <■■\ <
12Ele ouviu e respondeu: lhos, pois os odres arrebentariam, •■ ■
— Os sadios nao tém necessidade de nho se derramaría e os odres se .-sii
médico, e sim os doentes. !3Ide estudar gariam. Vinho novo se coloca e m u.li
o que significa misericordia quero e nao novos, e ambos se conservan!.
sacrificios. Nao vim chamar justos, mas
pecadores. Duas curas (Me 5,21-43; Le 8, lo i
14Entáo aproxim aram -se dele os dis­ — 18Enquanto lhes explicava isso, .i|•>..
cípulos de Joáo e lhe perguntaram: ximou-se um funcionário, prostituí
-— Por que nós e os fariseus jejua- e lhe disse:
mos, ao passo que teus discípulos nao — M inha fílha acaba de morrer. M.i
jejuam ? vem, póe a máo sobre ela, e recohnu
15Jesus lhes respondeu: a vida.
— Podem os convidados ao casamen­ 19Jesus levantou-se e o seguiu coiii
to fazer luto enquanto o noivo está com seus discípulos. 20Entretanto, urna m u
eles? Chegará um dia em que o noivo lher que estava há doze anos sofiviM.
lhes será tirado, e entáo jejuaráo. 16Nin- de hemorragias, aproximou-se por (i.r.,

intermediários a serviço dos romanos ou ros, comei e bebei, e embriagai-vos, un ir,


do governador regional, prestava-se a abu­ amigos” (Ct 5,1). Joáo nao é o esposo nem
sos, favorecía e tornava odiosos esses pro- o Messias (cf. Jo 3,28-29). Jesús procm i
fissionais (5,46; 18,17; 21,21); os cobra­ suavemente, com imagens, abrir-lhes <v.
dores pertenciam à categoría formal de olhos. Ao mesmo tempo, deixa entrevi i i>
“pecadores”. O chamado soberano de Je­ desenlace trágico, “lhes será tirado o noi
sús transiere da escravidao do dinheiro à vo”, como “arrebataram” o Servo (Is 53,S)
iiberdade do seguimento (cf. 6,24). “Cha­ Soa aquí a reflexáo posterior da comum
mado Mateus”: o narrador identifica o dade. Com o símbolo concordam as ima
apóstolo com Levi (Me 2,14). gens da veste e do vinho (Is 61,10; Ct I),
Os fariseus se sentern guardas da sepa- embora seu alcance transborde o contexl"
raçào que garante a pureza e com ela a atual: a economía antiga náo se corrige
santidade ou eonsagraçâo do povo; entre com remendos; a nova economía náo cabe
as separaçôes, a mais importante é entre em recipientes vcihos (cf. Mt 26,29 sobre
“justos e pecadores” (SI 139,19-22; Pr o vinho escatológico).
29,27). A força de observancias, nao en- 9,15 Refere-se propriamente ao lugai
tendem a Escritura; consideram-se sâos e onde se celebra a festa de casamento, que
santos. Supóem insanável a situaçâo que contém o quarto nupcial.
Jesús veio sanar (cf. Eclo 38,1-15). Mas o 9,18-26 Como nos paralelos, o relato de
primeiro passo para a cura é reconhecer a um milagre (20-22) se encaixa no relato
doença. A citaçâo de Os 6,6 se adapta bem de outro (16-19.23-26) com o recurso do
à situaçâo, e será repetida em 12,7, poís caminho, o primeiro milagre realizado pre­
seu alcance é geral. para o segundo, a cura de urna doenga in
9,14-17 Veja-se em Zc 7 urna consulta curável, a ressurreicáo de urna defunta. Em
sobre um jejum particular. Por detrás da ambos os casos, é decisiva a fé e o contato
instruçâo sobre o jejum se entrevé o sím­ de Jesús.
bolo do Messias esposo (cf. Mt 22,1-14; 25, A ressurreigáo deve ser lida sobre o paño
1-13), próprio do NT. Os discípulos de de fundo dos milagres de Elias e Eliseu
Joáo estáo ainda fechados na velha menta- (IRs 17,17-24; 2Rs 4,32-37), com inver-
lidade, como que centrados na peniténcia, sáo de sexos. Se o sono é imagem da mor-
e nâo descobrem a festa que já começou; te (Jr 51,39; SI 13,4; Jó 3,13), urna morte
leia-se o convite do esposo: “Companhei- náo definitiva assemelha-se a um sono,
67 MATEUS

i (m uti a orla do manto dele. 21Pois di­ Responderam:


t i « mu mu locarseu manto,ficarei cura- — Sim, Senhor.
.!■« 1 li m i s voltou-se e, ao vè-la, disse: 29Ele lhes tocou os olhos, dizendo:
Animo, filha! Tua fé te curou. — Que aconteqa como crestes.
Nn mcsmo instante a m ulher ficou 30Seus olhos se abriram, e Jesús os
ni iil i ' 'Jesus entrou na casa do funcio- admoestou:
nili li i c ao ver os flautistas e o barulho — Cuidado, que ninguém fique sa-
li (Mule, -'disse: bendo!
Kclirai-vos, a menina nao está mor­ 31Eles, porém, se foram e divulgaram
bi, nía-, adormecida. sua fam a por toda a regiáo.
I<min se dele. 25Mas, quando retira- 32Enquanto saíam, levaram -lhe um
mi n us pessoas, ele entrou, tomou-a pela m udo endemoninhado. 33Ele expulsou
mitii, e a menina se levantou. 2sO fato o dem onio, e o mudo comeqou a falar.
-i «livnlgou por toda a regiáo. A multidáo comentava assombrada:
— Nunca se viu tal coisa em Israel.
I ni as: os cegos e o mudo (Le ll,1 4 s ) 34M as os fariseus diziam:
línquanto Jesús seguía adiante, — Ele expulsa os demonios com o
,li ns cegos o seguiam gritando: — Filho poder do chefe dos demonios.
•li I )avi! Tem piedade de nós.
"()uando entrou em casa, os cegos Escolha e missáo dos do/.e (Me 3,13-19;
■H .iproximaram, e Jesus lhes disse: 6,34; Le 6,12-16; 10,2) — 35Jesus per-
Credes que posso fazè-lo? corria todas as cidades e aldeias, ensi-

pma despertar (Jo 11,4.11-13). O ceticis- versóes variantes estariam aqui para com­
iiin do povo faz ressaltar a fé do funcioná- pletar o número de dez curas. Também para
i hi e o poder de Jesus. Pela primeira vez, preparar a declarado de 11,5.
mostra que seu poder atinge até a morte, 9,32-34 Este relato está reduzido a es­
romo o de Deus (Tb 13,2). Aquele que quema, para que ressaltem a atitude favo-
ilevoive a vida nao se contamina tocando rável do povo e maliciosa dos fariseus.
imi cadáver.
A cura tem algo parecido, já que ser to­ 9.35-11,1 A sèrie das dez curas foi in­
cado por urna mulher com hemorragias terrompida duas vezes com um relato de
contamina. Através do contato mediato do seguimento e outro de vocaqáo. Agora
manto, acontece o contato profundo com aborda formalmente o grande tema da es­
Jesus pela fé. Esse é o contato que cura. colha e missáo dos doze. O episodio tem
9.23 Cerimónias fúnebres: Jr 9,16-20. alcance imediato durante a vida de Jesús
9.24 “Riam-se”: como Sara estéril ao que prepara, com o trato assiduo, as teste-
ouvir o anuncio da sua fecundidade (Gn munhas da ressurreigáo. Por eia se passa­
18,12-15). re á missáo apostólica das novas comuni­
9.27-31 O detalhe da casa indica que o dades, em movimento de expansáo. Pela
milagre se realiza em particular, e prepara segunda etapa, o texto chega até nós como
u proibiçâo do v. 30; esta por sua vez des­ síntese exemplar e autorizada da paixáo e
taca a força de propagaçâo dos milagres. gloria do apostolado.
O diálogo solicita e obtém formalmente a A unidade se abre e termina sobre a ati-
fé, como condiçâo para serem curados. vidade missionària de Jesus, percorrendo
Pela fé os cegos já estavam vendo mais cidades, pregando, proclamando, ensinan-
além: Filho de Davi é título messiànico do e curando (35-36 e 11,1). No centro
( 1, 1.20 ). enuncia o grande principio da semelhan-
9.27-34 Essas duas curas soam como §a: o discípulo como o mestre. Por isso a
duplicados: os cegos, do cegó de Jericó, atividade de Jesús emoldura toda a instru­
com notáveis coincidéncias verbais (20, y o aos discípulos.
29-34); o mudo, do mudo que provoca a 9.35-38 A sinagoga era lugar de culto e
controvèrsia sobre Belzebù (12,22-29). As também de ensino ou catequese. Jesús
MATEUS 68

nando em suas sinagogas, proclam an­ seu irmáo, Tiago de Zebedeu c ■u li


do a boa noticia do Reino e curando máo Joáo, 3Filipe e Bartolomeu i....
todo tipo de enferm idades e doencas. e Mateus, o coletor, Tiago de All ■
36Vendo a m ultidáo, com oveu-se por Tadeu, 4Simáo o zelota* e Judas n u ii
eles, porque andavam m altratados e dor. 5Jesus enviou esses doze com o
prostrados, como ovelhas sem pastor. seguintes instruçôes:
37Entáo disse aos discípulos: — Nâo vos dirijáis a países dt p.
— A messe é abundante, os tra b a ja ­ gâos, nâo entreis em cidades de Mirini
dores sao poucos. 38Rogai ao dono da mes­ rítanos; 6antes, dirigi-vos ás ovtlh i
se que envie trabalhadores á sua messe. desgarradas da Casa de Israel. 7I pi i
caminho proclam ai que o reinado ■!
'E chamando seus doze discípu­ Deus está próximo. ®Curai enfermo
los, conferiu-lhes poder sobre es­ ressuscitai mortos, purificai lepro.o
pirites ¡mundos, para expulsá-los e pa­ expulsai demonios. De graça o ro í
ra curar todo tipo de enferm idades e bestes, dai-o de graça. 9Nâo leveis m
doencas. cinturáo ouro nem prata nem cobo
2Nom es dos doze apóstelos: O pri- 10nem alforje para o caminho, nem diu
meiro Simáo, apelidado Pedro, e André, túnicas, nem sandálias, nem basino

escolhe esse lugar de reuniáo para seu se o destino de Judas. A lista vem a •.<i
anuncio pessoal: a boa noticia do reino programática. Comega aquí um tema qm
(4,23). O éxito de Jesús aumenta o traba- terminará ñas últimas páginas do Apo
lho, para o qual reúne colaboradores ínti­ calipse, na Jerusalém celeste, com “dozi
mos que, agindo, aprenderáo junto dele. Á pedras de alicerce que trazem os nomr
imagem da pesca (4,19) se acrescentam a dos doze apóstolos” (Ap 21,14).
clássica do pastor (Jr 23; Ez 34; SI 23; 80) 10.4 *Ou: fundamentalista.
e a do ceifador (mencionada em SI 126). 10,5-15 A mensagem que pregarem sera
Sao as duas atividades básicas daquela cul­ a de Jesús, o reinado de Deus que se apa1
tura, que contínuaráo a ser usadas para se senta (4,17). Váo munidos de poda
descrever o apostolado na Igreja. Oficios taumatúrgico, á semelhanga do mostrado
que seráo encargo recebido, nao iniciativa por Jesús e recebido gratuitamente; nao
própria. A multidáo tinha seus chefes: sa­ devem aproveitar-se dele por cobiga. Ve
cerdotes e doutores; no entanto, Jesús se co-
jam-se o gesto e as palavras de Pedro ao
move ao vé-los, como Moisés quando lhe fazer o milagre, “aquilo que tenho te dou'
anunciam a morte próxima (Nm 27,17); (At 3,5). Sua área de operagáo é por ora
como via o povo um profeta na presenta restrita e mostra a preferencia cronológi­
de dois reis (IRs 22,17). Jesús assume o ca por Israel, citado com seu nome tradi
oficio de um bom pastor e deixará a seus cional; como Jesús (15,24). No fim, náo
discípulos a tarefa de colher (Jo 4,37-38). terá limites (28,19).
10.5 Os samaritanos náo sao o Israel
1 0 ,1-4 Os escolhidos, chamados, sao auténtico, estáo a meio caminho entre os
doze, como as tribos de Israel (19,28), judeus e os pagaos (2Rs 17,29-34). Ben
como a familia do novo Israel. Antecipa- Sirac diz deles: “a terceira já náo é povo’’
se o título futuro de apóstolos, ou seja, (Eclo 50,26).
mensagciros; o Mestre comunica-lhes seus 10.6 As ovelhas dispersas, por culpa dos
poderes messiánicos (7,29). Encabega-os pastores: “meu povo era um rebanho per­
Pedro com seu novo nome de oficio. Sao dido” (Jr 50,6).
de origem e mentalidade diversa: nomes 10,8 O quarteto abraga tudo, até o po­
hebraicos e gregos, pescadores, um publi- der sobre a morte. A lepra é mencionada á
cano, um zelota..., e Jesús será seu centro parte porque contamina. Sao os poderes
de unidade. A tradigáo identificou Natanael exercídos por Jesús na série precedente.
(Jo 1,44) com Bartolomeu, Levi (Me 2,13; 10,9-10 Levar duas túnicas era consi­
Le 5,27) com Mateus (Mt 9,9). Antecipa- derado um luxo. O salário era pago por
I» M 69 MATEUS

ful« mii| mi ,111o tcm direito ao sustento. parecer diante de govem adores e reis
1 (imiiiln enlrardes num a cidade ou al- por minha causa, para que deis testemu­
iri,i i'i i^untai por alguma pessoa res- nho diante deles e dos pagaos. 19Quan-
, . 11.1t 1 I, c hospedai-vos com ela até do vos entregarem, nao vos preocupéis
,111111 li •• ' 'Ao entrardes na casa, sau- com o que iréis dizer; 20pois nao sereis
i,ii 11 1'se cía merece, nela entrará vos- vós que falareis, mas o Espirito de vos-
.* 1.,1 se nao a merece, vossa paz vol­ so Pai falando por vós. 21Um irm áo
átil ii vos. l lSe alguém nao vos receber, entregará á morte o seu irmáo, um pai
.»•Mi 1 sentar vossa mensagem , ao sair a seu filho; filhos se revoltaráo contra
!,ii|in l,i casa ou cidade, sacudí o pó dos pais e os mataráo. 22Sereis odiados de
1 Asseguro-vos que no día do jul- todos por minha causa. Quem resistir
(Oiiienlo a sorte de Sodom a e Gomorra até o fim se salvará. 23Quando vos per-
«Miu niais leve que a daquela cidade. seguirem numa cidade, fugi para outra;
"'Vede, eu vos envió como ovelhas eu vos asseguro que náo tereis percor-
1 tilie lobos: sede prudentes como ser- rido todas as cidades de Israel antes que
Itrilles, cándidos como pombas. 17Cui- venha este Homem*.
,I111I1>com as pessoas! Poís vos entre- 240 discípulo náo está acima do mes-
|,,ii,u> aos tribunais e vos agoitaráo em tre nem o servo acima do senhor. 25Ao
■11,is sinagogas. 18Eles vos faráo com- discípulo basta-lhe ser como seu mes-

1II11 (por isso se chama diària, do latim “testemunha fiel” e a sua mensagem de
,humus), o trabalhador era diarista (Lv “testemunho” (Ap 1,2-5).
l'J. 13; Dt 24,15). É como dizer que os en- O mais doloroso é que a p erseguilo
vimlos nao acumularáo dinheiro, viveráo venha de familiares e amigos (21-22),
iln scu salàrio devido dia por dia, confian­ como a de Jeremías: “também teus irmáos
do era Deus segundo o ensinamento do e tua familia te sao desleais” (Jr 12,6 par.),
Mestre (6,25-33). de alguns salmos: “mas eras tu, meu ca­
10,11-15 Levam a paz do Messias, que marada, meu amigo e confidente, a quem
ns amantes da paz saberáo reconhecer e me unia doce intimidade” (55,13-15; 69,9;
ne disporào a receber (SI 120; 122; Mt 5,9). Jó 19). O motivo (22), “por minha causa”,
Mas a rejeicjáo será fatal (cf. Le 19,42): e o exemplo do mestre (24-25) os fortale­
nearretará o castigo exemplar das cidades cerá, até a parusia: a perseverarne é virtu-
que violaram a hospitalidade (Gn 18—19; de fundamental. O horizonte é eclesial e
Sb 19,17). escatològico.
10,16-36 Fortaleza ñas perseguigóes. 10.23 A fuga nem sempre é resultado
liscutamos a mensagem de Jesus e sua de covardia; pelo contràrio, pode ser exi­
ressonáncia ñas primeiras comunidades gida pela prudencia; o apóstolo deve pou-
cristas. par-se para sua missáo. Em alguns casos
Urna equagáo de quatro animais (16) pode servir à expansáo missionària, como
simboliza seu destino: cordeiros e lobos, documentarli os Atos dos Apóstolos. O
nao pacificados (Is 11,6; Jr 5,6); estranha anúncio parece referir-se à parusia, como
conduta de um pastor. A serpente cauta e em textos semelhantes (embora alguns os
sinuosa (Gn 3,1), a pomba que voa em li- fagam referir-se à ressurreigao). Supóe a
nha reta (Is 60,8). situaejáo da comunidade crista, que aguar­
As perseguigóes seráo internas, “sina­ da com expectativa a vinda sempre imi-
gogas”, e externas, “reis”. Comparecendo nente do Senhor glorificado.
como acusados (18), atuaráo como teste- 10.23 *Ou: o Filho do Homem.
munhas (como Jeremías no seu julgamen- 10,24-25 Grande principio da relagào do
to, Jr 26; e Paulo, At 23,11). Por isso seu apóstolo com Jesus: nunca deixará de ser
testemunho se compara (19-20) à palavra servo e discípulo. Aprende para servir e
profètica; dai a veneraejáo primitiva aos servindo aprende. Màxima blasfemia é
mártires e a conservado devota das atas atribuir ao diabo a agào de Deus (Mt
de martirio. O Apocalipse chama Jesús de 12,27).
MATEUS 70

tre, e ao servo corno seu senhor. Se cha- homens, eu o renegarei diante do nni|
m aram de Belzebù ao dono da casa, Pai do céu.
quanto m ais a seus empregados. 26Por- 34Náo penseis que vim trazer p.i/ |
tanto, nao os temáis. Nada há de enco- térra. Nao vim trazer paz, mas es¡ . 1.i .
berto que nao se descubra, nem escon­ 35Vim tomar inimigo um homem com 1
dido que nao se divulgue. 270 que vos pai, urna filha com sua mae, urna //, >(
digo de noite, dizei-o em pleno dia*; o com sua sogra; 36e os inimigos d e .....
que escutais no ouvido, apregoai dos pessoa sao os de sua casa. 37Quem anmi
terrados. 28Náo temáis os que matam o seu pai ou sua máe mais que a min: m
corpo e nao podem matar a alma; temei é digno de mim; quem amar seu I1II1
antes àquele que pode acabar coni cor­ ou sua filha mais que a mim, nao t ln
po e alma no fogo. 29Nào se vendem no de mim. 38Quem nao tomar sua a u,
dois pardais por alguns centavos? Mas para seguir-me, nao é digno de nnm
nenhum deles cai no cháo sem licenza 39Quem se agarrar á vida irá per de ti
de vosso Pai. 30Quanto a vos, até os cá­ quem a perder por mim a conservan
belos da cabega estáo contados. 31Por- 4°Quem vos recebe a mim recebe; quem
tanto, nao os temáis, pois vós valéis me recebe recebe aquele que me envii 111
mais que m uitos pardais. 32Aquele que 41Quem recebe um profeta por sua con
me confessar diante dos homens, eu o digáo de profeta, terá recompensa 11.
confessarci diante do meu Pai do céu. profeta; quem recebe um justo por sun
33A quele que m e renegar diante dos condicao de justo terá recompensa do

10,26-27 A mensagem de Jesús nao é tralidade nem as concessoes, afirma a re


esotérica, embora por enquanto se comu­ ciprocidade.
nique a um círculo escolhido; o medo nao 10,34-37 O profeta Miquéias (7,6) de
deve induzir a escondé-lo (Jr 1,8.17). nunciava a desordem social. Mateus o apli
Tampouco é propriedade exclusiva. Em­ ca à comoçào que a opçâo crista vai pro
bora se aprenda privadamente, está desti­ vocar. Porque a lealdade a Jésus há de
nado aos outros. Como diz Ben Sirac: “Fa­ superar qualquer outra, mesmo familial
rei brilhar minha doutrina como a aurora será a única incondicional. Nâo é que Je
para que ilumine as distancias” (Eclo sus provoque ou declare a guerra, mas ;i
24,32). A comparadlo indica o caráter ex­ sua mensagem provoca a hostilidade dos
pansivo da mensagem. que a rejeitam: “eu sou pela paz, eles pela
10,27 *Ou: trevas... na luz. guerra” (SI 120,7); sâo estes que empunham
10,28-29 Nao introduz a distingáo gre- a espada (cf. Ex 5,21, Moisés ao Faraô).
ga de alma e corpo, mas distingue entre 10,38-39 Como Isaac levando “a lenha
urna vida simplesmente biológica e a vi­ para o holocausto” (Gn 22,6). Como Jé­
da plena e transcendente. De ambas Deus sus que vai adiante com seu exemplo, e
se ocupa paternalmente: um filho de Deus por Jésus. Mas, paradoxalmente, sua cruz
é mais que qualquer animal (cf. a dis- e morte sâo fonte de vida. M istério
tinqáo de SI 36,7-10). O fogo é símbolo prefigurado pelo Servo (Is 53).
do castigo escatològico, definitivo (fi­ 10,40-42 Vejam-se os exemplos de Elias
nal de Is). e Eliseu, acolhidos como “profeta santo”
10,30 Os cábelos da cabera sao exem- (IR s 17,9-24; 2Rs 4,8-37). O apóstolo
plo proverbial de algo incontável (SI 40,13; enviado representará Jesús que o envia,
69,5). Tudo está ñas máos de Deus (SI como Jesús representa o Pai que o enviou:
31,6.16). “Como o Pai me enviou, eu vos envío” (Jo
10,32-33 Gravidade suma da missáo 20,21). Os très casos alegados oferecem
apostólica c da vida crista, conduzidas um progresso inesperado. Primeiro o pro­
a seu desenlace no julgamento definiti­ feta, com a dignidade da sua missáo; de-
vo de Deus. Ai caberá a Jesús, como tes- pois o justo, com a recomendaçâo da sua
temunha, reconhecer como seus ou como conduta; finalmente o pequeño, com o tí­
estranhos (cf. 25,12). Nao admite a neu- tulo da preferencia divina.
71 MATEUS

iii*ih ' i )in-m dcr de beber um copo de dos, surdos ouvem, mortos ressuscitam,
ipil.! lii-.i ;i a um destes pequeños por pobres recebem a boa noticia; 6e feliz
...........lu,;ao de discípulo, eu vos asse-aquele que nao tropeca por minha causa.
...... que nao perderá sua recompensa. 7Quando partiram, Jesús pós-se a fa­
lar de Joáo á multidáo:
| 1<»liando Jesús terminou de dar — sO que saístes para contemplar no
| I mslrugóes aos doze discípulos, deserto? Um canigo sacudido pelo ven­
,m u i dali para ensinar e pregar por to? O que saístes para ver? Um homem
l,e. cidades. vestido elegantem ente? Vede: os que
se vestem elegantemente habitam nos
Milu <■Joño Batista (Le 7,18-35)— 2Na palácios reais. 9Entáo, o que saístes para
ini ni, Joáo ouviu falar da atividade de ver? Um profeta? Eu vos digo que sim,
i, Me, c Ihe enviou esta mensagem por e mais que profeta. I0A este se refere
mi i" de seus discípulos: aquele texto da Escritura: Eu envió odian­
’Es tu aquele que devia vir, ou te meu mensageiro para que me prepa­
•la vemos esperar outro? re o caminho. !1Eu vos asseguro: dos
' Irsus respondeu: nascidos de mulher aínda nao surgiu um
Ide informar a Joáo sobre o que maior que Joáo Batista. No entanto, o
Hiivis e vedes: 5Cegos recobram a visáo, último no reino de Deus é maior do que
i. isi is caminham, leprosos sao purifica- ele. 12Desde os dias de Joáo Batista até

11,1 V. de enlace, como 7,28, que en- tras palavras, o cumprimento de profecías
ifiia, em forma de inclusáo, a instruyo messiánicas confirma sua missáo. A bem-
|uo:edente. aventuranca, traduzida em forma positiva,
11.1-19 Em algumas comunidades pri- felicita a quem o recebe como Messias. Tro­
niilivas foi preocupante a questáo sobre o pezar é sentir-se defraudado por ele e náo re-
luj’ar de Joáo Batista com referencia a Je- conhecé-lo como Messias. Esta mensagem
m i s . Algo disso se reflete nesta perícope. é em primeiro lugar para judeus, em segun­
V.iinos dividi-la em duas partes: Jesús res- da instancia estende-se a pagaos converti­
|iiindc a Joáo e seus discípulos definindo dos. A imagem de alguém que se faz Mes­
■.na identidade messiánica (1-6); Jesús de- sias condiciona a esperanza e a acolhida.
tine a missáo do Batista e explica a reagáo 11,7-15 Em seguida Jesús define a mis­
ilosjudeus (7-15.16-19). sáo de Joáo. Por sua conduta ascética, é
11.2-3 A pergunta de Joáo é sincera ou como o primeiro dos profetas, Elias, que
retórica? Alguns pensam que Joáo faz a se retirava ao deserto e enfrentava o rei e
pergunta simplesmente para que seus dis­ sua corte (IRs 17-18). Por seu estilo de
cípulos recebam a resposta. Muitos pen­ vida atraiu o povo, e náo por um luxo os­
sam, por causa do contexto e da atitude tensivo ou por volubilidade caprichosa.
ambigua dos discípulos, que Joáo pergun- Pela sua atividade, devidamente reconhe-
le desiludido ou desconcertado. A pergun- cida, Joáo é o Elias anunciado (MI 3,1;
la é nada menos que sobre o Messias es­ Eclo 48,10-11). Até ele chegou a velha
perado, futuro, “aquele que há de vir” (MI economía; ele se apresenta á nova, anun­
3,1). Joáo o esperava como o juiz escato- ciando a presenta do reino e do Messias.
lógico, armado de pá e fogo (3,11-12), e Sua atividade supera todos os anúncios
sua imagem se fundamenta na Escritura proféticos, mas náo se iguala a pertencer
(p. ex. Is 66,5-6.15-16); as noticias que ao novo reino (compare-se com a segunda
recebe falam de um Jesús benéfico, aco- parte do Benedictas, Le 1,76-79). Todavía,
lhedor, disposto a perdoar. muitos sáo hostis ao reino, ou olham-no
11,4-6 Jesús responde primeiro sobre sua indiferentes, sem entrar no jogo.
pessoa e missáo, apontando para urna ima­ 11,6 Is 61,1.
gem da Escritura alternativa. Aponta os mi- 11,10 MI 3,1.
lagres realizados (8-9), nos quais ressoa um 11,12 Discute-se o sentido de “os vio­
eco de profecías (is 35,5-6; 61,1). Em ou- lentos”. a) Os inimigos do reino que se
MATEUS 72

agora o reino de Deus sofre violencia, nar as cidades em que havia reali ni
e pessoas violentas o arrebatam . 13Até a maioria de seus milagres sem que n»
Joáo todos os profetas e a lei eram pro­ arrependessem:
fecía. 14E, se estáis dispostos a recebé- — 21Ai de ti, Corazim, ai de ti, 11« i
lo, ele é o Elias que devia vir. 15Quem saida! Pois, se em Tiro e Sidònia ti
tiver ouvidos, escute. sem sido feitos os milagres reali/.i< i. •
16A quem com pararei esta geragáo? em vos, há tempo teriam feito pemil n
Sao como criangas sentadas na praga, eia com pano de saco e cinza. 22Pois <u
que gritam a outras: vos digo que o dia do julgam ento scrii
17Tocamos a flauta mais leve para Tiro e Sidònia que pani
e nao dangastes, vós. 23E tu, Cafarnaum, pretendes <7,
cantamos lamentagóes var-te até o céu ? M as cairás até o a h i \
e nao fizestes luto. mo. Pois se em Sodoma tivessem sul.
18Veio Joáo, que nao com ia nem be­ feitos os milagres realizados em ti, - l ■
bía, e dizem : está endem o n in h ad o . subsistida até hoje. 24Pois eu vos dipi
19Veio este Homem que come e bebe, e que o dia do julgam ento será mais lev<
dízem: vede que comiláo e beberráo, para Sodoma que para ti.
amigo de coletores e pecadores. M as a
sensatez* é acreditada por seus efeitos. O Pai e o Filho (Le 10,21s) — 25Ness;i
ocasiào Jesus tomou a palavra e disse.
Recrimina as cidades da G aliléia (Le — Dou-te gragas, Pai, Senhor do céu
10,13-15) — 20Entáo pós-se a recrim i­ e da terra! Porque, ocultando estas coi

opóem com violencia a seus mensageiros. 11,20-24 Esta perícope pertence ao ge


Heredes, prendendo o Batista, e seus par­ nero profètico de oráculos contra nagóes
tidarios querem “arrebatá-lo” (13,19). b) pagas, com sua exclamagáo. “Ai de ti!
Os seguidores de Jesús, confundidos com Concretamente deve-se 1er esse julgamen
um proletariado violento, mas que de fato to comparativo sobre o pano de fundo de
se apoderam do reino. Ez 16,46-48, que compara Judá com Sa
11.13 Porque tudo apontava para um maria e Sodoma: “superaste-as em condut i
futuro novo. E grave declarar que a lei era depravada”. O julgamento final será uni
profecia, pois equivale a subordiná-la em julgamento comparativo aduzindo agra­
sua fungáo. No culto das sinagogas, a pro­ vantes. Tiro e Sidònia representam o po
fecia se subordinava á lei ou tora. derio comercial dos fenicios (Is 23; Ez 26-
11.14 MI 3,23; Eclo 48,10. 28; Zc 9,2-4); além disso, Sid-ònia, como
11.15 Ver Jr 5,21; Ez 12,2. Bet-saida, traz no nome urna referencia à
11,16-19 Em lugar de parábola, cita urn pesca. Sodoma é a principal cidade da
fragmento de brincadeira infantil, no qual Pentápole, destruida pelo fogo por causa
reconhecemos o caprichoso “entáo nao de seu delito contra a hospitalidade (Gn
vou brincar”. Suas duas metades se repar- 19; Sb 19,13-17). Mas sào também sim­
tem entre Joáo, o penitente austero, e Je­ bolo de outras cidades, como indica a ci-
sús, o liberado feliz (cf. 9,14). Entre os tagáo hiperbólica de Is 14,13-15. Assim
ouvintes há os que nao querem brincar nem também Corazim e Cafarnaum represen­
com este nem com aquele, e criticam tudo tam as cidades que recusaram a ocasiào
como criangas caprichosas. oferecida de arrepender-se; pois os mila-
* Mas a sabedoria ou sensatez de Je­ gres eram sinais que induziam ao arrepen-
sús e de Deus vai demonstrar seu acertó dímento como preparagáo para acolher o
nos resultados: as obras ou os filhos = dis­ anuncio evangélico.
cípulos (segundo alguns manuscritos, har­ 11,25-30 Diante da soberba e arrogan­
monizados talvez com Le 7,35). Em li- cia das cidades amaldigoadas desprende-
vros sapienciais, Sabedoria personificada se no contexto esta exaltagáo do humilde
encarece suas obras (Pr 3; 8; Eclo 24; Sb 7 e simples. “Deus revela os segredos aos
etc.). humildes” (Eclo 3,20). Destaca-se como
73 MATEUS

..i .11 r, entendidos, tu as revelaste aos O sábado (Me 2,23-28; Le 6,1-5;


l|'lll >i.mies. M c 3 ,l-6 ; L e 6,6-11) — 'P o re s-
"Sun, Pai, essa foi tua escolha. 27Meu se tempo, num sábado, Jesús atraves-
l‘ ii me confiou tudo: ninguém conhe- sava plantagóes. Seus discípulos, fa-
ii o Filho, senáo o Pai; ninguém co- mintos, puseram-se a arrancar espigas
iilu i c o Pai, senáo o Filho e aquele a e comé-las.
i|iniii ii Filho decidir revelá-lo*. 28Vin- 2Os fariseus Ihe disseram:
•ir ,i mim, vos que andais cansados e — Ve, teus discípulos estáo fazendo
i ni vados, e eu vos aliviarei. 29Tomai urna coisa proibida no sábado.
1111*11 jugo e aprendei de mim, que sou 3Ele lhes respondeu:
ii ilerante e humilde, e vos sentiréis ali- — Náo lestes o que fez Davi com seu
r nulos. 30Pois meu jugo é suave e mi- pessoal quando estavam famintos? 4En-
1111:i carga é leve. trou na casa de Deus e comeu os páes

imi cimo, estreito e altissimo, esta efusáo 12 Neste capítulo o autor descreve a
ila espiritualidade íntima de Jesús; teste- crescente hostilidade dos fariseus contra
iiiunho da predilegáo do Pai, do seu senti­ Jesús. As controvérsias resultantes ser-
mento filial e da missáo soberana que re- vem para esclarecer aspectos da missáo
rebeu. Como em Is 29,14, os prodigios e agáo de Jesús. Trata-se do sábado, da
ile Deus confunden! a sabedoria dos sá- origem do seu poder de taumaturgo, da
bios: “Eu continuarci prodigando prodi­ exigencia de um sinal que comprove sua
gios. .., confundirei a sabedoria dos sábios”. missáo.
( ) prodigio presente é o envió e presenta de 12,1-15a Dois episodios sobre o sába­
scu Filho, mistério que os “ignorantes” do: um caso de fome e um de doenga. Os
humildes compreendem, pois nao viveni fariseus acusam Jesús de permitir que
satisfeitos com seus preconceitos; ao pas­ seus discípulos violcm o sábado, precei-
so que os doutores que se créem suficien­ to do decálogo (Ex 20,10), tido em má­
tes olhando nao véem (cf. Is 42,20). A fé xima estima depois do exilio. Recorde-
pascal dos cristàos acolhe e proclama essa se o episodio dos fugitivos que se deixam
revelagáo. Arelagáo filial de Jesús com seu matar por náo se defenderem em dia de
Pai, o Deus criador do universo, é única. sábado (lM c 2,31-38). Segundo a lei,
Do Pai recebe, como mediador único, a violá-lo merecía pena de morte: o delito
missáo de revelar e salvar. O evangelho e foi cortar lenha em dia de sábado (Nm
a primeira carta de Joáo sao o niellior co­ 15,32-36; cf. Ez 20,13). Mas urna ca­
mentario a esta breve e densa perícope. suística minuciosa, no seu afá de defen-
11,25 ICor 1,26-29. dé-lo contra perigos e tentagoes, havia
11,27 *Ou: um Filho... um Pai. Jo 1,18; estreitado os limites mínimos dessa vio-
10,15. lagáo.
11,28-30 Nao só os animais, também Jesús responde no estilo da halaká, ale­
os homens carregam o jugo como sinai e gando um relato sobre Davi e seus sol­
exercício de escravidáo. Era um jugo cur­ dados (ISm 21,2-7), que aparentemen­
vo de madeira, apoiado com almofadas te violam a proibigáo de Lv 24,5-9. Se
sobre os ombros, que servia para transpor­ o sábado é dia consagrado ao Senhor,
tar cargas equilibradas. A imagem é fre- também aquele páo era alimento con­
qüente no AT: pode referir-se à lei (Jr 2,20; sagrado ao Senhor. A necessidade anula
5,5 etc.), à tiranía estrangeira (Is 10,27; Jr a proibigáo e o páo consagrado náo se
27,8 etc.) e também à sabedoria, em prin­ profana. Náo se atreveráo os fariseus a
cipio jugo, no firn jóia (Eclo 6,24.30 no criticar o rei Davi. A crescenta outra
contexto 18-31). A escravidáo no Egito disposiqáo legal (Nm 28,9-10). A Escri­
se definía pelas “cargas” (Ex 6,6). O jugo tura, tomada como norma de conduta,
que Jesús impóe, aceito com amor e le­ desacredita a casuística sobreposta. O ho-
vado com sua ajuda, é leve, particular­ mem náo deve escravizar-se a urna ins-
mente se comparado com as cargas dos tituigáo legal ou a suas in te rp re ta res
fariseus (23,4). casuísticas.
MATEUS 74

apresentados, que só aos sacerdotes é 13Entáo disse ao homem:


perm itido comer, nao a ele nem a seu — Estende a máo.
pessoal. 5Náo lestes na lei que, no tem­ Ele a estendeu e ela ficou táo sácoinn
plo e no sábado, os sacerdotes violam o a outra. 14Os fariseus saíram e deliU
repouso sem incorrer em culpa? 6Pois raram com o acabar com ele. 15Mas li
eu vos digo que aqui está alguém maior sus percebeu e partiu dali. Muitos o si»
que o templo. 'Se compreendésseis o que guiam; ele curava todos 16e insistía <|in
significa misericordia quero e nao sacri­ nao o divulgassem. 17Assim se cumpi ni
ficios, nao condenaríeis os inocentes. o que o profeta Isaías anunciou: 18Vív/.
8Porque o hom em é senhor do sábado. o meu servo, a quem sustento; meu ela
9Dirigiu-se a outro lugar e entrou em to, a quem prefiro. Sobre ele porei meu
sua sinagoga. 10Havia ai um homem que Espirito para que anuncie o direito aos
tinha urna das máos paralisada. Pergun- pagaos. 19N áo gritará, nao discutirá
taram-lhe, com intencao de acusá-lo, se nao levantará a voz pelas rúas. 20N i i <i
era lícito curar no sábado. n Ele res- quebrará o caniqo rachado, nño apa
pondeu: gará o pavio vacilante. Promoverá efi
— Suponhamos que um de vós te- cazmente o direito. 2lEm seu nome es
nha urna ovelha e num sábado ela caia perarao os pagaos.
num buraco: nao a agarrará e a tirará?
12Quanto mais que urna ovelha vale um Jesús e Satanás (Me 3,20-30; Le 11,14
homem! Portanto, é permitido no sá­ 23) — 22Entáo levaram-lhe um endemo
bado fazer o bem. ninhado cegó e mudo. Ele o curou, de

12,6-7 Completa-o apelando à sensatez Fazer o bem nào se opóe ao descanso; náo 6
ou capacidade de compreender urna pala- descanso deixar de fazer o bem. Seus rivais
vra profètica em todo o seu alcance (Os fícam sem resposta, mas decidem fazer o mal
6,6). A citagao de Oséias adapta-se à si- àquele que consideram já um perigo pú­
tuagáo, já que sacrificio é fazer sagrado, blico. No relato de Mateus, é este o momen­
consagrar, ao passo que dar de comer ao to (cf. 27,1), em que se decide o desenlace.
faminto é misericordia. Portanto, Jesús de­ 12,15b-21 Jesús retira-se seguido de urna
clara “inocentes” seus discípulos. Está em multidào e continua fazendo o bem. Se proí­
jogo o valor do homem acima da institui­ be que sua atividade seja divulgada, ele o
d o . Concluí com um aforismo lapidar, ao pode fazer para nao provocar indevidamen-
qual Me 2,27 dará urna formulagáo nao te os doutores ou entáo porque nao quer que
menos incisiva. seus “sinais” degenerem em espetáculo ou
12,9-15a O segundo caso acontece numa em busca imediata sem sentido transcen­
sinagoga, que é o centro onde se lè e se co­ dente (cf. Jo 6,26). Diante da deliberacáo
menta a lei. Aquilo que o templo é no espa­ dos fariseus, o narrador pronuncia um ve­
go, ámbito demarcado e consagrado a Deus, redicto que consiste em aplicar a Jesús um
é o sábado no tempo, dia separado em honra texto profètico, aquele que chamamos de
de Deus. Ben Sirac diz que a distintilo pro­ “primeiro càntico do Servo”. Colocado ai,
cede de Deus (Eclo 33,7-9). No sábado o servirá também de contraste para a contro­
homem participa ou se associa ao descanso vèrsia que se segue, na qual os rivais o de-
genesíaco do Criador (Ex 20,8-11). Seus ri- nunciam como servo do diabo. O texto pro­
vais se adiantam com urna pergunta capcio­ fètico define o título, a missáo também para
sa, que supóe algum antecedente, p. ex., a os pagaos, o estilo nao violento de sua ati­
cura anterior. Jesús responde com um ar­ vidade. Temos aqui urna leitura “cristoló-
gumento a minore ad maius, apelando ao gica” do AT, que transborda o momento
senso comum, e nao à Escritura e talvez histórico em que está inserida. É refle-
polemizando com interpretacoes de douto- xáo teológica madura, mais que crónica
res. O sábado nao proíbe fazer o bem. E Je­ de acontecimentos.
sus faz o bem publicamente, provocando. 12,18 Is 42,1-4.
Deus “descansou” depois de fazè-lo intera­ 12,22-32 Controvèrsia sobre a origem
mente bom, mas nao cessou de fazer o bem. do seu poder. Completa-se nos vv. 43-45.
75 MATEUS

I I I i m I i i i|iic rccobrou a visào e a fala. 23A gou até vós o reinado de Deus. 29Como
iHiillldao assombrada comentava: poderá alguém entrar na casa de um
Nao será este o filho de Davi? hom em forte e levar seus bens, se pri­
HM:is os fariseus ao ouvir isso dis­ m eiro nao o am arra? D epois poderá
tillili: saquear a casa. 30Quem nao está co-
I sto expulsa demonios com o po­m igo está contra mim. Quem nao reú­
lle i de Belzebù, chefe dos demonios. ne com igo dispersa. 31Por isso eu vos
'Y ,le, lendo seus pensam entos, re- digo que qualquer pecado ou blasfe­
(llli'oii: m ia pode ser perdoado aos homens,
Um reino dividido internam ente m as a blasfem ia contra o Espirito nao
viti para a ruina; urna cidade ou casa tem perdáo.
dividida internam ente nào se m antém 32A quem disser algo contra este Ho­
ile pé. 26Se Satanás expulsa Satanás, co­ m em pode-se perdoar; a quem o dis­
nni seu reino se m anterá? 27Se eu ex­ ser contra o Espirito Santo, nao se lhe
pulso dem onios com o poder de Bel­ perdoará nem no presente nem no fu­
zebù, com que poder vossos discípulos turo.
ns expulsam? Por isso, eles vos julga- 33Plantai urna árvore boa, e ela dará
i no. “ M as, se eu expulso os dem onios fruto bom; plantai urna árvore prejudi-
i imi o Espirito de Deus, é porque che- cada, e ela dará frutos prejudicados.

( ) doente neste caso está quase incomuni- pulsos seus agentes. Seria voltar-se con­
rlível (nao se diz que fosse surdo): sofre tra si pròprio.
com duas das quatro doenças citadas em 12.27 O segundo argumento supoe o
Is 35,5-6. Diante do milagre, o povo se exercício profissionai dos exorcismos. Es-
pcrgunta se Jesús nao seria o Messias. Os ses discípulos se sentiriam englobados a
fariseus, nao podendo negar o fato eviden- pari na acusagáo dos fariseus, e reagiriam
Ic, acusam Jesús de ser agente da divinda- julgando os acusadores.
de pagâ Baal Zebul (cf. 2Rs 1, onde o nome 12.28 O Espirito de Deus è mais pode­
se deforma maliciosamente em Baal Zebub roso que todos os espíritos malignos, e com
= Senhor das Moscas), identificado como sua agáo atesta a presenta do reinado de
príncipe ou soberano dos espíritos malig­ Deus no seu Messias.
nos. Jesús responde utilizando imaginati­ 12.29 O terceiro argumento é reminis­
vamente crenças e representaçôes popu­ cencia de Is 49,24: “E possível tirar a pre­
lares sobre o reino dos espíritos. Todo esse sa a um soldado, escapa um prisioneiro de
mundo cederá, retirando-se ante o poder seu tirano?”
de Jesus, e assim o reinado de Deus avan- 12.30 O aforismo é complementar ao de
çarà e irá se manifestando. Me 9,40 e Le 9,50. Frente ao Messias nao
Toda a controvèrsia se desenvolve sob cabe neutralidade.
o signo do Espirito, que Jesús, como ser­ 12.31 A blasfemia contra Deus se con­
vo do Senhor, recebeu (12,18). Adiante se siderava delito gravissimo (Ex 22,27; Lv 24,
encontra o mundo dos demonios ou “es­ 11-16 pena de lapidagáo; Eclo 23,12 pala-
píritos imundos”, seres malignos, mem­ vras que merecem a morte). Jesus argumen­
bres de um reino sob um chefe, que procu­ ta ad hominem : blasfemar contra o Espiri­
raci manter seu dominio sobre as pessoas. to é negar ou denegrir a agáo manifesta de
Jesús o reprime e expulsa com a força do Deus. O homem se fecha totalmente a essa
Espirito: assim recebe e dá um testemu- agáo, corta o galho em que está apoiado.
nho messiànico. 12,33-37 Agora cabe a Jesús julgar seus
12,23 Jr 30,9. julgadores maliciosos, tomando-os na pa-
12,25 Jesús responde com très argumen­ lavra, pois “o fruto mostra o cultivo da
tos. O primeiro é de lógica: é a comparaçào árvore; a palavra, a mente do homem”
com a discordia doméstica ou a guerra ci­ (Eclo 27,6 e Mt 7,16-20). Sobre a palavra
vil. Nao tem sentido afirmar que Sata­ como expressáo: Jó 7,11; 32,18-19. Res-
nás delegue poderes para que sejam ex- ponsabilidade das palavras: Lv 5,4.
MATEUS 76

Pois, pelo fruto conhecereis a árvore. tará no julgam ento com esta geri>,.m
34Ninhada de víboras! Como podéis di- e a condenará, porque eia veio el«>• *
zer palavras boas se sois maus? A boca tremo da terra para escutar o sabii .!■
fala do que enche o coraçâo. 350 ho- Salom ào, e aqui há alguém maioi qu.
mem bom tira coisas boas de seu bom Salomáo.
tesouro; o homem mau tira coisas más 43Quando um espirito im undo sai .1.
de seu mau tesouro. 36Eu vos digo que um homem, percorre lugares áridos bu .
no dia do julgam ento o homem presta­ cando domicilio, e nao o encontra. "l n
rá contas de qualquer palavra incon­ táo diz: Volto para a casa de onde s . i i
siderada que tenha dito. 37Por tuas pa­ Ao voltar, encontra-a desabitada, v.u
lavras te absolveráo, por tuas palavras rida e arrumada. 45Entáo vai, reúne ou
te condenaráo. tros sete espíritos piores que ele, e -.o
póe a habitar ai. E o final desse homi-m
O sinal de Joñas (M e 8 ,l i s ; Le 11,29- toma-se pior que o comego. Assim acou
32) — 38Entáo alguns letrados e fariseus tecerá a esta gera^áo malvada.
lhe disseram:
— Mestre, querem os ver-te fazendo A m àe e os irmáos de Jesus (Me '
algum prodigio. 31-35; Le 8,19-21) — 46A inda estav.i
39Ele lhes respondeu: falando à m ultidào quando se apresen
— Urna geraçâo m alvada e adúlte­ taram fora sua màe e seus irm àos, de
ra reivindica um prodigio, e nao lhe sejosos de falar com e ie .47A lguém lhr
será concedido outro prodigio, a nao disse:
ser o do profeta Joñas. i0A ssim como — Vè, tua màe e teus irmáos estao ai
esteve Joñas no ventre do monstro ma- fora e desejam falar contigo.
rinho très dias e très noites, assim es­ 48Ele respondeu àquele que falava:
tará este H om em ñas entranhas da ter­ — Quem é minha màe? Quem sào
ra très dias e très noites. 4lD urante o m eus irmàos? 49E, apontando com a
julgam ento, os ninivitas se levantaráo mào os discípulos, disse:
com esta geraçâo e a condenaráo, por­ — A i estao minha màe e m eus ir­
que eles se arrependeram com a pre- màos. 50Quem cum prir a vontade de
gaçâo de Joñas, e aqui há alguém maior meu Pai do céu, esse é meu irmào, m i­
que Joñas. 42A rainha do sul se levan- nha irmà e minha màe.

12,38-42 Pelo contexto, o que pedem a 12,43-45 Retorna á imagem dos espí­
Jesús é um sinal ou prodigio que garanta ritos, preveníndo contra a recaída. Como
sua missáo. Há sinais que garantem an- ilustragáo da imagem, ver Is 34,13-15; SI
tecipadamente (Jz 6,36-40), outros confir­ 102,7; o deserto é sua morada, como a de
man! o já sucedido (cf. Ex 3,12). O relato Azazel (Lv 16,10.21), ou de Asmodeu
de Joñas é polivalente e recebeu diver­ (Tb 8,3).
sas explicagoes: morte e ressurreigáo (Jn 12,46-50 Este episodio parece fora de
2,1), pregagáo aos pagaos e sua conver- contexto, como se fosse acrescentado para
sáo (Jn 3-4). Essa conversáo de um gran­ nao se perder, antes de comeqar a grande
de inimigo tradicional de Israel se vol­ série de parábolas. A rigor, deveria ser lido
tare no juízo final contra os impenitentes com o cap. 10, que trata dos discípulos.
que nao creram na ressurreigáo. O caso dos Nao sao só discípulos e apóstolos, mas
ninivitas atrai por semelhanca o exemplo também sua nova familia, núcleo inicial
da rainha de Sabá (IR s 10,1-10). Jesús de urna familia mais extensa e unida, por­
é mais que um profeta, mesmo o mais que ele será centro e vínculo. O termo “ir­
eficiente, e mais que um rei, até o mais máos” abrange, em linguagem bíblica,
sábio. também os parentes. Quanto á máe, nin-
12,39 Jn 1,17. guém como María cumpriu a vontade do
12,41 Jn 3,5.8; IRs 10,1-10. Pai: sua maternidade se identifica com um
77 MATEUS

"> Parábolas (Me 4,1-20.30-34; Le pedregoso com pouca terra. Faltan-


I » ' H.4-15; 13,18-21)— ’Naqueledia.
Imníi*. saiu de casa e sentou-se junto ao
do-lhes profundidade, brotaram logo;
6m as, ao sair o sol, elas se abrasaram
l»U" 'Kciiniu-se junto a ele urna gran­ e, com o nao tinham raízes, secaram.
ito inullidáo; por isso ele subiu a urna 7O utras caíram entre espinheiros: os
liiiiru c sentou, enquanto a m ultidáo espinheiros cresceram e as sufocaram.
mlnva de pé na margem. 3Explicou-lhes 8O utras caíram em terra fértil e deram
umitas coisas com parábolas. fruto: algum as cem, outras sessenta,
111m sem eador saiu a semear. Ao se- outras trinta. 9Quem tiver ouvidos, es­
inriir, algum as sem entes caíram junto cute.
Hn caminho, vieram os pássaros e as 10Os discípulos se aproximaram e lhe
Minieram. 5O utras caíram em terreno perguntaram:

tlaixar fazer: “faça-se em m im ...” (Le 13.1-3 Faz do lago cenário e da barca
pùlpito; a sinagoga nao lhe basta.
13.1-9 e 18-23 A primeira parábola des-
13 Parábolas, provérbios, refróes sao creve o dinamismo da palavra proclama­
luiduçôes diversas do hebraico mesha- da, as dificuldades que encontra em seu
llm, eonceito pouco diferenciado. (Do desenvolvimento, o éxito final (cf. Is 55,
Inlim parabola deriva nosso vocábulo 10-11, nao tornará a mim vazia). A com-
"palavra”.) Básicamente sao compara­ paragáo é vegetal, para mostrar de forma
r e s que revelam ou ilustram aspectos global a vitalidade do anúncio evangéli­
lia vida. Podem ter forma descritiva ou co, condicionado pelo modo de recebé-lo.
narrativa, podem ser simples ou desen­ Da parte de Jesús, é dom; da parte dos
volvidas. Sao antes de tudo os Sapien- ouvintes é responsabilidade. Acomunida-
eiais que as usam (Provérbios e Ecle­ de acrescentou à comparagáo do Mestre
siástico), também o Saltério (49; 78) e urna explicagáo por alegoría, isto é, des­
os profetas (Is 28,23-29; Ez 15). A com- membrando suas partes e atribuindo um
paraçâo pode também encobrir, desper­ significado particular a cada membro.
tando a curiosidade, desafiando o en- Compare-se com a breve comparagáo do
genho, incitando a descobrir. Assim o grao que morre e dá fruto (Jo 12,24). A
mashal se aproxima do hida ou adivi- explicagáo alegórica permite descrever
nhaçâo (SI 49,5; 78,2). obstáculos diversos, que a vida opóe ao
As duas funçôes, descobrir e encobrir, crescimento da mensagem nos cristàos. A
se atribuem ás parábolas de Jesús. Mateus correspondéncia nao é exata, pois iden­
reúne, neste capítulo, sete em dois blocos: tifica a semente (nao o terreno) com o re­
quatro para o povo em geral, das quais ceptor. Mateus recolhe no evangelho uma
duas sao explicadas aos apóstolos em par­ versáo primitiva da parábola de Jesus e
ticular; e très para os discípulos: semen- uma explicagào homilética para a comu-
te, joio, mostarda, fermento, tesouro, pé- nidade crista.
rola, rede; agricultura e pesca, comércio e 13,10-17 Entre exposigào e comentário
trabalho doméstico. se insere uma reflexao sobre a fungáo das
O tema das parábolas é o reinado de parábolas. O texto de Isaías (6,9-10) pre-
Deus, nao como teoria, mas como procla- diz o fracasso do profeta por culpa dos
maçâo que para ser compreendida exige ouvintes. Dada a dureza dos ouvintes, a
resposta. Como se um arauto anunciasse pregacao profètica os irrita e endurece, e
o inicio do reinado de um soberano, exi- Ihes agrava a culpa (Isaías fala de sua ex-
gindo aceitaçao e obediéncia dos súditos. periéncia em 30,9-11). Mesmo prevendo
Quem nao quer aceitar, se nega a compre- o resultado negativo, o profeta nao pode
ender. Entrevê-se a resistencia de uns e a calar-se, pois é Deus que o envia, e a de­
indecisáo de outros, enquanto que os dis­ nùncia tem uma intengáo salvadora. Ma-
cípulos sao iniciados no mistério: com- teus muda o “para que/de modo que” de
preendendo e aceitando estáo entrando no Marcos em “porque”: a atitude condicio-
reino de Deus. nou a compreensáo.
MATEUS 78

— Por que lhes falas contando pará­ escuta o discurso e logo o acolín ...
bolas? alegría; 21m as nao langa raiz e toiu*
n Ele lhes respondeu: se efém ero. Chega a tribulagáo ou |» i
— Porque a vós é concedido conhe- seguigáo pela m ensagem , e sucumi»
cer os segredos do reinado de Deus, a 22A que foi sem eada entre espinhnm
eles nao é concedido. 12Aquele que tem, é aquele que escuta o discurso; mas n|
Ihe será dado e lhe sobrará; ao que nao preocupagóes m undanas e a sedue.i"
tem lhe tiraráo inclusive o que tem. 13Por da riqueza o sufocam , e nao dá fruto
isso lhes falo contando parábolas: por­ 23A que foi sem eada em térra fértil ■
que olham e nao véem; escutam e nao aquele que escuta o discurso e o m
ouvem nem com preendem . I4Cumpre- tende. Este dá fruto: cem ou sessi. Mi i
se neles aquela profecía de Isaías: Por ou trinta.
m ais que escuteis, nao compreendereis; 24Contou-lhes outra parábola. O re i
p o r mais que olheis, riño vereis. 15A men­ nado de Deus é como um homem que
te deste povo se em botou; tornaram-se sem eou sem ente boa em seu campo
duros de ouvido, taparam os olhos. Nao 25Enquanto as pessoas dorm iam , sen
acontega que vejam com os olhos, ou- inimigo foi e semeou joio no meio do
gam com os ouvidos, entendam com a trigo, e foi embora. 26Quando as haste.
mente, e se convertam, e eu os cure. 16Fe- cresceram e comegaram a granar, des-
lizes vossos olhos que véem e vossos cobriu-se o joio. 27Os servos foram e
ouvidos que ouvem. 17Eu vos asseguro disseram ao dono: Senhor, nao seme
que muitos profetas e justos ansiaram aste semente boa em teu campo? D e
ver o que vós vedes, e nao viram, e ou- onde vem o joio? 28Respondeu-lhes:
vir o que vós ouvis, e nao ouviram. Um inimigo fez isso. Os servos lhe dis
18Escutai a explicagáo da parábola do seram: Queres que o recolhamos? 29Res
semeador. pondeu-lhes: Nao; pois, ao recolhé-lo,
19Se alguém escuta o discurso sobre arrancareis com ele o trigo. 30Deixai que
o reino e nao o entende, vem o m alig­ cresgam juntos até a ceifa. Quando che-
no e lhe arrebata o que foi semeado em gar a ceifa, direi aos ceifadores: Recolhei
sua m ente. Essa é a sem ente sem eada primeiro o joio, atai-o em feixes e lan-
junto ao caminho. 20A que foi semeada gai-o ao fogo; o trigo colocai-o em meu
em terreno pedregoso é aquele que celeiro.

13.11 1Cor 4,1; Ef 3,3s. lhem Jesús como o Messias desojado e


13.12 Afrase se repete quase literalmen­ esperado.
te em 25,29. Trata-se de urna fórmula pa- 13,22 lTm 6,9s.
radoxal que admite aplicagóes diversas, 13,24-30 A imagem do joio no meio do
contanto que se mantenha o paradoxo. Tra- trigo tornou-se proverbial em nossos tem­
ta-se de dinamismo e colaboragáo, numa pos, a tal ponto que a parábola evangélica
espécie de processo dialético que implica nos é transparente. Duas coisas nao se tor-
as duas partes. naram proverbiáis e temos de destacá-las:
13,14 Is 6,9s; Is 42,18. Que há poderes empenhados em malograr
13,16-17 Ver o Messias, ouvir sua men­ a boa colheita, que se aproveitam dos mo­
sagem, era a ánsia oculta dos antigos. mentos de descuido ou descanso legítimo
Compare-se Is 42,18 “Olhavas muito sem (cf. SI 127,2). Que é preciso levar em conta
deduzir nada” com 52,8 “vem cara a cara o joio com paciencia e lucidez. Isso se deve
o Senhor que retoma a Siáo” e 62,11 “Olha entender no contexto social da Igreja, de sor-
teu Salvador chegando”. Da parábola se te que é lido como um capítulo de eclesiolo-
passa á pessoa de Jesús presente na histo­ gia em germe. “Saíram do meio de nós, mas
ria, porque nele já se realiza o reinado de náo eram dos nossos” (lJo 2,19). O final
Deus. Esse é o grande segredo do reinado alude ao julgamento escatológico (cf. Is
de Deus que se dá a conhecer aos que aco- 27,11). A explica«;fio é dada mais adiante.
M.tn 79 MATEUS

"< ontou-lhes outra parábola. O rei- fa é o fim do mundo; os ceifadores sao


llinli) de Deus se parece com um gráo os anjos. 40Assim como se recolhe o
ih' mostarda que um homem tom a e joio e se langa ao fogo, assim aconte­
wmeia em seu campo. 32É a m enor de cerá no fim do mundo: 4iEste Homem
Inilas as sem entes; contudo, quando enviará seus anjos para que recolham
i irsee, é mais alta que outras hortali- em seu reino todos os escándalos e os
yi ., torna-se urna árvore, vém os pás­ m alfeitores; 42e os langaráo no forno de
anos e se aninham em seus ramos. fogo. Ai haverá pranto e ranger de den-
"Contou-lhes outra parábola. O rei- tes. 43Entáo, no reino de seu Pai, os ju s­
imtlo de Deus se parece com o fermen- tos brilharáo como o sol. Quem tiver
lo: Urna mulher o toma, o mistura com ouvidos, escute.
luis medidas de massa, até que tudo 440 reinado de Deus se parece com
Icnnente. um tesouro escondido num campo: um
"Tudo isso Jesus explicou à multi- homem o descobre, volta a escondé-lo
ilao com parábolas; e sem parábolas nao e, todo contente, vende todas as suas
llics explicou nada. 35Assim se cumpriu posses para com prar esse campo. 450
ii que anunciou o profeta: Vou abrir a reinado de Deus se parece com um co­
boca pronunciando parábolas, profe­ merciante em busca de pérolas finas:
ríndo coisas ocultas desde a criagáo do 46ao descobrir uma de grande valor, ele
mundo. vai, vende todas as suas posses e a com ­
36D epois, despedindo a m ultidáo, pra. 470 reinado de Deus se parece com
entrou em casa. Os discípulos foram e uma rede langada ao mar, que apanha
llie pediram: peixes de toda espécie. 48Quando está
— Explica-nos a parábola do joio. cheia, puxam -na para a margem, sen-
37Respondeu-lhes: tam-se, reúnem os bons em cestas e jo-
— Aquele que semeou a semente boa gam fora os que nao prestam. 49Assim
é este Homem; 38o cam po é o m undo; a acontecerá no fim do mundo: separa-
boa semente sao os cidadáos do reino; ráo os maus dos bons 5(le os iangaráo
o joio sao os súditos do maligno; 39o no forno de fogo. A i haverá pranto e
inimigo que o semeia é o Diabo; a cei- ranger de dentes.

13,31-32 Também esta parábola de ima- 13,36-43 Nessa explicagáo da imagem


gem vegeta! descreve o dinamismo da do joio podemos apreciar exemplarmente
mensagem evangélica. Mas a despropor- o trabalho alegórico dos pregadores pos­
gáo e a reminiscéncia de Ez 17,23 e de Dn teriores. A imagem intensa e eficaz se con­
4,8-9.18, os pássaros voando rías hortali­ verte num rosário de correspondéncias
zas, alargam o alcance da imagem inicial menores. Várias alusóes ou semelhangas
e sugerem a entrada de muitos povos no do AT enriquecem a explicado: sobre o
reino. fogo para os malfeitores (Jr 29,22; Dn 3,6),
13,33 É urna variante doméstica da an­ sobre os justos, que brilham como o sol
terior. Também essa imagem se tornou pro­ (Dn 12,3). A perspectiva escatológica do
verbial. A imagem sugere o ocultamento reino passa para o primeiro plano.
de urna minoría na massa e o contraste 13,44-50 Outras duas parábolas encare­
entre tamanho e eficácia. cen! o valor do reino, pelo qual é preciso
13,34-35 Chama de profeta o salmista sacrificar os demais valores. Cabe ao ho­
(SI 78,2), inaugurando urna tradigáo inter­ mem descobrir o tesouro escondido. A ter-
pretativa que os Santos Padres repetiráo. ceira parábola se traslada ao desenlace, que
Unido a 11,13, considera grande parte do separa para sempre os destinos. O fogo
AT como profecía: lei, profetas, salmos. E acaba com o joio e com os peixes maus.
citagáo de um salmo que repassa teológi­ Com uma imagem de pesca, comegou o
camente a historia de Israel desde o éxodo chamado dos discípulos (4,19).
até Davi. A aplicagáo parte de Jesús e visa 13,44 Pr 2,4.
ao futuro. 13,50 Dn 3,6.
MATEUS 80 I \ I

51Entendestes tudo isso? 58E, por causa da incredulidad!.- di


Responderam que sim, 52e ele lhes les, nào fez ai muitos milagres.
disse:
— Pois bem, um letrado experiente 1 Morte de Joáo B atista (Mi <>
no reinado de Deus parece-se com um 14-29; Le 9,7-9) — ^ a q u . li
dono de casa que tira de sua despensa tempo o tetrarca Herodes ouviu a fam i
coisas novas e velhas. de Jesus 2e disse a seus cortesàos:
53Quando Jesús terminou essas pará­ — Esse é Joào Batista, e por isso <1
bolas, partiu daí, 54dirigiu-se á sua cida- poder milagroso atua por meio dele.
de e se pos a ensinar-lhes em sua sina­ 3Herodes fizera prender Joáo, acor-
goga. Eles perguntavam assombrados: rentá-lo e colocá-lo na prisáo por insii
— De onde tira ele seu saber e seus gagáo de Herodíades, esposa de seu ii
milagres? 55Náo é ele o filho do arte- m áo Filipe. 4Joào lhe dizia que nao Hu­
sao? Nao se chama sua máe M aria e era lícito té-la. 5Herodes quería matá-lo,
seus irmáosTiago, José, Simáo e Judas? porém temia o povo, que considerav i
5ASeus irmáos nao vivem entre nos? De Joáo como profeta. 6Chegou o anivei
onde tira tudo isso? sário de Herodes, e a filha de Herodía­
57E o sentiam como um obstáculo. des dangou no meio de todos. Herodes
Jesús lhes disse: gostou tanto, 7que jurou dar-lhe o qm-
— Um profeta é desprezado somen- pedisse. 8Ela, induzida por sua máe,
te em sua pátria e em sua casa. pediu:

13,51-52 Propondo parábolas, Jesus se cípulos sao testemunhas do seu poder e o


apresenta como doutor sapiencial (ver o reconhecem como Messias. Pedro ocupa
programa de Pr 1,2-7 e a descrigäo de Eclo um lugar relevante e a colaborado dos
39,1-11). Há “letrados” que sao doutores discípulos com o Senhor aumenta.
na lei (torá); Jesus é doutor no reinado de
Deus. Esta é a sua especialidade. Ele a 14 ,1-12 Como em Me 6, o relato da de­
conhece como o dono de casa conhece seus capitado do Batista entra retrospectivamen­
depósitos. Pode tirar e oferecer produtos te, no mais-que-perfeito, como recordado
novos e velhos (cf. Ct 7,14). Também inquietante suscitada por fatos presentes.
aquele que entende, o discípulo, pode con- Um Joáo redivivo cabe na imaginado po­
verter-se em intérprete e catequista de ou- pular e na má consciencia de Herodes.
tros, repetindo, renovando, acrescentando. Mateus abrevia o relato de Marcos (6,14-
“Quando o inteligente ouve uma máxima, 29), conservando o essencial. O suficiente
louva-a e acrescenta outra” (Eclo 21,15). para construir um drama: paixáo e vingan-
13.53-58 O que se propóe ñas parábo­ ga, medo e complacencia, danga fatal e uma
las continua cumprindo-se na vida de Je­ vida humana servida em bandeja num ban­
sus. Seus concidadáos julgam conhecer sua quete. A morte do Batista é historia com
origem, “filho do artesáo”; na realidade o aura de lenda. Muitos artistas sentiram o
ignoram (1,18-25). Em nome de uma ori­ fascínio do relato e o recriaram a seu modo
gem modesta, rejeitam o mérito evidente. e com seus recursos. Se a missáo do Batis­
Mas ao recha§á-lo, tropegam e fracassam. ta está vinculada á de Jesús (3,2; 4,15;
E sabido que na tradigáo bíblica “irmáo” 11,18-19), sua morte violenta e a sepultura
pode designar também um párente (o tio podem prefigurar as de Jesús (17,11-13).
em Gn 13, o concidadáo em Dt 15 etc.). 14,2 Um ressuscitado vem do outro
mundo, adquiriu poderes sobre-humanos.
13 .54-14 ,36 Depois do discurso sobre Diríamos que Herodes atribuí os milagres
as parábolas, o autor oferece uma segáo de Jesús a poderes adquiridos no reino dos
narrativa. Por um lado, crescem a resis­ mortos.
tencia e a hostilidade ä missäo de Jesus e 14,4 Segundo a lei contra o incesto de
ä do Batista; por outro, as multidöes o se- Lv 18,16; 20,21. O Batista, qual novo pro­
guem por causa de seus milagres, e os dis- feta Nata, enfrenta o rei (2Sm 12).
81 MATEUS

I >.i me aqui, num a bandeja, a ca- 16Jesus lhes respondeu:


ttn» di- loáo Batista. — Nao precisam ir; dai-lhes vós de
"i l n i se entristeceu; mas, por causa comer.
>ln | iii mnento e dos convidados, ordenou l7Responderam:
tjMi1ii rnlregassem; 10e mandou degolar — Aqui nao temos m ais que cinco
fuiti i na prisáo. 11A cabega foi trazida páes e dois peixes.
mimu bandeja e entregue á jovem; ela a 18EIe disse-lhes:
Htlne.mi & sua máe. l2Seus discípulos — Trazei-os aqui.
huitín, recolheram o cadáver e o sepul- 19Depois mandou a multidáo sentar­
M l i i i i i ; depois foram contar isso a Jesús. se na grama, tomou os cinco páes e os
dois peixes, levantou os olhos ao céu,
|)A «lo comer a cinco mil hom ens (Me deu gragas, partiu o pao e o deu a seus
#„ll) 44; Le 9,10-17; Jo 6,1-14) — lbAo discípulos; eles o deram as pessoas.
«lie i disso, Jesús partiu daí numa bar- 2HTodos comeram, ficaram satisfeitos,
i ii, sozinho, para um lugar despovoa- recolheram as sobras e encheram doze
iln Mas a m ultidáo ficou sabendo dis- cestos. 21Os que comeram eram cinco
iii i v o seguiu a pé desde os povoados. mil homens, sem contar mulheres e cri­
"Jesús desembarcou e, ao ver a grande anzas. 22Em seguida m andou que os
multidáo, sentiu com paixáo e curou os discípulos embarcassem e passassem á
tMilcrmos. 15Ao entardecer, os discípu­ frente para a outra margem, enquanto
los foram dizer-lhe: ele despedía a multidáo.
— O lugar é despovoado e a hora é
avanzada; despede as pessoas para que Cam inha sobre a água (M e 6,45-52;
VÍio as aldeias com prar alimento. Jo 6,15-21) — 23Depois de despedi-la,

14,9 Num fundo remoto vislumbra-se mo. O diálogo com os discípulos os con­
mitro juramento insensato e a danga fatal verte em testemunhas do milagre e em
o inocente de filha de Jefté (Jz 11). modestos colaboradores, que primeiro tém
14,10-11 Com quanta frieza distante in­ de apreciar a insuficiéncia dos seus pró-
forma o narrador. Como se a cabera numa prios meios e depois desprender-se do pou-
bandeja fosse troféu militar (cf. Jt 13,15) co que tém (cf. IRs 17,9-13). Para ouvir
0 U sobremesa de um banquete. Jesús, o povo abandona suas aldeias e pa­
14,12 Compare-se com ISm 31,12 a rece esquecer-se do sustento: “nao fome
respeito de Saúl. de pao, mas de ouvir a palavra do Senhor”
14,13-21 A partilha do alimento maravi- (Am 8,11-12). O número dos cestos pare­
Ihoso, comumente chamada multiplicagáo ce significar as doze tribos.
dos páes, é narrada nos quatro evangelhos, Deus é doador por exceléncia (SI 104,
e duas vezes em Mt e Me. Deve ser lida 27-28; 136,25 “dá pao a todo ser vivo”;
sobre o pano de fundo dos relatos de Ex e 145,15-16 “tu lhes dás o alimento a seu tem­
Nm sobre o maná (como explica Jo 6) e de po”), que agora dá por meio do seu enviado.
um relato profètico menor (Eliseu em 2Rs A génerosidade faz parte do seu reinado.
4,42-44). Jesús age como um novo Moisés 14,23-34 Na escuridáo da noite, na agi-
e como profeta. Ántecipa, outrossim, o ali­ tagáo de um mar turbulento, Jesús apare­
mento eucaristico. Assim a interpretou a ce a seus discípulos. Podemos chamar isso
tradigáo, apoiada ñas fórmulas litúrgicas do de cristofania e compará-lo com os rela­
v. 19, tomadas da pràtica litúrgica primiti­ tos da transfiguragáo e da páscoa. Jesús
va: a agáo de gragas, a fragáo do pao, a dis- domina os elementos (SI 77,20), infunde
tribuigáo pelos discípulos. paz e confianga com sua presenga (fórmula
Jesús recusou um milagre fácil e cómo­ clássica, p. ex. Is 41,10; 43,5), com sua
do para satisfazer sua pròpria fome no de­ palavra, com o contato da sua máo (cf. SI
serto (4,4), porque ele vive da palavra de 53,9; 73,23; 80,18).
Deus; agora reparte ao povo essa palavra 14,23 Os evangelistas náo nos informam
e recorre ao milagre para dar-lhe também o conteúdo dessa oragáo (como faráo antes
o pao. O simbolismo se sustenta no realis- da paixáo). Só nos dizem o lugar, a monta-
MATEUS 82

subiu sozinho à montanha para orar. Ao — Socorro, Senhor!


anoitecer ele estava sozinho ali. 24A bar­ 31Im ediatam ente Jesús estendi -u ..
ca já estava a boa distância da costa, máo, o agarrou e lhe disse:
batida pelas ondas, porque havia vento — Desconfiado! Por que duvid.r.ii
contrário. ^P ela quarta vigilia da noite, 32Quando subiram á barca, o voii.
aproximou-se deles caminhando sobre cessou. 33Os da barca se prostr.n m
o lago.26Ao vé-lo caminhar sobre o lago, diante dele, dizendo:
os discípulos se assustaram e disseram: — Certamente és filho de Deus
— E um fantasma. 34Terminaram a travessia e atracaum
E gritaram de medo. -^m ediatam en­ em Genesaré. 35Os hom ens do lupii
te Jesús lhes disse: souberam disso e difundiram a notíclh
— Animo! Sou eu, nao temáis. por toda a regiáo. Levaram -lhe todn
28Pedro lhe respondeu: os doentes 36e lhe rogavam que Ili>
— Senhor, se és tu, manda-m e ir pela permitisse simplesmente tocar a orla il>
água ao teu encontre. seu manto. Os que o tocavam ficav.mi
29Disse-lhe: curados.
— Vem.
Pedro saltou da barca e pôs-se a cami­ A tra d ig á o ( M c 7 ,1 -2 3 )— ‘I n
nhar pela água, aproximando-se de Je­ táo alguns fariseus e alguns l>
sús; porém, ao sentir a força do vento, trados de Jerusalém se aproximaran! di
teve medo, começou a afundar, e gritou: Jesús e lhe perguntaram:

nha e a solidáo. O importante para o nar­ Um texto sapiencial de ámbito doméstico


rador é apresentar a oragáo de Jesus, solità­
reflete a prática da tradigáo: “Escutai, ti
ria e elevada, como ponto de partida de sua
lhos..., ensino-vos uma boa doutrina... En
manifestado. Os discípulos aparecem em também fui filho de meu pai... ele me ins
contraste: montanha/mar, oragáo/agitagáo. truía assim...” (Pr 4,1-4). Nem todos o
14.25 A quarta vigilia ou turno de guar­
fariseus eram letrados (ou doutores, rabi
da é a última, próxima ao amanhecer. “Ca- nos). Os letrados eram os guardas e trans
minha sobre o dorso do mar” (Jó 9,8). missores da tradigáo; os fariseus eram zc-
14.26 O fantasma era uma aparigáo no- losos de seu cumprimcnto. O movimento
turna, como a de Elífaz (Jó 4,12-16). farisaico tinha seu centro em Jerusalém c
14.27 Jesús se identifica. Mas a fórmu­estava ligado ao templo. Se uma parte d;i
la “Sou eu” desperta sem querer ressonán- lei regulava a pureza dos alimentos (tabus
cias do nome divino (Ex 3,14, mais evi­ alimentares de Lv 11 e Dt 14), a tradigáo
dentes em Joáo). oral tinha refinado as distingóes. A pureza
14.28 Sem secar as águas, como no mar legal pretendía medir o valor de uma dou­
Vermelho e no Jordáo. trina e conduta. De Jerusalém, com um en­
14,30 Nào teme porque se afunda, mas cargo quase oficial, os guardas da tradigáo
se afunda porque teme (cf. SI 69,2-3). A interrogam o novo pregador itinerante.
atuagáo de Pedro é pròpria de Mateus, que Jesús converte o interrogatorio em contro-
quer mostrar o itineràrio espiritual do pri-
vérsia, e aproveita para expor com clareza
meiro apóstolo: quando Jesus se identifica,
desafiadora o seu ensinamento. Anatureza
o reconhece; solicita seu chamado e o se­ e os alimentos nao se dividem radicalmen­
gue com audàcia confiante; titubeia e falha
te em dois compartimentos estanques, do
no perigo, mas é salvo por Jesus. Figura puro e do impuro, que sáo distingóes in-
exemplar para a Igreja. Aimagem da “barca troduzidas pelo homem. Há outra pureza
da Igreja” se tomará corrente e tradicional.
auténtica, que brota da intimidade do ho­
14.32 Ver SI 107,29. mem e define seu valor moral e religioso.
14.33 O título tem alcance messiànico. Ao cuidado da pureza legal pertencem
também as ablugóes (Ex 30; Lv 15 etc.) e
15,1 -20 Relagào de Jesus com a tradi- lavatorios em diversas circunstancias.
gào, ou seja, a tradigào oral que acompa- 15,1-9 A controvérsia está centrada na
nha o texto oficial sem fazer parte dele. pergunta inicial sobre as “tradigoes” de
83 MATEUS

,** ■ ‘Por que teus discípulos violam a — Toda planta que meu Pai do céu
IfHillgáo dos antepassados? Pois nao náo plantou será arrancada. 14Deixai-os:
llVtim as máos antes de comer. sáo cegos e guias de cegos. E, se um ce­
'Ele respondeu-lhes: gó guia a outro cegó, os dois cairáo num
I <—• E por que vos violáis o preceito de buraco.
us em nome de vossa tradigáo? *Pois 15Pedro respondeu:
É US mandou: Sustenta teu p a i e tua
fíe . Aquele que abandona seu p a i ou
— Explica-nos essa comparagáo.
16Ele Ihes disse:
mu máe é réu de morte. 5Vós, ao con- — Também vós continuáis sem en­
Kdrio, dizeis: Se alguém declara a seu tender? 17Náo percebeis que o que entra
l ou a sua máe que o socorro que lhe pela boca passa para o ventre e é ex­
E vía é oferenda sagrada, 6já nao tem que
«intentar seu pai ou sua máe. E assim
pulso na latrina? 18Ao contràrio, o que
sai da boca brota do coragáo; e isso sim
Invalidáis o preceito de Deus em nome contam ina o homem. 19Pois do coragáo
de vossa tradigáo. 7Hipócritas! Bem pro- saem pensam entos malvados, assassi-
fctizou sobre vós Isaías quando disse: natos, adultérios, fornicagáo, roubos,
'Estepovo me honra com os lábios, mas perjurios, blasfemias. 20Isso sim conta­
«.’« coragño está longe de m im ;9o culto mina o homem. Mas comer sem lavar
que m e prestam é inútil, pois a doutrina as máos náo contam ina o homem.
que ensinam sao preceitos humanos.
10E chamando a multidáo, disse-lhes: A m ulher cananéia (M e 7,24-30) —
, — Escutai e entendei. u Náo conta­ 21Daí partiu para a regiáo de Tiro e Si-
mina o homem o que entra pela boca, dónia. 22Um a m ulher cananéia da re­
mas o que sai da boca: isso contamina giáo saiu gritando: \ >-
p homem. — Tem com paixáo de mim, Senhor,
,, 12Entáo aproximaram -se dele os dis­ filho de Davi! Minha filha é m altrata­
cípulos e lhe disseram: da por um demonio.
* — Sabes que os fariseus se escanda­ Ele náo respondeu urna palavra. Os '
lizaran! ao ouvir o que disseste? discípulos se aproximaram e lhe supli­
í 13Ele respondeu: caran! :

doutores respeitados, cujas interpretaçôes plicagáo particular para os discípulos. O


faziam lei. As abluçôes rituais eram um principio náo só anula as tradigóes, mas
caso particular: serviam para inculcar e também equivale a abolir urna lei (Lv
recordar ao povo sua consagraçâo ao Se- 11,25-47 e Dt 14,11-21). Jesús devolve to­
nhor. Jesús responde ad hominem, subin- dos os alimentos ao processo fisiológi­
do a um principio e denuncia geral: com co normal. O coragáo (consciencia) é a
as tradiçôes os letrados invalidam a lei. raiz das agóes éticas do homem; por isso
O exemplo escolhido é o primeiro pre­ faz falta “um coragáo novo” (SI 51,12).
ceito positivo do Decálogo (Ex 20,12; Na série de sete ou seis vicios entram
21,17), que usa os verbos antitéticos kbd quatro preceitos do Decálogo (comparar
e qll. Ambos se estendem ao campo da com a lista de Jr 7,9 no discurso sobre o
honra e do sustento, “honrar/sustentar os templo).
pais”. A discussáo se centra no sustento, 15,13 SI 52,7.
que é subtraído a pais necessitados sob 15,21-28 Este episodio sobressai em
pretexto de oferecé-lo a Deus no culto. Nao continuagáo e contraste com o anterior.
é esse o culto que Deus quer. A citaçao Também entre os homens e os povos exis­
do profeta (Is 29,13) se encaixa bem na tia urna separagáo de pureza legal: judeus
situaçâo: enlaça culto com doutrina: opóe e pagáos. Os judeus náo podiam comer
làbios/coraçâo, qualifica de preceitos hu­ com os pagáos para náo se contaminar.
manos. Jesús vem abolir tal distingáo, tornando
15,10-20 Da controvérsia passa ao en- acessível a qualquer um o dom de Deus,
sinamento geral para a multidáo e à ex- pela fé em sua pessoa. O diálogo com os
MATEUS 84

— Despede-a, pois vem gritando atrás cegos com visâo. E glorificavam o I >•h
de nós. de Israel.
24Ele respondeu:
— Fui enviado somente as ovelhas Dá de comer a quatro mil (Me 8 i
desgarradas da Casa de Israel! ^P orém 10) — 32Jesus chamou os discípulo >
ela se aproximou e se prostrou diante lhes disse:
dele, dizendo: — Tenho compaixâo dessa m ultidi..
-— Senhor, ajuda-me! pois hà très dias estâo com igo, e n.m
26Ele respondeu: têm o que comer. Nao quero despoli
— Nao é certo tirar o pao dos filhos los em jejum , para que nâo desmaicm
para jogá-lo aos cachorrinhos. pelo caminho.
27Ela replicou: 33Os discípulos lhe disseram:
— É verdade, Senhor; mas tam bém — Onde poderemos em lugar despo
os cachorrinhos com em as m igalhas voado prover-nos de pâes suficiente,
que caem da mesa de seus donos. para saciar tal multidáo?
^E n táo Jesús lhe respondeu: 34Jesus lhes perguntou:
— Mulher, que fé táo grande tens. — Quantos pâes tendes?
Que teus desejos se cumpram. Responderam:
E a fílha ficou curada nesse momento. — Sete e alguns peixinhos.
29Daí se dirigiu ao lago da Galiléia, su- 35Ele ordenou ao povo que sentassi
biu a um monte e se sentou. 30Acorreu no châo. 36Tomou os sete pâes e os
grande multidáo levando consigo coxos, peixinhos, deu graças, partiu o pâo e o
mutilados, cegos, mudos e muitos ou- deu aos discípulos; estes os deram ii
tros doentes. Colocavam-nos a seus pés multidáo. 37Todos com eram até ficai
e ele os curava. 31De modo que a multi­ satisfeitos; e com os restos encherani
dáo estava admirada vendo mudos fa- sete cestas. 38Os que haviam comido
lar, mutilados sarar, coxos caminhando, eram quatro mil homens, sem contar mu

discípulos e com a mulher esclarece emo­ ta: umas migalhas da mesa de Jésus va-
tivamente atitudes e normas. Já o profeta lem o pâo todo, e com elas a mulher se
Elias havia outorgado seus milagres a uma contenta.
mulher fenicia (IRs 17). 15,29-31 Sumário de curas que parece
Canaá se opóe tradicionalmente a Israel dar um marco coletivo ao milagre indivi­
(desde Gn 10 e 15 em diante). Os títulos dual precedente. Menciona quatro tipos de
que a mulher dá a Jesús, lidos em contex­ enfermidade, como expressâo de totalida-
to cristáo, equivalem a urna profissào: Fi­ de (cf. Is 35,5-6). A multidáo reconhece
llio de Davi (= Messias) e Senhor. Pela fé, nos milagres a bondade e o poder daquele
essa mulher se apresenta como tipo dos que chamam Deus de Israël (SI 72,18;
pagaos que crerao; que crèem quando o 106,48).
evangelho está sendo escrito. No projeto 15,32-39 Aquela que era chamada “se­
genérico de Deus primeiro vem os direi- gunda multiplicaçâo dos pâes” é um du­
tos e necessidades do povo escolhido (Jr plicado do relato anterior (14,13-21) com
50,17); mas a fé da mulher paga e a bonda- algumas variantes significativas: o atrati-
de de Jesus superam qualquer privilègio. vo da sua pessoa e a tenacidade do povo
O silencio de Jesus póe à prova e depu­ que já há très dias está com ele e esgotou
ra a fé da mulher. Mais ainda a compara­ as provisoes; a fraqueza para fazer o ca­
l o com os cachorros (ao que parece, já minho de volta (cf. IRs 19,7); os núme­
domesticados). A posigáo de Jesus é por ros, a fórmula eucarística simplificada. É
exclusao: tirar de uns para dar a outros; resultado da compaixâo do Senhor, e nâo
semelhante posigáo pode ter ressurgido nas exibiçâo de poder: “nâo passaráo fome
comunidades primitivas. Mas Jesus nào porque aquele que se compadece deles os
tem riquezas para todos? A mulher aceita conduz” (Is 49,10.13). Ver o milagre de
humildemente o papel e retorce a respos- Eliseu em 2Rs 4,42-44.
85 MATEUS

ilimn r i i mugas. 39Ele despediu a mul- — Atengáo! A bstende-vos do fer­


niliiii nuliiu á barca e se dirigiu ao ter- mento dos fariseus e saduceus.
ilMlln ile Magadá. 7Eles comentavam:
— Ele se refere a nao termos trazido
IJin sinal celeste (M e 8,11-13; pao.
I ,c 12,54-56) — 'Aproximaram- 8Percebendo isso, Jesús lhes disse:
w ii'. fariseus e os saduceus e, para — O que andais com entando, des­
i « ii Iii Id, pediram que lhes mostrasse um confiados? Que nao tendes pao? 9Ain-
.iiml no céu. 2Ele respondeu-lhes: da nao entendeis? Nao vos lembrais dos
Ao entardecer dizeis: tempo bom; cinco páes para os cinco mil, e quantos
ii u#ti está vermelho. 3Pela manhá dizeis: cestos sobraram? 10Ou dos sete páes
Imjr rhove; o céu está vermelho escuro. para os quatro mil, e quantas cestas so­
Hiiin-is distinguir o aspecto do céu e nao braram? "C o m o nao entendeis que eu
ilhlinguis os sinais da historia. 4Esta nao me referia aos páes? Abstende-vos
Utuugáo perversa e adúltera reivindica do fermento dos fariseus e saduceus.
mu sinal; e nao lhe será dado outro si- 12Entáo entenderam que nao falava
iml, a nao ser o de Joñas. de abster-se do fermento do pao, mas
I )eixou-os e partiu. do ensinamento de fariseus e saduceus.
’Ao atravessar para a outra margem,
un discípulos se esqueceram de levar Confissáo de Pedro (M e 8,27-30; Le
jifto. f’Jesus lhes disse: 9,18-27) — 13Quando Jesús chegou á

16 ,1-4 Discute-se a autenticidade de 2b- 16,13 Daqui até o final do cap. 18 Jesús
I (que fazem sentido no contexto). Desta vai dedicar-se a seus discípulos para ir for­
vez, os fariseus estáo acompanhados dos mando a comunidade. Ña confissáo de
miduceus, que, embora um pouco ra­ Pedro e na transfigurado culmina a com-
cionalistas, exigem um sinal celeste (cf. posigáo de Mateus sobre o mínistério de
Is 7,11) como legitimagáo daquele que se Jesús. Ambas as cenas apontam para a res­
«presenta como Messias. Ao reí Acaz é surreigáo.
oferecida a opgáo de um sinal no abismo 16,13-20 O texto de Mateus é muito
ou no céu (Is 7,11). Jesús responde com denso e elaborado. Apresenta um fato tal
um argumento engenhoso: eles interpre­ como a comunidade o entendeu e viveu.
tan! sem dificuldade os sinais atmosféri­ Note-se o paralelismo das identífícagóes:
cos naturais do céu; mas nao sabem inter­ o povo diz que o Filho do Homem é
pretar os sinais terrestres, as conjunturas Joáo, Elias, Jeremías, profeta
decisivas da historia, que em Jesús sao vós dizeis que eu sou...
evidentes. Pois que se atenham ao sinal Pedro diz que tu és o Messias Filho de
definitivo de Joñas (morte ou abismo e Deus
ressurreigáo). Jesús diz que tu és Pedro
16,5-12 Da preocupadlo material os dis­ Trata-se de identificar o ser da pessoa
cípulos devem passar á confianza, instrui­ de Jesús (náo de um ser transcendente e
dos pelos milagres dos páes. Da com- misterioso); “o Filho do Homem” e “eu”
preensáo material devem passar a urna sáo o mesmo sujeito que busca um pre­
espiritual e a urna atitude de vigilancia. A dicado.
levedura faz fermentar (13,33), mas tam- O povo náo hostil, que presenciou a ati-
bém póe a perder e é excluida durante a vidade de Jesús, considera-o algum envia­
páscoa (Ex 12,15; ICor 5,7-8). Que vivam do especialíssimo de Deus para preparar a
prevenidos contra o influxo dos ensina- era messiànica; inclusive alguém poupa-
mentos ou tradigóes judaicos, tal como os do da morte (Eclo 48,1) ou morto e redi­
propóem as duas escolas extremas e opos- vivo para ter maior autoridade (Le 16,30).
tas: os saduceus e os fariseus. As comuni­ Simáo, que pela carne e sangue é filho de
dades cristas se distanciam de ensinamen- Joñas, declara que Jesús é o Messias es­
tos judaicos que poderiam desvirtuá-las. perado; e Jesús o ratifica, declarando que
MATEUS 86 Ift 11

regiáo de Cesaréia de Filipe, interrogou 20Entáo lhes ordenou que nao di ■


os discípulos: sem a ninguém que o M essias n i <l.
— Quem dizem os homens que é este
Hornera? Prim eiro anuncio da paixáo e iw .m
14Responderam: reigáo (Me 8,31-9,1; Le 9,22-27) 'A
— Uns que é Joáo Batista; outros, Elias; partir daí comegou a explicar aos di*
outros, Jeremías ou algum outro profeta. cípulos que haveria de ir a Jerus.il. m
t5Disse-lhes: padecer muito por causa dos senado
— E vós, quem dizeis que eu sou? res, sumos sacerdotes e letrados, s>>11•.
16Respondeu Simáo Pedro: a morte e ao terceiro dia ressuscilo
— Tu és o Messias, o Filho de Deus 22Pedro o levou á parte e se p<V. a
vivo. repreendé-lo:
17Jesus lhe replicou: — Deus te livre, Senhor! Tal coi i
— Feliz és tu, Simáo, filho de Joñas! nao te acontecerá.
Porque isso nao te foi revelado por alguém 23Ele se voltou e disse a Pedro:
de carne e sangue, e sim meu Pai do céu. — Retira-te, Satanás! Queres fazer un
18Pois eu te digo que tu és Pedro e sobre cair. Pensas de modo humano, nao di
esta Pedra construirei minha igreja, e o acordo com Deus.
império da morte nao a vencerá. 19A ti 24Entáo Jesús disse aos discípulos:
darei as chaves do reino de Deus: o que — Quem quiser seguir-me, negué .i
atares na térra ficará atado no céu; o que si mesmo, carregue sua cruz e me siga
desatares na térra ficará desatado no céu. 25Quem se empenha em salvar a vida

a confissáo procede de urna revelagáo do Paralelos: V. 14:14,2. V. 16: 3,17; 11,27,


Pai (cf. 11,27), pela qual Pedro tem urna 14,33. V. 17: 13,11-17. V. 18 edificar so
bem-aventuranga particular. bre rocha: 7,24; império da morte = poi
Dito isso, prossegue estabelecendo e de­ tas do abismo Is 38,10; Jó 38,17; Sb 16,13
clarando a fungáo específica de Simáo. Je­ V. 19 poderes do mordomo: Is 22,22; Jo
sús se propóe “construir” um templo, que é 20,23; sobre Jeremías pode-se ver o so-
urna comunidade nova, na qual Pedro será nho de Judas Macabeu (2Mc 15,12-16).
urna “pedra” fundamental. O grego petros 16,21-23 “A partir daí” significa um
designa uma pedra ou pedregulho, algo que corte narrativo, um novo comego, o cami-
se pode pegar e langar. Ao passo que petra nho para a paixáo e morte (balizado em
designa um silhar ou penha ou rocha onde 17,22 e 20,17). Mateus e sua comunidade
se assenta um edificio. O edificio ou comu­ antecipam o anuncio, iluminados pela
nidade é obra e dominio de Jesús, “minha páscoa. Jesús vai ao encontro do seu des­
igreja”, que substituí a comunidade sagra­ tino, segundo a vontade do Pai plenamen­
da qahal Yhwh ou qahal Yisrael (Dt 23,2; te aceita.
IRs 8,22 etc.). Pedro terá nela uma fungáo Contudo, apesar do corte, esta perícopc
medianeira central: por sua adesáo ou ade- se une por contraste com a precedente:
réncia a Cristo, participará da solidez da Pedro recebe o título de Satá, nao é inspi­
rocha. Contra a igreja de Jesús nada pode- rado pelo Pai, mas pelo inimigo, o rival
rá o poder da morte, que abre suas portas que tem um projeto oposto ao do Pai
para prender e fecha para nao soltar. A obra (4,10), a Pedra se transforma em tropego
de Jesús é ¡mortal (talvez sugira a ressur- (cf. Is 8,14-15). Pedro nao aceita a paixáo
reigáo e a vida eterna dos seus membros). de seu mestre porque náo compreende o
Pedro terá as chaves de acesso ao reino valor fecundo que ela tem.
de Deus (de acordo com as bem-aven- 16,24-27 O exemplo do Mestre define
turangas, 5,3.10) e terá o poder de julgar, as condigóes para ser discípulo. Repete o
perdoar e condenar, ratificado por Deus. ensinamento sobre o valor e o sentido da
Diante de doutores e fariseus que “atam vida (10,39). Náo há prego humano para
fardos pesados” (23,2) e “fecham o aces­ assegurá-la (SI 49,8-10). Negar a si mes­
so ao reino de Deus” (23,13). mo é a vitória sobre o egoísmo, na qual
M,u 87 MATEUS

(p u lcra; quem perder a vida por mim, como a luz. 3A pareceram-lhe M oisés e
I mee mirará. 26Que aproveita ao ho- Elias conversando com ele. 4Pedro to­
■mimi c.anhar o m undo inteiro às custas m ou a palavra e disse a Jesús:
ili mia vida? Que prego pagará por sua — Senhor, como se está bem aqui!
vliln? 'O Filho do Homem hà de vir Se te parece bem, armarei très tendas:
wim a glòria de seu Pai e acompanha- urna para ti, outra para M oisés e outra
tlti ile scus anjos. Entào pagará a cada para Elias.
imi con forme a sua conduta. 28Eu vos 5A inda estava falando quando urna
lordura: há alguns dos que estào aqui nuvem lum inosa lhes fez sombra, e da
ijiii' nao sofreráo a morte antes de ver nuvem saiu urna voz que dizia:
rilegar o Filho do Homem como rei. — Este é o meu Filho amado, o meu
predileto. Escutai-o.
fl Transfiguragào (Me 9,2-13; Le 6Ao ouvir isso, os discípulos caíram
A / 9,28-36) — 'S eis dias m ais tar­ de brucjos, tremendo de medo. 7Jesus
ili', Jesus tomou Pedro, Tiago e seu ir- se aproximou, tocou-os e lhes disse:
iiinoJoáo e os levou à parte a urna mon- — Levantai-vos, náo temáis!
litnlia elevada. 2E transfigurou-se diante 8Levantando os olhos, viram somen-
ili'lcs: seu rosto resplandecía como o te Jesús. 9Enquanto desciam da monta-
•ni, suas vestes se tornaram brancas nha, Jesús lhes ordenou:

miAa máxima afirmaçâo. Pode-se perder elusive a nuvem, que vela e revela, é lu­
il villa por algo, alguém que valha mais, e minosa (Jó 37,15; IRs 8,10-12). É de den­
i-niào a perda é ganho: “pois tua lealdade tro que lhe brota a luz, náo lhe vem de fora
Ville mais que a vida” (SI 63,4). como a de Moisés (Ex 33-34).
16.27 A referêneia explicita à parusia A gloria de Jesus atrai Moisés e Elias
«conseilla aquí a traduçâo “Filho do Ho- (os dois arrebatados por Deus?), o media­
mern” como título. Vira como rei para jul- dor da alianza e o primeiro dos profetas;
C.ar e retribuir (SI 62,12; Eclo 35,24). No outrora representantes da leí e dos profe­
ultimo v. se percebe a expectativa da co- tas, agora testemunhas e interlocutores de
munidade pela vinda próxima do Senhor Jesús. O Antigo Testamento testemunha a
glorioso. favor de Jesus Messias. A gloria parece
16.28 SI 62,12; Eclo 35,24. abolir o tempo ou atualizar o passado.
A nuvem é companheira ordinària de
17,1-8 A manifestaçâo da gloria de Cris­ teofanias (freqüente em Ex e Nm), também
to é um momento culminante, que anteci- na liturgia (Lv 16,2; Is 6,4). Da nuvem soa
pa a ressurreiçâo e está escrito à luz da a voz de Deus (Dt 5,22; SI 99,7). Aqui é a
páscoa. Situa-se entre dois anuncios da voz do Pai dando testemunho de seu Fi­
paixáo, justificando o projeto do Pai e o lho: combinando citagóes de Is 42,1; SI 2,7
destino de Jesús. O texto deve ser lido so­ e Dt 18,15; ou seja, do Servo, do rei, do pro­
bre o paño de fundo de Ex 24,1-18, que feta futuro. “O Pai conhece o Filho” e o re­
fornece vários motivos: os très acompa- vela (Mt 11,27). Escutai-o: também quan­
nhantes, o monte, a nuvem, os seis dias, a do anuncia a paixào e pede seguimento.
obediencia, a manifestaçâo luminosa, a A intervengáo de Pedro expressa o gozo
visáo de Deus. Aidentificaçâo com o mon­ da visáo e poderia aludir à festa das Ten-
te Tabor náo tem fundamento exegético. das. Como ele identifica Moisés e Elias, o
A transformaçâo é luminosa. Segundo narrador náo diz. E a terceira intervengo
urna tradiçâo constante no AT, a Gloria se de Pedro, e parece expressar um desejo de
faz visível em forma luminosa (p. ex. SI ficar no mistério glorioso. O silencio im­
57,6.12; Eclo 42,16). O rosto de Jesús bri- posto por Jesús ao descer une a transfigu­
Iha como o sol (Eclo 17,31); em alguns ra d o passageira com a glorificado defi­
salmos pede-se ao Senhor que “faça bri- nitiva. Pelo que viram e ouviram, os tres
Ihar seu rosto/mostre seu rosto radiante” poderiam repetir: “Contemplamos sua glo­
(SI 31,17; 67,2; 80,4); também suas ves­ ria, gloria de Filho único do Pai” (Jo 1,14;
tes: a luz é a veste de Deus (SI 104,2); in- cf. Is 35,2; 40,5).
MATEUS 88 17,10

— N ao contéis a ninguém o que vis­ 19Entáo os discípulos se aproximaram


tes, até que este Hom em ressuscite da de Jesús era particular e lhe perguntaram:
morte. — Por que nós nao pudemos expul-
l0Os discípulos lhe perguntaram: sá-lo?
— Por que dizem os letrados que pri- 20Ele respondeu:
meiro deve vir Elias? — Por vossa pouca fé. Eu vos asse­
n Ele respondeu: guro: se tivésseis fé como um grao de
— Elias deve vir para restaurar tudo. mostarda, diríeis áquele monte que se
12Mas eu vos asseguro que Elias já veio deslocasse dali, e ele se deslocaria. E na­
e nao o reconheceram e o trataram ar­ da seria impossível para vós. [“' Mas esse
bitrariam ente. O m esm o tanto há de tipo só se expulsa com oragáo e jejum]*.
sofrer este Homem por causa deles. 22E nquanto passeavam juntos pela
13Entáo os discípulos com preende- Galiléia, Jesús lhes disse:
ram que ele se referia a Joáo Batista. — Este Hom em será entregue em
máos de homens 23que o mataráo. Ao
O m enino epilético (M e 9,14-29; Le terceiro dia ressuscitará.
9,37-43)— l4Quando voltaram para jun­ Eles se entristecerán! profundamente.
to do povo, um homem se adiantou, se
ajoelhou diante dele 15e lhe disse: O im posto do tem plo — 24Quando
— Senhor, tem com paixáo de meu chegaram a Cafarnaum, os que coleta
filho que é lunático e sofre muito. Mui- vam o im posto das duas dracm as se
tas vezes cai no fogo ou na agua. l6Eu aproximaram de Pedro e lhe disseram;
o trouxe aos teus discípulos e nao con- — Vosso m estre nao paga as duas
seguiram curá-lo. dracmas?
-— l7Jesus respondeu: 25Ele respondeu:
— Que gera^áo incrédula e perver­ — Sim.
sa! Até quando terei de estar convosco Quando entrou em casa, Jesús se ¡m
e agüentar-vos? Trazei-o aqui. tecipou e perguntou:
Jesús deu urna ordem, o demonio — Que te parece, Simáo? De qm ni
saiu dele e o menino ficou curado a par­ os reis do mundo cobram impostos: <1«"
tir desse momento. filhos ou dos estranhos?

17,10-13 A pergunta surge atraída pela Jesús se queixa com palavras que .......
visáo de Elias. Os discípulos se tornam eco cendem o contexto preciso. Queixa •.< ■•
da crenga popular, ensinada pelos douto- pressando cansado acumulado; conio u >*►
res (segundo MI 3,23-24 e Eclo 48,10): se Moisés, tarto de suportar o povo (Nm l i l i
Elias ainda nao voltou, Jesús nao é o Mes- 15); como o cansado de Deus na et.i|"i a
sias. Já voltou, diz Jesus, e cumpriu sua deserto (SI 95,10; Is 43,14). O delito <i. i
tarefa de preparar o povo. Mas nao o re­ geraqáo é a falta de fé: eia se deli...... •*
conheceram (no plural, nao só Herodes). neficència e no maravilhoso. Mas o .
A paixáo de Joáo, à mercè do “capricho” pulos tèm de robustecer a fé para culi* i m «<
deles, prefigura a de Jesus, e essa é outra o que se aproxima. A confissali ili !'■ili" >
preparatilo mais profunda. a transfigurarán hào de guià-lns.
17,14-21 Afunqáo desse relato é instruir Alguns manuscritos acrescenliiin h v tf
sobre a fé, a partir de um fato concreto. tomado de Me 9,29.
Tomou-se proverbial “urna fé que move 17.21 *Falta em muitos códii i
montanhas” (ICor 13,2), pela qual o ho­ 17,22-23 Segundo anuncio ih pinh-
mem repete a agáo de Deus (Jó 9,6). Mas (16,21-23; 20,18-19). A resposi.i. i "'•«
nao seria fé se agisse por capricho ou por za do grupo. Pedro já náoopoi i. ,i ..... .
espetáculo. Jesus cura por compaixáo e 17,24 Ex 30,12; 38,26.
cumprindo sua missáo libertadora. Agua 17,24-27 Trata-se do iiiip*• *
e fogo é um merismo que abarca qualquer templo, cobrado localmente Mi m li'»*#
perigo (Is 43,2; SI 124,3-4). por Neemias (Ne 10,33), tal vi . , niiin lf§
18,8 89 MATEUS

26Respondeu que dos estranhos, e — Eu vos asseguro: se nao vos con-


Jesus lhe disse: verterdes e náo vos tornardes como as
— Portanto, os filhos estào isentos. crianzas, náo entrareis no reino de Deus.
27Mas, para náo dar m otivo de escán­ 4Quem se humilha como esta crianza é
dalo, vai ao lago, atira um anzol, e o o maior no reino de Deus. 5E aquele que
primeiro peixe que fisgar, pega-o, abre- acolhe urna destas criangas em atenqáo
lhe a boca e encontrarás urna moeda. a mim, a mim acolhe. '’Porém, quem
Toma-a e paga por mim e por ti. escandaliza um destes pequeños que
créem em mim, seria m elhor que lhe
In stru c à o c o m u n ità ria (M e 9, pendurassem no pescoqo urna pedra de
33-37.42-48; Le 9,46-48; 17,1 s) m oinho e o atirassem ao fundo do mar.
— ’Naquele tempo os discípulos se apro- 7Ai do m undo por causa dos escánda­
ximaram de Jesus e lhe perguntaram: los! É inevitável que aconteqam escán­
— Quem é o maior no Reino de Deus? dalos. Contudo, ai do homem median­
2Ele chamou um menino, colocou-a te o qual vem o escándalo! 8Se tua máo
no meio deles 3e disse: ou teu pé é para ti ocasiáo de queda,

cagáo de urna lei (Ex 30,11-16). O inci­ d eclarares do AT sobre exaltagao e hu-
dente, no qual se misturam tragos maravi- milhagáo (p. ex. o cántico de Ana, ISm 2;
Ihosos, serve tambem de instrugáo aos dis­ SI 113 etc.). Especialmente interessante é
cípulos, e provavelmente á comunidade Eclo 3,17-20. O termo gregopaidion, além
judeu-cristá, enquanto aínda existia o tom­ da idade, pode denotar o oficio: menino,
illo. Mais tarde a comunidade crista o apli- crianga, ou criado, servente. SI 8,3 e 131,2
‘ .irá a tributos com finalidade religiosa falam de “menino” como modelo de lou-
impostas pelo imperador. Se o templo é a vor e como exemplo de saber contentar­
i isa de Deus, seu Filho nao deve pagar se. O menino colocado por Jesús no cen­
iiibuto; nem mesmo seus outros filhos. tro é urna presenga simbólica: no reino
i'.i);á-lo é concessáo, nao obrigagáo. O celeste todos seráo pequeños, filhos de
i pisódio do peixe nao é contado segundo Deus, e essa será sua grandeza.
ii íorma clássica do milagro; sua interpre­ Acolher o menino é conseqíióncia do
ndió c duvidosa. Segundo SI 8, o homem que precede (cf. Gn 21,20): pode-se en­
i.mibém senhor dos peixes do mar. tender em seniido próprio ou metafórico.
Deve-se fazé-lo “em atengáo a Jesús”.
IS Mateus reúne aqui varias instruyóos 18,6-9 Escandalizar é em sentido pró­
|*in i .i comunidade. Tema central é a aten- prio por tropegos, provocar a queda. As-
VI“1 devida aos pequeños, necessitados, sim soa a proibigáo legal: “Náo porás tro-
«i- ir.ores, extraviados; é o valor da humil- pegos ao cegó” (Lv 19,14). O escándalo
il nli da compreensáo, do perdáo mutuo e pode provir de outrem ou de sí mesmo
il'i n i "nciliagáo. “Menino e pequeños” (12,29-30). Aqui se refere a tropegar e fa-
M | h ti se em 1.14, “irmáo” em 15.21.35. lhar na fó; daí a gravidade do delito (com-
I . viro dos “discursos” de Jesús (com pare-se com o “tropego” ou “resvaláo” de
U tli.....inte, 5—7 e o das parábolas, 13), o SI 73,2). A perda do seduzido seria mais
Miiiin. i .mtes de partir para a Judéia (19,1). grave que a morte do sedutor. Alude ao
• '■ i 5 O protocolo da época era escru- moinho caseiro, manual. Dada a condigáo
É . . i . ni designar precedencias e definir do homem na sociedade, pela maldade de
■ M « 1 ()s discípulos podem contagiar-se uns ou a fraqueza de outros, é inevitável
ÉNH........ . (23,8-12). Como será no que haja tropegos ou caídas.
■ ||i" tío Dous, que ó a nova comunidade Dcpois passa a órgáos corporais que
■ t ...... Imiensáo transcendente? A ques- podem vir a ser perigosos em sua fungao:
I h i'i.ivi1, devido ao afa em busca de ri- a máo, sede da agáo; o pé, da conduta (ca-
I ' i. uperar-se e de superar, ao mo­ minho); o olho, da faculdade estimativa.
lí- i i i • iuna alheia. A resposta de Jesús O fogo definitivo que consomé (Is 35,9-
■o l .inbora contraste com preten- 10; 66,24; Dn 7,11) se contrapóe á vida
1' ■l.... i, está na linha de múltiplas que dura.
MATEUS 90 IH '■

corta-o e joga-o fora. É m elhor entrar tu e ele a sós. 16Se nao te dá atengan
na vida manco ou coxo do que com faze-te acompanhar de um ou dois,/«».!
duas m áo ou dois pés ser atirado ao que o assunto se resolva p o r duas mi
fogo eterno. 9Se teu olho te é oeasiá 9 très testemunhcis.
de queda, arranca-o e joga-o fora. É 17Se nao lhes dá atençâo, informa a
m elhor para ti entrar na vida zarolho com unidade. E se nao dá atençâo à co
do que com dois olhos ser atirado no munidade, considera-o um pagáo ou um
forno de fogo. coletor. 18Eu vos asseguro que o que
ligardes na terra ficará ligado no céu, o
A ovelha perdida (Le 15,3-7) — 10Cui- que desligardes na terra ficará desliga
dado para nao desprezar um destes pe­ do no céu*. 19Eu vos digo também que.
queños. Pois eu vos digo que seus an- se dois de vos na terra se póem de acor
jos no céu contem plam continuam ente do para pedir alguma coisa, meu Pai do
o rosto do meu Pai do céu*. 12Que vos céu a concederá. 20Pois onde há dois
parece? Suponham os que um homem ou très reunidos em meu nome, ai es
tenha cem ovelhas e urna se extravie: tou eu, no meio deles.
nao deixará as noventa e nove ñas en- 21Entáo Pedro aproxim ou-se e per
costas para ir buscar a extraviada? 13E guntou:
se chega a encontrá-la, eu vos assegu- — Senhor, se meu irmáo me ofende,
ro que se alegrará mais por ela do que quantas vezes devo perdoá-lo? Até sete
pelas noventa e nove nao extraviadas. vezes?
Do m esm o modo, vosso Pai do céu 22Jesus lhe responde:
nao quer que se perca sequer um des­ — Eu te digo que nao sete vezes, mas
tes pequeños. setenta e sete. 23Pois bem, o reino de
Deus se parece com um rei que decidiu
Perdáo das ofensas (Le 17,3) — 15Se ajustar contas com seus criados, ^ m e ­
teu irmáo te ofende*, vai e admoesta-o diatam ente apresentaram -lhe um que

18,10-14 Se por qualquer causa um ciliar-se, “ganha-o”. A segunda instancia


membro se extraviou, a comunidade deve é privada, com testemunhas (Dt 19,15),
esforgar-se por recuperá-lo. Acomparagáo que serviráo de mediadores. A última ins­
da ovelha pode estar inspirada em Ez tancia é o julgamento da comunidade. Al-
34,11-12.16; poderia haver urna reminis­ guém que, em última instancia, se negas-
cencia de Davi pastor (ISm 17,34). se a reconciliar-se, já nao faz parte da
18.10 Seus anjos: enviados de Deus que comunidade; deve ser sancionada a sua se-
cuidam dos pequeninos (segundo SI 91,11- paragáo. Os responsáveis pela comunidade
12), servidores que tém acesso á presenta tém o direito de excluir ou excomungar
dele (como os que Jaco viu, Gn 28,12). (ver o exemplo de Paulo, ICor 5,5-6).
18.11 *Alguns manuscritos acrescentam 18,18 É complemento de 16,19-20 (cf.
o v. 11, tomado de Le 19,10. Jo 20,23). * Ou: o que proibirdes, o que
18.14 O principio de Ez 18,32 se aplica permitirdes.
de modo especial aos pequeños. 18,19-20 Pode-se 1er de várias manei-
18.15 *Outros códices: se teu irmáo ras: o acordo se deve manifestar também
peca. na oragáo; ou entáo: também para orar
18,15-18 Na comunidade deve reinar a deve haver acordo (cf. Eclo 34,24). A ora-
paz. Ou porque nao há ofensas, ou porque <¿áo comunitaria é corrente no saltério;
se busca a reconciliaqáo. Embora os teste- agora adquire novo sentido pela presenta
munhos dos manuscritos se equilibrem, a de Cristo. Entende-se a presenta real de
pergunta de Pedro (21) nos faz preferir a Cristo glorificado, nao mera presenta men­
leitura (ou explicagáo) “peca contra ti” = tal. Os rabinos exigiam o mínimo de dez
te ofende, em lugar do simples “peca”. A para o culto; Jesús o reduz a dois ou trés.
primeira instancia é totalmente privada: o 18,21-35 A pergunta “matemática” de
ofendido, fazendo o irmáo refletir e recon- Pedro, Jesús responde no mesmo terreno,
91 MATEUS

IIh ilcvia dez mil talentos. 25Com o nao ficaram muito tristes e foram contar ao
llnlin com que pagar, o patráo mandou patráo tudo o que havia acontecido.
<|ui- vcndessem sua mulher, seus filhos 32Entáo o patráo o chamou e lhe disse:
y ludas as suas posses para saldar a di­ C riado perverso! Eu te perdoei toda
vida. ’"O criado se prostrou diante dele, aquela divida porque me suplicaste;
«ii|ilicando-lhe: Tem paciencia comigo, 33náo devias também tu ter compaixáo
ii rti te pagarei tudo. -’Compadecido, o de teu companheiro como eu tive de ti?
jiiilrao daquele criado o deixou ir e lhe 34E indignado o entregou aos tortura­
(ii'idoou a divida.28Ao sair, aquele cria- dores até que pagasse totalmente a di­
iln cncontrou outro criado que lhe de- vida. 35Assim vos tratará meu Pai do
vin ccm denários. Agarrou-o e o sufo- céu, se náo perdoais de coragáo cada
i ava, dizendo: Paga o que me deves. um a seu irmáo.
“'( aindo a seus pés, o companheiro lhe
nuplicava: Tem paciencia comigo, e eu O d iv ó r c io (M e 1 0 ,l-1 2 s ) —
le pagarei. 30Mas o outro negou e o pos 'Q uando Jesus term inou esse
mi prisáo até que pagasse a divida.3 Ao discurso, transferiu-se da Galiléia para
ver o que acontecerá, os outros criados a Judéia, do outro lado do Jordáo. 2Se-

»altando de um número generoso a outro embora por algum tempo se mantenha


Indefinido. E o explica com urna parábola afastado da capital.
que se compraz em contrastes extremos. 19,1-12 Matrimonio e celibato perten-
Ofensa e divida sao dois símbolos que cem de cheio à nova comunidade. O as­
expressam a situagáo negativa do homem sunto é apresentado pelos fariseus como
iliante de Deus. Como no Pai-nosso, ado- pergunta capciosa sobre o divorcio. Para
ta aqui a imagem da divida, que permite eles, ponto de partida é a lei de Dt 24,
i|uantificar a explicagáo. Cem denários é 1-4, que, para proteger a mulher, ordena
o salário de cem dias de trabalho de dia­ entregar-lhe urna ata de divorcio. Ao in­
rista; dez mil talentos (um talento = uns terpretar os motivos válidos para o divor­
35 kg) é urna quantidade fantástica, cem cio, que é decisáo do marido, divergiam
milhóes de denários. O relato náo explica o rigoroso Shammai e o liberal Hilel. O
como o funcionário pode endividar-se a texto da lei dizia: “porque descobre nela
tal ponto; imaginemos um governador de algo de vergonhoso”. Isso explica a expres-
provincia corrupto. Este nao se recusa a sáo “por qualquer motivo”. A intengáo
pagar, só pede paciencia (Eclo 29,1-13); o capciosa consiste em fazer a pergunta para
patráo responde cheio de compaixáo (tai- conduzir Jesus a declarar-se contra a lei,
vez pense que o outro náo poderá pagar), como tinha feito anteriormente (5,31-32),
e perdoa. Já perdoado, deveria imitar, em ou a enfrentar urna das escolas de inter-
escala reduzida, o exemplo do rei. pretagáo.
O homem, destinatário da imensa mise­ Jesús sobe de urna lei positiva, conces-
ricordia de Deus (SI 86,5), deve aprender sáo mais que imposigáo, para a ordem pri­
a exercer sua pequeña misericordia com o mordial estabelecida por Deus (Gn 1,27;
próximo devedor. Ver no SI 112 a passa- 2,24; 5,2), náo como lei positiva, mas
gem do v. 4 ao 5; também a conseqüéncia como constituigáo do homem como casal,
que tira Sb 12,18-19; e tantos textos que “homem e mulher os criou”. O “caráter
recomendam a piedade e a compaixáo (Pr inflexível” é a dureza de coragáo ou men­
14,21; 19,17; SI 37,21.26 etc.). tal, a resistència em submeter-se à vonta-
de de Deus (Dt 10,16; Jr 9,25). Na nova
19,1-30 Geográficamente, comega urna comunidade que é sua igreja, o matrimo­
etapa nova, o caminho de Jerusalém e da nio terá um lugar, segundo a ordem fun­
paixáo. Temáticamente, continuam as ins- dacional de Deus (ICor 7,10-11). Porém,
trugóes do capítulo precedente, falando o texto admite uma excegáo, o caso de
sobre o matrimonio e os bens da fortuita. porneia, sobre cujo sentido se continua
O público é agora a multidáo que o segue. discutindo (ver 5,32). Uma opiniáo razoá-
Daqui em diante, náo abandonará a Judéia, vel interpreta o caso como matrimonio ile-
MATEUS 92

guia-o urna m ultidào imensa, e ai eie 10Os discípulos lhe dizem:


os curava. — Se essa é a condigào do maini.,
3Aproxim aram-se alguns fariseus e, com a mulher, é melhor nào casar se.
para o porem à prova, lhe perguntaram: "E ie lhes disse:
— Pode alguém repudiar sua mulher — Nem todos aceitam essa so lu ti.,
por qualquer motivo? a nào ser os que recebem tal dom.
4Ele respondeu: 12Pois há eunucos que sào assim .1.
— Nao lestes que no principio o Cria­ nascenga; há os castrados pelos hom nr.
dor os fe z homem e m ulher? 5E disse: e há os que se castraram pelo reinad..
p o r isso, um homem deixa seus pais, de Deus. Aquele que pode com isso, quo
junta-se à sua mulher e os dois se tor- o aceite.
nam urna so carne. 6De modo que já
nào sào dois, mas urna só carne. Por­ A ben$oa algum as cria n za s (M e 10
tanto, o que Deus uniu, o homem nào 13-16; Le 18,15-17)— 13Entào levaram
separe. lhe algumas criangas para que pusess.
'Replicaram-lhe: as máos sobre elas e pronunciasse urna
— Entào, por que M oisés mandou oragáo. Os discípulos as repreendiam.
dar-lhe ata de divorcio ao repudià-la? 14M as Jesus disse:
8Respondeu-lhes: — Deixai as crianzas e nào as impe
— Por vosso caráter inflexível, M oi­ qais de se aproximarem de mim, pois o
sés vos permitiu repudiar vossas mu- reino de Deus pertence aos que sào
lheres. Mas no principio nào era assim. como elas. 15Pòs as máos sobre elas e
9Eu vos digo que quem repudia sua partiu.
mulher — se nào for em caso de con­
cubinato — e se casa com outra, com e­ O jovem rico (Me 10,17-31; Le 18,18-
te adultèrio, e aquele que se casa com a 30) — 16Entào aproximou-se alguém e
divorciada comete adultèrio. lhe disse:

gitimo, invàlido, concubinato ou consan- gime exigente do “reino” e ao caso extra-


giiinidade em grau proibido. ordinàrio dos “eunucos pelo reino”.
Os discípulos se assustam diante da exi­ 19,13-15 As crianzas pertencem também
gencia de um vínculo indissolúvel (os à familia e com eia farào parte da comuni­
fariseus já nào intervèm). Jesus nào retira o dade (cf. Js 8,35). Inclusive serviráo de mo­
que disse, antes, dà mais um passo, propon­ delo (18,3). A mào sobre elas: corno no SI
do outra situatilo que terá um lugar na sua 139,5.
comunidade: o celibato voluntariamente 19.16-30 Um caso particular dará ocasiào
aceito, como dom de Deus e motivado por a Jesus para expor seu ensinamento sobre
(a pregagào de) o reinado de Deus. O AT a posse de bens dentro da sua comunidade.
registra apenas o caso de Jeremías (Jr 16). 19.16-22 O caso. Apresenta-se “alguém”
Em Israel, os eunucos eram excluidos do (16), que depois se caracteriza como “jo­
oficio sacerdotal (segundo Lv 21,20), da vem” (20) e no firn como “rico” (22). Tal-
assembléia do Senhor (segundo Dt 23,2), vez seja intencional a gradacjào, pois a per-
mas podem figurar como funcionários gunta pode ser feita por “qualquer um”,
(2Rs 8,6; 9,32); em época posterior abre-se na contraposigào entra a adolescencia, e a
a passagem para urna avalia§ào positiva recusa é provocada pela riqueza. A contra­
(Is 56,3-5; Sb 3,14); entre os monges de posigào neaniskos/teleios pode denotar a
Qumrà alguns praticavam o celibato. So­ idade, jovem/adulto, ou a condigào ado­
bre o caráter voluntário, ICor 7,7. lescente/maduro. O jovem se informa so­
19,11 “Essa solugào”: pelo termo grego bre urna espiritualidade de obras que as-
usado, logon e pela colocagào, a referen­ segure urna vida perpètua: “Praticai o que
cia fica ambigua: o projeto originàrio de o Senhor ordenou... e vivereis, e tudo vos
Deus?, o estado de solteiro? Dado que fala correrá bem e prolongareis a vida” (Dt 5,
de dom (de Deus), parece referir-se ao re- 33). Jesus o chama ao seguimento pessoal,
93 MATEUS

Mestre, que obras boas devo fa- vos repito: é mais fácil um camelo pas­
##i para alcanzar vida perdurável? sar pelo buraco de urna agulha que um
''Kespondeu-lhe: rico entrar no reino de Deus.
Ciuarda os m andam entos. 25Ao ouvir isso, os discípulos fícaram
'"I’erguntou-lhe: espantados e disseram:
• Quais? — Entáo, quem poderá salvar-se?
Jesus lhe disse: 2601hando para eles, Jesus lhes disse:
—-Nao matarás, nao cometerás adul­ — Para os homens isso é impossível,
tèrio, nao roubarás, nao perjurarás, para Deus tudo é possível.
''‘honra o p a i e a màe, e am arás o pró- 27Entáo Pedro lhe respondeu:
\ Imo como a ti mesmo. — Ve, nós deixamos tudo e te segui­
ll)0 jovem lhe disse: mos. Que será de nós?
•— Cumpri tudo isso. O que m e resta 28Jesus lhes disse:
lit/.or? — Eu vos asseguro que vos, que me
’’Jesús lhe respondeu: tendes seguido, no m undo renovado,
— Se queres ser perfeito, vai, vende quando o Filho do Hom em sentar em
leus bens, dá aos pobres, e terás um te- seu trono de gloria, tam bém vos senta­
«ouro no céu; depois segue-me. reis em doze tronos para reger as doze
22Ao ouvir isso, o jovem partiu tris­ tribos de Israel. 29E todo aquele que
te, pois era muito rico. por mim deixar casas, irmáos ou irmás,
^Jesus disse a seus discípulos: pai ou máe, mulher ou filhos, ou cam­
— Eu vos asseguro: um rico difícil­ pos, receberá cem vezes mais e herdará
mente entrará no reino de Deus. 24Eu vida perpètua. 30M as m uitos prim ei-

removido o impedimento da riqueza. A tária faz as contas com a generosidade e o


perfeigáo é mais do que a pura observan­ poder de Deus (Gn 18,14; Is 59,1; Zc 8,6).
cia do Decálogo (5,48): nao cumprimento, Primeiro se dirige aos Doze (10,2-4) com
mas seguimento. urna promessa escatológica. Apaliggenesia
19,18-19 É a segunda parte do Decálogo é a nova criagáo (Is 65,17; 66,22). Quando
(Ex 20,12-16 com Lv 19,18; cf. Rm 13,9). Jesús glorificado ocupar seu trono real (SI
19.21 Tesouro no céu pode equivaler a 110,1) como rei e juiz, também os doze
um tesouro em Deus: Deus será, ou Deus apóstolos atuaráo como juízes, julgando as
te reservará (cf. Jó 22,24-25). O distintivo tribos de Israel que nao tiverem aceito Je­
é o seguimento. Nao é simples evitar as sús como Messias. Outros interpretan! co­
preocupares de que fala Ben Sirac (Eclo mo govemo dos apóstolos na Igreja, o novo
31,1-2) ou o perigo de perversáo (Eclo Israel, em que Jesús glorificado é o rei.
31,8-12). Nao é um estilo de vida estoico. Depois se dirige a todos, prometendo-
O seguimento é convite superior: apósta­ lhes que “receberáo o céntuplo e herdaráo
los (4,20), o voluntário (8,22); Zaqueu nao a vida eterna”. É apenas promessa? Em tal
é convidado ao seguimento. caso, o céntuplo chegará na consumacáo.
19.22 SI 62,11; lTm 6,17. Mateus distingue dois tempos como Mar­
19,23-24 Com urna comparagáo hiper­ cos? Entáo o céntuplo já se dá neste mun­
bólica e enérgica, bem conhecida na épo­ do, na vida da Igreja. No contexto de urna
ca (cf. Eclo 31,1-11) Jesús comenta a co- comunidade de seguidores em grau diver­
vardia do jovem. Nao se deve embotar a so, de casados e célibes, podem embara-
hipérbole, mas canalizá-la à agáo de Deus Ihar-se as classes, e cabe a Deus designar
que, em seu reino, torna possível o huma­ os lugares. A frase aparece um tanto altera­
namente impossível. da em 20,16 e Le 13,30. Outros o interpre-
19.23 Pr 11,28. tam em relagáo aos judeus, que ficam pos­
19,25-30 O novo susto dos discípulos tergados, e dos pagáos que se adiantam.
serve para introduzir o ensinamento de
Jesús. Como o celibato significava aceitar 19,30-20,16 Experimentemos 1er a pe-
um dom de Deus, assim a pobreza volun- rícope com esses limites: o primeiro v.
MATEUS 94

ros seráo últim os, e últim os seráo pri- os primeiros, esperavam receber mar,
m eiros. no entanto, também eles receberam um
denário. n Ao recebé-lo, protestai.m>
Os diaristas da vinha — 'O rei­ contra o proprietário: 12Estes último
nado de Deus se parece com um trabalharam urna hora e os igualaste .1
proprietário que saiu de manhá para nós, que suportamos a fadiga e o calih
contratar trabalhadores para a sua v i­ do dia. 13Ele respondeu a um deles: A 1111
nha. 2Combinou com eles um denário go, nao te faço injustiça; nao combina
ao dia e os enviou para a sua vinha. mos um denário? 14Portanto, toma o <|iu'
3Voltou a sair no m eio da manhá, viu é teu e vai-te. Eu quero dar ao último o
outros ociosos na praga 4e lhes disse: mesmo que a t i . 15A caso nao posso dis
Ide também vós para a m inha vinha, e por de meus bens como me agrada? Ou
vos pagarei o que for justo. 5Eles fo- tens de ser mesquinho por eu ser geni
ram. Voltou a sair ao meio-dia e no meio roso? 16Assim, serào prim eiros os últi
da tarde e fez o mesmo. 6Ao cair da tar­ mos e últimos os primeiros.
de, saiu, encontrou outros parados e
lhes disse: O que fazeis aqui parados Novo anùncio da m orte e ressurrci
todo o dia sem trabalhar? 7Respondem- çâo (M e 10,32-34; Le 18,31-34) -
lhe: Ninguém nos contratou. E ele lhes 17Quando Jesus subia para Jerusalém
diz: Ide também vós para a minha vi­ tom ou à parte os doze e pelo caminho
nha. 8A o anoitecer, o dono da vinha lhes disse:
disse ao capataz: Reúne os trabalhado­ — 18Vede, subim os a Jerusalém , e
res e paga-lhes sua diária, comegando este Homem será entregue aos sumos
pelos últimos e acabando pelos primei- sacerdotes e letrados, que o condena-
ros. 9Passaram os do entardecer e rece- râo à morte. 19Eles o entregarâo aos pa
beram um denário. 10Quando chegaram gâos para que o injuriem, o açoitem e o

anuncia e o último explica, em perfeita 20.1 Começa uma série de très parábo­
inclusáo. No comego anuncia-se urna in- las sobre a vinha. Vinha ou videira é ima-
versáo de valores que no final desemboca gem tradicional de Israel (Is 5; SI 80 etc.),
numa igualdade. A relagáo correta do ho- e se aplicam depois à Igreja.
mem com Deus decide-se no trabalho. 20.2 A jomada costumava ser de sol a
Quer proceder em regime de obras, por via sol e pagava-se diariamente (diària = diur-
de justiga? Farà um contrato com Deus, nalis).
trabalhará pelo salàrio, o pedirá em justi­ 20,6-7 Deduz-se que os últimos fos-
ga e o receberá. Mas náo ficará satisfeito sem gente necessitada, sem trabalho e sem
ao contemplar a sorte do companheiro: diària.
protesta e insinua injustiga em Deus; por­ 20,8 Segundo o costume de Lv 19,13;
que tem urna idéia da justiga distributiva Dt 24,15; Jó 7,2. Ainversáo da ordem nor­
que exige proporgáo matemática de traba­ mal é significativa.
lho e salàrio. Sua idéia de méritos e direi- 20.15 Semitismo: mesquinho, invejoso.
tos gera inveja e mesquinhez. Quer o ou- Veja-se a engenhosa instruçâo de Eclo
tro trabalhar em regime de necessidade 14,3-10.
pròpria e generosidade do patráo? Entáo 20.16 A sentença final é aberta. Aplica­
nao terá que postular a proporgáo, mas se à relagáo dos judeus e pagâos em rela-
aceitar agradecido a desproporgáo. Deus çâo ao reino, aplica-se dentro da Igreja em
náo é injusto ao ser generoso. Jesús, como diversas circunstâncias. Os primeiros re-
capataz, vem repartir. Cabe ao homem pro­ fugiam-se em suas prestaçôes de serviço,
curar o regime favorável. O último náo ti- os últimos na generosidade de Deus.
nha trabalho nem encontrava patráo. Existe 20,17-19 Terceiro anúncio da paixâo
melhor patráo do que Deus? Contanto que (16,21; 17,22), ao empreender a última
a pessoa náo queira submetè-lo ao regime viagem para Jerusalém. Essa subida é
da justiga comutativa. como uma peregrinaçâo pascal, em dire-
iti I I 95 MATEUS

i tinil i<|ucm. No terceiro dia ressus- será assim entre vós; pelo contràrio,
illniii. quem quiser ser grande entre vós, que
se torne vosso servidor; 27e quem qui­
I'm iIra a ambigáo (M e 10,35-45) — ser ser o primeiro que se torne o vosso
"I niao se aproxim ou a máe dos Zebe- escravo. 28Da mesma form a que este
i I i m i s a u n seus filhos e se prostrou para Homem nao veio para ser servido, mas
Iti/er um pedido. 21Ele lhe perguntou: para servir e dar sua vida como resgate
Que desejas? por todos.
Kcspondeu:
Ordena que, quando reinares, es- Cura dois cegos (M e 10,46-52; Le 18,
li s dois filhos meus sentem um á tua 35-43) — 29Quando partiram de Jericó,
iliicitu e outro á tua esquerda. urna grande m ultidáo o seguía. 30Dois
"Jesús lhe respondeu: cegos, que estavam sentados à beira do
- Nao sabéis o que pedis. Sois capa- cam inho, quando ouviram que Jesús
/i\s de beber a taga que eu vou beber? passava, puseram-se a gritar:
Respondem: — Senhor, filho de Davi, tem com-
— Podemos. paixáo de nós!
^'Diz-lhes: 31A multidáo os repreendia para que
— Bebereis m inha taga, mas sentar á calassem. Mas eles gritavam mais forte:
ininha direita e esquerda nao cabe a mim — Senhor, filho de Davi, tem com-
i'onceder; será para aqueles a quem meu paixáo de nós!
l’ai destinou. 32Jesus se deteve e lhes falou:
24Quando os outros dez ouviram isso, — Que quereis que vos faga?
l'icaram indignados com os dois irmáos. 33Responderam :
25Mas Jesús os cham ou e lhes disse: — Senhor, que nossos olhos se abram.
— Sabéis que entre os pagaos os go- 34Compadecido, Jesús lhes tocou os
vemantes submetem os súditos, e os po­ olhos, e no mesmo instante recobraram
derosos impóem sua autoridade. 26Náo a visáo e o seguiram.

çâo à nova páscoa. Segundo o texto, a sen- pelo martirio (At 12,2), nao em Joáo. Mas
tença de morte procede das autoridades também existe paixáo sem chegar ao mar­
judaicas, a execuçâo cabe aos pagaos. tirio. Aqui temos outro exemplo de que
20,20-28 Continua o tema de grandes e nem tudo o que pedimos nos é concedido:
pequeños, desta vez no plano do poder. O “ainda que náo saibamos pedir como é
episodio acontece no círculo dos doze e devido” (Rm 8,26).
mostra como os apóstolos entenderam mal Um modo de exercer o poder no mundo
o ensinamento do Mestre. Do fato concre­ civil é autoritario e tiránico: náo pode ser­
to Jesús sobe ao principio geral, válido para vir de modelo para a comunidade de Je­
a sua comunidade. sus. Nela haverá autoridade, mas vai ser
O pedido da máe pode recordar as ma­ exercida náo por alarde de poder, mas com
nobras de Betsabéia em favor de seu filho espirito de servigo. (Ver como o expoe
Salomáo (IRs 1,15-21) e se enlaça com a Pedro, lPd 5,1-4.) Tal é a grandeza e a
promessa dos doze tronos (19,28): entre primazia no reino. Jesús é o exemplo su­
os doze haverá dois privilegiados, os ¡me­ premo (cf. Is 53,12; lTm 2,6). O símbolo
diatos do rei. Jesús mostrou preferencia por do “resgate”, com termos aparentados,
eles, como antes por Pedro (4,21; 17,1). aparece em outros textos: Rm 3,24; ICor
Pretendem os irmáos superar ou antecipar- 1,30; Ef 1,7.14. Segundo SI 48,8-10, nin-
se a Pedro, passar de segundos a primeiros? guém pode entregar o resgate de sua vida,
A “taça” é a da paixáo (Jr 25,15-29; Ez para viver sempre.
23,32-34; Is 51,17-23; SI 75,9). A máe dos 20,29-34 O episodio dos cegos se en-
Zebedeus assistirá um dia à paixâo e mor­ contra a meio caminho. Prolonga as ins-
te de Jesús (Mt 27,55-56). Quando Mateus trugóes aos discípulos com o tema do se­
escreve, a prediçâo já se cumpriu em Tiago guimento; antecipa o triunfo de Jerusalém
MATEUS 96

E ntrada triu n fal em J eru sa ­ anunciado pelo profeta: 5Dizei à cid.i


lem (Me 11,1-11; Le 19,28-38; de de Siâo: Vé o teu rei que está cIk
Jo 12,12-19) — 1Ao chegar perto de gando: humilde, cavalgando um asno
Jerusalém, entraram em Betfagé, ju n ­ uma cria, filho de uma jum enta. ' <»
to ao m onte das O liveiras. Entáo Je­ discípulos foram e, seguindo as instiu
sus enviou dois discípulos, 2encarre- çoes de Jesus, 7levaram-lhe a jumentil
gando-os: e o jum entinho. Puseram os manto,
— Ide á aldeia em frente e logo en­ sobre eles e o Senhor montou. 8Um.i
contrareis um a jum entinha amarrada e grande multidáo forrava o caminho con
urna cria junto a ela. Soltai-a e trazei-a. seus mantos. 9A multidáo na frente o
3Se alguém disser algo, lhe diréis que o atrás dele clamava:
Senhor precisa deles. — Hosana ao filho de D avi! Bendilo
Dizendo isso os enviou. 4Isso acon- aquele que vem em nome do Senhoi
teceu para que se cumprisse o que fora Hosana ao Altissim o!

com a confissáo dos cegos (cf. 21,9.15). É de galileus peregrinando a Jerusalém pan
urna cura messiànica (cf. Is 29,18). a Páscoa se transforma em entrada reve
A cegueira corporal é compensada por ladora, acompanhada pelo fervor popula i
sua agudeza espiritual: reconhecem Jesús Deve-se 1er sobre o pano de fundo das acia
como descendente davidico, o Messias; magóes na entrada de um rei: Saloman
tres vezes invocam-no como Senhor; re- (IRs 1,38-40), Jeú (2Rs 9,13.30). O epi
fugiam-se em sua compaixáo. Ao toque de sòdio está iluminado por très citaçôes coni
Jesus recuperam a visáo (cf. Is 35,5) e se binadas e adaptadas: chegada do Salvadoi
tomam seguidores ou discípulos. (Is 62,11), entrada humilde do Messias (Ze
O seu grito passou à liturgia na forma: 9,9), hosana de súplica e aclamagáo (SI
“Senhor, tende piedade de nós”. 118,25-26). Jesus é recebido como o rei
messiànico: ele o aceita, mas salientando
21-25 Formam um bloco compacto e o caráter pacífico, sem aparato militar ou
estilizado, que Mateus compòe para mos­ cortesáo (nao alarma os romanos). Nao
trar a tensáo crescente entre Jesus e as monta um espetáculo: inclusive o jumen­
autoridades judaicas, e para preparar o de­ tinho está à sua disposigáo, por designio
senlace na paixáo e morte. As fortes ten- superior. Jesús age como diretor de cena
s5es entre judaismo e cristianismo na épo­ sapiente e dominador.
ca da composigáo do evangelho influem 21,5 Cita a primeira frase: os ouvintes
na redagáo acentuando o tom e os deta- ou leitores conheciam o contexto, que
lhes polémicos. Entre o Jesús histórico e a anuncia a chegada de “teu Salvador”. O
igreja do autor se dá uma correlagáo que texto grego de Zacarías tem très adjetivos:
configura o relato. Deve ser lido olhando justo, salvador, humilde (o hebraico diz
as duas vertentes. A interpretaqáo precisa “vitorioso” em segundo lugar). Mateus
levar em conta o gènero literário da con­ retém só o terceiro adjetivo, que nao con-
trovèrsia, presente entre escolas filosófi­ tradiz as bem-aventuranças. O jumentinho
cas ou entre seitas de uma religiáo. Pode era cavalgadura pacífica e mansa (Jz 5,10);
ter havido também influéncia de alguns a mula podia ser cavalgadura règia (IRs
modelos de violenta denuncia profètica e 1,38.44); para a guerra serviam muías e
de polèmica com falsos profetas, inclusi­ cavalos (Jz 5,22; 2Sm 18,9). O contexto
ve no debate de Jó com os amigos nao fal- de Zacarías anuncia a destruiçâo do apa­
tam palavras injuriosas. As discussoes com rato bélico.
as autoridades judaicas combinam com os 21,9 O grito Hosana é antes um grito de
ensinamentos para a comunidade. socorro (2Rs 6,26-27). Depois se conver­
te em aclamagáo e se tornou familiar por
21 , 1-11 A cena faz o papel de pórtico causa do Salmo 118, recitado na festa das
para o que se segue; realiza a mudanga de Tendas. O ato de bendizer admite duas lei-
cenário e oferece um fundo de contraste. turas: a) “Em nome do Senhor” ligado com
O que pode ter sido uma simples caravana “bendito”, bendiz invocando o Senhor
*11» 97 MATEUS

•••Uiiando entrou em Jerusalém, toda 14No templo aproxim aram -se cegos
i Hiliule perguntava agitada: e coxos, e ele os curou. 15Quando os
t» Uuem é esse? sum os sacerdotes e letrados viram os
a multidáo respondía: milagres que fazia e as crianzas no tem ­
liste é o profeta Jesús, de Nazaré plo gritando Hosana ao filho de Davi!,
•t (laliléia. ficaram indignados 16e lhe disseram:
— Ouves o que estáo dizendo?
Purifica o tem plo (M e 11,15-19; Le Jesús lhes respondeu:
iíl4í-48; Jo 2,13-22) — 12Jesus entrou — Sim; nunca ouvistes que tirarei um
Icmplo e expulsou todos os que ven- louvor da boca de bebés e crianzas de
lllm e compravam no templo, virou as peito?
•HVNns dos cam bistas e as cadeiras dos 17Deixando-os, saiu da cidade e se
iU|Cvendiam pom bas. 13Disse-lhes: dirigiu a Betánia, onde passou a noite.
t»- Está escrito que minha casa será
HMDde oragao, ao passo que vos a con- A figueira seca (M e 11,12-14.20-24)
firlestes em covil de ladróes. — 18De manhá, a caminho da cidade,

momo diz o original hebraico; ver o texto tomada do discurso de Jeremías contra o
iilíssico de Nm 6,24-26). b) “Vem em abuso no templo (como talismá mecáni­
mime do Senhor”, como seu representan- co), que quase lhe custa a vida. O covil é o
II, “Filho de Davi” é título messiànico lugar onde os bandidos abrigam sua im-
(20,29.31). punidade. As palavras de Jesús apontam
21.10 Compare-se essa agitacelo com a mais além dos comerciantes e cambistas.
ile 2,3, pelo nascimento do descendente de Pode-se acrescentar o final de Zacarias
Olivi. (Zc 14,21): “Já nao haverá vendedores no
21.11 A expressáo “o profeta” poderia templo”.
despertar a recordagáo de Dt 18,15. De 21.14 Sobre cegos e coxos, ver Lv 21,18,
Nuzaré: 2,23. que legisla sobre os sacerdotes, e 2Sm 5,8,
21,12-17 Apurificagáo do templo é con- que recolhe um dito proverbial: “Nem
«cqüéncia do que precede: entra na capi­ coxo nem cegó entre no templo”. O tem­
tili, dirige-se ao templo para purificá-lo, plo é lugar para acolher os necessitados e
como anunciara Malaquias: “Logo entra­ fazer o bem.
rá no santuàrio o mensageiro da alianza 21.15 As autoridades cultuais e doutri-
que procuráis” (MI 3,2). O templo fora nárias consideram profanado do templo
centro religioso e também político, dir-se- essas curas e a aclamagáo messiánica das
lu centro de gravidade de residentes e da criangas (recorde-se o incidente entre
diàspora. Mais do que urna purificalo sis­ Amos e Amasias, Am 7,10-15). Jesús res­
temática, o gesto de Jesús é agáo simbóli­ ponde citando SI 8,3, que equivale a di-
ca: em àmbito restrito, dá urna licjáo com zer: a aclamagáo messiánica á minha pes-
nutoridade. O que era o comércio de gado soa é louvor provocado por Deus.
c de moedas no pàtio maior do recinto do 21,18-22 Cena á primeira vista incon­
templo se pode deduzir de testemunhos da gruente. Os profetas praticaram a agáo sim­
época: centenas ou milhares de caberas de bólica, explicada depois, como forma de
gado e de aves, càmbio de moeda de mui- predican. Jesús age aqui como profeta. A
tos países. Se a operagáo era necessària, figueira pode representar Israel: “Como
prestava-se a múltiplos abusos, tolerados figo temporáo na figueira descobri vossos
pela autoridade. Desfigurava o sentido e a pais” (Os 9,10); Miquéias identifica os fru­
t'unqáo do templo. tos com homens leáis e honrados (Mq 7,1-
Jesús rubrica seu gesto com duas cita- 2); Jeremías, os que recusam converter-se
QÓes proféticas combinadas. A primeira (Is (Jr 8,13). Pelo fato de nao dar o fruto es­
56,7) se lè no principio da terceira parte perado (cf. Is 5,1-7, na imagem da vinha),
do livro de Isaías, numa importante mu- Jesús a amaldicoa (compare-se por con­
danga da legislado. A segunda (Jr 7,11) é traste com SI 1,3-4; 129,8; Is 65,8). O Is-
MATEUS 98

sentiu Come; 19vendo urna figueira ju n ­ de Joño, de onde procedía: de Deus


to ao caminho, aproxim ou-se, mas en- dos homens?
controu apenas folhas. Disse-lhe: Eles discutiam aquestáo: Se di/em
— Jam ais voltes a dar fruto. de Deus, ele nos perguntará por que n¡ii(
Imediatamente a figueira secou. 211Ao eremos nele; 2hse dizemos dos honw "
ver isso os discípulos diziam assom- o povo nos assusta, pois todos tém I*
brados: como profeta.
— Como Coi que a figueira secou de 27Por isso responderán! a Jesús:
repente? — Nao sabemos.
Jesus !hes respondeu: Ele lhes replicou:
— Eu vos asseguro que, se tivésseis — Tampouco eu vos digo com t|in
fé sem vacilar, nao só faríeis o que acon- autoridade lago isso.
teceu à figueira, mas diríeis a este monte
que saia dai e se lance ao mar, e ele o O s dois filhos — 28Que vos paro i )
faria. 22E tudo o que pedirdes com fé o Um homem tinha dois filhos. Dirigm
recebereis. se ao primeiro: Filho, vai hoje tralu
Ihar na minha vinha.
A autoridade de Jesus (M e 11,27-33; 29Respondeu-lhe: Sim, senhor. Mal
Le 20,1-8) — 23Entrou no tempio e se nao foi. 3l)Depois foi dizer o mesmo .m
pòs a ensinar. Aproxim aram -se os su­ segundo. Este respondeu: Nao quei"
mos sacerdotes e senadores do povo e M as logo se arrependeu e foi. 3*Qual
lhe perguntaram: dos dois cum priu a vontade de sen
— Com que autoridade fazes isso? pai?
Quem te deu tal autoridade? Dizem-lhe:
24Jesus lhes respondeu: — O último.
— De minila parte vos farei urna per- E Jesús lhes diz:
gunta. Se a responderdes, vos direi com — Eu vos asseguro que os coletore
que autoridade fago isso. 25Q batismo e as prostitutas entraráo antes de viV

rael que nao dá fruto será rejeitado (mas máo déem por condenada a resposta vei
complete-se eom a reflexáo de Rm 9—11). dadeira. Condenar antecipadamente nao é
Mais tarde poderá ser aplicada a membros julgar. Jesús foge de urna resposta que nao
da eomunidade crista (Mt 7,19). estáo dispostos a aceitar. Por sua parte, ja
A explicadlo nao encaixa e encaixa. Nao o povo e um centuriáo romano haviam re-
encaixa porque do destino da figueira = po­ eonheeido sua autoridade superior (7,29;
vo salta para a fé operadora de milagres 8,9; 9,6-8). No batismo de Joáo está im­
(17,2; ICor 13,2). Encaixa porque a fé é o plicada sua missáo de mostrar que o Mes-
primeiro fruto que se exige ou a seiva da sias está presente. Além disso, Joáo é como
árvore. um esbogo de Jesús.
21,23-27 O discurso do templo (Jr 7 e A controvérsia se prolonga em tres pa­
26) custou a Jeremías um processo no qual rábolas de grande alcance: os dois filhos,
confirmou sua missáo profética. A atua- os vinhateiros, os convidados ao casamen
gáo de Jesús no templo o conduz a urna to. As trés contém um elemento de conde-
espécie de interrogatorio oficial, ante au­ nagáo e um de salvagáo.
toridades religiosas e civis; já intervieram 21,28-32 A parábola dos dois filhos está
os doutores. Na autoridade de ensinar e reduzida a um esquema, que é o dizer e o
fazer milagres está comprometida toda a agir em resposta á vontade de Deus. Os
missáo e identidade de Jesús. Ele trans­ dois filhos podem representar diversos
forma o interrogatorio em controvérsia de personagens: o povo do Israel histórico que
estilo rabínico: responde perguntando. E disse sim (Ex 19,8) e nao cumpriu (p. ex.
lógico que os sacerdotes indaguem sobre Jr 2,20); a geragáo do momento, com res-
a fonte de urna autoridade exercida em peito á pregagáo do Batista (cf. 3,7) e de
seus dominios; nao é justo que de ante­ Jesús. O outro filho representa qualquer
•1,4« 99 MATEUS

i ii ino ile Deus. 32Porque veio Joào, E o herdeiro. Vamos matá-lo e ficar com
min.nulo o cam inho da honradez, e a heranga. 39Agarrando-o, langaram-no
tu i ii sies nele, ao passo que os cole- fora da vinha e o mataram. 40Quando
ut»* i' as prostitutas creram . E vós, voltar o dono da vinha, como tratará
i I m i i i o ilepois de ver isso, nào vos ar- aqueles agricultores?
. (ii'iulestes nem crestes nele. 41Respondem-lhe:
— Certamente destruirá aqueles mal­
11»vlnhuteiros (Me 12,1-12; Le 20,9-19) vados e arrendará a vinha a outros agri­
"l .scutai outra paràbola. Um proprie- cultores que Ihe entreguem seu fruto na
'H1*1 plantou urna vinha, rodeou-a com colheita.
xii.i eerca, cavou um lagar e construiu 42Jesus lhes diz:
nini lorre; a seguir arrendou-a para — Nunca lestes na Escritura: A p e ­
llallis agricultores e partiu. 34Quando dra que os arquitetos desprezaram ago­
hrtfou a colheita, enviou seus servos ra é a pedra angular; é o Senhor quem
i*iiin recolher dos agricultores o fruto fe z isso e nos parece uní m ilagrel Por
|iii Ihe cabia. 35Eles agarraram os ser­ isso vos digo que vos tiraráo o reino
ví is: espancaram um, mataram outro e de Deus e o daríto a um povo que dé os
i|ieilrejaram o terceiro. 36Enviou outros frutos devidos. [44Quem tropezar nes-
mi vos, mais num erosos que os primei- sa pedra se despedazará; aquele sobre
ii is, e os trataram da mesma forma. 37Fi- o qual ela cair ficará esm agado]*.
imlinente lhes enviou seu filho, nensan- '5Quando os sumos sacerdotes e os
.1*1(|ue respeitariam seu filho. 3hMas os fariseus ouviram suas parábolas, com-
ip.i ¡cultores, ao ver o filho, comentaram: preenderam que falava deles. 46Tenta-

mu que se arrependa: as duas categorías 38), Azarias, lapidado no àtrio do templo


i|»c recebiam entáo o qualificativo de por ordem do rei (2Cr 24,20-21).
pecadores” (9,10-11; 11,19) e que acei- 21.38 No AT pode-se falar da terra como
luram o convite do Batista para o arre- herdade-heran§a do povo, também do
l*cndimento (3,2.6.8); também o povo povo como heranga do Senhor: IRs 8,51;
•los pagaos que se arrepende e crê (cm Jr 12,8 etc. No salmo messianico (SI 2,8),
Icsus). O caminho da honradez: Pr 8,20; Deus oferece ao rei, “seu filho”: “Pede-
12,28. me, e te darei as nagóes como heranya”. O
21,33-43 Pela imagem da vinha, por al- Filho de Deus é agora o herdeiro, e seus
nuns traços descritivos e pela pergunta rivais pretendem eliminá-lo para ficar com
ilirigida ao público tomado como urna es- a heranc;a.
pécie de júri, a perícope recorda Is 5,1-7, 21.39 É fora da cidade que Jesús morre
que os ouvintes conheciam muito bem e (Hb 13,12).
termina com a identificaçâo “a vinha é a 21,41 É a resposta do júri. Pode-se com­
Casa de Israel”. E notável na versáo de parar com Ct 8,11.
Mateus a importáncia atribuida aos “fru­ 21,42-43 Com a citagáo de SI 118,22-
tos” (vv. 34.41.43). Mais importantes sao 23, insinua a ressurreigáo como agao do
as diferenças, que sintetizam o drama da Pai, que ratifica e revela a dignidade trans­
historia da salvaçâo, como a compreende cendente do seu Filho. De fato, matando o
a comunidade de Mateus: missáo reitera­ Filho nao conseguiram seu objetivo: in-
da e frustrada dos profetas, envió do Fi­ correram em culpa grave, ao passo que o
lho, sua morte violenta, vocaçâo dos pa­ Filho volta a viver para receber a heranga.
gaos. O dono conserva a propriedade, que Exercerá sua autoridade no “povo” novo,
arrenda, e cobra urna parte dos frutos; os aberto aos pagaos, nao fechado aos judeus.
colonos querem apropriar-se do que é ape­ Dará fruto (7,21-23).
nas emprestado. 21,44 *Falta em vários manuscritos.
21,35 P. ex. Elias perseguido (IRs 19), Parece tomado de Le 20,18 e acrescenta-
Jeremías, julgado e atirado à cisterna para do aqui.
morrer, conduzido ao Egito à força (Jr 26; 21,46 O medo do povo, como em 14,5.
MATEUS 100 22,1

ram prendé-Io, mas tiveram medo da seus servos: O banquete nupcial esta
multidáo, que o tinha com o profeta. preparado, mas os convidados náo o
mereciam. 9Portanto, ide as encruzilha-
O banquete de casam ento (Le das e convidai para o casamento todos
14,15-24) — 'Jesús tomou de novo os que encontrardes. 10Os servos saí-
a palavra e lhes falou usando parábolas. ram pelos caminhos e reuniram todos
20 reino de Deus se parece com um rei os que encontraram , maus e bons. O
que celebrava o casamento de seu filho. saláo se encheu de convidados. u Quan
3Enviou seus servos para chamar os do o rei entrou para ver os convidados,
convidados ao casam ento, mas estes observou um que náo usava traje apro-
nao quiseram ir. 4Entáo enviou outros priado. 12Disse-lhe: Amigo, como entras­
servos, recom endando que dissessem te sem traje apropriado? Ele emudeceu.
aos convidados: Meu banquete está pre­ 13Entáo o rei ordenou aos serventes:
parado, os touros e anim ais cevados Atai-lhe pés e máos e langai-o fora ñas
foram degolados e tudo está pronto. trevas. A i haverá pranto e ranger de
Vinde ao casamento. 5M as eles se des- dentes. 14Pois sao m uitos os convida­
culparam: um foi para seu campo, ou- dos e poucos os escolhidos.
tro para seu negocio; 6outros agarraram
os servos, os m altrataram e mataram. O tributo a César (M e 12,13-17; Le
70 rei se enfureceu e, enviando suas 20,20-26) — 15Entáo os fariseus foram
tropas, acabou com aqueles assassinos deliberar um modo de enredá-lo com
e incendiou sua cidade. 8Depois disse a suas palavras. 16Enviaram -lhe alguns

22,1-14 A perícope se compóe de dois menor coeréncia, os convidados ocupam


trechos. A parábola dos convidados ao ca­ (o autor precisa de um plural). O banque­
samento (1-10), a adigáo parabólica sobre te expressa o gozo do casamento: repre­
o traje para o banquete (11-14). Na pri- senta a participado da Igreja e aponta para
meira parte cresce, como cunha, um epi­ a consumagáo escatológicá (cf. Is 25,6-8;
sodio bélico. Segundo alguns, a primeira Mt 26,29; Ap 19,9). Os enviados sáo os
parte se refere ao destino do povo judeu e profetas e, no horizonte eclesial de Mateus,
á vocagáo dos pagáos, isto é, repete o es­ os pregadores do evangelho.
quema da parábola precedente; a segunda 22,6-7 Este episodio, concisamente re­
se dirige á comunidade cristá. Outros co­ ferido, rompe a lógica do relato: introduz
mentaristas propóem urna interpretado a violencia náo justificada dos convidados
mais diferenciada. Os empregados repre­ (em lugar da desculpa), reúne os culpados
sentan! os missionários cristáos que pre- numa cidade, menciona uma expedigáo
gam aos judeus até a destruido de Jerusa- militar. Nesses vv. se vislumbra a destrui­
lém; vem a seguir a pregagáo aos pagáos, d o histórica de Jerusalém no ano 70.
que se encerra com urna visáo escato- 22,10 Maus e bons: entende-se, em sua
lógica. A parábola é contada e lida no tem­ conduta precedente (Pr 15,3). A nova cha­
po da Igreja, apesar de colocada na etapa mada náo se baseia em méritos adquiri­
final de Jesús. dos. Esse dado serve para enganchar a cena
A introducto deixa aparecer um símbo­ acrescentada.
lo de grande alcance, que se mantém como 22,11-14 Náo obstante, o salto é violen­
fundo do relato: o convite visa sempre a to e exige do leitor colocar-se na situagáo
um casamento. É o símbolo do Messias da Igreja. O traje vai simbolizar sua con­
esposo, próprio do NT (Jo 1-3; 2Cor 11,2; duta de acordo com o chamado e a fungáo
Ef 5; Ap 19 e 22 etc.), prefigurado no sím­ (cf. Ap 15,6; Is 61,10). A exclusáo do rei­
bolo nupcial entre Yhwh e Jerusalém ou a no, fato negativo, é representada pela ima-
comunidade (Os 2; Is 1,21-26; 49; 54 etc.). gem das trevas, que podem ser as da mor-
O rei pai representa obviamente Deus, te (Jó 10); o pranto é a reaejáo do excluido,
e Jesús é seu filho, príncipe herdeiro (náo contraposta ao gozo da festa.
pode ser sucessor; cf. SI 45). Náo se men­ 22,15-44 Quatro perguntas e respostas
ciona a noiva (cf. 25,1-13), cujo lugar, com mostram a crescente tensáo com as auto-
22,23 10 1 MATEUS

discípulos seus, acompanhados de hero- — De quem é esta imagem e esta ins-


dianos, que lhe disseram: criçâo?
— Mestre, consta-nos que és veraz, 21Respondem:
que ensinas sinceramente o caminho de — De César.
Deus e nao te importa ninguém, porque Entáo lhes disse:
nao fazes distingáo de pessoas. ,7Dize- — Pois dai a César o que é de César,
nos tua opiniáo: E lícito pagar tributo a e a Deus o que é de Deus.
César ou nao? 22Ao ouvir isso, se surpreenderam, o
18Jesus, adivinhando sua má intengao, deixaram e se foram.
Ihes disse:
— Por que me tentáis, hipócritas? A ressurreiçâo (Me 12,18-27; Le 20,
l9M ostrai-me a moeda do tributo. 27-40) — 23Naquela ocasiáo aproxima-
Apresentaram-lhe um denário. 20E ele ram -se alguns saduceus (que negam a
lhes diz: ressurreiçâo) e lhe disseram:

ridades judaicas; refletem também a atitu- Se reconhecem o curso legal da moeda,


de de comunidades cristas quando Mateus pois a exibem, é porque entraram no siste­
escreve. Très vezes Jesus é interrogado, a ma económico, e devem aceitar suas con-
quarta pergunta é ele que faz e deixa sem seqüéncias. Mas, acima de qualquer po­
resposta. As perguntas e os interlocutores der humano está Deus, e o homem é a
váo mudando: a primeira, sobre o tributo, imagem de Deus. A missáo de Jesús nao é
perguntam fariseus por meio de discípu­ uma libertado política; ele veio libertar o
los unidos a seguidores de Herodes; a se­ homem restabelecendo sua rclacjao com
gunda, sobre a ressurreiçâo, perguntam os Deus. O principio, em sua form ulado la­
saduceus; a terceira, sobre o preceito má­ pidar, tem sido fonte de inspirado e de
ximo, pergunta um fariseu com título de interpretares ou aplicagóes diversas, nem
letrado doutor (segundo alguns manuscri­ sempre acertadas; porque as comunidades
tos e Le 10,25); a quarta, sobre o filho de cristas vivem dentro de instituidas políti­
Davi, Jesus interroga os fariseus. Podemos cas. A resposta de Jesús, inesperada em sua
classificar aproximadamente: a primeira é segunda parte, mostra que a pergunta foi
política, a segunda teológica, a terceira mal colocada (bom ensinamento herme-
ética, a quarta messiànica. néutico para o intérprete da Biblia).
22,15-22 O primeiro, diz Mateus, é urna 22,23-33 Sobre os saduceus e a ressurrei-
conspiraçâo premeditada. Os discípulos de gáo, Lucas nos oferece uma divertida ilus­
fariseus podem perguntar fingindo curio- trad o (At 23,6-10). Vem a propósito por­
sidade inocente e antecipando um elogio; que, nesse ponto, os saduceus eram inimigos
os herodianos sao dependentes de um po­ dos fariseus. Para o leitor cristáo, é inevitá-
der estabelecido ou respaldado pelos ro­ vel a recordado de ICor 15,12-14: “Ora, se
manos. Os fariseus em geral nao simpati- se proclama que Cristo ressuscitou da mor-
zavam com Herodes. te, como dizem alguns de vós que nao há
A pergunta tenta conduzir Jesus a um ter­ ressurreigáo de morios? Se nao há ressur-
reno extremamente perigoso. É a vertente reigáo de morios, tampouco Cristo ressus­
económica da política, na qual entram em citou; e se Cristo nao ressuscitou, é vá nos-
jogo a lealdade e a submissáo ao poder im­ sa proclamado, é vá nossa fé”. Os saduceus
perial. Pode ter conotaçâo religiosa porque nao se dáo conta de que estáo abordando
a inscriçào da moeda reza: Tiberius Caesar o grande tema messiánico (cf. Jo 10,10).
divi Augusti filius Augustus. Os publícanos Os saduceus baseiam seu caso na lei do
andavam ás vezes acompanhados por sol­ levirato, em virtude da qual o cunhado
dados romanos. A resposta de Jesús é ha- deve tomar a viúva do irmáo sem filhos
bilíssima: delata a má intençâo ou “hi- para dar-lhe um filho e perpetuar o nome
pocrisia”, rompe os fios da rede que lhe do defunto (Dt 25,5-10; Rt 4). Aapresen-
lançam e levanta seu ensinamento a um ni­ tagáo do caso é burlesca, como de quem
vel superior, de maior alcance. se sente seguro e pode ironizar.
MATEUS 102 22 , 2.1

— ^M estre, Moisés ordenou que quan­ — 36Mestre, qual é o preceito mais


do alguém morre sem filhos, seu irmào importante na lei?
case com a viúva, p a ra dar descen ­ 37Respondeu-lhe:
dencia ao irmào defunto. 25Pois bem, ha- — Am arás o Senhor teu D eus de todo
via em nossa com unidade sete irmàos. o coragáo, com toda a alma, com toda
O primeiro casou, morreu sem descen­ a mente. 38Este é o preceito m ais im ­
dencia e deixou a mulher a seu irmào. portante; 39porém, o segundo é equiva­
2óO mesmo aconteceu com o segundo lente: Amarás o próxim o como a ti m es­
e o terceiro, até o sétimo. 27Depois de mo. 40Esses dois preceitos sustentam a
todos morreu a mulher. 28Quando res- lei inteira e os profetas.
suscitarem , de qual dos sete será a m u­
lher? Pois todos foram maridos dela. O M essias e Davi (M e 12,35-40; Le
29Jesus lhes respondeu: 20,41-44) — 41Estando reunidos os fa­
— Estáis enganados, porque nào en- riseus, Jesús propós urna questáo:
tendeis as Escrituras nem o poder de — 420 que pensáis sobre o Messias?
Deus. 30Quando ressuscitarem, os ho- De quem é filho?
mens e as mulheres nào se casarào, mas Respondem-lhe:
seráo no céu como anjos de Deus. 31E a — De Davi.
propòsito da ressurreicíio, nao lestes o 43Ele lhes diz:
que Deus vos diz? 32Eu sou o D eus de — Entáo, como Davi, inspirado, o
Abrado, o Deus de Isaac, oD eusdeJacó. chama Senhor, dizendo: 44D isse o Se­
Nào é um Deus de mortos, mas de vivos. nhor a meu Senhor: Senta-te à minha
33Ao ouvi-lo, o povo ficava assom- direita até que eu faga de teus inimigos
brado com seu ensinamento. estrado de teus p é s i 45Pois se Davi o
34Os fariseus, ao saber que havia fe­ chama Senhor, como pode ser seu filho?
chado a boca dos saduceus, reuniram- Ninguém podia responder-lhe, e dai
se num lugar. 35E um deles* lhe per- em diante ninguém se atreveu a fazer-
guntou capciosamente: lhe perguntas.

Jesus responde de frente. A colocagào é do Dt 6,5 com Lv 19,18. A integragáo dos


distorcida, porque supoe que a outra vida dois amores, de Deus e do próximo, é seu
seja repetigào e prolongamento da presen­ ensinamento fundamental. A lei e os pro­
te. A vida do ressuscitado é obra do “po­ fetas é toda a Escritura (Mt 7,12). Pela
der de Deus”, que estabelece a nova con­ colocagáo no contexto, esse ensinamento
d i l o humana (cf. ICor 25,35-53). Depois de Jesús tem algo de testamentàrio.
cita um texto do Pentateuco (que os sadu­ 22,35 *Alguns manuscritos acrescen
ceus reconhecem), no qual o pròprio Deus tam: um doutor da lei...
se apresenta e se define (Ex 3,6): o Deus 22,41-46 Supóe a atribuigáo tradicional do
da Escritura nào é um deus infernal (cf. SI Salmo 110 a Davi e sua interpretagào
49,15; Is 28,15), mas vivo, da vida, dos messiànica, ambas comumente aceitas na
vivos. Quando os judeus invocam o “Deus época. O título messiànico Filho de Davi
de nossos pais/patriarcas”, nào invocam aplica-se reiteradamente a Jesús (8 vezes em
um soberano de mortos. Mt). O texto grego do salmo repete o vocá-
22,34-40 A pergunta se explica, porque bulo Kyrios: o texto hebraico distingue Yhwh
os fariseus contavam 613 preceitos na lei, e ’adony (o primeiro divino, o segundo nào).
365 proibigóes e 248 mandamentos. Era Dada a invocagáo de Jesús como Kyrios na
mister sabè-los e praticá-los todos. Era comunidade cristà, a frase recebe urna luz
necessàrio estabelecer urna hierarquia para obliqua. Se Davi fala “inspirado”, Deus ga­
casos conflitivos e também porque o pri­ rante o que ele diz. A conclusáo seria que o
meiro devia reger todos os demais. Mi- Messias é mais que simples descendente de
quéias sintetiza todas as obrigagóes na le- Davi, conclusáo que os interlocutores nào
aldade com o próximo, a humildade com parecem dispostos a aceitar.
Deus (Mq 6,8). Jesús responde combinan- 22,44 SI 110,1.
23,14 10 3 MATEUS

In vectiv a co n tra os fa riseu s gas; 7de serem saudados pelas pessoas


(Le 11,37-54) — ^ n tá o Jesús, na rúa e serem chamados mestres.
ilirigindo-se á multidáo e aos discípu­ 8Náo vos faga is chamar de mestres,
los, 2disse: pois um só é o vosso mestre, ao passo
— Na cátedra de Moisés sentaram-se que todos vos sois irmáos. 9Na térra a
os letrados e fariseus. 3Praticai o que vos ninguém chaméis pai, pois um só é o
ordenarem, mas nao imitéis o que fazem; vosso Pai, o do céu. 10Nem vos chaméis
pois dizem e nao cumprem. Amarrara instrutores, pois vosso instrutor é um só,
lardos pesados e os póem nos ombros o Messias. O maior de vós seja vosso
das pessoas, enquanto eles se negam a servidor. ,2Quem se exalta será humi-
mové-los eom um dedo. 5Fazem tudo lhado, e quem se humilha será exaltado.
para exibir-se as pessoas: carregam fai- 13A i de vós, letrados e fariseus hipó­
xas largas e borlas grandes. 6Gostam de critas, que fecháis aos homens o reino
ocupar os primeiros lugares nos banque­ de D e u s!14Vós náo entráis nem deixais
tes e os primeiros assentos ñas sinago­ entrar os que o tentam*.

23.1 -36 Aquí culmina a polèmica da 23.3 Para fazer concordar este aviso com
comunidade crista com as autoridades reli­ outros precedentes (p. ex. as antíteses do
giosas judaicas. A redagáo provavelmente cap. 5) seria preciso restringir seu alcan­
reflete a época em que os cristáos já tinham ce: o que vos disserem de acordo com
sido excluidos da comunidade judaica. O Moisés. A citagáo de Dt 4,2 proíbe acres-
gènero de polèmica explica indubitáveis centar ou suprimir. Denuncia urna contra-
exageras ou sim plificares ao descrever o digáo radical, dizer e náo fazer. Jesús fez e
contràrio; alguns tragos sào mais caricatu­ ensinou, ordenou e deu exemplo.
ra que retrato. Léem-se coisas semelhantes 23.4 Os fardos pesados parecem ser as
em escritos filosóficos polémicos da épo­ múltiplas observancias. Jesús impóe um
ca. O texto se apresenta condicionado pe­ jugo leve (cf. 11,29-30).
las circunstancias e pelo gènero. A descri- 23.5 Segundo a lei de Nm 15,38-39; Dt
gào e caracterizado de letrados e fariseus 6,8-9 materialmente entendida, sem respei-
náo concorda em tudo com o que sabemos tar sua fungáo, que era “recordar os man-
desses grupos através de outras fontes. Por damentos do Senhor e ajudar a cumpri-los”.
outro lado, é possível e conveniente tomar 23.6 Vejam-se os conselhos de Pr 25,6-
o texto como descric;fio de tipos que se po- 7; Eclo 13,8-9 e a parábola de Le 14,7-10.
dem encontrar em outros grupos religiosos, 23,8-11 Aqui vemos como Jesús (como
inclusive a pròpria comunidade. O hipócri­ Mateus) dirige palavras polémicas aos
ta, como tipo humano, fica desmascarado. seus. Também Tiago tem urna preocupa-
Compoe-se de sete ais, gènero que já se gáo semelhante (Tg 3,1). Mestre é o Se­
encontra em séries em textos proféticos (Is nhor (Is 48,17), e agora Jesús (Mt 8,19; Jo
5,8-23; Hab 2,7-20). O número 7 parece in­ 13,14 etc.). “Pai” parece tomado aqui co­
tencional. Predomina neles acontradigáo da mo título honorífico, sem referéncia á pa-
conduta e a hipocrisia. Grande afa prose- ternidade física (veja-se, p. ex., Jz 17,10;
litista, mas resisténcia ativa contra o reino, Is 9,5). A irmandade de todos na comuni­
o pequeño e o grande, o interior e o exterior, dade fica fortemente destacada.
agressáo em vida e honras após a morte. 23.11 Segundo 20,26-27 par.
23.1 A introducilo faz o texto soar como de­ 23.12 Aforismo de alcance geral (Jó
nùncia pública; ao mesmo tempo dá a enten­ 22,29; Pr 15,33; 29,23) e de aplicagáo es­
der que oferece algo especial para os discípulos pecial na comunidade cristá.
23.2 Escritos rabinos descrevem Moisés 23.13 Primeiro ai. Refere-se á hostili-
sentado numa “cátedra” para ensinar, como dade do judaismo contra a pregagáo do
fundador de urna tradigáo oral que os douto- evangelho documentada, p. ex., em vários
res dizem conservar e transmitir (Jesús tam- episodios dos Atos.
bém se senta para ensinar, Mt 13,2; 26,55). 23.14 *Alguns manuscritos acrescentam
Significa o ensinamento autorizado de Moisés o v. 14, tirado de Le 20,47: 14A¿ de vós,
para as geragóes sucessivas (Dt 4,2; 32,46). letrados e fariseus hipócritas, que devoráis
MATEUS 104

15A i de vós, letrados e fariseus hipó­ var, sem descuidar o resto. 24Gma <DI
critas, pois percorreis mar e terra para gos, que filtráis o m osquito e bcbaltfl
ganhar um prosélito, e quando o conse­ camelo!
guís, o tornáis m erecedor do fogo duas 25Ai de vós, letrados e fariseus lii|>
vezes mais que vós! critas, que limpais por fora a taga ■ .
lfiAi de vós, guias cegos, que dizeis: prato, quando por dentro estáo clicm
Quem jura pelo templo nao se com pro­ de roubos e devassidáo. 26Fariseu o-p
mete; quem jura pelo ouro do tempio Limpa primeiro por dentro a taca, e nu
fica comprometido! ’’Insensatos e ce­ sim ficará limpa por fora.
gos, o que é mais importante: o ouro ou 27Ai de vós, letrados e fariseus hipoi ii
o templo que consagra o ouro? 18Dizeis: tas, que pareceis sepulcros caiados ¡"»
Quem jura pelo altar nao se com pro­ fora sao form osos, por dentro esi i
mete, quem jura pelo dom que há so­ cheios de ossos de mortos e de todo li¡»
bre o altar fica comprometido. 19Cegos! de impureza. 28Dessa forma, por I o n
O que é mais importante: o dom ou o pareceis justos diante das pessoas, pnij
altar que consagra o dom? dentro estáis cheios de hipocrisia e inl
20Com efeito, quem jura pelo altar qüidade.
jura por ele e por tudo o que há sobre 29Ai de vós, letrados e fariseus hipo
ele; -'e quem jura pelo templo jura por critas, que construís mausoléus para o»
ele e por quem o habita; 22e quem jura profetas e monumentos para os justi >•,
pelo céu jura pelo trono de Deus e por -°comentando: Se tivéssemos vivido n<
aquele que nele está sentado. tempo de nossos antepassados, nao ir
23Ai de vós, letrados e fariseus hipó­ riamos participado do assassinato do-
critas, que pagais o dízimo da menta, do profetas. 31Com isso reconheceis que
anis e do cominho, e descuidáis o mais sois descendentes dos que mataram oí.
grave da lei: a justiga, a misericordia e profetas. 32Portanto, enchei a medida do:,
a lealdade. Isso é o que se deve obser- vossos antepassados. 33Serpentes, ninha

os bens das viúvas com o pretexto de fa- para ver aqui a descrido de um tipo hu
zer longas oragoes. Por isso tereis urna mano.
sentenga mais severa! 23,25-26 Refere-se a prescrigóes de pu
23,15 Prosélito quer dizer convertido ao reza (Lv 6,21; 11,33; Mt 15,11), das quais
judaismo e circuncidado. Por varios sácu­ passa metafóricamente á pureza interior
los os judeus desenvolvcram grande ativi- Também aqui identificamos um tipo hu
dade proselitista com notáveis resultados. mano.
Como a circuncisáo o obriga a cumprir 23,27-28 Cadáveres e sepulcros produ-
toda a lei, o expóe ao castigo do descuin- ziam por contato a máxima contaminagáo
primento. Merecedores do fogo é literal­ e deviam ser evitados (Lv 21,11; Nm 6,6;
mente “filhos da Geena” (13,42), em opo- 19,11-21; Eclo 34,25); por isso se pinta-
sigáo a “filhos do reino” (13,34). vam com cal os sepulcros para serem evi­
23,16-21 Ridiculariza a interpretado tados. Por outro lado eram ornamentados
casuística sobre o juramento: nao conde­ para honra dos defuntos. A comparado
na o juramento (comparar com 5,35-37). dos hipócritas com o mundo da morte é
Normalmente o juramento era feito por violenta, quase macabra. Alguém conclui­
Deus; substituindo o nome de Deus, invo- ría que eram extremamente abomináveis.
cava-se o céu ou o templo ou o altar. “Guias 23,29-32 O costume de erigir mausoléus
cegos”: como em 15,14; Rm 2,19. ou monumentos funerários está documen­
23,23-24 Interpretado da lei dos dízi- tado (de Raquel Gn 35,20; de Sobna Is
mos (Nm 18,11-13; Dt 14,22-23). Em no­ 22,16; do poderoso Jó 21,32). Completam
me de coisas pequeñas sacrificam o im­ a medida (cf. Gn 15,16), matando o últi­
portante, também exigido pela lei e pelos mo profeta (Dt 18,15), Jesús.
profetas (Mq 6,8; Am 5,24; Is 1,17; Jr 22, 23,33 Comega urna espécie de conclusáo
15; Pr 21,21). Nao é preciso esforgar-se violenta. Víboras: 3,7; 12,34; Is 14,29; 59,5.
H 10 5 MATEUS

li ili víboras! Como evitareis a conde- tas os profetas e apedrejas os enviados,


Miii.ii'1 ao logo? 34Vede, para isso vos quantas vezes tentei reunir teus filhos
hh ii 11 uofetas, doutores e letrados: a uns como a galinha reúne a ninhada debai-
•intinis c crucificáis, a outros agoitais em xo de suas asas, e vós resististes. 38Pois
...... sinagogas e os perseguís de ci- bem, vossa casaficará deserta. 39Eu vos
ilitilr em cidade. 35Assim recairá sobre digo que a partir de agora nao voltareis a
ni', ludo o sangue inocente derramado ver-me até que digáis: Bendito aquele que
mi ii i i a, desde o sangue do justo Abel vem em nome do Senhor.
iilí o sangue de Zacarías, filho de Bara-
i|iii.is, que matastes entre o àtrio e o al- Discurso escatológico: Destrui-
111 M ,liu vos asseguro que tudo recairá gáo do templo (Me 13,1-23; Le
inilne esta geragáo. 21,5-24) — ‘Jesús saiu do templo e, en-
quanto caminhava, aproximaram-se os
I imientacao p o r Je ru sa lé m (Le 13, discípulos e lhe mostraram as constru­
l-ls) — 37Jerusalém, Jerusalém, que ma­ y e s do templo. 2Ele lhes respondeu:

23,34 Profetas: Zc 1,4; doutores sao os Mateus: porque muitos eventos eram fu­
ilicstres sapienciais; letrados, os de Me turos e desconhecidos em seus detalhes, e
I ,!,35. Très grupos de pregadores do evan- porque se sobrepóem ás perspectivas.
(¡rllio perseguidos violentamente; como o No pano de fundo estáo, por um lado, o
fivro dos Atos pode ilustrar, e já se anun- anúncio de Ezequiel sobre o final trágico
ríava no discurso sobre o apostolado (10, e iminente (Ez 7); por outro lado, as es-
1 /.23). A violéncia homicida começa com o catologias e apocalipses bíblicos e extra-
Iralricídio de Caim (Gn 4,8), espécie de pe- bíblicos (como Is 24—27; 65-66; Zc 14;
i ido original do odio, passa pelo profeta Dn), com suas fórmulas estereotipadas,
Zacarías (2Cr 24,20-21) e chega até ao tem­ suas descrigóes fantásticas, o acompanha-
po em que Mateus escreve. mento cósmico, alguns dados temporais,
23,37-39 A lamentaçâo por Jerusalém o estilo vago e alusivo.
c sentida. Em Jerusalém concentra-se urna Os apóstolos parecem fundir e confun­
historia de infidelidades (compare-se com dir duas coisas: a destruigáo do templo e o
o quadro esquemático de Ez 20 e a descri­ fim do mundo, quando virá o Messias.
ólo da Cidade Sangüinária em Ez 22). Pedem sinais exatos para elaborarem um
Embora haja culpa em seus chefes (cf. Is calendàrio seguro e razoavelmente exato.
1,21-22), a cidade continua sendo amada Acuriosidade se mistura com o temor.
(Is54,10). Antecedentes de tais sentimen- Em sua resposta, Jesus recusa toda de-
tos podem ser os Salmos (SI 74; 79; 102,15) terminagáo temporal, nao apura a distin­
e as Lamentaçôes, que choram culpas e t o dos dois planos: transforma a infor­
desgraças. m a lo em exortagáo à vigilancia diante de
Como a galinha: cf. Is 31,5; deserta: Jr enganos, á fortaleza frente a trib u íales
7,14. Conclui com a invocaçâo do SI certas, à expectativa do inesperado diante
118,26, citada também na entrada em Je­ da desatengáo.
rusalém (21,9). A referencia é escatológica. Para orientar-nos na leitura, podemos
prestar atengáo a temas repetidos: falsos
24-25 Formam o último grande discur­ messias e profetas (4-5.11.23-26); catás­
so de Jesús, dirigido a seus discípulos, so­ trofes sociais, políticas (7-8) e cósmicas
bre os acontecimentos fináis (escatologia: (8,29.37-38). Outro recurso de orientagao
do grego eschaton = último). Divide-se em é distinguir quatro blocos. Dois no centro:
très partes: urna descritiva de eventos futu­ a destruigáo de Jerusalém, prefigurando o
ros, outra parenética sobre a vigilancia, e juízo final (15-28 e 29-31). Ñas extremi­
a terceira, o quadro do juízo final. dades uma descrigáo geral e urna exorta-
gáo à vigilancia (4-14 e 32-44).
24,1 -44 Este é provavelmente o texto 24,1-2 Mateus imagina Jesús saindo do
mais difícil de interpretar no evangelho de templo e voltando a contemplá-lo a certa
m ateus 10 6 24.1

•— Vedes tudo isso? Pois eu vos as- 9Entregar-vos-áo para vos torturar c
seguro que desmoronará, sem que fi­ matar; todos os povos vos odiaráo poi
que pedra sobre pedra. causa do meu nome. 10Entáo muitos fa­
3Estando sentado no monte das Oli­ lharáo, se trairáo e se odiaráo mutua
veiras, os discípulos se aproximaram mente. n Surgiráo muitos falsos profetas
em particular, e lhe perguntaram: que enganaráo a muitos. 12E, ao cres-
— Dize-nos quando acontecerá isso cer a iniqüidade, o amor de muitos se
e qual é o sinal de tua chegada e do fim esfriará. 13Mas quem agüentar até o fim
do mundo. se salvará. I4A boa noticia do Reino será
4Jesus lhes respondeu: proclam ada a todas as nagóes, e entáo
— Cuidado para que ninguém vos chegará o fim.
engane. 5Pois muitos se apresentaráo
alegando meu título, dizendo que sao o A grande tribulagáo (Me 13,14-23; Le
Messias, e enganaráo a muitos. 6Ouvi- 21,20-24) — 15Quando virdes entroni­
reis falar de guerras e noticias de guer­ zado no lugar sagrado o ídolo abomi-
ras. Atengáo! Nao vos alarméis. Tudo nável anunciado pelo profeta Daniel (o
isso acontecerá, mas ainda nao é o fi­ leitor que o entenda), l6entáo os que
nal. 7Povo se levantará contra povo, vivem na Judéia escapem para os mon­
reino contra reino. Haverá carestías e tes; 17quem estiver no terrago náo des-
terremotos em diversos lugares. 8Tudo ga para recolher as coisas da sua casa;
isso é o comeqo das dores do parto. 18quem se encontrar no campo náo volte

distancia. Essa imaginagáo tem valor sim­ dos (14), os fiéis se salvaráo (13). A ima-
bólico: Jesús sai do templo, pela última gem do parto e o anúncio de urna salvagáo
vez, deixa-o definitivamente para trás. E sao motivos de esperanza na prova.
se reúne com seus discípulos, a nova co- 24.5 Como houve falsos profetas (Jr 23;
munidade. O templo magnífico, de gigan­ Ez 13 etc.), haverá falsos messias (cf. At
tescos silhares, construido por Heredes 5,35-39); Joáo os chamará de anticristos
Magno, é o trampolini para saltar ao tema (lJo 2,18). Pode-se 1er a intervengáo de
do discurso. Tornou-se proverbial a ex- Gamaliel diante do Conselho (At 5,35-37).
pressáo “nao ficará pedra sobre pedra”. 24.6 Náo vos alarméis: Jr 30,5.
Pode recordar a destruigáo do templo salo­ 24.7 Povo contra povo: Is 19,2; 2Cr5,6.
mónico, em 586 a.C. (cf. Lm 2,6-7; 4,11). 24.8 Dores de parto: Jo 16,21-22; Ap
24,3 Os discípulos perguntam duas coi­ 12,2. Um parto fecundo. Pode-se compa­
sas sem definir a sua relagáo. “Isso”: a rar com as imagens de Is 26,7, escatologia,
destruigáo do templo. “Tua chegada” é a e 42,14, volta do exilio.
parusia, o comparecimento do rei em visi­ 24.9 Perseguigáo: já anunciada em Mt
ta oficial, a vinda gloriosa de Jesús Senhor, 10,17.23.
que coincide com o fim do mundo (os dis­ 24.11 Falsos profetas: Dt 13.
cípulos perguntam representando a comu- 24.12 O amor: Ap 2,4.
nidade crista). 24.13 Agüentar: Mt 10,22.
24,4-14 Urna sèrie de acontecimentos 24.14 É como se a atividade missionària
tremendos precederá o final, mas nao se (28,19) estivesse retardando o final; a tare-
podem ordenar num calendàrio. Prevale- fa encomendada náo está terminada. Con­
ceráo a anarquía interior, as guerras entre tinuará para a frente em meio a contra-
povos, as catástrofes naturais, a purifica- digòes e apesar de resisténcias. Sobre a
gao pelas perseguigóes. Ao juntarem-se a dilagáo do fim: Ez 7.
pressáo externa com a crise interna, mui­ 24,15-28 Costuma-se denominar “a
tos “falharáo” na fé e na caridade. Tudo grande tribulagáo” aquela que precede
junto sao as dores de parto da nova e defi­ ¡mediatamente a vinda do Messias. Temas
nitiva era (8). Portanto, é preciso agüentar e fórmulas procedem em boa parte da lite­
e esperar: pois a causa enobrecerá o sofri- ratura escatològica e apocalíptica, e em
mento (9), o evangelho será pregado a to- parte ressoam como recordagáo da destrui-
24,29 107 MATEUS

para pegar o manto. 19A i das grávidas sível, inclusive os escolhidos. 25Vede
c das que derem ä luz naqueles dias! que eu vos preveni. 26Se vos dizem:
•'■"Orai para que a fuga nao acóntela no Vede, está no deserto, nao saiais; ou
invernó ou no sábado. 2lHaverá urna tri- vede, está na despensa, nao deis aten-
bulagäo täo grande como näo houve des­ gao. 27Pois, como o relámpago aparece
de o comego do mundo até agora, nem no levante e brilha até o poente, assim
liaverá no futuro. 22Se nao fosse abre­ será a chegada do Filho do Homem.
viado aquele tem po, ninguém se sal- 28Onde está o cadáver os abutres se reu-
varia. Contudo, em atengáo aos esco- niráo.
Ihidos, aquele tem po será abreviado.
23Entáo, se alguém vos diz que o M es­ A parusia (M e 13,24-27; Le 21,25-28)
sias está aqui ou ali, näo lhe deis aten- — 29Im ediatam ente depois dessa tribu-
gäo. 24Surgiräo falsos m essias e falsos lagáo, o sol se escurecerá, a lúa nao irra­
profetas, que faräo portentos e prodi­ diará seu esplendor; as estrelas cairao
gios, a ponto de enganar, se fosse pos- do céu e os exércitos celestes tremeráo.

gao de Jerusalém. Está claro que os tragos 24,20 Ver o episodio do sábado em lM c
nao se podem tomar ao pé da letra para 2,31-40.
construir urna crònica antecipada dos 24,25-26 Os dois lugares onde, segun­
eventos. Mas, admitindo o sentido simbó­ do crengas da época, poderia aparecer o
lico ou alegórico, perguntamos se a visáo Messias: em campo aberto e despovoado,
corresponde a eventos históricos (a queda em lugar habitado e escondido.
de Jerusalém no ano 70) ou a eventos fu­ 24.27 Do relámpago se assinalam o re­
turos (o ato final antes do desenlace). É pentino e o evidente. Pode ser sinal teo-
possível também que, na contraluz da ca­ fánico (SI 18,8-16).
tástrofe de Jerusalém, se vislumbre o final 24.28 Soa como provèrbio de duvidosa
dos tempos. interpretagáo. Talvez se refira aos falsos
Urna situagáo ameagadora e grave que messias que se aproveitam da turbuléncia
aconselha a fuga rápida náo é desconheci- (cf. as raposas de Ez 13,4). Ou sinal da
da: a fuga de Ló (Gn 19,17); “aquele dia” catástrofe (como em Ez 39,17-20). Se se
de Jeremías (Jr 30,5-10.23-24; 51,6.45-47; coloca no final de segào, nào é para uni-lo
Ez 7,16). Em escala menor a espiritualida- com o v. precedente, mas como aforismo
de a propóe (SI 11,1; 55,7-10). O texto ci­ conclusivo. E urna pincelada macabra, de
tado de Daniel (a famosa “abominagáo da aves necrófagas aproveitando-se da matan-
desolagáo”, Dn 9,27) refere-se ao ídolo que ga; recorda a visáo de Abráo (Gn 15,11) e
Antioco IV mandou colocar no templo de o episodio de Resfa (2Sm 21,10). Algum
Jerusalém (167 a.C.; cf. lM c 1,54); o con­ comentarista tomou-o como valor positi­
texto fala de “assassinato do Ungido”, de vo: o Senhor reunirá seus mortos.
“guerra e destruigào”, de cidade e templo 24,29-32 A chegada final do Messias é
arrasados. Seria o texto urna atualizagáo construida com tragos proféticos e apoca­
composta e difundida nos dias turbulen­ lípticos. O colossal aparato estelar proce­
tos da represália romana dos anos 66-70? de de Is 13,10, e se lé com variantes em
As citagóes indicadas e as outras (Dn outros textos como “luto da natureza” por
12,1; J12,2) fomecem imagens abertas, apli- urna catástrofe (Is 24,23 escatologia; J1
cáveis a muitas situagóes. Dn 12,1 já esta- 2,10; Ez 32,7-8). A tradigáo iconográfica
va fora do seu contexto histórico restrito; J1 crista identificou o “estandarte” (o sinal)
2,2 é urna transposigáo simbólica de urna com a cruz. No texto de Mateus “o sinal”
praga agrària, e também fica disponível. Por pode ser a mesma aparigáo gloriosa do
outro lado, o texto de Mateus desemboca Messias, o sinal de Joñas (12,39; 16,1-4).
na exortagáo à cautela e à vigilancia. É pro- Ao pranto celeste responde o terrestre,
vável que este fragmento se dirija à comu- numa citagao adaptada de Zc 12,9-14.
nidade crista sobre o tema da parusia, Em Dn 7,13 “urna figura humana” (náo
prefigurada na destruigào de Jerusalém. mais um animal feroz) sobe à presenga do
24,30
MATEUS
30Entào a p a re c e rá no céu o estandarte beram, até que veio o dilùvio e levou a
do Filho do H o m e m . Todas as ragas do todos. A ssim será a chegada do Filho
mundo fardo l u t o e verào o Filho do do Homem. 4tlDoishomens estaráo num
Homem ch eta r / 1 & ^ nuvcns do ( C U , corri campo: um será levado e outro será
glòria e poder. 31E n v ia rá seus anjos para deixado; 41duas mulheres estaráo moen-
reunir, com um g r a n d e toque de trom- do: urna será levada e outra deixada.
beta, os eleitos d ° s quat™ ventos> de 42Assim, pois, vigiai, porque nao sabéis
um extremo a o u t r o do céu. o dia em que chegará vosso Senhor. 43E
sabéis que, se o dono da casa soubesse
O dia e a h o ra fN Íc 13,32-37, Le 17,26- a que hora da noite vai chegar o ladráo,
30.34-36)__32y^prendei o exemplo da estaría vigiando para que nao abram um
figueira: quan d o o s ram os se tornam buraco na parede.
tenros e brotam a s [olhas, sabéis que a 44Portanto, estai preparados, porque
primavera está p ró x im a . Também vós, este H om em chegará quando m enos
quando virdes q u e acontece tudo isso, pensardes.
sabei que o fim e s tá próxim o, às por­
tas. 34E u vos a sse g u ro que esta geracáo V igilancia (M e 13,33-36; Le 12,41-48)
nào passará a n te s que acóntela tudo — 45Quem é o servo fiel e prudente,
isso.35Céu e te rra passaráo, m inhas pa- encarregado pelo dono de casa de re­
lavras nào p assafáo- 6Quanto ao dia e partir em suas horas a comida para os
à hora, ninguém o s conhece, nem os an­ empregados? 46Feliz o servo a quem o
jos do céu nem o F ilh o , só o Pai os co­ dono de casa, ao chegar, encontrar atuan-
nhece. 37Como e o 1 tem pos de Noé, as- do assim. 47Eu vos asseguro que o en-
sim será a chegada do Filho do Homem. carregará de todos os seus bens. 48Ao
38Nos dias antes d o dilùvio, as pessoas contràrio, se um servo mau, pensando
comiam, bebiam 6 se casavam , até que que o dono de casa tardará, comegar
Noé entrou na arca- E eles nao perce- a espancar os companheiros, a com er e

Altissimo para r e c e b e r poder universal e sazâo (cf. Is 18,5). A garantía é a palavra


perpètuo. O texto está adaptado para ser do Senhor (cf. Is 65,17): sua palavra se
aplicado ao momento seguirne e final, a cumprirà (cf. Is 40,8).
parusia. A reuniáo dos eleitos é também 24,36 Também a ignorancia do Filho se
um trago escatológico (c^' 27,13). enquadra melhor no tempo anterior à res-
24.32-44 Quando do fato se passa à data, surreiçâo. Contradiz o que foi dito em
a resposta é evasiva e as perspectivas se 11,27? Talvez a soluçào seja referi-lo à
sobrepóem: a do evento histórico, aproxi­ condiçào humana e missâo histórica de
madamente p r e v i s í v e l , e a do fim do mun­ Jésus.
do, de data imprevis*vc^ De tal modo que 24,37-43 Os exemplos ilustram a incer­
o drama do primeiro prefigura e simboli­ teza: quando? a quem caberá? No tempo
za o segundo; e este fica sempre distante e de Noé (Gn 6,9-12), a vida continuava
iminente, inspirador de esperanga e expec­ quando sobreveio a catástrofe; assim sào
tativa. Contudo, o fim_ iminente poderia as catástrofes naturais. Outras desgraças
referir-se à r e s s u r r e i g à o de Cristo, que chegam em plena vida e atividade sem dar
inaugura a nova era- Cabe outra explica- razóes. Enquanto o homem dorme, o la­
gào, diacronica. Um breve texto correspon­ dráo vigia (cf. Jó 24,15-16; 27,20). A in­
dente à vida de J e s u s anunciava a ressur­ certeza é a única certeza.
reigào do Messias e a queda da Cidade 24,44 Portanto, urna só conclusâo: em
Santa. Depois da ressurreigào o texto se lugar de curiosidade, vigilâneia (cf. lTs
adapta à expectativa da parusia para qual- 5,2; 2Pd 3,10; Ap 3,3; 16,15). Ilustra-o a
quer geragào. seguir com très parábolas: o servo fiel, as
24.32-35 A p lic a -s e melhor ao fato his­ dez moças, os très administradores.
tórico, na p e rsp e c tiv a de Jesus. O mundo 24,45-51 O objetivo que a parábola visa
vegetai fornece a imagem da estagào ou é a vigilâneia na incerteza; mas de passa-
25,14 109 MATEUS

ii beber com os bébados, 5uo patráo des- mogas despertaram e se puseram a pre­
se servo virá em dia e hora que menos parar as lamparinas. 8As insensatas pe-
imagina 51e o despedazará, dando-lhe diram as prudentes: Dai-nos um pouco
o destino dos hipócritas. A i haverá pran- do vosso azeite, pois nossas lamparinas
lo e ranger de dentes. se apagam. 9As prudentes responderam:
Talvez nao baste para todas; é melhor
’Entáo o reinado de D eus será ir com prá-lo no armazém. 10Enquanto
como dez mogas que saíram com iam comprá-lo, chegou o noivo. As que
suas lamparinas para receber o noivo. estavam preparadas entraram com ele
■Cinco eram insensatas e cinco pruden­ na sala de casamento, e a porta foi fe­
tes. 3As insensatas pegaram as lampa- chada. 11Mais tarde chegaram as outras
riñas, porém nao levaram azeite. As mogas, dizendo: Senhor, Senhor! A bre­
prudentes levaram frascos de azeite nos! 12Ele respondeu: Eu vos asseguro
com as lamparinas. 5Como o noivo tar- que nao vos conhego. 13Portanto, vigiai,
dasse, todas cochilaram e dorm iram .6A porque nao conheceis o dia nem a hora.
meia-noite ouviu-se um grito: Aqui está 14E como um homem que partia para
o noivo, sai para recebé-lo! 7Todas as o estrangeiro; antes chamou seus ser-

gem revela aos homens sua condigáo de vros como Pr e Eclo. Sao adjetivos de enor­
servos e administradores, responsáveis pe­ me peso, a ponto de as qualidades apare-
rente o patráo. O servo fiel merece a qua­ cerem personificadas como Sensatez e
lific a lo de prudente, sensato. Pode refe- Senhora Insensatez (Pr 9). Na parábola,
rir-se aos chefes judeus e nao menos a por sua sensatez ou necedade, está em jogo
chefes da comunidade crista. Critèrio de o sentido último da vida.
julgamento será a conduta com os outros As lámpadas e o óleo que as alimenta
servos ou companheiros de servigo. O cas­ sao expressáo da vigilancia noturna (Pr
tigo encarece a gravidade da culpa e suas 31,18; Jr 25,10 Ap 18,22). Ao mesmo tem­
conseqüéncias; hipócritas sao os mal­ po servem para inculcar a responsabilida-
vados que fingiram bondade (8,12; 13, de pessoal: aqui nao vale descuidar-se fi-
42.50). ando-se no oütro. Mais ainda, essa noite
mágica nao é noite para dormir (cf. Ct 5,2-
25 ,1-13 Circunstancias de um casamen­ 6; Is 51,17; 52,1). Esta parábola é exclusi­
to sao transformadas e rodeadas de um va de Mateus e é a terceira referencia ao
halo misterioso. Nao há quem conduza a tema nupcial (9,14-15; 22,1).
noiva (SI 45,14-15; Gn 2,22), mas é o noi­ 25,14-30 Da cena nupcial Mateus nos
vo que está para chegar (Ct 2,8; 5,2). A transporta ao mundo da economia, que
noiva é substituida por dois grupos con- também vale para explicar o mistério do
trapostos de mogas, o que introduz o tema reinado de Deus. A simples expectativa e
do julgamento e da eleigáo (cf. SI 45,15- vigilancia se convertem e culminam aqui
16). O banquete é celebrado à meia-noite, em responsabilidade para a agáo no mun­
e assim se introduz o tema da vigilancia do. A responsabilidade é proporcional ao
(cf. Ct 3,1; 5,2); entra-se no casamento ou “talento” recebido para o servigo. Premio
festa nupcial (Ct 1,4; 2,4). As reminiscen­ e castigo pela administragáo se orientam
cias do Càntico dos Cánticos se acumu- para o julgamento definitivo. O relato se
lam e conferem certo ar de realismo à cena. centra no servigo ao patráo, dono único do
Ao mesmo tempo se sobrepóem outros tra­ dinheiro, e nao fala expressamente do ser­
gos que geram urna atmosfera irreal. Nao vigo aos outros. Ele reparte livremente e
esquegamos que o Apocalipse (a Biblia) nao de modo arbitràrio seu dinheiro, le­
termina com a espera ansiosa da esposa/ vando em conta “a capacidade de cada
comunidade pela vinda do esposo. um”; em grego dynamis, dinamismo, ca­
As mogas sao classificadas em pruden­ pacidade de fazer. Só que também essa
tes, ou sensatas, e néscias. Duas catego­ capacidade é dom (cf. Dt 8,17-18). Um
rías contrapostas de sólida tradigáo em li- talento equivale a cerca de 35 quilos.
MATEUS 110 25.11

vos e lhes confiou seus bens. 15A um Muito bem, servo fiel e cumpridor, l<n
deu cinco milhôes, a outro dois, a ou- te confiável no pouco, eu te poiilm i
tro um; a cada um segundo sua capaci- frente do importante. Entra na festa dt
dade. E partiu. Im ediatam ente 16o que teu patráo. “4A proxim ou-se tamlx m
havia recebido cinco m ilhôes negociou aquele que havia recebido um milháo o
com eles e ganhou outros cinco. 17Da disse: Senhor, eu sabia que és exigen
mesma forma aquele que havia recebi­ te, que colhes onde náo semeaste e ie
do dois milhôes, ganhou outros dois. colhes onde náo espalhaste. 25Como i i
18Aquele que havia recebido um milhâo nha medo, enterrei teu milháo; aqui ten-,
foi, fez um buraco no châo, e escondeu o que é teu. 2fiO patráo lhe responden:
o dinheiro do patrào. 19Passado muito Servo indigno e preguigoso. Já que sa
tempo, o patrào dos servos apresentou- bias que colho onde náo semeei e reco
se para pedir-lhes contas. 20Aproximou- lho onde náo espalhei, 27devias ter dep< >
se o que havia recebido cinco milhôes sitado o dinheiro num banco, para que,
e lhe apresentou outros cinco, dizendo: ao chegar, eu o retirasse com ju ro s.2 Ti
Senhor, deste-m e cinco m ilhôes; vê, rai-lhe o milháo e dai-o para aquele qu<
ganhei outros cinco. 2,0 patrào lhe dis­ tem dez. 29Pois a quem tem se lhe dará
se: Muito bem, servo fiel e cumpridor; e sobrará; a quem náo tem se lhe tirara
foste confiâvel no pouco, eu te ponho à inclusive o que tem. 30Expulsai o servo
frente do importante. Entra na festa de inútil para as trevas de fora. A i havera
teu patrào. "A proxim ou-se aquele que pranto e ranger de dentes.
havia recebido dois m ilhôes e disse:
Senhor, deste-me dois milhôes; vê, ga­ O julgam ento das na^óes — 31Quan
nhei outros dois. 230 patrào lhe disse: do chegar o Filho do H om em com

O patráo se ausenta (15, final de Lucas) vas tende a crescer; mas a preguiga deixa-
e tardará em voltar. Já náo menciona urna o inerte, e o preguigoso fica de máos vazias.
chegada iminente (19, escatologia adia­ A quem aproveita o dinheiro enterrado?
da, 2Ts 2,2). Quando volta pede contas O provèrbio final, com sua formulagáo
da administragáo, numa espécie de jul- paradoxal (13,12), expressa felizmente o
gamento, no qual o patráo qualifica a con- duplo movimento: do mais ao sempre
duta e retribui. Os dois primeiros sao: mais, do menos até o nada.
cumpridor, ou seja, bom em seu oficio, e Premio e castigo sáo de cunho escato­
fiel ou fiável (é o título de Moisés segun­ lògico. Prèmio: participar do banquete
do Nm 12,7); o terceiro é malvado ou mau escatològico do Senhor. Castigo: a expul-
em seu oficio preguigoso, um adjetivo sáo e as trevas da morte (8,12; 22,13).
substantivado como tipo em Pr. O prè­ 25,31-46 A agáo do homem e das socie­
mio supera qualquer previsáo: perto dele dades em suas relagöes mútuas tem urna
os milhóes eram nada; de urna possessáo dimensáo transcendente que Deus conhe-
administrada sobe-se à convivencia como ce e sanciona. Essa idéia ou mistério se
patráo. dramatiza na linguagem de um grande jul­
O terceiro procura defender-se, pondo gamento público e universal. Como ante­
a culpa no patráo exigente. Realmente o cedentes literários podem-se recordar: o
medo do risco paralisa (Ecl 11,10), a inér- rito de Js 8,32-35 completado com Dt
cia se afirma na preguiga. Mas o dinheiro 27,12-28,14; a nota escatològica de Is
náo é urna semente que se enterra e cresce 24,21-22; os destinos opostos de Is 65,13-
por si só; é o homem que imprime nele 15; Dn 12,2 o indica ou implica; Sb 4,20-
seu dinamismo para fazè-lo crescer. A co- 5,16 o descreve a seu modo.
laboragáo humana está fortemente subli- Em primeiro lugar o texto propöe um
nhada. problema de dupla identificagáo: a) fala
O diálogo com o terceiro criado mostra de “todas as nagóes” pagas ou de todas
a outra face do dinamismo do traballio sem distingáo? b) os “irmáos menores”
humano. O dinheiro confiado a máos ati- de Jesus sáo os cristáos ou todos os ne-
«M r. 111 MATEUS

acompanhado de todos os mo ou encarcerado e fomos visitar-te?


•••ii'. .mjos, sentará em seu trono de gló- 40O rei lhes responderá: Eu vos assegu-
Hn 'c compareceráo diante dele todas ro: o que fizestes a estes meus irmáos
na iingócs. Ele separará uns de outros, menores, a mim o fizestes. 41Depois dirá
t>nmo um pastor separa as ovelhas das aos da esquerda: Afastai-vos de mim,
imiIhas. "C olocará as ovelhas á sua di- malditos, para o fogo eterno preparado
ii'li.i e as cabras á sua esquerda. 34En- para o Diabo e seus anjos. 42Porque tive
llln o re i dirá aos da direita: Vinde, ben­ fome e nao me destes de comer, tive sede
ditos de meu Pai, para herdar o reino e nao me destes de beber, 43era migrante
jiirparado para vós desde a criagáo do e nao me acolhestes, estava nu e nao me
mundo. 35Porque tive fome e me destes vestistes, estava enfermo e encarcerado
•le comer, tive sede e me destes de be­ e nao me visitastes. 44Eles replicaráo:
ber, era migrante e me acolhestes, 36es- Senhor, quando te vimos faminto ou se­
Iwva nu e me vestistes, estava enfermo dento, migrante ou nu, enfermo ou en­
r me visitastes, estava encarcerado e carcerado e nao te socorremos? 45Ele res­
instes ver-me. 37Os justos lhe respon- ponderá: Eu vos asseguro: o que nao
ilcrao: Senhor, quando te vimos faminto fizestes a um destes mais pequeños, nao
r le alimentamos, sedento e te demos o fizestes a mim. 46Estes iráo para o cas­
ilc beber, 38migrante e te acolhemos, nu tigo perpétuo, e os justos para a vida
r le vestimos; 39quando te vim os enfer­ perpétua.

icssitados? Urna interpretado minima- O julgamento será de separado (apho-


lisla diria que os pagaos sao julgados de rizo): verbo de grande trad¡d° no culto e
ncordo como tratarem os cristaos. Res- na legislado (ver especialmente Dt 20,26;
posta: a) segundo a tradigáo bíblica, a Is 56,3); seu complemento sao osbons, que
expressáo designa os pagaos. O texto o sao “separados” dos maus. Compará-los
comprova, pois os cristaos nao podem com ovelhas e cabras pode ser sugestáo
alegar ignorancia, os pagaos sim. Mas de Ez 34,17, que distingue entre ovelhas e
antes disse que “será pregada a boa noti­ machos; ao passo que a ceia pascal admi­
cia a todas as nagóes” (24,14). b) Embo- te sem distingáo “cordeiro e cabrito” (Ex
ra Jesús tenha limitado sua missáo “as 12,5). O valor da direita e da esquerda é
ovelhas perdidas da casa de Israel” (15, transcultural (cf. Dt 27,12-13), segundo a
24), compadeceu-se também dos pagaos posido geográfica relativa).
necessitados e proclama urna mensagem O critèrio de separado sao as obras de
universal. Pois bem, se num momento misericordia, que se podem ilustrar com
teve a parábola um alcance limitado, em textos do AT e do NT (p. ex. Is 58,7; Pr
seu estado atual parece exigir um alcan­ 19,17; Mt 5,7; 9,13; 12,7; 23,23). Servem
ce universal: os que creram em Jesús, pe­ para especificar o preceito capital do amor
lo cumprimento de seu mandato serao ao próximo. Jesús fez-se próximo do ne-
julgados; os que nao o conheceram, se- cessitado e irmáo dos pequeños.
ráo julgados pela fidelidade a seus va­ Como em Dt 27-28, a sentenza é pro­
lores. nunciada em forma de b en d o e maldido:
O juiz é Jesús. O “filho do rei”, na oca- benditos (SI 115,15; Is 65,23), malditos (Jr
siáo do casamento (22,2), é no julgamen- 17,5; SI 37,22). A sangao será “herdar o
to o rei (cf. SI 72,1) que chega acompa­ reino” (ICor 6,9; 15,50; Gl 5,21) ou ser
nhado da sua corte e toma assento no seu lanzados no “fogo eterno” (Is 66,24; Dn
tribunal (cf. Dn 7,9-10; Dt 33,2; Zc 14,5). 7,11; Ap 20,10).
Perante ele comparecem “todas as na­ A cena nos faz compreender que mui-
d e s ”. Inspirados em J1 4,11-12, alguns tos, sem conhecer a pessoa de Jesús, se
quiseram tomar a parábola como descri­ ajustam aos valores dele, na esfera do amor
d o realista e até localizaram a cena no ao próximo. E isso decide o destino deles.
“vale de Josafá”. 25,41 Is 66,24.
MATEUS 112

Compió para m atar Jesús (Me isso, os discípulos disseram in d in a


14,ls; Le 22,ls ; Jo 11,45-53) — dos: Para que esse desperdicio? "I'n
’Quando terminou este discurso, Jesús dia ser vendido a alto prego para d a i..
disse a seus discípulos: produto aos pobres. ’°Jesus percebod
— 2Sabeis que dentro de dois dias se e lhes disse:
celebra a Páscoa e este Hom em será — Por que aborrecéis esta mulher? I I.
entregue para ser crucificado. fez uma agáo boa para comigo. "Ti n
3Entáo se reuniram os sumos sacer­ des os pobres sempre por perto. A mil»
dotes e senadores do povo na casa do nem sempre tendes.
sumo sacerdote Caifás, 4e se puseram 12Ao derramar o perfume sobre mni
de acordo para, com um estratagema, corpo, ela estava preparando minha s<-
apoderar-se de Jesús e matá-lo. 5Mas pultura. 13Eu vos asseguro que em qiul
acrescentaram que nao devia ser duran­ quer parte do mundo onde se procla
te as festas, para que o povo nao se amo- mar a boa noticia, será mencionado o
tinasse. que ela fez.
14Entáo um dos doze, chamado Jud;r.
Ungáo em B etánia (M e 14,3-6; Jo Iscariotes, dirigiu-se aos sumos sacer­
12,1-8) — 6Estando Jesús em Betánia, dotes 15e lhes propós:
em casa de Simáo o leproso, 7aproxi- —- O que me daréis se eu vo-lo en
m ou-se dele urna m ulher com um fras­ tregar?
co de alabastro cheio de um perfume Eles concordaram em trinta denários
de mirra caríssimo, e o derramou na ca­ 16Desde esse momento ele procurava
b e ra enquanto estava á mesa. 8A o ver uma ocasiáo para entregá-lo.

2 6 ,1-5 Acabaram-se os discursos, resta espléndido e público gesto de estima (cf.


um momento para uma profecía sucinta. SI 23,5; 141,5). Os discípulos o qualifi-
Chega a hora de sofrer em silencio. Mas cam de esbanjamento; podia ser mais bem
Jesús conserva a iniciativa: vai ao encon­ empregado em beneficio dos pobres (19,
tró da paixáo com plena consciéncia e acei­ 21). Jesús os corrige publicamente, inter­
ta d o voluntária. “Será entregue”: uma pretando o significado profundo do gesto.
forma passiva que no mínimo sugere a Também Jesús é pobre neste momento,
agáo de Deus e faz eco ao destino do Ser­ com a pobreza total da morte. Além disso,
vo (ls 53,6 com o mesmo verbo em gre- a ajuda cristá aos pobres será feita em
go). O Filho náo conhece a hora do fim do nome de Cristo.
mundo (24,36), mas sabe que a sua hora Em primeiro lugar, o gesto expressa o
chega com a Páscoa, que as duas váo jun­ afeto á sua pessoa, “comigo”. No contex­
tas, e faz saber isso aos discípulos. to do texto aludido (cf. Dt 15,1-11) se diz
Só “entáo” se reúnem o brago religioso que, pelo egoísmo de uns, haverá pobreza
e secular para decidir a prisáo e a execu- em Israel; enquanto que a mulher mostra
gáo de Jesús. Pensam poder marcar a data, a generosidade do amor (6,22-23). Segun­
em oposigáo ao dito de Jesús. A Páscoa do, o gesto é uma ungáo sepulcral anteci-
devia ser celebrada em paz, e um tumulto pada; como tal, Jesús o recebe em vida,
popular podía provocar os romanos. O consciente da sua morte próxima. Terceiro,
medo supóe que “o povo” e “os chefes do o gesto conservará para sempre um valor
povo” náo estavam de acordo. Caifás foi eclesial: sua lembranga será exemplar e
sumo sacerdote de 19 a 36. testemunho de ressurreigáo (Pr 22,9).
26.6-16 Em duas personagens se opóem 26,14-16 Atraigáo de Judas está pontua-
a homenagem amorosa e a traigáo interes- da com uma alusáo a Zc 11,12; o prego
seira, o esbanjamento e a cobiga. irrisorio de um escravo morto (Ex 21,320),
26.6-13 Mateus náo dá o nome da mu­ de uma vida, que deveria ser muito alto
lher; Jo 12 a identifica com Maria, irmá (cf. SI 49,9). O verbo “entregar” é dos
de Lázaro. O perfume na cabega de Jesús anúncios da paixáo (17,22; 20,19; 26,2);
náo é uncáo (cf. ISm 10,1; 2Rs 9,6), mas o mesmo que Jesús acaba de pronunciar.
11 3 MATEUS

i'íiruii c E u c a ristía (M e 14,12-26; Le mem vai, com o está escrito sobre ele;
¡11 .’O; Jo 13,21-30; IC or 11,23-25) — mas ai daquele pelo qual este Homem
'Ñu primeiro dia dos ázimos os discí- será entregue. Seria melhor para esse
,•iiliif. se aproxim aram de Jesús e lhe homem nao ter nascido.
iwlÜlintaram: 25 Disse-lhe Judas, o traidor:
. Onde queres que te preparemos a — Sou eu, Mestre?
^lii ilc Páscoa? Diz-lhe:
'"Kespondeu-lhes: — Tu o disseste.
«• Ide á cidade, a um tal, e dizei-lhe: 26Enquanto ceavam, Jesús tomou um
< Unía m ensagem do M estre: M inha pao, pronunciou a béngáo, o partiu e o
lintii está próxima; em tua casa celebra- deu a seus discípulos, dizendo:
i f l i i l’áscoa com meus discípulos. — Tomai, comei, isto é o meu corpo.
'“Os discípulos prepararam a ceia de 27Tomando a taca, pronunciou a acao
(•Incoa seguindo as instrugoes de Jesús. de graqas e deu-a, dizendo:
■"An entardecer, ele se pos á mesa com — 28Bebei todos déla, porque este é
u«diize, 2le enquanto comiam disse-lhes: o meu sangue da alianza, que se derra­
■ Eu vos asseguro que um de vós ma por todos para o perdáo dos peca­
vtil me entregar. “ Consternados, come- dos. 29Eu vos digo que daqui em diante
i,liram a perguntar-lhe um por um: nao beberei deste produto da videira até
— Sou eu, Senhor? o dia em que o beberei convosco no
J,Respondeu: reino de meu Pai.
■— Aquele que pos comigo a máo na 30Cantaram o hiño e saíram para o
Havessa, esse m e entregará. 24Este Ho- monte das Oliveiras.

A figura de Judas atraiu a atenedlo de es­ para ela Judas se converte em tipo de trai­
critores que tentaram analisar ou imagi­ dor, e assim seu nome para nossos idio­
nar seu processo interno. mas; e a resposta pessoal de Jesús pode
26.17-30 Vários detalhes do relato apon- dirigir-se de novo a novos traidores da sua
lam para urna ceia ritual da Páscoa: os pre­ pessoa. Judas nao o chama de Senhor, mas
parativos (17.18.19), o roteiro com a bén- rabi, mestre. O ai do narrador nao é so-
i;Ao (26) e os hinos (30). Mas nao se mente compaixáo por Jesús, mas dor pelo
menciona o cordeiro (imolado no templo), fato de que entre os doze haja um traidor
c a cronologia de Joáo exclui que se trate (lJo 2,19).
de ceia pascal. Portanto, ou Jesus anteci­ Um par de alusóes á Escritura dáo re­
pa por conta pròpria o rito, ou segue outro levo ao relato: a traigáo do amigo (SI
calendàrio, ou a celebragáo crista da nova 41,9), o “ir embora” da morte (Is 53 e SI
Páscoa (ICor 5,7) influí na redagáo do re­ 22 ).
lato. 26,26-30 Jesús celebra e institui sua eu­
26.17-19 Como na entrada festiva em caristía e manda celebrá-Ia em sua memo­
Jerusalém (21,1-4), Jesus conhece e con­ ria. As primeiras comunidades o cumprem,
trola a situagáo. Pode dar ordens aos dis­ celebrando o rito (At 2,42.46; 20,7.11;
cípulos e ao anfitriào. Ele a chama de “mi­ ICor 10,16; 11,20). Essa prática influi na
nha hora”, apropríando-se da celebragáo redagáo do fato fundacional, produzindo
tradicional (Ex 12,3-5). Ao escurecer co- duas variantes básicas: a de Paulo e Lucas,
mega o novo dia e treze é um número a de Marcos e Mateus.
aceitável de comensais, segundo o direi- Os gestos que o narrador detalha sao ob­
to. Só que “os doze” tém um sentido no­ vios: tomar e partir um pao como entáo
vo (10,1): o novo Israel celebra a nova era cozido, ou pronunciar as costumeiras
Páscoa. béngáo sobre o pao e agáo de gragas sobre
26,20-25 O anúncio precedente se faz o vinho e distribuí-los. Mas esses gestos
mais preciso, porque Jesús quer revelar estáo carregados de sentido superior: Je­
detalhes pessoais. A lembranga da traigáo sús nao come, mas se entrega; ele o parte
passa pela reagao da Igreja primitiva, pois para repartir e para que partilhem. O dom
MATEUS 114

31Entáo Jesus lhes diz: — M esmo que tenha de morrer n m


— Nesta noite todos vós tropezareis tigo, náo te negarei.
por minha causa, corno está escrito: f e ­ Os outros discípulos diziam o mesnn -
rirei o pastor e as ovelhas do rebanho
se dispersarào. 32M as quando eu res- Oragáo no horto (M e 14,34-42; i -
suscitar, irei à vossa frente para a Ga- 22,39-46) — 36Entáo Jesús foi com e I.
liléia. a um lugar chamado Getsémani, e di-,
33Pedro lhe respondeu: se a seus discípulos:
— A inda que todos tropecem esta — Sentai-vos aqui, enquanto vou ali
noite, eu nao tropeqarei. orar.
34Jesus lhe respondeu: 37Tomou Pedro e os dois Zebedeus i
— Eu te asseguro que nesta noite, comegou a sentir tristeza e angúslu
antes que o galo cante, me terás nega­ 38Disse-lhes:
do tres vezes. — Sinto uma tristeza m ortal; fiem
35Pedro lhe replica: aqui vigiando comigo.

indica a morte, e o partilhar é a uniáo com prova e luta, forma díptico com a cena da-,
ele. provaçôes no deserto (4,1-11). Como fun
Ao passar o cálice de vinho, explica com do de contraste, podemos pensar eni
mais riqueza e precisáo seu sentido supe­ Jeremías (Jr 15 e 20); como acompanha
rior. O vinho é o sangue, que indica a morte mento, a terceira Lamentaçâo.
como entrega; é o sacrificio da nova alian­ Aqui se expressa a angustia humana de
za (Ex 24,8), que expia os pecados. Be- Jesús, como em tantos salmos de súplica
bendo, os discípulos se unem ao sacri­ (p. ex. SI 42-43; 55,2-6 etc.); ouvimo-lo
ficio, partilham o sangue, sede da vida reiterar a súplica (Hb 5,7); na luta, triun
(comparar com a proibigáo de Lv 3,17; fa a entrega plena e confiante à vontade
7,26-27 etc.), e selam a alianga que cons­ do Pai (Hb 10,9). Dois pedidos do Pai
tituí o povo novo. nosso ressoam na cena: seja feita a tua
Jesús une esse banquete com o do céu vontade, náo nos deixes sucumbir na pro-
onde reina seu Pai; a esse banquete des­ vaçâo.
de agora seus discípulos estáo convida­ Mateus nos mostra além disso o ho-
dos (22,2-10): “convosco”. Nele se ser­ mem angustiado que busca companhia:
virá um vinho novo, como corresponde “com eles” (36), “comigo” (38.40), e náo
ao mundo novo (Ap 21,1-3). O canto do a encontra (cf. SI 38,12; Jó 19,13-19.21;
hiño costumava compreender os Salmos Lm 1,16). O sono inconsciente dos très
113-118. íntimos o faz sentir ainda mais a soli-
26,31-35 Segundo anuncio trágico: os dáo. No meio da tempestade ele dormía
discípulos váo tropegar na grande prova na barca.
(cf. 6,13), se dispersaráo como ovelhas O cálice está cheio da ira do Senhor
(citagáo de Zc 13,7); mas sua queda náo contra o pecado (Jr 25,15-29; Ez 23,33):
será definitiva, porque o pastor, ressus- o Pai lho oferece, Jesus deve esgotá-Io.
citado, voltará a reuní-los na Galiléia (in­ Espirito e carne se opóem como o forte
sinuado, cf. Jr 32,37; Ez 34,13). O pro­ e o fraco (Is 31,3). O espirito “decidido”
testo de Pedro é presungáo, que agrava deve ser acompanhado de um espirito
a queda. “Eu pensava muito seguro: ja- generoso (diz SI 51,12-14). As palavras
mais vacilarei” (SI 30,7). Sempre have- de Jesús, através dos très apóstolos, sao
rá na Igreja uma Galiléia onde os que dirigidas à Igreja, a todos os cristáos.
se dispersam voltaráo a reunir-se com o 26.37 Sao os très que assistiram à trans-
Pastor. figuraçâo.
26,36-46 Nesta cena, o narrador quer 26.38 O Salmo 8 8 expressa com ima-
revelar-nos algo da espiritualidade de Je­ gens intensas essa tristeza mortal: cova,
sús; por isso, deveríamos lé-la junto com confinamento, trevas abismais, escolhos,
a confissáo de 11,15-27. Pelo que tem de incèndio, espanto...
115 MATEUS

,uAili¡intou-se um pouco e, prostra- quando chegou Judas, um dos doze,


|h coiii o rosto no chao, orou assim: acom panhado de urna multidáo arm a­
I’ai, se é possível, que se afaste de da de espadas e paus, enviada pelos
iHlm esta taga. M as nao se faga a mi- sumos sacerdotes e pelos senadores do
lilm vontade, e sim a tua. povo. 480 traidor Ihes havia dado urna
4llVoltou aonde estavam os discípu­ senha: Aquele que eu beijar, é ele. Pren-
lo l 'ncontra-os adorm ecidos e diz a dei-o. 49Em seguida, aproxim ando-se
pdro: de Jesús, disse-lhe:
Nao fostes capazes de vigiar urna — Salve, Mestre!
llura comigo. 41Vigiai e orai para nao E lhe deu um beijo.
iiuumbirdes na prova. O espirito é de­ 50Jesus lhe disse:
cidido, a carne é fraca. — Amigo, para que vieste?
■'■’I’eía segunda vez se distanciou para Entáo se aproxim aram , agarraram
unir: Jesús e o prenderam. 51Um dos que es­
Pai, se esta taga nao pode passar tavam com Jesús pegou a espada, a de-
«¡ni que eu a beba, que se cumpra tua sem bainhou e com um golpe cortou
vontade. um a orelha do servo do sumo sacerdo­
* 'Voltou de novo e os encontrou ador­ te. 52Jesus lhe diz:
mecidos, pois seus olhos estavam pe­ — Embainha a espada: quem empunha
didos. 44Deixou-os e se afastou pela ter- a espada, pela espada morrerá. Crés
i'eira vez, repetindo a mesma oragáo. que nao posso pedir ao Pai que me en­
*’l)epois se aproxima dos discípulos e víe ¡mediatamente mais de doze legióes
llies diz: de anjos? 54Mas entáo, como se cumpri-
— Ainda adorm ecidos e descansan­ rá o escrito, que isso deve acontecer?
do! Aproxim a-se a hora em que este 55Entáo Jesús disse á multidáo:
I lomem será entregue em poder dos pe­ — Saístes armados de espadas e paus
cadores. 46 Levan tai-vos, vamos! Apro- para capturar-me, como se fosse um ban­
xima-se o traidor. dido. Diariamente me sentava no templo
para ensinar, e náo me prendestes. 56Mas
A prisáo (M e 14,43-52; Le 22,47-53; tudo isso acontece para que se cumpram
Jo 18,3-12) — 47Ainda estava falando, as profecías.

26,45 Aproxima-se a hora: Jo 12,23; bre amigos e inimigos disserta Ben Sirac
13,1; 17,1. (Eclo 6,5-17; 12,8-18).
26,47-56 Em toda a cena da prisáo, se­ 26,51 Espada: a palavra grega pode de­
gundo Mateus, Jesús domina a situaçâo, signar um punhal ou navalha de uso pes-
como o Servo do Senhor (Is 42,3-4). Repri­ soal e pacífico.
me a violéncia, mesmo defensiva, de um dos 26,52-54 O episodio serve de admoes-
seus; aceita o beijo do traidor (cf. SI 55,13- tagáo para a Igreja em tempo de perse­
15); sem opor resisténcia denuncia a vio­ g u id o . Morrer por Cristo, náo matar por
léncia injustificada da multidáo. Nào é um Cristo, é seu heroísmo (cf. 5,10-11.39-
bandido perigoso, mas um mestre público 41). Jesús concentra trés argumentos: Pri-
e pacífico. Poderia convocar forças superio­ meiro o provèrbio que penetrou como
res (2Rs 6,16-18); mas sua força está em refráo: nele ressoa a lei do taliáo ou a
aceitar o designio do Pai: assim foi anuncia­ dialética da violéncia; quem a desata tor-
do na Escritura, assim tem que acontecer. na-se vítima déla. Segundo, o auxilio ce­
26.47 O pelotáo é enviado pela autorida- leste milagroso. Terceiro, a vontade do
de religiosa e pela civil (ver 26,3), e vem Pai.
armado com as espadas e paus da polícia do 26.55 Os capítulos 21-24, especialmen­
templo. te 21,23.
26.48 “O beijo do inimigo é falaz” (Pr 26.56 Segundo o anunciado antes (Zc
27,6), mas Jesús o chama de amigo. So- 13,7).
MATEUS 116 26,57

Entao todos os discípulos o abando- m itisse condená-lo à morte. 60E, embo


naram e fugiram. ra se apresentassem muitas testemunhas
falsas, nao o encontraram. Finalmente
Jesús diante do Conselho (M e 14,53- se apresentaram duas, 61alegando: Ele
65; Le 22,54s.63-71; Jo 18,13s.l9-24) disse: Posso destruir o templo de Deus
— 57Aqueles que o haviam preso o con- e reconstruí-Io em tres dias. 620 sumo
duziram á casa do sumo sacerdote Cai- sacerdote se pòs de pé e lhe disse:
fás, onde se tinham reunido os letrados — Nao respondes ao que estes ale-
e os senadores. gam contra ti?
58Pedro o foi seguindo á distancia até 63Mas Jesus continuava calado. O su­
o palácio* do sumo sacerdote. Entrou mo sacerdote lhe disse:
e sentou-se com os criados para ver em — Pelo Deus vivo, eu te conjuro que
que acabaría isso. 59Os sum os sacerdo­ nos digas se és o Messias, o filho de
tes e todo o Conselho procuravam um Deus.
falso testemunho contra Jesús que per- 64Jesus lhe responde:

26,57-68 No relato de Mateus, o pro­ sus, conjurado pelo sumo sacerdote do


cesso, ou instrugáo do processo, de Jesús momento, pronuncia um testemunho (cf.
díante do Grande Conselho corre com flui­ lTm 6,13, diante de Pilatos) que o leva á
dez e coeréneia. Mas nao pensemos que morte: testemunha e mártir.
seja a redagáo pontual de um taquígrafo. 26.57 O Grande Conselho consta de 72
Até que ponto a primitiva tradigáo cris­ membros (cf. Nm 11), entre os quais há
ta modela o relato? Até que ponto Ma- peritos na lei, senadores ou anciáos do
teus estiliza os fatos para salientar certos povo e sacerdotes. Preside-o o sumo sa­
aspectos? Há razóes para pensar que hou- cerdote.
ve um interrogatorio noturno perante 26.58 O dado sobre Pedro deixa um gan­
Caifás (ou Anás, Jo 18,12.24) e que o Con­ cho pendente, para que nao se desprenda
selho se reuniu de manhá cedo. Mateus a cena seguinte. *Ou: o patio.
os concentra em um, de noite, para obter 26.59 Como no caso de Nabot (IRs
o contraste entre a confissáo de Jesus e a 21,10-13). O narrador insinúa que todo o
negacáo de Pedro (que foi noturna). Dir- procedimento está viciado desde o inicio.
se-ia que coloca com intengáo polémica 26.60 Número mínimo requerido pela
as zombarias como conseqüéncia da sen- lei (Dt 17,6; 19,15). Sobre falsas testemu­
tenga. Também parece indicar intengáo po­ nhas: Pr 19,28; 21,28. Pouco vale o acor-
lémica o dizer que buscavam testemunhas do de dois na falsidade.
“falsas”. 26.61 A famosa frase sobre o templo
Contudo, algo se destaca e se perfila no corre em muitas versóes (Me 15,29 par.;
processo ou interrogatorio. Descartados Mt 24,7; 27,40; Jo 2,19; At 6,14). Atentar
outros motivos duvidosos, a questáo se contra o templo era delito grave (recorde-
centra no messianismo transcendente de se o caso de Jeremías, Jr 7 e 26 “este ho-
Jesús. Nao o messianismo político que mem merece a morte”). Mateus suaviza a
uma parte do povo espera, nem o messia­ acusagáo: “posso”.
nismo simples de um rei descendente de 26,62-63 Tais acusagóes nao merecem
Davi, mas sim o de quem tem um trono à resposta; Jesús se cala como o Servo “nao
direita de Deus (SI 110,1; Mt 22,41-45) e abria a boca” (Is 53,7). Por isso, para rom­
recebe do Altissimo o poder supremo e per seu siléncio, o sumo sacerdote recorre
universal (Dn 7,13, segundo a interpreta- ao último expediente. Com sua autorida-
gao individual secundária). Se Jesús sem de e invocando a Deus, faz Jesús jurar, e
fundamento se arroga semelhante título, é centra a questáo. Na boca de Caifás “filho
blasfemo e merece a morte. Se o possui de Deus” é título messiánico, de acordo
realmente, é ele quem, julgado, julga (re- com os Salmos 2 e 89.
corde-se a palavra de Deus em Jeremías 26,64 Na boca de Jesús, o que Caifás
que, julgada, julga a Joaquim, Jr 36). Je- disse tem alcance superior. A confissáo
27,4 117 MATEUS

— É o que disseste. E eu vos digo 72De novo o negou, jurando que nao
(|ue desde agora vereis o Filho do Ho- conhecia esse homem. 73Pouco tempo
rnem sentado á direita do Todo-pode­ depois aproximaram-se os que estavam
roso e chegando ñas nuvens do céu. ai e disseram a Pedro:
65Entáo o sumo sacerdote, rasgando — Tu és realmente um deles, pois o
a veste, disse: sotaque te denuncia.
— Blasfemaste! Que falta nos fazem 74Entào começou a lançar maldiçôes
as testem unhas? A cabais de ouvir a e a jurar que nâo o conhecia. Imediata-
blasfemia. 66Qual é o vosso veredito? mente o galo cantou 75e Pedro recor-
Responderam: dou o que Jésus dissera: Antes que o
— Réu de morte. galo cante, me terás negado très vezes.
67Entáo lhe cuspiram no rosto, de- E saindo, chorou amargamente.
ram-lhe bofetadas e o golpeavam , 68di-
zendo: C onduzido a Pilatos (Me 15,1;
— Messias, adivinha quem te bateu. Le 23,1s; Jo 18,28-32) — 'N a
manhá seguinte, os sumos sacerdotes e
Nega§5es de Pedro (M e 14,66-72; Le os senadores do povo deliberaram para
22,56-62; Jo 18,15-18.25-27) — 69Pe- condenar Jésus à morte. 2Amarraram-no,
dro estava sentado fora, no pátio. Apro- conduziram -no e o entregaram a Pila­
ximou-se urna criada e lhe disse: tos, o governador.
— Tu também estavas com Jesús, o
galileu. M orte de Judas (At 1,18s) — 3Entào
70Ele o negou diante de todos: Judas, o traidor, vendo que o haviam
— Nao sei o que dizes. condenado, arrependeu-se e devolveu
71Saiu para o pórtico, outra criada o os trinta denários aos sumos sacerdo­
viu, e disse aos que estavam ai: tes e senadores, 4dizendo:
— Este estava com Jesús, o N aza­ — Pequei, entregando à morte um
reno. inocente.

combina urna frase do SI 110,1 com outra cia. E se arrepende logo e profundamente.
de Dn 7,13: supóe-nas bem conhecidas e as Um galo lhe recorda a predigáo de Jesús
aplica a si. Desde agora: com sua confissáo (e se reveste de lenda na tradigáo). Pedro,
comega a se manifestar seu poder. Quando como a Igreja, é chamado e perdoado.
ressuscitar, esse poder celeste se estenderá.
26,65 A blasfemia é punida com a mor­ 27,1-2 A deliberagáo matutina serve
te (Lv 24,16). para pronunciar ou ratificar a pena e en­
26,67 Ver o terceiro càntico do Servo tregar assim o réu ao governador. O relato
(Is 50,6). A zombaria supóe que o Messias discorre em base ao verbo entregar: anún-
é profeta e possui o dom de adivinhar. cios 17,22; 20,28-29; 26,2; Judas 26,15.
26,69-75 Os quatro evangelhos, que re- 16.21. 23.24.25.46.48; 27,3.4; os chefes a
conhecem a primazia indiscutível de Pilatos 27,2; Pilatos a eles 27,26. Era com­
Pedro, narram sem dissimulagáo seu pe­ petencia romana permitir a execugáo de
cado e arrependimento. Sem dúvida, o condenagóes á morte. Como se verá de­
consideram urna dor de Jesus e um ensi- pois, as autoridades judaicas buscam algo
namento para a Igreja. Colocado aqui o mais: um processo civil por rebeliáo, ter­
relato, a negagáo contrasta fortemente com reno no qual eles nao sao competentes.
o testemunho de Jesus e com seu testemu- Pilatos representava o poder militar de
nho em Cesaréia (Mt 16,15-17). Roma na regiáo. Náo é estranho que se
Mateus o gradua em intensidade crescen­ encontre em Jerusalém durante a festa e
te: nega, jura, langa maldigóes; os inter­ aglomeragáo da Páscoa.
locutores váo mudando, mas coincidem em 27,3-10 O episodio da morte de Judas
ressaltar a origem galilaica de Jesus e Pedro. interrompe estranhamente o curso do re­
O apóstolo nega por medo, nào por arrogàn- lato, como se a entrega de Jesús ao gover-
m a t eu s 118 27,5

Responderam-lhe: Jesus diante de Pilatos (M e 15,2-15;


— O que tem os a ver com isso? O Le 23,2-5.13.25; Jo 18,28-19,1) — “ Je­
problema é teu! sus compareceu diante do governador,
5Jogou o dinheiro no templo, foi-se e que o interrogou:
se enforcou. 6Os sum os sacerdotes, re- — Es tu o rei dos judeus?
colhendo o dinheiro, disseram: Jesús respondeu:
— Nao é lícito pó-lo na arca, pois é — E o que tu dizes.
prego de urna vida. 12Mas, quando o acusavam os sumos
7É, depois de deliberar, compraram o sacerdotes e os senadores, ele nada res­
campo do oleiro para sepultura de estran- pondía. 13Entáo lhe diz Pilatos:
geiros. 8Por isso, até hoje aquele campo — Nao ouves de quantas coisas te
se chama Campo de Sangue*. 9Assim se acusam?
cumpriu o que profetizou Jeremías: 7o- 14Mas nao respondeu urna palavra,
maram as trinta moedas, prego do que. com grande admiracao do governador.
foi taxado, do que os israelitas taxaram, 15Pela Páscoa o governador costu­
10e com isso pagaram o campo do oleiro, mava soltar um prisioneiro, aquele que
conforme as instrugoes do Senhor. o povo quisesse. 16Havia entáo um pri-

nador ultrapassasse suas previsóes. Sabe­ ta am pliado da responsabilidade parece


mos que a figura de Judas alimentou des­ refletir-se a ruptura consumada entre ju­
de cedo fantasías legendárias. Lucas dá daismo e cristianismo e a exclusáo dos
urna versáo diferente (At 1,18-20). A morte cristáos oficializada pela autoridade judai­
violenta do perseguidor ou culpado é mo­ ca. Como na historia de Jeremías diante
tivo literario conhecido (p. ex. Absaláo de Sedecias e sua corte (Jr 37-39), acon­
2Sm 18; Antíoco Epífanes, 2Mc 9; em tece aqui um jogo de resistencias, pressóes
versáo poética vários oráculos proféticos, e concessóes até a sentenza final.
p. ex. Is 14; Ez 28). Antes de morrer, Judas Pilatos tem de zelar pelos interesses de
acrescenta seu testemunho sobre a inocén- Roma na regiáo. Segundo o costume ro­
cia de Jesús. Confessa o pecado, mas de­ mano, interroga diretamente o réu. Sua
sespera do perdáo. pergunta está entre o terreno político e o
Deixando de lado os casos militares de religioso, e admite diversas interpretadles:
Saúl e Abimelec, o AT só registra um sui­ desde sonhos religiosos peculiares até a
cidio, o de Aquitofel (2Sm 17,23). Fica rebeliáo formal contra o impèrio. A se-
ambiguo o significado do novo nome do qiiéncia mostra que Pilatos náo o toma no
campo, Campo de Sangue: campo de ho­ sentido mais grave. Também é um tanto
micidio ou campo de mortos = cemitério. ambigua a resposta de Jesús: é exatamen-
A citado é uma com binado artificiosa de te como tu dizes, isso é o que tu dizes; sim,
Jr 32,6-9 e Z c 11,12-13. com reservas. O diálogo termina ai (com-
27,8 *Ou: Cemitério. pare-se com a versáo extensa de Joáo).
27,11-26 Depois da intcrrupgáo do epi­ 27,12-14 Entáo intervém os acusadores
sodio precedente, continua o processo di- judeus, sem que o narrador especifique
ante de Pilatos, até seu desenlace fatal. suas acusaQoes. Jesús náo responde a elas
Mateus prossegue acumulando testemu- (Is 53,7J) nem mesmo incitado pelo procu­
nhos sobre a inocéncia de Jesús: a resis­ rador. E surpreendente o silencio de um
tencia e manobras de Pilatos, sua declara­ réu, a quem dá ocasiáo de se defender (cf.
d o aparatosa, o sonho da sua mulher. SI 38,14; 39,10): Pilatos náo está acostu-
Correlativamente, carrega a máo sobre a mado a tal atitude. Aqui entra o episodio
responsabilidade das autoridades judaicas de Barrabás (a quem alguns manuscritos
e “o povo” ali reunido. Na súplica final os dáo como nome pròprio Jesus: ofensivo
chama de “todo o povo” (kol ha ‘am em para Jesus de Nazaré? histórico e acerta­
pontos-chaves: Ex 19,11 alianza; Js 24 re­ do para marcar o contraste?).
novado da alianga; ISm 10,24 Saúl rei; 27,15-18 Pilatos descobre no assunto
IRs 8,38 súplica numa calamidade). Nes- divisóes e rivalidades internas entre os ju-
27,29 119 MATEUS

sioneiro fam oso cham ado B arrabás. — M as que mal ele fez?
l7Quando estavam reunidos, perguntou- Eles porém continuavam gritando:
Ihes Pilatos: — Crucifica-o.
— Quem quereis que eu vos solté? 24Vendo Pilatos que nao conseguía
Barrabás, ou Jesús chamado o Messias? nada, ao contràrio, estavam se amoti­
18Pois sabia que o haviam entregue por nando, pediu água e lavou as máos di­
inveja. 19Estando ele sentado no tribu­ ante da multidáo, dizendo:
nal, sua mulher lhe mandou um recado: — Nao sou responsável pela morte
— Nao te metas com esse inocente, deste inocente. E problema vosso.
porque esta noite, em sonhos, sofri mui- 250 povo respondeu:
to por sua causa. — Nos e nossos filhos somos respon-
Entretanto, os sumos sacerdotes e sáveis por sua morte.
os senadores persuadiram a m ultidáo 26Entáo soltou-lhes Barrabás, m an­
para que pedisse a liberdade de Barra­ dou agoitar Jesus e o entregou para que
bás e a condenagáo de Jesús. 210 go- o crucificassem.
vemador tomou a palavra:
— Q ual dos dois quereis que vos A zom baria dos soldados (M e 15,16-
solté? 20; Jo 19,2s) — 27Entáo os soldados do
Responderam: governador conduziram Jesús ao preto­
— Barrabás. rio* e reuniram em torno dele toda a
22Responde Pilatos: companhia. 28Tiraram-lhe a roupa, envol-
— O que fago com Jesús, cham ado o veram -no num manto escaríate, 29tran-
Messias? garam urna coroa de espinhos e a puse-
Todos respondem: ram em sua cabega, e um canigo na máo
-— Crucifica-o. direita. Depois, zombando, ajoelhavam-
23Ele lhes disse: se diante dele e diziam:

deus, sem culpas verdadeiras. Em lugar de um messias político e violento. Nesse ter­
encerrar o assunto com sua autoridade (re- reno deve ser condenado por Pilatos.
corde-se o episodio de At 23,1-10), busca A cena teatral serve para repartir respon­
urna escapatoria, o privilègio do indulto sabilidades. Pilatos declina toda respon-
de Páscoa: enfrenta os judeus com urna sabilidade, faz o gesto simbólico de lavar
escolha comprometida. Barrabás pode re­ as máos como prova de inocencia (cf. SI
presentar a violencia contra o poder estran- 26,6; 73,13). Mas nao pode prová-la, e seu
geiro (era “famoso”: quer dizer que era gesto se torna proverbial em nossas cultu­
urna espécie de herói popular?); Jesús se ras. O povo em massa assume a responsa-
apresenta como o Messias pacífico (5,9; bilidade, com a fórmula consagrada (cf.
7,38-42; 12,18-21; 26,52), sem reivindi- Dt 19,10; Js 2,19; Jz 9,57; 2Sm 1,16; 3,28-
cagóes políticas. As autoridades judaicas 29; IRs 2,33.44; Ez 33,4). Ao julgaressas
intervèm rapidamente para inclinar o ple­ palavras, nao devemos esquecer o teste-
biscito contra Jesús. munho de Paulo (ICor 2,8).
27,19-23 Nesse ponto intervèm a mu­ 27,27-31 As zombarias da soldadesca se
lher de Pilatos. Concedia-se aos sonhos, concentram no título presumido de rei dos
especialmente em conjunturas graves, va­ judeus. O manto escaríate serve de manto
lor premonitorio (cf. Eclo 34,6). Ao me­ régio. A coroa é infamante, feita de sar­
nos infundiam respeito. gas, mas nao torturadora (como mostra a
Pilatos conhecia provavelmente a popu- iconografía); o texto nao fala de cravar,
laridade de Jesus, dava como certa a res- mas de colocar. Também é cómica a cana
posta a favor. Por isso, fica desconcertado a modo de cetro real. As cuspidas substi-
com a resposta popular. A crucifixao era tuem o beijo, e os golpes com a cana subs-
pena comum de escravos e rebeldes a tituem a saudagáo.
Roma: os acusadores abandonam a visao 27,27 *Ou: residencia do pretor ou ma­
de um Messias transcendente, em favor de gistrado.
120 27 ,3(1
Salve, rei d o s ju d e u s! vam crucificados dois bandidos, um à
Cuspiam-lhe, p e g a v a m o c a n ic o e direita e outro à esquerda. 39Os que pas
3jlarT1 eom e le em su a c a b e ra . savam o insultavam balançando a ca
Terminada a zo m b a ria , tiraram -lhe beça 40e dizendo:
manto e lh e p u s e ra m su a s v e s te s . — Aquele que destrói o tem plo e o
ePois o lev a ra m para cru cificar. reconstrói em très dias, que se salve; se
é filho de Deus, que desça da cruz.
Nlorte de Jesús (M e 15,21-41; Le 23, 41Por sua vez, os sumos sacerdotes
"49; Jo 19,17-30)— 32A saída encon- com os letrados e senadores zombavam,
aram um homem de Cirene, chamado dizendo:
33Í?a°’ e 0 forgaram a carregar a cruz. — 42A outros salvou, a si mesmo nao
Uiegaram a um lugar chamado Gól- pode salvar. Se é rei de Israel, desça
S°ta (isto é, Caveira), 34e lhe deram a agora da cruz e creremos nele. 43Con-
eber vinho m isturado eom fel. Ele o fiou em Deus: que o livre, se é que o
Jje0 v°u, mas nao quis beber. 35Depois ama. Pois disse que é filho de Deus.
crucificá-lo, repartiram por sorte suas 44Também os bandidos crucificados
estes 36e se sentaram ali, montando com ele o injuriavam.
Suarda. 45A partir do meio-dia, todo o territo­
. Acima da cabecja puseram um le- rio se escureceu até a metade da tarde.
. lr° eom a causa da condenagáo: Este 46À m etade da tarde Jésus gritou com
c esus, reí dos judeus. 38Com ele esta- voz potente:

nh ^'49 O narrador avança com estra­ contado entre os pecadores”. Também a


te .SQ^r'C(Jadc, como sentindo-se distan- esses designou o Pai os lugares á direita e
‘ °ntenta-se com traços rápidos sem á esquerda? (Mt 20,21).
^ntário, sem explorar o dramatismo ou 27.39 Gesto de zombaria, como em SI
^ etismo da cena. Em compensaçâo, es- 2 2 ,8 : “fazem caretas, meneiam a cabega”
Uc um tecido de citaçoes ou alusôes, e Lm 2,15.
esPecialmente dos Salmos 2 2 e 69. 27.40 Asegunda parte é alusáo a SI 22,8;
’32 Provavelmente o travessâo hori- veja-se também o discurso dos malvados
, tal> que os condenados eram obriga- sobre o justo em Sb 2,13.18.
11 S->aCarrc8 ar’ uma <<car8 a leve”? (Mt 27,41-43 As autoridades amplificam a
dos rl 6 "Carregai os far- zombaria. E o sarcasmo naquilo que mais
. Qos outros e assim curnprireis a lei de dói, a relagáo com o Pai. O “salvar” pode
Cristo”.) ser zombaria do nome; mas deve-se recor­
^>33 A lenda o identificou com o se- dar o título de Salvador que os cristáos
P cro de Adâo ou com o lugar do sacrifi­ davam a Jesús. Mudam o título em “rei de
c e Isaac. Israel”, que corresponde melhor ao título
’34 Acostumeira bebida letárgica ser- de Messias (cf. Jo 1,49; 12,13). Alude ao
plic° narrac*or Para aludir ao SI 69,22, sú- SI 22,9: “Acorreu ao Senhor, que o salve;
nha3 Um *nocente perseguido: “na mi- que o liberte se o ama” (cf. Sb 2,18.20).
« ...?ec*e me deram vinagre”. Nâo é este o 27.44 Mateus nao faz distingáo entre os
2 ^Ce clue 0 Pa* lhe oferece. bandidos.
d ’35 Fazia parte do pagamento do ver- 27.45 Sao trevas anormais: “Farei o sol
pan°’ Serve Para a'udir ao SI 22,19: “Re- se por ao meio-dia, em pleno dia escure-
|l. minhas vestes, sorteiam entre si cerei a térra” (cf. Am 8,9); podem ser de
noh túnica”. Sao os últimos despojos, a julgamento (Is 13,10; J1 2,2; Sf 1,15). Pa­
,reza total (cf. Mq 2,8), a vergonhosa rece que Mateus as considera teofánicas,
" Ug 2 (cf. Is 20,2-4). como o “grande grito” (qol gadol Dt 5,22;
• ’37 O letreiro declara a causa civil, que Is 29,6) dos vv. 46 e 50.
27 esse l’P0 de execuçâo capital. 27.46 Cita o comego de SI 22. Sugere
.>38 Como se fossem a escolta do pre- com isso que recitou o salmo todo? Tal
surtUdo rei. Pode aludir a Is 53,12: “foi pode ser o valor de citar um cometo. Os
27,60 121 MATEUS

-— Eli, Eli, lema sabactani (ou seja: tropa que m ontavam guarda a Jesús di-
Deus meu, D eus meu, p o r que m e aban­ ziam espantados:
donaste?). — Realmente este era filho de Deus.
47Alguns dos presentes, ao ouvi-lo, 55Estavam ali olhando de longe mui-
comentavam: tas m ulheres que haviam acompanha-
— Este cham a Elias. do e servido a Jesús desde a Galíléia.
48Imediatamente um deles correu, to- 56Entre elas estavam Maria Madalena,
mou uma esponja em papada em vina­ M aría máe de Tiago e José, e a máe dos
gre, e com um can ijo Ihe deu de beber. Zebedeus.
Os outros disseram:
— Espera, vejam os se Elias vem sal- Sepultam ento de Jesús (M e 15,42-47;
vá-lo. Le 23,50-56; Jo 19,38-42) — 57Ao en-
50Jesus, lanzando outro grito, expirou. tardecer chegou um hom em rico de
510 véu do tem plo se rasgou em dois, A rimatéia, chamado José, que também
de cima a baixo, a térra tremeu, as pe- tinha sido discípulo de Jesús. 58Apre-
dras racharam, 52os sepulcros se abri- sentando-se a Pilatos, pediu-lhe o ca­
ram e muitos cadáveres de santos res- dáver de Jesús. Pilatos m andou que o
suscitaram. E, quando ele ressuscitou, entregassem. 59José o tomou, envolveu-
53saíram dos sepulcros e apareceram a o num lengol de linho limpo, “ e o de-
muitos na cidade santa. 54Ao ver o ter­ positou num sepulcro novo que havia
remoto e o que acontecía, o capitáo e a cavado na rocha; depois fez rodar uma

hebreus usavam o começo como título do 27,54 Com a confissâo dos soldados pa­
livro. Os evangelistas levaram muito em gaos Mateus quer mostrar a força reveladora
conta o SI 22 ao narrar a paixáo. da morte de Jesús e sua força de atraçào
27.48 É uma bebida refrescante, que sobre os pagaos. A perspectiva é eclesial.
serve também para aludir a SI 69,22 (pa­ De passagem, propóe um contraste: os ju-
ralelo de “veneno na comida”). deus recusam, os pagaos confessam.
27.49 Gracejo cruel jogando com o 27,55-56A noticia sobre as mulheres ser­
nome de Elias e recordando que o profeta ve de ponte para os relatos da ressurreiçâo.
deve voltar a serviço do Messias (MI 3,23). Sua presença até o final contrasta com a
27,51-53 Expirou = expulsou o alentó/ ausencia covarde dos discípulos. Desde o
espirito. A bivaléncía da palavra grega começo alegre na Galiléia, até o final do­
pneuma permitiu a alguns escutar uma ve­ loroso, elas o acompanharam e serviram.
lada alusáo ao dom do Espirito. Com très Outro ensinamento para a comunidade.
traços simbólicos, Mateus comenta o sig­ 27,57-61 A sepultura de um homem era
nificado dessa morte, sem esclarecer sufi­ extremamente importante entre os israe­
cientemente sua intençâo. O véu do templo litas (Is 22,16). O último reconhecimento
(Ex 26,31-35): significa o final do culto da pessoa. Ver-se privado déla era a igno­
antigo?, o acesso a Deus aberto a todos, sem minia final (cf. Is 14,18-20; Jr 22,18-19).
segredos? tem alguma dimensáo cósmica? Um justiçado devia ser removido para
O terremoto é muitas vezes teofánico, como nao contaminar o terreno (Dt 21,22-23);
reaçâo da térra na presença do seu Criador era destinado à vala comum. José quer ofe-
(SI 18,8; 77,19 etc.). Quanto aos sepulcros recer sua homenagem postuma ao Mestre
abertos, Cristo morto conquista o reino dos e se une assim à homenagem antecipada
mortos e os faz reviver (cf. Dt 32,39; ISm da mulher que o ungiu para a sepultura
2,6; Tb 13,2; SI 30,4); pode conter uma (26,13). Mateus dá importáncia aos deta-
alusâo à grande visáo de Ez 37,1-14, dos lhes do sepulcro. Ao ato do sepultamento
ossos que revivem. Cristo ressuscitado assistem como testemunhas duas dentre as
transmite sua vida aos “santos”, que entram mulheres citadas anteriormente. A sepul­
na cidade novamente “santa” (cf. Is 26,2) e tura e o sepulcro testemunham a morte de
se manifestam como testemunhas da res- Jesús, sua descida à cova, ao xeol, ao rei­
surreiçâo do Senhor. no dos mortos.
MATEUs 122 27,61
grande pedra na entrada do sepulcro e citou da morte. A última impostura se­
foi enibora. 61Estavam ai M aría Mada- ria pior que a primeira.
lena e a outra María, sentadas diante Respondeu-lhes Pilatos:
do^sepulcro. — A i tendes uma guarda. Ide e vigiai-
_. No día seguinte, o que segue á ví- o, como entendeis.
gília, os sumos sacerdotes se reuniram 66Eles vigiaram o sepulcro, pondo
com os faríseus e foram a Pilatos 63di- lacres na pedra e postando a guarda.
zer-lhe:
~ Recordamos que, quando aínda R essurreigáo (M e 16,1-8; Le
vivía, aquele impostor disse que ressus- 24,1-12; Jo 20,1-10) — ‘Passa-
citariano terceiro día. 64M anda que vi- do o sábado, ao despontar a aurora do
giem o sepulcro até o terceiro dia, para primeiro dia da semana, M aria Mada-
que seus discípulos nao roubem o ca­ lena com a outra M aria foram exami­
dáver e digam ao povo que ele ressus- nar o sepulcro. 2Sobreveio um forte tre-

27,62-66 Com esta noticia, e com sua dade, sua manifestaçâo certa, seu trato com
conseqiiéneía de 28,11-15, M ateus quer os discípulos, a personalidade de diversas
responder a rum ores m alicio so s que os testemunhas.
judeus ¡am difundindo co ntra o s cristáo s Saltando o intermèdio de 11-15, Mateus
e contra a ressurreiçâo de Jesús. A inten- estiliza seu breve relato em très momentos:
çào do narrador é polém ica, e nem todos a mensagem do anjo às mulheres, a apariçâo
os detalhes sáo v erossím eis. É plausível de Jesús a elas, a missâo dos discípulos.
que queíram se o p o r ao gesto de Pilatos 28.1-10 O primeiro dia é o domingo
de entregar a José o cadáver. T am bém que (dominicus), como o chamaráo os cristáos
consideren! Jesús com o “ im postor” , quer em memoria do Senhor. Nada mais? Ma­
dizer, faiso profeta e falso M essias. É im- teus nos acostumou à concentraçâo e den-
provável que tenham n oticia de que Jesús sidade de alusóes. Num horizonte mais
tinha predito sua ressurreiçâo, e dir-se-ia largo esse dia poderia ser o primeiro de
urna projeçâo da situaçâo posterior, quan­ uma nova semana, da nova era, na qual,
do o evangelho é escrito. C hegam o s fari- após as trevas da morte, amanhece a luz
seus, que haviam p edido u m sinal (12,40): da glorificaçào (cf. SI 57,6.12).
ai tém o sinal de Joñas. Para os judeus terminou o descanso
Pilatos nao retrata a concessáo a José, sabático, e é lícito caminhar e trabalhar.
mas cede ao pedido das autoridades, tai- As mulheres vâo fazer uma visita de afeto
vez suspeitando um fundo religioso mis­ ou de inspeçâo; dessa forma tornam-se tes­
terioso no assunto que para ele está liqui­ temunhas de que o “sepulcro” foi simples
dado. Para Mateus, os “lacres” sáo uma lugar de passagem.
garantía involuntariamente acrescentada: 28.2-4 Aqui o narrador monta uma cena
todas as precauçôes humanas fracassaráo dramática cheia de ressonâneias e contras­
diante do poder de Deus. tes com a morte. O tremor é de teofania,
como o tremor na morte; o anjo é mensa-
28 Se no relato da paixáo os très si- geiro de Deus, pois Deus náo abandonou
nóticos seguem trilhos paralelos, nos re­ seu Filho; seu aspecto é de outro mundo,
latos da ressurreiçâo apresentam divergén- sua força, sobre-humana; parece refletir a
cias impressionantes. O momento e o gloria de Deus e do ressuscitado. Náo vem
modo da ressurreiçâo, ninguém tenta des­ abrir a porta do sepulcro para que saia o
crever: transcende a experiência sensivel. morto (Jo 11,39.44), mas para mostrar que
Nem sequer nos dâo um relato paralelo à náo está mais ai; os guardas tremem ante
transfigura,^ Afirmam o fato triunfal­ a apariçâo sobrenatural. Como mortos, no
mente e o confirmant com relatos diver­ reino a que pertencem.
sos. Nestes se encontra o núcleo essencial: 28,2 Pode referir-se a “um anjo” ou “o
a identificaçgo d 0 aparecido, sua identi- anjo do Senhor”, segundo o costume da
dade cotn o Jésus de antes, sua corporei- Escritura (m al’ak Yhwh).
28,16 123 MATEUS

mor, pois um anjo do Senhor, deseen- — Náo temáis; ide avisar meus ir-
do do céu, chegou e fez rodar a pedra, máos que se dirijam á Galiléia, onde
sentando-se em cima. 3Seu aspecto era me veráo.
de relámpago e sua veste branca como a n Enquanto elas caminhavam, alguns
neve. 4Os que m ontavam guarda come- da guarda foram á cidade e contaram
garam a tremer de medo e ficaram como aos sumos sacerdotes tudo o que acon­
mortos. sO anjo disse as mulheres: tecerá. 12Estes se reuniram para delibe­
— Nao temáis. Sei que buscáis a Je­ rar com os senadores e ofereceram aos
sús, o crucificado. 6Náo está aqui; ressus- soldados urna boa soma, 13recomendan-
citou com o havia dito. Aproxim ai-vos do-lhes:
para ver o lugar em que jazia. 7Depois, — Dizei que de noite, enquanto dor-
ide correndo anunciar aos discípulos míeis, os discípulos chegaram e rouba-
que ele ressuscitou e irá á frente para a ram o cadáver. 14Se a noticia chegar aos
Galiléia; lá o vereis. Esta é minha m en­ ouvidos do governador, nos o tranqui­
sagem. lizaremos para que náo vos castigue.
®Afastaram-se depressa do sepulcro, 15Eles aceitaram o dinheiro e segui-
cheias de medo e alegría, e correram ram as instrugoes recebidas. Assim se
para dar a noticia aos discípulos. 9Je- espalhou esse boato entre os judeus até
sus saiu ao seu encontro e lhes disse: hoje.
— Salve.
Elas se aproximaram, abracaram seus M issáo dos discípulos (M e 16,14-18;
pés e se prostraram diante dele. Le 24,36-49; Jo 20,19-23; At 1,9-11) —
10Jesus lhes disse: 16Os onze discípulos foram á Galiléia,

28,5-7 É preciso, antes de tudo, vencer va já no tempo de Mateus, está atestada


o temor com a expressáo clássica do AT: no século seguinte e reaparece ao longo
“nao temáis”. O medo fecha e paralisa, e da historia. Mateus náo se assusta em ofe-
o Ressuscitado vem vencer o medo últi­ recer esse trago inverossímil, as famosas
mo e radical (cf. Hb 2,15). A mensagem é “testemunhas adormecidas”; ou o diz iró­
densa: primeiro, elas (as primeiras) háo de nicamente? Implícitamente reconhecem
escutar a grande noticia, depois háo de que o túmulo está vazio. Resistencia con­
comprová-la indiretamente, em seguida tumaz ao “sinal de Joñas”. A intengáo de
háo de comunicá-la: testemunhas de ou- encobrir o fato contrasta com a difusáo por
vido e de visáo. Jesús tem como título, já parte das mulheres. É que tudo se apóia
náo infamante, “o Crucificado”. Cumpriu na ressurreigáo. Paulo diz que se Cristo
o que havia predito (12,40; 16,21; 17,23; náo ressuscitou, nossa fé é vá (ICor 15,
20,19). Jesús marca encontro com os seus 14.17).
na Galiléia, e vai á frente. Desse modo, 28,16-20 Para concluir, Mateus compóe
duas mulheres sáo as primeiras portado­ uma cena magistral. No espago de cinco
ras da mensagem pascal, sáo duas teste­ vv. condensa o substancial da sua cristolo-
munhas fidedignas. gia e eclesiologia.
28,8 É um trago psicológico essa mistu­ Váo á Galiléia, como que voltando ao
ra de medo e gozo; corresponde á polari- comego e abandonando Jerusalém, aonde
dade do numinoso (cf. SI 65,9). foi só para morrer. Sobe a um monte, em
28,9-10 Jesús sai ao seu encontro, com- ascensáo simbólica, como quando langou
provando a mensagem com sua presenga, seu manifestó (5-7) ou se transfigurou (17).
dissipando o medo com sua saudagáo: elas Os Onze daquele momento representam
o véem, tocam e ouvem. Tém que iden- toda a Igreja; por isso náo falta quem duvi-
tificá-lo. Dar aos discípulos o título de “ir- de, como no lago (8,26; 14,30-41). Véem o
máos”, esquecendo e perdoando, faz par­ ressuscitado e háo de ser suas testemunhas.
te da mensagem pascal (cf. 12,48). Jesús toma a palavra, afirmando sua ple­
28,11-15 Completa o narrado em 27,62- na autoridade recebida de Deus (aludindo
6 6 . A versáo de roubo do cadáver circula- a Dn 7,14; Mt 9,6). Em virtude desta, en-
MATEUS 124 28,17

ao monte que Jesús Ihes havia indica­ zer discípulos entre todos os povos,
do. I7Ao vé-lo, prostraram -se, mas al- batizai-os consagrando-os ao Pai, ao
guns duvidaram. 18Jesus se aproximou Filho e ao Espirito Santo, 20e ensinai-
e lhes falou: lhes a cum prir tudo o que vos mandei.
— Concederam -m e plena autorida- Eu estarei convosco sempre, até o fim
de no céu e na térra. 19Portanto, ide fa- do mundo.

vía seus discípulos para a missáo univer­ a vida de acordo com o ensinamento de
sal, nao mais limitada aos judeus (10,6; Jesús.
15,24). Nao háo de ensinar para serem Inaugura-se o tempo da Igreja, cujo fim
mestres de muitos discípulos (23,8), mas nao é ¡mínente. É preciso viver e agir nes-
para “fazer discípulos” de Jesús. Como rito se tempo com a certeza de que Jesús, nao
de consagragáo administraráo o batismo, obstante ir-se embora, fica com eles.
com a invocagáo trinitária explícita (com- Emanuel era Deus Conosco na historia do
pare-se com a fórmula de At 2,38; 8,16; povo eleito. Agora é Jesús glorificado com
ICor 1,13; G1 3,27). Como conseqüéncia, sua Igreja para sempre.
EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

INTRODUQAO
Como a nuvem noAT, M arcos em seu M arcos evoca urna figura desconcer­
rvangelho joga com o velar e o desve­ tante ante um auditorio desconcerta­
lar. Seu tema é a pessoa de Jesús, mais do: nao seria parecida a situaqáo his­
aínda que seu ensinamento e milagres, tórica ? Jesús é o M essias que há de
r a reaqáo do povo á sua pessoa. O m is­ padecer: no extremo aguarda a morte
terio de Jesús, o Jesús misterioso. M ar­ ignominiosa; p elo caminho o acompa-
cos possui a luz da ressurreiqao, mas nham incom preensño e hostilidade.
no longo do seu relato nao abusa des- Quando chega o triunfo final, Marcos
sa luz esplendorosa; ao contrario, apre- volta a ser conciso: a cortina do tem ­
senta os homens cegados e deslum bra­ plo rasgada e a confissáo do centuriáo
dos, mais que iluminados. pagáo contrastam com o silencio m e­
Já no principio, declara que Jesús é droso das mulheres ao ouvirem o anun­
“filho de Deus ” e que o relato sobre ele cio categórico do jovem vestido de bran­
é “boa noticia ”. ¡mediatamente soa urna co. A nte a morte o pagáo confessa, ante
declaraqao solene do Pai, um impulso a ressurreiqao as discípulos se assustam.
do Espirito, urna vitória fulgurante so­ M arcos é mestre de urna escritura “a
bre Sata e urna pacificaqáo cósmica (com duas vo zes”. D etém -se numa cena, se-
asferas). Jesús anuncia a chegada ¡mí­ leciona dados certeiros que dáo impres-
nente do “reinado de D eus ”, M arcos sáo de realismo, explora o dramatismo.
se limita a contar seu “comeqo M as cena e traqos tém na pena de M ar­
O fa to estava anunciado e era espe­ cos um alcance superior, sao expres-
rado, mas sua novidade (2,21) provoca sóes simbólicas do mistério. Bom exem-
a confrontaqao dramática. Para os es­ plo é a confissáo do centuriáo: com um
pectadores, a luz fica velada. N ao o alcance na boca do personagem nar­
compreende a sua fam ilia (3,21) nem rativo pagáo, e outro alcance na pena
seus concidadáos (6,1), tampouco seus do autor. Ou entáo as cenas conjugadas
discípulos chegam a compreender; fa - da incompreensáo dos fam iliares e a
riseus — poder religioso — e herodia- apresentaqáo da nova fam ilia de eren-
nos — poder político —- decidem eli- tes. Ou a enigmática noticia do jovem
miná-lo (3,6). Contudo, alguns pagaos q u efo g e nu da paixáo, resolvida no jo ­
reconhecem seu p o d er (7,24). Os dis­ vem vestido de branco que anuncia a
cípulos estáo cegos, nao aceitam o anun­ ressurreiqao. M arcos se presta a urna
cio da paixáo: m as Jesús p ode curar leitura fácil, de superficie, como urna
os cegos (8,22). m elodia simples; mas é preciso esfor-
D iríam os que Jesús, p o r seu lado, qar-se para ouvir o contraponto.
nao facilita a compreensáo; manifesta
seu poder milagroso, e impóe silencio: Composigáo
aos demonios, as testemunhas, aos dis­
cípulos. M ais de urna vez tenta escon­ Numa primeira parte sucedem-se velo-
d e rse , com éxito escasso (7,24 e 9,3). zes: batismo, deserto, discípulos, primei-
R e v e la se na transfiguraqño, e impóe ros milagres e controvérsias, 1—3. Segue -
reserva até a ressurreiqao. Q uase um se o mínistério na Galiléia 4,1—7,23.
terqo do livro está dedicado ao ciclo D epois de um intermèdio na Fenicia e
inteiro da paixáo em Jerusalém. Cesaréia, 7,23-8,26, acontece a mudan-
MARCOS 126 INTRODUíJÁO

ga decisiva, com a confissáo de Pedro, gao tem fundam ento pouco firme. Nao
transfiguragao e anuncio da paixao, e teria sido mais eficaz apresentar aos
a cam inhada para Jerusalém, 8,27— vacilantes uns discípulos de Jesús fir­
10,52. Em Jerusalém: acolhida, contro- mes e valentes na fé ? Além disso, nao é
vérsias, discurso escatológico, 11—13; legítimo negar ao autor a vontade de
paixao e ressurreigáo, 14,1-16,8. (Al- escrever urna obra de maior alcance,
guém acrescentou um apéndice, 16,9- para além de urna estreita conjuntura
20, ao fin a l desconcertante do autor). local e temporal.

Autor Data
D esde sempre, este evangelho se cha- N ao parece que M arcos se refira à
mou “segundo M arco s”. Urna velha destruigáo de Jerusalém como já acon­
tradigáo ou lenda, transmitida de se­ tecida.
gunda máo, fa z do autor um discípulo E m fungáo de urna reconstrugào coe­
de Pedro, de quem teria recolhido a rente, a maioria dos comentaristas co­
informagáo sobre Jesús. Outros tenta- loca a composigáo na época turbulen­
ram identificar o autor com a persona- ta das revoltas contra o im pèrio de
gem de nome Marcos, que figura nos Roma antes da conquista da capital;
A tos (12,12; 13,5.13) e envia saudagóes com isso pretendem deixar o espago de
e m C l4 ,1 0 e 1P d 5,13, mas, sendo M ar­ urna geragào para a form agño e cris-
cos um nome corrente na época, a iden- talizagáo de tradigóes oráis. É urna hi-
tificagáo é incerta. pótese, baseada em dados internos, que
Os destinatários sao em boa parte nem todos compartilham.
convertidos de língua grega, a quem é O certo é que seu evangelho fala a
preciso explicar term os e costumes ju ­ qualquer grupo e geragáo, estabelecen-
daicos. Escreve M arcos para urna co- do alguns fatos fundamentáis, irrefutá-
munidade definida ou para todos os que veis, po r entre incompreensóes e fra-
desejarem saber a respeito de Jesús? A quezas. Sem o evangelho de Marcos, a
partir de dados dispersos no evange­ imagem de Jesús seria mais simples e
lho, alguns tentam reconstruir o perfil mais pobre. Jesus é “filh o de D e u s”:
da comunidade, supondo que M arcos isso diz o narrador, duas vezes o Pai, os
escreve sua obra para responder a seus demonios, o centuriào. E “o Messias ”,
problem as específicos. Seria urna co­ o “ungido Pedro o proclama, e J e ­
munidade pobre e perseguida, vacilan­ sus manda que se guarde segredo (8,27-
te na fé, que se reflete na conduta dos 30). Um cegó e a multidáo o reconhe-
discípulos do evangelho. Tal reconstru- cem como “filho de D avi ”.
MARCOS

Jo á o B a tista (Mt 3,1-12; Le 3,1- salém acorría para que os batizasse no


I 9.15-17; Jo 1,19-28) — ‘Com eto da
boa noticia de Jesús Cristo, Filho de Deus.
rio Jordáo, confessando seus pecados.
fiJoáo vestía um traje de pele de cam e­
2Tal como está escrito na profecía de lo, cingia-se com um cinto de couro e
Isaías: Vé, eu envió á frente meu men- com ia gafanhotos e mel silvestre. 7E
sageiro para que te prepare o caminho. pregava assim:
3Urna voz grita no deserto: Preparai o — Depois de mim vem alguém com
caminho para o Senhor, aplainai suas mais autoridade do que eu, e eu nao te-
veredas. 4A pareceu Joáo no deserto nho direito de agachar-me para soltar-
batizando e pregando um batism o de lhe a correia das sandálias. Eu vos ba-
penitencia para o perdáo dos pecados. tizo com água, ele vos batizará com
Toda a populagáo da Judéia e de Jeru- Espirito Santo.

1,1 “Comego”: cora ressonáncias do ritos de expiagáo do templo. Prega um


Génesis (Gn 1,1); como a palavra de Deus “batismo de arrependimento” (metanoia),
dirigida a Oséias (Os 1,2). Só que se trata que se expressa na confissáo pública dos
da “boa noticia”: a que o arauto anuncia pecados: “propus confessar ao Senhor
aos exilados (Is 40,9; 52,7). É de Jesús meus delitos” (SI 32,5), para obter o per­
Cristo, porque ele a traz da parte de Deus, dáo de Deus: “e tu perdoaste minha cul­
e mais aínda porque versa sobre ele, por­ pa e meu pecado” (ídem), e na imersáo
que é ele o objeto da mensagem. Jesús na água purificadora (cf. Ez 36,25). O
Cristo sintetiza nome c título: Jesús Mes- batismo é o rito que representa e sela a
sias. Alguns manuscritos acrescentam “Fi­ reconciliagáo.
lho de Deus” (cf. 15,39). O comego é um Dessa maneira, refazem os judeus a
título que abarca e orienta tudo: o livro viagem dos israelitas pelo deserto e a pas-
inteiro de Marcos deve ser ouvido como sagem do Jordáo (Js 3-4); náo só como
boa noticia sobre Jesús Cristo. Por que recordagáo, mas inaugurando urna era.
este Jesús = salvador, este Cristo = Mes- Com isso se preparam, náo para entrar na
sias, este evangelho = boa noticia descon- térra prometida, mas para receber o Se­
certam? nhor que chega (cf. Js 5,14; SI 96 e 98).
1,2-8 A boa noticia estava anunciada Esse Senhor (Kyrios Yhwh) é agora o
pelos profetas e agora Joáo Batista a pre­ Messias.
para. Marcos o identifica como o anjo Essa é a “proclamagáo” ou pregáo
prometido no éxodo: “Eu envío meu anjo (.kerysso) do arauto. A chegada do outro
diante de ti” (Ex 33,2), como o arauto de com mais autoridade: a frase das sandá­
Is 40,3 (pontuado, segundo o grego, para lias com o gesto de agachar-se é prová-
destacar o deserto) e como o Elias que vel alusáo ao esposo da lei do levirato (Dt
retorna (MI 3,1). No vestuário e na aus- 25,1-5; Rt 4), como que sugerindo que
teridade, imita Elias (2Rs 1,8; Zc 13,4). ele náo vai suplantar o Messias. “O que
Prega no “deserto”, lugar do caminho vem” ou há de vir, o vindouro (equivale
de volta para Deus: “escuta-se ñas dunas ao nosso futuro) podia ser título do Mes­
pranto suplicante dos israelitas... Aqui sias esperado. E ele que traz o auténtico
estamos, viemos a ti” (Jr 3,21-22; cf. Os batismo: náo de água que limpa, mas do
2,16 etc.). Lá acorrem, atraídos por sua Espirito Santo que vivifica e consagra;
fama, os que na Judéia e em Jerusalém náo água de rio, mas vento ou “alentó”
nao acham resposta, os que nao se satis- que desee do céu e transforma o deserto
fazem com as liturgias penitenciáis e os em jardim (cf. Is 32,15).
Ma rc o s 128 1,9

Batismo de Jesú s (Mt 3,13-17; Le Prega^áo na G aliléia (M t 4,12-17; Le


3,2ls) — 9Por esse tem po foi Jesús de 4,14s) — 14Q uando prenderam Joáo,
Nazaré da Galiléia e se fez batizar por Jesús se dirigiu á Galiléia para procla­
Joáo no Jordáo. 10E nquanto saía da mar a boa noticia de Deus. 15Dizia:
agua, viu o céu aberto e o Espirito des­ — Cumpriu-se o prazo e está próxi­
ando sobre ele com o urna pom ba. mo o reinado de Deus: arrependei-vos
Ouviu-se urna voz do céu: Tu és o meu e crede na boa noticia.
F'lho querido, o meu predileto.
Chama os primeiros discípulos (Mi
A prova (Mt 4,1-11; Le 4,1-13)— 12Ime- 4,18-22; Le 5,1-11) — 16Cam inhando
diatamente o Espirito o levou ao deser­ junto ao lago da Galiléia, viu Simáo e
to» 13onde passou quarenta dias, posto á seu irmáo André que lan§avam as re­
prova por Satanás. Vivia com as feras des ao mar, pois eram pescadores. 17Je-
e os anjos o serviam. sus lhes disse:

1,9-11 Efetivamente, chega o persona­ vado. Convive pacificamente com animais


s e nao mencionado: um homem que vem selvagens (Gn 2; Is 11,6-9; SI 8), os anjos
do norte, nativo de Nazaré na Galiléia. Re- estáo a seu servigo (SI 91,11-12; IRs 19,7-
eebe de Joáo o batismo, com outro sentido: 8): como se dissesse que os anjos de Deus
seu “submergir” e “subir” (para os ouvin- estáo a servigo do Filho de Deus. Hb 1,4-
tes e leitores de Marcos) pode apontar em 14 ilustra teológicamente a relagáo dos
imagem para sua morte e ressurreigáo. Pois anjos com Jesús Cristo.
acontece uma grande revelagáo. Ele vé “os 1,14-15 O desenlace da prisáo de Joáo
ceus se abrir” (o que pediam os israelitas se conta em 6,14-29. Colocada aqui, a no­
cm Is 64,1); o Espirito desee até ele (como ticia estende uma nuvem agourenta. Do
anuncia Is 11,1). E se escuta uma voz ce­ deserto Jesús volta á Galiléia para come-
leste, de Deus, que pronuncia seu testemu- gar ai o seu ministério de proclamar a boa
nho definitivo sobre Jesús: é mais que o noticia. Um versículo resume o conteúdo
rei (Si 2,7), mais que o servo (Is 42,1), é o num fato e sua conseqüéncia. Está próxi­
Filho querido (cf. 12,6). O título Filho de mo o reinado efetivo de Deus, o exercício
Deus (1,1) fica definido e exaltado. de seu poder real na historia (cf. SI 96,13-
O testemunho do Pai se pronuncia des­ 14 e 98,8-9). Tal é a boa noticia. Em Jesús
de a primeira aparigáo de Jesús e deve ilu­ já está atuando e por ele se oferece. Só pede
minar quanto segue. Tal é a riqueza da “boa a ruptura do arrependimento e a fé: ele­
noticia”. Escute-se seu eco na voz do mentos que perduram na pregagáo poste­
centuriáo pagáo (15,39). Forma quase uma rior do evangelho.
inclusgo de todo o evangelho. 1,16-20 Como pilares para dois arcos de
1>12-13 O Espirito, do qual está reple­ uma ponte, podemos considerar: o chama­
to» o impele para o deserto; o Filho de Deus do dos discípulos aqui, a eleigáo dos Doze
se deixa levar pelo Espirito (cf. o corre­ (3,13-19), a missáo dos Doze (6,6-13; ver
lativo; “Todos os que se deixam levar pelo a adigáo do epílogo em 16,15-18). O cha­
Espirito de Deus sao filhos de Deus”, Rm mado é soberano; o seguimento, imediato
8’14). o deserto é lugar de encontro com e incondicional; compare-se com o cha­
Deus (1,35), como os israelitas (Ex 19), e mado de Eliseu por parte de Elias (cf. IRs
também de submeter-se á prova (Dt 8). Os 19,19-22): é modelo de toda vocagáo cris-
quarenta dias correspondem aos dias dos tá e apostólica. O oficio desses pescado­
exploradores e aos anos do povo (Nm 14), res (cf. Jr 16,16; Ez 47,10; Hab 2,15-16),
aos quarenta dias de Moisés e Elias (Ex realidade cotidiana e empírica, serve para
34,28; IRs 19,8), e sáo tomados como base fazer compreender o novo oficio transcen­
de nossa quaresma litúrgica. Satanás é o dente: é um caso da subida constante do
rival, que procura frustrar ou desvirtuar o empírico ao transcendente por via simbó­
projeto de Deus. Jesús supera a prova (cf. lica. E a estrutura das parábolas, as com-
Jó 1-2); antes de comegar sua atividade paragdes, as agóes simbólicas. O núcleo
messianica tem de ser provado e compro- do novo regime de vida é “vinde comi-
1,32 129 MARCOS

— Vinde comigo e vos farei pesca­ 25Jesus o repreendeu:


dores de homens. -— Cala-te e sai dele.
18Imediatamente, deixando as redes, 260 espirito imundo o sacudiu, deu
o seguiram. 19Um pouco adiante viu um forte grito e saiu dele.
Tiago de Zebedeu e seu irmáo Joáo, que 27Todos se encheram de estupor e se
consertavam as redes na barca. 20Cha- perguntavam:
mou-os. Eles, deixando seu pai Zebe­ — O que significa isso? E um ensi­
deu na barca com os diaristas, foram namento novo, com autoridade. Dá or-
com ele. dens inclusive aos espíritos imundos, e
lhe obedecem.
O endemoninhado de Cafarnaum (Le 28Sua fama espalhou-se rápidamente
4,31-37) — 21Entraram em Cafarnaum, por todas as partes, em toda a regiáo da
e no sábado seguinte entrou na sinagoga Galiléia.
para ensinar. O povo se assombrava
com seu ensinamento, pois os ensina- C uras (M t 8,14-17; Le 4,38-41) —
va com autoridade, nao com o os le­ 29Depois saiu da sinagoga, e com Tiago
trados. 23Nessa sinagoga havia um ho- e Joáo dirigiu-se á casa de Simáo e An~
mem possuído por um espirito imundo, dré. 30A sogra de Simáo estava de cama
24que gritou: com febre, e pediram por ela. 31Ele se
— O que tens a ver conosco, Jesús aproximou, tom ou-a pela máo e a le-
de Nazaré? Vieste para nos destruir? Sei vantou. A febre passou e ela se pos a
quem és: o Consagrado por Deus. servi-los.32Ao entardecer, quando o sol

go”, a companhia e trato pessoal, o conhe- do ou santo (= consagrado, título que dáo
cer mediatamente, o assimilar por fami- a Jesús). Os dois poderes estáo frente a
liaridade. “Foram com ele”: até onde che- frente: o diálogo ñas intervengóes de cada
gará o seguimento? um esclarece o sentido misterioso. O es­
1.21-28 O curso do relato tem sido até pirito pronuncia nomes e títulos de Jesús
agora veloz. Curiosamente, nesse episo­ para sujeitar seu poder ou o reconhece, a
dio se remanseia, como se Marcos lhe atri- contragosto, como o vencido ao vencedor;
buísse um valor particular. Efetivamente, como os pagaos em vários oráculos de
nessa primeira atuagáo de Jesús se unem Ezequiel, como Antíoco Epífanes (2Mc
ensinamento e milagre. Aqui se apresen- 9,12). Jesús nao dá explicagóes, dá ordens
ta, na linguagem e na mentalidade da épo­ que os rivais tém de cumprir.
ca, a confrontagáo primeira e a vitória de 1,27 Na pergunta do povo se ouve a per-
Jesús sobre os poderes do mal que escra- gunta com a resposta da comunidade crista.
vizam o homem. O povo, ao ver e ouvir, O fato de ter ouvido muitas vezes o relato
comega a admirá-lo. Formam o círculo nao deve embotar nossa estupefagao. O ám­
ampio, em torno dos seguidores íntimos. bito é ainda restrito, a regiáo setentrional.
1.21-22 Por algum tempo, Cafarnaum 1,29-31 A sogra de Pedro é a primeira
será seu centro de operagóes. Respeita as beneficiária do poder curador de Jesús,
instituigóes religiosas e se aproveita délas transmitido pelo contato da sua máo (SI
para sua atividade. Ensina, nao como 62,9; “tua direita me sustenta”, SI 73,23).
repetidor de tradigóes (7,3), mas como fonte Urna vez curada, póe-se a seu servigo. O
autorizada de doutrina. “Farei brilhar meu fato acontece durante o sábado e na casa de
ensinamento como a aurora, para que ilu­ Simáo. Dos parentes nao se volta a falar
mine as distancias” (Eclo 24,31). O povo nos evangelhos; Paulo faz alusáo ao ma­
sem querer comega a fazer comparagóes. trimonio de Pedro (ICor 9,5).
Quando léem esse evangelho, os cristáos 1,32-38 Ao por do sol, termina o sába­
repetem a comparagáo entre tradigóes hu­ do, e o povo acorre atraído por sua fama;
manas e a autoridade do seu Mestre. a uniáo de enfermidade e possessáo será
1,23-26 É chamado de “espirito imun­ urna constante. O dia seguinte é “pro­
do”, qualidade incompatível com o sagra- gramático”: comega com um momento de
m a rco s 130 1,33

se pos, levavam-lhe toda espécie de — Se queres, podes curar-me*.


enfermos e endem oninhados. 33Toda a 41Ele se compadeceu, estendeu a máo,
populacáo se aglom erava junto á por­ tocou nele e lhe disse:
ta- 34Ele curou m uitos enferm os de vá- — Quero, fica curado.
nas doengas, expulsou m uitos dem o­ 42Imediatamente a lepra desapareceu
nios e nao lhes perm itía falar, pois o e ficou curado. 43Depois o admoestou
conheciam. e o despediu, 44recomendando-lhe:
^5Bem de m adrugada levantou-se, — Nao o digas a ninguém. Vai apre-
saiu e se dirigiu a um lugar despovoado, sentar-te ao sacerdote e, para que lhe
e ai esteve orando. 36Sim áo e seus com- conste, leva a oferenda estabelecida por
panheiros saíram atrás dele e 37quando M oisés pela tua cura.
0 alcancaram, lhe disseram: 45Porém ele saiu e se pos a anunciá-
— Todos te procuram. lo e a divulgar o fato, de modo que Je­
38Respondeu-lhes: sús nao podia apresentar-se em públi­
— Vamos as aldeias vizinhas, para co em nenhuma cidade, mas ficava fora,
pregar também ai, pois vim para isso. no despovoado. E de todos os lugares
E foi pregando e expulsando dem o­ acorriam a ele.
nios em suas sinagogas por toda a Ga-
l'léia. Cura um paralítico (Mt 9,1-8; Le

tu r a um leproso (Mt 8,1-4; Le 5,12-16)


2 5,17-26) — ’Depois de alguns dias,
voltou a Cafarnaum e correu a noticia
4(1Aproxima-se um leproso e [ajoe- de que estava em casa. 2Reuniram-se
Ihando-se] suplica-lhe: tantos, que nao havia espago junto á

°raçâo na solidao (tema reiterado em Lc)„ tantos autorizados do judaismo, a saber,


de onde sai para declarar sua missáo primà­ fariseus e letrados. Já venceu Satanás e um
ria de pregar. Diante da sua palavra e dos espirito imundo; agora toca-lhe outro tipo
seus milagres vai se retirando o dominio de resisténcia. Fariseu designa um tipo de
satánico e avança o reinado de Deus. Mar­ mentalidade e conduta, letrado denota algo
cos o propoe como modelo a seus leitores. de profissáo; as duas categorías se sobre-
1.38 E urna espécie de sumário da ativi- póem parcialmente. As situagoes sao di­
dade de Jesús: excursóes, ensinamento, versas: duas curas, um banquete, um je-
curas, expulsáo de demonios, oraçâo. jum, um dia de fome: a saúde e a comida
1,40-45 Nâo é certo que se tratasse de le­ fornecem o suporte realista á manifesta-
pra em sentido clínico estrito. Em todo caso, gáo. A tensáo vai crescendo até desembo­
era urna enfermidade grave da pele, que pro­ car na decisáo de eliminá-lo; o relato apon-
vocava impureza legal e excluía a pessoa da ta para a paixáo. Também varia o tema:
comunidade. Acura tinha de ser testemunha- perdao dos pecados, trato com os pecado­
da oficialmente (Lv 14,2-32); os sacerdotes res, sábado. E estranho que a palavra
diagnosticavam, nao curavam. Jesús toca libertadora, a boa noticia em agáo provo­
nele: nao se contamina com ele, mas cura que tal resisténcia e hostilidade.
011 “limpa” o enfermo; o termo “limpar” Cada cena culmina numa sentenga que
implica o aspecto cúltico da enfermidade. a retoma em forma de principio ou ensi­
No desenlace assistimos a essa tensâo na namento. Jesús, escondido e apertado pela
nussào de Jesus: procura retirar-se e ocul- multidáo, se apresenta para enfrentar os
tar-se, mas irradia urna força superior de guias espirituais e distanciar-se deles com
atraçào. Como o Deus de Is 45,14-15, “es­ autoridade. Marcos pensa em sua comu­
condido” e atraente, mesmo para pagaos. nidade e em futuros leitores, ao compor
1,40 *Ou: limpar-me, por causa da im­ essa seqüéncia polémica.
pureza legai.
2,1-12 Um paralítico é um doente gra­
1-3,6 Formam um bioco de cinco epi­ ve, morto em vida. Segundo a concepgáo
sodios, nos quais Jesus enfrenta represen- antiga, a doenga está intimamente vincu-
2,13 131 MARCOS

porta. Ele lhes expunha a mensagem. — Por que pensáis isso? 90 que é
Chegaram alguns levando um paralí­ mais fácil? Dizer ao paralítico que os
tico, carregado por quatro; 4e, como nao pecados estáo perdoados, ou dizer-lhe
conseguissem aproximá-lo por causa da que carregue o leito e com ece a andar?
multidáo, ergueram o teto sobre o lu­ “’Pois bem, para que saibais que este
gar onde estava Jesús, abriram um bu­ Homem tem autoridade na térra para
raco e desceram o leito em que jazia o perdoar pecados — diz ao paralítico — :
paralítico. 5Vendo Jesús a fé que eles “ Falo contigo, levanta-te, toma teu leito
tinham, disse ao paralítico: e vai para casa.
— Filho, teus pecados sao perdoados. 12Levantou-se imediatamente, tomou
6Estavam ai sentados alguns letrados o leito e saiu diante de todos. De modo
que refletiam em seu íntimo: que todos se assombraram e glorificavam
— 7Com o pode falar assim? Quem a Deus: Nunca vimos coisa semelhante.
pode perdoar pecados, a nao ser sonrien­
te Deus? C ham a Levi (Mt 9,9-13; Le 5,27-32) —
8Jesus, adivinhando o que pensavam, 13Saiu novamente á margem do lago.
disse-lhes: Todo o povo acorría a ele, e ele os ensi­

lada ao pecado: talvez como efeito da sua Jesús se apropria da expressáo “filho do
causa, ou como sintoma de um mal in­ homem” (ho hyios tou anthropou = ben
terior. Podem-se conferir os salmos dos 'adatn, título corrente em Ezequiel), que
enfermos (p. ex. 32; 38; 41). Em sua ins- por um lado afirma sua condigáo humana,
trugáo sobre a enfermidade Ben Sirac reco- correlativo de “filho de Deus”, e por ou-
menda: “reza a Deus e ele te fará curar... tro lado está associada com a “figura hu­
l limpa teu coragáo de todo pecado” (Eclo mana” de Daniel (7,14). Isso pode ser fonte
38,9-10). Os carregadores, talvez familia­ de ambigüidade, conforme pretenda Jesús
res, querem a cura física do doente. Jesús afirmar sua condigáo humana exemplar ou
desvia a atengáo para o mais importante e queira aludir á sua parusia gloriosa. (Pro­
grave da sua tnissáo: vencer o pecado com curo diferenciar a tradugáo segundo os
o perdáo. A enfermidade pode ser situa- casos.)
gáo de humildade e ocasiáo de arrependi- A cena comega com urna descrigáo pre­
mento: “Outras vezes corrige-o no leito de cisa, ao gosto de Marcos, e termina com a
dor” (Jó 33,19). glorificagáo coral de Deus, no estilo de
Embora o passivo “sao perdoados” pos- muitos salmos.
sa ser teológico (Deus, agente da passi- 2,1-2 Uma casa com terrago é cenário
¡ va), os letrados atribuem a sentenga a Je­ funcional do fato. Abrir um buraco para
sús, e ele se mostra de acordo. Ai surge a entrar era operagáo de ladróes (Ex 22,1-
opositólo. Os letrados, com a tradigáo, de- 2); fazem isso “á luz do dia”, destruindo
fendem que perdoar pecados é competen­ sem consideragóes, abrindo uma passagem
cia exclusiva de Deus (SI 130,4: “O per­ do tamanho de um homem, numa ostenta-
dáo é coisa tua”; 51,6 no contexto, e outros gao de criatividade e decisáo. Jesús reco-
salmos penitenciáis, Is 43,25). Jesús rei­ nhece, na agáo, a fé.
vindica esse poder na térra, também como 2,5 O título “filho” é carinhoso, como de
homem; entende-se, recebido de Deus. superior a inferior, de mestre a discípulo.
Veja-se a promessa da nova alianza: “Eu 2.7 Blasfema: em sentido ampio, por­
perdóo suas culpas e esquego seus peca­ que se arroga um privilégio exclusivo de
dos” (Jr 31,34). Deus. A pena da blasfemia é a lapidagao.
E o prova com urna agáo que empírica­ 2.8 Penetrar os pensamentos é próprio
mente se considera mais difícil. Pois, para de Deus (Pr 15,11).
expiar pecados, o culto oferecia recursos 2,11 O Senhor... afofará o leito de sua
institucionais; para curar milagrosamen­ enfermidade (SI 41,4).
te, nao. A cura prova o poder, já que Deus 2,13-17 Levi era coletor de impostos,
náo escutaria um blasfemo. A cura exter­ oficio que acarretava a seus titulares o
na expressa e revela a interna. qualificativo formal de “pecadores”, por-
MARCOS 132 2,14
nava. 14Ao passar, viu Levi de Alfeu, sen­ O jejum (Mt 9,14-17; Le 5,33-39) —
tado junto á mesa de impostas, e lhe diz: 180s discípulos de Joáo e os fariseus
— Segue-me. estavam de jejum . Váo e lhe dizem:
Levantou-se e o seguiu. — Por que os discípulos de Joáo e os
15Era convidado na casa dele, e mui- dos fariseus jejuam e teus discípulos
tos coletores e pecadores estavam á nao jejuam?
mesa com Jesús e seus discípulos. Pois 19Respondeu-lhes Jesús: — Podem os
muitos eram seus seguidores. 16Os le­ companheiros do noivo jejuar enquan-
trados do partido farisaico, vendo-o co­ to o noivo está com eles? Enquanto tém
m er com pecadores e coletores, disse- o noivo com eles, nao podem jejuar.
ram aos discípulos: "°Chegará um dia em que lhes arreba­
— Por que come com coletores e pe­ tarlo o noivo, e nesse dia jejuaráo.
cadores? 2lNinguém póe remendó de paño novo
17Jesus os ouviu e respondeu: numa roupa velha; pois o acrescentado
— Os saos nao tém necessidade de repuxa a roupa e faz um rasgo pior.
médico, mas os doentes sim. Nao vim 22Ninguém póe vinho novo em odres
cham ar justos, m as pecadores. velhos, pois o vinho arrebenta os odres,

que tratavam com nao judeus e abusavam Jesús responde com a autoridade de um
do cargo, provocando o odio do povo, pois anfitriáo ou do convidado especial que
exploravam e estavam a servido dos ro­ preside (cf. Eclo 32,1); responde com um
manos. O cargo era recebido em arren- refráo. Quem se considera sadio nao pro­
damento. O chamado soberano de Jesús cura o médico (cf. Eclo 38,1-15), e Jesús
prescinde de preconceitos e convengóes e veio como médico, ostentando o título que
vence a possível resistencia da cobiga. o AT costuma atribuir a Deus: “Eu sou o
Também a cobiga é uma forma de idola­ Senhor, que te cura” (Ex 15,26; Dt 32,39;
tría (Ef 5,5) e o deus do dinheiro, Mamón, Is 19,22). Do refráo salta para a definigáo
é rival de Deus (Mt 6,24). Como os pesca­ de sua missáo: Jesús “veio”, é aquele que
dores, Levi deixa tudo e “segue” a Jesús; devia vir, com a missáo de um chamado
porque a renuncia está em fungáo do se- universal: pecadores sáo todos, mesmo os
guimento, que dá sentido á renúncia. Mar­ que nao querem reconhecé-lo: “porque
cos é conciso: o longo e difícil processo de ninguém está livre de pecado” (IRs 8,46).
conversáo (veja-se o episodio do jovem 2,18-22 Após o banquete, urna contro­
rico, 10,17-31) resolve-se num imperativo vèrsia sobre o jejum: a coeréncia narrativa
de Jesús, como uma palavra criadora: “Cria é notável. O jejum era tradicionalmente
em mim um coragáo novo” (SI 51,12). praticado por lei ou por devogáo, como ex-
Na oportunidade se oferece um banquete pressáo de arrependimento, humildade ou
aos colegas de profissáo (ou da casta): “na luto (Zc 7,3-5; a crítica de Is 58). Também o
casa dele”. De quem? O grego é ambiguo. círculo de Joáo Batista se surpreende dian­
O mais natural é que seja Levi quem ofe­ te do estilo de vida de Jesus e seus discípu­
rece o banquete (de despedida), e o convi­ los. A uma pergunta responde outra, bem
dado principal é o seu novo chefe. Gra­ no estilo rabínico. Jesús levanta a questáo
maticalmente é possível que o anfitriáo até outro plano. Ele é o Messias esposo e
seja o próprio Jesús, na sua casa de Cafar- seus discípulos desfrutam por ora a sua pre­
naum. Em tal caso, o convite seria enor­ senta festiva: “companheiros, cornei e be-
memente significativo, quase um ato de bei” (Jr 33,11; Ct 5,1). Antes a esposa de
solidariedade religiosa. Seja como for, Yhwh jejuava por sua infidelidade; agora
compartilhar a mesa com “pecadores” é celebra-se o casamento de fidelidade (cf.
pecaminoso e escandaloso, pois ser co­ Os 2,21-22). “Será tirado deles”: alude em
mensal (co-mens-al) é um ato significati­ surdina à morte violenta (cf. Is 53,8), já
vo de relagáo amistosa, selada pela bén- acontecida quando Marcos escreve.
gáo sobre os alimentos. Os guardas da 2,21-22 Soa o refráo como explicagáo,
legalidade protestam: nao seráo pecado­ “pelo contràrio”, em forma rítmica. Pode-
res também Jesús e seus companheiros? ria ser assim formulado: Náo ponhas re-
3,4 133 MARCOS

e se perdem odres e vinho. Para vinho 27E acrescentou:


novo, odres novos. — O sábado foi feito para o homem,
náo o homem para o sábado. 28De sorte
Arrancando espigas no sábado (Mt que este Homem é senhor também do
12,1-8; Le 6,1-5) — 23Um sábado atra- sábado.
vessava plantagóes, e os discípulos, pe­
lo caminho, puseram-se a arrancar es­ 0 homem da máo atrofiada (Mt
pigas. 24Os fariseus lhe disseram:
— Vé o que fazem no sábado: é proi-
3 12,9-14; Le 6,6-11) — !Entrou ou­
tra vez na sinagoga, onde havia um ho­
bido. mem com a máo atrofiada. 2Vigiavam-
Responde-Ihes: no para ver se o curava no sábado, com
— 2^Nào lestes o que fez Davi quan­ intençao de acusá-lo. 3Diz ao homem
do passava necessidade, e estavam famin- da máo atrofiada:
tos eie e seus com panheiros? 26Entrou — P5e-te no centro.
na casa de Deus, sendo sumo sacerdote 4E pergunta a eles:
Abiatar, e comeu os pàes apresentados — O que é permitido no sábado? Fa-
(que somente os sacerdotes podem co­ zer o bem ou o mal? Salvar a vida ou
mer) e repartiu com seus companheiros. matar?

mendo novo em paño velho, nao ponhas A cena se concluí com um provèrbio
vinho novo em odres velhos. Tém relagáo incisivo, que alarga sua vigencia a muitos
com o anterior? Talvez enquanto o casa­ casos equivalentes. O provèrbio geral se
mento inaugura urna vida nova, e nao é aplica de modo especial a Jesús, o Homem
um emplastro para solteiro; é vinho novo pleno e autèntico.
que nao pode ser perdido.
A mensagem de Jesús nao é um remen­ 3,1-6 Nesta quinta cena, culmina a ten-
dó para consertar o paño gasto (SI 102,27; sáo e se consuma a ruptura. O tema è o
Jr 13,7; Jó 13,28); é um vinho que as ve- sábado, e a ocasiào è ofereeida na sinago­
lhas instituyóos nao podem conter. Tam- ga por um doente que tem a máo, órgáo de
bém essa discussáo se encerra com um re- agáo, atrofiada (cf. SI 137,5). Acontece na
fráo. Jesús nao é um letrado a mais no grupo sinagoga, lugar de reuniáo para orar e ex­
ou na série. Ele traz algo novo que tornará plicar a Escritura. Os rivais (Marcos náo
antiquado o precedente: “o antigo passou, diz quem) vigiam ou espiam Jesús com má
chegou o novo” (2Cor 5,17; Hb 8,13). intengáo: “as palavras do malvado sáo ar-
2,23-28 Aqui a questáo é a observáncia madilhas mortais” (Pr 12,9; cf. Jr 20,10;
do sábado, prescrita pelo decálogo (Ex SI 59,4), quer dizer, náo procuram discu­
20,8). Ben Sirac o considera instituido da tir e resolver urna questáo debatida, mas
“sabedoria divina” (Eclo 33,8); era questáo desacreditar aquele que propóe uma dou-
capital na prática religiosa judaica. Arran­ trina e conduta diversas.
car espigas, a lei permite (Dt 23,26); debu- Jesús aprecia a intengáo e a converte em
Ihá-las no sábado, a jurisprudencia rabínica desafio, no qual ele toma a iniciativa, e
proíbe. A intervengo dos fariseus se apre- coloca a questáo na aresta aguda da deci-
senta náo como simples chamada de aten- sáo ética, o bem e o mal (Dt 30,15, “hoje
gáo, mas como acusagáo. Jesús responde, ponho diante de ti a vida e o bem, a morte
no estilo da halaká, com um exemplo bí­ e o mal”). Inclusive o mal por omissáo do
blico do rei mais ilustre, Davi, o qual mos- bem. A pergunta pode atingir também os
tra que em caso de necessidade suspende-se rivais, que proíbem o bem da cura e se
a obrigagáo da lei (ISm 21,1-6). Se é sagra­ permitem o mal da intengáo perversa e que,
do o sábado, tempo consagrado a Deus, náo acusando Jesús, sacrificam a saúde de um
o eram menos os páes oferecidos a Deus (Lv infeliz. A decisáo ética se concretiza na
24,5-9). Davi náo sente escrúpulos, e o sa­ ajuda ao próximo necessitado: exigencia
cerdote colabora com ele. Os objetantes se superior a instituyóos religiosas humanas
atreveriam a censurar a conduta do rei Davi? (mesmo que se digam divinas), e mais ain-
MARCOS 134 3,5

Eles calavam. 5Repassando sobre eles Uma multidáo, ao ouvir o que fazia, acor­
um olhar de indignagáo, embora dolo­ ría a ele. 9Disse aos discípulos que ti-
rido por sua obstinagáo, diz ao homem: vessem de prontidáo urna barca, para
— Estende a máo. que a m ultidáo náo o apertasse. 10Pois,
Ele a estendeu e a máo ficou restabe- visto que curava a muitos, os que sofri-
lecida. 6Os fariseus saíram ¡m ediata­ am enfermidades lancavam-se sobre ele
mente e deliberaram com os herodianos para to c á -lo .11Os espíritos imundos, ao
como acabar com ele. vé-lo, langavam-se sobre ele, gritando:
Tu és o filho de Deus. 12Ele os repreen-
Curas junto ao lago —- 7Jesus se retirou dia severamente para que náo o desco-
com seus discípulos para junto do lago. brissem.
Seguia-o urna m ultidáo da G aliléia,
Judéia, 8Jerusalém , Iduméia, Transjor- Escolhe os Doze (M t 10,1-4; Le 6,12-
dánia e do territorio de Tiro e Sidónia. 16) — 13Subiu á montanha, foi chaman-

da, superior á sua interpretagáo rigorosa e conhecem a presenga do poder divino que
inumana. Os rivais pensam que se deve os vencerá, mas Jesús náo quer aceitar um
sacrificar o homem á instituidlo. Jesús se testemunho suspeito, que pode turvar a sua
indigna, porque póe a instituigáo ao servi­ missáo: “Também os demonios créem e tre-
do do homem. (Compare-se com o caso mem de medo” (Tg 2,19).
de consciencia de lM c 2,32-40.) 3.13-31 No restante do capítulo, antes
3.5 A linguagem exige nossa atengáo. do discurso das parábolas, soa outra terrí-
Jesús parece unir urna cólera divina (tema vel confrontagáo, colocada entre duas ce­
freqüente no AT) com urna compaixáo nas dedicadas á nova comunidade. Da
humana. A máo “restabelecida” indica um massa do povo destacam-se os discípulos
inicio de atividade normal: “fortalecei as que o seguiráo.
máos iracas” (Is 35,2). 3.13-19 Aprimeira cena é a eleigáo dos
3.6 Areagáo dos rivais ao ensinamento de doze, que se articula significativamente
Jesús os leva á obstinagáo (Dt 29,18; Jr 3,17 em dois tempos. Chamado espontáneo e
par.). E déla passam á alianga com os parti- livre de Jesús, “os que ele quis” (cf. SI 115,
dários ou empregados de Heredes, á deci- 3; Jo 15,16); nomeagáo de um grupo res-
sáo de eliminar o perigoso Jesús, a planejar trito de doze (muitos manuscritos acres-
o modo de realizá-la. Marcos tem pressa no centam o título de apóstolos). Os doze
seu relato. No bloco dos cinco episodios com enquanto grupo sáo “feitura” de Jesús, se­
sua culminagáo, domina a intengáo nar­ gundo a linguagem grega.
rativa, estilizada as expensas da cronología. Os doze representam globalmente as
3,7-12 Novo sumário que sintetiza e doze tribos do Israel tradicional (náo urna a
prefigura acontecimentos. Jesús é um cen­ urna, já que vários sáo galileus). Seráo como
tro de atragáo, diríamos irresistível. O en­ os patriarcas do novo povo. Por oficio e
tusiasmo da multidáo contrasta com a obs­ mentalidade sáo de origem diversa: honra­
tinado dos fariseus. Vém da Galiléia, que dos pescadores e coletor suspeito, gente
é seu terreno de operagócs no momento; da pacífica e o extremista Simáo (zelota, cf.
Judéia com a capital: já náo é Jerusalém o lM c 2,26-27.50; 2Mc 4,2). Judas projeta
centro de atragáo (SI 84 e 122), mas Jesús. já uma sombra premonitoria, com o verbo
Também da Transjordánia a leste, incluin- “entregar” como palavra-chave no livro.
do o semipagáo Edom ao sul. E o territo­ Para eles e por ora, o importante é “con-
rio pagáo de Tiro e Sidónia a noroeste. Em­ viver” com Jesús; daí partirá a missáo, que
bora limitadas na sua extensáo real, as prolongará com autoridade delegada a ati­
regióes representam em escala reduzida o vidade de Jesús. Um fato táo obvio como
que um dia será a igreja (cf. SI 87). estar com outra pessoa comega a ter uma
Marcos sugere essa visáo, sem sacrificar transcendencia incalculável, já que o “es­
tragos descritivos realistas: o detalhe da tar com” é recíproco.
barca, a multidáo atraída pelos milagres, a 3,13 “A montanha” (com artigo) tem
urgencia de tocar o taumaturgo, a pressáo valor simbólico: subida e convergencia,
física da multidáo. Os poderes do mal re- lugar de encontro com Deus.
3,30 135 MARCOS

do os que quis, e foram cora ele. 14No- — Tem Belzebu dentro de si e ex­
meou doze [a quem chamou apóstalos] pulsa os dem onios pelo chefe dos de­
para que convivessem com ele e para monios.
enviá-los a pregar 15com poder para ex­ 23Ele os exortava com c o m p a ra re s :
pulsar demonios. — Como pode Satanás expulsar Sa­
16[Nomeou, pois, os doze]. A Simáo tanás? 24Um reino dividido internamen­
chamou Pedro; 17a Tiago de Zebedeu e te nao pode subsistir. 25Uma casa divi­
a seu irmáo Joáo chamou Boanerges dida internamente nao pode manter-se.
(que significa Trovejantes), 18André e 26Se Satanás se levanta contra si e se
Filipe, Bartolom eu e M ateus, Tomé, divide, nao pode subsistir, mas perece.
Tiago de Alfeu, Tadeu, Simáo o zelota 27Ninguém pode entrar na casa de um
19e Judas Iscariotes, que o entregou. homem forte e levar seus bens, se pri­
meiro nao o amarra. Depois poderá sa­
Jesús e Belzebu (M t 12,22-32; Le 11, quear a casa. 28Eu vos asseguro que aos
14-23; 12,10) — 20Entrou em casa, e homens seráo perdoados todos os pe­
se reuniu tal m ultidáo que nao podiam cados e blasfem ias que pronunciarem.
sequer comer. 29M as aquele que blasfem ar contra o
21Seus familiares, quando o souberam, Espirito Santo jam ais terá perdáo; é réu
saíram para dominá-lo, pois diziam que de um delito perdurável.
estava fora de si. 22Os letrados que ha- 30É porque diziam que tinha dentro
viam descido de Jerusalém diziam: de si um espirito impuro.

3,17 Ainda nao se esclareceu a etimolo­ 3,23-30 Acusagao gravissima que visa
gía do apelido; alguns o ¡nterpretam com a desacreditar pela base toda a atividade
Filhos do Trováo ou Trovejantes. de Jesús, declarando-o agente do rival (=
3,20-21 A resistencia se infiltra entre Sata) de Deus. (Pode-se recordar a con­
seus familiares ou parentes próximos (cf. frontado inicial de Moisés com os magos
Zc 13,3), embora seja mais incompreensáo egipcios, Ex 7,11-12.) E urna a cu sa d 0
que hostilidade. Quem sao? Parece que nao absurda em simples lógica e se voltará
possam ser identificados com os do versí­ contra os que a pronunciam. Agora Jesús
culo 31, que acorrem com um recado pa­ se dirige ao povo presente, rebatendo aos
cífico. Sao provavelmente achegados que acusadores com dupla comparado. Rei­
o conheceram num estilo de vida corren- no pode ser a povoagáo (Is 19,2), e casa, a
te, e nao conseguem integrar sua nova fi­ grande familia.
gura. Como se para eles fosse urna perso- Satanás tem seus agentes (o Apocalipse
nagem nova. Procuram dominá-lo, impedir explica isso), seus instrumentos, sua mo­
sua atividade; julgam que delira ou que nao rada e servidores, certa liberdade de agáo;
sabe conter-se e eventualmente temem por insinua-se a oposigao ao reino de Deus e
ele (a interpretado é duvidosa). à casa ou familia de Deus. Jesús já de-
3,22 O fato de serem letrados e desce- frontou com ele (1,13) e o venceu. Nao é
rem de Jerusalém confere-lhes certo cará- que urna faegáo do reino de Satanás este­
ter oficial ou ao menos oficioso; como os ja lutando contra outra; todos formam um
enviados do templo pata interrogar o Ba­ reino compacto. O ataque vem de fora, de
tista (Jo 1,19). Com sua brevidade, Mar­ um que é mais forte que ele, e o atará e sa­
cos cria a impressáo de que os letrados tra- queará seu dominio (cf. Ab 5-6). Quan­
zem já confeccionada a sentenga. Belzebu do ele for atado (15,1), também o domi­
é um dos nomes tradicionais do Diabo (to­ nio da morte o será — podem pensar
mado do deus de Acarón, 2Rs 1). A quem os leitores de Marcos (cf. Le 10,Í8; Hb
liberta os possessos declaram o primeiro 2,14).
possesso, aliado subdoloso do chefe dos Atribuir a Satanás o que é agao de Deus
demonios. Zebul significa provavelmente é blasfemar contra o Espirito de Deus.
príncipe; aludiría ao forte da casa que será Ora, quem se obstina diante dos sinais
preciso amarrar. evidentes, fecha-se à agáo de Deus, tam-
MARCOS 136 3,31

A máe e os irmáos de Jesús (Mt 12,46- Parábola do sem eador (Mt 13,1-
50; Le 8,19-21) -— 31Sua máe e seus
irmáos foram, se detiveram fora e en-
4 23; Le 8,4-15) — ’Em outra ocasiâo
começou a ensinar junto ao lago. Reu-
viaram um recado cham ando-o. 32As niu-se junto a ele tal multidáo, que teve
pessoas estavam sentadas em tomo dele de subir numa barca que estava na água;
e lhe dizem: sentou-se, ao passo que a multidâo es­
— Vé, tua máe e teus irm áos [e ir- tava na terra, junto ao lago. 2Ensinava-
más] estáo fora e te procuram. lhes muitas coisas com parábolas, e lhes
33Ele lhes respondeu: dizia instruindo-os:
-— Quem é minha máe e meus irmáos? 3Atençâo! Um semeador saiu para se-
34E olhando os que estavam sentados mear. 4Ao semear, algumas sementescai-
em círculo ao redor dele, diz: ram junto ao caminho; vieram os pás-
— Vede minha máe e meus irmáos. saros e as comeram; 5outras cairam em
35Pois, quem cumpre a vontade de meu terreno pedregoso, com pouca terra; fal-
Pai do céu, esse é meu irmáo, irmá e máe. tando-lhes profundidade, brotaram lo-

bém ao perdáo, pelo qual vencería Sata­ É significativa a preferêneia por imagens
nás. Quem recusa o perdáo, nao pode re- végétais, ou melhor, agrárias. Nelas se
cebé-lo. conjugam os fatores da sementé, do terre­
3,31-35 Marcos descreve a cena com no e também do trabalho do homem. Elas
traços significativos. Jesús no meio, o povo fazem compreender a vitalidade, o dina­
sentado ao redor, fora desse círculo os fa­ mismo condicionado do reinado de Deus
miliares. E preciso notar que nao se men­ e do seu anuncio. Se por um ladosugerem
ciona o pai; Jesús adulto deveria ser o chefe a vitalidade da mensagem, por outro indi-
da familia. Quer dizer, os seguidores rele- cam que a sua força nâo é a eficácia, mas
garam a segundo lugar a familia, separan­ a fecundidade, e que esta tem suas leis e
do Jesús dos seus. Quem tem mais direi- seus tempos. Nâo é de estranhar que pro­
to? A familia quer romper o círculo, reclama fetas e sapienciais tenham recorrido com
seu parente famoso. Cabe a Jesús decidir freqiiência à imagem agrária (para citar
a questâo, e ele o faz com autoridade. Os alguns, Pr 11,18 e 22,8 o que semeia, 12,11
vínculos familiares sao coisa grande; por e 20,4 o trabalho de cultivar, 31,16 o ter­
isso Jesús, que tem um Pai no céu (Le 2,41- reno etc.).
52), está criando uma nova familia, defi­ 4,1-2 De novo apreciamos o gosto de
nida pelo cumprimento da vontade de Marcos pelo traço descritivo como cená-
Deus: era normal na familia que todos aca- rio: a barca serve de púlpito; da praia o
tassem a autoridade do pai (e quem a cum- povo contempla Jesús como vindo das
priu melhor que Maria?). águas; por contraste, escutam uma lingua-
gem agrícola que poderia refletir condi-
4,1-34 As parábolas discorrem entre çôes e costumes galileus. As parábolas ou
comparaçâo e adivinhaçâo, e podem as- comparaçôes sâo meio de instruçâo (SI
sumir forma narrativa: velam e desvelam 49,5; 78,2; cf. Eclo 39,2-3).
segundo a capacidade e disposiçâo do ou- 4,3-9 A primeira é quase uma metalin-
vinte; por isso, a parábola se aparenta com guagem que explica o sentido e a funçâo
o “enigma” ou adivinhaçâo (SI 49,5; 78,2). da tal linguagem (como Is 55,10-11 ou Jr
Por isso, sao palavra ativa, que interpela e 23,24): é palavra acerca da palavra. Para
exige resposta, provocando a separaçâo os detalhes, aqui váo alguns paralelos: o
dos ouvintes em dois campos. O tema cen­ sol que abrasa (Eclo 43,3-4), os espinhei-
tral é o reinado de Deus, que chega e vai ros (Pr 24,31). Protagonista é a semente,
se afirmando. O fato transcendente se tor­ essa pequenez prodigiosa, que se deixa
na de algum modo inteligível pela media- tomar e espalhar e ¡mediatamente inicia
çâo de símbolos. sua atividade. E a primeira página do Gé­
Marcos reúne num discurso très pará­ nesis observa e destaca a semente de er-
bolas agrárias, a explicaçâo de uma, a fun- vas e árvores, como agentes de fertilidade
çâo de todas e algumas sentenças. (Gn 1,11-12). O desenvolvimento se pa­
4,21 137 MARCOS

go; 6mas, ao sair o sol, se abrasaram e, m inho onde se semeia a palavra; en-
como nao tinham raízes, secaram. 7Ou- quanto escutam, chega Satanás e leva
tras caíram entre espinheiros: os espi- a palavra semeada. lflOutros sao como
nheiros cresceram e as sufocaram, e nao o que foi semeado em terreno pedrego­
deram fruto. 8O utras caíram na térra so: quando escutam a palavra, acolhem-
fértil e deram fruto, brotaram , cresce­ na com alegría; 17mas nao tém raízes,
ram e produziram urnas trinta, outras sao inconstantes. Acontece urna tribu­
sessenta, outras cem. 9E acrescentou: í a l o ou perseguiqáo pela palavra, ¡me­
Quem tiver ouvidos, escute. diatam ente sucum bem . ‘8O utros sao
í 10Quando ficou sozinho, os acompa- semeados entre espinheiros: escutam a
nhantes com os doze Ihe perguntaram palavra, 19mas as p re o c u p a re s m un­
sobre as parábolas. n Ele lhes dizia: danas, a seducjáo das riquezas e o afá
— A vós é com unicado o segredo do por tudo o mais os penetram, os sufo-
reinado de Deus; aos de fora tudo é pro- cam e os deixam sem fruto. 20Os ou­
posto em parábolas 12de modo que p o r tros sao o semeado em térra fértil: es­
mais que olhem nao vejam, por mais que cutam a palavra, acolhem-na e dáo fruto
ougam nao entendam; nao acontega que de trinta ou sessenta ou cem.
se convertam e sejam perdoados*.
13E acrescentou-lhes: Outras parábolas e comparagóes (Le
— Se nao entendeis esta parábola, 8,16-18; Mt 13,31-35; Le 13,18s; Mt
como entendereis as restantes? 13,34s) — 21Dizia-lhes:
14Aquele que semeia, semeia a pala- — A cende-se urna lam parina para
vra. l5Uns sao os que estáo junto ao ca- colocá-la debaixo de urna vasilha ou

rece ao de alguns provérbios do tipo très tempo da Igreja, aponta para a rejeigáo e
+ um quarto: très fracassos e um éxito des­ para a ruptura consumadas.
tacado. Também os espinheiros sao vege­ 4.12 *Qu: a nao ser que se convertam...
táis, dotados de urna vitalidade ameaça- 4,13-20 A explicagáo alegorizante, por
dora; ao passo que os pássaros exploram correspondèncias membro a membro, é da
sua liberdade de vôo. Ou seja, a semente comunidade que medita e aplica a si o en-
jaz ameaçada. sinamento (compare-se com o símbolo
4,10-12 Intermèdio sobre a funçâo das conciso da semente que morre e germina,
parábolas, dedicado aos doze, porque a de Jo 12,24-25). Também a comunidade
eles caberá explicar as parábolas do Mes­ se reconhece na parábola e formula alguns
tre. Entender seu segredo é dom celeste, perigos e ameacas entre os quais lhe cabe
nao conquista humana. Os de fora sâo os viver e agir.
que nao entram ou nâo querem entrar no No primeiro caso a palavra fica na su­
reino de Deus; ficam voluntariamente fora. perficie, nao penetrando no íntimo. No
O tema das parábolas é o reinado de Deus segundo caso penetra, mas nao se enraíza.
como mistério (Sb 2,22; 6,22): presente ou No terceiro caso penetra, enraíza-se, mas
iminente, mas oculto; e a parábola tem nao vence a concorréncia de outra ger­
muito de enigma. Quem se fecha a esse m inado hostil. Dito ao contràrio, a pala­
mistério olha sem ver, ouve sem escutar. vra precisa ser recebida, acolhida, assi-
Nele se cumpre o destino fatal anunciado milada, protegida. É um mistério “vital”.
a Isaías: “tém olhos cegados e nao véem, 4.13 Entender a primeira é condigáo para
a mente, e nao entendem” (6,9-10; 44,18- entender as seguintes: a primeira é progra­
19). Acontece o endurecimento numa es- mática.
pécie de processo dialético, e o oráculo 4,21-25 A sentenza, refráo ou aforismo
antecipa o desenlace. Outros traduzem a é um gènero diferente, embora aparenta­
última cláusula: “a nao ser que se conver­ do com a parábola (em hebraico tém o
tam”; tiram a força do paradoxo. mesmo nome). Costumam ser autónomas
No tempo de Jesus, a frase alude à re- e elásticas para amoldar-se a diversas si­
sisténcia contumaz das autoridades; no tu a re s . Marcos reúne aqui quatro e, ao
MARCOS 138 4,22

debaixo da cama? Nao se póe no can- depois a espiga cheio de graos. 29E quan­
deeiro? 22Náo há nada oculto que nao do o trigo está maduro, passa a foice,
se descubra, nada encoberto que nao pois chegou a ceifa.
se divulgue. 23Quem tiver ouvidos, es­ 30Dizia também:
cute. — Com que compararemos o reina­
24Dizia-lhes também: do de Deus? Com que parábola o ex­
— Cuidado com o que ouvis: a m e­ plicarem os? 31Com uma semente de
dida com que m edirdes usaráo convos- mostarda: quando é semeada na terra,
co e com acréscimos. 25A quem tem, é a menor das sementes; 32depois de
será dado; a quem nao tem lhe será ti­ semeada, cresce e se torna a maior de
rado o que tem. todas as hortaliças, e lança ramos tao
26Dizia-lhes: grandes que as aves podem se aninhar
— O reinado de Deus é com o um ho- em sua sombra.
mem que semeou um campo: 27de noi- 33Com muitas parábolas semelhantes
te se deita, de dia se levanta, e a semente lhes expunha a mensagem, adaptada à
germina e cresce sem que ele saiba co­ sua capacidade. 34Sem parábolas nao
mo. térra por si m esm a produz fru­ lhes expunha nada; mas em particular,
to: primeiro o caule, depois a espiga, explicava tudo a seus discípulos.

colocá-las nesse contexto particular, faz encerra na semente, onde Deus a inseriu
com que o iluminem e se iluminem recipro­ (Gn 1,11-12). Essa vitalidade se proces-
camente com ele. O leitor pode ensaiar sará segundo seu pròprio ritmo, porque
relagóes paralelas e oblíquas. P. ex., duas Deus continua agindo: “eu plantei, Apolo
sobre o divulgar e duas sobre o corres­ regou, mas era Deus quem fazia crescer”
ponder. (ICor 3,6-7; cf. SI 65,10-12)para além do
Aos discípulos foi explicado o segredo, trabalho humano: “Deus o concede a seus
nao para o guardarem consigo, mas para amigos enquanto dormem” (cf. SI 127,2).
difundi-lo, como uma luz (cf. Eclo 24,32- O reinado de Deus nao crescerà por puro
34). O ocultamento presente, de Jesús e esforço humano, nem se estende com a
seu segredo, nao é definitivo; tem uma violéncia; é preciso deixá-lo crescer; sua
fu n d o e se ordena á futura manifestado força é misteriosa. E um convite à espe-
(também a semente se esconde sob a tér­ rança (ao passo que Tg 5,7 convida à pa­
ra). “E gloria de Deus ocultar um assun- ciencia). Passa a foice (cf. J14,13).
to” (Pr 25,1). 4,30-32 Se a parábola precedente se fi-
A resposta á mensagem é uma medida xava no ritmo do crescimento, a presente
que será desbordada pela fecundidade do sublinha a desproporçâo entre o tamanho
grao: “Ensina o sábio, e será mais sábio” de uma semente e a planta na qual se con­
(Pr 9,9). Cabe outra interpretado: se en- verte. Começa com uma semente concre­
sinais generosamente, aprendereis e com- ta, miúda; mas quando se pôe a descre­
preendereis mais; “Aprendi sem malicia, ver a pianta, a paràbola se deixa levar
reparto sem inveja e nao guardo para mim pelas reminiscéncias de Ez 17,23; 31,6 e
suas riquezas” (Sb 7,13). O grao que nao Dn 4,12-21, para sugerir a largueza aco-
dá fruto apodrece, e o terreno perde até o lhedora de uma àrvore frondosa, do rei­
que tinha. no de Deus.
Mas as sentengas podem desprender-se 4,33-34 Conclusào do discurso das pa­
de qualquer contexto para suscitar novo rábolas. A “capacidade” nào é puramente
sentido. A última é um paradoxo que nao intelectual, já que inclui a disposiçâo do
se deve embotar com explicagóes razoá- ouvinte para aceitar o ensinamento; quem
veis (em termos sapienciais, sobre o pru­ tem prevençâo contra é “incapaz” de en­
dente e o néscio, é feliz a descrido de Eclo tender. “Explicava tudo a seus discípulos”:
21,12-15). é uma antecipaçâo colocada aqui por Mar­
4,26-29 Embora o homem ceda o terre­ cos para arredondar o discurso. Além dis­
no e o trabalho de lavrar, a vitalidade se so, aponta ao tempo da Igreja.
5,1 139 MARCOS

Acalma a tempestade (Mt 8,23-27; Le 8,22- — Cala-te, emudece!


25)—35No entardecer desse dia lhes disse: O vento cessou e sobreveio urna cal­
— Passemos á outra margem. 36Des- ma perfeita. ^ E lhes disse:
pedindo a multidáo, o recolheram tal co­ — Por que sois táo covardes? Ainda
mo estava na barca; outras barcas o acom- nao tendes fé?
panhavam. 37Levantou-se um vento de 41Cheios de medo diziam entre si:
furacáo, as ondas se arremessavam con­ — Quem é este, que até o vento e o
tra a barca, que estava a ponto de afun- lago obedecem?
dar. 38Ele dormia na popa sobre um tra-
vesseiro. Despertam-no e lhe dizem:
— Mestre, nao te importa que naufra­ 0 endem oninhado de Gerasa (Mt
guemos?
39Levantou-se, ameaqou ao vento e
5 8,28-34; Le 8,26-39) — ‘Passaram
á outra m argem do lago, no territorio
ordenou ao mar: dos gerasenos.

4.35-6,6 Do discurso passamos á agáo. de monstros mitológicos: “saía impetuo­


Mas o esquema de velar e desvelar o mis- so do seio materno... aqui cessará a arro-
tério continua. Se para captar a palavra é gáncia de tuas ondas” (Jó 38,7.11; SI
preciso saber escutar, para perceber a agáo 93,3-4; 65,8; Is 17,12). Jesús se póe de
é mister saber olhar. Jesús manifesta seu pé, sem vacilar pelas sacudidas (SI 107,
poder enfrentando os grandes poderes ad­ 25-26), ameaga o mar com urna ordem
versos: o océano que representa o caos, o decisiva, réplica do tradicional “bufido”
diabo que se apodera de um homem, a do Senhor em textos poéticos: “a teu bra­
doenga invencível, a morte. Quatro poten­ mido fugiram” (Is 17,13; Na 1,4; SI 18,16;
cias nefastas, aparentadas na mentalidade 104,7), as vezes aludindo ao mar Verme-
bíblica. lho (SI 68,31; 106,9). O vento e o mar
Também a agáo prodigiosa de Jesús con­ lhe obedecem (Jn 1).
serva um caráter bivalente, pois exige a fé Enquanto ele dorme serenamente (Jn 1,5-
para ser compreendida e provoca a resis­ 6; cf. SI 4,9), seus acompanhantes temem,
tencia dos que nao estáo dispostos a acei­ faltos de fé, e o despertam (Is 51,12). Quan-
tar suas conseqiiéncias. Assim, apesar dos do sobrevém a calma, se interrogam sem
prodigios, vai crescendo a oposigáo que chegar a compreender. Embora o sucedido
culmina na rejeigáo dos seus concidadáos seja urna libertagáo, ao narrador interessa a
de Nazaré. Os discípulos tém fé? (4,40). manifestagáo de Jesús. Como a libertagáo
Os gerasenos nao acolhem Jesús (5,17), do perigo do mar é um dos casos mais típi­
outros se riem (5,40), o pai deve crer (5, cos (SI 69; 124), o relato pronuncia urna
36), urna mulher mostra grande fé (5,34), palavra de ánimo para a Igreja ñas perse-
seus conterráneos surpreendem pela incre- guigóes; a tradigáo posterior comparará a
dulidade (6,6). Igreja a uma barca no mar (cf. SI 107,23).
Nesses episodios Marcos nao condensa, 4,35-36 Jesús dá a ordem, pondo-se e
antes, se deixa levar pelo gosto de contar, pondo-os no perigo. As outras barcas ser-
com grande senso dos valores dramáticos. viráo de testemunhas.
4.35-41 O lago de Genesaré, cenário 4.39 Dirige a mesma ordem aos demo­
agradável de ensinamento, desempenha nios (1,24). “Apaziguou a tormenta em
agora o papel de inimigo rebelde. Aceña suave brisa e emudeceu o bramido das
tem tragos realistas que ajudam a imagi- ondas” (SI 107,29).
nagáo do leitor e permitem aos exegetas 4.40 Se o medo é lógico, a fé deve ven­
alongar-se sobre as tormentas súbitas e cer o medo: “Sé valente, tem ánimo, espe­
violentas desse lago, que os pescadores ra no Senhor” (SI 27,14).
conhecem por repetidas experiencias.
Pois bem, o realismo serve para susten­ 5,1-20 Ninguém contou este episodio
tar o sentido transcendente. O mar é a com tanto detalhe e viveza como Marcos.
criatura que se revolve e se encrespa per­ O poder inimigo, desta vez, é o demonía­
turbando a ordem da criagáo, é herdeiro co no homem.
MARCOS 140 5,2

2Ao desembarcar, um homem possuí- 8(Pois lhe dizia: Espirito imundo, sai
do por um espirito imundo saiu-lhe ao desse homem.) 9Perguntou-lhe:
encontro do meio dos sepulcros. 3Ha- — Como te chamas?
bitava nos sepulcros. Nem com cadeias Ele respondeu:
alguém podia dominá-lo; 4pois muitas — Chamo-me Legiáo, porque somos
vezes o dom inavam com correntes e muitos.
grilhóes, e ele fazia saltar as correntes 10E lhe suplicava cominsistencia que
e rompia os grilhóes, e ninguém podia nao o expulsasse da regiáo. n Havia ali,
com ele. 5Passava as noites e os dias na ladeira, urna grande manada de por-
nos sepulcros ou pelos montes, dando cos fugando. 12Suplicavam-lhe:
gritos e golpeando-se com pedras. 6Ao — Envia-nos aos porcos para que
ver Jesús de longe, pós-se a correr, pros- entremos neles.
trou-se diante dele 7e, dando um gran­ 13Ele o permitiu. Entáo os espirites
de grito, disse: imundos saíram e entraram nos porcos.
— Que tens comigo, filho do Deus A manada, de uns dois mil, lançou-se
Altíssimo? Eu te conjuro por Deus que ao lago por um precipicio, e se afogaram
nao me atormentes. na água. 14Os pastores fugiram, e o con-

O relato, que se pode 1er como texto rea­ 28,15; 65,4). Sai-lhe ao encontro, como
lista, mostra sua coerència significativa, se saído do reino da morte. Jesus aceita o
o enquadramos ñas crengas da época. Je­ encontro, nâo teme contaminar-se porque
sus se adentra em territorio pagáo, impuro vem libertar purificando.
(ISm 26,19; 2Rs 5,17), onde se apascen- 5,3-4 A força descomunal do energú­
tam animais impuros (Dt 14,8; Lv 11,7); meno é um traço realista (essa é a etimolo­
ai encontra um homem possuído de um gia de “energúmeno” = acionado de den­
espirito imundo, que habita em sepulcros tro por um demonio). Sua força rompe as
(ou camaras mortuárias), lugares impuros correntes (cf. Is 45,14; SI 149,8); mas nao
que contaminam. Um texto de Isaías ilus­ pode com as outras que o prendem; será
tra a conexáo desses elementos: “habita- necessària a força maior de Jesús.
va nos sepulcros e pernottava ñas grutas, 5,5 Também é realista o ferir-se com
comía carne de porco, pondo nos seus pra- pedras. Mostra o caráter autodestrutivo e
tos caldo abominàvel’ (Is 65,4). O homem anti-humano da possessáo.
é libertado, e toda a impureza se afunda 5,7-12 O diálogo dramatiza a resistèn­
no abismo do mar. Os vizinhos nao agra- z a até a concessào, para dar relevo à su-
decem a operagáo de limpeza do forastei- perioridade de Jesús. Os demonios nao
ro. O homem libertado nao é admitido querem nada com ele: chamam-no de fi­
como discípulo, mas recebe um cargo cir­ lho do Deus Altíssimo, título divino opor­
cunscrito aos seus, que ele executa alar­ tuno em boca pagà. E em nome de Deus,
gando o pròprio alcance. tentam conjurá-lo. Se o demonio conhece
As crengas da época pertencem também o nome e título de Jesús, Jesús pergunta
os ritos e textos de exorcismos, bem do­ pelo nome, como se o ignorasse. Ou para
cumentados. O possesso ou seu demonio que declare que nâo tem nome, mas nú­
se volta contra o exorcista, pronuncia seu mero. Chama a atençâo no texto grego o
nome para dominá-ló, inclusive tenta con- uso do termo latino “legiáo”, tipicamente
jurá-lo. Sentindo-se impotente, pede urna romano e militar.
concessào: um alojamento alternativo (ani­ 5,13 Entrados na vara, mostram seu nú­
mal ou terreno), nao ser expulso para o mero de legiáo e sua violencia destrutiva.
deserto (Is 13,21; 34,14; Br 4,35; Tb 8,3), Mas a concessào de Jesus é sua ruina: afun-
ficar no territòrio para exercer ai seu do­ dam-se no caos do mar.
minio. Esses tragos influem na forma do 5,15-18 O endemoninhado recobrou sua
relato de Marcos e a explicam. dignidade humana, individual e social.
5,2 Os sepulcros sugerem a vinculagáo Mas os vizinhos pagáos, embora libertos
da possessáo ao reino dos mortos (cf. Is de urna presença demoníaca, ainda nao
5,27 141 MARCOS

taram na cidade e nos campos; e foram Duas curas (Mt 9,18-26; Le 8,40-56)
ver o que tinha acontecido. Aproxima- — 21Jesus atravessou novam ente, de
ram-se de Jesús e viram o endemoni- barca, para a outra margem, e reuniu-
nhado que tivera dentro de si urna legiáo, se a ele grande multidáo. Estando ju n ­
sentado, vestido e em perfeito juízo; e to ao lago, 22chega um chefe de sina­
se assustaram. 16Os que haviam presen­ goga, chamado Jairo, e ao vê-lo se lança
ciado explicavam -lhes o que acontece­ a seus pés. 23E lhe suplica insistente­
rá ao endem oninhado e aos porcos. n E mente:
comegaram a suplicar-lhe que partisse — M inha filhinha está ñas últimas.
de seu territorio. 18Quando embarcava, Vem e pôe as máos sobre eia, para que
o endemoninhado suplicava que lhe per- se cure e conserve a vida.
mitisse acompanhá-lo. 19Náo o permi- 24Foi com ele. Seguia-o grande m ul­
tiu, mas lhe disse: tidáo que o apertava.
— Vai para tua casa e aos teus, e con- 25Havia uma mulher que há doze anos
ta-lhes tudo o que o Senhor, por sua sofría de hemorragias; 26sofrera muito
misericordia, fez contigo. ñas m áos de m édicos, tinha gastado
20Ele foi e pós-se a apregoar pela tudo sem melhorar, pelo contràrio, só
Decápole o que o Senhor havia feito por piorando. 27O uvindo falar de Jesús,
ele, e todos se maravilhavam. m isturou-se com a multidáo, e por trás

aceitam Jesús. Assustam-se com seu po­ incorporam plenamente à sociedade: a


der que vem perturbar seu modo de vida: moga andando e comendo, a mulher con­
pesa mais a perda do rebanho que a cura fessando publicamente o que fez ás ocul­
de um possesso. Contudo, a noticia do tas (segundo o provèrbio de 4,22). A cura
possesso libertado contrapóe-se de algum da mulher nao tem antecedentes no AT, a
modo á noticia dos pastores; ao menos ressurreigáo da moga se destaca sobre os
consegue difundir o espanto pelo sucedido. milagres de Elias e Eliseu (IRs 17 e 2Rs 4).
5,19 Jesús nao o aceita em seu segui- 5,21-22 De novo em territorio nativo e
mento. Deixa-o em territorio pagáo como com a multidáo conhecida ao redor. O che-
testemunha e mensageiro. O Senhor, na bo­ fe da sinagoga dirigía as cerimónias do
ca de Jesús, é o Deus verdadeiro, o dos ju- culto, era uma personagem importante e
deus. O fato foi obra de sua misericordia. respeitada na comunidade. Seu nome pode
5,21-49 Dois relatos de cura, um encai- significar “Yhwh ilumine” ou “Yhwh sus­
xado no outro, como a tradigáo oral o trans­ cite” (conforme se leia com ’alef ou com
mite. A distribuigáo dos trechos é: 21- ‘ayrí). O gesto de prostrar-se expressa um
24.25-34.35-43. O recurso do caminho extraordinàrio respeito.
permite integrar fluentemente os dois ca­ 5,23 O pai supoe que as máos de Jesús
sos. Mais ainda, acrescenta o progresso transmitam força vital de cura, até numa
fatal da enfermidade grave da moga, o atra­ moribunda. O pedido soa em grego “se
so no caminho, a noticia da sua morte. salve e viva”: de duplo sentido, segundo a
Como se dissesse que, curando urna, dei- entende aquele homem e segundo soa aos
xou morrer a outra; e para responder que ouvidos da comunidade crista: “O Senhor
assim o milagre será maior. Em ambos os é minha luz e minha salvagáo... baluarte
casos é fundamental a fé, que pode con­ de minha vida” (SI 27,1). Jesus atende.
trastar com o ceticismo zombeteiro de al- 5,25-26 A doenga da mulher a excluí de
guns presentes. Ambos os casos se relacio- toda celebragáo festiva, pois contamina
nam com a vida e a fecundidade: a mulher com seu contato mediato ou imediato (Lv
padece “na fonte do sangue” (Lv 12,7; 15,25-31). O detalhe do fracasso dos médi­
20,18), a moga completou doze anos, aca­ cos (cf. Eclo 38,1-15), embora verossímil,
ba de tornar-se nubil. As duas estáo afas- serve para exaltar por contraste o poder
tadas da vida social: a moga obviamente de Jesús, verdadeiro médico por virtude
por sua doenga e morte, a mulher por uma divina.
doenga que a mantém durante anos em 5,27-28 Embora soubesse que seu con­
estado constante de impureza. As duas se tato contaminava, a mulher, seguindo
MARCOS 142 5,28

tocou-lhe o manto. 28Pois pensava: Bas­ 36Jesus, ouvindoo que falavam, dis
ta tocar seu manto e ficarei curada. 29No se ao chcfe da sinagoga:
mesmo instante a hemorragia estancou, — Nao temas, basta que tenhas fé.
e sentiu no corpo que estava curada da 37Náopermitiu queninguém o acom-
doença. 30Jesus, consciente de que urna panhasse, exceto Pedio, Tiago e seu ir-
força tinha saído dele, voltou-se entre as máo Joáo. 38Chegam á casa do chefe
pessoas e perguntou: da sinagoga, vé o alvoroqo e os que cho-
— Quem tocou no meu manto? ravam e gritavam sem parar. 39Entra e
31Os discípulos lhe diziam: lhes diz:
— Vês que a multidáo te comprime — Para que esse alvoroqo e esses
e perguntas quem tocou em ti? 32Ele prantos? Amenina nao está morta, mas
olhava ao redor para descobrir aquela adormecida.
que o havia feito. 33A mulher, assusta- 40Riam-se dele. Mas ele, expulsando
da e tremendo, pois sabia o que lhe ha­ todos, pegou o pai, a máe e seus com-
via acontecido, aproximou-se, prostrou- panheiros, e entrón onde estava a me­
se diante dele e lhe confessou toda a nina. 4IPegando a menina pela máo, diz-
verdade. 34Ele lhe disse: lhe: Talitha qum (que significa: Menina,
— Filha, tua fé te curou. Vai em paz eu te digo: Levanta-te!). 42No mesmo
e fica curada de tua doença. instante a menina se levantou e se pos
35Ainda estava falando, quando che- a caminhar. (Tinha doze anos.) Ficaram
garam os enviados do chefe da sinago­ fora de si pelo assombro. 43Recomen-
ga para dizer-lhe: dou-lhes encarecidamente que ninguém
— Tua filha morreu. Nao im portu­ o soubesse e ordenou que lhe dessem
nes o Mestre. de comer.

crenças populares, considera Jesús como zer: a doenqa pode-se curar, para a morte
carregado de um fluido terapéutico, des- nao há remédio. A resposta de Jesús serve
carregado e transm itido por contato, de contraste. Há remédio, sim: a fé.
mesmo que seja mediato (cf. At 19,12). 5,37 Enquanto isso, o tradicional pran-
O narrador se coloca na mente do perso- to fúnebre comegou (Jr 9,16-17). Jesús se
nagem. rodeia de poucas testemunhas: os pais da
5,30-34 Agora se sucedem as duas rea- moga e tres discípulos. Pronuncia urna fra­
çôes: de Jesús, ressaltada pela observaçâo se carregada de sentido. É conhecida a re-
dos discípulos, e da mulher. Devem ser li- lagáo sono-morte em muitas culturas, tam-
das como correlativas, em funçâo do que bém no AT: osono eterno (Jr 51,39.57), o
revelam. Jesús pergunta como surpreso: sono da morte (SI 13,4), sem despertar (Jó
quem foi? onde está? como se lhe houves- 14,12). Jesús joga com a ambigüidade
sem roubado algo ás ocultas. Constata e (como no caso de Lázaro, Jo 11,11-12).
confirma que urna força prodigiosa bro- Os presentes nao captam a alusáo; riem-
tou dele; mas acrescenta que foi a fé da se porque nao conhecem um poder supe­
mulher que a extraiu. E a chama cari- rior á morte, nao conhecem o poder de
nhosamente de filha. Ela se assusta com o Jesús. A comunidade crista que lé capta
atrevimento (que fez!). Violou as leis de seu sentido mais profundo: Jesús é a vida,
pureza, misturando-se com as pessoas e vencedor da morte. Na versáo grega de
tocando Jesús; na presença de um chefe Paulo: “Onde está, ó morte, tua vitória?”
de sinagoga que deve zelar pela pureza ri­ (ICor 15,55).
tual. Prostrada e humilde, confessa. Sua 5,41 Devolve-lhe a vida pelo contato:
crença no fundo era fé: pode ir em paz. A “tomas minha máo direita” (cf. SI 63,9;
fórmula usual de despedida carrega-se de 73,23) e por uma ordem soberana. A tra-
novo sentido. digáo conservou a lembranga da frase em
5,35-36 Entretanto, a moça morreu e tra- aramaico (o tradutor grego se excedeu um
zem a noticia a Jairo. Nao há nada que fa- pouco ao explicar o vocativo).
6,7 14 3 MARCOS

Na sinagoga de Nazaré (Mt 13,53- 4Jesus lhes dizia:


6 58; Le 4,16-30) — 'Saindo daí, di-
rigiu-se a sua cidade, acompanhado de
-— Um profeta é desprezado somen-
te em sua pàtria, entre seus parentes e
seus discípulos. 2Num sábado, pós-se em sua casa. 5E náo podia fazer ai ne-
a ensinar na sinagoga. A multidáo que nhum milagre, exceto uns poucos en­
o escutava com entava assombrada: De fermos a quem impós as máos e curou.
onde ele tira tudo isso? Que tipo de sa­ 6E estranhou a incredulidade deles. De-
ber lhe foi dado para que realize tais pois percorria as aldeias da redondeza
milagres com suas maos? 3Esse nao é o ensillando.
carpinteiro, o filho de Maria, irmáo de
Tiago e Joset, Judas e Simáo? Suas ir- M issáodos doze(M t 10,1.5-15; Le 9,1-
más nao vivem aqui entre nós? E sen- 6) — 7Cham ou os doze e os foi envian­
tiam isso como um obstáculo. do dois a dois, conferindo-lhes poder

6.1-6 Na realidade, os quatro episodios 6,4 A resposta de Jesús é um refráo am­


precedentes podem ter acontecido em lu­ pliado (cf. Jr 11,18-23). Entre nós se diz:
gares e tempos diversos. Na construqáo Ninguém é profeta em sua pàtria. A pàtria
narrativa de Marcos, desembocam na ines­ é a cidade de nascimento, os parentes, o
perada reagáo negativa dos seus conter­ círculo intermèdio, a casa é a familia. Náo
ráneos. pòde fazer milagres porque lhes faltava a
O ciclo se encerra numa sinagoga, onde fé para receber e reconhecer o dom.
Jesús le e comenta o texto bíblico (Mar­ 6,7-13 Vocagào e missào (ou chamado
cos nao especifica qual, cf. Le 4). O povo e envió) sao dois momentos complemen­
do lugar conhece suas curas de ouvido e tares (Is 6; Jr 1,5-8.17; Ez 2-3). Assim o
talvez de vista, e escuta maravilhado seu presente envio é complemento de 3,13-16.
ensinamento. Mas se nega a tirar a conse- A redagào tem caráter de sumario.
qüéncia necessária. Os apóstolos saem em duplas: “Melhor
Sua imagem do Messias ou do Profeta dois juntos que um sozinho, sua fadiga terà
(Dt 18,15) nao é compatível com os an­ boa paga” (cf. Ecl 4,9), como testemunhas
tecedentes familiares e profissionais de (Dt 17,6): do anuncio e também do juizo
Jesús: Nazaré é urna aldeia sem impor­ de condenagào em caso de rejeigáo. Váo
tancia (cf. Jo 1,46). Depreciativamente o revestidos de poder para ampliar ou pro­
chamam “esse”. Nao estudou — deu-lhe longar a atividade de Jesus, a saber, pre­
Deus sabedoria? (Cf. Sb 8,21). Suas “maos” gar, curar e expulsar demonios.
sao de artesáo, agora sao instrumento de A missào tem urna fungáo histórica, du­
poder. Admiram-se, perguntam, mas re­ rante a vida de Jesus. Mais tarde se ofere-
sisten! em responder, porque “tropegam” ce como exemplo da condigào missionària
na humildade. “Como se tornará sábio o da Igreja e de alguns membros em parti­
que maneja o arado..., igualmente o arte­ cular.
sáo..., e o ferreiro..., igualmente o olci- O estilo desses missionários pode estar
ro...?”, assim Ben Sirac contrapóe o arte- condicionado históricamente nos detalhes
sanato ao cultivo da sabedoria (Eclo 38, (corrigidos em Mt e Le); mantém sua va­
24-39,11). lidez na substancia: simplicidade e desa­
6.2-3 A primeira pergunta é genérica: pego. Nada que tenha sabor de interesse e
“tudo isso”. A segunda é sobre o poder possa desacreditar a mensagem. Aboa no­
taumatúrgico: vem de Deus?, ou do dia­ ticia náo chega a cavaio da riqueza.
bo, como dizem os fariseus? (3,22). E sua Náo devem levar dinheiro nem provi-
sabedoria: vem de Deus? (segundo Is 11,1-2; sóes de reserva, porque viveráo da diària
cf. Eclo 39,6-10), ou do diabo? “Essa nao e da hospitalidade generosa. Náo podem
é sabedoria que desee do céu, mas terrena, levar o bastáo de andarilho (cf. Gn 32,11).
animal, demoníaca”? (Cf.Tg3,15-16). Se- Duas túnicas considerava-se luxo. Na pers­
guem-se algumas perguntas para afirmar pectiva da comunidade e de Marcos, o tex­
que sabem tudo de Jesús e de sua familia. to combina dois aspectos da mensagem:
Os quatro irináos tém nomes patriarcais. desapego dos missionários, apoio das co-
MARCOS 144 6,8
sobre os espiritas ¡mundos. 8Recomen- vesse ressuscitado da norte e por isso
dou-lhes que levassem somente um bas- atuava nele o poder milagroso. 15Ou-
táo; nem pao, nem sacóla, nem dinhei- tros porém diziam quesra Elias, e ou-
ro no cinto, 9que calqassem sandálias, tros que era um profeta tomo os clássi-
mas que nao levassem duas túnicas. cos. 16Herodes ouviu edisse:
l0Dizia-lhes: — Joáo, a quem fiz degolar, ressus-
— Guando entrardes numa casa, ficai citou.
ai até partir. 11Se um lugar nao vos re­ 17Herodes tinha mandado prender Jo­
cebe nem escuta, sai de lá e sacudi o pó áo e o mantinha encarcerado por insti­
dos pés, para que lhes conste. g a d o de Herodíades, esposa de seu ir-
12Foram-se e pregavam para que se máo Filipe, com a qualcasara. KSJoáo
arrependessem ; 13expulsavam m uitos dizia a Herodes que náoera lícito ter a
demonios, ungiam com óleo muitos en­ mulher do próprio irmáo.1',Herodíades
fermos e os curavam. tinha rancor dele e queriimatá-lo, mas
náo conseguía, 20porque Herodes res-
M orte de Joáo Batista (Mt 14,1-12; peitava Joáo, sabendo que era homem
Le 9,7-9) — 140 rei Herodes ficou sa~ honrado e santo, protegii-o, fazia mui
bendo, porque a fam a de Jesús se di­ tas coisas aconselhado por ele e o ouvia
fundía, e pensava que Joáo Batista hou- com prazer. 21A oportunidade chegou

munidades, subordinados naturalmente á A tradigáo bíblica apresentava Elias


missáo e poderes recebidos de Jesús. como taumaturgo: se voltasse á térra, ló­
6,11 Trata-se de uma a§áo simbólica que gicamente chegaria com poderes cclcstiais.
toma o pó como sinal (2Rs 5,17): que nada Náo tinha tal fama o Balisla; portanto, os
do terreno culposo se apegue aos pregado- novos poderes teriam sido concedidos a
res. Aboa noticia se converte em juízo e con- ele na sua ressurreigáo c nova missáo. O
denagáo de quantos a recusam (At 13,51). narrador aproveita o comentario de He­
6,13 Aungáo pode ser remedio terapéu­ rodes para narrar um fato precedente, em
tico (Le 10,34) e também símbolo da cura técnica retrospectiva.
(Tg 5,14). 6,17-29 Com grande maestría literaria,
6,14-16 Quem é este?, perguntavam os Marcos nos conta o martirio do Batista.
discípulos (4,41); e o povo fazia a mesma Comega descrevendo a situaqáo na corte:
pergunta. Era preciso identificar o mestre a relagáo ilegítima de Herodes (Lv 18,16),
cativador e taumaturgo generoso. Para os a ascendencia de Joáo, sua admoestagáo
familiares era simplesmente seu conter­ franca (como a do profeta Nata a Davi,
ráneo, artesáo iletrado, cujos familiares 2Sm 12), o rancor passional de Herodía­
moravam em Nazaré. Algumas autorida­ des. Bons ingredientes paraum drama. No
des o consideraram blasfemador e agente fundo, podemos escutar o drama do fraco
de Satanás. Para outros era o profeta Elias, rei Acab, a consorte Jezabcl que o incita
cuja volta fora anunciada (MI 3,23-24; ao crime e o profeta Elias perseguido á
Eclo 48,10-11). Outros o consideravam um morte (modelo do Batista, IRs 18—19).
profeta como os de outra época, ou talvez Marcos segue a técnica narrativa bíblica:
como o prometido por Moisés: “um pro­ reprime suas emogdes, como se narrasse a
feta como eu ... o Senhor suscitará para ti” frió, e deixa que os fatos comovam o lei-
(Dt 18,15). Porque há tempo a profecía tor. Muitos escritores e músicos explora-
havia cessado e se esperava que voltasse: ram o potencial dramático desse relato.
“até que surgisse um profeta fidedigno” 6,20 Respeitava: ou temía. Talvez um
(lM c 14,41). As noticias sobre a ativida- temor reverencial por sua condigáo “sa­
de de Jesús e os rumores do povo chegam grada”. Compare-se com a atitude do rei
aos ouvidos do rei, que também precisa de Israel diante do profeta (IRs 22,8 e con­
identificar a surpreendente personagem. E texto).
propóe sua teoría. Ninguém o identifica 6,21-23 Celebra-se o aniversario do rei,
como o Messias. em clima de festa. E a ocasiáo de fazer
6,33 14 5 MARCOS

quando, no seu aniversário, Herodes quis decepcioná-la. 27E mandou imedia­


ofereceu um banquete a seus magnatas, tamente um guarda com ordem de tra-
seus com andantes e às grandes perso­ zer a cabera. Este foi, degolou-o na pri-
nalidades da Galiléia. “ A filha de He- sáo, 28levou numa bandeja a cabega e a
rodiades entrou, dangou e agradou a entregou á jovem ; ela a entregou á sua
Herodes e aos convidados. O rei disse máe. -ySeus discípulos, ao tomar conhe-
à jovem: cimento, foram recolher o cadáver e o
— Pede-me o que quiseres, e eu te depuseram num sepulcro.
darei.
23E jurou: Dá de com er a cinco mil (Mt 14,13-21;
— Ainda que me pegas a metade do Le 9,10-17; Jo 6,1-14) — 30Os apósta­
meu reino, eu te darei. los se reuniram com Jesús e Ihe conta-
24Ela saiu e perguntou à sua màe: ram tudo o que haviam feito e ensina-
— O que lhe pego? do. 31Ele Ihes diz:
Respondeu-lhe: — Vinde vos, sozinhos, a um lugar
— A cabera de Joào Batista. despovoado, para descansar um pouco.
^E ntrou logo, aproximou-se do rei e Pois os que iam e vinham era tantos,
lhe pediu: que nao tinham tempo nem para comer.
— Quero que me dés imediatamente 32E assim foram sozinhos de barca a um
numa bandeja a cabega de Joào Batista. lugar despovoado. 33Mas muitos os vi-
2fiO rei se entristeceu; mas, por causa ram partir, e se deram conta. De todos
do juram ento e dos convidados, nao os povoados foram correndo a pé até

beneficios e conceder perdáo. A princesa 6,29 Ver ISm 31,11-13.


faz o papel de bailarina (cf. Ct 7,1-7) num 6,30-33 Depois da interrupgáo retros­
solo de exibigáo oferecido a um público pectiva sobre o Batista, continua o relato
masculino. O aplauso e geral, e o rei, num com o regresso dos apóstolos da sua mis-
alarde de esplendidez, promete dar-lhe sao. Também esta cena tem clara intengáo
quanto pedir, e o jura com urna fórmula eclesial para as comunidades cristas. Os
hiperbólica (Est 5,3.6; 7,2). apóstolos prestam contas da sua atividade
6,24 A expressáo “pedir a cabega de N” (cf. At 11,1-18; 14,27-28), Jesús os convi­
tomou-sc proverbial. da à solidáo e ao descanso. Pela seqüén-
6,25-27 Herodíades aproveita a ocasiáo cia de informagóes, dá-nos a impressao de
propicia. A inesperada petigao da prince­ que a afluencia se deve à atividade missio­
sa coloca o rei numa postura comprometi­ nària dos enviados. A partir daqui até 8,26
da: dividido entre sua estima pelo Batista assistiremos aos movimentos correlativos
e o juramento pronunciado diante dos con­ de Jesús: generosamente unido a seus dis­
vidados. O pedido invalida sem mais o cípulos, distancia-se dos guias do povo e
juramento. Um juramento nao pode justi­ abre sua atividade aos pagaos. É um es­
ficar um crime de assassinato. Mas o rei quema eclesial.
cede à sensualidade e aos compromissos 6,34 Mesmo no despovoado, as multi-
de corte. A festa tem um final macabro. O dóes que nao encontram guias auténticos
quadro denuncia sem afetagáo a imorali- o seguem. O oficio de pastor é feito de
dade e corrupgáo dos dirigentes. cuidado e compaixáo: “Que nao fique a
6,28-29 A moga levando a bandeja com comunidade do Senhor como rebanho sem
a cabera cortada tem acendido a fantasia pastor” (Nm 27,17; IRs 22,17; Zc 10,12).
de leitores e artistas e convertido Joáo e 6,35-44 O milagre comumente cha­
Salomé em figuras arquetípicas. Mas Joao mado de “multiplicagáo dos pàes”, ou a
está prefigurando antes de tudo a morte refeigáo milagrosa, lé-se nos quatro evan-
de Jesus e também sua sepultura. Urna gelhos, por duplicado e com fungáo com­
cena semelhante, embora de signo contrà­ plementar em Mt e Me. Neste evangelho
rio, é Judite levando e mostrando a cabega é a terceira refeigáo (precedem 1,31 e 2,
de Holofernes. 15-17); é a última refeigáo na Galiléia,
MARCOS 146 6,34

lá, e chegaram antes d eles.34Ao desem ­ 40Sentaram-se emgrupos de cem e de


barcar, viu urna grande multidáo, e sen- cinqüenta. 41Tomou os cinco páes e os
tiu pena, porque eram como ovelhas sem dois peixes, levantou os olhos ao céu,
pastor. E se pos a ensinar-lhes muitas deu grabas e partiu os páes e os foi dan­
coisas. 35Como se tornasse tarde, os do aos discípulos para que os servissem;
discípulos foram dizer-lhe: e repartiu os peixes entre todos. 42To-
— O lugar é despovoado e a hora dos comeram e ficaram sastifeitos. 43Re-
avanzada; 3f’despede-os, para que váo colheram as sobras dos páes e dos pei­
aos campos e as aldeias dos arredores xes e encheram doze cestos. 44Os que
para comprar o que comer. comeram eram cinco mil homens.
37Ele lhes respondeu:
— Dai-lhes vós de comer. Cam inha sobreaágua (Mt 14,22-33;
Replicaram: Jo 6,15-21) — 45Em seguida, obrigou
— Devemos ir com prar duzentos de- seus discípulos a embarcar e ir adiante,
nários de pao para dar-lhes de comer? à outra margem, para Betsaida, enquan-
38Respondeu-lhes: to ele despedia a multidáo. 46Depois de
— Quantos páes tendes? Ide ver. despedir-se, subiu ao monte para orar.
Averiguaram e lhe disseram: 47Anoitecia, e a barca estava no meio
-— Cinco, e dois peixes. do lago, e ele sozinho na costa. 48Vendo-
39Ordenou que os fizessem sentar em os cansados de remar, porque tinham
grupos sobre a gram a verde. vento contràrio, pela quarta vigilia da

como banquete festivo de urna comunida- 6,39-44 A distribuito recorda a ordem


de em formagao. A refeicáo tem algo de do acampamento de Israel no deserto (Ex
sacramental, apesar da falta de vinho nes- 18,21.25). “Sentar” é postura de convida­
te banquete. Temos de enquadrar o relato dos a um banquete, e “grama verde” pode
presente entre os antecedentes do AT e o aludir as “verdes pastagens” do SI 23,2.
conseqiiente do NT, ou seja, da pràtica 6,41 O gesto de olhar para o céu equi­
eclesial. vale a invocagáo e súplica, a béngáo con­
No AT temos de considerar: O pastor que sagra o páo, infunde-lhe urna espécie de
dá descanso e comida as ovelhas (SI 23), vitalidade e fecundidade, o partir serve ao
sugerido no contexto de Me. A comida do repartir.
maná no deserto (Ex 16 par.): nao usado Ao comprovar o fato milagroso, pelo
aqui, apontado em Me 8,1-9 (explorado em número de comensais, porque todos ficam
Jo 6). Os milagres de alimento de Elias e satisfeitos e pelo que sobra (mais do que
Eliseu (IRs 17; 2Rs 4,1-7); de maneira havia no principio), revela-se a generosi-
especial 2Rs 4,42-44, que serve quase de dade de Deus por meio de Jesús: “Ele dá
guia ao relato de Marcos; só que Jesús faz alimento a todo ser vivo” (SI 136,25);
muito mais. “...que a seu tempo lhes des o alimento”
No NT contamos com a eucaristia, que (SI 104,27). Os doze cestos podem aludir
fomece algumas fórmulas ao relato (v. 41) às doze tribos, a todo Israel. Acapacidade
e o levanta a outro plano de sentido trans­ do homem nunca esgota o dom de Deus.
cendental. Marcos redige um texto breve O episodio é urna epifania de Jesús: po-
e essencial, com tragos realistas e alusóes deríamos chamá-Io de cristofania. Como
veladas. em outras do AT, Moisés e Elias, o realis­
6,35-38 O diálogo de Jesús com os dis­ mo cede lugar ao mistério, velado e suge­
cípulos serve para marcar o contraste: a rido com alusóes simbólicas.
visáo empírica e calculadora deles frente 6,45-52 Sob pretexto de despedir o
à soberanía pródiga do Mestre. Duzentos povo, Jesús “obriga” seus discípulos a
denários náo é muito para cinco mil (um embarcar e zarpar. Coloca-os no mar e ai
para cada vinte e cinco), é o bastante para os deixa a sós, a noite toda até a aurora,
quem deve desembolsá-lo (o salàrio de enquanto ele fica sozinho no monte do
duzentos dias). Os peixes do lago acom- encontro com Deus para orar (como
panham o pao numa refeigáo modesta. Moisés e Elias): a oragáo faz parte da sua
7,2 147 MARCOS

noite aproxim a-se deles cam inhando térra em Genesaré e atracaram. 54Quan-
sobre a água, tentando ultrapassá-los. do desem barcaram , o reconheceram .
49Ao vé-lo cam inhar sobre o lago, cre- 55Percorrendo toda a regiáo, foram le­
ram que fosse um fantasm a, e deram vando a ele em m acas todos os doen-
um grito. 50Pois todos o viram e se es- tes, onde ouviam que se encontrasse.
pantaram. Ele, porém , imediatamente 56Em qualquer aldeia ou cidade aonde
lhes falou e disse: ia, colocavam os enferm os na praqa e
— Ánimo! Sou eu, nao temáis. lhe rogavam que os deixasse tocar ao
51Subiu á barca com eles, e o vento menos a orla do manto. E os que o to-
cessou. Eles nao cabiam em si de es­ cavam ficavam curados.
panto; 52pois nao haviam entendido na­
da a respeito dos páes, pois tinham a A tradigáo (M t 15,1-20) — 'Reu
mente obcecada. 7 niram-se junto a ele os fariseus e
alguns letrados vindos de Jerusalém.
Curas em G enesaré (M t 14,34-36) — 2Viram que alguns de seus discípulos
53Term inada a travessia, alcanqaram tomavam alim entos com máos impu-

missáo, pode preparar um acontecimento 6,48 A noite dividida em quatro turnos


especialmente importante. Moisés e Elias de vigilia ao estilo romano.
assistiram a urna teofania, Jesus farà sua 6,53-56 Novo sumário (como 3,7-12),
m anifestalo, em a§ào e palavra: cristo- com o detalhe novo dos leitos e da orla do
fania. Os discípulos tèm que experimen­ manto. O manto de um profeta pode ser
tar a oposigào dos elementos, água e ven­ sinal de sua profissâo (2Rs 2,13).
to, e mais ainda a ausència do Senhor: “o
Senhor nào estava no vento” (IRs 19,11). 7.1-23 Este é um capítulo central do pre­
Quando se aproxima a aurora, hora do sente evangelho, no qual a controvèrsia já
auxilio divino (Ex 14,24.27; 2Rs 19,35; em ato (2,23-28; 3,1-6) cristaliza-se em
SI 90,14), Jesus “caminha sobre a água”: declaraçôes de principio. Oferece ocasiáo
“caminha sobre o dorso do mar” (Jó 9,8); o escándalo de uns fariseus ao verem que
“teu caminho pelo m ar... e nào ficava ras­ os discípulos omitem urna observância. A
tro de tuas pegadas” (SI 77,20). Mas se­ reaçâo de Jesús se dá em très fases: dis-
gue adiante, oferecendo as costas ao olhar cussào polémica com os rivais (5-13), ins-
(Ex 33,21-23; IRs 19,11). Eles estào ce- truçào ao povo (14-16), instruçâo aos dis­
gos e nào sào capazes de reconhecè-lo; só cípulos (17-23). O texto, apesar de refletir
sentem pavor ante o inexplicàvel. Tèm de tensôes entre o judaismo e o cristianismo
passar por esta última experiencia antes da já na época em que se escreve, contém
revelagáo em palavras. ensinamentos capitais sobre o fundamen­
Jesús se identifica, “Sou eu” — é a clàs­ to da moral crista.
sica frase da autoapresentagào de Deus 7.1-13 Os que se reúnem sáo membros
Yhwh (Ex 3,24; Dt 32,39; Is 41,4; 43,10). do grupo ou partido farisaico e, com eles
E pronuncia a clàssica frase de salvagáo: ou entre eles, alguns letrados ou douto-
“nào temáis”. Apesar dessa m anifestalo res, intérpretes oficiáis da lei. Vêm de Je­
e da precedente dos páes, os discípulos rusalém, onde o partido fariseu é mais
continuam sem entender (cf. SI 28,5; Jó forte e com a auréola e autoridade que a
23,8). Só depois da ressurreiQáo entende- capital acrescenta (o texto grego náo diz
ráo. Como os israelitas em Moab: “Mas o claramente se todos vêm de Jerusalém).
Senhor náo vos deu inteligencia para en­ Os doutores preservam a doutrina, os fa­
tender até hoje” (Dt 29,3). Porém Mar­ riseus promovem a pràtica, nao só da lei
cos, que ilumina com luz pascal a agáo de Moisés, mas especialmente da mura-
de Jesus, nào a concede aos discípulos na lha de observâncias que a concretizam e
conjuntura do relato. Em todo o seu evan­ defendem.
gelio sublinha antes a incompreensáo hu­ E urna norma fundamental: “Santificai-
mana. vos e sede santos, porque eu, o Senhor
MARCOS 148
7,3
ras, isto é, sem lavá-las. 3(Sabe-se que ensinam sao preceitos humanos, d e s ­
os fariseus e os j udeus em geral nao co- cuidáis o mandato de Deus e mantendes
mem sem antes lavar as máos esfregan- a tradito dos homens.
do-as, seguindo a tradigáo dos anciáos; E acrescentou:
4quando voltam do mercado, nao co- ~ Quanto desprezais o mandamen­
mem sem antes lavar-se; e observam to de Deus para observar vossa tradi­
muitas outras regras tradicionais, lava- sco. '0pois Moisés disse: Sustenta teu
gem de tagas, jarras e panelas.) 5De poi e tua máe, e também: quem aban­
modo que os fariseus e letrados lhe per- dona seu pai ou sua m áe é réu de m or­
guntaram:
te. "Vos, ao contràrio, dizeis: Se al-
— Por que teus discípulos nao se- guém declara a seu pai ou sua máe que
guem a tradicáo dos anciáos, mas co- o socorro que lhe devia é corban (isto
mem com máos impuras?
e, oferenda sagrada), 12náo lhe deixais
6Respondeu-lhes:
cjue faga nada por seu pai ou sua máe.
— Quáo bem profetizou Isaías sobre E assim invalidáis o preceito de Deus
vossa hipocrisia quando escreveu: Este em nome de vossa tradicáo. E como
p ovo m e honra com os labios, mas seu estas, fazeis muitas outras coisas.
coragáo está longe de mim; 7o culto que Chamando de novo a multidáo, di-
m e prestam é inútil, pois a doutrina que zia-lhes:

vosso Deus, sou santo” (Lv 20,7; 19,1). todo. Ex 40,12 refere-se ao banho ritual
Essa consagrado funda a identidade do dos sacerdotes: 40,31-32 incluí Moisés e
povo. Com o louvável propósito de for­
prescreve ablugóes de pés e máos antes de
mar um povo observante da lei e santo ou aceder á tenda do encontro ou ao altar. Lv
consagrado ao Senhor (como os sacer­ 15 enumera coisas que contaminam e pres­
dotes dedicados ao culto), os dirigentes creve banhos de purifica«;áo. Nm 19 legisla
fariseus tinham acumulado prescrigóes sobre aguas lustráis e purificares. Nao se
vinculantes. As conseqüéncias pernicio­ trata de higiene sem mais, e sím de pureza
sas das observancias acumuladas eram vá- ritual.
rias: impunham ao povo urna carga in-
7,5 Nao apelam a Moisés e á torá, mas á
suportável na vida cotidiana, apelando “tradiqáo dos anciáos”.
ilegítimamente para a vontade de Deus;
7,6-8 Aprimeira réplica brande a profe­
em alguns casos a interpretado anulava
cía contra a suposta prescribió. O texto de
o sentido da lei; favorecía urna religiáo Isaías (29,13) denuncia duas coisas: o de­
ritualista e externa; favorecía o orgulho sacordó entre o interior e o exterior, cora-
dos observantes que desprezavam os de- gao e labios; o preferir os preceitos huma­
mais (Jo 7,49).
nos aos divinos. O primeiro ponto define
O movimento farisaico era urna reali- a hipocrisia objetiva (nem sempre cons­
dade perigosa para os cristáos no tempo ciente e pretendida; hypokrites é o ator tea­
de Marcos. Mas os aquí descritos conti- tral). 0 segundo ponto é o decisivo na con-
nuam sendo um tipo que pode afetar qual- trovérsía.
quer pessoa sinceramente religiosa. Nao
7,9-13 Asegunda réplica é ad hominem.
seria justo condená-los e imitá-los: “ao jul- O exemplo escolhido serve bem para os
gar o outro, te condenas, porque tu, que
que vieram de Jerusalém. Refere-se aos
julgas, cometes as mesmas coisas” (Rm
preceitos de Ex 20,12 e 21,17, nos quais a
2, 1).
antítese kbd/qll abarca o campo da honra
Entre as muitas observancias, algumas (preferido por Eclo 3,1-16 e na nossa for­
se referem a lavatorios e ablugóes; sao
m ulado corrente, “honrar pai e máe”) e o
cotidianas e dáo na vista, e os doutores lhes
campo económico, preferido aqui. Em
atribuíam grande importancia (cf. Jt 12,8- nome do culto, abandonam e náo susten-
9). Baseiam-se em leis cúlticas, sacerdo- tam os pai$ necessitados. Deus náo preci­
tais (Ex 40; Lv 15; Nm 19), que os fariseus sa desses dons, os país sím. Veja-se tam­
levam ao extremo e tentam impor ao povo bém Pr 20,20.
7,30 149 MARCOS

— Escutai todos e compreendei. 15Náo A m ulher cananéia (M t 15,21-28) —


há nada fora do hom em que, ao entrar 24Saindo dai, dirigiu-se ao territòrio de
nele, possa contaminá-lo. O que sai do Tiro.
homem é que contamina o homem*. Entrou num a casa com intençâo de
17Quando se afastou da m ultidáo e passar despercebido, porém nào conse-
entrou em casa, os discípulos lhe per- guiu ocultar-se. 25Uma mulher, que ti-
guntaram o sentido da comparagáo. 18E nha sua filha possuida por um espirito
ele lhes diz: im undo, inteirou-se de sua chegada,
— Também vós continuáis sem en­ acorreu e se prostrou a seus pés.
tender? Nao com preendeis que o que 26A m ulher era paga, naturai da Fe­
entra no homem, vindo de fora, nao po­ nicia siria. Pedia-lhe que expulsasse de
de contaminá-lo, 19porque nao lhe en­ sua filha o demònio. ~7Respondeu-lhe:
tra no coraqao, mas no ventre e depois — Deixa que se saciem primeiro os
é expulso na latrina? filhos. Nào fica bem tirar o pào dos fi-
(Com isso declarava puros todos os Ihos para joga-lo aos cachorrinhos.
alimentos.) 2UE acrescentava: 28Ela replicou:
— O que sai do hom em é o que — Senhor, também os cachorrinhos
contam ina o homem. 21De dentro, do debaixo da mesa comem as migalhas
coragáo do homem, saem os maus pen- das crianças.
sam entos, fornicaqáo, roubos, assas- 29Disse-lhe:
sinatos, 22adultérios, cobiqa, malicia, -— Por causa do que disseste, vai, que
fraude, devassidáo, inveja, calúnia, ar­ o demònio saiu de tua filha.
rogancia, desatino. 23Todas essas m al­ 30Ela voltou para casa, e encontrou a
dades saem de dentro e contam inam o filha deitada na cama; o demònio ha-
homem. via saido.

7,15 *Alguns manuscritos inserem aqui: 7,24-30 É significativo que, depois de


16Quem tem ouvidos ouga. romper com as tradi§óes, Jesús se dirija a
7,14-23 Já nao se trata de interpreta- territorio pagao. A Galiléia confina ao nor­
gao e observancia, mas da própria lei, ou te com a Fenicia. Como que afastando-se
seja, dos tabus alimentares rituais (Lv 11; da multidáo, buscando ocultagáo; na rea-
Dt 14). Na tora diz Deus: “Separai o puro lidade, para oferecer aos pagaos seu po­
do impuro” (Lv 10,10) e: “Separai tam­ der e bondade sem fronteiras. Em outra
bém vós os animais puros dos impuros... clave, está refazendo a viagem do profeta
e nao vos contaminéis com animais, aves Elias á Fenicia (IRs 17).
ou répteis que eu separei como impuros. Á luz do desenlace vé-se que a ocultagáo
Sede para mim santos, porque eu, o Se- serve para dar relevo á irradiagáo e á dis­
nhor, sou santo...” (20,25). O que Jesús tancia dos pagaos, “cachorrinhos”, para
diz equivale á aboligáo formal dessa lei mostrar que Jesús nao é monopolio de Is­
(v. 20). rael, “os filhos”. E certo que Elias proveu
7,17-23 O que se segue é, para os discí­ de sustento a mulher Fenicia enquanto seus
pulos, um comentário ao novo principio. concidadáos de Israel passavam fome;
A expressáo “o que sai do homem” pode depois ressuscitou o filho da viúva (IRs
soar com duplo sentido (excremento, cf. 17,9-24). Quem deu de comer a cinco mil
Dt 23,13-15), o que induz á explicagáo do homens nao terá pao também para urna
v. 19. O coragáo, a consciencia livre, é a paga infeliz? O relato supoe que a fama
fonte da vida moral. A lista de doze peca­ de Jesús tenha ultrapassado as fronteiras
dos, embora seletiva, quer abarcar os cam­ (3,7). A preferencia de Israel é cronológi­
pos principáis ou mais freqüentes; alguns ca e a riqueza do Messias nao está circuns­
pertencem ao decálogo. crita; a comunidade de Marcos já o expe­
Compreender isso é difícil para os dis­ rimenta. Por outro lado, observamos que
cípulos e também para os chefes da igreja o poder do demonio tampouco respeita
primitiva (At 10). fronteiras.
MARCOS
150 7,31
O surdo-mudo — 31Depois, saiu do ter­
o que comer. Chama os discípulos e lhes
ritorio de Tiro, passou por Sidônia, e
diz:
se dirigiu ao lago da Galiléia, atraves-
— 2Tenho com paixâo dessa m ulti­
sando os m ontes da Decápole. 32Leva-
dáo, pois faz très dias que estáo comi-
ram-lhe um homem surdo e tartamudo
go e nâo tém o que comer. 3Se os des-
e lhe suplicavam que impusesse a mao.
peço em jejum para casa, desfaleceráo
33Tomou-o, afastou-o da multidáo e, so­
no caminho; e alguns vieram de longe.
zinho, pós-lhe os dedos nos ouvidos;
4Os discípulos lhe responderam:
depois tocou-lhe a lingua com saliva;
— A quí, no despovoado, onde al-
34levantou os olhos ao céu, gemeu e lhe
disse: guém encontrará páo para alimentá-los?
5Pergunta-lhes:
— Effatha (que significa abre-te).
— Quantos páes tendes?
35Imediatamente se lhe abriram os ou­
Responderam:
vidos, soltou-se-lhe o im pedim ento da
— Sete.
lingua e falava normalmente. 36Man-
6Ordenou à multidáo que sentasse no
dou-lhes que nâo contassem a ninguém;
cháo. Tomou os sete páes, deu graças,
mas, quanto mais o mandava, m ais o
partiu-os e os deu aos discípulos para
anunciavam. 37Estavam estupefactos e
que os servissem. E serviram à m ulti­
comentavam: Fez tudo bem: faz ouvir
os surdos e falar os mudos. dáo. 7Tinham também uns poucos pei­
xes. Deu graças e m andou que os ser­
vissem. 8Comeram até ficar satisfeitos,
Dá de com er a quatro m il (Mt
8 15,32-39) — 'N essa ocasiáo reuniu-
se outra vez muita gente e nao tinham
e recolheram as sobras em sete cestos.
9Eram uns quatro mil. Despediu-os 10e
em seguida embarcou com os discípu-

7,31-37 O itineràrio que Marcos traça


medianamente coloca Jesús outra vez no O tema do páo (7,24-30 e 8,14-21);
Cura de um mudo/cego (7,31-37 e 8,22-26).
territorio pagáo a leste do lago (5,1-20).
Conteúdos e desenvolvimentos diferem
Nao explica quem sao “eles” ou “o povo”:
judeus ou pagaos? O doente está incomu- bastante e se prestariam a um estudo com­
parativo.
nicável em grande parte. Ao surdo fala pri-
meiro com gestos corporais, comprome- 8,1-10 Como em Mt, o milagre da co­
tendo o tato. O dedo transmite poder e é mida se conta uma segunda vez. Segue-se
sinal dele (Ex 8,15); penetra e abre o ou- urna viagem por mar e, a pouca distancia,
vido (cf. SÌ 40,7 texto hebraico). Os anti- um diálogo sobre o significado do mila­
gos atribuíam à saliva virtudes terapéuti­ gre. Mudam alguns detalhes, como os nú­
cas: a de Jesús é milagrosa. Erguendo os meros; simplifica-se a cena. Inicio e im­
pulso é a compaixáo: “É hora de piedade,
olhos ao céu indica “de onde vem o auxi­
lio” (SI 121,1 e 123,1); o gemido funcio­ chegou o prazo” (SI 102,14); “náo passa-
na como súplica (cf. Rm 8,26). Depois ráo fome nem sede... porque os conduz
pronuncia o mandato peremptório que aquele que se compadece deles” (Is 49,10).
“abre” e “desata”. Os presentes, assombra- Permanece o substancial: a comida abun­
díssimos, prorrompem numa exclamaçao dante até ficarem satisfeitos e sobrar, a fór­
que recorda a açào criadora de Gn 1 e a mula eucarística de béngáo. Marcos faz o
profecía de Is 35,5-6. O Criador fez tudo leitor imaginar que o fato acontece em ter­
bem, o Redentor restaura a bondade. ritorio pagáo, pois náo indica mudanza de
localidade.
O milagre forma assim um tríptico jun­
8,1-26 Este bloco, antes da confissáo de
Pedro, repete aproximadamente e abre­ to com os dois precedentes: da menina
viando a seqüéncia de 6,32—7,37. De acor- endemoninhada e do surdo-mudo. (Náo
do com a seguinte correspondéncia: sao migalhas o que cabe aos comensais
da cena presente.) “Ele faz bem” também
Dá de comer a 5000/4000 (6,32-44 e 8,1-9);
Cruza o lago (6,45-56 e 8,10); isto: dar de comer ao faminto: “cumulou
de bens os famintos” (SI 107,9; 146,7; Ne
Discussáocom fariseus (7,1-23 e 8,11-13);
9,15).
8,23 151 MARCOS

los, e se dirigiu ao territorio de Dalma- compreendeis? Tendes a mente em bo­


nuta. tada? 18Tendes olhos e näo vedes? Ten-
des ouvidos e näo ouvis?N äo vos lem-
O sinal no céu (M t 16,1-4) — n Os brais? 19Quando repartí os cinco páes
fariseus saíram e se puseram a discutir entre os cinco mil, quantos cestos cheios
com ele, pedindo, para tentá-lo, um si- de sobras recolhestes?
nal do céu. 12Suspirou profundamente Respondem-lhe:
e disse: — Doze.
— Para que esta geragáo pede um si- — 20E quando repartí os sete entre
nal? Eu vos asseguro que nao será dado quatro mil, quantos cestos de sobras re­
um sinal para esta geragáo. colhestes?
13Deixando-os, embarcou de novo e Respondem:
passou para a outra margem. 14Tinham- — Sete.
se esquecido de prover-se de pao, e le- 21Disse-lhes:
vavam na barca só um pao. ’^Ele lhes — Ainda náo compreendeis?
dava instrugoes:
— Atengáo! A bstende-vos do fer­ O cegó de Betsaida — 22Quando che-
mento dos fariseus e do de Herodes. garam a Betsaida, levaram-lhe um cegó
16Discutiam entre si porque náo ti- e pediram -lhe que o tocasse. 23Toman-
nham pao. do o cegó pela máo, tirou-o da aldeia,
17Percebendo, Jesús lhes diz: ungi-lhe com saliva os olhos, impos-lhe
— Por que discutis que é por náo as máos e lhe perguntou:
terdes pao? A inda náo entendeis nem — Ves algo?

Ainda náo se conseguiu localizar a mis­ incapacidade de compreender a revelagáo


teriosa “Dalmanuta”. da pessoa e da missáo de Jesús.
8,11-12 Os fariseus querem “compro­ Os discípulos sáo ainda como o povo
var” a missáo de Jesus: profètica, messià­ que Jeremías e Ezequiel fustigam (Jr 5,21;
nica? Marcos náo o diz. Como legitima­ Ez 12,2). Esta é a levedura que corrompe
d o de sua atividade (talvez o narrador se (IC or 5,7-8) e se contrapóe ao fermento
refira a 7,19), pedem-lhe um sinal outor- do reinado de Deus (Mt 13,33). Fermento
gado por Deus (= céu, cf. a atitude do rei dos fariseus é a tradigáo humana de ob­
Acaz, Is 7,11 e o pedido de Gedeáo, Jz servancias; fermento de Herodes é o po­
6,36-40). der sem moral. A imagem que Marcos
O suspiro expressa a comogáo interior. apresenta é pessimista até o final. Foi tal­
“Gcracáo malvada e perversa... geragáo vez assim a atitude dominante dos discí­
depravada, filhos desleais” (Dt 32,5.20). pulos durante a vida de Jesús: contemplam
Com um juramento assegura que “nao lhe milagres e náo véem sinais, ouvem pala-
será dado” (passivo teológico, o agente é vras e náo escutam uma mensagem, “tém
Deus). Ñas entrelinhas lemos que o moti­ olhos para ver e náo véem, tém ouvidos
vo é a incredulidade. Para quem náo quer para ouvir e náo ouvem, pois sáo casa re­
crer, nenhum sinal vale. belde” (Jr 5,21; Ez 12,2). Em semelhante
8,13-21 “Povo néscio e sem juízo”. Nu- atitude, náo se projeta ainda a luz da res-
ma travessia do lago, Marcos coloca este surreigáo. Mas Jesús fez um surdo ouvir e
diálogo áspero e enigmático. Em plano um cegó ver.
superficial, está a preocupagáo dos discí­ 8,22-26 A cura do cegó é muito pareci­
pulos por náo terem levado provisóes. A da, em estrutura e gestos, com a precedente
essa omissáo pode responder o convite a do surdo-mudo. Com o mesmo afá de apar-
confiar em Jesus, subindo a um plano su­ tar-se e a com unicado pelo tato. Novo e
perior. Mas essa náo é a substáncia do diá­ único é o processo da cura em duas etapas.
logo, que náo é ínstrugáo, mas aviso e re- Náo era cegó de nascenga, pois soube iden­
preensáo dura, sem condescendencia. O tificar as figuras como árvores. Com esta
problema de fundo é a incredulidade, a cura, completa a profecía de Is 35,5-6.
MARCOS 152 8,24

24Ele foi recobrando a visáo e disse: — Quem dizem os homens que eu


— Vejo homens. Vejo-os com o árvo- sou? 28Responderam-lhe:
res, mas caminhando. — Joâo Batista; outras, Elias; outros,
25Novamente impós-lhes as máos nos um dos profetas.
olhos. Olhou atentamente, ficou cura­ 29Ele Ihes perguntou:
do e distinguía tudo perfeitamente. 26Je- — E vós, quem dizeis que eu sou?
sus o enviou para casa e lhe disse: Pedro respondeu:
— Nao entres na aldeia! — Tu és o Messias.
3UEntáo os admoestou para que a nin-
Confissáo de Pedro (Mt 16,13-20; Le guém falassem disso.
9,18-21)— 27Jesus empreendeu viagem
com seus discípulos para as aldeias de Prediz a m orte e ressurreiçâo (Mt
Cesaréia de Filipe. No caminho pergun- 16,21-28; Le 9 ,2 2 -2 7 )-31E começou
tava aos discípulos: a explicar-lhes que esse Homem devia

8,27-30 Em contraste com a cegueira e dida do seu contexto ¡mediato, se dirige a


a incompreensáo de antes, soa clara a con­ qualquer pessoa: “quem dizeis que eu
fissáo de Pedro, que se apresenta recorta­ sou?”
da pela reagáo violenta que se segue ¡me­ 8,29-30 Que sentido Pedro dá ao título
diatamente. Por ora, é Pedro quem toma a Messias no relato de Marcos? (Se nos vem
palavra em nome de todos: indica-se seu à mente a versâo de Mateus, seja para ob­
lugar principal, mas nao recebe um encar­ servar o que falta aqui.) Se o narrador cita
go específico (como em Mt 16). a pergunta como iniciativa de Jesús, é que
Pode-se tomar a perícope como conclu- ele quer provocar a confissáo formal. Se
sáo do que precede. Em tal caso, seria um depois manda nao divulgá-lo, é porque a
final positivo antes de abordar a segunda confissáo deve orientar apenas os discípu­
parte do evangelho. Mas sua estreita uniáo los, já que o povo haveria de desvirtuar
e articulagáo com os episodios que se se- seu sentido auténtico. 0 Messias é mais
guem aconselham lé-lo como comego da que qualquer profeta, pois todos os profe­
segunda parte do evangelho e do bloco que tas e o Batista estáo em funçào dele. En­
termina com o cap. 10. Nele Jesús dedica­ táo, como entender a cegueira de Pedro e
rá bastante espago à ínstrugáo de seus dis­ a duríssima repreensáo de Jesús? Marcos
cípulos. Como o evangelho comega com nâo oferece uma seqiiéncia cronológica,
a figura do Batista anunciando aquele que mas uma visáo teológica dominada pela
há de vir, assim a segunda parte comega polaridade, pelas tensóes. Todo o seu evan­
com a confissáo do Messias anunciando o gelho tem esse caráter, com predominio
que há de vir. Eia servirá de fundo, bem da incompreensáo.
sombrío, em diregáo à cruz. Como no ba-
tismo de Jesus o Pai pronunciava seu tes- 8.31-9,1 Très prediçôes da paixáo ba-
temunho acerca do seu Filho, assim suce­ lizam o relato da viagem de Jesús para Je-
de na transfiguragáo, novo ponto de rusalém (8,31; 9,31; 10,32-34). Náo tem
referencia, que aponta para a ressurreigáo. que sofrer ele só, mas também todos os
8,27 Esta Cesaréia encontra-se ao nor­ que quiserem segui-lo. As très prediçôes
te, junto ás fontes do Jordáo, nao muito introduzem instruçôes para a comunida-
distante de Betsaida. E a residéncia do de: sobre a abnegaçâo, a humildade, con­
tetrarca Filipe e proclama em seu novo tra a ambiçâo.
nome urna homenagem ao imperador 8.31-33 Como em outras passagens,
Tibério. Sugestivo cenário para a confis­ substituí o pronome pessoal de antes
sáo messiànica. Jesus toma a iniciativa, (27.29) pela expressáo semítica que denota
primeiro com urna pergunta indireta, pre­ um individuo da espécie “homem” (ben
paratòria: a opiniào do povo. A resposta jà ’adam, bar ’enosh) calcado no grego com
ouvimos (6,14-15). Entáo interpela os dis­ hyios tou anthropou. As vezes, em con­
cípulos com urna pergunta que, despren- textos escatológicos, a expressâo se car-
9,2 153 MARCOS

padecer muito, ser reprovado pelos se­ ro às custas da pròpria vida? 37Que pre­
nadores, sum os sacerdotes e letrados, go pagará o homem por sua vida? 38Se
sofrer a m orte e depois de tres dias res- alguém se envergonhar de mim e de
suscitar. 32Falava-lhes com franqueza. m inhas palavras, diante desta geragáo
Pedro o levou á parte e se pos a intimá- adúltera e pecadora, o Filho do Homem
lo. 33M as ele se voltou e, vendo os dis­ se envergonhará dele quando vier com
cípulos, diz a Pedro: a gloria de seu Pai e acompanhado de
— Retira-te, Satanás! Pensas de mo­ seus santos anjos.
do humano, nao segundo Deus.
34E cham ando a multidáo com os dis­ 'E lhes acrescentou:
cípulos, disse-lhes: — Eu vos asseguro que estáo aqui
— Quem quiser seguir-me, negue a presentes alguns que nao sofreráo a
si mesmo, carregue sua cruz e me siga. m orte antes de ver chegar o reinado de
35Quem se empenha em salvar a vida Deus com poder.
a perderá; quem perder a vida por mim
e pela boa noticia a salvará. 36Que apro- A transfiguradlo (Mt 17,1-13; Le 9,
veita ao hom em ganhar o mundo intei- 28-36) — 2Seis dias depois, Jesús to-

rega com a ressonáncia de determinadas 8.37 Coloca a questáo do ser e do pos-


leituras de Dn 7,14. O Messias é homem e suir: “é táo caro o preço da vida, que nao
como homem padecerá. Na linguagem do lhes bastará” (cf. SI 49,7-10). “Vida” tem
anúncio parece ressoar o poema do Servo aqui um sentido inclusivo, pleno.
(Is 53). 8.38 A última sentença projeta o segui­
O plano de Deus para o Messias conduz mento até o julgamento da parusia. O des­
pela paixáo á gloria. O plano rival (Sata = tino final, ante esse Homem como juiz glo­
rival) excluí a paixáo e só aceita o triunfo rioso (Zc 14,5), decide-se pela atitude
do Messias. Pedro se coloca contra, com presente diante desse Homem humilhado.
olhar e mentalidade “humanos”, e se atre­ O adjetivo “adúltera” é tradicional: deno­
ve a repreender Jesús; mas Jesús pensa ta os que veneram outros deuses, violan­
“como Deus” e “repreende” Pedro. “Por do a fidelidade devida ao Deus único e ciu-
meio dele o plano do Senhor triunfará” (Is mento. Portanto, é a geraçâo de Jesús que
53,10). “Ser reprovado”: cf. SI 118,22-23. o rejeita e é qualquer outra geraçâo.
8.34-38 Uma série de sentengas graves
sobre o seguimento, dirigidas aos discípu­ 9,1 Eco da expectativa da comunidade
los e ao povo que o escuta. E dessa forma por uma parusia iminente: ver lTs 4,15-
que Marcos as propóe á comunidade cris­ 17. O reinado de Deus já chegava em e
ta, também tentada de aceitar é venerar com Jesús; mas ainda nao chega “com
somente um Messias triunfante. O Pedro- poder”, mas sim submetido à paixáo (cf.
Satá é uma admoestagáo para todos. Rm 1,4 que o vincula à ressurreiçâo).
8,34 Negar-se é vencer o egoísmo. O 9,2-8 Atransfiguraçâo é um fato capital
condenado á crucifixáo tinha de carregar na vida de Jésus, um desvelar-se proviso­
a trave transversal da sua cruz, instrumen­ rio do mistério, para très testemunhas pri­
to de sua execugáo, e percorrer assim o vilegiadas, uma antecipaçâo da ressurrei­
último trecho do caminho da vida (cf. çâo. Sua narraçâo insere-se entre duas
15,21). A imagem diz que o seguimento prediçôes da paixâo. Os très sinôticos a
de Jesús é grave e exigente; mas diz tam­ registram, menciona-a enfáticamente 2Pd
bém que é possível levar a própria cruz 1,16: “nâo nos guiávamos por fábulas en-
seguindo a Jesús. genhosas, mas tínhamos sido testemunhas
8.35-36 O instinto de conservado a todo de sua grandeza”; Joáo alude à “gloria”
custo volta-se contra o homem. A vida sem (Jo 1,14). Vários dados nos fazem olhar
sentido nao se salva. Há valores superio­ para Ex 24,9-18: o monte, os seis días, os
res que dáo sentido á vida: a pessoa de très acompanhantes, o esplendor, a vísáo,
Jesús e o anúncio da sua mensagem. a nuvem. Era a descriçâo de uma teofania:
MARCOS MARCOS
154 15 5
9,3 9,25
mou Pedro, Tiago e Joáo e os levou a se revolvía espumando. 21Perguntou ao
to desciam da montanha, recomendou-estavam os discípulos, viram grande
uma elevada m ontanha. N a presença pai:
lhes que nao contassem a ninguém o multidáo e alguns letrados discutindo
deles transfigurou-se: 3suas vestes se — Quanto tempo faz que lhe aconte­
que haviam visto, a nao ser quando esse
com eles. 15Q uando a m ultidáo o viu,
tornaram de um a brancura resplande- ce isso?
Homem ressuscitasse da morte. 10Eles
ficaram estupefactos e correram para
cente com o nenhum tintureiro deste Respondeu:
observaram essa recomendado e dis- saudá-lo. lftEle lhes perguntou:
mundo consegue alvejar. 4Apareceram- — D esde crianza. 22E muitas vezes o
cutiam o que significava ressuscitar da
— Sobre o que estáis discutindo?
lhes M oisés e Elias falando com Jesús. morte. n E lhe perguntavam: atirava na água ou no fogo para acabar
,7Alguém da multidáo lhe respondeu:
5Pedro tomou a palavra e disse a Jesús: com ele. M as se podes algum a coisa,
— Por que os letrados dizem que pri-— Mestre, eu te trouxe meu filho pos-
— Mestre, com o se está bem aqui! meiro deve vir Elias? tem piedade de nós e ajuda-nos.
suido por um espirito que o deixa mudo.
Vamos armar très tendas: um a para ti, 12Respondeu-lhes: 23Jesus lhe respondeu:
18Cada vez que o ataca, ele o atira ao
uma para Moisés e um a para Elias. — Se posso? Tudo é possível para
— Elias virá primeiro e restaurarácháo; ele solta espuma, range os den-
6(Náo sabia o que dizia, pois estavam quem eré.
tudo. Mas, por que está escrito que este
tes e fica rijo. Disse aos teus discípulos
cheios de medo.) 7Veio um a nuvem e 24Im ediatam ente o pai do m enino
Homem há de padecer muito e ser des- que o expulsassem, mas nao o conse-
lhes fez sombra, e da nuvem saiu uma gritou:
voz: prezado? 13Pois eu vos digo que Eliasguiram.
já veio e o trataram arbitrariamente, — Creio; socorre minha falta de fé.
— Este é o meu Filho querido. Es- 19Ele lhes respondeu: 25Vendo Jesús que a multidáo se aglo-
cutai-o. como estava escrito a respeito dele. -— Que gera 5 áo incrédula! A té quan­
merava em torno deles, intimou o espi­
8De repente olharam ao redor e vi- do terei de estar convosco? A té quando
O menino epilético (Mt 17,14-20; Le terei de suportar-vos? Trazei-o a mim. rito imundo:
ram Jesús sozinho com eles. 9Enquan- — Espirito surdo e mudo, eu te orde­
9,37-43) — l4Quando voltaram aonde 20Levaram-no; e, quando o espirito o
no, sai dele e náo voltes a entrar nele.
viu, sacudiu-o, o rapaz caiu por terra e
“Viram o Deus de Israel... puderam con­
encontro e à nuvem no caminho. Pedro
templar a Deus... a gloria do Senhor apa- diabólica. O pai recorría a Jesus e trope-
receu”. queria perpetuar a experiéncia. Sobre a xa levar aqui pelo seu talento narrativo e gou na impoténcia dos discípulos (póde­
esperanza escatològica da nuvem: “ver-se- compóe uma cena de grande vivacidade,
Assim podemos apreciar as diferengas. á a gloria do Senhor e a nuvem que apare­ se recordar o fracasso de Giezi, servo do
E o pròprio Jesus quem mostra sua gloria, a serviço de um ensinamento superior.
cía no tempo de Moisés” (2Mc 2,8). Também um bom relato pode ser uma boa profeta Eliseu, 2Rs 4,31).
no esplendor das vestes (cf. SI 104,2; Ap 9.19 Incrédula, porque busca só mila-
3,5; 19,8). Moisés e Elias, alianza e profe­ 9,7 O mais importante de tudo é o teste- noticia. Além disso, situa-se após a trans- gres e náo chega a crer na pessoa (cf. Dt
cía, tinham recebido revelagóes extraor- munho do Pai, que referenda o do batis- figuraçâo e entre anuncios da paixáo. O 32,5.20). Jesus tem de agir no meio da in­
mo (1,11; cf. Jo 12,27-28). Versa sobre a Messias glorioso e paciente é também o compreensáo, sem deixar-se vencer por eia.
dinárias de Deus (Ex 34,5-7; 12; IRs 19,
pessoa em quem se deve crer, e o ensina- Messias compassivo, que empregará seu
11-13). Agora se apresentam como teste- mento que é preciso cumprir. 9.20 O exorcismo é apresentado de for­
munhas da gloria de Jesús. O que para a poder para salvar a outros, náo a si pró- ma dramática. Ao apresentar-se Jesús, o
velha instituigáo era futuro esperado, é 9,9 Náo devem contá-lo, porque náo prio. Jesús presta ajuda ao menino doen- “espirito” provoca uma reagáo violenta e
saberiam explicá-lo agora, nem o povo te, à fé vacilante do pai, à ignorancia dos
agora presente que atrai o passado e centra agrava os síntomas.
poderia entendè-lo. A luz plena da ressur- discípulos. Vários detalhes conjugados
a historia. Porque para o futuro estáo as 9,21-24 No diálogo com o pai, Marcos
tres testemunhas, cheias de gozo e de sur- reigáo, brilhará a luz provisoria da transfi- convidam a localizar a cena na Galiléia, nos oferece um exemplo. O pai apela titu­
presa. guragào: “Tua luz nos faz ver a luz” (SI perto de Cafamaum.
36.10). beante á compaixáo: “se podes, tem pie­
9.2 A tradigáo situou a cena no monte 9,14-16 A introduçào é elíptica. Jesús dade”. Jesús responde apelando à fé como
9,11-13 Dado que muitos judeus espe- com os très desceu da montanha e se apro­
Tabor. Teologicamente é o novo Horeb ou condigáo para curar-se. O pai pede mais
ravam a ressurreigáo, o que os discípulos xima do resto dos discípulos. Encontra-os
Sinai de Moisés e Elias. Transfigurou-se: fé. A fé é consciente de seu desamparo e
náo entendem é concretamente a ressur- discutindo com uns letrados ou doutores e
ao verbo grego corresponde estritamente de seu dinamismo, e procura apoio em Je­
reigác anunciada do seu Mestre, implican­ cercados de gente que acorre surpresa e
em portugués trans-formar. A importancia do a morte. Assim surge a pergunta ou a sus. Uma sèrie de detalhes ressalta a gran­
da “forma” é mais bem compreendida a alvoroçada. Sobre o que discutem? Póde­ deza do milagre, como a duragáo da do-
objegáo: Se Elias há de vir primeiro para se suspeitar que seja sobre alguma inter-
partir de F1 2,6-7, que opóe à morfe de enga, seus efeitos aterradores, a resistencia.
por tudo em ordem (MI 3,1.23; Eclo pretaçào da lei ou sobre a pessoa e missáo
Deus a do escravo: “mostrando-se em fi­ 9,22 Perigos clássicos que representam
gura humana, humilhou-se”. 48.10), que lugar resta para a paixáo do de Jesús; ou entáo sobre exorcismos, se as
Messias? — E que Elias já veio (o Batis­ palavras do pai sáo a resposta à pergunta a totalidade (Is 43,2).
9.3 Brancura resplandecente: incompa- 9,25-26 O exorcismo de Jesús consiste
ta) e o rejeitaram, como faráo com o Mes­ de Jesús. Pelo visto os discípulos ensaia-
rável. Isaías comparava a neve à là (Is numa ordem soberana, eficaz e duradou-
1,18). sias. Jesús fala como intérprete autoriza­ ram um exorcismo, sem resultado, apesar
ra. O povo, ao ver o menino “como mor­
do da profecía. A carreira de Elias náo foi de terem recebido poder sobre espíritos
9.4 Conta-se que Moisés conversava to”, duvida: Quem venceu no exorcismo,
triunfal, mas dolorosa: perseguido de mor­ ¡mundos (6,7).
com Deus (Ex 33,9; 34,29; Nm 12,8). Elias o demonio ou Jesus, a morte ou a vida?
te, sentindo o tèdio de semelhante vida e, 9,17-18 A doença do menino é descrita
fez isso brevemente na montanha (IRs 19). finalmente, arrebatado por Deus. Porém Jesus acrescenta à palavra um ges­
primeiramente pelo pai e a seguir em açâo.
9,5-7 Tendas e nuvem parecem aludir to; o toque de sua máo que ergue, como
9,14-29 Como no caso do endemoni- Os síntomas que descreve sáo típicos da
ao acampamento no deserto, à tenda do se ressuscitasse um morto. Repete os ges-
nhado de Gerasa (5,1-20), Marcos se dei- epilepsia. O povo a atribuía à possessáo
MARCOS MARCOS

26Dando um grito e sacudindo-o, saiu. faz cair, corta-o. É melhor entrar coxo na
32Eles, embora nao entendessem o — Mestre, vim os alguém que expul- vida, do que com os dois pés ser langado
O menino ficou como um cadáver, de assunto, nao se atreviam a fazer-lhe sava demonios em teu nome, e o im pe­
modo que muitos diziam que estava mor- díamos, pois nao anda conosco. no forno. 47Se teu olho te faz cair, arranca-
perguntas.
to. 27Porém Jesús, tomando-o pela máo, 39Jesus respondeu: o. E melhor para ti entrar zarolho no reino
levantou-o, e o menino se pos de pé. de Deus, do que com os dois olhos ser lan­
Instrugào comunitària(M t 18,1-9; Le — Nao o impegais. Alguém que faga gado no forno, ^onde o verme nào morre
28Quando Jesús entrou em casa, os dis­ 9,46-50; 17,ls)—33Chegaram a Cafar- ummilagre em meu nome nao pode em se­ e o fogo nao se apaga. 49Todos seráo tem­
cípulos lhe perguntavam em particular: naum e, já em casa, lhes perguntava: guida falar mal de mim. 40Quem nao está
— Por que nós nao conseguim os ex- perados no fogo. 50O sai é bom; mas se o
— Sobre o que discutíeis no caminho? contra nós, está a nosso favor. 41Quem sai se toma insosso, com que o tempera-
pulsá-lo?
34Ficaram calados, pois no caminho vos der de beber um copo de água por rào? Tende sai e vivei em paz com outros.
29Respondeu:
iam discutindo sobre quem era o maior. serdes cristáos, eu vos asseguro que nao
— Essa espécie só sai à força de 35Ele sentou, chamou os doze e lhes perderá sua recompensa. 42Se alguém es­
oraçâo. candalizar um desses pequeños que cré- Sobre o divorcio (M t 19,1-12)
disse: — *Dai se dirigiu ao territòrio
— Se alguém deseja ser o primeiro, cm, seria melhor que lhe pusessem uma da Judéia, do outro lado do Jordáo. No-
Prediz de novo a morte e ressurrei- seja o último e servidor de todos. pedra de moinho ao pescogo e o atiras-
çâo (M t 17,22-23; Le 9,43-45)— 30Dai vam ente o povo acorreu a eie e, segun­
3ílDepois chamou urna crianga, colo- sem ao mar. 43Se tua máo te faz cair, cor­ do seu costume, os ensinava. 2Aproxi-
foram percorrendo a Galiléia, e ele nâo cou-a no meio deles, acariciou-a e lhes ta-a. E melhor entrar na vida com uma só m aram-se alguns fariseus e, para pò-lo
quería que ninguém o soubesse. 31Aos disse: máo, do que com as duas ir parar no for-
discípulos explicava: à prova, lhe perguntaram:
— 37Quem acolher urna destas crian- no, no fogo inextinguível*. Se teu pé te
— Este Homem vai ser entregue em gas em atengáo a mim, a mim acolhe.
m âos de homens, que o matarào; de- Quem acolhe a mim, nao é a mim que sacrificios humanos (Jr 7,32; 19,6). Acres-
pois de morrer, ao final de très dias, fissionais (At 19,13-14) que, ao verem o
acolhe, mas sim àquele que me enviou. éxito de Jesus, póem o nome dele nos centa uma citagào de Is 66,24, que nao
ressuscitarâ. 38Joáo lhe disse: muda de sentido ao ser citada. Fala de ca­
conjuros. O provèrbio final prega a tole­
rancia: o nome de Jesús nao é monopolio dáveres langados a uma fossa, onde apo-
da comunidade (ICor 12,3). Deve ser lido drecem comidos por vermes, ou sao in­
tos com que ressuscitou a filha de Jairo ocasiáo. Naturalmente, urna moldura in­ com seu complementar de Mt 12,30, ob­ cinerados até consumir-se. O verme nao
(5,41-42). morre, o fogo nao se apaga antes de con­
tencionada: os discípulos continuam sem servando a diferenga “conosco/comigo”.
E preciso refletir sobre a reagáo dos di­ compreender a mensagem de Jesus e o Um bom antecedente encontra-se nos dois cluir sua tarefa aniquiladora.
versos personagens. O poder soberano de 9,49-50 Enlace verbal, “o fogo”. O pro­
seguem com a bagagem de seus critérios que recebem espirito fora da cerimònia,
Jesus, “eu te ordeno” (em nome pròprio), vèrbio é enigmático: alude a gráticas
humanos. A instruçào é dirigida à comu- na reagáo ciumenta de Josué e a resposta
a fé trabalhosa do pai, o estupor e a in- cúlticas? (Lv 2,13-16; Ez 43,24). É o fogo
nidade crista, também em suas relaçôes magnànima de Moisés (Nm 11,26-29). Ver
compreensào do povo, a frustralo dos dis­ para fora (41). também a atitude generosa de Paulo con­ a prova que conserva (como na salmoura)
cípulos. Um milagre de Jesus é urna pedra aquele que resiste? Quem supera a prova
9.34 Se nao se atrevem a responder é forme F1 1,15-18. do fogo nao será arremessado ao forno.
que move as águas e provoca um movi­ porque se envergonham diante de Jesus por 9,41 Enlace verbal, “em nome de, em
mento. atengáo a”. Enlace temático, a motivagáo. Enlace verbal, “o sal”. Explica-se bem
causa da conversa. A confissào de Pedro
9,29 Entende-se, a oragào com fé e por (9,29) e o tratamento especial com os très “Cristáos” = de Cristo (2Cor 3,23); é lógi­ à luz de Mt 5,13, sobre os discípulos como
mais fé. (Alguns manuscritos acrescentam co concluir que os que fazem tal favor nao sal da terra. O sal se empregava em alian-
(8,2) valeriam como ocasiáo.
“e jejum”, corno pràtica que acompanha a sao cristáos. A expressào é hiperbólica, gas; partilhar o sal era sinal de amizade.
9.35 Provèrbio de formulaçâo parado­
oragào.)
9,31-32 O grego emprega o perfeito,
xal: o último será preferido (cf. Mt 20,8;
Le 13,30). Seria contradizé-lo submeter-
mesmo levando em conta o valor da água
nessa regiáo.
.
10 1-11,45 Antes da entrada em Jeru-
“ficou entregue”, como se fosse um fato 9,43 *Os vv. 44 e 46 sao repetigáo do 48. salém, Marcos propóe quatro instrugóes
se ao último lugar com a finalidade de al- básicas destinadas as comunidades cristas
aceito por Jesus, incompreensivel para os cangar o primeiro. A adigáo do servigo é 9,42-48 Escándalo é algo gue faz trope­
discípulos (cf. Dt 29,3). que vivem no meio do mundo. As ques-
um principio capital para a comunidade zar e cair. O assunto é a fé. E agravante o
9,33-50 Marcos reúne numa instrugào crista. fato de as vítimas serem “os pequeños que tóes tratadas sao: o matrimonio, as crian-
urna sèrie de sentengas de Jesus, conser­ crèem”. Isso explica a gravidade da pena. gas, a cobiga e a ambigáo. Nos quatro ca­
9,36-37 O menino serve como exemplo sos Jesús se póe do lado dos fracos. Sao
vadas e transmitidas pela tradigào e uni­ de último, a quem Jesús dedica a sua pre­ Mas o tropego pode proceder da pròpria
das por conexóes temáticas ou verbais: pessoa: de órgáos em si bons que se des­ quatro ensinamentos encenados, ou me­
ferencia (compare-se com Mt 25,35). Ade­ lhor, cenas que dáo ocasiáo a ensinamen­
“em atengào a/em meu nome” (37.38. máis, o menino pode representar Jesús, mandan! pelo objeto ou pela inclinagáo do
39.41) e “escandalizar/fazer cair” (42.43. homem. O olho que olha cobigando, a máo tos transcendentes. As quatro cenas tém
como Jesús representa o Pai. A título de um desenvolvimento dramático.
45.47). Predomina o tema da humildade, ilustragâo, veja-se a imagem de Is 66,12- que pega o proibido (Gn 3,6), o pé que
ou seja, a dignidade e a grandeza do pe­ 13: “Sereis levados nos braços e sobre os anda no mau caminho. O extremo do cas­
queño. O narrador coloca no discurso tigo e das mutilagóes preventivas serve 10.1-12 Alei de Moisés (Dt 24,1-3) ten­
joelhos sereis acariciados”. tava proteger os direitos da mulher, mes­
urna moldura: o cenário, na casa de Cafar- 9,38-40 A intervengáo de Joáo é recur­ para inculcar a gravidade de perder a fé
naum, a casa é como urna escola de após­ ou de induzir outra pessoa a fazer o mes- mo concedendo vantagem ao homem. A
so narrativo, que se enlaça com a cena pre­ teoria fisiológica da época favorecía a
telos; e a pergunta aos discípulos como cedente. Podia tratar-se de exorcistas pro- mo, O forno è a Geena onde se ofereciam
MARCOS 15 8 10,1
— Pode um hom em rep u d iar sua 10Entrando em casa, perguntaram-lhe
mulher? de novo os discípulos sobre o assunto.
3Respondeu-lhes: nEle lhes diz:
— Que vos m andou Moisés? — Quem repudia sua mulher e casa
4Responderam: com outra, comete adultèrio contra a
— M oisés permitiu escrever a ata de primeira. 12Se eia se divorcia do mari­
divorcio e repudiá-la. do e casa com outro, comete adultèrio.
5Jesus lhes disse:
— Porque sois obstinados, Moisés Abengoaalgumas crianzas (Mt 19,13-
escreveu semelhante preceito. 6Mas no 15; Le 18,15-17) — 13Traziam-lhe crian­
principio da criagào D eus os fe z homem zas para que as tocasse, e os discípulos
e mulher, 1e p o r isso um homem aban­ as repreendiam. 14A o ver isso, Jesus
dona seu pai e sua máe, une-se à sua indignou-se e disse:
mulher, 8e os dois se tornam urna car­ — Deixai que as crianzas se aproxi­
ne. D e m odo que já nao sao dois, mas men! de mim; nao as im peláis, porque
urna só carne. 9Portanto, o que Deus o reino de Deus pertence aos que sao
juntou, o homem nao separe. como elas. 15Eu vos asseguro que quem

parcialidade em favor do homem: desco- 10.9 A raíz grega significa unir sob um
nhecia a fungáo do óvulo e imaginava o jugo, “con-jugar”. A citagào de Gn 1,27;
sémen como portador de novo ser. A leí 2,24 diz “apegar-se, aderir-se”, como ten­
do divorcio era urna concessao em regime dencia da natureza. O provèrbio opòe en­
de mesquinhez, que muitas vezes se inter­ faticamente Deus ao homem, talvez alu-
pretava com perigosa leviandade ao defi­ dindo ao Deus de Gn 1 e ao Moisés de Dt
nir essa “coisa vergonhosa” de que fala a 24; só que Moisés se apresenta corno por-
lei. Os fariseus querem “por à prova” Je­ ta-voz de Deus.
sus num assunto tào central como o matri­ 10.10 A explicagào é para os discípulos
monio (e que pode alarmar os maridos, cf. em particular. Consiste em tirar a conse-
Est 1,16-18). Apresentam a questáo par- qiiència do que foi dito. A última cláusula
tindo da lei de Moisés, supondo que Je­ supóe uma legislagào mais igualitària.
sus, mais do que propor uma interpreta- 10,13-16 Ao contexto geral do matrimò­
gao alternativa, invalide a lei. Marcos nio pertencem também as criangas. Eram
imagina uma discussào pública, na presen­ desejadas e estimadas como prolongamen-
ta da multidào, visto que o matrimònio to de uma vida limitada; eram bem trata­
interessa a todos. das. Todavia, até a maturidade responsà-
Jesus aceita o desafio no terreno da to­ vel nào gozavam de piena consideragào.
rà, refazendo-se ao Deuteronòmio e ao Nào sendo capazes de acumular méritos
Génesis. Contrapóe à lei de Moisés o pro- com as observancias, nào podiam aspirar
jeto originai de Deus (Gn 1,27; 2,24; 5,2), ao reino futuro. Exatamente essa capaci-
que busca a igualdade dos cónjuges, a en­ dade de merecer as mantém capazes de
trega total e duradoura que unifica. Na receber gratuitamente, que é a condigào
versào do evangelho mais antigo, nào hà para entrar no reino que Jesus anuncia.
excegào. Marcos transforma uma ou várias senten-
Em alguns manuscritos nào aparecem gas de Jesus sobre as criangas numa cena
os fariseus, como se a pergunta fosse feita que conjuga gestos com ensinamento. A
pelo povo: mas o “tentá-lo” é tàtica fa­ atitude dos discípulos serve de contraste.
risaica. A pergunta de Jesus diz “mandou”, Poderia representar uma tendencia na co-
a resposta diz “permitiu”: para os fariseus munidade; alguns suspeitam de uma refe-
é o bastante. Obstinagào: Jr 18,12 par.; SI rència ao batismo de criangas. As criangas
81,13. sào merecedoras de respeito e carinho; tèm
10,6 A expressao “no principio” pode livre acesso a Jesus, e ninguém deve im-
também ser lida como título do livro, “no pedi-las. Sào, além disso, exemplo de co­
Génesis”. mo acolher o reino de Deus. Por qual
1(1,23 159 MARCOS

mio receber o reino de Deus com o urna perjurarás, nao defraudarás, honra teu
■nanga nao entrará nele. p a i e tua müe.
16Acariciava-as e as abengoava, pon­ 2üEle lhe respondeu:
ilo as máos sobre elas. — Mestre, tudo isso eu cumpri des­
de a adolescencia.
Ohom em rico(M t 19,16-30; Le 18,18- 21Jesus o olhou com carinho e lhe
10) — 17Quando se pos a caminho, che- disse:
nou alguém correndo, ajoelhou-se di- —■Urna coisa te falta: vai, vende tudo
ulte dele e lhe perguntou: o que tens e dá-o aos pobres, e terás um
-— Bom Mestre, o que devo fazer para tesouro no céu. Depois, vem comigo.
lierdar a vida eterna? 22A essas palavras, o outro franziu a
18Jesus lhe respondeu: testa e partiu triste, pois era muito rico.
— Por que me cham as bom? Nin- 23Jesus olhou ao redor e disse a seus dis­
guém é bom, a nao ser Deus. lwConhe- cípulos:
ces os mandamentos: N ao matarás, nao — Como é difícil para os ricos entrar
cometerás adulterio, nao roubarás, nao no reino de Deus!

i|ualidade? Talvez pela simplicidade sem tado nos deveres para com o próximo (Ex
|>reconceitos; ou pelo abandono confiante 20,12-16; Dt 5,16-20). Pois bem, cumprir
(SI 131), contraposto à auto-suficiência; tudo isso é a plataforma para seguir mais
ou sobretudo pelo espirito filial que se re­ adiante, mudando mentalidade. Falta o
vela sobretudo na criança (tratando-se de mais importante, que é renunciar á rique­
um adulto, nao reparamos na filiaçâo). As za, embora legítima: “e se prospera vossa
caricias e a bênçâo de Jesús sao já um fortuna, nao lhe entregueis o coragáo” (SI
iieolhé-los no reino. 62,11; 112,9) para seguir Jesús. Se nao é
10.17-31 Seguem-se très ensinamentos capaz de renunciar á riqueza, ama a Deus
sobre o possuir: a vocaçâo de um rico (17- de todo coragáo? Ou tem o coragáo divi­
22), o impedimento da riqueza (23-27), o dido? Terá cumprido todos os mandamen­
galardáo da pobreza (28-31). O tema da tos exceto o primeiro, de amar a Deus. A
“vida eterna” abre e fecha a perícope (17 companhia ou seguimento de Jesús justi­
C 30). O tema do “reino de Deus” centrali­ fica a exigencia; mas nao se propóe como
za-a (23.24.25). condigáo para “herdar a vida eterna”, em­
10.17-22 Com poucos vv. o narrador bora receba em troca um tesouro celeste
compóe urna cena intensa e convincente. (ou de Deus). A esmola, táo estimada na
Vemos o homem entusiasta e decidido, que espiritualidade bíblica, nao é a renuncia
vem correndo (quer chegar por primeiro?), total que Jesús lhe pede.
saúda com título elogioso, propóe sem 10,18 Bom é título corrente de Deus e
mais a sua pergunta, afirma satisfeito sua bondade é seu atributo (SI 25,8; 34,9; 54,8
grande prestaçâo — começou o quanto etc.). Jesús nao procura sua honra pessoal,
antes — (cf. Pr 22,6). E vemos Jesús cor- mas a de Deus.
rigindo e temperando o título, remetendo 10,22 O homem nao deu o passo para
o demandante ao já sabido; só depois lhe seguir adiante, ao invés, “partiu triste”: por
mostra seu carinho. Nesse ponto inverte- causa do custo da exigencia, por sentir-se
se dramáticamente o movimento. Vejamos sem animo para a renúncia. Nada se diz
como. do destino final desse homem, que fica
O homem propóe sua consulta em ter­ com seus mandamentos e suas riquezas. E
mos tradicionais: o que é preciso fazer para um caso típico que admitirá diversas apli-
conseguir, visando o mais alto (cf. Dt 4,1; cagóes, e que no momento dá ocasiáo á
S,33; 8,1; 30,19). No Deuteronómio Deus reflexáo de Jesús.
l>romete vida ao povo na terra prometida; 10,23-25 E comum no AT a denúncia
o jovem refere-se à vida perdurável na era contra os que confiam, ou seja, apóiam sua
definitiva. Todavía conserva a mesma es- existencia na riqueza (p. ex. SI 49,7-8;
liiritualidade de obras. A essa colocaçâo 62,11: “se vossa riqueza prospera, nao
icsponde suficientemente o decálogo, ci- ponhais nela o vosso coragáo”; Jr 17,10;
marcas 160 10,24

24(\ discípulos se assom braram com pos, com perseguiçôes, e no mundo fu


aquile) qUe dizia. M as Jesús insistiu: turo vida eterna. 31Masmuitos primei
— Como é difícil entrar no reino de ros seráo últimos, e muitos últimos,
Deus! 25É m ais fácil para um camelo primeiros.
passai pelo buraco de uma agulha, do
que p3ra um rico entrar no reino de N ovam ente anuncia a morte e ressur-
Deus. reiçâo (M t 20,17-19; Le 18,31-34) —
"6Eles ficaram espantados e comen- 32Caminhavam, subindo para Jerusa
tavarnentre si: lém. Jesús se adiantou, e eles se sur
~ intáo, quem pode salvar-se? preendiam; os que seguiam, iam com
"’Jesus ficou olhando para eles, e lhes medo. Ele reuniu outra vez os doze e
disse: se pôs a anunciar-lhes o que lhe iría
— Para os homens é impossível, nao acontecer:
para DÍUS; tudo é possível para Deus. — 33Vede: estamos subindo para Je-
28Peijro entáo lhe disse: rusalém. Este Homem será entregue aos
— ^è: nos deixamos tudo e te se­ sumos sacerdotes e aos letrados, o con-
guimos, denarâo à morte e o entregarâo aos pa-
“JJesiiS respondeu: gâos, 34que caçoarâo dele, cuspiráo ne-
— Todo aquele que deixar casa ou le, o açoitarâo e o matarâo, e ao fim de
irmáosou irmás ou máe ou pai ou fi- très dias ressuscitará.
lhos oucampos por causa de mim e por
causa da boa noticia, 30há de receber C o n tra a am biçâo (Mt 20,20-28) —
nesta v¡da cem vezes mais em casas e 35Aproximaram-se dele os filhos de Ze-
irmáos e irm às e máes e filhos e cam- bedeu, Tiago e Joáo, e lhe disseram:

Jó 30,24-25). Jesús acrescenta ao ensina- de finalidade (“para” v. 17), mas de con-


mento tradicional a confrontagáo com o seqüéncia da generosidade de Deus, “cem
“reino de Deus” (cf. 4,19), e o reforja com vezes mais”; que o bem desta vida é a nova
uma coniparagáo hiperbólica (alguns ma­ familia crista (3,34-35) e nela nao faltaráo
nuscritos acrescentam em 24 o sujeito “os perseguigóes; que a “vida eterna” é sem-
que confiam na riqueza”). A espirituali- pre o “tesouro” reservado por Deus. A vida
dade dos pobres, marginalizados ou des- presente nao o pode esgotar.
possuídos prepara esta visáo do reino: 10,31 Anuncia uma inversáo de catego­
“deixareiem ti um povo pobre e humilde rías, como a do cántico de Ana (ISm 2) ou
que se refugiará no Senhor” (Sf 3,12; SI a de Maria no Magníficat.
37). Paul« a desenvolve com energia numa 10,32-34 Terceiro anuncio da paixáo,
serie de opositóos (IC or 1,22.26-29). desta vez a caminho de Jerusalém. Mar­
Tiago o refor§a: “nao escolheu Deus os cos sublinha a uniáo dos dois dados: Jesús
pobres de bens mundanos e ricos de fé comega a “subida”, adianta-se, o Mestre
como hercleiros do reino que prometeu aos caminha á frente; os outros o seguem sur-
que o amam?” (Tg 2,5). presos, medrosos. O nome de Jerusalém
10,26-27 Ao espanto dos discípulos res­ soa finalmente como termo da viagem e
ponde con, uma palavra de alentó: segun­ unido ao anúncio da paixáo. Uma tensáo
do a trad¡Qj0; a confianza em Deus se opóe emotiva faz vibrar a predigáo. A formula-
à confian^ na riqueza. E Deus é todo-po­ gao é da comunidade, posterior á Páscoa,
deroso. embora o texto a refira aos “doze”. A des-
10,28-30 Dir-se-ia que a terceira frase crigáo é detalhada, dominada pela repeti-
recai na e¡¡piritualidade interesseira, de gáo de “ser entregue”. Depois do anúncio,
remunerasào. inclusive exacerbada pela já nao há comentário. A nao ser que tome­
distingáo “nesta vida/no mundo futuro”. mos a cena seguinte como a incrível e in­
E verdade que a resposta se presta a uma crédula resposta dos discípulos.
interpretado que fomenta o interesse e o 10,35-45 Aceña é semelhante á discus-
escapismo. Mas, notemos que nao se fala sáo pelo primeiro lugar (9,33-37). O reía-
10,46 161 MARCOS

— Mestre, querem os que nos conce­ minha esquerda náo cabe a mim conce-
das o que te pedirmos. dè-lo, mas é para quem está reservado.
36Perguntou-lhes: 41Quando os outros ouviram isso, in-
— O que quereis que vos faga? dignaram -se com Tiago e Joño. 42Mas
37Responderam: Jesús os chamou e lhes disse:
— Concede-nos sentar-nos em tua — Sabéis que, entre os pagaos, os que
gloria, um á tua direita e outro a tua sao tidos como chefes submetem os sú-
esquerda. ditos, e os poderosos impóem sua au-
3xJesus replicou: toridade. 43N§o será assim entre vós; ao
-— Nao sabéis o que pedis. Sois ca- contràrio, quem quiser entre vós ser
pazes de beber a taga que eu vou beber, grande, que se faga vosso servidor, 44e
ou batizar-vos com o batismo que vou quem quiser ser o primeiro, que se faga
receber? vosso escravo. 45Pois este Homem náo
39Responderam: veio para ser servido, mas para servir e
— Podemos. dar sua vida como resgate por todos.
Porém Jesús lhes disse:
— Bebereis a taga que vou beber e O cegó de Jericó (Mt 20,29-34; Le 18,
recebereis o batism o que vou receber; 35-43) — 46Chegam a Jericó. E quan­
40mas sentar-vos a minha direita e á do saia de Jericó com seus discípulos e

to supóc nos irmaos urna concepgáo polí­ (como diz Ecl 9,6-7); mas pelo preceito e
tica do messianismo: um dia Jesús triun­ pelo exemplo de Jesús (visto como o ser­
fará e ocupará o trono de “gloria”. Eles, a vo de Is 53,10),
quern o Messias tratou como favoritos Na mengáo do cálice e da imersáo, o
(1,19-20; 5,37), querem assegurar para si cristáo pode 1er ñas entrelinhas urna alu-
nessa hora os dois primeiros postos de sáo ao batismo e á eucaristía como parti-
mando e de honra. Outros comentaristas o cipagáo na paixáo de Cristo (Rm 6,3-4;
interpretam em relagao aos dois melhores ICor 11,26).
lugares no banquete celeste. Do banquete 10.45 O máximo servigo de Jesús será
passa-se á taga, que náo é a do banquete. dar a vida como resgate. O AT menciona
Para isso estáo dispostos a enfrentar as lu- diversos tipos de resgate: Judá escravo pela
tas e sofrimentos com seu chefe. Fazem o liberdade de Benjamim (Gn 43), um es­
pedido em dois tempos, para conquistar a cravo por dinheiro (Lv 25,47-48), os levi­
benevolencia. Assim os apresenta Marcos. tas pelos primogénitos, um animal por um
Náo entenderam o elementar. O destino homem etc. Jesús chega ao extremo, ofe-
do Messias é esgotar o cálice da ira (Jr recendo sua vida (Rm 3,24; ICor 1,30).
25,15-29; Is 51,17); é submergir-se na tor­ 10.46 Para “subir” (10,32) a Jerusalém
rente da paixáo (SI 42,8; 69,2.16; 124,4). partindo da Transjordánia, Jesús tem de
Um dia, quando o tiverem compreendido, atravessar o Jordáo e passar pela cidade
os dois irmaos compartilharáo sua sorte, até das palmeiras, Jericó, refazendo de certo
o martirio (de Tiago, At 12,1-2). Isso náo modo o itinerário dos israelitas (Js 3-6).
garante os primeiros lugares no reino trans­ O episodio de Jericó, pelo grito do cegó,
cendente. Somente Deus reserva os lugares prepara ¡mediatamente a entrada em Jeru­
e os reserva como quer. Mais ainda, ambi­ salém e se integra assim num bloco de
cionar os primeiros lugares excluí deles. quatro atos significativos de Jesús: cura do
Porque a comunidade do Messias rege- cegó (10,46-52), acolhida triunfal (11,1-
se por principios opostos aos do mundo. 11), maldigáo da figueira (1,12-14), puri-
Nela, a ambigáo será substituida pelo es­ ficagáo do templo (11,15-19). A esses atos
pirito de servigo. Náo é que o servigo seja seguiráo as controvérsias com as autori­
meio para conseguir o primeiro lugar, mas dades e uma instrugáo para os discípulos
que no servigo reside a dignidade. Náo em sobre o futuro e o final.
virtude de um oráculo individual (como O primeiro bloco compóe-se de duas
em Gn 25,23), nem por desordem social vertentes. A primeira, positiva, mostra Je-
MARCOS 162 10,47

urna multidáo considerável, Bartimeu Entrada triunfal em Jerusalem


(filho de Timeu), um mendigo cegó, es-
tava sentado à beira do caminho. 47Ou-
vindo que era Jesus de Nazaré, pós-se
a gritar:
— Jesús, filho de Davi, tem piedade
de mim!
U (Mt 21,1-11; 1x19,28-40; Jo 12,
12-19) — g u a n d o seaproximavam de
Jerusalém por BetfagéeBetánia, junto
ao monte das Oliveiras, ele enviou dois
discípulos, 2encarregando-os:
— Ide á aldeia que está á nossa fren­
48Muitos o repreendiam para que se te, e logo ao entrar encontrareis um bur-
calasse. Mas ele gritava mais forte: rinho amarrado, que ninguémainda mon-
— Filho de Davi, tem piedade de tou. Soltai-o e trazei-o. Esealguém vos
mim! perguntar por que fazeis isso, diréis que
49Jesus se deteve e disse: o Senhor precisa dele e que logo o de­
— Chamai-o. volverá.
Chamaram o cegó, dizendo-lhe: 4Foram e encontraram o burrinho
— Animo! Levanta-te, pois te chama. amarrado junto a urna porta, por fora,
50Ele tirou o manto, pòs-se de pé e se contra o portáo. Soltaram-no. 5Alguns
aproximou de Jesús. 51Jesus Ihe dirigiu dos que ai estavam lhesperguntaram:
a palavra: — Por que soltáis o burrinho?
-— Que queres que te faga? 6Responderam conforme Jesús lhes
O cegó respondeu: havia recomendado, e eles permitiram.
— Mestre, que eu recobre a visáo. 7Levam o burrinho a Jesús, colocam so­
52Jesus lhe disse: bre ele seus mantos, e Jesús montou. 8Mui-
— Vai, tua fé te salvou. tos forravam com seus mantos o caminho,
No mesmo instante recobrou a visáo outros com ramos cortados no campo.
e o seguia pelo caminho. ''Os que iam á frente e atrás gritavam:

sus poderoso em milagres e aclamado. A 3,8). O povo o repreende porque grita, pelo
segunda, negativa, mostra-o rejeitando o que grita. Jesús aceita a confissáo, além
uso que fazem do tempio e repelindo o de confirmá-la como brotada da fé.
povo numa agio simbòlica. Narrativamen­
te as pegas estào ligadas por indicagòes 11, 1-11 Pela Páscoa confluem a Jeru­
topográficas: Jericó, Jerusalém, Betània, salém rios de peregrinos: “para lá sobem
o tempio. as tribos, as tribos do Senhor” (SI 122,4).
10,46-52 A cura do cegó pouco se pare­ Jesús náo é um a mais, perdido no caudal
ce com a anterior (8,22-26). Através do anónimo. Vem a Jerusalém cumprir seu
realismo narrativo da cena impóe-se o pa- destino. Vaí “ser entregue”; mas antes pla-
radoxo da situagáo. O cegó, condenado por neja com previsáo milagrosa e executa
sua doenga e reprimido pelo povo, perce­ com precisáo soberana: “se o Senhor dos
be o que os outros nao vèem. Ouve men­ Exércitos decide, quem o impedirá?” (Is
cionar Jesus de Nazaré, invoca o “filho de 47,27). A sua entrada é para os contempo­
Davi”. A sua fé, embora imperfeita, é um ráneos um ato significativo: aclamam o
órgào mais penetrante: “nào tendo olhos herói popular com imprecisos sonhos mes-
vè”. Por eia receberà de Jesus o dom da siánicos, pronunciando versos litúrgicos.
visáo recobrada. Nele cumprem-se as pro­ Num plano superior, a entrada é significa­
fecías: “verào a glòria do Senhor... abrir- tiva para a comunidade crista crente. Mar­
se-áo os olhos dos cegos” (Is 35,5; 42,7. cos, que é seu intérprete e guia, dá a en­
18). ¡mediatamente “segue” a Jesus, que tender isso discretamente em seu relato.
o mandara “chamar”. Um itineràrio exem­ 11,2-7 Em proporgáo, os preparativos
plar, de fé e iluminagào, chamado e segui­ ocupam muito espago. Jesús planeja urna
mento. entrada solene, em montaría régia, mas hu­
O seu grito é urna confissào messiànica. milde, náo belicosa. A alusáo a Zc 9,9: “olha
Jesus é um descendente legítimo de Davi, teu rei que está chegando... cavalgando um
anunciado e esperado (Jr 23,5; 33,15; Zc burro”, define o caráter pacífico e mostra
11,19 163 MARCOS

— Hosana! Bendito o que vem em no­ Purifica o templo (Mt 21,12-17; Le 19,
me do Senhor. wBendito o reino de nos- 45-48; Jo 2,13-22) — 15Chegaram a
so pai D avi que chega. Hosana aoA ltis­ Jerusalém e, entrando no templo, pós-
simo! se a expulsar os que vendiam e com-
11 Entrou em Jerusalém e se dirigiu ao pravam no templo, virou as mesas dos
templo. Depois de inspecioná-lo intei- cambistas e as cadeiras dos que vendiam
ramente, visto que era tarde, voltou com pombas, 16enáo deixava ninguém trans­
os doze para Betánia. portar objetos pelo templo. E lhes ex-
plicou:
Amaldigoa a figueira (M t 21,18-19) — Está escrito: minha casa será casa
— 12N o dia seguinte, quando saíam de de oraçâo, mas vós a convertestes em
Betánia, sentiu fome. Í3A o ver de Ion- covil de bandidos.
ge urna figueira frondosa, aproximou- 18Os sumos sacerdotes e letrados ou-
se para ver se encontrava alguma coisa; viram isso e procuravam com o aca­
mas encontrou somente folhas, pois nao bar com ele; m as o tem iam , porque
era época de figos. 14Entào lhe disse: todo o povo adm irava seu ensinam en-
— Jamais alguém com a teus frutos. to. 19Q uando anoiteceu, ele saiu da ci-
Os discípulos o ouviam. dade.

que o plano de Jesús está cumprindo o va­ recordar que o cuidado do templo era com-
ticinio. É um jumentinho que ninguém mon- peténcia do rei desde a sua construçâo.
tou: como se disséssemos urnas primicias 11,12-14 O que se segue é a primeira
de montaría, como as pedras nao talhadas parte de uma açâo simbólica, como faziam
para um altar (Ex 20,25), como as árvores os antigos profetas em tempos críticos,
frutíferas até a quinta colheita (Lv 19,23- sobretudo Jeremías e Ezequiel. A açâo
25), como o sepulcro novo. Salomáo, re- simbólica é uma espécie de parábola em
cém ungido rei, havia entrado na capital forma de mímica. O gesto, embora descon­
“montado em muía do rei” (IRs 1,44). Além certante, pode ser fator expressivo. Por­
disso, Jesús usa o título de Senhor. tante, nao estranhemos se nos parece es-
11,8 É urna homenagem honrosa (cf. tranha a açâo de Jesús. A figueira, como
2Rs 9,13, Jeú proclamado rei); nao consta outras árvores, pode representar o povo
que as palmas fossem usadas para cobrir escolhido (Jr 8,13; Os 9,10); os figos re­
o chao (cf. SI 118,27). A vegetagáo soma- presentan} os judeus (Jr 24,1-8); agora a
se á homenagem. figueira representa o povo incrédulo, que
11,9-10 Aprimeira parte é citagáo do SI tem folhagem de aparêneias e nao dá fru­
118,25-26. “Hosana”, que antes fora sú­ to. A imagem dos frutos é convencional à
plica de auxilio (como nosso “socorro”, força de repetiçâo (Is 37,31; Ez 17,8-9.23).
cf. 2Rs 6,26; 19,19), mais tarde se con- O texto nào parece distinguir entre a esta-
verteu em simples aclamagáo (e assim pas- çâo das bêberas e a dos figos (que o
sou á nossa língua). O salmo era cantado hebraico distingue com dois termos; “bê-
na festa dasTendas e outras ocasióes. Lou- bera” é quase igual a “primogénita”); o
va-se invocando o Senhor (cf. Nm 6,24- mês de abril nào é estaçâo de figos, mas
27); mas os leitores posteriores uniram quando muito de bêberas (Ct 2,13).
“vem em nome do Senhor”, como descri­ 11,15-19 Também a chamada “purifica-
b o posterior do Messias. çâo” do templo é uma açâo simbólica de
Marcos acrescenta em paralelo uma se­ Jésus. Na esplanada do templo, no átrio
gunda aclamagao, que identifica o Mes­ acessível aos pagâos, montava-se para a
sias como o rei descendente de Davi (Jr Páscoa um verdadeiro mercado de animais
33,17.21; Ez 37,24), e dá a este o inusita­ para o sacrificio e bancas de câmbio para
do título de “nosso Pai”, colocando-o en­ o imposto do templo (Ex 30,12-16); tudo
tre os patriarcas. era tolerado pelas autoridades. Esse é um
11,11 ¡mediatamente faz uma visita de dado realista. A intervençâo de Jésus deve
inspegáo ao templo, com a qual Marcos ter sido limitada quanto à extensâo; um
prepara a cena do dia seguinte. Devemos gesto, mais que uma operaçâo sistemâti-
MARCOS 164 11,20

A figueira seca (M t 21,20-22) — 20De atire ao mar, isso acontecerá. 24Portan-


manha, passando junto à figueira, ob- to, eu vos digo que, quando orardes
servouque havia secado pela raiz. 2lPe- pedindo alguma coisa, ~crede que o re-
dro lernbrou-se e lhe diz: cebestes, e acontecerá para vós. 2f’Quan-
— Mestre, olha: a figueira que amal- do orardes, perdoai o que tiverdes con­
dicoaste secou. tra outros, e o Pai do céu perdoará
22Jesus lhe respondeu: vossas culpas.
— Tende fé em Deus. 23Eu vos asse-
guro que se alguém, sem duvidar por Autoridade de Jesús (Mt 21,23-27; Le
dentro, mas crendo que se cumprirà o que 20,1-8) — 27Voltaram a Jerusalém e,
diz, disser a esse monte que saia dai e se enquanto passeava pelo templo, apro-

ca. Très detalhes representam a totalida- instrugáo ¡mediata dos discípulos Jesús
de: pombas (oferta da populaçâo pobre), loma um dado particular e dá a seu comen­
cambistas, o átrio como caminho para o tario uma diregáo inesperada. Náo fala da
transporte de mercadorias. rejeigáo dos incrédulos (SI 37,22), mas da
Sao as palavras que explicam e ampliam oragáo dos fiéis. Com isso prolonga uma
o alcance do gesto. Sao urna citaçâo com­ frase pronunciada antes no templo, “casa
binada de Is 56,7 e Jr 7,11. Comecemos de oragáo”.
pela segunda: Jeremías denuncia o abuso Como deve ser a oragáo? Tendo em Deus
do templo por parte dos judeus, que o con- uma fé que confia em seu poder e quer es-
vertem em refúgio para continuar pecan­ cutar, “que pega com confianza e sem du­
do impunemente (como fazem os bandi­ vidar” (Tg 1,6). O exemplo é uma hipér­
dos em seus covis); a citaçâo aumenta a bole expressiva, talvez proverbial (cita-o
gravidade do abuso. A primeira se Ié no ICor 13,2). Falando de oragáo, por asso-
começo da terceira parte de Isaías: é urna ciagáo, é atraído o tema do perdáo no Pai-
profecía para o futuro, com aboliçâo de Dosso (que Marcos náo cita). A instrugao
uma lei precedente. Duas coisas sao es- de Jesús a seus discípulos encerra-se com
senciais no versículo: a funçâo do tem­ areferencia ao “Pai do céu”.
plo, casa de Deus, casa de oraçào, e a aber­
tura aos pagaos. A citaçâo transborda a 11 ,27—12,40 A discussáo com as auto­
situaçâo ¡mediata e projeta a visâo para o ridades judaicas desenrola-se em seis atos
futuro, para o novo templo, casa de Deus, que o narrador quis agrupar aqui. No cam­
aberto a todos. Os leitores de Marcos cap- po doutrinal, mostram como se despren-
tam o alcance. De algum modo também dem e se apartam de Jesús. No campo nar­
as autoridades judaicas, que querem eli­ rativo, preparam o desenlace violento da
minar Jesús pelo que fez e disse: “o ouvi- paixáo. Os interlocutores mudam o sufi­
ram”. Aaçâo de Jesús, como Marcos apre- ciente para representar a totalidade: fari-
senta, nao é violenta: nao há resistencia. seus e saduceus, senadores e herodianos,
Nao tem alcance político: náo alarmou os sumos sacerdotes e letrados. O povo e os
romanos, nem é citada no processo. discípulos fazem o papel de público. Tam­
11,20-26 Um dia Jeremías esmigalhou bém o tema varia, provavelmente dado
um jarro de louça e explicou aos presen­ pela tradigáo. Poderíamos articulá-lo as-
tes que dessa forma o Senhor quebraría o siin, mas sem pretensóes: sobre a autori­
povo e a cidade, “como se quebra uma dade de Jesús, e correlativamente á de
vasilha de louça e nao é possível recompó- Davi, autoridade de César nos impostos,
la” (Jr 18,1-2.10-11). Aquilo que o pro­ autoridade de Deus em seus enviados e em
feta fez com as máos, Jesús o faz com a seus mandamentos.
palavra: amaldiçoa e deixa estéril a árvo- 11,27-33 A pergunta “fazes isso” é vaga
re simbólica. O desenlace, a figueira seca, e genérica. Pelo contexto próximo, pode-
completa a açâo simbólica, a maldiçâo: riaümitar-se á purificagáo do templo; pelo
entre as maldiçôes de Dt 28 e Lv 26, várias contexto mais ampio, parece abranger o
se referem a árvores frutíferas. Para a co- conjunto de sua atividade, inclusive os
munidade crista o sentido é claro. Para a miiagres e o ensinamento. Os falsos pro-
12,1 165 MARCOS

ximam-se dele os sumos sacerdotes, os mos nele; 32vam os dizer: dos homens?
letrados e os senadores 28e lhe dizem: (Tinham medo do povo, pois todos ti-
-— Com que autoridade fazes isso? nham Joáo com profeta auténtico.)
Quem te deu tal autoridade para faze-lo? 33Entáo responderam:
29Jesus respondeu: — Nao sabemos.
— Eu vos farei urna pergunta: res­ E Jesús lhes disse:
pondedm e, e vos direi com que autori­ — Tampouco eu vos digo com que
dade fago isso. 30O batism o de Joáo autoridade faço isso.
procedía de Deus ou dos homens? Res-
pondei-me. Os vin hateiros (M t 21,33-46;
31Eles discutiam entre si: Se disser- Le 20,9-19) — ‘Pôs-se a falar-
mos: de Deus, nos dirá: por que nao cre- lhes em parábolas:

fetas arrogavam-se a autoridade de envia­ em fungáo do sentido. O movimento se


dos de Deus; e “inventavam profecías... estiliza em très mais um.
seguindo sua inspiragáo... Dizíeis orá­ A heranga de Deus é o povo (Dt 4,20;
culo do Senhor quando o Senhor nao vos 32,9; IRs 8,51.53; Jr 50,11; SI 79,1 etc.);
enviava... quando o Senhor nao falava”. ele dará sua heranga ao “Filho querido”
De modo semelhante as falsas profetisas (1,11; 9,7). Também Deus é heranga do
arrogavam-se a autoridade para “destinar levita (Dt 10,9; 18,2; Ez 44,28). Os diri­
à vida ou à morte” (Ez 13,6.7.17). gentes, meros arrendatários, querem ficar
As autoridades tém direito de pedir cre- com a heranga como propriedade sua, ar­
denciais a quem se apresenta como Jesús rendada, eliminando o herdeiro, o filho. O
o faz: os interlocutores representam o bra­ sentido é superficialmente transparente:
go eclesiástico (sacerdotes), o brago civil refere-se aos profetas, aos chefes; e eles o
(senadores), a autoridade doutrinal (letra­ entendem. Mas nao querem entender a
dos). Porém, de onde lhes vem a autorida­ força da interpelaçâo, o chamado à fé.
de?, responde a parábola seguinte. A per­ Antes, se endurecem em sua resisténcia.
gunta aponta para a autoridade messiànica “Desde que vossos pais saíram do Egito
de Jesús, que os interlocutores negam de vos enviei meus servos, os profetas, dia
antemáo. Para eles, incrédulos, se Jesús se após dia, e nao os escutastes” (Jr 7,25;
arroga essa autoridade, é impostor, come­ 25,4; 26,5; 29,19; 35,15; 44,4). A violén-
te delito. Impossível convencer a quem se cia contra os profetas está documentada
nega a crer, depois de tudo o que viu e no caso de Jeremías; sem violéncia física,
ouviu. Por isso Jesus responde, no estilo Is 30 e Am 7. Os chefes recebem de Deus
rabínico, com outra pergunta, que transie­ nada mais do que a administraçâo, e pe-
re o assunto para a autoridade de Joáo rante Deus sáo responsáveis, como apare­
Batista, a fim de desarmar seus opositores ce em muitos textos (até Sb 6,1-11). So­
com um dilema. No batismo de Joáo, to­ bre o envío do filho recorde-se a historia
mado em seu conjunto, está implícita a de José, enviado por Jacó. A vinha náo é
justificagáo: porque preparava a vinda do arrasada, como em Is 5, mas confiada a
Messias, porque dera ocasiáo ao testemu- outros administradores.
nho do Pai. O batismo e Joáo estavam em Pode-se 1er a parábola em chave daví-
fungáo de Jesús Messias. Esse dilema fun­ dica: o futuro Messias, “filho de Davi”, é
ciona a fortiori com Jesús, em quem eles herdeiro legítimo do reino, da realeza; eli­
tampouco créem, mas temem o povo. minando o Messias que nao reconhecem,
pensam em ficar com a herança, o povo
12 ,1-12 Jesus toma de Is 5,1-7 o texto que eles dominam (pode-se ampliar com
do comego e o tema final, ou seja, a ima- dados do SI 2, sobre filiaçâo e herança).
gem conhecida da vinha (SI 80) e o desen­ A citaçâo do SI 118,22-23, que canta a
lace, “em vez de justiga (= frutos), assas­ reviravolta inesperada provocada por Deus
sinato”. Muda o resto, dirigindo a parábola, em favor do inocente perseguido, faz ple­
nao ao povo, mas aos dirigentes. Urna pa­ no sentido aplicada a Jesús. Os arquitetos
rábola pode digerir detalhes inverossímeis guias do povo excluem Jesús como impres-
MARCOS
166 12,2
— Um homem plantou unía vinha, a O trib u to a C é sa r (M t 22,15-22; Le
rodeou com urna cerca, cavou um la­ 20,20-26) — 13A seguir, enviaram-lhe
gar e construiu urna torre; arrendou-a alguns fariseus e herodianos para apa-
para uns agricultores e partiu. 2Na co- nhá-lo ñas palavras. 14A proxim am -se e
lheita, enviou um servo aos agriculto­ lhe dizem:
res para cobrar sua parte do fruto da — Mestre, consta-nos que és veraz e
vinha. 3Eles o agarraram, o espancaram nao fazes preferencias, pois náo és par­
e o despediram sem nada. 4Enviou-lhes cial; pelo contràrio, ensinas sinceramen­
um segundo servo; feriram-no na ca- te o caminho de Deus. E lícito pagar
beça e o injuriaram. 5Enviou um tercei- tributo a César ou náo? Pagam os ou
ro, e o mataram. Enviou muitos outros: nao?
a uns espancaram, a outros mataram. 15A divinhando sua hipocrisia, dis-
6Sobrava-lhe um, o seu filho querido, e se-lhes:
o enviou por último, pensando que res- — Por que me tentáis? Trazei-me um
peitariam seu filho. 'M as os agriculto­ denário, para que o veja.
res disseram entre si: é o herdeiro. Va­ 16Levaram-no, e pergunta-lhes:
mos matá-lo, e a herança será nossa. — De quem sao esta imagem e esta
8Entáo o mataram e o jogaram fora da inscrigáo?
vinha. 9Pois bem: que fará o dono da Respondem-lhe:
vinha? Virá, acabará com os agriculto­ — De César.
res e entregará a vinha a outros. 10Náo 17E Jesús replicou:
lestes aquele texto da Escritura: A pe- — Entáo devolvei a César o que é de
dra que os arquitetos rejeitaram se tor- César, e a Deus o que é de Deus.
noua pedra angular; 11é o Senhor quem E ficaram surpresos com sua resposta.
o fe z e nos parece um milagrel
12Tentaram prendê-lo, pois compreen- Sobre a ressurreigáo (M t 22,23-33; Le
deram que a parábola era sobre eles. 20,27-40) — 18Aproximaram-se alguns
Mas, com o temiam o povo, deixaram- saduceus (que negam a ressurreigáo) e
no e se foram.
lhe disseram:

tável para a sua construgáo; mas ele se con­ nificava no campo económico a submissáo
verte em base da nova construgáo (por sua política ao imperador. A imagem de César
ressurreigáo). Será a agao clara de Deus.
na moeda cunhada multiplicava sua presen-
12,13-17 A pergunta é urna armadilha ga e circulava na vida econòmica cotidiana
para desacreditar Jesús como colabora­ do país. Além disso, a moeda ostentava
cionista, ou denunciá-lo como revoltoso. símbolos do culto imperial. A efigie de
Armadilha em forma de dilema, “o ho­
Tibério trazia uma inscrigáo que o identifi­
mem que adula seu companheiro estende cava como “divi Augusti filius”. A imagem
urna rede a seus passos” (Pr 28,23; 29,5). de Deus estava terminantemente proibida,
Mas a armadilha está dissimulada, recober- e a imagem de reis judeus tradicionais nun­
ta de corteses adulagoes: “verniz que co_
ca foi usada em moeda (foi usada pelos
bre a louca sao os lábios que adulam com Asmoneus e pela familia de Herodes). A
má intengáo” (26,23). Dada a má inten­ única imagem de Deus é o homem.
gáo, os louvores soam como hipocrisia. Eles disseram “pagar”, Jesús responde
Os fariseus aceitavam resignados o im­ “devolver”. A frase de Jesus, por sua for­
pèrio e seus tributos como castigo divino
ma lapidar e por sua amplidáo indife-
que cessaria por agao do Messias. Os par- renciada, tornou-se proverbial e aplicável
tidários de Herodes aceitavam o status quo. a múltiplas situagóes.
Fariseus e herodianos náo costumavam 12,18-27 Os saduceus se baseiam na le-
concordar entre si; só se unem contra o gislagáo (Dt 25,5) para propor um caso di­
inimigo comum (3,6). O partidarismo se vertido que ponha em ridículo a crenga na
condena e cega no julgamento (Pr 24,23;
ressurreigáo. Sao eles que caem no ridí­
Jó 13,8.10; 32,21). O tributo a César sig­ culo (Pr 29,9), ao mostrarem que náo en-
12,31 167 MARCOS

— 19M estre, Moisés nos deixou es­ sarça? Deus lhe diz: Eu sou o D eus de
crito que quando alguém morrer sem Abraáo, o D eus de Isaac, o D eus de J a ­
fdhos, seu irmáo case com a viúva, para co. 27Náo é um Deus de mortos, mas de
dar descendencia ao irm áo defunto. vivos. Estais muito enganados.
20Havia sete irmáos: o prim eiro casou
e morreu sem descendencia; 21o segun­ O preceito mais im portante (M t 22,
do tomou a viúva e morreu sem des­ 34-40; Le 10,25-28) — 28Um letrado
cendencia; a mesma coisa o terceiro. que ouviu a discussáo e apreciou o acer­
22Nenhum dos sete deixou descenden­ tó da resposta, aproximou-se e lhe per-
cia. Por último morreu a mulher. 23Na guntou:
ressurreigao [quando ressuscitarem], de — Quai é o mandamento mais im ­
qual deles ela será mulher? Pois os sete portante?
casaram com ela. 29Jesus respondeu:
24Jesus lhes respondeu: — O mais importante é: Escuta, Israel,
. -— Estáis enganados, pois nao enten- o Senhor nosso Deus é um só. 30Amarás
deis a Escritura nem o poder de Deus. o Senhor teu Deus com todo o cora-
^Q uando ressuscitarem da m orte, ho- çâo, com toda a alma, com toda a men­
mens e m ulheres nao casaráo, mas se- te, com todas as tuas forças. 310 segun­
ráo no céu como anjos. 26E a propósito do é: A m a rá s o p ró xim o com o a ti
de que os mortos ressuscitaráo, nao les­ mesmo. Náo há mandamento maior do
tes no livro de M oisés o episodio da que estes.

tendem as coisas mais elementares acerca O argumento da Escritura tinha força


de Deus, do destino humano, da Escritura. para aqueles ouvintes. A frase final con­
Os saduceus, seguindo a velha tradicao, cluí lapidarmente. Vejamos o correlativo.
nao admitiam outra vida (Jó 14,19 e ou- Os israelitas podiam chamar Yhwh de
tros); nem a liam na Escritura nem aceita- “nosso Deus”, porque era “seu Deus”; tam­
vam urna tradicao oral. Nisso eram con­ bém o individuo no singular. Mas os mor­
servadores. Os fariseus, seguindo a nova tos nao podiam invocar o “nosso Deus”
tradigáo (Dn 12,1; e o testemunho de 2Mc (p. ex. SI 88,11-13); náo era o Deus deles.
7) acreditavam em outra vida e na ressur- Em contraste com a crença geral se léem
reigáo, e imaginavam-na como um retor­ os vislumbres de SI 16,11; 17,15; 73,23-
no á vida em condigóes de total bem-estar. 28. Em outras culturas circundantes, ima-
O caso está artificial e engenhosamente ginavam a existéncia de deuses do reino
construido sobre a base da lei do levirato, dos mortos (Nergal, Plutáo etc.). O Pai de
que procurava assegurar a descendéncia de Jesús é Deus de mortos só para que ces-
um defunto sem filhos e, com isso, aco- sem de estar mortos.
lher uma viúva. Se os sete irmáos ressus- 12,28-34 A este letrado, provavelmente
citam, voltará a mulher ao primeiro para do partido farisaico, agradou a vitória de
dar-lhe um filho e conservar seu nome? sua crença na defesa de Jesús. Aborda-o
Os outros tém garantida a descendéncia? bem disposto. No AT há decálogos, do-
A conclusáo é que a lei do levirato desa­ decálogos, listas de preceitos, códigos le­
credita, ridiculariza a idéia da ressurrei- gáis, decisóes de jurisprudéncia. Regula-
gáo e aos que créem nela, também a Jesús. vam a conduta do israelita observante. A
Jesús afirma a ressurreigáo, baseada no tradiçâo rabínica contou até 613 preceitos,
poder e na fidelidade de Deus (Ex 3,6.15- 365 proibiçôes e 248 mandatos. Era pre­
16). Náo apela a uma imortalidade natural ciso sabé-los todos para cumprir todos?
da alma, mas ao poder vivificante de Deus. Podiam ser sintetizados e reduzidos a pou-
Mas náo consistirá num prolongamento ou cos capítulos? A um só? Essa pode ser a
repetigáo da vida terrena. Visto que já náo força de “o primeiro”, que engloba tudo.
morrem, náo fará falta a geragáo para per­ Em vez de um, Jesús propôe dois, com­
petuar o nome. Pela comparagáo com os binando Dt 6,5 com Lv 19,18. O primeiro
anjos e o lugar celeste, está claro que Je­ é recitado pelos judeus diariamente várias
sús fala da ressurreigáo gloriosa dos justos. vezes; o segundo deve ser sujeitado forte-
MARCOS 16 8 12,32

320 letrado lhe respondeu: ta-te à minha direita, aléque eu faça ■


— Muito bem, Mestre; o que dizes é de teus inimigos estrado de teus pés.
verdade: ele é um só, e nao há outro 370 próprio Davi o chama Senhor: co­
fora dele. 33Amá-lo com todo o cora- mo pode ser filho dele?
çâo, com toda a inteligéncia e com to­ A numerosa multidáo oescutava com
das as forças, e amar o próximo como prazer. 38E ele, instruindo-os, disse:
a si mesmo vale mais do que todos os — Cuidado com os letrados. Gostam
holocaustos e sacrificios. de passear com largas túnicas, que os
34Vendo que havia respondido com saúdem pela rúa, 39dos primeiros assen-
sensatez, Jesús lhe disse: tos ñas sinagogas e dos melhores luga­
— Nâo estás longe do reino de Deus. res nos banquetes. 40Com pretexto de .
E ninguém mais se atreve u a fazer- longas oraçôes, devoram as proprieda-
lhe perguntas. des das viúvas. Receberâo sentença
35Quando ensinava no templo, Jesús mais severa.
tomou a palavra e disse:
— Com o dizem os letrados que o A oferta da viúva (Le 21,14) — 41Sen-
M essias é filho de Davi? 36Se o pròprio tado diante do cofre do templo, obser-
Davi disse, inspirado pelo Espirito San­ vava como as pessoas punham moedi-
to: Disse o Senhor ao meu Senhor: Sen- nhas no cofre. M uitos ricos punham

mente ao primeiro, para que nao se des­ conta com a opiniáo común de que Davi
cuide. Ao acrescentar que “nao há outro seja o autor do salmo e que fale inspirado,
maior”, implica que qualquer preceito deve com autoridade divina. A comunidade cris­
submeter-se aos dois primarios. Joáo dis­ ta deu a Cristo o título de Kyrios. Dada a
serta sobre a vinculagáo de ambos (lJo tendéncia do evangelista, temmuita força
3,11-24; 4,20-21). Quem os cumpriu a nao o que a aprovaçâo do povo apresenta, em
ser Jesús? Quem os cumpriu como Jesús? contraste com a atitude das autoridades.
O letrado está de acordo e alude a outros 12,38-40 A maneira de conclusáo, o
textos da Escritura (talvez Dt 4,35 ou Is 45, narrador reúne algumas críticas contra
21). Na escala de valores, substituí “precei- autoridades corruptas. É o que fizeram os
tos” por “holocaustos e sacrificios”, quer di- profetas reiteradamente (p. ex. Jr 21-23;
zer, a pràtica do culto. Doutrina frequente Mq 2-3). Os letrados e doutores arroga-
no AT (p. ex. Is 1,10-20; SI 50; Eclo 34-35). vam-se urna autoridade superior e exerciam
O letrado, que aceitou a soberanía de urna influéncia dominante entre o povo.
Deus na velha legislado, agora se abre ao Daí a gravidade da denuncia.
reinado de Deus, que se faz presente em O primeiro capítulo de acusaçâo é a vai-
Jesus. Desse modo, afasta-se dos letrados dade, parente da soberba, fustigada pelos
incrédulos. Para a comunidade de Marcos, Sapienciais e pelos profetas (Pr 8,13; Is
esse letrado judeu se incorpora à igreja, e 2,12). O segundo é a exploraçâo de classes
pode representar outros. indefesas (as viúvas, segundo ampia tradi-
12,35-40 Desta vez, Jesús pergunta so­ çâo, Is 1,17.23) sob pretexto de oraçôes que
bre a descendencia davidica do Messias, resultam viciadas; abusam ao mesmo tem­
apoiada na Escritura, aceita pelos expertos, po das viúvas e do culto. De modo bem dife­
identificada em Jesus pelo cegó e pela mul- rente os profetas Elias e Eliseu socorriam
tidáo (10,47-48; 11,10). “Chegam dias... as viúvas e os órfüos (IRs 17; 2Rs 4 e 8).
em que darei a Davi um rebento legítimo” Pelo tema da oraçào, esta série se prende
(Jr 23,5; 33,15); “meu servo Davi será seu ao capítulo anterior (11,17.26).
rei” (Ez 37,24). Acrescenta-se a leitura 12,42-44 Atraída pela palavra “viúva”,
messiànica de textos como Is 11,1-10; Am entra aqui esta narraçâo: episodio sucedido
9,11; SI 45 e outros. ou parábola em açào. Colocada nesse con­
Jesús quer introduzir em sentido superi­ texto próximo, irradia reflexos de contras­
or e transcendente a expressáo “Senhor” (cf. te. Seu desprendimento total ante a cobiça
SI 110,1. O grego diz ho Kyrios toi kyrioi dos outros; o último lugar ante a busca dos
mou; o hebraico Yhwh la’adony). Para isso primeiros; seu conceito puro do culto, vivi-
13,1 169 MARCOS

inuito. 42Chegou urna viúva pobre e pos indigència, pós tudo quanto tinha para
dois centavos. 43Jesus chamou os dis­ viver.
cípulos e lhes disse:
— Eu vos asseguro que essa pobre D iscu rso escatològico: R uina
viúva pôs no cofre mais que todos os do tem plo (Mt 24,1-14; Le 21,5-
outros. 44Com efeito, todos puseram 24) — !Quando saia do templo, um de
daquilo que lhes sobrava; esta, em sua seus discípulos lhe diz:

do como sacrificio da pessoa. Podemos re­ se a profecía de teor semelhante em Mi-


cordar a viúva fenicia que partilhou com quéias. Descreve urna situagáo de turbu­
Elias a última comida sua e do filho (IRs lencias sociais e é vítima de perseguigao,
17). Sobre o cofre do templo, ver 2Rs 12,5; até mesmo dos parentes, por seu ministé-
no tempo de Jesús se haviam diversificado rio profètico. Indica um termo aproxima­
os cofres, segundo o destino do dinheiro. do (em números redondos, 29,10); previne
Com essas palavras, termina o ministé- contra falsos profetas (29,8-9); apresenta-
rio público de Jesús no evangelho de Mar­ se diante de reis nativos (21—22) e de che-
cos. Quis conservar para todas as geragóes fes nativos ou estrangeiros (26; 40,2-5).
(onde se pregar o evangelho) a figura des- Usa a imagem da parturiente (4,31). Eze­
sa viúva pobre e anónima: urna ligào e urna quiel anuncia o fim próximo (7,1-12), a
denùncia. Nào precisava conhecer os 613 destruigao da cidade e do templo (cap. 9);
preceitos para cumpri-los; sabia dar a Deus denuncia os falsos profetas (13,1-16).
o que é de Deus, quer dizer, em forma de Nào vale objetar que os textos de Jr e de
duas moedinhas, toda a sua vida. Ez sao elaboragáo posterior, porque nao é
de todo certo, e porque agora nos interes-
13 Chegamos ao capítulo mais difícil sam os textos que os contemporáneos de
desse evangelho, o chamado discurso es­ Jesús liam.
catològico. Difícil, porque fala de aconte- d) Aos profetas sucedeu em sáculos pos­
cimentos futuros mal conhecidos em seu teriores a literatura escatològica e apoca­
desenvolvimento, dos quais salta audacio- líptica, criadoras de um mundo particular de
samente ao final, sem distinguir com rigor as imagens. Podemos citar o bloco de Is 24—27
perspectivas. Difícil, porque se refere a tem­ e o livro de Daniel, canteiro de alegorías
pos de crise, confusos por natureza, e tam- e incitador de especulagóes cronológicas.
bém porque emprega imagens e urna lingua- e) A isso se deveria acrescentar a litera­
gem marcada pelas alusóes enigmáticas, tura apócrifa da época, que testemunha a
reticencias enunciadas, ocultagáo tática. atualidade da literatura bíblica citada em
Para interpretá-lo no seu conjunto, te- tempos de crise.
nhamos em conta algumas observagóes. f) Toda essa literatura se presta a interpre-
a) Embora contenha alguma predigao for­ tagóes e aplicagóes variadas. Assim, pois,
mal, quer dizer, de um fato individual, a in- resulta verossímil e provável urna instru-
tencáo primeira nao é satisfazer a curiosidade gáo de Jesus a seus discípulos para a crise
de agoureiros e de seus clientes crédulos que se avizinha e para o futuro. Deve-se
(como fazem alguns adivinhos profissionais contar com urna atualizagáo das suas ins-
da Babilonia, “que observam as estrelas e trugóes para o tempo de composigáo do
prognosticain a cada mes o que vai aconte­ evangelho.
cer” (Is 47,14) e seus imitadores sem conta. Costuma-se dividir o discurso nestas
b) A formagao de atitudes é muito mais segóes: 1-2 destruigao do templo; 3-13 a
importante do que a mera informagao. Por crise; 14-23 a grande tribulagáo; 24-27 a
isso, devem-se destacar as admoestagóes parusia; 28-37 o dia e a hora.
à cautela e à vigilancia. Atitudes especial­ Composto de pegas diversas e colocado
mente necessárias em tempos de crise. neste lugar como um testamento de Jesús,
c) Já na literatura profètica se léem anún- como os de Jacó (Gn 49), Moisés (Dt 33),
cios desse tipo. Especialmente em Jeremías Tobit (Tb 13). O moribundo anuncia o fu­
e Ezequiel, profetas da grande crise do turo e dá conselhos.
exilio. Jeremías anuncia a destruigao do 13,1-2 A introdugáo póe em cena a pre-
templo (7,14); no processo seguinte, cita- digáo. O monte das Oliveiras ocupa um
MARCOS 170 13,2

— Mestre, olha que pedras e que cons- dores de parto. 9Ficai de sobreaviso.
trugoes! Eles vos entregaráo aos tribuíais, vos es-
2Jesus lhe respondeu: pancaráo ñas sinagogas, couparecereis
— Ves esses grandes edificios? Pois diante de magistrados e reispor minha
desmoronaráo, sem que fique pedra so­ causa, para dar testemunh# diante de­
bre pedra. les. 10Em todas as nagóesdeverá ser
3Estava sentado no monte das Olivei­ anunciada antes a boa noticia. nQuan-
ras, diante do templo. Pedro, Tiago, Joáo do vos conduzirem para eíregar-vos,
e André lhe perguntaram em particular: nao vos preocupéis com oque haveis
— 4Quando acontecerá tudo isso? Qual de dizer; diréis naquele momento aquilo
é o sinal de que tudo está para acabar? que Deus vos inspirar. Poisnao sereis
5Jesus comecou a dizer-lhes: vos que falareis, mas o Espirito Santo.
— Cuidado! Que ninguém vos enga- 12Um irmáo entregará seu irnao á mor-
ne. 6Muitos se apresentaráo alegando te, um pai a seu filho; filhosse levanta-
meu título e dizendo que sou eu, e enga- ráo contra pais e os mataría. 13Sereis
naráo a muitos. 7Quando ouvirdes ru­ odiados de todos por causado meu no-
mores de guerras e noticias de guerras, me. Aquele que agüentar atéofim se sal­
nao vos alarméis. Tudo isso deverá acon­ vará.
tecer, mas ainda nao é o fim. 8Pois se
levantará povo contra povo, reino contra A grande tribulagáo (Mt 24,15-28; Le
reino. Haverá terrem otos em diversos 21,20-24) — 14Quando virdes o ídolo
lugares, haverá carestías. É o comego das abominável erigido onde nio se deve

lugar importante na escatologia de Zaca­ sitivos: as penalidades sao as dores de um


rías (Zc 14,4). Fala-se do templo cons­ grande parto; a perseguigáo servirá para
truido por Herodes, o Grande, cujos res­ estender a pregagáo a todo o mundo; dian­
tos ainda hoje nos impressionam. Superior te dos tribunais, o Espirito Santo falará por
ao faustoso de Salomáo (IR s 7—8), ao vossa boca. Vejamos alguns pontos para
modesto da volta do exilio (Ag 2,2-4; Zc ilustrá-lo.
4,7; 6,13). A admiragáo do discípulo (um 13,6 Como surgem falsos profetas, exa-
pescador galileu?) provoca a predigao tamente em tempos de crise Jr 23; como
(compare-se SI 48,13-14 com a predigao raposas entre ruinas (Ez 13,4; Mq2,ll; 3,5).
de Jr 7,14; 26,6.18). “Pedra sobre pedra” 13,7-8 Guerras: nao devem temé-las (Jr
é modismo hiperbólico, cuja literalidade 30,10; Is 19,2; 2Cr 15,5-7), nem esperar
é desmentida pelo que hoje vemos. O tem­ que délas surja a libertagáo, como pensa-
plo foi destruido no ano 70 pelo fogo. Po- vam os zelotas.
rém, a destruigáo do templo é anunciada Terremotos e carestías: Am 8,8; Ag 2,7;
como algo mais do que um acontecimen- At 11,28; o terremoto escatológico: Zc 14,
to histórico particular: tantos templos fo- 4-5. As dores de parto: de urna nova era:
ram destruidos! A presenga de Deus bre­ Os 13,13; Jo 16,21-22; Ap 12,2.
vemente vai mudar de lugar. 13,9-10 Perseguigóes (2Cor 11,24-25),
13,3-13 Muda o cenário e limita-se o documentadas nos Atos; anúncio univer­
número de interlocutores. A pergunta é sal (Mt 28,19).
dupla e pressupóe urna pluralidade de fa- 13.11 Como Estéváo diante do tribunal
tos: “essas coisas, tudo isso”; transborda a (At 7).
predigao sobre o templo. Os interlocutores 13.12 Discordias (Mq 7,6); desfazendo
querem conhecer a data e um sinal ime- a concordia anunciada por MI 3,24-25.
diato que avise da sua iminéncia. O verbo 13,14-23 A grande tribulagáo está in-
grego pode significar cumprir-se ou aca- troduzida por urna alusáo verbal a Dn 9,27;
bar-se, levar a cabo (syntelesthai). 11,31 e 12,11, textos que se aclaram em
A crise incluirá: aparigáo de falsos mes- lM c 1,54: profanagáo do altar com urna
sias, calamidades históricas e naturais, ara estranha ou com um ídolo por ordem
perseguigóes. Incluirá também fatores po- de Antíoco Epífanes. O texto acrescenta
13,27 17 1 MARCOS

(o leitor que o entenda), entáo os que está aquí ou ali, nao lhe deis atengáo.
viverem na Judéia escapem para os 22Pois surgiráo falsos messias e falsos
montes. 15Aquele que estiver no terra­ profetas, que faráo sinais e prodigios, a
do nao desga nem entre em casa para ponto de enganar, se fosse possível, os
recolher alguma coisa; 16aquele que se escolhidos.
encontrar no campo, nao volte para re­ 23Quanto a vos, estai atentos, pois vos
colher o manto. preveni.
17Ai das grávidas e das que amamen-
tam naqueles dias! 18Rezai para que nao A parusia (Mt 24,29-31; Le 21,25-28)
acóntela no invernó. 19N aqueles dias — 24Naqueles días, depois dessa tribu-
haverá urna tribulaqáo táo grande co­ lacáo, o sol escurecerá, a lúa nao irra­
mo nunca houve desde que D eus criou diará seu esplendor, 25as estrelas cairáo
o mundo até hoje, nem haverá. 20Se o do céu e os exércitos celestes tremeráo.
Senhor nao abreviasse aquela etapa, 26Entáo veráo chegar o Filho do Ho-
ninguém se salvaría. Mas, em atengáo mem numa nuvem, com grande poder
aos que escolheu, será abreviada. 2,En- e majestade. 27Entáo enviará os anjos e
táo, se alguém vos disser que o Messias reunirá os escolhidos dos quatro ven-

quase um aviso, urna chamada de atengáo (cf. Dn 13,1-3). A incerteza deve alimen­
ao leitor, para que o entenda em código. tar a vigiláncía.
Quer dizer-lhe que nao tome ao pé da le­ 13.24-27 O fato da parusia ou vinda do
tra a citagao? ou que a veja cumprida num Messias se afirma de modo transparen­
acontecimento próximo? ou num futuro te; todo o resto é opaco. Primeiro a da­
indefinido? A referencia à Judéia parece ta. Marcos, que gosta tanto da ligagáo “lo­
definir o cenário, a nao ser que equivalha go” (euthys), usa aquí um vago “naqueles
à imagem de territorio povoado. Hoje nao días”, fórmula corrente nos profetas para
temos dados para averiguar a que se refe­ indicar um futuro indefinido. Os outros sao
ría o discurso primitivo: o que a tradigáo motivos próprios da apocalíptica e textos
transmitía, ou o que Marcos recolheu. afins.
Costuma-se aduzir à tentativa do impera­ 13.24-25 Comegando pela perturbagáo
dor Calígula de instalar sua estátua no tem­ estelar (Is 13,10; 24,23; 34,4), que se pode
plo de Jerusalém (ano 39/40). considerar como testemunho cósmico do
A fuga em tempo de perigo extremo nós fato. As estrelas sao o exército celeste que
a conhecemos por textos de gènero dife­ cumpre as ordens do Senhor (cf. Eclo 43,
rente (Is 48,20; Jr 4,29; SI 11,1; 55,8-9), e 9-10).
a fuga no tempo dos Macabeus (lM c 2,28; 13.26 A “figura humana” que sobe ao
2Mc 5,27). “As grávidas e as que amamen- céu numa nuvem (em Dn 7,13-14), desee
tam”: pela difículdade da fuga e pela an­ agora entre nuvens, ostentando o poder
gùstia acrescentada; nao porque expostas universal e perpétuo recebido do Altís-
à sanha do inimigo (2Rs 15,16; Os 14,1). simo. O texto de Daniel identifica depois
“Como nunca houve nem haverá” é hi­ a “figura humana” com “o povo dos san­
pérbole proverbial (cf. Dn 12,1). O tema tos do Altíssimo” (7,18-27), ou seja, a co-
da abreviagáo do tempo se lé em apoca- munidade judaica fiel. O NT e a tradigáo
lipses nao canónicos. Por outro lado, a sal- crista a identifican! com o Messias Jesús.
vagáo em atengáo aos escolhidos já está 13.27 A reuniáo dos eleitos se lé na es-
presente no grande diálogo de Abraáo com catologia de Isaías (Is 27,12-13; cf. Zc 2,
Deus: “Longe de ti fazer tal coisa! Matar 6.10; Dt 30,4).
o inocente com o culpado” (Gn 18,23-33). Em conclusáo, a parusia se propóe como
13,21-23 Retoma, variando, o tema do fato cósmico, histórico (naqueles días),
v. 5, formando assím urna inclusilo de to­ transcendente (poder, majestade), univer­
dos os preparativos antes da parusia. Em sal. A tradigáo crista é unánime em espe­
lugar de oferecer-lhes um sinal indubitável, rar a “vinda” de Jesús Cristo e afirma que
os previne dos enganos que seráo muitos será “gloriosa”.
MARCOS 172 13,28

tos, de um extremo da terra a um extre­ pertos, poijue nao conheceis o día nem
mo do céu. a hora! 'i como um homem que, ao
ausentarle sua casa, a confiou a seus
O dia e a hora (Mt 24,32-44; Le 21,29- servos, reprtindo as tarefas, e encarre-
33) — 28Aprende¡ o exemplo da figuei- gou o porttiro de vigiar. 35Assim, pois,
ra: quando os ramos ficam tenros e as vigiai, potjue nao sabéis quando vai
folhas brotam, sabéis que a primavera chegar o dio da casa: ao anoitecer, ou
está próxima. 29Também vos, quando à meia-noí;, 0u ao canto do galo ou de
virdes acontecer isso, sabei que está pró­ manhá; 36pja que, ao chegar de repen­
ximo, ás portas. 30Eu vos asseguro que te, nao vossirpreenda adormecidos. 370
nao passará esta geracáo antes que acon- que vos digo, eu o digo a todos: Vigiai!
teca tudo isso. 31Céu e terra passaráo, mi-
nhas palavras nao passaráo. 32Quanto Conpiò para matar Jesús (Mt
ao dia e à hora, ninguém os conhece. 26,1-5; Le 22,ls; 11,45-53)— 'Fal-
Nem os anjos no céu, nem o Filho; só o tavam doisfas para a Páscoa. Os sumos
Pai os conhece. 33Aten<jáo! Estai des- sacerdotes t os letrados procuravam

13,28-37 Sobre a data dos acontecimen- fórmula “aq«;ie dia” é típica de anuncios
tos futuros, a última segáo nos deixa na profé ticos, entre os quais sobressai Sf 1,15
incerteza. Partimos da repetigáo, forman­ (“dies irae dksHla”); Zc 14,7 diz que “será
do inclusáo marcada, de “essas coisas” e conhecído deYhwh”. “O Filho” é o Mes-
“tudo isso” (13,4). Todas essas coisas sao sias em sua ctndígáo humana e sua missào
os fatos que precedem a parusia e indicam histórica delimitada. Contudo, a formula-
sua proximidade. O problema é que “tudo gao correlativa 0 Filho-o Pai, é extraor­
isso”, inclusive a grande tribulagáo, sao dinària.
descricóes bastante genéricas, modeladas Conclusàode tudo é um convite a vigiar
por citagnes e alusóes. A comparagáo ve­ como atitude básica do cristáo. A breve pa­
getal sugere um processo imánente da his­ rábola procun sublinhá-lo com os deta-
toria; sugere também que a parusia traz Ihes gráficos do porteiro sonolento: “guar­
urna primavera como o parto doloroso traz das caídos, amigos do sono” (cf. Is 56,10).
urna nova vida? Compare-se com o orá­ Servos, patráce casa apontam para a co­
culo de Is 18,5: “Pois que antes da colhei- munidade crisa. A nova páscoa inaugura
ta, ao chegar o fim da florada, quando a para o cristáo uma noite de vigilia (Ex
flor se transforma em uva verde...”. E um 12,42), até queimanhega o dia da parusia.
tempo concreto, mas nao rigorosamente
preciso. Ezequiel anunciara a iminéncia da 14—15 Paraler e interpretar estes capí­
desgraga: “o fim chega, chega o fim, esprei- tulos, serviráo algumas observagóes. a) Os
ta-te, está chegando” (Ez 7,5 no contexto); discípulos quiseram conservar a recorda-
e o povo cagoava da demora: “passam dias gáo de um fato, à primeira vista inespera­
e dias e nao se cumpre a visáo” (12,22). do e inexplicável, mas que nao se deve
13.30 Este v. parece refletir a atitude da esquecer como se fosse episodio vergo-
comunidade que espera uma parusia pró­ nhoso: “algo qje nao pode ser descrito,
xima; atitude própria da primeira geragáo algo inaudito” (is 53,3); “loucura e sem-
crista (documentada p. ex. em 2Ts). sentido era aos olhos dos pagaos” (cf. ICor
13.31 A expressáo enfática equivale á 1,23). b) A paixáo de Jesús responde a pre-
concessiva, “ainda que passem...” (como digóes ou figuras do AT, em particular a
em Is 54,10; Jr 31,35-36). Um salmo fala figura do inocente perseguido, que culmi-
do céu e da térra: “eles pereceráo, tu per­ nam em Is 53 e SI 22. c) Dai se segue cer­
maneces” (SI 102,27), ao passo que Is 40,8 to interesse apologético, isto é, de repartir
garante que “a palavra de Deus se cumpre responsabilidades para afirmar a inocen­
sempre”. cia do acusado, como em salmos de súpli­
13,32-37 Como se quisesse corrigir o ca (7; 17 etc.) d) O sentido teológico da
que precede, ou ao menos evitar interpre- paixáo é táo importante quanto o fato: é
tagóes demasiado precisas e confiadas. A preciso inserir a paixáo no plano do Pai
14,5 173 MARCOS

upoderar-se dele com algum estratage­ chegou uma mulher com um frasco de
ma e m atá-lo. 2M as diziam que nao perfume de nardo puro, muito caro. Que-
devia ser durante as festas, para que o brou o frasco e o derramou na cabera
povo nao se amotinasse. dele. 4Alguns comentavam indignados:
— Para que esse desperdicio de per­
Ungáo em Betánia (Mt 26,6-13; Jo 12, fume? 50 perfum e poderia ser vendido
1-8) — 3Estando ele em Betánia, con­ por trezentos denários, para dá-los aos
vidado em casa de Simáo, o leproso, pobres.

para que adquira sentido. A comunidade cando a guarnigáo romana). A Páscoa era
medita para compreender o sentido de um tempo de grande aglomeragáo em Jerusa-
fato táo misterioso: “eu meditava para lém e ás vezes de exaltagao popular. A in-
entendc-lo, mas era-me muito difícil, até tengáo dos chefes vai esmagar-se contra
que entrei no mistério de Deus” (SI 73,16- os planos de Deus, que já fixou a data de
17), para ir elaborando sua cristologia e uma nova páscoa.
cclesiologia, para configurar a liturgia. O relato continua logicamente com a
Esforgo que se cristaliza tanto nos relatos oferta de Judas (10-11). No meio se insere
evangélicos como na proclam ado primi­ uma cena de contraste.
tiva e ñas exposigóes doutrinárias das car­ 14,3-11 Simáo, o leproso, quer dizer,
tas. A elaboragáo narrativa, com a seqüén- curado de uma doenga notoria da pele;
cia de episodios, precede em boa parte os seria um personagem conhecido na comu­
evangelhos escritos. nidade que transmite o fato. Uma mulher,
Dado o estilo despojado dos relatos, de- aquí anónima, irrompe na sala do banque­
ve-se prestar atencáo em qualquer detalhe, te, contra as normas vigentes. Embora o
que pode ser intencional e significativo. perfume acompanhe de ordinàrio os ban­
Em particular, quando lemos o relato de quetes (Am 6,6), o que a mulher oferece é
Marcos, temos de tomar precaugóes. Es­ exorbitante: com sua homenagem quer
tamos acostumados a 1er o relato da pai- expressar o quanto aprecia o hospede.
xáo nos quatro evangelhos, dos quatro Para entender o protesto de alguns co-
tiramos um relato unificado. Depois descar- mensais e a defesa de Jesús, vamos remon­
regamos os materiais do conjunto em cada tar-nos ao livro de Tobias, no qual se re-
evangelho. Estamos por demais habituados comenda reiteradamente a esmola e se póe
a 1er obras que amplificam o relato, bus­ em primeiro plano o enterrar os mortos. A
cando a coeréncia dos dados, analisando os mulher tomou parte, à sua maneira e por
motivos das acóes, entrando na psicología antecipagáo, no sepultamento de Jesús;
dos personagens, preenchendo lacunas. Isto para a esmola haverá tempo. “Nao falta-
que temos lido o temos meditado e assi- ráo pobres”, diz Dt 15,11, e o contexto o
milado. Aconseqiiéncia é que nao consegui­ explica; por vossa mesquinhez, por náo
mos 1er com atitude aberta e disponível o cumprirdes o mandamento de Deus; se o
relato individual. Faz falta, portanto, um cumprísseis, nao haveria pobres (15,1).
esforgo para apreciar separadamente cada Jesús afirma seu conhecimento da pai­
relato da paixáo. Isso nao tira o valor das xáo e morte próxima e da pregagáo futura
reconstrugóes do conjunto histórico ou na Igreja. O obséquio prestado à pessoa
das meditagóes guiadas pela fé. de Jesus e a fama divulgada dos que lhe
sao fiéis seráo norma pràtica da comuni­
14,1-2 Sobre a data exata, a crítica nao dade.
chegou aínda a uma solucáo comumente 14,5 Trezentos denários é o salàrio de
aceita. A expressáo grega pode significar trezentos dias de um operário. E preciso
também “no segundo dia”, ou seja, “no dia comparar essa generosidade com o pa-
seguinte” (cf. 8,31). Tomam a iniciativa radoxal desperdicio da viúva pobre (12,
dois grupos restritos, os mesmos de 10,33 41-44). O perfume de nardo em contexto
e 11,18. O narrador tem o cuidado de amoroso (Ct 1,12). Rompendo o frasco ex-
separá-los do “povo”, que poderia alvoro- pressa o dom total, sem reservas, como é
gar-se ou amotinar-se com o fato (provo- o amor.
MARCOS 174 14,6
E a repreendiam. 6M as Jesús disse: — Ide á cidade e vos sairá ao encon­
— Deixai-a. Por que a aborrecéis? tró um homem carregando um cántaro
Ela fez urna boa obra para comigo. 7Po- de água. Segui-o, 14e onde ele entrar,
bres sem pre tereis entre vós e podéis dizei ao dono da casa: 0 Mestre per-
socorré-los quando quiserdes; a mim gunta onde está a sala em que vai co­
nem sem pre tereis. 8Ela fez o que po­ m er a ceia da Páscoa com seus discípu­
día: antecipou-se para ungir meu cor- los. 15Ele vos mostrará um saláo no piso
po para a sepultura. 9Eu vos asseguro superior, preparado com divas. Prepa-
que, em qualquer lugar do m undo onde rai-a para nós nesse lugar.
for proclamada a boa noticia, será men­ 16Os discípulos saíram, dirigiram-se
cionado tam bém o que ela fez. á cidade, encontraram o que lhes havia
l0Judas Iscariot, um dos doze, dirigiu- dito, e prepararam a ceia da Páscoa.
se aos sum os sacerdotes para entregá- 17Ao entardecer, chegou com os doze.
lo. n Ao ouvir isso, eles se alegraram e 18Puseram-se á mesa e, enquanto co-
prom eteram dar-lhe dinheiro. E ele co- m iam, Jesús disse:
megou a procurar urna oportunidade — Eu vos asseguro que um de vós
para entregá-lo. vai me entregar, um que come comigo.
19Consternados, comegaram a per-
Páscoa e Eucaristía (Mt 26,17-35; Le guntar-lhe um por um:
22,7-20.31-34; Jo 13,21-30.36-38) — — Sou eu?
12No primeiro dia dos ázimos, quando 20Respondeu:
se im olava a vítima pascal, os discípu­ — Um dos doze, que molha o pao
los lhe dizem: comigo na travessa. 2‘Este Homem se
— Onde queres que vamos preparar vai, como está escrito sobre ele; mas ai
para ti a ceia da Páscoa? daquele por quem este Homem será
13Ele enviou dois discípulos, encar- entregue! Seria melhor esse homem nao
regando-os: ter nascido.

14,6-7 Jesús póe-se do lado da mulher que nao aconteceu. Digo: meu designio se
insultada pelos comensais. Marginaliza cumprirá, realizo minha vontade” (Is
dessa forma os pobres? Nao. Se os comen- 46,10; cf. 41,27; 42,9; 43,12; 44,7-8; 45,
sais tivessem a mesma atitude da mulher, 21). O carregador de água (um escravo?),
os pobres receberiam ajuda. O texto alu­ confere realismo á cena; sem sabé-lo ser­
dido (Dt 5,1-11) denuncia a mesquinhez. ve de guia, guiado de longe por Jesús. O
14,10-11 Em forte contraste, a traigáo “dono da casa”, que reconhece Jesús como
de Judas. Insinua-se o motivo do dinhei­ o Mestre, já tinha preparado a sala. O res­
ro; mas o que impressiona o narrador é que tante sao os discípulos que preparam, se­
seja “um dos doze”. A traigao do amigo é gundo o costume (o narrador supóe que
particularmente odiosa e dolorosa (SI os detalhes sejam conhecidos).
55,13-15; Eclo 6,8-13). 14,17-21 De novo transparece o saber e
14,12-16 De novo tropegamos no pro­ o dominio tranquilo de Jesús. Ele conhece
blema da data: temos de seguir os sinó- a traigáo e o traidor: admite-o á mesa con­
ticos, que situam a cena na noite da Pás­ sigo, deixa-o molhar o pao no mesmo pra-
coa (14 de Nisá), ou Joáo, que faz coincidir to; denuncia o fato, revela o culpado, co­
a morte de Jesus com a hora em que se loca a agáo no plano mais ampio, citando
sacrificavam no templo os cordeiros pas- um versículo da Escritura, que soa assim:
cais? A solugáo afeta o caráter ordinàrio “Até meu amigo, em quem eu confiava e
ou pascal da cena. Por ora nao temos res- partilhava do meu pao, sobressai em trair-
posta certa nem convergencia de opinioes. me” (SI 41,9, súplica de um pobre doente
Como em 11,1-6, Jesus conhece e diri­ perseguido e atraigoado); partilhar o ali­
ge tudo de antemáo. Como o Senhor na mento cria e expressa familiaridade (“com-
pregagáo do Isaías do exilio: “De antemáo panheiro” deriva de “cum-pane”). Tam­
eu anuncio o futuro, antecipadamente, o bém está anunciada a sua morte (talvez em
14,32 175 MARCOS

i 22Enquanto ceavam, tomou um pao, dispersaráo. 28Mas quando ressuscitar,


pronunciou a bèngào, o partiu e o deu, irei diante de vós para a Galiléia.
dizendo: 29Pedro lhe respondeu:
— Tomai, isto é o meu corpo. — Ainda que todos tropecem, eu náo.
| 23E tom ando a taga, pronunciou a 30Jesus lhe diz:
agáo de gracas, deu-a, e todos beberam — Eu te asseguro que hoje mesmo,
déla. 24Disse-lhes: nesta noite, antes que o galo cante duas
i — Este é o meu sangue da alianga vezes, me terás negado très.
que se derrama por todos. 25Eu vos as- 31Ele insistía:
seguro que nao voltarei a beber do pro- — Ainda que deva m orrer contigo,
duto da videira até o dia em que o be­ náo te negarei.
ber de novo no reino de Deus. O mesmo diziam os outros.
26Cantaram o hiño e saíram para o
monte das Oliveiras. 27Jesus lhes diz: Oraçâo no horto (Mt 26,36-46; Le 22,39-
— Todos tropezareis, como está es­ 46) — 32Chegando ao lugar chamado
crito: Ferirei o p astor e as ovelhas se Getsémani, ele diz a seus discípulos:

Is 53); “está escrito a meu respeito que ce. Com esse sangue sacrificai, sela-se a
deverei cumprir tua vontade” (SI 40,4-5). nova alianga (Ex 24,8 e Jr 31,31-33), san­
O “ai” é forma típica da literatura profèti­ gue do Homem, náo de um animal; os
ca (cf. Is 1,4, “filhos degenerados”). Me- apóstolos comegam a constituir o povo da
lhor nao ter nascido: é urna forma corren­ nova alianga. Pào e vinho, alimento dessa
te para detalhe extremo: “desejarás nào ter nova juventude (Zc 9,11).
nascido, amaldigoarás o dia em que viste O banquete presente prefigura o celes­
a luz” (Eclo 23,14; cf. em outro sentido Jó te, portanto a morte nào será o firn. “O
3; Jr 20). Apesar de tudo, Deus lhe conce- Senhor oferece neste monte a todos os
deu existència e liberdade, mas o engajou povos um banquete de manjares suculen­
em seu designio. tos, um festim de vinhos envelhecidos” (Is
14,25-26 Discute-se, sem chegar a um 25,6). Ao ler as breves linhas de Marcos,
acordo, se a ceia foi ou nao pasca! em sen­ contemplamos a comunidade que nos
tido estrito. A favor estào a tríplice men- transmite o fato com suas próprias pala-
gáo de “páscoa”, o contexto próximo e o vras e sua celebragào.
canto do hiño no final. O problema da data 14,27-31 Depois do anúncio da traigào,
e a ausencia completa do cordeiro fazem o anúncio da desergào. Todos vào trope-
duvidar. gar e cair, porque nào entendem o misté-
Diríamos que Marcos despojou o relato rio. Mas é certa a ressurreigào, e entáo o
para deixá-lo no que considera essencial. pastor guiará suas ovelhas para a Galiléia
“Enquanto ceavam” indica novo comego (16,7). A citagào de Zc 13,11 ilumina a si-
(talvez relato indepcndente em sua ori- tuagào com a imagem rica do pastor. Os
gem). Tomar pao, abengoar e partir sao comensais no banquete falharào no peri-
gestos comuns, que competem ao pai de go (cf. Eclo 12,9; 37,4). Pedro pretende
familia ou a quem preside. Jesus nao come, ser excepcional, e a presungào agravará a
ele reparte; e explica o gesto com urna defecgào: “Eu dizia tranqiiilo: jamais va-
palavra inaudita. Dá-lhes seu corpo em cilarei” (SI 30,7).
forma de pào, e pelo pao do seu corpo ele 14,32-42 Desta vez Marcos deixa asso-
os in-corpor-a. A segunda parte é comum mar algo da intimidade de Jesus. Na ora-
no gesto, é mais explícita e náo menos gáo “derrama o coragào” (SI 62,9; 142,3).
inaudita na explicagào. Meu sangue: sede Soam dois pedidos e a invocagào do Pai-
e portador da vida: “o sangue é a vida” nosso: faga-se tua vontade e náo sucum­
(Dt 12,23); vai ser derramado na morte por bir na prova. Em meio à solidào e ao aban­
todos, náo somente pelos judeus (Is 53,12), dono, dominado pela angùstia mortai,
e agora se dá como bebida aos presentes; Jesus fala com o Pai. Suplica, insiste, en­
e todos menos ele bebem do mesmo cáli- trega sua vontade. Teríamos de reunir
MARCOS 176 14,33

— Sentai-vos aqui, enquanto fago trou-os outra vez adomecidos, porque


oracao. tinham os olhos pesaos; e nao soube-
33Toma consigo Pedro, Tiago e Joao ram o que responder,11Voltou pela ter­
e comeqou a sentir tristeza e angustia. ceira vez e lhes diz:
34Ele lhes diz: — Ainda adormecías e descansan­
— Sinto urna tristeza mortal; ficai do! Basta! Chegou ahora. Vede, este
aqui vigiando. Homem será entregue™ poder dos pe­
35Adiantou-se um pouco, prostrou-se cadores. 42Levantai-vos! Vamos! Apro-
por térra e orava para que, se fosse pos- xima-se o traidor.
sível, se afastasse dele aquela hora.
36Dizia: A prisáo (M t 26,47-56; Le 22,47-53;
— A ba (Pai), tu podes tudo, afasta Jo 18,3-12) — 43Aiiüa estava ta la n ­
de mim essa taga. Mas nao se faga a do quando se apresenta Judas, um dos
minha vontade, e sim a tua. doze, e com ele um ¡jupo armado de
37Voltou, encontrou-os adormecidos, espadas e paus, enviado pelos sumos
e diz a Pedro: sacerdotes, pelos letrados e pelos sena­
— Simáo, dorm es? Nao foste capaz dores. 440 traidor lheshavia dado urna
de vigiar urna hora? 38Vigiai e orai para senha: Aquele que eubeijar, é ele; pren-
nao sucum birdes na prova. O espirito é dei-o e conduzi-o comcautela. 45A se­
decidido, a carne é fraca. guir aproximou-se, disse-lhe “Mestre!”,
39Voltou outra vez e orou repetindo e lhe deu um beijo. 4í0s outros o agar-
as mesmas palavras.40Ao voltar, encon- raram e o prenderam.4Um dos presen-

fragmentos de salmos para imaginarmos “Está para chegar sua hora, seu prazo nao
essa ¡ntimidade. Getsêmani é o momento demora”; e a famosa série de Ecl 3,2-8.
escolhido, porque na cruz (segundo Me) 14,36 É o cálice da iraeda amargura (Jr
Jesús pronunciará só urna palavra. 25,15-29; SI 75,9; Lm 4,21). É o cálice
Para a solidáo, SI 38,12; Jó 19,13-19: devido a Samaria e a Judá e a todos os
“meus irmáos se afastam de mim”; para a pecadores (leiam-se as violentas expres-
angustia SI 38,10-11; 55,2-6: “agito-me na sóes de Ez 23,31-34).
minha ansiedade... sobre mim caem terro­ 14,37-38 Ver a breve parábola e admo-
res mortais; medo e tremor me invadem, e estaçào de 13,34-36. Amaneira de pro­
um calafrio me envolve”; a luta interior vèrbio. Para a oposiçüode carne e espiri­
no estribilho do SI 4 2 ^ 3 : “Por que te aca- to, veja-se Is 31,3.
brunhas, alma minha, por que te pertur­ 14,41 -42 À luz do que se segue, nao faz
bas?”; a entrega ao Pai: SI 31,16 “minha sentido 1er os dois verbos como imperati­
sorte está em tua máo” e 55,23: “descar- vos, convidando ao descanso. Em máos
rega teu fardo em Yhwh”. Pode-se com­ dos pecadores: compare-se com as súpli­
parar também com a oraçâo de Moisés em cas: as garras do mastim (SI 22,21), do
Nra 11,11-12 e com a terceira Lamentaçâo, inimigo (SI 31,9; 106,10), do malvado (SI
pronunciada por urna pessoa: “Olha mi­ 37,33; 71,4).
nha afliçâo e minha amargura... estou aba­ 14,43-52 Aceña da prisáo acontece com
tido. .. E bom esperar em silencio a salva- toda a rapidez até o v. 46, com seu mo­
çâo do Senhor...” (Lm 3,19-20). mento mais intenso no beijo traidor (Pr
14,33 Sâo as très testemunhas de um 27,6; 2Sm 20,9, beijo traidor de Joab).
milagre de ressurreiçào e de transfigura- Depois seguem-se très momentos que
çâo (5,37; 9,2). amplificam a cena. Os très grupos que
14,34-36 Veja-se a expressáo de Joñas compóem o Sinedrio ou Grande Conselho
diante do fracasso (Jn 4,9). enviam um pelotáo armado.
14,35 Nao é corrente chamar isso de “a 14,47 A fútil tentativa de defesa por parte
hora”; o termo é típico de Joao (que o usa de um dos presentes é atestada pelos qua­
muitas vezes, Jo 7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; tre evangelistas e serve de contraste ao
17,1); ver também a hora trágica de Is 13,22: segundo momento, a alocuçâo de Jesús.
14,55 177 MARCOS

tes desembainhou a espada e de um gol­ Je su s d ia n te do C onselho (Mt 26,57-


pe cortou urna orelha do servo do sumo 63; Le 22,54s.63-71; Jo 18,13s.l9-24)
sacerdote. 48Jesus se dirigiu a eles: — 53Conduziram Jesús á casa do sumo
— Saístes armados de espadas e paus sacerdote e se reuniram todos os sumos
para capturar-me, como se fosse um ban­ sacerdotes com os senadores e os letra­
dido. 49Diariamente eu estava convosco dos. 54Pedro o foi seguindo á distancia,
ensinando no templo e nao me pren- até entrar no palácio do sumo sacerdo­
destes. Mas va¡ cumprir-se a Escritura. te. Ficou sentado com os criados, es-
50Todos o abandonaram e fugiram. 51Se- quentando-se ao fogo. 550 sumo sacer­
guia-o também um jovem, vestido ape­ dote e todo o Conselho procuravam um
nas com um lengol. Agarraram-no; 52mas testemunho contra Jesús, que permitisse
ele, soltando o lengol, nu escapou deles. condená-lo á morte, e nao o encontra-

14,48-49 Sao palavras de dominio e re- do-o por delito de rebeldía? Entáo sua cul­
preensáo; sugerem má consciencia nos pa foi ceder por cálculo.
exccutores ou ilegal idade no modo da exe- As razóes e as culpas dos processos con-
eugáo. Bandido: como qualquer zelota tinuam sendo debatidas e, por mais que se
revoltoso; os zclotas nao ensinam pacifi­ esforcem os investigadores, suas posturas
camente no templo. Sem pretendé-lo, o religiosas afetam o estudo. Alguns chegam
grupo armado está cumprindo a Escritura: a negar que tenha havido um processo re­
se se refere a um texto em particular, seria ligioso, ou o reduzem a um veredicto sem
o canto do servo (Is 53,7-8). valor forense. Talvez seja parte do destino
14,51-52 O terceiro momento é um enig­ humano de Jesús que a sua condenagáo e
ma. Como simples fato ilustra o ambiente execugáo continuem sem se esclarecer to­
noturno, a suspeita e confusáo do momen­ talmente e solicitem a atitude profunda de
to. Se o narrador o oferece como contras­ leitores e examinadores. Para os discípu­
te, o seguimento se opóe á fuga dos discí­ los, a condenagáo ficou incompreensível;
pulos, sua fuga á entrega de Jesús. A cena mas a ressurreigáo justificou plenamente
de José, deixando o manto ñas máos da o inocente. Para os cristáos, a ressurrei­
mulher de Putifar, oferece uma semelhan- gáo reconhecida ajudou a compreender a
ga casual. O que mais intriga os críticos condenagáo. Para os nao crentes, a conde­
sao as coincidencias na descrigáo desse nagáo continuará sendo um enigma histó­
jovem e do outro na ressurreigáo (16,5): rico, e a justificagáo se imporá na parusia.
as conseqüéncias que daí se tiram nao pas- Com essas ressalvas, escutemos Marcos
sam de conjecturas. Se nos referirmos a contando o processo religioso. Celebra-se
Am 2,14-16, a fuga desse jovem selaria a ante o Grande Conselho completo. Depois
debandada geral, pois é o sétimo e último de tenteios infrutíferos pela via dos teste-
na enumeragáo; o veloz, o forte, o solda­ munhos, o sumo sacerdote centra a ques-
do, o arqueiro, o ágil, o ginete e o soldado táo no messianismo. A partir da sua posi-
mais valente. gáo, a pergunta é capciosa: se Jesús nega,
14,53-65 De alguns mártires se conser- se desqualifica; se afirma, se comprome­
varam as atas do processo ou notas te. Jesús responde com um ato paradoxal:
taquigráficas. Dos dois processos de Je­ confessando, ele se acusa, se entrega; ci­
sús, o religioso e o civil, nao se conserva tando dois textos combinados da Escritu­
senáo o relato dos evangelistas, os quais, ra (Dn 7,13 e SI 110,1) e apropriando-se
embora desejem conservar alguns fatos deles, anuncia o triunfo posterior.
históricos, se ocupam mais dos aspectos 14,53-54 Marcos narra um processo ou
ético e teológico. Jesús é inocente e é con­ interrogatorio diante do Conselho em ple­
denado porque se arroga o título de Mes- na noite (contra a posterior lei mishnaica).
sias transcendente. E inocente e é conde­ Pedro entra em cena para um papel de con­
nado porque se faz rei e se rebela contra traste.
Roma. Tiveram razáo os judeus, condenan­ 14,55-56 Marcos dá a entender que a
do um falso Messias? Entáo a sua culpa sentenga de condenagáo está de antemáo
l'oi nao crer. Teve razao Pilatos condenan- decidida e que as testemunhas procuram
MARCOS 178 14,56

vam, 5f’pois embora muitos testemunhas- 630 sumo sacerdote, rasgando as ves­
sem falso contra ele, seus testem unhos tes, diz:
nao concordavam. 57A lguns se levan­ — Que necessidade tem os de teste­
taran! e testemunharam falso contra ele: munhas? “ Ouvistes a blasfemia. Que
— 58Nós o ouvimos dizer: Destruirei vos parece?
este templo, construido por maos hu­ Todos sentenciaram que era réu de
manas, e em très días construirei outro, morte. 65Alguns com egaram a cuspir
nao feito com maos humanas. nele, a tapar-lhe os olhos e dar-lhe bo­
59Mas tampouco nesse ponto o teste- fetadas, dizendo:
m unho deles concordava. 60E ntáo o — Adivinha!
sumo sacerdote se pos em pé no centro Também os criados lhe davam bofe­
e perguntou a Jesús: tadas.
— Nada respondes ao que estes ale-
gam contra ti? Nega^óes de Pedro (M t 26,69-75; Le
6IEle continuava calado, sem respon­ 22,56-62; Jo 18,15-18.25-27) — “ Pe­
der nada. De novo o sumo sacerdote lhe dro estava embaixo, no pátio, quando
perguntou: urna criada do sumo sacerdote, 67ven-
— Tu és o Messias, o filho do Bendito? do Pedro que se aquecia, ficou olhan-
62Jesus respondeu: do para ele e lhe disse:
— Eu o sou. Vereis o Filho do Homem — Tu também estavas com o N aza­
sentado à direita da Majestade e chegan- reno, com Jesús.
do entre nuvens do céu. 68Ele o negou:

justificá-la. Segundo a lei: “Somonte pelo aqui “Filho do Homem”, para que se en-
depoimento de duas ou tres testemunhas é tenda a condigáo transcendente que mais
que se procederá á execuqáo do réu” (Dt tarde se atribuiu á “figura humana” de
17,6; 19,15). Sobre testemunhos falsos Daniel. O trono de majestade e a vinda
pode-se recordar o episodio de Jezabel e celeste (SI 110,1; Dn 7) implicam o poder
Nabot (1 Rs 21) e os conselhos sapienciais judicial, ameaga velada para os seus juízes.
(Pr 6,19; 12,17; 14,5; 19,28). Para quem nao eré, as palavras de Jesús
14,58-59 Parece incluir dois delitos: sao blasfemia, punida com pena de morte
atentado contra o templo (Jr 26) e magia (Lv 24,16).
ou trato com poderes ocultos. Da frase 14,65 Marcos traslada a este ponto
acerca do templo diferem as formulagóes afrontas e ultrajes sucedidos em outros
(Mt 26,61; Jo 2,19; At 6,14). Na boca da momentos da paixáo. Apresenta assim a
falsa testemunha Marcos póe urna afirma- figura do servo paciente: “Ofereci as cos­
gao que resulta verdadeira num plano su­ tas aos que me batiam, a face aos que me
perior (cf. ICor 3,11.16); no novo templo arrancavam a barba, nao escondí o rosto
ele será a pedra-ehave e será obra de Deus, diante dos ultrajes e cuspidas” (Is 50,5),
nao de máos humanas. “que entregue a face a quem o fere e se
14,60-61 O silencio recorda a figura do sacie de opróbrios” (Lm 3,30).
servo: “nao abria a boca... como ovelha 14,66-72 A negagáo de Pedro, prepara­
muda diante do tosquiador” (Is 53,7) e ser­ da no v. 54, é um sofrimento a mais para
ve para provocar a pergunta do presiden­ Jesús, e ao mesmo tempo é cumprimento
te. O “Bendito” é Deus (evitando mencio- da sua predigáo. Com o testemunho va-
ná-lo); Filho de Deus é título que se pode lente de Jesús diante do Conselho, con­
dar ao Messias davídico, de acordo com trasta a covardia de Pedro diante dos ser-
2Sm 7,14 e SI 2,7; 89,27-28. vos. Marcos gradúa hábilmente a cena;
14,62-63 No contexto, “eu sou” é a res- primeiro Pedro se faz de desentendido,
posta afirmativa. Em círculos cristáos a ante a insistencia nega, atemorizado pelo
fórmula Eu sou (ego eimi, reiterado em grupo jura. “Nao o conhego” pode sci
Joáo) faz ressoar a revelagáo de Ex 3,14. semitismo, equivalente a “nao tenho trato
IVI.i referencia escatológica, traduzimos com ele” (cf. Jó 19,13). Um incidente li i

i
15,9 179 MARCOS

— Nao sei nem entendo o que dizes. lho, sum os sacerdotes, senadores e le­
Saiu para o saguáo [e um galo can- trados puseram-se a deliberar. Amarra -
tou]. 69A criada o viu, e comegou outra ram Jesús, o conduziram e o entrega­
vez a dizer aos presentes: ran! a Pilatos. 2Pilatos o interrogou:
— Este é um deles. — És tu o rei dos judeus?
70De novo o negou. Pouco tempo de- Respondeu:
pois, tam bém os presentes diziam a — E o que dizes.
Pedro: 3Os sumos sacerdotes o acusavam de
— Realmente és um deles, pois és muitas coisas. 4Pilatos o interrogou de
galileu. novo:
71Entáo comegou a proferir maldiijóes — Nao respondes nada? Vé de quan-
e a jurar que nao conhecia o homem de tas coisas te acusam.
quem falavam . 72No m esm o instante 5Mas Jesús nao lhe respondeu, com
cantou o galo pela segunda vez. Pedro grande admiragáo de Pilatos. APela fes-
recordou o que lhe havia dito Jesús: ta costum ava deixar-lhes livre um pre­
Antes que o galo cante duas vezes, me so, aquele que pedissem. 7Um tal Bar­
terás negado tres. E comeQou a chorar. rabás estava preso com os amotinados
que numa revolta haviam cometido um
Jesús diante de Pilatos (M t 27. homicidio. 8A multidáo subiu e come-
l s . l l -14; Le 23,1-5; Jo 18,28-38) <jou a pedir-lhe o costumeiro. 9Pilatos
— ’Logo ao amanhecer, todo o Conse- lhes respondeu:

vial, o canto matutino de um galo, com a ro o acusado. Centra a questáo na realeza,


lembranga da predigáo de Jesús, e Pedro como ele a entende; subentende-se que foi
passa do abismo da negagáo á libertario essa a acusagáo apresentada pelas autori­
do arrependimento. “Que se desfagam em dades judaicas. Jesús entende de outro
lágrimas nossos olhos e destilem água nos- modo, e por isso responde afirmativamen­
sas pálpebras” (Jr 9,17). te, com alguma reserva: tu o dizes, é o que
Nazareno para Jesús e galileu para Pedro tu dizes. Propriamente o título messiànico
se encaixam bem no contexto narrativo. é Rei de Israel.
Quando Marcos escreve, os judeus já cha- 15,6-15 O que se segue sao mais acusa­
mavam os cristáos de “nazarenos”. r e s que Marcos nao especifica e as quais
Jesús nao responde. Falou o bastante e
15,1-2 “Puseram-se a deliberar” pode enfrenta seu destino.
dar a impressáo de outra sessáo privada. O rei humilde e pacífico (Zc 9,9-10) que
Outros léem e traduzem: “prepararam a dá a vida (5,37-43) é contraposto a um
conclusáo do acordo”, ou “chegaram á de- homicida. Marcos quer indicar responsa­
i-isáo”. Amarram-no, como a um malfei- bilidades. Os judeus o entregaram por in-
lor perigoso, e o “entregam”. Esse verbo veja: de seu éxito, de sua influencia sobre
vem carregado de sentido: ñas predigóes o povo, talvez de seus milagres. Mas, se a
(9,31; 10,33), referido a Judas (3,19; 14,10. acusagáo nao tem fundamento, Pilatos é
11.18.21.42.44). Um dos doze “o entrega” culpado de condenar um inocente. Ambos
fts autoridades judaicas; representantes de sao culpados, pecadores, assim Jesús o
Israel (as doze tribos) o “entregam” á au- predizia: “será entregue aos pecadores”
loridade romana; Pilatos “o entrega” para (14,41).
mt crucificado (15,15). Entregue pelos Sublevada pelos chefes, a multidáo se
lie fes ao procurador romano, é como se volta contra Jesús: única vez no evange-
losse excluido e expulso do povo judeu. lho de Marcos. Recorde-se o caso de
15,3-5 Marcos é conciso, reserva dados Jeremías, acusado “por sacerdotes e pro­
pura o episodio de Barrabás. Do tema reli- fetas” de profetizar contra o templo: “o
i'loso passa-se ao político, ambos unidos povo se amotinou contra Jeremías” (Jr 26).
i" l.i idéia de um Messias rei. Segundo o Provavelmente era urna multidáo restrita
*■ lume romano, Pilatos interroga primei- e local, náo galileus. O fanatismo estala
MARCOS 180 15,10

— Quereis que vos solté o rei dos e convocaram todaacompanhia. 17Ves-


judeus? tiram -no de púrpura, trancaram urna
10Pois ele sabia que os sumos sacer­ coroa de espinhos e a colocaram. 18E
dotes o haviam entregue por inveja. comegaram a saudá-lo: Salve, rei dos
n M as os sumos sacerdotes incitaram o judeus! Batiam-lhe com o canigo na
povo para que, ao contràrio, pedissem cabega, 19cuspiam-lhe e dobrando o jo-
a liberdade de Barrabás. 12Pilatos res- elho lhe prestavamhomenagem. 20Ter-
pondeu outra vez: minada a zombaria, tiraram-lhe a púr­
— O que fago com aquele [que cha- pura, vestiram-no comsuas vestes e o
m ais] rei dos judeus? levaram para crucificar.
13Gritaram:
— Crucifica-o! M orte de Jesús (Mt 27,32-56; Le 23,
14M as Pilatos disse: 26-49; Jo 19,17-30) — 21Passava por
— M as o que ele fez de mal? a i, voltando do campo, um certo Simáo
Eles gritavam mais forte: de Cirene (pai de Alexandre e Rufo), e
— Crucifica-o! o fo rg a ra m a carregar a cruz. 22Condu-
15Pilatos, decidido a satisfazer a mul- zira m -n o ao Gòlgota (que sig n ific a Lu­
tidáo, soltou-lhes Barrabás, e, quanto a g a r d a Caveira). 230fereceram-lhe v i-
Jesús, o entregou para que o agoitas- nho co m m irra, mas ele nao o tom ou.
sem e o crucificassem. 24Crucificaram-noerepartiram sua rou-
pa, tiran d o sortes sobre o que to caría a
A zom barla dos soldados (M t 27,27- ca d a um .
31; Jo 19,2s) — 16Os soldados o leva- 25Eram nove horas quando o crucifi­
ram para dentro do palácio, no pretorio, caran!. 26A causa dacondenagáo na ins-

num grito repetido que pede morte e infa­ Simáo e seus fílhos deviam ser conheci-
mia (cf. Nm 14,10). dos em alguma comunidade primitiva. Seu
A Pilatos nao custava muito condenar nome gentílico (Cireneu, de Cirene) pas-
um judeu para “satisfazer” a uns tantos sou a designar urna obra de caridade, por­
judeus. O gesto é ambiguo: cede por fra- que leva o peso de outrem (cf. Lm 1,14).
queza e covardia? (como o rei Sedecias Além disso, é o primeiro seguidor de Je­
em relacào a Jeremías.) Ou concede a pe- sús, de acordo com a norma de 8,34.
tigào com compiacente sarcasmo? A flage- 15.22 Deixando de lado fantasías —
lagáo costumava preceder a crucifixáo. identificagáo com o monte de Abraáo e
15,16-20 Aceña dos soldados pretende Isaac, com a sepultura de Adáo — , o lugar
zombar, nao torturar, e está centralizada devia servir para execugóes públicas. Fi-
no título de rei. É urna parodia grotesca e cava fora da cidade (Hb 13,12).
humilhante. A coroa real é de sargas, o cetro 15.23 A bebida oferecida entorpecía e
é urna cana (implícito), o manto imita a atenuava o tormento. 0 narrador parece
cor da realeza. Segue-se a saudagáo e acla- aludir ao cumprimento de urna profecía (SI
magáo. Depois se anima a zombaria e pas- 69,21; cf. ISm 15,32). “Dai vinho ao afli-
sam aos golpes e ultrajes (cf. Jr 20,7; SI to: que beba e esqueja o sofrimento” (Pr
44,14). Abrutalidade anula a compaixáo. 31,6).
15,21-32 Os narradores da crucifixáo e 15.24 As vestes do condenado eram a
morte langaram máo de textos do AT, com paga dos verdugos; mas o texto alude a SI
preferencia o Salmo 22, a grande súplica 22,18.
do inocente perseguido. O estilo de Mar­ 15.25 A hora náo coincide com a de Jo
cos neste último trecho é sobrio, diríamos 19,14. Talvez Marcos atribua um sentido
insensível; como se deixasse todo o senti­ especial á hora terceira.
mento ao leitor. 15.26 Segundo o ponto de vista, o título
15,21 Na trave horizontal da cruz se fi- assume significados diversos: infamia do
xavam ou atavam os bragos para igá-la condenado, zombaria do fracassado, glo­
sobre a trave vertical, já fincada na terra. ria do humilhado.
15,40 18 1 MARCOS

criçâo dizia: “O rei dos judeus”. 27Com — Eloi, Eloi, lemá sabachtáni (que
ele crucificaram dois bandidos, um à significa: D eus meu, Deus meu, p o r que
direita e outro à esquerda*. 2gOs que m e abandonaste?).
passavam o insultavam balançando a 35Alguns dos presentes, ao ouvir isso,
cabeça e dizendo: comentavam:
— Aquele que derruba o templo e o — Vé. Ele chama Elias.
reconstrói em très dias, 30que se salve, 36Alguém empapou urna esponja em
descendo da cruz. vinagre, prendeu-a num canigo e lhe
31Por sua vez os sum os sacerdotes, ofereceu de beber, dizendo:
zombando, com entavam com os letra­ — Quietos! Vejamos se Elias vem
dos: para libertá-lo.
— Salvou outros, a si m esm o nao 37M as Jesús, lanzando um grito, ex-
pode salvar. 320 M essias, o rei de Isra­ pirou. 380 véu do templo se rasgou em
el, desça da cruz para que o vejam os e dois de cima a baixo. 390 centuriáo, que
creíamos. estava em frente, ao ver como expirou,
Os que estavam crucificados com ele disse:
o injuriavam. — Realmente este homem era filho
33Ao meio-dia toda a regiao escure- de Deus.
ceu até a metade da tarde. 34No meio 40Estavam ai olhando á distancia al-
da tarde, Jesús gritou com voz potente: gumas mulheres, entre elas M aria Ma-

15.27 Talvez a noticia dos dois bandi­ por inteiro o salmo. Pertence ás lendas de
dos aluda a Is 53,12, citado expressamen- Elias o ser considerado como protetor de
te em alguns manuscritos. Estáo ai como necessitados.
se fossem urna escolta burlesca do rei. 15,36 Na bebida refrescante se lé urna
15,28-30 Os gestos de zombaria, como alusáo ao SI 69,21. Pelo comentário de
em SI 22,7; 109,25. Como se fosse um quem oferece a bebida, parece que procu­
pretenso mago. Talvez jogando zombetei- ra prolongar a vida do moribundo para dar
ramente com o nome de Jesús (= o Senhor tempo a Elias (cagoando?).
salva) dizem “que se salve”. 15,37-38 Um grito potente ñas condi-
15,31-32 A observado dos sumos sa­ góes em que se encontra o moribundo,
cerdotes encerra urna verdade profunda e extenuado e sufocando-se, nao é realista.
paradoxal. Jesús nao pode mudar o desig­ Provavelmente, para o narrador é a “voz”
nio do Pai (14,35, “se é possível”). da teofania (p. ex. ISm 7,10; Is 29,6), ou
Também o título de Messias tem duplo de uma súplica intensa.
sentido: zombaria na boca dos inimigos, O simbolismo do véu do templo é am­
confissáo na boca dos fiéis. Rei de Israel é biguo (Ex 26,31-35). Diz que o culto anti-
o título correto; dito da dinastía davídica go, com seus compartimentos e segredos,
(2Sm 5,12; 12,7). Pedem urna legitimagáo terminou. Ou que o acesso a Deus é agora
in extremis, sabendo que nao chegará. O patente. Recorde-se Ef 2,14 “derrubou o
desafio coincide com o dos ímpios: “Glo- muro de separagáo”, e também “pelo san­
ria-se de ter Deus por pai... Se o justo é gue de Jesus, irmáos, temos acesso ao san­
filho de Deus, ele o ajudará” (Sb 2,16.18). tuàrio” (Hb 10,19; cf. 9,8).
15,33 As trevas nao sao naturais, mas 15,39 Este é um ponto culminante. Mui-
teofánicas (Am 8,9; Ez 32,7). Todo o ter­ tos o viram e náo o compreenderam. O
ritorio ou toda a térra. centuriáo representa Roma, o poder pagáo,
15.27 *Alguns manuscritos acrescen- que pela cruz alcanna a fé. O simples
tam: 2S£ se cumpriu a Escritura que diz: centuriáo é agora mais que o procurador.
“e foi contado entre os malfeitores ” (Is Sua confissáo é como a resposta à voz do
53,12). Pai (1,11; 9,7). “Meu servo terá éxito...
15,34-35 E o primeiro versículo do Sal­ por seu intermèdio triunfará o plano do
mo 22, que a tradigáo conservou em Senhor” (Is 52,13; 53,10). Primicias dos
aramaico. Pode sugerir que Jesús recitou pagáos convertidos.
MARCOS 182 15,41

dalena, M aria máe de Tiago o menor e qoI e o colocou nsm sepulcro escavado
de Joset, e Salomé, 41as quais, quando na rocha. Depois, fez rodar urna pedra
ele estava na Galiléia, o tinham seguido na boca dosepulcro. 47Maria Madalena
e servido; e muitas outras que haviam e Maria de Josel observavam onde o
subido com ele para Jerusalém. colocava.

Sepultam ento de Jesús (Mt 27,57-61 ; Ressurrei;áo (Mt 28,1-8; Le 24,


Le 23,50-56; Jo 19,38-42) — 42Já anoi- 1-12; Jo 20,1-10) — ‘Quando pas-
tecia; e com o era o dia da preparagáo, sou o sábado, Maria Madalena, Maria,
véspera de sábado, 43José de Arimatéia, de Tiago e Salomé, compraram perfu­
conselheiro respeitado, que esperava o mes para ir ungi-b. 2No primeiro dia da
reinado de Deus, teve a ousadia de apre- semana, bem cedo, ao raiar o sol, che-
sentar-se a Pilatos para pedir-lhe o cor­ gam ao sepulcro, 3Diziam entre si:
po de Jesús. 44Pilatos estranhou que já — Quem rolar» para nos a pedra da
houvesse morrido. Chamou o centuriao boca do sepulcro?
e lhe perguntou se já havia morrido. 4Ergueram os olhos e observaram que
45Inform ado pelo centuriao, coneedeu a pedra estava rolada. Era muito gran­
o corpo a José. 46Este com prou um len- de. 5Entrando no sepulcro, viram um
qol, desceu-o da cruz, envolveu-o no len- jovem vestido com um traje branco,

O contraste da inteireza e da fidelidade te o novo dia, que comegava ao pór-do-


das mulheres, colocado no final, é impres­ sol, José apressa aoperagáo. Duas mulhe­
sionante. “Tinham-no seguido e servido” res o observam: seráo testemunhas.
e náo o abandonam.
15,42-47 Da morte de Jesús se fazem 16,l-8Aconclusáo original do evange-
testemunhas José, o centuriao e Pilatos. lho de Marcos é surpreendente, desconcer­
Receber sepultura num sepulcro era mui- tante, a ponto de es escritores posteriores
to importante para os israelitas; ficar sem terem acrescentado um epílogo, respal­
ele era desgrana e infamia. Numerosos tex­ dado como canónico pela autoridade da
tos o ilustram (compare-se Is 22,16 com Igreja. Um mensageiro celeste pronuncia
Jr 22,19). No caso de Jesus tem importán- o pregáo da ressurreigáo, e as mulheres que
cia redobrada, como sinal da ressurreigáo. o escutam o calam. Vamos propor duas
Ao justigado cabia a fossa comum. A va­ hipóteses para explicar o texto.
lentia de José o evita. As mulheres, que sáo as de 15,40, váo
É importante notar que José era mem­ ao sepulcro de Jesús para embalsamar o
bro estimado do Conselho e “esperava o cadáver, coisa que José náo pode fazer
reinado de Deus”, de acordo com a prega- porque o sábado estava iminente. Encon-
gao de Jesús. Deduzimos que nem todos tram a pedra corrida e o sepulcro vazio.
no Conselho consentiram na condenagáo. Apavoradas pelo desaparecimento do
E que um importante chefe judeu faz com- defunto e sem poder explicá-lo, se refu­
panhia ao centuriao romano. A morte do gian! no silencio. Depois vém as apari-
Mestre infunde-lhe ousadia diante de ou- góes, que explicam o mistério do túmulo
tros chefes ou de Pilatos, e quer oferecer vazio. Finalmente se projeta o anúncio
sua homenagem postuma, completando a numa cena transcendente no mesmo se­
agáo da mulher anónima (14,8, nao se diz pulcro e no dia primeiro. Os que acrescenta-
que José o embalsamou). O centuriao con­ ram o epílogo amplificaran! a segunda
firma a morte de Jesús. O lengol é normal, fase.
pois os judeus náo usavam caixóes; era As mulheres recebem nessa hora e ai
recém-comprado (novo). O sepulcro, no mesmo o anúncio e o encargo. Seu medo
estilo de muitos da regiáo. é a intimidagáo diante do sobrenatural. Seu
Como a lei mandava que náo ficassem silencio reflete a ambigüidade das atitu-
pendurados os corpos dos justiciados (Dt des diante da mensagem central da ressur
21,22-23) e por outro lado estava iminen- reigáo (cf. ICor 15,12). Mas o fato foi pro-
16,20 183 MARCOS

sentado á direita; e ficaram espantadas. 13Eles foram contá-lo aos outros, que
''Disse-lhes: tampouco creram neles. 14Por último,
— Nao vos espanteis. Procuráis Jesús apareceu aos onze quando estavam á
Nazareno, o crucificado. Ressuscitou, nao mesa. Repreendeu-lhes sua increduli-
está aqui. Vede o lugar onde o haviam dade e o b s tin a d o por nao terem crido
posto. Mas ide dizer a seus discípulos e nos que o haviam visto ressuscitado da
a Pedro que irá á frente deles para a morte. 15E lhes disse;
Galiléia. Lá o veráo, como lhes havia dito. — Ide por todo o mundo, proclaman­
8Saíram fugindo do sepulcro, tremen­ do a boa noticia a toda a humanidade.
do e fora de si. E por puro medo, nada 16Quem crer e for batizado se salvará;
disseram a ninguém. quem nao crer se condenará. 17Estes
sinais acompanharáo os que crerem: em
Epílogo (M t 28,9s; Le 24,13-35; Jo meu nome expulsaráo demonios, fala-
20,11 -18) — 9No primeiro día da sem a­ ráo línguas novas, 18pegaráo serpentes;
na, pela manhá, Jesús ressuscitou e apa- se beberem algum veneno, nao lhes cau­
receu a Maria Madalena, da qual tinha sará daño. Poráo as máos sobre os doen-
expulsado sete demonios. 10Ela foi con- tes, e ficaráo curados.
tá-lo aos seus, que estavam chorando e lsO Senhor Jesús, depois de falar com
de luto. eles, foi levado ao céu e sentou á direi­
n Eles, ao ouvir que estava vivo e que ta de Deus. 20Eles saíram para pregar
havia aparecido, nao lhe deram crédi­ por todos os lugares, e o Senhor coo-
to. 12Depois apareceu disfanjado a dois perava e confirmava a m ensagem com
deles que iam passeando pelo campo. os sinais que a acompanhavam.

clamado por urna voz celeste, e Marcos zer. Lançando mao de várías tradiçôes,
lhe dá a ressonáneia do seu evangelho. acrescentaram os vv. 9 a 20.
Em qualquer hipótese o mais importan­ A María Madalena: Le 8,2; Jo 20,11-
te é a mensagem. O Nazareno, o homem 18. Com a reaçâo de incredulidade dos
com quem tendes tratado, o crucificado de discípulos.
modo injusto e incompreensível, ressus­ Aos dois discípulos a caminho de Emaús:
citou (na voz passiva). O sepulcro vazio o Le 24,13-35. Nova incredulidade.
confirma. Essas duas paiavras “o crucifi­ Aos onze: Le 24,36-43.
cado ressuscitou” sao como um querigma A missáo universal: Mt 28,16-20; Le
primordial, de urgencia. 24,46-49; lTm 3,16. O nao crer se enten­
Como outrora ele se apresentou e cha- de como resisténcia positiva à mensagem
mou discípulos, assim agora vai reunir os do evangelho.
seus no lugar dos comegos e se deixará Ascensáo e exaltaçâo: Le 24,50-53; SI
ver por eles. Será o novo comego, consu- 110,1 (cf. 2Rs 2,11; Eclo 48,12).
magao do primeiro; porque aqueles que o Cumprimento da missâo: é o tempo da
virem, terao de dar testemunho disso. Era Igreja, dos Atos e do que vem depois.
isso que as mulheres deviam ter comuni­ Outro final apócrifo soa assim: “Elas
cado aos discípulos com Pedro à frente. E comunicaram o anuncio inteiro aos que
nao é necessàrio dizer mais. Marcos póe estavam com Pedro. Depois, por meio de­
ponto final no seu relato. les, Jesús enviou do Oriente ao Ocidente
16,9-20 Outros membros da comunida- o pregáo santo e incorruptível da salva-
de pensaram que aínda havia muito a di- çâo eterna. Amém ”.
EVANGELHO SEGUNDO LUCAS

IN T R O D U Ç Â O
O livro de Lucas, ou sua prim eira expansüi) da Igreja. Como o A T profe­
parte, é, sem dúvida, evangelho, e tem tiza e prtfigura Jesús, assim Jesús pro­
muitas coisas em comum com Marcos fetiza e prefigura a missáo dos A pósto­
e M ateus. Contado, a obra de Lucas é
bem diferente. los. Forna-os a seu lado, os instruí, os
previne, iá-lhes o seu Espirito. Depois,
Em prim eiro lugar, p o r seu caráter
ao contar seus “atos”, o autor se com-
grego. Usa a língua grega melhor que
praz em tstabelecer paralelos de situa-
os outros, embora nao elimine todos os
Çào e tanbém verbais. O modelo de Je­
semitismos tradicionais, em grande par­
sús continua atuando.
te devidos ao influxo doAT. Dirige-se
Tamben há um centro espacial, que
a leitores desligados de questóes judai­
cas. Oferece urna mensagem mais m e ­ é Jérusalem. A i comeqa o relato e ai se
diatamente acessível a leitores pagaos. concluí o itinerario de Jesús, até que
retorne ao céu. D aí parte a expansüo
Em segundo lugar, apresenta-se co­
até os confuís do mundo.
m o historiador de estilo grego: cuida­
doso ao consultar suas fon tes e apurar Lucas entrelaqa seu relato com da­
os fatos, curtido em viagens, especial­ tas da historiografía profana, com sen
m ente marítimas. M enciona um círcu­ tido encamacionista. Por seus olhos,
lo de testem unhas oculares: depois, um uma comunidade autónoma e consoli­
grupo de narradores (que poderiam ser dada voltaoolhar para repassar as pró-
os mesmos). P or detrás, vem ele para prias origens, que sáo a vida de Jesús
recolher e ordenar. Sem deixar de pro­ desde a infancia. Urna comunidade, já
clamar a fé, querfazer obra de historia­ curada de aguardar urna parusia imi-
dor. N a hora de compor suas cenas, nao nente, toma consciéncia do seu ser e
é puram ente grego: depende de tradi- da sua vocaqáo histórica, no seio da
qóes evangélicas escritas e talvez oráis, ordenaqáo política do seu tempo.
e segue a grande tradiqáo narrativa
hebraica. Perfil do evangelho
Em terceiro lugar, porque seu evan­
A) Quanto à com posiçâo. Embora em
gelho é nada mais que a prim eira p a r­ boa parte esteja condicionado pelo mo­
te de urna obra maior, que continua nos delo de Marcos, inclusive na ordem de
A tos dos Apóstolos. Com essa opera- varias perícopes, epor materiais que com-
gao, o evangelho passa a ocupar urna partilha com Mateus, Lucas compôe a
posiqáo intermédia, a metade dos tem ­ seu gosto. b¡o bloco da infáncia cons-
p os: entre o anuncio e preparaqáo do trói um díptico de correspondéncias ri­
AT, que se estende até o Batismo, e o gorosas, entre Isabel e Maria, Joâo e Je­
tempo da Igreja, que comeqa em Pen- sús. Estabelecida a simetría de base,
tecostes. A preparaqáo da antiga eco­ pode efetuar deslocamentos significa­
nomía é essencial para compreender a tivos. Très hinos, em estilo bíblico, bali-
m issáo de Jesús. Os personagens da zam o relato.
infancia, especialmente Simeáo, encar- O que mais sobressai no livro, segun­
nam essa tensáo do passado para o do opiniáo comum, é o relato da gran­
m om ento culminante que chegou. N áo de viagem ascensional: para Jerusalém
m enos im portante é a continuaqáo, a (9,51) arrastando os discípulos; para
INTRODUÇÂO 185 LUCAS

,1 cruz, até o céu. Só Lucas descreve a Composigáo


iixcensáo. Cenas program áticas: P o­
demos seiecionar duas, na sinagoga D upla introduqáo, notável p o r sua
ile Nazaré e a caminho de Emaús. Na construgáo em blocas paralelos: infan­
primeira Jesús se identifica como cum ­ cia de Jodo e de Jesús (1—2), batismo e
plimento da profecía, prega a graga, tentagóes (3). M inistério na Galiléia:
iibre-se aos pagaos, provoca a oposi- abre-se com a auto-apresentagáo pro­
(rio e a tentativa de m atá-lo, atraves­ gramática de Nazaré (4,16-30); conclui-
ad e prossegue seu caminho. N a segun­ se com a confissüo-anúncio da paixáo;
da, de viagem, propóe a chave pascal transfiguragáo (9,18-50). A grande viagem
do cumprimento e a sela com urna eu­ de subida a Jerusalém como quadro nar­
caristía. rativo (9,51-19,28). Em Jerusalém: con­
b) Quanto á sua visáo particular. D es­ fronto, paixáo, ressurreiqáo e ascensáo.
taca a universalidade: a genealogía re­
monta aAdao; sua pregaqáo se abre aos Autor e data
l>agños. Inclusive procura deixar bem
conceituadas várias personagens roma­ A tradiqáo intitulou este evangelho “se­
nas, ao passo que registra a oposigáo gundo Lucas O nome aparece em Fm
crescente de autoridades judaicas. J e ­ 24 e 2Tm 4,11, como em C14,14.A iden-
sús traz urna mensagem de m isericor­ tificaqáo nao é improvável. Pelo contrà­
dia e perdáo, de acolhida aos p ecado­ rio, a identificagáo com Lucio (Loukios)
res e busca dos extraviados, de ajuda de A t 13,1 e Rm 16,21 é pouco provável.
aos pobres e necessitados. As mulhe- O autor tem noticia da destruigao de Je ­
res desem penham p a p e l saliente no rusalém, mas nao da perseguigño deDo-
ministério de Jesús. O cham ado dos miciano; parece viver a tensáo crescente
apóstolos é gradual e delicado. O E s­ e a rejeigáo próxima por parte da sinago­
pirito comega a agir, preparando sua ga. Esses dados sugerem como data de
agáo dominante em Atos. composigáo a década 80-90.
LUCAS

Prólogo — ‘Visto que muitos em Anuncia-se o nascimento de Joáo

1 preenderam a tarefa de contar os fa-


tos que nos aconteceram, 2tal como nos
transm itiram as prim eiras testem unhas
oculares, postas a servido da palavra,
3também eu pensei, ilustre Teófilo, es-
crever-te tudo em ordem e exatamente,
5No tempo de Herodes, rei da Judi i.i
havia um sacerdote chamado Zacarías,
do tumo de Abias; sua mulher era de.
cendente de Aaráo e se chamava Isabel
6Os dois eram retos diante de Deus e agi
am irrepreensivelmente, de acordo com
comegando desde o principio; 4assim os mandamentos e preceitos do Senhoi
compreenderás com certeza os ensina- 7Náo tinham filhos, porque Isabel era es
mentos que recebeste. téril, e os dois eram de idade avanzada

1,1-4 Lucas compoe com grande cui­ Lucas compóe em quadros paralelos
dado um prólogo no estilo retórico da épo­ duas anunciagóes angélicas, dois nasci
ca, para justificar ou explicar o novo rela­ mentos, dois hinos de agáo de grabas, a
to de fatos já contados, o método de estudo máe estéril e a máe virgem; o encontni
e exposigáo, a finalidade do livro. Nao sen­ das duas máes, que é encontro pré-natal
do ele testemunha ocular, atém-se à tradi- de Joáo e Jesús. Estas as duas persona
gáo dos que assistiram e que estiveram a gens principáis: Joáo precede no tempo,
servido da palavra, da mensagem evangé­ Jesús na dignidade. A relagáo se proion
lica. Seu relato remontará aos comegos e gará no capítulo 3. A composigáo para
estará exposto com ordem (nao necessa­ lela faz ressaltar a categoría excepcio
riamente cronológica). Nos acontecimen- nal de María e Jesús. Nao há paralelismo
tos se cumpriu um designio; contá-lo dá entre Zacarías e José, que atua em según
garantía a um ensinamento. Lucas está do plano.
consciente de ter composto urna obra li­ 1,5-25 Era o tempo do chamado He
teraria. rodes o Grande (37-4 a.C.). Os país tém
algo de patriarcas, embora ele seja um
1,5—2,52 O chamado “evangelho da in­ sacerdote que profetiza e o filho venha a
fancia” ocupa dois longos capítulos e é ser grande profeta, como os sacerdotes
c o n trib u ito pròpria de Lucas, que pode profetas Jeremías e Ezequiel. Seu sacer­
contar com informagóes oráis ou com do­ docio tem a legitimagáo da estirpe (Abias,
cum entado já elaborada. Ele nos conta lC r 24,10); ela é descendente de Aaráo.
que o Espirito preenchia ou guiava ou ins­ Seu nome significa O-Senhor-lembra, o
pirava as principáis personagens. Num déla Meu-Deus-jura ou promete. Hero­
mundo de relajóos familiares e de políti­ des nao tem tal legitim ado. Isabel é es­
ca imperial irrompe e age urna presenta téril: náo por castigo (Micol, esposa de
celeste. Lucas projeta nestas páginas a Davi, 2Sm 6,23), mas como outras mu-
deslumbrante e depurada luz da ressur- lheres ilustres, Sara, Rebeca e Raquel (Gn
reigáo. 11,30; 17,16-17; 25,21; 29,31), e sobre -
O estilo do relato semítico é mais mar­ tudo como Ana, a máe do profeta Samuel
cado nestes capítulos: sao abundantes as (ISm 1-2), que consagrou Daví. Os país
expressóes de cunho hebraico, claras re­ sáo ademais exemplares segundo a reli-
miniscencias do Antigo Testamento, pa­ giosidade tradicional (Jó 1,1; Tb 1,3; Ez
ralelismos de ascendencia poética, padróes 36,27): sua justiga aceita por Deus con­
narrativos: tres hinos transformam o rela­ siste no cumprimento exato de todos os
to em oragáo. preceitos.
187 LUCAS

"('cria vez, quando oficiava diante de no 16e converterá muitos israelitas ao Se­
Dciis com os do seu turno, 9conforme nhor seu Deus. 17Irá à frente, com o espi­
ii ritual sacerdotal, coube-lhe entrar no rito e o poder de Elias, para reconciliar
Mutuario para oferecer incensó. 10En- pais com filhos, rebeldes com o modo
uiinnto isso, a multidáo do povo ficava de ver dos honrados; assim preparará
fura, orando durante a oferta do incen- para o Senhor um povo bem disposto.
«i, “ Apareceu-lhe um anjo do Senhor, 18Zacarias respondeu ao anjo:
do pé á direita do altar do incensó. 12Ao — Q ue garantía me dás disso? Pois
vi lo, Zacarías se assustou, tomado de sou anciáo, e minha m ulher de idade
li'inor. 130 anjo lhe disse: avanzada.
— Nao temas, Zacarías, pois teu pe­ 190 anjo lhe replicou:
dido foi ouvido, e tua m ulher Isabel te — Eu sou Gabriel, e sirvo na presen­
ilurá um filho, a quem chamarás Joáo. t a de Deus: enviaram-me para falar-te,
Hlile te encherá de gozo e alegria, e para dar-te esta boa noticia. 20M as olha:
imiitos se alegraráo com o seu nasci- Ficarás mudo e sem poder falar, até que
mento. 15Será grande diante do Senhor; isso se cumpra, por nao teres crido em
MltObeberá vinho nem licor. Estará cheio m inhas palavras, que se cum priráo em
de Espirito Santo desde o ventre mater- seu devido tempo.

1,8-10 Os sacerdotes oficiavam por tur­ 14; 25,21). O nome Joáo significa O-Se-
nos de permanencia, e oferecer o incenso nhor-se-compadece. Logicamente, o filho
ora privilègio nao repetido. O rito era fei- será uma alegria para o pai, que assim terá
Id no altar especial do incenso (Ex 30,7.34- um sucessor (Jr 20,15; e Sara em Gn 21,6).
,18; SI 141,2), no interior do templo, en­ A alegria será partilhada por muitos aos
guanto o povo esperava no àtrio exterior. quais a missáo da crianza afetará (Gn 30,
A revelagao acontecerá em contexto cúbi­ 13; Is 9,2; 66,10).
co, como a de Isaías (Is 6 ). 1,15-17 Segue a breve descrido de seu
1.11-20 A aparigáo angélica imita mo­ destino. Será grande na apreciado decisi­
delos tradicionais, como os de Gedeáo e va do Senhor: “o maior até agora entre os
Sansáo (Jz 6,12; 13,3), e se ordena ao orá­ nascidos de mulher”. Como os nazireus,
culo de anunciado, segundo os cánones se absterá de vinho (Nm 6,3; Jz 13,4).
do gènero. Sao tópicos da cena: a apari- Cheio do Espirito, como Josué (Dt 34,9) e
Sfio inesperada, o susto, a objegáo, o sinal. nisso consistirá sua grandeza. Ou como
0 oráculo costuma anunciar a concepgáo, Elias (cf. 2Rs 9,15), com o qual exercerá
o nascimento, o nome e o futuro do meni­ a f u n d o profètica de “converter” (Jr
no; às vezes acrescenta prescrigóes die­ 3,12.14; 15,19; 18,11; Dn 12,3 “brilharáo
téticas (Gn 16,11-12; Jz 13,3-5; Is 7,14-16). como estrelas”), e a fu n d o específica de
1.11-14 O grego é decalque do hebraico “reconciliar”. Do texto bíblico (MI 3,23-
(mal’ak Yhwh): com a expressáo “anjo do 24) suprime a segunda parte, “converter
Senhor” designa uma m anifestado, às os filhos aos pais” (como já tinha feito Eclo
vezes visual, do Senhor. (No v. 19 identi- 48,10), talvez porque o movimento é ago­
fica-se com o nome pròprio.) Provoca o ra todo para o futuro, náo para o passado.
temor numinoso ou intimidado da presen­ A cláusula paralela traga o perfil ético da
ta do divino ou do sobre-humano (Dn 10,7 reconciliado, como que evitando m alen ­
no ouvi-lo, Hab 3,18). tendidos. Assim prepara para o Senhor um
1,13-14 O oráculo é pormenorizado. povo (cf. Is 43,21) bem disposto a receber
Cometa com a fórmula clàssica: “nao te­ a novidade que se aproxima (cf. Am 4,12).
mas”, que serve para conter o pavor ini­ 1,18-20 Duvida como Abraáo e Sara (Gn
cial: a divindade chega com intendo pa­ 17,16; 18,11), pede um sinal como Gedeáo
cífica. Além disso serve para dispor o (Jz 6,36-40). A objegáo serve ao narrador
ànimo á recepgáo da mensagem. A seguir para encarecer o puro dom de Deus, o mi-
vem o anúncio: o nascimento de um filho, lagre da fecundidade (cf. Is 66,9). O anjo
que será dom especial de Deus, respon- está a servigo de Deus, assiste à corte divi­
dendo ao pedido do sacerdote (Gn 18,10. na, segundo representagóes tradicionais.
LUCAS 188

210 povo aguardava Zacarías e es- A nuncia-se o nascim ento de Jesús


tranhava que demorasse no santuàrio. 26No sexto mès, Deus enviou o anjo ( ín
22Quando saiu, nào podía falar, e eles briel a urna cidade da Galiléia cham.i
adivinharam que tivera urna visáo no da Nazaré, 27a urna virgem prometida i
santuàrio. Ele lhes fazia sinais e conti­ um homem chamado José, da familia <l>
nuava mudo. Davi; a virgem se chamava Maria. • <¡
23Quando term inou o tempo do seu anjo entrou onde eia estava e lhe dis'.r
servido, voltou para casa. 24Algum tem­ — Alegra-te, favorecida, o Senhor <■•.
po depois, sua mulher Isabel concebeu, tá contigo.
e ficou escondida cinco meses, comen­ 29Ao ouvir isso, eia se perturbou <
tando: refletia que tipo de saudaqao era ess.i
— 25A ssim tratou-me o Senhor quan­ 30O anjo lhe disse:
do providenciou rem over minha humi- — Näo temas, Maria, pois gozas <■
Ihagáo pública. favor de Deus. 31Ve: Conceberás e da

Seu nome significa For§a-de-Deus (e é o 1,26-27 Gabriel anuncia os aconto


quarto nome significativo no relato). Só em cimentas fináis (Dn 8,16). A Galiléia ci.i
época tardía se impóe o costume de dar zona limítrofe, longe de Jerusalém; Nazari
nome a alguns seres celestes, se sao inves­ um lugar sem importancia (cf. Jo 1,40,
tidos de alguma missáo especial (Dn 8,16; 7,52), perto da importante cidade de Séfori:.
9,21). Vem como mensageiro de urna boa Maria estava “prometida”, com o vín
noticia (Is 40,9). A mudez e a incomuni­ culo legal dos esponsais, mas sem ter cele­
cad o , além de castigo, serviráo de sinal, brado ainda o casamento, começo da co
como aconteceu a Ezequiel (3,26-27; 24,27; habitado. (Veja-se a legislado em Di
33,21-22). Nao poderá comunicar a boa 22,23-28; Ex 22,15.) José era descenden
noticia. Quando recuperar a fala, o sacerdo­ te de Davi, de nobreza decadente; mai
te será profeta. Assim comega urna etapa tarde Lucas nos dará a árvore genealógica
de incomunicado e escondimento para a (3,23-38; cf. lC r 3,1-24).
familia enquanto amadurece urna vida nova. 1,28-29 A saudaçâo corrente grega
1 ,2 1 - 2 2 O povo esperava talvez a bén- (ichaire) soa com os harmónicos de urna
gáo sacerdotal (cf. Nm 6,23-26), que o rica tradido bíblica, em contextos de re­
mudo nao podía pronunciar. O povo adi- n ovado ou restaurado (p. ex. Jz 2,21; SI
vinha algo sobrenatural (cf. Dn 10,7-8). 3,16; Is 49,13; 65,18). “Favorecida” é um
1,24-25 É um ocultamento precursor, até daqueles participios passivos, quase títu­
que María o rompa com sua visita. los, que conhecemos pela literatura profe­
A “humilhado” pública da esterilidade, tica (Compadecida, Os 2,3; Preferida, ls
como a de Raquel ou de Jerusalém (Gn 30, 62,4). Atribui-se a figura emblemática, nao
23; Is 54,4). Tratou-me/fez-me (perfeito gre- a urna pessoa em particular. O Senhor está
go): intervendo de Deus e fato consumado. contigo; “Deus conosco” ( ‘immanu’el) é
1,26-38 Segundo quadro do primeiro o nome do anunciado em Is 7,14-15 e é
díptico. Se o esquema literario é semelhan- expressáo pròpria de momentos importan­
te, as diferengas ressaltam mais: protago­ tes (Ex 3,12; Jz 6,12; Jr 1,19. Aconcentra-
nista nao é o pai, mas a máe (ambos em Jz çâo dos très elementos é suficiente para
13); a o bjedo nao é a esterilidade, mas a surpreender e perturbar Maria).
virgindade; fé diante da desconfianza; nao 1,31-33 Agora o anunciado se chamará
é resposta a um pedido, mas pura iniciati­ Jesús (= o Senhor salva), equivalente a Jo­
va divina; a concepgáo será obra prodi­ sué e Isaías (explicado provavelmente em Is
giosa de Deus e do seu Espirito; a “gran­ 12,2-3). É o descendente de Davi (2Sm 7;
deza” do menino será a sua condido de Is 11,1), herdeiro legítimo do trono (Jr 23,5);
sucessor de Davi, rei Messias, mais que levará o título de Filho do Altissimo (Deus,
profeta (ela será máe do rei herdeiro, com segundo 2Sm 7,14; SI 2,7; 89,27-28), e terá
título de rainha, segundo a tradido do AT). um reinado perpètuo (Is 9,6; SI 72,5; 89,37;
Encenagóes com anjos e diálogos perten- Mq 4,7). Ou seja, será um cumprimento
ciam as convendes literárias da época. no qual convergem várias profecías.
1,42 189 LUCAS

tAK ít luz um filho, a quem chamarás que era considerada estéril já está de seis
Ir,sus. 32Ele será grande, levará o título meses.37Pois nada é impossívelpara Deus.
ilo h’ilho do A ltíssim o; o Senhor Deus 38M aria respondeu:
llic dará o trono de D avi seu pai, 33para — A qui tens a escrava do Senhor.
i|hc reine sobre a C asa de Jaco para Que sua palavra se cumpra em mim.
«■mpre, e seu reinado nao tenha fim. O anjo a deixou e se foi.
wMaria respondeu ao anjo:
— Como acontecerá isso, se eu nao M aria visita Isabel — 39Entáo Maria
convivo com um homem? se levantou e se dirigiu apressadamente
•I50 anjo lhe respondeu: à serra, a um povoado da Judéia. 40En-
— O Espirito Santo virá sobre ti e o po­ trou em casa de Zacarías e saudou Isa­
der do Altíssimo te fará sombra; por isso bel. 41Quando Isabel ouviu a saudaçao
a consagrado que nascer levará o título de Maria, a criatura deu um salto em seu
ilc Filho de Deus. 36Vé: Também tua pá­ ventre; Isabel, cheia de Espirito Santo,
rente Isabel concebeu em sua velhice, e a 42exclamou com voz forte:

1,34 Da objeçâo autores antigos e mo­ final, confessa: “nenhum plano é irreali-
dernos deduziram um voto virginal de Ma­ zável para ti” (Jó 42,2).
ría; todavía, o presumido voto nao concor­ 1.38 Maria nao usa um verbo ativo na
da com os dados do contexto. Urna objeçâo primeira pessoa, “cumprirei” (Ex 19,8),
do destinatàrio é corrente no género anun- mas um intransitivo “aconteça”: o que dis­
eiaçâo; a presente serve para que o narrador se o anjo, ou seja, a açâo divina e sua con-
lublinhe a concepçâo sem intervençâo do seqüência (como um novo Génesis). Dei-
varáo. Podemos, sim, afirmar, por força do xar Deus agir é a suprema humildade e
contexto, que Maria se pusera à inteira dis- grandeza de Maria (1,49). A tradiçâo en-
posiçâo de Deus, incluida sua capacidade tendeu o consentimento de Maria como
maternal, que é bênçâo genesíaca. pronunciado em nome da humanidade.
1,35-37 Num parágrafo breve, recebemos 1.39-56Areclusáo de Isabel se abre para
pela voz do anjo um resumo de cristologia. receber a visita de sua prima. As duas li-
A maternidade será obra do Espirito (cf. Jo nhas paralelas se cruzam numa intersecçâo
3,5); o “poder” de Deus agirá como som­ transcendental. O novo episodio, o encon­
bra que fecunda (cf. SI 91,1; 121,5). Espi­ tro de duas parentes em sua primeira gra­
rito e poder ou força formam um para­ videz, se polariza para o encontro misterio­
lelismo, porque o Espirito é o dinamismo so de Jesus e Joáo e para o hiño de Maria.
de Deus criador e recriador. Ñas fórmulas Joâo, o anunciado, é chamado antes de
“vir sobre” e “cobrir com a sombra” alguns nascer: “Antes de formar-te no ventre, eu
Icram urna sutil alusao nupcial. Outros au­ te escolhi; antes de saíres do ventre te con-
tores o relacionaram com a sombra da nu- sagrei” (Jr 1,5; Is 49,1).
vem, segundo Ex 40,34: “A nuvem cobriu 1.39 De Nazaré a um povoado (desco-
a tenda do encontro e a gloria de Yhwh en- nhecido) da Judéia seriam uns dois dias
cheu o santuàrio”. E uma explicaçâo su­ de caminhada. Podemos supor que o sa­
gestiva: Maria coberta pelo Espirito e cerdote Zacarias nao morava longe de Je-
cheia da gloria de Deus. Nascendo de mu- rusalém e do templo. A tradiçâo localizou-
lher, nasce homem. Sendo concebido pela o em Ain Karim.
açâo do Espirito nascerà consagrado, “san­ 1.40-41A saudaçao de Maria é medianeira
to” por exceléncia (4,34; cf. o título divino de gozo e de inspiraçâo celeste. A criatura
“Santo de Israel” em Is 5,19.24; 37,23 etc.). expressa seu gozo inconsciente (de sinal con­
E será Filho de Deus de modo especial, nao tràrio os gémeos de Gn 25,22). Isabel fala
simplesmente como Adáo (3,21). profetizando. Alguém quis ver Maria como
A maternidade de Isabel serve de sinal a arca da aliança, com base em 2Sm 6 .
náo solicitado do que foi anunciado, do 1,42 A interpretaçâo profètica mencio­
poder divino. “Há algo difícil para Deus?”, na très elementos conjugados: a fé, a ma-
diz o Senhor anunciando ao cético Abraáo temidade, o Messias. Bendita: embora pos­
a maternidade de Sara (Gn 18,14); Jó, no sa recordar mulheres ilustres (Jael, Jz 5,24;
LUCAS 190 1,43

— Bendita és tu entre as m ulheres e e daqui para a frente me felicitaráo


bendito o fruto do teu ventre. 43Quem todas as geracoes.
sou eu para que me visite a máe de meu 49Porque o Poderoso fez proezas,
Senhor? ^V é: Quando tua saudaqáo che- seu nome é sagrado.
gou aos meus ouvidos, a criatura deu 50Sua misericordia com seus fiéis
um salto de alegría em meu ventre. ^ F e ­ continua de geraqáo em geraqáo.
liz és tu que creste, porque se cum prirá 5'Seu poder é exercido com seu brago:
o que o Senhor te anunciou. dispersa os soberbos
“"’María disse: em seus planos:
M inha alma proclam a a grandeza 52derruba do trono os potentados
do Senhor, e exalta os humildes:
47meu espirito festeja a Deus, 53cumula de bens os famintos
meu salvador, e despede vazios os ricos.
48porque olhou a hum ildade 54Socorre Israel seu servo,
de sua escrava recordando a lealdade,

Judite, Jt 13,18; Abigail, ISm 25,33), o con­ samente a maternidade, implícita no con­
texto próximo nos convida a pensar na texto próximo. Nao é improvável que Lu­
béngáo genesíaca da fecundidade (Gn 1, cas tenha adaptado um hiño já existente. Do
28; 9,1; 17,16; Dt 28,4). Nenhuma mater- càntico de Ana e seu contexto (ISm 1—2)
nidade da historia pode ser comparada com toma: o tema básico da maternidade (2,5),
a de María; a ela estavam direcionadas as duplas poderosos/humildes, ricos/pobres
muitas maternidades precedentes. (2 ,5.7.8), a reviravolta da situagáo, o gozo
1,43 Chama o filho de Maria de “meu da celebragáo (2,1), a santidade de Deus
Senhor”, como que reconhecendo o Mes- ( 2 ,2 ), a atengào para a humildade ou hu-
sias. Nao sabemos se o autor alude a SI 110,1. milhagáo (1,11), o Deus de Israel (1,17).
Na pluma e boca cristas, Senhor é título 1.46 A grandeza: SI 34,4; 69,31.
divino de Jesús Cristo. A béngáo acrescenta 1.47 O hinoé alegre, festivo. A “alegria”
a felicitagáo (macarismo), a primeira de irrompeu pela saudagáo de Gabriel, e agora
urna série sem fim: a fé é mérito principal: toma a palavra na boca de Maria. Meu sal­
crendo, tomou possível o cumprimento. vador: 2Sm 22,3; Is 43,3.
1,46-55 Maria dirige o louvor para Deus, 1.48 Humildade e humilhagáo: Maria
que fez tudo, ao passo que ela deixou fa- pertence ao “povo pobre e humilde” que o
zer. Na passagem prodigiosa da virginda- Senhor conservou (Sf 3,12). Me felicita­
de a maternidade ela descobre o estilo e o ráo: como as vizinhas de Lia por causa do
esquema da agáo renovadora de Deus, nascimento de Aser ( = Félix, Gn 30,13),
manifestada também na esfera política e mas projetado para um futuro sem fim.
na económica (ISm 2,4-8; SI 113,6-9): nao Profecia que vem se cumprindo na igreja.
para mudar os lugares, deixando as coisas 1.49 Poderoso: Sf 3,17. Gabriel mencio-
como estáo, mas sim no espirito messiáni- nava o “poder” do Altissimo. Proezas: SI
co das bem-aventurangas (felicidades, ven­ 126,2-3; J1 2,20-21. Santidade: o triságio
turas). A ela felicitaráo (Gn 30,13; Ct 6,9) de SI 99; Is 57,15; Gabriel havia apelado
todos os que reconhecerem esses valores. ao Espirito Santo e ao futuro menino san­
Ela é a “serva” que representa Israel, “ser­ to ou consagrado.
vo” desvalido e socorrido por Deus (e tam­ 1.50 Misericordia: SI 103,17; e o estri-
bém a igreja das bem-aventurangas). O bilho litúrgico do Salmo 136.
hiño é de puro estilo bíblico, cheio de ci- 1,51-52 Exerce o poder: SI 118,15-16. O
tagóes e reminiscencias do AT. brago: Ex 15,16; Is 51,5.9. Desbarata, derru-
O cántico está composto em estilo de ba: SI 89,10-11 (davidico); Jó 5,11-12; 12,19.
hiño, com temas tradicionais. Divide-se 1.53 SI 57,9 e as mudanzas de SI 107,33-
em duas secóes, com o corte final do ver­ 41. Vazios: Dt 15,13.
sículo 50. Parece enlacar-se a Israel, o po- 1.54 Seu servo: Is 41,8. Se a misericor­
vo escolhido; no tempo, parte de Abraáo e dia é pura iniciativa, a lealdade supóe um
continua sem fim. Náo menciona expres- compromisso: SI 25,6; 98,3.
1,69 191 LUCAS

55prom etida a nossos antepassados, queria dar-lhe. 63Pediu uma tabuinha e


em favor de Abraáo escreveu: Seu nome é Joâo. Todos se
e sua descendência para sempre. assombraram. 64lm ediatamente a boca
56M aria ficou com eia très meses, e e a lingua se soltaram e se pôs a falar
depois voltou para casa. bendizendo a Deus. f,5Todos os vizinhos
ficaram espantados: o fato foi contado
Nascimento de Joäo — 57Quando se por toda a serra de Judá 66e os que o
completou para Isabel o tempo do par­ ouviam refletiam, dizendo:
to, deu à luz um filho. 58Os vizinhos e — O que este menino irá ser?
parentes, ao saber que o Senhor a trata­ Pois a m âo do Senhor o acom pa-
ra com tanta m isericordia, congratula- nhava.
ram-se com eia. 59No oitavo dia foram 67Seu pai Zacarías, cheio de Espirito
circuncidá-lo e o cham avam como seu Santo, profetizou:
pai, Zacarías. 60Mas a máe interveio: 68Bendito o Senhor, D eus de Israel,
— Näo; será chamado Joäo. porque se preocupou
61 O bservavam -lhe que ninguém en­ em resgatar seu povo.
tre os parentes levava esse nome. 62Per- 69 Suscitou-nos uma eminéncia
guntaram por sinais ao pai que nome salvadora na Casa de Davi, seu servo,

1,55 Mq 7,20. Joâo fica inserida na historia do povo elei-


1,57-66 O nascimento de Joâo, pelas to. Está composto em puro estilo bíblico
circunstâncias, apresenta-se como acon- repleto de citaçôes e reminiscéncias, como
tecimento maravilhoso: a ancià estéril e síntese teológica.
mâe, o nome inesperado, a fala recobrada. 1,68-75 No principio houve a promessa
Quando chegou o tempo: a formula pode feita com juramento a Abraáo (73): Deus
recordar Rebeca (Gn 25,24) e a promessa se compromete com ele, e a historia vai
feita a Abraào (Gn 18,10). Os festejos co­ sendo cumprimento progressivo. Depois,
mo na tradiçâo patriarcal (Gn 30,13). Apro- a promessa se materializa na forma jurídi­
cura do nome, como Rt 4,17. A materni- ca de um pacto mùtuo (72) “com nossos
dade da anciâ e o parto feliz foram um ato pais”; pela lealdade do Senhor, o povo nao
insigne da “misericordia” de Deus. Com a foi aniquilado por seus inimigos (71.74).
discussâo sobre o nome o narrador subli- Um dia essa promessa se concretiza na
nha sua importancia: Piedoso é, precisa­ promessa feita a Davi de fundar-lhe uma
mente, um dos títulos clássicos de Deus (Ex dinastia ou “casa” (69). A dinastia, apa­
34,6; J1 2,13; Jn 4,2; SI 86,15 etc.). rentemente interrompida, renasce, porque
1,64-65 Aquele que emudeceu por nâo Deus “suscita” nela uma força salvadora
crer recobra a fala, quando tudo se cum- (69). O Messias restaura a dinastia davidi­
priu, para dar graças e profetizar. Também ca, renova a aliança sinaitica, cumpre a
isso é para todos um sinal (Ez 24,27; promessa patriarcal.
33,22) que provoca o temor numinoso. 1.68 Começa com aclamaçâo litúrgica
1 , 6 6 E a versào teológica de nossa frase “Bendito Yhwh” e variantes, que consti­
“uma criança que promete”, porém é Deus tuent fórmula clàssica, também para come-
quem promete. A mâo de Deus: Is 41,20; çar (Gn 9,26; 24,27 etc.); a formula inteira
Ez 1,3; SI 80,18. (ISm 25,32; IRs 1,48 etc.); e fechando a
! 1,67 O autor apresenta esse hiño como primeira coleçâo de salmos (SI 41,14).
profecía inspirada. Alguns sacerdotes fo­ O Senhor vem “resgatar” novamente o
ram também profetas de profissâo, como seu povo, segundo sua funçâo tradicional
Jeremías e Ezequiel. Zacarías o é numa sô (Ex 6 ,6 ; Is 43,1; Jr 31,11; SI 77,16). Tra-
ocasiâo (2Sm 23,2). tando-se de homens, é resgate de alguma
1,68-79 O cántico divide-se em duas escravidâo, se corresponde ao hebraico
partes desiguais: na primeira (68-75) re­ pedut (Is 50,2; SI 119,9; 130,7).
corda a açâo de Deus até esse momento; 1.69 “Eminencia”: Na linguagem bíbli­
na segunda (76-79) anuncia o destino do ca do chifre, símbolo de poder (SI 75,11;
menino. Com esse recurso, a missáo de 89,18.25 davidico; 112,9). “Salvadora”:
LUCAS 192 1,70

70como havia prometido 77anunciando a seu povo a salvagáo


desde tempos antigos pelo perdáo dos pecados.
por boca de seus santos profetas: 78Pela entranhável misericordia
71salvagáo diante de nossos inimigos, do nosso Deus,
do poder de quantos nos odeiam, nos visitará do alto um amanhecer
72tratando com lealdade nossos pais 79que ilumina os que habitam
e recordando sua alianca sagrada, em trevas
73aquilo que jurou a nosso pai Abraáo, e em sombras de morte,
que nos concedería, que encaminha nossos passos
74libertados do poder inimigo, por um caminho de paz.
servi-lo sem temor em sua presenta, 80E o menino crescia, fortalecia-se
75com santidade e justiqa espiritualmente, e viveu no deserto até
por toda a vida. o dia em que se apresentou a Israel.
7 E a ti, menino, te cham aráo profeta
do Altíssimo, Nascimento de Jesús (Mt 1,18-25)
pois cam inharás á frente do Senhor
preparando-lhe o caminho;
2 — 'N esse tempo promulgou-se um
decreto do imperador Augusto, que or-

competía ao rei salvar (Saúl, ISm 10,27; um 1,80 Como Sansáo (Jz 13,24-25); como
rei de Israel (2Rs 7,26s). Davi tem o título o menino Samuel (ISm 2,21). Mora no
de “servo” (2Sm 3,18; 7,8; SI 89,4.21). deserto como Elias (IRs 17); no seu caso,
1.70 Sem dar nomes, supóe que vários esse retiro significa afastar-se do templo e
profetas anunciaram o Messias. do culto. A sua atividade fica pendente até
1.71 Tema freqüente nos salmos (p. ex. o capítulo 3.
18,1; 31,16; 106,10.45).
1.72 Deus “se recorda”, leva em conta a 2,1-7 Segundo quadro do segundo
sua alianga, é coerente com seu compro- díptico: nascimento de Jesús. Posto junto
misso (Ex 20,6; SI 18,15; SI 105,8). ao nascimento de Joáo, ressalta pela dife-
1.73 Promessa com juramento, alianga renga. Para o quadro histórico, Lucas nao
em forma de compromisso unilateral. poupa dados; para o nascimento do Sal
1,74-75 Traduz as promessas patriarcaís vador, elege a brevidade e a simplicidade.
em termos de servido auténtico. Livrará do O Messias nasce como qualquer homem
“temor” (74) e do pecado (77). Para urna vida “No ventre materno foi esculpida minha
“a servigo”, tambcm cúltico, do Senhor. carne... também eu respirei o ar comum.
1,76-79 O destino de Joáo é sua missáo, e ao cair na térra que todos pisam estreei
de abrir caminho para outro, para o “Se­ minha voz chorando, como todos” (Sb 7,3-
nhor” (76). Abre caminho como arauto, 6 ; G14,4), mais pobremente que a maioria
“anunciando a salvagáo” (77) e dispondo o (9,58): “por vós fez-se pobre para enrique-
povo para o perdáo pelo arrependimento cer-vos com sua pobreza” (2Cor 8,9). Mas
(77). Assim ele poderá chegar: o esperado, os planos humanos de poder c dominio, o
a luz no caminho da vida e da historia. recenseamento, se subordinam ao plano
1.76 Será o precursor, segundo MI 3,1 e divino, anunciado pelo profeta: o Messias,
Is 40,3. como descendente de Davi — José o ga­
1.77 A experiencia da salvagáo pelo per­ rante — , há de nascer em Belém (ISm
dáo dos pecados (Jr 31,34; 33,8; SI 130,4). 16,1; Mq 5,1). Séculos antes, o recensea­
1.78 Entranhável: título clássico de Deus mento de Davi provocou um castigo divi­
(Ex 34,6; Dt 4,31; SI 103,8). Pelo contex­ no (2Sm 24). Nasce como súdito do im­
to, o grego anatolé parece significar, nao perador do mundo de entáo, Augusto (30
broto, mas o levante, o levantar-se da luz a.C.—14 d.C.); que Deus guia como ins­
que assoma e ilumina; mas nao vem do trumento (cf. Is 10,5). Hoje se considera
oriente, e sim “do alto”, do céu: “sobre ti como data mais provável o ano 6/5 a.C.
amanhecerá o Senhor” (cf. Is 60,1-2). “Primogénito” diz que é o primeiro, sem
1.79 Alusáo a Is 9,1; 42,7. O caminho supor que haja outros, pois indica uma
da paz: Is 59,8. qualidade legal (Ex 13,2; Dt 21,15-17). Em
2,15 19 3 LUCAS

denava ao mundo inteiro inscrever-se no sentou. A gloria do Senhor os envol-


censo. 2Este foi o primeiro censo, reali­ veu de resplendor e eles se aterroriza­
zado quando Quirino era govemador da ran!. 10O anjo lhes disse:
Siria. Todos iam inscrever-se, cada um — Nao temáis. Vede: Dou-vos uma
em sua cidade. 4José subiu de Nazaré, boa noticia, uma grande alegría para
cidade da Galiléia, á cidade de Davi, na todo o povo: u Hoje nasceu para vos na
Judéia, chamada Belém — pois ele per- cidade de Davi o Salvador, o Messias e
tencia á Casa e familia de Davi — 5para Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: En­
inscrever-se com María, sua esposa, que contrareis um menino envolto em pa­
estava grávida. 6Estando eles ai, cumpriu- nos e deitado numa manjedoura.
se a hora do parto, 7e deu á luz o seu l3N esse instante juntou-se ao anjo
filho primogénito. Envolveu-o em panos uma m ultidáo do exército celeste, que
e o deitou numa manjedoura, pois nao louvavam a Deus, dizendo:
haviam encontrado lugar na pousada. — 14Glória a Deus no alto, e na terra
8Havia na regiáo uns pastores que paz aos homens que ele ama!
vigiavam por turnos o rebanho a céu 15Q uando os anjos partiram para o
aberto. 9Um anjo do Senhor se lhes apre- céu, os pastores diziam:

outros sentidos o chamaráo “primogénito o) anjo do Senhor (m al’ak Yhwh), ao qual


de muitos irmáos” (Rm 8,29), “de toda a se junta “a multidáo do exército celeste”,
criagáo” (C11,15), “dos mortos” (Ap 1,5). ou seja, os astros como anjos, ou ao con­
2.1 Nesse tempo: pode valer simples- tràrio (cf. Jó 38,7 e o título Yhwh dos
mente para ligar o relato á historia impe­ Exércitos, siderais); “que todos os anjos o
rial, e também como fórmula clássica de adorem” (Hb 1,6; cf. Ap 5,11-12). Os fa­
cumprimento escatológico. vorecidos sáo uns pastores, em harmonía
2.2 Para explicar discrepancias históri­ com o oficio primitivo de Davi por aquela
cas alguns traduzem: “este recenseamen- regiáo (ISm 16,11; 17; SI 78,70; cf. Ez
to foi precedente/anterior ao governo de 34,23 sobre o futuro Davi como pastor);
Quirino na Siria”. gente simples e sem preconceitos, recep­
2,4 Sobe-se á Judéia e a Jerusalém: pri- tiva para a mensagem; tudo se passa á
meira subida para nascer; chegará outra para margem da corte e das autoridades. O si-
morrer (9,51). Belém, cidade de origem de nal oferecido é estranho: um menino na
Davi, nao de reinado (ISm 16; Mq 5,2). pobreza e humildade. Estavam vigiando
2,5-6 Grávida: como na grande pere­ (ao contràrio dos de Is 56,10-11). Vencido
grinado do Norte a Siáo (Jr 31,8). Cum- o temor diante do sobrenatural, aceitam
priu-se: como para a matriarca Rebeca (Gn conciliar a humildade da aparéncia com a
25,24). sublimidade do título; o “Messias” espe­
2,7 “Criaram-me com mimo, entre fral- rado, o “Senhor”. Alguém comparou essa
das” (Sb 7,4). Manjedoura: Além das re- cena com a ressurreigáo. Certamente con­
presentagóes tradicionais, podia tratar-se cordarti vários temas: os seres celestes que
de urna casa semi-escavada na rocha ou “aparecem”, o resplendor, o anuncio, o si-
de uma gruta adaptada como moradia, com nal, o título “Senhor”.
urna habitagáo familiar e um recinto con­ 2,10 A boa noticia = eu-aggelion. O anjo
tiguo como estábulo. é evangelista (Is 52,7, com paz e salva-
2,8-20 Gloria, luz e alegría formam a gao). Salvador é título dos antigos juízes e
constelaqáo inicial de Is 8,23-9,6 (na dis- raramente de Jesús (At 5,31; 13,23).
posigáo atual do texto hebraico), com a paz 2,14 Gloria no céu e paz aos homens,
no título glorioso. E a razáo culminante como no principio e no final do salmo 29.
de tudo isso é que “nasceu-nos um meni­ Para os que sáo objeto da “benevoléncia”
no”. Gloria luminosa e gozo e paz pelo divina (náo por boa vontade humana, mas
nascimento de um salvador dominam o por iniciativa de Deus, cf. Is49,8; SI 30,6; 89,18).
anuncio evangélico. Também o final de 2,15-20 A segunda parte procede num
Barue está dominado pelos termos gloria, movimento de recolhimento e difusáo em
esplendor, gozo e paz. Pronuncia-o um (ou contrastes alternados. Os pastores váo com-
LUCAS 194
— Atravessemos em diregáo a Belém oferenda que manda a lei do Senlim
para ver o que aconteceu, o que Senhor um p a r de rolas ou dois pom binhos
nos comunicou. H avia em Jerusalém um homem
16Foram apressadamente e encontraram chamado Sim eáo, hom em honrado ■
Maria, José e o menino deitado na man- piedoso, que esperava a consolagáo tl>
jedoura. 17Ao ver isso, contaram o que Israel e se guiava pelo Espirito Sani"
lhes haviam dito do menino. 18E todos os 26Comunicara-lhe o Espirito Santo qu<
que ouviram isso assombravam-se com náo morreria sem antes ter visto o M<-
o que os pastores contavam. 19Maria, po- sias do Senhor*. 27M ovido, pois, pel"
rém, conservava isso e meditava tudo em Espirito, dirigiu-se ao templo. Quando
seu íntimo. 20Os pastores voltaram glori­ os pais introduziam o menino Jesus pani
ficando e louvando a Deus por tudo o que cumprir com ele o que a lei mandava,
ouviram e viram, tal como lhes havia sido 28Simeáo tomou-o nos bragos e bendi:,
anunciado. se a Deus, dizendo:
— 29Agora, Senhor meu, segundo tu.i
Circuncisáo e apresentagáo— 21 No oi- palavra, deixas livre e em paz teu sci
tavo dia, tempo de circuncidà-lo, puseram- vo; 30porque meus olhos viram teu Sal
lhe o nome de Jesus, como o anjo o havia vador, 31que dispuseste diante de todo
chamado antes que fosse concebido. os povos 32como luz revelada aos pa
22 E, quando chegou o dia de sua puri- gaos e como gloria de teu povo Israel
ficacao, 23de acordo com a lei de Moisés, 330 pai e a máe estavam admirado
levaram-no a Jerusalém para apresentà- com o que dizia do menino. 34Simeáo
lo ao Senhor, como a lei do Senhor m an­ os abengoou e disse a Maria, a máe:
da: Todo prim ogènito homem será con­ — Ve: Este está posto de forma qui
sagrado ao Senhor; 24e para fazer a todos em Israel ou caiam ou se levan

provar a mensagem: serao testemunhas que chega. A esperanza alimentou sua vida,
oculares como o foram escutando, “o que a expectativa alimenta sua velhice, náo o
haviam visto e ouvido” (cf. Is 43,10. 12; deixando morrer. A esperanza funda-se em
44,8). Os fatos comprovam as palavras, e muitas profecías, na expectativa de unni
estas revelam o sentido dos fatos. Primei- promessa pessoal do Espirito Santo. No
ro é o grupo reduzido (17); depois vem a AT, “ver a salvagáo” pode significar sim
divulgagáo (18); segue-se a interiorizagáo plesmente assistir a urna agáo salvadora
de Maria, que guarda tudo na memoria e o de Deus; pode equivaler a desfrutar déla.
medita (talvez Lucas aponte para Maria Em Simeáo se acumulam os significados:
como fonte última de informagáo). Maria ver é ter nos bragos, desfrutar, porque a
é modelo da Igreja que contempla os mis- salvagáo é o Salvador. Certo de um futuro
térios da vida de Cristo. espléndido (32) que comega, pode morrer
2,21 A circuncisáo é sinal da promessa tranqüilo; como se fosse a alforria de um
crida (Gn 17,12) e é lei para Israel (Lv escravo(Ex 21,26-27; Dt 15,13). Penetrou
12,3). Jesús nasce sob a lei (G1 4,4); mas no NT antes de morrer.
náo é a lei que salva, e sim ele, como o diz 2.25 Trata-se do consolo escatologico,
seu nome, imposto por Deus, para marcar messiànico (Is 40,1); “o Senhor consola
o seu destino (cf. Is 12,2). seu povo” (49,13; SI 94,19).
2,22-24 “Nascido sob a lei” (G1 4,3). 2.26 *Ou: O Ungido do Senhor (cf. ISm
Segundo a legislagáo (Lv 12,8; Ex 13,2. 24,7; SI 84,10; 89,39.52; Lm 4,20). Aqui
12.15). Embora já tenha nascido “consa­ em sentido messiànico estrito.
grado” (1,35). Vemos que “primogénito” 2.30 Viram: Is 40,5; “um rei em seu es­
é qualidade que náo diz nada do que ve- plendor” (Is 33,17).
nha ou náo depois. A lei de Moisés con- 2.31 Todos os povos: Is 52,10; SI 98,2.
duz o Filho do Altíssimo á casa do Pai. 2.32 “Fago de ti luz das nagóes” (Is 42,6;
2,25-32 O velho e o menino. Em Simeáo 49,6).
se alonga o AT para se unir com o Novo; 2,34-35 A béngáo é provavelmente sa­
estica o pescogo para ver a personagem cerdotal (como em ISm 2,20). Destino
195 LUCAS

mil; será uma bandeira disputada, e as­ 39Cum pridos todos os preceitos da leí
olili l icaráo evidentes os pensamentos de do Senhor, voltaram á Galiléia, à sua
nulos. '“’Quanto a ti, uma espada te atra­ cidade de Nazaré. 40O menino crescia
vesará. e se fortalecía, enchendo-se de saber; e
"'listava ai a profetisa Ana, filha de o favor de Deus o acompanhava.
I limici, da tribo de Aser. Era de idade
«migada, vivera com o marido sete anos O m enino Jesús no templo — 41Por
ilqiois do casam ento 37e permaneceu ocasiáo da festa da Páscoa, seus pais iam
viuva até os oitenta e quatro. Nao se afas- a Jerusalém todos os anos. 42Quando
iiiva do templo, servindo noite e dia com cumpriu doze anos, subiram à festa se­
magües e jejuns. 38Apresentou-se nesse gundo o costum e.43Ao terminar a festa,
momento, dando gragas a Deus e falan- enquanto eles voltavam, o menino Je­
lo ilo menino a todos os que aguarda- sus ficou em Jerusalém, sem que seus
vmn o resgate de Jerusalém. pais o soubessem. ^Pensando que esti-

Iiiimático do Messias e de sua máe. Como 2,41-52 Jesús completa a idade em que
Imido, pode-se 1er a profecía de MI 3,1: assume suas obrigagóes legáis: a marca
mitrada do Senhor no santuàrio e grande inicial da circuncisáo desemboca na en­
iiiirificagáo. A profecía está formulada em trega da lei. Esta submete agora com mais
imagens ou com tragos bélicos: o sinal ou autoridade que o pàtrio poder. Cheio de
^Mandarte (SI 74,4.9), o tomar partido (cf. sabedoria e graga, dà uma ligáo dolorosa a
12,51), o cair e levantar-se (Is 8,14; SI 20,9), seus pais, contrastando duas paternidades.
ii espada como emblema (Ex 33,2; Am 9,4). Dá também uma ligáo aos doutores da lei
2,35 A primeira frase está entre parén- no templo de Jerusalém.
ii'ses em vários manuscritos. Caso tradu­ Jesús é filho carnal de Maria, pela qual
ci um semitismo, equivale: a “a espada está ligado fisicamente á humanidade.
,ilravessará o pescogo” (cf. Jr 4,10). Ou- Está ligado a eia por afeto e submissáo
uos procuram antecedentes em Ez 14,17; filial. Mas essa relagáo fica relativizada
/,c 12,10; 13,7. Os pensamentos: Dt 8,2. e submetida a outra superior. Jesús é filho
2,36-38 Segundo seu costume, Lucas poe legal de José, pelo qual fica registrado ofi­
uma mulher ao lado de um homem. Ana cialmente como descendente de Davi. Mas
procede de uma tribo setentrional, é viúva também a sua relagáo com José fica relati­
c anciá, como Judite (Jt 16,22-23), profetisa vizada e submetida á relagáo de Jesús com
romo Débora (Jz 4—5), ou Huida (2Rs o Pai.
22,14). Segundo Joel (3,2) nos últimos tem­ O adolescente está cortando muitos vín­
pos profetizaráo homens e mulheres, jovens culos com um só gesto, que por isso se
<■anciáos. Ana se une a Simeáo: para o torna espetacular e dramático, como agáo
narrador a coincidencia nao é casual. O simbólica. Náo pede permissáo, porque
"resgate de Jerusalém” é expressáo única recebe ordens diretamente do Pai. Maria e
(cf. Is 52,9): poderia sugerir o resgate da José ficam implicados, tém que contribuir,
cscrava. Dirigindo-se á matrona Jerusalém, com sua angùstia e dor, para a trama: no
o Senhor lhe atribuí o título “teu Reden­ final, esses atores náo compreenderam
tor” (Is 49,26; 54,5; 60,16). completamente. O relato de Lucas pòe em
2,39-40 Semelhante a 1,80, só que sem primeiro plano a relagáo suprema e miste­
ictirar-se ao deserto. Lucas se detém na riosa de Jesus com o Pai.
i|ualidade sapiencial que inclui conheci- 2.41 Segundo Dt 16,1-8. Veja-se o pa­
inentos, juízo sáo, sensatez. Náo o recebe ralelo de ISm 1,3.7.21; 2,19.
de uma vez (como poderia sugerir Is 11,2), 2.42 É a segunda viagem explícita de
mas por maturagáo lenta; como o apresen- Jesus a Jerusalém e ao templo, como uma
lam os mestres sapienciais. Vejam-se os visita ao Pai.
paralelismos com o menino Samuel (ISm 2.43 É a primeira iniciativa independen-
2,21.26; 3,19). Na sua pregagáo Jesús ado- te e consciente de Jesus.
lará o estilo sapiencial com mais freqiièn- 2.44 Supóe que a caravana se repartía
eia que o profètico. em vários grupos. Tampouco entre “pa-
LUCAS 196 2,4,

vesse na caravana, fizeram um dia de 50Eles náo entenderam o que lhes dis-
viagem e começaram a procurá-lo entre se. 51Desceu com eles, foi a Nazaré <
parentes e conhecidos. 45Náo o encon­ continuou sob sua autoridade. Sua mac
trando, voltaram a Jerusalém à procura guardava tudo isso em seu íntimo. 52Je
dele. 46Após très dias, o encontraram no sus progredia em saber, em estatura c
templo, sentado em meio aos doutores, no favor de Deus e dos homens.
escutando-os e fazendo-lhes perguntas.
47E todos os que o ouviam estavam ató­ Pregagáo de Joáo Batista (Mt 3,1
nitos com sua inteligência e suas respos-
tas . 48Ao vé-lo, ficaram desconcertados,
3 12; Me 1,1-8; Jo 1,19-28) — 'No
ano quinze do reinado do imperador
e sua mâe lhe disse: Tibério, sendo Póncio Pilatos govema
— Filho, por que nos fizeste isso? dor da Judéia, Herodes tetrarca da Ga-
Vê: teu pai e eu te procurávamos angus­ liléia, seu irmáo Filipe tetrarca da Itu
tiados. réia e da Traconítide, e Lisánias tetrarca
49Ele replicou: da Abilene, 2sob o sumo sacerdocio de
— Por que me procuráveis? Nao sa- Anás e Caifás, a palavra do Senhor foi
bíeis que eu tenho de estar na casa do dirigida a Joáo, filho de Zacarías, no de­
meu Pai? serto. 3Percorreu toda a bacía do Jordáo

rentes e conhecidos” encontra-se agora precedentes, denuncia pecados e propóe


Jesús: numa breve demonstragáo cortou emendas específicas. Mas é um profeta
lagos. único: náo um na série anunciada (Dt
2,46 “Sé íntimo dos doutos, partilha teus 18,15), mas o anunciado por Is 40,3-5.
pensamentos com o prudente e teus segre- Sua visáo do Messias que chega é tremen­
dos com os entendidos” (Eclo 9,14-15). É da: juiz implacável que sentencia e exe-
como urna antecípagáo das futuras discus- cuta; aventa a palha e queima-a em seu
sdes no templo (cap. 2 0 ). fogo, empunha o machado para cortar as
2.48 Na pergunta é descarregada a an­ árvores inúteis e prejudiciais. Resta urna
gustia acumulada da máe, a forma da per­ saída: arrependimento e emenda. Aos que
gunta pertence como acusagáo ao pleito acorrem, Joáo náo lhes pede que se reti-
ou querela. A referencia a “teu pai” con­ rem do mundo (como a comunidade de
trasta com a resposta “meu Pai” (Jo Qumrá), mas que cumpram com justiga seu
15,28). respectivo oficio: náo abusar, náo extor-
2.49 Outros traduzem: nos assuntos, Je­ quir, compartilhar.
sus “tem que” por urna obrigagáo superior 3.1 Tibério (14-37 d.C.), Pilatos (26-36),
(4,43; 9,22; 24,7 etc.). Um dia “terá que” Herodes Antipas (4 a.C.-39 d.C.), Filipe
deixar a todos para voltar a “seu Pai”. (4 a.C.-34 d.C.), Lisánias (morre antes de
2.50 O mistério de Jesús é profundo e 37 d.C.), Anás (6-15), Caifás (18-36). Veja­
ainda nao está totalmente revelado. se a introdugáo histórica de Os 1,1 e Jr 1,1-3.
2.51 Ver o comentário de Eclo 3,1-16. 3.2 No deserto: 1,80. Alguns autores
2.52 Como ISm 2,26; Pr 3,4. O cresci- pensam que Joáo viveu algum tempo na
mento faz parte da sua humanidade. comunidade de Qumrá, onde teria recebido
a missáo. Do texto decorre que náo rece-
3,1-20 O aparecimento do Batista é de beu o chamado no templo (como Isaías) nem
um profeta. Definem-se as coordenadas em ambiente doméstico (como Jeremías).
históricas: o imperador do mundo, seu re­ 3.3 O rito de imersáo na água corrente
presentante na Judéia, as autoridades dos sela o perdáo de Deus alcangado pelo ar-
lugares afetados pela pregagáo, a autori- rependímento. Náo é um dos muitos ritos
dade sacerdotal. Joáo é introduzido com de purificagáo que se praticavam no tem­
a fórmula profètica tradicional (dbr Yhwh plo ou em casa. A água corrente simboliza
hyh /-) “a palavra do Senhor foi dirigida melhor o perdáo na imagem de “lavar” (SI
a N.”; mas náo é narrada a vocagáo por­ 51,4; Is 1,16-17; Jr 4,14), melhor que o
que é suficiente a predigáo do anjo e o hissopo (Si 51,9); arrastando as impure­
salto no ventre materno. Como profetas zas do delito, deixa limpo o homem.
1,15 197 LUCAS

pregando um batismo de arrependimen- 10Entáo a m ultidáo lhe perguntava:


lo para o perdáo dos pecados, 4como está — O que devem os fazer?
escrito no livro do profeta Isaías: Urna n Respondia-lhes:
voz grita no deserto: Preparai o cami- — Quem tiver duas túnicas dé urna a
nlio para o Senhor, aplainai suas vere­ quem náo tem; o m esm o faeja quem ti­
das. 5Todo vale será preenchido, montes ver comida.
<•colinas seráo abaixados, o torto será 12Foram também batizar-se alguns co-
endireitado e o escabroso será nivelado letores, e lhe perguntavam:
V todo mortal verá a salvando de Deus. — Mestre, o que devem os fazer?
'B dizia as multidóes que tinham ido ao 13Ele Ihes respondeu:
seu encontro para que as batizasse: — Náo exijáis m ais do que está esti­
— Ninhada de víboras! Q uem vos pulado.
ensinou a fugir da condenaqáo que se 14Também os policiais lhe pergun­
aproxima? 8Produzi fruto digno de ar- tavam:
rependimento e náo com eceis a dizer: — E nós, o que devem os fazer?
N ossopai éA braáo; pois vos digo que Respondeu-lhes:
dessas pedras Deus pode tirar filhos — Náo m altratéis nem denunciéis
para Abraáo. yO machado já está posto ninguém e contentai-vos com vosso pa­
¡í raiz da árvore: árvore que náo produ­ gamento.
cir bons frutos será cortada e jogada no 15Visto que o povo estava na expec­
logo. tativa e todos perguntavam a si pró-

3,4-6 Do profeta do exilio, Lucas cita 3.10 Corretamente os penitentes per-


significativamente Is 40,3-5: a preparagáo guntam sobre a emenda (cf. SI 51,15;
do caminho comunica seu valor simbóli­ 25,4).
co e desemboca na grande revelagáo: “todo 3.11 A primeira emenda é partilhar. Na-
mortal verá a salvaqáo de Deus”. Salva- quele tempo, era difícil obter vestes, e ter
qáo será o salvador. Seu caminho ou estra­ duas túnicas era considerado luxo; o ali­
da percorre as consciencias das pessoas; mento podia faltar ou escassear (23,34;
veja-se o inicio da terceira parte do livro 16,21). Compare-se com o programa pe­
de Isaías: “Praticai a justiga, pois minha nitencial de Is 58,7: “partir teu pao com o
salvagáo está para chegar” (Is 56,1). No faminto..., vestir o que ves n u...”
deserto comegará urna restaurado dolo- 3,12-13 O regime de arrendamento da
rosa ou amorosa (Ez 20,35-38; Os 2,16). cobranza de impostos prestava-se a conti­
3.7 O tom do discurso é violento; como nuos abusos.
Isaías (Is 1,10) náo pretende captar a be­ 3.14 Alguns pensam em soldados estran-
nevolencia. Raga de víboras: venenosos geiros mercenários. E mais provável que
que envenenam a outros (Is 14,29; 59,5; fossem judeus a servido do tetrarca ou dos
cf. SI 58). Acondenagáo é também “a ira” cobradores de impostos.
de Deus (Sf 1,14; Is 34,2). Náo é fácil fu­ 3,15-17 Aborda a grande questáo: a re-
gir (Am 5,19). lagao do Batista com o Messias (questáo
3.8 A náo ser pela emenda, que é fruto que preocupou sobretudo o evangelista
maduro do arrependimento, náo basta a Joáo). O Batista se identifica por oposi-
descendencia carnal de Abraáo (Jo 8,39; gáo. O Messias vem depois, com maior
cf. Ex 32,13); é como apelar para a elei- autoridade e direito; é o esposo que náo
c;áo, repetidas vezes declarada insuficien­ cede seu direito (Dt 25,9, levirato e rito da
te (Jr 11,13-17). Se Abraáo era a pedreira sandália). Seu batismo será de fogo puri-
(Is 51,1-2) por dom divino, Deus pode uti­ ficador (Is 4,4; MI 3,3) e de Espirito
lizar outras pedras (em hebraico filhos e vivificador. Será vento de aventar (cf. Jr
pedras fazem assonáncia banim ’abanim). 4,11).
3.9 No fogo: Is 27,11; Ez 15,6-7. Sím­ 3.15 Poderia aludir a expectativas
bolo de castigo escatológico ou definiti­ messiánicas da época, polarizadas pelo éxi­
vo, que destrói ou aniquila. to aureolado de Joáo. O “povo” é Israel.
LUCAS 198

prios se Joáo nao seria o Messias, I6Joáo corpórea de pomba e ouviu-se um;i vi<
dirigiu-se a todos: do céu:
— Eu vos batizo com água; mas está — Tu és o meu Filho querido, o inm
para chegar aquele que tem mais auto- predileto.
ridade que eu, e eu náo tenho direito de Sfclr i' -i • V
desam arrar-lhe a correia das sandálias. Genealogía de Jesús (M t 1,1-17)
Ele vos batizará com Espirito Santo e 23Q uando Jesús começou seu minisU'
com fogo. 17Já em punha a pá para pe- rio, tinha trinta anos e passava por h
neirar sua eirá: recolherá o trigo no ce- lho de José, que o era de Eli, 24o de Mil
leiro, queim ará a palha num fogo que tat, o de Levi, o de Melqui, o de Janai
náo se apaga. o de José, 25o de Matatías, o de Amos,
18Com muitas outras exortagóes anun- o de Naum, o de Esli, o de Nagai, ' o
ciava ao povo a boa noticia. de Maat, o de Matatías, o de Semeín, o
190 tetrarca Herodes, repreendido por de Josec, o de Jodá, 27o de Joaná, o di
Joáo por causa do assunto de Hero- Ressa, o de Zorobabel, o de Salatiel, o
díades, sua cunhada, e pelos dem ais de Neri, 28o de Melqui, o de Adi, o de
crim es com etidos, 20acrescentou a to­ Cosá, o de Elmadá, o de Her, 29o de .!<•
dos o de prender Joáo no cárcere. sus, o de Eliezer, o de Jorim, o de Matul,
o de Levi, 30o de Simeáo, o de Judá, o
Batismo de Jesús (Mt 3,13-17; Me 1,9- de José, o de Joná, o de Eliacim, 31o di
11) — 21Enquanto todo o povo se bati- Meléia, o de Mená, o de Matatá, o de
zava, tam bém Jesús se batizou; e en- Natá, o de Davi, 32o de Jessé, o de Obed
quanto orava, o céu se abriu, 22desceu o de Booz, o de Salá, o de Naasson, 33o
sobre ele o Espirito Santo em figura de Aminadab, o de Admin, o de Arni, o

3,18 Além de profeta, Joáo é arauto de 3.21 Como em outras ocasióes, Lucas
boas noticias (cf. Is 40,9), por suas últi­ registra o fato da oragáo sem informar so­
mas palavras, anunciando a proximídade bre o conteúdo. Pode-se conjecturar que
do Messias. pega o que se cumprirá ¡mediatamente. O
3,19-20 Esse anúncio é a última palavra céu se abre para revelar um mistério (Is
pública de Joáo. Herodes o encarcera por­ 63,19; Ez 1,1).
que o profeta se tinha atrevido a denun­ 3.22 A voz do Pai se dirige em segunda
ciar o pecado do tetrarca; destino seme- pessoa a Jesús: “tu és” (SI 2,7). No segun­
lhante ao de Jeremías, preso para que náo do predicado soa um eco do canto an­
falasse. gélico, eudokia. A expressáo “em figura
3,21-22 Mas antes do aprisionamento corpórea” é enfática e própria de Lucas.
aconteceu este grande episodio: novo en­ 3,23-38 Este Filho de Deus é também
contró de Joáo com Jesús, já adultos. O Filho da humanidade, ben ’adam. Paulo
batismo de Jesús, sumariamente registra­ remonta a Davi (Rm 1,3), Mateus sobe até
do por Lucas, apresenta-se quase como Abraáo, Lucas até Adáo e Deus. Em últi­
agáo simbólica: humilhagáo que provoca ma análise, todos nós homens somos “fi-
a exaltagáo (cf. F12,8-10). Misturado com Iho-de-Adáo”. Nesta lista náo figura ne-
os pecadores sem o ser, Jesús recebe o nhuma máe; compensa-o o relevo de
duplo testemunho do Espirito e do Pai. Maria. As genealogías sáo listas intro-
Testemunho, por autoridade e conteúdo, duzidas no Génesis (Gn 5; 10; 36), am-
muito superior ao do Batista. O Espirito plamente exploradas em lC r 1—4. Lucas
se manifesta em imagens (a pomba da arca, escolhe a disposiçâo ascendente, menos
Gn 8,12, ou do amor, Ct 2,10), o Pai na usada.
voz (Jo 12,28.30). O testemunho do Pai Embora menos que Mateus, Lucas es­
sobre o Filho há de orientar e iluminar toda tiliza sua lista em 77 nomes, onze sete-
a narragáo seguinte. Adescida do Espirito nários: très até o exilio, très até Davi, dois
é como a consagragáo ou ungáo do Mes­ até Isaac, très até Adáo. Algumas perso-
sias para seu ministério. nagens importantes ocupam o lugar inicial
199 LUCAS

t|t> r.sron, o de Farés, o de Judà, 34o de — Se és Filho de Deus, diz a essa


o de Isaac, o de Abraáo, o de Taré, pedra que se transforme em pao.
il tic Naeor, 35o de Seruc, o de Ragau, o 4Replicou-lhe Jesús:
iIm l'aleg, o de Éber, o de Salá, 36o de — Está escrito que o homem nao vive
l nina, o de Arfaxad, o de Sem, o de som ente de pao.
NnO, o de Lamec, 37o de M atusalém, o 5Depois o levou a uma altura e lhe
i Im IIciioc, o de Jared, o de M alaleel, o m ostrou num instante todos os reinos
il» ( ainâ, 38o de Enós, o de Set, o de do mundo. óO Diabo lhe disse:
Aliño, o de Deus. — Eu te darei todo esse poder e sua
gloria, porque o deram a mim, e o dou
A prova de Jésus (M t 4,1-11; Me a quem quero. ;Portanto, se te prostra-
4 1,12s) — ^esu s, cheio de Espirito
Nunto, afastou-se do Jordâo e deixou-
res diante de mim, tudo será teu.
8 Replicou-lhe Jesús:
m* levar pelo Espirito ao deserto, 2du- — E stá escrito: A dora rá s o Senhor
iiinle quarenta dias, enquanto o Diabo teu Deus, e som ente a ele prestarás
o punha à prova. Nesse tem po nào co- culto.
mtui nada, e no fim sentiu fome. 30 Dia- 9Entáo o conduziu a Jerusalém, co-
Im Ihe disse: locou-o no beiral do templo e lhe disse:

nu final de um setenário: Davi, Abraâo, 34,28) ou de Elias (IRs 19,8). O Diabo


llcnoc. Com Jésus começa a duodécima apela ao título proclamado no batismo: “se
«lapa. Nela culmina a bênçâo genesiaca és Filho de Deus”; supondo que esse títu­
(Un 1,27). lo outorgue autoridade e poder para trans­
mutar os elementos em proveito próprio
4.1-13 Antes de começar seu ministé- (cf. Sb 19,18-22). Precisamente enquanto
rlo, Jésus é submetido à prova (cf. Eclo Filho, Jesús deve depender confiadamente
,¡,1-3; Tg 1,2-4). Cheio do Espirito e mo­ do Pai (Le 12,22-31).
vido por ele (Rm 8,13), vai repetir a expe­ 4,5-8 Olhar mais ampio que a visáo de
riencia de Moisés e do povo no deserto Abraáo (Gn 13,14-15) ou de Moisés (Dt
(Hx 16,35; 24,18; Nm 14,33), e de certa 34,1-4). O Diabo pretende ser senhor do
forma a de Adâo no paraíso. Nem Adâo mundo e dispor dele á vontade (ver 2Cr
nom o povo superaram a prova, pois nâo 4.4), talvez alusáo ao culto imperial. E um
estavam repletos do Espirito Santo. E pos­ poder que compete só a Deus: “O Altíssimo
to à_prova pelo “Diabo” — que nâo figura é senhor dos reinos humanos e dá o poder
no Exodo — (compare-se 2Sm 24,1 com a quem ele quer” (Dn 4,22; Jr 27,7). A con-
h versâo do mesmo fato em lC r 2 1 , 1 e digáo do Diabo é prostrar-se (como em Dn
veja-se Jó 1—2). O Diabo apresenta e re­ 3.5), reconhecendo seu dominio e suas leis
presenta um projeto de açâo oposto ao do para triunfar. Na proposta, descobrimos
Pai. Como Mt, Lucas seleciona très pro­ o diabólico da ambigáo, do poder incon-
vas exemplares, e se afasta de Mt ao colo­ trastado. Jesús responde concisamente, ci­
car a culminante no centro. A cena repre­ tando um texto fundamental e muito co-
senta em forma dramática, num cenário nhecido (Dt 6,13). Ele receberá o poder
despojado, a oposiçâo dos planos huma­ do Pai (Le 10,22), náo do Diabo, e execu-
nos, “diabólicos”, ao plano divino de sal- tando o plano do Pai; e náo pretenderá a
vaçâo; encerram urna “sensatez terrena, “gloria” mundana, e sim a do Pai.
animal, demoníaca” (Tg 3,15). Paulo des- 4,9-12 A terceira prova discorre a gol­
creverá a luta no interior do homem (Rm pes de “argumentos da Escritura”. O Dia­
7,15-22). bo apela de novo ao título de Filho de
4.2-4 A prova da fome está mencionada Deus, em virtude do qual e com um gesto
e explicada em Dt 8,3, da quai cita sô uma inútil e suicida poderá provocar a inter­
parte; no original continua: “mas de tudo v en g o divina prometida. Como confirma­
o que sai da boca de Deus”. O jejum de d o , cita um grande salmo de confianza
quarenta dias é como o de Moisés (Ex (91,11); acaba sendo irónico que esse sal-
LUCAS 200 4,10
— Se és F ilho de Deus, lanqa-te para nava em suas sinagogas, respeitado por
baixo, wp o is está escrito que deu or- todos.
dens a seu s an jo s para que te guardem 16Foi a Nazaré, onde se criara, e se­
n e te levaráo em suas palmas, para que gundo seu costume entrou no sábado
teu p é nao tropece na pedra. na sinagoga e se pds de pé para fazer a
l2 R eplicou-lhe Jesús: leitura. n Entregaram-lhe o rolo do pro­
— Está dito que nao porás á prova o feta Isaías. Desenrolou-o e encontrou
Senhor teu D eus. o texto que diz: 180 Espirito do Senhor
13C oncluída a prova, o Diabo afas- está sobre mim, porque ele me ungiu
tou-se dele até outra ocasiáo. para que dé a boa noticia aos pobres;
enviou-m e a anunciar a liberdade aos
Na sinagoga de Nazaré (Mt 13,53-58; cativos e a vis&o aos cegos, para por
Me 6,1-6) — 14Impulsionado pelo Espi­ em liberdade os oprimidos, 19para pro­
rito, Jesús voltou á Galiléia, e sua fama clam ar o ano de graqa do Senhor. 2í)En-
estendeu-se p o r toda a regiáo. 15Ensi- rolou-o, entregou-o ao servente e sen-

mo cante o poder sobre as forças demonía­ de homicidio. Sucede com os campone-


cas. Jesús cita Dt 6,16. Pôr Deus à prova é ses da terra natal, sucederá com o povo ao
pedir-lhe ou exigir dele milagres injusti­ qual pertence.
ficados; como no exemplo clássico de 4,16-17 Jesus segue o rito habitual. No
Massa e Meriba (Ex 17,1-7; Nm 20,12- culto semanal da sinagoga se ora e se can­
13; SI 95,8). ta, se le urna perícope da Lei (Torà) e de­
4,13 Termina a prova (Hb 4,15), até ou­ pois outra dos profetas. Ambas estáo es­
tra ocasiáo: a do poder das trevas (22,53) critas em rolos de pergaminho, que se
ou quando o Diabo entrar em Judas (22,3). conservam na sinagoga, e um funcionário
4,14-15 Entre dois sumários ( 14-15 e 40- apresenta e guarda. Acrescenta-se um co-
44), Lucas coloca duas cenas importantes: mentário. Qualquer assistente adulto pode
a declaraçâo na sinagoga de Nazaré, a cura solicitar o privilègio de 1er e comentar. Lé­
do endemoninhado na sinagoga de Cafar- se de pé e se comenta sentado. Jesús se
naum; mais um milagre doméstico. A pri- adapta ao ritual e lè a perícope indicada:
meira parte do seu ministério se desenvol- Is 61,1-2, citada por Lucas segundo a ver-
ve na Galiléia, a principio com éxito. Age sáo grega, que substitui um versículo por
sozinho, pois na composiçâo de Lucas aín­ 58,6 e suprime a frase final.
da náo chamou os discípulos. Os sumá­ 4,18-19 Dois verbos do texto original
rios têm funçâo de marco, pois a cena de adquirem nova ressonáncia: trazer urna
Nazaré funciona como a auto-apresenta- boa noticia e proclamar ou apregoar. Aboa
çào pública. noticia leva como denominador comum a
Superada a prova, o Espirito continua liberta§áo de qualquer espécie de opressáo:
guiando-o: do deserto ao cenário da pri- física, os cegos; económica, os pobres;
meira atividade. Ñas sinagogas, lugar de política, os cativos. Esse é o ano jubilar
oraçâo e catequese, começa a ressoar a voz anunciado, assim definido e proclamado
do Messias: apesar de respeitado, ainda em nome do Senhor (náo importa que seja
náo reconhecido como tal. o ano quinze do imperador Tiberio, 3,l).
4,16-30 Lucas captou e plasmou um No texto, um profeta anònimo fala na
momento culminante na historia da huma- primeira pessoa: quem o pronuncia? Con­
nidade. Foi registrando detalhes para au­ forme o eu que o pronuncie, assim será o
mentar a curiosidade dos presentes e a alcance real das palavras. Muitos leram os
expectativa dos leitores. Fez soar a noti­ versículos, e o seu sentido sempre ficava
cia sensacional e deixou que provocasse a meio caminho. Até que chegue o eu que
estupor, tensáo, luta dramática. Aceña vem o pronuncia autenticamente: quando este
a ser programática: síntese e modelo da o pronunciar, o texto se terá cumprido,
pregaçâo de Jesús. Apresenta-se como Mes­ estará “cheio” de sentido. É isso que acon­
sias, provoca um entusiasmo passageiro, tece, “hoje”, na presenta de um grupo pri­
segue-se a dúvida e a rejeiçâo e a tentativa vilegiado. Jesús náo le apenas um texto
201 LUCAS

lou. A sinagoga inteira tinha os olhos ve fechado tres anos e meio e houve
Iixos nele. 21Ele comegou dizendo-lhes: grande carestía em todo o país. 26A ne-
— Hoje, em vossa p resenta, cum- nhum a délas foi enviado Elias, a náo
priu-se esta Escritura. ser á viúva de Sarepta, na Sidónia. 27Ha-
22Todos o aprovavam, admirados com via m uitos leprosos em Israel no tem ­
i-ssas palavras sobre a gra§a* que saiam po do profeta Eliseu; ninguém ficou
ile sua boca. E diziam: curado a náo ser o sirio Naamá.
— Mas nao é este o filho de José? 28Ao ouvir isso, todos na sinagoga se
23Ele lhes respondeu: indignaran!. 29Levantando-se, expulsa-
— Sem dúvida me diréis aquele re- ram -no para fora da cidade e o levaram
l'ráo: médico, cura-te a ti mesmo. O que a um precipicio do monte sobre o qual
ouvimos que aconteceu em Cafarnaum, estava construida a cidade, com inten-
laze-o aqui, em tua cidade. gáo de precipitá-lo de lá. 30Ele, porém,
24E acrescentou: passando entre eles, foi-se embora.
— Asseguro-vos que nenhum profe­
ta é aceito em sua pàtria. -“ Certam ente, O e n d em o n in h ad o (M e 1,21-28) —
vos digo, havia muitas viúvas em Israel 31Desceu a Cafarnaum, cidade da Gali­
no tempo de Elias, quando o céu este- léia, e aos sábados ensinava o povo.

casual da Escritura. Lè o seu texto, é eie 4,23-27 A incredulidade provoca o ensi-


que lhe dà sentido. Declara-se ungido pelo namento polémico de Jesús, antecipando a
Espirito, e a un§ào tem aqui sentido mes­ objeçâo ou adivinhaçâo dos pensamentos:
siànico (SI 2,7). E o ungido por antono­ “Náo chegou a palavra à boca, e já a sabes
màsia, o Messias. toda” (SI 139,4). Cita Elias e Eliseu como
Suprime urna cláusula, que podía soar taumaturgos a serviço dos pagaos (IRs
(especialmente na Galiléia) em tom nacio­ 17,1-7; 2Rs 5,1-27). O Messias será como
nalista: “o dia da desforra do nosso Deus”. eles e mais ainda: aponta-se para a missáo
A mensagem de Deus é inteiram ente aberta da Igreja. Como se aplica o refráo?
libertadora, e náo coincide com a visáo tre­ (Cf. 23,35). — Cura a ti e aos teus; ou en-
menda do Batista (3,7-17). táo: curar teus conterráneos será tua cura,
4,22 *Ou palavras atraentes. A reagáo para que sejas acreditado. Ou é um insulto:
do povo está exposta em termos ambiguos. começa curando-te, pois precisas. E acres-
Testemunhar, segundo o contexto, o obje­ centa a frase que se tomou proverbial na
to ou a construgáo, pode ser a favor ou fórmula “ninguém é profeta em sua pátria”.
contra; o mesmo vale para admirar-se. 4,28-29A isso responde a indignaçâo dos
Caberia traduzir: “declaravam-se contra... conterráneos. Se Jesús náo confirma sua
estranhavam...”; é mais freqüente e pro- pretensáo com um milagre, é usurpador do
vável o sentido positivo (com dativo, como título messiánico e merece a morte. A Bi­
cm At 10,43; 13,22; 15,8). Segundo ele, blia nada fala do precipitar no abismo como
acontece urna reagáo ¡mediata, de aprova- forma de execuçâo. Acaba sendo macabro
gáo e admiragáo pelo seu comentário so­ que o suposto lugar do nascimento (ou in­
bre “a graga” do texto lido. Recebem como fancia) seja o da execuçâo capital. A tenta­
“boa noticia” a chegada do suspirado e tiva falha, porque náo chegou a sua hora.
esperado momento da libertagáo. Mas que Lucas antecipou os fatos numa composi-
seja Jesús o Messias profetizado, isso é çào dramática.
outro assunto. A seguir, essa impressáo 4,31-32 Repete-se o esquema do ensi-
espontánea se opóe aos antecedentes co- namento e a reaçâo favorável do povo. Fala
nhecidos do jovem nazareno, e se impóe a com autoridade própria, náo citando fon-
dúvida: pode o filho de José ser o Mes­ tes alheias. Nem ratina nem imposiçâo; a
sias? “Filho de José” é a crenga do povo; autoridade brota de uma plenitude. A sua
Lucas está mais a par. A dúvida pede pro­ palavra transmite força de convicçâo e náo
vas: um milagre como os que se contam. precisa de reforços alheios. A seguir se
A incredulidade vence. acrescenta o milagre.
LUCAS 202

32Estavam assom brados com seu ensi- por eia. 39Ele se inclinou sobre eia. n
namento, pois falava com autoridade. preendeu a febre, e eia passou. Imcdm
33Havia na sinagoga um homem pos- tamente levantou-se e se pòs a servi li >■
suido pelo espirito de um demonio ¡mun­ 40Ao pór-do-sol, todos os que tinham
do, que comegou a gritar: doentes atingidos de diversos males i •
— 34 Ah! que tens comigo, Jesús de levavam a ele. Ele punha as máos su
Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei bre cada um e os curava.
quem és: o consagrado de Deus. 41De muitos saíam demonios, gritan
35Jesus o repreendeu: do: Tu és o filho de Deus. Ele os repie
— Cala e sai dele. endia e nào os deixava falar, pois sa
O dem onio o arremessou no meio e biam que ele era o Messias.
saiu dele sem causar-lhe daño. 42De manhá saiu e se dirigiu a um
36Ficaram todos estupefatos e comen- lugar despovoado. O povo o procui.i
tavam entre si: va, e quando o alcangaram, o seguía
— O que significa isso? M anda com vam para que nao fosse embora. 43M;i
autoridade e poder nos espíritos ¡mun­ ele lhes disse:
dos, e saem. — Tenho que levar tam bém ás de
37Sua fam a se espalhou por toda a mais cidades a boa noticia do reinado
regiáo. de Deus, pois para isso fui enviado.
44E pregava ñas sinagogas da Judéin
C uras e pregagáo (M t 8,14-17; Me
1,29-39) — 38Saiu da sinagoga e entrou C ham a os prim eiros discípulo-.
em casa de Simáo. A sogra de Pedro
estava com febre alta, e lhe suplicaram
5
(M t 4,18-22; Me 1,16-20; Jo 1,35
51) — 'A multidáo se com prim ia ao

4,33-37 Segundo a mentalidade da épo­ febre como antes ao demònio (v. 35, vei
ca, a doenga é atribuida a um poder ma­ bo epitimaó). Eia fica curada de ¡mediati >
ligno personificado; a cura é exorcismo. e táo perfeitamente, que se pòe a servir os
Nao contamina um demonio ¡mundo o re­ hospedes. E um milagre doméstico, fami
cinto religioso da sinagoga? Pelo menos é liar, realizado de forma rápida.
inconciliável com a presenga “santa” de 4,40-41 Sumário de curas, ñas quais
Jesús: “Que concordia tem Cristo com doenca e possessáo se misturam. O tato
Belial?” (2Cor 6,15). O demonio pronun­ corporal realiza e expressa a transmissáo
cia nome e títulos do exorcista, quer para do poder curador a cada um dos doentes
neutralizá-lo, quer por despeito da derro­ Ao invés, aos demonios ele “conjura” (o
ta. O título “consagrado”, santo de Deus, mesmo verbo do v. 35), e náo aceita deles
parece ter aqui alcance messiànico (sim- o título messiànico “filho de Deus”.
plesmente sacerdotal em SI 106,16). O 4,42-44 Sumário de viagern apostólica.
demonio teme pelos do seu grupo, “nós”. O afà de Jesus pelo retiro acaba sendo váo:
Jesús pronuncia duas ordens categóricas. sinal da popularidade que vai alcanzando.
“Cala”: que nao diga seu nome e título; Náo pode confinar-se num lugar, porque a
“sai”: de teus dominios ilegítimos. Real­ sua missáo é difundir “a boa nova” (3,18;
mente Jesús vem “acabar com eles”. “Re­ 4,18) do reino de Deus. É curioso que no
preendeu” é o verbo que se diz de Deus sumário o autor salta da Galiléia á Judéia,
debelando rebeldías (Zc 3,2 a Sata; SI 68,31; antecipando os acontecimentos, a fim de-
106,9). O povo, que admirou a “autorida­ alargar o sumário. Como se dissesse que o
de” do seu ensinamento, admira agora “a acontecido na Galiléia era exemplar. Je­
autoridade do seu poder sobre o demonio”. sús se considera “enviado” — pelo Pai —
4,38-39 Lucas menciona Simáo, que ele e guiado pelo Espirito. Desta “missáo”
ainda nào apresentou: a comunidade (e o partem as outras.
leitor) sabia de quem se tratava. A doente
jaz sobre urna esteira e Jesus, de pé, a do­ 5,1-6,16 Nova segáo. Lucas nos apre­
mina de cima. Nào lhe fala; dirige-se à sentou a ungào messiànica de Jesús no
203 LUCAS

uilui dele para escutar a palavra de rompiam. 7Fizeram sinais aos socios da
I •• II-., enquanto ele estava á beira do outra barca para que fossem ajudá-los.
de (íenesaré. 2Viu duas barcas jun- Chegaram e encheram as duas barcas,
ln ,i margem, pois os pescadores ha- que quase afundavam . 8Ao ver isso,
i iiiin descido e estavam lavando as re- Simáo Pedro caiu aos pés de Jesús e
ih'ii 'Subindo a urna das barcas, a de disse:
' . i m i . i o , pediu-lhe que se afastasse um — Afasta-te de mim, Senhor, pois sou
|inm <> da térra. Sentou-se e, da barca, um pecador.
iiiincgou a ensinar o povo. 4Quando 9Pois o espanto se havia apoderado
ii iininou de falar, disse a Simáo: dele e de todos os seus companheiros
Rema lago adentro ejo g a as redes por causa da quantidade de peixes que
|nii;i pescar. havia pescado. 10O mesmo acontecía
Keplicou-lhe Simáo: com Joáo e Tiago, que eram socios de
Mestre, labutam os a noite inteira Simáo. Jesús disse a Simáo:
«»•ni nada conseguir; porém, já que o — Náo tem as, daqui para a frente
ili/.cs, jogarei as redes. pescarás homens.
' Tizeram isso e apanharam tamanha n Entáo, atracando as barcas á térra,
i|ii;intidade de peixes que as redes se deixaram tudo e o seguiram.

Imlismo, a prova no deserto, a auto-apre- lato teológico do chamado, claramente


nnilagáo em Nazaré. Cotn algum fato par­ concentrado na pessoa de Pedro.
ticular e com visóes panorámicas nos mos- 5,3 O oficio empírico será o objeto do
nou o cometo de um ministerio de Jesús prodigio e a imagem do novo oficio (em
i iim tendencia expansiva. Para realizar a outro sentido Jr 16,16 e Hab 1,14). O pes­
i'xpansáo, Jesús cerca-se de colaborado- cador oferece sua barca como plataforma
i i - s , tema que domina essa segáo. ou tribuna para o Mestre.
Está cuidadosamente composta de sete 5,4-7 Pedro vai experimentar seu fra-
pegas (!). A primeira, a quarta e a sétima casso humano, seu éxito ao obedecer a
sao vocagóes: dos pescadores ( 1 ), do Jesús; suas palavras, entre reticentes e con­
coletor (4), dos doze (7). De ambos os la­ fiadas, expressam estima e respeito: “já
tios da central: duas curas em atengáo á fé que o dizes”. Efetivamente, a ordem de
(2 e 3); duas controvérsias sobre observán- Jesús compensa fadigas e transborda em
cia pela rejeigáo dos fariseus. expectativas.
5,8-10 Mais importante, Pedro tem de
5,1-11 No relato de Lucas, até agora Je- descobrir sua condigáo pecadora revelada
nus age sozinho, no territorio da Galiléia. pela presenga e atuagáo de Jesús, o Santo,
[Jai para a frente vai alargar seu campo de e como paño de fundo do chamado: de
ngáo e rodear-se de colaboradores. modo semelhante a Isaías, “eu, homem de
Lucas náo se contenta em contar sucin­ lábios impuros” (Is 6,5); como o salmista:
tamente chamado e resposta; mas narra-o “Puseste nossas culpas diante de ti, nos-
de modo que aparega como projegáo an- sos segredos á luz do teu olhar” (SI 90,8).
lecipada do que será a missáo apostólica Como pecador, sente que Jesús deve afas-
da Igreja. Como agáo simbólica explicada tar-se do seu contato; mas o chamado pede
por Jesús, como antecipagáo do dom ge­ mais, como que urna reconciliagáo.
neroso. 5,10-11 Pescar é imagem de apostolado,
5,1 O primeiro chamado tem como ce- como será depois o pastoreio; o pescador
nário as multidóes; no entanto, Jesús se vive em mais contato com a natureza, está
afasta para expor-lhes “a palavra de Deus”, mais exposto aos azares dos elementos e á
fórmula que a liturgia popularizou e que sorte da faina. A abundáncia da pesca pode
designa a mensagem evangélica. As duas simbolizar para a comunidade a expansáo
posturas de Jesús definem sua atitude: de da Igreja. Simáo é o primeiro; quando “cai
pé, comprimido pelo povo, ensinando sen­ aos pés” de Jesús, já tem o nome oficial
tado. Em seguida, sobre o fundo realista de Simáo Pedro. Ao final da cena se acres-
de pescadores em agáo, toma forma o re- centam os dois irmáos que formaráo o trio
LUCAS 204 5,12

C u ra um leproso (M t 8,1-4; Me 1,40- conste, leva a oferendade tua cura es-


45) — 12Encontrava-se num povoado tabelecida por Moisés.
em que havia um leproso; este, vendo 15Sua fama se difundía, de sorte que
Jesús, caiu com o rosto por térra e lhe su- grandes multidôes acorriam para es-
plicava: cutá-lo e para serem curadas de suas
— Senhor, se queres podes curar-me*. enfermidades. 16Mas ele se retirava a
13Estendeu a máo e o tocou, dizendo: lugares solitários para arar.
— Quero, fica curado.
Imediatamente a lepra desapareceu. C u ra um paralítico(Mi 9,1-8; Me 2,1-
14E Jesús lhe ordenou: 12) — 17Certo dia, quando estava ensi-
— Nao o contes a ninguém. Vai apre- nando, assistiam sentados alguns fari­
sentar-te ao sacerdote e, para que lhe seus e jurisconsultos* que vieram de

dos íntimos. Ao chamado respondem com exemplo importante éoferecido pelo Sal­
o seguimento ¡mediato e incondicional. mo 38; interessa tambémo Salmo 41, pela
5.12-26 Em duas curas revela-se o po­ mençâo do leito. Os trèsmotivos funcio-
der de Jesus. Em comum tèm a gravidade nam neste caso, com umarepartiçâo e um
da doenga e a atitude de fé. Estáo dispos­ desenlace diferente: doença/cura, pecado/
tas em pregressa«: por ser mais grave a perdâo, hostilidade/demonstraçâo. Apre-
paralisia, pela passagem ao perdáo dos sentam-lhe um doente incurável, e Jesús
pecados e pela oposigáo nascente dos vai direto à raiz, o petado; de modo
fariseus e dos letrados. provocatorio, desafiante, Este milagre é
5,12 *Ou: limpar-me. especial, porque se realiza como prova de
5.12-14 Embora nao se trate de lepra em um poder: inferior numsentido, “mais fá­
sentido clínico, o homem sofría de urna gra­ cil”, superior em outro sentido: “quem,
ve doenga da pele que o afastava do convi­ exceto Deus”. Esse “filho de Adáo”, Ho­
vio social e do culto (Lv 13,45-46; cf. Lm mem por antonomàsia, recebeu entre seus
4,15). Já curado, tinha de apresentar-se ao poderes o de perdoar pecados. O enfermo
sacerdote para que este confirmasse ofi­ é simplesmente “homem" (18.20).
cialmente a “limpeza” legal e para levar Judeus observantes eperitos na interpre-
urna oferenda de a§áo de gragas (Lv 14). O taçâo da lei acorreram inclusive da Judéia
doente eré no poder de Jesus. A prostratilo e da capital, talvez coma finalidade de
e o título Senhor soam no evangelho com inspecionar. Lucas amplia a concorréncia
acento cristáo. Jesús nao teme contagiar-se para dar a impressáo deumconfronto glo­
tocando o impuro, antes, cura-o com seu bal. Na mentalidade da época, a doença
contato. Os sacerdotes diagnosticam, Jesús estava ligada ao pecado, como efeito ou
cura. Pode-se contrastar este breve relato como síntoma. Os queempregam seu en-
com o milagre da água do Jordáo, dirigido genho e esforço para apresentar-lhe o en­
por Eliseu (2Rs 5). fermo buscam a saúde corporal. Jesus vai
5,15-16 Lucas considera importante a no­ ao fundo, percebe a fé (também do doen­
ticia e a insere entre as duas curas: o dese- te) e sua boa disposiçâo, epronuncia urna
jo de solidáo e oraqáo de Jesus. É um dado fórmula de absolviçâo(navoz passiva, cf.
que nao se presta a descrigáo dramática SI 32,1-2). Jamais um profeta ou sacerdo­
nem a encenagáo (cf. Eclo 39,9-10). A so- te pronunciaram palavras semelhantes;
briedade do narrador responde á discrigáo perdoar pecados é competência de Deus
do Mestre. (Compete ao leitor deter-se res­ (Is 43,25; SI 130,4). 0 verbo slh sempre
petosamente.) tem Deus por sujeito, e na voz passiva é
5,17-26 Até agora Jesus curou corpos e conseqüência da expiaçâo ritual. Quem se
expulsou demonios. Pois bem, a missáo arroga tal autoridade, blasfema (Lv 24,11-
primària do Messias é perdoar pecados (Mt 16). Assim, o primeiro confronto de Jésus
1,21; cf. Le 1,77; 3,3). Fá-lo-á num caso com seus rivais acontece na frente mais
exemplar. Na espiritualidade do Antigo avançada: a libertaçâo do pecado.
Testamento aparecem, em diversas cone- Embora a forma passiva “sâo perdoa-
xóes, doenija e pecado e hostilidade. Um dos” pudesse ser entendida como teologi-
5,33 205 LUC
todas as aldeias da Galiléia e Judéia e leito e foi para casa, dando gloria a
também de Jerusalém. Ele tinha força Deus. 26Cheios de espanto, diziam:
do Senhor para curar. 18Uns homens, — Hoje vimos coisas incríveis.
que levavam um paralítico num a maca,
tentavam introduzi-lo e colocá-lo diante C h a m a Levi (Mt 9,9-13; M e 2,13-17)
de Jésus. 19Nào encontrando modo de — 27Pouco depois saiu e viu um coletor,
fazê-lo, por causa da multidâo, subiram chamado Levi, sentado diante da mesa
ao terraço e, entre as telhas, o descerara dos impostos. Disse-lhe:
com a maca, no centro, diante de Jé­ — Segue-me.
sus. 20Vendo a fé deles, disse-lhe: 2SDeixando tudo, levantou-se e o se-
— Homem, teus pecados estâo per- guiu. 29Levi Ihe ofereceu grande banque­
doados. te em sua casa. Havia grande número
21Os fariseus e os letrados começa- de coletores e outras pessoas sentados
ram a pensar: à mesa com eles. 30Os fariseus e letra­
— Quem é esse que diz blasfêm ias? dos murm uravam e perguntavam aos
Quem, exceto Deus, pode perdoar pe­ discípulos:
cados? — Como é que coméis e bebeis com
22Jesus, lendo seus pensamentos, res- coletores e pecadores?
pondeu-lhes: 31Jesus lhes replicou:
— 230 que é mais fácil? Dizer: teus — Os sadios náo tém necessidade de
pecados estâo perdoados, ou dizer le- m édico, e sim os doentes. 32Náo vim
vanta-te e anda ? 24Pois para que saibais cham ar justos, mas pecadores para que
que este homem tem autoridade na ter­ se arrependam.
ra para perdoar pecados — disse ao pa­
ralítico— , falo contigo: levanta-te, car- S obre o je ju m (M t 9,14-17; M e 2,18-
rega tua maca e vai para casa. 22) — 33Eles lhe disseram:
[mediatamente se levantou diante — Os discípulos de Joáo jejuam com
de todos, carregou o que havia sido seu freqtiência e fazem suas oraçôes, bem

ca, com Deus como agente da passiva, Je­ de romana e aproveita-se dele para enri-
sús náo se refugia nessa possível interpre- quecer-se à custa do povo. Ladrâo e cola­
taçâo, antes aguça a controvérsia. Na ter­ boracionista. Sáo esses os antecedentes.
ra e como homem, ele mesmo tem esse Chamado e resposta, na brevidade despo­
poder e veio exercé-lo. jada com que se apresentam, mostram toda
5,17 A força do Senhor: Jr 10,6; SI 66,7; a sua força. A segunda parte é o banquete
Jó 12,13. *Ou doutores da Lei. de despedida e de homenagem ao novo
5.25 O paralítico entoa urna espécie de senhor. A objeçâo dos rivais (cf. SI 104,21-
liturgia de louvor a Deus, e a multidâo se une 22; Pr 29,27) Jesús responde irónicamen­
ao louvor. É o ritmo clássico dos salmos. te com um aforismo: há doentes que, por
5.26 Coisas incríveis sáo a cura de uma se considerarem sáos, recusam o médico
doença incurável, que fazia do doente um e se tomam incuráveis (cf. Eclo 38,1-15).
morto vivo. Também o poder de Homem A dor é um mecanismo que delata a doen­
para perdoar pecados. ça; por isso acorrem tantos doentes a Je­
Para a comunidade de Lucas e para seus sús. Em troca, nem todos sentem a dor pelo
leitores, a purificaçâo do impuro e o per- pecado. A espiritualidade de observáncias
dáo dos pecados tém ressonáncias batis- chega a suprimir semelhante dor. Levi é
mais (cf. lPd 3,21). modelo do pecador arrependido e perdoa-
5,27-32Aceña tem duas partes. Pela pri- do que se converte em apóstolo.
meira se enlaça com o chamado (5,1-11); 5,33-35 Terceiro momento de confron­
pela segunda continua o processo dos to: a propósito de jejuns voluntários como
confrontos. prática ascética de determinados grupos
O coletor é tido como “pecador”. Toma religiosos. O Messias se apresenta como
seu oficio por arrendamento da autorida- esposo: título reiterado de Yhwh no AT (Os
LUCAS 206 5,34

como os dos fariseus; os teus, ao con­ 0 sáb a d o (M t 12,1-14; Me 2,23


tràrio, comem e bebem.
34Jesus lhes respondeu:
6 28; 3,1-16) — *Num sábado em que
atravessava algumas plantagóes, seus
— Podéis fazer jejuar os convidados discípulos arrancavam espigas, as de-
ao casamento, enquanto o noivo está bulhavam com as máos e comiam os
com eles? 35Chegará o dia em que o noi­ gráos. 2Alguns fariseus lhes disseram:
vo lhes será arrebatado; entáo jejuaráo. — Por que fazeis urna coisa proibida
36E lhes propòs urna comparagáo: no sábado?
— Ninguém rasga um retalho de um 3Jesus lhes respondeu:
manto novo para rem endar um velho. — Náo lestes o que fez Davi com seu
Pois seria rasgar o novo, e o remendó pessoal quando estavam famintos? 4En
do novo náo cai bem no velho. 37Nin- trou na casa de Deus, tomou páes apre-
guém póe vinho novo em odres velhos; sentados — que só aos sacerdotes é
pois o vinho novo arrebentaria os odres, permitido comer — , comeu e repartiu
se derramaría e os odres se estragariam. com os seus.
38 Deve-se por o vinho novo em odres 5E acrescentou:
novos. 39Ninguém que tenha bebido o — Este Homem é senhor do sábado.
velho deseja o novo, pois diz: bom é o 6Noutro sábado, entrou na sinagoga
velho. para ensinar. Havia ai um homem que

2; Is 49; 54; 62; Ez 16 etc.), aplicado a 23,26). Segundo Ex 34,21, o descanso sa­
Jesús no NT (Ef 5,22-32). O casamento é bático obriga também “na semeadura e na
tempo de alegría compartilhada (Jr 16,8- ceifa” (sobre o maná e o sábado, Ex 16,19-
9; Ct 3,11; 5,1; SI 45). De “comer e be­ 30). Jesús argumenta a pari com um caso
ber” (5,30). Mas Lucas conhece já o tem­ da historia de Davi (ISm 21,1-6), no qual
po em que Jesús lhes foi arrebatado (Is urna lei cultual (Lv 24,5-9) fica suspensa
53,8): o tempo da Igreja. por necessidade maior; Davi o fez “na casa
5,36-39 Com a imagem do casamento de Deus” com aprovagáo do sacerdote.
podem-se conciliar a da roupa e do vinho. Aquilo que é o templo no espado é o sába­
Ambas tém associagóes nupciais (p. ex. Is do no tempo (cf. Ex 31,12-18). A lingua-
52,1; 61,10; SI 45,9; Ct 2,4; 8,2) e servem gem parece enfática: “tomou, comeu, re­
para explicar a “novidade” (“renovando partiu”. Passando por cima da Escritura,
seu amor” diz Sf 3,17, e o portugués “noi­ Jesús apela ao poder recebido, que se so-
vo” vem de novum). “Antigo”, velho, é o brepóe também á veneranda instituigáo do
adjetivo que Paulo aplica á alianqa de Is­ sábado (Ex 20,8; Is 58,13; Jr 17; Ne 13,15-
rael (2Cor 3,14). A imagem dos odres (Jó 20). Mas náo apela para a sua dignidade
32,19). Ambas as imagens sao muito ex- messiànica como descendente de Davi, e
pressivas, como se disséssemos: o Mes- sim á sua condigáo humana excepcional.
sias náo vem para por remendos em panos Náo só a interpretado dos doutores, mas
gastos, traz um vinho que fermenta vida também a pròpria lei fica em segundo pla­
nova. no; e na igreja o sábado será substituido
5,39 Náo se refere ao antigo, de melhor pelo “dia do Senhor” (kyriaké, dominica,
qualidade, mas ao costumeiro, o de sempre. Ap 1,10).
6,6-11 Quinto momento do confronto.
6,1-5 Quarto momento de confronto. O O progresso está marcado, porque dessa
primeiro versículo da cena apresenta um vez Jesus se adianta a desafiar os rivais e
grupo itinerante, necessitado, sem um sus­ pelo desenlace ominoso. A sinagoga é o
tento cotidiano garantido. Para eles náo há lugar do ensinamento de Jesús, que é mais
milagre. Os detalhes descritivos tém urna importante ainda que a cura, porque por
fungáo na controvérsia. Segundo a inter- meio da controvérsia eleva a principio o
pretagáo rabínica do descanso sabático, os caso particular. Ensina com a palavra e dá
discípulos fazem urna agáo proibida, náo urna liQáo com o milagre explicado. Lucas
como roubo, mas como trabalho (ef. Dt atribui a letrados e fariseus uma intengáo
ft, 17 207 LUCAS

linha urna máo paralisada. 7Os letrados Escolhe os doze (M t 10,1-4; M e 3,13-
c os fariseus o espiavam para ver se 19) — 12Naquele tempo, subiu a urna
eurava no sábado, para ter algo de que m ontanha para orar e passou a noite
acusá-lo. 8 Ele, lendo seus pensamentos, orando a Deus. 13Quando se fez dia,
disse ao hom em da máo paralisada: chamou os discípulos, escolheu entre
— Levanta-te e póe-te de pé no meio. eles doze e os chamou apóstolos: 14Si-
Ele se pos de pé. 9Depois se dirigiu a máo, a quem chamou Pedro, André, seu
cíes: irmáo, Tiago e Joáo, Filipe e Bartolo­
— Eu vos pergunto o que é perm iti­ meu, 15M ateus e Tomé, Tiago de Alfeu
do no sábado: fazer o bem ou o mal, e Simáo o zelota, Judas de Tiago 16e
salvar urna vida ou destruí-la. Judas Iscariot, o traidor.
10Depois, olhando todos á sua volta,
disse ao homem: S erm áo na planicie (Mt 4,23-25; 5,1-
— Estende a máo. 12) — 17Desceu com eles e se deteve
Ele o fez e a máo ficou restabelecida. numa planicie. Havia grande número de
MEles ficaram enfurecidos e delibera- discípulos e grande multidáo do povo,
vam o que fazer com Jesús. vindos de toda a Judéia, de Jerusalém,

má: espiam em silencio: “homens cruéis estrutura da comunidade. Em círculos con­


me espreitam emboscados” (SI 59,4) para céntricos situam-se o povo, os discípulos,
acusá-lo diante da autoridade suprema (ver os doze. Pedro figura sempre em primeiro
o caso de Daniel, Dn 6,12). lugar e Judas Iscariot no último. O grupo
Na doenga se antecipa a morte (SI 30,3- é heterogéneo: há dois nomes gregos, um
4; 41; 88,2-7); por isso, curar é fazer o bem, ex-colaboracionista (identificando Mateus
arrancar ou afastar da morte. Omitir o so­ com Levi), um ex-simpatizante dos extre­
corro possível em tais circunstáncias é fa­ mistas zelotas, e até um traidor.
zer um mal. O doente centraliza e concen­ Jesus tem a iniciativa da eleigáo (no AT
tra a atenqáo. Pois bem, a vida é mais Yhwh: ISm 10,24; SI 78,68.70); impóe o
importante que o sábado (comparar com título de “apóstolos”, que se aceita sem
IMc 2,32-41). Jesús leva a questáo ao ter­ discussáo (ICor 12,28; Ef 2,20), título que
reno do bem e do mal, da vida e da morte, define a fungáo e muda o nome de Simáo.
como fizera Moisés: “Hoje ponho diante O nome implica nomeagáo. Significa en­
de ti a vida e o bem, a morte e o mal” (Dt viado em geral e legado em particular. Sáo
30,15.19). Jesús provoca e desafia os de­ doze, como as tribos que formam o Israel
suníanos intérpretes da lei, “que ditam in­ clàssico. Sáo doze como corpo ou colé-
justicias invocando a lei” (SI 94,20), e eles gio. No tempo da Igreja, embora os doze
por falta de razóes reagem com o rancor. tenham um lugar único, o título se esten­
Em resumo escalonado: defender a pró- de e se aplica com maior facilidade; e for­
pria autoridade, defender a autoridade da ma derivados, como apostólico, aposto­
lei, defender a vida humana. lado etc.
6,12 Com énfase e acumulando detalhes 6,17-19 O novo sumário, de ensinamen-
Lucas registra a oragáo de Jesús. Sai da to e curas, serve de fundo ao discurso que
massa entusiasta e dos rivais hostis, sobe se segue. Como Moisés, Jesús desee da
á “montanha”, lugar do encontro com Deus montanha para dirigir-se ao povo. O nar­
(IRs 19), “passa a noite” (SI 1,2; 42,4; 119, rador insiste na multidáo de discípulos e
55) “orando”. Sobre o conteúdo da oragáo de povo. Amplia o àmbito da proceden­
de Jesús, os sinóticos sáo muito sobrios: cia: da capital e da sua provincia (náo se
uma efusáo (10,21-22), Getsémani (22,39- menciona a Galiléia) até a costa pagá de
46); Joáo é mais explícito. No contexto, Tiro e Sidónia (10,13-14). Essa afluéncia
cssa oragáo prepara a eleicáo dos doze e o significa primeiro uma reuniáo da diàs­
grande discurso da planicie. pora; num segundo tempo simboliza a igre­
6,13-16 terceiro texto de eleigáo. Nesse ja de judeus e pagáos. Jesus atrai por seu
texto com seu contexto já aparece uma ensinamento (11,31); é um dado que pre-
LUCAS 208 6.18

da costa de Tiro e Sidônia, 18para es- 21 Felizes os que agora passais fomc,
cutà-lo e curar-se de suas enfermidades. porque vos saciareis.
Os atormentados por espiritos imundos Felizes os que agora choráis, porque
ficavam curados, 19e toda a m ultidào rireis.
tentava tocar nele, porque dele saia urna 22Felizes quando os homens vos odia-
força que curava a todos. rem, vos desterrarem, vos insultarem,
20Dirigindo o olhar aos discípulos, denegrirem vosso nome por causa deste
dizia-lhes: Homem. 23Saltai entáo de alegría, por­
— Felizes os pobres, porque o reina­ que vosso prêmio no céu é abundante *
do de Deus lhes pertence. Assim vossos pais trataram os profetas.

para o próximo discurso; e por seu poder Mateus e Lucas coincidem em acres-
curador, que se transmite por contato. Po­ centar suas próprias motivaçôes, “porque,
demos fular do poder de Deus encarnado vede, pois”; isto parece deslocar a ventu­
em corpo humano, do poder vivificante ra da situaçâo para suas conseqüências,
que “nossas màos tocam” (lJo 1,1). Dos que se resumem no “reinado de Deus”.
possessos se diz que “eram curados”. Essa primeira parte dirige-se “aos discí­
6.20-49 Como nâo houve mudança de pulos”.
lugar, o autor parece ater-se à noticia que 6,20-21 Como très aspectos de uma si­
acaba de dar: “numa planicie”; com o que tuaçâo, representam qualquer classe de
o “sermáo da montanha” em Mateus muda necessitados, indigentes, desvalidos, mar-
de nome em Lucas. O discurso se divide ginalizados, oprimidos etc. O Deus do AT,
em très partes: as bem-aventuranças e mal- pela legislaçao e pela profecía, mostrou seu
aventuranças (20-26), o preceito do amor especial cuidado deles (p. ex. Is 29,19 sal-
(27-38), parábolas e comparaçôes (39-49). vaçâo escatológica; 57,15 e o citado 61,1;
6.20-26 A proclamaçâo programática de como ocupaçâo do rei, SI 72). O reinado
Lucas distingue-se marcadamente da de de Deus vem para libertá-los e mudar sua
Mateus. Pela composiçâo: divide-se em duas sorte, já na historia, embora sem excluir a
estrofes paralelas e antitéticas, que consumaçâo.
correspondem a dois géneros literários. Cada 6.20 Pobres: mesmo limitando-nos ao
estrofe articula-se em très peças concisas e termo ‘ebyôn, nós os encontramos na le-
urna desenvolvida. Pelo conteúdo: as très gislaçâo e nos sapienciais, muitas vezes
equivalem a variaçôes ou mostram aspec­ nos profetas e nos salmos (cf. Dt 15,1-11;
tos da mesma realidade. Náo há atitudes po­ Is 29,19; SI 74,21).
sitivas (como beneficencia, trabalho pela 6.21 Os famintos sáo uma categoría
paz). A pobreza nao está qualificada pela mais limitada (Is 58,7; SI 107,9; J1 2,26).
interioridade. Talvez a versáo de Lucas es­ Os que choram têm seu precedente na ca­
teja mais próxima da forma original. tegoría freqüente do “afligido”; em senti­
Os dois géneros literários estáo bem es- do próprio vale o “enxugar as lágrimas”
tabelecidos no AT. A bem-aventurança (Is 25,8 escatológico; 30,19; SI 56,9 na
(macarismo, ’sry) é freqüente sobretudo vida; 126,5-6).
nos salmos e sapienciais. A mal-aventu- 6,22-23 A perseguiçâo por causa de Je­
rança (Ai de!, hoy) é profètica (ou fúne­ sús Cristo. No AT os profetas foram per­
bre). Lêem-se séries de ais em Is 5,8-23; seguidos por cum prirem sua missáo
Hab 3,6-19; Eclo 2,12-14. Com outros (11,47; 2Cr 36,16): desde Elias por Jezabel
géneros literários formam-se as séries con­ (IRs 19) até a figura exemplar de Jeremías,
trapostas de bênçâos e maldiçôes de Dt 27- “o profeta queimado”, passando por Amos
28. Jesús une-as num díptico essencial de (Am 7). A perseguiçâo por Jesús e seu
dita e desdita, bem e mal do homem. Re- evangelho é uma constante da Igreja des­
velaçâo escatològica que abre caminho de a época dos A tos dos Apóstolos e tem
pelo paradoxo (náo fruto de urna árvore lugar importante no Apocalipse. Ver IPd
proibida). Anuncio que confronta e divide 4,14.
a humanidade, que introduz e difunde o 6,23 *Ou: porque Deus vos recompen­
reinado de Deus na historia humana. sará com abundancia.
209 LUCAS

'Mas ai de vos, ricos, porque rece­ 27A vós que escutais eu vos digo:
béis vosso consolo; Amai vossos inimigos, tratai bem os
"■ai de vós, que agora estáis saciados, que vos odeiam; 28bendizei os que vos
porque passareis fome; ai de vós que maldizem, rezai pelos que vos injuriam.
.ij’ora rides, porque chorareis e fareis 29 A quem te bater numa face, oferece-
luto; lhe a outra, a quem te tirar o manto náo
-'’ai de vós quando todos falarem bem lhe negues a túnica; 3<lao que te pede,
tic vós. Assim vossos pais trataram os dá, e ao que te tira algo, náo o reclames.
lalsos profetas. 3‘Como quereis que os hom ens vos tra-

6,24-25 O trio forma urna unidadc e fazer mal a outrem sem razáo: do que
ilcve ser entendido em oposigáo ao ante- se queixa o salmista (35,7; 6,5);
lior. O tipo humano tem antecedentes no nial por mal: pode ser castigo legal ou
AT: na série de ais de Isaías (Is 5,10-23), a vingança legítima;
injustiga acompanha o luxo; parecida é a mal por bem: máximo agravante (SI
descrigáo de Sodoma (segundo Ez 16,49); 35,12; 38,21; Pr 17,13; Jr 18,20);
enérgica é a descrigáo do luxo em Amos bem sem razáo: por compaixáo, por
(Am 6,1-9; cf. Tg 5,1). generosidade; Ex 23,4-5 exorta à compai­
Ao reinado de Deus, que comunica seu xáo pelo asno do inimigo e pelo inimigo;
consolo (Is 40,1; 49,13; 51,12), opoe-se o bem por bem: se recebido, é agradeci-
consolo humano efémero e váo (cf. Jó mento; náo tem mérito especial, segundo
21,34). vv. 32-33; cf. lPd 2,19-23;
6,26 Sobre os falsos profetas, é muito se esperado, é interesseiro: contra isto
expressivo Miqucias (2,11; 3,5.11); tam- adverte o v. 34;
liém J r 2 3 e E z l 3 e o grande confronto de bem por mal\ ISm 24,18; Pr 25,21-22;
1Rs 22. é o tema central da exortagáo. Paulo o for­
6,27-38 O amor ao próximo, em parti­ mula assim: Nao te deixes vencer pelo mal,
cular aos inimigos, ocupa boa parte do dis­ mas vence o mal com o bem (Rm 12,21).
curso programático de Jesús. Dirige-se a O estilo é aforístico: de frases concisas,
todos os que escutam. Embora esteja for­ incisivas; ligadas ou articuladas em para­
mulado em imperativos, náo deve ser en­ lelismos e agrupadas em unidades menores.
tendido como novo código legal para re­ 6,27-28 Convém tomar juntos os qua­
gular urna conduta em determinados casos, tre verbos, que rcúnem e articulam: o afeto
mas como expressáo de um espirito que ou atitude, “amai”; as obras, “tratai bem”;
anima de dentro toda a vida cristá. A mo- as palavras, “bendizei”; a oragáo, “rezai”.
tivagáo náo deve ser interesseira; busca Sobre o último podem-se recordar: Moisés
precisamente refrear o egoísmo interessei- intercedendo pelo Faraó (Ex 8,25; 9,28-
ro. A motivagáo é o exemplo de Deus Pai, 29), Jeremías por seus perseguidores (15,
que seu Filho vem revelar, para devolver 15). Pela oragáo o ofendido recomenda a
sua imagem aos homens. Deus o ofensor, e isso é grande beneficio;
No centro soa a regra de ouro, que ou- ao mesmo tempo olha o ofensor numa
tros textos e culturas formularam em ter­ perspectiva superior. A oragáo favorece os
mos negativos (“náo fagas...” Tb 4,15; très atos precedentes.
Eclo 31,15 num campo muito restrito) e 6,29-30 Capacidade de suportar a injus-
Jesús exprime em forma positiva, muito tiga no corpo ou ñas posses. Como um
mais exigente: “fazer”; porque o amor in­ manifestó de náo violéncia. O dar e em­
culcado náo se esgota em sentimentos (cf. prestar a fundo perdido, como o aconse-
Is 5,1-7). Aqui se vai á raiz da ética: fa­ lha Dt 15,1-11; comparar com as salva­
zer o bem/fazer o mal ñas relagóes recí­ guardas de Eclo 29,1-13.
procas com os outros. Por serem recípro­ 6,31 Se alguém procura instintivamen­
cas, permitem tragar um quadro ou pauta te o próprio bem, pense que também os
para distinguir casos típicos, que se po- outros o procuram. Se duvida como tratar
deriam ilustrar com exemplos ou textos o próximo, consulte seus próprios dese-
bíblicos: jos. Náo somente tratar como o tratam, mas
LUCAS 210 6,32

tem, tratai vos a eles. 32Se amais os que e náo sereis julgados; nao condeneis e
vos amam, que mérito tendes? Também náo sereis condenados. Perdoai e vos
os pecadores amam seus amigos. perdoaráo. 38Dai e vos daráo: recebereis
Se fazeis o bem aos que vos fazem urna medida generosa, calcada, sacudi­
o bem, que mérito tendes? Também os da e transbordante. A medida que usar-
pecadores fazem isso. 34Se emprestáis des será usada para vos.
quando esperáis cobrar, que mérito ten- 39E acrescentou urna comparacáo:
des? Também os pecadores emprestam — Poderá um cegó guiar outro cegó?
para recuperar outro tanto. 35A ntes, Náo cairáo ambos num buraco? ““ O dis­
amai vossos inimigos, fazei o bem sem cípulo náo é mais que o mestre; embora,
esperar nada em troca. Assim vossa re­ uma vez instruido, venha a ser como seu
compensa será grande e sereis filhos do mestre. 41Por que reparas no cisco do olho
Altíssimo, que é generoso com ingra­ do teu irmáo, e náo reparas na viga que
tos e maus. 36Sede compassivos, como tens no teu? 42Como podes dizer ao teu
vosso Pai é compassivo. 37Náo julgueis irmáo: Irmáo, deixa-me tirar o cisco do

como desejaria que o tratassem. Para tan­ seu alcance se estende a qualquer campo
to promove a iniciativa de fazer o bem. da vida. O cristáo náo deve erigir-se em
Pór-se na situaçao do outro, adivinhar seus juiz do próximo, náo deve condenar sem
desejos, sentindo os próprios. Em outro razáo, ser indulgente. Isto náo suspende o
contexto, Ben Sirac aconselha: “Pensa que juízo de valores que é parte integrante do
teu vizinho é como tu” (Eclo 31,15). Como sentido moral.
seria urna sociedade regida por esse prin­ A imagem da recompensa refere-se a um
cipio? recipiente de medir cereais, que ao ser sa­
6,32-35a Répété très normas: amar, fa­ cudido contení mais, e ao qual depois náo
zer o bem, emprestar. Très coisas que os se passa a rasoura. Deus é compassivo e
homens honestos praticam, só que em li­ generoso (Pr 19,17).
mites estreitos e pensando no intéressé. O 6,39-45 O autor anuncia aqui uma pará­
que Jesús propoe é superior porque derra­ bola, como se pretendesse ilustrar o ensi-
ba os limites da reciprocidade e o motor namento precedente. A rigor nos achamos
do intéressé. perante várias sentcncas em forma de com­
6,35b A recom pensa virá de Deus: parado, de aforismo comentado, de vi-
“Quem se compadece do pobre empresta nheta polémica, de pergunta didática. A
ao Senhor” (Pr 19,17). Filho do Altíssimo: conexáo temática com o que precede náo
o título é usado pelo Eclesiástico (Eclo é manifesta.
4,10), encerrando urna instruçâo sobre es- 6.39 O lugar original desta vinheta ou
mola e beneficência a pobres e oprimidos, comparagáo é a polémica com os letrados,
órfáos e viúvas, “e Deus te chamará filho”. intérpretes da lei (Mt 23,16). Dirigida aqui
O título pode ser lido no Salmo 82,6, num aos discípulos, mostra que o farisaísmo é
contexto de administraçâo da justiça em atitude típica que também pode ocorrer na
favor do necessitado. Nós diríamos que o comunidade. Sáo cegos os que náo véem
filho puxa o pai. com os olhos de Jesús. Sem a metáfora da
6,36 “Compassivo” é um dos títulos cegueira, Is 3,12.
clássicos do Senhor, que se repete em fór­ 6.40 O lugar deste aforismo é a instru-
mulas litúrgicas: Ex 34,6; Dt 4,31; J12,13; (¿áo aos discípulos sobre os sofrimentos da
Jn 4,2; SI 86,15; 103,8; 145,8. Agora o tri­ missáo (Mt 10,24-25). Aqui o Mestre é
buto pertence a “vosso Pai”: “Como um Cristo: o discípulo náo pode aspirar a
pai se enternece com seus filhos...” (SI superá-lo; por outro lado, deve procurar
103,13). transmitir o que dele recebeu.
6,37-38 Seguem-se quatro sentenças 6,41-42 Outra vinheta feliz, hiperbólica,
paralelas, duas negativas e duas positivas, que nos legou as expressóes “o cisco e a
cinzeladas por formas correspondentes. trave”. Quem corrige a outros que se cor­
Embora a formulaçâo de très seja forense, rija. A trave é como uma cegueira para os
7,1 211 LUC.

teu olho, quando nao ves a viga do teu? explicar-vos com quem se parece. 48Pa-
Hipócrita! Tira primeiro a viga de teu rece-se com alguém que ia construir
olho, e depois poderás distinguir para urna casa: cavou, afundou e colocou um
tirar o cisco do olho de teu irmáo. alicerce sobre a rocha. Veio uma en­
43Náo há árvore sadia que dé fruto dien te, a torrente se chocou contra a
podre, nem árvore podre que dé fruto casa, mas náo pode sacudi-la, porque
sadio. 44Pelos frutos distinguís cada ár­ estava bem construida. 49Ao contràrio,
vore. Náo se colhem figos das sargas aquele que ouve sem por em prática
nem se colhem uvas dos espinheiros. parece-se com alguém que construiu a
450 homem bom tira coisas boas do seu casa sobre a terra, sem alicerce. A tor­
bom tesouro interior; o mau tira o mal rente se chocou e a casa desmoronou.
de seu mau tesouro. A boca fala do que E foi um a ruina colossal.
está cheio o coragáo.
46Por que me invocáis: Senhor! Se-
nhor!, se náo fazeis o que vos digo? C ura o servo do centuriáo (Mt
47Aquele que vem a mim escuta mi-
nhas palavras e as póe em prática. Vou
7 8,5-13; Jo 4,43-54) — ‘Quando ter-
minou seu discurso ao povo, entrou em

próprios defeitos. Atengáo aos censores Também insinúa que a construgáo da vida
que se créem exemplares. cristá estará ameagada de fora. Se o edifi­
6.43-49 Para concluir o discurso, urna cio é valioso, sua ruina será terrível.
comparagáo agrària e outra urbana, na
combinagáo clàssica daquela cultura (cf. 7.1-17 Ao discurso seguem-se dois mi-
Jr 1,10); entre as duas, uma comparagáo lagres insignes. Um é a cura á distáncia,
doméstica. Nelas sintetiza a importancia a favor de um pagáo doente que está ñas
decisiva da interioridade e a necessidade últimas. O outro é a ressurreigáo do filho
de traduzir o ensinamento em conduta. de uma viúva. Indubitavelmente, Lucas
6.43-44 Cada árvore dá fruto segundo dá importancia á condigáo dos benefi-
sua espécie e qualidade. Pelo fruto identi­ ciários.
ficamos a árvore (Tg 3,12). 7.1-10 A figura do centuriáo está toda
6.45 Imagem doméstica: o tesouro pode descrita com tragos significativos. E um
ser o depósito, a adega ou a despensa. No pagáo, simpatizante da religiáo e das prá-
homem é a intimidade, o coragáo como sede ticas judaicas, as quais tem dedicado par­
da vida consciente e livre. Ao cingir-se à bo­ te da sua fortuna (ou autoridade) cons-
ca, á palavra, o provèrbio se aplica a quem truindo (ou mandando construir) uma
ensina; mas seu alcance é mais ampio. sinagoga. Reconhece a dignidade especial
Segue-se a necessidade de ir assimilando de Jesús: aproxima-se dele por intermediá-
e acumulando coisas boas para partilhá- rios e náo se atreve a hospedá-lo (náo apre-
las com outros no momento oportuno. senta como motivo a proibigáo judaica de
6.46 No plano da imagem, “senhor” é o entrar em casa de pagáos, mas a dignida­
patráo: pouco vale que o criado diga “sim, de pessoal de Jesús). O que mais importa
senhor”, se depois náo cumpre as ordens é que eré no poder sobrenatural de Jesús.
(MI 1,3). No tempo em que Lucas escre- Enquanto o povo procura tocá-lo para re-
ve, Senhor é título de Jesús; era muito im­ ceber dele seu fluido curador (6,19), o
portante reconhecè-lo e confessá-lo (Rm centuriáo reconhece que basta uma ordem
10,9), o que supóe a assistència do Espiri­ de Jesús para que acontega a cura. Sua
to Santo (lC or 12,3). Contudo, a invoca­ experiencia militar é imagem para expres-
d o pode esvaziar-se de sentido, se náo sar esse poder. Mas, curiosamente, o nar­
conduz a cumprir seus ensinamentos. rador náo menciona essa palavra de Jesús,
6,47-49 A comparagáo concluí todo o mas diz apenas que se póe a caminho com
discurso á maneira de peroragáo. Todo o ele. O relato está bem graduado em dois
ensinamento de Jesus é para a vida; se fica encontros e desemboca, náo na admiragáo
na simples informagáo, sem se traduzir em do povo, como outros (4,36), mas na ad­
obras, carecerá de fundamento para ele. miragáo de Jesús diante da fé do pagáo.
lucas 212 7 , '

Cafarnaum. 2Um centuriáo tinha um yAo ouvir isso, Jesus admirou-se e voi
servo a quem estim ava m uito, que es- tando-se disse à multidáo que o segui;i
tava doente a ponto de morrer. 3Tendo — Nem sequer em Israel encontrei
ouvido falar de Jesús, enviou-lhe uns fé semelhante.
notáveis judeus para pedir-lhe que fos- lüQuando os enviados voltaram para
se curar seu servo. 4 A presentaram -se a casa, encontraram o servo curado.
Jesús e lhe rogavam insistentem ente,
alegando que ele merecía esse favor. R essuscita o filho d a viúva — "Pros
— 5Ama nossa nagáo e ele próprio seguindo, dirigiu-se a urna cidade cha
nos construiu a sinagoga. mada Naim, acompanhado pelos discí
6Jesus partiu com eles. N ao eslava pulos e grande multidáo. 12Justamenti
longe da casa, quando o centuriáo lhe quando se aproximava da porta da cida­
enviou alguns amigos para dizer-lhe: de, levavam para fora um morto, filho
— Senhor, nao te incomodes; nao sou único de urna viúva; acompanhava-a um
digno de que entres sob meu teto. 7Por grupo considerável de vizinhos. 13Ao
isso, nem sequer me considerei digno vè-la, sentiu compaixáo e lhe disse:
de aproximar-me de ti. Pronuncia urna — Náo chores.
palavra, e meu servo ficará curado. 8Tam- 14Aproximou-se, tocou o féretro, e os
bém eu tenho um superior e soldados carregadores pararam. Entáo disse:
as minhas ordens. Se digo a este que vá, — Jovem, falo contigo, levanta-te.
ele vai; a outro que venha, ele vem; ao 150 morto se levantou e comeqou a
servo que faga isso, ele o faz. falar. Jesus o entregou a sua máe. 16To

Fé no poder e na misericordia de Jesús, na 17-24 e 2Rs 4,32-37). Viúvas e órfáos sáo


palavra que penetra no tecido da vida hu­ categorías necessitadas que no AT recia
mana. A cura do moribundo pode-se co­ mam atemjáo especial (Eclo 4,10) e apa-
mentar com o Salmo 30. recem aínda no NT (Tg 1,27). Deus mes­
Para a igreja de Lucas, a fé do pagáo é mo se ocupa deles: “pai de órfáos, protetor
exemplar e consoladora. de viúvas” (SI 6 8 ,6 ). Jesús, portador de
7,2 “Se tens somente um servo, trata-o vida, vai ao encontro da comitiva fúnebre;
como a ti mesmo... considera-o um irmáo” náo é casual a sincronia. Sai ao encontro
(Eclo 33,31). da dor humana com toda a compaixáo, e
7,3-4 Exemplo de um pagáo que recla­ esta mobiliza o poder. E o poder máximo,
ma a mediagáo dos judeus. De acordo com da vida sobre a morte: por isso atualiza
predi§oes proféticas (Zc 8,23). ditos antigos: “tu tens poder sobre a vida e
7,6 A liturgia cristá recolheu a frase do a morte” (Dt 32,39; Tb 13,2; Sb 16,13); e
centuriáo no contexto da eucaristia. “Quem á luz da Páscoa, prefigura a ressurreigáo;
ousaría aproximar-se de mim?”, pergunta porque mostra que a morte náo será o ca-
Deus (Jr 30,21). minho sem retorno. O comentário do povo
7,7-8 Um modo de fazer, próprio de so­ evoca a promessa de Dt 18,15; reconhe-
beranos e autoridades, é por meio da pala- cem-lhe de ¡mediato o título de profeta. A
vra, ou seja, dando ordens: é fazer fazer. luz da simbologia dos profetas, essa viúva
Dessa condi§áo sao as ordens criadores de sem filhos pode representar a comunida-
Deus (Gn 1 ; SI 33). O centuriáo o experi- de de Israel, da qual o Senhor se compa­
mentou dentro do regime e da hierarquia dece (cf. Is 51,18-19; 54,4.8).
militar. Em várias ocasióes os evangelistas 7,14 Féretro ou lengol mortuàrio, con­
citam palavras soberanas de Jesús, pronun­ forme o uso de entáo. Jesús une a aqáo à
ciadas sobre o criado para melhorá-lo ou palavra. O toque de sua máo é um toque
restaurá-lo. de vida que detém o caminho de regresso
7,11-17 Naim é urna aldeia, na estrada ao pó.
de Cafarnaum á Samaria. Desta vez toca a 7,16 O comentário do povo evoca a pro­
urna viúva e ao órfáo defunto. Como nos messa de Dt 18,15; reconhecem-lhe o tí­
casos famosos de Elias e Eliseu (IR s 17, tulo de profeta, nada mais. Preocupa-se ou
213 LUCAS

líos ficaram espantados e davam gloria — Joáo Batista nos enviou para per-
ii Deus, dizendo: guntar-te se és tu aquele que deveria vir,
— Um grande profeta surgiu entre ou se tem os de esperar outro.
nos; Deus se preocupou com seu povo. 21Entáo Jesús curou muitos de doen-
1 'A noticia do que havia feito se di- gas, enfermidades e espíritos maus; e de-
vulgou por toda a regiáo e pela Judéia. volveu a visáo a muitos cegos. 22Depois
lhes respondeu:
Sobre Jo á o B atista (M t 11,2-19) — — Ide informar a Joáo sobre o que
'"Os discípulos de Joáo o informaram vistes e ouvistes: cegos recuperam a vi­
ile todos esses fatos. Joáo chamou dois sáo, coxos caminham, leprosos ficam lim-
«le seus discípulos 19e os enviou ao Se- pos, surdos ouvem, mortos ressuscitam,
nhor para perguntar-lhe: pobres recebem a boa noticia. ^ E feliz
— Es tu aquele que deveria vir, ou aquele que náo tropera por minha causa.
Icmos de esperar outro? 24Q uando os m ensageiros de Joáo
2l)Os hom ens se apresentaram a ele e partiram, ele come^ou a falar de Joáo á
lite disseram: multidáo:

visita: anunciado no Benedictus (1,68.78); se defina o destino de seus discípulos. A


segundo expressáo corrente no AT (Ex pergunta é exata e transcendental: trata-se
1,16; ISm 2,21; SI 8,5); é o verbo usado de identificar a missáo de Jesús. Apergunta
por Tiago referíndo-se a órfáos e viúvas se desprende do contexto: é preciso espe­
(Tg 1,27). rar üm Messias, outro Messias? Joáo os
7.18-35 O autor dedica à figura de Joáo envia “ao Senhor”, como se exprime o
Batista urna longa passagem, dividida em narrador.
1res segmentos. Embaixada de Joáo e res- 7,21-23 Jesús se identifica como o Mes­
posta de Jesús (vv. 18-23), juízo de Jesús sias vindouro em aqáo e ao mesmo tempo
sobre Joáo (vv. 24-30), uma parábola (vv. descreve o Messias auténtico. Náo vem
i 1-35). Em tudo isso se propóe a relaçâo para dar a Israel uma independencia nacio­
ile Joáo com Jesus, sua funçâo como pre­ nal e o dominio pacífico sobre outros po-
cursor do Messias. O estilo exibe urna gra­ vos, segundo esperanzas nacionalistas,
ia variedade e força de interpelaçâo. mas para curar enfermos, libertar pos-
7.18-23 Joáo está preso, mas pode rece- sessos e proclamar a boa noticia aos po­
her visitas de seus discípulos, leáis ao bres (6,20). Quem náo alimentar ilusóes
mestre. Agora depende de informaçôes triunfalistas náo se frustrará com ele. Suas
oráis. Os discípulos lhe falam do ensina- agóes, com duas alusóes bíblicas, respon-
mento e dos milagres de Jesús. Corres­ dem á pergunta de Joáo e de quantos a re-
ponden! as informaçôes à expectativa mes­ petirem sinceramente.
siànica do AT? Correspondent à sua visáo 7,22 Os dois discípulos seráo as duas
do Messias? Ele o descrevera empunhan- testemunhas (Dt 19,15) de tudo o que Je­
do o machado para cortar, a pà para penei- sús realizou na presenta da multidáo. As
iar, manejando o fogo para queimar. Apre- palavras aludem a Is 35,5-6 e 61,1. Jesús
senta-se assim? as aplica a si, como na sinagoga de Nazaré
7,18 Profetas e escatólogos haviam cul­ (4,17-20). Náo ficar frustrado é expressáo
li vado entre os judeus a esperança numa corrente na espiritualidade bíblica (p. ex.
Iutura libertaçào e num futuro libertador; SI 25,2.20; 31,18; 71,1).
particularmente como rei da dinastia 7,24-30 Joáo perguntava: Quem é Jesús?
davidica (Am 9,11; Jr 23,5; 33,17; Ez 34, Jesús responde quem ele é e quem é Joáo,
.’4); devia vir, era o “vindouro” (Zc 9,9; como num testemunho recíproco. A figu­
MI 3,1). ra de Joáo é de um asceta que atrai o povo
7.19-20 A pergunta de Joáo beneficia por sua austeridade de vida. Retirado ao
seus discípulos e também a si pròprio, para deserto, vive longe da corte e dos seus pra-
ilissipar suas dúvídas e perplexidades. Pre­ zeres (cf. Ecl 2,1-3). Acrescenta a inteire-
cisa que sua missáo seja confirmada e que za da sua pregagáo (cf. a figura do servo
LUCAS 214

— O que saístes para contem plar no de Joáo; 30ao contràrio, os fariseus «


deserto? Um can ijo sacudido pelo ven­ jurisconsultos rejeitaram o que Dt u
to? que saístes para ver? Um ho- quería deles, por nao deixar-se bati/.n
mem elegantem ente vestido? Ora, os por ele.)
que se vestem com elegancia e desfru- 31Com quem compararei os homcir
tam de com odidades habitam em palá- desta geragáo? Com quem se parecí- m
cios reais. 26Entáo, o que saístes para 32Sáo como crianzas sentadas na pi.i
ver? Um profeta? Eu vos digo que sim, ga, que gritam ás outras: Tocamos flan
e mais que profeta. 27A este se refere ta e nao danqastes, cantamos lamen
aquele texto da Escritura: E u envió á taqòes e nào fizestes luto. 33Veio Joan
fren te meu m ensageiro para que m e Batista, que nao comia pao nem beln,i
prepare o caminho. 28Eu vos digo que vinho, e dizeis: Está endemoninhadu
entre os nascidos de m ulher ninguém é 34Veio este Homem que come e bebe, c
maior que Joáo. Todavia, o último no dizeis: Vede que comiláo e beberráo,
reino de Deus é m aior que ele. 29(Todo amigo de coletores e pecadores. 35Mas
o povo que escutou e os coletores de- a Sensatez é acreditada por seus discí
ram razáo a Deus, aceitando o batismo pulos.

segundo Is 42,4); nada se diz de milagres. sicoesquema penitencial: “És inocente.,


Esses valores podem atrair o povo sadio e e nos somos culpados”, “tu, Senhor, és
criterioso. Por tais cuidados receberam justo/inocente, nos oprime a vergonh;i
Joáo como profeta, depois do siléncio de (do pecado)” (Ne 9,33; Dn 9,7; SI 51,6)
séculos (cf. lM c 14,41). Os fariseus e letrados, que se tinham poi
7,24-25 No deserto ou páramo o vento justos (18,9-14), recusaram o batismo di-
balança os caniços: é um espetáculo atra­ Joáo, desprezando o designio de Deus.
ente, digno de urna viagem? Na corte há Deus queria que se dispusessem a recebci
desfiles e banquetes suntuosos: podem ser o Messias, mas para isso teriam primeira-
espetáculo atraente. O povo nao procurou mente de reconhecer-se pecadores e arre-
isso. A figura ascética e a voz profètica fo- pender-se. O batismo de Joáo exigia séria
ram a atraçâo. Todavia, há alguém maior revisáo e mudanza de vida e de mentali-
que Joáo. Jesús tampouco habita um palá- dade.
cio real, rodeado de comodidades. 7,31-35 Depois do que precede, a “ge-
7,26-28 E pouco esse título. Moisés raqáo” náo ficaria definida pela cronolo-
anunciou o envió de um profeta como ele gia, mas pela atitude no que tem de típico.
(Dt 18,15). O último dos profetas, Mala- A parábola generaliza seu alcance, embo-
quias, encerrou a série predizendo a che- ra náo sejamos capazes de reconstruir exa-
gada daquele que prepararía o caminho tamente o jogo. Crianzas que, convidadas
para a vinda do Senhor (MI 3,1; Ex 23,20). a brinquedos diversos, replicam com o
Ou seja, na cadeia profètica de prediçôes clássico “náo vou brincar”; seres capricho­
o último anel nao prediz, mas assinala o sos a quem nada satisfaz e buscam pretex­
cumprimento. Este é o Batista e esta a sua tos para justificar sua reserva.
grandeza: mais que profeta. Contudo, exis­ Náo sabemos quando disseram que Joáo
te algo superior: qualquer um que perten- estava endemoninhado. As expressoes co­
ça à nova comunidade de Jesus, na qual o miláo e beberráo encontram ressonáncia
pròprio Deus reina (SI 145,13), é maior em Dt 21,20.
que Joào (cf. 1,15). 7,35 A Sabedoria ou Sensatez aparece
7,29-30 Estes dois w . soam como inser- muitas vezes personificada em Pr e Eclo.
çâo, talvez comentário antecipado da parà­ Pode dirigir-se a seus alunos, chamándo­
bola seguinte. O batismo de Joáo operou os de “filhos” (Pr 8,32; Eclo 15,2). En-
urna divisào clara. Os que confessaram quanto uns a desprezaram, outros se abri-
arrependidos seus pecados, gente do povo ram ao ensinamento do sábio designio de
e até publícanos, “deram razáo” a Deus, Deus e acreditaram na sua sabedoria, re­
reconhecendo sua justiça. Segundo o clás- velada na missáo do Batista e de Jesús.
215 LU CAS

l'i'i'tloa a pecadora (M t 26,6-13; Me 41 Disse-lhe:


M, l -9; Jo 12,1-8) — 36Um fariseu o — Um credor tinha dois devedores:
«mvidou a comer. Jesús entrou na casa um lhe devia quinhentos denários, e ou-
iln luriseu e se reclinou á mesa. 37Nisso tro cinqüenta. 42Visto que náo podiam
nina mulher pecadora pública, saben- pagar, perdoou a ambos a divida. Qual
iln i|iic estava á m esa na casa do fariseu, dos dois lhe terá mais afeto?
Vilo com um frasco de perfum e de mir- 43Simáo respondeu:
in, wcolocou-se por trás, a seus pés, e — Suponho que aquele a quem per­
«'llorando se pos a banhar-lhe os pés doou mais.
i iun lágrimas e a secá-los com o cábe­ Replicou-lhe:
lo; beijava-lhe os pés e os ungia com a — Julgaste corretamente.
mirra. 39Ao ver isso, o fariseu que o 44E voltando-se para a mulher, disse
lluvia convidado com eqou a pensar: Se a Simáo:
PNsd fosse profeta, saberia quem e que — Ves esta mulher? Quando entrei
llpo de mulher o está tocando, pois é em tua casa, náo me deste água para
luna pecadora. 40Jesus tomou a palavra lavar os pés; ela os banhou em lágri­
o Ihe disse: mas e os secou com seu cábelo. Tu
— Simáo, tenho algo a dizer-te. náo me deste um beijo; desde que en­
Respondeu: trei ela náo parou de beijar-me os pés.
— Fala, mestre. 46Tu náo me ungiste a cabega com per-

7.36-50 Por que Lucas inseriu aqui a sem hesita§áo e com insistència. E Jesus a
•ua historia da pecadora perdoada? Por­ deixa fazer sem rejeitá-la nem opor resis­
que se enlaça com o que precede em vá- tènza.
rlos particulares: a pecadora corresponde 7.39 Com razáo se escandaliza o anfi­
nos “publicanos” do v. 29; seria urna das triáo (e náo seria o único); por cortesia se
«rrependidas e batizadas por Joáo; o jul- abstém de manifestá-lo em voz alta. Pro­
K¡ir e condenar o próximo (6,37); dar ra- nuncia um juízo mental. Se Jesús náo adi-
/.íio a Deus com o arrependimento (v. 29); vinha o oficio da mulher, náo possui a cla-
Jesús come e bebe, amigo de pecadores rividència pròpria de um profeta (náo
(v. 34). pensa na outra parte: se conhece o oficio é
7,36 Jesús aceita dos fariseus convites culpado por omissáo, por deixar fazer; a
para refeiçôes (11,37; 14,1), e aproveita a omissáo seria mais grave que a ignoran­
ocasiáo para ensinar. O anfitriáo é correto cia). Mas Jesus adivinha o pensamento
c cortés, náo é cordial: náo presta deferen­ dele, com o que rebate o juízo sobre ele, e
cias extraordinárias (vv. 44-46; cf. Gn lhe responde em voz alta, corrigindo as-
18,4; SI 23,5). Pretende também provar sim o seu juízo sobre a mulher.
Jesús em sua conduta e doutrina? 7.40 O recurso é contar urna parábo­
7.37-38 Nisto urna pecadora pública, la para distanciar e ao mesmo tempo com­
provavelmente urna prostituta, irrompe na prometer o fariseu: terá de julgar o ca­
sala (cf. Os 1,2; 3,1). Os comensais estáo so, como mentalmente a julgou. No fim,
reclinados em almofadas, com a cabeça o juiz será julgado. Como Davi (2Sm
para a frente e os pés para fora. Embora a 1 2 ) ou o jurado na cangáo da vinha (Is
sala do banquete estivesse aberta, era mui- 5,1-7).
to pouco decoroso que tal mulher entrasse 7,41-43 A parábola é descarnada e a so-
na casa de tal anfitriáo; os fariseus eram lugáo é obvia. O “suponho” pode expri­
muito cautelosos nesses assuntos. O que mir cortés modèstia. O fariseu entrou no
cía faz depois com Jesús é táo afetuoso jogo e náo pode evitar a aplicagáo. Abre­
quanto escandaloso: soltar os cábelos na se outro julgamento sobre a mulher no
presença de homens, enxugar com eles os qual, por comparará«, o fariseu está im­
pés banhados em suas lágrimas, o esban- plicado.
jamento do perfume, embora náo o derra­ 7,44-46 O triplo contraste serve para
me na cabeça, como era costume). Tudo dar relevo as mostras de um afeto inten-
LUCAS 216 7,47

fume; eia me ungiu os pés com mirra. Mulheres com Jesús — 'Em segui­
47Por isso te digo que lhe foram perdoa- da, foi percorrendo cidades e aldeias
dos muitos pecados, já que sente tanto proclamando a boa noticia do reinado de
afeto. Aquele a quem se pcrdoa pouco, Deus. 2Acompanhavam-no os doze e al-
sente pouco afeto. gumas m ulheres que havia curado de
48E disse a eia: espíritos imundos e de enfermidades.
— Teus pecados estáo perdoados. María Madalena, da qual tinham saído
49Os convidados comegaram a dizer sete demonios; 3Joana, mulher de Cuza,
entre si: mordomo de Herodes; Suzana e muitas
-— Quem é esse que até perdoa pe­ outras, que os atendiam com seus bens.
cados?
50Ele disse à mulher: Parábola do sem eador (M t 13,1-23;
— Tua fé te salvou. Vai em paz. Me 4,1-20) — 4 Reuniu-se grande mul-

so e incontido. Lavar os pés ao hospede que é ele quem dá sentido ao batismo de


foi costume patriarcal (Gn 18,4; 19,2; Joáo.
24,32; e posterior ISm 25,41). Ungir (a Jesús insinúa que os fariseus tinham
cabera) também era costume (SI 23,5; pouco de que ser perdoados? Em termos
141,5). de lei e observancias, talvez. Mas a reli-
7,47 Na parábola e na sua aplicagáo, giosidade deles é mesquinha, calculista,
todos os intérpretes e muitos leitores tém náo entra de cheio na dimensáo do amor, j
observado urna estranha incoeréncia, que Quem entrou no reino recebeu o perdáo
podemos resumir assim: ama muito, por­ por pura graga e tem de viver em puro agra­
que lhe perdoaram muito (parábola); foi- decimento.
lhe perdoado muito, porque amou muito 7,48-50 Jesús pronuncia a fórmula de
(aplicagáo). Note-se que “amar” pode absolvigáo, sancionando a reconciliagáo
equivaler a “agradecer” (que em hebraico (SI 103,3). Isso provoca o segundo escán­
se exprime com o verbo brk). Substitui-se dalo dos convidados, mais grave que o
o “porque” por “posto que, sinal que” de primeiro, porque tem como motivo a mis-
manifestagáo. No Salmo 116 o orante pro­ sáo e a revelagáo de Jesús.
nuncia: “Amo” (1), “acreditei” (10) e per- A fórmula convencional de despedida,
gunta: “Como pagarei ao Senhor todo o “vai em paz”, carrega-se aqui de sentido
bem que me fez?” ( 1 2 ), mas náo fala de transcendente e passou para a prática cris­
arrependimento. ta da penitencia e da eucaristía.
Talvez a explicagáo se obtenha consi­
derando as duas realidades, amor e per- 8,1-3 O sumário acrescenta elementos
dáo, como correlativas, que se implicam que o eoloeam como complemento da elei-
mutuamente. Tentemos explicá-lo breve­ gáo dos doze (6,12-16). Ao grupo de se­
mente. Alguém pode arrepender-se de ter guidores juntou-se um grupo de mulheres,
violado urna norma objetiva (respeito pela contra os costumes dos rabinos. Urnas,
ordem), ou porque vé sua indignidade (ver- agradecidas por urna libertagáo recebida
gonha de si), ou por ter ofendido outra de Jesús; outras, simpatizantes que prestam
pessoa sem razáo. O terceiro caso implica servidos, inclusive económicos. A tradigáo
estima (um aspecto do amor) por tal pes­ evangélica conservou o nome de algumas
soa. Quem pede e espera obter perdáo, e sua atuagáo em momentos capitais. O
estima o ofendido, sente-se atraído por ele texto tem valor exemplar para as comuni­
(amor e fé confiante). Obtido o perdáo, a dades cristas.
boa relagáo se restabelece, o perdoado sen- 8,4-18 A colegáo de parábolas está re-
te o afeto do agradecimento, o amor se duzida na versáo de Lucas (ela se comple­
desenvolve sem peias. tará com outras próprias de Lucas, distri­
Outra questáo é o perdáo. A passiva buidas em outros lugares). A parábola
(teológica) indica que Deus perdoou, pro- principal é para o povo todo; a explica-
vavelmente pela atuagáo do Batista. En- gao, com outra parábola menor, é para os
táo, por que agradecer a Jesús? — Por- discípulos.
8.1-1 217 LUCAS

ti(J:n >e aumentavam os que acorriam a — A vós é concedido conhecer os


ck- (le urna cidade após outra. Entáo segredos do reinado de Deus; aos de-
llu p r o p o s urna parábola: m ais se fala em parábolas, para que
Saiu o sem eador a sem ear a se­ vendo náo vejam e ouvindo náo ouqam.
mentó. Ao semear, alguns graos caíram n O sentido da parábola é o seguinte: a
junio ao caminho; foram pisados e os semente é a palavra de Deus. 12A que
pássaros os comeram. 6Outros caíram caiu junto ao caminho sáo os que escu-
sol He podras; brotaram e secaram por tam; mas logo vem o Diabo e lhes ar­
falla de umidade. 7Outros caíram entre ranca do coraqáo a palavra, para que
es| imheiros e, ao crescer os espinheiros náo creiam e se salvem. I3A que caíu
coi n oles, os sufocaram. 8Outros caíram entre pedras sáo os que, ao escutar, aco-
em Ierra fértil e deram fruto centupli­ lhem com alegría a palavra, mas náo
cado. langam raízes; esses créem por um tem­
Tendo dito isso, exclamou: po, mas, ao chegar a prova, desistem.
- Quem tem ouvidos, escute. 14A que caiu entre espinheiros sáo os
'’Os discípulos perguntaram-lhe o sen­ que escutam; mas, com as preocupa­
tido da parábola, u)e ele lhes respondeu: r e s , a riqueza e os prazeres da vida,

8,5-8 Urna parábola agrària se le num 8,11-15 Supde-se que a explicaçâo ale­
contexto profètico (Is 28,23-29). Embora górica, membro a membro, seja obra da
Jesús náo tenha sido lavrador por profis- tradiçâo posterior. Nela podemos notar
sáo, cresceu numa cultura dominada pela váríos pontos: a) Areciprocidade: a semen-
agricultura, tanto que Adáo e Cairn se apre- te é a palavra, porque a palavra de Deus é
sentam como lavradores. Lucas simplifi­ semente vital e fecunda, que cresce e se
ca o resultado final sem graduar a fertili- multiplica, b) Essa palavra deve ser semea-
dade da semente, multiplicando-a pela da pela pregaçâo do evangelho, que é por
cifra fantástica ou emblemática de cem (cf. antonomàsia palavra de Deus. c) A semen-
Gn 24,12). A parábola segue o esquema te está ameaçada por forças externas e in­
de très mais um: très ameaças e um bom ternas, com as quais é preciso contar. Es-
resultado. Os animais (aves), as plantas sas forças sáo (em nossa terminología de
(espinheiros), os minerais (pedras) podem catecismo): o demonio (v. 1 2 ), o mundo e
ser hostis à colheita, a semente exige pro- a carne (v. 14); a elas acrescentamos a “su­
teçâo permanente. perficial idade” e falta de convicçâo (v. 13).
A exclamaçâo final de Jesus è como um 8,16-18 Nesta série apreciamos o paren­
aparte do narrador, que apresenta seu re­ tesco da parábola com o refráo ou provèr­
lato como interpelaçâo. Escutar náo pode bio. Em fórmula concisa encerram um
ser urna recepçào passiva. A exclamaçâo potencial de significados. O oculto se deve
é como urna versào ainda mais grave do comunicar, o oculto se saberá. Escutando,
grito profètico “escutai!” (Is 1,2.10; 46,3 aprende-se a escutar; assimilando, alarga­
etc.). Poderíamos parafrasear a exclama­ se a capacidade; quem julga saber e pos-
çâo: Quem tiver entendimento, entenda. suir tudo, irá ficando sem nada...
8 ,10a O segredo do reinado de Deus é 8.12 A fé responde à palavra, e da fé
sua presença em Jesus; é que está chegan- segue-se a salvaçâo. O Maligno procura
do e avançando. Entendè-lo è dom de impedir o processo porque procura a per-
Deus, “a vós foi dado” (cf. Dt 29,3.20; cf. diçâo.
Le 10,21-22). 8.13 A prova é inevitável e de duplo efei-
8,10b Completa o dito no v. 8 . Ao náo to: consolida o firme, destrói o fraco. “A
escutarem as parábolas, como era devi- raiz do honrado náo se arranca” (Pr 12,3).
do, cumpre-se neles a maldiçâo de Isaías 8.14 Um profeta pregava: “Lavrai os
(6,9-10; 42,20). Quem náo escuta como de­ campos e náo semeeis espinheiros” (Jr 4,3).
ve, quem náo sintoniza, náo fica sem com- Já Adáo teve de lutar com os espinheiros
preender, mas se endurece progressiva­ (Gn 3,18); e em contexto escatològico bro-
mente. tam espinheiros da vinha (Is 27,4).
LUCAS 218

váo se sufocando e nao amadurecem. e seus irmáos, mas náo conseguiam api (i
15A que cai em térra fértil sao os que ximar-se por causa da multidáo. 20Avi
com excelente disposigáo escutam a saram-no:
palavra, a retém e dáo fruto com perse- — Tua máe e teus irmáos estáo for.i
veranga. e querem ver-te.
16Ninguém acende urna lamparina e 21Ele lhes replicou:
a cobre com urna vasilha ou a póe de- — M inha máe e m eus irm áos sao
baixo da cama, mas a coloca no cande­ os que ouvem a palavra de Deus e ;i
labro para que os que entram vejam a cumprem.
luz. 'P o i s nao há nada oculto que nao
se descubra, ou escondido que nao se Acalm a a tempestade (Mt 8,23-27; Mi
divulgue e se manifeste. 18Atengáo, por­ 4,35-41) — 22Num desses dias ele su
tante, como escutais, pois a quem tem se biu a uma barca com os discípulos e lhes
lhe dará, e a quem nao tem se lhe tirará disse:
até mesmo o que parece ter. — Vamos atravessar para a outra mar
gem do lago.
A m áe e os irm áo s (M t 12,46-50; Me Zarparam 23e, enquanto navegavani,
3,31-35) — 19Apresentaram-se sua máe ele ficou dormindo. Um furacáo se pre

8.15 Se cada planta dá fruto segundo sua na etapa da infáncia; agora aparece em
espécie (Gn 1,11-12), também a palavra público. Os irmáos sáo mencionados aquí
de Deus dará fruto segundo sua espécie. A e em At 1,14. Pois bem, com perfis áspe
perseverancia é virtude inculcada com fre- ros, o vínculo familiar é usado como sím­
qüéncia (Le 21,19; Rm 2,7; 2Cor 6,4 etc.). bolo para expressar o mistério da nova fa­
8.16 Esta parábola minúscula fica en­ milia que Jesús está fundando, na qual se
globada na explicagáo para os discípulos. sublimam as relaçôes naturais.
Daí brota seu sentido contextual: com a A palavra de Deus contém e comunica
explicagáo de Jesús os discípulos foram fecundidade, maternidade. A palavra de
iluminados. Náo devem guardar para si o Deus plenamente aceita tomou Maria máe.
ensinamento, como um saber esotérico Ao crescer a familia, a palavra cria e man-
para iniciados, mas devem difundi-lo: “Fa- tém o espirito de fraternidade. Jesús sus-
rei brilhar meu ensinamento como a auro­ pendeu o vínculo paterno humano, para
ra, para que ilumine as distancias” (cf. Eclo atender à casa ou ás coisas do Pai (2,41-
24,32; 37,22-26). 49); seguindo seu exemplo, é possível fa-
8.17 Também este aforismo fica envol­ zer parte da nova casa do Pai. Toda comu-
vido pelo contexto. O mistério do reinado nidade cristá deve ser materna e fraterna.
e tudo o que os discípulos estáo aprenden- 8.22-39 Os dois milagres relatados for-
do em particular está destinado a manifes- mam um díptico que devemos contemplar
tar-se. E um aviso para eles e para as futu­ primeiro no seu conjunto. Jesús enfrenta e
ras comunidades. debela as poténcias adversas: a força mí­
8.18 Para o novo aforismo, dispomos de tica do océano, os poderes diabólicos que
urna frase que o sitúa: trata-se da arte de escravizam o homem. O primeiro com uma
escutar. O aforismo é um paradoxo, que ordem soberana, o segundo com um exor­
admite explicares, mas náo tolera uma cismo graduado. Também pesa a reaçâo dos
mudanza de form ulado. Sugere o dina­ assistentes: medo, falta de fé, estupor dos
mismo do receber e produzir. O que “se­ discípulos; medo e terror dos gerasenos,
guramos” sem produzir apodrece, “nos é proclamaçâo do possesso curado.
tirado”. 8.22-25 Para 1er o episodio é oportuno
8,19-21 Vimos a eleigáo dos doze (6,12- por como paño de fundo o primeiro qua-
16) e a incorporado de umas mulheres ao dro da historia de Joñas: o profeta embar­
grupo (8,2-3). Cabe agora á familia? Pa­ cado, adormecido, vento e água na tem­
rece que só querem vé-lo, saudá-lo. Lucas pestade. A diferença é que, agora, na barca
dedicou a Maria um lugar predominante vai Jesús, que náo está fugindo e é mais
1,111 219 LUCAS

itlpllou sobre o lago, a barca se enchia terra, saiu-lhe ao encontro um homem


iln ugna e eles corriam perigo. 24Entáo da cidade, endemoninhado. Havia mui-
fumín despertá-lo e lhe disseram: to tempo que nao vestía urna túnica e
Mestre, estamos afundando. nao vivia em casa, mas nos túmulos.
lile despertou e ameacou o vento e as 28Ao ver Jesús, deu um grito, langou-
nmlas; cessaram e sobreveio a calma. se diante dele e disse gritando:
'’Disse-lhes; — Que tens comigo, filho do Deus
Onde está vossa fé? A ltíssim o? Eu te suplico que nao me
Iíspantados de estupor, diziam entre si: atormentes.
- Quem é esse que dá ordens ao vento 29É que estava mandando o espirito
i<íl Agua, e lhe obedecem? imundo sair daquele homem; pois muí-
tas vezes se apoderava dele; embora o
O endemoninhado de G erasa (Mt 8 , atassem com correntes e grilhóes, rom­
,(H-34; Me 5,1-20) — 26Navegaram até pía as correntes e o dem onio o impelía
0 territòrio dos gerasenos, que fica em a lugares despovoados.
1rente à Galiléia. 27Ao por os pés em 30Jesus lhe perguntou:

i|iic profeta. O lago quase doméstico de do-o da sociedade, leva-o ao deserto (Jó
( lenesaré, mesmo com suas tormentas pro­ 6,18; 30,3-7; Dt 32,10) e o faz inquilino e
verbiáis, representa agora papel dramáti­ companheiro do mundo dos mortos, que o
co do oceano levantino ou monstro mari­ contamina (Nm 19; Jó 17,13), torna-o
nilo. Embora o narrador nao cite um texto intratável, dotado de força sobre-humana.
cin particular, a sua linguagem o prende a O demonio comparece ao julgamento do
niuitos textos do AT. Escolhemos para a exorcismo: reconhece um título transcen­
ligua SI 65,8; 93,3-4; e 103,4.7 como re­ dente de Jesús, identifica-se com seu no­
presentado de muitos outros. Para os ven­ me, que é nome de multidáo, sofre a tortu­
ios, Eclo 39,28: “Há ventos... que com sua ra do processo. Suplica náo ser condenado
fùria desfazem as montanhas”; e SI 48,8: à pena máxima, porém a urna pena limita­
"Como vento sufocante que faz naufragar da, em sua terra, passando do mundo hu­
os navios de Társis”. Vento e água sao os mano ao mundo animal. Mas sua maldade
elementos peculiares dos pescadores. volta-se contra ele: os porcos endemo-
Jesús dá ordem de zarpar: cometa o de- ninhados despencam os demonios no abis­
nafio. Póe-se a dormir (como Joñas, 1,5), mo marinho. Vários traços dessa cena sao
dando vantagem ao adversário. O mar conhecidos por documentos contemporá­
mobiliza sua fùria: como em SI 107,25 ou neos de exorcismos.
Jn 1,4 em chave realista, como em SI 18,5 8.26 E territorio pagáo, idólatra. Con-
em chave simbólica. Os discípulos sao tes- vém recordar que já Paulo identificava os
temunhas da potencia destruidora das ídolos com os demonios (ICor 10,20-21).
águas (SI 107,26-27) e da pròpria falta de 8.27 Nu: Saúl em transe ISm 19,24; Jó
fé. Despertou (SI 78,65) e “ameagou” 24,7.10. Em sepulturas, muitas vezes es­
(3,35.39.41): é o verbo do “bufido” de cavadas ou aproveitando cavernas. Is 65,4
Deus reprimindo o oceano ou o exército reúne alguns dados denunciando o povo
inimigo (Is 17,13; 50,2; Na 1,4; SI 104,7; “que se sentava nos sepulcros e pernoita-
106,9). Jesús é Senhor dos elementos. va ñas grutas, que comia carne de porco,
Lucas descreverá urna cena medianamente que dizia: Retira-te!” Jesús nao denuncia,
parecida na navegagào e naufràgio de Pau­ compadece-se.
lo (At 27). 8.28 Título messiànico e gesto de ho-
8,26-39 A segunda c o n fro n talo está menagem; a seu pesar. O demonio e Jesús
contada com amplidào e riqueza de deta- sao inconciliáveis.
lhes, de acordo com as crenchas da época e 8,30 Legiáo: palavra latina no texto; uni-
as práticas do exorcismo. dade militar de uns seis mil homens. Je­
O demonio culpável apoderou-se de um sus sozinho contra tantos (Lv 26,8; Dt 32,
homem e o seqüestrou (Ex 21,16). Excluin- 30; Is 30,17; SI 55,19).
LUCAS 220

— Como te chamas? taram como tinha sido libertado o em Ir


Respondeu: moninhado. 37Entáo todos os vizinhim
— Legiáo (porque haviam entrado da regiáo dos gerasenos rogaram c|u>
nele m uitos demonios). ele fosse embora; pois eram presa do
31Eles lhe rogavam que nao os man- terror. Jesús embarcou de volta. 380 ho
dasse para o abismo. 32Havia ali, na Ia- mem, do qual haviam saído os denio
deira, urna grande manada de porcos nios, pediu para ficar com ele. Mas Je
fugando. Rogavam que lhes permitisse sus o despediu, dizendo:
entrar nos porcos. Ele o concedeu; 33e — 39Volta para tua casa e conta o que
os demonios, saindo do homem, entra- Deus te fez.
ram nos porcos. A manada se precipi- Ele foi por toda a cidade proclaman
tou por um despenhadeiro e se afogou. do o que Jesús havia feito.
34Ao ver o que havia acontecido, os pas­
tores fugiram e o contaram na cidade e Duas curas (Mt 9,18-26; M e 5,21-43)
nos campos. 35Os vizinhos saíram para — 40Quando Jesús voltou, a multidáo
ver o que havia acontecido e, chegan- o recebeu, pois todos o estavam espe
do onde estava Jesús, encontraram o rando. 41Nisso se aproxim ou um ho
homem de quem haviam saído os de­ mem, chamado Jairo, chefe da sinago­
monios, vestido e sentado, aos pés de ga. Caindo aos pés de Jesús, rogava-lhe
Jesús e em perfeito juízo. E se assusta- que entrasse em sua casa, 42pois sua fi
ram. 36Os que o haviam visto lhes con- Iha única, de doze anos, estava á mor

8,31 O Abismo (Xeol) como cárcere de 8,40-56 Podemos considerá-lo como


demonios: 2Pd 2,4; Ap 20,1-2. Quando terceiro confronto: Jesús diante do poder
Joñas ora “no fundo do mar”, no ventre do da doenga e da morte; ou entáo como ou-
monstro marinho, diz “do ventre do Xeol”. tra dupla de milagres. Mas nao podemos
Nesta perspectiva, o destino dos demo­ chamá-lo díptico, porque um relato está
nios é irònico, cumprindo seu pedido. inserido dentro do outro, como aconteci­
8,32-33 Em chave de idolatria deve-se do pelo caminho.
comparar cSm a queda de Dagon (ISm 5,1- As duas beneficiadas sao mulheres. Urna
5), dos deuses da Babilonia (Is 46,1-2). sofre de enfermidade incurável que a ar­
8,34-39 As reagòes pelo ocorrido se en- ruina e afasta da sociedade porque conta­
tremeiam. Os pastores logicamente váo mina (Lv 14,25-27), afeta a fonte da vida
contando por todo lado o que aconteceu (compare-se Lv 12,7 com 20,18). A outra
aos porcos (v. 34), ou seja, a desgrana eco­ é urna jovem apenas núbil, filha única
nómica; e os vizinhos, perplexos entre a (como a filha de Jefté, Jz 11,34-39), mori­
surpresa pelo poder de Jesus e o medo de bunda e morta. Jesús vai ao encontro dos
outras perdas, rogam ao forasteiro que dois poderes aliados, doenga incurável e
abandone o territorio (v. 37). Simbolizam morte. O poder de Jesús náo é mágico,
a reagáo dos pagaos que preferem manter embora atue pela corporeidade, descarre-
sua idolatria. Outros contam o ocorrido, gando-se no contato ¡mediato. Para recebó­
como libertagáo, aos que contemplam ago­ lo, náo basta o contato da máo, é preciso o
ra o possesso curado (vv. 35-36). O benefi­ mais profundo e tenaz toque da fé (“ade-
ciàrio recobrou a normalidade e dignida- sáo” vem de adhaerere, apegar-se, em
de humana: a razáo; como Nabucodonosor, hebraico dbq).
convertido em fera e de novo em homem 8.40 Expulso pelos pagáos, é acolhido
(Dn 4). O endemoninhado recupera a se- pelo povo que o espera.
renidade, as relacóes sociais; e pede para 8.41 Jairo é um representante do judais­
ficar com Jesús. Simboliza o pagáo con­ mo oficial, que distribuí seus centros ñas
vertido que reconhece Jesus e propaga seu sinagogas locáis.
nome e fama. Nao contente de contá-lo a 8.42 Se morre aos doze anos, náo ama-
seus familiares, divulga-o por todo o po- durece na matemidade. A data é particu­
voado (SI 22,23; 26,7). larmente trágica.
1,1 221 LUCAS

lt> I ju|uanto caminhava, a multidâo o — Tua filha morreu, nao aborregas o


HjM’i'Iava. Mestre.
4'Uma m ulher que há doze anos pa- 50Jesus ouviu e respondeu:
tlivia de hemorragias e que gastara com — Nao temas; basta que creías, e ela
mi'dicos toda a sua fortuna sem que se salvará.
Mi’iihum a curasse, 44aproximou-se dele 5 E n tran d o na casa, nao deixou que
iiur trás e tocou-lhe a orla do manto. entrassem com ele senáo Pedro, Joáo,
No mesmo instante estancou-se a he­ Tiago e os pais da menina. 52Todos cho-
morragia. 45Jesus perguntou: ravam, fazendo luto por ela. Ele, po-
— Quem me tocou? rém, disse:
H, como todos o negassem , Pedro — Nao choréis, porque nao está mor-
illsse: ta, mas adormecida.
— Mestre, a multidâo de cerca e te 53Riam dele, pois sabiam que estava
H|>crta. m orta. 54 Ele, porém, pegando-a pela
•'’Porém Jésus replicou: máo, ordenou-lhe:
•— Alguém me tocou, pois eu senti — M enina, levanta-te.
mna força sair de mim. 55 Voltou-lhe a respiragáo e logo se
^Vendo-se descoberta, a m ulher se pos de pé. Ele mandou que lhe dessem
nproximou tremendo, prostrou-se dian- de comer. 56Seus pais ficaram estupe-
Ic dele e explicou diante de todos por fatos e ele lhes ordenou que nao con-
tute o havia tocado e como ficara cura­ tassem a ninguém o que havia aconte­
da ¡mediatamente. 48Jesus lhe disse: cido.
— Filha, tua fé te salvou. Vai em paz.
4,'Ainda estava falando, quando che- M issáo dos doze (Mt 10,5-15; Me
ga alguém da casa do chefe da sinago­
ga e lhe anuncia:
9 6,7-13) — ^ o n v o c o u os doze e
lhes conferiu poder e autoridade sobre

8,43-44 Os detalhes servem para real­ 8,52a Refere-se aos ritos fúnebres cos-
zar o contraste: doze anos/no mesmo ins­ tumeiros (cf. Jr 9,16-17).
tante, ninguém a pudera curar/parou, gas- 8,52b-53 O sono como imagem da morte
lou a fortuna/tocou-lhe a orla. A açao da é clássico (SI 13,4; Jr 51,39.57 “sono eter­
mulher tem algo de furtivo, como se rou- no, definitivo”); invertem-se os termos:
basse às escondidas. A açâo de Jésus é efi­ nao sendo definitiva a morte da jovem,
caz, ¡mediata, gratuita. equivale a um sono. Para ela é um voltar á
8.45 Com a pergunta Jésus nào preten­ vida, ainda nao é glorificagáo. Mas sim­
de descobrir um culpado, mas manifes­ boliza de antemáo a futura ressurreigáo:
tar um exemplo de crente. Pedro oferece usa o mesmo verbo grego (18,23; 24,7).
uma explicaçâo tâo razoável quanto ob­ Riso e pranto denotam o mesmo desespe­
tusa: há tocar e tocar. “Aquilo que nossas ro do homem frente á morte.
màos apalparam ... a Palavra de vida” 8,54 Compare-se com 2Rs 4,12-36.
(Uo 1 , 1 ).
8.46 E a força de Deus que a fé conse- 9,1-6 A missáo dos doze continua de
guiu extrair (4,36; 5,17). modo ideal a eleigao (6,12-16). “Apósto-
8.47 Faz uma dupla confissâo “diante los” quer dizer enviados; era o título que
de todos”: da sua culpa cometida tocando lhes havia imposto. Sao os doze, como
cm estado de impureza, e do milagre rea­ corpo ou colégio compacto. Jesús foi en­
lizado por Jesús. viado (4,18.43), agora ele envia (cf. Jo
8.48 Se houve culpa legal, fica absolvi- 20,21). O poder que ele possui (4,36), ele
da e curada, por sua fé. o comunica. Confia-lhes a própria tare-
8,49-50 Como se dissesse: nao há nada fa de “proclamar a boa noticia do reina­
a fazer (Jó 10,21; 14,12); contra a morte, do de Deus” (8,1). Assim se estende seu
o Mestre nao tem poder. E assim ressalta raio de agáo, sem que ele deixe de ocu­
a resposta: contra a morte a fé tem poder. par o centro. Sendo assim, esta m issáo
222
lu^ AS
_0 o s os dem onios e para curar doen- havia surgido um dos antigos profetas
2E os enviou para proclam ar o rei- 9Herodes comentava:
^ \ A o de D eus e curar enfermos. 3 Dis- — Eu mandei degolar Joáo; quem s<
na3 hes: rá esse de quem ougo tais coisas? I
se^ _ N ao leveis nada para o caminho: desejava vé-lo.
z n bastáo, nem sacóla, nem pao, nem
heiro, nem duas túnicas. 4Na casa Dá de com er a cinco mil (M t 1 4 ,1 l
que entrardes, perm anecei até par- 21; M e 6,30-44; Jo 6,1-14) — 10O-,
e.ir* 5Se nao vos receberem, ao sair da apóstalos voltaram e Ihe contaram tudo
tl.I\ ^ d e sacudí o pó dos pés com o prova o que haviam feito. Ele os tomou á pai
elCU t r a eles. te e se retirou a urna cidade chamad, i
co<í^3 uando saíram , percorreram as al- Betsaida.
- ^is anunciando a boa noticia e curan- u M as a multidáo ficou sabendo e o
^>or toda parte. seguiu. Ele os acolheu e lhes falava do
reinado de Deus, curando os que tinha m
p ó d e s e J o á o (M t 14,1-12; M e 6,14- necessidade. 12Como caísse a tarde, os
fV ~ — 7H erodes ficou sabendo de tudo doze se aproximaran! para dizer-lhe:
í* u e h avia acontecido e estava em — Despede a multidáo para que váo
° , ^ i d a ; porque uns diziam que era Joáo as aldeias e campos dos arredores pro
^ u sc ita d o da m orte, 8outros que era curar hospedagem e comida, pois aquí
que tinha aparecido, outros que estam os no despovoado.

-figura a definitiva, antes da ascensáo ouvido, respostas: o povo precisa enqua-


p?r! , 48). drá-lo; identifica-o com o Batista ressus-
v . s instrucóes servem para inculcar o citado ou com algum profeta redivivo ou
.jprendimento e a confianza em Deus e com Elias que nao morreu e há de voltar
que experimentem a hospitalidade da (Eclo 48,10). No enquadramento nao há um
P gente. Sao dois fatores correlativos: o vazio para o messias esperado. Herodes
koíV,rendimento e a confianza em Deus Antipas náo eré em tais boatos, quer vé-lo
^ í,m que o povo lhes dé crédito e confie pessoalmente (23,8). Bastaría vé-lo sem ter
\&s- P°de-se recordar a hospitalidade fé? Náo se esclarece seu mistério simples-
^tada a Eliseu por urna mulher: “Vé, mente com urna inspec§áo. Alembrantja de
Pr® que sempre vem á casa é um profeta Herodes, nesse ponto, durante a atividade
esSt o ...” (2Rs 4,8-10). Também isso é dos doze, projeta urna sombra agourenta.
sarIjpamento para os futuros missionários 9,10 Náo especifica o que contaram: se
® ^vangelho, como o experimentará por foi éxito ou fracasso a primeira expedirán
jiiplo Paulo (At 16,15) e Joáo o reco- apostólica. Considera mais significativo o
exíljd a (3Jo 3-8). A mensagem dos após retiro de Jesús com seus estreitos colabo­
$^ éá Kboa noticia
aq n para
n t ip io ñ osc m
o ra n que
iA a recebem
a rp/^AhArr
radores. Para descansar dos trabalhos ou
tole* uízo de condenagáo para os que a re- para afastar-se de um perigo. E também
? e ,,rn. Os apóstalos seráo testemunhas de ensinamento para futuros pregadores: ter­
Jel ^a§áo, e o sacudir a poeira é um gesto minada a tarefa, voltar a sós com Jesús.
aclJ o atesta. Nada da cidade incrédula 9,11-17 Jesús é o anfitriáo generoso e
apegar-se a seus pés; assim o fará prodigioso (ver SI 23,5; 136,25; 145,15-
p jo (At 13,51). Cantou-o o profeta do 16). No fundo, temos de colocar a atuaqáo
,ijo: “Que belos sao sobre os montes os de Moisés e de Eliseu (Ex 16; 2Rs 4,42-
exl Jo arauto que anuncia a paz, que traz 44). No extremo oposto, a eucaristía (22,
noticia..., que diz a Siáo: Teu Deus 19). Os dois quadros emprestam tragos e
•' f&l ' vocabulário ao milagre de Jesús.
■Ia a 7-9 Esta breve noticia serve aqui para O breve diálogo com os doze serve para
’ficher o tempo da missáo apostólica. mostrar a impoténcia humana diante da
Pre ¿>des faz a si mesmo a pergunta funda- emergéncia, para que assim ressalte o po­
„tal: quem é esse Jesús? Conhece, de der de Jesús. A solugáo dos doze é despe-
mef1
223 LUCAS

1'Kespondeu-lhes: orando a sós, os discípulos se aproxi­


Dai-lhes vós de comer. maran! e ele os interrogou:
Keplicaram: — Quem diz o povo que eu sou?
Nao temos senáo cinco páes e dois 19Responderam:
(«•ixt-s; a nao ser que vamos nós com- — Uns, Joáo Batista; outros, Elias;
|iiiu comida para toda essa gente. outros dizem que surgiu um dos anti-
"(Os homens eram uns cinco mil.) gos profetas.
I le disse aos discípulos: 20 Perguntou-lhes:
•• • Fazei-os sentar em grupos de cin- — E vós, quem dizeis que eu sou?
i|llenta. Pedro respondeu:
r'Assim o fizeram e todos sentaram. — Tu és o M essias de Deus.
'"I iitáo tomou os cinco páes e os dois
pt'ixes, levantou os olhos ao céu, aben- Prediz a m orte e ressurreicáo (M t
(¿oou-os, partiu-os e os foi dando aos 16,20-25; M e 8 ,3 0 -9 ,1 ) — 2lEle os
discípulos para que os servissem á mul­ admoestou, ordenando-lhes que nao o
lidla). 17Todos comeram e ficaram sa- dissessem a ninguém. 22E acrescentou:
i’indos, e recolheram em doze cestos os — Este Hom em tem de sofrer muito,
podados que sobraram. ser rejeitado pelos senadores, sumos
sacerdotes e letrados, tem de ser con­
( 'onfissáo de Pedro (M t 16,13-19; Me denado á morte e ressuscitar ao tercei-
K,27-29) — 18E stando ele certa vez ro dia.

dir o povo. Afastar-se de Jesús seria a so- feitor e, no entanto, odiado; por isso,
luidlo? A de Jesus se mostra em agáo. aprendei. E agora, a caminho!
O povo há de (literalmente) “reclinar­ 9,18-20 A versào lucana chama a aten-
le”, como comensais num banquete. Em gào por sua brevidade e também pelo con­
"grupos de cinqiienta”, como os israelitas texto de oragao em que se coloca. A ora-
no deserto (Ex 18,25). A massa do povo gáo de Jesús é o contexto da confissáo dos
volta a ser um povo organizado como em apóstolos por0 meio de Pedro. Como a in­
mitros tempos e co mega a ser o povo do dicar que além da confissáo esconde-se urna
novo reino, que celebra seu banquete co­ profundidade insondável. Jesús pergunta
munitàrio. Este encerra solenemente urna numa espécie de resumo de sua atividade
clapa do ministério de Jesús na Galiléia. até agora e apresentando o futuro. Propoe
O olhar ao céu é de petigáo e confianza a pergunta fundamental, “quem sou eu”,
(SI 123,1). A bèngào é dada sobre qual- em dois tempos, para que a resposta dos
quer alimento, em especial o eucaristico discípulos se destaque sobre as opinides
(24,30; ICor 10,16). Abengoar é transmi­ do povo. A pergunta é desafiadora (nao
tir fecundidade: cresceí e multiplicai-vos. simples curiosidade ou má disposigáo,
O “partir” supóe páes grandes e dà nome como as de Herodes), e se dirige a todos.
it eucaristía, “a fragáo do pao” (At 2,42). Cada um tem de dar sua resposta. O povo,
O servir, comer e ficar satisfeitos e sobrar com todo o seu entusiasmo, nào ultrapas­
podem estar influenciados pela linguagem sa o nivel profètico ou o nivel de Joáo. Na
do citado 2Rs 4. Doze cestos: é o número cena evangélica, Pedro responde como
das tribos, dos apóstolos cabera de todos. A eles foi dado conhecer
9,18-50 Segue-se urna sèrie de seis pegas o segredo do reinado de Deus. O Messias
que devem ser lidas como unidade maior. de Deus é o Ungido de Deus: primeiro tí­
(’omega a confissáo messiànica de Pedro: tulo de Saul, depois do monarca descen­
depois, entre duas predigóes da paixáo, a dente de Davi (SI 2,2.6; 18,51; 132,17; Lm
Iransfiguragào e a cura do epilético; fecham 4,20). Na boca de Pedro, significa o Mes­
a sèrie urnas breves instruyóos. Ou seja: sias esperado. Por ora, nào deve divulgá-
Jesús é Messias; Messias sim, porém pa­ lo, para evitar interpretagoes equivocadas.
ciente; Messias paciente, porém glorioso; 9,21-27 Messias paciente. Imediatamen-
glorioso e também benfeitor; Messias ben- te depois da confissáo messiànica de Pe-
LUCAS 224

23E dizia a todos: tomou Pedro, Joâo e Tiago e subiu a mu


— Quem quiser seguir-me, negue-se monte para orar. 29Enquanto orava, sen
a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e rosto mudou de aspecto e suas vesii
venha comigo. 24Quem se empenha em resplandeciam de brancura. 30Dois lio
salvar a vida, a perderá; quem perder a mens falavam com ele: eram Moisés c
vida por mim, a salvará. 25Que apro- Elias, 31que apareceram gloriosos e co<
veita ao hom em ganhar o m undo intei- mentavam o éxodo que iria se consumai
ro, se se perde ou malogra? 26Se alguém em Jerusalém. 32Pedro e seus comp;i
se envergonhar de mim e de m inhas nheiros estavam pesados de sono. An
palavras, este Homem se envergonha- despertar, viram sua gloria e os dois ho
rá dele quando vier com sua gloria, a mens que estavam com ele. 33Quamlo
de seu Pai e de seus santos anjos. 27Eu estes se retiraram, Pedro disse a Jesús:
vos asseguro que alguns dos que estáo — M estre, como se está bem aqui'
aqui presentes nao sofreráo a morte Arm em os très tendas: urna para ti, um.i
antes de ver o reinado de Deus. para M oisés e urna para Elias.
(Nao sabia o que dizia.) 34A inda fala
Transfigúratelo (Mt 17,1-8; Me 9,2-8) va, quando veio urna nuvem que lhes fe/
— 28Oito dias depois dessas palavras, sombra. Ao entrar na nuvem, assusta

dro, Jesús pronuncia, como Homem, a pri- e, pela perda, dá sentido à vida. Uma vid.i
meira das très prediçôes da paixáo (vv. 44- que apenas se esgota em conservá-la níio
45; 18,31-34). O designio de Deus para tem sentido, se arruina. O destino de Je
seu Messias o conduz à gloria através da sus, traçado pelo Pai e estendido exemplar
paixâo e morte. Daí se seguem conse- mente aos homens, é paradoxal; parte do
qüéncias para os apóstolos e discípulos de mistério do reinado de Deus.
Jesús. A aceitaçao e seguimento desse ca- 9.25 Variaçâo aclaratoria (cf. SI 49),
minho decidirao o destino último do ho­ delineada na oposiçâo do ser e do possuir.
mem. Acruz fica implantada no seguimen­ O demonio ofereceu a Jesús o dominio do
to, também a cruz cotidiana, que consiste mundo inteiro: era o projeto oposto ao do
em ir superando o egoísmo que arruina o Pai. E volta a tentar apoiando-se no ins
homem. tinto de conservaçao do homem.
9.22 Os très grupos mencionados for- 9.26 Projeta a situaçào presente até ;i
mam o grande Conselho (22,66), que é parusia, a hora da verdade definitiva, a
representaçâo e guia do povo. A reprova- vinda “gloriosa” do Messias acompanha
çâo está vista como ato oficial; o termo do de seu séquito (Zc 14,5). Envergonhar
pode aludir à “pedra rejeitada pelos cons- se: SI 69,7-8; 119,46.
trutores” (SI 118,22). Outras frases e o pro- 9.27 A interpretaçâo é duvidosa. Se
cesso aludem ao poema do Servo (Is 53); Lucas recolhe sem mais um dito transmi­
assim completa o texto citado e assumido tido pela tradiçâo, o versículo seria teste-
na auto-apresentaçâo em Nazaré (4,16-30). munho da expectativa das primeiras co­
A ressurreiçâo segue-se à morte na primi­ munidades (da qual fala 2Ts); ele a teria
tiva proclamaçâo (kerygma). recolhido aqui por associaçâo temática. Se
9.23 Alarga-se o círculo de destinatá- Lucas pretende dar à frase um sentido
rios. Portanto, “seguir” abrange a vida de adaptado à sua época, “ver o reinado de
qualquer cristáo. A cruz é a trave vertical Deus” seria reconhecé-lo na ressurreiçâo
que o condenado tinha de levar no último de Jesús.
trecho da vida. O discípulo há de fazé-lo 9,28-36 Messias paciente, porém glorio­
“em companhia” de Jesús, por ele tem de so. Imaginemos os pensamentos de “aque-
estar disposto ao martirio. Só que o marti­ le Homem” (= Filho de Adâo). A partir de
rio, fato final, nao anula o ritmo paciente sua apresentaçâo em Nazaré (4,18), atra-
de cada dia. vessou entusiasmos, incompreensôes e
9.24 Note-se a assimetria: “salvar/per­ hostilidades dos chefes. Para o povo, que
der por mim”. Esse motivo, referido à pes- conhece a Escritura (Torá e Profetas), o
soa do Messias, dá sentido ao perder a vida Messias tinha de ser reconhecível, identi-
», 17 225 LUCAS

iiiin-se. 35Da nuvem veio urna voz, que enquanto nâo contaram a ninguém o
tli/.ia: que haviam visto.
— Este é o meu Filho escolhido. Es-
i'iilai-o. O menino epilético (Mt 17,14-18; Me
u'Ao ressoar a voz, Jesús se achava 9,14-27) — 37No dia seguinte, ao des-
mi/.inho. Eles guardaram silencio e por cer do monte, saiu-lhes ao encontro gran-

lleável: corresponde Jesus à imagem bí­ compreender a morte de Jesús como o


blica? Até os discípulos tém pouca fé. À grande “éxodo” (também eles sofreram
trente apresenta-se cada vez mais claro e hostilidade e perseguiçào).
próximo o trágico destino: é este o desig­ Segundo Lucas, os apóstolos dormiam
nio do Pai? A confissilo de Pedro acres- no momento crítico e nâo puderam ver a
ccnta-se a do Pai, que a faz transbordar. E transformaçâo em ato, só véem o resulta­
•onia-se o testemunho da Escritura, repre- do. (Outro tanto acontecerá com a ressur-
«entada por Moisés e Elias. O caminho da reiçào.) Pedro pretende fixar e perpetuar
pnixáo vai iluminar-se com o esplendor, o momento, como numa festa nao imagi­
iintecipado e provisorio, da transfiguraçào. nada das Tendas, ou como uma presença
Lucas, como outras vezes, dispóe um cultual em “tendas da reuniáo” (Ex 33,7-
contexto de oraçâo e um monte como ce­ 11). Nâo sabe o que diz, porque a revela-
llàrio (cf. Ex 3; 19,1; IRs 19): Jesus a sós çâo é um momento maravilhoso e fugaz,
com seu Pai, em sublime contemplaçâo. um indicador que aponta para a certeza da
Sobe para orar e seu orar é subida. Expos- ressurreiçâo. E tampouco a ressurreiçâo
lo ao esplendor da gloria de Deus, o rosto poderá estar presa a uma tenda terrestre: o
de Moisés tornava-se “radiante” (Ex último éxodo será a ascensáo.
34,29-35); um salmo convida: “contem- Vem a nuvem, sinal da presença velada
plai-o e ficareis radiantes” (SI 34,6). En­ de Deus (Ex 14,20; IRs 8,10-12; 2Mc2,8);
quanto Jesus ora, a gloria de Deus o pene­ nela penetram os apóstolos (Ex 24,18). Da
tra e lhe transfigura luminosamente o rosto nuvem soa a voz do Pai, o testemunho su­
c as vestes (SI 104,2), como se a matèria premo, a revelaçâo mais alta, com pala-
se convertesse em energia luminosa. Cos- vras tomadas de Is 42,1 e talvez apontan-
tuma-se conceber ou representar a gloria do ao contexto. Por ora háo de guardá-la
de Deus em termos de esplendor: “O res- ciosamente para si.
plendor que o envolvía... era a aparéncia 9,37-43 Moisés glorioso e benéfico. Ao
visível da gloria do Senhor” (Ez 1,28; cf. descer do monte, como outro Moisés, com
Ex 16,10; 24,10; Jó 37,22). os très apóstolos, Jesús encontra uma si-
A apariçâo de urna grande personagem tuaçâo desalentadora: um menino ator­
já morta nós a conhecemos por um texto mentado pelo demonio, uns discípulos
tardio (Jeremías, 2Mc 15,12-16). De Elias impotentes por falta de fé, a massa incré­
se contava a lenda do rapto celeste (2Rs 2; dula só atenta a milagres, e nessa massa
Eclo 48,9-10); de Moisés, há um ligeiro uma situaçâo que provoca piedade: um pai
apoio em Dt 34,6. Nao surgem como Sa­ aflito por seu filho único, os sofrimentos
muel das profundezas da terra (ISm 28), do menino. Os síntomas sáo claramente
mas se apresentam como duas testemunhas de epilepsia, que Lucas descreve em pro-
celestes (Dt 19,15), ao passo que os très cesso e com exatidáo e que os antigos atri-
apóstolos seráo testemunhas terrestres no buíam à possessâo diabólica. A primeira
momento oportuno. Ademáis, Moisés, reaçâo de Jesús é de queixa, como as pa-
como vimos, havia refletido a gloria de lavras de Deus no chamado cántico de
Deus. Agora, Moisés participa com Elias Moisés (Dt 32,5), como as queixas “até
da gloria de Jesús. Os dois falam da morte quando continuará essa comunidade mal­
(partida, éxodo) de Jesús em Jerusalém: vada protestando contra mim ?” (Nm
aponta-se o movimento para a capital, que 14,27). Mas a compaixâo tem mais força:
Lucas vai tomar como itinerario do desti­ como Filho do Pai compreende a dor de
no de Jesús (9,51; 13,22; 17,11; 18,31; um pai por seu filho. Além disso, urge a
19,11). Lei e Profetas estáo de acordo em necessidade de enfrentar os poderes ma-
LUCAS 226

de multidáo. 38Um homem da multidáo 45Mas eles nâo entendiam essa lin
gritou: guagem; seu sentido era-lhes oculto e
-— Mestre, rogo-te que des atengáo a ininteligível; mas nâo se atreviam a per
meu filho, que é único. 39Um espirito o guntar a respeito disso.
agarra, de repente grita, o contorce e o
faz espumar, e difícilm ente se afasta, D iversas instruçôes (Mt 18,1-5; M<
deixando-o moído. 40Pedi aos teus dis­ 9,33-40) — 46Surgiu um a discussáo
cípulos que o expulsassem , mas nao entre eles sobre quem era o maior.
foram capazes. 47 Jesus, sabendo o que pensavam,
41Jesus respondeu: aproximou uma criança, colocou-a jun­
— Que geraqáo incrédula e perver­ to a si 48e Ihes disse:
sa! A té quando terei de estar convosco — Quem acolhe esta criança em aten-
e vos agüentar? Traze aqui o teu filho. çâo a mim, a mim acolhe; e quem mr
42Ainda se aproximava, quando o de­ acolhe, acolhe aquele que me enviou.
monio o arremessou e o retorceu. Jesús O menor de todos vós é o maior.
ameagou o espirito im undo, curou o 49Joáo lhe disse:
menino e o entregou a seu pai. 43E todos — Mestre, vim os alguém que expul
se maravilharam da grandeza de Deus. sava demonios em teu nome e o impe­
dimos, pois nâo anda conosco.
Nova predigáo da m orte e ressurrei- 50Jesus replicou:
gáo(M t 17,21-23; M e 9,30-32) — Visto — Nao o impeçais. Quem nao está
que todos se adm iravam do que fazia, contra vós está a vosso favor.
disse a seus discípulos:
— “^Prestai atengáo a estas palavras: Cam inho para Jerusalém — 51Quan-
Este Homem será entregue em máos de do ia se cum prindo o tempo para que o
homens. levassem*, enfrentou decidido a via-

léficos. “Ameaija” como em outras oca- de de Jesús. E freqüente no AT essa prefe­


sióes. Por fim, entrega ao pai o filho cura­ rencia de Deus pelo pequeño (p. ex. ISm
do (cf. IRs 17,23; 2Rs 4,36). O povo re- 16,5-13; cf. o menino de Is 11,6). Os dis­
conhece no milagre a “grandeza” de Deus cípulos náo compreenderam, continuam
(Dt 3,24; 9,26; SI 150,2). com mentalidade e critérios humanos, dis­
9,44-45 Benéfico e, no entanto, odiado. putando o primeiro lugar. Talvez à frente
Enquanto o povo continua maravilhado, dos très preferidos ou em lugar de Pedro.
Jesús se dirige aos discípulos. Na segunda Um menino, que por si só náo se vale, que
predigáo da paixáo, nao menciona a res- náo conta na sociedade, é colocado no lu­
surreigáo. A tragédia da paixáo se consu­ gar mais próximo de Jesús. Pelo serviço
mará entre irmáos: este Homem (filho de ao menino, em atençâo a Jesús, serve-se a
Adáo) será entregue a outros homens (co­ Jesús; servindo a Jesús serve-se ao Pai.
mo Abel e Caim em outra escala). Os dis­ 9,49-50 Refere-se a exorcistas profissio-
cípulos entendem a frase gramatical e, nais, talvez itinerantes, que, conhecida a
porque a entendem, nao compreendem seu fama de Jesús, invocam seu nome nos
sentido. Esse destino anunciado nao se exorcismos. Aos discípulos isso parece um
enquadra com o que eles esperam de Je­ abuso (como por num produto uma marca
sús; nao conseguem conciliar poder com famosa). Jesús responde com uma decla-
fraqueza, que o dominador de espíritos raçâo de tolerancia, que se há de comple­
malignos caia em poder de homens. As tar com a de 11,23. O caso é semelhante ao
palavras sao obscuras para quem nao está de Josué e Moisés, narrado em Nm 11: con­
disposto a compreender. trastan! os ciúmes exclusivistas de Josué
9,46-48 Ao verem o éxito do exorcis­ com a magnanimidade de Moisés. Veja-se
mo, todos tinham admirado “a grandeza” também a reaçâo de Paulo (F1 1,15-18).
de Deus. Pois bem, á grandeza se acede 9,51 Neste versículo começa a segunda
pela pequenez do menino, pela humilda- parte do evangelho de Lucas: é a subida
227 LUCAS

gern para Jerusalém, 52e enviou ä frente — Eu te seguirei para onde fores.
ílguns mensageiros. Eles foram e en- 58Jesus lhe respondeu:
Irnram numa aldeia de samaritanos para — As raposas tém tocas, as aves tém
prcpará-la. 53Mas estes nao o recebe- ninhos, mas este Homem nao tem onde
rnm, porque se dirigia a Jerusalém. 54Ao reclinar a cabeça.
ver isso, seus discípulos Joäo e Tiago 59A outro disse:
ilísseram: — Segue-me.
— Senhor, queres que mandemos que Respondeu-lhe:
tiuia um raio do céu e acabe com eles? — Senhor, deixa-me ir primeiro en­
55Ele se voltou e os repreendeu. 56E terrar meu pai.
purtiram para outra aldeia. “ Replicou-lhe:
— Deixa que os mortos enterrem seus
Seguimento (Mt 8,19-22)— 57Enquan- mortos; quanto a ti, vai anunciar o rei­
lo caminhavam, alguém lhe disse: nado de Deus.

lie Jesús para Jerusalém, para a cruz, para cores esses manifestados no tempo de
o céu. Partindo um pouco antes, o inicio Esdras. Os samaritanos tinham seu tem­
do ministério na Judéia repete esquemáti­ plo no monte Garizim e nao reconheciam
camente o comego do ministério na Gali- o de Jerusalém.
léia: batismo e transfíguragáo; confronto 9,54-56 A reaçâo dos discípulos é de
com o demonio no deserto e com um ende- cunho profètico, como a de Elias: “Se sou
moninhado no vale; rejeigáo em Nazaré e um profeta, que caia um raio e queime a ti
na Samaría; escolha dos apóstelos e dos e a teus homens” (2Rs 1,10.12), e parece
discípulos. O comego é um ato consciente justificada pela ofensa feita àquele que é
c decidido de Jesús: “enfrentou”, literal­ mais que profeta. Nao entenderam o pro­
mente “endureceu a face”. Como o Servo: grama de Jesus nem sabem para onde ele
"por isso nao me acovardava, por isso en­ se dirige. Sacudir o pó dos pés nao é
durecí o rosto como pedra” (Is 50,7), como fulminar com fogo celeste (9,5).
¡i dureza de Jeremías: “coluna de ferro, Alguns manuscritos acrescentam: “Nao
muralha de bronze” (Jr 1,18), como Eze- sabéis de que espirito sois. Este Homem
quiel: “parti decidido e inflamado” (Ez 2,6). nao veio para destruir vidas humanas, mas
O substantivo usado (analempsis) corres­ para salvá-las”.
ponde ao verbo de arrebatamento de Elias: 9.57-62 Très cenas de seguimento ilus-
“o Senhor vai levar hoje” (2Rs 2,3.5, soli­ tram o começo da marcha de Jesús. Sao
citado em 19,4). O significado original é personagens anónimas, típicas. A primei-
“tomar, levar” (como o latim assumere); ra e a terceira tomam a iniciativa sem se­
lógicamente, se aquele que toma está no reni chamadas, a segunda é Jesus quem a
alto, no céu, tomar é levantar (como ex­ chama. Nos très casos, é decisiva a pron-
plica o v. l i e Eclo 48,9). O matiz de le­ tidáo, o desprendimento de outros víncu­
vantar, como símbolo, adere-se ao termo los, a disposiçâo de enfrentar o descon­
(At 1,2.11.22; lTm 3,16). forto. Tudo isso dominado pelo desejo de
A viagem está balizada por referencias, seguir em companhia do Senhor.
sem muita preocupado com a geografía 9.57-58 O salmo da criaçâo canta, entre
(9,52; 17,11; 18,35; 19,1.28). Pelo cami- outras coisas, as habitaçôes de aves e ani­
nho váo sucedendo-se ensinamentos, pa­ mais (104,12.17-18). Jesus se parece com
rábolas, milagres, controvérsias. *Ou: de Jacó na paisagem pedregosa de Betel: “pe-
sua assungáo. gou urna pedra do lugar, colocou-a como
9,52-53 A viagem cometa solenemen- travesseiro e deitou-se naquele lugar” (Gn
te, enviando á frente quem prepare cami- 28,11). Seguir Jesus è caminhar sem pà­
nho e aloj amento (como o Batista na pri- tria nem lar (cf. Pr 27,8). Ben Sirac consi­
meira parte). Logo tropera em resistencia. dera desonroso e desgraçado viver de es-
Desta vez sao os antigos rancores dos sa­ mola (Eclo 40,28-30).
maritanos contra os judeus, radicados na 9,59-60 Enterrar os pais é dever sagra­
conquista pela Assíria (2Rs 17,24-41), ran- do (Gn 35,29; Tb 14,10-13). Jesús respon-
LUCAS 228 9,(i I

61Outro lhe disse: — A messe é muita, os operários pou


— Eu te seguirei, Senhor, m as pri- eos; pedi ao dono da messe que envíe
meiro deixa despedir-me de minha fa­ operários à sua messe. 3 Ide, eu vos en­
milia. vió como ovelhas entre lobos. 4Náo io
62Jesus lhe replicou: veis nem bolsa nem sacóla nem sanda
— Quem póe a mao ao arado e olha lias. Pelo caminho nao saudeis ninguém,
para trás nao é apto para o reinado de 5Quando entrardes numa casa, dizei pii
Deus. meiro: Paz a esta casa. 6Se houver ai
gente de paz, descansará sobre eia a
M issáo dos seten ta e d ois — vossa paz. Do contràrio, voltará a vos.
'U m pouco depois, o Senhor de- 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo
signou outros setenta [e dois] e os en- o que houver; pois o operário tem di
viou à frente, de dois a dois, a todas as reito à sua diària. Nào passeis de casa
cidades e lugares onde pensava ir. 2 Di- em casa. 8Se entrardes numa cidade e
zia-lhes: vos receberem, cornei do que vos ser

de com um provèrbio paradoxal. Quem só 19,15). Háo de confiar na generosidad^


conta com esta vida, recebe ao final hon­ que sua mensagem provocará, sem abusar
ras fúnebres; Jesus vem trazer uma vida dela para deixar-se hospedar.
nova. O que acabou, acabou (cf. Hb 8,13). 10.2 Ametáfora da colheita é correlativa
9,61-62 Comparar com o chamado de com a tomada da semeadura (8,5-8; cf. Jo
Eliseu (IRs 19,20). Quem ara, segura com 4,35-37). Colheita abundante é informa-
a máo a rabila, olha para frente e traga um gáo otimista. Supòe a béngáo de Deus. A
sulco reto. Olhar para trás foi a fatalidadecolheita toda, e náo só as primicias (Dt 26)
da mulher de Ló (Gn 19,26). deve ser oferecida ao dono, Deus. Os se­
tenta devem pedir generosamente que au­
10 ,1-16 Assim como houve uma mis- mente seu número, sem fechar-se em pri-
sao dos doze na Galiléia (9,1-6), assim se vilégios.
narra agora a missáo de setenta (setenta e 10.3 O “eu vos envió” é aqui enfático e
dois, em alguns manuscritos) na Judéia. por isso a comparagáo se torna paradoxal:
Assim, temos um segundo círculo em ex- é bom pastor aquele que póe suas ovelhas
pansáo, que pode refletir a intengáo de num bando de lobos? E realista e garante
Lucas dirigindo-se a comunidades cristas. seu apoio. Pobres, indefesos e ameagados
Sáo setenta, como os povos de que se com- iráo cumprindo sua missáo.
póe a humanidade (segundo Gn 10) ou, 10.4 Refere-se á saudagáo demorada e
antes, como os auxiliares de Moisés, par­ efusiva que, as vezes, incluía desviar-se do
ticipantes do seu espirito (Nm 11,16-30). caminho para saudar (cf. 2Rs 10,13; 4,29).
O verbo da missáo é o mesmo usado para 10,5-6 A paz é a saudagáo hebraica (SI
os apóstalos. Envia-os “à sua frente”, co­ 122) e é saudagáo messiànica (2,14). Des-
mo o Batista (1,76; 7,27 citando MI 3,1). creve-se como personificada, móvel, com
Preparar-lhe a chegada será sempre o sen­ “filho” (semitismo). Dois textos ilustram
tido de todo o apostolado da Igreja: a geo­ as duas respostas à mensagem de paz:
grafía se alarga, o esquema permanece. “Como sao belos os pés do arauto que
As condigóes sáo gerais: renúncia a se- anuncia a paz” (Is 52,7) e “eu sou pela
gurangas e comodidades, para dar crédito paz... eles pela guerra” (SI 120,7).
e apresentar ao vivo a mensagem. Leva- 10.7 Ir de casa em casa pode significar
ráo a paz com mansidáo (3): náo a da sau- um espirito interesseiro e pode ofender o
dagáo convencional e apressada, mas a paz primeiro anfitriáo. A diària: é um princi­
messiànica, eficaz quando bem recebida, pio legal que se aplica á atividade do pre-
mas que se converte em condenagáo se é gador (IC or 9,8-14; lTm 5,18; cf. Ez
rejeitada. A tarefa deles, como a de Jesús, 29,20).
será anunciar a boa noticia do reinado de 10.8 Sem escrúpulos legáis de moradia
Deus (9,11) e curar doentes em nome dele. ou alimentos. O único requisito é que re-
Iráo dois a dois, como testemunhas (Dt cebam em paz a paz messiànica.
229 LUCAS

vlrrni. ‘'Curai os enferm os que houver, 16Quem vos escuta, escuta a mim;
p tli/ci-lhes: O reinado de Deus chegou quem vos despreza, despreza a mim;
iili' vós. 10Se entrardes num a cidade e quem me despreza, despreza aquele que
Hilo vos receberem, sai às rúas e dizei: me enviou.
11 Ale o pó desta cidade, que se pegou
cni nossos pés, o sacudimos e devolve­ Voltam os setenta e dois — 17Volta-
m os a vós. Apesar de tudo, sabei que o ram os setenta [e dois] muito contentes
trinado de Deus chegou. 12Eu vos digo e disseram:
i|iic naquele dia a sorte de Sodoma será — Senhor, em teu nome até os de­
milis branda que a dessa cidade. m onios se submetiam a nós.
18Respondeu-lhes:
«(■crimina as cidades da Galiiéia (Mt — Eu via Satanás cair do céu como
11,20-24) — 13Ai de Ti, Corazim! Ai de um raio. 19Vede: Eu vos dei poder para
II, Betsaida! Porque, se em Tiro e Si- pisar serpentes e escorpiôes e sobre toda
ilónia tivessem sido feitos os milagres a força do inimigo, e nada vos fará mal.
u-nlizados em vós, há tempo teriam fei- 20Contudo, nâo vos alegreis porque os es-
lo penitencia sentados na cinza com píritos se submetem a vós, e sim porque
pano de saco. 14E assim, a sorte de Tiro vossos nomes estáo registrados no céu.
o Sidónia no julgamento será mais bran­
da que a vossa. 15E tu, Cafarnaum, pre- O Pai e o Filho (Mt 11,25-27; 13,16-17)
Iendes elevar-te até o céu? M as cairás — 21Naquela ocasiáo, com o júbilo do
aló o abismo. Espirito Santo, disse:

1 0 , 1 0 - 1 1 É urna açao simbólica expli­ 10,16 Com o principio clássico da repre­


cada em palavras, como faziam os profe­ sentado, concluí a instrugáo antes da mis-
tas. Esse pó está contaminado e é preciso sáo (cf. Nm 12,6-8); a cadeia que desee do
sacudi-lo dos pés antes de voltar a pisar o Pai a Jesús e aos apóstolos, e sobe de volta.
pó sagrado (cf. SI 102,15). 10,17-20 É curioso o relato dos setenta
10,12 A sorte da Pentápole, exemplo de pelo que selecionam e pelo que excluem.
castigo definitivo ou escatológico (Gn O que mais lhes satisfaz é a eficácia dos
19,24-25; Ez 16,49.56). A instruçâo con­ exorcismos em nome de Jesús. Nao o con-
tinua no v. 16. seguiam com o menino no vale (9,37-43).
10,13-15 Atraída pela figura das cidades E nao dizem nada da resposta das cidades
fechadas à mensagem, soa aquí esta mal- á boa nova. Jesús levanta a mira.
diçâo contra povoados da Galiiéia onde Satá (= fiscal ou rival) comparece á cor­
Jesús tinha pregado e feito milagres. O es­ te celeste para acusar os homens (Zc 3,1-2;
tilo é o dos ais pronunciados por profetas Jó 1-2) e exerceu no mundo um poder da-
contra naçôes ou impérios pagaos. Isaías quele que alardeia: “o deram a mim, e o
e Ezequiel pronunciam seus oráculos con­ dou a quem quero” (4,6). Agora foi derru-
tra Tiro e Sidónia (Is 23; Ez 26-28). Mas bado do seu lugar, como o imperador
as très cidades costeiras, em ordem cres- emblemático de Babilonia, “caído do céu,
cente haviam recebido um tratamento pre- abatido até o abismo” (Is 14,12.14) pela
ferencial por parte de Jesús. Preferidas a vítória de Jesús (4,1-12). Graqas a isso, os
Jerusalém, a cidade preferida de Yhwh em discípulos submeteráo as potencias do mal
outros tempos. Translada-se a um julga­ (SI 91,13). Mas nao basta submeter o inimi­
mento definitivo e comparativo. A má res- go de baixo; mais importante é pertencer
posta à graça abundante é agravante; por ao reino de cima, estar inscrito em seu regis­
isso sua condenaçâo será mais grave. Ca- tro: “O Senhor escreverá no registro dos
farnaum, cidade de Jesús ou centro de suas povos: Este nasceu ali” (Ex 32,32; SI 87,6).
operaçôes, atrai o oráculo contra Babi­ 10,21-24 Junto com a transfigurado,
lonia (Is 14). Nâo é sem ironia dizer de este é um momento culminante do evan-
urna cidade costeira que ela tenta elevar­ gelho. Um gozo sobre-humano, infundí-
se até o céu. do pelo Espirito Santo, brota incontível e
LUCAS 230 10,.’

— Dou-te grabas, Pai, Senhor do céu e — Mestre, que devo fazer para het
da térra! Porque, ocultando essas coísas dar vida eterna?
aos entendidos, tu as revelaste aos igno­ 26 Respondeu-lhe:
rantes. Sim, Pai, essa foi a tua escolha. — O que está escrito na Lei? O que c
22Tudo me foi entregue por meu Pai. Nin- que les?
guém conhece quem é o Filho, a nao ser 27 Replicou:
o Pai, e quem é o Pai, a nao ser o Filho e — A m arás o Sen h o r teu D eus di
aquele a quem o Filho decida revelá-lo. todo o coragáo, com toda a alma, com
23 Voltando-se para os discípulos, dis- toda a m ente e ao próxim o como a li
se-lhes em particular: mesmo.
— Felizes os olhos que véem o que 28 Respondeu-lhe:
vedes! 24Eu vos digo que muitos profe­ — Respondeste corretamente: fazi
tas e reis quiseram ver o que vós vedes, isso e viverás.
e nao viram, escutar o que vós escutais, 29Ele, querendo justificar-se, pergun
e nao escutaram. tou a Jesús:
— E quem é meu próximo?
O bom sa m a rita n o — 25Nisso um ju ­ 30Jesus lhe respondeu:
rista se levantou e, para pó-lo á prova, — Um homem descia de Jerusalém
lhe perguntou: para Jericó. Deu de cara com assaltan

se expressa nesta confissáo. Com estas rer”; compare-se com Simeáo “meus olhos
palavras Jesús se transfigura e irradia luz viram” (2,29-30).
de revelagào. Sugestóes ou vislumbres do 10.25-37 O diálogo com um letrado ou
AT parecem convergir neste ponto, espe­ jurista serve a Lucas para introduzir a pa­
cialmente da Sabedoria personificada (Pr rábola do “bom samaritano”, que somen
8,22-31; Eclo 24). te ele nos conservou.
A oposi§áo entendidos e ignorantes é 10.25-28 O letrado coloca a pergunta em
clàssica na literatura sapiencial (Eclo 21, termos de religiosidade deuteronomista:
12-24 e outros) Aqui invertem-se os valo­ para viver é preciso cumprir (Dt 4,1; 5,33;
res em virtude de urna revelagáo superior 8,1; 16,20; 30,16); muda o horizonte, que é
e em paralelo com outras inversóes (cf. o agora uma vida perpétua no mundo novo.
Magnificat, 1,51-53). Os entendidos sáo “Herdar” é termo técnico no AT e seu obje­
aqui os chefes judeus; os ignorantes sáo to é a térra. A pergunta tem sua resposta
os discípulos (compare-se com a fungao explícita na “lei”, por isso Jesús faz aquele
da lei, que “instruí o ignorante”, no SI que pergunta responder; ele nao legisla, mas
19,8); mas o enunciado transborda o hori­ urge o cumprimento. O letrado responde
zonte temporal (cf. ICor 1-2). O Pai re­ sintetizando todos os preceitos (seiscentos
vela antes de tudo a filiagáo única de Je­ e treze na conta dos rabinos) em dois, o
sus (3,22; 9,35). Jesus é o Filho, revelador amor a Deus e o amor ao próximo (Dt 6,5 e
do Pai (Joào desenvolverá essa teologia). Lv 19,18; síntese que Jesús faz segundo Mt
10,23-24 Esta é urna bem-aventuran§a 12,28 e 22,27-29). O homem consegue a
(macarismo) para o ver e o ouvir penetran­ plenitude da vida saindo de si: para Deus e
do, em termos de encarnaqào; ver e ouvir para o próximo como termos correlativos.
no e pelo Filho ao Pai (cf. lJo 1,1-2). Os A resposta, diz Jesús, é correta, a síntese
discípulos sáo testemunhas privilegiadas está bem feita; seguindo a religiosidade da
dessa revelagào, que se estenderà a todos lei, é preciso cumprir o que foi dito. Os dois
os cristáos. Profetas, que vislumbravam o mandamentos sáo nao somente síntese, mas
futuro, e reis, que prolongavam a dinas­ também alma de todos os outros: somente
tia: pode-se aduzir a petigào do povo (Is o amor dá sentido e justifica a lei.
63,19), a mengáo de reis (Is 52,15 e 60,3) 10,29 O letrado o escuta como repreen-
e também Davi, rei-profeta, como supos- sao e busca uma escapatoria na casuística:
to autor dos salmos. o simples e claro se problematiza, neutra­
10,23 Ver Eclo 48,11 referido à volta de lizando sua validez. Pelo visto, identificar
Elias: “Ditoso quem te ve antes de mor- Deus náo era problema; identificar o próxi-
1(1, .IH 231 LUCAS

It'N i|ue lhe tiraram a roupa, o cobriram pousada e lhe recomendou: Cuida dele,
ili' j'.olpes e foram embora deixando-o e o que gastares eu te pagarei na volta.
nrmimorto. 3,Coincidiu que descia por 36Qual dos tres te parece que se portou
else caminho um sacerdote e, ao vè-lo, com o próximo daquele que deu de cara
(uissou longe. 320 m esmo fez um levi­ com os assaltantes?
li! : chegou ao lugar, viu-o e passou lon- 37 Respondeu:
Hr. ” Um samaritano que ia de viagem, — Aquele que o tratou com m iseri­
rlicgou onde estava, viu-o e se compa- cordia.
doccu. 34Pòs azeite e vinho nas feridas E Jesus lhe disse:
i ;is atou. A seguir, m ontando-o em sua — Vai e faze tu o mesmo.
t avalgadura, o conduziu a urna pousa-
da e cuidou dele. 35No dia seguinte, ti­ M a rta e M a ria — 38Prosseguindo via­
nnì dois denàrios, deu-os ao dono da gem, Jesus entrou numa aldeia. Urna

mi), sim. Próximo, no contexto do Leví- comportou como próximo? É preciso to­
Iico, é o israelita; o Deuteronómio reserva mar a iniciativa, é preciso tornar-se próxi­
0 título de “irmáos” para os israelitas. A mo do necessitado. A resposta de Jesus nao
príitica dos doutores podia excluir peca­ é teòrica: sua palavra quer educar na arte
dores e nao observantes. Em última ins- de tomar-se próximo.
Ifincia eles decidem quem é e quem nao é Num segundo tempo, a comunidade viu
próximo. Para Jesús, nao há escapatoria. Jesus na figura do bom samaritano e o de-
1,m lugar de discutir e teorizar, propóe urna senvolveu em detalhe. O mais vàlido e
parábola exemplar: um espelho nao para sugestivo deles é o que desee, se aproxi­
justificar a própria conduta, mas para ma e ajuda o homcm necessitado.
criticá-la e corrigi-la. 10,34 O azeite suaviza e protege a feri-
10,30-37 Podemos observar as persona- da (Is 1,6), o àlcool do vinho desinfeta. Am­
gens e estudar sua relagáo. “Um homcm” bos se prestam a explicagóes alegóricas.
qualquer, anónimo, sem indicagáo de pa­ 10,37 Ver Is 61,1; Pr 14,21.
tria nem oficio, vítima indefesa de saltea­ 10,38-42 Aqui temos urna casa que re­
dores; jaz meio morto num caminho de cebe e hospeda o pregador. Como em ou-
curvas e abismos. Um “samaritano”, quer tros tempos urna mulher toma a iniciativa
dizer, meio pagáo; gentílico que é quase para hospedar o profeta Eliseu (2Rs 4,8-
um insulto para um judeu (Jo 8,48). Mas 10; cf. At 16,14-15). Também desta vez é
“compassivo”, solícito, generoso, tanto urna dona de casa que hospeda Jesus.
que a tradigáo o distinguiu com o título de Como o honra? Alguém que fala ou escre-
“Bom Samaritano”. Um “sacerdote” e um ve deseja sobretudo ser ouvido ou lido: é
“levita” (clérigo de ordem inferior), ou vaidade? ou é aprego pelo que eie ofere-
seja, funcionarios do culto, atentos as pres- ce? Entáo que é mais importante, dar ou
crigóes de pureza ritual. A tensáo entre receber? (At 20,35), servir ou escutar? Os
culto e ajuda ao próximo, justiga social, é doutores desse tempo nào explicavam a lei
urna constante no AT, profetas, sapienciais, às mulheres. No caso de Jesus, eie veio
salmos (Is 1,10-20; Jr 7; SI 50; Eclo 34,18- para dar vida e ensinamento. Essa vida é o
35,10). Os dois clérigos da parábola sepa- ùnico necessàrio; sua doutrina há de ser
raram compaixáo e culto. ouvida. Se o sustento é necessàrio, para
A relagáo de “próximo”. O termo grego viver é mais importante “o que sai da boca”
(plesíon) corresponde a um hebraico, que de Jesus, seu ensinamento. Como as preo-
significa vizinho (Pr 25,17; 27,14) ou ami­ cupagóes podem abafar a semente (8,14),
go (Pr 27,9; 17,17; Eclo 37,1-6). É con- assim o afá pode impedir a escuta.
ceito de relagáo recíproca, que inclui dois A tradigào, simplificando um pouco e
correlativos: um considera e trata o outro esquematizando, fez das duas irmàs sím­
como próximo = amigo. Isto explica o bolos da vida ativa e contemplativa, como
deslocamento da resposta com relagáo á formas diversas e complementares da exis­
pergunta: quem é meu próximo? quem se tencia cristá.
LUCAS 232 10, w

mulher cham ada M arta o recebeu em — Senhor, ensina-nos a orar, como


sua casa. 39Tinha urna irmá chamada Joáo ensinou seus discípulos.
Maria que, sentada aos pés do Senhor, 2 Respondeu-lhes:
escutava suas palavras, enquanto Mar­ — Quando orardes, dizei:
ta se agitava em múltiplos servidos. Até “Pai, seja respeitada a santidade tic
que parou e disse: teu nome, venha teu reinado; 3 dá-no-.
— Mestre, nao te importa que minha hoje o pao do amanhá*; 4 perdoa-mv.
irmá me deixe sozinha nos trabalhos? nossos pecados, como também nós per
Dize-lhe que me ajude. doamos os que nos ofendem; náo nos
410 Senhor lhe replicou: deixes sucumbir na prova”.
— Marta, Marta, tu te preocupas e te 5E acrescentou:
inquietas com m uitas coisas, 42quando — Suponhamos que alguém tem um
urna só é necessària. M aria escolheu a amigo que acorre a ele à meia-noite e lhe
melhor parte, que náo lhe será tirada. pede: Amigo, empresta-me trés páes,
pois chegou de viagem um amigo meu
A oragáo (Mt 6,9-15; 7,7-11) — e náo tenho o que oferecer-lhe. O ou

U ]Certa vez, estava num lugar oran­ tro de dentro lhe responde: Nao me
importunes; estamos deitados eu e meus
do. Quando term inou, um dos discípu­
los lhe pediu:

11.1 A oragáo responde á palavra escu-


filhos; náo posso levantar-me para da

Deus seja efetivamente quem rege a his


tada. E agora as duas coisas se fundem tória dos homens (cf. SI 82,8; 98). Pede
porque os discípulos “escutam” como se se porque é um processo: chegou em Je­
deve “orar”. Orar é atividade integrante de sús e está para chegar em nós.
toda a vida religiosa e pode ser mais im­ 11,3: *0u: de cada dia. É duvidoso o
portante que os sacrificios: “Todos os po- significado do adjetivo do pao: se é coti
vos chamaráo minha casa de Casa de Ora- diano, refere-se à nossa vida aqui (cf. SI
gáo” (Is 56,7). Para orar, o AT nos oferece 136,25); como a vida, também o sustento
textos abundantes e variados: o Saltério é dom de Deus. Se é o pao do amanhá,
inteiro e muitas oragóes dispersas em tex­ refere-se ao escatològico, o que alimenta
tos narrativos, proféticos e sapienciais. a vida eterna na casa do Pai. É possível
Nao basta? Jesús dá exemplo freqüente de que o autor queira abarcar tudo.
oraqáo (3,21; 5,16; 6,12; 9,29); algo tcm a 11,4 Sobre o perdáo: “Perdoa a teu pró­
ensinar, como Joáo e outros mestres. ximo a ofensa, e te seráo perdoados os
11,2-4 Jesús responde ao pedido, pro­ pecados quando pedires” (Eclo 28,1-7; Le
pondo urna oraqáo muito breve, inclusive 6,37). O perdáo é dom excelso. Sobre a
mais breve (e talvez mais próxima do tex­ prova: Eclo 2,1; 33,1; Sb 3,5.
to original) que a de Mateus, cinco pedi­ 11.5-13 As duas imagens, do amigo e
dos ao invés de sete (Mt 6,9-13). do pai, ilustram na oragáo o caráter de re-
11.2 A invocagáo “Pai” orienta o resto. lagáo pessoal.
Substituí as do AT, Yhwh = “Senhor”, ou 11.5-8 Aprimeira parábola pode descon­
“meu Deus”. O individuo náo chama a certar o leitor: um Deus que atende aos
Deus de Pai, exceto o rei (SI 89,27) e um pedidos para que o deixem em paz? Jesús
par de textos tardíos (Eclo 23,1; 51,10). conhece o Pai (11,22) e pode permitir-se
Seja respeitada ou reconhecida a tua san- esse ato de condescendencia, ou seja, pode
tidade, nao seja profanado o teu nome (cf. humanizar ao máximo a situagáo. Por con­
o triságio de Is 6,3 e SI 99). Também com a traste, pode-se recordar a cagoada que
conduta pode-se profanar o nome santo, Elias faz dos profetas de Baal que impor-
especialmente diante dos pagaos: “Ao tunam um deus surdo (IRs 18,27). A pa­
chegar as nacóes profanaram meu nome... rábola supoe urna situagáo de emergencia
Mostrarei a santidade do meu nome... e que o pedinte seja movido por obriga-
profanado entre os pagaos” (Ez 36,20-23). (¿áo de hospitalidade. Náo é por capricho
Venha o teu reinado: responde em for­ ou por puro interesse pessoal. Desenvol-
ma de petigáo ao anúncio da boa nova; que ve-se em regime de amizade, ñas condi-
IM I 233 LUCAS

li ri "l ili vos digo que, se nao se levan­ dem ónio [que era] mudo. Q uando o
t i |i;ira dà-los por amizade, se levan- dem onio saiu, o mudo falou; e a multi-
iiti .1 por seu aborrecim ento para dar-lhe dáo ficou admirada. 15Mas alguns dis-
■i que necessita. 9E eu vos digo: Pedi e seram:
ni', ilarao, buscai e encontrareis, batei — Ele expulsa os demonios com o
i. vos abriráo; 10pois quem pede rece- poder de Belzebu, chefe dos demonios.
Im\ i|iiem busca encontra, a quem bate 1''Outros, para pó-lo á prova, pediam-
Un abrem. "Q uem de vós, se seu filho lhe um sinal celeste. 17Ele, lendo seus
11ir pede pao, lhe dà urna pedra? Ou se pensam entos, lhes disse:
Un pede peixe, lhe dà urna cobra? 12Ou — Um reino dividido internamente
m pede um ovo, lhe dà um escorpiào? vai á ruina e desmorona casa sobre casa.
"l’ortanto, se vós, sendo táo maus, sa- 18Se Satanás está dividido internamen­
liris dar coisas boas a vossos filhos, te, com o seu reino se manterá? Pois
i|inmto m ais vosso Pai do céu dará o dizeis que eu expulso os demonios com
I 'spirito Santo àqueles que lhe pedirem. o poder de Belzebu. 19Se eu expulso os
demonios com o poder de Belzebu, com
Jesus e B elzebù (Mt 12,22-30.43-48; que poder os expulsam vossos filhos?
Me 3,20-27) — 14Estava expulsando um Por isso, eles vos julgaráo. 20 Mas, se

i.iH's culturáis da época: o pao é assado em nio, liberta o mudo e o restituì à comuni-
i lisa a cada dia, todos dormem num ùnico dade humana normal.
nimodo, a porta está trancada com urna A admiragào dos presentes é desenlace
Imrra. Um breve salmo repete quatro ve- freqüente nos mílagres, e ainda nao signi­
/rs “Até quando?” (SI 13). fica fé messiànica. Alguns, para desacre­
11,9-10 Em forma de aforismo recolhe ditar Jesus ou para justificar sua rejeido,
ii ordinamento. Isto é o contràrio de urna atribuem o éxito do exorcismo a um pacto
icsignagào fatalista aos acontecimentos, com o “chefe dos demonios”. Dáo-lhe o
ramo se fossem vontade de Deus. A ini- nome de Belzebu, o deus de Acarón, a
riativa de Deus, em imperativos, quer pro­ quem Ocozias queria consultar (2Rs 1,2).
vocar a iniciativa do homem: “estarào ain- Isaías fala de um pacto com a divindade
ila Calando e eu os terei escutado” (Is 55,6; infernal Xeol (Is 28,15). Outros pensam
(iS,24). Quem pede confessa-se necessita- que o éxito do exorcismo nao basta para
do, quem insiste nao procura outro remé- acreditar o Messias, pois outros exorcistas
ilio, bate à porta de quem sabe que irá res­ tém poderes semelhantes. Um sinal celes­
ponder. te, nos astros ou nos meteoros, será urna
11,11-13 A imagem do pai é mais ex- garantía (para o limite máximo dos sinais,
pressiva. Jesus “quer revelar-nos” o Pai e ver Is 7,11). O julgamento é puro precon-
nos revela também o Espirito Santo (10, ceito: Será verdade que Jesús exibe poder
22). Os homens, mesmo os pais, sao egoís­ sobre um demonio? — E poder delegado
tas; contudo, o amor paterno se sobrepóe. do chefe dos demonios. Seu poder pode
I leus é o dador (SI 136,25; 144,10; 146,7), ser auténtico? — Nao nos é suficiente.
scu dom máximo é o Espirito Santo (Jo Exigimos um sinal celeste.
14,17; At 2,33; 5,32; Ef 1,17). 11,17-20 A primeira objedo, Jesús res­
11,14-26 Um exorcismo público serve ponde com um argumento de congruencia
para introduzir em contraste a adm irado e outro de semelhanga. Os demonios lu-
popular e as reservas de alguns em dois tam contra outros, nao entre si. Se dizem
pontos: a origem do poder de Jesus (vv. que Jesús é agente de Belzebu, tém de di-
17-26), a necessidade de um sinai parti­ zer o mesmo dos filhos deles, e estes se
cular (vv. 29-32). A mudez é atribuida à voltaráo para condená-los. A conseqüén-
possessào diabòlica que impede a comu­ cia é que na a d o de Deus se mostra “o
nicado. A de Ezequiel foi induzida por dedo de Deus” (Ex 8,10): o confronto de
Deus como sinai, a de Zacarías foi castigo Moisés com os magos do Egito é atraído
por sua falta de fé. Jesus expulsa o demó- mentalmente por tal expressáo: quando
LUCAS 234 Il I

eu expulso os dem ñnios com o dedo de 28Ele replicou:


Deus, é porque chegou a vós o reinado -— Felizes, antes, os que escutani -
de Deus. 21Enquanto um hom em forte palavra de Deus e a cumprem.
e armado guarda sua morada, tudo o que
possui está seguro. 22Se chega um mais O sinal de J o ñ a s (M t 12,38-42; Mi
forte e o vence, tira-lhe as armas em que 8,12) — 29A multidáo se aglomerava |
confiava e reparte os despojos. 23Quem ele comeQou a dizer-lhes:
náo está comigo está contra mim; quem -— Esta geragáo é má: exige um sin.il
nao recolhe com igo dispersa. 24Quan- e náo lhe será concedido outro sin;i 1 .i
do um espirito imundo sai de um ho­ náo ser o de Joñas. 30Com o Joñas lm
mem, percorre lugares áridos buscan­ um sinal para os ninivitas, assim o sei.i
do domicilio, e náo o encontra. Entáo este Homem para esta geraqáo. 31A raí
diz: Voltarei à minha casa de onde sai. nha do Sul se levantará no julgamente
25Ao voltar, a encontra varrida e arru­ contra esta geragáo e a condenará; poi
mada. 26Entáo vai, toma consigo outros que ela veio do extrem o da térra pai.i
sete espiritos piores que eie, e passam escutar o saber de Salomáo, e aqui esla
a habitar ai. E o final desse hom em tor- alguém maior que Salomáo. 32Os nini
na-se pior que o comedo. vitas se levantaráo no julgam ento con
27Quando dizia isso, urna m ulher da tra esta geragáo e a condenaráo; porque
multidáo levantou a voz e disse: eles se arrependeram com a pregadlo
— Feliz o ventre que te carregou e de Joñas, e aqui está alguém maior que
os peitos que te amamentaram! Joñas.

pela terceira vez suas artes mágicas fra- de realista maternidade, faz eco à felicita
cassaram, tiveram de reconhecer a açâo da gao de Isabel e à predigào de Maria (1,45.
divindade. 48). Pode emprestar sua voz a urna huma
11,21-26 A luta com Satanás é travada nidade que felicita Maria que escutou e
desde o principio (Gn 3,15). Com suas ar­ cumpriu, ou deixou cumprir-se, a palavra
mas domina os homens, despojo conquis­ de Deus.
tado, e está seguro: “Mas podc-se tirar a 11,29-32 Esta geragáo, contemporàne i
presa de um soldado? Escapa um prisio- de Jesús, é malvada por sua incredulida
neiro de um tirano?” (Is 49,24-25). Sim, de. Reclama sinais, mas desqualifica os
porque Jesús é mais forte, como o veio de­ que lhe sao dados. Joñas níio fez milagros
monstrando, e está tirando-lhe as armas em em Nínive; a presenta e p re g a lo de um
que confiava. Seu despojo sao os homens profeta israelita na metrópole paga foi si
libertados (cf. Is 53,11-12). Portanto, os nal suficiente para o arrependimento e o
que foram libertados desse poder nao de- perdáo. A geragáo ninivita de adultos e de
vem abdicar da vigilancia, porque a hosti- crianzas suscitou a cornpaixáo divina. Ora,
lidade continua e o inimigo pode retornar o sinal está ai: a pessoa, os ensinamentos
com mais força e maior prejuízo que antes. e os milagres de Jesús. Mas, como náo
11.23 Complemento de 9,50, também querem aceitá-lo, em lugar de sinal se con-
em contexto de exorcismo, mas na primei- vocaráo duas testemunhas de acusaqáo,
ra pessoa do singular. que no dia final das contas deporáo num
11.24 Como sugerem as descriçôes de juízo comparativo de agravantes (Ez 16,
Is 13,21; 34,13-15. 46-52). “Compareceráo assustados por
11,26 A frase admoesta gravemente o ocasiào do inventàrio de seus pecados.,
cristáo convertido que apostata e se entre­ aquele dia o justo estará de pé sem temor”
ga novamente ao poder diabólico. Seu de­ (Sb 4,20-5,1). As testemunhas seráo: o
lito tem urna agravante e o desenlace pode profeta Joñas com os ninivitas arrepen-
ser definitivo. didos e a rainha de Sabá, paga, que fez urna
11,27-28 Esta mulher do povo, talvez longuíssima viagem para ouvir o sábio
máe, representa o sentir popular. Pelo fi- Salomáo (IRs 10). Os pagaos acusaráo
lho louva a máe e vice-versa. Em termos os judeus incrédulos que rejeitaram Je-
235 LUCAS

(.(u t ro sid a d e (M t 5,15; 6,22s) — Invectiva contra os fariseus (Mt 23,1-


" N.ii >se acende urna lamparina para tè- 36; Me 12,38-40)— 37Enquanto falava,
l,i i M-ondida [ou sob urna vasilha], mas um fariseu o convidou a comer em sua
..... se no candelabro, para que os que casa. Apenas entrou, reclinou-se à m e­
. iili,un vejam a luz. 340 olho fomece sa. 380 fariseu, vendo-o, estranhou que
In/ para todo o corpo*. Se teu olhar é nâo se lavasse antes de comer. 39Mas o
(¿rncroso, o corpo inteiro será lum ino­ Senhor lhe disse:
s i , porém, se é m esquinho*, todo o teu — Vos, fariseus, limpais por fora a
i mpo será tenebroso. 35Procura que tua taça e o prato, mas por dentro estais
Imite de luz nao fique escura. 36Assim, cheios de roubo e malicia. 40Insensa-
|niitanto, se o corpo todo é luminoso, tos! Aquele que fez a parte de fora nâo
in ni mistura de escuridáo, será inteira- fez tam bém a de dentro? 41Dai, antes, o
nii iite lum inoso, com o quando urna interior em esmola, e tereis tudo lim-
luinparina te ilum ina com seu brilho. po. 42Ai de vós, fariseus, que pagais o

m is , mais que profeta e mais que mestre outro lado, nao engloba a classe inteira, a
ili- sabios. cada individuo, mas toma fariseus e letra­
11,33-36 A explicaçâo utiliza um jogo dos mais como tipos. Ai entra também a
ili- palavras baseado num semitismo in- autoridade que se arrogam enquanto mes-
liiiduzivel. Em hebraico “olho bom/sim- tres e juízes de outros e sua influéncia e
jilcs” significa generoso, “olho mau” sig­ ascendencia sobre o povo. Quando no ano
nifica tacanho ou avaro e invejoso, nunca 70 o estado judaico foi destruido, foram
'lignifica doente (Pr 22,9; 23,6; 28,22; Dt os fariseus que salvaram a continuidade.
I S,9; Eclo 14,3.10; 31,13). O olho é o ór- O cristao que le esta página deve exami-
}',.!<> da visao e sede da estimativa (cf. o nar-se antes de atirar a primeira pedra.
semitismo “bom aos olhos de”). O olho, 11,37-38 Marcos explica essas práticas
i|iie capta a luz, fornece-a a todo o corpo, com certo detalhe (Me 7,2). Nao se trata-
o corpo inteiro vè pelo olho; se o órgào va de práticas simplesmente higiénicas,
nfio funciona, o homem inteiro fica às es- mas de pureza legal e cúltica. Em teoria,
euras; em pieno meio-dia um cego se move limpos para receber o sustento como dom
em trevas. Na ordem moral, a generosida- de Deus.
ile, olho simples, irradia: “Se dás teu pao 11,39-41 Resulta estranho e talvez sig­
¡io faminto... surgirá tua luz nas trevas” nificativo o modo de juntar pegas que apa­
(Is 58,10); a tacanhez, olho mau, torna tudo rentemente nao se correspondem. O ex­
opaco e tenebroso. Para “simples = gene­ terior do copo e do prato/o interior do
roso”, ver Rm 12,8; 2Cor 9,11.13; Tg 1,5. homem/o interior (do prato e do copo)
11,34 *Ou: é a làmpada; *Ou: tacanho. dado em esmola. Apesar da montagem, o
11,37-53 A ocasiào, pouco propicia, de sentido se entende: Deus busca a intimi-
um convite a urna refeiçâo serve para in- dade responsável do homem, a qual se
troduzir o tema das abluçoes. Dai se passa expressa ñas obras de caridade. A esmola
;i urna invectiva violenta contra determi­ é muito recomendada em livros tardíos (Tb
nadas condutas e atitudes, típicas de fa­ 4,7.11; 12,9; Eclo 4,1). O exterior é o que
riseus e letrados. Lucas divide o discurso se vé, porém provavelmente o que mais
em duas seçôes: contra os fariseus, contra se suja seja o interior. Deus fez o homem
os letrados (juristas). Emprega, em duas do barro e lhe insuflou o alentó vital, cons­
series de très, a forma profètica do Ai! (Is ciente e livre. Deus vé e julga. Talvez o que
5,11.18.20-22; Ez 13,3.18). enche o prato seja abuso do oficio (roubo);
Neste capítulo, mais que em outros, soa dado em esmola, ficará limpa a vasilha.
a polémica entre judaismo estabelecido e Néscios! é a antítese de doutos, entendi­
cristianismo emergente; o texto é prova- dos; o néscio nao tem direito de ensinar.
velmente posterior à excomunhâo oficial 11,42 Sobre dízimos, Lv 27,30. Ajusti-
dos cristáos, “nazarenos” pelas autorida­ 5 a se refere ao próximo, de modo que a
des de Jámnia (85-90 de nossa era). Por frase equivale a urna síntese completa. E
LUCAS 236 lin

dízimo da hortelá, da arruda e de todo nais testem unhas e cúm plices do qm


tipo de verduras, e descuidáis a justiga vossos antepassados fizeram; pois ele
e o amor de Deus. Isso é o que se deve os m ataram e vos construís os man
observar, sem descuidar as outras coi­ soléus. 49Por isso diz a Sabedoria
sas. 43Ai de vos, fariseus, que desejais Deus: Eu lhes enviarei profetas e apir,
os assentos de honra ñas sinagogas e as tolos; alguns eles mataráo e perseguí
saudagóes pela rú a.44Ai de vos, que sois rao; 50assim se pedirá conta a esta ge
como sepulcros nao assinalados, que os ragáo de todo o sangue de profetas
homens pisam sem dar-se conta. derramado desde a criagáo do mundo
45Um jurista tomou a palavra e lhe 51desde o sangue de Abel até o de Za
respondeu: carias, assassinado entre o altar e o san
— Mestre, ao dizer isso nos ofendes. tuário. Sim, eu vos digo, seráo pedidas
46 Replicou: contas a esta geragáo. 52Ai de vos, ju
— Ai de vos também, juristas, que ristas, que ficastes com a chave do sa
carregais os homens com cargas insu- ber: vós nao entrastes, e fechastes ti
portáveis, enquanto vos nao tocáis es- passagem aos que entravam.
sas cargas sequer com um dedo. 53Quando saiu daí os letrados e os
47Ai de vos, que construís m ausoléus fariseus comegaram a atacá-lo violen
para os profetas que vossos antepas- tam ente e a fazer-lhe perguntas insidio
sados assassinaram . 48A ssim vos tor- sas, 54para apanhá-lo em suas palavras

preciso salvar a hierarquia dos preceitos grabas é eliminado (IRs 22; Is 30,10-11;
segundo o conteúdo. O fato de estar orde­ Jr 26; 38); depois se erige a ele um man
nado é um dado formal, pede cumprimen- soléu como homenagem postuma (cf. 2 Rs
to. Mas o que conta é o conteúdo. Pode 23,17-18). Profeta morto nao fala. O es­
acontecer que, por força de observar ni- quema pode abarcar várias geragóes: urna
nharias, se descuide do substancial. elimina o profeta, outra lhe dedica o mau-
11.44 Os sepulcros enterrados eram soléu. Todas sao membros da mesma fa­
marcados com cal, para evitar que os tran­ milia.
seúntes os pisassem e se contaminassem. Remontando-se a Abel, nao o convertc
A imagem é muito forte pelo que sugere: em profeta, mas denuncia os assassinos de
o mundo da morte escondido entre os vi­ profetas como fratricidas; herdeiros do pe­
vos; a corrupçâo e a impureza dissimula­ cado original contra a fraternidade. Zaca­
das no meio do povo. rías (= Azarias) encerra a série histórica
11.45 Nem todos os fariseus eram letra­ (2Cr 24,20-21) com a agravante do lugar
dos e vice-versa; mas os fariseus respeita- onde se cometeu o assassinato. Falta aín­
vam o corpo dos letrados e se esforçavam da na série Jesús, mas sua sorte fica apon-
por executar e fazer cumprir as decisóes tada de sobra para os leitores de Lucas.
destes. Por isso, a invectiva de Jesús recai 11,52 O “saber” é provavelmente a com-
sobre os estudiosos competentes, que se preensáo da Escritura. Os letrados se ar-
sentem ofendidos. rogam o monopolio da sua compreensáo;
11.46 Diante da objeçâo, Jesús nao re­ eles possuem a chave, e ninguém mais. Por
trocede, mas muda de objetivo. Denuncia esse caminho eles penetram o verdadeiro
a quantidade acumulada de observancias, sentido da Escritura (cf. 2Cor 3,14), e nao
que torna insuportável o cumprimento da permitem a outros entendé-lo. O “entra”
lei. Impóem obrigaçôes e nâo ajudam a poderia sugerir também o reino de Deus,
cumpri-las. Ao passo que eles, com agu­ para o qual a Escritura conduz.
dezas casuísticas, eximem-se de cumpri- 11,53-54 A batalha próxima escolhe
las. A imagem das cargas traz a recorda- como campo a dialética, na qual os letra­
çâo das cargas do Egito (Ex 1,11; 2,11) ou dos se sentem fortes. Se o cagam em algu-
as de Salomáo e Roboáo (IRs 12). ma palavra delituosa (como a um suposto
11,47-51 O esquema é simples. O pro­ profeta), apresentaráo outra batalha mais
feta que denuncia crimes e anuncia des- grave.
237 LUCAS

1 aquele que, depois de matar, tem poder


Nesse momento, milhares de pes-
soas se comprimiam, pisando-se para lancar ao fogo. Sim, eu vos repito,
inims as outras. Ele se dirigiu primeiro tem ei a este. 6Náo se vendem cinco
ddk discípulos: pardais por dois centavos? Pois Deus
- Atengáo com o fermento (ou seja, náo se esquece de nenhum deles. 7Até
it hipocrisia) dos fariseus. 2Náo há nada os cábelos de vossa cabera estáo todos
ciicoberto que nao se descubra, nada contados. Náo tenhais medo, pois valéis
oculto que nao se divulgue. 3 Pois, o que mais que m uitos pardais.
illNserdes de noite se escutará em pleno 8Eu vos digo que quem me confessar
illa; o que disserdes ao ouvido no po- diante dos homens, o Filho do Homem
iQo será proclam ado nos terrados. o confessará diante dos anjos de Deus.
9Quem m e negar diante dos homens
( onfessar sem tem or (Mt 10,28-33) será negado diante dos anjos de Deus.
4A vos, m eus amigos, eu digo que 10Quem disser uma palavra contra este
»(lo temáis os que m atam o corpo e de- Homem será perdoado; aquele que blas­
piiis nada m ais podem fazer. Eu vos femar contra o Espirito Santo náo será
¡ndicarei a quem deveis temer: temei perdoado.

12,1 Mudando de cenário, Lucas faz te sentes sobre escorpióes” (Ez 2,6). O
rom que a peroratilo seja ouvida por todo fogo aniquila o que a morte deixa; mata­
ii mundo; ou seja, a massa submissa aos se e depois se queima totalmente: “mata-
luriseus, que agora escuta Jesús como ram a fera, esquartejaram-na e a atiraram
mostre e profeta. Hipocrisia pretende ser ao fogo” (Is 66,24; Dn 7,11). Equivale a
«intese das atitudes denunciadas; é dissi­ dizer que náo alcanzará a vida futura (cf.
mular o interior com o exterior, é inverter Ap 19,20; 20,14-15; 21,8).
il escala de valores, é confundir ao invés 12,6-7 Correlativo de náo temer é con­
de esclarecer. Mais que um delito especí­ fiar. Curioso é que seja a mesma persona-
fico é um arbitrio, um fermento que pene­ gem a que pode ditar sentencia de conde­
tra e corrompe toda a massa (Ex 12,15; n a d o e a que cuida dos desvalidos como
ICor 5,7). de pássaros indefesos. Do paradoxo segue-
12,2-3 Diante da simulagáo e da hipo­ se que o que se deve realmente temer é
crisia, recomenda-se a sinceridade, tendo fazer-se merecedor da condenagáo; em
etn conta o desenlace (cf. Eclo 24,21.24). outras palavras, a pessoa teme a si mes­
É convite e advertencia. Convite a parti- ma, náo os outros, cujo poder alcanza só
lliar o bem aprendido; advertencia de que esta vida, náo a “segunda morte” (Ap
um dia serào arrancadas máscara e dis- 21,8). O Salmo 36 mostra o cuidado de
íurce. Deus por “homens e animais”, em geral e
12.4-12 Essa instrugáo dirige-se aos em particular; o Salmo 104 o desenvolve.
"amigos”, provavelmente aos discípulos 12,8-9 O medo deve ser vencido em or-
(Jo 15,15). Exorta à coragem de confessar dem ao testemunho público e arriscado em
publicamente Jesús. Na boca de Jesús sao favor de Jesús. O horizonte antes indica­
palavras proféticas, na pena de Lucas re- do do juízo final (fogo) coloca-se em pri­
l'letem perseguigóes já experimentadas meiro plano. Entáo, ante a corte celeste,
(morte de Estèvào e de Tiago e processos “os anjos de Deus” (cf. Dn 7,10), cada um
diversos). será reconhecido ou reprovado. O texto
12.4-5 A primeira é nao temer. A frase grego se desloca do “eu” presente, ao “Fi­
clàssica de encorajamento “nao temáis” lho do Homem” da parusia e ao passivo
lem aqui urna explicagáo. Ver a vocagáo (teológico) da rejeigáo. Em resumo, a ati-
de Jeremías: “Nao tenhas medo deles, caso tude presente e pública diante de Deus
contràrio, eu te farei ter medo deles” (Jr decidirá o destino último do homem.
1,17-18), o encargo de Isaías (Is 8,12-13), 12,10 Blasfemia contra o Espirito San­
a vocagáo de Ezequiel: “Náo tenhas medo to, nesse contexto, parece significar o re-
deles... ainda que te rodeiem espinhos e jeitar obstinadamente o seu testemunho a
Lt j c A S 238 12,11

1 g u a n d o vos conduzirem as sinago­ 16E lhes propos urna parábola:


g a s , chefes ou autoridades, nao vos preo­ -— As terras de um hom em denun
c u p é is de com o vos defendereis ou o grande colheita. 17Ele disse a si mesm<>
a u e diréis; 12o Espirito Santo vos ensi­ Que farei?, pois nâo tenho onde coin
l a r á nesse m om ento o que será preciso car toda a colheita. 18E disse: Farei o
d iz e r. seguinte: derrubarei os celeiros e con>,
truirei outros maiores, nos quais cola
C o n t r a a c o b ija — ,3Alguém da multi- carei meu trigo e minhas posses. 19Dc
¿ á o disse: pois direi a mim mesmo: Querido, ten-
.— M estre, dize a meu irmáo que re­ acumulados muitos bens para muitos
p a r ta com igo a heranga. anos; descansa, come e bebe, desfruta
l4 Respondeu-lhe: 20Mas Deus lhe disse: Insensato! Nesln
— Hom em , quem me nom eou juiz noite te pedirâo a vida. Aquilo que prc-
0 u árbitro entre vos? paraste, para quem será? 21A ssim <•
15E lhes disse; aquele que acumula para si e nâo é rico
— Atengao! A bstende-vos de qual- para Deus.
¿juer co b ija, porque, por mais rico que 22Disse a seus discípulos:
^ lg u é m seja, a vida nao depende dos — Por isso eu vos digo: Nâo andéis
t>ens. angustiados pela comida para conser-

favor de Jesús, pelo quai a pessoa se fecha descansar, agora comerei de minhas pos
-jo perdáo que Jesús oferece. Como se dis- ses, nâo sabe o que acontecerá até que o
géssemos: a pessoa corta o galho sobre o deixe a outro e morra”. Num monólogo
qual está sentada. interior se denuncia. Seu ideal de vida c
12,11-12 Outro conselho para o momen­ comer e beber e desfrutar (cf. Jr 22,15;
to da confissâo, que o próprio Espirito su­ Ecl 2,24; 3,13; 8,15); espera “muitos anos”
gerirá (ICor 12,3). O confessor fala nesse de vida; trabalhou e agora pode “descan­
fiiomento como profeta inspirado: “O Es­ sar”; acumulou e pode viver de rendas.
pirito do Senhor fala por mim, sua pala- Seu horizonte é imánente: esta vida (cf.
vra está em minha língua” (cf. 2Sm 23,2). Sb 2,1-9).
O próprio Lucas mostrará o exemplo de Ao monólogo responde o próprio Deus:
pstêvâo discutindo e testemunhando (At essa filosofía de vida é “insensata” (Sb
6,10; 7,35). 2 , 1 .2 1 -2 2 ). O rico tem a vida como em-
12,13-15 A intervençâo de alguém da préstimo e está vencendo o prazo de resti-
multidáo amplia o ámbito dos ouvintes. tuí-la. A morte sempre iminente devolve
Tinha razáo talvez aquele homem, ao re­ sua dimensâo e pode devolver seu sentido
clamar o que lhe era devido (cf. Gn 21,10; à vida. Rico para Deus é quem com o que
Jz 11,2); é razoável supó-lo. Naquela cul­ é seu ajuda o próximo: “Quem se compa­
tura, herdar era assunto importante, nâo dece do próximo empresta a Deus” (Pr
somente para o herdeiro, mas também para 19,17; Eclo 29,8-13).
a continuidade da familia. O Eclesiástico 12,22-34 De novo se dirige a seus dis­
instruí sobre testamentos (Eclo 32,20-24). cípulos; o ensinamento, portanto, é para
Pois bem, Jesús nâo veio dirimir pleitos quem vai dedicar-se a pregar o evange-
de intéressés pecuniários. Ele ensina a dar lho. O estado de preocupaçâo e ansieda-
mais do que a reclamar. Vai à raíz que vi­ de atrapalha gravemente no ministério; a
cia as relaçôes humanas e escraviza a vida cura nâo é psicológica, mas teológica.
as posses. A riqueza nâo é seguro de vida Acima de tudo, devem por o reinado de
(SI 49). Deus, que é o tema da boa noticia (v. 31).
12,16-21 O rico do relato é um bom Para pregá-lo, tém de estar libertados: nâo
exemplo de confiança nas riquezas (SI só de riquezas que atam e travam, mas
49,7.19; 52,9; Pr 11,28). Se nâo está ins­ também de preocupaçôes que afogam e
pirado em Eclo 11,18-28, faz bom para­ desalentam. Das riquezas, é possível li-
lelo com ele: “Quando diz: Agora posso bertar-se repartindo aos pobres (v. 33);
H H 239 LUCAS

h i villa ou pela veste para cobrir o nhâ é lançada no forno, quanto mais a
■«>i| Xi ' 'A vida vale mais que o susten- vós, desconfiados. 29Nâo andéis bus­
it 1 1 h corpo mais que a veste. 240 bser- cando o que comer ou o que beber; nao
II u s corvos: nào semeiam nem co­ fiqueis pendentes disso. 3(5Tudo isso sao
lin mi, nao têm celeiros nem despensas, coisas que as pessoas do mundo procu-
■I >i us os sustenta. Quanto mais que as ram. Quanto a vós, vosso Pai sabe que
■ni s valéis vós. 25Quem de vós pode, à elas vos fazem falta. 3lBasta que bus­
i.ni,.i de preocupaçôes, prolongar um quéis o reinado dele, e o resto vos será
l«meo a vida? 2hPois, se nâo podéis o dado por acréscimo. 32Náo temas, pe-
minimo, por que vos preocupáis com o quenino rebanho, porque vosso Pai de-
h .in? 27Qbservai como crescem os li­ cidiu dar-vos o reino. 33Vendei vossos
ni is, scm trabalhar nem fiar; porém, eu bens e dai esmola. Fazei bolsas que nâo
vus digo que nem Saiomáo, com todo envelheçam, um tesouro inesgotável no
h se h esplendor, se vestiu como um de­ céu, onde os ladróes nâo chegam nem
li s 2KPortanto, se Deus veste assim a a traça os rói. 34Porque, onde está o vos­
i iva do campo, que hoje cresce e ama- so tesouro, ai estará o vosso coraçâo.

iliis preocupaçôes, a pessoa só se liberta 12,25 Outros traduzem: acrescentar um


■ini l iando no cuidado “paternal” de Deus còvado à estatura; o homem nao controla
(vv. 30.32). sua dimensáo no espago e no tempo.
A argumentaçâo procede em duas fases. 12.27 Alude a IRs 10,4-7 e à ficgáo
I*i iineira: a vida 6 mais importante que os “salomónica” de Ecl 2,4-10.
lucios para conservá-la e protegé-la, co­ 12.28 Para outra comparado: SI 9,5-6;
mida e roupa (vv. 22-23); pois, se Deus Is 40,8. Deus é visto e apresentado em ple­
mida de vossa vida, quanto mais dos meios na atividade, como se continuasse atare-
para conservá-la. Segunda fase, argumen- fado com suas criaturas. Nao há criatura
In a minore ad maius: Deus alimenta as minúscula que Deus abandone. Os filóso­
iives e veste de luxo as flores; quanto mais fos o chamam conservado e concurso; o
liirá por vós. Ele é “Deus” dos animais, é evangelho sugere urna atengáo afetuosa:
Tai” vosso. O importante é vencer a pre- “Amas todos os seres e nao rejeitas nada
ueupaçào angustiada. O espirito filial é o do que fizeste” (Sb 11,24).
icmédio. 12.31 O reinado de Deus é o primei-
Os pagaos que só contam com esta vida ro tema da pregagáo, é um pedido do
l¿m que dedicar-se a conservá-la, até o Pai-nosso, é tarefa prioritària dos dis­
ponto de desviver para continuar viven- cípulos.
do. Vós tendes outro horizonte: o reino que 12.32 Pequenino rebanho pelo número
o Pai quer dar-vos (v. 32), o tesouro celes­ durante a vida de Jesus; mais tarde, pe­
te que ele tem reservado para vós. Com queño pela humildade. Por mais que cres­
vossas forças trabalhais difundindo o rei­ ca o número ou idade, sempre será filho
nado de Deus, vosso coraçâo já se adian- de Deus. O reino do Pai será para esse pe­
tou a viver no céu, onde está o vosso te­ queño rebanho.
souro. 12.33 Ben Sirac recomenda com certa
As pinceladas da natureza animal e ve­ agudeza: “Guarda esmolas em tua despen­
getal favorecem o efeito de serenidade e sa”. Dar é guardar? (Eclo 29,12; cf. SI
eonfiança que o discurso busca e denun- 62,11; Jó 31,24-25).
eiam de alguma forma a sensibilidade de 12.34 O provèrbio passou para nossa
Jesús diante da natureza. lingua. O coragao na Biblia é visto como
12,24 O corvo é animal impuro (Lv o centro da vida consciente e livre: aqui-
11,15; Dt 14,14), mas Deus o alimenta: lo que alguém declara seu tesouro pola­
“que dá seu alimento ao gado, ás crias riza seu interesse e alimenta sua ativi­
do corvo que grasnam ” (SI 147,9; Jó dade. Jesús convida a por nosso tesouro
38,41), e ele leva alimento a Elias (IR s num lugar que transcenda o limite desta
17,4-6). vida.
LUCAS 240

Vigiláncia (M t 24,45-51) — 35Tende a seu pessoal, para que lhes reparta .r


cintura cingida e as lamparinas acesas. raqóes a seu tempo? 43Feliz aquele soi
36Imitai os que aguardam que o dono vo que o dono, de regresso, enconti.u
volte de um casam ento, para abrir-lhe agindo assim. 44Eu vos asseguro que o
quando chegar e chamar. 37Felizes os encarregará de todas as suas posseit
servos que o dono, ao chegar, encon­ 45 Mas, se aquele servo, pensando que
trar vigiando: eu vos asseguro que se o dono tarda em chegar, come§ar a bu
cingirá, os fará reclinar-se á mesa e os ter em criados e criadas, a comer, be­
irá servindo. 38E se chegar ao segundo ber e embriagar-se, 46chegará o dono do
ou terceiro turno de vigilia e os encon­ servo em dia e hora que m enos espeni
trar assim, felizes deles. 39Sabeis que, e o partirá ao meio, dando-lhe o desli
se o dono de casa soubesse a que hora no dos desleais. 470 servo que, conhi-
chegaria o ladráo, nao deixaria que ar- cendo a vontade do dono, nao dispóe s
rombasse sua casa. 40Estai preparados, nao executa o que o dono quer, recebe
pois quando menos pensardes, chegará rá muitos golpes; 48aquele que, nao a co-
este Homem. nhecendo, comete agoes dignas de cas
41Pedro lhe perguntou: tigo, receberá poucos golpes. A quem
— Senhor, dizes esta parábola para muito se deu, muito se pedirá; a quem
nós ou para todos? muito se confiou, mais se exigirá.
420 Senhor respondeu:
— Quem é o administrador fiel e pru­ Sinais do tem po (Mt 16,2s) — 49Vim
dente, ao qual o dono porá á frente do por fogo á térra, e o que mais quero se

12.35-48 Exorta à vigiláncia com urna 12,42-46 Ver a figura de José (Gn 41,37-
montagem de tres parábolas: servo e pa­ 44). O administrador da parábola está en
tráo, dono e ladráo, administrador. O ho­ carregado de outros criados; ocupa um
rizonte se alarga para a Igreja, que espera posto intermèdio, ocupa-se de pessoas, nao
a parusia ou retorno do Senhor. Embora a de bens. Aaplicagáo imediata aponta pani
exortacjao valha para todos, há diversos os discípulos que recebem cargo media
graus de responsabilidade. As parábolas dor. As condutas opostas sao: um servigo
tém como horizonte a parusia e sua apli­ organizado para os outros servos ou um
c a d o no tempo da Igreja. aproveitar-se licensiosamente da situagáo.
12.35-38 O israelita se cinge e prende a A demora do patráo a vir responde à gera-
túnica talar para trabalhar ou caminhar ou gáo de Lucas, que já nao espera urna paru­
para brigar (Ex 12,11; IRs 20,11). Estar sia iminente. Contudo, o espirito de vigi­
cingido é estar disponível. As lamparinas láncia deve permanecer, porque a demora
indicam que a cena acontece de noite (cf. nao desmente o fato (Ez 7,1-12; 12,21-28).
Pr 31,17-18). Lucas nao apresenta o patráo E como o fato é certo, a incerteza da hora
como noivo, mas como convidado a um incita à vigiláncia. Sem cessar é iminente
casamento anónimo. A reagáo do patráo é o que pode acontecer a qualquer momento.
inverossímil, desorbitada, e nisso está a gra- 12,47-48a A ignorancia de ordens con­
ga: o patráo age como servo (22,27) e con­ cretas do patráo é atenuante, mas nao exi­
vida os criados a um banquete (Ap 3,20). E me da responsabilidade genérica. O conhe-
o banquete do céu, que só com hipérbole cimento é agravante; e os discípulos as
se pode esbogar (Mt 26,29; Is 25,6). Duas conhecem.
vezes chama “felizes” (macarismo) os cria­ 12,48b Referido aos governantes em Sb
dos que vigiam. 6,1-8: “Os elevados seráo julgados impla-
12,39 Os ladróes escolhem a noite: “de cavelm ente... os fortes sofreráo dura
noite ronda o ladráo, penetra ás escuras ñas pena”.
casas” (Jó 24,14.16), e utilizam o procedi­ 12,49-50 Fogo e água podem resumir
mento de abrir um buraco; a surpresa é seu qualquer tipo de perigo (Is 43,2). Será que
principal recurso (Ex 22,1). Embora a vigi­ as duas imagens se referem aqui ao mes-
lancia seja coletiva, aplica-se a cada pessoa. mo fato, a paixáo próxima? Em 3,16 fala-
24 1 LUCAS

|A fsiá aceso!* 50Tenho de passar por co n ju n tu ra presente? 57Por que náo


«nu batismo, e com o me impaciento até julgais por vossa conta o que é justo?
i|iic se realize. 51Pensais que vim trazer 58Quando fores com teu rival ao juiz,
pu/ à terra? Nâo paz, eu vos digo, mas procura pelo caminho um acertó com
illvisâo. 52Daqui para a frente haverá ele; náo acontega que te arraste até ao
Mimo numa familia, divididos: très con- juiz, o juiz te entregue ao guarda e o
lin dois, dois contra très. 53Opor-se-âo guarda te coloque no cárcere. 59Eu te
| iih a filho e filho a pai, màe a filha e filha digo que náo sairás daí enquanto náo
il màe, sogra a nora e nora a sogra. pagares até o últim o centavo.
v,Disse ao povo:
■ - Quando vedes levantar-se uma A rrependim ento — 'N aquela
niivem no poente, dizeis logo que ha- ocasiáo se apresentaram alguns
veríi chuva, e assim acontece. 5ÍQuan- inform ando-o sobre uns galileus cujo
iln sopra o vento sul, dizeis que haverá sangue Pilatos havia misturado com o
nuirmaço, e assim acontece. Ï 6 Hipôcri- dos sacrificios deles. 2Ele respondeu:
liis! Sabéis interpretar o aspecto da ter­ — Pensáis que esses galileus, dado
ni e do céu, e nâo sabéis interpretar a que sofreram isso, eram mais pecado-

»c de um batismo “com Espirito Santo e conjunturas prenhes de conseqiiéncias. O


fugo”, fogo de julgamento e purificagáo; mais importante é saber distingui-las. Os
Is 4,4 fala de uma purificagáo com “ven- que sabem interrogar o aspecto da atmos­
lo” (pneuma) de julgamento: aniquila ou fera para suas tarefas agrícolas nao sabem
purifica e limpa. A pregagáo de Jesús já interpretar a época da historia para o des­
iieendeu esse fogo (cf. Is 1,25; 9,17; Zc tino transcendente. Sua conduta é uma far­
13,9). Cabe referir os versículos á paixáo, sa (significado de hypokrités). Enquanto
como julgamento que vai separar. O ba- Jesús está com eles, é tempo de possível
lismo é a grande prova, que alude à paixáo reconciliaçâo; quando chegar a hora do
(cf. SI 42,8; 124,4). Outros distinguem: o julgamento, será tarde demais.
butismo é a paixáo, o fogo é Pentecostes;
Jesús anseia que chegue o Espirito purifi- 13 ,1-5 No relato de Lucas, Jesús acaba
cador, mas se aflige diante da proximida- de falar sobre o sentido e urgéncia da con­
ilc da paixáo. E o cristáo tem de seguir a juntura histórica. O que lhe contam pode
mesma trajetória. assinalar o significado do presente. Em-
12,49 *Ou: e como desejaria que já es­ bora náo valha a aplicaçâo mecánica do
tivasse aceso. principio da retribuiçâo (o grande proble­
12,51-53 Esses versículos que seguem ma do livro de Jó), as desgraças alheias
apóiam a interpretado do fogo em chave podem conservar sua força de admoesta-
do julgamento. Diante de Jesús as pessoas çào. O que para uns é desgraça, seja para
teráo de tomar partido, como Simeáo anun- outros advertência. Sobre a força da ad-
ciou (2,34-35), passando por cima dos la- moestaçâo em cabeça alheia dissertou
(¡os familiares. Recorde-se a tremenda cena Ezequiel em seu julgamento comparativo:
de Ex 32, o grito de Moisés: “A mim os se Ooliba nâo se corrigiu, pelo contràrio,
do Senhor!” e a matanza dos culpados, sem “viciou-se mais que sua irmâ”, quando eia
perdoar “irmáo, parente ou vizinho”. A sofrer o castigo exemplar, “serâo admoes-
divisáo que Jesús provocará atravessará tadas todas as mulheres” (Ez 23,11.48).
grupos humanos naturais. A citacjáo é de Sobre admoestaçôes vâs, em cabeça prò­
Mq 7,6. A expectativa da paz messiànica pria, prega Amós (Am 4,6-13). Quem nâo
(Is 2,2-5; 11,1-10) náo pode ignorá-lo. aproveita o tempo para arrepender-se, náo
12,54-59 De fato, o momento da deci- se livrarà da desgraça (SI 7,13; 50,22).
sáo está chegando e os sinais o anunciam. Sobre esse aviso gravita o peso da exorta-
No correr do tempo uniforme há estacóos çâo à vigilâneia: “Nâo demores em voltar
agrárias que o lavrador distingue. No de­ a ele nem te delongues de um dia para
correr do tempo histórico há ocasióes e outro” (cf. Eclo 5,5-7).
242 |3 ,
As
reSn„ . • ^ --a lile u s? 3Eu vos digo p oder en d ireitar-se com pletam enti
> e os demais | | arrependerdes, *2A o vè-la, Jesus a chamou e lhe dissi
J n a o ;m a s ,s e n ^ 4Q u aJ ueles de_
—- Mulher, estás livre de tua doenci
jareis
are,s como e J desm or¿ nou a tor. 13 Im pós-lhe as m áos, e no mesmn
°'to sobre os qu 3 ^
^ o u , pensáis que eram instante eia se endireitou e dava glo
rede Siloé
Haio°“!JC j ° S m íl^ o resto dos habitan- ria a Deus. 140 chefe da sinagoga, iu
dignado porque Jesús havia curadn
N se nao vos ^ « p e n d e r d e s , acaba­ no sábado, interveio para dizer à muí
os como eles. 6E 1 h es propos a seguin- tidáo:
— Há seis dias em que se deve tr;i
^ rfí,olí?' _ tinha urna figueira balhar: vinde nesses dias para curar
PUÜh,Hm h° mel^ í n h a . Foi buscar fru- vos, e nao no sábado.
lsO Senhor lhe replicou:
'« n e í e náo e Í c o n t r ° u - 7DÍSSe 3 0
— Hipócritas! Quem de vós no sá­
Nhateiro: Há t r ^ anos venh° bu*car
bado nao solta da manjedoura o boi ou
o asno para levá-lo a beber? 16Quanto ;i
l « s p o „ d « u : Senhor, esta filha de Abraáo, que Satanás amar-
deiv, ■a ano; cavarei ao re- rou por dezoito anos, nao era necessá
/'Xa-a aínda est*^ c .
dnr • j u p a ra ver se da fruto, rio soltar-lhe as amarras no sábado?
o 5 porei adubo, ^
j. , no ano que vem. 17Ao dizer isso, seus adversários sen
°e nao, a c o rta r» ^ 1
tiam-se confundidos, enquanto a muí
Ci„.„ .if r e r encurvada — tidáo se alegrava com os portentos que
l0Vr U^ aj m ^ t a va ensinando numa realizava.
^um sabado, e&1 ,
Slt,agoga, “ q uan ^ 0 .s e apresentou urna
/ - , ^ o ito anos padecía de M ostarda e ferm ento (Mt 13,31-33;
*»uih, Me 4,30-32) — lsDizia-lhes:
V r s p lr ito .A n c J ^ 3 encurvada, sen,

i-, , ... a s e n ta como parábola o chefe da sinagoga soa razoável e pode


Qh» Lucas ap f ¡ ¿ áo simbólica. apoiar-se na lei: “Durante seis dias traba­
nos outros sin ^ • lla e faz tuas tarefas; mas o sétimo dia c
o tema é tamhém o temP° ultlmo Para af-
rtn f » ,-■ ,c ira pode ser símbolo de um dia de descanso dedicado ao Senhor
Isn se- Afigu 09,10;1 (V. Mq
Mn 77,1).
1V Fruto
Fnito éé teu Deus” (Ex 20,8-10); nao é preciso pro­
fanar o sábado. Jesús chama isso de lega­
lismo hipócrita. Nem sequer um dia se
deve esperar para cumprir o que diz o sal­
mo: “endireita os curvados” (145,14; 146,
» intercessa« do tór¡a Como as suces. 8 ). Ele está a caminho e tem que repartir
siv *ra- Pe _m ¿ e Amos, seus bens, mesmo que seja no sábado. O
.vas mtercessoes «7;1_9; 6 1duas escutas,
_3) Embora
encontro da mulher com Jesús andarilho é
,lt ' recusas (Ani moratória, cada árvore sua conjuntura. “Procurai o Senhor enquan­
to se deixa encontrar” (Is 55,6). Podemos
11 1n n t «\V ° de Jesus náo e so de notar a terminologia de atar e desatar, que
Mmòestacào mas também de 0 salva?ao- aponta para o nivel de pecado e perdáo.
moestagao, ma chega momen. 13,17 A a<¿áo de Jesús já está operando
a divisáo do que falou antes (12,52), entre
*0 . Precisamente ^ sábad° 6 numa S‘na'
^ Rga , aòs oThos de t°“filha
dos' 0dedrama é vivi" o povo e os dirigentes.
aos ol Abraáo” (Is 13,18-21 Duas parábolas concisas, com­
Si P°J.uma mu , simbolizar todo o povo p a ra re s sem armagáo narrativa, ilustram
U - 2 ), que pode s de um <<espf_
o dinamismo do reinado de Deus e do seu
fitn”6 AC° H h ° ,-ncurvada’ sem Poder er" anuncio na boa noticia. A primeira se exal­
¿ o t íolhos
h o s aa o 3far
- no sábado,
P°derá ta com uma alusáo hiperbólica ao “cedro
os oumais?
Jesús magnífico no qual, à sombra de sua rama-
J.le í que proíbe c«■ A obje?ao do gem, aninharáo as aves” (Ez 17,23). A se-
>ue vem curar oSu
243 LUCAS

Com que se parece o reinado de taräo e näo conseguiráo. 25Logo que se


Iti'iis? A que o com pararei? 19Parece levantar o dono de casa e fechar a por­
iMitn um grao de m ostarda que um ho- ta, ficareis de fora batendo na porta e
tlirni pega e semeia em sua horta; cres- dizendo: Senhor, abre-nos! Ele vos res­
i><t. lorna-se arbusto e as aves se ani- ponderá: Näo sei de onde vindes. 26En-
ilhnm em seus ramos. táo diréis: Comemos e bebemos contigo,
■"'Acrescentou: ensinaste em nossas rúas. 27Replicará:
Com que com pararei o reinado de Eu vos digo que näo sei de onde vindes.
Dcmi? 21 Parece com o fermento que uma A partai-vos de mim, malfeitores. 28Ali
imilher toma e m istura com très medi- haverá pranto e ranger de dentes, quan-
tltis de massa, até que tudo fermente. do virdes Abraäo, Isaac e Jacó e todos
os profetas no reino de Deus, ao passo
\ porta estreita (Mt 7,13s.21-23) — que vós sois expulsos. 29Viráo do Orien­
,J( 'aminhando para Jerusalém, percor- te e do Ocidente, do Norte e do Sul, e
iIh cidades e aldeias ensinando. 23Al- se reclinaräo ä mesa no reino do Se­
(judm Ihe perguntou: nhor. 30Vede: Há últimos que seráo pri-
— Senhor, sâo poucos os que se salvam? meiros, e primeiros que seráo últimos.
Respondeu-lhes:
— 24Lutai para entrar pela porta es- L a m e n ta g á o p o r J e r u sa lé m (M t
licila, porque vos digo que m uitos ten- 23,37-39) — 31N aquele m om ento se

gimda é doméstica. Nâo conta a quantida- 13,25-27 Segue-se a imagem da porta


tlc de matéria, mas a energia. Nas duas de entrada que o dono da casa controla (re-
parábolas intervêm um homem e uma mu- corde-se a cena de Gn 19,1-11). Nao bas­
llier, ao sabor de Lucas. As duas parábo­ tava ter convivido fisicamente com Jesus
las oferecem uma mensagem de paciência para ter salvo-conduto assegurado; nem
e esperança. bastava uma neutralidade cortés. Era pre­
13,22-30 A pequenez do reino de Deus ciso tomar partido (12,8-9). E verdade que
suscita a pergunta sobre o número dos que conviveram com Jesus, pois eie escolheu
sc salvam. Soa na pergunta a concepçâo conviver com eles. Todavia, passou o tem­
clássica do resto, que se salva e assegura a po em que ao que bate à porta será aberto
enntinuidade do povo. Aqui se trataría do (11,9). Chama os excluidos de “malfeitores”.
resto que passará à nova e definitiva era, 13,28-29 Alarga-se a visào escatològica.
que entrará no reino de Deus. E importante Fora da casa, do reino, ficam judeus ex­
advertir que a pergunta se faz “a caminho cluidos, que desesperados e de fora verào
de Jerusalém”. A resposta de Jesús é in- o grande banquete do reino (Is 25,6-8).
lencionalmente bivalente: salvam-se pou­ Como os hedonistas do livro da Sabedo-
cos e muitos (se lemos a parábola até o v. ria ao comparecer ao julgamento: “Ao vé­
30, ou seja, até a mudança de interlocutor). lo, estremeceráo de pavor, atónitos diante
A pergunta pode ser colocada em termos da salvagáo inesperada; diráo... entre so-
étnicos: salvar-se-áo todos os judeus, todo lugos de angustia... nós insensatos...” (Sb
Israel? A profecía de Daniel parece ambi­ 5,2-4). Os convidados seráo os patriarcas,
gua: “teu povo... se salvará, todos os ins­ os profetas e muitos pagaos das quatro
critos no livro. Muitos dos que dormem partes do mundo: “todos os resgatados do
no pó despertarâo: uns... outros” (Dn 12,1-2). Senhor” (SI 107,3).
13,24 A primeira resposta salta da curio- 13,30 Entáo alguns que foram chamados
sidade à admoestaçâo com o vigoroso im­ primeiro seráo os últimos (e nao entraráo);
perativo “lutai” (cf. 22,24). A porta é es­ outros chamados na última hora se adian-
treita e é preciso abrir passagem à força taráo aos primeiros lugares. O provèrbio é
para entrar na casa. Que muitos nao pos- de aplicagáo múltipla já nos evangelhos.
sam nao excluí que também muitos possam. 13,31-33 A noticia nao se encaixa bem
As pastorais se referem à luta apostólica na viagem a Jerusalém. A intengao dos
(lTm 6,12; 2Tm 4,7-8). fariseus náo é patente: pretendem intimi-
LUCAS 244

aproxim aram alguns fariseus para di- dos: Quantas vezes eu quis reunir teir
zer-lhe: filhos como a galinha reúne a ninhmln
— Sai daqui, pois Herodes procura sob suas asas; e vos resististes. 35Poi
matar-te. bem, vossa casa ficará deserta. Eu vo .
32 Respondeu-lhes: digo que nao me vereis até o momeniii
— Ide dizer a esse raposo: Vé: hoje em que diréis: Bendito o que vem em
e amanhá expulso dem onios e realizo nome do Senhor!
curas; depois de am anhá term inarei.
33 Contudo, hoje, amanhá e depois, devo Cura um hidrópico— 'Numa
prosseguir minha viagem, porque nao ocasiáo em que entrou no sá­
convém que um profeta morra fora de bado para comer na casa de um chelo
Jerusalém. 34Jerusalém, Jerusalém, que de fariseus, eles o vigiavam. 2Pós-si
matas os profetas e apedrejas os envia­ diante dele um hidrópico. 3Jesus tomón

dar Jesús? Buscam descarregar a culpa emñas que servem de instruyóos. Numa espi;
outro? Jesús nao admite intimidaçôes em cié de “simposio” evangélico. Dos conso
seu caminho. Embora detenha o poder, lhos particulares sobe á visáo escatològici
Herodes é um animalejo sem importáncia Por ora Jesús é o convidado e correspondí
(cf. Ez 13,4; Ne 3,35). Esta vez nao é como
com seu ensinamento; no fim convidará o
a do outro Herodes e as crianças inocen­Pai. A instrugáo de Ben Sirac sobre ban
tes. Jesús tem ainda tarefa clara. Morrerá
quetes e convidados pode servir de fundo
quando chegar sua hora, nao antes; em empírico, sapiencial (Eclo 31,12-32,13).
Jerusalém, nao fora. Cabe a Deus fixar os 14,1 O convite a um banquete no sába
prazos (SI 75,3). Os poderes humanos po-do oferece ocasiáo para vários ensinamen
dem executar, mesmo sem pretendé-lo tos reunidos. Imaginemos que Jesús, se­
nem sabé-lo, o plano decidido por Deus; gundo o costume, leu e comentou numa
nao podem interferir nem impedi-lo. O sinagoga e, ao terminar, um dos chefes o
esquema dos très dias pode ter sido toma­
convida à ceia solene do sábado. Outros
do de Os 6,2 e adaptado como enigma à colegas fariseus participam da ceia. Jesús
situaçâo presente. náo recusa esses convites nem desperdiga
13,34-35 O Senhor quis proteger seu tais ocasioes, mesmo sabendo que o vigiam
povo “à sombra das suas asas” (SI 36,8; (cf. 7,36-50; 11,17-53). Lucas reúne qua­
63,8) e a capital com sua presença no tem­
tro pegas numa espécie de simpòsio ao
plo (Is 31,5; 37,33-35), exigindo ao mes­
estilo grego. O banquete oferece a ocasiáo
mo tempo a conversáo (Jr 7). Ela, em veze o tema central, que se desenvolve com
de receber “profetas e enviados”, os ma­variedade de aspectos e interlocutores.
tou (Ne 9,26; At 7,52), “resistiu” ao cha­
Nesse banquete se prefigura a refeigáo
mado de Deus. Leia-se a terrível descri-eucaristica e se anuncia o banquete celes­
çâo da “Cidade Sangüinária” traçada por te. Os fariseus convidados o vigiam para
Ezequiel, profeta da catástrofe: “Cidadeavaliá-lo com o critèrio das observancias
que se encaminha para seu fim” (Ez 22,2).
(cf. SI 37,32).
Agora vem Jesús, novo enviado de Deus, 14,2-6 O primeiro episodio reitera o
para cumprir a mesma missáo; e vai so- tema da cura no sábado (13,10-17). Acom-
frer o destino dos profetas. Ora, como já
paragáo do filho ou do boi caídos num
aconteceu urna vez (Lm 1,8.14.18 etc.), a
pogo (cf. Ex 21,33-34) torna mais aguda a
casa habitada ficará deserta, seja o tem­
situagáo. O interesse pelo animal ou o de­
plo, seja a cidade (IRs 9,7-9; Jr 12,7). Mas
ver paterno se sobrepòem à prescrigáo, e
chegará um dia, quando o veráo voltar, eesses sentimentos náo faltam a Jesús. Per-
o receberáo com a saudaçâo do salmo gunta desafiando e comenta argumentan­
(118,26). Anuncio de conversáo? (cf. Rm do. Sua pergunta náo proíbe, mas permite
11,25-26). o repouso sabático. Se um homem normal
socorre de sábado a um filho ou animal,
14,1 -24 Com a situaçâo comum de co­ “Deus socorre homens e animais” (SI
mida ou convite, Lucas reúne quatro ce- 36,10). Calam-se diante da pergunta por-
245 LUCAS

h pnlavra e perguntou a juristas e fa- te convidou, te dirá: Amigo, sobe a um


llNrus: posto superior. E ficarás honrado na pre-
É permitido curar no sábado ou senga de todos os convidados. n Pois,
n ílo ? quem se exalta será humilhado, e quem
4liles se calaram. se humilha será exaltado.
Icsus tomou o doente, o curou e o 12Disse a quem o havia convidado:
ile\pediu. 5Depois lhes disse: — Quando ofereceres um almogo ou
-—Quem de vós, se seu filho ou boi jantar, nao convides teus amigos ou ir-
i nlr num pogo, nao o tirará logo no sá- máos ou parentes ou os vizinhos ricos;
llHdo? porque eles, por sua vez, te convidaráo
f’l: nao podiam responder-lhe a isso. e ficarás pago. 13Quando deres um ban­
quete, convida pobres, mutilados, co-
O convidado — 7O bservando como xos e cegos. 14Feliz de ti, porque nao
PHColhiam os lugares de honra, disse aos podem pagar-te; pois te pagaráo quan­
convidados a seguinte parábola: do ressuscitarem os justos.
• —8Quando alguém te convidar para
iim casamento, nao ocupes o primeiro Parábola dos convidados ao banque­
lugar; nao acóntela que haja outro con­ te (Mt 22,1-10) — 15Ao ouvi-lo, um dos
vidado mais importante que tu, 9e aque- convidados disse:
Ir que convidou os dois vá dizer-te para — Feliz quem com er no reino de
ccder o lugar a outro. Entáo, envergo- Deus!
nhado, terás de ocupar o último lugar. 16Replicou-lhe:
"'Quando te convidarem , vai e ocupa o — Um homem dava um grande ban­
ultimo lugar. Assim, quando chegar quem quete, para o qual convidou muitos. 17Na

i|ue dáo por descontada a resposta. Nào e também em proveito de quem é caritati­
rcspondem ao argumento porque nao tém vo. O convite interesseiro atinge seu pa­
rcsposta. gamento neste mundo e nesta vida. A ca-
14,7-11 Num banquete de casamento o ridade desinteressada tem pagamento
protocolo designa rigorosamente os luga­ transcendente. A “ressurreicjáo dos justos”
res. A parábola fala de conseqüéncia, nao é a glorificado a exemplo e pelo dom de
ile finalidade. Pois, se alguém se dirige ao Jesús Cristo.
último lugar para provocar a honra de ser 14,15 Com a frase final, “a ressurreigao
chamado ao primeiro, está incorrendo na dos justos”, se liga a exclamado do fa-
mesma vaidade, inclusive mais refinada. riseu. Ele se considera incluido entre es-
“É melhor ouvir: suba para cá do que ser ses justos e sonha com a dita de participar
humilhado diante de um nobre” (Pr 25,6-7). do banquete com que o Messias inaugura­
1 4 ,1 1 Aforismo de valor geral, que pode rá seu reinado (Is 25,7-9; 65,13-14). O
ilesprender-se do contexto (Ez 17,24; Pr Apocalipse dá novo sentido á frase “Feli-
15.33). Um provèrbio formula-o assim: “A zes os convidados as nupcias do Cordei-
frente da gloria caminha a humildade” (Pr ro” (Ap 19,9).
15.33). Exemplo máximo é o pròprio Je­ 14,16-24 Jesús responde com uma pa­
sus, como o expoe Paulo (F1 2,6-11). rábola que freia e desvia semelhante espe­
14,12-14 Sobre a generosidade desin- ranza ou presundo. O banquete é grande
leressada. E o ensinamento de 6,32-33 e é pelo número de convidados e a qualidade
tradicional (Is 58,7-12; SI 112,9; Eclo 7,32- dos manjares. Muitos foram convidados e
33). A novidade está no modelo de convi­ aceitaram. Chega a hora, com o banquete
dados e na recompensa escatològica. Os preparado, e os convidados recebem o se­
convites mutuos, como costume social, gundo convite. Nesse momento se desdi-
criam e afiangam um círculo de bem-es- zem com várias desculpas. E faltar á pala-
tar, do qual sao excluidos os mais neces- vra e ofender gravemente o anfitriao. Suas
sitados. Acaridade que Jesús prega e pratica desculpas recordam os “espinheiros” da
rompe esse círculo a favor dos indigentes parábola do semeador (8,14). Negocios, tra-
LUCAS 246

hora do banquete, enviou seu servo avi­ daqueles convidados provará o nun
sar os convidados: Vinde, já está pre­ banquete.
parado. 18Um após o outro, todos fo­
rarci se desculpando. O prim eiro disse: Odiscípulo (Mt 10,37-38) — 25Seguu
Comprei um terreno e preciso ir exami- o grande multidáo. Ele se voltou e III'
ná-lo; por favor, aceita m inhas descul­ disse:
pas. 190 segundo disse: Comprei urna — 26Se alguém vem a mim e nao | »it
junta de bois e vou prová-los; por fa­ em segundo lugar seu pai e sua m;n
vor, aceita minhas desculpas. 2Í)0 ter- sua mulher e seus filhos, seus irmáos p
ceiro disse: Acabo de casar e nao posso irmás, e até sua pròpria vida, nao podi
ir. 210 servo voltou para inform ar o se- ser meu discípulo. 2'Quem nao leva su#
nhor. O dono de casa, irritado, disse ao cruz e nao me segue nao pode ser mai
servo: Sai depressa até as pravas e rúas discípulo. 28Se um de vos pretende coir.
da cidade, e traze pobres, m utilados, truir urna torre, nao senta primeiro pai .i
cegos e coxos. 220 servo lhe disse: Se- calcular os gastos e ver se tem com qui
nhor, foi feito o que ordenaste, e aín­ terminá-la? 29Náo acóntela que, tendí i
da sobra lugar. 23Ó senhor disse ao ser­ lanzado os alicerces e nao podendo
vo: Sai pelos cam inhos e veredas e com pletá-la, todos os que veem p<>
obriga-os a entrar, até que se encha a nham-se a cagoar dele, 3°dizendo: Este
casa. 24De fato, eu vos digo que nenhum comegou a construir e nao pode con

balho, familia, embora sejam atividades tam com o chamado de Jesús. Por isso o
honestas, impedem realmente de compa­ seguidor ou discípulo de Jesús tem que
recer a um banquete? rejeitar, “odiar” esses impedimentos (cf. E.\
O anfitriáo nao renuncia á festa nem 33,9). Se nao está disposto a isso, náo rcú
quer que se percam os manjares prepara­ ne as condigóes para rematar o projeto.
dos. Como se exultasse presenteando, hos­ 14,26-27 Vínculos familiares: Na bén
pedando. Sua generosidade nao é condi­ gao a Levi, Moisés pronuncia estas frases
cionada pelo interesse ou pela qualidade “Disse a seus país: Nao fago caso de vos.
dos hospedes. Faz um duplo convite. Pri­ a seus irmáos: Náo vos reconhego; a seus
meiro na cidade as categorías de antes (v. filhos: Náo vos conhego”, porque antepu
13); depois aos arredores, aos que encon- seram o mandato de Deus (Dt 33,9, referido
trarem. Como estes resistiráo, envergonha- a Ex 32,26-29). A vida e a cruz: 9,23-24.
dos ou incrédulos, será preciso trazé-los e 14,28-32 As duas parábolas insistem no
forgá-los amistosamente. Esses acorrem e conhecimento das condigóes e na plena
enchem a casa. Os outros ficam definiti­ consciéncia com que se deve tomar a de
vamente excluidos. Deus dá a todos. E o cisáo de seguir a Jesús. Diferente parece o
ser humano quem recusa aceitar. Quem caso dos pescadores e de Levi, a quem urna
recusa o dom ofende o doador. palavra soberana de Jesús ilumina e moví­
A parábola pode se aplicar a judeus que as,1-11.27-28); ou o caso de Paulo, cega
resistiram e a pagaos que responderam. do e iluminado (At 9). Talvez se inspireni
Também é aplicável dentro da Igreja, pela ñas normas de prudencia que a sensatez
sua dimensáo escatológica (cf. ICor 1,26- ordena: “Com sensatez constrói-se urna
29). Os primeiros foram escolhidos por casa... Com estratagemas ganha-se a guer
vontade do anfitriáo, os outros sao convi­ ra” (Pr 24,3.6). Contém um paradoxo na
dados em sua condigáo de marginalizados. aplicagáo: se para construir ou fazer guer
14,25-27 Sobre o seguimento de Jesús. ra é preciso contar com meios, para seguir
Pode-se unir com o trio de 9,57-62. Jesús a Jesús, o essencial é náo possuí-los.
caminha para Jerusalém a fim de padecer 14,28 Pode tratar-se de urna dessas tor
e morrer. Nesse contexto soam as condi­ res que se construíam nos pomares para
góes para o seguimento. Os vínculos pu­ vigiar ou como abrigo contra o mau tem
ramente humanos de familia, o interesse po (Is 5,2), mais sólidas e cómodas que
pessoal, interferem muitas vezes e contras- uma cabana (Is 1,8).
tM.II) 247 LUCAS

i Iiiii. uSe um reí vai travar batalha com — 4Se algum de vós tem cem ove-
millo, nao senta prim eiro para avaliar Ihas e perde urna, nao deixa as noventa
*t' poderá resistir com dez mil a quem e nove no deserto e vai atrás da ex­
veni atacá-lo com vinte mil? 32Se nao traviada até encontrá-la? 5 Sim, ao encon-
piule, quando o outro ainda está longe, trá-la, a coloca nos ombros contente,
ii|ivia-lhe urna delegagao para pedir-lhe 'Vai para casa, cham a amigos e vizi-
11 pa/. 33Assim é para qualquer de vos: nhos e lhes diz: A legrai-vos comigo,
(Jiicm nao renunciar a seus bens, nao porque encontrei a ovelha perdida. 7Eu
pode ser meu discípulo. vos digo que da m esma forma haverá
M0 sal é bom; mas, se o sal se torna no céu m ais festa por um pecador que
Insosso, com que o tem perarlo? 35Náo se arrepende do que por noventa e
*i>rve nem para o campo nem para a nove justos que nao precisam arrepen-
pxlerqueira; deve ser jogado fora. Quem der-se.
llver ouvidos para ouvir, escute. 8Se urna m ulher tem dez dracm as e
perde urna, nao acende urna lampari-
| A o v elh a e a m oeda p erd id a na, varre a casa e procura diligente­
— ’Todos os coletores e os pe­ mente até encontrá-la? 9Ao encontrá-
didores se aproxim avam para ouvir. la, chama as amigas e vizinhas e lhes
'Os fariseus murmuravam: diz: Alegrai-vos comigo, porque encon­
— Este recebe pecadores e come com trei a dracma perdida. ’“Eu vos digo
des. que da mesma forma se alegrarlo os
3Ele lhes respondeu com a seguinte anjos de Deus por um pecador que se
parábola: arrepende.

14,34-35 Parece dirigido ao discípulo. nam nas très os sentimentos, e entre eles,
Terá que desfazer-se para comunicar seu a alegria; é a vantagem de falar com rela­
sabor e para conservar alimentos: se o per- tos, e nâo com teorias. Como a ovelha e a
de, será rejeitado. dracma, assim o homem, apesar de peca­
dor, é propriedade de Deus: “Perdoas a
15,1-2 Começa urna segunda série de todos porque sáo teus, Senhor, amigo da
parábolas, mais ampia que a do cap. 8 . vida” (Sb 11,26).
Nesta seçâo reúnem-se as très parábolas 15,3-7 A primeira toma a imagem de
chamadas “da misericordia” e outras duas uma atividade muito sensível na tradiçâo
sobre o uso dos bens. As très primeiras bíblica: compare-se a figura do rei pastor
cstáo construidas com cálculo: sobre urna que vai à luta para resgatar uma ovelha
dupla paralela se levanta a figura domi­ (ISm 17,34-36) e a grande exposiçâo de
nante. As paralelas sao: um homem no Ezequiel (em particular Ez 34,11-16). As
campo e sua ovelha extraviada; urna mu- noventa e nove fieam em lugar seguro.
Iher em casa e sua moeda perdida. A ter- Leva a ovelha nos ombros (como em Is
ceira costumamos chamar “do filho pró­ 40,11). É um por centro da sua proprieda­
digo”, porém melhor seria chamá-la “do de; no entanto, alegra-se com um gozo
pai amoroso”. Segundo a introduçâo, as comunicativo, incontido, como se tivesse
très se dirigem a “coletores e pecadores”, uma relaçâo pessoal e náo só económica
para os quais sâo verdaderamente boa com a ovelha (cf. 2Sm 12,1-4). É a alegria
noticia, e eles acorrem ansiosos para que sobe até o céu. A frase é audaz: no céu
escutá-la. Em contraste, ressalta o desgos- se festeja o acontecimento.
to dos fariseus, apresentados como tipo, 15,8-10 O segundo caso parece mais
e que reapareceráo na figura do irmáo modesto à primeira vista. Mas a mulher é
mais velho. As très falam do perdáo de mais pobre e perdeu um décimo de seus
Deus para o pecador; por isso podemos haveres. Proporcionalmente a alegria é a
encabeçà-las com o texto clássico: “Deus mesma e só em parte a aplicaçâo: nâo se
nâo quer a morte do pecador, mas que se fala de alegria comparativa. Contudo, a
converta e viva” (Ez 18,23.32). Predomi- alegria acusa um sofrimento precedente:
LUCAS 248 15.11

O filho p ró d ig o — “ Acrescentou: com iam , mas ninguém lhe perm iiu


— Um hom em tinha dois filhos. 120 17Entáo, caindo em si, pensou: Aqu;m
m enor disse ao pai: Pai, dá-me a parte tos diaristas de meu pai sobra pao, en
da fortuna que me cabe. Ele repartiu os quanto eu morro de fome. 18Voltarci .i
bens entre eles. 13Em poucos dias o filho casa de meu pai e lhe direi: Pequei con»
m enor reuniu tudo e em igrou para um tra Deus e te ofendi; 19já nao merci;«
país distante, onde esbanjou sua fortu­ chamar-me teu filho. Trata-m e comí)
na vivendo como um libertino. , 4Quan- um de teus diaristas. 20E se pòs a cairn
do gastou tudo, sobreveio grave cares­ nho da casa de seu pai. Estava ainil.i
tia naquele país, e ele comegou a passar longe, quando seu pai o avistou e so
necessidade. 15Foi e se comprometeu comoveu. Correndo, langou-se ao sen
com um fazendeiro do país, que o en- pescoso e o beijou. 2lO filho lhe dissi
viou a seus cam pos para cuidar de por- Pai, pequei contra Deus e te ofendi. J.i
cos. 16Desejava encher o estómago com nao merego chamar-me teu filho. 22M;i
os frutos da azinheira que os porcos o pai disse aos servos: Rápido, trazei «

a perda dói. Um pecador convertido é algo fortuna” (29,3; Eclo 18,30-19,2). Fome o
valioso que os anjos de Deus recuperam. miséria nao sao castigo extrínseco, ma
15,11-32 Poderíamos partir de dois tex­ conseqüencia de urna conduta, sangáo
tos clássicos que revelam o aspecto emo­ imánente.
tivo e entranhado da paternidade de Deus 15,15 Submetido como escravo a um
(Os 11 e Jr 31,18-20). Mais em concreto, patráo pagáo (Le 25,27); “a fome do día
um salmo nos fala do Deus pai que, como rista trabalha por ele, porque sua boca o
um pai por seu filho, enterncce-se e per- estimula” (Pr 16,25). Oficio humilhanti
doa (103,13). A “rainha das parábolas” é para qualquer um, mais ainda para um ju
transparente em seu desenvolvimento: a deu, forgado a ficar entre animais impu
partida, a dissipagáo libertina, a queda hu- ros (Lv 11,17). Como se nao bastasse, es
milhante, as privagóes, a saudade da casa ses animais gozam de melhor sorte que ele.
paterna, o retomo á nova vida, o abrago sem 15,17 O narrador entra na mente do jo-
recriminagóes, a festa. Contudo, vale a pena vem para revelar suas reagoes. A necessi
observar mais de perto alguns detalhes. dade faz refletir, aínda em termos de inte­
15.11 Ao passar da ovelha e da moeda resse pròprio: “naquela ocasiáo era mais
ao filho, a exposigáo se torna mais pro­ feliz do que agora” (Os 2,9; Jr 2,19).
funda e reveladora. Aqui Jesús está cum- 15,18-19 Superando o interesse pròprio,
prindo algo do que disse ( 1 0 ,2 2 ): está re­ descobre a dimensáo transcendente: O
velando o Pai. A paternidade humana é pecado vai contra Deus (José, Gn 39,9; o
reflexo de Deus, e por isso serve para fazé- Faraó, Ex 10,16; o povo, Dt 1,41; Davi,
lo compreender. O dramático relato de 2Sm 12,13; SI 51,8). O jovem, mesmo que
José, com desfecho feliz, nos fala de amor só mentalmente, impòe a pena a si mes­
paternal; e dois momentos trágicos na vida mo: perder todos os direitos de filho (cf.
de Da vi: o primeiro filho de Betsabéia, e Gn 43,9).
Absaláo morto (2Sm 12,15-25; 19,1-9). 15,20 O pai nào leva o assunto por via
15.12 A parte que corresponde ao mais legal (Dt 21,20), mas se deixa levar pelo
novo é um tergo dos bens movéis (Dt afeto paternal: “minhas entranhas se co-
21,17). Ben Sirac recomenda nao ceder a movem e cedo à compaixáo” (Jr 31,20);
heranga em vida: seria dar poder a outros “meu coragào se contorce dentro de mim,
e submeter-se e estar á mercé deles (Eclo minhas entranhas se comovem” (Os 11,8);
33,20-24). identifica-o de longe, sai correndo a seu
15.13 Distante significa longe da pre­ encontro. O abrago sela a reconciliagáo,
senta paterna, rium desterro voluntário, antes que o filho pronuncie a confissáo:
buscando a liberdade. Uma libertinagem “Volta, Israel apóstata, pois nao estou ira­
que o leva logo á miséria: “porque bebe­ do... nao guardo eterno rancor” (Jr 3,12).
dores e comilóes se arruinaráo” (Pr 23,21); E recebido como filho: traje e anel serao
“quem se junta com prostitutas dissipa sua os sinais externos.
249 LUCAS

mlimi veste e vesti-o; colocai-lhe um eu te sirvo, sem desobedecer a urna or-


m i mi dedo e sandalias nos pés. 23Tra- dem tua, e nunca me deste um cabrito
. I o bezerro cevado e matai-o. Cele- para eu com er com meus amigos. 30Po-
■i m i i i o s um banquete. 24Porque este rém, quando chegou esse teu filho, que
•ini li Ilio estava morto e reviveu. Tinha- devorou tua fortuna com prostitutas,
. pi ulido e foi encontrado. E comega- mataste para ele o bezerro cevado. 31Res-
■iin .1 lesta. pondeu-lhe: Filho, tu estás sempre co­
O fiIho m aior estava no campo. migo, e tudo o que é meu é teu. 32Era
' inundo se aproximava de casa, ouviu necessàrio fazer festa, porque esse teu
.ni .u a e dan tas 26e chamou um dos irmào estava morto e reviveu, tinha-se
iiiulos para informar-se do que estava perdido e foi encontrado.
i. iinlecendo. 27Respondeu-lhe: É que
i h i teu irmào, e teu pai matou o be- Parábola do adm inistrador —
• i m i cevado, pois o recuperou sào e 'D izia aos discípulos:
ulivo. 28Irritado, eie se negava a entrar, — Um homem rico tinha um admi­
irti pai saiu para exortá-lo. 29Mas eie nistrador. Chegaram-lhe queixas de que
ii’tpondeu a seu pai: Ve: há tantos anos estava esbanjando seus bens. 2 Chamou-

15,24 É um reviver; nào a simples vol­ 16,1 As duas parábolas que se seguem
ici, mas o arrependimento e o perdào (Jr tém como tema comum o uso dos bens.
i, II; cf. Eclo 32,5s). Urna vida nova me- Os do patráo no caso do administrador
n re ser festejada. (16,1-13), os próprios no caso do rico (16,
15,25-32 A parábola tem urna segunda 19-31). Ambas abrem passagem para suas
luirle porque nem todos se alegram com o próprias instrugóes medianamente ligadas,
■Irsonlace. Há quem nao aceita nem com- a primeira aos fariseus (16,14-18), a se­
jiicende a fraqueza do pai. Jonas é um gunda aos discípulos (17,1-10). A primei-
, «empio admirável: nào quer ser profeta ra dirige-se aos discípulos; a segunda, por
ili* um deus “compassivo e clemente, pa­ náo haver urna segunda mudanza, dirige-
ciente e misericordioso” (Jn 4,2), capaz de se aos fariseus.
ilrixar mal seu profeta por perdoar os ini- 16,1-9 A parábola do administrador pode
migos. O irmào mais velho, que regressa soar desconcertante. Porque se diz clara­
ilo traballio no campo, discorre em termos mente que ele era desonesto, o patráo o
ili! retribuido comparativa, protesta con­ louva, e Jesús no-lo apresenta como mo­
ila o irmào e o pai. E o pai, no mesmo delo. De que? Que urna parábola intrigue
Irrreno, o faz ver que está bem pago con­ náo é desconcertante, mas saudável.
vivendo com ele. O irmào mais velho tem É o administrador de um rico abastado.
ile aceitar a misericòrdia do pai e reconci­ Acusam-no de má administrado, e pela
liarse com seu irmào arrependido. Pater- a§áo do amo deve-se deduzir que a acusa­
nidade gera fraternidade. d o foi comprovada. O castigo lógico é
15,27 O criado se fixa apenas no aspec­ demiti-lo imediatamente. Assim, ele que
to externo: “recuperou-o sào e salvo”. Se vivia folgadamente enfrenta urna emergen­
nlhasse em profundidade, diria: “arre- cia. Este dado é capital. Como homem
pendido e transformado”. O pai diz: “vol­ entendido em negocios se detém a calcu­
imi à vida”. lar e buscar saídas para a emergéncia, den­
15,29 O filho mais velho designa sua tro do sistema económico em que se move
vida dizendo “te sirvo”; o pai replica: “estás e conhece por dentro. Descarta duas saí­
sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”. das razoáveis, que ele náo é capaz de en­
No contexto da vida de Jesus, o irmào frentar, e planeja outra astuta: criar inte-
mais velho pode representar o fariseu resses, buscando cúmplices. Em outros
como tipo. No contexto posterior, seu al­ termos, dos devedores do patráo fazer de-
i-ance é universal. Demos grabas a Lucas vedores de favores seus. Alguns comen­
i|iie contribuiu com essa jóia para a litera­ tadores dizem que o tanto por centro per-
tura universal. doado cabia a ele; mas o relato náo parece
LUCAS 250 ii.

o e Ihe disse: O que é isso que me con- astucia com que havia agido. Por. <<■
tam de ti? Presta-me contas de tua ad- cidadáos deste m undo sao m ais ¡isin
ministraçâo, pois nâo poderás continuar tos com seus colegas do que os cidadflu»
no cargo. 30 adm inistrador pensou: O da luz. 9E eu vos digo que com o dinlii i
que vou fazer, agora que o patrâo me ro sujo ganheis amigos, de modo qm
tira o cargo? Nâo tenho forças para ca­ quando acabar, eles vos recebani ih
var; pedir esmolas me dá vergonha. 4Jà morada eterna. 10Aquele que é c o h I m
sei o que vou fazer para que, quando vel no pouco, é confiável no muii"
me despedirem, alguém me receba em quem é desonesto no pouco, é desoiio»
sua casa. 5Foi chamando um por um os to no muito. n Pois, se com o dinluii.
devedores de seu patrâo, e disse ao pri- sujo nao fostes confiáveis, quem vm
meiro: Quanto deves ao m eu patrâo? confiará o legítimo? 12Se no alheio nau
6Ele respondeu: Cem barris de azeite. fostes confiáveis, quem vos confiara ■
Disse-lhe: Pega o recibo, senta-te rápi­ vosso?
do, e escreve cinqüenta. 7Ao segundo 13Um em pregado nao pode estai i
disse: E tu, quanto deves? Respondeu: servigo de dois patróes: pois odiará mu
Cem medidas de trigo. Disse-lhe: Pega e amará o outro, ou apreciará um e di
teu recibo e escreve oitenta. sO patrâo prezará o outro. Nao podéis estar a su
louvou o adm inistrador desonesto pela vigo de Deus e do dinheiro.

apoiar isso. Afinal de contas, o patráo era na administrado dos bens recebidos. T.i
rico e a perda global de uns mil denários lento e engenho também sao dons recebi
nao era excessiva para ele. Maior prejuízo dos que administramos.
tinha sido a má administrado precedente. 16,9 “A esmola liberta da morte e expm
O recurso é táo engenhoso quanto de­ o pecado; os que dáo esmolas se saciaran
sonesto; e o patráo admira o engenho (cf. de vida” (Tb 12,9). “Dinheiro” em grego
Pr 22,3; 27,12). É inegável que esse ad­ se diz Mamón, deus da fortuna.
ministrador era homem de recursos. De- 16,10-11 Seguem-se algumas sentenga’.
vemos acrescentar por nossa conta a apli­ aparentadas com o tema. Ver a parábol.i
cad o ? Os bens nos foram confiados por parecida de 19,17-26. O que se requer do
Deus para os administrarmos. Sobrevém administrador é que seja fiel (ICor 4,2)
uma situado de emergéncia, e eles váo O primeiro aforismo é geral: o “pouco” r
acabar. Com esse dinheiro ao qual se pren- o “muito” admitem muitas identificadas
dem tantas injustigas grandes ou peque­ No contexto presente, o pouco sáo os beir.
ñas, é preciso fazer amigos o quanto an­ deste mundo, o muito sáo os bens do ccu
tes; perdoando dividas, fazendo favores a ou do reino de Deus.
outros mais necessitados. Conclusáo nao 16.12 Mais difícil é o segundo aforismo
menos desconcertante: o próprio Deus, o (alguns manuscritos léem “nosso”). Alheio\
patráo “defraudado”, nos recebe em sua ao homem (ou a Deus) sáo os bens que
“morada eterna”. “Quem se compadece do ficam fora e passam; “vosso”, próprios, sáo
pobre empresta ao Senhor” (Pr 19,17). A os bens que Deus entrega ao fiel. Os bens
parábola se quebra no final. Porque há uma de dentro orientam e regulam o uso dos
prudéncia crista que é insensatez aos olhos bens de fora.
do mundo, mas á luz do evangelho é su­ 16.13 O terceiro é aplicagáo do primeiro
prema, prudéncia paradoxal. mandamento: o Deus verdadeiro nao ad
16,3 Ben Sirac disserta sobre a mendi- mite rivais. Mamón, deus das riquezas, quci
cáncia: “É melhor morrer que andar mendi­ ser servido como rival ou competidor do
gando; quem depende da mesa alheia tem Deus (cf. Is 65,11). O dinheiro é para sci
de saber que nao vive” (Eclo 40,28-30). administrado como meio de fazer o bem,
16,8 Chama os discípulos de “cidadáos nao como sujeigáo a ele (Mt 6,24). “Quem
(filhos) da luz”: ver lTs 5,5; Ef 5,8. No ama o dinheiro será por ele extraviado...
novo reino da luz e segundo seu regime Feliz o homem que se conserva íntegro 0
deveriam desdobrar iniciativa e engenho nao se perverte com a riqueza” (Eclo 31,5.8)
251 LUCAS

^ leí b ti boa noticia (M t ll,1 2 s ) — dos querem fo rja r o acesso*. I7Mas é


'Mluviiim tudo isso os fariseus, muito m ais fácil que passem céu e terra do
«Hilaos do dinheiro, e cacjoavam dele, que cair um acento da lei. 18Quem re­
''(tic Ibes disse: pudia sua m ulher e casa com outra, co­
* Vós passais por justos diante dos m ete adultèrio; quem casa com uma
Hrtlticns, mas D eus vos conhece por repudiada, com ete adultèrio.
ijllitn). Pois o que os hom ens exaltam,
llmis detesta. lei e os profetas du- O rico e L ázaro — 19Havia um homem
niiain até Joáo. A partir daí anuncia-se rico que vestía púrpura e linho e ban-
n Iti i» noticia do reinado de Deus, e to- queteava espléndidamente cada dia. 20E

16.14 Em lugar de objegáo ou comentá- mas num além imaginado e descrito se­
iln, como é seu costume outras vezes, gundo algumas crengas da época.
I m as faz intervir a zombaria dos fariseus, A parábola é clara na colocagáo (cf. Pr
típula vez como tipos de amor ao dinheiro, 22,2), desenvolvimento e desenlace. Em
* por isso identificáveis com muitos ou- busca de clareza, corremos o perigo de nao
lliin, Segundo eles, a riqueza é béngáo de tomá-la como parábola, mas como manual
Ih’iis, premio pela observancia. E sem de novíssimos. Ora, se a tomamos como
limito preocupar-se, introduz o autor urnas descrigáo realista, muitas coisas estranhas
Imitas sentencias heterogéneas. se deduzem: que no céu os eleitos se ban-
16.15 Outra forma de cobija: acumular queteiam reclinados sobre almofadas, com
ultras de observancia pensando que com Ábraáo no lugar principal; que céu e in­
iilns se adquirem direitos sobre Deus, ou ferno sao dois lugares ao alcance da vista
illicito á recompensa de Deus e á estima e da palavra, separados por uma espécie
ilns homens. O alto é a altivez, que Deus de abismo ou desfiladeiro; que do inferno
detesta: “O Senhor detesta o arrogante” (Pr se pode interceder pelos vivos. Será pre­
10,5; Is 2,9-18). Conhece o coragáo (Pr ciso tomar uma metade em sentido realis­
15,11; 16,5). ta e outra metade em sentido metafórico?
16,16-17 O regime antigo, leis e profe­ Segundo o profeta Ezequiel, “este foi o
tas, terminou com o Batista. Com Jesús pecado de Sodoma: soberba, fartura de páo
romega o regime novo, o reinado de Deus. e bem-estar aprazível... mas nao deu uma
E preciso esforgo e luta para incorporar­ máo ao infeliz e pobre” (Ez 16,49). E qual
ía a ele, ou ceder a seu convite premente. foi seu castigo? “Do céu o Senhor fez cho-
(luiros o interpretam em relagáo á violen­ ver fogo e enxofre sobre Sodoma e Go­
cia externa a que se vé submetido. Contu­ morra, e arrasou aquelas cidades” (Gn
llo, a substancia da lei continuará em vi­ 19,24-25).
gor; ou a lei do novo reino de Deus (cf. SI A parábola se coloca no terreno das pos-
102,26s). Se a lei era a vontade de Deus for­ ses, na oposigáo entre riqueza e pobreza.
mulada para os homens, ao chegar o rei- Apresenta um rico pecador e um pobre que
liudo de Deus, cumpre-se perfeitamente. supóe justo. Afirma que haverá castigo e
16.16 *Ou: usam de violencia contra ele. prèmio transcendentes depois da morte.
16,18 Precisamente neste ponto do di- O pecado é exposto com dados do rico
vórcio, Jesús anula a lei de Dt 24,1. Ver a e de seus irmáos. Consiste em entregar-se
oxplicagáo de Me 10,11-12 e ICor 7,10-11. à boa vida sem preocupar-se com os ne-
16,19-31 A segunda parábola costuma cessitados (Is 22,13; Ez 16,49; Am 6,4-6;
Ncr chamada do “rico Epuláo e Lázaro”, Sb 2). Uma riqueza empregada assim é
lazendo do latim epulo = comiláo, um injusta. Acrescenta-se o náo fazer caso da
nome próprio. O rico da parábola nao tem Escritura, Moisés e profetas; fórmula que
nome, o pobre se chama Lázaro = Eleazar é todo um tratado de rebeldía. Na Escritu­
« Deus auxilia. As avaliagóes correlativas ra está bem clara e reiterada a exigencia de
de bem-aventurangas e mal-aventurangas socorrer o pobre (p. ex., Dt 15,1-11; Is 58).
(6,20.24) se cumprem neste relato; nele se De Lázaro se contam os sofrimentos,
realiza a reviravolta que Ana e Maria can- náo as virtudes. Estas se deduzem do fato
tam (ISm 2; Le 1,52-53). Nao nesta vida, de ele ser levado pelos anjos ao céu. Náo
LUCAS 252

havia um pobre, cham ado Lázaro, co- favor, manda-o à casa de meu pai, •’“<ut
berto de chagas, e deitado á porta do de tenho cinco irmàos, para que os mi
rico. 21Queria saciar-se com o que caía m oeste a firn de que náo venham i.im
da mesa do rico. Até os caes iam lam- bém eles parar neste lugar de tornimi.
ber-lhe as chagas. 29A braáo lhe disse: Eles tèm Moisc, n
220 pobre morreu e os anjos o leva- os profetas: que os escutem. 30Repl io m
ram para junto de Abraáo. O rico tam- Náo, pai Abraáo; se um morto os vi i
bém morreu e o sepultaram. 23Estando ta, eles se arrependeráo. 31Disse-lhe: Si)
no Hades, em meio a tormentos, levan- náo escutam M oisés nem os profeti'
tou os olhos e avistou Abraáo com Lá­ m esm o que um morto ressuscite, n.i>
zaro a seu lado. 24Chamou-o e lhe dis- lhe farào caso.
se: Pai Abraáo, tem piedade de mim, e
envia Lázaro, para que molhe a ponta "I ^ Instru^óes aos discípulos (Mi
do dedo na água e me refresque a lín- A / 18,6s.21s; Me 9,4) — ’Disse n
gua, pois estas cham as me torturam. seus discípulos:
~5A bralo respondeu: Filho, recorda que — E inevitável que haja escàndalir,
em vida recebeste bens, e Lázaro, por mas ai de quem os provoca! 2Seria nir
sua vez, desgranas. A gora ele é conso­ lhor que lhe encaixassem no p e s a »,.1
lado, e tu, atormentado. 26A lém disso, urna pedra de m oinho e o atirassem ;i.
entre vós e nós há um abism o imenso; mar, antes de escandalizar a um desse-
de modo que, ainda que se queira, náo pequeños. 3Ficai atentos: Se teu irmüti
é possível atravessar daqui até vós, nem pecar, repreende-o; se se arrependn
passar daí até nós. 27Insistiu: Entáo, por perdoa-o. 4Se sete vezes ao dia te ofen

consegue afugentar os caes que lhe lam- 16,26 Nesta vida convivem ricos e pii
bem a umidade das chagas. bres, malvados e honrados. Na vida futu
Imagina-se já cumprido o anùncio de ra a se p a ra lo è definitiva e insuperável
Daniel: “Muitos dos que dormem no pó 16,31 A frase se abre para sugerir a res
despertarlo: uns para a vida eterna, outros surreiglo de Jesus e a resistencia dos in
para a vergonha perpètua” (Dn 12,2). Com crédulos. Segue-se urna nova sèrie de ins
variantes: o rico “è sepultado”, o pobre nao, truyoes heterogéneas.
pelo contràrio, è levado ao céu, onde o
primeiro patriarca ocupa o lugar de honra. 17,1 -2 Escándalo è o que faz tropezar c
16.23 Salvo rarissimas excegòes (Jó 14, cair (SI 73,2); de ordinàrio se refere à fé.
22), o Xeol do AT náo è lugar de tormen­ E um agravante que as vítimas sejam os
tos e sim de existencia sem vida. A parà­ pequeños: “Náo amaldigoarás o surdo neni
bola segue represen tagóes que conhece- porás troperos ao cegó” (Lv 19,14). San
mos por apócrifos (4Esd), com fogo do inevitáveis, porque brotam como reaglo .i
forno instalado no vale de Hinon (Geena). exigencias do evangelho, e também di
Lázaro está reclinado ao lado direito de estilos de vida socialmente aceitos e am
Abraáo, em cuja almofada se apóia com o piamente divulgados. Os pequeños, os fra
cotovelo esquerdo. eos e necessitados, os que passam por eri
16.24 O fogo como tormento náo è tra­ ses, estío mais expostos. Paulo tira urna
dicional. É o elemento divino, o inaces- aplicadlo: “Comendo, nlo destruas al
sivel, em Is 33,14, o aniquilador em SI guém pelo qual o Messias morreu... Poi
68,3. um alimento nlo destruas a obra de Deus”
16.25 A resposta de Abraáo desmente (Rm 14,15.20).
urna teoria da retribuirlo nesta vida. Po­ 17,3-4 Lucas fala primeiro de pecado em
breza e riqueza estao em correlalo . A ri­ geral e recomenda a repreenslo ou admoes-
queza de um, desfrutada com egoismo, taglo, para que o pecador se dè conta e se
provocou e conservou a pobreza do outro. corrija. É urna espécie de denuncia profe­
As vítimas inocentes que choram “serio tica em formato menor. Ora, perdoar o ir-
consoladas”. máo supóe que ele nos ofendeu (Gn 50,
tf,l I 253 LUCAS

tal u sete vezes voltar a ti dizendo que o que vos mandaram, dizei: Somos ser-
** tirrepende, perdoa-o. vos inúteis, cumprimos nosso dever.
'( )s apóstolos disseram ao Senhor:
Aumenta-nos a fé. Cura dez leprosos — "Cam inhando
*<) Senhor disse: para Jerusalém , atravessava a Galiléia
r - Se tivésseis fé corno um grào de e Sam aría. 12A o entrar num a aldeia,
iiliiNlurda, dirieis a essa amoreira: Ar- saíram a seu encontro dez leprosos que
illlcu-te pela raiz e planta-te no mar, pararam a certa distáncia 13e, levantan­
•In vos obedecería. do a voz, disseram:
’Ouem de vós, se tem um servo aran­ — Jesús, Senhor, tem piedade de nós.
ci ou pastoreando, quando voltar do 14Ao vé-los, disse-lhes:
.■«tupo, lhe dirá que sente depressa à — Ide apresentar-vos aos sacerdotes.
rtMKU? 8Pelo contràrio, lhe dirà: Prepa- Enquanto iam, ficaram curados. 15Um
•ii-nic de corner, cinge-te e serve-me deles, vendo-se curado, voltou glorifi­
i'iiquanto como e bebo; depois comerás cando a Deus em voz alta, 16e caiu de
■beberás tu. 9Terá de agradecer ao ser­ brujos a seus pés, dando-lhe gracas. Era
vii por ter feito o que mandou? 10Assim samaritano. ''Jesú s tomou a palavra e
Minbém vós: Quando tiverdes feito tudo disse:

15-21; Eclo 28,1-6). Segundo a doutrina (Lv 13,45-46; 14,2). Um caso parecido,
i!» Levítico (Lv 19,17). O culpado seja embora menor, se conta de Maria, irmá de
idpido em arrepender-se, humilde em pe- Moisés, confinada sete dias fora do acam­
>llr perdáo; o ofendido esteja sempre dis­ pamento (Nm 12,9-16); é clàssico o caso
inolo a que, pelo perdâo, triunfe a paz. Ir- do sirio Naamá, curado ñas águas do Jor-
iiiAo é o israelita no AT, é o cristâo no NT. dáo e convertido ao culto do Deus de Is­
17,5-6 A força da fé náo depende da rael (2Rs 5); muito curiosa é a atua<¿áo dos
grimdeza, mas sim do seu ponto de apoio quatro leprosos durante o cerco de Samaria
que é a promessa de Jésus. Pedir que Je- (2Rs 7).
*118 a faça crescer já é expressâo de fé, es- Os doentes incuráveis se movem em
llllia do seu valor, consciência da pròpria grupos. Quando chega Jesus, ficam a certa
impotencia. A pitoresca imagem da amo­ distáncia, para náo contaminarem: “Afas-
llira é pròpria de Lucas; é uma imagem ta-te, estou impuro, afasta-te, náo me
hiperbólica empregada para encarecer o toquéis!” (Lm 4,15); e dai gritam pedindo
poder sobre-humano da fé. ajuda. Aordem que Jesús dá implica o pro­
17,7-10 A parábola, com toda a dureza cesso de cura, pois adianta o final, o teste-
ilii cena descrita, vem sublinhar a relaçâo munho oficial dos sacerdotes. Ao obede­
de serviço do discípulo. Náo pode alegar cer a Jesús, os leprosos já demonstram
ilireitos nem exigir remuneraçâo. O que confianza, pois do contràrio evitariam o
lite compete é simplesmente estar sempre diagnóstico oficial. Pelo caminho de ida
il serviço de Jesus, com a humildade de descobrem que estáo curados, sem neces-
ipiem reconhece a desproporçâo entre sua sidade de ablugóes, banhos e vários ritos,
prestaçào e a tarefa encomendada. e entáo um volta sem mais para agrade­
17,11-19 Embora nao se trate de lepra cer, enquanto os outros, cumprindo o man­
cm sentido clínico, trata-se de uma doen- dato de Jesús, preocupam-se com o aspecto
1,'a grave e contagiosa da pele, que impede jurídico, ou seja, o ser oficialmente decla­
h participaçâo no culto e na vida civil or­ rados curados.
dinària. O Levítico regula a conduta des­ É frequente no Saltèrio que o homem
des doentes, pensando mais em proteger curado ou libertado acorra a dar graejas a
os outros do contàgio do que em prestar Deus na presenta de uma assembléia (SI
iijuda aos necessitados. Também regula a 31,22-25). Aqui um dos curados, adiando
conduta em caso de cura: cabe aos sacer­ o requisito legal, retoma, dá gloria a Deus
dotes examinar, opinar e dar a permissâo em alta voz, dá gragas a Jesus e se prostra
para a reincorporaçâo plena à sociedade a seus pés: uma síntese significativa. Este
LUCAS 254

— Nao foram curados os dez? 18Náo vereis. ^ S e vos disserem: Ei-lo :u|m
houve quem voltasse para dar gloria a Ei-lo ali ! náo saiais nem os sigáis . 2 ‘l’oi
Deus, a nao ser este estrangeiro? como o relámpago brilha de um limi
19E lhe disse: zonte a outro, assim será o Filho il>
— Levanta-te, vai, tua fé te salvou. H om em [quando chegar o seu di.i|
25M as primeiro deve padecer muilo i
A chegada do reinado de Deus (Mt ser reprovado por esta geragáo. 260 <|m
24,23-28.37-41) — 20Os fariseus lhe aconteceu no tempo de Noé acontecí
perguntaram quando iria chegar o rei­ rá no tempo do Filho do Homem: 27('o
nado de Deus, e ele lhes respondeu: miam, bebiam, casavam-se, até que N(i|
— A chegada do reinado de Deus nao entrou na arca, veio o diluvio e acaboii
está sujeita a cálculos; 21nem diráo: Ei- com todos. 28Ou como aconteceu n
lo aqui! Ei-lo ali! Porque está entre vós. tempo de Ló: Comiam, bebiam, com
22Depois disse aos discípulos: pravam, vendiam, plantavam, consliu
— Chegaráo dias em que desej aréis íam. 29Mas, quando Ló saiu de Sodonin
ver um dos dias deste Homem, e náo o choveu fogo e enxofre do céu e acabuu

gesto do samaritano (meio pagáo) p5e em eia no tempo da igreja pela presenta di
relevo a ingratidáo dos nove judeus, que Ressuscitado, “eu estou convosco”.
parecem esquecer-se de deveres elemen­ 17,22 Depois se dirige aos discípulo
tares ou náo reconhecer a mediagáo de para exortá-los à vigilancia. O texto dis
Jesús. A gratidáo a Jesús pela salvagáo é tingue “dias” e “o dia”. Segundo o ensi
componente essencial da vida cristá. namento tradicional, há dias de Yhwh no-
17,19 Tua fé te salvou: e os outros nove? quais o Senhor intervém de forma extrn
curou-os, apesar de náo terem fé? ou a sal- ordinària na historia; há também o dia di-
vaqáo de que fala abrange mais que a sim­ cisivo de Yhwh, num futuro indefinido
ples cura? Exemplo clàssico de ambos é o livro d|
17.20-37 Como em outras ocasióes, Joel: a praga dos gafanhotos e a libertario
Lucas reparte urna instrucjáo em duas se- sao um dia de interven§áo divina (caps
qóes, urna para os discípulos, outra para 1— 2 ); nos capítulos seguintes anuncia-so
os demais. Desta vez responde primeiro “o dia do Senhor, grande e terrível” (9,4)
aos fariseus sobre o tempo do reinado de Também a “figura humana” de Dn 7 tem
Deus e depois instrui os discípulos sobre seus tempos (Dn 9,2.24-26 e 12,11-12 se
a vinda do Messias. A segunda parte é ocupam de cómputos e suscitaram espe­
como urna antecipagáo do grande discur­ c u lares). Os discípulos quereráo assistii
so escatológico do cap. 2 1 . a alguns desses dias (2 2 ) e náo o obteráo,
17.20-21 A expressáo “reino/reinado de em troca, devem esperar “o dia” (vv. 3(1
Deus” é quase exclusiva de Jesús. Mas um 31). Tempo e lugar náo sao previsíveis; sri
conteúdo semelhante, com outros aspec­ é certo que antes há de suceder a paixáo
tos, era conhecido, esperado e objeto de do Senhor (cf. a pergunta de 19,11). Di/
esp ecu lares. Dois salmos anunciam a isso caminhando para Jerusalém.
chegada de Yhwh como rei (96,13-14 e 17,26-30 Será como no tempo do dilú
98,8-9). Muitos judeus esperavam a res- vio (Gn 6 - 8 ) ou da catástrofe da Pentápolr
tauragáo política de Israel. Como Jesús (Gn 19). Enquanto o povo está ocupado
anunciou repetidas vezes a chegada do rei­ com os assuntos da vida e despreocupado
nado de Deus, os fariseus o identificam de assuntos transcendentes, sobrevém o
com sua expectativa e lhe perguntam pela julgamento. É interessante a síntese des
data exata. critiva da vida cotidiana: sustento e fami
Jesús evita uma resposta em termos de lia, comprar e vender (economia), piantili
cronología. O reinado de Deus já está pre­ (agricultura), construir (vida urbana). O
sente e ativo entre eles, na pessoa e a§áo de julgamento se dará pela água ou pelo fogo
Jesús: proclamou-o na sinagoga de Nazaré (cf. 2Pd 3,5-7 numa interpretado peen
(4,16). Só falta que o queiram reconhecer. liar). Será juízo de separagáo (vv. 34-35),
A resposta conserva e aumenta sua vigén- como o anuncia urna escatologia: “meus
255 LUCAS

un lodos. 30A ssira será o dia em que 37 Perguntaram-lhe:


«icvelar o Filho do Homem. 31Nesse — Onde, Senhor?
'id, se alguém estiver no terrado e seus Respondeu-lhes:
u h m Iío s em casa, nao desga para re- — Onde está o cadáver se reúnem os
illic-los; o mesmo se alguém estiver abutres.
.11 campo, nao volte atrás. 32 Lembrai-
tit ila mulher de Ló. 33Quem se em pe­ P arábola do ju iz e a v iú v a —
llí! cm conservar a vida a perderá, ’Para inculcar-lhes que é neces­
i Mp i i i a perder a conservará. Eu vos sàrio orar sem pre sem se cansar, con-
iign: nessa noite estaráo dois numa ca- tou-lhes urna parábola:
im: nm será arrebatado, o outro deixado; — 2Havia num a cidade um juiz que
Imverá duas mulheres moendo juntas: nao tem ía a Deus nem respeitava os
•iiiii será arrebatada, a outra deixada*. homens. 3Na m esma cidade havia urna

.¡ivos cantaráo de pura alegría e vós gri­ 18,1 Lucas adianta a intengáo didática
lléis de pura dor” (Is 65,13-15), como su- da parábola e a enquadra assim na sua ex­
. ilcra já no Egito (Ex 8,19; 9,4.7). plicado. Náo longas oragóes, mas sim rei­
17,31-33 Nesses momentos de crise nin- teradas e prementes. Para que venha o Se­
, 111-ni deve fiar-se de falsas referencias, nhor fazer justiga.
i.iiis a vinda será celeste e visível para to- 18,2-8 As víúvas eram um grupo espe­
Iiin, como relámpago que alumia toda a cial particularmente exposto a abusos le­
.imliada celeste e deslumbra a térra (cf. SI gáis e judiciais, entre outras razóes, por­
>1,19). Entáo será preciso arriscar tudo, que náo podiam subornar nem pagar (Is
.ii' a vida, para salvar-se (v. 33), sem deter- 1,17.23; Pr 15,25; SI 94,6). O juiz em fun-
'<• cm recolher pertences que já náo ser­ gáo era “iniquo”: náo temía a Deus nem
ení (v. 31), sem voltar atrás como a mu- respeitava as pessoas. É significativa a
llicr de Ló (Gn 19,17.26; Sb 10,7). Noé associagáo: respeitar a Deus e as pessoas;
|.ícparou-se para salvar-se na arca, Ló fu- implicam-se mutuamente (cf. SI 14 e, em
iilu precipitadamente. Há momentos ur­ forma positiva, as parteiras egipcias, Ex
inales em que atarefar-se com medidas de 1,17). Os julgamentos costumavam cele­
icguranga é entregar-se á catástrofe, ao brarse à porta da cidade ou em outro lu­
iiiis s o que arriscar tudo é salvagáo. O gar público, de modo que a viúva tinha
hebraico o afirma assim (literalmente): acesso e podia reclamar publicamente. A
lomarei minha carne cm meus dentes, mulher nao desespera nem se resigna, in­
|iiirei minha alma em minha palma” (Jó siste tenazmente. E sua única arma; resig­
11,14). narse seria fazer o jogo da injusticia. Até
Podemos resumir: um tempo próximo que o juiz ceda e se ocupe dela por puro
iln paixáo, um tempo de espera da Igreja, egoísmo: para que náo me encha (diría­
uní dia final de julgamento. mos em linguagem popular).
17,35 Refere-se ao moinho de máo do­ É audaz sobrepor a Deus a imagem do
mestico, acionado por duas mulheres de juiz injusto e egoísta. Quando Deus tolera
nina só vez (Jr 25,10). *Alguns manuscri­ o malvado e deixa sofrer suas vítimas, é
bís acrescentam (segundo Mt 24,40):36Dois injusto? (Jr 15,15). A surpresa nos faz fi-
estaráo no campo: um será tomado, o ou- xar-nos mais no ponto central: Deus farà
in>será deixado. justiga, e sem demora. O salmista repete
17,37 Os discípulos perguntam pelo lu­ “até quando?” (SI 13). Muitos aconteci-
nar do julgamento, talvez por referencia mentos históricos induzem os homens a
mi “vale de Josafá” (J1 4,2). A resposta de duvidar da justiga de Deus. Deus náo se
Icsns continua sendo evasiva. A imagem desentende nem desatende os eleitos: “Há
|iarece ser eco de Ez 39: a grande matanga um Deus que faz justiga na terra” (SI 9,9;
iln inimigo invasor atrai as aves do céu: 58,12; 94,2). Virá fazer justiga; mas náo
I )ize a todas as aves e as feras selvagens: basta: o eleito deve conservar a fé para
Itcnni-vos e congregaí-vos, vinde ao ban­ continuar orando e para receber o que vem.
quete que vos preparei”. A fé e a esperanga num Deus, justo juiz,
LUCAS 256 lit

viúva que recom a a ele para dizer-lhe: gas porque náo sou como o resto d
Faze-me justiga contra meu rival. 4Por homens, ladróes, injustos, adúlteros, iJ
um tempo ele se negou, porém, mais como esse coletor. 12Jejuo duas v c / m
tarde pensou: Em bora eu nao tema a por semana e pago dízimos de tudn
Deus nem respeite os homens, 5visto que possuo. 130 coletor, de pé e à di
que esta viúva está m e im portunando, táncia, nem sequer levantava os olí»*
eu lhe farei justiga, para que nao me ao céu, mas batia no peito, dizendo: ó
esbofeteie. Deus, tem piedade deste pecador. I
sO Senhor acrescentou: vos digo que este voltou para cas;i alt
— Atengao ao que diz o juiz injusto. solvido, o outro náo. Pois, quem m
7E Deus, nao farà justiga a seus esco- exalta será humilhado, e quem se hu
lhidos se gritam a ele dia e noite? Ele milha será exaltado.
os farà esperar? 8Eu vos digo que lhes
farà justiga logo. Porém, quando o Fi­ Aben coa algumas criangas (Mt 19,1
llio do Homem chegar, encontrará essa 15; Me 10,13-16) — 15Aproximaram
fé na terra? lhe tam bém algumas criangas para qu.
as tocasse. Ao ver isso, os discípulo
O fariseu e o coletor — 9Para alguns as repreendiam. lfiMas Jesús chamou
que confiavam em sua pròpria honra­ as, dizendo:
dez e desprezavam os demais, contou- — Deixai que as criangas se apro\i
lhes esta parábola: mem de mim e náo as impegais, poi'. ,|
— 10Dois homens subiram ao tem ­ elas pertence o reino de Deus. 17Eu viu
plo para orar: um era fariseu, o outro asseguro que quem náo receber o reiim
coletor. 110 fariseu, de pé, orava assim de Deus como urna crianga, náo enti.i
em voz baixa: O Deus, eu te dou gra- rá nele.

deve animar a Igreja até o firn de seu iti­ A sentenga conclusiva é mais ampia qm
neràrio terrestre. a parábola, mas nos ensina que o arrepcn
18,9-14 Esta parábola é extremamente dimento e a confissáo do pecado sao uin.i
importante. Descreve satiricamente um forma egrègia de humildade (Ez 17,24). A
tipo de religiosidade falsa e contrapóe-lhe parábola se dirige de cheio à Igreja. I
afetuosamente um tipo autèntico. O fariseu assim ninguém poderá orgulhar-se dianli
é um personagem do relato, figura típica de Deus” (ICor 1,29).
que se pode encontrar em todas as latitu­ 18,15-17 No contexto histórico, a cena
des. O personagem está satisfeito de si e das criangas mostra a atitude bondosa r
despreza os demais: a conexáo é signifi­ náo convencional de Jesús; o toque di
cativa. A agáo de gragas recita-se no AT suas máos valerá como urna béngáo. Em
pelos beneficios recebidos de Deus; o ambos circula urna mùtua corrente de
fariseu a perverte dando gragas a Deus por simpatia. Jesus vè refletida nelas sua li
sua pròpria bondade, a de suas obras e liagào e as aproxima, ultrapassando siu
observancias (Dt 14,22). inconsciència. No contexto literario, equi
Também o coletor é personagem típico. vale a urna agào simbòlica: as crianga:
Os judeus qualificavam tais pessoas de encarnam espontáneamente a atitude fun
pecadoras. Diantc de Deus, o publicano damental para entrar no reino de Deus,
nao rejeita o título de pecador; assume-o Náo tèm de confessar pecados como o
no arrependimento: “Declarei-te meu pe­ coletor, mas náo alegam méritos como
cado, náo te encobri meu delito” (SI 32,5). fariseu; sua fraqueza as leva á confianza
Só pede piedade (SI 51,3-11; 41,5). Ob- e ao abandono (SI 131,2) e ao louvor sin-
tém o perdáo e comega a ser justo, a estar gelo (SI 8,2). No contexto da eomunida-
em paz com Deus: “Feliz o homem a quem de, os críticos questionam se o relato tc
o Senhor náo aponía o delito e cuja cons­ ria algo a ver com a questào do batismn
ciencia nao é turva” (SI 32,1-2). das criangas.
1«."I 257 LUCAS

Olmitiem rico (Mt 19,16-30; Me 10,17- 23 Ao ouvir isso, entristeceu-se, pois


i|) l8Um dos chefes lhe perguntou: era muito rico.
Bom Mestre, que devo fazer para 24Vendo isso, Jesus disse:
li(t|ilar vida eterna? — Como é difícil para os que pos-
''Mcsus lhe respondeu: suem riquezas entrar no reino de Deus!
Por que me cham as bom? Nin- 25Um cam elo entrará pelo váo de urna
Miirm é bom, a nao ser somente Deus. agulha mais facilmente que um rico no
'( onheces os mandamentos: N ao co- reino de Deus.
miii’rás adultèrio, nao matarás, riño 26Os que o ouviam disseram:
multarás, nao perjurarás, honra teupai — Entao, quem poderá salvar-se?
. mu máe. 27Ele respondeu:
'Respondeu-lhe: — O que é im possível para os ho-
Cumpri tudo desde a adolescencia. mens é possível para Deus.
"Ao ouvir isso, Jesus lhe disse; 28Entáo Pedro disse:
- Falta-te urna coisa: Vende o que — Vè: nós deixamos o que é nosso e
ii lis, reparte-o com os pobres e terás te seguimos.
mu tesouro no céu; depois, segue-me. 29 Respondeu-lhe:

18.18-30 Segue-se urna sèrie sobre a ri­ a vida eterna. “Ensinaste-me, Senhor, des­
queza e a pobreza dos discípulos: riqueza de a juventude” (SI 71,17). Cumpriu “tudo”.
c seguimento (vv. 18-23), riqueza e reino 18,22-23 Nesse ponto, Jesús intervém:
ile Deus (vv. 24-27), pobreza dos segui­ náo tudo, falta algo, o mais importante. Li-
dores (vv. 28-30). vrar-se das riquezas em favor dos pobres
18.18-23 Um chefe, nao sabemos se da (cf. SI 112,9; Eclo 29,11) e seguir pes-
unagoga ou do conselho. Lucas nao diz que soalmente a Jesús. O chefe rico se entris­
na jovem. Podemos notar o tema da bon- tece: quereria seguir em companhia de Je­
ilade, e a tensáo tudo/falta algo. Talvez seja sús sem abandonar suas posses. Doravante
(ucciso uni-los e ver a bondade como urna ficará com elas e com seus mandamentos.
|ilenitude que só se dá em Deus (cf. SI 16,2). Valeu mais Mamón, rival de Deus. Um te­
liste homem tem boa disposigáo básica: souro no céu, reservado por Deus para a
eumpriu tudo, como o inculca o Deute­ outra vida: “Quáo grande bondade reser­
ronòmio, e aspira à vida transcendente e vas a teus fiéis” (SI 31,20), ou, será Deus =
sem fim. O Deuteronòmio promete vida céus, o teu tesouro.
longa para os cumpridores, prolongar a 18,24-27 O fato provoca uma reflexáo
vida, continuidade do povo na terra (Dt geral de Jesús. É muito difícil, e inclusive
1,40; 5,16; 6,2 etc.). O chefe aspira mais. “humanamente impossível” conciliar rique­
Cometa com o título cortés e desusado, zas e reinado de Deus. Explica-o com uma
lalvez de cultura grega, e Jesús se apro- com parado que faz sentido como hipér­
veita disso para elevar-se á origem de tudo, bole. A razáo sao as atitudes que a riqueza
mostrando dessa forma ser um “bom mes- costuma induzir: confianza nela e descuido
Ire”. Deus mostrou “toda a sua bondade” dos pobres, como mostrou a parábola de
ii Moisés (Ex 33,19) e os salmos a cantam Lázaro (16,19-31; cf. Eclo 13,3.20); e além
(25,7; 27,13; 31,20; 145,7). Em sentido ple­ do mais, porque o reino de Deus é dos po­
no, só Deus é bom, como é sábio (segun­ bres (6,20). Contudo, Deus pode mover o
do Eclo 1,8). coragáo de modo que os homens antepo-
O chefe fez a pergunta clàssica da espi- nham o reinado dele as posses. “Feliz o
ritualidade da lei: obras para ganhar/herdar homem que se conserva íntegro e náo se
a vida eterna. A tal colocacáo responde su­ perverte pela riqueza... fez algo admirável
ficientemente a lei, o decálogo (Ex 20,13- em seu povo” (Eclo 31,8-9); “a máo do
16); Jesús enumera preceitos da “segunda Senhor náo fica curta para salvar” (Is 59,1).
líibua” e náo menciona as observancias. O 18,28-30 Entáo, adianta-se Pedro como
homem se sente satisfeito (sem desprezar o próximo da fila: se o chefe cumpriu “to­
os outros): com suas obras garantiu para si dos” os mandamentos, nós fizemos “tudo
LUCAS 258

— Eu vos asseguro que ninguém que ram-lhe que Jesús de Nazaré estava pa-,
tenha deixado casa ou mulher ou irmáos sando. 3SEle gritou:
ou parentes ou filhos pelo reino de — Jesus, filho de Davi, tem pied;u l.
Deus, 30deixará de receber muito mais de mim!
nesta vida e vida eterna na era futura. 39Os que iam à frente o repreendiani
para que calasse. Mas ele gritava mam
Novo anuncio da m orte e ressurrei- forte:
$áo (M t 20,17-19; M e 10,32-34) — — Filho de Davi, tem piedade ili
31Levando os doze á parte, disse-lhes: mim!
— Vede: Subim os a Jerusalém e se 40Jesus parou e mandou que o bu-,
cumprirá neste Homem tudo o que os cassem. Quando o teve próximo, peí
profetas escreveram . 32Será entregue guntou-lhe:
aos pagaos: cacoaráo dele, o insultaráo, — 41Que queres que eu te faga?
cuspiráo nele, 33o agoitaráo e o mata- Respondeu:
rao; e no terceiro dia ressuscitará. — Senhor, que eu recupere a visáo.
34Eles nao entenderam nada, o assun- 42Jesus lhe disse:
to lhes era obscuro, e nao compreen- — Recupera a visáo, tua fé te salvou
diam o que ele dizia. 43No mesmo instante recuperou a vi
sáo e o seguía glorificando a Deus; e o
O cegó de Jericó (M t 20,29-34; Me povo, ao ver isso, louvava a Deus.
10,46-52) — 35Quando se aproximava
de Jericó, um cegó eslava sentado ju n ­ J esu s e Z aqueu — 'E ntrando
to ao cam inho pedindo esmola. 36Ao em Jericó, atravessava a cidadi-
ouvir que passava a multidáo, pergun- 2quando um homem chamado Zaqueu
tou o que estava acontecendo. Disse- chefe de coletores e muito rico, 3tentava

o que faltava”. É verdade, diz Jesús: eles e o é menos no relato a con fissáo do cegó
todos os que no futuro forem como eles em très tempos. Primeiro reconhece-u
seráo recompensados com outros bens já como Messias sucessor de Davi (Jr 33,15;
nesta vida e receberáo a vida eterna, que o Ez 34,23-24; 37,24), depois chama-o de
chefe rico procurava. Senhor (cf. F1 2,11), finalmente dá gloria
18,31-34 Só para os doze prediz de novo a Deus e segue a Jesús. E um itinerario
(9,21-22.44-45) o fato e alguns detalhes para todos os que se convertem: podemo-.
da sua paixáo e morte, e também sua res- recordar que o batismo se chamou “ilumi
surreigáo. Eles continúan! incapazes de naçâo” (cf. Hb 6,4; 10,32); estes a fé salva.
entender o mistério da paixáo (Is 53,1; cf. 18,35 Jericó impóe urna descida profund
Dt 29,3), nao obstante os profetas já o te- antes da subida definitiva para Jerusalém.
rem anunciado (entre os quais incluí tai- 18,37 O povo o identifica com seus dado
vez Davi, SI 22); apesar de estar acostu- civis, nome e naturalidade, Jesús de Nazaré.
mados a escutar os livros proféticos e a 18,38-39 O cegó, que nao aprecia a dis­
recitar os salmos. Ou soja, tudo será cum- tancia, grita, por mais que o repreendam.
prido, nao só a vertente triunfal; essa se É o grito genérico “tem piedade” (SI 57,2;
cumprirá, mas através da paixao. 123,3).
18,35 Dois episodios em Jericó respon­ 18,40-41 Jesús manda que ele se aproxi
den) de algum modo ao que vai sendo nar­ me para dialogar e lhe pede que especifi­
rado. Este cegó que reconhece o Messias que a petiçâo. Jesús nos pede que lhe peça
contrasta com a cegueira mental dos doze. mos, com fé. Uma esmola já seria piedade
Este rico que se converte revela o que é (SI 112,5); será muito pouco para a genero-
possível para Deus. O cegó, sem ver, já sidade de Jesús.
conhece o Filho de Davi; Zaqueu procura
ver e chega a conhecer o Senhor. 19,1-10 Pelo relato e por textos parale
18,35-43 Se é importante e significati­ los, compreendemos que a riqueza de
va a cura que Jesús efetua (Is 35,5-6), nao Zaqueu procede do seu oficio, desempe
I» Il 259 LUCAS

tu ijiicin era Jesus; porém, nao o conse- — Ve, Senhor: dou a metade de meus
liiit.i por causa da multidào, pois era bai­ bens aos pobres, e a quem defraudei
ti ule estatura. 4Adiantou-se correndo e restituo quatro vezes mais.
ini mi a um sicómoro para vè-lo, pois iria 9Jesus lhe disse;
iüiv .,11 por ali. 5Quando Jesús chegou ao — Hoje chegou a salvaqáo a esta
myiii, levantou os olhos e lhe disse: casa, pois também ele é filho de Abraáo.
Zaqueu, desee depressa, pois hoje l(lPorque este Homem veio procurar e
idilio de hospedar-me em tua casa. salvar o que estava perdido.
' I le desceu apressadamente e o rece­
lan muito contente. 7Ao ver isso, todos Parábola dos em pregados (M t 25,14-
niiirmuravam, dizendo que fora hos- 30) — "C om o a m ultidao o escutasse,
|u ilar-se em casa de um pecador. 8Mas acrescentou urna parábola, pois esta-
/.nqueu se pòs de pé e disse ao Senhor: vam perto de Jerusalém e eles criam que

iiliado sem escrúpulos. Os romanos davam (13,6), cabe a ele e á sua casa a promessa
■ni arrendamento a cobranza de impostos de salvado. Um profeta, sem definir data,
irin exigir outra coisa senáo o pagamento anunciava: “Praticai a justiqa, pois minha
limpestivo da quantidade estipulada. Um salv ad o está para chegar”. Jesús decla­
. líele de coletores, como intermediário su- ra: Hoje chegou, porque ele é o Salvador
|ierior, tinha mais ocasióes para enrique- que veio buscar o que estava perdido (Ez
i er-se “defraudando”: nao o fisco, mas os 34,7).
pobres cidadáos. Zaqueu deseja ver Jesús, 19,11 -27 É uma montagem hábil de duas
r Mía curiosidade náo parece simplesmen- pegas: a do pretendente a rei e a do dinheiro
ic superficial. De alguma maneira, também a juros. Aprimeirase inspira provavelmen-
ele se pergunta quem é (como Herodes e te em algum fato histórico, quando os roma­
melhor que ele, 9,9). Jesús se adianta (SI nos dcpunham e nomeavam reis locáis, em-
V), 11; 79,8), sai ao seu encontro, pede pou- bora possa recordar antecedentes bíblicos
s.ula a um pecador. Talvez seja irónica a (ISm 10,27; 11,12). Asegunda é uma exor-
vinheta do homem muito rico e muito bai- tagáo a trabalhar com os dons recebidos.
ninho, que sobe numa árvore. A cena ga- 19,11A introdudo esclarece a dupla pa­
nlia com isso interesse, já que Jesús tem rábola. Jesús vai subindo a Jerusalém: para
t|iie falar-lhe olhando para cima. Jesús o padecer e ser glorificado. Vai caminhar
eliama pelo nome, como se o conhecesse, para receber do Pai o poder real (cf. SI
como se houvesse descido expressamente 72,1-2; 110,1). Os discípulos pensam que
liara visitá-lo. vai proclamar ¡mediatamente, em Jerusa­
Zaqueu obedece contente: que Jesús se lém, o reinado de Deus prometido e anun­
hospede em sua casa é urna honra: como a ciado, sem passar pela paixáo. “Diante do
urca na casa de Obed-Edom e de Davi (2Sm Senhor, que está chegando, já está chegan-
(i), como pede o autor de um salmo: “Quan- do para reger a térra” (SI 96,13; 98,9). Náo
ilo virás á minha casa?” (101,2). Mas o é assim: para receber o poder real, primei-
lato provoca urna reaqáo contrastada, em ro terá que morrer. Entáo voltará com po­
triángulo: os presentes, Zaqueu, Jesús. der, como rei, mas náo imediatamente. Vai
Os presentes se escandalizam, pois o demorar, e enquanto isso eles teráo de ocu-
importante é observar as normas da pure- par-se com as tarefas determinadas. Se o
/.a legal. Zaqueu faz uma devoluqáo gene­ fizerem devidamente, participaráo afinal
rosa, acima do duplo que a lei exige (Ex do governo no reino celeste, ao passo que
22,1-4), mesmo segundo o cálculo de os que resistiram ativamente á sua missáo
Davi, “quatro vezes” (2Sm 12,6). Á ma- seráo condenados e executados. A segun­
ncira de expiado, reparte a metade da sua da parábola ensina que os dons náo sáo
fortuna com os pobres e fica com o resto. propriedade, mas depósito encomendado,
Náo se desprende de tudo para seguir Je­ e que o homem tem de colaborar para que
sús, pois náo foi chamado. Jesús faz a de­ rendam. Deus náo “o dá enquanto dor-
clarado final: como a um “filho de Abraáo” mem” (SI 127,2).
LUCAS 260

o reinado de Deus iria revelar-se de um porque és rigoroso: retiras o que n.m


m omento para outro. 12Disse entáo: depositaste, colhes o que nao semc.i
— Um hom em nobre partiu para um te. 22Respondeu-lhe: Por tua boca I»
país distante para ser nom eado rei e condeno, empregado negligente. Sabia*
voltar. 13Cham ou dez empregados seus, que sou rigoroso, que retiro o que nao
entregou-lhes mil denários e recomen- depositei e colho o que nao sem en
dou: negociai até que eu volte. 14Seus 23Por que nao puseste meu dinheiio
concidadáos, que o odiavam, enviaram num banco para que, ao voltar, o reai
atrás dele esta embaixada: Nao quere­ perasse com juros? 24Depois ordenoii
mos que esse seja nosso rei. 15Nomea- aos presentes: Tirai-lhe o dinheiro e dai
do rei, voltou e chamou os em prega­ o áquele que conseguiu dez vezes mai'.
dos aos quais havia entregue o dinheiro, PR eplicaram -lhe: Senhor, já tem de/
para ver com o cada um havia negocia­ vezes mais.] 26Eu vos digo que será da
do. 16A presentou-se o primeiro e disse: do a quem tem, e a quem nao tem sera
Senhor, teu dinheiro produziu dez ve- tirado inclusive o que tem. 27Quanto a
zes mais. 17Respondeu-lhe: Muito bem, esses inimigos que nao queriam que cu
empregado diligente; por teres sido fiel fosse seu rei, trazei-os aqui e degolai-os
no pouco, adm inistrarás dez cidades. na minha presenta.
18A presentou-se o segundo e disse: Se­ 28Dito isso, prosseguiu adiante, su
nhor, teu dinheiro produziu cinco ve- bindo para Jerusalém.
zes mais. 19Respondeu-lhe: Tu adminis­
trarás cinco cidades. 20A presentou-se o Entrada triunfal em Jerusalém (Mt 2 1,
terceiro e disse: A qui tens teu dinheiro, 1-11; Me 11,1-11; Jo 12,12-19)— »Quan
que guardei num len<jo. 21Tinha medo do se aproximavam de Betfagé e Be

19.12 Um salmo lido em chave messià­ o patrâo como déspota implacável, como
nica começa assim: “Ó Deus, confia teu o Faraó (Ex 5).
julgamento ao rei, tua justiça a um filho 19,23 Teoricamente o depositado pode
de rei” (SI 72,1). ficar intacto, como uma jóia num banco
19.13 Aqui menciona dez, depois só très O Senhor quer que o depositado funcione-
vâo agir. O dinheiro entregue se chama corno semeado, que cresce e se multipli­
“mina”: em Atenas equivalía a cem drac- ca. O diligente demonstrou sua capacida-
mas, na Palestina a cinqüenta siclos de de de tirar partido do dinheiro confiado.
prata; urna quantidade moderada, que con­ 19,26 O aforismo é um paradoxo, e
trasta com a enormidade da recompensa. como tal deve ser tratado. Ao interpreta­
19.14 Supôe-se que os cidadâos o odeiem lo cabem diversas aplicaçoes, p. ex. o ter­
sem razâo e se oponham a um direito. No ceiro tem (confiado) e nao tem (pròprio);
contexto do evangelho, os conterráneos ou tirar-lhe-âo o que tem sem possuí-lo; ou­
concidadâos sâo os judeus em relaçâo a tra explicaçâo: os dotes que tem e as reali-
Jésus (cf. Jo 18,35). zaçôes que náo tem.
19.15 Investido com o poder supremo, 19,28 Foi o último ensinamento duran­
estabelece a hora de prestar contas. Alu- te a caminhada e está pensado para o futuro
sâo à parusia. 19.29-48 Très cenas apresentam a che
19,17 A formula é rigorosa: “teu dinhei- gada do rei messiànico: a entrada festiva
ro”. Um provèrbio diz: “Mâo diligente na cidade, o choro pela cidade rebelde, a
mandará, mâo negligente servirá” (Pr 12, purificaçâo do templo. Nada se diz do pa
24; 17,2). lácio nem do pretorio.
19,21 A idéia que esse empregado tem 19.29-40 A entrada em Jerusalém pode
do patrâo è contrària à realidade: o patrào ser como a de outras vezes, ou ele se mis­
foi razoável ao emprestar e muito genero­ tura com os peregrinos que acorriam para
so ao remunerar. O acomodado e covarde a Páscoa. Desta vez, a última, quando se
quer descarregar sua culpa no patrâo, e a aproxima sua “subida”, Jesús quer entrar
si mesmo se condena (Pr 12,27), descreve como rei.
261 LUCAS

ISiilii. junto ao m onte das O liveiras, 37Quando se aproximavam da encosta


llivlmi dois discípulos, 30recomendan- do monte das Oliveiras, os discípulos
ili> llies: em massa e alegres comegaram a louvar
kle á aldeia que está á frente; ao a Deus em voz alta por todos os mila-
Hiitnir, enco n trareis um ju m en tin h o gres que haviam presenciado. 38Diziam:
amurrado, no qual até agora ninguém — B endito o que vem como rei em
liitmlou. Desam arrai-o e trazei-o. 31Se nome do Senhor. P az no céu, gloria ao
vos perguntar por que o desa- A ltissim o!
nmirais, dizei-lhe que o Senhor neces- 39Alguns fariseus da multidáo lhe dis­
•llu dele. seram:
'•’Os enviados foram e o encontraram — Mestre, repreende teus discípulos.
mino lhes havia dito. 33Enquanto o de- 40 Replicou:
mimarravam, os donos lhes disseram: — Digo-vos que, se estes se calarem,
- Por que desamarrais o jumentinho? as pedras gritaráo.
MResponderam:
- Porque o Senhor precisa dele. Lamentagáo por Jerusalém — 41Ao
"Levaram -no a Jesús, puseram seus aproximar-se e avistar a cidade, disse
Minutos sobre o jum entinho e o fizeram chorando por eia:
montar. 36Enquanto avangava, a multi- — 42Se também tu reconhecesses ho-
itfto forrava o caminho com seus mantos. je aquele que conduz à paz. Mas agora

19,30-34 Dirige os preparativos com sua “gloria”. Talvez soe na palavra “paz” urna
presciencia e dominio: envia os discípu­ alusáo velada ao nome de Jerusalém, onde
los para que lhe procurem a cavalgadura ainda náo reina a paz, como veremos a
lldequada. Um jogo de palavras destaca o seguir.
dominio: os “donos” perguntam, o Senhor 19,39-40a O protesto dos fariseus pode
o reclama (kyrioi/kyrios). significar oposigáo tenaz a Jesús ou medo
Nao é cavalgadura militar (SI 20,8; 147, dos romanos. Dáo-lhe o título de Mestre.
10), e sim a anunciada por Zacarías: “teu Mas este episodio náo se menciona nem
rei está chegando... humilde, cavalgando no processo religioso nem no civil. A res-
mn jumento...” (Zc 9,9). Mas, trata-se de posta de Jesus soa como provèrbio. Seu
primicias de cavalgadura, já que ninguém sentido preciso depende do paralelo que
lité agora a montou: táo nobre será seu pri- lhe indicamos; se é Is 52,9, o grito das
meiro servido (cf. para outros destinos Nm pedras será triunfal: “Prorrompei a cantar
19,2; Dt 21,3). Estendendo seus mantos em coro, ruinas de Jerusalém, pois o Se­
sobre o jumento, à maneira de gualdrapa, nhor consola seu povo, resgata Jerusalém”;
os discípulos “fazem Jesús montar”; como se é Hab 2,11, o grito é de acusagáo: “As
quando Salomáo foi ungido rei e subiu pedras das paredes reclamaráo”. O primei-
para sentar-se no trono de Davi: “ordenou ro se harmoniza melhor com o que prece­
que conduzissem Salomáo montado na de, o segundo com o que se segue.
inula do rei... Subiram em clima de festa, 19,41-42 Para os ouvidos do povo, Je­
a cidade está alvorogada” (IRs 1,33-35.44- rusalém leva impressa no seu nome, como
45). Também o atapetar recorda a aclama­ um destino, a paz. Os peregrinos a saú-
d o de Jeú como rei (2Rs 9,13). dam com a paz (SI 122), o arauto lhe anun­
19,37-38 Comega o desfile jubiloso em cia a chegada do rei e da paz (Is 52,7 e no
que se louva a Deus e se aclama o Messias. citado Zc 9,9-10). Jerusalém náo aceita a
A saudagáo clàssica do salmo (118,26) saudagáo (10,5-6), náo recebe a visita (1,
Lucas acrescenta “o rei”. O versículo do 6 8 ). Em conseqiiència, a cidade “compac­
salmo citado continua ressoando e orien­ ta” será destruida. Este pranto por Jerusa­
tando para a parusia (Le 13,35). A segun­ lém faz eco aos da outra destruigáo (Jr
da parte da aclamagáo recorda o càntico 9,19-20; 13,17; Lm 1,2.16; 3,48-51).
de Natal (2,14), com a “paz” trasladada 19,41 Jesús chora ao pronunciar sua trá­
ao céu (ou a Deus), em paralelo com a gica predigáo. Náo a pronuncia irado e com
LUCAS 2(y 2 19,11
está oculto a teus olhos. 43Chegarj urn 47D iariam ente ensinava no tempi"
dia em que teus inim igos te rodeado Os sum os sacerdotes, os letrados e o»
de trincheiras, te sitiaráo e te cercaráo chefes do povo tentavam acabar corti
por todos os lados. 44Derrubar§o p0r ele; 48mas nao encontravam como faze
térra a ti e a teus filhos dentro de tj e lo, pois o povo em massa estava pi n
nao te deixaráo pedra sobre pedra;pQr_ dente de suas palavras.
que nao reconheceste o tempo da visita
divina. Autoridade de Jesús (Mt 21,? i
27; Me 11,27-33)— ‘Certodia,, ii
Purifica o templo (Mt 21,12-17 Me quanto ensinava no templo e anuncu
11,15-19; Jo 2,13-22) — 45Depoisen_ va ab o a noticia ao povo, apresentarain
trou no templo e comegou a expuisar se os sumos sacerdotes e os letrado:
os m ercadores, 46dizendo-lhes: com os senadores 2e lhe disseram:
— Está escrito que minha casa écasa — Com que autoridade fazes isso?
de oraqáo, e vos a transformastes em Q uem te deu essa autoridade?
covil de bandidos. 3 Respondeu-lhes:

sentimentos de vinganga. Pode repet¡r corn 86,14) e a avidez do povo em escutai. A


o salmo: “Teus servos amam suaspe[|ras noticia introduz os discursos que se segueni
dói-lhes até o pó” (SI 102,15); e chota corrí
Jeremías: “Meus olhos se desfazem em 20,1 Começa no templo a controvérsin
lágrimas, dia e noite sem cessar, pc]a tcr_ que vai ocupar o capítulo. Jesús ensilla,
rível desgrana da capital de meu pov0 DOr como tantos outros, mas acrescenta algo
sua fenda incurável” (Jr 14,17). pessoal: “anunciar a boa noticia” (Is 40,9).
19.43 Como o assèdio e o arrasatnent0 Sabemos que o tema é o reinado de Deus,
antigos: Isaías o prediz de longe e ¡ntr0_ com o qual estáo ligadas sua missáo e an
duz como sujeito o Senhor (Is 29 3 ) toridade. Comp5e-se de cinco unidade-,
Ezequiel está próximo e tem de gravá-lo mais uma invectiva final, e segue de perto
em reboco, esbogo da tragèdia (E2 4 2 )- a tradiçao sinótica.
um salmo o recorda como já acontecido Lucas gosta de ir variando os interlo
SI 137,9). cu tores ou destinatários, e aqui pode se
19.44 Ver a lamentadlo de SI 79 j _2 g guir seus modelos. Começam as autorida
a última ocasiáo oferecida por Deu$- com- des em bloco: sumos sacerdotes, letrados
pare-se com a vigorosa imagetn ije Os e senadores (do povo) investigando a ori
13,13. gem da sua autoridade. Depois Jesús tom;i
19,45-46 O cuidado do templo era res. a iniciativa dirigindo-se ao povo acerca das
ponsabilidade do rei (2Cr 29,4.12; 29 6 - autoridades. Em terceiro lugar, contra-ata
11 ; 34,8). Jesús, que entrou na cidad¿ como cam os sumos sacerdotes e letrados seni
rei messiànico, dirige-se ao templ0 para aparecer: indagam sobre a autoridade de
purificá-lo. Numa espécie de agáo simbó­ César. Insistem os saduceus, num intento
lica, que dois textos bíblicos expljCam q de ridicularizar a fé na ressurreiçâo; deles
primeiro define a fungáo do templ0 como se distanciam os letrados. Por último, Je
casa de oragáo, e sua abertura aos pagaos sus contra-ataca com uma pergunta sobre
(Is 56,7 citado em parte), o seguncj0 ^g. a autoridade de Davi. Supóe-se desde o
nuncia o abuso do templo, como se«uro primeiro versículo que o povo assiste às
de impunidade para continuar pecando: discussóes. O tema da autoridade domina
“Credes que é urna cova de bandicjos este a discussáo: de Jesús, dos fariseus, de
templo que traz meu nome?” (Jr 7 m ' César, de Davi.
19,47-48 Agora o templo serve de ca¡xa 20,2-8 A pergunta é legítima. Os très
de ressonància para o ensinamento jg j e_ grupos citados representam de algum
sus; como quando Amos pregava em Betel modo o Grande Conselho e podem exigir
(Am 7,13). Neste ponto se apartar^ e con. garantías, credenciais, de Jesús, ¡mediata
trapóem a hostilidade das autorida,jes (5 1 mente por sua atuaçâo no templo, contra a
» » IH , 263 LUCAS

I ai também vos farei urna perguntase ausentou por bastante tempo. 10No
Ii>ii.i que me respondáis: 40 batism o de tem po oportuno, enviou um servo aos
In.io vinha de Deus ou dos homens? agricultores para que lhe entregassem
T Ics discutiam entre si: Se dissermos o fruto que lhe correspondía. Mas os
ili* I )cus, ele nos responderá por que nao agricultores bateram nele e o despedi-
i ir utos nele; 6se dissermos dos homens, ram de máos vazias. n Enviou outro ser­
ii povo em massa nos apedrejará, pois vo. Mas eles bateram nele, o insulta­
i'h!;io convencidos de que Joáo era pro­ ran, e o despedirán, de m áos vazias.
li 1.1. 7Entào responderam que nao sa­ 12Enviou um terceiro, e eles o feriram
ín.un de onde vinha. 8E Jesus lhes re- e lanqaram fora. 13Entáo disse o dono
plicou: da vinha: Que farei? Enviarei o meu fi­
- Tampouco eu vos digo com que lho predileto; talvez o respeitem. 14Mas,
iiiiloridade fago isso. ao vé-lo, os agricultores deliberavam
entre si: E o herdeiro; vam os matá-lo
Os vinhateiros (Mt 21,33-46; Me 12,1- para ficar com a heranga. 15Lan 5 aram-
I.’) — 9Contou ao povo a seguinte pa­ no fora da vinha e o mataram. Pois bem,
tibola: que fará com eles o dono da vinha?
— Um homem plantou urna vinha, 16Irá, acabará com esses agricultores e
iirrendou-a para alguns agricultores e entregará a vinha a outros.

permissáo da autoridade e sem contar com Abraáo se lamenta de que seu criado será
Ha. Mas a pergunta se estende á atividade herdeiro (Gn 15,2). Na correspondencia:
ilc Jesús e ao título messiánico que lhe es- Jesús é o Filho único e herdeiro legítimo.
lilo dando. Jesús, que recebeu do Pai a au- Os chefes judeus querem eliminar Jesús
Inridade (9,35), responde com um dilema, para continuar controlando a instituigáo,
|mra eles sem saída, sobre a autoridade de fechada aos pagáos. Numa reflexáo pos­
loáo Batista. Este, na qualidade de profeta, terior: Jesús ressuscitado herdará em sua
linha atestado a missáo de Jesús. Náo res- pessoa instituigóes e símbolos do Antigo
pondendo, Jesús responde. Porque o dile­ Testamento, e herdará também as nagóes
ma, por transparencia, ajusta-se a Jesús: se (SI 2,8), e nomeará novos administrado­
sua autoridade vem de Deus, como o ates- res de sua nova vinha, a Igreja. Neste pon­
lain os milagres, por que náo créem nele? to náo podemos esquecer que a igreja-máe
Se dizem que vem dos homens, teráo de de Jerusalém era formada por judeus.
enfrentar a opiniáo e o entusiasmo popu­ 20.9 Acabada a libertaqáo, saída do Egi-
lares. O salto ao contra-ataque é lógico. to e entrada em Canaá, Deus parece afastar-
20,9-18 Que autoridade tém os chefes? se e agir por meio de seus encarregados.
como a exercem? Urna parábola o diz. A 20.10 Cf. Ct 8,11.
vinha é imagem tradicional de Israel (Is 20.13 É o título prenunciado em 3,22
S, 1-7; 27,2-3; SI 80), cujo dono é o Senhor (cf. Me 9,7).
(.Ir 12,10). Os chefes a receberam como 20 .14 Ucrania do Senhor é seu povo (Dt
iiilministradores; tratam-na como donos e 4,20; J1 4,2). Ele promete urna heranga ao
pretenden, ficar com ela como herdeiros, rei “seu filho” (SI 2,8). Os leitores da co-
diminando o filho, herdeiro legítimo, de- munidade de Lucas dáo á frase um grande
pois de ter maltratado os servos. A pará­ alcance: com Jesús Messias termina a ve-
bola é transparente para o povo, para os Iha economía; seria necessário eliminar
interessados e para o leitor de Lucas. A Jesús para que continuasse como eles a
vinha é o povo, os servos sáo os profetas, entendem e controlam.
o filho é Jesús. 20.15 Assim, “langar fora” pode soar
No cometo a vinha figura como proprie- como excomungar (cf. Jo 9,22), e também
ilade de quem a plantou. Depois é defini- pode significar a morte fora da cidade (Hb
da como heranqa, que caberá ao único her- 13,13).
ileiro. Na falta deste, os arrendatários se 20.16 A vinha comega a ser aqui a Igre­
apossam da propriedade ou heranga. ja, confiada aos apóstolos. “Deus nos li-
LUCAS 264

Ao ouvir isso, disseram: palavras e poder entregá-lo á autorid.i


— Deus nos livre! de e jurisdiqáo do governador.
17Ele, olhando-os fixamente, disse-lhes: 2 IPerguntaram-lhe:
— Entao, o que significa isso que está — Mestre, consta-nos que falas e eiv.i
escrito: A pedra que os arquitetos rejei- ñas retamente, que nao és parcial, nía»
taram é agora a pedra angular. 18Quem ensinas sinceramente o caminho de Den
tropeçar nessa pedra se despedaçarà, e 22E lícito pagar tributo a César ou nao'.’
aquele sobre quem eia cair, eia o esma- 23Adivinhando sua má intengáo, dr.
garál se-lhes:
19Os letrados e sumos sacerdotes ten- — 24M ostrai-me o denário. De qu> m
taram pegá-lo nesse momento, pois ha- traz a imagem e a in scrib o ?
viam com peendido que a parábola era Respondem-lhe:
para eles; mas temeram o povo. — De César.
25E ele lhes disse:
O tributo a César (M t 22,15-22; Me — Pois dai a César o que é de Césai
12,13-17) — 20Assim pois, espreitando, e a Deus o que é de Deus.
enviaram-lhe alguns agentes, fingindo 26E nao conseguíram apanhá-lo em
ser gente de bem, para apanhá-lo em suas suas palavras diante do povo. Ao con

vre”: nao está claro se é o povo ou as au­ to da submissáo a Nabucodonosor (Jr 27)
toridades que o dizem. Jesús encontra urna saída engenhosa: pedí-
20,17-18 Aeitagáo é tomada do Salmo que lhe mostrem a moeda do tributo. Ele-,
118, o mesmo da aclamagáo do hosana. levam na bolsa a moeda com a imagem
Com mudanga violenta de imagem, vem em que há atributos divinos do odiado
dizer que a morte do herdeiro nao será o imperador Tibério. Usam-na; logo, rea >
final; muito ao contràrio, desdenhado nhecem sua validez; guardam-na; portan
como inservível pelos construtores, será a to aceitam o regime que representa. Que
base do futuro edificio. tirem as conseqüéncias. Com isso lhes la
20.18 Para os rebeldes Yhwh se converte pou a boca (SI 63,12). Mas nao basta, i
em pedra de tropego (Is 8,14); urna pedra, preciso responder ao que nao perguntani
desprendida da montanha sem ajuda de á pergunta realmente importante, porque
máo humana, esmaga e tritura os reinos é o homem que leva a imagem de Deus e i
(Dn 2,44-45). ele pertence. O problema e a respost:i
20.19 Como em 19,48, separam-se povo orientam as primeiras comunidades cris
e autoridades. tas em sua vida dentro do império e acu­
20,20-26 Numa contra-ofensiva e com sadas pelos judeus (At 17,7; 18,12-13). A
um estratagema, os rivais propòem a Je­ frase final soltou-se do contexto e a usa
sus um dilema do qual nao possa escapar. mos como moeda corrente.
Posto entre a espada e a parede, terá que 20,27-40 Nesta questáo, os saduceus dis
fazer urna declaragáo que o comprometa cordam acérrimamente dos fariseus, como
gravemente ante as autoridades romanas. ilustra o episodio de Paulo (At 23,8), e tém
De fato, o tema do tributo soará no pro­ do seu lado quase toda a tradigáo preceden
cesso perante Pilatos (23,2). O dilema da te. Tal como a imaginam, a suposta ressui
autoridade imperial romana se coloca no reigáo consiste em prolongar ou repetir i
terreno económico, que todos sentem e nao vida presente. Vigoram as mesmas leis, nao
deixa saída. obstante surjam novas situagóes. É fácil r¡
A adulagáo serve de entrada (Pr 6,24; dicularizar essa doutrina, e agora váo di
26,28). Podem insinuar que Jesus se apre­ vertir-se á custa de Jesús. O caso que in
sente imparcial entre o povo judeu e o po­ ventam se baseia na chamada lei do levirato
der romano. Essa imparcialidade lhe permi­ (Dt 25,5; Gn 38,8; Rt 4).
te decidir num caso concreto “o caminho Jesús comega corrigindo a falsa ima
de Deus”. Recorde-se a postura polèmica gem: a ressurreigáo verdadeira consiste em
de Jeremías, profeta do Senhor, no assun- passar a uma categoría nova, comparável
Ml.-I / 265 LUCAS

o.iiid , adm irados com a resposta, ca- Isaac e Deus de Jacó. 38Náo é Deus de
lni.iiti-se. m ortos, m as de vivos, pois para ele to­
dos vivem .
\ n ssu rre ig á o (M t 22,23-33; Me 12, 39Intervieram alguns letrados;
|H ¡7) — 27Entáo se aproximaran! al- — M estre, como falaste bem.
|iiiiis saduceus — que negam a ressur- 40E nao se atreveram a fazer-lhe mais
h H.ao — e lhe perguntaram: perguntas.
— 2KMestre, M oisés nos ordenou que
mu homem casado morre sem filhos, O M essias e Davi (Mt 22,41-46; Me
n ii irmao case com a viúva, para dar 12,35-37) —- 41Entáo ele lhes disse:
ilrscendéncia ao irmao defunto. 29Pois — Como dizem que o Messias é fi-
lirm, eram sete irmáos. O primeiro ca- lho de Davi? 42Se o pròprio Davi diz
.i>ni e m orreu sem deixar filhos. 30As- no livro dos Salmos: Disse o Senhor ao
11111 o segundo 3le o terceiro casaram meu Senhor: Senta-te à minha direita,
i uní ela; e assim os sete, que morreram 43até que eu faga de teus inimigos es­
mui deixar filhos. 32Depois morreu a trado de teus pés.
iiiulher. 33Quando ressuscitarem, de quem 44Se Davi o chama senhor, como pode
.i inulher será esposa? Os sete foram ser seu filho?
maridos déla.
l4Jesus lhes respondeu: Invectiva contra os letrados (Mt 23,1-
- Os que vivem neste mundo tomam 36; M e 12,38-40; Le 11,37-54) — 45Na
marido ou mulher. 35Os que forem dig­ presen ta de todo o povo, disse aos dis­
nos da vida futura e da ressurrei^áo da cípulos:
morte nao tom aráo m arido nem mu- — 46Cuidado com os letrados, que
llicr; 36porque nao podem m orrer e sao gostam de passear com largas túnicas,
como anjos; e, tendo ressuscitado, sao apreciam as saudagóes na rúa e os pri-
lilhos de Deus. 37E que os mortos res- meiros lugares ñas sinagogas e banque­
snscitam tam bém M oisés o indica, na tes; 47que devoram a fortuna das viú-
l>assagem da sarga, quando ao Senhor vas com pretexto de longas oraijóes.
ele cham a Deus de A braáo, Deus de Sua sentenza será mais severa.

nos “filhos de Deus” da tradigáo (SI 29,1; grego repete o substantivo kyrios. Supos-
K2 ,6 ), ou seja, os anjos. O matrimònio, em ta a leitura messiànica, corrente entáo, o
seu aspecto de fecundidade, é lei da vida e salmista (Davi) chama o Messias de meu
ila morte. Acabada a morte (ICor 15,26), Senhor, o que implica reconhecer-se súdi-
mìo se geram filhos. Jesús se refere ao to ou vassalo. Logo, o Messias náo pode
matrimònio em sua fun§áo de procriar, ser simples descendente de Davi. Jesus
segundo a exposigáo do caso, náo enquan- temiina com urna pergunta: responda quem
lo relagáo pessoal amorosa. O segundo é puder e quiser. Paulo nos dá urna respos­
mu argumento da Escritura no estilo da ta autorizada: “nascido físicamente da li-
época (Ex 3,2.6). O Senhor nao pode nhagem de Davi, a partir da ressurreiijáo
aduzir sua identidade como Deus dos mor­ estabelecido pelo Espirito Santo Filho de
ios; seria absurdo imaginá-lo como divin- Deus com poder” (Rm 1,3-4). O texto de
ilade infernal (cf. Is 28,15; SI 49,15). Os Davi inclui urna promessa e urna amea§a:
que vivem, vivem para o Senhor (Rm 14,8) que o Messias submeterá todos os seus ini­
e os que sáo do Senhor vivem. Jesús afir­ migos.
ma a ressurreigáo, náo a sobrevivéncia da 20,45-47 O discurso concluí com urna
cloutrina grega. Essa ressurreigáo, a exem- acusagáo grave e pública contra os letra­
plo e como dom do Senhor glorificado, é dos, intérpretes oficiáis da Lei. Acusa-os
transmitida como artigo da fé cristá. de vaidade e cobija. Se a vaidade pode ser
20,41-44 O salmo citado (110,1) distin­ inofensiva, a cobiija se volta contra o povo
gue entre Yhwh e ’adony (meu senhor); o pobre e vicia o culto.
LUCAS 266

A oferta da viúva (Me 12,41- D iscurso escatológico (M t 24,1 ’ l


44) — 'L evantando os olhos, Me 13,1-19) — 5Para alguns que a.l
observou alguns ricos que punham seus m iravam as form osas pedras do km
donativos na arca do templo. 2Obser- pío e a beleza de sua ornamental,; ,m
vou também urna viúva pobre que pu- disse:
nha dois centavos; 3disse: — 6Chegará o dia em que tudo o qu.
— Eu vos asseguro que essa viúva contempláis será derrubado, sem dei
pobre pos mais que todos. 4Porque to­ xar pedra sobre pedra.
dos esses puseram donativos do que 7 Perguntaram-lhe:
lhes sobrava; esta, em bora necessitada, — Mestre, quando acontecerá isso, o
pos tudo o que tinha para viver. qual é o sinal de que está para acontece i 1

21,1-4 Colocada aqui, a breve cena, qua- dado orientador: onde Marcos fala do “íd<■
se parábola em agáo, redobra seu signifi­ lo abominável” na grande tríbulagau
cado. Qucr dizer, depois de purificar o tem­ Lucas fala do assédio de Jerusalém. Es\,i
plo para que seja casa de oragáo, depois será a grande tribulagáo próxima. Predi
de denunciar a cobiga dos fariseus que se gao de Jesús ou composigáo de Lucas?
aproveitam das viúvas, depois de afirmar Um profeta que pelo ano 30 fosse d i
sua autoridade transcendente. Havia no nunciar os pecados e ameagar o castigo d<
átrio do templo cofres para os impostos Jerusalém, encontraría na tradigáo b í b l i e . i
do culto e as contríbuigóes voluntárias. quase todo o material que lemos aqui: iu
Nao importa o detalhe inverossímil do pregagáo e relatos do livro de Jeremía1
relato. Essa viúva é como aquela da histo­ ñas visóes de Ezequiel, em algum salmo,
ria de Elias (IRs 17), que repartiu com o ñas Lamentagóes. Cada versículo de Luca
profeta a última comida sua e do filho. No poderia receber a anotagáo de vários pa
reino do espirito, a medida nao é a quanti- ralelos. Nem todos: as perseguigóes (v. 1
dade. Dando tudo ao Senhor, confia no 17) se ilustram abundantemente com tes
Deus que se ocupa das viúvas (SI 6 8 ,6 ; Pr tos dos Atos dos Apóstolos. O curioso (•
15,25). que, escrevendo depois da queda de Jeru
21,5-36 O discurso escatológico de salém (70 d.C), Lucas nao tenha ofereci
Lucas comega como os outros, anuncian­ do urna descrigáo mais realista, mesmo d e
do a destruidlo do templo (vv. 5-9) e a es- ouvir dizer.
tende depois á capital (vv. 20-24); em bre­ Quanto á parusia, futuro indefinido,
ve apéndice anuncia a parusia (vv. 25-28) imagens e linguagem, dependem em gran
e seus sinais (vv. 29-33), e concluí convi­ de parte de escatologias e apocalipses bi
dando á vigilancia (vv. 34-38). Resta urna blicos ou apócrifos. Náo desaparecem de
pega (vv. 10-19) que pelo tema encaixa em todo as ambigüidades. Sinais cósmicos
duas partes. semelhantes (vv. 11.25) podem induzir a
Diríamos que o discurso se propóe de­ confusáo; alguns sinais anunciaráo a
finir etapas e tempos, pois sao freqiientes parusia próxima (vv. 29-30), mas chegara
as indicacóes temporais: v. 9 quando... aín­ de repente (v. 34).
da nao; v. 1 2 antes disso...; vv. 2 0 - 2 1 quan­ 21.5 O templo construido por Herodes,
do... entáo; v. 24 até que; v. 27 entáo; v. 28 de cuja magnificencia restam mostras ou
quando comegar; w . 30-31 quando... está vestigios até hoje. Um salmo canta a bele
próximo; v. 32 esta geragáo; v. 34 de re­ za do monte Siáo, onde se ergue o templo
pente. A seqüéncia temporal pode se salomónico (SI 48). Ageu e Zacarías ocu
esquematizar assim: a) tempo precedente pam-se com a reconstrugáo por agáo de
(v. 1 2 ) de sedugóes (v. 8 ) e perseguigóes Zorobabel.
(vv. 12-13.16), conduta aconselhada (vv. 21.6 O mesmo que no ano 586 a.C. “O
14-15.19); b) sinais antes da destruigao de Senhor repudiou seu altar, desfez seü san
Jerusalém (vv. 9-11.20), medidas para sal- tuário... estendeu o prumo e náo retirou a
var-se (v. 21), a catástrofe (vv. 22-24); c) máo que derrubava” (Lm 2,5-9; cf. SI 74).
sinais antes da parusia (vv. 25-26), condu­ Náo deixar pedra sobre pedra é fórmula
ta ou parusia (vv. 27-28), parusia. Há um estereotipada.
Il •! 267 LUCAS

"Kespondeu: de náo preparar a defesa; 15eu vos darei


Atengáo! Nào vos deixeis enga- urna eloqüéncia e urna prudencia as
iiiii l'ois muitos se apresentarào alegan- quais nenhum adversário poderá resis­
>lii mai título e dizendo: Sou eu; chegou tir nem retrucar. l6Até vossos pais e ir-
■ihora. Nao saiais atrás deles. 9Quando máos, parentes e amigos, vos entrega-
Hiivirdes falar de guerras e revolugóes, rao e mataráo alguns de vós; 17e todos
Mito entréis em pànico. Primeiro deve- vos odiaráo por causa do meu nome.
iì\ acontecer tudo isso, mas nào será lo- 18Contudo, náo perdereis nem um fio
(IIio l'im. de cábelo da cabeca. iyCom vossa cons­
'"Ivntào lhes disse: tancia ganhareis vossas vidas.
Há de se levantar povo contra
|nivo, reino contra reino; "haverà gran­ A grande tribula^áo (Mt 24,15-21; Me
ili". terremotos, fom es e pestes em di­ 13,14-19) — 20Q uando virdes Jerusa-
versas regióes, e sinais grandes e terri- lém cercada de exércitos, sabei que sua
vi’is no céu. 12Mas antes de tudo isso d e s tru id o é iminente. 21Entáo, os que
vos prenderào, perseguirào, levarào às estiverem na Judéia fujam para os mon­
sinagogas e às prisóes, conduzirào di- tes; os que estiverem dentro da cidade
aule de reis e m agistrados por causa do saiam para os campos; os que estive­
mai nome, 13dando-vos oportunidade rem no cam po náo voltem á cidade.
ilo dar testemunho. 14Tomai a decisào 22Porque é o dia da vinganca, quando

21.8 A pergunta enlaga-se á destruigáo tua boca e te ensinarei o que terás de di-
ilo templo; a resposta afasta enormemente zer” (Ex 4,11; IRs 5,14).
o horizonte, até o tempo da Igreja. Em tem­ 21,16-17 A traiqáo dos parentes: Mq 7,6;
po de crise surgem os exaltados e se apro- Jr 12,6; Jó 6,15.
vcilam os astutos (Dt 13,2-6), p. ex., os ca- 21.18 E xpressáo proverbial (IS m
>.iis de Teudas e Judas, referidos por Lucas 14,45). Também os Atos registram episo­
(Al 5,36-37). Sou eu, subentende-se o dios de libertagáo milagrosa.
Messias. Chega a hora: Ezequiel martela 21.19 Do anúncio passa á exortagáo, que
o lema de forma obsessiva (Ez 7,1-12; cf. vale para os cristáos de qualquer época. A
I)n 7,22). constancia é virtude capital (Rm 2,7; 2Cor
21.9 Em tempo de crise, que náo se dei- 12,12; Q 1,11).
xcm vencer pelo pánico (Jr 30,10). O avi­ 21.20 É o assèdio pelas tropas de Tito
no precedente deverá ressoar em cada si- no ano 70 d.C. A tragèdia passada se repe-
luagáo semelhante. te e as predigóes proféticas, como se náo
21.10 Sáo antes sinais genéricos: fome, tivessem esgotado seu sentido, recuperam
peste e espada sáo quase tópicos (Is 19,2- atualidade. Nos tempos de Jeremías e Eze­
1; Jr 21,9-10). quiel foram as tropas da Babilonia, agora
21,12-13 Segundo os Atos, os Apósta­ sáo as legióes romanas. Na base se encon-
los, Paulo em particular (F11,12-13), com­ tra a teimosia pecadora da cidade, náo so-
parecen, diante de tribunais religiosos e mente um jogo político humano. Lucas
eivis, dáo testemunho de Jesús e anunciam acrescenta conselhos para os que conside­
0 evangelho diante deles; Estéváo e Tiago ra inocentes. Já Isaías anunciara um assè­
morrem mártires. Ora, o que é historia para dio frustrado (cf. Is 29,1-3; 2Rs 25,1).
1,ucas se converte em anúncio e exorta- 21.21 A cidade amuralhada já náo ofe-
<,'áo para os sucessores que lerem seu evan- rece seguranza; os montes oferecem gua­
gelho. ridas recónditas (lM c 2; SI 11,1), como
21,14-15 Equivale a um carisma de sa- na primeira fuga de Matatías (1 Me 2). Em
hedoria superior: “Observando a sensatez tais circunstancias o deserto inóspito pode
de Pedro e Joáo, e constatando que eram oferecer refúgio (55,7-9; Jr 50,8; 51,45).
liomens simples e iletrados, admiravam- 21,22-23 Dia de vinganqa ou de justiga
sc...” (At 4,13; 6,10; cf. Jó 32,13); como vindicativa, dia de ira ou de sentenza de
Moisés ou Salomáo: “Ve, eu estarei em condenaqáo (Jr 46,10; 51,6; SI 79,10; Ez
LUCAS 21

se c u m p lir á tudo o que está escrito. “ Ai numa nuvem com grande poder e glu
das gráv id a s e das que am am entam na- ria. 28Quando comegar a acontecer tudn
quele d i^ -' Sobre o país virá urna gran­ isso, erguei-vos e levantai a cabega, pul»
de desg< aQa’ e sobre este povo a ira. se aproxima a vossa libertagáo.
24Cairáo 3 0 fi° de espada e seráo leva­ 29E lhes acrescentou urna parábola
dos p r i s í ° neiros a todos os países. Je ­ — O bservai a figueira e as outia
rusalém s e r á pisada por pagaos, até que árvores: ^Q uando soltam brotos, saber
a etapa c3 o s pagaos se cumpra. com certeza que o veráo está próximo
31Assim vós, quando virdes acontecci
A parusia (M t 24,29-31; M e 13,24-27) isso, sabei que se aproxima o reinado
— 25H a v ^ e r á sinais no sol, na lúa e ñas de Deus. 32Eu vos asseguro que eslu
estrelas. N a térra se angustiaráo os po- geragáo náo passará, antes que aconli'
vos, d e s ^ o n c e r t a d o s pelo estrondo do ga tudo isso. 330 céu e a terra passano,
mar e d a £ ondas. 26Os homens desmaia- minhas palavras nao passaráo.
ráo de ir^edo, aguardando o que estará
para s o b í ev ir 3 0 m undo; pois as poten­ Vigilancia — 34Prestai atengáo: Qut
cias c e le s te s seráo abaladas. 2'E ntáo vossa mente náo se embote com o vi
veráo o F ilh o do H om em chegando ció, a embriaguez e as p re o c u p a re s da

25,14-17; Is 3 4 >8 ; 61.2; 63,4). Lucas in­ animal) é elevada numa nuvem (nao des
terpreta » queda de Jerusalém como casti­ ce) e levada à presenta do Anciáo, do qual
go de D e u s>como tinham feito os profe­ recebe o poder; a “figura humana” é, se­
tas. As “grávidas e as que amamentam” gundo o texto, a comunidade dos “santos
náo pode *11 fu8 ir e estao expostas à bruta- do Altissimo, que receberáo o reino e o
lidade da tropa inimiga (2Rs 8,12; 15,16; possuiráo pelos séculos dos séculos”. Na
Os 14,1; A m 1,13). leitura do evangelho a figura humana é um
21,24 Pisada por pagaos (Lm 1,10). A individuo, o Messias, Jesus, em sua hu
etapa dos pagaos: a) com valor positivo, a manidade arquetípica; recebeu de Deus o
etapa em <lue vao se convertendo, segundo poder (depois de ascender ao céu) e agora
a teologií» de Paulo (Rm 11,25-26), apoia- “desee numa nuvem” para “libertar” os seus
dos no plural grego “estagóes” (kairoi); b) 21,28 Levantar a cabega: SI 3,4; 27,6; 110,7
com valof negativo, até que chegue a hora Lucas contempla a parusia como aconte-
deles (Lrí1 l>21-22; SI 75,3; Jr 51,33). A cimento alegre, libertario definitiva.
nota tem poral indica pausa longa, depois 21,29-32 A parábola da figueira refere-sc
da qual ebegará o desenlace. em geral à proximidade do reinado de Deus
2 1 ,2 5 - 2 6 O cenário cósmico, segundo No contexto presente, parece visar à queda
urna das versoes tradicionais, está dividido de Jerusalém; outros pensam que se refere a
em très zonas: céu, terra e mar. Nas très parusia, e nesse caso se falaria do reinado
sucederá«? portentos e agitaçôes dispondo definitivo de Deus: “depois virá o fim, quan­
o cenário da parusia. No céu sol, lúa e as­ do entregar o reino a Deus Pai” (cf. ICoi
tros, ternO clássico (Is 13,9-10; 34,4-5; Ez 15,24-28). A parábola, em sua qualidade de
32,7-8). terra>que Deus “formou habi- imagem, é aplicável a diversas situagóes.
tável” (Is 45,18) e que distribuiu entre as 21.33 O último versículo, em estilo afo­
naçôes ( P f 32,8), acontece a angustia dos rístico, garante tudo o que foi anunciado
povos qu0 j a nao acham segura sua moradia até aqui (cf. Is 55,11; SI 102,26-27).
(Is 34,7-8)- No mar 3 contece o retomo a sua 21,34-36 Isto se refere à parusia. Env
condiçâo primordial violenta (SI 18,5-6.16; bora preceda a preparagáo do cenário cós­
Dn 7,2). Os astros seriam as poténcias que mico, pode-se dizer que “aquele dia” che-
regem a ordem do mundo (Ag 2,6.21). gará de repente (Sf 1,15). A maneira de
21,27 Concisamente a chegada do Mes- preparar-se náo é perguntando datas e fa­
sias, e n u n c i a d a adaptando a visáo de bricando um calendàrio, mas vigiando
Daniel (Dn 7)> 0 qual anuncia o seguinte: constantemente.
“urna figura humana” (nao já um quinto 21.34 Ver Rm 13,12-13.
•1.7 269 LUCAS

vlilii, de modo que aquele dia vos sur- ázimos, chamada Páscoa. 2Os sumos sa­
|irrenda de repente, 35pois cairá como cerdotes e os letrados procuravam como
Ifinudilha sobre todos os habitantes da acabar com ele, pois temiam o povo.
Ivirá. 36Vigiai a todo o momento, pe- 3Satanás entrou em Judas, apelidado
illndo para poderdes escapar de tudo o Iscariotes, um dos doze. 4Ele foi com ­
une vai acontecer e para vos apresen- binar com os sum os sacerdotes e os
lurdcs diante do Filho do Homem. guardas um m odo de entregá-lo. 5Eles
wDe dia ensinava no templo; de noi- se alegraram e se comprometeram dar-
I» Naia e ficava no m onte das Oliveiras. lhe dinheiro. 6Ele aceitou e andava pro­
'"I i lodo o povo madrugava para escutá- curando urna ocasiáo para entregá-lo,
In no templo. longe da multidáo.

Com piò para m atar Jesús (Mt Páscoa e Eucaristía (M t 26,17-30; Me


26,1-5.14-16; Me 1 4 ,ls.l0 s; Jo 14,12-26; Jo 13,21-30) — 7Chegou o dia
11,45-53) — 1Aproximava-se a festa dos dos ázimos, quando se devia sacrificar

21.35 Ver Is 24,17. um poder monstruoso de destruido, que


21.36 Apresentar-se: para comparecer ao “espreita á porta”, como no caso de Cairn
|ulgamento ou para pôr-se a seu serviço. (Gn 4,7). Satá entra porque o ser humano
21,37-38 Sumário que preenche o tem­ lhe permite entrar.
pii até a paixáo. De novo Lucas salienta a 22,4 O verbo “entregar” é chave de de-
ilcvoçào do povo (19,48). O amanhecer é senvolvimento e de iluminatjáo de sentido:
Irndicionalmente o tempo da graça (SI 5,4; Judas ás autoridades judaicas (22,4.6.21-
V),6 ; 90,14); o povo madruga para escu- 22.48), as autoridades a Pilatos (20,20), Pi-
lar (SI 63,2; Pr 8,17). latos á plebe (23,25). Anunciado por Jesús
como designio divino (9,44; 18,32; 24,7).
2 2 . 1 Na Páscoa tinham confluido duas 22,5-6 Lucas náo diz que o motivo prin­
festas: urna agrària das primeiras espigas, cipal fosse a cobiga (cf. lTm 6,10), só diz
comidas sem fermento (Lv 23,6; Dt 16,3- que o dinheiro foi parte do pacto. De al-
4 ); outra pastoril dos primeiros cordeiros. guma forma o dinheiro rubrica o contrato,
Depois a Páscoa tinha-se carregado de sen­ e a traigáo se toma venal. Tipo de quantas
tido histórico, como celebraçâo da liber- traiejóes humanas. Judas distancia-se da
laçâo do Egito (Ex 12). Com este versículo, multidáo, cuja devogáo por Jesús ele co-
Lucas coloca todo o relato que se segue nhece muito bem.
»oh o signo da Páscoa, a nova, a do novo 22,7-13 Como para a entrada em Jeru-
cordeiro pascal, a da libertaçâo que Jesús salém (19,29-34), Jesús prepara sua festa
realiza com seu sangue. pascal com saber e poder soberanos, pre-
22.2 Os guardiáes do culto e os intérpre­ vendo e controlando o que se poderia cha­
tes da lei tomam a iniciativa hostil de co­ mar de casual. Os dados que o evangelista
muni acordo. Têm contra si o povo, que dá convergem na celebragáo do banquete
seguiu Jesus com interesse crescente (7,1. pascal: era necessàrio sacrificar a vítima
16; 18,43; 19,49; 20,38). Se agirem pela pascal... preparar a ceia de páscoa... co­
força e publicamente contra Jesus, têm mer essa vítima pascal.
medo de que o povo se levante contra eles Os cordeiros eram sacrificados no tem­
(cf. Nm 14,10) ou contra os romanos, o plo pelas duas horas da tarde e eram comi­
que seria pior. Por isso buscam outro pro­ dos ñas casas ao anoitecer. Mas é sabido
cedimento. que, segundo Joáo, os judeus celebraram
22.3 Judas será a soluçâo: instrumento nesse ano a ceia pascal na sexta-feira, náo
de Satá ou de Deus? No plano da consci- na quinta; a discrepancia ainda náo se ex-
ência, de Satâ (compare-se 2Sm 24,1 com plicou satisfatoriamente. A comunídade
1Cr 21,1). Satá volta para o encontre anun­ pascal, requerida por lei, vai ser “o Mes­
ciado e o faz por meio de um dos doze. E tre com seus discípulos”; mais adiante es­
terrivel que o homem se tenha rendido a pecifica que sáo “os apóstolos”.
LUCAS 270

a vítima pascal. 8Jesus enviou Pedro e xáo! l6Eu vos digo que náo tornara
Joáo, recom endando-lhes: com é-la até que alcance seu cumpri
— Ide preparar-nos a ceia de Páscoa. mentó no reino de Deus. 17E tomamlu
9 Disseram-lhe: a taga, deu gragas e disse:
— Onde queres que a preparemos? — Tomai isto e reparti-o entre vó»,
10Respondeu-lhes: 18Eu vos digo que daqui por diante ii.k
— Quando entrardes na cidade, sairá beberei do fruto da videira até que clu
ao vosso encontro um homem levando gue o reinado de Deus.
um càntaro de água. Segui-o até a casa 1‘'Tomando um pao, deu gragas, o pai
em que entrar u e dizei ao dono da casa: tiu e o deu, dizendo:
O M estre pergunta onde está a sala em — Isto é o meu corpo, que é entn
que vai com er a ceia de Páscoa com gue por vós.
seus discípulos. 12Ele vos mostrará um 20Igualmente tomou a taga depois <l<
saláo no piso superior, com divás. Pre- cear e disse:
parai-a ai. — Esta é a taga da nova alianga, se
13Foram, encontraram o que lhes ha- lada com o meu sangue, que é derra
via dito, e prepararam a ceia de Pás­ mado por vós. 21Mas atengáo! A mae
coa. l4Quando chegou a hora, pòs-se à daquele que me entrega está comido
mesa com os apóstolos 15e lhes disse: na mesa. Este Hom em segue o curso
— Com o desejei com er convosco definido*; mas ai daquele que o en
esta vítim a pascal antes de minha pai- trega!

22,11A lei ordena: “Cada um procurará primento quando toda sua missáo esti
uma res para sua familia, urna por casa” ver cumprida, quando regressar ao Pai
(Ex 12,3). A familia de Jesús sao seus dis­ Está sob o signo da paixáo próxima e foi
cípulos. A lei diz: “Cada cordeiro será co­ desojada (12,49-50).
mido dentro de uma casa, sem jogar fora A nova Páscoa se descreve nos vv. 19
nada”; Jesús escolhe um salao numa casa 20. Para ela, Jesús toma o rito do pao e do
amiga (Ex 12,46). terceiro cálice e os dota de um sentido ra
22,14-20 No relato da instituigáo da eu­ dicalmente novo. Ele se entrega por eles
caristía, Lucas segue um caminho próprio em corpo e sangue, entrega-lhes sua vida
que pode despistar o leitor. É que associa E pela participagáo no pao e no vinho os
elementos da Páscoa antiga com a insti­ faz participantes da sua vida. Com o sa­
tu id o da nova. Daí a mengáo dos dois crificio do seu sangue sela a nova alianga
cálices. O primeiro visa á celebrado ju ­ (Ex 24,8; Jr 31,31-33). As fórmulas de
daica, o segundo, á celebrado crista. Lucas se aproximam das de Paulo (ICor
A celebragáo judaica era conhecida 11,23) e refletem usos das comunidades
(talvez menos entre pagaos convertidos): cristas.
primeiro cálice, ervas amargas e relato Seguem-se instrugóes aos apóstolos.
pascal, canto da primeira parte do Hallel 22,21-23 Na festa da irmandade há um
(SI 113-114); segundo cálice, o pao é par­ traidor: “até meu amigo, de quem eu me
tido e repartido e se come o cordeiro; fiava e partilhava meu pao, sobressai em
terceiro cálice e canto do resto do Hallel trair-me” (SI 41,10; 55,14-15). Náo basta
(SI 115-118). Um dos versículos citados a presenga física, é antes um agravante.
soa assim: “Erguerei o cálice da salva- Embora Jesús siga o curso definido por
gao invocando o nome do Senhor” (SI Deus, isso náo tira a responsabilidade hu­
116,13); o Salmo 118 é um dos mais cita­ mana, que marca o destino de um homem.
dos no NT. Dos ritos, Lucas toma: a re- A cena contém um aviso para as comuni­
feigáo em termos genéricos e a ceia, o pri­ dades cristas, e assim o compreendeu Pau­
meiro cálice, a agáo de gragas. Essa lo (ICor 11). Os futuros discípulos repe-
Páscoa judaica é para Jesús a última e a tem assustados as perguntas dos apóstolos.
despedida, pois a próxima será a celes­ 22,22 *Ou: va i segundo o quefoi deter
te, no reino de Deus. Atingirá seu cum- minado.
Il !•> 271 LUCAS

'liles comegaram a perguntar entre mais e bebáis e vos senteis em doze tro­
(i i|iiem deles iria fazer isso. nos para reger as doze tribos de Israel.

I tmtra a ambigào (M t 20,24-28; Me Prediz a negagáo de Pedro (Mt 26,31-


111,11-45) — 24Surgiu urna disputa en­ 35; M e 14,27-31; Jo 13,36-38) — 31 Si-
ne ríes sobre quem deles seria o mais máo, Simáo, eis que Satanás vos recla-
importante. m ou para p en eirar-vos com o trigo.
"Jesus lhes disse: 32Mas eu rezei por ti, para que a tua fé
Os reis dos pagaos os mantèm sub- náo falhe. E tu, urna vez convertido,
m i i s s o s , e os que impóem sua autorida- fortalece teus irmáos.
■lr levam o título de benfeitores. 26Vós 33 Respondeu-lhe:
Mini devereis ser assim; pelo contràrio, — Senhor, contigo estou disposto a
ti mais importante entre vós seja corno ir até para a prisáo e a morte.
ti mais jovem, e quem manda seja como 34 Replicou-lhe:
i|iicm serve. 27Quem é maior: A quele — Eu te digo, Pedro, que hoje o galo
que està à mesa ou aquele que serve? náo cantará antes que tenhas negado
Nao é o que está à mesa? Pois eu estou conhecer-me.
no meio de vós como quem serve. 28Vós 35E disse-lhes:
•mis os que permaneceram comigo nas — Quando vos enviei sem bolsa nem
|iiovas, -9e eu vos confio o reino, como sacóla nem sandálias, faltou-vos algu-
nieu Pai o confiou a mim: 30para que co- ma coisa?

22,24-30 O primeiro salmo recitado do 22,28 Esta observado visa mais ao futu­
llallel canta Deus “encimado” que “se ro que ao passado dos apóstolos; para ou-
ultaixa” e “levanta do pó o desvalido... tras geragóes, ela tem valor de condicional.
Itara sentá-lo com os nobres” — entenden- 22,31-34 Satá se apoderou de Judas e
ilo-se sentar-se em posto de autoridade (SI ameaga todos os demais. Como no come-
113,5-7). O que se canta vale para os dis­ qo do lívro de Jó, exige para si os apósto­
cípulos? — Sim, mas náo como eles ima- los para submeté-los á prova. Quando Je­
f inam, mas pelo caminho contràrio. Como sús ia ser submetido á prova, era movido
I lavi recebeu do Senhor, Jesus recebeu do pelo Espirito e repleto dele (4,1). Simáo
l’ai, numa espécie de pacto, a autoridade ainda náo conta com semelhante auxilio;
i cal (Is 55,3; SI 89,4.29.35). Logo vai re- mas a oragáo de Jesús é mais forte que
|>arti-la com os apóstolos, só que num es­ Satanás, a quem já venceu (11,21-22). Os
ilio novo, fundado em seu exemplo. Náo apóstolos náo sao poupados da prova; a
fundado no poder, como os reinos huma- Pedro náo faltará a fé, ainda que lhe falte
itos, mas no servido. Numa espécie de cor­ a valentía para confessá-la (ver a distin-
po colegial, de doze tronos ou escaños, váo gáo entre fé e confissáo em Rm 10,10). A
governar o novo Israel, fraterno e diferen­ fé náo é desempenho puramente humano,
ciado. mas se apóia nessa oragáo de Jesús. O con­
22.24 A disputa recorda o dito dos vertido, com a experiencia dolorosa de sua
íariseus (20,46). Talvez estejam se apro- fraqueza (Gl 6,1; ICor 10,12), poderá “for­
veitando das preferencias que Jesús de- talecer” seus companheiros (cf. Jr 15,19).
monstrou por tres apóstolos e por Pedro. Nesse momento Pedro se fia demais em
22.25 Náo só os pagáos; também Sa­ sua boa disposigáo (cf. Eclo 11,24-25) de
muel previu abusos de poder (ISm 8,11- adesáo a Jesús: “contigo”. De modo se­
18) e Roboáo precipitou o cisma com sua melhante admoestará Paulo: “Quem julga
alitude autoritària (IRs 12). “Benfeitor” estar firme, cuidado para náo cair” (ICor
foi o título de uni rei da dinastia lágida 10 , 12).
(Euergetes). 22,35-38 Com a paixáo comega urna
22,26-27 Nem Ben Sirac dá conselhos nova etapa de hostilidade e desvio, e os
a anciáos e jovens para se comportaren! apóstolos teráo de valer-se por si, sem o
lividamente nos banquetes (Eclo 32,1-10). apoio próximo de Jesús. Ele os enviava
LUCAS 272

Responderam: 41Afastou-se deles à distâneia de uni


— Nada. tiro de pedra, ajoelhou-se e orava:
36Disse-lhes: — 42Pai, se queres, afasta de mim r i i
— Pois agora, quem tiver a bolsa leve taça. Mas nâo se faça a minha vont;i' li
também sacóla, quem nao a tiver ven­ e sim a tua.
da o manto e compre urna espada. 37Di- 43Apareceu-lhe um anjo do céu qui
go-vos que se cum prirá em mim o que lhe deu forças. 44E, entrando em ago­
está escrito: Foi tido p o r malfeitor. O nia, orava mais intensamente. O suoi
que se refere a mim está chegando a lhe corria como gotas de sangue cain
seu fim. do no chao*.
38 Disseram-lhe: 45 Levantou-se da oraçào, aproximou
— Senhor, aqui há duas espadas. se de seus discípulos e os encontrón
Respondeu-lhes: adormecidos de tristeza; 46e lhes dissor
— E o suficiente. — Levantai-vos e pedi para nâo su
cumbir na prova.
O ragáo no ho rto (Mt 26,36-46; Me 14,
32-42) — 3MSaiu e, segundo o costu­ A p risao (Mt 26,47-56; Me 14,43-50
me, dirigiu-se ao monte das Oliveiras. Jo 18,3-11) — 47Ainda estava falando
E os discípulos o seguiram. 40Ao che- quando chegou um grupo. O chamado
gar ao lugar, disse-lhes: Judas, um dos doze, adiantou-se, apro
— Pedi para náo sucum birdes na ximou-se de Jesus e o beijou. 48Jesus
prova. lhe disse:

sem apetrechos, confiantes na hospitalida- na versâo de Lucas 11,2-4): “nao sucuni


de alheia, e eles voltavam contentes com bir na prova”. Jesus repete urna frase. Os
a experiencia (10,1-9.17-20). Acabou esse comensais do banquete dormem na hor;i
regime e comega a batalha: agora tém que da dor, e esse sono é o começo do abando
sacrificar outros bens para munir-se de no: “O amigo desleal atende à mesa, no
armas necessárias. A linguagem é metafó­ aperto fica à distâneia” (Eclo 37,4).
rica: “A espada do Espirito é a palavra de Jesus reza de joelhos, humilde e con­
Deus” (Ef 6,13-17; lTs 5,8): no momento fiante. Como sempre e de modo único, in
de ser atacados é mais importante urna voca Deus como Pai; desta vez náo senti;
arma do que um manto. Os apóstolos a o “júbilo do Espirito” (10,21). Que passi-
entendem ao pé da letra e póem á disposi- o cálice da ira, devido aos pecadores e náo
gáo de Jesús duas “espadas”, talvez facas ao inocente (Jr 25,29; Is 51,22), mas que ;i
de uso pessoal (como entre nós a navalha). vontade de Deus se anteponha à sua hu
A resposta de Jesús fíca no ar carregada de mana. “No texto do rolo está escrito a meu
ambigüidade: bastam as duas facas, basta respeito que cumprirei tua vontade, eu o
de discursos, basta de incompreensSes... quero, Deus meu, levo tua instruçâo nas
Bem claro está que ele tem de cumprir seu entranhas” (SI 40,7-8).
destino, cumprindo a Escritura (Is 55,12). 22,43-44 *Alguns manuscritos supri-
22,39-46 Terminou o banquete no qual mem estes versículos, provavelmente por
se cantaram versos de júbilo. No último preocupaçôes dogmáticas em tempo de he-
salmo (118) pronunciaran! também estas resias. Deus envia um anjo a confortar seus
frases: “rodeavam-me fechando o cerco... enviados (Dn 10,15-19). Assim fortaleci­
como abelhas... empurravam-me para der- do, “entra em combate”, como Jacó com o
rubar-me... o Senhor me socorreu... a pe- personagem misterioso (Gn 32,26-29), de
dra que rejeitaram...” Náo interrompe seu noite e sozinho. Luta para que triunfe a von
costume de orar de noite; sai para o lugar tade de Deus, e o esforço da luta o faz suar.
costumeiro ao encontro de sua paixáo. A A força de Jesus é submeter-se e aceitar.
oragáo que se segue e seu ambiente váo 22,47-53 O narrador compòe urna cena
ser muito diversos. Os discípulos devem breve de efeito dramático: o beijo do trai­
pedir como no Pai nosso (o que náo figura dor, a intervençâo armada de um aposto-
I l VI 273 LUCAS

Judas, com um beijo entregas este Negagóes de Pedro (Mt 26,57s.69-75;


llniiK'in? Me 14,53s.66-72; Jo 18,12-18.25-27) —
' ’Vendo o que ia acontecer, os que 54Eles o prenderam e o conduziram, in-
MNinvam com ele disseram: troduzindo-o na casa do sumo sacerdote.
Senhor, ferim os á espada? Pedro o seguia de longe. 55Haviam aceso
'"Um deles feriu o servo do sumo sa- o fogo no meio do patio, e estavam sen­
trulote, cortando-lhe a orelha direita. tados ao redor. Pedro sentou-se entre
''Jesús lhe disse: eles. 56Uma criada o viu sentado junto
Hasta! ao fogo, olhou-o fixamente e disse:
I tocando-lhe a orelha, o curou. — Tam bém este estava com ele.
’ Depois, Jesús disse aos sumos sa- 57Ele o negou:
. rulotes, guardas do templo e senado- — Mulher, náo o conhego.
ir* que tinham ido prendé-lo: 58Pouco depois, outro o viu e disse:
— Saístes armados de espadas e paus, — Tam bém tu és um deles.
mino se se tratasse de bandido? 53Dia- Pedro respondeu:
i mínente estava convosco no templo e — Homem, náo sou.
mui me prendestes. Porém esta é a vos- 5WC erca de urna hora depois, outro
*imliora, o dom inio das trevas. insistia:

lu, a alocuçâo de Jesús definindo o senti- minha nas trevas e náo sabe aonde vai”
iln c a dimensáo do ocorrido. (lJo 1,5.11). Poder das trevas ou tene­
22,47-48 O “beijo de Judas” passou à broso é o poder de Sata e da morte (Na
iiüdiçâo como emblema de traiçâo: “Nao 1,8; SI 88,13; Jó 10,21; Sb 17).
f urna tristeza mortal quando o amigo ín- 22,54-62 Depois do beijo do traidor, a
llmo se torna inimigo?” (Eclo 37,2). “Mas negaçào do primeiro apóstolo. Pedro quer
i's tu, meu amigo e confidente, a quem demonstrar sua lealdade seguindo-o; avan­
me unia doce intimidade” (SI 55,14-15). ça e entra confiando em si. Dormiu e náo
A pergunta de Jesús tem a força suprema se uniu à oraçâo do Mestre. Nenhum evan­
ila mansidáo. gelista correu um véu sobre a covardia
22,49-51 Os apóstolos continuarti sem daquele que se fazia de valente, sobre a
entender, pensando ainda no fato das es­ fraqueza da “pedra”. A Pedro advém a pri-
padas e expressando sua fidelidade com meira ocasiáo de dar testemunho, náo,
» violéncia. Com isso entram no jogo do porém, diante do tribunal público (21,13),
"poder tenebroso”. Assim nao o vence- e falha no ensaio. Os detalhes mudam nas
rfio, e justificarlo humanamente a reaçâo diversas versoes.
ilos inimigos. Curando o servo ferido, Je­ Lucas apresenta très assaltos e très der­
sús demonstra que náo tem nada a ver rotas, sem outro progresso senâo a reitera-
rom a violéncia crescente e, mais ainda, çâo e o transcorrer do tempo e o passar do
louvada. Também esta cura é emblema comentário de uma mulher ao testemunho
ila vontade de Jesus de curar feridas mais das testemunhas (Dt 19,15). As très teste-
profundas e fatais. Com o bem quer ven­ munhas concordam e seu testemunho é ve­
cer o mal: “A ninguém devolváis mal por raz: “estava com ele, era um deles”. Contu-
mal... nao te deixes vencer pelo mal, do, Pedro renega o mais íntimo, sua relaçâo
mas vence com o bem o mal” (Rm 12, com Jesús; Jesús náo o renega (cf. 12,9).
17.21). O galo é o despertador da consciencia de
22,52-53 No plano visível se justifica a Pedro: sem palavras lhe atualiza a palavra
rensura: o ensinamento de Jesus foi pú­ de Jesús. O olhar deste náo é traço realista,
blico, no templo dialogou ou discutili com mas sim um modo de indicar o intéressé
eles. É um mestre e nao um bandoleiro. pessoal de Jesús (Is 66,2; SI 13,4); o mes-
lini outro plano està acontecendo a gran­ mo vale do “voltar-se”: “Por tua grande
ile confrontaçâo da luz com as trevas (Jo compaixáo, volta-te para mim” (SI 25,16;
5,9); “Deus é luz sem mistura de trevas... 69,17). “Puseste nossas culpas... à luz do
Ouem odeia seu irmào està nas trevas, ca- teu olhar” (SI 90,8). O pranto de arrependi-
LUCAS 274 22,mi

— Realmente este estava com ele, o haviam preso cacoavam dele e bali.n 11
pois também é galileu. “ Tapando-lhe os olhos, diziam-lhe:
“ Pedro respondeu: — Adivinha quem te bateu.
— Homem, nao sei o que dizes. 65E lhe diziam muitas outras injúri i
Imediatamente, quando ainda falava, 66Ao amanhecer, reuniram-se os se
o galo cantou. filO Senhor se voltou e nadores do povo, os sumos sacerdole
olhou para Pedro; este recordou o que e os letrados, conduziram-no diante de
lhe havia dito o Senhor: Antes que o ga­ Conselho 67e lhe disseram:
lo cante, me negarás très vezes. 62Saiu — Se és o Messias, dize-nos.
fora e chorou amargamente. Respondeu-lhes:
— Se vo-lo disser, náo me crereis.
Diante do Conselho (M t 26,59-68; Me 68e se perguntar, náo me respondereis.
14,55-65; Jo 18,19-24)— 63Aqueles que 69Mas daqui em diante o Filho do Ho

mento é como um batismo que purifica (Jz cendente, segundo as visóes de Daniel, :i
2,4; Is 22,12; Jr 3,21). pedra desprendida da montanha sem in
22,63-65 Os que prenderam Jesús eram tervemjáo humana, a “figura humana” (Dn
sumos sacerdotes, guardas do templo e 2; 7), lida já em chave messiánica. As au
senadores (v. 52). Os que agora o cus­ toridades esperam o tipo a), mas náo es
todiara seriam alguns daqueles, provavel- táo dispostas a reconhecer esse título em
mente da guarda do templo. Nao se refe- Jesús, pensam que este se apropria ilegili
rem ao título messiànico, e sim à fama de mámente. Por isso transferem capciosa
profeta. Aquele que lé pensamentos pode mente a pergunta ao sentido b), que lhes
ver com os olhos fechados, para ele náo permitirá acusar Jesús diante do Procuni
há trevas (cf. SI 139,11-12). Mas se cum- dor romano, como rebelde. Jesús náo re
prirá o anunciado no terceiro cántico do cusa o primeiro sentido, mas lhe acrescenl.i
Servo (Is 50,5-6). Náo é justiça, e sim vin- enfáticamente o terceiro.
gança. Jesús náo responde taxativamente, por
22,66-71 Lucas apresenta urna sessáo que seria inútil, já que eles resistem em
matutina diante do Grande Conselho (Si­ crer (cf. a atitude de Jeremías, Jr 38,15).
nèdrio), formado pelos sumos sacerdotes, Tampouco pergunta, porque já o fez, sobre
letrados ou intérpretes autorizados da lei o Batista e sobre Davi, e náo responderán)
e senadores do povo. Náo lhe dá forma (cap. 20). Assim, pois, responde em outro
exata de processo: náo sao interrogadas plano: substituindo o “eu” pela expressáo
testemunhas, náo se pergunta com jura­ que atrai a ressonáncia de Dn 7,14 e apro-
mento, náo se pronuncia sentença. O as­ priando-se da frase do SI 110,1. Mas supri
sunto versa sobre dois títulos equivalen­ me a “vinda ñas nuvens” e o “vereis”, por
tes: Ungido ou Messias e Filho de Deus. que a exaltacjáo está sucedendo “agora”.
E preciso esclarecer seu significado. Mes­ Filho de Deus, na mente dos judeus, é o
sias pode-se entender de très modos que título que Deus confere ao rei ungido no
náo se excluem mutuamente, a) O descen­ dia da nomeagáo e entronizagáo: “Tu és
dente de Davi anunciado e esperado, que meu filho, eu hoje te gerei” (SI 2,7); aind;i
restaurará a soberanía de Israel: “Náo fal­ náo tem o sentido metafísico da confissáo
tará a Davi um sucessor que se sente no trinitária, ou seja, que coincide com o pri
trono” (Jr 33,17), como mediador da lei meiro (unidos apareciam em Me 14,61) c
de Deus para todos os povos. b) O Mes­ é título religioso, náo político. Á pergunt;i
sias político da luta contra Roma; talvez sobre esse título, Jesús responde categori
atualizando frases de Miquéias: “Vamos, camente, inclusive com a fórmula “Eu
Siáo, trilha, e eu te darei chifres de ferro e sou”, em que pode ressoar a revelagáo de
patas de bronze para que tritures muitos Deus (Ex 3,14).
povos... O resto de Jacó será em meio ás Lucas náo diz que o declaram réu, mas
naçôes como um leáo entre feras selva- que tém o testemunho do imputado para
gens” (Mq 4,13; 5,7). c) Um Messias trans- apresentar o caso ao procurador.
275 LUCAS

iiii'in estará sentado á direita da M ajes- tributo a C ésar e d ecla ra n d o -se M es­
hulr de Deus. sias rei.
'"Disseram todos: 3Pilatos lhe perguntou:
Entáo, tu és o Filho de Deus? — Es tu o rei dos judeus?
Rcspondeu: Respondeu:
- E o que dizeis: eu o sou. — E o que dizes.
''Replicaram: 4Mas Pilatos disse aos sumos sacer­
Que necessidade temos de teste- dotes e à multidáo:
miiiihas? Nós o ouvim os de sua boca. — Náo encontro culpa alguma neste
homem.
Diante de Pilatos (Mt 27,l a .11- 5Eles insistiam:
14; Me 15,1-5; Jo 18,28-38) — — Está agitando todo o povo da Ju-
1 Inda a m ultidáo se levantou e o con- déia; comegou na Galiléia e chegou até
iln/.iu a Pilatos 2e com egaram a acu- aqui.
nigáo: fiAo ouvir isso, Pilatos perguntou se
— Encontram os este agitando nos- esse homem era galileu; 7e, ao saber que
»11 naijáo, opondo-se ao pagam ento do pertencia á jurisdigáo de H erodes, o

23,1-5 Começa o processo civil diante rial (problema económico), declarar-se


ilo procurador romano, juiz em última ins­ Messias rei (problema político). O último
tilada. Ele pode instruir ou repetir um pro- é o decisivo, e ai as autoridades realizam
cesso, dar sentença, permitir ou recusar a o deslocamento de sentido: para eles, Mes­
rxccuçâo de um réu. Sem diminuir a res- sias, Ungido, figura religiosa; para o pro­
|ionsabilidade de Pilatos (procurador da curador romano, rei. No primeiro capítulo
ludéia e Samaria de 26-36 d.C.), Lucas dáo a entender que o povo o segue, fato
parece buscar-lhe atenuantes. Mostra que certo; que o segue para o mal e com peri-
laz esforços para livrar-se do processo, go público, insinuagáo mal-intencionada.
para deixar Jesús livre, reiteradamente o A falsidade das acusagóes fica evidente no
declara inocente; dá a entender que cede à contexto de Lucas.
pressáo dos judeus. No relato de Lucas se 23.3 Segundo o costume romano, o pro­
sobrepóem o interesse histórico, o apolo­ cesso se abre interrogando o rcu. Pilatos
gético e o teológico. Da historia retém da­ recolhe, como resumo, o terceiro capítulo
dos essenciais: o processo perante Pilatos de acusagáo, com a fórmula calculada “Rei
c a execuçào numa causa civil; a pressáo dos judeus”, e Jesús responde afirmativa­
ilas autoridades comprometidas. Para a mente com ressalvas: tu o dizes, assim o
apologética, diante do império no qual dizes tu, tu o dizes com teu significado.
agora vivem os cristáos, esforça-se por Lucas resumiu todo o interrogatorio numa
mostrar que Jesús era inocente, que nao é pergunta e numa resposta; de que modo
um agitador político nem um guerrilheiro Jesús é rei se viu na sua entrada em Jerusa-
violento. Para a teología, dá relevo ao si­ lém, que náo alarmou a tropa romana: ca-
lencio de Jesús como sinal de dignidade e valgando um jumento e dirigindo-se ao tem­
submissáo ao designio de Deus. plo para ensinar.
23.1 Lucas náo o descreve amarrado, 23.4 Primeira declaradlo de inocencia,
mas apenas rodeado da massa dos seus em favor também da multidáo que está pre­
inimigos: “Encurrala-me um tropel de no- sente (cf. SI 17,3; 59,5). Pode-se comparar
vilhos... abrem contra mim suas fauces... com o processo de Jeremías (Jr 26).
Cerca-me um bando de malfeitores” (cf. 23.5 Insistem no primeiro ponto: mos­
SI 22,13;55,19; 119,157). trando sem querer a extensáo do ministério
23.2 A acusaçâo está formulada em ter­ de Jesús e sua popularidade; ao mesmo tem­
mos de delito civil e se articula em très po, pronunciando o nome Galiléia, reconheci-
capítulos que se reduzem a um: agitar a damente urna térra de terroristas e exilados.
massa popular (problema de ordem públi­ 23,6-7 Pilatos viu e declarou a inocen­
ca), impedir que se pague o tributo impe­ cia do acusado. Náo deduz as conseqüén-
LUCAS 276 2.I.M

rem eteu a Herodes, que nessa ocasiáo — Vos me trouxestes este homcm
se encontrava em Jerusalém. alegando que agita o povo. Vede: eu n
examinei em vossa presenta e nao en
Jesús diante de Herodes — 8Herodes contro neste homem nenhuma culpa da-
se alegrou muito ao ver Jesús. Fazia que o acusais. 15Tampouco Herodes.
tempo que desejava vé-lo pelo que ou- pois ele o remeteu a mim. Como vedi.-,
via dele, e esperava vé-lo fazer algum nao cometeu nada que merega a morir
milagre. 9 Fez-lhe muitas perguntas, mas 16Eu o castigarei e o deixarei livre.
ele nao Ihe respondeu. ‘"Os sumos sa­ [17Pela festa tinha de lhes soltar um
cerdotes e letrados estavam ai, insistin- preso.] 18Mas eles gritaram todos juntos
do em suas acusagóes. u Herodes com — Fora com ele! Solta-nos Barrabás 1
seus soldados o trataram com desprezo 19(Este estava preso por causa de um
e cagoada e, impondo-lhe urna veste es­ motim na cidade e um homicidio.)
pléndida, o remeteu a Pilatos. 12Nesse 20Pilatos se dirigiu de novo a eles, ten
dia H erodes e Pilatos estabeleceram tando libertar Jesús; 21mas eles gritavam
boas relagóes, pois até entáo tinham — Crucifica-o! Crucifica-o!
sido inimigos. 22 Falou-Ihes pela terceira vez:
— Mas que delito cometeu? Nao en
Condenado á morte (M t 27,15-26; Me contro nele nada que merega a mortc.
15,6-15; Jo 18,39-19,16) — 13Pilatos Vou castigá-lo e deixá-lo livre.
convocou os sumos sacerdotes, os che- 23Mas eles insistiam com grandes gri
fes e o povo e 14lhes disse: tos, pedindo que o crucificasse; e redo

cias justas; procura unicamente livrar-se vo”. Quer dizer que daí em diante mem
do assunto. Passa-o a outra jurisdigáo, ti­ bros do povo atuaráo junto das suas auto­
rando partido da opcracao. ridades. O povo náo agiu como acusador;
23,8-12 Herodes Antipas, tetrarca da Ga- assistiu a um processo público e pode cons­
liléia (3,1), filho de Herodes o Grande. tatar que nao foi comprovada culpa algu
Considera Jesús um espetáculo, objeto de ma. No futuro o povo náo será mero expec
curiosidade; e o milagre, um alarde de ha- tador (Is 5,3). O que abrange o termo
bilidade que se contempla de fora, sem par­ “povo” pode ser problema de leitura. A
ticipar; como o atirar-se do beiral do tem­ seguir, Lucas vai atribuir também ao povo
plo, sugerido por Satanás. Embora tenha uma parte da responsabilidade.
Jesus à sua frente, Herodes fica distante, o 23,16 Após a declaraçâo de inocéncia,
diálogo é impossível. O silencio de Jesús o castigo ou admoestaçâo, a flagelaçâo é
denuncia a falsidade da situagáo (Is 53,7). uma pura e cruel injustiça.
As autoridades judaicas persisterci em acu- 23,17-25 Com enfática regularidade sc
sá-lo (cf. SI 35,11; 69,20; 109,6-7). Ao ver­ sucedem as très declaraçôes de inocênciii
se defraudado, Herodes se desforra com e vâo crescendo os gritos dos judeus. O
urna zombaria que confirma a inocencia de episodio é a última tentativa de Pilatos paru
Jesús: veste-o como “candidato” a um car­ deixar Jésus livre: jà que náo o consegue
go honorífico (candidus = espléndido). Po- por absolviçâo de inocente, tenta-o por
de-se recordar Davi, voluntariamente bur­ indulto de culpado. Alguns manuscritos
lado na corte do rei Aquis (ISm 21,11-18). acrescentam o v. 17 como explicaçâo do
23,12 Os poderes civis se aliaram, o pa- episodio. O desenlace é um trágico para
gào e o meio judeu, como comenta a ora- doxo: fica em liberdade o revoltoso homi­
gáo dos cristáos, aduzindo um versículo do cida e triunfam uns amotinados: “Vós
salmo messiànico (SI 2): “aliaram-se con­ rejeitastes o santo e inocente, pedistes que
tra teu santo servo Jesús, teu Ungido, Hero­ vos indultassem um homicida e matastes
des e Póncio Pilatos, com pagaos e gente o Príncipe da vida” (At 3,14-15).
de Israel” (At 4,27). 23,20-23 Lucas salta a atividade dos
23,13-16 Acontece urna mudanga im­ chefes incitando o povo (Is 3,15). A cru
portante: Pilatos convoca também “o po- cifixâo é a forma mais cruel de execuçâo
277 LUCAS

liinviim os gritos. 24Entáo Pilatos decre- Jesús. 27Seguia-o grande multidáo do


Iiiii i|uc se fizesse o que pediam . 25As- povo e m ulheres chorando e lamentan-
iIiii, pós em liberdade aquele que ha- do-se por ele. 28Jesus voltou-se e lhes
vla sido preso por m otim e homicidio, disse:
|iul<> qual pediam, e entregou Jesús ao — M oradoras de Jerusalém, nao cho­
mbítrio deles. réis por mim; chorai por vós e por vos-
sos filhos. 29Porque chegará um dia em
( 'riicifixáo (Mt 27,32-44; Me 15,21-32; que se dirá: Felizes as estéreis, os ven-
iu 19,17-27) — 26Q uando o conduzi­ tres que náo pariram, os peitos que nao
oni, tomaram um tal Sim áo de Cirene, amamentaram! 30Entáo comegaráo a di-
i|iic voltava do cam po, e lhe impuse- zer aos montes: C aí sobre nós; e as co­
nim a cruz para que a levasse atrás de linas: Sepultai-nos. 31 Pois, se tratam as-

riipital; aplica-se a escravos e a rebeldes O primeiro personagem mencionado é


contra o império. Paulo o comenta citan- Simáo, provavelmente judeu da diáspora,
iln um versículo da lei: “Maldito quem procedente de Cirene. O gentílico “Cire-
pender de um lenho” (G1 3,13; Dt 21,13). neu” passou para nossa língua como tipo
A resistencia do romano exacerba a plebe, de caridade. Ele vai levar o madeiro trans­
como se atigasse seus instintos bestiais (cf. versal da cruz, “atrás dele”. No último tra-
SI 22,13-14). Estéváo os apostrofará com jeto que resta a Jesús, converte-se em seu
violencia (At 7,51-52). seguidor (9,23; 14,27).
23.24 Lógicamente aqui se deveria re­ 23,27-31 E notável o espago dedicado a
gistrar a sentenga de Pilatos, que sanciona este episodio; sinal de que o narrador o
o processo com valor jurídico e dá lugar á considera importante. Sáo mulheres que
cxecugáo. Lucas insinúa a sentenga no choram, como carpideiras num rito fúne­
verbo epekrinen (único uso no NT) para bre antecipado (cf. Jr 9,16-20). Chama-as
«alientar que foi a “pedido” dos judeus. “moradoras”, literalmente “filhas de Jeru­
Todos os dados confirmam que Pilatos salém”, freqüente no Cántico dos Cánticos
pronunciou sentenga e déla foi o principal (ver especialmente 3,11); equivale ao tí­
rcsponsável. Confirmam-nos: outros evan­ tulo “filhas/moradoras de Siáo” de profe­
gelistas (Jo 19,13), o título com a causa tas (Is 3,16-17; 4,4). Essas mulheres com­
(Le 23,38), a pena infligida e os verdugos passivas assumem a tarefa de representar
romanos. as tribos de Israel que “faráo luto como
23.25 Pedro comentará isto depois da por um filho único, choraráo como se cho­
ressurreigáo (At 3,13-14). Soa de novo o ra um primogénito” (Zc 12,10).
verbo “entregar” (cf. SI 27,12; 41,3). “Dia Náo chorem por Jesús, que cumpre seu
de escuridáo e trevas” (Sf 1,15). “Ai dos destino trágico e glorioso. Chorem por si,
que tomam as trevas por luz, a luz por tre­ numa espécie de liturgia de arrependimen-
vas” (Is 5,20). to (cf. J1 2,16-17). E por seus filhos: pran-
23.26 A partir desse momento, que é a to antecipado pela desgraga que se apro­
cxecugáo, o narrador compóe uma cena xima; entáo náo haverá tempo para ritos
densa e dramática pelo contraste de atitu- fúnebres: “Morreráo nesta térra pequeños
des em tomo ao centro, que é Jesús. De e grandes, náo seráo sepultados nem cho­
um lado, chefes, soldados, um malfeitor; rados”; “as viúvas náo os choram” (cf. Jr
do outro, mulheres compassivas, um mal­ 16,5-7; SI 78,64). Entáo se sentirá como
feitor arrependido, o centuriáo, assisten- desgraga o maior alegría de uma mulher,
tes compungidos. Esses sáo os que se dis­ a matemidade (cf. 2Rs 4,28).
tancian! da crueldade e os que se deixam O texto citado (Os 10,8) é uma acusa-
«brandar ou vencer pelo que viram (com- gáo contra a “videira frondosa” que se con­
pare-se com a atitude dos que falam em Is verterá em “espinheiros”. Jesús recorre a
53). A cruz de Cristo comega a frutificar, outra imagem vegetal: se o inocente sofre
c os diversos grupos estáo prefigurando desse modo, o que será dos culpados? (lPd
geragóes de homens confrontados pela 4,17-18); “se na cidade que traz meu nome
morte de Jesús. o castigo comegou, iréis vós ficar impu-
LUCAS 278

sim a á rv o re vinosa, o que nao faráo — A outros salvou, que se salve, se


com a s e c a ? o Messias, o predileto de Deus.
32 C or 3 d u z iam com ele outros dois 36Tam bém os soldados cagoavan
m alfeito res para executá-los. 33Quando dele. Aproxim avam -se para ofereciT-
chegar^rn ao lugar cham ado Caveira, o lhe vinagre 37e diziam:
crucificaran! com os malfeitores: um á — Salva-te, se és o rei dos judeus
direita e outro á esquerda. 34Jesus disse: 38A cim a dele havia urna inscricfui
__p¿3 Í, perdoa-lhes, porque nao sa- Este é o rei dos judeus.
bem o Clue fazem. 39Um dos malfeitores crucificados n
R e p a r t i r a m a roupa dele, tirando sor- insultava:
tes. " O povo estava olhando; os chefes — Náo és tu o Messias? Salva ;i i
cagoav^m dele: mesmo e a nós.

nes?” ( J f 25,29; e para a imagem Nm em sua morte: Se esse justo é filho de Deuk
17,23). ele o auxiliará e o arrancará das màos <l>
23,32-33 Segundo a profecía de Is 53,12. seus inimigos” (Sb 2,18).
Os evaPgelistas supoem conhecido o su­ 23,36-38 Oferecem vinagre como belìi
plicio c ía crucifixáo e nao se detêm a des- da refrescante; também recordando o sul
crever Sua brutalidade. Deixam-no à ima- mo (69,21). A zombarla dos soldados fa/
ginaçâo do leitor. Hoje sabemos que os eco à dos chefes judeus: a “Messias I
cravos páo atravessavam máos e pés, e sim corresponde “rei dos judeus”. A zombarla
o carpo e o tarso. O fato da crucifixáo é està no tom, pois o que dizem é verdadc
um artíg 0 de nossa fé, e a cruz muda de embora o título clàssico seja Rei de Israel
sentido na historia. O título infamante da cruz é título hono
23 34-46 Lucas recolhe très palavras de rifico. Jamais esqueja o cristào que Jesir
Jesús ría cruz: pelos culpados (34), ao la- era judeu e de dinastia reai.
dráo (43), Por si (46). A primeira e a últi­ 23,39-43 Esta cena é propria de Lucas é
ma coriieçam igual: Pai! Revelaçâo de um está elaborada com cuidado. Dois malici
mistério que nos sobrepuja. Tinha dito que tores no mesmo tormento e os destino
“ninguém conhece o Pai senáo o Filho e opostos por sua relagào com Jesus. A di
aquele a quem o Filho o queira revelar” reita e à esquerda: como as bèn§àos e mal
( 1 0 ,2 2 ); agora o faz, em sua capacidade dicjóes da alianza (cf. Js 8,33), como no
de perdoar; porque agora está sendo “com- juizo de Mateus (Mt 25,31). A separacelo
passivO como o Pai o é” (6,36). e oposigào versa sobre o tema da realeza
Jesús intercede; como Abraáo (Gn 18), Para um, serve à zombaria do desespeni
como Moisés (Ex 32; Nm 14), como Sa­ do, nào à peticjao sèria de um milagre; náo
muel ( ISm 12), como Jeremías (Jr 15,15) há milagre que os salve. Para outro, é re
e mais que eles; e continuará para sempre velagào misteriosa e acolhida com fé. D;i
intercedendo (Hb 7,25). Náo pode negar a por descontado que esse condenado um dia
culpa, busca urna atenuante: “Ele conhe­ será rei e lhe pede que entáo se lembre de
ce nossa condiçâo e se lembra que somos seu companheiro de suplicio (como Jose
de barro” (SI 103,13-14). Disso Pedro e no càrcere, Gn 40,41); “lembra-te” é peti
Paulo faráo eco falando aos judeus (At gáo frequente nos salmos (25,6; 74,2;
3 1 5 . 1 7 ; 13,27). O que fizeram ultrapassa 119,49). Sua fé passou pela confissào do
sua capac*dade de compreensáo: “Israel crime e pela aceitagào da pena, por com
náo conhece, meu povo náo pondera” (cf. preender que zombar desse homem é nao
SI 103,13-14). respeitar a Deus.
A partilha das roupas entre os executo- A petigào “quando” responde a promes­
res era prática normal; aqui indica o cum- sa “hoje” (cf. FI 1,23). “Paraíso” (no seri
primento de urna profecía (SI 22,18). tido original, “parque”), é imagem de urna
23 35 Também as zombarias correspon- vida feliz após a morte, na qual Jesus exer
dem à profecía (SI 22,7-8). “Vamos ver se cerá seu reinado. Jesus já possui o poder c
é v e r d a d e o que diz, comprovando como pode prometer coni seguranza e generosi
279 LUCAS

"'< ) outro o repreendia: — Pai, em tuas máos entrego o meu


I! tu, que sofres a mesma pena, espirito.
min respeitas a Deus? 41Quanto a nós, Dito isso, expirou. 47A o ver tudo o
. (iislo, pois recebemos o pagamento que estava acontecendo, o centuriáo
■li' i i o s s o s delitos; este, ao contràrio, nao glorificou a Deus, dizendo:
■miicleu nenhum crime. — Realmente este homem era ino­
1 li acrescentou: cente.
Jesus, quando chegares ao teu rei­ 48Toda a multidáo que se havia reu­
no, lembra-te de mim. nido para o espetáculo, ao ver o que
1'Respondeu-lhe: acontecerá, voltava batendo no peito.
Eu te asseguro que hoje estarás 4<JSeus conhecidos mantinham-se á dis­
■idiligo no paraíso. tancia, e as mulheres que o haviam se­
guido desde a Galiléia observavam tudo.
Morte de Jesú s (M t 27,45-46; M e
IS,33-41; Jo 19,28-30) — 44Era meio- Sepultam ento de Jesús (M t 27,57-61;
ili.i. Toda a regiáo escureceu até a m e­ Me 15,42-47; Jo 19,38-42) — 50Havia
lóle da tarde, 45ao faltar o sol. O véu um homem cham ado José, natural de
ili »templo se rasgou pelo meio. 46Jesus A rim atéia, cidade da Judéia. Pertencia
giitou com voz forte: ao Conselho, era justo e honrado 51e nao

ilude règia. A salvagáo é “estar com ele” bém confessando a inocencia de Jesús.
(. I. lTs 4,17). Homenagem postuma do pagáo, como a
23,44-45 A escuridáo ao meio-día é ex- prestada ao Servo (Is 53,9): “embora nao
Imordinária, teofánica: “farei o sol se por tívesse cometido crimes nem houvesse
no meio-día e em pleno dia escurecerei a engano em sua boca” (Is 53,9).
li-rra” (Am 8,9); dia de julgamento para o 23.48 A morte na cruz é fecunda. A
I araó (Ez 32,7), “ao faltar o sol” (Is 13,10; penitencia que comegou com a pregagáo
li 15,9; J1 3,4). do Batista (3,7-14) culmina agora ante o
O véu do templo separava o arcano “espetáculo” sem palavras. O espetácu­
mide estava presente a gloria de Deus; era lo nao foi o castigo fulminante dos cul­
iiccssível só ao sumo sacerdote, urna vez pados (SI 64,9-10), mas a morte de um
|io r ano, entre nuvens de incenso, no dia inocente. Cumpre-se o luto de Jerusalém
il;i expiagáo (Ex 26,31-33). Esse sinal anunciado por Zacarías: “Derramarei um
ila velha economía se rasga, deixa de espirito de compungáo e de súplica de
funcionar, porque doravante o acesso a perdáo. Ao olhar-me traspassado por
Deus está presente, sempre a todos, por eles, eles lamentaráo como se fosse a Ia-
meio de Jesús: “com o mesmo Espirito e mentagáo por um filho único; eles chora-
p o r meio dele, temos acesso ao Pai” (Ef ráo como se chora um primogénito” (Zc
2,18). 12,10).
23.46 As últimas palavras de Jesús sáo 23.49 Mantém-se á distancia: como os
ritagáo adaptada de um salmo (31,5): onde amigos de Jó “vendo a atrocidade de seu
este invoca a “Deus”, Jesús diz “Pai”. sofrimento” (2,12-13), como os conhecidos
Deixa seu alentó vital em depósito (as- do salmista: “meus próximos se mantém ao
sim o hebraico original) a alguém que é longe” (SI 38,12; 88,9). As mulheres “se­
fiel, em quem se fia plenamente; sabe que guidoras” (8,2; 23,55). Um centuriáo roma­
recobrará seu depósito. No mesmo sal­ no, urna multidáo de judeus, urnas mulhe­
mo se diz (v. 16): “em tuas máos está o meu res constantes sáo o primeiro grupo que está
destino”. “A vida dos justos está ñas máos reunindo: “dar-lhe-ei urna multidáo como
ile Deus” (Sb 3,1). Expirou: “fez-se obe­ quinháo” (Is 53,12).
diente até a morte, urna morte na cruz” 23,50-51 A eles junta-se este homem
(IT 2,8). nobre, judeu, honrado, membro do Con­
23.47 Confessando o pròprio pecado, a selho, mas em dissenso, que espera o rei­
pessoa dá gloria a Deus (Js 7,19); e tam- nado de Deus anunciado por Jesús.
LUCAS 280
T
havia consentido na decisáo dos outros observar o sepulcro e como l i .i 'i A
nem na execugáo dele, e esperava o rei­ colocado o cadáver. 56Voltaram
nado de Deus. 52Foi a Pilatos e lhe pe- raram aromas e ungüentos, e no m I S
diu o cadáver de Jesús. 53Desceu-o, en- do guardaram o descanso de p m t n i
volveu-o num len§ol e o depositou num
sepulcro cavado na rocha, no qual aín­ R essurrei^áo de Jesú s (Mi '»
da ninguém fora enterrado. 54Era o día 1-10; Me 16,1-8; Jo 20,1-H'i
da Preparagáo, e come§ava o sábado. 'N o primeiro dia da semana, de m .iiljfl
55As mulheres que o haviam acompa- gada, foram ao sepulcro levando i > ¡
nhado desde a Galiléia foram atrás para fumes preparados. 2Encontraram rertlu I

23,52-53 Segundo a leí romana, o sen­ revelagáo pessoal a duas testemunhas i i 1


tenciado ficava insepulto, à mercê das 35); revelagáo aos onze e ascensáo ( III I
49.50-53). Embora a ressurrei§áo ocmii |
intempéries e das feras (cf. Jr 7,33; 16,4; SI
79,2). Segundo a lei judaica, os cadáveres ñas coordenadas do nosso tempo e i ¡>
náo dcviam ficar pendurados no madeiro 5 0 , ao fato transcendente da ressurn n 1
durante a noite: “Náo deves contaminar a ninguém assiste e ninguém pode ih
terra que o Senhor teu Deus vai te dar como crevè-lo. A fé se abre à presenta físii .1
herança” (Dt 21,22-23). José quer dar a espiritual do Ressuscitado. O fato di ;i li I
Jésus urna sepultura digna (segundo a lei- dos apóstalos ser trabalhosa confirma Ili
tura duvidosa do texto hebraico de Is 53,9). validez.
A Pilatos compete conceder a licença, que 24,1-9 Um sinai e dois testemunhos pm
o narrador dá por suposta sem explicá-lo. clamam a noticia da Páscoa. O sinal .....
O sepulcro é de qualidade, e ainda náo foi dado comprovável e desconcertante: a |»
usado (como o jumentinho da entrada em dra está rolada, o sepulcro está vazio. Mw
Jerusalém, 19,30), como primicias da tér­ esse sinal náo revela por si só. Vem o tesi,
ra para acolher a Jesús morto. A antiga tra- munho angélico, celeste (também no 11.1
diçâo dirá: como o seio virginal de Maria. cimento houve um sinal, “um menino im
A sepultura confirma a morte e é recorda­ presèpio”, e urna mensagem angélica, lu
da nas confissóes antigas (ICor 15,4; At miñosa), de duas testemunhas (Dt 19, l o
13,29). “ressuscitou” (que se converte em saud.i
23,54-56 Amorte aconteceu na tarde da gáo pascal dos gregos). Um provèrbio m
sexta-feira; sobrevém-lhe o ocaso, quan- forma de pergunta retórica propóe uma nm
do começa o sábado (em grego o mesmo ma fundamental de conduta: náo busi/;ii
verbo de “amanhecer”, Mt 28,1, indican­ entre os mortos aquele que está vivo (cf. I*
do o crepúsculo). Por isso o enterro é rá­ 26,14.19). Jesús náo è um a mais na coi
pido. As mulheres preparam os ungüentos rente dos homens ilustres que se foram 11
para um tratamento digno, quando passar testemunho profètico de Jesús arremata o
o descanso do sábado. Neste sábado tam- testemunho angélico: o que ele mesnm
bém Jesús descansa: “descansarâo de suas anunciou reiteradamente se cumpriu (9,22
fadigas porque suas obras os acompa- 17,25; 18,32-33). Os ungüentos devotos c
nham” (cf. Ap 14,13). o sepulcro náo servem mais (a basílica que
nós chamamos de Santo Sepulcro, os ga­
2 4 Coordenadas da Páscoa. Lugar: Je­ gos a chamam deAnástasis, Ressurreigáo)
rusalém. Lucas náo apresenta urna apari- As mulheres sáo as primeiras mensagei-
çào na Galiléia, porque a grande viagem ras do grande acontccimcnto.
de Jesús para Jerusalém passa pela cruz e 24.1 Este é o dia no qual Deus criou ;i
termina na ascensáo. Em 24,51 encerra­ luz (Gn 1); “este é o dia em que o Senhor
se o grande ciclo aberto em 9,51. Tempo: agiu” (SI 118,24); este é o dia da “luz per
um domingo. E o primeiro dia da nova pétua” (Is 60,19-20). Os perfumes procu
criaçâo, e assim a Igreja o celebrará dora- ram deter piedosamente o caráter hedion
vante (Ap 1,10). Desenvolvimento: um do da morte (Jo 11,40).
ato único desdobra-se em très cenas: re- 24.2 Uma pedra pesada, que era rolada
velaçào pelos anjos ás mulheres ( 1 - 1 2 ); para fechar a entrada.
281 LUCAS

ni« .1 |ii •li .1 ilo sepulcro, 3entraram, Tiago. Elas e as outras o contaram aos
■«ti iiiin m i ontraram o cadáver de Je- apóstelos. “ Mas eles tomaram o relato
, 'I Miiv.mii desconcertadas pelo fato, por um delirio e náo creram nelas.
,,i im'Ii i m llies apresentaram dois per- Î2 Pedro, ao contrârio, se levantou e foi
hh|h ir. m in vestes fulgurantes. 5 E, ao sepulcro. Inclinando-se, viu somen-
uhm li' r.M'in espantadasolhando para te os lençôis. E voltou para casa estra-
, i hiiii, i li'.s llies disseram: nhando o acontecido.
l'iu que procuráis entre os mortos
,i|iii l. i|ne està vivo? 6Nào està aqui, C am inho de E in a ú s— 13Naquele mes-
,,.»n ,i limi. Recordai o que vos disse mo dia, dois deles iam em direçâo a
... i ,i ii .iluda na Galiléia, ou seja: Este urna aldeia cham ada Emaús, distante
i Iiihh mi eleve ser entregue aos pecado- cerca de duas léguas de Jerusalém. 14Iam
i m i crucificado; e no terceiro dia comentando tudo o que aconteceu. 15En-
i .uii'.i liará. quanto conversavam e discutiam, Jésus
I li1, se lembraram das palavras dele, em pessoa os alcançou e se pôs a cami-
tnllniam do sepulcro e contaram tudo nhar com eles. l6Eles porém tinham os
«im mi/,e e a todos os outros. 10Eram olhos incapacitados para reconhecê-lo.
M iii.i M adalena, Jo an a e M aria de 17Perguntou-lhes:

M. ! I’rimeiro precisan! experimentar o te. A primeira parte, caminho, é urna aula


I... lo e a dor da ausencia (como Elias, de exegese pascal, ou seja, explicagáo da
III-. I ‘>). Escritura (AT) á luz da ressurreigáo, fei-
JE-I, 1Ao que se acrescenta a perplexída- ta por Jesús em pessoa. A segunda par­
.li ile nao compreender o fato. le, a chegada, é a descoberta e com-
24,6 Nesse vazio ressoa o grande anún- preensáo do mistério ao partilhar Jesús o
i lo Náo encontram o que procuram; to- seu pao de vida. A liturgia converte-os em
iliivia, por procurar com diligencia, en- mensageiros. Também se tem observado
.... Iram muito mais. Náo está aquí: o a semelhanga estrutural desse relato com
i inl.iver, porque náo há cadáver: “Náo dei- o do eunuco: leitura do profeta Isaías,
iiiia s que teu fiel conhega a corrupgáo” explicagáo cristológica, batismo (At 8 ,
(SI 16,10). 26-40).
24,10-11 Embora fossem conhccidas e 24,16 Jesús ressuscita em sua inteira
r'.limadas, seu testemunho náo convence; realidade humana, portanto, também corpo­
|n ir serem mulheres? pelo que dizem? ralmente. Mas sua corporeidade pertence a
Ouem acreditou em nosso anuncio?” (Is urna nova esfera. Nessa nova condigáo está
•>U). realmente, continuamente presente; só que,
24,12 Pedro como outras vezes toma a acostumados a outra convivencia, náo o
Iniciativa, separa-se, vai curioso e audaz percebem. Tem que abrir rasgóes para
no lugar dos fatos. Comprova o sinal do mostrar-se á evidencia dos sentidos. Quan-
^pulcro com detalhe, mas faltam-lhe por do estiverem convencidos do fato e tive-
ora os testemunhos e fica “assombrado”, rem aprendido a reconhecer seu novo
ncm incrédulo nem crente. Aínda lhe falta modo de presenta, Jesús partirá. Pode to­
o olhar do Mestre (22,61). mar a figura de antes, em ordem á identi-
24,13-35 Do material pròprio de Lucas ficagáo, e pode mostrar-se em outra figu­
podemos destacar: o evangelho da infan­ ra, como caminheiro desconhecido, como
cia ( 1 - 2 ), a auto-apresentacáo na sinago­ jardineiro (Jo 20,15), como desconhecido
ga de Nazaré (4,16-22), a parábola do fi­ na praia (Jo 21,4). No entanto, mais grave
llio pródigo (15,11-32), o caminho de que a figura dissimulada de Jesús é a ce-
Emaús. Hesitamos em turvar com nossos gueira dos discípulos, cegueira de quem
comentários esse relato belíssimo. náo espera ver de novo o amigo que mor-
Descobrimos nele um esquema de proto­ reu (comparar com a percepgáo do cegó
liturgia (como a de Moisés e Jetro em Ex de Jericó, 18,35-43). Contudo o aceitam
18,6-12), composta de palavra e banque- como companheiro de viagem.
LUCAS 282 2'l I -
— Sobre o que conversáis pelo ca- depois que isso aconteceu. 22É verdín I.
minho? que algumas mulheres do nosso grU|">
Eles pararam com semblante aflito, 18e nos alarmaram; pois, indo de madrugan Im
um deles, chamado Cléofas, lhe disse: ao sepulcro, ^ e nao encontrando o cail i
— És o único forasteiro em Jerusa- ver, voltaram dizendo que tiveram uuu
lém que desconhece o que aconteceu visáo de anjos dizendo que ele está vivo
ai nesses dias? 24Também alguns dos nossos foram .n
19Perguntou: sepulcro e o encontraram como as niti
— O que? lheres haviam contado. Mas náo o viram
Responderam-lhe: 25Jesus Ihes disse:
— A respeito de Jesús de Nazaré, que — Como sois insensatos e lentos pai.i
era um profeta poderoso em obras e pa- crer em tudo o que disseram os prole
lavras diante de Deus e diante de todo o tas! 26Náo tinha o Messias de sofrer ¡ssn
povo. 20Os sumos sacerdotes e nossos para entrar em sua gloria?
chefes o entregaram para que o conde- 27E comecando por M oisés e conli
nassem á morte, e o crucificaram. 21E nós, nuando por todos os profetas, explicou
que esperávamos fosse ele o libertador lhes o que se referia a ele em toda A
de Israel! Além disso, hoje é o terceiro dia Escritura.

24.18 A pergunta do discípulo indica 24,22-24 A profunda desesperanza ini


que a execu§áo de Jesús tinha tido resso- pede de captar o valor dos recentes acón
náncia na cidade; e como ocorreu duran­ tecimentos ou dos relatos surpreendentef.
te a Páscoa, parece implicar que o desco- As mulheres os “alarmaram”, náo serena
nhecido náo assistiu até entáo as festas ram; os discípulos testemunham apena'
da Páscoa. “Forasteiro” que “enfrentara” urna ausencia.
a subida a Jerusalém (9,51). A pergunta 24,25-27 E cometa a grande aula pascal
admite urna leitura irónica: sáo eles os que sobre a Escritura. O caminho pode durai
náo se deram conta do que realmente duas horas. Eles selecionaram da Escritura
aconteceu. os dados triunfáis e a estes conformaran!
24.19 Jesús pergunta concisamente, para sua imagem do Messias. Que leiam tani
que pela resposta saia o que está corroen- bém os outros dados, o Servo que sofre (Is
do por dentro. Pergunta sempre atual, 49,4.7; 50,4-9; 53), a paixáo de Jeremías, o
dirigida a cada um. Pergunta que ecoa na pastor (Zc 12,10; 13,7) e os orantes anóni
que provocou a confissáo de Pedro (9,18). mos dos salmos (como o 21; 38; 55; 69 etc.);
Cléofas reconhece Jesús como um dos pois também os salmos sáo profecía. Jesus
antigos profetas: como Moisés (segundo morto e ressuscitado será doravante a cha
a fórmula repetida em At 7,22); em fatos ve de compreensáo da Escritura, desvelara
milagrosos como Elias e Eliseu; em pala- seu sentido profundo; Paulo fala de um
vras como a série ilustre da Escritura. Dian­ “véu” que se interpóe na leitura (2Cor 3,14
te de todo o povo, diferente dos chefes. 16). Com esta cena entronca urna leitura
24.20 Responsabilizam somente as au­ tradicional do AT na liturgia e nos textos
toridades; ao dizer “entregaram e crucifi­ dos Santos Padres e dos autores espiri
caram”, insinuam a intervengáo do poder tuais. Ele entrou na gloria (SI 73,16.22) e
romano. pode irradiar sua luz sobre a palavra.
24.21 “Feliz de quem náo tropezar por 24,26 “Tinha de” significa que era de
minha causa” (7,23), quem náo se sentir sígnio do Pai, que era seu messianismo
frustrado. E isso depende do que alguém concreto dirigido pelo Espirito. Tinha de
espera do outro. Eles esperavam que Je­ beber a taga e mergulhar num batismo
sús seria o libertador e restaurador de (todo mortal. Mas tinha também de ser glorifi
o) Israel, em termos políticos de indepen- cado. “O qual, pela alegría que lhe foi pro
déncía nacional. Náo é que fosse um falso posta, sofreu a cruz, desprezou a humilha
profeta, mas fracassou em seu empenho qáo e sentou-se á direita do trono de Deus”
(de modo semelhante fracassou Jeremías). (Hb 12,2; cf. 2,9).
283 LUCAS

'nAproximavam-se da aldeia para on- 35 Eles,


por sua vez, contaram o que
i | m m - dirigiam, e ele fingiu continuar acontecerá no caminho e como o haviam
»illnnte. ^Porém eles insistiam: reconhecido ao partir o páo.
Fica conosco, pois é tarde e o dia
i'Míi terminando. A p aricáo aos discípulos (Mt 28,16-20;
I ntrou para ficar com eles; 30e, en- Me 16,14-18; Jo 20,19-23)— 36Estavam
tiiianlo estava com eles á mesa, tomou falando disso, quando Jesús se apre-
ii pao, o abengoou, o partiu e o deu a eles. sentou no meio deles e lhes disse:
"Abriram-se os olhos deles e o reco- — A paz esteja convosco.
illlt'ceram. Mas ele desapareceu de sua 37Espantados e trem endo de medo,
vlsla. 32Comentavam: pensavam que fosse um fantasma.
— Nao se abrasava nosso coragáo 38M as ele lhes disse:
ínquanto nos falava pelo caminho e nos — Por que estáis perturbados? Por
i Kni icava a Escritura? que vos ocorrem essas dúvidas? 39Vede
Ixvantaram -se imediatamente, vol- m inhas máos e meus pés: sou eu mes-
liirum a Jerusalém e encontraram os on- mo. Tocai e vede: um fantasma nao tem
fv com os outros com panheiros, 34que carne e osso com o vedes que eu tenho.
iifirmavam: 40Dito isso, m ostrou-lhes as máos e
— Realmente o Senhor ressuscitou e os pés. 41E, com o nao acreditassem por
ii|iareceu a Simáo. pura alegría e assombro, disse-lhes:

24,29 Oferecem insistentes sua hospita- valor de síntese. Articula-se em duas par­
llilade com o desejo de tirar proveito (como tes: a aparigáo e identificacáo (vv. 36-43)
Itconteceu com Eliseu, 2Rs 4,10; como Ma­ e a missáo (w . 44-49).
ullé fez com o anjo, Jz 13,13-18; como 24,36-43 A primeira incorpora urna in-
( lixleáo, também com o anjo, Jz 6,18). tengáo apologética, provocada talvez por
24,30-31 Lucas impóe à refeiçâo a for­ objegóes externas, ou por dúvidas dentro
ma litúrgica de urna eucaristia: bênçâo e da comunidade de Lucas: os discípulos náo
l’raçâo e partilha do pâo; nâo se diz que ele sáo crédulos ou ingenuos (Pr 14,15), an­
h tenha tomado nem se menciona o vinho tes, desconfiados, críticos, exigem provas.
(22,19). O alimento lhes abre os olhos, re- Estas se articulam ou se estilizam em duas
vcla-lhes a identidade do caminheiro, a intervengóes — tocá-lo (lJo 1,1) e vé-lo
vida do ressuscitado, o sentido da instru­ comer — acompanhadas de palavras.
ido precedente. Urna vez reconhecido, sua O narrador indica dois tragos psicológi­
prcsença física nâo é necessària. cos: a perturbagáo e as dúvidas pelas noti­
24.32 A metáfora psicológica (SI 39,4), cias que váo chegando, e o náo crer de puro
iicmelhante ao nosso “ter o coraçâo abra- gozo: como quem náo quer entregar-se a
nado” mostra a participaçâo intensa numa urna boa noticia por medo de ficar outra
cxegese bíblica que nâo é pura informa­ vez frustrado. Bonito demais para ser ver-
tilo académica, porque é revelaçâo do Se­ dade.
nhor glorificado. 24,36 Sem bater, sem atravessar a porta,
24.33 A experiência e a noticia sáo muito de repente “se apresenta”, ou seja, mani-
grandes para ficar com elas. Inmediatamen­ festa corporalmente sua presenga. Asauda-
te, sem reparar as duas léguas de distáncia gáo tradicional, invocando a paz, forma in-
nem a escuridáo da hora, regressam a Je­ clusáo com o anúncio do Benedictus (1,79)
rusalém. e especialmente o do nascimento (2,14).
24.34 É curioso que só indiretamente se 24,39 Sáo de fato as máos do fazedor
laça referencia à apariçâo de Jesus a Si- de milagres, os pés do pregador itinerante,
mào. Recompensa-o apresentando Pedro carne e ossos de sua comum humanidade
como testemunha digna de fé, capaz de (Gn 2,23; cf. Jz 9,2).
"fortalecer” os outros. 24,41-43 No seu discurso na casa de
24,36-49 Esta é em Lucas a única apa­ Cornélio, Pedro vai contar como Jesús
riçâo ao grupo inteiro, razâo pela quai tem apareceu e “nós comemos e bebemos com
LUCAS 284 24.1

— Tendes aqui algo para comer? 47e em seu nome se pregaría penitéiu lu
420 fereceram -lhe um pedazo de pei- e perdáo dos pecados a todas as na
xe assado. çôes, com eçando por Jerusalém . 48 Vn,
43EIe o pegou e o com eu na presenta sois testemunhas disso. 49Eu vos envn.
deles. 44Depois Ihes disse: aquele que o Pai prometeu. Ficai na 11
— Isto é o que vos dizia quando aín­ dade até que do céu sejais revestid"
da estava convosco: que tinha de cum- de força.
prir-se em mim tudo o que está escrito 50A seguir os levou a Betânia e, a
na lei de M oisés, nos profetas e nos guendo as máos, os abençoou.
salmos. 51E enquanto os abençoava, separon
45Entáo abriu-lhes a inteligencia para se deles e era levado ao céu.
que com preendessem a Escritura. 46E 52Eles se prostraram diante dele ■
acrescentou: voltaram a Jerusalém muito contente
— A ssim está escrito: o M essias ti­ 53E passavam o tempo no templo beit
nha de padecer e ressuscitar da morte; dizendo a Deus.

ele” (At 10,40-41). É preciso comparar A promessa do Espirito prepara o relato


com a comida do anjo Rafael (Tb 12,19). de At 2. O Espirito é a “força” de Deus
24,44-49 A segunda parte concentra prometida, a mesma “força” da encamaçâu
muítos dados. Enlaça palavras presentes (1,35).
com as que precederam sua morte, o que 24,50-51 A glorificaçâo de Jesús se ex
também tem valor de identificaçâo. Enla­ pressa no símbolo espacial de ser levado
ça os fatos com o anúncio da Escritura, ao céu. Com ele se concluí o ciclo das
Moisés, os profetas e os salmos, segundo “apariçôes”. O passivo (teológico) “ser
o plano de Deus: “tinha de cumprir-se”. levado, levantado” indica que o agente i
Explica outra vez a Escritura, desta vez Deus. E o Pai quem o toma e o leva ao sen
acrescentando à morte e ressurreiçâo um lado. Embora o verbo grego seja diferen
dado: a pregaçâo. Ou seja: a paixáo e a te, com ele se completa a “subida” inicia
ressurreiçâo desembocam na pregaçâo da em 9,51. A “bênçâo” é sacerdotal (Nm
apostólica, universal, a partir de Jerusalém. 6,23) e real (2Sm 6,18; IRs 8,14.55).
24,48-49 Como um día os enviou numa 24,53 O templo, como casa de oraçâo
primeira expediçâo limitada (9,1-6), ago­ será por algum tempo vínculo de uniáo
ra os chama de “testemunhas” (Is 43,10.12; com o AT. Chamar Jesús de Kyrios e reu
44,8). E nós falamos de “testemunho apos­ der-lhe homenagem náo contradiz o Deus
tólico”. do templo.
EVANGELI!O SEGUNDO JOÁO

INTRODUÇAO
Itirnbém o originalissim o livro de vinho, casamento, trabalho, pastor, ca­
11 iiio é um evangelho. Se atendermos à minho, pomba, palavra. Outras vezes
iiiirnqáo básica, proclam ar a f é em Je- sáo personagens do AT, mencionados
im para pro vocar a f é de outros, o explícitam ente ou aos quais se fa z alu-
.piarlo evangelho é o m ais puro e radi- sáo em filig r a n a s p a ra quem sa b e
•iil. Como em D t 29, a existéncia se adivinhá-los: A brado, M oisés, Jacó-
•Irride diante da lei de Deus, assim em Israel, a mulher infiel de Os 2, Davi, a
hnlo se decide diante de Jesús: p o r ele esposa do Cántico dos Cánticos. A c i­
m contra ele, fé ou incredulidade. ma de tudo ressoa a fórm ula “Eu sou ”,
,loáo se concentra assim na pessoa pròpria de Yhwh, de que Jesus se apro­
,Ir Jesús. Mas, em conteúdo biográfico pria reiteradamente.
i1 muito m ais reduzido que os outros Também se abre a influxos judaicos
evangelistas. Supde conhecidos os da­ do rabinismo oficial ou de Qumrd, p o n ­
llos e nao pretende preservar nem ela­ do Jesús no lugar da lei. Conheceu tai-
borar seus materiais. Seleciona alguns vez tendéncias difusas e pouco defini­
¡utos importantes que apresenta e de- das de um gnosticismo incipiente, a que
\rnvolve com singular talento literário. parece opor-se.
N uoéque substitua o relato pela expo-
\i\üo de urna doutrina religiosa, urna Composiçâo
"cristologia M ais que doutrina, ofe-
n'ce matèria de contemplando. A des- O livro está composto com singular
crigáo é realista, com pitadas antido- artificio. A cronologia está condensada
réticas: ve, cheira e apalpa. M as sua em duas séries de días e um ciclo de
i ralidade é simbólica, carregada de um festas. Os comentaristas costumam di­
accesso de sentido, que a fé descobre e vidir assim este evangelho: Prólogo e
il contemplagao assimila. A sua visdo introduçâo (1). Livro dos sete sinais (2—
pode ser apresentada num diálogo com 12), articulado em très blocos. O pri-
a artificio do mal-entendido que Jesús meiro (2—4) localiza em Caná dois si­
corrige; ou em cenas dramáticas de pro­ n a is, e x e m p lo s d e fé , fo r m a n d o
tagonista e antagonista e comparsas; ou inclusdo; no meio, vários casos de re­
cm acaloradas controvérsias. A polèm i­ cusa, fé pela metade e fé plena: autori­
ca e a ironia sáo recursos que maneja dades judaicas, Nicodemos, o Batista,
para aprofundar em seu personagem . a sam aritana e os samaritanos. O se­
Jodo utiliza seus materiais e recur­ gundo bloco (5—10) se articula em qua-
sos com liberdade e dominio. A sua tro festas, com seu tema corresponden­
patria é a Escritura: presente num gru­ te: o sábado e o trabalho; a Páscoa e o
po de citaqóes form áis (a grande dis­ p ao da vida; as Tendas com a água e a
lància de M ateus), em frases alusivas luz; a D edicaçâo e o templo. O tercei-
(¡ue se adaptam a outra situaqáo, num ro bloco (11—12) apresenta o último si-
tccido sutil de símbolos apenas insinua­ nal, que conduz à cruz. Segue-se o li­
dos, como se convidasse a um jo g o de vro da gloria, que abrange a grande
enigmas e desafios. Para captar o pano despedida no cenáculo ( 13—17), a pai-
de fundo de Jodo é preciso submergir xdo (18—19) e a ressurreiçâo (20). O
no mundo sim bólico doA T: luz, água, capítulo 21 é urna adiçâo posterior.
JOÁO 286 INTRODU(,M

Os sinais sao: em Caná o v in h o , de no interior, como experiencia m ística.


Cana o filho do funcionario vedi? ^ p a ­ pela aqao do Espirito. Os sacramento
ralítico jun to à piscina, ospáes r t a bei- aparecem p o r referencias oblíquas: o
ra do lago, o caminhar sobre o l& 8 0>a batismo no diálogo com N ico d em o s.
cura de um cegó, a ressurreiqáo Lá­ símbolos de água; a eucaristía no mi
zaro. Sobressaem os diálogos c 0 m N i- lagre e no discurso dos páes, e é subs
codemos e com a samaritana; e n t r e as tituída pelo lava-pés (ato hum ilde <l<
cenas, a do cegó e a de L á z a r o ; p o r solidariedade exemplar); o perdao <7<>
sua aspereza, a controvèrsia d o capí­ pecados no dom do Espirito depois ihi
tulo 8 ; pelo artificio, oj u l g a m e rito p e- ressurreiqao. Além disso, todo o ca¡<
rante Pilatos. 2 1 é eclesial.

Jo ñ o oferece uma visáo tr in ita r ia


centrada na revelaqáo do F ilh o ■ S e em Autor e data
M arcos Jesús se revela como F ü h ° de
D eus a p a rtir do batismo, e em M a te u s Uma tradiqáo antiga identificou <•
e Lucas desde a concepqào, J o á o se autor com o apóstolo Joüo, o “discí
remonta à preexistencia, a fir m a d a no pulo espiritual”. H oje é m uito difícil
prólogo, em 8,58 e 17J ^ sUa divin- m anter essa opiniáo. A m aioria do',
dade se afirma ou sugere e m &'42 e comentaristas considera esse evangc
20,28, ñas fórmulas “Eusou”, título Iho como obra de um discípulo de Joan,
Senhor . \ l isscío primària d e ^^us c uma geraqáo mais tarde. P or sua fa
revelar o Pai. Jesus glorificado enviará miliaridade com o A T e o sabor semita•<>
o Espirito para continuar sua ob ra . do seu estilo, deve ter sido judeu. Vári
A com unidade de Jodo d e m o n stra as noticias do relato parecem referii
conhecer familiarmente o A T e ° ju d a ­ se á expulsáo dos cristáos da sinagoga
ismo. M as está separada dele, n a o p o r (ver 9,22; 12,42 e 16,2). Propóe-sc
questóes de observancia, m a s P ela f ét como data provável de composiqao a
em Jesús Cristo. A parusia a d ia d a já última década do século, e Efeso como
nao éproblem a: já aconteceu n u m P^a ' lugar razoável.
JOÁO

1No principio já existia a Palavra 6Houve um homem enviado por Deus,


I e a Palavra se dirigía a Deus
e a Palavra era Deus.
cham ado Joáo, 7que veio como teste-
munha, para dar testemunho da luz, de
lista, 110 principio, se dirigía a Deus*. modo que todos cressem por meio dele.
'lu d o existiu por meio déla, 8Ele nào era a luz, mas urna testemu-
e sem ela nada existiu de tudo nha da luz.
o que existe. 9 A luz verdadeira que ilumina todo
'Nela havia vida, hom em
e a vida era a luz dos homens. estava vindo ao mundo*.
’A luz brilhou ñas trevas, 10Estava no mundo, o mundo existiu
e as trevas nao a compreenderam*. por ela,

1,1-18 Estes versículos constituem o pró- de continuidade. A Palavra se dirige a


ln^o solene do quarto evangelho; nao tém Deus: no AT há urna fórmula profètica
|iu:ecdente nos très sínóticos. Mateus e básica que, com variagóes morfológicas ou
I ncas apresentam urna árvore genealógica de nomes, se lé umas cem vezes: “a pala­
Iminana de Jesús (Mt 1; Le 3); Lucas che- vra de Deus/Yhwh se dirigiu a N.”. Joáo
jj;iva até Deus, Criador de Adáo. Joáo se re­ teria recolhido e corrigido paradoxalmen-
monta mais além do humano e talvez por te a fórmula, tornando a Palavra sujeito e
esse vóo tenha merecido a figura da águia. A Deus destinatàrio. O paradoxo se resolve
rslrutura básica e o estilo sao de um hiño; esclarecendo que a Palavra era Deus. A
1leste se destacam claramente duas inserçôes maioria dos comentaristas pensam que o
(vv. 6-8 e 15) que servem para uni-lo ao que sintagma é equivalente do v. 18 e que adian-
'«■segue, e urnas adiçôes na primeira pessoa ta a identificacáo pessoal do Logos.
(vv. 14 e 16). Alguns comentaristas supóem 1.2 *Ou: a Palavra estava junto de Deus.
i|iie um hiño primitivo foi adaptado pelo 1.3 É ressonancia de SI 33,6 (cf. 148,15).
niitor numa ou duas etapas de elaboraçâo. Tudo: nao há dois principios na criagáo
O sujeito do hiño é o Logos (dabar, ver­ (em chave polèmica Is 45,7).
ilum,, palavra). Nesse termo confiuem ou 1,4-5 Vida e luz sao dois conceitos
Ne cruzam très correntes: a especulaçào freqüentemente vinculados no AT (p. ex.
bíblica sobre a Sabedoria personificada SI 36,10; 56,14; Jó 3,16). Nesse ponto sur­
(especialmente Pr 8; Eclo 24; Sb 7—8); o ge o dualismo dramático de Joáo: frente à
l ogos da filosofía grega como razáo do luz (de vida e revelagao) umas trevas que
universo; a especulaçào judaico-helenista a rejeitam, que nao a deixam penetrar.
de Filón sobre a sabedoria. Indubitavel- 1,5 *Ou: nào a dominaram.
niente o primeiro influxo é dominante, os 1,6-8 Históricamente Joáo é precursor
ontros dois podem ser objeto de um olhar de Jesús. Será personagem importante na
nblíquo do autor. O Logos, misterioso a primeira parte do evangelho. Como urna
principio, vai se identificando com Jesús sentinela que aguarda a aurora para gritar
( 'risto pela encarnaçâo. Ele é o mediador que é dia (SI 130,6-7; Jr 31,6), assim Joáo
da revelaçâo de Deus (v. 18), que pode ser anuncia, como testemunha, a chegada da
recusada ou aceita (7,12-13). luz. O símbolo da luz domina esse evan­
1,1 No principio; assim começa o Géne­ gelho, junto com o da vida (8,12).
sis, a tora, a Biblia dos hebreus. Joáo o 1,9 *Ou: Era a luz verdadeira, que ilu­
corrige remontando-se a um principio an­ mina todo homem e vinha ao mundo.
terior a Gn 1,1: é o Logos (= Palavra). 1,9-10 A luz autèntica e universal esta­
( ) grego emprega um verbo no imperfeito va chegando ao mundo para urna revela-
JOÂO 288

e o mundo nâo a reconheceu. Contemplamos sua gloria,


n Veio aos seus, gloria como de Filho único do Pnll
e os seus nao a acolheram. cheio de lealdade e fidelidade*
l2Mas aos que a receberam 15Joáo grita dando testem unho di l>
os tornou capazes de ser filhos de Este é aquele do quai eu dizia: Aqu> i
Deus: os que créem nele, que vem depois de mim existia anti .
13os que nao nasceram do sangue de mim, porque está antes de mim.
nera do desejo da carne, 16De sua plenitude todos recebemo»;
nem do desejo do varao, urna lealdade que responda à su.
mas de Deus. lealdade*.
14A Palavra se fez homem 17Pois a lei foi prom ulgada por meiu
e acampou entre nós. de Moisés,

gao especial (SI 57,12). O mundo criado se condensam em fórmula litúrgica (lí*
pelo Logos era bom (Gn 1,31; C1 1,10), 34,6 par.).
mas esse mundo, por livre escolha, “nao 1.15 Um personagem nao apresentad'
reconhece” a luz (cf. Rm 1,20-21) e assim e urna citaçâo ainda nao recolhida mo*.
se toma mau. No evangelho, “mundo” terá tram que este versículo é inserçâo de enj'..i
com freqüéncia essa conotagao negativa. te. Sua identificaçâo virá em 1,30. Afirm.i
1,11 “Os seus” admite duas leituras: a) a precedéncia cronológica e de autorid;nl
A humanidade inteira (como em Eclo 24,6- do Logos. Ou seja, o testemunho do Ha
7; Br 3,20-21), capaz de receber ou recu­ tista coincide com o ensinamento do evan
sar. b) O povo eleito. Asegunda leitura sig­ gelista; este, porém, remontou ao “prin
nifica um estreitamento do horizonte. cípio”.
1,12-13 A palavra é acolhida pela fé, e 1.16 Enlaça com 14b na primeira pos
acolhida outorga a filiagao divina, que su­ soa do plural. Nao deve causar estranhe/.i
pera a humana, carnal (cf. Sb 7,2), porque a passagem, pois no hiño à Sabedoria iIm
pertence a outra ordem, Alguns manuscri­ Eclesiástico também se passa no fim à pri
tos e comentaristas antigos leram “este meira pessoa, com o tema do receber (Eclo
nasce...”, referindo-o ao nascimento vir­ 24,30-34). Afirma que o Logos feito ho
ginal de Jesús. mem é o mediador de todo dom divino. A
1,14 Finalmente, o Logos se apresenta última frase é duvidosa pela partícula “em
em pessoa, toma “carne” (en-carna-^ao), lugar de” (anti, gr.; tahat hbr.), que costu
se faz simples homem (Gl 4,4); o tema da ma introduzir urna realidade que substi
“carne” retorna em passagens importan­ tui, sucede ou responde a outra. Cabein
tes do NT (Rm 1,3; 8,3; lTm 3,16). Arma várias interpretaçôes: a) em lugar da leal
a “tenda” onde se manifesta sua “gloria”. dade do Sinai, a de uma nova aliança; b)
Nao como no templo feito por homens: por uma outra graça, em progressáo con
“Entào a nuvem cobriu a tenda do encon­ tínua; é a mais comum; c) em troca do sen
tró e a gloria do Senhor encheu o santuà­ favor, nossa lealdade para poder corres
rio” (Ex 40,34-35; IRs 8,11; Ez 44,4), mas ponder.
como Filho único do Pai; como um filho *Ou: graça após graça.
único que herda tudo; cf. “tudo o que é teu 1.17 Explícitamente contrapóe os dois
é meu” (Jo 17,10). testamentos ou economías. Moisés promul
*Lealdade e fidelidade. Parece prová- gou uma lei (Ex 31,18), cujo conteúdo era
vel que o texto do prólogo adapte a dupla a bondade nas relaçôes com Deus e com o
clàssica de atributos divinos hesed we’emet, próximo; preceitos e proibiçôes que nao
que admitem urna gama de tradugóes conseguiram realizar o que continham.
(basicamente, leal à pessoa, fiel à sua pa­ Aquele mandamento extemo tomou-se re­
lavra): favor estável, bondade constante, alidade em e por Jesús Cristo. Finalmente
amor fiel... No Logos feito homem reside se pronuncia o nome até aqui evitado, iden-
a plenitude da divindade (C1 2,9) na for­ tificando-se o Logos feito homem com Je­
ma de seus dois atributos insignes, pro­ sús de Nazaré, o Messias. Nao se deve mais
clamados pessoalmente pelo Senhor e que olhar para a lei como modelo de conduta.
289 JOÀO

a lealdade e a fidelidade se reali- — Nao sou.


/aram por Jesus Cristo. — És o profeta?
'"Ninguém jam ais viu a Deus; o Fi- Respondeu:
hii ùnico, Deus, ■
— Nao.
(|ue estava ao lado do Pai, 22Disseram-lhe:
o explicou*. — Quem és? Temos de levar uma res-
posta aos que nos enviaram. Que dizes
li sli'inunho de Jo ä o B atista (M t 3,1- de ti?
I M e 1,2-8; Le 3,15-17) — 19Este é o 23Respondeu:
i. Nlununho de Joäo, quando os judeus —- Eu sou a voz daquele que clama
ihr enviaram de Jerusalém sacerdotes no deserto: aplainai o caminho do Se-
» Irvitas para perguntar-lhe quem era. nhor (conforme diz o profeta Isaías).
"I le confessou serti reticèncias, con- 24A lguns fariseus dos enviados 25lhe
ii i.sou que näo era o Messias. 21Pergun- disseram:
i.iiam-lhe: — Se nao és o M essias nem Elias
Entäo, és Elias? nem o profeta, por que batizas?
Kespondeu: 26Joáo Ihes respondeu:

1,18 Moisés pedia para ver a Deus, “mos- missáo oficial sao pessoal do templo, se­
ii>i me tua glòria”, mas nào o conseguiu gundo a distincao tradicional de sacerdotes
il ,x 33,18-20), porque “nao podes ver meu e levitas (p. ex. na parábola do bom sa-
misIo, porque ninguém pode vè-lo e conti­ maritano, Le 10,25-37), e membros do par­
nuar vivo”. Só o Deus Filho ùnico o conhe- tido farisaico também hostis a Jesús em Jo.
i u por sua relagào intima, e veio para des- O interrogatorio procura identificar a
. irvc-lo. Com essa frase se levanta a cortina personalidade de um personagem que está
•l i i evangelho: o que se segue é essa “exe- se tornando popular (o narrador o dá por
jjese” de Jesus Cristo em fatos e palavras. conhecido), e procede por exclusáo até a
No Antigo Testamento às vezes aparece afirmagáo. Nao é o Messias (v. 20) espe­
ii palavra de Deus como personificado rado como descendente legítimo de Davi
|iuctiea: “nao voltará a mim vazia... mas (Jr 23,5; 33,15; cf. Zc 6,12). A segunda
i innprirà minha ordem” (Is 55,11); “quan­ pergunta rebaixa: Elias, o precursor do
di) a noite mediava sua corrida, tua pala­ Messias, reservado no céu até seu momen­
vra todo-poderosa se langou do trono reai to (MI 3,1.23-24; Eclo 48,10). A terceira,
ilos céus” (Sb 18,14-15). De modo seme- o profeta (com artigo) alude á promessa
Ihante é apresentada a Sabedoria personi- de um sucessor de Moisés (Dt 18,15).
licada (Pr 8; Eclo 24 etc.). No pròlogo de A quarta lhe pedem e aceitam sua iden-
lofio a Palavra é urna pessoa. tificagáo pessoal. Joáo a dá citando o co­
É preciso emparelhar este solene prólo- m eto do profeta do desterro (Is 40,3); se­
Ho com o inicio da primeira carta de Joào gundo o texto grego que une deserto com
(IJo 1,1-4). voz (o hebraico o junta, com melhor lógi­
*Ou: descreveu. ca, com “aplanar”). Isaías diz “Senhor”, o
1,19-28 Abre-se o ciclo do Batista, que Batista pensa em Jesús, o Messias. A volta
*c encerrará em 3,30. Sua fungao é a de do exilio era a volta da Gloria a Jenisalém.
precursor do que hà de vir e testemunha 1,24-25 A pergunta dos fariseus supóe
ilo que chegou. Diante de tendencias erró­ que batizar é uma agáo transcendente, que
neas, o evangelista quer deixar definida a se deve justificar.
posigào de Joào com respeito a Jesus, e 1,26-27 Joáo responde com um enigma.
eomega fazendo-o em forma de um teste- O que eu fago está claro; mas já existe um
iimnho qualificado perante oficiáis auto- personagem desconhecido, que chega de-
i irados. Os “judeus” neste evangelho sào pois de mim, embora me anteceda em di-
ile ordinàrio as autoridades hostis a Jesus, reitos. O enigma da sandália (deveria ser
romo grupo restrito e tipico; geralmente inteligível para peritos na lei) alude á lei
nao sao o povo judeu. Os enviados em do levirato (ver a fungáo da sandália no
JOÁO 290

— Eu vos batizo com água. Entre vós 32Joáo deu este testemunho:
está alguém que nao conheceis, 27que vem — Contemplei o Espirito descciu!.
depois de mim; e eu nao sou ninguém do céu como pomba e pousando solm
para soltar-lhe a correia da sandália. ele. 33E u nao o conhecia; mas quem nn
28Isso acontecía em Betania, junto ao enviou a batizar me havia dito: aqu< l
Jordáo, onde Joáo batizava. sobre o qual vires descer o Espirito i
29No dia seguinte, viu Jesús aproxi­ pousar, é o que haverá de batizar con»
m a rs e e disse: Espirito Santo. 34Eu o vi, e testemunlm
— Ai está o cordeiro de Deus, que que ele é o Filho de Deus.
tira o pecado do mundo. 30Dele eu dis­
se: Depois de mim vem um homem que Os primeiros discípulos (M t 4,18-.’ 1
existia antes de mim, porque está antes Me 1,16-20; Le 5,1-11) — 35No diase
de mim. 31Embora eu nao o conheces- guinte, Joáo estava com dois de seu>
se, vim batizar com água para que se discípulos. 35Vendo Jesús passar, di/:
m anifestasse a Israel. — A i está o cordeiro de Deus.

tema do matrimonio com a cunhada, Dt feste” a Israel quem ele é. Este nome do
25,5-9; Rt 4), e comega a insinuar o que povo tem sentido positivo, em oposiçào .i
se irá esclarecendo: que Jesús é o Messias “os judeus”.
esposo. 1,34 Com a mençâo do “testemunho
1,28 Nao confundir esta Betània com a termina em inclusâo o que começou em
que está perto de Jerusalém. 1,19. Mas o testemunho do Batista nao cst.i
1,29-34 Depois do testemunho sobre sua completo.
fungáo, vem o testemunho sobre Jesús; 1,35-42 Começa na atividade do Batis
este nao solicitado e diante de um público ta, outro dia, na qual vai tirar conseqüên
nao definido. Comega um ciclo de anota- cias do seu testemunho. Generosamente
goes cronológicas, de urna semana, que se cede a Jesús seus discípulos, com urna t ía
concluirá no casamento de Caná. O texto se os incita a segui-lo. Sao eles: Andrc c
inverte a ordem temporal, que seria: anun­ um outro (Joáo?). Mais que urna cena rea
cio de um sitial, visáo do sinal, identifica- lista, o autor quer escrever um modelo de
gao por ele, testemunho. chamada e seguimento. Nao nos trabalho-
O sinal é o Espirito que desee e repousa cotidianos de pescadores, mas como dis
sobre ele (Is 11,2; 48,16; 61,1); alude ao cípulos previamente instruidos e prepara
batismo nao narrado. Como urna pomba dos. Tanto que lhes basta urna frase para
(talvez aludindo ao Càntico dos Cánticos; entender: este é o cordeiro de Deus. Como
note-se a uniào de Espirito e esposa em se tal título fosse urna tese da escola (di­
Ap 22,17); em figura de “vento” (Is 32,15) fundo pastoril e náo de pesca).
náo seria visível. Seguem-no e váo com ele. E ele lhes faz
Jesús recebe tres títulos: a) “Cordeiro de a pergunta exigindo que se examinem a
Deus”, com fungào sacrificai expiato­ sério, que tomem consciencia do que prc
ria, segundo Is 53,13-15; lPd 1,18-19. Será tendem e o declarem sem dissimulaçâo.
título emblemático de Jesús, glorificado Eles respondem com outra pergunta, que
no Apocalipse. b) Aquele que batiza com a nivel superficial significa “onde te alo­
Espirito Santo, náo com água somente; jas”, e a nivel profundo investiga o misté
o tema é desenvolvido no diálogo com rio da morada transcendente de Jesús. As
Nicodemos (3,5-8); é o Espirito que in­ quatro da tarde, “hora décima”, pode es
funde vida nova, c) O Filho de Deus (al- tar registrada como plenitude de dez (mui
guns manuscritos dizem: o eleito, segun­ to duvidoso) ou como arremate do dia (que
do Is 42,1): título messiànico na boca do acaba ás seis).
Batista, título transcendente na pena de 1,36 Embora o pareça, a “passagem” de
Joáo. Jesús náo é casual; em seu movimento
1,31 O batismo de Joáo, purificando, exerce urna força de atraçâo, quer ir A
prepara o terreno para que Jesús “mani- frente.
I II. 291 JOÀO

' <>s discípulos o ouviram e seguiram 42E o conduziu a Jesús. Jesús olhou
llMIV para ele e disse:
" li siis se voltou e, ao ver que o se- — Tu és Simáo, filho de Joáo; tu te
..... Ihes diz: cham arás Cefas (que significa pedra).
() que estáis procurando? 43No dia seguinte, dispunha-se a par­
Kcsponderam: tir para a Galiléia, quando encontra Fi­
Rabi (que significa Mestre), onde lipe. Jesús lhe diz:
minas? — Segue-me.
'M>iz-lhes: 44Filipe era de Betsaida, térra de A n­
Vinde e vede. dré e Pedro. 45Filipe encontra Natanael
I mam, pois, viram onde morava e e lh e diz:
lli .iram com ele nesse dia. Eram as — Encontramos aquele de quem fa-
>|iuili'o da tarde. 40Um dos que haviam lam M oisés na lei e os profetas: Jesús,
.niv ido Joáo e tinham seguido Jesús era filho de José, natural de Nazaré.
\mlré, irmáo de Simáo Pedro. 41Encon- 46Natanael replica:
nii primeiro seu irmáo Simáo e lhe diz: — De Nazaré pode sair alguma coi­
Encontramos o Messias (que se sa boa?
iniiluz Cristo). Filipe lhe diz:

I ,.19 Desde o inicio Jesús quer torná-los cessário citar Dt 18,18 e vários textos pro-
li'Nlemunhas oculares. Supóe-se que o tem- féticos.
I») que passam com ele seja preenchido Quanto à figura de Natanael (= dom de
. mu alguma instrugáo preliminar. Ter­ Deus) deve ser entendida sobre o pano de
minado o primeiro encontro, André já sen- fundo do patriarca Jacó-Israel, visto por Gn
ir a necessidade de comunicar sua desco- 28,32 e Os 12. O nome de Jaco soa ao ouvi-
liorta. do popular como traigoeiro, falso, que pas­
1,40-42 Pedro náo esteve entre os dis- sa o pé; viveu fiel a seu nome armando ci-
■11>nlos do Batista. E urna conquista de ladas para seu irmáo (a. Gn 27,36; Os 12,4),
uní irmáo, o qual já eré que Jesús é o Mes­ e por isso tem de fugir. A caminho, numa
áis. (Já no comego lhe deu o título de mes- visáo noturna contempla urna rampa, que
lic.) Diríamos que Pedro chega na undé­ une terra e céu, pela qual sobem e descem
cima hora (cf. Mt 20,6). Filho de Joáo: mensageiros divinos (b. Gn 28). Voltando
uniros testemunhos dizem “filho de Joñas” da casa de Labáo para Betel, em nova vi­
( : Pomba). Já no primeiro encontro com sáo noturna luta com Deus, que lhe muda
Icsus, sem prévia informagáo, conhece e o nome para Israel (c. Gn 32) e o abengoa.
iceonhece Simáo, e com autoridade sobe- Damos um salto de séculos quando “to­
lana, escolhe Pedro e lhe impóe o novo das as tribos de Israel... todos os conse-
nome da nova fungáo (Mt 16,18). Simáo lheiros de Israel... foram a Hebron... e un-
I omega a ser Pedro e terá que aprender a giram Davi rei de Israel” (d. 2Sm 5,1-3).
levar o nome. Pois bem, Natanael náo tem “falsidade”
1,43-51 Novo dia e chamada de outros (a. Jaco), mas é um verdadeiro Israel (c) e
tlois discípulos. Repete-se o esquema de como tal reconhece a Jesus como “o rei de
iim que atrai o outro. Betsaida era vila de Israel” (d. cf. Sf 3,15). Jesús responde-lhe,
pescadores (como o nome o indica), deta- para todo o grupo, com urna revelagáo. É
llie que harmoniza Joáo com os sinóticos. ele a verdadeira rampa que une o céu à
1.44 Sobre Filipe o narrador náo podia terra, o mediador das mensagens celestes
sor mais conciso: Para seguir Jesús, é su­ e das oragóes humanas (b). Natanael o
ficiente escutar seu imperativo (reapare­ chamou “Filho de Deus”; Jesús confessa-
cerá em 6,5-7; 12,21-22 e 14,8-9). se “filho do homem” (ben ’adam, homem
1.45 A dupla “Moisés e os profetas” verdadeiro). Esta última declaragáo é
equivale á Escritura, e funciona como con- dirigida ao grupo inteiro, “eu vos asseguro”.
tissáo global, que entronca Jesús com a 1,46 Apergunta de Natanael pode expres-
historia e a esperanga do povo. Seria ne- sar o desprezo de um habitante ás margens
JOÂO 292

— Vem e verás. 50Jesus lhe respondeu;


47Jesus, vendo Natanael aproximar­ — Crés porque te disse que te vi tic
se, diz-lhe: baixo da figueira? Coisas maiores ven
— A i tendes um israelita de verdade, 51E acrescentou:
sem falsidade. — Eu vos asseguro que vereis o cóli
48Natanael lhe pergunta: aberto e os anjos de Deus subindo r
— Como me conheces? descendo por este Homem.
Jesus respondeu-lhe:
— Antes que Filipe te chamasse, eu 0 casam ento em C an á — 'N o ter
te vi debaixo da figueira.
49Natanael respondeu:
2 ceiro dia, celebrava-se um casamen
to em Caná da Galiléia; ai estava a mai
— Mestre, tu és o Filho de Deus, o de Jesus. 2Jesus e seus discípulos esta
rei de Israel! vam convidados para o casam ento

do lago e pode abarcar mais: como será o bolo freqüente do amor de Yhwh pela co-
Messias natural de Nazaré? Jo nao alude a munidade, muitas vezes personificada na
Mq 5,1. Le 4 mostra que os habitantes de capital: “Como um jovem se casa com um»
Nazaré nao aceitaram Jesús como Messias. donzela, assim te desposa aquele que le
1,48 A alusáo á figueira, perfeitamente construiu” (Is 62,5; Os 2; Is 1,21-26; 5,1
clara para Natanael, continua sendo enig­ 7; 49; 54; 62,1-9; Ez 16; Br 4-5). No N I
mática para nós. Uns pensam na figueira é símbolo da uniáo do Messias com a Igrc
como imagem de Israel (Os 9,10); outros ja: “Esse símbolo é magnífico, e eu o apli
na vida tranquila e cotidiana sob a parreira co a Cristo e à Igreja. Cristo amou a Igrcj.i
e a figueira (IRs 5,5). Urna tradigáo antiga e se entregou por eia” (Ef 5,21-33; Mi
identificou Natanael com Bartolomeu; 22,1-14; 25,1-13; 2Cor 11,1-4; Ap 12.
muitos pensam que nao foi um dos doze. 19,7-9; 21,2). O vinho é dom do amor: “tua
1,51 O céu se abriu para Jesús (Me 1,13); boca é um vinho generoso” (Ct 1,2.4; 2,4 ;
Jesús o abrirá e o tornará acessível (cf. 4,10; 7,10; 8,2) e se anuncia como dom
14,6-10). messiànico: “plantaráo vinhedos e bebe
rao seu vinho” (Am 9,13-4; Os 14,7; Ji
2,1-25 No inicio da atividade de Jesús 31,12; Is 25,6; 62,9). É além disso símbo
e ainda encaixadas no ciclo do Batista, es- lo do Espirito (At 2,15-16).
táo duas agóes públicas e programáticas Mas o casamento de Jesús náo é simbo­
de Jesús. De Caná da Galiléia ao templo lizado como presente, pois “nào chegou a
de Jerusalém. Em Caná realiza o “sinal” hora” (palavra-chave em Joáo, sobretudo
do vinho messiánico; em Jerusalém anun­ apontando para a paixáo e glorificagáo:
cia o sinal da ressurreigáo. Em ambas res­ 4,21; 5,25; 12,3.27; 16,2.32). Qual é o pa
ponde a fé dos discípulos e de muitos. pel de Maria? No casamento é urna convi­
2,1,11 Urna festa de casamento na aldeia dada importante; com autoridade, trans-
é o episodio que sustenta um sistema de lada os criados ao servigo de Jesús. No
símbolos. O casamento é um momento fes­ casamento prefigurado deste e segundo a
tivo que costuma congregar muitas pessoas. tradigáo bíblica, eia é a máe do noivo:
O versículo final define o fato: é o primeiro “com a coroa que lhe cinghi sua màe, no
sinal, portanto deve ser lido como cabega dia de seu casamento, dia de festa de seu
de urna série; é manifestagáo da gloria de coragào” (Ct 3,11; SI 45,10; IRs 1,16.28;
Jesús (gloria do Filho único do Pai, segun­ Jr 22,26). Com eia se retirará no final a
do 1,14), como gesto de poder e de “bon- Cafarnaum (v. 12). O mestre-sala faz o
dade”; pelo sinal os discípulos “créem” em papel de testemunha involuntária do pro
Jesús. No evangelho como livro, o relato dígio: a água das ablugóes (Me 7,3-4) náo
se dirige ao grande círculo de discípulos traz o amor e a fecundidade.
fiéis. 2,1 Contando desde o chamado de An
A festa de casamento sustenta e unifica dré, é o sexto dia, que é o dia da criagao
os símbolos. O matrimonio é no AT sím- do homem e da mulher (Gn 1).
293 JOÁO

'Auibou-se o vinho, e a máe de Jesús — Todos servem prim eiro o vinho


lite diz: melhor, e quando os convidados já estáo
- Eles nao tém vinho. um pouco embriagados, servem o pior.
■•Responde-lhe Jesús: Tu guardaste até agora o melhor vinho.
- Que queres de mim , m ulher? Ain- "E m Caná da Galiléia Jesús fez este
iln nao chegou a m inha hora. primeiro sinal, manifestou sua gloria e os
'A máe diz aos serventes: discípulos creram nele. 12Depois, com sua
- Fazei o que vos disser. máe, seus irmáos e discípulos desceu a
ftI lavia ai seis talhas de pedra para as Cafamaum, onde se deteve vários dias.
(inri ficacjao dos judeus, com capacidade
ilo setenta a cem litros. 7Jesus lhes diz: P urifica o tem p lo (M t 21,12s; Me
— Enchei as talhas de água. 11,15-17; Le 19,45s) — 13Como se apro-
liles as encheram até as bordas. ximasse a Páscoa judaica, Jesús subiu a
NDiz-lhes: Jerusalém. 14Encontrou no recinto do

— Agora tirai um pouco e levai ao templo os vendedores de bois, ovelhas
mcstre-sala. e pombas, e os cambistas sentados. 15Fez
li eles levaram. 9Quando o mestre-sala um agoite de cordas e expulsou do tem­
iio v o u a água transformada em vinho plo ovelhas e bois; espalhou as moedas
Nem saber de onde procedía, embora o dos cambistas e virou as mesas; 16aos
toubessem os serventes que havíam que vendiam pombas disse:
retirado a água), dirige-se ao noivo 10e — Tirai isso daqui, e náo convertais
Ihe diz: num mercado a casa de meu Pai.

2.3 Acabar o vinho é sinal trágico: “Já Ihas e pombas; com licenza das autorida­
llflo bebem vinho entre cangóes, e o licor des do templo, um àtrio se convertía qua-
lem sabor amargo para quem o bebe” (Is se em estábulo ou mercado. Além disso,
16,9-10; 24,9; J1 1,10). para o tributo do templo ou para oferendas
2.4 Mais que repreensáo, a frase parece voluntárias, o povo que vinha de outros
um convite a nao intrometer-se no assun- países tinha de trocar dinheiro. Os cam­
lo. O narrador a chamou “máe de Jesús”; bistas prestavam este servigo e faziam seus
Jesús a chama “mulher”. Náo cabe a ela negocios. Contra o abuso, Jesús executa
definir os tempos nem as agóes de Jesús. uma agáo simbólica, que explica e amplia
2.5 Como o Faraó a propósito de José numa ordem decisiva; o “mercado” alude
(Gn 41,55). ao final de Zacarías: “e já náo haverá mer-
2.9 De onde: aponta ao mistério da ori- cadores no templo do Senhor dos Exérci-
|jcm de Jesús e de seus dons (4,11; 7,27; tos, naquele día” (14,21).
H, 14). Em lugar de Is 56 e Jr 7, como nos
2.10 A mudanga da água em vinho sim­ sinóticos, Joáo alega um versículo de um
boliza a passagem da velha á nova econo­ salmo bastante usado, de um inocente per­
mía. O vinho novo é o vinho melhor, “me- seguido (SI 69,9). Ao fazé-lo seu, Jesús
llior que o amor” dos noivos humanos (Ct demonstra seu interesse pela instituido do
I,2.4). templo de Jerusalém. Se num principio o
2.11 Em Caná ele fará o segundo sinal, templo foi construgáo e responsabilidade do
encerrando um ciclo (4,54). reí (IRs 7-8 par.), no tempo de Jesús era o
2,13-22 Com relagáo aos sinóticos, Joáo centro espiritual de todos os judeus, da Pa­
untecipa o episodio da purificado do tem­ lestina e da diàspora. O modo de alegar o
plo, já que o carrega de sentido simbólico verso é exemplar, porque apresenta a com-
referindo-o á morte e ressurreigáo. Um re­ preensáo que os discípulos adquirem depois
sultado é o encolhimento do ministério na da ressurreigáo. O que o evangelista diz aquí
Galiléia. pode ser estendido, como principio herme-
No plano realista, Joáo é generoso em nèutico, a grande parte da obra: o evange-
detalhes. A celebragáo da páscoa consu­ lho registra a compreensáo do mistério de
mía grande quantidade de reses, bois, ove- Jesus depois da sua ressurreigáo.
JOÁO 294 2,1
17Os discípulos se recordaram daque- os discípulos recordaram que ele havlu
le texto: O zelo p o r tua casa m e devo­ dito isso, e creram na Escritura e ñas p.i
ra. l8Os judeus lhe disseram: lavras de Jesús.
— Que sinal nos apresentas para agir 23Estando em Jerusalém para as fes
desse modo? tas de Páscoa, muitos creram nele ao vn
19Jesus lhes respondeu: os sinais que fazia. 24M as Jesús nao si|
— Derrubai este templo, e em très fiava deles, porque os conhecia todos;
dias o reconstruirei. 25nao necessitava de informacóes solm
20Os judeus replicaram: ninguém, pois sabia o que há dentro do
— A construçâo deste templo demo- homem.
rou quarenta e seis anos, e tu o recons­
truirás em très dias? Je sú s e N icodem os — 'H avia uní
21Mas ele se referia ao templo do seu
corpo. 22Quando ressuscitou da morte,
3 homem do partido fariseu, cham;i
do N icodem os, uma autoridade entr#

2,18-21 Aagáo um tanto violenta de Je­ juiz. 22-30 testemunho do Batista. Nao po
sús provoca a reagao das autoridades: demos postular que esta ordem lógica se ja
quem age dessa maneira tem de compro- a auténtica e original; também no prólogo
var sua autoridade com algum sinal ates- entravam duas cunhas sobre o Batista.
tador. O sinal que Jesús oferece, condicio­ 3,1-13 Nicodemos se destaca do grupo
nal, tem por objeto o próprio templo que fariseu. Mas continua ligado por sua espi
acaba de purificar. Da frase sobre o tem­ ritualidade simplesmente reformista, por su.i
plo temos várias versóes: a das falsas tes- dependencia de “sinais”, por sua comprecn
temunhas no julgamento (Me 14,58 e Mt sao “terrena”; aínda atua “de noite” (cf. 1.
26,61), as zombarias na erucifixáo (Me 59,9-10; Jo 9,4). Respeita Jesús como igual
15,29 e Mt 27,40) e a presente, que é como “mestre”, e como superior, “enviado de
um desafio: destruí... eu reconstruirei. Os Deus”. Jesús lhe propóe a mudanga radical
judeus o tomam ao pé da letra, por falta de nao renovagáo, mas inovagao, “nascer de
penetracao (recurso favorito de Joáo). O novo”. Nascer é comegar, o nascimento de
narrador dá a interpretacao correta (ICor fine o ser: natura vem de natus. Nicodemos
6,19) e apela de novo para a compreensáo nao entende (outro “mal-entendido” dos de
do fato á luz da ressurreigáo. Os leitores Joáo), porque discorre no plano da razáo
do evangelho de Joáo conheciam a ressur­ humana. “Desde o seio materno” é fórmu
reigáo de Jesús e a destruigáo do templo la proverbial no AT (Jz 13,5; Is 44,2; Jr 1,5
pelos romanos (ano 70 d.C.). etc.); “entrar” corresponde as crengas fisio
2,23-25 A fé tem graus de intensidade e lógicas da época, que imaginavam o homem
estabilidade. Urna fé incipiente reconhece a já presente no semen, para ser elaborado
pessoa (ou seu título, se “nome” se toma no seio materno. Sobre a fisiologia da ge
como semitismo) pelos milagres que faz; ragáo no AT lemos mais dúvidas que expli
externamente parece auténtica e plena, in­ cagóes (Ecl 11,5; 2Mc 7,22; Sb 7,1-2).
ternamente é deficiente e insegura. Por isso Jesús responde rigorosamente á objegáo:
Jesús adota urna atitude de reserva, “nao seio materno é a água (mitologúmeno co-
confia” (com o mesmo verbo pisteuó), por­ mum a muitas culturas) batismal (como o
que vé o interior: “Deus nao vé como os entendeu a tradigáo), fecundada pelo Es
homens, que véem a aparéncia; o Senhor vé pírito. Também a tradigáo bíblica contem­
o coragáo” (ISm 16,7; SI 139,1-4; Pr 15,11). pla a mulher como pogo ou manancial (Pi
5,15.18; Ct 4,12.15). O paralelismo di
3,1-36 A ordem lógica do capítulo está água e espirito na fertilidade é anunciado
claramente alterada. O tema do Batista é desde o exilio (Is 44,3). A fungáo do prin­
urna cunha que interrompe o diálogo e ins- cipio Espirito é primordial. Quem nascc
trugáo a Nicodemos. Pelo tema, a instru- desse Espírito/vento move-se livremente
gáo também parece alterada. Na ordem ló­ num espago novo e superior.
gica seria: 1-12 diálogo e testemunho. 31- 3,1 Nicodemos é nome grego (= Vitoria
36: Jesús revelador do Pai. 13-21 exaltado e do povo) embora judeu influente. Jesús o
295 JOÁO

ih iiiileus. 2Foi visitá-lo de noite e lhe nasce carne, do Espirito nasce espirito.
7Náo estranhes se te disse que é preciso
Rabi, sabemos que vens da parte nascer de novo. sO vento sopra onde quer:
.li I >eus como mestre, pois ninguém po- ouves seu rumor, porém nao sabes de
tli la/.er os sinais que fazes, se Deus onde vem, nem para onde vai. Assim acon­
min i'stiver com ele. tece com aquele que nasceu do Espirito.
'Icsus lhe respondeu: 9Nicodem os lhe respondeu:
liu te asseguro que, se alguém nao -— Como pode acontecer isso?
mu er de novo, nao poderá ver o rei- 10Jesus replicou:
iimlo de Deus. — Tu és o mestre de Israel e nao en-
'Nicodemos lhe respondeu: tendes essas coisas? n Eu te asseguro:
Como pode um hom em nascer falamos daquilo que sabemos, testemu-
Hmio velho? Poderá entrar de novo no nhamos o que vimos, e nao aceitais nos-
venire materno para nascer? so testemunho. 12Se vos disse coisas da
Mesus lhe respondeu: terra e nao credes, como crereis quando
Eu te asseguro que, se alguém nao vos disser coisas do céu? 13Ninguém
nascer da água e do Espirito, nao pode- subiu ao céu, a nao ser aquele que des-
iii entrar no reino de Deus. 6Da carne ceu do céu: este Homem. 14Como Moi-

i humará (com urna ponta de ironía?) “o dade, o dinamismo. Nisso apóia-se a com­
meslre de Israel”. p a ra lo .
.<,2 A noite pode ser também tempo de 3.9 A explicagáo de Jesús complicou as
lliiminagáo (SI 1,2; 4,5; 16,7); especial­ coisas para Nicodemos. Naquele mundo
mente escutando Jesús. Se Nicodemos pro- evocado pelas palavras de Jesús, o racio­
nira a clandestinidade, Jesús pode ensinar cinio do mestre judeu vacila.
Imito de noite quanto de dia: “tampouco a 3.10 Um mestre ou doutor (Pr 5,13); “teu
dKcuridáo é escura para ti, a noite é clara Mestre” (Is 30,19-20).
rumo o día” (SI 139,12). 3.11 Dar testemunho pode ser fungáo
3.3 Aquele que nasce “vè” a luz do dia profètica (Is 8,16); aqui Jesus aponta mais
(el. SI 49,20; Jó 3,16). O novo nascimen­ alto (ver no prólogo 1,18). O Apocalipse
to permite ver ou desfrutar o reinado de dá a Jesús o título de testemunha fidedig­
I leus que se anuncia como um amanhecer na (Ap 1,5).
(el. SI 97,1.11). 3.12 A subida ao céu, se nao se toma
3.4 Entrar: como a semente na terra; a como a vertente ascendente da encamagáo,
palavra hebraica significa tanto a semente adianta a futura glorificado. Nesse senti­
vegetal como o sèmen e a descendencia do o interpreta o versículo seguinte. Coisas
humana. terrenas sáo a mensagem da salvagáo, coi­
3.5 Segundo a tradigáo, a água é o ele­ sas celestes sáo a origem e o itineràrio do
mento feminino. O Espirito, o elemento Filho de Deus, que “desceu” para tornar-se
masculino fecundante (alguns Padres alu­ “filho da humanidade”, homem. Jesús vem
den) inclusive ao “espirito” e ás “águas” dar testemunho e exige ser acreditado (aqui
ile Gn 1). Ver a interpretado de Tt 3,5 “nos podem ser lidos os versículos 31-36).
Milvou com o banho do novo nascimento 3.13 “Quem subiu ao céu e desceu? Quem
e a renovagáo pelo Espirito Santo”. encerrou o vento no punho?” (Pr 30,4) une
3.6 Ver o prólogo (1,13). E sobre a ge- a subida ao céu e o controle do vento.
iagáo, Ecl 11,5. Enuncia o principio da 3.14-21 Encadeando repetigóes verbais,
geragáo segundo a espécie natural, ou seja, Joáo distribuí várias sentengas em torno
“Adáo gerou á sua imagem e semelhan- da fé: crer para ter vida (vv. 14 e 16), in-
ga” (Gn 5,3). credulidade e condenagáo (v. 18), luz e tre-
3,8 Em grego como em hebraico, o mes- vas (vv. 19 e 21).
mo vocábulo pode designar o vento, o 3.14-15 Olhando para a serpente de
alentó, o espirito. À natureza do Espirito bronze igada num estandarte, os mordidos
Santo corresponden! a mobilidade, a liber- de serpentes se curavam (Nm 21,8-9) pela
JOÁO 296

sés no deserto levantou a serpente, as- de Deus. iyO julgamento trata dislo
sim será levantado este Homem, 15para luz veio ao mundo, e os homens preferí*
que quem crer nele tenha vida eterna. ram as trevas á luz. É que suas agot'l
16Deus tanto amou o mundo, que entre- eram más. 20Quem age mal detesta a lu
gou seu Filho único, para que quem crer e náo se aproxima da luz, para que u n
nao pereda, mas tenha vida eterna. 17Deus delate suas agóes. 21Quem procede lc.il
nao enviou seu Filho ao mundo para jul- mente aproxima-se da luz, para que
gar o mundo, mas para que o mundo se manifeste que procede movido por Den
salve por meio dele. 18Aquele que crer
nele nao será julgado; o que nao crer já Jesú s e Jo ñ o B atista — 22Um pouen
está julgado por nao crer no Filho único depois, Jesús com seus discípulos se di

fé (acrescenta Sb 16,7.10). É ¡magem de pulos. Em todo caso, aparece como con


Jesús exaltado na cruz (8,28; 12,34). A corrente de Joáo, que continua batizando
serpente livrava de uma morte repentina, talvez rio acima (náo se identifica o In
Jesús crucificado dará a vida eterna. gar). Seria um batismo de penitencia, comí >
3,16 Náo se refere ao amor genérico á o de Joáo (Jesús, antes da sua ressurni
criagáo (Sb 11,24), mas ao “mundo” dos gao, ainda náo batiza com o Espirito). A
homens. Entregou (palavra-chave) até as Joáo acorre “gente”, a Jesús acorrem “tu
últimas conseqüéncias (Rm 8,32; lJo 4,9-10). dos”. O éxito maior de Jesús provoca cin
“O Filho único”: 1,18, talvez com alusáo me nos discípulos de Joáo e alarma de­
oblíqua ao sacrificio de Isaac (Gn 22,2.16). pois os fariseus. Entáo “um judeu” (algun
3,17-18 Como antitético de “salvagáo”, manuscritos trazem o plural) se póe a dis
entende-se aqui “julgamento” de conde- cutir com os discípulos de Joáo sobre pu
nagáo. A incredulidade se fecha ao dom rificagóes ou ablugoes, provavelmente su
do amor, com o que fica julgada e conde­ bre o sentido dessas práticas batismais que
nada. Náo crer é ato positivo livre, é sub- atraem tanta gente; talvez sobre mérito'
trair-se á salvagáo. O dom do amor é “crí­ comparados. O versículo serve tamban
tico”, discerne entre crentes e incrédulos. para unir a cena ao sinal de Caná, de acoi
Compare-se essa segáo com 12,46-48. do com a seguinte proporgáo: água de
3,19-21 Em grego krisis significa jul- ablugóes —vinho nupcial e messiánicn
gamento/condenagáo e distingáo/separa- purificagóes - o Messias esposo. No li
gáo. No principio “Deus separou a luz da nal, Jesús se retira da cena.
treva” (Gn 1,4): ao vir ao mundo, Jesús, a O narrador utiliza todo esse contexto
luz, alúa um julgamento de separagáo de para enquadrar o último testemunho de
acordo com a reacáo dos homens. O tema Joáo (Batista). Que é o último insinúa- >a
se desenvolve com a imagem clássica da mencíio do cárcere e o confirma um dis­
luz e das trevas (Jo 1,5; Is 5,20, inversáo curso de Paulo: “Pelo fim de sua carreira
de valores). Deus “amou” o mundo (Rm mortal, disse” (At 13,25). Comega seu tes
8,32; 1Jo 4,9), eles “amaram” as trevas (cf. temunho afirmando que toda missáo e fun-
Sb 17,4 e, referido a morte, 1,16). O mal­ gáo sao designadas por Deus: “Ningu m
vado busca a obscuridade para agir impu­ pode arrogar-se” (cf. ICor 4,7). A relagao
nemente, como refúgio no delito (Jó 24,14; entre ele e Jesús deve ser colocada num
Eclo 23,18-19). A luz de Jesús manifesta terreno mais grave e decisivo do que no
a realidade do homem (SI 90,8), e tam- mero assunto do batizar. Ai ressoa o últi­
bém a realidade de uma fé que se traduz mo testemunho, a ser ouvido como final
em obras feitas como Deus quer. esclarecedor de uma série, a saber, “exis­
tía antes, está antes de mim” (1,15), as san-
3,22-30 e 4,1-3 Uma bem elaborada in- dálias do esposo (1,27), “vem um homem
clusáo define os limites desta segáo. Jesús que está antes de mim” (1,30), o Espirito
com seus discípulos abandonam a capital como uma pomba (1,32), a voz do esposo
e se instalam numa zona do Jordáo, onde presente (3,29). Conta também, por sitúa
se dedicam a batizar. O último versículo gao contextual, o episodio programático
esclarece que o fazia por meio dos discí- do casamento em Caná. Essa quadra tra
297 JOÀO

iii'iii ;i Judéia; ficou ai com eles e co- náo sou o M essias, mas me enviaram á
a batizar. 23Também Joáo bati- frente dele. 29Quem tem a noiva é o noi-
i.iv.1 em Enom, perto de Salim, onde vo. Aquele que o ouve alegra-se por
lluvia agua abundante. A multidáo acor- ouvir a voz do noivo. E nisso consiste
11,1 1- se batizava. 24(Ainda nao haviam m inha alegría com pleta. 30Ele deve
pnslo Joáo na prisao.) crescer, eu diminuir.
Surgiu urna discussáo dos discípu-
ln'. de Joáo com um judeu a propósito E nviado de Deus — 3lQuem vem de
ili purilicagoes. 26Foram a Joáo e lhe cima está acima de todos. Quem vem
ilisseram: da térra é terreno e fala coisas terrenas.
Rabi, aquele que estava contigo Quem vem do céu está acima de to­
na outra margem do Jordáo, de quem dos. 32Ele testemunha o que viu e ou­
ili'sle testemunho, está batizando, e to- viu, e ninguém aceita seu testemunho.
ilns váo a ele. 33Quem aceita seu testem unho acredi­
•''Joáo respondeu: ta que Deus é veraz. 340 enviado de
— Ninguém pode arrogar-se coisa Deus fala das coisas divinas, pois Deus
ultim a, se Deus nao a conceder. 28Vós náo dá o Espirito racionado. 350 Pai
f<uis testemunhas do que eu disse: Eu ama o Filho e póe tudo em suas máos.

viuia - esposa e esposo, voz e alegría - foi de; e assim o testemunho pode dar “vida
lomada de Jeremías, que a repete como eterna” ou colocar sob a “ira (condenado)
leitmotiv de tragédia e restaurado: “A voz de Deus”.
nlcgre e a voz gozosa, a voz do esposo e a 3.31 No contexto ¡mediato, este ver­
voz da esposa” (com ritmo e rima no ori­ sículo poderia ser aplicado a Joáo e a Je­
ginal hebraico: 7,34; 16,9; 25,10; 33,11; sus. Joáo ensina e prega práticas válidas
muda ressoa em Ap 18,23). Jesús é o Mes- aquí e neste regime. Jesus procede de ou­
nias esposo, Joáo é o amigo que escuta. A tra esfera. Isolado do contexto, o versículo
"voz” precisa ser ilustrada com trechos do tem um alcance geral: só Jesús é media­
( '('íntico dos Cánticos. E a esposa? Talvez dor da revelado definitiva (lJo 4,5). Mais
Joáo a tenha preparado com o banho de aínda: pela origem e pela glorificado (cf.
purificado (como é costume nos casamen- F1 2,9-11).
los). A voz da esposa talvez fique penden- 3.32 O “ninguém” se relativiza ñas pa-
Ic até chegar “a hora” da ressurreigáo. lavras seguintes (como ocorre p. ex. no
( 'rescer e diminuir sao os verbos da fecun- salmo 14). Ou seja, ninguém, se náo for
ilidade e sua antítese (Jr 30,19; cf. perú por revelado (Mt 11,27).
urcbu de Gn 1,28). Sáo as últimas pala- 3.33 Acredita: ou póe um selo. A aceita­
vras de Joáo Batista neste evangelho. d o pela fé é correlativa da revelado, por
3,31-36Amaioria dos comentaristas pen- isso o homem pode acreditar que Deus é
sa que estes versículos sáo continuado dis- veraz no que revela ou fiel no que promete.
lante do coloquio de Jesús com Nicodemos; 3.34 Jesús é o enviado de Deus por
ns relagóes temáticas e verbais sáo abun­ antonomàsia; em fu ndo dele foram envia­
dantes. Náo se tem atinado com a explica­ dos os profetas. É o Espirito que permite
d o do lugar que agora ocupam no relato. pronunciar “as palavras (oráculos) de
() texto se desdobra em antíteses elementa­ Deus”. Assim sucedía aos profetas do AT,
res, conforme o gosto de Joáo: celeste/ter­ embora possuíssem participares medidas
reno, crer/náo crer, vida/ira de Deus. do Espirito (cf. Nm 11 para o governo),
O discurso se remonta a uma visáo tri- ao passo que Jesus possui a plenitude des­
nitária em agáo. O Pai ama o Filho, con- se mesmo Espirito.
lia-lhe tudo, dá-lhe o Espirito em plenitu- 3.35 E o amor trinitàrio que permitirá
ile, envia-o. O Filho cheio do Espirito dá definir “Deus é amor” (lJo 4,8). Como
lestemunho do que viu e ouviu (3,11), coi­ recebe tudo em suas máos, também pode
sas celestes. O homem acolhe esse teste- comunicar o Espirito (6,63). Esse tema é
inunho pela fé, recusa-o pela incredulida- desenvolvido ao longo do Evangelho.
JOÁO 298

36Quem eré no Filho tem vida eterna. 3abandonou a Judéia e se dirigiu nov.i
Quem nao eré no Filho nao verá a vida, mente para a Galiléia. 4Tinha de ati.i
pois nele perm anece a ira de Deus. vessar a Samaría. 5Chegou entáo a um
aldeia da Samaría chamada Sicar, peí
Jesús e a sam aritana — [Os fari- to do terreno que Jacó dera a seu fílln*
4 seus ficaram sabendo que Jesús ga-
nhava mais discípulos e batizava mais
José. 6A í estava o po§o de Jacó. Jesus,
cansado da viagem, sentou-se tranqiii
que Joáo. 2(Se bem que fossem seus dis­ lamente junto ao po<¿o. Era meio-du
cípulos que batizavam , nao ele pes- 7Chega urna mulher da Samaría pai.i
soalmente.) Quando soube disso, Jesús tirar água. Jesús Ihe diz:

3,36 Crer e náo crer sáo atitudes que cada de Os 2: infiel ao marido Yhwh (<
configuram a vida inteira, como vida eter­ 2,4.6), entregue aos ídolos amantes (2, /
na ou como fracasso definitivo. 9), pervertendo o culto (2,15), ameagad«
de morrer de sede (2,5); mas cortejad,i
4,4-42 Aqui temos um daqueles capí­ a sós por Yhwh (2,16), reconciliada (,'
tulos em que Joáo faz brilhar seu talento 17-18.21), de modo que comega um 11
de narrador e muito mais sua capacidade cío agrário (2,23-24) e a fecundidade dn
de entrelagar no relato, discretamente, mulher.
símbolos de perspectiva profunda. Sendo 4,4 Tinha que atravessar a Samaría. A
relativamente ampio o relato, convém in­ indícagáo geográfica exata e banal se caí
dicar alguns pontos de referencia do pro- rega de novo sentido. Na Samaría come
cesso. A principio, Jesús aparece sobre o ga quase o paganismo. Desde a conquislii,
paño de fundo patriarcal, doador de um deportagáo em massa e nova coloni/;i
dom táo precioso para os patriarcas co­ gao por obra da Assíria, a Samaría loi
mo a água. Segundo: Jesús é um profe­ olhada com hostilidade e desprezo pe
ta (v. 18): porque adivinha uns fatos ou los judeus; e ela correspondeu com su.i
porque denuncia urna conduta? Terceiro: hostilidade (p. ex. no tempo de Esdras c
Jesús é o Messias que também os sama- Neemias). Mas Jesús tem urna missáo n.i
ritanos esperam (v. 26). Quarto: é o Sal­ Samaría.
vador do mundo, na confissáo dos sama- 4,5-6a A primeira cena está sob o sinal
ritanos (v. 42). da água: elemento vital para o homem, di
No desenrolar do diálogo e das agóes modo especial para aquelas regióes e cuI
sucedem-se uns saltos temáticos que po- turas, elemento que se presta para o uso
dem desconcertar numa primeira leitura. simbólico. Dele o AT oferece abundante-
Da água do matrimonio (concubinato), testemunhos. Leia-se entre outros Gn 2f>
deste a urna consulta cultual; muda a cena para apreciar o que significavam os po
com a saída de um personagem e a chega- gos para aqueles pastores seminómades
da de outros, e surge o tema agrario da O Génesis náo menciona esse pogo; mn
colheita. Como se coordenam? Bebida e se Jacó comprou um terreno (Gn 33,19;
refeigáo sáo companheiras obvias; do pogo 48,22; Js 24,32), podemos deduzir qur
d’água ao matrimonio, o AT nos acostu- estava provído de um manancial. Os doi-,
mou a transitar pela via do símbolo. Mais dados, pogo e patriarca, sáo funcionáis no
difícil 6 o salto ao culto e sobretudo á ima- relato.
gem agrária. 4,6b A hora do calor (sexta = sesta), o
Pois bem, coloquemos como paño de cansago da caminhada, a sede junto ao
fundo o capítulo matrimonial de Os 2 pogo sáo elementos que o narrador pre
(com apoio em outros textos de Oséias), dispóe para trabalhar com eles.
e se justificará a construgáo de Jo 4, além 4,7 O diálogo vai ser um jogo de pe
de urna série de detalhes. Como o texto dir e recusar, oferecer e pedir; como de
de Oséias é concentradamente simbóli­ graus para subir e saltar ao plano superioi
co, ao sobrepor-lhe o de Joáo, este se tor­ do “dom de Deus”. (Diz um comentaris
na simbólico ao quadrado. A “mulher ta: como na cruz, pede água para depois
samaritana” é como a Samaría personifi- dá-la.)
299 JOÁO

l)á-me de beber. — A quele que beber esta água volta-


"(Os discípulos tinham ido á aldeia rá a ter sede; 14quem beber a água que
. lim p ia r com ida.) 9A sam aritana lhe eu lhe darei jam ais terá sede, pois a água
triponde: que lhe darei se transform ará dentro
Como é que tu, sendo judeu, pe- dele em manancial que brota dando vi­
ilr’i de beber a urna mulher samaritana? da eterna.
II K judeus nao se dáo com os samari- 15Diz-lhe a mulher:
I ‘t i l o s . ) — Senhor, dá-me dessa água, para
"lesus lhe respondeu: que eu nao tenha sede e nao tenha de
• Se conhecesses o dom de Deus e vir aqui para tirá-la.
i|iirin é que te pede de beber, tu pedi- 16Diz-lhe:
iíiis a ele, e ele te daria água viva*. — Vai, chama teu marido e volta aqui.
"A mulher lhe diz: 17A mulher lhe respondeu:
Senhor, nao tens balde e o pogo — Nao tenho marido.
i profundo; de onde tiras água viva? D iz-lhe Jesús:
1 Acaso és m aior que nosso pai Jacó, — Tens razáo em dizer que nao tens
i|iir nos deixou o pogo do qual bebiam m arido, 18pois tiveste cinco homens, e
ríe, seus filhos e rebanhos? tampouco o de agora é teu marido. Nis-
1'Jesús lhe respondeu: so disseste a verdade.

4.8 O distanciamento dos discípulos “em ti está a fonte viva”; “com gozo tira­
ilrixa a sós a mulher e o homem. Com de­ reis água do manancial da salvagáo” (Jr
licada discrigáo Joáo nos faz entrever o 2,13; SI 36,10; Is 12,3). A do pogo mata a
plano simbólico do amor. Junto a pogos sede cada vez que se bebe, e se torna a
«ucedem os encontros de Rebeca, Raquel, beber. A sua sacia a sede definitivamente
Se lora (Gn 24; 29; Ex 2,15-22); a esposa porque se converte dentro da pessoa em
é urn pogo (Pr 5,15-18). manancial. Que brotará perpetuamente ou
4.9 Para esta mulher, a caridade tem que comunicará uma vida ¡mortal. A água
lionteiras. Suas palavras expressam mais de Jesús pode ser sua revelagáo ou o dom
ilespeito que estranheza (Esd 4,3). do Espirito (7,37-38).
4.10 Soa o verbo “saber”, táo importan­ 4.15 Segundo mal-entendido ou corte do
te no evangelho de Joáo. E também em tema por enquanto. Da água do pogo Je­
Os 2; “ela nao compreendia que era eu sús passa (bruscamente ou suavemente?)
i|iiem lhe dava...” concretamente (2,10) ao assunto matrimonial. Lendo Os 2,5, o
iliz que ela náo compreendia que era dom salto de Jo 4,16 surpreende menos: “eu a
ilo Senhor. Conhecer o dom e também a transformarei numa térra seca, a farei mor-
pessoa, “quem é”; dom que ela irá desco- rer de sede”. A mulher dos seis amantes
lirindo gradualmente “e conhecerás o Se­ sofre outro tipo de sede: “abre a boca ... t
nhor” (Os 2,22). * Ou: água de manancial. bebe de qualquer fonte que aparece” (Eclo
4,11-12 Primeiro mal-entendido (no es- 26,12).
Iilo de Joáo). A sutil ambigüidade de “água 4.16 Ir buscar água na fonte pública era
viva” ela a resolve em “água de nascente, tarefa normal das mogas (Rebeca, Raquel,
nao estancada” ou recolhida em cisternas Séfora) e o seria também das casadas,
(cf. Jr 2,13; Is 48,21). Táo rico é o manan­ como fungáo doméstica. Pela idade da
cial do lugar, que desde os tempos do pa­ mulher, pode o viajante deduzir que é ca­
triarca Jacó está manando e matando a sede sada, só que Jesús olha mais longe.
de geragóes. Náo se crerá maior que Jacó, 4.17 A palavra grega significa homem/
o judeu viajante, o pai das doze tribos (Gn varáo e marido (como na nossa língua
■18,22). “mulher”), o que permite o jogo de pala­
4,13-14 Jesús revela o sentido simbóli­ vras que se segue. Ver também a sutil e
co das suas palavras, a sua interpretagáo grave distingáo de Os 2,18.
da água, de acordo com a tradigáo bíblica: 4.18 O número exato de cinco poderia
"Abandonaram-me, fonte de água viva”; aludir ao comego da idolatría ou sincre-
JO Á O

19D iz-lhe a mulher:


— Senhor, vejo que és profeta. 20Nos-
0 OS pais prestavam culto neste monte;

-s/ós, ao contràrio, dizeis que é em Jeru­


300

ao Pai em espirito e de verdade. I .il.


culto que o Pai procura. 24Deus <■ I ■
pírito, e os que lhe prestam culto luis.
rao de fazé-lo em espirito e de vcul.»i>
1
s a le m que se deve prestar culto. 25Diz-lhe a mulher:
21Jesus lhe diz: — Sei que virá o M essias (isiti i
— Cré em mim, mulher. Chega a hora Cristo). Quando ele vier, nos e x p lii|t|
que nem neste monte nem em Jeru- tudo.
^ a lé m se prestará culto ao Pai. 22Vós 26Diz-lhe Jesús:
p re s tá is culto ao que desconheceis, nós — Sou eu, aquele que fala contijM
¿Jamos culto ao que conhecem os; pois 27Nisso chegaram os discípulos • m I
0 salvaQáo procede dos judeus. 23Mas maravilharam ao vé-lo falar coni unió
¿jhega a hora, e já chegou, em que os que mulher. Mas ninguém lhe pergunlnii »
p restam culto autèntico prestaráo culto que procurava ou por que falava o mi

tism o na Samaria (2Rs 17,33); em cinco pode-se recordar-lhes a denuncia prolril


erm idas prestavam culto a sete divinda- ca (Os 8,2), “gritam: Nós te conheccmn :
c3es, além de Yhwh. Mais importante que Deus de Israel”; e é grito falso.
O número é a alusáo aos muitos “aman­ A salvagáo vem dos judeus, como
te s ” = ídolos de Os 2,7.9.12.14.15.19; é manifestou ¡mediatamente depois da qm
Jinguagem corrente chamar a idolatria de da da Samaría. Além do maís, quem trn/ n
fornicagào ou adultèrio. salvagáo é Jesús, que é da tribo de Juilil
4.19 O profeta que adivinha é também como Davi.
o profeta que denuncia: “Vieste á minha 4,23-24 O culto é válido se é expressíln
casa para recordar minhas culpas?” (cf. de uma atitude profunda. O novo culln
J.Rs 17,18; Os 6,5). A mulher o toma no estará insp¡rado e guiado pelo Espirito «
primeiro sentido, e o aproveita para uma partir de dentro do homem. Os sinais ex
consulta nacional. ternos ficam relativizados. Tal é a vontn
4.20 Trata-se da controvèrsia já secular de do Pai revelada por Jesús. Deus é Espi
gobre o lugar autèntico do culto a Yhwh: o rito, ou seja, livre, dinámico, náo pode sel
fnonte Siáo em Judá (reforma de Josias) agarrado (3,8). Os recintos náo submelcm
ou o monte Garizim na Samaria (memo­ o ar de sua presenta, o vento de sua aga<>
ria patriarcal). O lugar do culto, a legiti- 4.25 A resposta da mulher parece evasi
fnidade de um templo, è assunto vital na va: o pronunciamento do profeta náo con
feligiáo de Israel e de outros povos (Dt vence ou náo é entendido; e nós nos reme
J.1,29; 12,5-14; SI 122). Garizim pode ser temos ao veredicto definitivo do Messias.
um “lugar alto” como os que os profetas quando ele chegar. Os samaritanos o idcn
condenavam? (p. ex. Os 10,8; Jr 19,56). tificavam com o profeta anunciado poi
O profeta itinerante e inesperado poderá Moisés: “Suscitarei um profeta entre seu>.
ge pronunciar: “até que venha um profeta irmáos... porei minhas palavras em sua
para resolver o caso cúltico (lM c 4,46). boca, e vos dirá o que eu quiser” (Di
4.21 A resposta è radical: nem um nem 18,18).
outro; aproxima-se um regime novo. E 4.26 Jesús se declara abertamente. Mas
inesperadamente substituí o implicito Yhwh seu conceito de Messias é diferente e su
ou “nosso Deus” por “o Pai”, como se a perior. A fórmula “Eu sou” é uma das que
revolugáo cultual fosse provocada pela seráo repetidas ao longo do evangelho,
revelagáo de Deus como Pai e pelo dom com ou sem predicado (6,35; 8,12.23.28),
do Espirito. O culto autèntico, ao Deus carregando-se de valor revelador (nela po
acessível como Pai, já náo estará ligado de ressoar o “Eu sou” da revelagáo a Moi
jiem circunscrito a um lugar. sés, Ex 3,14).
4.22 “O que náo conheceis” è expres- 4,27-30 Muda a cena. Os discípulos se
sáo durissima, sobretudo à luz de Dt 13,7, admiram: porque fala a sos com uma mu
que define os deuses falsos. Se os sama- lher desconhecida, ou porque náo era eos
ritanos pensam conhecer o que adoram, tume de Jesús, ou porque um rabi náo
301 JOÁO

H "'A iimlher deixou o cántaro, foi á clareando para a colheita. 360 ceifador
«Mxln r disse aos vizinhos: já está recebendo sua diária e colhendo
,gV¡nde ver um hom em que me fruto para a vida eterna; assim o cele-
h M|Iiiii o i|iic fiz: será ele o Messias? bram semeador e ceifador. 37Desse mo­
*Tlrs saíram da aldeia e acorreram do se cumpre o refráo: um semeia e ou-
f f|t< "Entretanto, os discípulos lhe tro ceifa. 38Eu vos enviei para colher
onde nao trabalhastes. Outros trabalha-
Knbi, come. ram e vós entrastes para tirar proveito
« h e lites disse: de suas fadigas.
lenho um sustento que vós nao 39Nessa aldeia muitos creram nele pe­
üMfllirccis. lo que a mulher contara afirmando que
)s discípulos comentavam: lhe tinha dito tudo o que fizera. ^'Os sa-
Será que alguém lhe trouxe de maritanos acorreram a ele e lhe pediam
WMiirr? que ficasse com eles. Permaneceu ai dois
“ Irsus lhes diz: dias, 41e muitos outros creram por causa
Meu sustento é cum prir a vontade das palavras dele; 42e diziam á mulher:
il*i|iirle que me enviou e term inar sua — Já nao eremos pelo que nos con­
iiliiit l5Náo dizeis vós que faltam qua- taste, pois nós m esm os escutam os e
Ifn meses para a ceifa? Pois eu vos digo: sabemos que este é realmente o salva­
levantai os olhos e observai os cam pos dor do mundo.

tuli versa sobre coisas sérias com mulhe- dourados de espigas, o traballio, o salàrio
im (cf. Eclo 9,3.5.8.9 no contexto) O e o gozo da colheita (Is 9,1; SI 4,8), o re­
muñidor testemunha a liberdade limpa de fráo resignado “um semeia, outro ceifa”.
I u k i i s . Eia, interiormente transformada, O sentido transcendental é transparente. Os
Mitncça sua campanha de divulgaçâo so- profetas semearam a seu modo, e Jesús está
lifrpondo os dois títulos: o de profeta adi- semeando. Ai já existe urna messe espiga­
vIiilio certo (cf. Os 7,1 “manifesta-se o da, os samaritanos maduros para a fé (a
ilrlito”), e o de Messias duvidoso. Foi con- Samaria que Yhwh semeará para si, Os
lugiada pelo desejo missionàrio. 2,25). Fica pendente uma colheita maior que
4,31-34 A refeiçâo forma díptico com a caberá aos discípulos recolher. A colheita
liebida. Desta vez sao os discípulos a to- escatològica: “Naquele dia o Senhor tri-
inarcm a iniciativa, e acontece outro mal­ lhará as espigas desde o Grande Rio até a
entendido, que provoca a explicaçâo trans­ Torrente do Egito; mas vós, israelitas,
cendente. É algo que tampouco os íntimos sereis respigados um por um” (Is 27,12).
"sabem, conhecem”. O que alimenta e dá Todo um programa missionàrio.
forças a Jesús é cumprir o designio daquele 4,39-42 Sucede uma conversáo prodi­
que o enviou (variante de Dt 8,3); o ali­ giosa de samaritanos semipagáos. A mu­
mento já náo é a lei nem a sabedoria (SI lher foi a evangelizadora (adiantando-se a
19,11; Pr 9,5; Eclo 24,18). Cabe a Jesús Maria junto ao sepulcro, 20,11-18) e de-
terminar a tarefa que Deus suspendeu no sencadeou um processo. Ao ouvi-la cre­
Nétimo dia da criaçâo (Gn 2,2). ram “nele”; crendo acorreram a ele; ou-
4,35-38 O que foi a açâo de Jesus pre­ vindo-o creram mais e melhor. E fazem
gando a uma semipagá, eleva-se a princi­ sua profissáo de fé, “sabemos, conhece-
pio e exemplo de expansáo missionària. mos” que Jesús é o Salvador do mundo
Da refeiçâo se passa suavemente ao tema (cf. Is 45,15.21) náo só de judeus e sama­
agràrio: semeadura, ceifa e colheita, como ritanos; náo só profeta ou Messias po­
itnagens do ministério presente de Jesus e lítico. O Salvador é e traz a salvagáo,
futuro dos discípulos. Pode-se comparar revelado e vida. O título pagáo de sobe­
com a versáo breve dos sinóticos (Mt 9,37; ranos, assumido pelos cristáos e predi­
[j: 10,20). Pertencem à linguagem corrente cado de Jesús, adquire um sentido novo,
a frase (provèrbio?) “daqui a quatro me­ autèntico, definitivo. Título que já lemos
ses a ceifa”, a visáo oposta dos campos já no AT.
JOÂO 302

43P assados os dois d ias, transferiu- 49Diz-lhe o funcionário real:


se d ai p ara a G aliléia. 440 proprio Je ­ — Senhor, desee antes que meu nu
sus h avia d e c la ra d o q u e um p r o f e ­ nino morra.
ta nao recebe honras em sua pàtria. 50Jesus lhe diz:
45Q uando chegou à Galiléia, o recebe- — Vai! Teu filho vive.
ram os galileus que tinham visto tudo Ele confiou naquilo que Jesús dizi.i i
o que fez em Jeru salém d u ran te as se pôs a caminho. 51Estava descernió,
festas; pois também eles tinham ido ás quando os servos saíram ao encomie
festas. dele para anunciar-lhe que seu menine
estava bem. 52Perguntou-lhes a que lio
C u ra o filho do funcionário (Mt 8,5- ras havia melhorado, e lhe disseram qu«,
13; Le 7,1-10) — 46Foi novamente a no dia anterior, a urna da tarde, a febu
C aná da Galiléia, onde havia transfor­ havia passado. 530 pai comprovou que
m ado a água em vinho. Havia ai um era a hora em que Jesús lhe disse que
funcionário real cujo filho estava doen- seu filho estava vivo. E acreditou noli
te em Cafarnaum . 47Ao ouvir que Jesús com toda a sua familia. 54Este foi o si
tinha ido da Judéia para a Galiléia, foi gundo sinal que Jesus fez quando se
visitá-lo e lhe suplicava que descesse transferiu da Judéia para a Galiléia.
para curar seu filho que estava à morte.
^ J e s u s lhe disse: C ura o enferm o da piscina
— Enquanto nào virdes sinais e pro­
digios, nao crereis.
5
'Passado algum tempo, os judeir.
celebravam urna festa, e Jesus subiu n

4,43-45 Terminada com grande éxito a 1,22), ele insiste alegando a urgéncia. Qu;m
jnissáo na Samaría, Jesús retorna á Gali­ do Jesús pronuncia sua palavra, o homem
léia, onde é bem recebido, embora super­ eré nele. Quando comprova cuidadosa
ficialmente: pelos milagres presenciados mente o milagre, creu nele com toda a fa
em Jerusalém. O v. 44 é uma variante do mília. Jesús náo desceu a Cafarnaum, foi
que se le nos sinóticos (Me 4,4; Le 4,24) sua palavra que alcangou eficazmente o
fnelhor situados. Para que tenha sentido moribundo: no Logos havia vida (1,4), “a
¿iqui, nao podemos referi-lo á Galiléia, mas Palavra de vida. A vida se manifestou: nós
gim á Judéia, apoiando-nos em 4,22: o a vimos e damos testemunho” (lJo 1,1-2).
¡Vlessias é judeu de tribo, e entre “os ju- Que o pai arraste a familia inteira é cor
¿leus” encontrou hostilidade. rente, dada a estrutura familiar da época
4,46-54 Por meio de uma inclusáo, Joáo (ver p. ex. o caso de Cornélio em At 10).
define um ciclo de atividades de Jesús,
para tanto, transiere a cena dos sinóticos 5,1 Cometa uma série com uma indica
(M t 8,5-13 e Le 7,1-10) a Caná, com os re­ gáo temporal vaga: “uma festa”. Uma tra
toques correspondentes. O primeiro sinal digáo antiga e alguns manuscritos infor
s e insere na plenitude da vida, uma festa mam que era a Páscoa. Por esse dado c
¿e casamento; o segundo está no limite da porque a multiplicado dos páes acontece
vida e da morte, um ponto que nao pede na Galiléia, alguns comentaristas invertem
jtiuita elaborado simbólica. Joáo náo diz a ordem dos capítulos 5 e 6. O texto do
que o homem era pagáo; apresenta-o como relato só esclarece que era sábado. O ca
funcionário do rei (tetrarca) Herodes An­ pítulo 6 se coloca pouco antes da Páscoa:
tipas, com residéncia em Cafarnaum. O 7-8 pertencem á festa das Tendas; 10,22-
doente náo é o criado, mas o filho. Se o 39 á Dedicagáo. Dessa maneira Joáo repai
j^iilagre demonstra o poder de Jesús dian­ te a atividade de Jesús pelas festas tradicio-
te da morte iminente (cf. SI 30), o funcio­ nais judaicas. Deixada a Galiléia, o campo
nario encena o processo da fé. Cometa de operagóes seráo Jerusalém e Judá.
com um ato de confianza baseada na fama O desenvolvimento da perícope é sim­
¿e Jesús, a quem pede um milagre. Quan- ples: após um relato de milagre (1-9) veni
¿o Jesús critica a ánsia de milagres (lCor uma controvérsia sobre o sábado (10-18);
303 JOÁO

leí usalcm. 2Havia em Jerusalém, junto 8D iz-lhe Jesús:


.1 porta dos rebanhos, urna piscina cha­ — Levanta-te, toma o teu leito e ca-
ntada cm hebraico Betesda, com cinco minha.
pellicos. 3Jazia neles urna multidáo de 9Im ediatam ente esse hom em ficou
(Hili’.rmos, cegos, coxos e m utilados, curado, pegou o leito e pós-se a andar.
nuiiardando que as águas se movessem. Mas esse dia era sábado; 10por isso os
| Tcriodicamente um anjo descia á pis­ judeus disseram ao que foi curado:
cina e agitava a água, e o primeiro que — Hoje é sábado; náo podes trans­
ilrscesse logo que a água fosse agita- portar o leito.
iln, l'icava curado de qualquer doenga n Respondeu-lhes:
i|iu' sofresse.] 5Havia ai um homem que — A quele que me curou disse-m e
«lava enferm o há trinta e oito anos. para pegar o leito e caminhar.
"Icsus o viu deitado e, sabendo que es­ 12Perguntaram-lhe:
lava assim há muito tempo, lhe diz: — Quem te disse para pegar o leito e
— Queres curar-te? caminhar?
70 enfermo lhe respondeu: 130 homem curado náo sabia quem
— Senhor, nao tenho ninguém que era, pois Jesús se havia retirado de lu­
MIC coloque na piscina quando a água gar táo concorrido. 14Mais tarde Jesús
«Cagita. Quando chego, outro já entrou. o encontra no templo e lhe diz:

iluí, sobe-se a um discurso de revelacáo impossibilitado e “ninguém o ajuda”. Ex-


(19-30). pressáo clàssica da oragáo (SI 22,12; 107,
5,2-9a O doente é um p a ra lític o ou alei- 12-34), também presente na profecía (Is
jlido crónico, impedido físicamente e náo 63,5) e na elegía (Lm 1,7). De modo que
muito desembarazado mentalmente, pois Jesus vai ser sua única salvagáo. A ordem
padece de urna notável fa lta de in ic iativ a. é semelhante á que dá ao paralítico nos
() lugar é urna piscina d iv id id a ao meio, relatos dos sinóticos (Mt 9,6 par.). Joáo
de modo que se fo rm a m cinco séries de nada diz de possessáo diabólica nem de
pórticos, que a c o lh e m numerosos e varia­ espíritos ¡mundos; mantém-se no plano
dos doentes (cf. Is 35,5-6). Pela glosa do simples da doenga. A palavra, mandato de
v. 4 averiguamos que dependía de urna Jesús, brota da compaixáo e é eficaz. Cu­
lonte in te rm ite n te , cuja atividade o povo rar é parte de sua missáo.
atribuía a intervengáo sobrenatural. Foi 5,9b-18 Esta segunda parte náo é mera
eseavada em época recente: encontra-se, coincidencia, mas sim razáo da primeira.
ile fato, p e rto de urna das p o rta s de Jeru- O fato da cura milagrosa se erige em prin­
Nalém; lite ra lm e n te “a (p o rta ) das Ove- cipio de conduta, se converte em terreno
llias”. As suas águas se atribuía virtude te­ de controvèrsia dramática. O doente náo
rapéutica variada, que atraía doentes de agradece nem fica sabendo quem é seu
diversa ín d o le . Da resposta do doente se insigne benfeitor; cumpre ordens muito
deduz claramente que a quantidade de água contente e despreocupado. Os guardiáes
de cada atividade era muito limitada e só da lei e de sua observancia o interpelam: o
se aproveitavam déla os primeiros. descanso sabático era um dos preceitos
Jesús toma a iniciativa: vé e conhece. A mais sagrados, e somente o perigo de mor­
pergunta de Jesús, como outras semelhan- te suspendía sua vigencia. Ele responde
¡es, pode soar como desafio e como repre- com lógica elementar: se a saúde obede-
ensáo: queres de fato?, fazes algo para ceu ao mandato daquele homem, por que
consegui-lo? Jesús quer que o enfermo náo deverà obedecer aquele que recupe-
salte da desesperanza resignada á esperan­ rou a saúde?
za e á vontade de viver. A pergunta se des­ 5,14 De novo Jesus toma a iniciativa
loca do contexto e interroga o leitor. Ao para encontrá-lo no templo; e ai, apoiado
dizer “curar-te”, Jesús abarca mais que a na tradicional vinculagáo da doenga com
saúde corporal. Sua pergunta só obtém o pecado, o exorta a urna emenda radical,
urna desculpa que sublinha a desgrana: está cura mais profunda do espirito. Compare-
JOÀO 304

— Ve: Estás curado. Nao voltes a pe­ Autoridade de Jesús — 19Jesus tomón
car, para que nao te acóntela algo pior. a palavra e lhes disse:
lsO homem foi e disse aos judeus que -— Eu vos asseguro:
era Jesús quem o havia curado. 16Por O Filho náo faz nada por sua conia
esse motivo os judeus perseguiam Jesús se náo vé o Pai fazer.
por fazer tais coisas no sábado. 17Jesus, O que este faz
porém, lhes disse: o Filho o faz igualmente.
— Meu Pai continua trabalhando e 20Porque o Pai ama o Filho
eu também trabalho. e lhe mostra tudo o que faz;
18Por esse motivo os judeus, com mais e lhe mostrará agóes maiores,
em penho, tentavam m atá-lo, porque para que vos admiréis.
nao só violava o sábado, mas além dis­ 21Assim como o Pai levanta os morto',
so cham ava a Deus de seu pai, igualan- e lhes dá vida,
do-se a Deus. assim o Filho dá vida aos que quei

se a presente ordem com o clássico (resu­ Joáo é por correlagáo de semelhantes ou


mido): “Consumiam-se meus ossos quan- de opostos, náo tanto por dedugáo de prin
do calava... tua máo pesava sobre mim ... cípios e conseqüéncias. As partes se im
Confessei meu pecado... e tu perdoaste plicam reciprocamente, de modo que o
meu pecado... — Eu te ensinarei o cami- discurso pode passar de urna á outra. Eis
nho que terás de seguir” (SI 31; 38). Pela aqui as principáis correlagóes: Pai/Filho,
conversa, talvez pela referencia ao peca­ ouvir o Filho/crer no Pai, Filho de Deus/
do, o homem vem a saber quem é que o filho de homem, vida/julgamento, ouvir a
curou, e o conta ingenuamente as autori­ palavra/ouvir a voz, os mortos/os sepulta
dades judaicas. dos, fé/conduta.
Assim se chega ao choque, que se des­ Embora o Pai tenha a iniciativa de ensi
prende bastante do relato. Se em Me 2,27 nar, enviar e entregar, o Pai e o Filho sao
Jesús apela para a dignidade do homem, iguais: na agáo (v. 19), no ter vida (v. 26),
que náo pode ser escravizada por urna ins- no dar vida (v. 21), em ser honrados (v.
tituigáo, aqui levanta-se urna razáo teoló­ 23). Colocam-se em relagáo quando quem
gica de grande alcance. O “alimento” de ouve a palavra do Filho eré naquele que o
Jesús é “realizar a obra do Pai” (4,34). enviou (v. 24). E próprio do Filho, por ser
Segundo os precedentes da legislarlo, vio­ homem, o julgar ou pronunciar sentenga
lar o sábado e blasfemar mereciam pena contra os que náo creram e agiram mal (vv.
de morte (Nm 15,32-36; Lv 24,10-16). Por 22 e 24). O período que comegava ao fin
ambos os motivos as autoridades judaicas dar a criagáo (Gn 2,2), abrange a historia
perseguem a Jesús: porque cura e manda e terminará no juízo final.
levar cargas no sábado (cf. Jr 17,19-27), e 5,19-20 Comega pelas obras, náo pelos
porque se iguala a Deus. E que Jesús jus- conhecimentos. Obras de Deus (Pai) fo-
tificou sua conduta dando urna interpreta- ram a criagáo, a libertagáo e conservagáo
gáo nova de Gn 2,2a: a tarefa do Pai náo do povo ao longo da historia. O Filho pre-
terminou no sexto dia da criagáo, mas con­ senciou tudo (cf. Pr 8,22-30), aprendeu o
tinua sendo feita no curso da historia. E o pode inserir suas obras no grande desig­
Filho deve fazer como o Pai. Gn 2 fala de nio e processo. Talvez se aplique aqui o
“concluir, fazer, obra”. Com esses termos e modelo da oficina do artesáo, onde o filho
com outros sinonímicos, incluido “criar”, aprende a profissáo do pai vendo-o fazer,
refere-se a atividade de Deus ao longo do imitando, cooperando; modo amoroso de
AT. Urna escatologia anuncia urna nova aprendizado. Por ora essas obras tém sido
criagáo (Is 65,17; 66,22). De maneira nova alguns milagres, mas ficam pendentes ou
e especial age Deus com e por seu Filho. tras maiores.
5,19-30 Bem articulado com os versícu­ 5,21 Entre estas a obra insigne de res-
los precedentes, o autor propóe um discur­ suscitar mortos. Porque Deus afirma: “Eu
so doutrinal em que Jesús revela sua natu- dou a morte e a vida” (Dt 32,39; ISm 2,6);
reza e missáo. O modo de raciocinar de “afunda no Abismo e levanta” (Tb 13,2
305 JOÁO

<) l‘a¡ nao julga ninguém, 27e, visto que é homem,


mas entrega ao Filho a tarefa de confiou-lhe o poder de julgar.
l'ilgar, 28Náo estranheis isto: chega a hora
'para que todos honrem o Filho em que todos os que estáo no sepul­
como honram o Pai. cro ouviráo sua voz.
i )m¡m nao honra o Filho 29Os que agiram bem ressuscitaráo
nao honra o Pai que o enviou. para viver,
1 Asseguro-vos que quem ouve a minha os que agiram mal ressuscitaráo
palavra para ser julgados.
e eré em quem me enviou, 30Eu náo posso fazer nada por minha
lem vida eterna e nao é submetido conta;
a julgamento, julgo pelo que ougo, e a minha sen-
mas passou da morte á vida. tenqa é justa,
Asseguro-vos que chega a hora, e porque náo pretendo fazer a minha
I.i chegou, vontade,
em que os m ortos ouviráo a voz m as a vontade daquele que me
do Filho de Deus, enviou.
e os que a ouvirem viveráo.
'I ’ois como o Pai possui vida em si, O testemunho de Jesús — 31Se eu des-
assim faz que o Filho possua vida se testemunho em meu favor,
em si; meu testemunho náo seria válido.

li'xlo AB); numa poderosa imagem (Is siculo com o detalhe “já chegou”. Esses
'(1,14-19). Ver-se-á em Lázaro e no que “mortos” sao os que ainda náo créem, os
c”.sa ressurreigáo simboliza, a vida nova quais, se ouvirem e atenderem à chamada
ipic o Filho “quer dar”. do Filho de Deus presente, dele receberáo
5,22-23 A tarefa de “julgar” (talvez em a vida autèntica e definitiva. Porque o Fi­
•icntido ampio) o Pai a delega ao Filho: lho, como o Pai, possui essa vida e pode
runfia teu julgamento ao rei, tua justiga a comunicá-la (Jo 1,4; lJo 1,1-4).
mu filho de rei” (SI 72,1) e com eia a hon- 5,27-29 Passa à escatologia adiada, ou
iii conseqiiente). Por isso, a honra presta­ seja, ao futuro juízo final. Jesús, como
da ao Filho redunda no Pai (cf. Eclo 3,11). homem e segundo a visáo de Daniel (Dn
5,24 “Julgamento” significa aqui um 7,14), recebe do Pai o poder de julgar em
discernimento, urna prova e comprovatilo última instáncia, no juízo definitivo, ao
di: qualidade, antes de aceitar e acolher qual deveráo comparecer todos (Dn 12,2):
(como a selegáo que Yhwh anuncia em Ez uns para a vida, outros para a condenagáo:
.’0,35-38). Pois bem, os que ouvindo a essa é a alternativa. A palavra grega signi­
palavra de Jesus creram no Pai nao sao fica em primeiro lugar o levantar-se e, dai,
submetidos a esse julgamento de compro­ ressuscitar. Os que jazem “poem-se de pé”
v a lo , porque crendo já deram o grande (Ez 37,10) para comparecer.
passo “da morte á vida”. Ou seja, a vida 5,30 Com este versículo retoma ao tema
definitiva que Jesús comunica pela fé. do cometo e concluí. Sua sentenza pre­
5,25-26 Há urna escatologia iminente, sente e futura é justa (cf. Is 11,3), náo é
urna adiada, uma antecipada ou realizada. parcial (cf. 2Cr 19,7; At 10,34; Rm 2,11)
A primeira produz a expectativa de comu­ nem interessada; ajusta-se ao designio da­
nidades primitivas, que consideravam pró­ quele que o enviou.
xima a vinda gloriosa do Senhor. A adiada 5,31-47 Um segundo discurso de Jesús
se impòe quando passa uma geragáo sem versa sobre o testemunho, tema central
que chegue a parusia. A antecipada diz que deste evangelho. E necessàrio um teste­
il escatologia já está em ato, na comunida- munho que garanta a missáo de Jesús. Tes­
de cristá, desde a ressurreicáo de Jesús. temunho em pròpria causa náo vale (cf.
Também se pode chamar escatologia 8,14.17; Pr 27,2); é necessàrio o testemu­
presente: é a que Joáo propoe. Neste ver- nho alheio de uma testemunha fidedigna
JOÁO 306

32Outro testemunha em meu favor, e testemunham em meu favor qm u


me consta Pai me enviou.
que seu testemunho em meu favor 37Também o Pai que me enviou
é fidedigno. dá testemunho em meu favor.
33V ós en v iastes urna delegagáo a Nunca ouvistes sua voz,
Joáo, náo vistes sua figura,
e ele deu testemunho da verdade. 38e sua palavra náo a conserváis em vón
34E, em bora eu nao me apóie em tes­ porque náo credes naquele que di'
tem unho humano, enviou.
digo isso para vossa salvagáo. 39Estudais a Escritura pensando que
35Ele era urna lampada que ardia e ilu- encerra vida eterna:
minava, pois ela dá testem unho em meu
e vós quisestes desfrutar um pou- favor;
40 / - • • •
co de sua luz. ,umas vos nao quereis vir a mim par;i
36Eu tenho um testemunho mais va­ terdes vida.
lioso que o de Joáo: 41Já náo recebo honra dos homens;
as obras que meu Pai me encarre- 42mas de vós me consta que náo pos
gou de fazer e que eu fago suís o amor de Deus.

(Pr 14,5.25). Jesús conta com os seguin- 5,37-38 Propóe très manifestaçôes de
tes testemunhos: um humano de Joáo Ba­ Deus: a voz, a figura, a palavra. Dado que
tista (1,17-29), as obras milagrosas que junta e nega voz e figura (como Ct 2,8) <■
realiza por ordem do Pai (3,2; 10,25), o dado que no Sinai ouviram a voz de Deus,
celeste do Pai (provavelmente alude ao será preciso explicar de outro modo o
batismo, embora Joáo náo o narre; mas versículo presente. Ou se toma “voz” no
veja-se IJo 5,9-10), a Escritura, em parti­ mesmo plano que imagem, a realidade de
cular Moisés. Deus que excede os sentidos, ou se tom.i
Mas seus interlocutores náo se rendem o verbo “escutar” em sentido modal de
ante tantos testemunhos. Aceitaram a aceitar e submeter-se (em hebraico sm
“lámpada” de Joáo, mas náo a luz que ela bqwl = obedecer). Sobre o ver imagem
refletia e anunciava (1,8); as obras mila­ Dt 4,12; Ex 33,20.
grosas os desqualificam (5,18); do Pai náo Por sua vez, a “palavra” eles a recebe
conservam a palavra; a Escritura náo a ram por meio de Moisés e dos profetas
querem entender porque se negam a olhar “Muitas vezes e de muitas formas falou
na diregáo para onde ela aponta (cf. 2Cor Deus no passado a nossos pais por meio
3,13-14); em Moisés náo créem (cf. Ex 6,9 dos profetas. Nesta etapa final nos falou
como antecedente). A razáo de tanta resis­ por meio de um Filho” (Hb 1,1-2).
tencia é que vivem fechados num círculo 5,39 O estudo da Escritura (SI 1,2) es
vicioso, num sistema de louvores mutuos pecificando “lei, sabedoria, profecía, pa
e complacencias partilhadas, como intér­ rábolas, provérbios e enigmas” (Eclo 39,
pretes oficiáis e reconhecidos da lei. Fe­ 1-3). A Escritura transmite vida eterna se
chados no sistema, praticamente dáo tes­ conduz a Jesús (cf. 2Cor 3).
temunho em próprio beneficio. Usam a lei 5.41 A honra e o crédito de Jesús náo
e as observancias como instrumentos de dependem do que os homens dizem e pro
prestigio; só recebem a quem se apresenta pagam, tantas vezes interessados e mali
aceitando o sistema. A Jesús, que se dis­ ciosos. Assim o aprendeu Paulo (ICor
tancia e denuncia, náo o recebem. 4,3).
5,32 Fala em categorías jurídicas, pro- 5.42 O amor de Deus: o de Deus ao ho
cessuais. Este outro, embora náo alheio, é mem, que eles náo conservam quando se
o Pai. fecham para ele. Ou o do homem a Deus,
5,34 Se insiste em acreditar-se, é por­ que eles náo tém porque estáo dominados
que nisso está a salvaqáo dos homens, que pelo egoísmo e desejo de honrarías. Na
é sua missáo. falta dele, submetem-se a qualquer que
307 JOÁO

"I ii vim cm nome de meu Pai, e nao D á de com er a cinco mil (M t 14,
me rccebeis;
se outro viesse em nome próprio,
6 13-21; Me 6,30-44; Le 9,10-17) —
'A lg u m tem po depois, passou Jesús
vos o receberíeis. para a outra margem do lago da Galiléia
''( orno podéis crer se, recebendo hon- (o Tiberíades). ~Seguia-o grande mul-
niS mutuas, tídáo, pois viam os sinais que fazia com
nao buscáis a honra que vem so­ os doentes. 3Jesus se retirou a um m on­
monte de Deus? te e ai sentou-se com seus discípulos.
' Nao penseis que serei eu quem vos 4Aproxim ava-se a Páscoa, a festa dos
■misará diante do Pai; judeus. 5Levantando os olhos e vendo
Moisés, em quem confiáis, vos acu­ a multidáo que acorría a ele, Jesús diz
sará. a Filipe:
"'Pois, se crésseis em Moisés, creríeis — Onde compraremos páo para que
cm mim, comam?
pois ele escreveu a meu respeito. 6(Dizia isso para pò-lo à prova, pois
'WE se náo credes no que ele escreveu, sabia bem o que iria fazer.) 7Filipe lhe
como iréis crer em minhas palavras? respondeu:

pretenda ter autoridade, talvez a falsos pro- 6,3-15 Este milagre é contado pelos qua-
idas ou falsos messias. tro evangelistas e duas vezes por Mt e Me.
5.44 A gloria que só Deus dá (náo ou- As seis redagòes testemunham a venera-
liu), que dá (sem merecimentos), que é a gao com que as primeiras comunidades
auténtica. cristas conservaran! e transmitiram o mi­
5.45 De mediador da lei Moisés se con­ lagre. O fato, na redagáo final do capítulo,
vierte em testemunha de acusagáo ou em diz respeito ao passado, a Moisés, aos
liscal que acusa: “Este cántico será minha israelitas e ao maná no deserto (Ex 16), a
lestemunha contra os israelitas... Este có­ Eliseu (2Rs 4,42-44); diz respeito ao futu­
digo da lei... que fique como testemunha ro (presente para os evangelhos escritos),
i imtra ti” (cf. Dt 31,19.21.26). á celebragáo eucaristica. E que o milagre
5.46 Onde na toral Talvez nos oráculos se dirige a urna das necessidades básicas
ilc Balaáo, tidos por messiánicos (Nm 23- do homem: o alimento, que por isso é ge-
14) ou no testamento de Jacó (Gn 49,10), rador de símbolos. Joáo vai conceder mais
ou implícitamente ñas promessas a Abraáo. espago á exploragáo simbólica do que ao
relato. Por essa razáo (ou porque depende
6,1-2 As mudanzas de cenário servem, de outra tradigáo), a versáo de Joáo ignora
no narrador, de pegas de transigáo e pres- alguns detalhes significativos.
lam-se para introduzir episodios novos. O relato presente destaca a iniciativa de
I’or isso estes versículos se ligam com Jesus: arrastou o povo a uma regiáo dis­
outros do capítulo (vv. 15.22-25). Geogra- tante e afastada, observa-o, provoca o dis­
lieamente tudo acontece no lago e em tor­ cípulo, controla seu plano, dá as ordens
no dele. Em termos de atitude de Jesús, antes e depois, ele mesmo reparte o páo.
aprecíam-se o duplo movimento de retirar­ O povo o receberá como dom, de sua máo.
se á solidáo e de voltar para a multidáo. Filipe e André representam a visáo huma­
Ketira-se, porque o povo busca milagres e na, de um realismo impotente, forgada a
náo fé; volta, por causa da necessidade fí­ calcular sem resolver (o denário era a dià­
sica e espiritual do povo. Na primeira par­ ria de um operário); ao mesmo tempo dáo
le do capítulo, acontece a seqüéncia co- voz á necessidade humana. “Acorrer a Je­
mum aos evangelistas de dois milagres: a sus” (v. 5) significará passar fome?
lefeigáo prodigiosa e o caminhar sobre a 6,4 Segundo Js 5,10-12, com a primeira
ligua do lago (1-15.16-24). Segue-se o am­ Páscoa em Canaá termina o maná próprio
pio discurso sobre o páo da vida (25-50), do deserto. A última páscoa de Jesús ce­
com o qual enlaga-se o discurso eucarístico derá passagem ao novo maná.
(51-59), e concluí com a reagáo de apos- 6,5-6 Aprova supóe a ignoráncia do que
tasía e a confissáo de Pedro. é provado (exemplo clàssico, Abraáo, Gn
JOÁO 308

— Duzentos denários de pao nao bas- — Este é o profeta que devia vir ,m
tariam para que cada um recebesse um mundo.
pedago. 15Jesus, sabendo que pensavani m
8Um dos discípulos, André, irmáo de para levá-lo e proclamá-lo rei, retiroii
Simáo Pedro, lhe diz: se novamente sozinho ao monte.
— 9Está aqui um menino que tem cin­
co páes de cevada e dois peixes; porém, C a m in h a s o b re a s á g u a s — 16Ao
o que é isso para tanta gente? entardecer, os discípulos desceram :m
10Jesus disse: lago. 17Embarcaram e atravessaram o
— Fazei o povo sentar. lago em diregáo a Cafarnaum. Havia
(H avia grama abundante no lugar.) escurecido e Jesús ainda náo os tinlia
Sentaram. Os homens eram cinco mil. alcanzado. 18Soprava um vento forte i
n Entáo Jesús tomou os páes, deu gra- o lago encrespava. 19Quando haviam
gas e os repartiu aos que estavam sen­ remado uns cinco ou seis quilómetros,
tados. Fez o mesmo com os peixes: tudo viram Jesús que se aproximava do bai
o que queriam. 12Quando ficaram sa- co caminhando sobre as águas, e se as
tisfeitos, Jesús disse aos discípulos: sustaram. 20Ele lhes diz:
— Recolhei as sobras, para que nada — Sou eu, náo temáis!
se perca. 21Quiseram recolhé-lo a bordo, e ime
13Recolheram -nas e, com os pedamos diatamente a barca chegou á térra para
dos cinco páes de cevada que sobraram onde se dirigiam.
dos que comeram, encheram doze ces­
tos. f4Quando o povo viu o sinal que O páo d a vida — 22Na manhá seguin
fizera, disseram: te, a m ultidáo que ficara na outra mar

22). Joáo joga com o equívoco e o mal­ 6,16-21 Após a tarde feliz, a noite; após
entendido. a incompreensáo do povo, a revelagáo aos
6,8 O páo de cevada era páo modesto, discípulos. A versáo do milagre no lago c
de pobres ou gente simples. A historia de muito simples e despojada; náo é fácil re
Eliseu (2Rs 4,42) o menciona, e ele ocupa construir a cena. Náo faltam os elementos
todo o relato de Rute (um clássico do ho- simbólicos: a noite, o mar agitado, com
mem e do Deus doador). ressonáncias mitológicas clássicas (SI 93
6,10 O detalhe da reiva náo facilita a par.), a ausencia de Jesús. Em troca, falta
alusáo aos israelitas no deserto. a ordem soberana de Jesús que acalma o
6,11a A fórmula é inconfundivelmente mar (nos sinóticos). Seu dominio ele o
eucarística. manifesta “passeando” sobre a água: “e
6,llb-13 Comem quanto querem, ficam náo ficava rastro de suas pegadas”; cami
saciados, sobra: Jesús representa a gene- nha sobre o dorso do mar (cf. SI 77,20; Jó
rosidade de Deus “que alimenta a todos”, 9,8); o que precisa aquietar sáo os temo­
“que abre sua máo e sacia todo ser viven- res dos discípulos. Ele o faz com a fórmu
te” (SI 136,25; 145,15). Náo sabemos se la tradicional “náo temáis”, e com a fór­
com os doze cestos alude as doze tribos. mula freqüente em Jo de auto-revelacáo,
Fica claro que náo se deve desperdigar o “sou eu” (eco de Ex 3,14). Pode-se cha­
dom de Deus. mar este relato de epifanía ou cristofania,
6,14-15 O profeta ao qual se alude é o porque nele se manifesta sensivelmente a
anunciado em Dt 18,15.18, sucessor de divindade poderosa.
Moisés para instruir o povo. Por seu tumo, 6,18 É oportuno recordar o relato de
o “rei” é o Messias descendente de Davi. O Joñas e o SI 107, sobre os perigos do mar.
segundo adquire um caráter político que 6,22-25 Estes versículos servem para
Jesús quer evitar a todo custo. O povo in- mudar o cenário por via marítima, da zona
terpretou mal e superficialmente o milagre. oriental do lago á ocidental. O narrador,
Jesús busca a fé, náo o entusiasmo esporá­ que transportou fácilmente os discípulos
dico e menos ainda o fanatismo agressivo. e Jesús, náo acerta ao transportar o povo.
309 JOÀO

geni viu que ali nao havia senáo um bote, — Eu vos asseguro que me procuráis,
»mulo que os discípulos tinham ido so­ nao pelos sinais que vistes, mas por­
rullos e Jesús nao fora com eles. 23De que ficastes saciados de pao. 27Traba-
libertades chegaram outras barcas per­ lhai, nao por um sustento que perece,
iodo lugar onde Jesús dera graqas e eles mas por um sustento que dura e dá vida
llnham comido o pao. 24Quando a mul- eterna; aquele que este Homem vos da­
Ililao viu que nem Jesús nem seus discí­ rá. Nele Deus Pai pos o seu selo.
pulos estavam ali, embarcaram nos bo­ 28Perguntaram-lhe:
les e se dirigiram a Cafarnaum á procura — O que devemos fazer para traba-
tic Jesús. 25Eles o encontraram na outra Ihar ñas obras de Deus?
imirgem do lago e lhe perguntaram: 29Jesus lhes respondeu:
— Rabi, quando chegaste aqui? — A obra de Deus consiste em que
•'’Jesús lhes respondeu: creíais naquele que ele enviou.

(Quantos botes precisaram para atraves­ do Senhor” (Am 8,11); b) obras/fé (cf. Is
ar? quanto tempo?) Mais importante é a 30,15); c) o maná de Moisés/o maná de
tunexáo teológica, a referéncia ao mila- Jesús: “Os israelitas comeram maná du­
Hrc em termos de eucaristía (v. 23) e o fato rante quarenta anos... até atravessar a fron-
tic que o povo procura Jesús e acorre a ele. teira de Canaá” (Ex 16,35).
6.25-26 A pergunta tem sentido depois 6.26 Jesús lhes responde. De certo
ilu transiçâo marítima, mas nao tem senti- modo, essa expressáo abrange os vv. 26-
ili) para introduzir a primeira resposta bre­ 58. Como orientar-se neles se os temas se
ve, nem muito menos o colossal discurso entrecruzan!, as citagóes e alusóes bíblicas
que se segue. É preciso 1er obliquamente, se acumulam, as perguntas e objegóes
pura que vise mais alto: quando, como, de mudam a perspectiva? Como se articula o
imde chegaste? A vinda de Jesús é trans­ discurso? A divisáo temática se esfuma, o
cendente. Nesse sentido a pergunta se en­ diálogo faz girar a exposigáo, repetindo e
cuadra. Também a resposta destoa se con­ avanzando.
sideramos que acabam de presenciar o Aceitamos como hipótese comum a di­
«¡nal do pao e por ele acorrem a Jesús. Mas, visáo: vv. 25-34 à maneira de introdugáo
em outro plano, a resposta é justa: sacia- ao tema; vv. 35-50 homilía sobre o pao e a
rum-se de pao, viram-no como prodigio, fé; vv. 51-58 exposigáo eucaristica. Redu-
mas nao como sinal que revela Jesús; acor- zimos o conjunto a dois temas simples:
rcm ao milagreiro, nao ao enviado de dou o páo = palavra ou ensinamento ou
Deus. revelagáo; sou o páo = corpo. O primeiro
A questáo do pao é perfeitamente para­ predomina nos vv. 35-50, o segundo do
lela à questáo da água. A samaritana se v. 51 a 58.
ilcslumbrava com o sonho de urna água, Sao referentes á Escritura as passagens
material, que poupasse trabalhos e solu- que falam de comer em sentido figurado.
cionasse problemas indefinidamente. O 6.27 Possível alusáo a Ex 16,20 (se nao
povo se entusiasma com um pao, recebi- o é, serve de ilustra§áo): o maná guardado
ilo milagrosamente sem trabalho e que para o dia seguinte se estragava, o que
conserve a vida — indefinidamente? En­ guardavam para o sábado se conservava.
tender um milagre como sinal é remontar E o mesmo esquema da água da samaritana
no assinalado; pois bem, o milagre de um (cap. 4). O selo dá garantía, e este Homem
pao que prolonga a vida cotidianamente (por antonomàsia) traz o selo de Deus que
iiponta para o dom de um pao que instaura é o Espirito (Ef 1,13; 4,30; 2Cor 1,22).
urna vida nova, eterna, dom de Jesús. O 6,28-29 A pergunta retoma o verbo “tra-
versículo 26, com a antítese explicada, soa balhar”: para ganhar o páo é preciso fazer
como programa de quanto segue. as tarefas designadas pelo patráo. Obras
6.26-34 Diálogo em très turnos, a) Páo de Deus sao as que Deus exige na alianqa;
que perece/pâo que dura: “nao fome de pao representam o regime da antiga alianza.
nem sede de água, mas de ouvir a palavra No novo regime, a muitas obras corres-
JOÁO 310

30Disseram-lhe: — Eu sou o páo da vida: aquele qm


— Que sinal fazes para que vejamos vem a mim náo sofrerá fome, aquele qm
e creíamos? Em que trabalhas? •’’Nos- eré em mim náo passará sede. 36Coniu
sos país comeram o maná no deserto, do, eu vos disse que, ainda que un
como está escrito: Deu-lhes a comer tenhais visto, náo credes. 37Aqueles qm
páo do céu. o Pai me confiou viráo a mim, e aqucli
32Respondeu-lhes Jesús: que vier a mim, náo o rejeitarei; 3®poi
— Eu v o s asse g u ro que náo foi que náo desci do céu para fazer a mi
Moisés quem vos deu páo do céu; é meu nha vontade, e sim a vontade daqueli
Pai quem vos dá o verdadeiro páo do que me enviou. 39E esta é a vontade
céu. ,30 páo de Deus é aquele que des­ daquele que me enviou: que eu náo peí
ee do céu e dá vida ao mundo. ca nenhum dos que me confiou, mas os
34Disseram-lhe: ressuscite no último dia. 40Porque estii
— Senhor, dá-nos sem pre deste páo. é a vontade de meu Pai: que todo aque
35Jesus lhes respondeu: le que contempla o Filho e eré nele, te

ponde urna obra, e ela consiste em crer no é fundamental Dt 8,3 e por contraste (¡n
enviado de Deus. A fé é obra de Deus. Indo 2-3 sobre a árvore da vida.
atrás de Jesús, receberam o páo como dom, Do estilo homilético podemos mencio
nao por seu trabalho; pois agora seu es- nar (segundo o narrador, Jesús prega numa
forgo deverá ser crer em Jesús e receber a sinagoga): a citagáo da Escritura como tem í
salvagáo como dom. (v. 31), o comentário e seus elementos, co
6,30-31 Para crer pedem credenciais. mer-páo-céu, uma citagáo de profetas (v
Como se o milagre do páo náo fosse si- 45), conclusáo repetindo o tema.
nal, e de fato náo o entenderam como sinal. 6,35 Enuncia e explica uma tese. Com
Moisés, mediador da alianga, podia apre- pare-se com o que diz a Sabedoria: “Quem
sentar o prodigio cotidiano e celeste do me toma como alimento terá mais fomc,
maná (Ex 16; Nm 11,7-9; SI 78,24; Sb 16, quem me bebe terá mais sede” (Eclo 24,
20-21). Entra no diálogo a expressáo “páo 21). Na raiz o homem tem fome e sede
do céu”. de vida. Comer e beber estáo ordenados
6,32-33 A contraposigáo relativiza o á vida, sao necessidades vitáis. Tal dese-
antigo. O dom do maná ocupa um lugar jo sublima-se na ánsia de vida sem fim.
importante na tradigáo bíblica. Narra e Essa ánsia somente Jesús a satisfaz. A ar
adorna o episodio Ex 16, registra seu final ticulagáo comida e bebida poderia indi
Js 5, canta-o o SI 105,40 e ainda ressoa car uma reminiscencia eucarística; também
em Sb 16.0 doador náo era Moisés, e aque­ pode ser devida ao paralelo táo sugestivo
le páo náo era realmente celeste. A realida- desta segáo com o diálogo com a sama­
de está aquí: o doador é o Pai, o dom é ritana (no qual também havia bebida e
Jesús, sustento da vida nova. A mediagáo comida). Vir a ele e crer nele sáo equiva
de Moisés fica perfeitamente superada. lentes.
6,34 Parece com o pedido da samaritana 6,36-37 Viram o milagre, náo o pene
(4,15); no Pai-nosso se pede “nos dai hoje” traram como sinal, náo acreditaram na
(Mt 6,11). A petigáo serve para introduzir pessoa de Jesús. E o olhar superficial que
a nova segáo, sobre o páo da vida, que é náo penetra na realidade. A este se opóc a
em primeiro plano o ensinamento e no se­ comunidade dos fiéis que Jesús recebe
gundo plano a eucaristia. como dom do Pai. O Pai tem a iniciativa:
6,35-50 O uso do páo ou do alimento envia seu Filho, recomenda-o aos que eré-
em sentido figurado é conhecido na Es­ em, designa-lhe uma missáo salvadora.
critura. Os profetas o aplicam á palavra de “Langar fora” pode ser reminiscencia da
Deus: o citado Am 8,11; de modo especial expulsáo do paraíso (Gn 3); também po-
Is 55,1-11, que soa quase como paralelo deria aludir polémicamente á prática de
do texto que comentamos. Os sapienciais excomungar da sinagoga (cf. Jo 9,22).
o aplicam á sabedoria ou sensatez: Pr 9,1- 6,39-40 O último dia é o dia do juízo
6; Eclo 15,3; 24,18.21-22. No Pentateuco, final (11,24; 12,48). A vontade do Pai é a
311 JOÁO

uli.i vida eterna, e eu o ressuscitarei no Pai. 47Eu vos asseguro que quem eré
iillimo dia. tem vida eterna. 48Eu sou o pao da vida.
"O sjudeus m urmuravam porque ha- 49Vossos pais comeram o m aná no de­
>ni dito que ele era o pao descido do serto e morreram. 50Este é o pao que
i ni; 42e diziam: desee do céu, para que quem o comer
- Este nao é Jesús, o filho de José? nao morra. 51Eu sou o pao vivo desci­
Ñus conhecem os seu pai e sua máe. do do céu. Quem comer deste pao vi­
i orno diz que desceu do céu? vera sempre. O pao que eu dou para a
1'Jesús lhes disse: vida do mundo é a minha carne.
— Nao murm uréis entre vós. 44Nin- 52Os discípulos comecaram a discutir:
üiiem pode vir a mim, se o Pai que me — Com o pode este dar-nos de comer
t'iiviou nao o atrair; e eu o ressuscitarei sua carne?
mi último dia. 45Os profetas escreve- 53Jesus lhes respondeu:
iiiin que todos serao discípulos de Deus. — Asseguro-vos que, se nao comerdes
Oucm escuta o Pai e aprende, virá a a carne e beberdes o sangue deste Ho­
mim. 46Náo que alguém tenha visto o mem, nao tereis vida em vós. 54Quem

\;ilvaçâo de todos os homens. A salvaçâo tia é evidente nos quatro evangelhos. A


uno está completa sem a ressurreiçâo. explanadlo presente tem importancia espe­
É necessário contemplar com olhar pe­ cial porque Joáo nao narra a instituidlo da
ndrante, iluminado. Aressurreiçâo que pro­ eucaristía; supre-a com estas palavras que
mete será dom do Filho, o único que pode esclarecem o sentido déla. “Dar a” alude á
i'omunicar a vida eterna. eucaristía; “dar por”, ao sacrificio. Deste
6.41 Chama de “judeus”, ou seja, autori­ modo o versículo 51 sustenta-se numa sín-
dades judaicas, um grupo de galileus hostis. tese teológica: descida do céu, dom sacri-
6.42 Eles nao sabem “contemplar”, em- fical na cruz, vida do resssuscitado.
liora afirmem “conhecer”. Consideram in- 6,52-58 O discurso sobre o pao da vida
i'onciliável sua descendencia humana com (31-50) e a prática eucarística aquí influen-
n pretensáo de descer do céu (Mt 6,3 par.). ciam-se mutuamente. O autor, que conhe-
6.44 Este “atrair” pode recordar Ÿhwh ce a prática eucarística, nao narra em seu
Pai “atraindo” com o amor de seu fil’no evangelho a institui§áo da eucaristía; mas
(Os 11,4). A fé é dom de Deus, é como sua a supóe. Carne e sangue equivaiem á tota-
ntraçâo impressa no homem. lidade do homem (Mt 16,7; ICor 15,50).
6.45 A citaçâo (Is 54,13) pertence a um A articulado em dois elementos constituin-
poema de reconciliaçâo amorosa de Jeru- tes permite o simbolismo do comer e beber.
salém com Yhwh. Em contexto de nova Ora, semelhante doutrina se afasta vio­
aliança (Jr 31,33-34). Nao aprenderáo na lentamente do AT: porque “comer a car­
escola de homens, mas ¡mediatamente de ne” significa hostilidade destrutiva (Is 9,
Deus (cf. SI 16,7; Is 48,17). Poderia ter 19; SI 27,2), canibalismo desesperado (Jr
urna pontinha de polémica dirigida contra 19,9); ser comida a carne e bebida o san­
os “judeus” que protestavam. gue é o final macabro das hostes de Gog
6.46 Embora ser discípulo do Pai nao (Ez 39,17). Por outro lado, consumir o san­
seja té-lo visto (1,18). gue, sede da vida, estava severamente proi-
6,49 E morreram lá no deserto, sem che- bido (Gn 9,4; Lv 17,14 etc.). Nao é de es-
gar à terra prometida (Nm 14,21-23; SI tranhar que o ensinamento de Jesús tenha
95,7-9). escandalizado aqueles que caem no con­
6,51 O versículo 51, com suas très pe­ sabido equívoco de entender materialmen­
gas concatenadas, serve de eixo para unir te as palavras.
o discurso sobre o pâo vivo com a expli- O estilo é quase poético: de enunciados
eaçâo eucarística. Repetindo a frase pro­ categóricos, de frases rítmicas, em parale­
gramática, passa à nova seçâo, de tema lismos que váo acrescentando novos as­
cucarístico, marcada pela palavra “carne”, pectos á unidade.
o que se repete seis vezes (cf. 1,14). A re- 6,54 A objegáo e mal-entendido respon­
laçâo do milagre dos páes com a eucaris- de Jesús afirmando a necessidade da eu-
JOÁO 312

comer m inha a carne e beber o meu 61Jesus, conhecendo por dentro qm


sangue terá vida eterna, e eu o ressus- os discípulos murm uravam contra el>
citarei no último dia. 53M inha carne é disse-lhes:
verdadeira comida e meu sangue é ver- — Isso vos escandaliza? 620 que sort
dadeira bebida. 5fiQuem comer minha quando virdes este Homem subir partí
carne e beber meu sangue habitará em onde estava antes? 63E o Espirito quem
mim e eu nele. 57Com o o Pai que vive dá vida, e a carne para nada serve. ^M iii
me enviou e eu vivo pelo Pai, assim há alguns de vós que náo créem.
quem me tom ar com o alimento viverá (Desde o comego Jesús sabia qu< i>
por mim. 58Este é o páo descido do céu, eram os que náo acreditavam e quem ■
e náo é como o que vossos pais come- iria trair.) 65E acrescentou:
ram e morreram. Quem come este páo — Por isso vos tenho dito que nm
viverá sempre. guém pode vir a mim, se o Pai náo e
59Disse isso ensinando na sinagoga conceder.
de Cafarnaum. 60M uitos dos discípulos 66A partir desse momento, muitos di
que o ouviram comentavam: seus discípulos voltaram atrás e já nao
— Esse discurso é bem duro: quem andavam com ele. 67Entáo Jesús dissil
poderá escutá-lo? aos doze:

caristia para conseguir a vida eterna. Afir- atragáo do Pai e pelo dom do Espirito scrsi
maçâo e nao raciocinio, que a fé capta e aceito e será vivificante.
aceita. Jesús se entrega como alimento 6,60-61 E duro pelo que propóe e pcln
dessa vida participada do Pai, que agora que exige. Náo é duro para a fé. Escula
ele comunica aos fiéis. Porém, “comer e lo, aceitando. O escándalo é o contràrio
beber” náo sáo atos puramente mentais, da fé; é tropero que faz cair.
mas a eucaristía é “verdadeira comida e 6,62 A expressáo grega é urna protese
bebida”. Realismo sensível do sacramento. sem apódose; o que falta é suprido pel.i
6,56-57 Esta vida já está presente na- frase precedente (segundo a tradugáo)
quele que eré e come, mas alcançarà sua Alguns autores buscam uma apódose: aca
plenitude na ressurreiçâo futura. A fórmula baria o escándalo, se esclareceriam minha:.
“eu nele e ele em mim” procura expres- palavras (Is 31,3; cf. 2Cor 3,6). Porém
sar, com mais força do que usando a pre- para a incredulidade, ver esse homem, Je
posiçâo “com”, a uniáo íntima e perma­ sus, glorificado, seria mais insuportável.
nente. Explica-o e completa-o a fórmula 6,63-64 Opera com uma semelhanga d e
seguinte “viver por”. Aduzir como mode­ proporgáo. A carne, ainda que orgánica,
lo e exemplo de dita uniáo do Filho com o sem o principio vital do alento ou espiri
Pai é o máximo que se pode dizer. Está to, está morta e náo percebe. De modo se
claro que aqui se coloca a questáo vital melhante o homem carnal se encerra em
para o homem. um horizonte puramente humano, e nao
6,60-71 Há talvez razóes para pensar que percebe mais além. Somonte o principio
em algum momento esses versículos vi- vital do Espirito ergue a uma vida supe
nham ¡mediatamente depois do v. 50. Si­ rior com horizonte novo. O dom do Espi
gamos a hipótese. O escandaloso é que rito sucede á ascensáo, tarnbém em Joáo
diga que desceu do céu, e ele responde que (7,38-39; 20,22). Veja-se o paralelo no diá­
há de subir para lá outra vez. A carne in­ logo com Nicodemos (3,13).
válida é a condiçâo humana entregue ás 6,66-67 Isto supóe um grupo maior de
suas forças (náo a carne eucarística). Pedro discípulos, dos quais se destacam os Doze
se refere as “palavras”. Por outro lado, no (mencionados aqui pela primeira vez). Vol­
texto atual esta seçâo entra em contato com tar atrás pode significar a apostasia (Is
os vv. 51-58 e reage a eles, sólidamente 59,13; SI 44,19). Portanto, o ministério de
ligados ao discurso precedente. Assim re­ Jesús na Galiléia encerra-se com uma de
sulta que também o discurso eucarístico é feccáo numerosa de discípulos e seguido
“escandaloso”, difícil de aceitar; só pela res de Jesús.
313 JOÁO

Também vos quereis ir embora? déia, porque os judeus tentavam matá-


'' Respondeu-lhe Simao Pedro: lo. 2Aproximava-se a festa judaica das
Senhor, a quera iremos? Tu dizes Cabanas, 3e seus irmáos lhe disseram:
(mi lvras de vida eterna. 69Nós erem os — Parte daqui para a Judéia, a fim
i ivconhecemos que tu és o Consagra- de que também teus discípulos vejam
*I»t de Deus. as obras que realizas. 4Pois ninguém
'".lesus lhes respondeu: que procura publicidade age ás escon­
Nao vos escolhi, eu, aos doze? didas. Já que fazes tais coisas, dá-te a
I’ois um de vós é um diabo. conhecer ao mundo.
n Dizia isso por causa de Judas Isca- 5(Pois nem seus parentes acreditavam
i mies, um dos doze, que o iria entregar. nele.) 6Jesus lhes diz:

7 Na festa d as C a b a n a s — 'A lgum


tem po depois, Jesu s perco rria a
— A inda nao chegou m inha hora,
enquanto que a vossa sem pre está dis-
ponível. 7Ó m undo nao pode detes-
llaliléia, e nao queria percorrer a Ju- tar-vos; a mim detesta, pois lhe jogo

6,67-71 A breve cena final ocupa em As autoridades judaicas queriam que


Joño o lugar que nos sinóticos ocupa a fosse o final. Já houve uma tentativa de
nmfissáo de Pedro: vem depois da multi­ acabar com ele, quando da cura do paralí­
plicado dos páes, muda a localizado. Je- tico junto à piscina (5,18). A expressáo
niis pergunta, provocando a decisáo ex­ “buscar a vida” ou “atentar contra a vida”
plícita dos doze. Pedro faz uma profissáo ou “perseguir até a morte” (bqs nphs) é
ile fé concentrada e articulada: nao há ou- tópica no AT (freqüente em Jr e SI); me­
Im a quem acorrer, Jesús é único; em suas nos freqüente e equivalente é “tentar ma­
palavras vibra e se comunica essa vida su­ tar” (bqs hmyt, Jr 26,21).
perior e eterna; e pronuncia, em nome do Jesus está correndo a sorte de um profe­
grupo, um título de Jesús, “o Consagra­ ta, de muitos orantes anónimos; mas a hos-
do", que equivale a Ungido ou Messias. O tilidade até a morte nem sempre leva à
Sata nao é Pedro, e sim Judas, o traidor. execugáo ¡mediata.
7,3-5 A proposta dos parentes é um pou-
7 Este capítulo tem sua unidade ñas co­ co como as tentagóes narradas nos sinó­
ordenadas de espago (Jerusalém) e de tem­ ticos (que Joüo omite): fazer em Jerusa­
po (festa das Cabanas). O conteúdo é me­ lém uma m anifestad0 espetacular que
nos unitario. Costuma-se distinguir várias deixe todos estupefactos (como atirar-se
imidades menores: Jesus e sua familia (1- do pináculo do templo), aproveitando a
4), e a multidáo (10-13); controvèrsia so­ enorme afluencia de peregrinos para cele­
bre o sábado (15-24); discussáo sobre a brar a festa. Projetam um triunfo fácil e
messianidade (14.25-31); tentativa agres- fulminante. E uma tentado nascida da in-
siva contra Jesús (32); discurso de Jesús credulidade; nao é somente o entusiasmo
(33-39); discussáo sobre a messianidade provinciano pelo herói local. Popularida-
(40-44); fracasso da tentativa agressiva de sim, fé nao.
(45-52). Recobrando a unidade: no centro 7,6-8 A resposta de Jesus é ambigua
.lesus e sua condigáo messiànica; ao redor porque soa em dois planos: subir a Jerusa­
a familia interessada, o povo dividido, os lém como um peregrino a mais para cele­
chefes hostis. Permanece a pega 15-24 que brar urna festa anual; ou subir a Jerusalém
prolonga a discussáo do capítulo 5. para subir à cruz e à gloria. Para o primei-
7,1-2 A festa das Cabanas ou dos Ta­ ro nao precisa publicidade, e o farà “às
bernáculos caía no final da colheita e da ocultas” (v. 10). O segundo se farà publi­
vindima. O povo armava barracas e fazia camente quando chegar o “tempo” ou o
de conta que vivia como os israelitas no momento (7,30; 8,20). Entende-se o mo­
deserto. Era a festa mais alegre (Lv 23,34). mento marcado no designio do Pai, exe-
Ouase no fim do ano civil, antes da Expia­ cutado pelo “òdio do mundo”. Ai a igno­
d o e do ano novo (setembro/outubro). Será minia da cruz será espetacular. Por outro
a colheita ou o final da carreira de Jesús? lado, vós tendes sempre, anualmente, vos-
JOÀO 314

na cara que suas agóes sao más. 8Subi 14No meio da festa Jesús subiu a.
vós á festa, porque eu nao subo a essa tem plo para ensinar. 15Os judeus m
festa, pois m eu prazo aínda náo se m entavam surpreendidos:
cumpríu. — Como possui tal cultura, se ri.u
9Dito isso, ficou na Galiléia. lüQuan- tem instrugáo?
do seus parentes já tinham subido á fes­ 16Jesus lhes respondeu:
ta, tam bém ele subiu, náo em público, — Meu ensinamento náo é meu, nía-
mas as escon d id as.11Durante a festa os daquele que me enviou. 17Se alguém esta
judeus o procuravam e perguntavam: disposto a cumprir a vontade dele, pode
— Onde andará ele? rá distinguir se meu ensinamento proco
12Entre a m ultidáo m urm urava-se de de Deus ou se eu o invento. 18Aquelt
muito a respeito dele. Uns diziam que que fala por conta pròpria busca a pro
era bom; outros que náo, que enganava pria gloria; mas o que busca a gloria da
o povo. 13Mas ninguém falava sobre ele quele que o enviou é veraz e náo procedí
em público por medo dos judeus. com injusticia. 19Náo foi Moisés quem vo:

sa festa ou tempo definido pela estagáo para ensinar no templo, publicamente, nao
agrícola ou por vossos planos interessei- para fazer milagres espetaculares.
ros. A vós o mundo náo odeia porque 7,15 Os rabinos ou letrados aprendiam
pertenceis ao seu sistema; a mim me odeia “aos pés” de um mestre (At 22,3) as opi
porque o denuncio, como profeta que sou, nioes de doutores ilustres, muitas vezes
sua má conduta (cf. Is 29,21; Ez 3,26; Pr sobre temas de conduta (halaká) como io
9,8; 15,12). Jesus submete a si o calendà­ terpretagáo da lei de Moisés. No final da
rio, náo se submete ao calendàrio; pois os formagáo eram reconhecidos oficialmcn
tempos de Deus tem um ritmo pròprio e te como tais. Jesús, o artesáo plebeu de
soberano: “Quando escolher a ocasiáo, eu Nazaré, náo recebeu tal formagáo, e no
julgarei retamente” (SI 75,3). entanto seu ensinamento é surpreendente
7,11-13 Embora oculto, está presente “Como se tornará douto... o artesáo...?'
como tema de conversa e comentário. Náo (cf. Eclo 38,25.27).
busca urna publicidade que assombre a 7,16-18 Jesús responde a fundo, no ter
todos por igual; em lugar disso, divide, reno da lei e da sua interpretagáo pelos
porque incita a tomar partido. Urna divi- doutores. Antes de tudo, ele náo aprenden
sáo acontece entre as autoridades hostis e de mestres humanos, e sim diretamente do
o povo intimidado por cías. E entre o povo Pai que o enviou. Seu ensinamento pre­
mesmo, os que reconhecem sua bondade tende que se realize a vontade de Deus,
e os que o consideram falso profeta. Essa razáo primeira e última da lei. Náo é ensi
divisáo, iniciada na vida de Jesús, prolon- namento teológico, mas de agáo (de alguni
ga-se e se toma aguda ñas décadas seguin- modo como a halaká). Quem está dispos­
tes, até a ruptura oficial de Jámnia. Na sua to a cumpri-la se abre e reconhece a ori
origem é urna divisáo entre grupos judeus, gem divina do ensinamento (o contràrio
náo acerca da esperan§a messiànica, e sim fica implícito). Um mestre formado e re-
sobre o messianismo de Jesús. conhecido ensina também em nome prò­
7,11 Ouve-se novamente a pergunta prio (além de citar outros), e assim busca
“onde?”, que aponta para o enigma de Jesús. e consegue prestigio; mas por ànsia de
7,14 A festa das Cabanas durava urna prestigio pode falsificar ou deformar o
semana. O narrador reparte seu material, ensinamento (implícito). Quem náo busca
grande parte diálogo e controvèrsia, em seu prestigio, mas o daquele que o enviou.
dois momentos: o meio da festa e o último é desinteressado, nao comete fraude, nao
dia, soleníssimo. O ambiente é tenso, as falsifica o ensinamento (Ez 13,3; Jr 23,26).
atitudes divididas. Podemos recordar as Está bem claro tudo o que ele deixou im
atitudes diversas dos israelitas no deserto, plícito.
ñas suas “tendas” (tabernáculos, Ex 33,9- 7,19 Se os versículos 16-18 enlagavam
10; 16,26-27). Jesus aproveita a afluencia se bem com o v. 15, sobre a instrugáo, os
315 JOÂO

■li li a lei? Mas ninguém de vós cumpre 25A lguns de Jerusalém comentavam:
<i leí. Por que procuráis matar-me? — Náo é este aquele que tentavam
"A multidáo respondeu: matar? 26Está falando em público e náo
Estás endemoninhado. Quem pro- lhe dizem nada. Teriam as autoridades
i ni.i matar-te? reconhecido realm ente que esse é o
'Respondeu-lhes Jesús: M essias? 27Só que deste nós sabemos
Por urna obra que realizei, todos de onde vem; quando vier o Messias,
viis surpreendeis. 22Como Moisés vos ninguém saberá de onde vem.
piomulgou a circuncisáo — nao que 28Entáo Jesús, que ensinava no tem­
¡noceda de Moisés, m as dos patriarcas plo, exclamou:
vós circuncidáis o homem no sáb a- — Vós me conheceis e sabéis de onde
ilo. ’'Pois se o hom em recebe a circun- venho. N áo venho por minha conta,
■kilo no sábado para nao violar a lei de mas me enviou aquele que é veraz. Vós
Moisés, por que vos irais comigo por náo o conheceis; 29eu o conhego por­
Irr curado com pletam ente um homem que procedo dele e ele me enviou.
lio sábado? 24Náo julgueis pelas apa- 30Tentaram deté-lo, mas ninguém o
irncias, julgai com justiga. prendeu, pois náo havia chegado a sua

versículos seguintes supoem um milagre ta. De forma sintética, o narrador recria


importante realizado no sábado, provavel- algo do que Jesús provocou entre seus
mente a cura do paralítico na piscina de concidadáos.
Itetesda (cap. 5). Acima de todas as inter- 7,25-27 Estes moradores se inteiraram
prctaçôes sobre extensáo e limites do re- por algum meio do escopo das autoridades.
pouso sabático está a lei de Moisés, e nela Ao verem que náo o executam, se interro-
lia um mandamento talhantc: “nao mata- gam: A atividade de Jesús é valentía diante
líis”. As autoridades nao o cumprem, ten- do perigo ou é provocado? Se é provoca­
lnm matar Jesús; “por que?”, que delito d o , por que náo respondcm como se deve?
ulegam? (Profanar o sábado, v. 23). Há outra alternativa? E entáo póem no cen­
7,20 O povo náo está a par das maquina­ tro a grande questáo: esperar um Messias
dles dos chefes, por isso se escandaliza de era atitude comum da maioria dos judeus;
i|iie Jesús os acuse do intento de homicidio. sobre a figura do Messias iniciavam as di­
7,21-24 O motivo pelo qual “julgaram” ferencias; sobre Jesús como Messias acen-
C condenaram Jesús é que ele curou no sá­ dia-se a polémica. Eles próprios respondem.
bado (5,1-18). Responde no estilo rabínico Urna das cren$as da época supunha que o
com um argumento a minore ad maius: se Messias estaria oculto muito tempo antes
n circuncisáo (operaçâo física táo restrita e de declarar-se. Sem querer, esses morado­
mutiladora) suspende o preceito sabático, res acertam ao dizerem que “ninguém sa­
quanto mais a cura do homem inteiro (Lv berá de onde vem”; a frase soa em dois pla­
12,3; Gn 17,10-13). Acura do paralítico de nos, com ironia dramática.
eorpo inteiro, e também de seus costumes 7,28-29 Jesús “grita” a resposta distin-
de pecado, assinalam a chegada da nova era guindo dois planos. O homem náo pode
e prefiguram a salvaçâo completa do ho- por sua conta penetrar a verdadeira perso-
mem, na alma e no corpo. nalidade de Jesús, se ele náo a revelar; e
7,24 Nao julgar pelas aparéncias (ISm ele náo a pode revelar sem revelar ao mes-
16,7; Is 11,3; Eclo 11,1-3). mo tempo o Pai que o enviou. Náo conhe-
7,25-26 O narrador nos comunica a sen- cem esse Deus porque náo aceitam a reve­
saçâo de agitaçào, reaçôes contraditó- la d 0 de Jesús. Esse Deus é veraz quando
i ias, decisóes improvisadas, comentários. revela e é fiel cumprindo suas promessas.
Reparte o material em très grupos huma­ Temos aqui uma declarado semelhante
nos: alguns de Jerusalém, fariseus, auto­ á de dois sinóticos (Mt 11,26-27; Le 10,
ridades judaicas (vv. 25.32.35). Todos ao 22-23).
redor de Jesús, que vai crescendo em es- 7,30 Cf. 2,4; 7,6. Náo diz quem seja o au­
latura ao revelar-se. Ele, sua origem, per- tor deste intento. Sua hora é a de sua mor-
sonalidade e missâo, é a grande pergun- te, a hora marcada pelo Pai (16,32; 17,1).
JOÁO 316

hora. 31M uitos do povo creram nele, nifica essa frase: vos me procurare i'. <
pois diziam: nao me encontrareis, e para onde eu lm
— Quando o M essias vier, fará mais vós nao podereis ir?
sinais do que este? 37No último dia, o mais solene da le,
32Os fariseus ficaram sabendo dos ta, Jesús se pos de pé e exclamou:
cochichos do povo. Entáo os sum os — Quem tiver sede venha a mim pani
sacerdotes e os fariseus enviaram guar­ beber: 38quem crer em mim. Assim di/
das para deté-lo. a Escritura: D e suas entranhas brota
33Mas Jesús disse: rao ríos de água viva.
— Pouco tempo estarei ainda convos- 39(Referia-se ao Espirito que have
co; depois, voltarei ao que me enviou. riam de receber os que créem nele: aiu
34Vos me procurareis e nao me encon­ da nao havia Espirito, porque Jesús aiiul.i
trareis, e para onde eu vou vos nao po- náo havia sido glorificado.) 40Alguni>
dereis ir. da multidáo, ao ouvir essas palavras,
35Os judeus com entavam entre si: diziam:
— Aonde pensa ele ir, para que nao — Este é realmente o profeta.
o encontremos? Pensará partir para a 41Outros diziam:
diáspora entre os gregos? 360 que sig­ — Este é o Messias.

7,31 Refere-se a urna das imagens do sar a chuva do novo ciclo agrícola, c) A
futuro Messias como autor de milagres. festa havia incorporado esperanzas mes
7,32-34 Membros do Conselho enviam siánicas, como atesta (ou provoca) o co
guardas ou policiais do templo para dete- mentário á festa nos capítulos fináis d
rem Jesús pelo que acaba de dizer ou por Zacarías (o manancial em 14,8; a chuva
tudo o que precede. Jesús conserva o do­ em 14,17, a homenagem ao Reí e Senhor)
minio sobre tudo e sobre todos. Completa De pé no meio do templo, gritando, Je
a revelagáo do círculo de sua existencia: sus se apresenta como o manancial pro­
procede do Pai e a ele voltará (13,3; 16,28). metido. Com muitos autores modernos,
Agora que está próximo, poderiam pro- lemos um paralelismo cruzado:
curá-lo: “Buscai o Senhor enquanto se quem tiver sede venha a mim,
deixa encontrar” (Is 55,6), mas o procu- beba quem eré em mim
ram para matar. Um dia o mataráo, e en­ As entranhas náo sáo as do fiel (cf. 4,14),
táo, ainda que o busquem, náo o encontra- mas as do Messias. Ele é a rocha no deser
ráo nem poderáo chegar ao lugar onde to, o templo na cidade.
estará, junto do Pai como no principio A que texto se refere concretamente?
(1,18; 17,5). Sáo tantos os candidatos, que é impossí
7,35-36 Outro dos mal-entendidos de vel decidir; provavelmente se refere glo­
Joáo carregados de ironia. As autoridades balmente ao dom da água: de Moisés, os
imaginam Jesús como mestre itinerante citados; do templo (Ez 47; J1 4,18; Zc
que se dirige aos pagáos para fazer prosé­ 14,8); dos profetas (Is 12,3; 43,20; 44,3;
litos (cf. Mt 23,15). A historia posterior 55,1); dos sapienciais (Eclo 24,24-27, em
toma verdadeiras estas palavras (ai está a comparagáo, Pr 18,4); de salmos (105,
ironia), porque Jesús, quando o evange- 40-41). Que o Espirito (vento) se derrame
lho está sendo escrito, é mestre dos pagáos. (como água) o conhecemos por um para­
7,37-39 Provavelmente o sétimo dia. lelismo de água e vento, fertilidade e fe-
Recordemos alguns dados da festa das cundidade: “Vou derramar água sobre o
Cabanas: a) Atualizava litúrgicamente a deserto, vou derramar meu alentó (espiri­
experiencia do deserto. Ai Moisés obteve to) sobre tua estirpe” (Is 44,3). A promes-
para o povo maná para comer (Jo 6) e água sa comegará a cumprir-se na cruz.
da rocha para beber (Ex 17,6; SI 78,20). 7,40-43 Parece-nos escutar um eco do
b) Na liturgia havia urna cerimónia da interrogatorio de Joáo Batista (sem men­
água, levada processionalmente da fonte cionar Elias, 1,20-21). O profeta é o anun­
ao templo e se faziam petigóes para apres- ciado em Dt 18,15-18, o Messias prome-
317 JOÁO

( (litros rebatiam: 47Os fariseus replicaram:


Por acaso o M essias vem da Ga- — Também vos fostes enganados?
llliMn? 42Náo diz a Escritura que o Mes- 48Quem dos chefes ou dos fariseus acre-
iIiin vem da linhagem de Davi e de Be­ ditou nele? 49Somente essa maldita gen­
lìi», a terra de Davi? te que nao conhece a lei.
* '0 povo estava dividido por causa 5°Nicodemos, um deles, que tinha ido
iMe. Alguns tentavam prendé-lo, mas a ele em outra ocasiáo, lhes disse:
illu^ném lhe pós as máos. 45Quando os — 51Acaso a nossa lei condena al-
gmirdas voltaram, os sum os sacerdotes guém sem antes tè-lo ouvido e ter com-
1«os fariseus lhes perguntaram: provado o que fez?
- Por que nao o trouxestes? 52Responderam-lhe:
4flEles responderam: — Também tu és galileu? Estuda, e
— E sse hom em fala com o jam ais fa ­ verás que da Galiléia nao saem profetas.
lliti qualquer outro hom em . 53E cada qual foi para seu lado.

Hilo e esperado. Mas Jesús nao se deixa depois de Le 21,38. Contudo, o relato é
nnquadrar: é profeta, mas nao um a mais canónico, ou seja, faz parte do NT inspira­
imsérie; é Messias, mas nao como o ima- do, conserva a recordagáo de um episodio
glnam os judeus. A objetjáo apóia-se em de Jesus e é uma jóia literária e religiosa.
Inxtos da Escritura, sem citá-los; vários A lei decreta pena de morte para a adúl­
mihre a linhagem davídica do Messias, e tera (Lv 20,10), pena de morte por lapidagáo
Mq 5,1 sobre seu nascimento em Belém. para a prometida ou desposada infiel ao
Sr o primeiro é repetidas vezes afirmado homem a quem legítimamente pertence,
lio NT, o segundo referem-no somente embora ainda nao conviva com ele (Dt 22,
Mnteus e Lucas. A objegáo pode refletir 21). Ez 16,38-40 menciona a l a p i d a l o
lima controvérsia de comunidades judeu- como pena normal das adúlteras. No plano
i'ristás com o judaismo oficial. simbólico, muitos textos do AT apresentam
7,45-49 Visto que alguns do povo se de- Yhwh esposo que perdoa e reconcilia con­
claram a favor de Jesús, também os guar- sigo a mulher infiel: Samaria (Os 2) ou Je-
ilns ficam impressionados ao ouvi-lo (cf. rusalém (Is 1,21-26; 49; 54; Ez 16).
SI 45,3) e nao se atrevem a executar as or- A cena se desenrola publicamente, no
ilcns recebidas. De fato, ninguém fala como templo, onde costuma ensinar. Letrados e
Jesús porque ele é a Palavra de vida eterna. fariseus (ou letrados do partido dos fariseus)
A resposta dos fariseus, como vem citada apresentam ao “mestre” um caso legal prà­
pelo evangelista, é uma auto-acusagáo (ao tico, provavelmente com intengáo capcio­
mesmo tempo que refuta o caráter exclusi­ sa (como a moeda de César, Me 12,13-17).
vo total, já que alguns se converteram): as Nao lhe pedem urna sentenza forense (o
imtoridades se fecharam á fé. Ao mesmo mestre náo é juiz), mas um ditame sobre a
lempo, expressam todo o seu desprezo pela aplicado da lei mosaica (náo de uma ob­
elasse baixa, ignorante, incapaz de cumprir servancia qualquer) a um caso particular.
ns observancias (cf. Jr 5,4). Deus gosta de Isto pressupóe que os interlocutores viram
rcvelar-se aos ignorantes guardas do tem­ Jesus distanciar-se da lei ao perdoar peca­
plo e á depreciada plebe, e nao aos doutos dos. A pergunta pode equivaler: nós a sur-
fiiriseus (Mt 11,25). Mas há excegóes, como preendemos em flagrante adultèrio; deve­
prova o caso seguinte. nios levá-la ao tribunal competente ou a
7,50-52 A observacáo judiciosa de um executamos sem mais? (cf. Gn 38; Dt 17,7).
tío grupo (3,1) respondem só com o sar­ Jesús, em lugar de responder logo, es-
casmo. Seu desprezo pela Galiléia faz eco creve no cháo, responde e continua a es-
no inicial de Natanael (1,46). crever. O que escreve? Como o narrador
nao o diz, os comentaristas encontraram
7,53-8,11 É hoje opiniáo corrente que ampio campo para conjecturas: algum tex­
este relato é insenjao posterior. A linguagem to da legislagáo penal, o nome dos que “se
em parte nao é de Joáo; falta nos manuscri­ afastam do Senhor” (Jr 17,13), ou simples-
tos antigos; alguns manuscritos o eoloeam mente rabiscos. Na primeira vez, como que
JOÁO 318

Perdoa a adúltera — *E Jesús se foram se retirando, um a um, comee. m


8 dirigiu ao monte das Oliveiras. 2Pela
manhá, voltou ao templo. Todas as pes-
do pelos mais velhos até o último. I i
cou só Jesús e a mulher de pé, no m
soas iam a ele, e, sentado, as instruía. 3Os tro. 10Jesus se levantou e lhe disse:
letrados e fariseus lhe apresentaram urna — Mulher, onde estáo? Ninguém ii
mulher surpreendida em adultèrio, a co- condenou?
locaram no centro, 4e lhe disseram: n Respondeu:
— Mestre, esta mulher foi surpreen­ — N inguém, Senhor.
dida em flagrante adulterio. 5A lei de Disse-lhe Jesús:
Moisés ordena que tais mulheres sejam — Tampouco eu te condeno. Vai, o
apedrejadas; que dizes tu? de agora em diante náo peques mais
6Diziam isso tentando-o, para terem
de que o acusar. Jesus agachou-se e com Jesús, luz do mundo — l2De novo Je
o dedo comegou a escrever no chao. sus lhes falou:
7Como insistissem com suas perguntas, — Eu sou a luz do mundo, quem me
levantou-se e disse-lhes: segue náo cam inhará em trevas, m;r
— Quem de vos estiver sem pecado terá a luz da vida.
atire a prim eira pedra. 13Disseram-lhe os fariseus:
8N ovamente se agachou e continua­ -— Tu dás testemunho em teu favor
va escrevendo no chao. 9Os ouvintes teu testemunho náo é válido.

tomando tempo para refletir, na segunda labros num átrio do templo. Jesús se aprc
como qué esperando que os “impeeáveis” senta como “luz do mundo”, náo só de ls
executassem a sentença. Da sua atitude se­ rael. A luz descobre as formas e permite ;i
rena e majestosa se desprende urna força visáo (Jó 38,13-14), e por isso é símbolo
que desmascara (“colocaste nossos segre- de conhecimento intelectual. Além disso
dos ante a luz do teu olhar”, SI 90,8), urna é vida. Embora a fórmula “luz da vida
indignaçâo que os faz “retroceder confu­ (ou luz viva, que náo é preciso alimentai
sos” (SI 70,3-4; 129,5). periódicamente; á semelhanga da água d.i
Na vida de Davi lemos um caso judicial vida/viva, que mana sempre) náo seja fre
insigne (2Sm 14): o rei tem que senten­ qüente (SI 56,14; 33,30), a idéia é comum
ciar se deve condenar o homicida ou per- já que viver é ver a luz do día e o parto ó
doar a seu filho culpado. A lei foi feita para dar á luz. A luz é um dos símbolos mais
o homem (e a mulher), e Jesús nao veio ricos e freqüentes para falar de Deus e do
para julgar (condenar) e sim para salvar divino; indico dois textos do saltério (SI
(12,47). A salvaçâo desta mulher está no 27,1; 36,9-10). O segundo é mais pertinen
perdáo e na emenda (Ez 16,63). te porque concentra num par de versículos
“Quem estiver sem pecado”: há outro os temas de Joáo: comida, bebida, manan
“adultèrio” mais grave, a infidelidade dos cial, luz: “nutrem-se da gordura de tu.i
dirigentes a seu Deus, denunciada pelos casa, lhes dás de beber da torrente de tuas
profetas (p. ex. Ez 16; Os 2). delicias, porque em ti está a fonte viva e
8.12-59 Entre declaraçoes solenes e con- tua luz nos faz ver a luz”.
trovérsias incisivas, este capítulo discorre Em Joáo, o símbolo atrai seu oposto, as
sem ordem rigorosa. Algumas indicaçôes trevas, morte física (Jó 10) e do espirito. A
do texto, mais que os temas, ajudam a di- luz se impóe com sua evidencia, náo pro
vidi-lo em blocos. Toda a discussáo gira cisa demonstragóes; mas a pessoa pode fe­
em torno da identidade e missáo de Jesús, char os olhos á luz. Seguir a Jesús é cami
definidas por sua origem, o Pai, e seu des­ nhar atrás, deixando que marque e ilumine
tino. Frente à origem e destino dos chefes nosso caminho. Se corresponde ao hebra i
incrédulos. Outras divisées nós propomos co “ir atrás de”, equivale á total adesáo a
para facilitar o comentário. pessoa.
8.12-20 Um dos ritos da festa das Ca­ 8,13-16 A argumentagáo é difícil. No
banas consistía em acender vários cande- mundo dos humanos, muitas vezes falsos
319 JOÁO

"lesus Ihes respondeu: — Nao conheceis a mim nem o meu


I ímbora eu dé testemunho e m meuPai. Se me conhecésseis, conheceríeis
liivoi, meu testem unho é válido, pois meu Pai.
mii de onde venho e para onde vou; vós, 20Essas palavras ele as pronunciou
im contrario, nao sabéis de onde venho junto aoTesouro, ensinando no templo.
m ui para onde vou. 1:>Vósjulgais segun- Ninguém o deteve, porque nao havia
iln ri iiérios humanos; eu nao julgo nin- chegado a sua hora.
(riii'iii. U,E se julgasse, meu julgam ento
,i na válido, porque nao julgo sozinho, Eu vou — 2lEm outra ocasiáo lhes disse:
..... com o Pai que me enviou. 17Em — Eu vou, vós me procurareis e mor-
vir.sa lei está escrito que o testem unho rereis por causa do vosso pecado. Para
ilc iluas pessoas é válido. 18Eu sou tes- onde eu vou, vós nao podereis ir.
li iiiunha em minha causa, e é testemu- 22Os judeus comentaram:
ii11;i lambém o Pai que me enviou. — Será que pensa em se matar e por
'‘'Perguntaram-lhe: isso diz que nao podemos ir para onde
- Onde está teu pai? ele vai?
Icsus respondeu: 23Disse-lhes:

i injustos, o direito quer instituir garantías; ma os interpelados em personagens típi­


i <i);e testemunhas externas, duas, impar- cas, que encarnam o tipo com intensidade
i mis, independentemcnte concordes. Jesús e pureza, do qual se aproximam militas
| HMlence a outra esfera, pela consciencia personagens reais. Esta segáo está sob o
Iilena de sua origcm e meta, por sua uniáo duplo signo do “eu me vou” e “eu sou”
pcifeita com o Pai, é uno e duplo. Quem (Ez 22,16). O primeiro se refere á paixáo
I n a na esfera humana nao pode entender e glorificagáo. Esse primeiro demonstrará
'.i'inelhante testemunho. Pela evidéncia da o segundo, que é o título divino próprio
In/, Jesus é testemunha de si mesmo (o de Joáo (Ex 3,14; Is 43,11), duplicado nes-
runtrário em 5,31), embora conte também ta segáo.
com o testemunho do Pai (sobre as teste- 8.21 Eu me vou: veja-se, no discurso de
iminhas, 5,31-39). E juiz também com a despedida (16,5-7). Morrer pelo pecado:
m i i; presenga, porque faz tomar partido e sobre o paño de fundo de Ez 18, que é urna
nssim discerne (5,22; 9,39), ainda que nao mensagem de esperanga e responsabiI ida-
tcnha vindo para pronunciar sentenza de- de: o justo e o arrependido salvam a vida,
Imitiva (3,17; 12,47 e com reservas a cena o pecador morre por seu pecado. Joáo pro-
ila adúltera). Por critérios humanos, por poe como pecado a incredulidade, pela
uparéncias: 7,24 (ISm 16,7; Is 11,3). qual o homem acaba na morte, nao passa
8,17-18 Em Dt 17,6 e 19,15. á nova vida ¡mortal. Daí decorre a urgen­
8.19 Eles nao conhecem a verdadeira cia do momento presente, no qual é preci­
pcrsonalidade de Jesús, que é ser Filho e so tomar a decisáo (com a festa das Caba­
enviado do Pai; a condigáo de Filho im­ nas se aproxima o fim do ano): quem
plica a relagáo com o Pai. Ao fechar-se à rejeita Jesús incorre em culpa e por ela
rcvelagáo do Filho, se lhes ofusca o co- morrerá (Ez 3,18; 18,13.18.20.24), nao
nliecimento do Deus verdadeiro, que é o receberá a vida que Jesús outorga. Procu­
l’ai de Jesús. rar: paralelo de 7,34.
8.20 Nao chegou a hora: 7,30. 8.22 Outro mal-entendido que irónica­
8,21-30 Esta segáo tem um tom polémi­ mente contém unía verdade. Suicidar-se é
co que convida a urna proposta sim ­ descrito como “ir para seu lugar” (At 1,25).
plificada e extrema. O Moisés do Deute­ Jesús se entregará voluntariamente á mor­
ronòmio propunha a oposigáo extrema e te; por ela irá para o Pai, e os que náo cre-
articulada “o bem e o mal, a vida e a mor­ ram náo poderáo segui-lo.
te, béngáo e maldigáo” (Dt 29,1.15.19). 8.23 A oposigáo do diálogo com Nico-
Joíio toma o extremo pecado e morte e demos (3,31). Nós falamos de dois planos
ileixa, subentendido e necessàrio, o extre­ ou duas esferas. Por seus próprios meios,
mo positivo. A proposta extrema transfor- o homem terreno náo pode passar ao pía-
JOÁO 320

— Vos sois cá de baixo, eu sou lá de sozinho, porque eu fago sempre o qu>


cima; vós sois deste m undo, eu nao sou lhe agrada.
deste mundo. 24Eu vos disse que mor- 30Por essas palavras m uitos crci.un
rereis por causa de vossos pecados. Se nele.
nao crerdes que Eu sou, m orrereis por
causa de vossos pecados. A v erdade lib erta — 31Aos judeus qm
25Perguntaram-lhe: haviam crido nele Jesús disse:
— Tu, quem és? — Se vos mantiverdes fiéis á minlm
Respondeu-lhes Jesús: palavra, sereis realmente meus discípu
— O que vos estou dizendo desde o los, 32enteridereis a verdade, e a verd.i
principio*. 26Tenho muito que dizer e de vos tornará livres.
julgar a vosso respeito. Mas aquele que 33Responderam-lhe:
me enviou é veraz, e eu hei de dizer ao — Somos da linhagem de Abraáo, i
mundo o que escutei dele. nunca fomos escravos de ninguém. Por
27Náo com preenderam que se referia que dizes que seremos livres?
ao Pai. 28Jesus acrescentou: 34Jesus respondeu-lhes:
— Quando levantardes este Homem, — Eu vos asseguro que quem peca i1
com preendereis que eu sou e que nao escravo; 35e o escravo náo permanece
fago nada por m inha conta, mas falo sempre na casa, enquanto o filho peí
como o Pai me ensinou. 29Aquele que manece sempre. 36Portanto, se o Filho
me enviou está com igo e náo me deixa vos der a liberdade, sereis realmente

no celeste; a fé, acolhida como dom, per­ manter-se fiéis. O evangelista pode estai
mite a passagem. se referindo a judeu-cristáos. Se atender
8.25 Muitas Ieituras tém sido propostas mos ao que se segue, com seu encaden
para a enigmática frase inicial. Alguns re­ mentó dialogal, náo se explica que falr
lacionan! o “principio” com a Sabedoria, assim a pessoas que créem. Urna solugáo
“sou o Principio” (Pr 8,22; Eclo 24,9), bastante artificial é supor que creram pela
outros completam a frase por conta pró- metade ou que o diálogo os fez reagir con
pria. ‘ Alternativas: antes de tudo, o que tra (cf. a mudanga de atitude na sinagoga
vos digo; simplesmente o que vos tenho de Nazaré, Le 4). A dificuldade fica ale
dito. nuada se supomos um corte no v. 36.
Eu sou: em forma absoluta, ocupa em 8,31b-38 Dois temas entrelazados do
Joáo o lugar do “ 'ani Yhwh” no AT. E fór­ minam a discussáo: a liberdade e a des
mula de autoapresentaçâo ou reconheci- cendéncia de Abraáo. Que liberdade? A
mento. Veja-se, por exemplo, Is 45,18-25, política: independencia dos romanos, por
que répété très vezes a fórmula; como ob­ que só Yhwh é rei de Israel. A libertadlo
jeto de reconhecimento é corrente em total e definitiva na nova era. A deseen
Ezequiel. Em Jesús Deus se faz definiti­ déncia física de Abraáo garante a según
vamente presente. da? Alguns rabinos diziam que pelos mé­
8.26 Cf. 12,49. ritos de Abraáo o Senhor salvaría todos os
8.28 A exaltaçâo da cruz se referem tam- israelitas: outros acrescentavam a fideli-
bém 3,14 e 12,32-34. dade á torá.
8.29 Nem sequer na cruz o Pai abando­ O escravo náo pertence á casa e pode
na o Filho, que está cumprindo a vontade ser expulso (como Ismael, cf. Ex 21,2; Di
do Pai. A morte de Cristo na cruz é exal­ 15,12); o filho pertence á casa e nela per
taçâo e náo prova que Deus tenha rejeita- manece (como Isaac). Mas o escravo pode
do Jesús como falso messias. receber a liberdade, emancipar-se e aínda
8.30 Anota reitera a divisáo de opinióes herdar (Pr 17,2). Embora seja filho de
e atitudes que as palavras de Jesús provo- Abraáo, livre por nascimento, pelo peca
cam. Este é um versículo de transiçâo. do o homem caí na escravidáo. Segundo
8,31a Se atendermos ao que precede, a tradigáo repetida, por causa dos pecados
nota é coerente: convida os que creram a Deus “submete” Israel a potencias estran
321 JOÁO

line •• ''C onsta-m e que sois da linha- de que escutei de Deus, isso Abraáo nao
......de Abraáo; porém tentáis matar-me, fazia.41Vós fazeis as obras de vosso pai.
i.... minha palavra nao penetra em Respondem-lhe:
v111, ' l u digo o que vi junto de meu Pai; — Nós náo somos filhos bastardos;
ir, la/eis o que ouvistes de vosso pai. temos um só pai, que é Deus.
42Replicou-lhes Jesus:
Sosso pai — 39Responderam-lhe: — Se Deus fosse vosso pai, me ama-
Nosso pai é Abraáo. rieis, porque vim da parte de Deus e
Ii sus replicou: aqui estou. Nào vim por minha conta,
Se fósseis filhos de Abraáo, faríeis mas foi ele que me enviou. 43Por que
ih i iln as de Abraáo. 40Entretanto, tentáis náo entendeis minha linguagem? Por­
nmi.11 me, a mim que vos disse a verda- que náo sois capazes de escutar minha

in nas (episodios dos Juízes e o caso má- Filhos de Deus equivale aqui a povo de
«mu i da Babilonia). Jesús é o Filho. Com Deus, como mostram muitos textos da Es­
,n.i levelaçâo, que é a verdade, Jesús vem critura, no singular e no plural (p. ex. Ex
lilu ilar dessa escravidáo; somente ele pode 4.23 filho primogènito, Is 63,8). Os filhos
iiiiliirgá-la; o homem, por suas forças, nao nascem desleais, degenerados (Dt 32,20; Is
(inile eonquistá-la. 1,4), e Deus os rechaza ou os esquece (Os
8.37 Mas tropeça na resisténcia c nas 4,6). Chega a considerá-los bastardos, fi­
liitençôes criminosas, que nao correspon­ lhos da infiel ou da infidelidade, visto que
dí ni à descendência de Abraáo. Em Gn a idolatria è adultèrio (Os 2,4): Deus nao
18,19 se diz que Abraáo “há de instruir os reconhece como “povo meu” (Os 1,9).
mus filhos, sua casa e sucessores, a man- Pela parece liga se deduz a paternidade,
ii i se no caminho do Senhor praticando o argumenta Jesus, e vós vos pareceis com
■Incito e a justiça”. o ancestral da mentira e proto-homicida,
8.38 Deixa no ar a idéia de que há outro o diabo. Para a mentira, alude á serpente
|in¡ na historia. Ver Ez 16,3 “teu pai era astuta e mentirosa, que se atreve a rejeitar
iiniorreu e tua máe era hitita”, e o caso de a verdade de Deus: “náo é verdade que
(.linar (Gn 38,24). tereis de morrer” (Gn 3,4); como o ídolo
8,39-40 O tema da descendencia de “mestre de mentiras” (Hab 2,18). Para o
Altraáo se torna crítico e polémico na con- homicidio, pode aludir ao relato de Cairn,
luivérsia entre judaismo e cristianismo, interpretado em Gn 4,7, como incitagáo de
ruino mostram diversos textos de Paulo; pecado espreitador (como um animal); Sb
|nucm já o Batista havia polemizado so- 2.24 o tematiza: “a morte entrou no mun­
¡iic o tema (Le 3,7-9). O filho deve ser do pela inveja do diabo e os do seu parti­
i mno o pai, nao basta a descendencia físi- do passaráo por eia”. Assim como ser fi­
i a; a idéia é tambern sapiencial (Pr 10,1; lhos de Deus equivale a ser povo de Deus,
17,25; 19,26; Eclo 16,1-4). O que Abraáo assim ser filhos do diabo equivale a ser
ln/.ia era ceder diante do sobrinho, resga- dos seus, do seu mundo e esfera; Mt 13,38
Inr prisioneiros, orar por Sodoma, hospe­ explica que o joio sáo “os filhos do Ma­
dar o hospede desconhecido. O que fazem ligno” e lJo 3,10 contrapóe “os filhos de
i-les é procurar matá-lo (5,18; 7,1.19). Deus” aos “do Diabo”; Paulo chama o
8,41-47 A polémica se extrema ao con- mago Elimas, “filho do Diabo” (At 13,10).
11apor-se os predicados “filhos de Deus” e Com a metáfora equivalente “estirpe” re-
"Iillios do diabo”. Esta é a seçâo mais dura fere-se Deus à descendéncia hostil da ser­
iln capítulo, talvez de todo o evangelho. pente (Gn 3,15), e escuta-se um eco de Is
( 'imvém recordar que isto se escreve re- 14,29, aplicado à Filistéia.
Iletindo a polémica entre judaismo e cris- Outro critèrio para identificar a paterni­
lianismo, com a expulsáo consumada dos dade è a linguagem. Um filho entende o
rristâos do tronco judaico. Alérn disso, a idioma paterno, compreende seus ensina-
lensáo e a hostilidade histórica se trans- mentos e acata suas ordens. Os rivais náo
lormam no evangelho em tipo e exemplo, querem escutar para aprender e compreen-
iiplicável a diversos casos. der a linguagem celeste de Jesús.
JOÁO 322

palavra. ^V osso pai é o diabo, e vos — Agora estamos certos de que estás
quereis cumprir os desejos de vosso pai. endemoninhado. Abraáo morreu, tam
Ele era homicida desde o principio; nao bém os profetas, e tu dizes que quem
se manteve na verdade, porque nele nao cum prir tua palavra jam ais sofrerá a
há verdade. Quando diz mentiras, fala morte. 53Es, porventura, maior que nos
sua própria linguagem, porque é m enti­ so pai Abraáo, que morreu? Os profetas
roso e pai da mentira. 45Quando eu digo também morreram. Quem pretendes ser?
a verdade, nao me credes. 46Quem de vós 54Jesus respondeu:
me acusa de algum pecado? Se vos di­ — Se eu me glorio, minha gloria náo
go a verdade, por que nao me credes? tem valor; é meu Pai quem me glorifica,
47Aquele que vem de Deus escuta as aquele que vós chamais nosso Deus,
palavras de Deus. Por isso vós nao es- 55ainda que náo o conhecais. Eu, ao con
cutais, porque nao procedeis de Deus. trário, o conheqo. Se dissesse que náo o
conheqo, seria mentiroso como vós. Mas
A ntes de A b ra á o — 48Responderam- eu o conheqo e cumpro sua palavra. 56Vos
lhe os judeus: so pai Abraáo se alegrava esperando ver
— Nao tem os razáo em dizer que és meu dia: viu-o e se alegrou.
samaritano e estás endemoninhado? 57Os judeus lhe replicaram:
49Jesus respondeu: — Náo completaste cinqüenta anos
— Nao estou endemoninhado, mas hon­ e conheceste Abraáo?
ro meu Pai e vós me desonrais. 50Eu nao 58Disse-lhes Jesús:
procuro a minha gloria; há quem a procu­ — Asseguro-vos: antes que Abraáo
ra e julga. 51Asseguro-vos que quem cum­ existisse, eu existo.
prir minha palavra jamais sofrerá a morte. 59Recolheram pedras para apedrejá-lo;
52Disseram-lhe os judeus: mas Jesús se escondeu e saiu do templo.

8,48-50 Á denuncia de Jesús respondem ou náo reconhecem o verdadeiro Deus, pois


com insultos graves (Is 51,7; SI 69,8; 89,51- rejeitam seu enviado (segundo Os 5,4, “por­
52). “Samaritano”, quer dizer, cismático, que trazem dentro um espirito de for­
meio pagáo, infestado de sincretismo. “En­ nicado”). A invocado deles é urna “men­
demoninhado”, como que devolvendo a tira”, é invocar em váo. Chamando-o Pai,
acusado. Jesús, sim, o conhece e náo pode negá-Io
Os insultos náo empanam a honra de Je­ (a comunidade cristá faz suas estas palavras).
sús, porque a recebe do Pai e náo busca o 8,56-58 Voltando a Abraáo, primeiro lhes
próprio prestigio (7,18). O julgamento do Pai reconhece que é “vosso pai”; daí passa (se
reivindicará a honra do Filho (cf. SI 4,3-4). gundo interpretad0 da época) a urna reve­
8,51-55 Se o Diabo procura a morte, com la d o messiánica que teria tido Abraáo
sua palavra Jesús traz a vida (a ressurrei- quando recebeu as promessas (Gn 15 e 17)
<jáo de Lázaro vai ilustrá-lo). Os judeus re- ou no episodio misterioso de Isaac; em Hb
agem com mais um mal-entendido: náo há 11,9 lemos que Abraáo recuperou Isaac
poder humano que venga a morte (só Deus “como símbolo”. Em espirito Abraáo viu o
o pode, Dt 32,39, como conseqüéncia de “Eu mundo futuro, o dia escatológico, que é o
sou”). Jesús responde reiterando o tema da presente de Jesús. E visto que esperava par­
gloria. Parece que se gloriou de poder con­ ticipar do mundo futuro, alegrou-se com a
ferir a imortalidade; mas a gloria compete esperanza.
ao Pai, que lhe deu semelhante poder (5,25- Com outro mal-entendido os judeus o
26) e lhe dará a gloria (12,23; 13,31; 17,1). tomam em sentido empírico, claramente
8,53 Com intengáo polémica, sem pre- absurdo. E daí Jesús passa á sua última
tendé-lo, langam urna pergunta certeira: declarado, nestas festas, de seu título di­
“Quem pretendes ser?” Porém, náo lhes vino “Eu sou” (eu existo).
interessa a resposta, pois já foi dada, e eles 8,59 Tomando-o como blasfemia, pro-
a rejeitam e condenam. curam apedrejá-lo (Lv 24,16). Jesús vai-
8,55 Por mais que repitam a fórmula tra­ se embora as escondidas, como tinha vin-
dicional Yhwh nosso Deus, náo conhecem do (7,10).
9
».7 323 JOÂO

C u ra um cegó — 'A o passar, viu de Deus. 4Enquanto é dia, tendes de tra-


uni homem cego de nascimento. 2Os balhar ñas obras daquele que me enviou.
discípulos perguntaram-lhe: Chegará a noite, quando ninguém pode
— Rabi, quem pecou, para que nas­ trabalhar. 5Enquanto estou no mundo,
cesse cego: eie ou seus pais? sou a luz do mundo.
’kespondeu Jesus: 6Dito isso, cuspiu no chao, fez barro
■— Nem eie pecou nem seus pais; com a saliva, ungiu-lhe os olhos 7e lhe
ncoiiteceu para que se revele nele a acao disse:

9, 1-41 Depois de uns dias de controvér- Nao há antecedentes de um milagre se-


»ias tensas e de solenes declaragóes, o melhante no AT (v. 32); náo se considera
evangelista nos serve um auténtico relato, milagrosa a cura de Tobit, embora suponha
iim dos melhores do seu evangelho. Tam- um conhecimento sobre-humano de virtu­
bém este tem muito de diálogo, mas sao des terapéuticas (Tb 11,12-13). O único que
fruses lógicamente encadeadas num pro- temos é a profecía de Is 35,5 “os olhos do
ccsso. O relato poderia fácilmente trans- cego se abriráo” e 42,7 “para que abras os
formar-se em representado dramática. O olhos dos cegos”, o Salmo 146,8 “o Senhor
lema é um simples milagre e suas conse- dá a visáo aos cegos” e o uso metafórico da
qüéncias. E a primeira ligáo: que um rni- “cegueira” espiritual (Is 42,18-19; 43,8; 56,
lagre de Jesús provoca abalos ao redor. 10). Nos sinóticos se léem curas de cegos.
Nao é freqüente nos evangelhos o estudo 9.2 Os discípulos náo se tinham livrado aín­
psicológico. Este relato é um estudo acurado da dessa crença que ligava mecánicamente a
ile atitudes: antes de tudo o cego, que parece doença com o pecado, próprio ou dos pais.
Unzar no seu papel de protagonista (quase Ou cometeu um pecado antes de nascer, ou
foubando-o de Jesús), os vizinhos curiosos, seus pais o cometeram. Pensam segundo
os pais atemorizados, as autoridades perti- Ex 20,5; 34,7, como os amigos de Jó, sem
nazes, Jesús guiando discretamente os fa­ levar em conta a corredo de Jr 31,29-30 e Ez
los. Destaca-se o diálogo do cego com as 18 “o filho náo carregará a culpa do pai”.
autoridades: seu aprumo e irania, seu tom 9.3 “Para que”: nós antes falaríamos de
astuto e a lógica que desarma os contrários. ocasiáo, ou diríamos que vinha de Deus
O valor narrativo, que temos de apreciar (cf. o papel dialético do Faraó para a reve­
liuma primeira leitura, náo esgota o senti­ la d o de Yhwh, Ex 9,16). De modo seme-
do do relato. Nele assistimos a dois proces­ lhante, na esterilidade de algumas mulhe-
aos encontrados: a progressiva iluminado res revela-se o poder do Deus da vida. E
do cego, cada vez mais penetrante em sua Paulo afirmará que “a força se realiza na
visáo sobrenatural. O progresso se adverte fraqueza” (2Cor 12,9).
no que vai dizendo de Jesús: um homem 9,4-5 Estes w ., de ritmo quase poético,
(v. 11), um profeta (v. 17), procede de Deus definem a chave simbólica do relato: dar a
(v. 33), Senhor (v. 38). A progressiva ce- vista é iluminar, o cego passará da noite para
Hiieira das autoridades, que se empenham o dia. “Como cegos vamos apalpando a
cm náo compreender e quereriam náo ver. parede, caminhamos no escuro” (Is 59,10).
No principio estáo divididos, depois asse- O dia é o tempo em que se pode trabalhar:
Kuram duas vezes “consta-nos”, depois re- “sois todos cidadáos da luz e do dia”; a noite
eorrem ao insulto e á expulsáo. será o poder das trevas (cf. lTs 5,1-10).
Esse duplo processo com suas conseqüén- Como lema répété a autodefiniçâo de 8,12.
eias soa como registro da polémica entre o 9.6 Após o enunciado do valor simbóli­
judaismo e o cristianismo, depois da ruptu­ co, o narrador se esforça por fazer-nos ver
ra definitiva, na época em que se escreve o a materialidade do processo, inclusive com
evangelho. Passado esse momento, o relato seu paradoxo. Terra inerte e saliva vital, tra-
náo perde seu valor revelador, que o autor balho das máos e aplicado aos olhos, la­
no comego quis anunciar na boca de Jesús. vatorio. Aquele que vem enviado do céu
So recordarmos que na antigüidade o batis- opera na terra e com ela.
ino se chamou “ilum inado” (photismós), 9.7 A água que lava e ilumina, o nome
tompreenderemos por que esta cena foi “Enviado” da piscina, deram base à leitu­
lema favorito da iconografía cristá antiga. ra batismal do relato. Se nascer é ver a luz,
jo á o 324 'i»

— Vai lavar-te na piscina de Siloé 13Apresentaram aos fariseus aquí


(que significa Enviado). que fora cegó. I4(Era sábado o día cffl
Foi, lavou-se e voltou enxergando. que Jesús fizera barro e lhe abrira u*
8Os vizinhos e os que antes o viam pe- olhos.) 15Os fariseus lhe perguntaran.
dindo esm olas comentavam: outra vez como havia recuperado a vi
— N ao é esse que ficava sentado pe- sao. Respondeu-lhes:
dindo esmolas? — Aplicou-me barro nos olhos, 11
9Uns diziam: vei-me, e agora vejo.
— É ele. 16Alguns fariseus lhe disseram:
Outros diziam: — Esse homem náo vem da parte d.
— Nao é, mas se parece com ele. Deus, pois náo observa o sábado.
Ele respondía: Outros diziam:
— Sou eu. — Como pode um pecador fazer tan,
10Entáo lhe perguntaram: sinais?
— Como se abriram teus olhos? E estavam divididos. 17Perguntar;un
n Respondeu: de novo ao cegó:
— Esse individuo que se chama Jesús — Visto que te abriu os olhos, o quo
fez barro, ungiu-me com ele os olhos e dizes dele?
me disse que fosse lavar-me na fonte de Respondeu:
Siloé. Fui, lavei-me e recuperei a visáo. — E profeta.
12Perguntaram-lhe: 18Os judeus náo creram que fora cegó
— Onde está ele? e que havia recuperado a visáo; enlau
Responde: chamaram os país do que havia recu
— Nao sei. perado a visáo 19e lhes perguntaram

o renascido pelo batismo contempla a no­ o mendigo, porque um cegó de nascem;.i


va luz. é impossível que se cure. Para algún ,
9,8-9 A divisáo de opinioes sublinha o fariseus, Jesús náo é enviado de Deus,
incomum ou o incrível do sucedido. O porque náo observa o sábado (tal coni“
novo estado o torna irreconhecível, pois eles o definem).
náo se encaixa na rotina cotidiana. E pro- 9.17 O cegó náo dispóe por enquanto do
curam-se saídas plausíveis, as quais ele outra categoría senáo a tradicional e gene'
responde afirmando sua identidade, como rica de “profeta”: enviado de Deus com
se dissesse: agora sou mais eu. poderes extraordináríos, segundo o ti|«i
9,10-11 O mendigo pronuncia pela pri- dos profetas taumaturgos, Elias e Eliseu
meira vez seu testemunho, identificando 9.18 A mesma resistencia para excluii
a si mesmo e a seu benfeitor. Soa nova- ou eliminar o milagre: os vizinhos dizcm
mente a pergunta que aponta para o enig­ que náo é o mesmo; os judeus, que ñau
ma de Jesús: onde está? A esta pergunta estava cegó. Tudo, menos aceitar a pesso.i
ele náo sabe responder. e missáo de Jesús. O cegó comega a sei
9,13-16 Chama seus interlocutores de urna pega que incomoda, náo manipulávcl
“fariseus”, do partido mais influente, ou 9,19-23 O interrogatorio dos pais reflc
“judeus”, ou seja, as autoridades. Váo ini­ te um clima de intimidacáo que pode sei
ciar um interrogatorio formal. O dado do histórico. Por outro lado, a decisáo de ex-
sábado póe em marcha o diálogo; mas náo comungar ou expulsar da sinagoga corres
é o tema central (como em 5,1-18). O ver- ponde melhor á época em que se escrevr
dadeiro tema é a personalidade e a missáo o evangelho: a expulsáo dos cristáos (“na
de Jesús: sobre ele, num primeiro momen­ zarenos”) estava consumada. Por certo
to, se dividem de novo as opinioes. Todo tempo, os judeus que confessavam Jesir.
um esforgo para enquadrar fatos desusa­ como Messias formavam urna seita judai
dos, estranhos, e personagens peculiares ca entre outras; seu problema era intra
em categorías habituais: vinho novo em judaico. A partir da destruigáo do templo,
odres velhos. Para alguns vizinhos náo é o grupo dirigente que manteve a continui
1,11 325 JOÀO

íí este o vosso filho, que dizeis ter 27Respondeu-lhes:


mmck Io cegó? Como é que agora en- — Já vos disse e náo me crestes; para
• tMUIt? que quereis ouvir de novo? Será que
1 Scus pais responderam: quereis tornar-vos discípulos dele?
Sabemos que este é nosso filho e 28Insultaram-no, dizendo:
ijiir nasceu cegó; 21como é que agora — Discípulo dele serás tu, porque nós
»Huelga, nao o sabemos; quem lhe abriu somos discípulos de Moisés. 29Consta-
im ■>1líos, nao o sabemos. Perguntai a nos que Deus falou a Moisés; quanto a
, pois tem idade e pode responder esse, náo sabemos de onde vem.
|Mii si mesmo. 30Replicou-lhes:
1 ;Seus pais diziam isso por m edo dos — Isso é estranho: Vós náo sabéis de
juilcus; pois os judeus já haviam deci­ onde vem, e ele me abriu os olhos. 3lSa-
dido que quem o confessasse como Mes- bem os que Deus náo escuta os pecado­
üIiin seria expulso da sinagoga. 23Por res, mas escuta quem é religioso e cum-
Iiiiii os pais disseram que tinha idade e pre sua vontade. 32Jamais se ouviu dizer
i|iir perguntassem a ele. 24Chamaram que alguém tenha aberto os olhos de um
{ii'lii segunda vez o homem que fora ce- cegó de nascenca. 33Se esse náo viesse
gn c lhe disseram: da parte de Deus, nada poderia fazer.
Dá gloria a Deus! Consta-nos que Responderam-lhe:
mnc homem é um pecador. — Nasceste todo em pecado e que­
J1Respondeu-lhes: res dar-nos litjóes?
- Se é pecador, nao sei. De urna coi- E o expulsaram.
mi estou certo: eu era cegó e agora vejo. 35Jesus ouviu que o haviam expulso
■'Terguntaram-lhe de novo: e, quando o encontrou, disse-lhe:
— Como te abriu os olhos? — Crés nesse Homem?

ilude robustecendo-se com todo o poder, 9,27-28 A pergunta é zombeteira, para


Ini progressivamente endurecendo sua ati­ eles ofensiva; por isso respondem com in­
linte frente ao novo grupo judeu, que rea­ sultos. Contrapóem Moisés (Dt 34,10) a
giti com polèmica dureza. Por outro lado, Jesús: até que ponto tém razáo? “Porém
im judeus que reconheciam Jesús como nunca mais surgiu em Israel um profeta
Messias nao participavam de outros mes- como Moisés, com o qual o Senhor trata-
«lunismos nem de movimentos de liberta­ va cara a cara” (Dt 34,10; cf. 5,45 e 1,18);
do. Se a excomunháo nao se encaixa na como se disséssemos, se escudam em
villa de Jesús, o narrador acerta em desco- Moisés para resistir a Jesús. E os que se
Itrir a razáo na controvèrsia sobre o mes- sentem táo seguros — “nos consta” — se
«lanismo de Jesús. apóiam na ignorancia — “náo sabemos”.
9,24 Nao dando resultado o interroga­ E náo sabem porque náo querem.
torio dos pais, iniciam um segundo inter­ 9,30-33 E o pobre cegó ignorante dá
rogatorio, agora agressivo, do cegó cura­ urna li§áo: urna agravante para os contu-
titi. A fórmula “dá gloria a Deus” é como mazes, um consolo para os fiéis. Deus náo
turnar juramento (Js 7,19). O predicado escuta: “Se eu tivesse intengóes perversas,
"pecador” é grave: è dado a quem exerce o Senhor náo me teria escutado” (SI 66,18).
determinadas profissóes (como publicano) O cegó sabe como averiguar de onde vem
nu viola habitualmente a lei. Os sacerdo­ Jesús: sua a§áo milagrosa aponta sem am-
tes diagnosticavam doenga ou cura discer­ bigüidade para Deus.
nido síntomas; esses fariseus se sentem 9,34 Por falta de razóes o desqualificam
iiutorizados a declarar alguém “pecador”. radicalmente: náo tanto cegó de nascimen-
Critèrio? — O sábado, rigidamente inter­ to quanto pecador (SI 51,5).
pretado por eles. Grau? — Certeza. Segun­ 9,35-38 O último passo, conseqüéncia
do as categorías dos judeus, Jesús entra dos anteriores, é a plena iluminagáo espiri­
Nem dúvida na classificacjáo. Ñas catego­ tual (Jo 4,26), ou seja, a fé como reconhe-
rías do cegó, é um benfeitor prodigioso. cimento e adesáo á pessoa; ao individuo
JOÄO 326

36Respondeu: — Se estivésseis cegos, náo terfolf


— Quem é, Senhor, para que eu creía pecado; porém, como dizeis que veden
nele? vosso pecado permanece.
37Jesus lhe disse:
— Tu o viste: é aquele que está fa- O bom p astor—- !Eu vos assi
lando contigo. guro: Aquele que náo entra m>
38Respondeu: redil pela porta, mas salta por outra p.u
— Creio, Senhor. te, é ladráo e bandido. 2Aquele que ni
E p rostrou-se diante dele. 39Jesus tra pela porta é o pastor do rebanho. '<i
disse: porteiro lhe abre, as ovelhas ouvem su»
— Vim a este m undo para instaurar voz, ele cham a as suas pelo nome e ul
um processo, para que os cegos vejam retira. 4Quando retirou todas as su r
e os que vêem fiquem cegos. caminha á frente délas e elas atrás dele
40A lguns fariseus que estavam com porque reconhecem sua voz. 5Náo se
ele perguntaram: guem um estranho, mas fogem de1
— E nos, estam os cegos? porque náo reconhecem a voz dos es
41Respondeu-lhes Jesus: tranhos.

concreto que fez o milagre, ao que signifi­ O primeiro é a figura do porteiro: desig­
ca sua personalidade. Com enorme densi- na alguém ou é simples recheio descritivo"
dade se concentra em dois verbos: “tu o tens O AT nos fala de porteiros do palácio du
visto — creio”. E o narrador póe na boca templo, responsáveis pela seguranca. A pn
do cegó a confissào crista de Jesus como rábola dá a entender que o porteiro náo del’
Senhor (Kyrios). xa os ladróes entrar, mas abre sem mais ao
9,39-41 Estes versículos arrematam o pastor. Pode conter uma explicado da fu
processo contràrio: a cegueira contumaz das tura funcáo dos apóstolos em relaqáo :■<>
autoridades. Toda a atuaçâo de Jesus é um Pastor que é Jesús. E pode conter uma crl
grande processo porque obriga a tomar par­ tica aos porteiros que náo se comportarafli
tido. Formula-o num jogo de paradoxos. bem (cf. Is 56,10).
Vem dar a vista aos que nao vêem e que- O segundo detalhe é que fala só de “le
rem ver até o fundo; e deixar cegos os que varpara fora” as ovelhas e de guiá-las indo
vendo nao querem ver. á frente; náo fala de reconduzi-las ao re
dil. Provavelmente se sugere ai a primeirn
10,1 -18 A imagem o pastor, aplicada a libertagáo em suas duas fases de “saída"
chefes, ao rei, a Deus, é tradicional no AT. do Egito e “caminhada” pelo deserto, guia
Tem seu antecessor ilustre na pessoa de dos por Deus (SI 80,2). Primeira liberta
Davi, o rei pastor (SI 78,70-71), os profe­ gáo que prefigura a presente, na qual Je
tas a ernpregam (Is 40,11; 44,28; Jr 23; Ez sus vai levar para fora e guiar, e náo vai
34; Zc 11) e os salmos (23; 80). O mate­ reconduzir ao velho redil.
rial é táo abundante que daria um tratado O terceiro detalhe é menos chamativo
cujos detalhes iluminariam por semelhan- é a relagáo pessoal do pastor com cada
ça ou contraste a figura do Messias. Jesús ovelha: conhece-as pelo nome, elas reco­
toma o título real, messiànico, divino e o nhecem sua voz. Adáo punha nomes ao:,
desen voi ve em très variaçôes: o pastor e animais (Gn 2,19-20), nome de espécie.
os ladróes (vv. 1-6), a porta do redil (vv. o pastor de Joáo póe nomes individuáis,
7-10), o dono e o assalariado (w . 11-18). pessoais: “Chamei-te por teu nome, tu és
Esta divisáo simplifica e aplaina algumas meu” (Is 43,1; cf. 43,25). Naturalmenle
dificuldades do texto e de todo o capítulo. “ouvir sua voz” soa ñas duas vertentes,
10,1-6 Ao terminar, chama o discurso de imagem e de realidade (18,37). Tani
de “parábola”, termo que inclui também a bém nos diz que tem havido falsos pas
comparaçâo. Numa descriçâo (significan­ tores, antes e agora; e o último versícu
te) de tipo realista, apresentam-se deta­ lo sugere que os presentes náo se dáo
lhes próprios do significado que dáo o que por aludidos, porque lhes convém náo en­
pensar. tender.
327 JOÁO

"I issa é a parábola que Jesus lhes pro- 15como o Pai me conhece e eu con liego
|tñh, porém eles náo entenderam a que se o Pai; e dou a vida pelas ovelhas. 16Te-
(»lena. 7Assim, pois, falou-lhes outra vez: nho outras ovelhas que náo pertencem a
• Asseguro-vos que eu sou a porta este redil; a essas tenho que guiar, para
ilo rebanho. 8Todos os que vieram antes que escutem minha voz e se forme um
ili’ ínim eram ladróes e bandidos; mas só rebanho com um só pastor. 17Por isso
un tivelhas náo os escutaram. 9Eu sou a o Pai me ama, porque dou a vida, para
finita: quem entra por mim se salvará; recuperá-la depois. 18Ninguém a tira de
(Hiilcrá entrar e sair, e encontrará pas- mim; eu a dou voluntariamente. Tenho
ingi iis. 10O ladráo só vem para roubar, poder para dá-la e recuperá-la depois.
mular e destruir. Eu vim para que tenham Este é o encargo que recebi do Pai.
vida, urna grande vitalidade. n Eu sou o 19Essas p a la v ra s p ro v o c a ra m n o ­
hom pastor. O bom pastor dà sua vida v a divisáo entre os judeus. 20M uitos
pulas ovelhas. 120 mercenàrio, que náo diziam:
t' pastor nem dono das ovelhas, quando — Está endem oninhado e louco. Por
vi1o lobo vir, foge abandonando as ove- que o escutais?
llias, e o lobo as arrebata e dispersa, 21Outros diziam:
l'pois ele é mercenàrio e náo lhe impor­ — Essas palavras náo sáo de um en­
tuni as ovelhas. 14Eu sou o bom pastor: demoninhado; pode um endem oninha­
l’iinheQO as minhas e elas me conhecem, do abrir os olhos dos cegos?

lisses ladróes e bandidos podem ser fai­ soteriologia: Jesús dá a vida voluntariamen­
nos messias ou mestres abusivos. As ove­ te, sacrifica-se; sua morte será salvaçào pa­
lhas que reconhecem a voz sao os fiéis que ra todos. Sua relaçâo com as ovelhas é pes-
pela fé sintonizara com a voz. soal: táo pessoal como a sua com o Pai.
10,7-10 Este uso metafórico da porta é ori­ Também nesta seçào pode-se descobrir
ginal. Sabemos como eram guardadas a por- urna referencia dupla: denúncia de lobos
lu exterior do templo e as outras interiores, vorazes e pastores interessados e descui­
permitindo o acesso únicamente aos autori­ dados (Ez 34,2-6), aviso e convite aos pas­
zados (cf. SI 118,20). Também Jerusalém tores da Igreja (At 20,28-29; lPd 5,1-2).
Icin sua porta de acesso. Um texto escato- É evidente o sentido missionário, univer­
lógico anuncia: “Abri as portas, para que salista do v. 16: sob o signo da unidade do
filtre um povo justo” (Is 26,2). Jesús é o úni­ pastor e das ovelhas sem distinçôes (Ez
co acesso (como o é a escada de Jaco 1,51): 37,22; cf. Ef 2,13-16).
Acasa de Deus, ao reino de Deus, ao Pai (14,6). 10.9 Jesús assegura a suas ovelhas a li-
10,8 A frase é muito dura pelo seu alcan­ berdade de movimentos e o sustento apro-
ce geral. Talvez se refira as autoridades de priado (cf. SI 23).
urna época; a náo ser que aluda a falsos 10.10 A vida que Jesús traz é urna vida
messias, náo reconhecidos pelos israelitas plena e perpétua, urna participaçâo, por
nuténticos. Ou se dá valor hiperbólico á meio dele, na vida divina. Para isso veio,
^eneralizagáo (como p. ex. no SI 14). pois o homem com suas forças nao pode
10,9-18 Ao chegar a este ponto, do pas- alcançâ-la.
lor modelo, a imagem torna-se estreita e a 10,14 Trata-se do conhecimento pes­
realidade penetra e a suplanta. Sobretudo soal, mútuo; incluí o tratamento confiado.
no tema central do “dar a vida por”. Lendo 10,16 O AT anuncia repetidas vezes a
ii historia de Davi, compreendemos que o reunificaçâo dos israelitas dispersos (Is
pastor do rebanho paterno arrisca a vida 49,22; 60,9; Mq 5,1 etc.). Além disso, al-
para lutar com feras defendendo as ovelhas guns textos anunciam urna incorporaçâo
( ISm 17,35-36) e náo faltaram reis que ar­ de pagáos (Is 66,18-20; Zc 8,21-23). Je­
riscaran! e perderam a vida lutando. Jesús sús assume a missáo universal sem distin­
é categórico e insiste: dá a vida a, dá a vida çôes, e a Igreja deve continuá-la.
por (vv. 10.11.15.17-18). O v. 18 poderla 10,19-21 Estáo estes versículos em seu
ser o enunciado de urna importante tese de lugar ou sáo uma inserçâo? Pelo tema e pela
JOÀO 328 io

A festa d a D cdica^áo — 22Celebrava- ^ e u lhcs dou vida eterna e jam ais pon •
se em Jerusalém a festa da D e d ic a d o e ceráo, e ninguém as arrancará de minli
era invernó. 23Jesus cam inhava no tem­ máo. 29Aquilo que o Pai me deu é maioi
plo, no pórtico de Salomáo. 24Os judeus que tudo, e ninguém pode arrancá-lo ilit
o rodearam e Ihe perguntaram: máo do Pai. 30O Pai e eu som os uní
— Até quando nos manterás em sus­ 31Os judeus recolheram pedras pafn
pense? Se és o M essias, dize-o clara­ apedrejá-lo. 32Jesus lhes disse:
mente. — Por encargo do Pai vos fiz ver mui'
25Jesus Ihes respondeu: tas obras boas: por qual délas me |»
— Eu vo-lo disse e nao credes. As drejais?
obras que fago em nome de meu Pai dáo Os judeus lhe responderam:
testemunho de mim. 26Porém, vós nao — Por nenhuma obra boa te apedn
credes, porque nao sois das minhas ove- jam os, mas pela blasfemia, porque sen
lhas. 27Minhas ovelhas escutam minha do homem te fazes Deus.
voz, eu as conhego e elas me seguem; 34Jesus lhes respondeu:

referencia aos cegos, dir-se-ia que sao con- é porque náo sáo “ovelhas suas” (embow
tinuagáo do cap. 9. Pode-se transladá-los ele continué sendo o Pastor, cf. Is 30,21)
para lá ou considerá-los como pega de en­ 10,28-29 Jesús está cumprindo o man
gate (cf. 1,15.19-20; 7,21-24) com a qual o dato do Pai e ninguém poderá frustrá-le
narrador nos avisa que continuamos no E duvidosa a interpretagáo do v. 29: o
mesmo contexto de doutrina e controvèr­ Pai, que o deu a m im ...”.
sia. Outra vez a distingáo de pareceres que Concluí com urna afirmagáo que reflcto
Jesús provoca continuamente. Convém fri­ um estado maduro da fé cristá. “Somos"
sar que Joáo menciona “judeus” favorá- no plural, “um” no singular neutro. Pai (de
veis a Jesús (contra o que afirmam os pois Filho). No contexto refere-se á agao
fariseus de 7,48); deve-se levar isto em conta as obras. A reflexáo teológica posterioi,
quando encontramos “os judeus” neste meditando sobre este texto e outros senir
evangelho. lhantes, cunhará a fórmula trinitária da
10,22-23 A festa da Dedicagáo celebra­ “pessoas” e da “natureza”. Os judeus o con
va a purificagáo e nova consagrado do al­ sideram blasfemia (Lv 24,16); o narradoi
tar no tempo de Judas Macabeu (164 a.C., dá a entender que tomam no sentido forte
I Mc 4,59). Como caí no inverno, o povo o que se coloca a seguir; e por isso contra
se refugia nos pórticos do templo. Talvez diz o monoteísmo estrito da fé de Israel
para o narrador a lembranga do Macabeu 10,32-39 A objegáo: já náo sáo as obra
atualizava a esperanza messiànica de liber- (realizadas no sábado), mas sim as pala
tagáo, tal como o povo e as autoridades a vras, a suposta blasfémia. Pois bem, Jesu .
entendiam. Nos w . que se seguem a con­ náo “se faz Deus”, mas a Palavra é Den .,
trovèrsia versará sobre dois títulos: Mes­ ou melhor, “se fez” homem. Jesús respon
sias, Filho de Deus. Os dois terminam nu- de comentando um texto bíblico segundo
ma afirmagào “trinitària” e na conseqüente as técnicas de entáo, usando concretamente
tentativa de agáo violenta contra Jesús. o argumento a minore ad maius. Chama o
10,24-31 Os chefes o rodeiam, o asse- salmo (82,6) Leí em sentido de Escritura,
diam, exigem dele urna resposta inequí­ O texto original se referia as divindade.
voca sobre a sua condigáo de Messias (re- inferiores chamadas a prestar contas ante o
corde-se o interrogatorio de Joáo Batista, Deus supremo e condenadas por sua adnii
1,19-28). Como o título Messias é ambi­ nistragáo injusta. Mais tarde, abolido todo
guo, Jesús o evita e dá em troca o conteú- trago de politeísmo, os ’elohim do salmo
do da sua missáo, que é dar vida eterna e foram identificados com juízes ou govn
proteger e agir em nome do Pai. As obras nantes “pela graga de Deus”. Nessa idenii
que realiza (5,36) sáo a garantía da sua ficagáo se apóia a argumentagáo de Jesns:
missáo. Em síntese, essas obras sao o po­ se eles recebem o título de “deuses” pot
der de Deus posto a servigo do homem terem recebido e transmitido a palavra di
necessitado. Se náo se deixam convencer Deus (quer dizer, como intérpretes de Deus).
329 JOAO

Na vossa lei está escrito: Eu vos zava, e ficou ai. 41Muitos acorreram a
lililí sois deuses. 35Se chama de deuses ele e diziam:
ii(iicli s a quem foi dirigida a palavra de — Embora Joáo náo tenha feito ne-
Hi ir., e a Escritura náo pode falhar, nhum sinal, tudo o que disse deste era
iii|iiole que o Pai consagrou e enviou verdade.
ni mundo dizeis que blasfema porque 42E muitos ai creram nele.
iiv.r (|ue é fillio de Deus? 37Se náo fago
ri i >1>ias de meu Pai, náo me creíais. 38Se R e ssu sc ita L á z a r o — 'H avia
ii lago, ainda que náo creiais em mim,
■ii'tlu em minhas obras, e vos convence-
n um doente chamado Lázaro, de
Betânia, a aldeia de Maria e sua irmá
ii i1,ile que o Pai está em mim e eu no Pai. Marta. 2M aria era quem havia ungido
wlentaram prendé-lo, mas ele esca- o Senhor com mirra e lhe exugara os
1«ni de suas máos. pés com os próprios cábelos. Seu irmáo
'"Passou de novo para a outra mar- Lázaro estava doente. 3As irmás lhe
in mi do Jordáo, onde outrora Joáo bati- enviaram um recado:

iiininto mais e em que ordem superior po- Eliseu (IRs 17,17-24 e 2Rs 4,29-37). Nos
I '
i i iíi receber o título aquele que foi “consa- sinóticos lemos dois episodios: o jovem fi-
Kinilo” imediatamente pelo Pai (e corn­ lho da viúva de Naim (Le 7,11-17) e a filha
imi tilha a santidade divina, cf. 6,69; 17,19). de Jairo (Me 5,22-24.34-43). O segundo é
I sto recíproco “estar em” é urna variante mais pertinente por seus pontos de contato
ilii ileclaragáo precedente. manifestos com o relato de Joáo. Nos trés
10,40-42 Esta noticia tem valor estrutu- ressoa e retumba a ordem eficaz de Jesús.
ml ile inclusáo e conclusáo (Jo 1,29.34). O milagre servirá para a gloria de Deus
i iinclui urna etapa importante do minis- (vv. 4.40) e também para que o povo creía
ii lio de Jesús: Páscoa, Cabanas, Dedica­ na missáo de Jesús (w. 15.42). Como no
gli >. Concluí na hostilídade aberta das au- milagre do cegó, a quem Jesús abre os olhos
liil iclades diante das declaragóes solcnes da fe para que receba a luz da revelagáo. Em
ile .lesus. Afasta-se de Jcrusalém. A inclu­ outro plano, serve para mostrar o afeto hu­
ían consiste na volta ao cometo, aos lu- mano a uns amigos (vv. 3.5.11.36) e a co-
i'.nes do testemunho do Batista, que foi se mogáo humana diante da morte (vv. 33.38).
■iimprovando; ai, de novo, muitos acor- O relato emprega a técnica do suspense
i cui a ele e nele créem (2,23; 7,31; 8,30). ou dilagáo com fungáo narrativa e teoló­
gica. O protagonista adia de propósito a
11,1-44 Outro grande milagre contado viagem; quando está para chegar, a agáo
i o n i maestria. E o sétimo e último dos si- se detém em dois diálogos com as duas
nais, que comegaram em Caná (2,11). A mulheres; diante do túmulo se detém para
vitória sobre o último inimigo (ICor 15, uma oragáo; o final se precipita. Contém
.'(>) e sobre quem tem seu dominio (Hb muito diálogo carregado de sentido trans­
14). Num sentido cumpre-se aqui o pro­ cendente, com o recurso do mal-entendi-
metido (5,28-29). Só em certo sentido. do que se explica e das frases de duplo
I ii/.aro nao ressuscita glorioso para viver sentido. As oposigoes simples atravessam
•irmpfe, simplesmente volta a esta nossa as cenas: dia e noite, luz do dia e da fé,
villa. Mas essa ressurreigáo prefigura a de dormir e morrer, ressurreigáo final e ante-
lesus: tres dias, sepulcro e panos. Simbo­ cipada, e lógicamente vida e morte (cf. o
liza também a vida sobrenatural que ele salmo 30 com suas polaridades).
comunica. Por isso, o gesto é acompanha- 11,1-2 Os personagens femininos sáo co-
ilo de uma declaragáo do tipo “eu sou” com nhecidos pelo relato de Le 10,38-42.0 narra­
Iiiedicado. Paradoxalmente esse dom da vi- dor identifica Maria por um fato que conta­
ila vai provocar a morte de Jesus e por eia rá mais tarde (12,1-8). Este enlace faz os dois
■.na glorificagáo. Este capítulo se torna, episodios convergirem rumo á páscoa. Lá­
portante, a introduco narrativa da paixáo. zaro náo tinha sido apresentado até entáo.
O Antigo Testamento nos oferece dois 11,3 Jesús se tinha afastado, mas náo
antecedentes, os milagres de Elias e de escondido (10,41); o narrador supóe as ir-
JOÂO 330 II

— Senhor, teu am igo está doente. — Senhor, se está dormindo lí> ,<•
4Ao ouvir isso, Jesus comentou: curado.
— Essa doenqa náo vai acabar em 13Jesus porém se referia à sua mon>
m orte; é para a glòria de Deus, para enquanto eles creram que se referí.i i
que o filho de Deus seja glorificado por sono. 14Entáo Jesús lhes disse aben,
eia. mente:
5Jesus era am igo de Marta, de sua -— Lázaro morreu. 15E por vos mi il
irmá e de Lázaro. '’Quando ouviu que gro de náo estar lá, para que creíais \ .
estava doente, prolongou por dois dias mos vé-lo.
sua estadía no lugar. 7Depois disse aos 16Tomé (que significa Gémeo) dí­
discípulos: aos dem ais discípulos:
— Vamos voltar à Judéia. -— Vamos também nós morrer com 1 1
8Os discípulos lhe dizem: 17Quando chegou, Jesús o encontré
— Rabi, há pouco os judeus tenta- háquatrodiasno sepulcro. I8Betánia lu
vam apedrejar-te, e queres voltar para lá? a uns très quilóm etros de Jérusalem
9Jesus lhes respondeu: 19Muitos judeus tinham ido visitar M u
— O dia náo tem doze horas? Quem ta e Maria para dar-lhes pésames pi I
caminha de dia náo tropeqa, pois vè a morte de seu irmáo. 20Quando Mail
luz deste mundo; Hlquem caminha de ouviu que Jesús chegava, saiu a seu en
noite tropera, pois nao tem luz. contro, ao passo que Maria permaná i
"D ito isso, acrescentou: em casa. 21Marta disse a Jesús:
— Nosso amigo Lázaro está dormin- — Se estivesses aqui, Senhor, ni' i
do. Vou despertá-lo. irmáo náo teria morrido. 22Mas sei qin
12Os discípulos responderam: Deus concederá o que pedires.

más informadas dos movimentos de Jesús. horas do Filho e ainda náo chegou sin
Enviam-lhe urna mensagem de eloquente hora; chegará com o poder das trevas. I n
discriçâo (como a indicaçào de Maria em tretanto, ele é “a luz do mundo” (8,12, cm
Cana, 2,3). Compare-se com a petiçào: do cegó 9,5; 12,46).
“Náo me abandones, Senhor... vem de­ 11,11 O sono como imagem da morii .
pressa socorrer-me” (SI 38,22-23). tradicional: “dá luz a meus olhos, para <|in
11.4 A frase é de duplo ou triplo senti­ náo durmam o sono da morte” (SI 13.1
do. Esta enfermidade acabará em morte, 76,6; Jr 51,39.57).
mas náo acabará, porque o morto voltará 11,12-13 Mal-entendido e explicaçiiu
à vida. Acabará em morte, a de Jesús. Náo no estilo de Joáo.
acabará em morte, porque o milagre e a 11.15 Assim empreende o caminho ul
morte de Jesús glorificam a Deus e ao Fi­ timo para Jerusalém: para dar vida, pam
lho de Deus ressuscitado (cf. SI 30,12-13). dar a vida. Vale a pena se o fruto for a I.
A gloria é urna só: o Filho glorifica o Pai 11.16 Pode-se escutar, como que ante
com sua vitória sobre a morte, o Pai glori­ cipando a atítude confiada e temerària d.
fica o Filho. Pedro (13,37), ou em tom de résignai..n
11.5 0 amor, em sua forma de amizade, fatalista, com urna perspectiva limitacia
póe em movimento o poder: “senáo tua 11.17 Os quatro dias indicam que .,
direita e teu braço e a luz de teu rosto, pois corrupçào avança. “Um ou dois dias pai.i
os amavas” (SI 44,4). as lágrimas”, diz Ben Sira (Eclo 38,17).
11.6 Os dois dias apontam para a morte 11,19 Segundo o costume: Jr 16,5.
de Cristo. 11,20-27 Neste diálogo, ascende o reía
11,8 Enlaça com o episodio anterior to por degraus ao cume da revelaçâo e d.i
(10,31). fé. Marta expressa a crença já comum su
11,9-10 Responde com aforismos ou bre a ressurreiçâo no final dos tempo-,
refráes em imagem (cf. Is 59,1 e Jr 13,16; “ele, com sua misericordia, vos devolvei i
Jó 5,14 e 12,25). O dia é o tempo de traba­ o alento e a vida” (Dn 12,2; 2Mc 7,9.11.11
llio sereno (SI 104,23). Deus controla as 23.29). Reconhece a Jesús o título de Mes
331 JOÄO

'l)iz-lhe Jesus: levantar depressa e sair, foram atrás


Teu irmäo ressuscitarä. déla, pensando que fosse ao sepulcro
;ll)iz-lhe Marta: chorar. 32Quando Maria chegou aonde
Sei que ressuscitarä na ressurrei- estava Jesús, ao vé-lo caiu a seus pés,
.,iin ilo ultimo dia. dizendo-lhe:
\lesus lhe respondeu: — Senhor, se estivesses aqui, meu
Eu sou a ressurrei§äo e a vida. irmáo nao teria morrido.
Ouem ere em mim, ainda que morrà, 33Quando Jesús viu Maria chorando
tlverä; 26e quem vive e ere em mim, e também os judeus que a acompanha-
itilo morrerä para sempre. Crés nisto? vam, estremeceu por dentro 34e disse
•'Respondeu-lhe: muito agitado:
- Sim, Senhor, eu creio que és o — Onde o colocastes?
Messias, o Filho de Deus, aquele que Dizem-lhe:
ilcvia vir ao mundo. — Senhor, vem ver.
■KDito isso, ela foi cham ar em parti- 35Jesus comegou a chorar. 36Os judeus
■ular sua irmä Maria, dizendo-lhe: comentavam:
— O M estre està aqui e te chama. — Vede como o amava!
"'Ao ouvir isso, eia se levantou de­ 37Mas alguns diziam:
cessa e se dirigiu a eie. 30Jesus näo — Ele, que abriu os olhos do cegó,
liavia ainda chegado à aldeia, mas es- nao pode impedir que este morresse?
Inva no lugar em que Marta o encon- 38Jesus, estremecendo de novo, foi ao
Hara. 31Os judeus que estavam com eia sepulcro. Era urna cova com urna pe-
ita casa consolando-a, ao ver Maria se dra na frente. 39Jesus diz:

nías com seus equivalentes, Filho de Deus Mas o encontro fica pela metade do cami-
» “o que há de vir” (6,14). Cré em seu po­ nho. Repete a primeira frase de Marta, nao
der de intercessáo, mas nao parece incluir a segunda, de esperanza na intercessáo.
no seu ámbito o ressuscitar um morto. Je- Nao se chega a iniciar o diálogo, e Maria
m i s responde com urna declaraçâo que le­ fica na zona do pranto e da impotencia
vanta o conceito de vida, sem dividir o humana (cf. Eclo 38,16-20), sem subir até
Immem. Embora seja mortal e morra, a fé de sua irmá, a única que realmente
i|iiem eré recebe urna vida superior; e se pode consolar.
inorre a esta vida terrena, sua morte nâo é 11,33-37 Discute-se o significado do
o final. Penhor disto é o que ele vai reali­ verbo grego aqui e no v. 38. As expres-
zar. Em Jesús já se encarnam a ressurrei- sóes que acompanham sao “agitagáo e
(,'iio e a vida definitiva, e pode fazer com pranto”, com os quais o narrador quer
i|ue outros participem de sua plenitude. mostrar a compaixáo humana de Jesús, que
Nâo se separam a fé em sua pessoa e a é o que mobiliza seu poder (SI 35,14). Em
isperança nessa vida superior e eterna. Só outras passagens costuma expressar indig­
i|iie Maria nâo deve ficar na esfera pura­ n a d o , repreensáo ou zanga. Maniendo
mente natural. Jesús é para o homem vida esse significado, alguns o interpretam
já concedida e presente, e ressurreiçâo no como a indignaqáo de Jesús diante do po­
final. der da morte e de Satanás; outros o consi­
11,26-27 E preciso crer nisso, por isso deran! reaqáo ante a falta de fé. Talvez seja
Jesús lhe faz a pergunta formal. E ela res­ simplesmente expressáo externa e chama-
ponde com a profissáo de fé cristá, numa tiva de um sentimento intenso.
iormulaçâo enfática. O “sim” abraça tudo A dupla reaejáo dos presentes é signifi­
n que Jesús disse; Senhor é o título do glo­ cativa. Há quem aprecia a compaixáo e
rificado; o eu compromete toda a pessoa; amizade como valores auténticos; há quem
o verbo está no perfeito, de açâo perma­ se queixa por nao se traduzir em remédio
nente; e como predicado os très títulos. ¡mediato. Estes náo contam com a hipóte-
11,28-32 Maria atende ao chamado pes- se de urna ressurreigáo, e sim com a da
soal do Mestre, indo aonde estava sua irma. cura de um doente in extremis (SI 30,4).
jo à o 332 ll.ii'
— Retirai a pedra! — Desatai-o e deixai-o ir.
Diz-lhe Marta, a irmà do defunto: 45Muitos judeus que tinham ido visitili
— Senhor, jà cheira mal, pois faz Maria e viram o que ele fez, creram neln
quatro dias. 46Mas alguns foram contar aos fariseus "
40Jesus lhe responde: que Jesús havia feito. 47Os sumos sacci
— Nào te disse que se creres verás a dotes e os fariseus reuniram entáo o CoiM
glòria de Deus? selho e disseram:
41Retiraram a pedra. Jesus levantou — O que fazemos? Este homem estil
os olhos ao céu e disse: realizando muitos sinais. 48Se o deixai
— Pai, eu te dou gragas porque me mos assim, todos creráo nele. Viráo os m
ouviste. 42Eu sabia que sempre me ouves, manos e destruiráo o santuàrio e a nagfiQ
mas o digo pela multidào que me rodeia, 49Um deles, chamado Caifás, que cu
para que creiam que tu me enviaste. sumo sacerdote nesse ano, lhes disse:
43Dito isso, gritou com voz forte: — Náo entendeis nada. 50Náo vedi",
— Lázaro, vem para fora! que é m elhor que um só m orra peln
morto saiu com os pés e as màos povo e náo pereda a nagáo toda?
atados com vendas e o rosto envolto num 51Náo disse isso por conta pròpria
sudàrio. Jesus lhes disse: mas, sendo sumo sacerdote nesse ano,

11,40 A objegào de Marta é óbvia, po- sào extraordinària, considerando que "u
rém diz mais. Porque o mau cheiro é sinai caso Jesus” é grave e pode ser muito peri
de corrupgào: “o mau cheiro se desprende goso.
dos cadáveres” (Is 19,6; 34,3; J12,20; 2Mc Nesta cena temos um exemplo clàssico,
9,12), como o aroma o é de vida e imorta- e explicado, de ironia dramática: em vii
lidade. (Ver no Salmo 133 a explicaqào do tude do contexto, compartilhado por au
aroma como “aroma para sempre”.) tor e público, um ator diz mais do que pon
11,41-42 A oragào de Jesus é de agào de sa, nào capta o alcance das palavras deli
gragas, nào diretamente de petiqào, embo- (E o grande procedimento no encontro ili
ra suponha a petigào precedente. Ao falar Judite com Holofernes; mas nào é normal
era voz alta, Jesus quer atribuir a glòria ao que o narrador explique a ironia em apai
Pai e fazer que creiam em sua missào (cf. te.) Caifás apresenta urna observagáo po
IRs 18,37). litica sobre o supremo interesse do Esta
11,43-44 O grito de Jesus é soberano. do, tendo em conta experiencias ingratas
Como urna vocaijào pessoal, como chama­ e contando com a presentía sempre amea
do à vida, quase como palavra criadora: ijadora dos romanos. A popularidade de
“que dà vida aos mortos e chama à exis- Jesús, aumentada pelos milagres, pode le
tència o que náo existe” (Rm 4,17). Cha­ var a urna insurreigáo e provocar a repres
mado para “sair” do reino opressor: “Sai sáo violenta, com a destruiráo do templo
da Babilònia” (SI 48,15), comparado com e da nagáo. Mais vale sacrificar a tempo
“Eu vou abrir vossos sepulcros, vou tirar- aquele que é foco do grande perigo.
vos de vossos túm ulos” (Ez 37,17). O autor traduz essas palavras em profe
“Desatá-lo” é como que romper as amar­ eia: em virtude do seu cargo, sem que ele
ras da morte (cf. At 2,42; SI 116,3). o advirta, Deus o toma como intérprete do
11,45-54 Está se encerrando urna etapa seu designio, que é a salvagáo do povo (de
do evangelho, e o narrador volta ao tema Israel) e a reuniào (em uma igreja) dos “fi
da divisào de opinióes; para isso emprega Ihos de Deus” (1,12), sem distingáo de
o nome “judeus” em sentido ampio, como nacionalidade. O autor escreve com a pers
membros da comunidade. Correlativa­ pectiva da sua geragáo cristá.
mente as autoridades sáo aqui os sumos Outros detalhes reforcam a ironia: quan
sacerdotes e os fariseus e a instancia su­ do dizem (v. 48) que “todos creráo nele”
prema que era o Grande Conselho (ou (“crer” ambiguo); ou entáo a frase “náo
Sinèdrio). Fariseus neste caso seriam os entendeis nada”, e a alusáo involuntária a
letrados do partido, os únicos que faziam Is 53,10 (v. 49); a ambigüidade de “por/
parte do Conselho. Este se reúne em ses- em lugar de” (v. 50).
333 ío á o

lifiilelizou que Jesus m orreria pela na- Un<jáo em Betánia (Mt 26,6-13;
vHo. 52E nao só pela na§áo, mas para M e 14,3-9) — ‘Seis dias antes
i»iinir os filhos de Deus dispersos. A s­ da Páscoa, Jesús foi a Betánia, onde
ili», a partir desse dia, entraram em estava Lázaro, que Jesús ressuscitara da
«'ordo para matá-lo. 54Por isso, Jesus m orte. 2Ofereceram-lhe um banquete.
|4 nào andava publicam ente entre os M arta servia e Lázaro era um dos co-
|udeus, mas partiu para urna regiáo pró- mensais. 3Maria tomou urna libra de per­
llina ao deserto, a um povoado cha­ fum e de nardo puro, muito caro, ungiu
mado Efraim, e ficou ai com os discí­ com ele os pés de Jesús e os enxugou
pulos. com os cábelos. A casa se encheu com
v,Aproximava-se a Páscoa judaica, e o perfume. 4Judas Iscariotes, um dos
mu itos subiam do campo para Jerusa- discípulos, que o iria entregar, diz:
lím a fim de purificar-se antes da fes- — 5Por que nao venderam esse per­
1«, v’Procuravam Jesús e, de pé no tem ­ fum e por trezentos denários para repar­
plo, comentavam entre si: tid o s entre os pobres?
— O que vos parece? Será que nao 6(Dizia isso, nao porque lhe importas-
vlríí à festa? sem os pobres, mas porque era ladráo;
,7Os sum os sacerdotes e os fariseus e, como carregava a bolsa, roubava o que
hiiviam dado ordens para que o denun­ depositavam.) 7Jesus respondeu:
ciasse quem co n h e c e sse seu p a ra ­ — Deixa que ela o guarde para o dia
llelo, de m odo que pudessem pren- de m inha sepultura. 8Pobres sem pre
ilfi-lo. tereis entre vós, a mim nao me tereis.

11,54 Jesús se retira até que chegue a A cena central contrapóe duas figuras
llora (2,12; 3,21; 7,1). olhando para Jesús: Maria e Judas (carre-
11,55-57 Desde esse momento, Jesús é um ga um pouco a máo num paréntese acerca
Individuo procurado pela polícia. Sua ausén- de Judas). Depois Jesús sentencia entre
cia se faz sentir justamente no templo. A ambos. Maria quer expressar a intensida-
purificadlo era um rito prévio á celebra­ de do seu amor com um presente de quali-
do pascal (2Cr 30,17). Estes w . servem de dade e caro; Judas nao entende a lingua-
Iransigao para a etapa final do evangelho. gem do amor, só entende a do interesse
Alguns o chamam “livro da gloria”, por­ (disfamado de caridade).
que na morte e ressurreigao de Jesús se O perfume é tributo sepulcral antecipa-
consuma a glorificagáo do Pai e a sua. A do, aroma de vida perante a corrup§áo; é
visáo unitaria é importante e está marcada símbolo de unidade fraterna (SI 133), sím­
no vocabulário: gloria, glorificar. bolo de amor (Ct 1,3.12-13; 4,14). O per­
fume difunde e dilata seu odor: frasco,
12,1 -50 Este capítulo, com seu mate­ corpo, casa (e mais além). Escutando a
rial heterogéneo, concluí a atividade de Je­ densidade das coincidéncias de linguagem
sús e, pulando o longo parénteses íntimo desta perícope com o Cántico dos Cánti­
(13-17), enlaga-se com a paixáo. Após cos, vários Padres da Igreja contemplaram
ilois breves relatos vem um discurso im­ essa mulher como representando o papel
portante. O narrador reitera o enlace cau- da amada com respeito ao Messias esposo
niiI com o milagre de Lázaro, langa sinais (como Natanael com respeito ao “rei de
cm diregáo á paixáo e glorificado, e abre Israel”, 1,50).
urna janela á conversáo dos pagáos. 12,2-5 Reclinados (Ct 1,12); mirra (Ct
12,1-8 O primeiro episodio nesta última 1,13; 4,6.14); nardo (Ct 1,12; 4,13.14);
presenta em Jerusalém é a chamada ungáo dinheiro (Ct 8,7.11-12); aroma (Ct 1,3).
cm Betánia. Parece-se com a dos sinóticos. 12,5 O salário de trezentos dias.
Comparando com Lucas se aprecia melhor 12,7-8 Sepultura: 19,40. A citagáo pro­
ii diferenga radical: para Lucas se trata do cede de Dt 15,11, em contexto de remis-
gesto agradecido da pecadora perdoada; sáo de dividas, mas nao para justificar a
para Joáo é expressáo pura de amor. existéncia de pobres.
JOÁO 334

9Grande multidáo de judeus soube que 16Os discípulos náo entenderam r i


estava ai e acorreu nao só por Jesús, mas nessa ocasiáo. Mas quando Jesus foi gli t
também para ver Lázaro, o ressuscitado rificado, lembraram o que estava cscri«
da morte. 10Os sumos sacerdotes haviam to a respeito dele e de que se havia reali
decidido matar também Lázaro, n pois zado. A m ultidáo, que tinha visi.,
por sua causa muitos judeus iam a Jesús quando ele chamou Lázaro e o ressusi I
e acreditavam nele. tou da morte, contava o fato. 18Por ì s m i ,
a multidáo saiu a seu encontro, ao o l i m i
Entrada triunfal em Jerusalém (Mt o sinai que havia realizado. 19Os fariseos

21,1-11; Me 11,1-11; Le 1 9 ,28-40)—- ao contràrio, comentavam entre si:


12No dia seguinte, uma grande m ulti­ — Vedes que nada conseguimos; eli
dáo que havia chegado para a festa, ao conquista a todos.
saber que Jesús se dirigía a Jerusalém,
13pegou ramos de palmeira e saiu ao seu Os gregos e Jesús — 20Havia algún
encontro, gritando: gregos que tinham subido para os cid
Hosatia, bendito o que vem em nome tos da festa. 2lAproximaram-se de Filipi
do Senhor, o reí de Israel! de Betsaida da Galiléia, e lhe pediram
14Jesus encontrou um jum entinho e — Senhor, queremos ver Jesús.
nele montou. Como está escrito: l5N ao 22Filipe vai e o diz a André; Filipe o
temas, jovem Sido: eis que teu rei che- André váo e o dizem a Jesús. 23Jesii'
ga cavalgando um filhote de jumenta. lhes responde:

12,9-11 Lázaro se tinha transformado 12,16 O texto atesta expressamente u


numa atragào e em pregador vivo do po­ trabalho de memoria e reflexáo sobre os
der de Jesús, um multiplicador de fiéis. Ao fatos á luz da ressurreigáo. Principio que
difundir e afianzar a popularidade de Je­ tem alcance geral, embora as conseqü n
sus, torna-se individuo perigoso e compar- cías variem.
tilha o perigo com Jesus. Essa vida está 12,19 Literalmente, “o mundo vai atrás
brincando com a morte. dele”. Outra anotagáo irónica do narrador? Pois
12,12-18 A entrada de Jesús em Jerusa­ a palavra “mundo” pode ter alcance universal
lém está contada com mais sobriedade do como o entendem os leitores do evangelho,
que nos sinóticos. Aparece muito ligada à 12,20-22 “Gregos” denota aqui pagaos,
ressurreigáo de Lázaro, com o que esse mi- que acorreram á festa como prosélitos mi
lagre se converte em representante de ou- simples convertidos ao monoteísmo: até aquí
tros muitos, também por sua qualidade, o horizonte do AT (p. ex. Is 45,14; Zc 8,20
porque manifesta o poder sobre a morte. 22; SI 102,23). Através do culto judaico que
Podia ser a recepgáo a um peregrino fa­ rem chegar a Jesús. Vé-lo é visitá-lo, e podr
moso, transforma-se na acolhida de um rei, ser muito mais (na linguagem de Joáo). Fili
o rei messiànico. pe e André sáo os dois apóstolos que tem
Aspecto règio Ihe dáo: a adigáo “o rei nomes gregos. Náo se registra o resultado
de Israel” (1,50) á saudagáo clàssica do SI porque o encontro dos pagaos com Jesús
118,25-26 (talvez lido já unindo-se“aquele acontecerá após a sua glorificagáo e por me
que vem em nome...”); a citagáo de Zc 9,9 diagáo dos apóstolos.
(descoberta e compreendida a posteriori). 12.23-36 Jesús toma a palavra para pro
Este texto frisa o caráter humilde desse rei, nunciar um discurso conclusivo, reunindo
nada militarista nem político: o versículo e afirmando vários ensinamentos. Um pai
seguinte afirma que o Messias destruirá as de intervengóes dos ouvintes articula o
armas bélicas e “prescreverá paz ás na- discurso. Compóe-se em grande parte di
góes”. Talvez seja o aspecto humilde o que frases breves, quase aforismos e parado
os discípulos nao entenderam entáo. Os xos. Um paradoxo central percorre o de
ramos de palmeiras eram usados na festa senvolvimento: a paixáo é glorificagáo.
das Cabanas (Lv 23,40; Ne 8,15). O SI 12.23-26 Jesús responde revelando-si
118,27 menciona “ramos” sem especificar. também aos pagáos. Soou a hora (2,4,
I l II 335 JOÀO

( liegou a hora em que este Ho- — Eu o glorifiquei e de novo o glori-


Miin '.ná glorificado. 24Asseguro-vos ficarei.
|in se o grao caído na térra nao mor- 29A multidáo que estava ouvindo dizia:
i Iii arñ só; se morrer, dará muito fru- — Foi um trováo.
i Aqucle que se agarrar á vida, a per- Outros diziam:
li i i aqucle que desprezar a vida neste — Um anjo falou com ele.
..mudo, a conservará para urna vida 30Jesus respondeu:
ii nía. "'’Quem me serve que me siga, — Essa voz nao soou para mim, mas
mulé cu estou estará meu servidor. Se para vós. 31A gora comeca o julgam en-
il|ini'in me servir, o Pai o honrará. to deste mundo, e o príncipe deste m un­
Aj'.ora meu espirito está agitado, e do será expulso. 32Quando eu for ele­
1111ii' vou dizer? Que meu Pai me livre vado da térra, atrairei todos a mim.
li iia hora? Nao, pois para isso cheguei 33(Dizia isso indicando de que morte
. i >iia hora. 28Pai, dá gloria ao teu nome. iria morrer.)
Ve ¡o urna voz do céu: 34A m ultidáo respondeu:

1(1; 13,1; 17,1) da glorificado (11,41; 12,29 A correspondéncia trováo = voz


11,11; 16,14; 17,1). Pela paixáo e morte de Deus é corrente no AT. O trováo pode
lu jará á gloria, como ilustra a compara- ser teofania sonora: exemplo clássico é o
,í| m da semente de trigo, sepultada na SI 29. A rigor a voz se distingue da pala-
ii na para dar fruto (cf. um importante de- vra porque nâo é articulada.
,i nvolvimento da imagem em ICor 15,36- 12,31-33 A cruz é também julgamento
1 1) A mesma sorte cabe a seus seguido- de separado (cf. SI 7,8-9). Condenado
Iük, como explica um aforismo paradoxal do usurpador do poder no mundo (cf. SI
linlerado nos sinóticos, Me 8,35 par.): o 82). Será despojado e expulso por Jesús,
inMinto de conservado a todo custo, o que em si já conquistou a vitória. A cruz,
■(¡iiismo puro destrói o sentido da vida e a como testemunho de amor e revelado do
.llmcnsao da vida, ao circunscrevé-la a “este amor do Pai, terá força de atraçâo univer­
i... ido”; quem submete esta vida a um va­ sal. E elevaçao ou exaltaçâo: “Olhai, meu
líii superior, enche-a de sentido e a salva servo... subirá e crescerá muito” (Is 52,
milis além do seu segmento terreno, em for­ 11). Outros textos mostram que o homem
ma de vida eterna. Portanto, o servo há de pode resistir a essa atraçâo.
ncoinpanhar Jesús aonde quer que ele vá: á 12,34 Este v. é muito difícil de entender,
. ni/, e á gloria. Tal é a honra que o Pai lhe de modo que reflete a confusáo do povo (e
i nacedera, honra auténtica e suprema. alimenta a perplexidade dos comentaristas).
12.27 Joáo nao narra a agonia do Getsé- O povo ouviu Jesús dizer que “o filho do
iiiani. Este v. supre de certa forma a falta homem” (= este Homem = eu) vai ser glo­
(i'om coincidéncias verbais nos sinóticos). rificado; agora o ouve dizer que “eu serei
Iinunda brevemente urna agitagao interior levantado”. Entende a gloria como a de um
(i|iie se poderia ilustrar com textos de sal­ Messias político triunfador, segundo textos
mos: “Dentro de mim se contorce o cora­ bíblicos (= Lei), como p. ex. SI 72,5.17;
dlo, pavores mortais desmoronam sobre 89,5.37; Is 9,6). Entende a elevaçao como
mim” (42,5.11; 55,4-6). Considera a possi- morte violenta. Sao conciliáveis? Se Jesús
liilidade de que o Pai o livre ou dispense da é o Messias (= Rei de Israel em 12,13), é
paixáo. Afirma sua vontade de enfrentá-la. também “este homem” que vai ser justi-
12.28 Glorificar o nome é fórmula rara çado? Se Jesús encarna a “figura huma­
(SI 86,9.12, com sujeito humano). Pode na” de Dn 7,14 (segundo leitura posterior
i i|iiivaler á voz passiva (ao estilo de Ex que corrige Dn 7,27), seu destino será vi-
14,4.17; Ez 39,13) e também ao “santifi- torioso. Quem é Jesús? Quem é esse per-
rar o nome” do Pai-nosso (Mt 6,9) e ou- sonagem? Se esse texto re fie te algo do des­
11os textos. Ao usar o verbo no passado e concertó de entáo, reflete muito mais
no futuro, parece distinguir abarcando tudo problemas da pregaçâo apostólica acerca de
desde o centro que é “esta hora”. Jesús: o escándalo da cruz.
j o Ao 336

— Ouvimos na lei que o Messias per­ viu sua gloria e falou dele. 42Todavi,J
manece para sempre. Como dizes tu que muitos, inclusive dos chefes, cremili
aquele Homem tem de ser levantado? nele; mas, por medo dos fariseus, nílil
Quem é esse Homem? o confessavam, para que nao os expul»)
35Jesus lhes disse: sassem da sinagoga. 4’Preferiram a i >
— Ainda vos resta um breve tempo ma dos hom ens à fam a que vem d<|,
de luz. Enquanto tendes luz, cam inhai Deus. 44Jesus exclamou:
para que as trevas nao vos surpreendam. — Quem eré em mim, náo é em min|
Quem caminha as escuras nao sabe para que ere, mas naquele que me envinu)
onde vai. 3fiEnquanto tendes luz, crede 4=quem me ve, ve aquele que me cil%
na luz, para ficardes iluminados. viou. 46Eu vim ao m undo com o lu.
Assim falou Jesús; depois se afastou para que náo fique no escuro quem cu|
deles e se escondeu. 37Apesar dos mui- em mim. 47Eu náo julgo aquele que en*
tos sinais que havia realizado na presen­ cuta m inhas palavras e náo as cumpn
t a deles, nao acreditavam nele. 38A s­ pois náo vim julgar o m undo, mas sal
sim se cumpriu o que disse o profeta vá-lo. 48Quem me despreza e náo acn
Isaías: Senhor, quem acreditou em nosso ta m inhas palavras, tem quem o julj'.a
anuncio? A quem se revelou o brago a palavra que eu disse o julgará no id
do Senhor? 3yE assim nao podiam crer, tim o dia. 49Porque eu náo falei por mi
como diz também Isaías: wCega-lhes nha conta; o Pai que me enviou un
os olhos, embota-lhes a mente: nao ve- encarrega do que devo dizer e fa)ai
jam com os olhos nem entendam com a 50E eu sei que seu encargo é vida etcì
m ente nem se convertam, de modo que na. O que digo, o digo com o o Pai me
eu os cure. 41Isaías disse isso porque disse.

12,35-36 Aborda o tema do julgamento 12,43 A “fama” ou o reconhecimento. i


para convertc-lo em admoestagáo, com o aceitagáo. Náo se atrevem a dar testenm
dualismo luz e trevas, para inculcar a ur­ nho público.
gencia da situagáo (Is 59,10). Ver 8,12 e 12.44-50 Resumo conclusivo como re
paralelos do AT. O “esconder-se” de Jesús capitulagáo de temas, embora mal encaixa
é como um apagar a luz por antecipagáo. do no tecido narrativo, já que Jesús “se cv
12,37-43 O evangelista faz um balando. condeu” (v. 36). A alocugáo soa como so
É desolador: uns nao créem, com agravan­ Jesús estivesse já “elevado” e definindo o
tes, outros créem e nao se atrevem a con- discernindo com sua pessoa o destino do-,
fessá-lo. E a situagáo do relato que perdu­ homens. O critèrio será a fé na sua pessoii
ra na época em que se escreve: também e a aceitagáo conseqiiente do seu ensilla
entáo (e sempre) há quem se fecha á fé e mento. O que pode soar como exigencia
quem prefere o prestigio humano. Com­ dura, é na realidade a grande abertura: a tu
bina dois textos distantes do livro de Isaías: dos se oferece a vida autèntica e perpètua
o famoso de Is 53 sobre o Servo paciente 12.44-45 Fala gritando: pela tcrceira ve/
e reivindicado, e o náo menos famoso de (7,28.37). Poe em paralelo crer e ver, sua
Is 6 sobre o endurecimento dos israelitas. pessoa e a do Pai. Ele é o mediador único
12,41 A afirmagáo é surpreendente e (1,18), revelador do Pai (14,9).
deve ser aproximada do dito sobre Abraáo 12,46 E a luz do mundo que se recebe
(8,56). O patriarca é sujeito de um relato, pela fé (1,9; 8,12; 9,5; 12,35-36).
os dois textos citados pertencem a dois 12,47-48 Nesta primeira vinda, náo veio
autores distintos. No relato de vocagáo o para julgar, mas para salvar. Chegará o dia
profeta contemplou a gloria de Deus en- final em que a mensagem presente de Je­
chendo a térra. O sentido mais provável sús, sua oferta e exigencia, se voltarüo
é que Isaías (em Is 53 e em outros textos contra quem as rejeitou (cf. Dt 31,28).
afins) previu o destino do futuro Salva­ 12.49 É a fungáo profètica (Dt 18,18)
dor: um destino glorioso através do so- elevada ao grau supremo.
frimento (42,1-4; 49,4-7; 50,5-9; 52,13- 12.50 Dar a vida eterna é a finalidade da
53,12). mensagem (3,15; 4,14; 6,27; 10,28; 17,2)
337 JOÂO

"> L ava os pés dos d iscíp u lo s — havia posto tudo em suas máos, que ti­
I « 7 'Antes da festa da Páscoa, sa-
i" in lo .lesus que chegava a hora de pas-
nha saido de Deus e voltava a Deus,
4se levanta da mesa, tira o manto e, to­
ii di sle mundo ao Pai, depois de ter rnando urna toalha, cinge-a. 5A seguir,
un.i i l o os seus do mundo, amou-os até póe água num a bacia e começa a lavar
ii cxiremo. 2Durante a ceia, quando o os pés dos discípulos e a secà-los com
I ii.il») tinha sugerido a Judas Iscariotes a toalha que tinha cingido. 6Chegou a
■111»■o entregasse, 3sabendo que o Pai Simao Pedro, que Ihe diz:

13-17 Estes cinco capítulos formam tecer da quinta-feira, e a Paixâo durante a


11111:itinidade, como o indica o contexto sexta-feira da preparaçâo do banquete, que
iti reía, era que se desenvolve, e urna sé- se celebra ao anoitecer da sexta-feira, ou
iir ile repetigóes em 13 e 17, que formam seja, no começo do sábado.
liit'lusáo literária. Quase nao tém agáo: 13.2 A noticia dà urna cor sombria à
.iilvo o lava-pés no comego, tudo sao dis- cena. O inimigo atua e tem seu agente en­
i tirsos com alguns momentos de diálogo. tre os convidados. Sob a superficie do re­
/\ Páscoa judaica e a Páscoa nova de Jesús lato se trava urna batalha: quem será o mais
mu a moldura ideal desta unidade. Costu- forte (Le 11,22)? o òdio traidor ou o amor
||la-se chamá-los discurso de despedida, sacrificado? A presença de Judas como
■',|iccie de testamento espiritual, mais pa­ agente se faz sentir de novo (11,18); cf.
li rido ao de Moisés no Deuteronòmio que “Oráculo do Delito ao malvado dentro de
un de Jacó (Gn 49) ou ao de Davi (2Sm seu coraçâo” (SI 36,2).
,M; IRs 2). Costuma-se dividir essa uni- 13.3 Quer dizer: Jesús age com plenos
il ule em trés segóes: a primeira, 13-14, é poderes (3,35). Traça o gigantesco círculo
Indicada pelo corte no final do cap. 14; a do itineràrio de Jesús, cujo começo (como
Irrceira, pelo comedo da orario de Jesus Logos) contemplamos no prólogo: “esta-
riti 17,1. Mais difícil é conseguir urna ar- va vindo ao mundo”.
liculaqào temática, já que muitos temas 13,4-5 Oferecer ao hospede água para
iraparecem. No comentário será conve­ lavar os pés da poeira do caminho era ges­
niente considerar unidades menores. to de cortesia (Gn 18,4); em algum caso
um servo podia fazé-lo, ou um discípulo
13,1-20 A cena se atém ao esquema de dedicado a seu mestre. Jesús, o plenipo­
iigfio simbòlica com explicaqào, com al- tenciario, inverte espetacularmente os pa­
1',urnas anomalías. A primeira é a solene péis: sua açâo simbólica é quase escanda­
introducto, verdadeira abertura desta cena losa. Isto provoca o diálogo subseqüente.
c do que se segue. A segunda é implicar 13,6-10 O diálogo tem um nivel realista:
uni dos ouvintes na agào. Dai se segue a a reaçâo apaixonada de Pedro diante do ato
liTceira, ou seja, a dupla explicacào, urna de rebaixar-se do Mestre e o nao menos
nn forma de diàlogo, a outra em forma de apaixonado desejo de nao afastar-se dele.
discurso. A dupla explicagào significa um Tem um nivel simbólico indicado por Je­
duplo simbolismo? E preciso partir dessa sus: ele deve realizar o gesto, é condiçâo
possibilidade, mais ainda levando em con­ ineludível para ter parte na herança (celes­
ia que Joáo nao narra aquí, no seu lugar te) com Jesús, seu sentido profundo nao se
lógico, a instituido da eucaristia. entende agora. Contudo, mais importante
13,1 O comedo é de urna solenidade inu­ que a humildade e o respeito é obedecer ao
sitada. Os sinóticos apresentaram a cons­ Mestre. Pedro o entenderá depois (e os cris-
ciencia de Jesus em agáo, ao enviar dois táos também). Costuma-se propor o seguin-
discípulos para conseguir o jumcntinho e te simbolismo: a humilhaçâo presente de
;i sala do banquete. Joào a tematiza num Jesús, voluntária, incrível, representa a
participio, que é o móvel de tudo o que se morte que ele vai realizar para obter-nos a
segue. Propóe também, num versículo, os vida eterna. Colateralmente, na mençâo de
ilois temas condutores da cena: a volta para “tomar banho” pode ressoar uma referen­
n Pai e o amor aos seus (cf. Dt 7,7; 10,15). cia batismal (Ef 5,26; Tt 3,5).
“Até o extremo” pode significar intensi- 13,6 O título Senhor sublinha o incrível
dade e duragào. Joào situa a ceia no anoi- da situaçâo.
JOÁO 338 I.V
—• Senhor, tu me lavas os pés? deveis lavar os pés uns dos outros. 13l 11
7Respondeu Jesús: vos dei o exemplo, para que fagais o
— O que fago nao entendes agora; o que eu fiz. 16Eu vos asseguro que o es«
entenderás mais tarde. cravo náo é m ais que o senhor, nem o
8Pedro replica: enviado* mais do que aquele que o en
— Jam ais me lavarás os pés. via. 17Se o sabéis e o cumpris, sere i',
Respondeu-lhe Jesús: felizes. 18Náo falo de todos vós, poi',
— Se náo te lavar, nao terás parte sei quem escolhi. Porém, há de se cum
comigo. prir o que está na Escritura: Aquele qw
9 Diz-lhe Simáo Pedro: compartilha meu pao me preparou um.i
—- Senhor, náo só os pés, mas as máos armadilha. 19Eu vos digo agora, ante.",
e a cabera. que aconteqa, para que quando aconk'
10Responde-lhe Jesús: cer creíais que Eu sou. Eu vos asse­
— Aquele que tomou banho náo pre­ guro: Quem recebe aquele que eu en­
cisa lavar senáo os pés, pois o resto viar recebe a mim, e quem me recebe,
está limpo. E vos estáis limpos, mas náo recebe aquele que me enviou.
todos.
"C onhecia aquele que iria entregá- A n u n cia a traigáo (Mt 26,20-25; Me
lo, e por isso disse que nem todos esta- 14,17-21; Le 22,21-23) — 21Dito isso,
vam limpos. 12Depois de lhes ter lava­ Jesus estremeceu por dentro e declaran
do os pés, pos o manto, reclinou-se e — Eu vos asseguro que um de vós
lhes disse: me entregará.
— Entendeis o que vos fiz? 13Vós me 22Os discípulos se olhavam uns aos
chamais mestre e senhor, e dizeis bem. outros sem saber de quem falava.
14Portanto, se eu, que sou mestre e se­ 23Um dos discípulos estava reclina
nhor, vos lavei os pés, tam bém vós do á direita de Jesús, o predileto de Je

13,10 Ao que está sujo por dentro de na­ vo de fé na pessoa, Eu sou. Essa fé está na
da adianta que, por fora, lhe lavem os pés. base da missáo. A referéncia serve de tran
13.12-17 A segunda explicagáo eles a sigáo ao anuncio que se segue.
podem entender agora: é fácil de compreen- 13,21-30 O anuncio da traigáo se apre-
der, talvez menos fácil de realizar. E o va­ senta numa cena dramática que permite
lor exemplar do gesto, o sentido de servi- contrapor ao traidor o “discípulo predile­
5 0 humilde que deve animar a vida do to” de Jesús. É a primeira vez que a ex-
cristáo e que carrega consigo urna bem- pressáo aparece e se repetirá a seguir. O
aventuranga. texto bíblico dá indicios náo muito segu­
13.13-14 Mestre e senhor podem ter na ros para identificá-lo; urna tradigáo muito
situagáo um significado de estima e respei- antiga o identificou com Joáo evangelista.
to; mais tarde adquirem o valor de títulos O que podemos dizer é que era urna per-
transcendentes (cf. Mt 23,8-10). A prática sonalidade respeitada ñas comunidades
ñas comunidades cristás refere-se lTm 5,10. onde se escreveu ou se cristalizou o evan-
13.15 O que ele fez é no contexto ¿me­ gelho.
diato lavar os pés. Logo depois será dar a No meio está Jesús. Estremece (SI
vida pelos outros (cf. toda a perícope de 42,5.11; Is 21,3) ante a presenta do odio
Me 10,32-45). satánico: “mas a morte entrou no mundo
13.16 O aforismo se le com variantes em pela inveja do diabo” (Gn 4,7; Sb 2,24).
Mt 10,24-25 e Le 6,40. *Ou: o apóstolo. Todavía, conserva seu dominio soberano:
13,18-19 Atraigáo de um náo deve des­ conhece os planos ocultos (Le 1,17 par.),
concertar, pois ele a anuncia de antemáo e faz um gesto de afeto particular, dá a Judas
estava predita na Escritura (SI 41,10): Je­ a ordem de agir. Essa ordem é paradoxal:
sús aplica a si a oragáo de um inocente “dei-lhes preceitos que náo eram bons?”
perseguido. O extraordinário é que, ao (Ez 20,25); é que “ninguém me tira a vida,
cumprir-se a traigáo anunciada, seja moti- eu a dou livremente” (10,18).
339 JOÁO

iiin ' 'Simáo Pedro lhe faz um gesto e 28Nenhum dos comensais compreen-
Hit* diz: deu por que o dizia. 29Alguns pensa-
l’ergunta-lhe a quem se refere. ram que, como Judas tinha a bolsa, Je­
" lie se inclinou para o lado de Jesús sus o tivesse encarregado de comprar o
» lite disse: necessàrio para a festa ou que desse
- Senhor, quem é? algo aos pobres. 30Apenas tomou o bo­
•''Kesponde-lhe Jesús: cado, saiu. Era de noite.
■- Aquele a quem eu der um pedago
ilo pao molhado. A g lo ria de Je sú s — 31Quando saiu,
Molhou o pao e o deu a Judas, de Si- Jesús disse:
liiAo Iscariotes. 27A trás do bocado, en- — Agora foi glorificado este Homem,
liou nele Satanás. Jesús lhe diz: e Deus foi glorificado por meio dele.
—O que tens a fazer, faze-o logo. 32Se Deus foi glorificado por meio dele,

13,25 O discípulo predileto estava num rer, reúne os filhos e pronuncia as últimas
lunar de honra, recostado no diva á direita palavras, à maneira de testamento espiri­
lie Jesús, apoiando o cotovelo esquerdo no tual: Jaco (Gn 49), Moisés (Dt 32-33),
illvfi. Esse inclinar a cabega para o peito Samuel (ISm 12), Davi (2Sm 23; IRs 2),
lie Jesús foi interpretado por devota tradi- Matatías (lM c 2,49-70), Tobías (Tb 14).
«ft» como um auscultar o coragáo, a inti- Nao é inusitado o fato de Joao pór na boca
inidade de Jesús. de Jesús um testamento espiritual.
13,27 Anteriormente Sata lhe havia Mais que ato puramente jurídico, o tes­
"sugerido”, agora entra e se apodera dele: tamento é urna despedida, na qual se ajun-
"A porta está de tocaia o Pecado, e embo­ tam as lembrangas e se cruzam os conse-
la tenha ánsia de ti, tu podes dominá-lo” lhos. A despedida dá um tom cordial ás
(Un 4,7), palavras e um peso acrescido a instrugóes
13.30 E a hora das trevas; Judas se per- e conselhos. No caso de Jesus, a despedi­
tic na obscuridade (3,19; “sobre eles se da é anómala, porque nao é a última. Ele
t'slendia pesada noite, imagem das trevas se vai, mas tomarào a vé-lo. A ida definitiva
que iriam surpreendé-los”, ver a grande será a ascensáo (que Lucas narra). E como
exposigáo simbólica de Sb 17). No meio se oferecessem a um personagem uma gran­
ilesta noite refulge o esplendor da gloria, de festa de despedida, em condigóes pro­
que se anuncia a seguir. picias, embora a partida vá realizar-se uns
13,31-35 Enuncia vários temas que meses mais tarde. A de Jesús na ceia é uma
retornaráo como motivos reconhecíveis: desdedida definitiva antecipada.
relagáo de Jesús com o Pai, glorificagáo E urna explicagào. Vai acontecer em
mutua, proximidade do fim, preceito do breve algo terrível, dificílimo de entender,
»mor. A paixáo, cumprimento do designio porque é duro de aceitar. Jesús explica de
divino e sacrificio por amor, é glorifica­ antemáo o sentido profundo de uma exe-
dlo de Deus pelo homem e do homem por cugáo infamante que leva à gloria, que é
Deus (contrasta com a glorificadlo de Ex plena e definitiva. A explicagào vale para
14,4.17-18). Os primeiros vv. formam in- os discípulos dentro do livro e para todos
tlusáo com 17,24 e emolduram tudo na os futuros leitores do evangelho. Como
Ciloria (também o quarto cántico do Ser­ também os conselhos sao legado perma­
vo comega anunciando o triunfo, Is 52,13; nente, perpètuo.
o SI 22,24 o póe no final). Acima de tudo, é uma visa o transcen­
13.31 Podemos colocar neste v. o co- dente. Como se já estivesse levantado na
mego do grande discurso, que será inter­ cruz, exaltado na gloria, subindo ao céu.
rompido por perguntas ou diálogos oca- Seu olhar, mais que o de Moisés (Dt 34),
xionais. É um testamento, urna despedida, abarca os espagos e os tempos, suas pala­
lima instrugáo. vras se mostram, ao mesmo tempo huma­
O género testamento está bem arraiga­ nas e divinas, e se oferecem e solicitam a
do ñas literaturas bíblica e profana da épo­ contemplagáo. Esta é uma das passagens
ca. Um personagem ilustre, antes de mor- mais contemplativas do NT.
JOÀO 340 i \ ii

também Deus o glorificará por si, e o — Darás a vida por mim? Assegiim
glorificará logo. Filhinhos, ainda es- te: antes que o galo cante, très vezes ni#
tarei convosco mais um pouco. E, como negarás.
disse aos judeus, aonde eu vou vós nao
podereis ir. Eu vo-lo digo agora. 34Eu A Jesús, cam in h o p a r a o l*¡n
vos dou um m andamento novo: Amai- I l 'N ao fiqueis perturbados. C n i
vos uns aos outros, com o eu vos amei: em Deus e crede em mim.
am ai-vos assim uns aos outros. 35Nisso 2Na casa de meu Pai há muitas mor.u l.i
conheceráo todos que sois meus discí­ se náo, eu vos teña dito, pois vou pro|n
pulos, se tiverdes amor uns pelo outros. rar-vos um lugar.
36Diz-lhe Simáo Pedro: 3Quando eu for e o tiver preparad"
— Senhor, para onde vais? voltarei para levar-vos comigo, para qm
Responde-lhe Jesús: estejais onde eu estou.
— Para onde eu vou náo podes seguir­ 4E sabéis o cam inho para ir aond.
me agora. Tu me seguirás mais tarde. eu vou.
37Diz-lhe Pedro: 5Diz-lhe Tomé:
— Senhor, por que náo posso seguir­ — Senhor, náo sabemos aonde var.
te agora? Darei minha vida por ti. Como podemos conhecer o caminhu'1
38Responde-lhe Jesús: 6Diz-lhe Jesús:

Por outro lado, a progressáo e a compo- obra puramente humana. É dom de Don
sigáo nos desorientam. Fora a divisáo que será outorgado depois que Jesús se li
indicada (13-14,15-16,17) e algunsblocos ver sacrificado por primeiro. Pedro por un
mais consistentes, no resto sáo freqüen- náo pode segui-lo (cf. 21,18).
tes os saltos e as repetigoes. Especialmen­
te chamativas sáo as numerosas repeti- 14,1 O livro de Isaías narra o pavor do
góes entre 13,21-14,31 e 16,4-33. No texto rei diante da ameaga inimiga: “agitou-sr
atual produzem um efeito de espelho. Na seu coragáo como as árvores do bosque
génese do texto atuaram fatores difíceis de com o vento”; o profeta inculca-lhe: “se
identificar com forte probabilidade. Al- náo crerdes, náo subsistiréis” (Is 7,1.7)
guns pensam em sentengas soltas de Je­ Jesús inculca, agora, e comunica, urna fe
sús, recolhidas, entrelagadas e comentadas. confiada. O apoio é agora duplo e uno: ele
Outros pensam em duas tradigóes parale­ e o Pai. Compare-se com o fiar-se em Deus
las do mesmo discurso, reunidas depois e e em Moisés por ter passado o mar Ver
náo harmonizadas. Muitos supóem pegas melho (Ex 14,31).
autónomas inseridas no discurso por as- 14,2-3 A idéia de casa e lar onde habitar
sociagáo. Tudo isso é plausível, embora tranqüilos é comum aos homens (cf. Ri
impossível de demonstrar. 3,1). Na historia do povo, o Senhor é o
Pois bem, já que náo podemos recons­ anfitriáo que lhe prepara moradia beni
truir um texto original, simples e coeren- abastecida em Canaá (SI 68,11; Dt 6,10-
te, temos de abordar sua leitura deixan- 11); a seguir, Josué reparte a térra para que
do-nos levar, em ritmo lento, com paradas cada familia tenha um lar (Js 13-18). Davi
para que ressoe. Também pelo estilo no quer preparar urna morada para o Senhor
qual abundam os aforismos, as frases rít­ (SI 135,5). Joáo imagina o mundo celeste
micas, os paralelismos quase poéticos. como um grande palácio ou como o tem
13,34 O preceito do amor é novo, náo pío de muitos aposentos (cf. IRs 22,25; Jr
pelo conteúdo (Lv 19,18.34; Dt 10,19), 35-36); um texto escatológico fala de “en
mas pela extensáo, pelo motivo, pelo exem- trar nos aposentos” (para refugiar-se, Is
plo. Deverá ser o distintivo dos discípu­ 26,20). Veja-se a exposigáo de Paulo em
los de Jesús (lJo 3,14). 2Cor 5,1-10.
13,36-38 O anuncio do v. 33 provoca a 14,4-6 Ao mesmo contexto do éxodo
intervengáo de Pedro e o anúncio da ne- pertencem a experiencia e a imagem do
gagáo. Confessar Jesús até a morte náo é caminho. O Senhor indicava o caminho
341 JOÂO

I n sou o caminho, a verdade e a "Crede que estou no Pai e o Pai em mim;


titilli se nào, crede pelas próprias obras.
illusióni vai ao Pai se nào for por 12Eu vos asseguro: Quem ere em mim
Ht|lll farà as obras que eu fago,
'hr me conhecèsseis, conhecerieis e inclusive outras maiores, porque eu
Minlii'm o Pai. vou ao Pai;
A go ra o conheceis e o vistes. 13e o que pedirdes em meu nome, eu
"Ili/ Ilio Filipe: o farei,
* Scnhor, m ostra-nos o Pai, e isso para que pelo Filho se manifeste a
iiim busta. gloria do Pai.
"Krsponde-lhe Jesus: 14Se pedis algo em meu nome, eu o
I là tanto tempo estou convosco efarei.
«»Ai>me conheces, Filipe?
Ducili me viu, viu o Pai: Como pe­ P ro m essa do E sp irito — I5Se me
lli*« i|iie te mostre o Pai? amais, guardai meus mandamentos;
'"Nao crès que estou no Pai e o Pai 16e eu pedirei ao Pai que vos envíe
»in mini? outro Valedor
As palavras que vos digo, nào as digo que esteja convosco sempre:
pin ni inha conta; 17o Espirito da verdade, que o m un­
ii Pai que está em mim realiza suas do nào pode receber,
|ilrtprias obras. porque nao o ve nem o conhece.

mm o fogo ou com a nuvem, ele mesmo 14,12-14 Pela fé o fiel adere a Jesús, pode
Uiilava o povo, ou por meio do anjo ou por cooperar com sua atividade, fazer as obras
lucio de Moisés (Ex 33,14; SI 77,21). Je- de Jesús (nao só milagres). Seráo maiores,
tlis nao é guia, mas caminho; como é es- na sua força reveladora, uma vez que Jesús
imía até o céu (1,51), como é porta de en- já terá sido glorificado: os A tos dosApós-
Iriula (10,7). Por ele vem a verdade da tolos começam a ilustrar essa promessa.
ii'velaçâo e a vida que é seu resultado; por O tema da eficácia da oraçâo se reitera
ele transitamos rumo ao Pai. E um canu­ no discurso (15,7.16; 16,23-26). A condi-
tillo auténtico (verdadeiro) e vital, é ver- çâo é a fé na sua pessoa, é alegar seu nome
iliule e vida em caminho. como mediador ou intercessor. O que pe-
14,7 Conhecer quem é ele é conhecer o direm será cumprido por ele ou pelo Pai.
|>ui (8,19). Vê-lo com olhos de fé é ver o É freqüente no saltério dizer “pelo teu
Pili. nome” ou um equivalente (25,11; 31,4; 54,
14,8-11 Filipe formula a seu modo a 3; 79,9 etc.); a novidade é que doravante
pctiçâo audaz de Moisés (Ex 33,18), à quai se invocará o nome de Jesús. Na liturgia e
o prólogo fez alusáo (1,18; lJo 4,12). E a na espiritualidade cristas se impós o orar
esperança do orante (SI 17,15), a experién- “por Jesús Cristo nosso Senhor”.
cia de Jó (42,5). Filipe formula também o 14,15-17 Na oraçâo clássica (Dt 6,4-5)
ufa de todo homem auténticamente reli­ se inculca o amor de Deus com toda a
gioso: contemplar a Deus como sentido úl­ alma; a seguir, se ineuleam a lembrança e
timo da existência. É que nao aprofundou a observáncia dos mandamentos. O mes­
no conhecimento de Jesús. Conhecer é mo esquema Jesús propóe aqui. Do guar­
urna das palavras-chaves do evangelho de dar seus mandamentos se seguirâo très
Joáo, muito importante também ñas car­ dons correlativos: o Espirito valedor, o
tas paulinas. A uniáo íntima de Jesús com amor do Pai, a presença do Pai e do Filho
o Pai implica: a pessoa (“estar em” 10,38), no fiel. A visâo é trinitária em açâo.
us palavras (12,49), as obras; as très apon- Ao partir, Jesús promete enviar em seu
tam para o Pai e convergem para ele. O lugar o Espirito, cujas funçôes iráo se es-
Pai é o espaço vital de Jesús, Jesús é o es- clarecendo no discurso, em parte através
paço de manifestaçâo do Pai. Somente a dos títulos. O primeiro que aparece é em
fé o pode descobrir e contemplar. grego parákletos, que encerra uma gama
jo à o 342 14JH

Vós o conheceis, pois permanece con- 22Diz-lhe Judas (náo o Iscariotes):


vosco e està em vós. — Por que te manifestarás a nós i
18Nào vos deixo órfàos, mas voltarei náo ao mundo?
a visitar-vos. 23Jesus lhe respondeu:
19Daqui a pouco o mundo já náo me — Se alguém me ama cumprirá mi
verá; nha palavra,
vós, ao contràrio, me vereis, porque meu Pai o amará, viremos a ele e noli
eu vivo e vós vivereis. habitaremos.
20Nesse dia com preendereis que eu 24Quem náo me ama náo cumpre mi
estou no Pai, nhas palavras,
e vós em mim, e eu em vós. e a palavra que ouvistes de mim niio
21Quem conserva e guarda meus man- é minha,
damentos, mas do Pai que me enviou.
este me ama. 25Eu vos disse isso enquanto estou
E quem me ama será amado por meu convosco.
Pai; 260 Valedor, o Espirito Santo que o
eu o amarei e me manifestarci a eie. Pai enviará em meu nome,

de significados: defensor, advogado, con­ gao e no templo. O que Jesús diz aqui i
solador, intercessor, valedor; o ùltimo de­ isto e muito mais: a uniáo dos fiéis com
signa “a pessoa que ajuda urna outra com ele é como a sua com o Pai. Para expres
sua influencia ou poder”. Jesus diz “ou- sar o mistério, emprega a fórmula difícil
tro”, em seu lugar ao partir. Chama-o tam­ da inabitagáo mùtua.
bém “Espirito da verdade”, provavelmen- 14.21 Forma inclusáo com o v. 15 i
te a verdade divina revelada aos homens; explica o que precede em termos de amoi
equivalerla a “revelador” (cf. Sb 1,5; ICor mutuo. E como se a relagáo do Filho com n
2 , 10- 12). Pai se dilatasse para dar guarida aos fiéis.
O “mundo” (sentido pejorativo) é in- 14.22 Pode-se escutar esta pergunta em
compatível com essa verdade: ele se recu­ dois tons. Como reprovagáo, pedindo qui
sa a “ver” a manifestatilo. Os discípulos se manifeste a todos (cf. 7,3-4); náo mere
já o tèm e o terào presente pela presenta ce resposta. Como recurso didático do
de Jesus e pela experiencia interior. narrador, para centrar o ensinamento.
14,18-19 “Orfáos” como categoria so­ 14,23-24 A pergunta de Judas, Jesús res
cial: que náo podem valer-se, des-validos, ponde insistindo no que acaba de dizer. O
desamparados (cf. SI 68,6). Pela morte mundo náo ama Jesús nem guarda seus
Jesus se vai, para passar a urna vida nova, mandamentos; por isso náo pode captar a
de outra ordem. O mundo, que só conhece manifestagáo que será a morte e ressurrei
o Jesus histórico, o considera acabado com gáo. E preciso amar para entender, e nao
a morte (cf. Sb 3,2): ignora-o, prescinde existe amor sem observancia dos manda
dele. Mas a vida nova de Jesus inaugura mentos. Mas o amor é relagáo pessoal e
urna relagáo mais intima, urna experien­ mùtua, a máxima entre os homens. Como
cia de vida comunicada, partilhada. No será essa relagáo com Jesus e com o Pai?
Ressuscitado encontra o fiel seu espago Um orante suplicava: “Quando virás a
vital, e no fiel a presenga de Jesus toma mim?” (SI 101,2). O Pai e o Filho respon
alento. A “volta”, a curto prazo, é a res- dem ao pedido de modo inesperado.
surreigào, realidade, testemunho e comu- 14,25-26 O Espirito se chama aqui San
nicagào de vida; vida superior já presente. to, enviado do Pai em atengáo a (em nomi
Mas essa vinda próxima náo exclui a vol­ de) Jesus. Sua fungáo de “ensinar” respon
ta a longo prazo. Da volta do desterro se de á sua condigáo de Espirito da verdade
diz “vèem face a face o Senhor que volta (cf. Is 63,11; SI 16,7; Jr 31,34). É o agend'
a Siáo” (Is 52,8). da tradigáo recordando o passado, todo o
14,20 O Senhor estava “no meio de, ensinamento de Jesus, e farà progredir na
entre” seu povo, “com” ele, na peregrina- sua compreensào.
343 JOÀO

vos ensinará tudo e vos recordará tu­ para que creiais quando acontecer.
llo o que eu vos disse. Já nao falarei muito convosco,
■ 'liu vos deixo a paz, eu vos dou a porque está chegando o príncipe deste
Hilnlia paz. mundo.
Nao vo-la dou com o a dá o mundo. Ele nao tem poder sobre mim,
Nao vos p erturbéis nem vos aco- 31mas o m undo há de saber que eu
vimlcis. amo o Pai
"Ouvistes que vos disse que vou e e que fago o que o Pai me mandou
voltarci para visitar-vos. fazer.
Se me amásseis, vos alegraríeis de Levantai-vos! Vamo-nos daqui!
que eu vá ao Pai,
|K>is o Pai é m aior do que eu. A vid eira v erd a d e ir a — 'Eu
'liu vos disse isso agora, antes que sou a videira verdadeira e meu
montera, Pai é o vinhateiro.

14.27 A paz era a saudagáo judaica cór­ terais. O núcleo é constituido pela compara-
lente de chegada ou despedida (Ex 4,18; Jz gao (ou parábola) da videira e seu comentá-
I H,6), com freqüéncia simples palavra con­ rio. O estilo é o que estamos escutando:
vencional. Sao clássicos a saudagáo a Jeru- aforismos, frases rítmicas, paralelismos. Sao
Milém(SI 122) e o anuncio messiànico (Is 9). palavras-chaves “dar fruto” e “permanecer”.
( ) mundo defende pazes injustas ou defende No AT é mais freqüente falar da vinha
a paz com paliativos ou pronuncia desejos que da videira como imagem de Israel. Na
hipócritas. Nào assim a saudagáo ou despedi­ linguagem poética, a distingáo tem pouca
da de Jesús, que é sentida e eficaz (cf. SI 85,9). importancia; o uso pode estar ditado pela
14.28 “O Pai é maior do que eu” é um conveniencia do tema ou pelo gosto do au­
dos textos debatidos ou defendidos na con­ tor. Entre todos os textos que se costumam
trovèrsia ariana. Ao longo do evangelho e citar, acho mais pertinentes: Is 5,1-7; 27,2-
ueste discurso há dados para explicar a fra­ 5.10-11 (vinha); Jr 8,13; Ez 15 e 17; SI 80
se: o Pai o enviou, tragou o designio que (videira). Ao tomá-los como paño de fun­
ele deve executar, comunica-lhe o que vai do, nao pretendo reduzir Jo 15,1-17 a mo­
dizer. A resposta se dá no plano da fuñ­ delos tradicionais, mas mostrar a mudanga
ólo; no plano ontològico, os teólogos dis- radical operada. Em vários momentos a
linguiráo “como homem, como Deus”. vertente real se impóe á imaginativa.
14.29 Anunciar de antemao é pròprio de O esquema de Is 5 é: um vinhateiro plan­
quem controla o futuro. Ao pronunciá-lo, ta urna vinha seleta e déla cuida, espera que
serena e conforta; ao cumprir-se, acredita e dé fruto, dá uvas azedas, ele se irrita e a des-
ilumina. O esquema é típico do Segundo trói. O vinhateiro é Yhwh e a vinha é Israel,
Isaías: “Predisse o passado de antemáo..., o fruto esperado é justiga e direito. Joáo
de repente o realizei e aconteceu” (48,3-5). substituí: o vinhateiro é o Pai, a videira é Je­
14,30-31 O príncipe deste mundo é o Di- sús; portanto, nao urna planta humana, aín­
ubo. Satanás. Nao porque ele seja poderoso, da que de qualidade (que depois falha), mas
mas porque o mundo o segue voluntariamen­ urna transplantada do céu, que nao falhará;
te. A morte de Jesus nào será urna vitória o fruto esperado é o amor a ele e o amor
de Satanás, mas cumprimento do designio mútuo (que abrange e radicaliza a justiga).
do Pai, prova de amor e obediencia frente O desenvolvimento também é próprio de
a este mundo hostil. O convite final pa­ Joáo, que o obtém concentrando-se na vi­
rece indicar que num tempo ou numa tra- deira e nos sarmentos (compare-se com SI
digáo aqui vinha o episodio do Getsémani. 80,12). Toda a vitalidade destes provém da
Atualmente o discurso continua e se alonga. sua uniáo com a videira, e se traduz em dar
fruto; separados, os sarmentos nao dáo fruto
15,1-17 O enunciado metafórico marca o (Jr 8,13), secam, sao queimados (Is 27,11).
comego, a mengào do “fruto” (v. 16) marca 15,1 Videira verdadeira: ou “genuína”,
o final desta segáo. Entre ambos temos o tema aludindo a Jr 2,21: “Eu te plantei, videira
dominante ao qual se somam temas cola- seleta, de cepas legítimas”.
JOÀO 344 IV

2Os sarmentos que em mim nao dáo pedi o que quiserdes e acontecí'm
fruto ele os arranca; para vós.
os que dáo fruto os poda para que 8Meu Pai será glorificado se derili •>
déem mais fruto. fruto abundante
3Vós já estáis limpos pela palavra que e fordes meus discípulos.
vos disse. ’Como o Pai me amou, eu vos amei:
4Perm anecei em mim e eu em vos. permanecei no meu amor.
Como o sarmentó náo pode dar fruto lüSe cumprirdes meus mandamenti r,
por si só, se náo permanecer na videira, permanecereis em meu amor;
tam pouco vós, se náo perm aneceis assim como eu cum pro os manila
em mim. m entos de meu Pai
5Eu sou a videira, vós os sarmentos: e permaneció em seu amor.
quem permanece em mim e eu nele, 11 Eu vos disse isso para que partici­
dará muito fruto; péis da minha alegría
pois sem mim náo podéis fazer nada. e vossa alegría seja plena.
Se alguém náo perm anece em mim 12Este é o meu mandamento:
será lanzado fora como o sarmentó, que vos améis uns aos outros como
e secará: eu vos amei.
sao recolhidos, lanzados ao fogo e 13Ninguém tem amor maior do que
queimam. aquele que dá a vida pelos amigos.
7Se permanecerdes em mim e minhas 14Vós sois meus amigos se fazeis o
palavras perm anecerem em vós, que vos mando.

15,2-3 O grego usa o verbo “limpar” em coloca a agáo no campo do amor, e o fruto
vez de um próprio que signifique “podar”. esperado era a pràtica da justiga e o direi
Da imagem agraria salta para a realidade to entre os homens. Lá se tratava do amoi
espiritual expressa em Iinguagem cultual, conjugal, aqui do amor paterno, filial, c
como em Ex 36,25.33 ou em SI 51,4. A os frutos sáo amor fraterno. Náo é um amoi
mensagem de Jesús recebida com fé puri­ simplesmente humano, porque recebe sua
fica os fiéis (a mesma expressáo ocorre no seiva de Jesús. Funda e engloba tudo o que
lava-pés, 13,10). [s 27,4 fala de “sargas e abarca a justiga e o direito. Modelo e foi
cardos” na vinha. ga é o amor de Jesus ao Pai e a seus “ami
15,4-5 A relagáo entre videira e sarmen­ gos”. O amor filial de Jesús se traduz em
tos sugere urna uniáo vital. Os sarmentos cumprir o mandamento do Pai, o amor do
náo sáo extrínsecos, a videira existe com fiel para com Jesús se traduzirá em cum
os sarmentos. Podem ser arrancados ou prir seu mandamento.
podados, porém sáo parte integrante da 15,11 Quando há amor, o cumprimento
videira. Assim Jesús com os fiéis: brotam é gozoso, até o sacrificio pode ser alegre.
dele, nao sáo acrescentados; permanecem O tema da alegría e seu correlativo, a festa,
unidos a ele e dele recebem a seiva. A é freqüente no AT; com Yhwh como sujei
mesma idéia referida a Deus: 2Cor 3,5. to: “vou alegrá-los em minha casa de ora-
15.6 Pode haver alusáo ao fogo esca- gáo” (Is 56,7); a seu servo (SI 86,4); “hou
tológico (cf. Ez 15,5-7; Is 27,11). ve urna festa, porque o Senhor os inundou
15.7 Pelo contexto próximo, petigóes de gozo” (Ne 12,43). Também At 2,46.
para dar fruto. No contexto mais ampio, 15,12-13 A morte de Jesus fica definida
ver Me 11,24; Jo 14,13; 16,23. como ato supremo de amor, “até o extremo”
15.8 O fruto abundante da videira será (13,1). Um orante se dirigía a Deus: “Vale
a gloria do vinhateiro. mais tua lealdade do que a vida” (SI 63,4);
15,9-10 Primeiro diz cumprir manda- Jesús diz que o amor vale mais que esta vida,
mentos (no plural) como expressáo do porque Ihe dá sentido e a transcende.
amor. Depois os reduz a um mandamento 15,14-15 Em Is 41,8 Israel recebe o tí
(no singular), que consiste em amar o pró­ tulo de “servo” e Abraáo de “amigo”. Ser­
ximo. O precedente imaginativo de Is 5 vo do Senhor pode ser título honorífico.
345 JOÀO

I i nao vos chamo servos, porque o se cumpriram minha palavra, também


ímivii nao sabe o que o seu senhor faz. cumpriráo a vossa.
I n vos chamei amigos, porque vos 21Tudo isso vos faráo por causa do
Miinmiquei tudoo que ouvi do meu Pai. meu nome,
" Nao l'ostes vós que me escolhestes; porque nao conhecem aquele que me
*ii vi>s escolhi enviou.
i vi is destinei a i r e dar fruto, um fru­ 22Se nao tivesse vindo e nao lhes ti-
ii i quii permaneva; vesse falado, nao teriam pecado;
■i■•ain, o que pedirdes ao Pai em meu mas agora nao tém desculpas de seu
IM m i c , pecado.
cu vo-lo concederei. 23Se me odeiam, odeiam o Pai.
1 Isto é o que vos mando: que vos 24Se nao tivesse feito diante deles
micis uns aos outros. obras que nenhum outro fez,
nao teriam pecado.
i >òdio do mundo — 18Se o mundo vos Mas agora, ainda que as tenham vis­
micia, sabei que primeiro odiou a mim. to, odeiam a mim e ao Pai.
'''Se fósseis do mundo, o mundo ama­ 25Assim se cumpre o que está escrito
na o que é seu. sobre eles na leí.
Mas, como nao sois do mundo, e eu
vos escolhi tirando-vos do mundo, por Sem razáo me odiaráo — 26Quando
l’i'.o o mundo vos odeia. vier o Valedor que vos enviarei da par­
'"Recordai o que vos disse: um servo te do Pai, ele dará testemunho de mim;
n.io é mais que o seu senhor. 27e também vós daréis testemunho,
Se me perseguiram , tam bém a vós porque estivestes com igo desde o
pcrseguiráo; principio.

i >s discípulos conviveram em regime de que estáo do seu lado (mais que amor é
imizade com o mestre. Aqui o sinal da egoísmo partilhado); o mundo odeia Je­
¡imizade é partilhar confidencias (cf. Jó sús e os que ele lhe arrebata. Há urna cor­
."1,4; SI 55,15). respondencia rigorosa: nao reconhecem os
15,16 Aelei^áo é iniciativa soberana de enviados de Jesús, porque nao reconhecem
Icsus (Me 3,13), como o é de Yhwh no AT nem Jesús nem aquele que c enviou.
(Nm 16,7; eleigáo do povo Dt 7,7; de Davi 15,20-21 Eu lhes disse: 13,16; Le 6,40.
. ' S i t i 6,2 etc.). O segundo condicional soa estranho: como
se o mundo em alguma ocasiáo ou em al-
15.18-16,4 Esta segáo aponta para o gum ponto tivesse cumprido o mandato de
liiluro, para a condiqáo dos fiéis envoltos Jesús. Deve-se tomá-lo como integrante de
pelo mundo pagáo e diante do judaismo um paralelismo antitético que equivale a
oficial. Diante do òdio, lógico, deveráo dar dizer: eles vos trataráo como a mim em
Icstemunho animados pelo Espirito. tudo, no bem e no mal. O tema continua
15.18-21 Diante do amor, o òdio: quem em 16,1-4.
poderá mais? O mundo tem aqui (e com 15,22-24 Segue-se uma serie de condi­
Ircqiiéncia em Joáo) sentido pejorativo: cionáis. Agora sobre a responsabilidade
está dominado por Satanás (14,30) e agravada do mundo. Veja-se, desenvolvi­
encarna a oposi§áo radical à missáo de do em condicionáis, o esquema do Profe­
Icsus. O òdio e o amor sao incompatíveis, ta como atalaia do povo (Ez 33). Jesús se
como a luz e as trevas, o bem e o mal (cf. manifestou com palavras e obras e de nada
I’r 29,27). A sorte de Jesús será comparti- elas valeram.
Ihada por seus discípulos, como o expòs a 15,25 Literalmente se le em SI 35,19 e
instruyo aos apóstolos (Mt 10) e o dis­ 69,4. A figura do inocente perseguido é
curso escatològico (Mt 24 par.). Foi já a freqüente.
sorte dos profetas (Ez 2,6; 3,7 e o destino 15,26-27 O tema do Espirito parece in-
ile Jeremías). O mundo pode amar os seus, terromper o curso do pensamento; nao é
JOÁO 346

'E u vos disse tudo isto para que 5A gora volto para aquele que tm
nao tropeceis. enviou,
2Sereis expulsos da sinagoga. Chega- e ninguém me pergunta aonde vim
rá um tempo
quando quem vos m atar pensará ofe- A obra do Espirito — 60 que vos <w
recer culto a Deus. se vos encheu de tristeza;
3E faráo isso porque nao conhecem o 7mas vos digo a verdade: para vm
Pai nem a mim. convém que eu vá.
4Digo-vos isso para que, quando che- Se eu náo for, o Valedor náo vira p ai
gar seu momento, vos:
vos lem breis de que vo-lo disse. se eu for, vo-lo enviarei.
Náo vo-lo disse no principio, porque 8Quando ele vier,
estava convosco. convencerá o mundo

assim. Pelo contràrio, o Espirito é o gran­ do convicto o mundo (8-11); para dcnlm
de acompanhante do futuro. De outra par­ guiando a comunidade (12-15). Dun
te, antecipa a seçâo de 16,6-15 e esses agóes complementares.
versículos poderiam ser colocados depois 16,6-7 A tristeza da despedida se jnm
de 16,5 (ou 16,4). O Espirito atesta por si a dor diante do futuro de perseguigóes C|<m
e por meio dos discípulos inspirando-os lhes anunciou. O fato de pó-los de sobifl
(Mt 10,20) e o objeto do testemunho é a viso servirá no momento da prova; im
pessoa de Jesus e sua obra. Os discípulos momento atual, é motivo de dor intensa
háo de ser testemunhas históricas (Is 8,16- Contudo, há motivo para alegrar iJ
18), porque acompanharam Jesús em seu (14,28) ou para mitigar a dor, consideran
ministério, e testemunhas inspiradas da sua do o resultado da ida. Jesús tem de ser glu
missáo transcendente. Do testemunho fa- rificado antes de enviar o Espirito (7,3‘)|,
laráo explícita ou implicitamente os Atos entáo o enviará (20,22). Aquele que escro
(1,8; 5,32). ve vive no tempo da Igreja; seu evangelio
testemunha a atividade do Espirito.
16, 1-4 Continua o tema da perseguiçâo 16,8-11 Estes vv. sao difíceis e debah
por causa de Jesús. Sobrepóem-se duas dos. Proponho urna explicagáo baseada cin
perspectivas, a próxima, da paixâo e mor­ usos judiciais do AT (especialmente iln
te; a futura, da difusâo do evangelho. A verbo hwkyh), nos quais as fungóos esla
segunda se refere o “expulsar da sinago­ vam menos diferenciadas. Antes de tudo,
ga” (9,22), que era um fato consumado deve-se observar que Jesús está para si'i
quando se escreveu este evangelho. Quan­ submetido a julgamento e condenado. (>
to a “matar”, é possível que o autor esteja Pai abrirá outro processo, em instancia
pensando em Estêvâo e Tiago. É terrível a suprema, e empregará o Espirito come
frase que o apresenta como urna espécie advogado e fiscal, como condutor do pro
de homicidio ritual, como obra agradável cesso. Nele se inverterá o resultado. Com
a Deus. Sem querer nos vêm à memòria seu testemunho e argumentagáo (elegesos)
textos como SI 149,9 “executar a senten- convencerá ou deixará convencido o mun
ça ditada é urna honra”, ou o zelo fanático do: em termos judiciais, de uma culpa, d<
dos Macabeus contra seus compatriotas urna inocencia, de uma condenagáo. O'
(como o narra lM c 2,46); e outras práti- que condenaram sao os culpados, o con
cas da historia religiosa que náo escutaram denado é inocente, o sistema que o conde
ou náo compreenderam essa denùncia. nou sai condenado. A culpa consiste em
16.4 Ver 13,19 sobre a funçâo do anún- náo ter crido, apesar dos sinais; crer e nc
cio antecipado. gar-se a crer sáo atitudes que comprome
16.5 Alguns o unem com a seçâo que se tem toda a existencia: “Se náo crerdes, nao
segue. Também se pode tomar como tran- subsistiréis” (Is 7,7). A inocencia se com
siçâo. Sobre a pergunta: 13,36; 14,5. prova porque Jesús é acolhido por Deus.
16,6-15 Em poucos versículos traça a “pois o ímpio náo comparece perante ele’
açâo futura do Espirito para fora, deixan- (Jó 13,16). A glorificagáo prova que Jesus
347 JOÁO

.1. mu pecado, de urna justiga, de urna A legría após o sofrim ento — 16Daqui
MlliHis'n*: a pouco nao me vereis, pouco depois
y |NH'iido, porque nao creram em mim; me vereis.
'"ii |nsliga, porque vou ao Pai e nao 17Os discípulos comentavam entre si:
iiic veréis mais; — Que é isto que nos diz: Daqui a
" m»rulenga, porque o príncipe deste pouco nao me vereis, pouco depois me
Hlilllilo está sentenciado. vereis; e: Vou ao Pai?
^Militas coisas me restam para vos 18Diziam:
illfi'i, — A que pouco se refere? Nao en­
mus por enquanto nao podéis com tendem os o que diz.
tln* 19Jesus compreendeu que queriam lhe
"Ouando ele vier, o Espirito da ver- perguntar, e lhes disse:
ilmlr, — Discutís entre vós sobre o que eu
vi is guiará para a verdade plena, vos disse: Daqui a pouco nao me vereis,
ruis nao falará por sua conta, pouco depois me vereis.
mus dirá o que ouve, e vos anunciará 20Eu vos asseguro que chorareis e vos
i» liiluro. lamentareis,
"Ele me dará gloria enquanto o m undo se diverte;
ni >ique receberá do meu e o explicará. estareis tristes, mas vossa tristeza se
l udo o que o Pai tem é meu, transform ará em alegría.
por isso vos disse que receberá do 21Quando uma m ulher vai dar á luz
tniMi e vo-lo explicará. está triste, pois chega a sua hora.

lili vítima inocente (como o servo de Is 16,16-19 No contexto da ceia e da des­


S.1). A condenagao do diabo se pronuncia pedida, o anuncio de Jesús parece transpa­
im morte de Jesús (cf. SI 82) e comega a rente: nao o veráo quando morrer, vé-lo-áo
luecutar-se nos fiéis (embora, segundo lJo quando ressuscitar, tudo sucederá em bre­
VI 9, o diabo conserve poder sobre o mun­ ve. De fato o véem e se alegram. Num con­
do), O que aconteceu na morte e ressur- texto mais ampio, que se abrange depois,
feigüo de Jesús continuará acontecendo nao o veráo quando deixar o mundo e vol-
pela atividade do Espirito. E um julgamen- tar ao Pai, voltaráo a vé-lo ao experimen­
iii ao longo da historia. tar sua presenga gloriosa; neste contexto,
16,8: *Ou: de urna culpa, de urna ino­ “em breve” significa que sempre está pró­
cencia, de urna condenagao. ximo ao homem. O desconcertó dos discí­
16.12 Parece contradizer o que foi afir­ pulos reflete a ambigüidade, ou melhor, a
mado em 15,15. Projetá-lo ao tempo entre ambivaléncia do enunciado. Pela boca dos
II Ressurreigáo e Pentecostes seria sair de discípulos, é a comunidade crista que per-
Joáo e passar para Lucas. Pode-se por em gunta, ao ver que o retorno glorioso do
rclagáo com 2,22 e 12,16, ou seja, fatos e Senhor, a parusia, demora (vejam-se, por
palavras que á luz da ressurreigáo falam exemplo, as cartas aos Tessalonicenses).
com linguagem nova, inteligível. Joáo se coloca no contexto de uma esca-
16.13 Nao é que o Espirito traga novas tologia realizada ou antecipada: apesar da
rcvelacóes, mas vai conduzindo, no inte­ ausencia física de Jesús, o fiel conhece,
rior da revelagáo de Jesús, para a com- por experiéncia e pelo testemunho do Es­
preensáo sempre mais atualizada e cres- pirito, que Jesús está vivo, perto, e o con­
cente. O futuro: com relagáo ao momento templa com os olhos iluminados da fé: “tua
cm que Jesús fala; “anunciar” (anagge- luz nos faz ver a luz” (SI 36,10).
lein) equivale a tomar e apresentar de 16,20-22 A imagem da mulher na ex­
novo. pectativa de dar á luz está carregada de
16,15 Está falando da fungáo do Espiri­ ressonáncias históricas e proféticas: des­
to em favor dos homens afligidos (Jr de o grito triunfal de Eva em sua primeira
15,17), quer dizer, na economía da revela- matemidade (Gn 4,1) até as figuras escato-
gao. Tirar as cnnseqüéncias para uma dou- lógicas do livro de Isaías (26,14-19; 66,7-
trina trinitária é tarefa posterior. 14), e como contraste violento Jr 4,31; no
JOÀO 348 l(>
Porém, quando deu á luz a criatura, vai chegar a hora em que já náo x<<>
nao se lembra da angustia, por causa falarei em parábolas,
da alegría mas vos falarei claram ente a respoi
de que um homem tenha nascido para to do meu Pai.
o mundo. 26Nesse dia pedireis em meu norm ,
22Assim, vós agora estáis tristes; e náo vos digo que pedirei ao Pai pm
mas eu voltarei a vos visitar, e vos vós,
enchereis de alegría, 27pois o próprio Pai vos ama, porqm
e ninguém vos tirará vossa alegría. vós me amastes
23Nesse día náo me perguntareis nada. e crestes que vim da parte de Deus
Eu vos asseguro: o que pedirdes ao 28Saí do Pai e vim ao mundo;
meu Pai, agora deixo o mundo e volto ao Pai
ele vo-lo dará em meu nome. 29Dizem-lhe os discípulos:
24Até agora nada pedistes em meu — Agora sim falas claramente, se rn
nome; usar parábolas. 30Agora sabemos que sa
pedí e recebereis, para que vossa ale­ bes tudo e náo tens necessidade que al
gría seja completa. guém te pergunte; por isso eremos que
25Eu vos disse isso em parábolas; vens de Deus.

NT Ap 12. Is 66 fala do parto maravilhoso tenha limites, para que o receber compie
de todo um povo (em contraste com o len­ te a alegría. Um pai que ama seu filini
to e trabalhoso dos doze patriarcas), e náo lhe nega o que pede razoavelmente
menciona o gozo da festa. Is 26 é mais Pois bem, Deus Pai ama os que amam
audaz, fala da térra máe que dá á luz mor­ seu Filho, e lhes concede tudo o que
ios vivificados. Na especulado judaica se pedem movidos pelo Espirito (Rm 8,
falava das dores do parto que abririam a 26-27).
porta para a era messiáníca. 16,23a.25.29-30 Ao longo do discursu
No contexto ¡mediato da ceia, a imagem e em ocasióes precedentes os discípulo',
fala da fecundidade da paixáo e morte de interromperam ou abordaram Jesus coni
Jesús, da dor partilhada dos discípulos e perguntas: pela forma e também pelo con-
da próxima alegría que o ressuscitado tra- teúdo do seu ensinamento. No sentido res
rá. No contexto mais ampio da Igreja, trito e no contexto próximo, “parábolas”
enuncia urna condigáo permanente: o sa­ foram a da videira, a da mulher parturien
crificio por amor e o gozo da sua fecun­ te (Mt 13). Em contexto mais ampio e em
didade. A alegría que o Espirito infunde, o sentido lato, também eram “parábolas” as
mundo náo a arrebata com suas persegui- agóes simbólicas (lavar os pés, purificar o
qóes (cf. SI 4,8; Is 35,10). templo), os milagros como sinais (cura d e
16,23a “Aquele dia” é expressáo corren- um cegó, ressurrei<jào de um morto). Em
te que introduz anuncios escatológicos, de outra ordem, as com parares e símbolos
um futuro certo e indefinido; pode identi- empregados no seu ensinamento. Só a ex
ficar-se com o dia do Senhor. Como exem- periéncia viva, mediada pelo Espirito, p5e
plo típico veja-se a séríe anafórica de Zc em contato com a realidade sem media
12-14. Joáo recolhe a fórmula para indi­ gáo de “parábolas”. Tal é a promessa de
car o dia escatológico que chega com a Jesus para depois da ressurreigáo.
glorificado de Jesús: “será um dia único, 16,29-30 Os discípulos respondem coni
escolhido pelo Senhor” (Zc 14,7) que se um mal-entendido. Detendo-se no senti
prolonga na historia. Acabar-se-áo as per- do mais estreito e no contexto limitado,
guntas de agora, os pedidos seráo escuta- comparam as “parábolas” (linguagem fi
dos e reinará a claridade. Perguntar e pe­ gurada) com a linguagem pròpria, e ima
dir sáo parentes, já que perguntar é pedir ginam ter entendido tudo. Como eles o
urna resposta. fiel, o teólogo, podem iludir-se, pensando
16,23b-24.26-27 Quem pede e recebe que entendem perfeitamente. Mas a re
fica satisfeito e contente; que o pedir náo velagáo náo anula o mistério: nesta vida,
349 JOÁO

" Ucspondeu-lhes Jesus: dá gloria ao teu Filho, para que o teu


Agora credes? 32Vede: Chega a Filho te dé gloria;
!i»*i *i, c jd chegou, 2pois lhe deste autoridade sobre to­
■ ni (|ue vos dispersareis cada qual dos os homens,
inihi seu lado, e me deixareis sozinho. para que ele dé vida eterna aos que
M.is eu nâo estou só, pois o Pai està lhe confiaste.
' mingo. 3Nisto consiste a vida eterna:
'T u vos disse isso, para que tenhais em conhecer a ti, o único Deus ver-
lui/ graças a mim. dadeiro,
No mundo passareis tribulaçôes; e ao teu enviado, Jesús, o Messias.
mas tende ànim o, pois eu venci o 4Eu te dei gloria na terra,
mundo. cum prindo a tarefa que me encarre-
gaste fazer.
| ^ Oraçâo sacerdotal de Jesus — 5Agora tu, Pai,
1 / 'A ssim falou Jesus. Depois, le- dá-me gloria junto a ti,
vunum os olhos ao céu e disse: a gloria que eu tinha junto a ti, antes
l’ai, chegou a hora: que houvesse mundo.

.i pcssoa sempre fica apontando para o 33). Isto indica que urna oraçâo se encai-
Iniilingivel. xa bem no final de um discurso de despe­
16,31-32 Jesus os corrige, assinalando dida. Dentro desta seçâo do evangelho,
ii luluro próximo. Nao entenderam o mais este capítulo répété vários temas do cap.
■Ir mentar e próximo, a paixào. Entender 13 formando urna inclusáo. Ao passo que
litio é urna operagào puramente intelectual, pela tonalidade e por alguns temas se en­
mus se ordena à conduta. A dispersáo dos laça idealmente com o prólogo.
iliseípulos responde à profecia (Zc 13,7, Pode-se articular o capítulo de formas
■il;ula pelos sinóticos). diversas, segundo o critèrio que se adote:
A expressào clàssica de Yhwh confor- pessoas por quem pede, partículas arti­
Imido o homem “eu estou contigo” tem culatorias, repetiçâo em duas ondas de
v.ilor supremo quando se diz que o Pai “es­ motivos semelhantes e palavras idénticas.
i l i comigo”. Dai deriva sua validade para 17,1a Aprimeira frase é de enlace, mas
ii apòstolo (2Tm 4,16-18). nâo extrínseco; indica, antes, que o dis­
16,33 Termina com um grito antecipado curso desemboca na oraçâo, nela culmina
ile vitória: pode-se dar por realizado: “eu (cf. SI 91,14-16). O gesto de olhar para o
iiiu tua vitória” (SI 35,3). Com seu sacrifi­céu é conhecido (11,41; SI 123,1).
cio por amor, Jesus vence o mundo e Sata- 17,lb-5 Propóe e desenvolve o tema da
inis. Seus discípulos sao chamados a par- gloria. Conceito fundamental no AT, como
licipar da luta e da vitória. Sentir o ànimo manifestaçâo de esplendor e poder. Moisés
i|iie ele infunde já é ganhar urna batalha. pedia (Ex 33,18). A glòria do Pai e a do
Filho sao correlativas: o Pai glorifica o
17,1 Costuma-se chamà-la de oragào sa­ Filho e essa gloria reverte no Pai. O Filho
cerdotal de Jesus. Com eia se dirige ao Pai glorifica o Pai, cumprindo a obra de amor
e roga pelos fiéis presentes e futuros. Pro­ que manifesta a “plenitude de bondade e
nunciada em voz alta é ao mesmo tem­ fidelidade” (1,14). Fala como se já tivesse
po revelado da intimidade de Jesús com consumado o sacrificio. A gloria que ti­
o Pai. Aqui Jesus se revela como Filho e nha “antes que houvesse mundo” alude ao
.issim revela Deus como seu Pai. Jesus prólogo (1,1). Para Deus a finalidade é
¡iparece como a escada de Jacó, que une a glorificar, para os homens, é dar vida eter­
Ierra ao céu (1,51; Gn 28). Jesús fala da na: porque ele possui a vida (1,4).
Ironteira entre céu e terra, na conjun§áo 17,3 A vida eterna consiste no conheci-
do divino e do humano. mento pessoal (Sb 15,3), experiencia e tra­
Se olhamos o final do Deuteronòmio, to do Deus verdadeiro como Pai e de Je­
vemos Moisés entoando um càntico de sus como Messias enviado (15,3; cf. ICor
despedida e bendizendo as tribos (Dt 32- 8,6). Jesús pode comunicar esse conheci-
JO ÁO 350

6M anifesteí o teu nome aos homens u Já nao estou no mundo, enquatiii.


tirados do mundo eles estáo no mundo;
e que me confiaste: eu vou para ti, Pai santo;
eram teus e os confiaste a mim, e cum- guarda-os no teu nome, que me deM>
priram tuas palavras. para que sejam um como nos.
7A gora compreendem que tudo o que ' 2Enquanto estava com eles, eu 01
m e confiaste procede de ti. guardava no teu nome,
8A s palavras que tu me comunicaste, aquele que me deste; eu os guarde i..
eu as com uniquei; nenhum deles se perdeu;
eles as receberam e com preenderam exceto o destinado à perdÍ 5 áo,
realm ente que vim de tua parte, para cumprimento da Escritura.
e creram que me enviaste. ' 3Agora vou para ti; e ainda no mim
9Rogo por eles; nao rogo pelo mundo, do digo isso,
mas pelos que me confiaste, pois sao para que possuam minha alegría com
teus. pleta.
10Tudo o que é meu é teu, e o que é teu 14Eu lhes comuniquei tua palavra, o
é meu: neles se revela a minha gloria. o mundo os odiou,

mento porque possui a plenitude (1,14), til e ameagador, assim os fiéis, retirado',
porque veio explicá-la (1,18). E o reve­ do sistema opressor, devem atravessar seu.
lador (Mt 11,22-23). perigos, antes de chegar á pátria prometí
17,6-8 O Pai entregou ao Filho: suas da. Na etapa precedente Jesús os acompa
palavras para que as ensinasse aos homens; nhou, guiou e protegeu (foi tirando-os i
um grupo de homens extraídos do mundo afastando-os do mundo, cf. Tg 4,4); par;i o
(como os israelitas do Egito): que eram futuro, roga ao Pai que os proteja. Nao os
seus, como novo povo escolhido, e mais pode tirar completamente, antes os envi.i
ainda como filhos (1,12), que créem em ao mundo que devem converter, como tam
Jesús como enviado, em suas palavras bém Jesús foi enviado ao mundo (1,10). O
como procedentes de Deus, e as cumprem. mundo hostil está dominado pelo Maligno
Esses homens sao agora os discípulos e (o diabo, Satanás): por esse mundo Jesu;.
seráo mais tarde os cristáos. náo roga, pois declarou guerra e venceu i
O nome de Deus se manifestou a Moisés ambos. Roga, sim, ao Pai que proteja os seus
(Ex 3,14, Yhwh) para identificá-lo diante das ciladas do Maligno, enquanto eles atra
dos demais, para a invocagáo e a súplica. vessam o mundo (como das serpentes do
Jesús revela o nome de Deus, que será Pai: deserto, Nm 21,6-9). Pelo caminho, um se
ao fazer dos fiéis “filhos de Deus”, comu- perdeu (como se perderam muitos no de­
nica-lhes a experiencia pessoal de Deus serto), como estava previsto na Escritura
como Pai e lhes ensina a invocá-lo com (SI 109,4-8; outros propóem SI 41,10).
esse nome. Outros autores pensam no “Eu 17.9 O termo “mundo” atinge aqui seu
sou” que Jesús pronuncia várias vezes. significado radical, extremo: é aquele ou
17,6 Recebe-os o Pai por haver realiza­ aqueles definitivamente fechados ao dom
do seu designio: “por meio dele triunfará da fé. Excluíram-se e condenaram-se. O
o plano do Senhor” (Is 53,10); “meu salà­ Senhor ordenava a Jeremías: “Náo ínter
rio o tinha meu Deus... fago-te luz das cedas em favor desse povo” (Jr 14,11).
nagóes” (Is 49,4.6); “olhai, com ele vem Contudo, o amor de Deus abarca o mundo
seu salàrio” (Is 40,10). inteiro (Jo 3,16); e mais adiante pede que
17,9-19 Come^ando com “rogo” e até o o mundo conhe^a e creía (17,21.23).
v. 19, a segáo está dominada pela palavra 17.10 Sua gloria se manifesta no que
“mundo”. Em sentido ampio, equivale aos realizou neles, que sejam filhos de Deus
homens na terra; em sentido restrito de­ pela fé; também porque eles refletiráo essa
nota o sistema hostil a Deus e a Jesús. gloria em outros (2Cor 3,18).
Como os israelitas, saídos do Egito opres- 17.13 A alegría: Jo 15,11.
sor, tiveram de atravessar um deserto hos- 17.14 O odio do mundo: Jo 15,18-19.
351 JOÁO

I»iique nao sao do mundo, como tam- que também eles sejam um em nós,
ni nao sou do mundo. para que o m undo creia que tu me
•'Nao pego que os tires do mundo, enviaste.
m u í s i|ue os livres do M aligno. 22Eu lhes dei a gloria que tu me deste,
"‘Nao sao do m undo, com o tam bém para que sejam um, como somos nós.
»11 nAo sou do mundo. -3Eu neles e tu em mim, para que se­
1'( onsagra-os com a verdade: tua jam plenamente um;
(«lluvia é verdade. para que o m undo conhega que tu me
"'( orno tu me enviaste ao mundo, eu enviaste
i» i'iiviei ao mundo. e os amaste, com o me amaste.
'''Por eles me consagro, para que fi- 24Pai, os que me confiaste quero que
firm consagrados com a verdade. estejam comigo
'"Nao rogo som ente por eles, mas onde eu estou; para que contemplem
liiinbóm minha gloria;
(míos que creráo em m im por meio a gloria que me deste, porque me amas­
ilu Niias palavras: te antes da criagáo do mundo.
Jlüue todos sejam um, como tu, Pai, ^ P a i justo, o m undo nao te conhe-
Mullís em mim e eu em ti; ceu; eu te conheci,

17.15 Ver o pedido do Pai-nosso (Mt internos e externos. Os Atos e algumas


(1,13). cartas testemunham as tensóes graves en­
17.16 Estar no m undo sem ser do tre comunidades e dentro de urna comuni-
inundo. dade. A unidade tem que ser visível como
17,17.19 A consagragáo é em primeiro reflexo ou irradiado da unidade transcen­
lugar a dedicagáo a Deus para participar dente.
ilii sua santidade, para ser santos como ele Os futuros fiéis creráo pela p reg a d 0
ll,v 19,2; 20,26). Em segundo lugar é ca- apostólica, cujo ámbito será universal (se­
|indtar para urna missao entre os homens, gundo 10,16 e 11,52). A unidade dos fiéis
Iuna fungóes específicas (rei, sacerdote, será um sinal para que o mundo possa crer
(iri)feta, Ex 28,36-39). Deus “consagra” o em Jesús como enviado de Deus.
jiiiv o (Ez 37,28) e vai consagrar os discí­ 17,24-26 Agora alarga a vista até a con-
pulos. Jesús é o Santo = consagrado por sumagáo final, quando se fixará o destino
llcus (6,69; 10,36), que mostra sua santi- definitivo. De um lado estará o mundo que
ilude (sentido reflexivo como Ez 38,23) náo o reconheceu, do outro os que creram
pura consagrar seus discípulos. Em lugar nele. A “vontade” última de Jesús é que
tlü rito de consagrado, Deus emprega a eles, como individuos e como comunida-
verdade, quer dizer, sua palavra que há de de, estejam ou vivam com ele (2Cor 5,8;
•i'.r recebida com fé e cumprida. F11,23; Le 23,43), contemplem sua gloria
17,20-23 Roga também pelos futuros (que Moisés náo pode contemplar, Ex
liéis, e o núcleo da sua petiijáo é a unida- 33,19-20).
ile: entre eles, com Jesús e com Deus, Entretanto, Jesús, embora glorificado,
como o Filho com o Pai. No AT sentiu-se ficará com eles ou neles, e o amor do Pai
ii finsia de unidade de um povo dividido ao Filho lhes será comunicado.
(icio cisma (Ez 37,15-28); um salmo can­ Olhando agora o conjunto do capítulo,
ia o gozo da “unidade fraterna”, béngáo observamos o triángulo do Pai, Jesús e os
ilc Deus, fonte ou sinal de “vida para sem- discípulos, com uma série de relaqóes si­
prc” (SI 133). A unidade em Joáo procede métricas, assimétricas ou continuas. Pri­
de Deus, é Jesús que a cria comunicando meiro, a relado de Jesús com o Pai: mú-
II gloria do Pai; é com unicado de vida tua glorificad0 (vv. 1-4), tudo em comum
partilhada com Deus e numa comunida- (v. 10). Segundo, o Filho recebe do Pai e
de. Ou seja, nao é fruto de agregado ou transmite aos discípulos: as palavras (vv.
"contrato social”. A unidade se deve “man- 8.14), o nome (vv. 6.11.26), a missáo (v.
ter” dentro do mundo, frente aos perigos 18), a gloria (v. 22); a relagáo do Filho com
JOÀO 352

e estes conheceram que tu me en­ 4Jesus, sabendo tudo o que lhe iria ac<>n>|
viaste. tecer, adiantou-se e lhes disse:
26Dei-Ihes a conhecer teu nome e o — A quem procuráis?
darei a conhecer, 5Responderam-lhe:
para que o am or que tiveste por mim — Jesús, o Nazareno.
esteja neles, e eu neles. Diz-lhes:
— Sou eu.
P risá o de Je sú s (Mt 26,47-56; Também Judas, o traidor, estava co#
M e 14,43-50; Le 22,47-53) — eles. 6Quando lhes disse sou eu, relio
'D ito isso, Jesús saiu com os discípu­ cederam e caíram por térra. 7Pergim
los para o outro lado da torrente do tou-lhes novamente:
Cedrón, onde havia um jardim . A i ele — A quem procuráis?
entrou com seus discípulos. 2Judas, o Responderam-lhe:
traidor, conhecia o lugar, porque mui- —- Jesús, o Nazareno.
tas vezes Jesús se reunirá ai com seus 8Jesus respondeu:
discípulos. 3Entáo Judas tomou um des­ — Eu vos disse que sou eu; mas,
tacamento e alguns criados dos sumos me procuráis, deixai estes ir emborn
sacerdotes e dos fariseus, e se dirigiu 9Assim se cum priu o que havia dito
para lá com tochas, lanternas e armas. N ao perdi nenhum dos que m e confuí \

o Pai se reproduz na deles com Jesús ou conta a oragáo no horto. No presente epi-.'>
entre eles (vv. 21.22). Terceiro, o Pai os trata
dio, segundo a versao de Joáo, Jesús atún
como trata o Filho: amor (vv. 24.26), como como protagonista e ao mesmo tempo co
o Filho os trata, guarda (vv. 11.15), santifi­mo diretor da cena. Escolhe o cenário oh
ca (vv. 17.19). Quarto, eles sao como Je­ lugar, conhece os movimentos de Judas, n
sús: nao sao do mundo (vv. 14.16); como quem despachou (13,21-30); conhece o m
tratam a Jesús, assim também ao Pai (co- teiro do que vai suceder; toma a iniciativa
nhecem, créem, v. 8). Acrescentando o que de perguntar e se identifica de modo solenc,
foi dito do Espirito nos capítulos preceden­ dá as ordens á tropa; repreende e reprime IV
tes, encontra-se aquí material para elabo­ dro. Além disso, explica o sentido dos falo
rar urna teología trinitaria. apelando para um símbolo bíblico conlie
cido. Feito tudo isso, deixa fazer. Toda ii
18-20 Em dois capítulos Joáo concen­ cena é de um dramatismo contido e austem
tra a narrativa da paixâo. A narrativa avan­ 18,1-2 Náo dá o nome do horto, que o-,
ça linearmente: prisáo de Jesús (18,1-13); sinóticos chamam de Getsémani (que, con
interrogatorio diante de Anás com nega- forme a etimología, significa prensa ou
çâo de Pedro (14-27); interrogatorio dian­ lagar de óleo). Por outro lado, nos diz que
te de Pilatos e condenaçâo à morte (18,28- era lugar freqüentado pelo grupo. Isto
19,16a); crucifixâo e morte (19,16b-37); significa um encontro marcado, calcula­
sepultamento (38-42). Nos longos inter­ do e náo formulado, com o traidor.
rogatorios e com discretas alusóes bíblicas 18,3 É o pessoal de servigo e polícia
o narrador medita e expóe o sentido da do templo e das autoridades. O “destaca­
paixâo e morte do Senhor. mento” é nome que se refere a soldado-,
romanos.
18,1 “Dito isso”, ou seja, terminado o 18,5 Nazareno é a designaqáo que usa
longo discurso, começa de novo a açâo, ram os judeus para os cristáos. Na boca
que desta vez é a paixâo. O primeiro gesto do personagem (na pena do narrador), a
é “sair”, e é a última saída pessoal daquele resposta de Jesús é soleníssima, transccn
que “saiu do Pai” (8,42; 13,3; 16,27-28; dente: o chamado Jesús Nazareno se cha­
17,8). Sai ao encontro da morte, e da vida. ma “Eu sou”. Ao ser pronunciado o nome,
18,1-13 O primeiro episodio é a prisáo retrocedem (SI 35,4; 40,15; 56,10; 129..S)
no horto. Já notamos que Joáo nâo conta a e caem derrubados (SI 9,4; 27,2).
iniciativa de Jesús para a entrada em Jerusa- 18,9 Anunciado em 6,39; 17,12. Por oía
lém e para procurar o local da ceia; tampouco náo o podem seguir.
1« 'I 353 JOÀO

ir "'Simâo Pedro, que estava armado com Jesús no palácio do sumo sacer­
rspada, a desembainhou, feriu o ser- dote, 16ao passo que Pedro ficou fora, á
>h lin sumo sacerdote e lhe cortou a ore- porta. O outro discípulo, conhecido do
lliii direita. (O servo se cham ava Mal- sumo sacerdote, saiu, falou com a por-
iii ) "Jésus disse a Pedro: teira e ela deixou Pedro entrar. l7A cria­
limbainha a espada: Nâo vou be- da da portaría diz a Pedro:
lu’i ¡i taça que o Pai me ofereceu? — Náo és tu também discípulo desse
1'<) destacamento, o comandante e os homem?
■ii.ulos dos judeus prenderam Jésus, o Ele responde:
iitiiarraram 13e o levaram prim eiro a — Náo sou.
Auas (que era sogro de Caitas, o sumo 18Como fizesse frió, os servos e os
«merdote desse ano.) guardas haviam aceso urna fogueira e
se aqueciam. Pedro estava com eles aque-
Oíante de Caifâs (Mt 26,57s.59-66; cendo-se.
Me 14,53-64; Le 22,54.66-71) Nega- 190 sumo sacerdote interrogou Jesús
yVs de Pedro (Mt 26,69-75; Me 14,66- sobre seus discípulos e seu ensinamento.
Le 22,55-62) — 14Caifás era aque- 20Jesus lhe respondeu:
lr «pie havia dado seu parecer aos judeus — Falei publicamente ao mundo; en-
i | i h ‘ convinha que um sô homem mor- sinei sempre em sinagogas ou no tem­
lesse pelo povo. plo, onde se reúnem todos os judeus, e
''’Simâo Pedro e outro discípulo se- nada disse as escondidas. 21Por que me
guiam Jésus. Como esse discípulo era interrogas? Interroga os que me ouviram
uiiihecido do sumo sacerdote, entrou falar, pois sabem o que Ihes disse.

18,10 Pode-se tratar de urna grande faca o interrogatòrio se realiza na casa de Anás,
de uso pessoal protegida em sua bainha. e é este quem o conduz. Se é assim, por­
No contexto, espada é emblema de vio­ que o chama “sumo sacerdote”? Respon-
lencia (cf. Is 2,4; Os 2,20). O cálice da ira dem uns: porque conserva o título hono­
ile Deus (Jr 25,15-29; SI 75,9 e paralelos). rífico; outros transferem o v. 24 para depois
I o Pai quem a estende para que a beba do v. 13 (com levíssimo apoio documen­
«té o fim: “a taga larga e profunda e de tal); outros traduzem o verbo do v. 24 como
grande capacidade... taga de espanto..., a mais-que-perfeito (com pouco apoio gra­
beberás, a sorverás” (Ez 23,32-34). matical). b) Que caráter e alcance tem o
18.12 “Judeus” sao as autoridades ju­ interrogatòrio? Náo parece um julgamen-
daicas antes mencionadas. to formal: nao o conduz o sumo sacerdote
18.13 Anás tinha sido sumo sacerdote em fungáo, nao se citam testemunhas, o
de 6 a 15 d.C. e conservava o título hono­ réu náo responde taxativamente mas pede
rífico e toda a influéncia pessoal e fami­ provas, e náo se pronuncia sentenga, é de
liar. No ano desses acontecimentos, era noite e ele é devolvido a Caifás. Para que?
Caifás o sumo sacerdote (18-36 d.C.). A impressáo que o breve relato deixa é de
18,14-27 O segundo episodio é o inter­ um interrogatorio policial antes do proces­
rogatorio. Traz encaixada outra cena, para so formal. E o v. 24 com a indicagáo do v.
|>roduzir um efeito de simultaneidade e de 28 “da casa de Caifás” parece insinuar que
forte contraste. Enquanto Jesús se refere a ai se realizou o julgamento matutino, de-
seu ensinamento público, Pedro nega ser pois do canto do galo. Os vv. 25-27 en-
seu discípulo, com a fórmula significativa chem narrativamente o tempo intermèdio.
e reiterada “náo o sou”. 18,14 Joáo gosta dessas identificagóes
18,14.19-24 O episodio do interrogato­ que remetem a passagens precedentes
rio nos coloca diante de dois problemas (11,49-51).
principáis, a) O papel de Anás. Tomando 18,19-21 Náo há acusagóes (palavras
os vv. 13 e 24 como inclusáo, “levaram- contra o templo, pretensoes messiánicas),
no primeiro a Anás”, este “o enviou a mas apenas perguntas sobre pontos que
( ’aifás, sumo sacerdote”. Daí se segue que podiam ser perigosos no terreno político e
JOÂO 354 IX. ”

22Quando disse isso, um dos guardas — Nao és tu também discípulo délo '
presentes deu um tapa em Jesus, di- Ele o negou:
zendo: — Nao sou.
— É assim que respondes ao sumo 26Replica-lhe um dos servos do sumo
sacerdote? sacerdote, parente daquele a quem Pe
2;,Jesus respondeu: dro cortara a orelha:
— Se falei mal, mostra-me a malda- — Nao te vi eu com ele no jardim?
de; mas, se falei bem, por que me bates? 27Novamente Pedro negou, e imedi;i
24Anás o enviou am arrado ao sumo tamente o galo cantou.
sacerdote Caifás.
25Simáo Pedro continuava aquecen- Jesus diante de Pilatos (Mt 27,ls. 11
do-se. Perguntam-lhe: 14; Me 15,1-5; Le 23,1-5) — ^Levant

no religioso, particularmente consideran­ b) Os personagens se apresentam coni


do fatos recentes. A resposta de Jesús ape­ relevo concreto, dado que representam ti
la ao caráter público do seu ensinamento: pos. Pilatos encarna o poder, de Roma c
um conspirador nao atua à luz do dia. de qualquer governo. Indeciso, oscilante
18,22 Talvez haja aqui urna reminiscén- entre o desejo de ser justo, de nao perder <>
cia de Is 50,6. cargo, de nao comprometer os interesse?,
18.15-18.25-27 Acossado pelas pergun- do Impèrio, de nao criar atrito com as au
tas de urna criada, dos presentes e de um toridades judaicas. Submetido a pressai >
servo, Pedro nega très vezes ser discípulo crescente, vai perdendo pontos e afinnl
de Jesús. Pedro parece fiel e valente se- perde a partida. Parece-se com o indeciso
guindo Jesus; mas é temeràrio por confiar Sedecias, diante do partido da resistencia,
mais em si mesmo do que no anúncio do no referente a Jeremías.
Mestre. As autoridades judaicas estáo decididas
18.15-16 O narrador nao identifica o e, perante a resistencia do Procurador, se
“outro discípulo”. Pelo paralelismo de encamigam. Apresentam argumentos re­
20,1-10, muitos tém suposto tratar-se de ligioso e político. Para ganhar a última
Joào e que por isso estava bem informa­ batalha, váo ceder posigóes importantes,
do. Se era o “discípulo predileto”, chega- graves: pedir a liberdade de um delinqüen
rá em seu seguimento até os pés da cruz te (talvez um revoltoso), reconhecer César
(19,26). Com o canto do galo se cumpre a como seu único rei (esquecendo a espe
prediçâo de Jesús (13,38) e se anuncia o ranga messiànica).
amanhecer. Jesus ocupa de maneira serena e nobre
o centro do processo. É proclamado ino­
18 , 28-19 ,16 Joao concede importan­ cente várias vezes. Julgado e condenado,
cia excepcional ao julgamento perante julga (como a palavra profètica do rei
Pilatos. Provas disso sâo a relativa exten- Joaquín em Jr 36). Rei caluniado, mal en­
sáo e o cuidado, quase cálculo, de urna tendido, escarnecido, afirma e impóe sua
composiçâo dramática. realeza transcendente. É também o profe­
a) Perfil literario. Aseqiiéncia está com­ ta da verdade perseguido (como Jeremías)
posta de sete cenas, cujo cenário vai se al­ e o Servo sofredor agoitado e escarnecido
ternando: fora, Pilatos com as autoridades e enfim condenado à morte.
e o povo; dentro, Jesús com Pilatos ou com c) Quanto à parte histórica, o autor con-
os soldados. Surgem correspondéncias em tou provavelmente com urna tradigao que
ordem inversa, entre a primeira e a últi­ conservou recordagóes históricas. Um es­
ma, a segunda e a penúltima, a terceira e a critor do último quarto do século nao po-
antepenúltima. Sobre elas discorre o pro­ deria apresentar a situagáo anterior ao ano
gresso da açâo. No centro fica a flagelaçâo 70 tao bem refletida na cena. Adaptou c
e a zombaria dos soldados. A composiçâo explorou essa tradigao com uma intengáo
é de um dramatismo intenso e concentra­ lateral apologética, a saber, para mostrar
do, os diálogos sao incisivos e transcen- ás autoridades que os cristáos nao eram
dentais, a linguagem quase poética. perigosos para o Impèrio.
355 JOÁO

eiilfto Jesus da casa de Caifás ao palácio — Náo nos é permitido matar ninguém.
iln invernador. Era de manhá. Eles nao 32(Para que se cumprisse o que Jesús
íiilniram no palácio do governador pa­ havia dito, indicando de que morte iría
ni evitar contam inar-se e poderem co­ morrer.) 33Pilatos entrou de novo no pa­
lliri ¡i Páscoa. 29Pilatos entáo saiu para lácio do governador, chamou Jesus e lhe
mule estavam e lhes perguntou: perguntou:
De que acusais este homem? — Es tu o rei dos judeus?
'"Kesponderam-lhe: 34Jesus respondeu:
Se náo fosse um malfeitor, náo o — Dizes isso por tua conta, ou fo­
lu íamos entregue a ti. rarti outros que te disseram de mim?
"I’ilatos replicou-lhes: 35Respondeu Pilatos:
-Tom ai-o o julgai-o segundo a vos- — Como se eu fosse judeu! Tua na-
«II legislado. <jáo e os sumos sacerdotes te entrega-
Os judeus lhe disseram: ram a mim. Que fizeste?

il) A intengáo teológica toma os dados mate de um processo político: no fundo,


lili Iradigáo histórica e emprega os recur­ sendo Jesús inocente, soa o mandamento
sos literários do drama para mostrar a pai- de “náo matar”; finalmente, é ele que en­
*Ao c gloria de Jesús. O tema central é a trega a vida, ninguém a tira dele (10,28).
icidcza do réu. Um título que se presta a 18,33-38a Segunda cena: Pilatos e Je­
Intcrpretagóes discordantes: esperanzas sus. Era normal no direito romano que o
messiánicas políticas do povo, atentado ao juiz interrogasse primeiro o réu. A pergunta
poder imperial de Roma, realeza transcen­ de Pilatos coloca de ¡mediato o processo
dente. O sentido auténtico do título vai se no terreno político e mostra que essa foi a
ilefinindo em palavras e gestos: declara­ acusado concreta. A pretensáo pode ser
d o (w . 36-37), investidura (19,2), entro­ alarmante para o representante do Impè­
nizado e apresentagáo (19,13-14). Alguns rio. Joáo, que pouco falou no seu evange-
ilcsses gestos pertencem á ironía dramáti­ lho (3,3.5) do “reino de Deus”, concentra
ca: os atores lhes dáo um sentido e, sem neste diálogo urna teologia da realeza de
ipie eles o reparem, o autor lhes dá um sen­ Jesus. A fórmula “rei dos judeus” difere
tido superior: coroa, manto, homenagem, substancialmente da usada na entrada em
Kentar-se no trono. Jerusalém: “rei de Israel” (12,12).
18,28-32 Primeira cena: as autoridades Jesús pergunta, como se fosse o juiz. O
judaicas e Pilatos. O “náo contaminar-se” título real tem sentido diverso segundo
tcm urna acerba ponta irónica. Váo fazer quem o pronuncia: outros, tu, eu. Pilatos
de Jesús o cordeiro da nova Páscoa (1,29; envolve no assunto também “tua n a d o ”
19,36) enquanto eles permanecem no an- (1,11). Por ora, os acusadores náo renun-
tigo, preferindo a pureza legal á justiga. ciam ao ideal messiànico (vertente religio­
Pilatos os recebe com a pergunta formal: sa), só que náo admitem que Jesús seja o
um réu é apresentado com a acusagáo cor­ Messías, e o entregam como pretendente
respondente. ao título real político.
A resposta é um desplante que coloca o A resposta de Jesús se reparte em duas in-
¡nocente na classe dos “malfeitores” (SI tervengóes. A primeira, negativa, o que náo
5,6; 6,9; 14,4 etc.) em lugar de aduzir urna é; a segunda, positiva, o que é. Náo é deste
ucusagáo concreta. Pilatos responde com mundo, portanto náo é perigo para Roma.
iirrogáncia á insoléncia. Os romanos res- Nem sequer é por direito hereditário, como
peitavam em muitas competencias a legis­ descendente de Davi (do qual Joáo náo
lado local e também o direito de julgar. fala). Sua realeza vem de mais longe e mais
Reservavam a si o direito de condenar ou alto (3,13), seu reinado se realiza por ínter-
ratificar urna condenado á morte. vendo da verdade, seus súditos sáo os que
A resposta das autoridades encerra vá- “estáo do lado da verdade”. Pilatos aceita­
ríos sentidos: o já indicado, que o narrador rá colocar-se deste lado? Quem náo está a
esclarece no paréntese (segundo 8,28), ou favor está contra: náo vale a neutralidade.
seja, querem urna morte infamante, arre- Jesús está conduzindo um julgamento de
JOÀO 356 18, \n

36Jesus respondeu: alguém pela Páscoa. Quereis que v<v.


— Meu reino nào é deste mundo. Se indulte o rei dos judeus?
meu reino fosse deste m undo, meus 40Voltaram a gritar:
servidores teriam lutado para que os — Esse nao, mas Barrabás.
judeus nào me entregassem. Pois bem, (Barrabás era um bandido.)
meu reino nào é daqui.
37Disse-lhe Pilatos: ^ n t á o Pilatos tom ou Jesús e o
— Entào tu és rei? mandou agoitar.
Respondeu Jesus: 2Os soldados entrelagaram urna co
— E o que dizes. Eu sou rei: para isso roa de espinhos e a puseram na cabega
nasci, para isso vim ao mundo, para tes- dele; revestiram-no com manto de piii
tem unhar a verdade. Quem està a fa­ pura, 3aproximavam-se dele e diziam:
vor da verdade escuta m inha voz. — Salve, rei dos judeus!
38Diz-lhe Pilatos: E lhe davam um tapa. 4Pilatos saiii
— Que é verdade? outra vez e lhes disse:
— Vede: Eu o trago aqui para qm
C o n d en a d o à m orte (M t 27,15-31; saibais que nao encontro nele culpa al
Me 15,6-20; Le 23,13-25) — Dito isso, guma.
saiu de novo onde estavam os judeus e 5Saiu entáo Jesús com a coroa de es­
lhes disse: pinhos e o manto de púrpura. Pilatos
— Nào encontro nele culpa alguma. lhes diz:
39Mas é costum e vosso que vos indulte — Aqui tendes o homem.

separagáo. Pilatos responde com urna eva­ se enquadraria melhor logo antes da
siva que implica náo-aceitagáo. crucifixáo.
18,38b-40 Terceira cena: Barrabás. Em 19,4-8 Quinta cena: Pilatos e as autori
lugar de pronunciar sentenga de absolvi- dades judaicas. A forma é a apresentagáo
gáo, Pilatos busca urna escapatoria que e aclamagáo do rei, segundo o modelo de
ponha em apuros os judeus e os faga de­ Saúl (ISm 10,24-25), Salomáo (IRs 1,38-
sistir do intento. Os judeus ficam presos 40.46-47), Jeú (2Rs 9,12-13), Joás (2Rs
no dilema; mas Pilatos dá um passo no 11,12-14). Só que aqui Jesús aparece com
declive escorregadio da injustiga: preten­ outra indumentária régia e escuta como
de indultar um inocente depois de decla­ única aclamagáo “crucifica-o”. Autores
rar que nao é culpado. Um inocente pede antigos viram na coroa urna alusáo a Ct
justiga, nao clemencia (cf. SI 7; 17). Nao 3,11. Pilatos declara pela segunda vez que
se sai bem; nao esperava que a aversáo Jesús é inocente. Na intengáo de Pilatos,
chegasse a tanto. “homem” poderia indicar desprezo ou
pena. Na mente do narrador pode ser
19,1-3 Quarta cena: Jesús e os solda­ correlativo do título “filho de Deus” (v. 7).
dos. Pilatos continua escorregando: manda Alguns pensam que alude a uma profecía
agoitar o inocente e o entrega as zomba- de Balaáo na versáo grega: “Surge o astro
rias dos soldados. Que pretende? Des- de Jaco, levanta-se um homem de Israel”
prestigiá-lo aos olhos do seu povo, ou (Nm 24,17). O grito “crucifica-o” é pro­
excitar a compaixáo. O narrador nao dis- nunciado por um grupo limitado, ao qual
simula a injustiga do procurador. Pilatos, irritado, responde com um sarcas­
A zombaria versa sobre o título de rei. mo, repetindo pela terceira vez que Jesús
A coroa é de material desprezível, com es­ é inocente.
pinhos como raios; é colocada, nao crava- A lei invocada é, na mente dos “judeus”,
da; é zombaria, nao tortura. A púrpura (vio­ a pena contra a blasfémia (Lv 24,16). Na
leta) era cor imperial. Jesús sofre em mente do narrador a frase vai mais longe:
silencio: “ofereci as costas aos que me ba- a figura de Jesús é inconciliável com a in-
tiam..., nao cobri o rosto diante dos ultra­ terpretagáo que os judeus fazem da lei:
jes e cuspidas” (Is 50,6-7). A flagelagáo para conservar essa “lei” é preciso elimi-
357 JOÂO

"Oliando os sum os sacerdotes e os n Jesus lhe respondeu:


punidas o viram, gritaram: — Nao terias poder contra mim, se o
('rucifica-o! Crucifica-o! céu nào o tivesse dado a ti. Por isso,
hiatos lhes diz: aquele que me entrega é mais culpado.
Tomai-o vos e crucificai-o, pois 12A partir dai, Pilatos procurava soltá-
»11 nao encontro culpa nele. lo, ao passo que os judeus gritavam:
'<)s judeus lhe replicaram: — Se o soltas, nao és amigo de César.
Nós temos urna lei, e segundo essa Quem se faz rei vai contra César*.
|t*l d e deve morrer, porque se fez filho 13A o ouvir isso, Pilatos levou Jesús
ilr Deus. para fora e o sentou no tribunal, no lu­
"Ouando Pilatos ouviu essas palavras, gar chamado Pavimento (em hebraico
fin ni muito assustado. 9Entrou no pa- Gábata.) 14Era véspera da Páscoa, ao
Irti io do governador e disse de novo a meio-dia. Diz aos judeus:
Icsus: — A i está o vosso rei.
— De onde és? 15Eles gritaram:
Jesus nào lhe deu resposta. 10Diz-lhe — Fora! Fora! Crucifica-o!
hiatos: Diz-lhes Pilatos:
— Nao me falas? Nao sabes que te- — Crucificarei vosso rei?
nlio poder para te soltar e poder para te Responderam os sumos sacerdotes:
crucificar? — Nao temos outro rei além de César.

liar Jesús: “gloria-se de ter Deus por pai” fes judeus, que o entregaram ao poder ci­
(cf. Sb 2,13.16.18). O fato de alegar a lei vil de Roma.
Indica que os judeus tomam o título de fi- 19.12-16 Sétima cena: Pilatos entrega
llio de Deus em sentido forte. Para o pa­ Jesús. Acossado pelos judeus e pela sua
bilo Pilatos, soava como um ser divino inseguranga interna diante de Jesús, Pilatos
dolado de poderes extraordinários. Por isso tenta libertar ou libertar-se desse réu táo
*c assusta: teme entrar num terreno para difícil. Nesse momento os judeus atacam
ele vedado e muito perigoso. pessoalmente o procurador com a ameaga
19,9-11 Sexta cena: Jesús e Pilatos. ou a chantagem. Seja ou náo título honorí­
<Yimplemento da segunda. A primeira per­ fico “amigo de César”, Pilatos está colo­
fuma de Pilatos é ambigua: de que regiáo cando em jogo o cargo, ou por interferir
geográfica (Jo 1,8), ou de alguma esfera ñas leis locáis, reconhecidas por Roma, ou
sobre-humana. Seria táo difícil e improdu- por tolerar um individuo politicamente
livo explicar-lhe, que Jesús se cala. Pilatos muito perigoso. Neste ponto o narrador
insiste, irritado, mas em sua pergunta retó­ deixa reconhecer o tom de sua voz, acu­
rica se condena: se tem poder para absol­ mulando alusóes teológicas.
ver e já o declarou inocente très vezes, tem 19,12 *Ou: o imperador.
poder material, náo ético, de condená-lo à 19.13-14 Pilatos “senta-se” para pronun­
cruz; náo só tem poder, mas também obri- ciar a sentenga ou “senta” Jesús: a ambi-
gagáo, de soltá-lo. O narrador náo dissi­ güidade do verbo pode ser intencional. Sen-
mula nem atenúa a culpa do procurador. ta-o ou entroniza-o (significado freqüente
O poder que Pilatos possui é recebido do verbo ysb) para apresentá-lo como “vos­
de Deus, e por isso ele é responsável pe- so rei” (compare-se com a fórmula de apre-
rante Deus: “O poder vos vem do Se- sentagáo de Saúl (ISm 12,13). O lugar é o
nhor.. ele indagará vossas obras e explo­ Lajeado (lithostroton), palavra raríssima
rará vossas intençôes” (Sb 6,1-10; 2Cr que se lé duas vezes na versáo grega do
19,6-7). Quanto a Jesús, julgado julga e AT: Ct 3,10 a liteira do noivo; 2Cr 7,3 o
declara as culpas respectivas dos partici­ pavimento onde se adora a gloria de Deus.
pantes no processo. Conhecemos por Há urna alusáo? A hora é meio-dia, hora
Jeremías e Ezequiel o juízo comparativo em que se imola o cordeiro pascal.
(Jr 3,11; Ez 16,46-48; 23,11). Por múlti­ 19,15 Culmina a rejeigáo de Jesús e com
plas razóes, é mais grave a culpa dos che- ele a da alianga. Isto pelas palavras que o
JOÁO 358 19, If.

16Entáo o entregou para que fosse go. 21Os sum os sacerdotes diziam ,1
crucificado. Pilatos:
— N ao escrevas Rei dos Judeus, i<
C rucifix áo (M t 27,32-44; Me 15,21- sim: Ele disse: sou Rei dos Judeus.
32; Le 23,26-43) — E o levaram. 17Je- 22Respondeu Pilatos:
sus saiu carregando ele próprio a cruz — O escrito escrito está.
para um lugar cham ado Caveira (em 23Quando crucificaran! Jesús, os sol
hebraico Gólgota). 18A í o crucificaran! dados pegaram sua roupa e a dividí rain
com outros dois, um de cada lado, e em quatro partes, uma para cada sohla
Jesús no meio. 19Pilatos mandara escre- do; exceto a túnica. Era uma túnica seiii
ver um letreiro e cravá-lo na cruz. O costuras, tecida de cima a baixo, de urna
escrito dizia: Jesús, o Nazareno, Rei dos pega só. 24Entáo disseram:
Judeus. — Nao a rasguemos. Vamos sortea
20Muitos judeus leram o letreiro, por­ la, para ver com quem ficará.
que o lugar onde Jesús fora crucificado (Assim se cumpriu o escrito: Repar
ficava perto da cidade. Além disso, es- tiram minhas vestes e sortearam minlm
tava escrito em hebraico, latim e gre- túnica.) Foi o que fizeram os soldados

narrador p5e, como arremate, na boca dos 19,17-18 Primeira cena. Jesús carrega .1
judeus. Rei de Israel tinha que ser o Senhor cruz: Joáo náo introduz Simáo de Cireni
(ISm 8,7; SI 93; 95; 96-99); o rei davídico como tampouco menciona em seu evan
tinha que ser seu representante; para o fu­ gelho o principio de carregar a cruz para
turo se esperava o Messias ou Rei ungido. seguir Jesús (Mt 10,38 par); “carregou
Agora reconhecem como único rei o impe­ nossas dores” (Is 53,4). Saiu: da cidadi-
rador de Roma. A ironía é trágica: Pilatos Nos arredores se executavam as sentenças
exposto a perder a amizade de César, eles capítais (Nm 15,35; At 7,58; cf. Hb 13,13).
leáis a César (em contraste com Is 26,13). Última e definitiva saída, abandonando-a
19,16 A “entrega” equivale á sentencia. Voltará a ela ressuscitado, para dar-lhe uma
O procurador romano a pronuncia; o deli­ funçâo nova. Náo sabemos se o topónimo
to imputado equivale a rebeliáo contra Caveira tinha alcance simbólico, como pre-
Roma, e o modo de execuqáo é romano. sença da morte; o termo se lé na cena
19,17-42 Podemos intitulá-lo crucifixáo macabra de Jezabel morta (2Rs 9,35), mas
e morte. De novo o narrador o constrói em náo se percebe nenhuma conexáo. Os “ou­
sete cenas com algumas corespondéncias tros dois” aludem talvez a SI 22,17 (salmo
cruzadas. A primeira e sétima sáo pó-lo na favorito dos relatos da paixáo).
cruz e tirá-lo déla; na segunda e na sexta 19,19-22 Segunda cena. Era normal es
Pilatos trata com as autoridades judaicas. A crever em cima do condenado o título ou
terceira e a quinta relacionam Jesús com os delito pelo qual era executado. Pilatos Ihe
soldados. Na quarta (central) está o trián­ dá um alcance internacional: na língua do
gulo Jesús, sua máe e o discípulo predileto. lugar e ñas duas línguas francas do Impe­
Cada cena concentra-se no essencial: rio (daí uma tradiçâo tirou a idéia de cha-
sem descricóes patéticas, sobrepondo com má-las de très línguas sagradas).
poucos tragos realistas uma constelado de Na dinámica do relato, o choque dos sa­
símbolos. Jesús na cruz é o rei que come- cerdotes com Pilatos é significativo. Rejei
5 a a distribuir dons: sua túnica e vestes, taram Jesús como rei (Messias), procla­
um filho para uma máe e uma máe para maran! César rei único; agora o Procurador
um filho, seu alentó ou vida ou espirito, executa aquele que ele mesmo proclama
seu sangue e água. A Escritura está pre­ rei, ou proclama rei um condenado. Ambas
sente em citacjóes, alusóes e no paño de sáo coisas ofensivas para a sensibilidade
fundo simbólico. O cumprimento da Es­ judaica. Pilatos, que representa César,
critura tem valor apologético, frente aos mantém a proclamaçâo.
judeus, e teológico, para os fiéis. Os sím­ 19,23-24 Terceira cena. Que aos execu
bolos seráo vistos em cada cena. tores caiba a posse das vestes do executado
359 JOÁO

'\lunto á cruz de Jesús estavam sua a prenderam num hissopo e a aproxi-


WIU\ a irmá de sua máe, María de Cléo- m aram da sua boca. 30Jesus tomou o
Iiih o María Madalena. 26Jesus, vendo a vinagre e disse:
liifU’ e ao lado o discípulo predileto, diz — Está acabado.
li n i.ic : Inclinou a cabeça e entregou o espirito.
Mulher, ai está o teu filho. 3IEra a véspera do sábado, o mais so-
'''Depois diz ao discípulo: lene de todos; os judeus, para que os
- Ai está a tua máe. cadáveres nao ficassem na cruz no sá­
Desde esse momento o discípulo a bado, pediram a Pilatos que lhes quebras-
Irvou para sua casa. sem as pemas e os descessem. 3~Os sol­
dados foram e quebraram as pemas aos
Morte de Jesús (Mt 27,45-46; Me 15,33- dois crucificados com ele.33Ao chegar a
'II; Le 23,44-49) — -^Depois, Jesús, sa­ Jesús, vendo que estava morto, nao lhe
liendo que tudo estava terminado, para quebraram as pemas; 34mas um soldado
que se cum prisse a E scritura diz: lhe abriu o lado com um golpe de lança.
— Tenho sede. Im ediatam ente jorrou sangue e água.
¿,'Havia ai um jarro cheio de vinagre. 35Aquele que viu dá testemunho, e seu
Umpaparam urna esponja em vinagre, testemunho é fidedigno. Sabe que diz a

rni normal. A citagáo (SI 22,18) desdobra a (SI 22,18 e 69,21), e répété très vezes que
uperagáo em veste e túnica. Sem o saber se cumpriu. A morte de Jesús encaixa-se
- sugere o narrador — os soldados estáo assim perfeitamente na Escritura e é crí-
cumprindo urna previsáo. Que seja tecida e vel. O Filho cumpriu o encargo designado
»Kmcostura pode ser urna descriólo realis­ pelo Pai. Pela sede, esta cena se liga com
ta, Tem além disso sentido simbólico? Na a da samaritana. Aquele que pede de be­
Iradigáo, alguns pensaram que fosse a tú­ ber, logo depois dará água. Além disso, o
nica sacerdotal; outros, que representa a cumprimento da última Escritura penden­
unidade da Igreja. Quanto as suas vestes te é o cumprimento de tudo. Jesús o sabe
(no plural em grego), alguém pensa no cis­ (como em 13,1, fechando um ciclo), o provo­
ma de Israel simbolizado no manto rasga­ ca. O último cumprimento da sua obra é
do do profeta (IRs 11,30-31), e no valor morrer (3,16). Sua morte é dom: entrega
de totalidade cósmica do número quatro. O seu último alentó, com ele sua vida, com
manto é símbolo de heranga na transmis- ela o Espirito. Seu último grito é de triunfo.
Nfio de poderes de Elias a Eliseu (2Rs 2). 19,31-37 Sexta cena. Quebrar as pernas
19,25-27 Quarta cena. As “tres Marías” tinha por finalidade acelerar a morte, isto
com o “discípulo” representam a faixa de é, abreviar a tortura: faltando o apoio, so-
Israel fiel a Jesús até o suplicio. Entre elas, brevinha a asfixia. Mas, para que o golpe
Ncleciona a máe. Em termos sociais, o filho de lança? Para certificar-se da morte, pen-
tínico, antes de morrer, assegura um destino sam alguns. Pois, segundo Dt 21,23 o cor-
ii máe (viúva?); recomenda-a a um amigo po do sentenciado nao devia ficar pendu-
leal. O relato aponta além. Jesús lhe dá o rado durante a noite (cf. G1 3,13). As seis
tratamento de 2,4: “mulher”: chegou a hora da tarde começava o sábado, nesse ano o
entáo anunciada. A máe do rei recebe como primeiro dia da Páscoa.
nova familia, como irmáo de Jesús, o discí­ O brotar sangue e água, embora clínica­
pulo ideal. Este poderá suscitar fílhos ao ir- mente possível, é considerado de suma im-
máo mais velho morto (Dt 25,5-10). María portáncia pelo narrador, quando insiste no
|iode encarnar a nova Eva que “adquiriu um que afirma urna testemunha ocular fide­
liomem com a ajuda de Deus” (Gn 4,1). Pa­ digna (provavelmente o discípulo predi­
ra a tradigáo antiga, é figura da Igreja máe. leto). A testemunha viu o fato e penetrou
19,28-30 Quinta cena. Que dessem á em seu sentido. E o atesta para provocar
vítima água com vinagre, como bebida ou corroborar a fé (lJo 5,6-8). Que signi­
refrescante, é um trago realista. O narrador fica o fato? A morte é certa. Da morte bro­
ve nisto o cumprimento de urna profecía ta a vida e cumpriu-se a Escritura. No evan-
JOÀO 360 l'i i,.

verdade, para que creíais. 36Isso aconte- cificado havia um jardim e nele um u>
ceu para que se cumprisse a Escritura: pulcro novo, no qual ninguém li.ivJ
N ao Ihe quebrareis nenhum osso; 37e sido sepultado. 42Como fosse v e - h
outra Escritura diz: Contemplaráo aque- da festa judaica e como o sepulcro r-.ii i
le que transpassaram. vesse próximo, ai colocaram Jesús j

Enterro de Je sú s (M t 27,57-61; Me Ressurreigáo de Jesús (Mi 1


15,42-47; Le 23,50-56) — 38D epois 1-10; Me 16,1-8; Le 24,1-12)
disso, José de A rim atéia, que era discí­ 'No primeiro dia da semana, muito o -1
pulo clandestino de Jesús por medo dos aínda as escuras, Maria M adalena vai ,u|
judeus, pediu permissáo a Pilatos para sepulcro e observa que a pedra foi un
levar o cadáver de Jesús. Pilatos o con- rada do sepulcro. 2Chega correndo <>n<l>|
cedeu. Ele foi e levou o cadáver. 39Foi estavam Simáo Pedro e o outro disi lì
também Nicodemos, aquele que o visi­ pulo, o predíleto de Jesus, e Ihes di.
tara certa ocasiáo á noite, levando cem — Tiraram do sepulcro o Senhoi -
libras de urna mistura de mirra e aloés. nao sabemos onde o puseram.
40Pegaram o cadáver de Jesús e o en- 3Saiu Pedro com o outro discípulo .
volveram em panos de linho com os se dirigiram ao sepulcro. 4Os dois con
perfumes, com o é costume enterrar en­ riam juntos; mas o outro discípulo coi
tre os judeus. 41No lugar onde fora cru­ ria mais que Pedro, e chegou primeiio

gelho, a água parece responder á profecía manifestam e expressam sua devocáo: peí
de 7,38-39; o sangue, sede da vida (Lv sonagens que representam outros como li
17,11; Dt 12,23, pode indicar o cumpri- pos e se apresentam como modelos.
mento do dar a vida (10,11.15.17-18). A Os aromase os lengóis de linho nao era m
tradigáo descobriu outros simbolismos: os de uso corrente para enterrar os mortos (ver
sacramentos do batísmo e eucaristía, a o caso do reí Asa em 2Cr 16,14); tém algo
Igreja que nasce do lado do novo Adáo; o de festivo (SI 45,9; Pr 7,17; Ct 4,14). Ou
peíto aberto como novo tabernáculo da sao homenagem postuma, tentativa deses
presenta de Deus e do acesso do homem. perada de reprimir o mau cheiro da coi
A primeira citagáo procede de Ex 12,46 rupgáo. Nos funerais dos reís “se queima
ou Nm 9,12 (embora se pareja também vam perfumes” (Jr 34,5), nao serviam para
com SI 34,21), e serve para mostrar que ungir o cadáver. Com os lengóis “atam” ou
Jesús é o cordeiro da nova Páscoa. A se­ envolvem, amarrando totalmente o corpo.
gunda procede de Zc 12,10 e diz que o cru­ Também é homenagem excepcional que o
cificado será o centro dos olhares para a sepulcro seja novo. Localizado num jardim:
conversáo: “derramarei um espirito de afli- cova e campo para a sepultura de Sara (Gn
qüo e de pedir perdáo. Ao olhar-me trans- 23), sepulcro no jardim real (2Rs 21,18.26).
passado por eles próprios faráo luto como O detalhe do jardim serve para localizar o
por um filho único”. episodio seguinte. O trabalho fica termi
19,38-42 Sétima cena: enterro de Jesús. nado antes que comece o solene descanso
O cadáver de Jesús nao é langado á vala sabático. Jesús já descansa em paz.
comum dos sentenciados (Is 53,9) nem
abandonado ao mau tempo e as feras (ISm 20-21 Ressurreigáo. O momento e
17,44), mas recebe honrosa sepultura. Com­ modo da ressurreigáo nao se descreve: e
petía ao procurador dar licenga para retirar objeto da fé e transcende a percepgáo hu
o corpo de um sentenciado. O enterro ex­ mana sensível. O Ressuscitado, sim, mani-
cede as honras fúnebres normáis pela quan- festa-se corporal e gradualmente. Primeiro
tidade e qualidade dos aromas, pela quali- com sinais de ausencia: sepulcro vazio, len
dade dos tecidos, pelo sepulcro novo. Pelas qóis e sudário abandonados, mensagem por
máos de José e Nicodemos, a Igreja come­ terceiros (vai se aproximando). Depois, em
ta a honrar a morte de Jesús. O discípulo figura e voz irreconhecíveis. Depois com
clandestino e o visitante noturno agora se sua voz e figura de sempre, e as marcas re-
361 JOAO

- I'nli mi Inclinando-se, vé os len- pulcro; viu e creu. 9Até entáo nao ha-
. ni ii<> i lian, mas nao entrou. 6Chega viam entendido o escrito, que deveria
>m >'.miau Pedro atrás dele, e entrou ressuscitar da morte. l0Os discípulos
.... i'iiliTo. Observa os panos no chao, voltaram para casa.
...... lacio que lhe envolverá a cabe-
1 n.n i no chao com os panos, mas en- A parece a M a ría M adalena (Me 16,9-
l i.l.i .i parte. 8Entáo entrou o outro 11) — n M aria estava fora, chorando
i. .. ijiuln que chegara primeiro ao se­ diante do sepulcro. Chorando, inclinou-

ul. i. da paixao. E essencial identificar o mandamentos quando me dilatares o co-


IgHin vivo com o anterior do ministério, ragáo”, SI 119,32) e é o primeiro a crer.
. ...... |iielc que padeceu a morte na cruz. O sepulcro, os lengóis e o sudario sao si-
I.imbem há progresso na fé. Primeiro nais da morte que Jesús deixou para tras.
ií h discípulo predileto (ideal), depois Na ausencia, Joáo descobre urna realidade.
Mililn pela visáo, pelo ouvido e pelo tato, O sepulcro vazio é sinal, nao prova, pois
f i '.ri’iiir o grupo todo, finalmente o atra- pode significar outras coisas: remogao,
¡ililn c teimoso. As manifestaçôes sao trasladado; os lengóis separados sao si-
» mnpanhadas de dons e encargos. O pri- nais mais fortes.
.II. ii. i para Maria: sera mulher evangelista A Escritura poderia abrir os olhos, se fos-
lu icssurreiçâo. A seus discípulos, o dom se entendida. A que texto se refere? Prova-
|(i Mía paz, do seu Espirito e da missâo. A velmente a varios, numa linha de pensamen-
11Hue a bem-aventurança da fé. to ou esperanza: Is 53,11 “verá a luz”; SI
16,9-11; 30; 49,16; 73,23-26; Is 26,19; Ez 37.
20.1 O primeiro dia da semana é o pri- 20,11-18 Os dois discípulos voltaram
mi'iro dia da nova criaçâo: os cristáos o para casa deixando o cenário livre para
li ilicaráo ao Senhor (Dominus) glorifica- Maria. Como no caso da samaritana, será
iIh, e por isso o chamaráo “dies dominical um encontro a sós. O breve relato tem um
himinicus” (= domingo). Maria de Mag- encanto particular, apesar de algumas in-
iliilii é urna das très que estiveram junto à coeréncias: os anjos nao respondem com
. ni/. Esperou todo o sábado e a noite do urna mensagem, Maria “se volta” duas
■luí seguinte, mas se levanta impaciente de vezes para Jesús. Sao detalhes funcionáis:
madrugada: “por ti madrugo”; “antecipo- nao faz falta a mensagem quando o en­
me à aurora” (SI 63,2; 119,147-148); ain- contró é iminente; volta-se dando as costas
ila encerrada no seu mundo “obscuro”; da ao túmulo, volta-se ao reconhecer Jesús.
11 a/, ao sepulcro. O v. diz a metade do que Provavelmente o relato segue com liber-
Maria viu, ou melhor, nao diz o que nao dade o esquema de busca e encontro da
viu: o cadáver de Jesús. esposa do Cántico dos Cánticos (Ct 3,1-4
20.2 O v. seguinte o completa: é a pri- e 5,2-8). Impaciencia do amor, levantar­
meira mensageira do sepulcro vazio. Cu­ se, busca va, diálogo com os guardas (an­
itosamente usa o plural: “nao sabemos”. jos), encontro, abrago, soltá-lo, a casa da
Alguns comentaristas suspeitam que numa máe (do Pai). Se é assim, é preciso acres-
versáo precedente Maria ia acompanhada centar o lugar e o tempo: um horto ou jar-
île outras mulheres. Reduzir os destinatá- dim, o primeiro dia. Comego da nova era,
lios a dois tem funçâo narrativa. da nova humanidade. Maria, a “mulher”
20,3-10 De fato, os dois agem imedia- junto á cruz, representaría a nova Eva no
lamente. Duas devem ser as testemunhas seu aspecto maternal (Gn 3,20); Maria jun­
segundo a lei (Dt 19,15). Com o realismo to ao sepulcro a representa em seu aspec­
de urna corrida, quase competiçâo, o au­ to conjugal (Gn 3,23-24).
tor quer dizer algo mais. Pedro é o chefe O esquema e várias palavras repetem a
indiscutido em todo momento; mas o ou- cena do primeiro encontro dos discípulos
Iro discípulo é o predileto. Esteve à direi- com Jesús (1,38-39).
ta de Jesús na ceia, ao pé da cruz na mor­ 20,11 É Maria de Magdala, a de antes;
te. Impulsionado pelo amor, corre mais uma tradigáo oriental a confundiu com a
depressa (“correrei pelo caminho de teus máe de Jesús.
362 20,12
JOÀO
se p a ra o s e p u lc r o 12e v è « d o is a n jo s v e s ­ 17Diz-lhe Jesus:
tid o s d e b r a n c o , s e n ta d c ^ s : u m à c a b e - — Solta-me, pois ainda nào subi ao
c e ira e o u tro a o s p é s d e cPnde e s tiv e rà o Pai. Vai dizer aos meus irmàos: Subo
c a d á v e r d e J e s u s . 13D i z ^ m _lh e :
ao meu Pai e vosso Pai, ao meu Deus e
— M u lh e r, p o r q u e c t noras? vosso Deus.
18Chega Maria Madalena anuncian­
R esp o n d e:
— P o rq u e le v a r a m m £ ? u se n h o r, e n à o do aos discípulos:
— Vi o Senhor e eie me disse isto.
sei o n d e o p u s e r a m .
!4D ito is s o , d e u m e ia -*^olta e v è J e s u s
d e p é; m a s n a o r e c o n h e c e u q u e e ra J e ­ A pari$áo aos d is c íp u lo s — 19Ao
entardecer desse dia, o primeiro da se­
su s. l5D iz -lh e J e s u s :
— M u lh e r, p o r q u e c h o r a s ? A q u e m mana, os discípulos estavam com as por­
tas bem fechadas, por medo dos judeus.
p ro c u ra s ?
E ia , to m a n d o -o p e l o ja r d in e ir o , lh e Jesus chegou, pòs-se no meio e lhes
diz:
diz:
— S e n h o r, s e tu o l a v a s t e , d iz e -m e — A paz esteja convosco!
o n d e o p u s e s te e ire i bw*s c à -lo . 20Ditoisso, mostrou-lhes as màos e o
16D iz -Ih e J e s u s :
lado. Os discípulos se alegraram ao ver
o Senhor. 21Jesus repetiu:
— M a ria !
E ia se v o lta e lh e d iz i (e m h e b ra ic o ): — A paz esteja convosco! Como o
— R a b b u n i (q u e s i g n i f i c a m e s tre ). Pai me enviou, eu vos envió.

20.12 Sào duas te ste < rnunh a s celestes, Pai. A mensagem combina diferenga com
como mostram suas v e s t e s. Guardarti o semelhanga: em virtude da minha glorifi-
lugar, nao o corpo; ou entao, “sentados” cagào, meu Pai é agora vosso Pai (1,12),
tomam posse do lugar d& morte como en­ meu Deus é vosso Deus (compare-se com
a fórmula de MI 2,10). Amensagem pascal
viados celestes.
20.13 O título “meu ^enhor” soa ainda é mensagem de fraternidade com Jesus.
em sentido corrente (p. ex- assim chama 20,18 Maria è a primeira evangelista da
Abigail a Davi, ISm 2-5). Supoe que os ressurreigào. O título Senhor agora nào è
mensageiros celestes e s t á o a par da sitúa- ambiguo, é o título que a fé dà ao Ressus-
gao; censura-os por nao ° terem guardado? citado.
20.14 É frequente naS aparigoes que Je­ 20.19-23 É ainda o dia da nova Páscoa, e
sus assuma urna figura desconhecida. Per- também os discípulos temem ser persegui­
tence a urna condigao corpórea nova, a par­ dos por causa da sua relagào com o senten­
tir da qual pode esconder'se e manifestar-se. ciado. As portas trancadas sào também tes-
20.15 Jesus a chama em primeiro lugar temunho da nova condigáo corporal de
“mulher”. Eia diz “senilor”. e o título ago­ Jesus. O medo será vencido com a saudagáo
ra é ambiguo. da paz pascal; a dúvida e o desánimo, com
20.16 Jesús fala no timbre costumeiro a identificagäo corporal. Jesus atravessa as
de sua voz e a chama Pe¡o nome (10,3. barreiras externas e internas do homem.
14.27; cf. Is 43,1). Eia o reconhece (cf. Ct Na cena podem-se reconhecer tragos de
2,8; 5,2). É o mesmo d e antes e é novo, e uma celebragäo eucaristica: dia do Senhor,
nào precisa de aromas. presenga de Jesus na comunidade, recon-
20.17 O verbo no irfperativo presente ciliagào pelo perdào, recordagào da pai-
supoe que eia o abraca e de alguma forma xào, dom do Espirito.
o segura: “vou a g a r r á - l° e náo o soltarei” 20.19-20 A saudagáo com a paz nào é
(Ct 3,4). Embora Jesús já tenha sido glori­ convencional, mas cumprimento de uma
ficado e possa dar o ¡¿spirito, ainda lhe promessa (14,27-28; cf. Is 52,7; 60,17;
restam tarefas antes dc encerrar o ciclo. 66,12). Também a alegria è cumprimento
Permanece ainda um modo de presenta (16,21-22; cf. Is 51,3.11; SI 35,9).
particular, intermèdio, corn respeito a essa 20,21 Amissào é ato soberano de Jesus,
presenta e atividade: 3 inda nào subiu ao para prolongar sua pròpria missào. Tem
20,30 363 JOAO

22Dito isso, soprou sobre eles e dis- 26Oito días depois estavam de novo
se-lhes: dentro os discípulos, e Tomé com eles.
— R ecebei o E sp irito Santo. 23A Jesús veio a portas fechadas, colocou-
quem perdoardes os pecados, ficaráo se no meio e disse-lhes:
perdoados; a quem os m antiverdes, fi­ — A paz esteja con vosco!
caráo mantidos. 27Depois, diz a Tomé:
24Tomé (que significa Gémeo), um — Póe aqui o dedo e vé minhas máos.
dos doze, nao estava com eles quando Estende a máo e coloca no meu lado, e
veio Jesús. 25Os outros discípulos lhe náo sejas incrédulo, mas eré.
diziam: 28Tomé lhe respondeu:
— Vimos o Senhor. — Meu Senhor e meu Deus.
Ele replicou: 29Diz-lhe Jesús:
— Se eu nao vir em suas máos a mar­ — Porque me viste creste. Felizes os
ca dos cravos e nao colocar o dedo no que creráo sem ter visto.
lugar; se nao puser a máo em seu lado, 30M uitos outros sinais Jesús fez na
nao crerei. presenta de seus discípulos e que náo

como origem e modelo a missáo de Jesús 20.24 Os companheiros lhe dizem o mes-
pelo Pai, e como instrumento e garantía o mo que Maria dissera, “vimos o Senhor”:
dom do Espirito. título que a fé enuncia. Compare-se com
20.22 O gesto de soprar recorda a criado “encontramos o Messias” (1,41.45).
dohomem (Gn2,7; Sb 15,ll)earessurreí- 20.25 Tomé quer identificar Jesús pelas
gáo dos mortos (Ez 37). E como a criado marcas corporais da crucifixáo (os outros
do homem novo, dotado do alentó do Es­ as teriam mencionado).
pirito, em virtude da ressurreígáo de Jesús. 20,26-27 Jesus se apresenta no meio de
20.23 O poder de perdoar ou imputar pe­ todos, exatamente como no domingo an­
cados soa como variante de Mt 18,18 (e Mt terior. Nao vai dedicar a Tomé urna apari-
16,19). Aexpressáo polar (os dois extremos) d o a sos: no meio da comunidade poderá
pode significar totalidade (cf. Is 22,22 o ver Jesus e professar a fé. Como que desa­
poder simbolizado pelo controle da porta); fiando, Jesús aceita submeter-se à prova
os verbos estáo na voz passiva teológica, exigida, mas exige fé. Tomé se contenta
“ficam perdoados (por Deus)”. E um po­ com ver, como os outros.
der que discerne e julga, que reconcilia ou 20.28 A profissào de fé em Tomé é ple­
excluí: que se dá em primeiro lugar aos dis­ na. “Meu Senhor” ( ’adonay) substituí em
cípulos, e que eles exerceráo de formas diver­ tempos posteriores o nome nao pronuncia­
sas (aqui entra a interpretado e explicado do de Yhwh; “meu/nosso Deus” é título clàs­
posteriores): admitindo ou nao ao batismo, sico da alianza. Lemos os dois unidos no SI
na penitencia também sacramental (embo- 35,23: “Desperta, levanta-te em minha de-
ra imputar ou reter pecados nao seja ato fesa, meu Deus e meu Senhor, em minha
sacramental, mas sim exercício de poder). causa” (atengao aos verbos; cf. Am 5,16).
20,24-29 O episodio gravita rumo á pro- E como urna resposta final as declara­
fissáo de fé feita por Tomé (11,16) e a de­ r e s “Eu sou” do evangelho.
c larad o final de Jesús. Do grupo dos 20.29 Sao as últimas palavras de Jesús
“doze” (denominadlo técnica) se desliga na versáo original do evangelho. Dirige o
Tomé para representar um papel importan­ olhar ao futuro (como em 17,20). Os dis­
te. É o incrédulo que pede provas palpá- cípulos tém tido urna fu n d o especial: ser
veis, que eré nos milagres indubitáveis; que testemunhas oculares para dar testemunho
irónicamente, pela sua teimosia, acaba sen­ dele. Os futuros teráo de aceitar esse tes­
do testemunha excepcional. Serve de aviso temunho e crer. Para eles há uma bem-
para todos os que no futuro teráo de crer aventuranga especial (IPd 1,8).
por sua palavra, pela m ediado do testemu- 20,30-31 O epílogo descreve o livro
nho apostólico dos que “viram”, quer di- como antologia ou se le d o e declara sua
zer, conviveram com Jesús. finalidade. O evangelho referiu sete sinais
JOÂO 364 20,31
constam neste livro. 31Estes ficam es­ — Vamos contigo.
critos para que creíais que Jesús é o Saíram, pois,esubiram à barca; mas
M essias, o Filho de Deus, e para que nessa noite nada pescaram. 4Já de ma-
crendo tenhais vida por meio dele. nhá estava Jesús na praia; mas os discí­
pulos nao reconheceram que era Jesús.
A parigáo ju n to ao la g o — ‘De- Diz-lhes Jesús:
pois, apareceu novam ente aos — Jovens, tendes algo para comer?
discípulos junto ao lago de Tiberíades. Responderam:
A pareceu assim: 2Estavam juntos Si- — Nao.
m ao Pedro, Tomé (chamado o Gémeo), 6Disse-lhes:
N atanael de Caná da Galiléia, os Zebe- — Lançai a rede à direita da barca e
deus e outros dois discípulos. 3Diz-lhes encontrareis.
Simáo Pedro: Lançaram-na e nao podiam arrastá-
— Vou pescar. la por causa da multidáo de peixes. 70
Respondem-lhe: discípulo predileto de Jesús diz a Pedro:

milagrosos, em várias ocasióes falou de pesca e pastoreio, o relato está repleto de


“sinais” no plural (ver 11,47; 12,18) fei- detalhes de alcance simbólico: a noite e a
tos diante dos discípulos como testemu- manhá, a rede que nao se rompe, nudez e
nhas. A finalidade do escrito é suscitar a veste de Pedro, navegagáo e margem. O re­
fé (nao satisfazer a curiosidade). lato se articula emduas cenas: pesca e refei-
Na forma absoluta, com dativo ou acu­ gáo em comum (w. 1-14), diálogo com Pedro
sativo, com partículas, o verbo “crer” se e destino do discípulo predileto (w. 15-23).
repete sem cessar no evangelho, sendo Os dois w . fináis sao um segundo colofáo
urna das palavras dominantes. Pela fé se 21.2 Náo sabemos se o número de sete
alcanga a vida auténtica e perdurável que discípulos encerra aqui algum sentido es­
Jesús outorga. Também “vida” é palavra- pecial. Talvez se deva simplesmente a ou-
chave do evangelho. tra tradigáo recolhida.
21.3 Durante a noite, tempo favorável para
21,1 Este capítulo é adigáo evidente: pesca, náo pegam nada. É a noite das tre-
provavelmente acrescentado por um mem- vas, na qual sentiráo a auséncia de Jesús,
bro da escola de Joáo, e muito cedo, pois apesar de estar perto. Tém de experimentar
consta em todos os manuscritos.^ Nao o fracasso: sem Jesús nada podem (15,5).
obstante, é canónico como o resto. E pos- 21.4 A manhá é o tempo da graga: “Sacia-
sível que tenha recolhido um relato prece­ nos pela manhá com tua misericordia” (SI
dente da vocagáo de apóstolos (cf. Le 5,1- 90,14). E o mesmo recurso de outras mani-
11) e o tenha transformado á luz da Páscoa. festagóes: a liberdade do Ressuscitado para
Como se a ressurreigáo selasse definitiva­ assumir diversas figuras, o olhar empírico
mente a vocagáo e a missáo. Ao fato da sem a penetragáo da fé, os sinais para iden­
aparigáo se sobrepóe o interesse teológico tificar o personagem.
por temas eclesiais: apostolado como pes­ 21.5 Algo de comer: a saber, para acompa
ca, agáo pastoral de Pedro, fecundidade do nhar o páo; no contexto, peixe. Pede queni
trabalho apostólico, Senhor como título, vem para dar, como pediu á samaritana.
eucaristía. Pelos nomes dos apóstolos men­ 21.6 Como símbolo da fecundidade do
cionados, forma inclusáo com o comego apostolado, quando se cumpre a palavra de
(1,35-51), também pela localizagáo na Ga­ Jesús. E como sinal milagroso, que inter­
liléia, que coincide com outras tradigóes. preta correta e rápidamente o discípulo pre­
Pelo pao e pelos peixes se prende a 6,1-14. dileto. Á direita é o lugar dos eleitos, das
A aparigáo acontece ao ar livre, no con­ béngáos (Dt 27,11-13; Js 8,33-35; Mt 25).
texto das tarefas cotidianas (como a vida 21.7 Aexpressáo náo é clara. Parece indi
da Igreja). A relagáo entre Pedro e o discí­ car que náo trajava senáo urna roupa de traba
pulo predileto é a mesma dos capítulos pre­ lho e que a cinge para que náo lhe estorve os
cedentes. Além das imagens já usadas de movimentos. Langar-se á água pode expres
21,17 365 JOÁO

— É o Senhor. era o Senhor. 13Jesus se aproxima, toma


Quando Pedro ouviu que era o Senhor, o pao e o reparte, e faz o mesmo com o
vestiu a roupa de baixo, pois nâo levava peixe. 14Essa foi a terceira aparicao de
outra coisa, e se atirou à água. 8Os ou- Jesús, já ressuscitado, a seus discípulos.
tros discípulos se aproximaram no bote, 15Quando terminaram de comer, Je­
urrastando a rede com os peixes, pois nâo sús diz a Simáo Pedro:
estavam longe da margem, apenas uns — Simáo de Joáo, tu me amas mais
duzentos cóvados. 9Quando saltaram em que estes?
Ierra, véem brasas preparadas e sobre Responde-lhe:
das peixe e pao. 10Diz-lhes Jesús: — Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
— Trazei algo do que pescastes agora. Diz-lhe:
n Subiu Pedro arrastando para a terra — A pascenta meus cordeiros.
a rede repleta de peixes grandes: cento e 16Pergunta-lhe pela segunda vez:
cinqüenta e très. E, embora fossem tan­ — Simáo de Joáo, tu me amas?
tos, a rede nao se rasgou. Responde-lhe:
12Jesus lhes diz: — Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
t — Vinde comer. Diz-lhe:
Nenhum dos discípulos se atrevía a -—-Apascenta m inhas ovelhas.
perguntar-lhe quem era, pois sabiam que 17Pela terceira vez lhe pergunta:

sar impaciéncia por chegar. Se tem funçâo preciso cancelar com a tríplice declaraçào,
simbólica, seria um esforço de purificaçâo humilde, de amor: “ao entardecer sereis
antes de aproximar-se de Jesús (duvidoso). examinados no amor” (Joáo da Cruz). A
21,8 Arrastando: na rede ou traineira, variaçâo nos termos “amar, querer” e “ove­
sem tirar os peixes para a barca. No plano lhas, cordeiros, cordeirinhas” parece esti­
simbólico é a força de Jesús “atraindo tudo lística, mais que teológica. Pedro recebe um
a si” (12,32). encargo especial e único para a comunida-
21.11 Cento e cinqüenta e très é o valor de (lPd 5,2), que continua sendo rebanho
numérico das letras das correspondentes de Jesús (cap. 10).
palavras hebraicas (dggym gdwlym), um A nota temporal do v. 15 quer unir esta
exercício de gematria bem ao gosto da épo­ cena com a manifestaçâo e a refeiçâo prece­
ca. No relato, serve para exprimir a abun­ dente: o individual fica enquadrado no co­
dancia. A rede nâo se rompe: símbolo da munitàrio. O destino de Pedro se expressa
unidade da Igreja, segundo os antigos co­ em imagens que apontam para o martirio,
mentaristas. Os peixes tirados da água po- talvez para a cruz com o “estender os bra-
dem encerrar simbolismo batismal, atesta­ ços”. O “cingir-se” da tarefa cotidiana trans-
do na antigüidade. forma-se em “ser cingido” ou atado à for­
21.12 Precisamente porque sabem nâo ça (cf. At 21,11-12) e conduzido a morrer.
se atrevem, por urna espécie de temor reve­ Depois da ressurreiçâo e reconciliado
rencial. com Jesus, Pedro “o seguirá até a morte”
21.13 As fórmulas sao eucarísticas. E (13,37). O martirio “glorifica” a Deus (12,
Jesús quem reparte; nâo se diz que ele coma. 33; lPd 4,16).
21.15-23 Esta cena foi escrita quando 21,15 A pergunta sobre o amor pode ser
as duas personagens já morreram, na épo­ relacionada com 14,21 e 15,13; a imagem
ca tardia da Igreja primitiva. do pastor com o cap. 10. Se Mateus propòe
21.15-19 O diálogo com Pedro desperta a confissao de fé como fator de sua consis-
várias ressonáncias. Dos sinóticos e para a tència “pétrea”, Joâo propòe o amor a Je­
reconciliaçâo, Le 5,1-11 (“afasta-te de sus como condiçâo e garantía de sua açâo
mim... nâo temas”) e Mt 14,30-31 (“por que pastora!. Pedro amadureceu no amor, como
duvidaste?”); para a missáo Le 5,10 (pes­ se dirigisse ao Mestre e Senhor um “amor
cador de homens) e Mt 16,16 (edificarei com todo o coraçâo e todas as forças”.
minha Igreja). Mais fortes e obvias sao as 21,17 Tu sabes tudo: como demonstrou
ressonáncias da tríplice negaçâo, que é na prediçâo (13,38) e segundo a confissâo
JOÁO 366 21,18

— Simáo de Joáo, tu me amas? guntara quem era o traidor. 21Vendo-o,


Pedro se entristeceu por lhe pergun- Pedro pergunta a Jesús:
tar pela terceira vez se o amava, e lhe — Senhor, o que será dele?
disse: 22Responde-lhe Jesús:
— Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que — Se quero que permanega até que
te amo. eu volte, o que te importa? Quanto a ti
Diz-lhe: segue-me.
— Apascenta minhas ovelhas. l8Eu te “3Assim correu entre os discípulos o
asseguro: quando eras jovem tu mesmo boato que esse discípulo nao morreria.
te cingias e ias aonde querias; quando Jesús porém nao disse que nao m orre­
ficares velho, estenderás as máos, outro ria, e sim: se quero que permanecía até
te cingirá e te levará aonde nao queres. que eu volte, o que te importa?
19(Dizia-lhe isso indicando com que 24Este é o discípulo que dá testemu
morte haveria de glorificar a Deus.) Di­ nho dessas coisas e as escreveu; e cons-
to isso, acrescentou: ta-nos que seu testemunho é fidedigno.
— Segue-me! 25Restam muitas outras coisas feitas
20Pedro voltou-se e ve o discípulo por Jesús. Se quiséssemos escrevé-las
predileto de Jesús, aquele que se apoiara urna por urna, pensó que os livros es­
sobre seu lado durante a ceia e lhe per- critos nao caberiam no mundo.

dos discípulos (16,30). Jesus lè o pensamen­ Apoiados na ambigüidade, podemos re­


to e nao menos o sentimento. fletir. O importante para cada cristáo é “se­
21,20-23 É como um apéndice do apén­ guir” Jesús, sem preocupar-se com o des­
dice. A pergunta de Pedro serve de enlace tino atribuido aos demais. Um discípulo
e pode soar como mistura de curiosidade predileto, urna testemunha fidedigna, nao
e interesse pelo amigo (cf. 13,23; 19,26). faltará nunca na Igreja. E certo que Jesús
A resposta de Jesús é intencionalmente há de vir.
ambigua, polivalente. 21,24-25 Novo colofáo, em estilo retó­
No condicional, Jesús reserva a si a de- rico, que fala do autor na terceira pessoa e
cisáo do destino. Ao dizer “até que eu ve- de si no plural: “sabemos”. “Testemunho”
nha”, pode sugerir a expectativa de urna e “verdadeiro” sao termos freqüentes e
parusia iminente (cf. 14,3). centráis no evangelho. Pode servir como
A corregáo acrescentada parece refletir defin ¡gao: do evangelista, como testemu
a decepgáo de urna comunidade ante a nha ocular, autorizada e reconhecida; do
morte inesperada de um guia que consi- evangelho, como compendio canónico de
deravam ¡mortal ou pouco menos. uma “plenitude” inesgotável.
f, . i ' ,,, , i

O j?'' 800
ATOS DOS APOSTOLOS

INTRODUÇÂO
Embot a seja possivel 1er este livro urna constante do livro que culmina na
como obra autónoma, é melhor ter cm última página, em Roma.
conta que é apenas a segunda parte de A organizaqáo das igrejas é fluida, com
urna obra, e que somente lida como tal um corpo dirigente local de “an d a o s”
é que manifesta todo o seu sentido. É (em grego presbyteroi); os apóstalos tem
obra única no N ovo Testamento, de a responsabilidade e a autoridade supe­
grande valor histórico, embora aceite rior; a seu número se somam Matías,
convençôes da época: principalmente Barnabé e Paulo. Existe urna constancia
o gosto pelo maravilhoso e os discur­ de vida sacramental e litúrgica: batismo
sos na boca dos personagens. Só que e eucaristía, imposiqao das máos, celebra-
os discursos tém na obra urna funçâo qóes; e com isso a instruqao catequética.
particular: sao o evangelho proclam a­ Ñas cenas íntegras e em detalhes signi­
do, segundo o mandato de Jesús. Quan- ficativos, os Atos dos Apóstelos sao cum-
to aos personagens, dois protagonistas primento de um mandato ou profecía de
atuam sucessivámente em primeiro pla­ Jesús, eco de um ensinamento, repeti-
no: Pedro na prim eira parte (caps. 1— qáo ou reflexo de urna aqao. Bastará ci­
12), enquanto se consolida a igreja de tar alguns casos (vejam-se os paralelos):
Jerusalém e periferia; Paulo, que vai
batism o de Espirito e fogo Le 3,16/
promovendo a difusáo do evangelho
At 2,1-4
pela Asia, Europa e até Roma.
descida do Espirito Le 3,21s
Lendo com mais atençâo, suspeita-
At 11,16
se que éprotagonista precisamente esta
centuriáo romano Le 7,1-10/
palavra ou mensagem, que se difunde At 10
com estranha força de convicçâo. R e­ ressuscita urna menina Le 8,49-56/
tend/>o texto, conclui-se que o verda- At 9,36-42
deiro protagonista é o E spirito prom e­ v isio gloriosa,
tido e enviado p o r Cristo à sua Igreja. transfiguraçâo Le 9,28-36/
O material narrativo p o d e ser cata­ At 7,55s e
logado em relatos, discursos e sumá- 9,4ss
rios. Ocupam grande espaço osproces- tem pestade acalmada 1x8,22-25/
sos, que sao relatos com discursos At27,13-26
incluidos. A ssistim os no relato à con- subida a Jerusalém Lc9,31.51/
solidaçâo, expansâo e crescimento da At 19,21;
Igreja, em muitas igrejas ou comuni­ 21,15
dades locáis que form am a grande uni- processo e morte de Estéváo:
dade. Primeiro, tem a prim azia a de —nao podem resistir-lhe Le 21,15/
Jerusalém, onde tudo começa; depois, At 6,10
toma afrente a de Antioquia. A expan­ —perante
sâo nâo é só geográfica: é principal­ o Grande Conselho Le 22,66/
mente um ir penetrando e ganhando At 6,12s
adeptos no territorio e cultura pagaos; —pede perdáo
é ao mesmo tempo um desprenderse, pelos inimigos Le 23,34/
nao pretendido, do judaism o. Esta é At 7,60
ATOS DOS APOSTOLOS 370 INTRODUgÁO
O autor é o mesmo do evangelho; a A data: duvida-se entre 62/63 antes da
tradiqáo antiga o chama Lucas. Teste- sentenqa contra Paulo, ou depois de 70,
munha de alguns fatos (se n á o fo r cita- como indica o evangelho. Os destinatá-
gao de fo n tes ou recurso narrativo). rios sáo, principalmente, pagaos con­
Parece pertencer ao círculo de Paulo. vertidos.
ATOS DOS APOSTOLOS

Promete o Espirito Santo — 'N a m endou-lhes que nao se afastassem

1 prim eira parte, querido T eófilo,


contei tudo o que Jesús fez e ensinou
desde o principio, 2até que, depois de
dar instrugóes por meio do Espirito
Santo aos apóstolos que havia esco-
lhido, foi levado ao céu. 3A presenta-
de Jerusalém , mas que esperassem o
prom etido pelo Pai, o que ouvistes de
m im : 5Joáo batizou com água, vós em
breve sereis batizados com o Espirito
Santo.

ra-se vivo a eles, depois de padecer, A scensáo (Le 24,50-52) — 6Estando


durante quarenta dias, com muitas pro­ pois reunidos, lhe perguntavam:
vas, m ostrando-se e falando do reino — É agora que vais restaurar a sobe­
de Deus. 4C om endo com eles, reco- ranía de Israel?

1,1-2 Este breve prólogo une o presente cia capital no pensamento de Lucas. Tragou,
livro ao evangelho como segunda parte de a partir de Le 9,51, a grande “subida” de Je­
urna obra, com o que a historia da Igreja nas- sús para Jerusalém, a fim de padecer e ser
cente fica firmemente ligada ao ministério crucificado; o último ato da subida será a
de Jesús. Este ministério se resume em duas ascensáo. Depois, Jerusalém será o bergo e
atividades, obras e palavras, e se define por o ponto de partida da Igreja.
seus limites temporais. O “principio” pare­ 1,5 Identifica o “Prometido pelo Pai”
ce referir-se á atividade pública de Jesús (Le citando e adaptando uma frase do Batista
1 ,2 ), sem incluir o que chamamos evange­ (Le 3,16; Jo 1,33). Adata fica pendente,
lho da infancia. O final é original de Lucas. convidando á constancia.
Em comparagáo com outros evangelistas, 1,6-11 Ascensáo: liga-se com o final do
Lucas sublinha duas etapas intermedias: evangelho. Para os outros evangelistas, a
urna de quarenta dias (número simbólico), ressurreigáo é a “glorifica^áo” ou exaltagáo
que pertence ainda á atividade de agir e en- de Jesús, para sentar-se á direita de Deus.
sinar de Jesús na térra, e outra de prepara- Este final é um acontecimento transcenden­
gáo ao dom do Espirito, dedicada á oragáo. te, nao acessível aos sentidos. Lucas dra­
O prólogo revela a consciencia de escritor. matiza o fato, inspirando-se em anteceden­
Dedica sua obra a Teófilo, nao sabemos se tes bíblicos, em lendas apócrifas e talvez
amigo ou protetor. Muito diferente é a quase em modelos helenísticos. Do AT conhece a
dedicatoria do Salmo 45 a “um rei”, e por ra- referencia concisa a Henoc (Gn 5,24; Eclo
záo oposta, o longo prólogo de 2Mc 2,19- 44,16) e o relato misterioso, quase litúrgico,
32. Lucas teve mais éxito em “tomar memorá- do rapto de Elias na presenga de Eliseu e
vel o nome”. Entre as obras de Jesús se destaca num carro de fogo (2Rs 2,1-13; Eclo
a eleigáo dos apóstolos (Le 6,12-13), e entre 48,9.12; lM c 2,58); também a “figura hu­
as palavras as instrucóes fináis, provavelmen- mana” de Dn 7 é levada ao céu numa nu-
te depois de ressuscitar. Menciona a ascen­ vem para receber do Anciáo o poder.
sáo na voz passiva do verbo levantar, elevar. Lucas adota o esquema vertical, que colo­
1.3 Quarenta dias é número simbólico, que ca a divindade na altura celeste (SI 123,1).
recorda Moisés na montanha (Ex 24,18; 34,28; Usa o verbo “elevar-se” (epairo, raro com este
Dt 9,9) e Elias peregrino (IRs 19,8). Com én- fim) e o corrente “levantar, elevar” (que
fase certeira junta os dados, “vivo depois de pa­ corresponde ao hebraico Iqh). Convoca dois
decer” (a morte). Um fato acreditado por “pro­ personagens masculinos celestes e prefere a
vas’’(Le2434), manifestagóes visuais e palavras. nuvem ao carro de fogo (“tomando as nuvens
1.4 Partilhar a mesa (o sal) é uma das pro­ como teu carro”, SI 104,3). Aceña visual se
vas (Le 24,36-43). Jerusalém tem importán- anima com diálogos e instrugóes. Desta
ATOS DOS APÓSTO LOS 372 1,7
7Respondeu-ihes: Escolha de Matías — I2Entáo, do mon­
— Nao cabe a vós saber os tempos e te das Oliveiras voltaram a Jerusalém;
circunstàncias que o Pai fixou com sua esse monte fica á distáncia de Jerusalém
exclusiva autoridade. 8Mas recebereis a apenas uma caminhada de sábado, g u a n ­
força* do Espirito Santo que virá sobre do chegaram, subiram ao piso superior
vós, e sereis m inhas testemunhas em onde se alojavam: Pedro e Joáo, Tiago e
Jerusalém, na Judéia, na Samaria e até A ndré, Filipe e Tomé, Bartolomeu e
os confins do mundo. Mateus, Tiago de Alfeu, Simáo o zelota e
9Dito isso, em sua presença se ele- Judas de Tiago. 14Todos eles, com algu-
vou, e urna nuvem o ocultou a seus mas mulheres, a máe de Jesús e seus pa-
olhos. 10Continuavam com os olhos fi- rentes, persistiam unánimes na oracáo.
xos no céu enquanto eie partia, quando 15Num desses dias, levantou-se Pedro
duas personagens vestidas de branco se no meio dos irmáos, cento e vinte pes-
apresentaram n e lhes disseram: soas reunidas, e disse:
— Homens da Galiléia, que fazeis ai — 15Queridos irmáos, devia cumprir-
olhando o céu? Este Jesus que vos foi se o que o Espirito Santo profetizou por
arrebatado para o céu, virá como o vis­ meio de Davi a respeito de Judas, aque-
tes partir para o céu. le que guiou os que prenderam Jesús,

apresentaçâo lucana procede nossa festa resumir, ou deixar cair chaves de interpre-
litúrgica da Ascensáo. Na literatura apócrifa, tagáo. Pode ser que o aprendeu das para­
prolifera o género intitulado “Ascensáo de N.” das retrospectivas ou prospectivas de nar­
1,6-7 O breve diálogo revela o horizonte radores bíblicos (p. ex. Jz 2,11-23; 2Rs 17).
mental dos discípulos, mesmo depois da res- A mengáo do monte das Oliveiras suge-
surreiçâo, mas antes de receber o Espirito: re que foi o lugar da ascensáo; pode ser
urna restauraçâo política de Israel (cf. Mt influxo da lembranga da profecía de Zc
17,11; Ab 20-21; Sf 3,19-20). Jesus se nega 14,4 sobre a vinda (do Messias) a tal monte.
apredizer datas (Mt 24,36-37; Me 13,32). A caminhada de um sábado é pouco me­
1,8 O Espirito tradicionalmente comuni­ nos que um quilómetro. A lista dos após­
ca força física (Jz 14,6.19) ou espiritual (Is tolos é tradicional (Le 6,14-16). As mulhe­
11,2-3). Os apóstolos a receberáo para urna res sáo das que tinham seguido Jesús (Le
missáo particular: ser “testemunhas” de Je­ 8,2-3; 10,38-42; 23,49.55; 24,10); entre elas
sus. A palavra é densa de conteúdo, por sua se destaca sua máe. Os irmáos sáo paren-
freqüência em todo o NT, em suas variaçôes tes de Jesús. A sala superior podia ser lu­
verbais e nomináis. As etapas estáo marcadas: gar de retiro ou de reuniáo (9,37; 20,8).
Jerusalém, centro; dai, em movimento cen­ A tarefa principal é a oragáo em comum;
trífugo, a Judéia, a semipagá Samaria, os pa­ imagem inicial de comunidades cristas. A
gaos “até os confins do mundo” (Is 48,20; segunda tarefa será completar o grupo dos
49,6; 62,11). Essa consciência de universa- doze: também a eleigáo dos doze é prece­
lidade se deve ao narrador inspirado; os dis­ dida de oragáo (Le 6,12).
cípulos levaráo tempo para compreendé-la. 1,15-26 Define-se o primeiro grupo que
* Ou: poder. vai receber o Espirito: uma comunidade
1.10 Ajijos em figura humana sáo compa- de irmáos; o número, dez por comunida­
nhia costumeira em momentos solenes: o nas­ de, imagem do novo Israel. É uma comu­
cimento (Le 2,9), a ressurreiçâo (Me 16,5). nidade hierárquica, dirigida pelos apósto­
1.11 Como designaçâo de origem, “Ga­ los, entre os quais se destaca Pedro. O
liléia” nao se aplica a todos; sim, como de­ apostolado é particular de uma sorte, um
signaçâo dos seguidores de Jesús. O anún- servigo, uma responsabilidade (kleros,
cio da volta é conciso, sem indicaçao alguma diakonai, episkopen). Os apóstolos sáo o
temporal. E pura afirmaçâo do fato, garanti­ lago auténtico entre a vida de Jesús e a vida
da por duas testemunhas celestes. da Igreja: tém de ter convivido com ele
1,12-14 Este é o primeiro dos famosos durante todo o seu ministério e tém de dar
sumários de Lucas. Paradas narrativas que testemunho de sua ressurreigáo. O discur­
olham para trás e para a frente, a fim de so de Pedro vem a ser programático.
2,2 373 ATOS DOS APOSTOLOS

l7que era um dos nossos e compartilha- nós, um deve ser conosco testemunha
va o nosso ministério. 18Com o paga­ de sua ressurreiqáo.
mento de sua iniqüidade com prou um 23D esignaram dois: José, cham ado
terreno, caiu de cabega para baixo, ar- Bársabas, apelidado Justo, e Matias.
rebentou-se pelo meio e Ihe saíram as 24Depois rezaram assim:
entranhas. 19Todos os habitantes de Je- — Tu, Senhor, que conheces os cora-
rusalém tom aram conhecim ento, de cóes de todos, indica-nos qual dos dois
modo que o terreno se chama em sua escolhes 25para ocupar o lugar desse m i­
língua Hacéldama (ou seja, cam po de nistério apostólico, que Judas abandonou
sangue)*. 20Pois está escrito no livro para ir ao lugar que lhe correspondia.
dos Salmos: Fique sua morada despo- 26Tiraram sortes, e a sorte caiu em
voada, que ninguém nela habite, e que Matias, que foi incorporado aos onze
seu lu g a r seja o cu p a d o p o r outro. apóstolos.
21Portanto, de todos os que nos acom-
panharam enquanto o Senhor Jesús en- Pentecostes (Jo 20,22) — ‘Quan­
trava e saía entre nós, 22desde o batis-
mo de Joáo até que foi arrebatado de
2 do chegou o dia de Pentecostes, es-
tavam todos reunidos. 2De repente veio

Para o leitor posterior, o narrador reco- gáo comunitària e a reconstituigáo dos


lhe uma das lendas que corriam sobre a doze. Propóe como data a festa das Sema­
morte desastrada de Judas, aplicando-lhe nas, quer dizer, as sete semanas depois da
dois textos da Escritura citados como pro­ Páscoa, o dia qüinquagésimo (em grego
fecía (SI 69,25; 109,8). Era um do “nosso pentekoste; Ex 34,22; Nm 28,26). Festa,
número”, e o número era muito importan­ anteriormente, da oferta de primeiras es­
te (ver o pranto das tribos em Jz 21,3). O pigas, mais tarde unida à recordagáo da
dinheiro se chama “pagamento da iniqüi­ alianga no Sinai. E descreve a vinda com
dade” ou prego do crime: o homicidio que imagens clássicas de teofania, os efeitos à
se relaciona como nome do campo (em semelhanga de alguns antecedentes.
hebraico “sangues” pode significar homi­ Do AT temos de recordar o dom do Es­
cidio); embora o sangue pudesse ser o do pirito ao rei (Saul ISm 10,6; Davi ISm
criminoso. O modo da morte corresponde 16,13), ao Messias (Is 11,2). Pelos elemen­
também ao género literário (ver p. ex. a tos narrativos deve-se destacar a “parti-
morte de Antíoco em 2Mc 9). lha” do Espirito entre os setenta colabo­
1,19 *Ou: cemitério. radores de Moisés (Nm 11): ai Moisés
1,22 Desde o batismo de Joáo (Le 3,21). expressa o desejo de uma infusáo do Es­
Testemunha (Le 1,2; ICor 15,10. pirito para todo o povo; desejo que Joel
1,23-24 Deus há de decidir sem parcia- converte em profecía (3,1-5). Nesta cena
lidade por meio da sorte (Pr 16,33) e sua e no caso de Saúl, o Espirito manifesta sua
decisáo é acertada (Pr 17,3; 21,2). O curio­ presenta com sinais orgiásticos ou ex­
so é que lhe submetem só duas pessoas: táticos.
nao havia outras que reunissem as condi- Entre os símbolos apresenta o vento
góes requeridas? (porque em grego Espirito é a mesma pa-
1.24 Ver Le 16,15; Pr 16,5. lavra que vento, cf. Jo 3,8) e o fogo, ele­
1.25 Perdido o “lugar” = posto, vai ao “lu­ mento da divindade. Vento teofánico: Is
gar” seu, aquele que lhe compete, a morte. 30,27; Ez 1,4; 3,12; fogo: SI 18,13; 29,7;
50,3; 97,3. “Línguas de fogo” é metáfora
2,1-13 Liga-se com Le 24,49. O dom visual (Is 5,24) que aqui adquire valor sim­
do Espirito é, segundo Joáo, conseqüén- bólico, porque o dom do Espirito está or­
cia da glorificagáo de Jesús: prometido denado à proclamagáo do evangelho e se
(14,17) e entregue (20,22). No relato de manifestará em fenómenos de lingua-
Joáo, a entrega tem certa intimidade, em­ gem. As línguas do Espirito se “repartem”
bora com ressonáncias de criacáo. Lucas (como em Nm 11), o Espirito “repousa”
apresenta em cena, dramáticamente, o estavelmente (como em Is 11,3).
acontecimento transcendente. Com o seu 2,2 Por mais que estivessem esperando,
adiamento, obtém tempo para a prepara- o estrondo chegou de repente, e “enche”
ATOS DOS APOSTOLOS 374

do céu um ruido, como de vento de fu- em nossa lingua nativa? 9Partos, Qu


racáo, que encheu toda a casa onde se dos, elamitas, habitantes da Mesi>|m
alojavam. 3A pareceram línguas como tàmia, da Judéia e Capadócia, Ponin t
de fogo, repartidas e pousadas sobre Asia, 10Frígia e Panfilia, Egito e dr.in
cada um deles. 4 Encheram -se todos do tos da Libia junto a Cirene, rom.m ■
Espirito Santo, e cornecaram a falar lín­ residentes, njudeus e prosélitos, crclcii
guas estrangeiras, conform e o Espirito ses e árabes: todos os ouvimos coni m
Santo lhes perm itía expressar-se. em nossas línguas as maravilhas de I Vn>
5Moravam entáo em Jerusalém judeus 12Fora de si e perplexos, comentaviim
piedosos, vindos de todos os países do — Que significa isso?
mundo. 6Ao ouvir-se o ruido, reuniu-se 13Outros caçoavam, dizendo:
urna multidáo, e estavam espantados, — Estâo bébados.
porque cada um ouvia os apóstalos fa­ 14Pedro se pôs de pé com os on/.o a
jando no próprio idioma deles. 7Fora de levantando a voz, lhes dirigiu a palavi.i
si pelo assombro, comentavam: — Judeus e habitantes todos de Jeni
— Nao sao todos galileus os que fa- salém, sabei-o bem e prestai atençâo .m
lam? 8Como entáo os ouvimos cada um que vos digo. 15Estes nao estáo embi i.i

toda a casa; talvez signifique que se ouve 2,9-11 Alista, metida à força na perguntli
em toda a casa. dos presentes, quer dar impressâo de pin
2.3 Um só Espirito pousa, e se distribuí ralidade e totalidade. Olhada de perlo i
(ICor 1 2 , 1 1 ). desconcertante, porque mistura povos, re
2.4 A informagáo sobre a lingua nao é gióes, provincias romanas, junto com n
coerente: aquí diz que falavam “línguas Judéia. Cretenses e árabes poderiam abni
estrangeiras” capacitados pelo Espirito. car Ocidente e Oriente.
Mais abaixo, o povo diz que falam numa 2,12-13 A segunda reaçâo é divisáo de
lingua, a pròpria, mas que cada um a en- opinioes entre a perplexidade e a zomltii
tende na sua (como numa milagrosa tra- ria; fácil recurso para desqualificar o que
dugáo simultànea). nao se entende (cf. ISm 1,14). Do ponto
2,5-8 Acena anterior se imaginava numa de vista narrativo, a zombaria serve do
sala em beneficio dos presentes. De repen­ transiçâo.
te os apóstolos se encontram como num 2,14 O discurso de Pedro é solene e im
cenário ante um público numeroso, forma­ portante. E o primeiro que se pronunci.i
do de judeus piedosos ou devotos, proce­ depois de receber o Espirito; à imagem de
dentes de toda a diàspora e estabelecidos Jesús que, depois de receber o Espirito nu
em Jerusalém. Urna reuniáo como a anun­ batismo, pronuncia um discurso progra
ciada pelos profetas (Is 26,13; 49,22; 60,4.9; mático na sinagoga de Nazaré (Le 4). É o
Zc 8,7-8), com caráter mais ideal que real. primeiro de urna série de discursos seme
Os perfis aqui se confundem, porque o lhantes (3,12-16; 4,8-12). Embora elabo
narrador supóe muitas coisas ou délas se rado pelo narrador, parece refletir um mo
despreocupa. Se residiam em Jerusalém, délo de pregaçâo primitiva aos judeus.
nao entendiam o aramaico? Por que o es- Divide-se cómodamente em duas partes,
trondo os congrega todos nesse lugar? marcadas pela dupla introduçào: w . 15-21
Quando os discípulos comegaram a falar? e 22-36.
A primeira reagáo é de admiragáo diante Pedro fala de pé, à maneira dos orado­
do prodigio: algo sem precedentes na tra- res gregos, levanta a voz como o requer o
diaio bíblica. A lingua dos apóstolos toma­ público, pede atençâo como qualquer ou
se universal, como a do céu (SI 19). A divi- tro (Is 1,10; 28,23; SI 49,2), para urna
sáo e dispersáo de Babel (Gn 11) inverte a mensagem importante.
diregáo. A diàspora judia convertida será o 2,15-28 Dedica a primeira parte a ex
primeiro círculo concèntrico da confluen­ plicar o que está acontecendo, negando a
cia para o alto do monte (Is 2,2-5); o se­ explicaçâo superficial, da embriaguez, e
gundo círculo seráo os “prosélitos” (v. 1 1 ). propondo a explicaçâo justa que, para um
375 ATOS DOS APOSTOLOS

corno suspeitais, pois nào sào


g it ili in , maga; 20o sol ficará escuro, a lua en-
mitl>i que as nove da manhà. 16Mas està sangüentada, antes de chegar o dia do
M>*iinmrindo o que o profeta Joel anun- Senhor, grande e manifesto. 21Todos os
h|imi ' Nos últimos tempos, diz Deus, que invocarem o nom e do Senhor se
i/t'í limili rei meu espirito sobre todos: salvarào.
m*Mi\ fìlhos e filhas profetizarào, vos- 22 lsraelitas, escutai minhas palavras.
«•<*/m't'ns veráo visóes e vossos andaos Jesus de Nazaré foi um homem acredi­
««iuhm tío sonhos; l8também sobre meus tado por Deus diante de vós com os
wi Vi iv e minhas servas derramarei meu m ilagres, prodigios e sinais que Deus
fHiilrito naquele dia e profetizarào. realizo u por m eio dele, com o bem
I*rnrei prodigios em cima no céu e sabéis. 23A este, entregue segundo o pla­
m haixo na terra: sangue, fogo e fu- no previsto por Deus, vós crucificastes

(llilllório judeu, consiste em apresentar o A parte positiva se explica ou prova com


f i t l n como cumprimento de um texto pro­ dois textos de salmos lidos como profe­
pileo da Escritura: J13,1-5. O narrador nào cía: SI 16,8-11 e 110,1. O primeiro é um
limi escrúpulos de por na boca de Pedro, dos raros do AT em que se vislumbra a
iiur lala em aramaico, a traduçâo grega dos vitória da vida sobre a morte. O que é vis­
¡»lenta (LXX). lumbre o orador o compreende (com urna
2,17-21 O texto citado pertence à seçâo tradi^áo judaica) como certeza. Argumenta
«eziològica de Joel (texto pós-exflico). O tomando a primeira pessoa, o “eu” do sal­
Hiir era desejo ou sonho na boca de Moisés mo, e indagando quem o pronuncia. Davi?
(Nm 11,29), o profeta o transforma em (o suposto autor). A historia o desmente,
prnt'ccia de futuro: o dom do Espirito será porque Davi morreu e seu sepulcro é co-
ntra todo o povo sem discriminaçâo de nhecido e venerado. Entao o pronuncia o
I ilude, sexo ou condiçâo. Lucas transfor­
ma o “depois” de Joel em “os últimos tem­
futuro descendente prometido a Davi (se­
gundo 2Sm 7,12-13).
pi is”, que acabam de começar. Transfor­ O segundo salmo canta a exaltagáo de
ma “servos e servas” (condiçâo social) em um rei, como rito de adogáo divina ou
"meus servos e minhas servas”, condiçâo como imediata conseqüéncia. O orador
religiosa do novo povo de Deus. Os pro­ argumenta de modo semelhante, identifi­
digios cósmicos se mantêm, embora a re- cando a segunda pessoa: náo pode ser
lllidade os tenha traduzido em vento e fogo Davi, é seu descendente (outro uso do
celestes, náo aterradores. mesmo texto ñas controvérsias do templo,
O último v. de Joel adquire um peso Le 20,42-43 par.).
novo no contexto: ressoa com força a ex- 2.22 Cometa a apresentacáo de um per­
lensáo universal, e o nome que se há de sonagem (nào urna teoria), identificado
invocar é o de Jesús (v. 36). com nome e procedencia. Na época em que
2,22-36 Dirigiu-se primeiro a “judeus” Lucas escreveu, os judeus já distinguiam
(v. 14), denominaçâo restrita. Agora diz “is­ os cristáos com o apelido de “nazarenos”.
raelitas”, visando o Israel histórico e ideal. As credenciais desse homem, que devem
No comentário final os chama “irmáos”. ter sido válidas para vós, pois vinham de
Esta segunda parte do discurso, ainda Deus, eram “milagres, prodigios e sinais”.
com materiais do kerigma, tem caráter pro­ Um trio convidativo (Le 19,37), no qual
fètico. Denuncia um pecado, contrapóe o ressoam as aqóes de Deus no AT (Dt 4,34;
designio de Deus, convida à conversâo ou 7,19; SI 135,9). Nesta primeira frase soa
reconhecimento. Pelo que tem de denùncia uma repreensáo implícita: que náo aceita-
diante da conversâo, poderíamos fixar-nos ram as credenciais (Le 11,29-32).
no modelo de Jr 2-3 (termina em arrepen- 2.23 De modo conciso, contrapóe a aqáo
dimento e volta). Pelo que tem de apresen- humana criminosa ao designio divino que
laçâo de um personagem, poderíamos con­ a engloba e dirige. Como o formulou com
sultar textos sobre o Servo (Is 42,1-4; 52, precisáo José a seus irmáos (Gn 50,20),
13—53,12). Outro modelo pertinente é a pre- como resulta da agáo do Faraó (Ex 9,16).
gaçâo do Batista segundo Lucas (3,17-18). Na denùncia de tipo profètico figuram os
ATOS DOS APOSTOLOS 376

pela máo de gente sem lei, e o matastes. com juram ento que um descendí mh|
-4Mas Deus, libertando-o dos rigores da carnal seu se sentaría em seu r/miid
morte, o ressuscitou, pois a morte nao 3Ipreviu e predisse a ressurrei(r;au 11.1
podía reté-lo. 2sO próprio Davi diz dele: Messias, dizendo que näo ficaria I
Ponho sempre diante de mim o Senliejr: donado na morte, nem sua carne <’*/■
com ele á direita nao vacilarei. 26Por rimentaria a corrupqäo. 32A este Ji'mi
isso, meu coraqáo se alegra, minha lín- Deus ressuscitou, e todos nós somit»
gua exulta e minha carne descansa es- testemunhas disso. 33Exaltado à diivilJ
peranqosa: Aporque nao m e deixarás de Deus, recebeu do Pai o Espirito S.in j
na morte, nem perm itirás que teu fie l to prom etido e o derramou. E o q»
conheqa a corrupqáo. 2STu me ensilla­ estáis vendo e ouvindo. 34Pois Davi itilil
rás o caminho da vida, m e encherás de subiu ao céu, mas diz: Disse o Seniioi
alegría em tua presenqa. 29 Irmáos, pos­ ao meu Senhor: senta-te à minha din i
so dizer-vos com toda a franqueza: o ta, 35 até que faqa de teus inimigos cui
patriarca Davi morreu e foi sepultado, Irado de teus pés. 36Portanto, que to>11
e o sepulcro dele se conserva até hoje a Casa de Israel reconhega que a eMI
entre nós. 30Mas, com o era profeta e Jesus, que crucificastes, Deus o nonio m
sabia que Deus lhe havia prom etido Senhor e Messias.

ouvintes como autores e os pagaos como de Deus, de onde envia o Espirito. Nc ¡ i


instrumento executor (cf. Le 22,2 com o etapa se encontram todos. Se os apóstol"
verbo anairein). nao podem ser testemunhas da entroní
2,24 Com intervençâo inesperada e sobe­ zaijáo celeste, é testemunha o Espirito di
rana, Deus inverte o resultado. As “dores Deus, manifestado em sinais auditivos i
de parto” da morte sao traduçâo aproxima­ visuais. O salmo 1 1 0 é um dos mais cita
da da expressáo hebraica “laços da morte” dos no NT, pois já se lia em chave rm-v
(SI 18,5-6; 116,3). Morte, como personifi- siánica entre os judeus.
caçâo poética ou divindade infernal (Is 2,36 Breve conclusáo. Dirige-se á “Casu
28,15; Jr 9,20; SI 49,15; Jó 28,22), nao ti- de Israel”, título histórico do povo (fre
nha poder para reter Jesús em seu dominio. qüente em Jr e Ez; SI 98,3; 115,12). Din
2,25-28 Em At 13,35 Paulo cita o pe­ ge-lhes um imperativo enérgico, “reconhc
núltimo v. do salmo. A luz da ressurreiçâo 5 a” . O complemento equivale a umn
adquirem nova força varias expressóes: profissáo de fé formal dos dois títulos de
“nao vacilarei”, o gozo pleno, o descanso Jesús: Messias e Senhor. O primeiro su-
da carne. O grego traduziu “fossa” por póe que todas as promessas se cumprirani,
“corrupçâo”, sem mudar o sentido. que as esperanzas se realizaram e que nao
2,29 Chama Davi “patriarca”, à seme- se deve esperar outro (Le 7,19-20). O se
Ihança dos antepassados das doze tribos gundo é o título divino conferido a Jesús .1
(7,8: discurso de Estêvâo). E o chama “pro­ partir da sua glorificado. Quando o nomo
feta”, aludindo talvez a 2Sm 23,2 e segun­ de Yhwh deixou de ser pronunciado, foi
do velha tradiçâo que sobreviveu durante substituido por ’adonay em hebraico, por
séculos. (Os Padres gregos chamam Davi Kyrios em grego.
“O Profeta”.) Estava sepultado na chama­ Os cristáos o atribuíram a Jesús, especial
da Cidade de Davi (IRs 2,10). mente na liturgia (F1 2,11), ás vezes po
2,30-32 Identifica o Ungido = Messias lemizando com o uso de tal título por par-
com o descendente legítimo prometido por te do imperador.
Deus. O passo seguinte consiste em iden­ Pedro até agora náo disse: arrependei
tificar o descendente Messias com Jesús. vos, fazei penitencia, convertei-vos; náo
Isso compete ás testemunhas da sua res­ ameagou com o castigo iminente nem pro-
surreiçâo (Le 24,48). nunciou promessas maravilhosas. Pediu
2,33-35 Segue-se a nova etapa (segun­ muito mais. Sobrio e conciso na denun­
do a concepçâo de Lucas): a exaltaçào (as- cia, porque náo é preciso encarecer o cri
censâo) de Jesús para sentar-se à direita me, insistiu no aspecto positivo, no desíg-
377 ATOS DOS APOSTOLOS

1 1 i|uc ouviram lhes tocou o cora­ duos em escutar o ensinamento dos após-
lli i disscram a Pedro e aos outros tolos, na solidariedade, na fraçâo do pao
e nas oraçôes. 43Diante dos prodigios e
I ) i|uc devenios fazer, irmaos? sinais que os apóstolos faziam, uní sen­
"l'i ilio lhes respondeu: tido de reverencia se apoderou de to­
Ariependei-vos e batizai-vos, cada dos. MOs fiéis estavam todos unidos e
, ni invocando o nome de Jesus Cris- possuíam tudo em comum; 45vendiam
l'ii.i que sejam perdoados os vos- bens e posses, e os repartiam segundo a
.. |ii <ados.'.E recebereis o dom do necessidade de cada um. ^’D iariam en­
■pillilo Santo. 39Pois a promessa vale te acorriam fielm ente e unánim es ao
■tlil vi is c vossos filhos e para os dis- templo; em suas casas partiam o pao,
iiKi v a quem o Senhor nosso Deus com partilhavam a comida com alegria
ihiiiiii. e sim plicidade sincera. 47Louvavam a
imi muitas outras razóes os con- Deus e todo o mundo os estimava. O
iihivn e exortava, dizendo: Senhor ia incorporando à comunidade
Salvai-vos, afastando-vos desta todos os que iam se salvando.
... nirao pervertida.
"< )s que aceitaram as palavras dele Cura do paralítico (Le 5,17-26) —
, Ii.ili/aram, e nesse dia unías très mil 'P edro e Joao subiam ao tem plo
¡m*M>as se incorporaram. 42Eram assi- para a oraçâo das très da tarde. 2Um

i|n c na agáo de Deus, na figura e no des­ 2,42-47 Este é o segundo sumário do


uní ile Jesús. livro, apresentado como o efeito imedia-
2,17 Areagáo do público heterogéneo é to do dom do Espirito (seguir-se-áo 4,32-
. mullíante a dos ouvintes do Batista (Le 35 e 5,11-16). Um ato único desemboca
i, III. 14). O verbo grego, segundo a etimo- na vida comum e cotidiana. Ao dar-nos
I 'l'iii, significa sentir fisgadas (no coragáo); urna descrigáo do estilo de vida, o autor
lenifica remorso (algo que morde) em nos indica ao mesmo tempo os fatores que
I I lo 20,21. Chama os apóstolos de irmaos. expressam e mantèm essa vida. Tém um
2.38 O Batista convidava ao arrependi- forte sentido de comunidade a ponto de
iiu-nlo, ao batismo para o perdáo dos pe- partilhar os bens, segundo o critèrio ide­
■míos e á emenda de vida (Le 3,3). Pedro al de dar a cada um segundo sua necessi­
iicroscenta duas corregóes substanciáis; o dade. Os apóstolos dirigem a comunida­
Imlismo deve ser recebido invocando Je- de com seu ensinamento, que prolonga o
iiis como Messias; além do perdáo se re- de Jesús (Le 4,32 com autoridade). Entre
i cherá o “dom do Espirito Santo”. Trata- as práticas se dcstacam: a oragáo no tem­
«■ já do batismo cristáo (ef. Mt 28,19). plo de Jerusalém, como continuidade com
2.39 Os presentes simbolizam todo o o passado; a eucaristia “fragáo do pao”
ii'sto de Israel, distante ou futuro (cf. Is em casas de familia, como celebragáo no­
i/, 19; SI 102,29). Termina com a expres­ va e específica (Le 22,19 o mandato de
an tradicional “o Senhor nosso Deus”. Jesus). A refeigáo em comum pode ser o
2.40 O narrador nos dá a entender, com ágape que precede a eucaristia. Os após­
.■sla frase, que o discurso citado é só urna tolos continuam realizando prodigios
amostra da pregagáo primitiva. A geragáo (como Jesús, Le 19,37), que provocam em
perversa (Dt 32,5; SI 78,8) significa o gru­ todos um sentido de reverencia (como na
po dos que resistem a crer; a definigao nao cura do paralítico, Le 5,26). Por ora vi-
c lemporal, mas de atitude. Pode-se com­ vem em paz com os de fora e sao estima­
parar com os “filhos degenerados” de Is 1,4, dos. E por obra de Deus a comunidade
Ccom o convite a “sair” de Babilonia (de Jr dos que “se salvavam” continuava cres­
50,8; 51,45). cendo.
2.41 O número quer encarecer o efeito
ila pregagáo sob a agáo do Espirito: o cres- 3,1-10 Como Jesus cura um paralítico
L-imento inesperado da comunidade fiel. (Le 5,17-26), assim Pedro cura um aleija-
ATOS DOS APOSTOLOS 378

homem paralitico de nascim ento cos­ no tempio, andando, saltando e I M I


o iiv

tumava ser transportado diariam ente e do a Deus. 9Todo o povo o viu i >u|H
colocado à porta do templo cham ada nhando e louvando a Deus. 10E, ;...... «
Formosa, para que pedisse esm ola aos nhecer que era aquele que pedia i n. i
que entravam no tempio. 3Ao ver Pedro sentado à porta Formosa do temei
e Joào entrando no tempio, pediu-lhes encheram -se de assom bro e esp.im
esmola. 4Pedro, acompanhado de Joào, diante do acontecido. "C o m o comi
olhou-o fixamente e lhe disse: nuasse agarrado a Pedro e a Joào, imi
— Olha para nós! o povo acorreu assombrado ao póni,
5Ele os osservava, esperando receber de Salomào.
deles alguma c o isa .6 Pedro porém lhe
disse: D iscurso de Pedro no pòrtico - 1 '
— Prata e ouro nào tenho, mas o que vè-los, Pedro lhes dirigiu a palavi.i
tenho te dou: em nome de Jesus Cristo, — Israelitas, por que ficais olhan.l
o Nazareno, póe-te a andar. para nós como se tivéssemos feito r n
7Pegou-o pela máo direita e o levan- homem andar com nosso proprio p>
tou. No mesm o instante, pés e tornoze- der e religiosidade? 130 Deus deAbniih i
los se robusteceram, 8ergueu-se de um de Isaac e de Jacó, o Deus de nosso
salto, pós-se a andar, e entrou com eles pais glorifìcou seu servo Jesus, quc vm

do. O relato do milagre se atém a um es­ O segundo efeito, exigido pelo esi|in
quema tradicional, com alguns detalhes ma, é o assombro do povo: é urna esl t >
mais descritivos. Realiza-se em lugar pú­ nheza ou perplexidade que deseja compirai
blico, o templo, ao qual os apóstolos con- der. Atitude que Pedro aproveita para un
tinuam espiritualmente vinculados, ao me­ novo discurso.
nos na oraçâo. Outros textos do AT falam 3,11-26 Este segundo discurso reiteri n
da “oferenda vespertina” (Dn 9,21 e SI esquema de delito, designio de Deus, cha
141,2). mado à conversáo; mas introduz outra si < I
O aleijado vivia de esmola, sem outra rie de elementos próprios. Por um lado i
esperança. Do templo extraía nada mais mais compreensivo, pois reconhece a ate
que a caridade dos visitantes e o cenário nuante da ignorancia; por outro lado é mali
espléndido e inoperante da Porta Formo- incisivo, pois coloca a situagao de opc,;iin
sa. A esmola era muito recomendada (Eclo definitiva diante de um juízo final. O dis
3,30; 7,10; Tb 4; 12), e déla se valia o alei­ curso se dirige a “Israel” como povo elcili■
jado para continuar sobrevivendo. Pedro e por isso insiste em temas conaturais
com Joâo váo romper o esquema, com a Messias, profeta, patriarca. O Israel de ago­
irrupçâo de urna força nova no ámbito do ra tem de realizar a promessa patriarcal cu
templo. O olhar mútuo exprime c provoca anúncio profetico, reconhecendo e aceitan
a expectativa (também do leitor): a roti- do o Messias. Os que se negarem senio “ex­
neira do doente, a confiante de Pedro (cf. cluidos do povo” (Lv 23,29). O estilo do
SI 145,15). discurso demonstra expressoes semíticas e
Pedro professa urna pobreza que o faz rico soa com acento arcaico.
(Le 9,3; Mt 10,9): pode invocar com éxito o 3.12 De novo os chama israelitas (nao
nome de Jesús Nazareno como Messias judeus), porque estáo ai, no templo, repre
(como a invocaçâo de Yhwh, Si 20,6.8; sentando o povo da alianza. O povo admi­
33,21; 124,8). A invocaçâo é acompanhada ra um taumaturgo; inclusive descobre nele
do gesto humano, o tato comunicativo (cf. urna religiosidade profunda, fonte de po­
a açào de Deus em SI 73,23). O efeito é der maravilhoso. E preciso chegar mais
¡mediato, acontece o que anuncia o salmo além: mais longe e mais perto.
(145,14); é espetacular, como que cumprin- 3.13 Partindo do título tradicional e pa
do a profecía (Is 35,6). Louvando a Deus, tríarcal de Deus (Ex 3,6.15), traga um arco
como se descobrisse novo sentido para o que descansa na “glorificagao” de Jesús
templo. (Is 52,13) e dai se precipita no delito.
379 ATOS DOS APOSTOLOS

.m.-)i,r,u-s e rejeitastes diante de Pi- nado. 210 céu tem que reté-lo até o
ihM i|iir ilecretava sua libertaqäo. l4Vós tem po da restauragáo universal, que
i»11-1 .i>•s o santo e inocente, pedistes Deus anunciou desde os tem pos am i­
,m vir. nulultassem um homicida 15e gos por meio de seus santos profetas.
-, o Príncipe da vida. Deus o res- "M o isé s disse: N osso D eus vos susci­
I- . I I . mi da morte, e nos somos teste- tará um profeta como cu, um de vos­
mihI m n ilisso. sos irmáos: escutai o que ele disser.
I'iiii|iie creu em seu nome, este que 23A q u e le que nao escutar o profeta
.iili.. n s e vedes recebeu vigor desse será excluido de seu povo. 24Todos os
.m.. i- a le obtida dele lhe deu saúde profetas, desde Samuel e por turnos,
Mi i | i l i la na presenta de todos vós. falaram e anunciaram estes tem pos.
' I nlretanto, irm äos, sei que vós e 25V ós sois herdeiros dos profetas e da
i..’h r. cliefes fizestes isso por igno- alianza que Deus outorgou a nossos
iii. i.i IKSó que Deus cum priu assim pais, quando disse a Abraáo: P or tua
itnimciado por todos os profetas: que descendencia seráo benditas todas as
(i Messias iria padecer. ^A rrep en ­ fa m ilia s do mundo. 2f'Deus ressuscitou
t í vos e convertei-vos, para que se seu servo e o enviou prim eiram ente a
,|iii|’iiem vossos pecados, 20e assim vós, para que vos abengoasse, fazen-
i i bais do Senhor tem pos favoráveis do que cada um se converta de suas
yus envié Jesus, o M essias predesti- m aldades.

V1-1-15 É o paradoxo maíor, o jogo trá- cambiam: arrepender-se e converter-se


iili n ila morte e da vida, pelo delito do (metanoein, epistrephein). O verbo “apa­
i.iimem e pelo designio de Deus. Desco­ gar” implica a metáfora do pecado como
cí linio o esquema do jogo, se poderia for­ divida registrada por escrito (SI 51,3).
mular assim: pedistes a vida daquele que 3,20-21 Como Elias foi arrebatado (2Rs
lluvia dado a morte e pedistes a morte do 2) e voltará para restaurar tudo (MI 3,23-
lii-fe da vida; mas Deus deu vida ao que 24; Eclo 48,9-10), assiin Jesús foi cha­
illllin morrido. Alude as cenas narradas por mado ao céu e voltará para realizar a res­
linas (23,1-4.18-20). tauragáo profetizada (Jr 31; 33; Ez 36; Is
.<,16 Agora essa riqueza de vida nova se 65-66; J14,9-17; Am 9,11-15; Zc 14), que
i mminica em forma de saúde a quem se será um tempo “de alivio” (Est 4,14) para
ilirc para recebe-la (Le 17,19). E o resul- o povo arrependido e perdoado.
mili) final e perceptível para todos os pre­ 3,22-24 Agora tém de obedecer ao pro­
cintes. feta anunciado (Dt 18,15-19), sob pena
3.17 Recordando a oragáo de Jesús na de serem aniquilados. Aparece Samuel
. mz (Le 23,24 “nao sabem o que fazem”), encabegando a série de profetas, por sua
l'cdro alega urna atenuante. Pode ser que vocagao e como mediador da palavra de
ii! refira ao tipo do pecado por “inadver­ Deus (ISm 3; Nata, 2Sm 7). O profeta
tencia” (segagá e sinónimos), de que fala prometido, no final da série, é Jesús, já
Hlegislagáo em Lv 4. O salmo 19,13-14 enviado e ativo nos anos precedentes (cf.
rontrapóe o pecado “por inadvertencia” ao Le 7,16).
pecado grave e consciente. 3.25 Da parte de Deus continua de pé a
3.18 E tema reiterado que, segundo os alianga, ou compromisso, contraída com
profetas, o Messias tinha que padecer. Abraáo (Gn 12,3; 18,18; 22,18), do qual o
( ostuma-se citar Is 53 e SI 22 e se pode- Israel presente é herdeiro legítimo.
riam acrescentar muitos outros textos que 3.26 A maneira de epílogo, recolhe te­
lalam de sofrimento do inocente, pois mas e concluí. Pela ressurreigáo, Deus
l’cdro acaba de chamar Jesús de “santo e envia Jesús para realizar e transmitir a bén-
inocente” (v. 14, cf. Sb 11,1). gáo prometida a Abraáo. Cada qual que
3.19 Aqui temos unidos e distintos dois se emende. E o esquema de Joñas, tira­
verbos que as vezes os autores (e também do do monstro ao terceiro día e enviado
os comentaristas) confundem ou inter­ a pregar.
A T Q ^ DOS APOSTOLOS 380 4.1

4 f, edro e Joáo diante do Conselho



— Com que poder ou em nome di
'Enquanto falavam ao povo, apre-quem fizestes isso?
s e n t a r a m ' s e os sacerdotes, o Comissá­ 8Entáo Pedro, cheio de Espirito San
rio d ° tem plo e os saduceus, irrita d o s to, respondeu:
porC^ue instruiam o povo, anunciando a — Chefes do povo e senadores: 9poi
res&urrei<;áo da morte por meio de Je­ ter feito um beneficio a um enferme
sú s. 3Prenderam -nos e, como era tarde, hoje nos interrogáis sobre quem curou
os c olocaram na prisáo até o dia seguin- este homem. 10Pois conste a todos vcV
te. 4 M uitos daqueles que ouviram o dis­ e a todo o povo de Israel que foi em
c u r r o abracjaram a fé, e assim a comu- nome de Jesús Cristo, o Nazareno, 11
n id ^ d e chegou a uns cinco mil. 5No dia quem crucificastes e Deus ressuscitou
seg iiin te , reuniram -se em Jerusalem os da morte. Grabas a ele, este homem estn
ch e fes: os senadores e os letrados, '’tam ­ curado em vossa presenta. n Ele é <i
per*1 A nás, o sum o sacerdote, e Caifás, pedra rejeitada por vós, os arquitetos,
J o á ° e A lexandre e todos os familiares que se converteu em pedra angular,
¿ o su m o sacerdote. 7Fizeram os após­ 12Nenhum outro pode proporcionar ;i
t o la s com parecer e os interrogavam: salvagao; náohá outro nome sob o céu,

4 .1 -2 3 O éxito do milagre, com o dis­ presos os presumidos réus. O espago da noi


c u rso subseqüente, provoca o primeiro te o narrador o enche com urna recordará«
encontró dos apóstolos com as autorida­ otimista e hiperbólica: cinco mil homens
d es judaicas, que sao num primeiro mo- 4,5-6 Na manhá seguinte reúne-se o Gran
m 6nto sacerdotes do partido saduceu, de- de Conselho. Assistem Anás, que conser
p0 ís também senadores ou representantes va o título (nós diríamos ex-sumo saeer
do poder civil e letrados, normalmente do dote) e grande parte do poder, Caifás, que
p aftido fariseu. Entre eles há pontos de detém o cargo, e outros dois, para nós des-
coftvergència e pontos de divergéncia. Os conhecidos.
satluceus, seguindo a antiga tradicáo bí­ 4.7 O interrogatòrio se coloca no terreno
blica, náo créem na ressurreigáo (23,8) e do milagre: Que sentido tem? De onde pro
se sentem incomodados com a propagan­ cede o poder? Segundo Dt 13,1-4 também
da que os apóstolos fazem com o caso de o falso profeta, apóstata de Yhwh, podi.i
j egus. Os fariseus créem na ressurreigáo fazer milagres, pelo que era necessàrio in­
“no último dia”, mas náo podem aceitar terrogar o que pregava. Em seus milagres,
q U e Jesús já se tenha beneficiado desse pri­ tanto Elias como Eliseu invocavam Yhwh
vilègio. Náo sabemos como imaginavam A quem invocam os apóstolos? (Le 20,2).
a ,-essurrei$áo; talvez como simples retor­ 4.8 Pedro responde “inspirado”, segundo
no à vida, como nos milagres de Elias e a promessa (Le 12,11-12). Interpela os “che-
gliseu (IRs 17; 2Rs 4), só que para unir-se fes do povo” (todo o Conselho?) mencio
a0 “mundo futuro”, ao reino do Messias. nando á parte o setor civil dos senadores.
O ponto comum é o alarme diante do que 4,9-12 Aproveita a ocasiáo que assem
pode acontecer. Que tenham de enfrentar bléia táo ilustre Ihe oferece para respon
de novo Jesus, quando o julgam eliminado der à pergunta, de modo que eles e o “povo
p3ra sempre. Que seus discípulos conti- de Israel”, a quem representam, escutem
nvjem e propaguem a linha de agáo do Mes­ a declaragáo e um sermáo minúsculo.
tre- Que suijam novas provocares contra O primeiro ponto é a incongruéncia do
oS romanos. Segundo o relato de Lucas, pas- processo: somos réus de uma obra de mise
sou pouco tempo desde a Páscoa trágica. ricórdia. O segundo é identificar o podci
4.1-4 Ver Le 20,27. Tomam a iniciativa os com nome e título, Jesús Messias. O ter
sacerdotes e o comissário, encarregados da ceiro é uma mudanza de papéis: o réu acu
0rdem pública. No templo, diante da massa sa os juízes, “o crucificastes”, e alega a
de gente que escuta, detém o orador e seus a§áo de Deus, “o ressuscitou”. Assim Pedro
acompanhantes. Como já é quase noite, náo chega ao tema fundamental. Finalmente,
podem fazer logo o julgamento e deixam como prova, ai está o homem curado.
<,27 381 ATOS DOS APOSTOLOS

concedido aos homens, que possa sal­ 2nQuanto a nos, nao podemos calar o
var-no v que sabem os e ouvimos.
^Observando a ousadia de Pedro e 21Repetindo suas ameacas, eles os des­
loao c constatando que eram homens pedirán!, pois nao encontravam um modo
,imple- s c ¡letrados, adm iravam -se; ao de impor-lhes urna pena, por causa do
reconhi-cer que haviam sido compa- povo, que dava gloria a Deus pelo acon­
ilheiros ilc Jesús, 14e ao verem com eles tecido. 220 homem beneficiado com o
i) honiem curado de pé, ficaram sem sinal da cura tinha mais de quarenta anos.
réplica. '“’Ordenaram, pois, quesaíssem 23Ao ver-se livres, reuniram-se com seus
Jo tribunal, e se puseram a deliberar: companheiros e contaram o que lhes ha­
— "'O que fazemos com esses ho- viam dito os sumos sacerdotes e os letra­
inensV l izeram um milagre evidente, dos. 24Os que ouviram levantaram a voz
lodos os habitantes de Jerusalém o sa- unánimemente, dirigindo-se a Deus:
liem, c nao podemos negá-lo. 17Contu- — Senhor, que fizeste o céu, a térra,
do, para que nao se continué divulgando o m ar e tudo o que eles contém; 25que
entre o povo, os proibirem os de voltar por boca de teu servo Davi, inspirado
it falnr com alguém a respeito desse pelo Espirito Santo, disseste: Por que
homem. se agitam as nagóes e os povos plane-
18Cham aram -nos e ordenaram -lhes ja m em váo? Os reís da térra se le­
uue absolutamente se abstivessem de vantaram e os governantes se aliaram
talar e ensinar em nome de Jesús. 19Pe- contra o Senhor e seu Ungido. 27De
dro e Joáo lhes replicaram: fato, nesta cidade aliaram-se contra teu
— Parece justo a Deus que obedeza­ santo servo Jesús, teu Ungido, Herodes
mos a vós antes que a ele? Julgai-o. e Póncio Pilatos, com pagaos e gente

Pedro ilustra citando o Salmo 118,22 (Le Os apóstolos nao opuseram resistencia à
20,17). E concluí com urna declaragáo de prisáo, responderam ao interrogatorio: re-
»Icance universal, transpondo as frontei- conhecem a autoridade e seu limite.
ras do povo de Israel. Jogando talvez com 4,21 Ao mencionar a última ameaga, o
o significado do nome hebraico de Jesús narrador distingue entre autoridades e
(Yhwh salva), proclama-o salvador único povo: o povo “dá gloria” a Deus pelo acon­
de todos. Veja-se o título Salvador atribui­ tecido. Para dar gloria a Deus, as autori­
do ¡i Yhwh: Is 43,3; 45,15; 49,26; 60,16. dades deveriam ter confessado a pròpria
4,13-14 A primeira reagáo é de descon­ culpa (cf. Js 7,19).
certó honrado. Impressionou-os a firmeza 4,23-31 Podemos imaginar a ànsia e a
de Pedro, o saber de homens sem estudos, expectativa da comunidade durante a au­
u prova inegável do milagre (cf. Le 10,21). sencia, o gozo quando voltam, o interesse
A solugáo é deliberar a sós. ao ouvir. O narrador omite tudo isso e cita
4,16-18 Na dinámica do relato, esta é a oragáo comunitària. O sucedido é urna
unía ocasiáo oferecida as autoridades para advertencia de que a paz é provisoria, de
rever sua agáo precedente e aceitar Jesús que o perigo espreita. Em tal situagáo pro­
como Messias. Escolhem a linha oposta. nunciara urna oragáo no estilo de muitas
Sem castigar esses inocentes, tentam man­ do saltèrio. O inocente perseguido recor-
char o nome do condenado (SI 9,6; 60,29; da a Deus seus feitos na criagáo e na his­
83,5; 109,13; Jr 11,19). Assim confirmam toria, expóe o perigo em que se encontra e
o fato e se endurecem em sua posicáo. suplica protegào para si, castigo para o ini-
4,19-20 Se o profeta nao pode deixar de migo, ou as duas coisas. As vezes respon­
pronunciar a mensagem recebida de Deus de um oráculo ou urna voz interior.
(Jr 1,17; 26,12-15; Ez 33,6), muito menos A oragáo presente está composta pen­
pode calar-se a testemunha oficial da res- sando também no leitor. Remonta-se à cria­
Nurreigáo (Le 12,3). E Pedro langa ao tri­ gáo (citando SI 146,6; Ex 20,11). Expóe
bunal outra causa a julgar, na qual sao os fatos recentes, adaptando livremente o
juízes e parte: a quem se deve obedecer? comego de um salmo (2,1-2: teráo que
ATOS DOS APOSTOLOS 382

de Israel, 28para executar tudo o que tua via indigentes entre eles, pois o( .|»i
mào e teu designio haviam anunciado. possuíam campos ou casas os vcmluit.
29Agora, Senhor, presta atenqào às suas levavam o prego da venda 35e o cI. |»>«|
ameagas, e concede a teus servos anun­ tavam aos pés dos apostólos. A i ¡.I i uw
ciar tua mensagem com toda a ousadia. era repartido segundo sua necesMil.nl»
30Estende tua mào, para que acontegam 36Um tal José, a quem os apostólos. In
curas, sinais e prodigios pelo nome do mavam Bamabé (que quer dizer ('<utt»
teu santo servo Jesus. lado), levita e cipriota de nasciim ni.»
31Ao term inar a súplica, o lugar onde 37possuia um campo: vendeu-o, K-vttiM
estavam reunidos tremeu, eles se enche- dinheiro e o pos aos pés dos apósl* >1...
ram do Espirito Santo e anunciavam a
mensagem de Deus com ousadia. A nanias e Safira — 'C erto Aiu

Com unidade de bens — 32A multidào


S nias, com o consentimento ilc -ni«
mulher Safira, vendeu urna propri. .ti
dos fiéis tinha urna só alma e um só de, 2ficou com parte do dinheiro, levo»
coragáo. N ào cham avam de pròpria o restante e o pos aos pés dos apnMn
nenhuma de suas posses; ao contràrio, los. 3Pedro lhe disse:
tinham tudo em comum. — Ananias, como é que Satan.r, i.
33Com grande energia davam teste- impulsionou a mentir ao Espirito S u.
munho da ressurreigao do Senhor Je­ to ficando com parte do prego do i .un
sus e eram muito estimados. 34Náo ha- po? 4Náo poderias conservá-lo ou, so ..

contar também com o resto?) e afirmando 19,1-10, Zaqueu); na comunidade, o ilr»


o controle soberano de Deus sobre os acon- prendimento parcial ou total é livre; a vrfl.
tecimentos. Nao pedem castigo para os da de posses se faz ocasionalmente. GruM
perseguidores nem protegào para si, mas limitados e de forma livre têm perpetua. I.
valentia para continuar dando testemunho, na Igreja o ideal da comunháo de bens A
e a confirmagáo do testemunho com no- experiência náo deu resultado e tiveram
vos milagres em nome de Jesús. O contrà­ que recorrer a coletas em outras igrc|.ii
rio de quanto procuravam as autoridades: (2Cor 8-9 par.). A seguir, dois exem|iln>
manchar o nome de Jesús. contrapostos ilustram o principio.
4,31 Numa espécie de oráculo, o Espi­ 4,36-37 O primeiro é Bamabé, per ...
rito responde com um sinal cósmico, um nagem de relevo mais tarde no livro. I’ui
terremoto circunscrito (Jr 8,16; Am 8,8; aos pés é pôr à disposiçâo dos apóstalos
SI 68,9; 77,19) e lhes outorga a valentia
que pediram. 5,1-11 O segundo exemplo é trágico«
4,32-35 Novo sumário. Exceto a refe­ até intimidador. Ao lé-lo nos parece revivi i
rencia ao testemunho apostólico, que algumas cenas do AT: o roubo sacrilega
relembra os fatos precedentes, este sumá­ de Acá (Js 7, que os comentaristas costil
rio visa ao que se segue e se concentra no mam citar), a rebeliáo e castigo de Cor(V
tema da comunháo de bens. Datá e Abiram (Nm 16), os piquetes fulml
a) Quanto ao aspecto ideal, responde a nados a pedido de Elias (2Rs 1), a morir
sonhos ou utopias de filósofos pagaos, bem de Eli e de sua ñora (ISm 4). Sem quern
divulgados na época. Quanto à finalidade, nos distanciamos criticamente do relato.
“que nào haja pobres na comunidade”, res­ O autor quis compor um relato inten
ponde ao ideal da legislagáo deuterono- sámente dramático, mesmo a custo de pa
mista (Dt 15,1-11). É coerente com a ati- recer inverossímil. Podemos assistir a eli
tude de Lucas evangelista com respeito a como a urna representagáo teatral ou ci­
riquezas e bens (Le 6,24; 9,3; 10,4; 12,16- nematográfica, que se concentra em mo
21; 16,19-31). Segue o exemplo de Jesús, mentos culminantes, saltando-se o iu
vivido também pelos discípulos. termédio. Primeiro ato: interrogatorio
b) Na execugáo real, Jesús nao tinha conciso, morte repentina no palco, ¡me­
pedido o desprendimento total a todos (Le diatam ente saem dos bastid o res os
fc* 383 ATOS DOS APOSTOLOS

ttU|>NM's, nâo poderias ficar com o junto de seu marido. n Toda a igreja e
MIm'Iih? O que te m oveu a agir as- os que ficaram sabendo espantaram-se.
p | 1 Nao mentiste aos homens, mas a
M ilagres (Le 4,38-41; 5 ,12-26) —
*A«<<mvir essas palavras, Ananias caiu 12Por m áos dos apóstelos aconteciam
$il in, c os que ouviram se atemoriza- muitos sinais e milagres entre o povo.
4iii "I Jus jovens foram, o cobriram e o Todos de comum acordo acorriam ao
ftWiiiiii para enterrar. 7Umas très horas pórtico de Salomáo; 13ninguém dos es-
4|iio larde chegou sua esposa, sem sa- tranhos se atrevía a reunir-se com eles,
iii|ue acontecera. 8Pedro lhe dirigiu em bora o povo os elogiasse. 14Ia jun-
i|»»liivra: tando-se a eles um número crescente
|)ize-me: vendestes o campo por de fiéis ao Senhor, homens e mulheres,
•tt# preço? 15ao ponto de levar os enfermos para a
. Sim, respondeu ela. rúa e os colocar em liteiras e macas,
•l'edro replicou: para que, ao passar Pedro, ao menos sua
*». l’or que vos pusestes de acordo som bra os cobrisse. 16Também os ha­
HitH pôr à prova o Espirito do Senhor? bitantes dos arredores de Jerusalém le-
Vi, us pés dos que enterraram teu ma- vavam enfermos e possuídos por espi­
tii|i i cstâo à porta para levar-te. rites imundos, e todos se curavam.
|nlinediatamente caiu m orta a seus
ii»n lintraram os jovens e a encontra- P e r se g u id o — 17Entáo o sum o sacer­
idin morta; levaram -na e a enterraram dote e os seus, ou seja, o partido sadu-

« tllrr ra d o re s e o levam. Segundo ato: 5,9 “Por a prova”: ICor 10,9.


Hiivo interrogatório reduzido, morte re- 5,11 Pela primeira vez no livro se lé o
H iitin a , os enterradores ao voltar a levam. termo igreja (ekklesia).
ínlu por e espanto do público. 5,12-16 Novo sumário com dois temas
Que pensamento govema a gravidade do principáis. A Igreja que acaba de mencio­
drama? Há urna comunidade crista regida nar é urna comunidade definida, diversa,
|wl<> Espirito em unidade, solidariedade e e também aberta. Ñas suas reunióes no
ilnccridade. Nesta espécie de paraíso insi- templo nao se misturam outros; mas se
nuou-se a serpente, Satanás (Le 22,3, incorporam a elas os que abragam a fé no
ludas), que é “pai da mentira” (Jo 8,44-45). “Senhor” (Jesús). O segundo sao os mila­
Illduzido por ele, este casal mentiu a Deus gres, conforme a petigáo de urna reuniáo
¥ ni) Espirito, que é o Espirito da verdade precedente (4,30).
(Jo 14,17; 15,26). Semelhante conduta pode O poder curador da sombra de Pedro nao
««venenar a comunidade. Quem assim age se conta como hipérbole. Basta pensar na
llAo pertence a ela. Acresce a circunstancia importancia da “sombra” como símbolo
lie defraudar (cf. MI 1,14). no AT, aplicado também ao homem (Jz
Que pretendiam ambos com a operagao? 9,15; Ct 2,3; Lm 4,20); também ñas lín-
Colocar em si urna auréola de generosida- guas modernas se conserva como fóssil
de diante dos outros? garantir privilégios lingüístico “boa/má sombra”). A afluen­
para si próprios? cia de doentes recorda a atragáo de Jesús
Que lhes aconteceu de fato? Talvez um (Me 6,56; Le 4,40) e permite cumprir seu
Incidente mortal que foi interpretado como mandamento (Le 9,2; 10,9).
castigo. Ou na tradigáo oral, do excluir da 5,17-42 O novo ato de perseguigáo da
comunidade passou-se ao excluir da vida. E parte do Conselho se parece muito com o
muito improvável que cheguemos a sabé-lo. precedente quanto á estrutura (4,1-22):
De passagem aparece Pedro dotado de prisáo, interrogatório, resposta do acusa­
penetragáo sobre-humana. A qualquer lei- do, deliberaqáo privada, proibigáo. O
lor cristáo se manifesta que Satanás pode narrador quer que sintamos a repetigáo e
penetrar numa comunidade como um dia que nela apreciemos os detalhes novos, o
penetrou num dos doze. avanqo da acáo para uma primeira pausa.
ATOS DOS APOSTOLOS 384

ceu, cheios de ciúmes*, 18prenderam os -— Os homens que prendestcs < i ¡


apóstolos e os puseram na prisáo pú­ templo instruindo o povo.
blica. 19Mas de noite o anjo do Senhor 26Entáo o comissário do temple i. ■
Ihes abriu as portas, tirou-os da prisáo seus guardas, os levaram sem violen. i
e lhes recomendou: pois temiam ser apedrejados pelo p"
—- 20Ide, e de pé no tem plo explicai “7Levaram-nos e os apresentaram ;i<>< ■
ao povo a doutrina deste modo de vida. selho. O sumo sacerdote os inti mn
Ouvido isso, dirigiram-se de manhá —- 28Havíamos ordenado nao n rm .
ao templo e comegaram a ensinar. Apre- mencionando esse nome, e vos cm li
sentou-se o sumo sacerdote com os seus, tes Jerusalém com vossa doutrina, < r
convocaram o Conselho e todo o se­ reis tomar-nos responsáveis pela umHi
nado dos israelitas, e enviaram gente á desse homem.
prisáo para buscá-los. 22C hegaram os 29Pedro com os apóstolos replicai.ih
guardas e nao os encontraram na pri­ — Deve-se obedecer antes a Dfeu:. i
sáo, e voltaram 23com esta informagáo: aos homens. 30O Deus de nossos p.
— Encontramos a prisáo fechada com ressuscitou Jesús, a quem vós exm ii i
toda a seguranza, os guardas em pé á por­ tes, pendurando-o num m adeiro.' 11>( n
ta; abrimos e nao encontramos ninguém porém, o exaltou á sua direita, nonii itn
dentro. do-o chefe e salvador, para ofereeof |
24Ao ouvir a informagáo, o Comissário Israel o arrependimento e o perdáo M.
do templo e o sumo sacerdote estavam per- pecados. 32Desses acontecimentos nr>
plexos, sem entender o que havia aconte­ somos testemunhas com o Espirito San
cido. 2íApresentou-se alguém e anunciou: to que Deus concede aos que nele créom

Há concatenagáo lógica na insisténcia: as como no relato cómico de Daniel no I n v i


autoridades lhes haviam imposto urna proi- dos leóes. O Conselho completo se num
bigáo formal, que eles violaram. Sáo réus para julgar a... desapareceram os réus ( >
reincidentes e devem prestar contas ao tri­ dens, idas e vindas... reaparecem oml.
bunal pelo desprezo. menos se deseja, no dominio especial dn
5,17 *Ou: Cheios de zelo pela manu­ sacerdotes, os quais, em lugar de se abran
tenga o da ordem (irónico?, é o nome dos darem, se endurecem mais. Sem violènti»
zelotas), ou de inveja pelo éxito dos seus dos guardas (Le 20,10), sem resisténdii
rivais (Gn 37,11). dos apóstolos, outra vez frente a frente
5,17-18 Nao especifica a ocasiáo ¡me­ 5,27-28 As palavras do sacerdote soam
diata nem o modo da prisáo. Os saduceus, com ironia dramática. Evita pronunci a
encarregados da ordem pública, tomam a um nome que quer apagar, e tem que con
iniciativa. fessar o éxito dos apóstolos “ enchenilo
5.19 O narrador langa máo de uma in- a capital com seu ensinamento. Deve-se n
tervengáo celeste no estilo tradicional. cordar o papel central de Jerusalém pai.i
Pode ser “um anjo” ou “o anjo” do Senhor Lucas: sem querer, o sumo sacerdote si»
(m l’k Yhwh). Pode-se recordar a liberta- faz testemunha do progresso da pregaban
gáo de encarcerados como José (Gn 41,14), (segundo a recomendagáo de 1,8).
de Jeremías (Jr 40,4), e a promessa aos exi­ A última frase soa literalmente “querer,
lados (Is 48,9; 51,14), ou para os últimos langar sobre nós o sangue desse homem",
tempos (Zc 9,11). que é fazé-los responsáveis de homicíclia
5.20 Quando Jeremías estava preso, (Mt 27,25; Pedro o dissera no julgamen
Baruc o substituía pregando no templo (Jr to anterior, 4,10).
36). Os apóstolos tém de voltar a conti­ 5,29-32 Agora o reafirma com ligeira
nuar seu ministério público acerca dessa variantes. A ressurreigáo seguiu-se a exal
“vida” ou novo modo de vida. tagáo (SI 110,1); náo para condenar “Is
5,21-26 Este episodio nao é repetigáo. rael”, mas para perdoar os que se arrepen
Nele ressoa o exemplo de Jesús (Le 19,47). dem; ao testemunho deles (Le 24,4K|
O narrador parece divertir-se ao contá-lo, soma-se o do Espirito Santo (Jo 15,26).
385 ATOS DOS APOSTOLOS

I i.i'.perados ao ouvir isso, delibe­ vos a nao vos meterdes com esses ho­
r im i iondená-los à morte, 34quando mens, mas deixai-os em paz. Pois, se o
... i i msclho se levantou um fariseu cha- projeto ou a execugíto for coisa de ho­
li >Gamaliel, doutor da lei, muito mens, fracassará; 39se é coisa de Deus,
m II
iii h . I
o por todo o povo. Ordenou que nao podereis destruí-los, e estareis lu­
il«* va ni sair os acusados 35e se dirigiu tando contra Deus. Deram-lhe atengáo,
i H r . i nibléia: ^cham aram os apóstolos, os agoitaram,
Israelitas, muito cuidado com o que os proibiram falar em nome de Jesus e
tilt'1' l.i/.er a esses homens. 36Faz algum os despediram. 41Eles saíram do tribu­
i«iii|i<i surgiu Teudas, que pretendía ser nal contentes por haver sido considera­
«lniu'ni, e o seguiram uns quatrocentos dos dignos de sofrer desprezos pelo no­
luiMiciis. Mataram-no, e todos os seus me dele. 42E nao cessavam, a cada dia,
«unidores se dispersaram e acabaram no templo ou em casa, de ensinar e anun­
► mi nada. 37Mais tarde, durante o censo, ciar a boa noticia do Messias Jesús.
•iiifiiu Judas, o Galileu, e arrastou gente
ili> povo atrás de si. Também ele mor­ O s sete diáconos — 'Por essa oca-
ii il, c todos os seus seguidores se espa-
lliiiiam. 38Agora, portanto, aconselho-
6 siáo, aumentando o número dos dis­
cípulos, os de lingua grega comegaram

S, 13 A reaqáo desta vez nao é descon- O principio é altamente teológico. Na


i <<i(ante, mas violenta (cf. 7,54-56). Deli- simetría dos dois condicionáis, o primeiro
lirini indica a intengáo, e o imperfeito des- está no subjuntivo, o segundo no indica­
■irvc algo em processo; nao se chegou a tivo. Lutar contra Deus: recordem-se as
nina decisáo nem tampouco a urna senten- bravatas de Senaquerib (Is 36,19-20;
i,n judicial. Nesse momento, um homem de 37,12) e muitos textos que falam dos “ini-
(¡mude prestigio se levanta para falar e pro­ migos de Deus” (do tipo do SI 68,2). Dai
nunciar urnas palavras que sao o centro de brota o conselho pràtico: deixá-los em paz.
Hinvidade de toda a cena e urna informa- Lucas sublinha também este conselho.
i,'/lo valiosa para futuros leitores. Um fato 5,37 Os galíleus tinham fama de turbu­
histórico, talvez com a cronología altera- lentos (cf. Le 13,1).
ilu, revela um componente da situagáo. 5.39 Ver a afirm ado categórica de Is
H um “fariseu”: nem todos os fariseus 14,26-27.
Inram hostis. E muito estimado de todos; 5.40 A flagelaqáo era as vezes aplicada
portanto, deve-se pensar que guiava urna como advertencia ou admoestagáo (cf. Me
nía do partido. Nao é cristáo; portanto, 13,9).
pode representar um modo de relagoes 5.41 O final é novo: uma nova expe­
pacíficas e tolerantes do judaismo com o riencia, permanente, dos apóstolos. Nao a
cristianismo. É Gamaliel, provavelmente su p e ra lo do temor, nao o gozo da liber-
lilhode Hilel,chefe da ala liberal do judais­ tagáo, mas o gozo paradoxal de sofrer por
mo (compare-se com a intervenqáo de e como Jesús (Le 6,22-23; lPd 4,13), a
Nicodemos, Jo 7,50-52). Lucas ostenta este experiencia de sua bem-aventuranga. Será
Icstemunho ponderado, imparcial, frente o destino do apóstolo (cf. 2Cor 1,3-11).
no judaismo de seus dias. O que Gamaliel
pronuncia é condicional, para o narrador 6,1-7 Leia-se como lema o SI 132,15-
é fato consumado. 16. Talvez neste capítulo comece uma se­
No seu discurso se unem dois fatos e gunda parte do livro, com o aparecimento
um principio de compreensáo e de a§áo. de um novo grupo na comunidade de Je-
Os fatos sao históricos: dois casos de líde­ rusalém: os helenistas. O nome designa
res que se apresentam como messias ou judeus da diàspora cuja lingua era o gre-
libertadores contra o poder de Roma. Só go: muítos ficavam no seu país de origem,
(|ue Teudas agiu depois do ano 44. Judas uns poucos se mudavam para Jerusalém e
Galileu foi mais famoso como promotor ai passar seus últimos anos e serem se­
do movimento independentista zelota. pultados na cidade santa. (Havia sinago-
ATOS DOS APOSTOLOS 386

a murm urar contra os de língua hebrai­ ram as máos. 7A m ensagem de Den»


ca, pois suas viúvas eram desatendidas difundía, em Jerusalém crescia imiil
no servigo diario. :Os doze convoca­ o número dos discípulos, e muitos .
ran! todos os discípulos e Ihes disseram: cerdotes abragavam a fé.
— Nao é justo que descuidem os a
palavra de Deus para servir á mesa; Estévao preso — 8Estévao, cheio i
portanto, irmáos, designai seto homens graga e poder, fazia grandes milatM
dos vossos, respeitados, dotados do Es­ sinais entre o povo. “A lguns memln
pirito e de prudencia, e os encarregare- da sinagoga dos Emancipados*, gnu.
mos dessa tarefa. 4Nós nos dedicaremos de Círene e Alexandria, da Cilicio o ■!
á oragáo e ao ministério da palavra. Asía, puseram-se a discutir com I i.
5Todos aprovaram a proposta, e ele- váo; "'mas nao conseguiam resislii *
geram Estévao, homem de fé e cheio sabedoria e espirito com que falav i
de Espirito Santo, Filipe, Prócoro, Nica­ ]1Entáo subornaram alguns que dei 11
nor, Timáo, Pármenas e Nicolau, pro­ raram té-lo ouvido blasfem ar conlt»
sélito de Antioquia. 6Apresentaram-nos Moisés e contra Deus. 12Amotinarani •
aos apóstolos, oraram e lhes impuse- povo, incluindo senadores e letrado»

gas especiáis para eles, 6,9; 24,12.) Muí- e dedicagáo se parecem com o episodio
tos eram fiéis as tradigóes dos antigos, uns de Moisés quando escolheu os setenta i u
poucos se convertiam ao cristianismo. Este laboradores que compartilharam do si n
último grupo provoca tensóos novas, para “espirito” (Nm 11).
dentro c para fora da comunidadc. O estranho é que depois nao verenin
Para dentro: a ocasiáo trivial, embora esses sete de nome grego “servindo a nn
sentida, da partilha, talvez dissimule ten- sa”, e sim pregando “a palavra”. Como m
sóes mais profundas. As viúvas, grupo so­ fossem urna instancia subordinada ao
cial desvalido e objeto de atengáo especial doze para dirigir os helenistas.
na tradigáo bíblica, vivem da caridade na 6,7 O incidente fica resolvido, e o nar
comunidadc crista. Mas, pelo visto, ou se­ rador o indica noticiando o continuo eres
gundo as queixas, as viúvas helenistas re­ cimento da comunidadc. Personificando a
ceben! um trato pior, ou seja, a diferenga "palavra” ou mensagem, diz que “crescia
de língua é origem de discriminagáo e esta O mais surpreendente era que das filen,v.
é agente corrosivo da unidade. Havia ten- dos inimigos acérrimos, a classe sacerdo
soes mais profundas que afloravam neste tal, brotavam conversóes ao cristianismo,
incidente? (Recordem-se as repetidas quei- 6,8-15 Para fora: hostilidade entre hele
xas ou protestos dos israelitas no deserto.) nistas cristáos e helenistas nao convertidos.
Os doze (designagáo inusitada neste li- Estévao é nao só protomártir, mas tamban
vro) convocam urna assembléia de discí­ prototipo do cristao possuído pelo Espírilo
pulos e propóem, como remédio, formar e testemunha até a morte. Grande nos mi
um novo comité encarregado da partilha, lagres, na dialética, nos discursos, ñas vi
já que eles tém de dedícar-se a pregagáo e sóes. Parece entusiasta, muito ativo na sua
á oragáo. As duas atividades, da palavra propaganda, incisivo na sua denúncia. Aqui
de Deus e do alimento das pessoas, se cha- lo que seus rívais nao conseguem racioci
mam “servigo”. A assembléia elege e pro- nando e discutindo, procuram obté-lo com
póe os nomes; os apóstolos, impondo as urna campanha de difamagao para desacre
maos, lhes transmitem o encargo e a graga ditá-lo também diante do povo e dos fariseus
para cumpri-Io. O número é seto, corrente letrados. Assim conseguem mobilizar o
em grupos judeus e diferente dos “doze”. povo: dado novo que muda a situagáo. Nao
As qualidades requeridas sao “espirito e param até conduzi-lo perante o Conselho.
prudencia”: se se toma como hendíadis, 6,9 Libertos ou Emancipados parecem
pode equivaler a “dotes de prudencia” ser descendentes de judeus prisioneiros de
(como Ex 28,3); se se toma pneuma em guerra. *Ou: Libertos.
sentido transcendente, seria Espirito San­ " 6,10 Ver Le 21,15.
to e prudencia humana (Is 11,3). Aeleigao 6,11 Mt 26,59-61.
387 ATOS DOS APOSTOLOS

itrpniiiiii, apoderaram-se dele e o con- 15Todos os que estavam sentados no


iiKiniin ao Conselho. l3Apresentaram Conselho fixaram nele o olhar e viram
•ii i.... . falsas que declararam: que seu rosto parecía o de um anjo.
I .le liomem nao para de falar con-
m Hile santo lugar e contra a leí. l4Ou-
.....lo afirmar que Jesús Nazareno D iscurso de Estévao — 'O sumo
'.«iiiiiu este lugar e mudará os costu-
ii*t que Moisés nos legou.
7
sacerdote o interrogou:
— Isso é verdade?

I», I t A acusagáo se concentra ñas duas do por Deus como “libertador”. Moisés dá
|i(tulles instituígoes judaicas: o templo (Jr aos israelitas leis, “palavras de vida” que eles
d, 11)i- a leí (lMc 2,27; 3,43). É provável que náo cumprem. Anuncia-lhes também profe­
.. in iisagóes tenhamalgum fundamento, já tas sucessores seus, e eles os mataram (a acu­
(in Irsus se tinha distanciado do templo sagáo náo mencionava a profecía: tudo se
Imvia violado a lei ou sua interpretado. reduzia á leí e ao culto).
ti. 14 Isto se refere a urna predico do fu­ Passemos á acusagáo sobre o culto. Deus
mín escatològico que transtorna todas as “apareceu” a Abraáo (v. 3) e lhe anunciou
«(« langas. O Messias havia de vir para de- que seus descendentes celebrarían! o culto
I
ii v i t a soberanía a Israel e, por esse meio, em Canaá (v. 7). O Sinai é “lugar sagrado”.
llll|inr a lei de Moisés a todos os povos, fa- Moisés lhes ensina o culto autentico; eles
•i'Mtln do templo o centro de peregrinado fabricam para si um ídolo e o adoram. Dá-
i ulto. O que atribuem a Esteváo é exata- lhes urna tenda copiada do modelo divino;
mnite o contràrio. eles retém a tenda de Moloc. Céu e terra
(i, 15 Aresposta de Estévao é por enquanto sáo trono de Deus, e eles se empenham em
mu rosto angélico: talvez radiante como o confiná-lo num templo.
,li' Moisés depois de falar com Yhwh (Ex Assim chega ao cume: o Justo anuncia­
M..’9-35; cf. 2Sm 14,17). Com esse versí- do, ao qual dedica um versículo depois de
>ilio conecta no relato o desenlace, 7,55- um discurso táo longo: por qué? Porque os
iill. Um longo discurso interrompe a agáo. tipos precederam. Abraáo foi testemunha
da gloria de Deus; José vendido, “Deus es-
7,1-53 O discurso de Estévao perante o tava com ele”; Moisés rejeitado, “agradava
( It.inde Conselho, mais que declaragáo ou a Deus”. Do Justo (Jesús, náo pronuncia o
ililfesa, é urna resposta ad hominem. Na su­ nome) duas palavras de acusagáo: vós o
perficie soa como síntese seletiva de histó- entregastes, o matastes. Por que náo men­
rln bíblica, com citagóes de textos ou frases, ciona a ressurreigáo, a exaltagáo? Porque a
enm algum trago midráxico, com nao pou- adia para um final de grande efeito: a exal-
eiis liberdades nos detalhes. Dir-se-ia que náo tacáo náo é a última pega de um relato; é
lesponde as acusares sobre a lei e o templo algo que Estévao contempla e atesta.
i’ i|ue quase náo fala de Jesús. No entanto, A realeza tem pouca importancia no dis­
lido com atengáo, vé-se que a figura de Je- curso. Davi “alcangou o favor de Deus”
iiis, rejeitado pelos judeus e constituido Se- (nada diz da descendencia davídica do
nlior, guia a selegáo de dados e o desenvol- Messias). Quanto ao sacerdocio, é preciso
vimento. Alguns silencios sao significativos. adivinhá-lo no culto (a mengáo de Aaráo
Ahistória comega com a eleigáo de Abraáo junto a Moisés náo é lisonjeira). O templo
(o mais universal dos patriarcas) e com sua fica relativizado: é “obra de suas máos”,
iilianga (nào a do Sinai), cujo sinai é a cir- como também o bezerro (vv. 41.48), e há
cuncisáo (que os judeus da diàspora conti- outros lugares sagrados nos quais Deus se
nuam praticando). José, o “irmao” inocente, manifesta. Para os judeus da diaspora é
é vendido pelos “patriarcas” ao estrangeiro interessante recordar que Abraáo procede
e exaltado pelo Faraó. Moisés é a figura cen­ de fora, que José e Moisés desfrutaram por
tral do discurso (mencionado na acusagáo). algum tempo da benevolencia do Egito.
Exposto pelos pais, recolhido e educado pela 7,1 Este eomego, de interrogatorio for­
princesa; defensor de seus “irmáos” e rejei­ mal, parece elaboragáo posterior. O desen­
tado por eles; fugitivo e escolhido, é envia- lace náo será urna sentenga pronunciada e
ATOS DOS APOSTOLOS 388 7,2

2Ele respondeu: levassem ao Egito; mas Deus estava


— Irm àos e pais, escutai. Q uando com ele 10e o livrou de todas as suas
nosso pai A braào residía na M esopotà- desgranas. F ez que ganhasse, por sua
mia, antes de transferir-se para Hará, prudencia, o fa v o r do Faraó, rei do
apareceu-lhe o Deus da gloria 3e lhe Egito, que o nomeou governador do
disse: Sai da tua terra e da tua paren­ Egito e de toda a sua corte. u Sobre-
tela e vai para a terra que eu te indi­ veio urna carestia no Egito e em Canaá
car. 4Saindo, pois, da Caldéia, estabe- e uma grande escassez, de modo que
leceu-se em Hará. Ao m orrer seu pai, nossos antepassados náo encontravam
transladou-o dali para esta terra que vós provisoes. u Q uandoJacó ficou saben-
agora habitais. 5M as nào lhe deu urna do que havia trigo no Egito, enviou
heranga na qual estabelecer-se, mas lhe numa primeira expedigáo nossos ante­
prometeu dà-la em propriedade a eie e passados. 13Numa segunda expedigáo,
à sua descendencia. Quando ainda nào José se deu a conhecer a seus irmàos,
tinha filhos, 6Deus lhe falou assim: Teus e o Faraó descobriu a linhagem de José.
descendentes serño im igrantes em ter­ 14José mandou chamar seu pai e toda a
ra estrangeira; os escravizarao e mal- familia, urnas setenta pessoas. 15Jacó
tratarào durante quatrocentos anos. desceu ao Egito, onde morreu, assim
7Eu julgarei o povo que os escravizar como nossos antepassados. 16Seus res­
— disse Deus. — D epois sairào e me tos foram transladados para Siquém e
prestarào culto neste lugar. 8Com o si­ depositados no sepulcro que Abraáo
nai da alianga, lhe deu a circuncisào. havia comprado dos hemoritas de Si­
Por isso gerou Isaac e o circuncidou no quém por dinheiro. 17Quando se apro-
ottavo dia. Isaac gerou Jacó, e Jacó os ximava a hora de cumprir-se a promes­
doze patriarcas. 9Os patriarcas, invejo- sa que Deus havia feito a Abraáo, o
sos de José, venderam -no para que o povo havia crescido e se havia multi-

executada, e sim um motim violento pro­ Náo vé que logo será um auténtico pro­
vocado por urna suposta blasfemia. O au­ blema.
tor quis dar ao martirio de Estéváo um ca- 7.9 Dedica muito espago a José, único
ráter jurídico, paralelo ao de Jesús. Estéváo dos doze irmáos (nisto segue Gn 37—50).
comega com títulos conciliadores e res­ Provavelmente porque é a vítima inocen­
petosos. te, depois reivindicado e salvador dos ir­
7.2 O “Deus da Gloria” é a primeira máos. Deus estava com ele (Gn 39 o diz)
palavra a partir da qual tudo comega. Para precisamente quando parecía abandonado
o título: SI 29,3. “Apareceu” (deixou-se na prisáo.
ver): Gn 12,7; 17,1; 18,1 etc. Abraáo re­ 7.10 Abenevoléncia do Faraó é agáo de
cebe o título tradicional, táo querido dos Deus ao conceder a José “atrativo e pru­
judeus, “nosso pai”. As palavras de Esté­ dencia” (Gn 41,39).
váo náo garantem a exatidáo dos fatos nem 7,12-13 Discretamente diz que na primei-
das suas referencias bíblicas. ra vez os irmáos náo o reconheceram (quan-
7.3 Citagáo literal de Gn 12,1. Sublinha do só buscavam provisóes), e na segunda
o tema da “saída”. ele se deu a conhecer (Gn 42,1; 45,16).
7.5-6 Cita duas promessas: o dom da Haverá uma referencia oblíqua a Jesús?
térra e da descendencia; náo menciona a 7,14-15 É importante a descida de Jacó
béngáo. e familia ao Egito (Gn 46,27).
7.6-7 A citagáo tirada da visáo (Gn 15) 7.16 Segundo Gn 23, comprou o sepul>
acrescenta uma frase de Ex 3,12, confe- ero em Hebron. Trasladado e sepultado
rindo assim caráter sagrado ao lugar onde (Gn 49,33; 50,7-13).
se encontra o patriarca: todo o territorio 7.17 O Egito se converte em terreno
de Canaá ou só o lugar da visáo? nutricio e quase materno do crescimenlo
7,8 Estéváo menciona a circuncisáo sem de Israel (Ex 1,7). O helenista diz isto com
indicio de discussáo ou dúvida (Gn 21,4). segunda intengáo?
7,38 389 ATOS DOS APOSTOLOS

pilcado no Egito. lsSubiu ao trono do fugiu e estabeleceu-se em Madiá, onde


Egito um rei que nada sabia de José, gerou dois filhos. 30Passados quarenta
19e que maltratou com astúcia nossos anos, apareceu-lhe um anjo no deserto
pais, e os obrigou a expor os recém- do monte Sinai, na chama de urna sar­
nascidos para que nao sobrevivessem. ga que ardia. 31Moisés ficou maravilha-
20Foi a época em que nasceu Moisés, do diante do espetáculo, e quando se
que agradava a Deus. D urante très aproxim ava p a ra ver melhor, fez-se
meses o criaram na casa paterna; 21de- ouvir a voz do Senhor: 32Eu sou o Deus
pois o expuseram, e a filha do Faraó o de teus pais, o Deus de Abraáo, de Isaac
adotou e educou como filho seu. 22Moi- e de Jacó. M oisés, tremendo, nao se
sés se formou em toda a cultura egipcia; atrevía a olhar. 330 Senhor lhe disse:
era poderoso em palavras e o b ras.23Ao Tira as sandalias dos pés, porque estás
completar quarenta anos, ocorreu-lhe em lugar sagrado. 34Vi como sofre meu
visitar seus irmáos israelitas. 24Vendo povo no Egito, escutei sua queixa e
que um era maltratado, saiu em sua de- desci para libertá-los. E agora eu te
fesa e vingou a vítima, matando o egip­ envió ao Egito. 35A este Moisés, a quem
cio. 25Pensava que seus irmáos compreen- haviam rejeitado dizendo: Quem te no­
deriam que Deus ia salvá-los por sua meou chefe ejuiz?, Deus o enviou como
máo; mas eles náo o compreenderam. libertador por meio do anjo que lhe apa-
26No dia seguinte, apresentou-se a al- receu na sarga. 36Ele os tirou, realizan­
guns que brigavam e tentou reconciliá- do milagres e sinais no Egito, no mar
los, dizendo: Sois irmáos, por que vos Vermelho e p o r quarenta anos no de­
maltraíais? 27Porém, o que estava abu­ serto. 37Este é o M oisés que disse aos
sando do outro o rejeitou, dizendo: israelitas: D entre vossos irmáos Deus
Quem te nomeou chefe e ju iz nosso? suscitará um profeta como eu. 38Este é
28Pretendes matar-me como mataste on- aquele que na assembléia, no deserto,
tem o egipcio? 29Ao ouvir isso, Moisés tratava com o anjo que havia falado no

7,20 A curiosa expressáo “agradava a 7,32-33 Na aparigáo da sarga, Estéváo


Deus” significa que o menino pareceu lin­ náo menciona a revelagáo do nome (que
do (asteios) a Deus (Ex 2,2). já náo se pronunciava entáo).
7,22 Essa formaçâo egipcia de Moisés 7,35 Repete o esquema da primeira pre-
nao se lé na Biblia, mas sim em outros tex­ gagáo de Pedro: os homens o rejeitam,
tos. Também poderia ser intencional na Deus o nomeia “resgatador”. Termo pró-
boca do helenista. prio da libertagáo de escravos. Por meio
7.25 Seguem-se os episodios de Ex 2,1- de ou acompanhado do anjo (Ex 23,23;
12. A figura de Jesús se insinua por detrás 32,34; 33,2).
ileste versículo, dando-lhe um relevo de 7,37-38 Estes dois versículos refletem
i'inzelamento: por seu intermedio ia salvá- urna atitude e podem ser polémicos. Os
los, esperava que seus irmáos o entendes- judeus davam importancia primordial á
scm, mas náo o compreenderam. torá (Pentateuco), que continha a lei e da
7.26 O efeito se prolonga neste v. com qual principalmente retiravam normas de
menos força: tenta reconciliar, censura-os conduta (halaká). Os autores do NT dáo
por se maltratarem, “sois irmáos”. mais importancia aos profetas (incluidos
7.27 Este v. poderia referir-se ao Jesús os salmos), e mesmo a torá eles a léem
ila parusia, “chefe e juiz constituido” por náo poucas vezes como profecía. Estéváo
I>eus. Obliquamente faz eco a Le 12,14. muda a ordem de Ex e Dt para dizer: aquele
7,30 Segue urna tradiçâo que divide a Moisés que anuncia o profeta futuro (Dt
' ala de Moisés em très etapas de quarenta 18,15) é quem vos deu leis de vida (Ex
i i i o s . “Apareceu-lhe”: o mesmo verbo com 19-20). Invertendo os dados, o Moisés do
<iue começou a historia de Abraáo. O “anjo” Sinai é o Moisés que vos dirige ao profe­
i' a manifestaçâo visível da divindade. A ta. Pode-se dizer que no conjunto a profe­
'ídem dos fatos fica alterada (Ex 3,4-10). cía é mais aberta que a lei. O discurso
ATOS DOS APOSTOLOS 390

monte Sinai a ele e a nossos pais; que introduziram na herança dos par í',
recebeu palavras de vida para com uni- que Deus expulsou diante deles; c i.
car-vos. 39N ossos pais nào quiseram rou até o tempo de Davi. 46Este ol>i.
obedecer-lhe; pelo contràrio, o rejeita- o favor de Deus e solicitou pernu i>|
ram e desejaram voltar ao Egito; 40e para procurar urna morada para o I >• < ■
pedir am aA arào: fabrica-nos um deus deJacó. 47Mas coube a Salom áo conti
que nos preceda, pois a esse M oisés que truir-lhe o templo, 48em bora o Allí-, i
nos tirou do Egito nào sabem os o que mo nao habite construçôes human.i
aconteceu.^E ntào fizeram o bezerro, como diz o profeta: 490 céu é m e u tin
ofereceram sacrificios ao ídolo e cele­ no e a terra é estrado de m euspés </n.
braran! festa em honra da obra de suas casa irás construir para mim ? — di •>
màos. 42Por isso, Deus decidiu entregà- Senhor-— que lugar para meu desetm
los ao culto dos astros do céu, corno so? S0N âo fo i minha máo que fe z /;/./■•
está escrito nos livros proféticos: A c a ­ isso?
so m e oferecestes vítimas e sacrificios 51Duros de cerviz, incircuncisos d.
uestes quarenta anos de deserto, ó Casa coraçâo e de ouvidos, resistindo seni
de Israel? AÌTransportastes a tenda de pre ao Espirito! Sois como vossos pai
M oloc e o astro do deus Refà e as ima- A qual dos profetas vossos pais rían
gens que fizestes para adorà-los. Por perseguiram? Mataram os que profi li
isso vos deportarci para além de B abi­ zavam a vinda do Justo, aquele que vói
lònia. 44Nossos pais no deserto tinham agora entregastes e assassinastes. 53Vo\,
a tenda do testem unho, conform e as que recebestes a lei por ministério ili
instrugóes daquele que mandou M oisés anjos, e nâo a observastes.
fabricá-la, conforme o modelo que lhe
havia mostrado. 45Nossos pais a rece- M o rte de Estéváo — 54Ouvindo sen
beram e, sob o comando de Josué, a discurso, eles se mordiam por dentro 8

programático de Jesús em Nazaré (Le 4) 7,49 Com este texto categórico Estévfin
toma como base urna profecía (Is 61). concluí a parte expositiva. O templo il<
7,39-41 Pois bem, já no deserto os is­ Jerusalém é “obra de máos humanas”. O
raelitas tentaram anular a libertario e de­ universo, seu verdadeiro templo, é obra dn
sandar o caminho para regressar ao Egito máo de Deus. O profeta o diz, “o Senhoi
(Nm 14) e perverteram o culto fabricando o diz”.
um deus manipulável (Ex 32). 7,51-53 Com toda a força da sua exposi
7,42-43 O culto á “rainha do céu” (Jr çào, volta-se o orador contra os ouvintes,
7,8; 44,16-19; cf. Jó 31,26-28) pode ser seus acusadores, e suas palavras tém acen
alusáo ao culto astral, proibido expressa- to profètico. “Homens de dura cerviz”, obs
mente (Dt 4,19). A “tenda de Moloc” pro­ tinados, é apelo corrente (Ex 32,9 par.;
cede de urna falsa tradugáo de Am 5,26 Dt 9,6; Jr 7,26; Ne 9,16); também “incir
(que menciona duas divindades estran- cuncisos de coraçâo” (por dentro, Lv 26,41 ;
geiras). Jr 9,25). Resistir ao Espirito (Is 63,10). Per
7,44-48 Todo o ampio capítulo da en­ seguir os profetas: pode-se documentar dr
trada em Canaá e da sua ocupagáo (livro alguns e deduzir acerca de outros (Is 8,11 ;
de Josué) se condensa em “introduzir” a 30,10-11; 50,6; Jeremías: Ez2,6; Am 7; 2Cr
tenda móvel, imagem auténtica do mode­ 36,16). O título grego “o Justo”, como se
lo celeste (Ex 27,21; 25,9.40; Js 3,14-17). mitismo, pode significar o mesmo que “o
Um rei se encarregou de imobilizá-la para Inocente”: Jesus o é por antonomàsia. Di-
confinar Deus. Davi o pediu (e lhe nega- modo que para ele convergem as numero
ram). Salomáo o executou (e nao acertou, sas perseguiçôes de “inocentes” menciona
2Sm 7; 1Rs 6). Estéváo podia ter citado das no AT.
IRs 8,27, frase em que Salomáo relativiza 7,54 A reaçâo dos ouvintes, interna e
sua empresa e nao está longe do texto ci­ externa (SI 35,16), mostra que foram en-
tado de Isaías (66,1-2). tendendo a intençâo do discurso e que nao
391 ATOS DOS APOSTOLOS

i.iHi'i iin o s tientes contra ele. 55Ele, — Senhor, nao lhes leves em conta
fin i.iil.i I spíritoSanto,fixandooolhar este pecado.
«i......... viu a gloria de Deus e Jesús á E dito isso, morreu.
iIhi ii.i de Deus, 56e disse:
Vejo o céu aberto e aquele Homem ^ 'Saulo consentía com a execugáo.
.!• |h .1 direita de Deus.
I li s deram um grande grito, tapa- P e r s e g u i l o e pregagáo na S am aria
. iiii ir. ouvidos e se langaram juntos (Le 21,7-19) — Nesse dia, desenca-
i mili .i d e , 58o langaram fora da cidade deou-se grave perseguigáo contra a
........ cgaram a apedrejá-lo. A stestem u- igreja de Jerusalém, de modo que to­
mIi.i-. Iiaviam deixado os mantos aos pés dos, exceto os apóstolos, se dispersa­
ih mu jovem chamado Saulo. 59Enquan- ran! pelo territorio da Judéia e Samaria.
iii o apedrejavam, Estéváo invocou: 2Homens piedosos sepultaram Estéváo
Senhor Jesús, acolhe o meu espí- e lhe ofereceram um funeral solene.
i tii > 3Saulo devastava a igreja, entrava ñas
'•"I ■, ajoelhado, gritou com voz pode- casas, agarrava homens e mulheres e
l i i ’. , i : os punha na prisáo. 4Os dispersos per-

llir iipôem razóes. Sua reaçâo é “visceral” de “discípulos” em Jerusalém. Alguns pen-
[hlis kardiais). sam que a perseguiçâo se encarniça só
7,55-56 Chega o momento culminante. contra os cristáos helenistas, mais indepen-
I Nlcvao poderia repetir como Jó (42,5) dentes e incisivos em suas atitudes; do
II uihecia-te só de ouvido, mas agora meus contràrio, nao se explica como os apósto­
nllios te viram”. O que contou, ele o sabe los possam ficar tranquilamente na capi­
Ihh Iradiçâo, porque ouviu ou leu. Agora, tal. Saulo aparece em primeiro plano como
iinm rapto de inspiraçâo, contempla o ativista na perseguiçào; mas esta noticia
llumem (Jesús) à direita de Deus, exalta- pode estar sendo exagerada para preparar
ilii (Le 3,21; 20,42). Por que de pé e nao por contraste a espetacular conversáo.
'.rutado? (SI 110,1). Talvez na atitude de O sepultamento do justiçado Estéváo
pronunciar sentença (cf. SI 12,6; 76,10; Is répété a seu modo o de Jesús (Le- 23,50-
.’.,19), ou entâo em atitude de auxiliar (SI 53). Nâo sabemos se esses “homens pie­
1,8; 9,20; 10,12; 35,2). dosos” fossem judeus ou cristáos. Estéváo
7,57-58 Para os ouvintes é o cúmulo, nâo entrou nos anais da Igreja como
t preciso observar formalidades, passam protomártir e seu nome grego se difundiu
il açao violenta (SI 35,16; Jó 16,9-10). Fora ampiamente.
da cidade (Nm 15,35; lRs 21,13-14; Hb 8,4-25 Se os apóstolos ficaram em Je­
13,12). A lapidaçâo era a pena do blasfe­ rusalém, esse Filipe nao é o apóstolo, e
mo (Lv 24,14-16). sim o segundo dos sete helenistas recen­
7,59-60 Nas suas últimas palavras, Es- temente eleitos. A dispersáo, fuga aos
têvâo segue de perto o Mestre (Le 23, olhos dos homens, é difusáo do evange-
46.34; cf. SI 31,6). Com dois traços, como lho aos olhos iluminados do narrador. Urna
île passagem, o narrador faz entrar em cena força externa hostil desencadeia urna for­
um personagem secundário, que logo será ça interna fecunda. A abertura oficial da
o grande protagonista: por ora se chama Igreja será celebrada por Pedro no caso de
Saulo. Cornélio, mas os episodios do presente
capítulo significam saltar a fronteira se-
8,1-3 Mais que sumário, estes très vv. guindo a recomendaçâo de Jesús (1,8):
sao conclusáo e transiçâo. O choque dos “Jerusalém, Judéia, Samaria, até os con­
judeus, com participaçâo popular, com um fins do mundo”. A Judéia se conserva fiel
chefe dos cristáos helenistas, é urna faísca à tradiçâo; Samaria era considerada meio
que se alastra, até o ponto de provocar urna pagâ, meio apòstata, infectada de sincre­
fuga generalizada. Nao total, porque em tismo (cf. Jo 4). É o campo de operaçôes
torno dos apóstolos há urna comunidade dos “evangelistas” ambulantes.
ATOS DOS APOSTOLOS 392

cornarti o país anunciando a boa noti­ n Escutavam-no, porque durante b;r,


cia. 5Filipe desceu a urna cidadc da tante tempo os tinha encantado com stu
Samaria e ai proclam ava o Messias. magia. 12Mas, quando creram em lili
6Ouvindo e vendo os sinais que fa- pe, que lhes anunciava a boa noticia ili •
zia, a multidào escutava unànime o que reinado de Deus e o nome de Jesús Me.
Filipe dizia. 7Espiritos imundos saiam sias, homens e mulheres se batizavam
dos possessos, dando grandes gritos. l3Também Simáo creu e se batizou, <
Muitos paralíticos e mutilados se cura- seguía assiduamente Filipe, estupefai i..
vam, 8e a cidade transbordava de alegría. ao ver os grandes milagres e sinais que
9Certo Simáo estiverà na cidade pra­ fazia.
ticando a magia. Excitava o povo de Sa­ 14Em Jerusalém os apóstalos fícaram
maria, apresentando-se como grande sabendo que a Samaria havia acolhido
personagem. 10Todos, do maior ao m e­ a palavra de Deus, e lhes enviaram Pe
nor, o escutavam e comentavam: dro e Joáo. 15Eles desceram e rezaram
-— Este é a Força de Deus, chamada para que recebessem o Espirito Santo,
a Grande. 1(,pois ainda náo havia descido sobre

Filipe se estabelece por algum tempo convertem-se e sáo batizados “homens c


“numa cidade da Samaría”, e seu ministé- mulheres” e o pròprio Simâo. É sincera c
rio provoca, em duas fases, urna confron­ limpa sua conversáo? Várias vezes no A l
ta d o exemplar. E em versáo atualizada, é há noticia de urna abjuraçào de divinda
a confrontado de Moisés, armado da pa- des falsas (Gn 35,4; Js 24,23; SI 16,4). Pelo
lavra e do poder de Deus, com os magos que se segue, Simáo abraçou a nova fé em
do Egito, que remedam seus prodigios (Ex regime de sincretismo. Náo se afasta de
7-8). Os personagens sao tres, porque Filipe, para observar suas açôes (talve/
Lucas gradúa a aqáo em dois atos: Filipe, para imitá-las).
Simáo, Pedro. Neste ponto, o narrador introduz um
Filipe vem equipado com a mensagem episodio que confirma a autoridade da
evangélica (6,12; Le 4,43; 8,1), acompa- Igreja de Jerusalém, por sua cabeça Pedro
nhada de abundantes milagres (Le 7,22), e também a atividade missionària de Fili­
exatamente como no ministério de Jesús pe. Náo se deve minimizar a noticia que
(Le 6,18; 8,2). Os milagres assombram, chega a Jerusalém, porque é sensacional
atraem e alegram o povo (Jo 17,13), mas “A Samaria acolheu a palavra de Deus"
o que produz a fé é o “evangelho do reina­ (= o evangelho). A com unidade envia dois
do de Deus” inaugurado por Jesús. Ao que chefes em visita de inspeçào. Esta deve ter
parece, o batismo foi desde cedo prática sido táo rápida e o resultado táo convin
corrente como sinal de incorporado a cente, que o narrador a salta e passa logo a
Igreja. intervençâo positiva dos apóstolos.
Simáo é um ser ambiguo, boa amostra Este é um dos dois casos em At (o outro
de um turvo sincretismo. Judeu (ou israe­ é 10,44.48), em que o dom do Espirito se
lita) de nome e provavelmente de religiáo; separa, só cronologicamente, do batismo.
cultivador assíduo de práticas mágicas, de E como se o rito ficasse suspenso espe
origem helenista ou oriental. Práticas pros­ rando um complemento substancial. Como
critas também no Pentateuco que os sa- em tempos primitivos ou em algumas re
maritanos admitem (Dt 18,9-12). Sabe ilu­ gióes, o batismo se faz invocando “o nome
dir o povo e se apresenta como um ser de Jesús” (cf. Mt 28,19). A recepçâo do
excepcional, investido do “poder máximo” Espirito provocaría reaçôes externas atra
da divindade (cf. Jr 10,6). Seu éxito tinha- entes que despertaram a atençâo e a cobi
se consolidado, porque sua atuagáo dura- ça de Simâo: ele imagina um rito mágico
va já bastante tempo. Através de Simáo se que controla e dispensa forças sobrenatu
nos oferece urna visáo pouco lisonjeira de rais. Propóe-se comprar este poder, talvcz
um povoado samaritano. para acrescentá-lo a seu repertorio màgi
A pregado de Filipe demonstra ser mais co. Do seu nome deriva o termo técnico
poderosa que o pretenso “poder máximo”: “simonia”.
• ‘Il 393 ATOS DOS APOSTOLOS

iiliip.m'in; só estavam batizados no no- 24Sim áo respondeu:


iim do Scnhor Jesús. 17Impuseram-lhes — Rezai por mim ao Senhor, para que
■ti inaos e receberam o Espirito Santo. náo me acóntela nada do que dissestes.
" Vendo Simáo mago que o Espirito 25Eles, depois de dar testemunho ex­
i , concedido quando os apóstolos im-
i i pondo a m ensagem do Senhor, volta-
pmiliam as máos, ofereceu-lhes dinhei- ram a Jerusalém , anunciando pelo ca-
Mi, 'Mi/.endo: m inho a boa noticia em muitas aldeias
l)ai-m e tam bém esse poder de da Samaria.
. ini Ic-rir o Espirito Santo a quem eu
liuimser as máos. Filipe e o eunuco (Is 56,3-8) — 2ííO an-
'Tcdro Ihe replicou: jo do Senhor disse a Filipe:
l’erega o teu dinheiro e tu com ele, — De pé! Dirige-te ao sul, ao cami-
ni c res que o dom de Deus está á ven- nho que leva de Jerusalém a Gaza (ura
,l,i ''N este assunto náo tens parte, por- caminho deserto).
1111c* Deus náo aprova tua atitude. 2-Ar- 27Ele se pos a caminho. Aconteceu
ir pende-te de tua m aldade e pede que que um eunuco etíope, ministro da rai-
Iiiii pretensáo seja perdoada. “3Vejo-te nha Candace e adm inistrador de seus
i <invertido em fel amargo e em fardo bens, 28voltava de uma p ereg rin ad o a
iIr iniqüidade. Jerusalém , sentado em sua carruagem

8,20-21.23 A reagáo de Pedro é irada no vore seca”, aboliçâo pràtica de uma lei (Dt
liiin, doutrinal no conteúdo. Pronuncia 23,1-7). Estáo expondo, em açào, como se
unía especie de maldigáo arrazoada, que explica e se compreende a Escritura na
vai mais contra a atitude do que contra a nova comunidade.
ONlranha pessoa. O dom de Deus náo se A açào se move de fora, um pouco ex
iitinpra. Pretendé-lo é cultivar urna rela- machina: um anjo do Senhor dá ordens, o
(,iio turva com Deus, porque é náo com- Espirito manda, o Espirito arrebata (vv.
pieender a livre generosidade de Deus, 26.29.39). A cena central avança com ra­
porque pensa em termos dedo utdes. Com pidez até sua culminaçâo. Um símbolo
nnmelhante atitude náo pode “comparti- unitàrio de fecundidade governa o relato:
lliar” a vida da comunidade. Por dentro, do terreno “deserto” brota urna fonte de
Simáo está cheio de fel (Dt 29,17-18) e “água” vivificante; do livro incompreen-
|ireso com cadeias (Is 58,6). sível brota um sentido que ilumina e trans­
8,22-24 Contudo, há lugar para o arre- forma; o estéril recobra vida nova.
pcndimento e para pedir perdáo da mal- 8,26-29 Podemos imaginar Filipe como
<lude. Pedro termina exortando. Náo con­ missionàrio itinerante, em busca de novas
sidera imperdoável a culpa. De fato, Simáo pessoas a evangelizar. Desta vez, por or-
pede a intercessáo dos apóstolos (cf. Ex dem superior, escolheu uma estrada pou­
M,4; ISm 12,19). Supomos que o fizeram, co movimentada, que une a capital com a
¡linda que o narrador náo o diga. cidade costeira de Gaza (uns 100 km). Por
8,25 Se o v. se refere aos apóstolos, o eia um estrangeiro vai descendo numa car­
uutor dá a entender que também eles pre­ ruagem: um eunuco núbio, ministro das
garan! o evangelho na Samaria, e alarga finanças da rainha, cujo título real é Can­
i onsideravelmente a missáo de Filipe. dace (como “Faraó” o é do rei egipcio).
8,26-40 Segundo episodio, fundamen­ Homem culto, simpatizante da religiáo
tal e sugestivo, da missáo de Filipe. Com judaica, embora náo circuncidado, “pro­
ilagos realistas, num cenário irreal, se en- sélito da porta”. Retorna de uma peregri-
contram e se separam dois personagens. naçâo ao templo de Jerusalém (cf. Is 2,2-
() que estáo representando é outra abertu- 5; Zc 8,22-23). Talvez tenha adquirido ai
la transcendental da Igreja, na qual se cum­ um pergaminho copiado com o texto de
ple urna profecía (Is 56,3): “Náo diga o Isaías. Vai lendo-o em voz alta, como era
rstrangeiro: O Senhor me excluirá do seu costume até que se inventou o 1er mental­
povo. Náo diga o eunuco: Eu sou uma ár- mente.
ATOS DOS APOSTOLOS 394

e lendo a profecía de Isaías. 290 Espiri­ noticia de Jesus. 36Prosseguindo canil


to disse a Filipe: nho, chegaram a um lugar em qm h <
— Aproxima-te e junta-te á carruagem. via água, e o eunuco lhe disse:
30Correndo, Filipe a alcangou. Ouvin- — A i existe água. O que impedí i
do que lia a profecía de Isaías, lhe per- me batizar?*
guntou: 38Mandou parar a carruagem. de'.' •
— Entendes o que estás lendo? ram os dois à água, o eunuco e I ilip
Respondeu: que o batizou. 3yQuando saíram da ai-n .
— 3‘Como vou entender, se ninguém o Espirito do Senhor arrebatou Fili|
me explica? de modo que o eunuco nao o viu n u n
E o convidou a subir e sentar junto e continuou sua viagem muito conli n
dele. 320 texto da Escritura que estava te. 40Filipe encontrou-se em Azoti>, •
lendo era o seguinte: Como cordeiro le­ percorrendo a regiáo, ia anunciando ;i !-
vado ao matadouro, como ovelha muda noticia em todos os povoados até ( a
diante do tosquiador, da mesma forma saréia.
ele nao abriu a boca. yilhimilharam-no,
negando-lhe o direito; quem meditou em C onversáo de P au lo — 'Saulo n
seu destino? Pois arrancaram da térra
sua vida. 340 eunuco perguntou a Filipe:
9 pirando ameagas contra os diScípu
los do Senhor, apresentou-se ao suni"
— Dize-me, por favor: de quem fala sacerdote 2e lhe pediu cartas para as m
o profeta? De si m esm o ou de outro? nagogas de Damasco, autorizando n u
Filipe tomou a palavra e, comegan- levar presos para Jerusalém todos os si
do por esse texto, explicou-lhe a boa guidores do Caminho que encontrase ,

8,30 Filipe reconhece de ouvido o texto uma expressáo modesta: “o que impede il>
lido: té-lo-ia escutado varias vezes nos me batizar?” O fato de eu ser estrangcu*'
oficios sinagogais da sua térra. A benefi­ ser eunuco, morar numa corte real, seu
cio do leitor, o narrador o cita na versáo que o impede? Na pergunta ressoam ;i,
grega dos Setenta (LXX) com algum re­ dúvidas e incertezas das primeiras cornil
toque. Embora cite apenas dois vv. (Is nidades. Lucas responde que o gesto ili
53,7-8), podemos supor que o diálogo ver­ Filipe é coisa de Deus, do seu Espirito.
se sobre a perícope inteira (52,13-53,12). Como efeito e sinal da vida nova, o ho
O estrangeiro compreende o sentido ma­ mem sente “alegría”. Seria tentador com
terial do texto, apresentado como parado- parar este homem com Naamá o sirio (2K'
xo inaudito; mas nao sabe identificar o 5), que, uma vez curado por Eliseu, pcile
personagem de quem se fala. Neste caso, para levar uma quantidade de térra palc.
identificá-lo é compreender o texto. Como tina para poder nela dar culto a Yhwh. Níio
a figura é táo surpreendente, com o que conhecemos o nome do eunuco par.i
leva aprendido de doutores judeus, nao venerá-lo na Igreja; talvez seu nome scj.i
consegue “entender o que lé”. Filipe, ou multidáo.
melhor, o narrador, usa aqui um jogo de * Alguns manuscritos acrescentam: 37Re.\
palavras (ginoskeis, anaginoskeis). pondeu Filipe: Crés de todo o coragáo '
8,31-35 Em grego “explicar” é guiar, Respondeu o eunuco: Creio que Jesús
encaminhar, para o que nao bastava todo Cristo é o Filho de Deus.
o caminho de peregrinado ao templo. Fi­ 8,39 Ver a expressáo de IRs 18,12.
lipe, como Jesús no caminho de Emaús (Le
24,27), oferece ao estrangeiro urna aula de 9,1-3 O “caminho de Damasco” conver
exegese crista: a páscoa de Jesús, sua mor- te-se em frase proverbial e os escritos de
te e ressurreigáo, é a chave de inteligencia Paulo nao cessam de influir e de ser co­
da Escritura. mentados. A historia da sua conversan
8,36 O estrangeiro nao confessa que “lhe volta a ser contada com variantes, dentro
arde o coragáo”, mas quando descobre uma de discursos autobiográficos, em 22,4-1 (>
fonte pelo caminho, pede o batismo com e 26,9-18; aludem ao fato G11,11-16; ICoi
395 ATOS DOS APÓSTO LOS

|i>tini ir. c mulheres. 3Estando em via- abrir os olhos, nao enxergava. 9Toman-
u' ni |.i perto de Dam asco, de repente do-o pela máo, fizeram -no entrar em
mu i lu/. celeste o ofuscou. 4Caiu por Damasco, onde esteve très dias, cegó,
ii 11.1 r ouviu urna voz que Ihe dizia: sem com er nem beber.
S;iu 1, Saúl, por que me persegues? 10Havia em Dam asco um discípulo
Krspondeu: chamado Ananias. Numa visáo o Se­
Ouem és, Senhor? nhor lhe disse:
I >isse-lhe: — Ananias!
I a i sou Jesús, a quem tu perse- Respondeu:
(.iiii 6Agora levanta-te, entra na ci- — Estou aqui, Senhor!
•liiile, e ai te dirao o que deves fazer. n E o Senhor a ele:
'i )s acompanhantes se detiveram mu­ — Dirige-te à rua Principal e procu­
llí i .. pois ouviam a voz e nao viam nin- ra em casa de Judas um certo Saulo de
(jurin. KSaulo levantou-se do chao e, ao Tarso: o encontrarás orando.

l'i.K-lO; F1 3,6-8. Num instante, o perse­ (6,7). A intengáo de levá-los presos a Je-
cutor encarnizado se converte em servo rusalém para serem julgados parece res­
i ni do Messias, em poucos dias se faz seu ponder a uma situagáo posterior. No con­
(¡mude propagador. Um dia chegará a di- texto pode refletir a preocupagáo das
/i i i|ue Jesus é sua vida (F1 1,21) e excla- autoridades judaicas centráis diante do
in.irá: “Ai de mim de nao anunciar a boa progresso da seita dos “nazarenos”.
milicia” (ICor 9,16). 9,3 O leitor deve imaginar um Saulo mo­
No AT há um caso espetacular de mu- vido de zelo fanático pelas tradigóes ju­
ihnga, que nao podemos chamar de con­ daicas, ao final de uma longa viagem, qua-
versilo. E o mago Balaáo, contratado para se chegando á meta. Nesse ponto soa o “de
nmaldigoar eficazmente Israel, do qual o repente”, de ascendencia dramática e bí­
Senhor se apodera para fazer que pronun­ blica (Is 29,5; 48,3). Nao vé figura algu-
ce béngáos e profecías. Só o esquema é ma; só uma fulguragáo que o deslumbra,
parecido: de mago hostil a profeta insigne derruba e cega; sem dúvida uma luz teofá-
(Nm 23—24). O resto serviría para ilustrar nica (2Rs 6,18-19; SI 77,19; 80,3).
por contraste. 9,4-5 A voz se identifica com o solene
Pelo esquema observamos que a conver­ “Eu sou”, seguido do nome; assume pes-
j o de Saulo é, antes de tudo, uma vitória soalmente a perseguigáo contra a comuni-
do Jesús ressuscitado, capaz de “atrair tudo dade, com a pergunta de Davi a Saúl (ISm
ii sí” (Jo 12,32), inclusive seu grande ini- 24,15). “Eu sou Jesús” soa curiosamente
ni igo. Pelo contràrio, as semelhangas com parecido com “Eu sou tua salvagáo” (de
ii historia de Heliodoro (2Mc 3) sao nu­ SI 35,3).
merosas nos detalhes, mas compóem um 9.5 *Alguns manuscritos acrescentam:
relato totalmente diverso. E duro para ti dar coices contra o ferrao.
No presente relato de Lucas, o momen­ 9.6 Saulo e seus planos caem por térra
to culminante é brevissimo. Mais espago (SI 27,2). A única instrugáo que recebe é
se concede à incorporalo de Saulo à co- esperar ordens concretas na cidade. Como?
munidade de Damasco. Nisto é o pólo A voz se cala e deixa que atuem duas vi-
oposto do eunuco de Candace. sóes conjugadas.
9,1-2 Apresenta-nos Saulo “respirando” 9,9 Saulo entra em Damasco cegó e le­
ou resfolegando ameagas de morte, como vado pela máo de alguém. O jejum de tres
os homens violentos contra o indefeso (cf. dias serve de preparagáo.
Am 8,4; SI 56,2-3; 57,4). O sumo sacer­ 9,10-16 Aqui Lucas recorre a uma técni­
dote nao tinha jurisdigáo sobre as comuni­ ca narrativa audaz e difícil, para nos comu­
dades judaicas da diàspora, mas podia dar nicar a simultaneidade (coisa hoje fácil no
cartas de recomendagáo para influir mo­ cinema: “Montagem em paralelo”). En-
ralmente ñas decisóes de sinagogas locáis. quanto Ananias recebe instrugóes numa vi­
A presenga de judeu-cristáos em Damas­ sáo, Saulo vé em outra visáo o que vai acon­
co atesta a rápida difusáo do evangelho tecer muito em breve (futuro antecipado).
ATOS DOS APOSTOLOS 396 <) 11
12(N um a visáo, Saulo contem plava sao, levantou-se, batizou-se, 19conim .
certo Ananias que entrava e lhe impu- recuperou as forças. E ficou alguns <lu*
nha as m àos para que recuperasse a vi­ com os discípulos de Damasco. 2('I nyn
sáo.) 13Ananias respondeu: se pôs a proclamar ñas sinagogas <¡m
— Senhor, ouvi m uitos falar desse Jesús é o Filho de Deus. Todos m
hom em e contar todo o mal que fez aos ouvintes comentavam assombrados:
consagrados de Jerusalém. 14Agora està — Nâo é este o m esm o que devasi.i
autorizado pelos sumos sacerdotes para va em Jerusalém os que invocam lu í
prender os que invocam teu nome. nome e veio aqui para levá-los preso»
lsO Senhor lhe respondeu: aos sumos sacerdotes?
— Vai, pois ele é meu instrumento 22Mas Saulo ia ganhando força e con
escolhido para difundir meu nome en­ fundía os judeus que habitavam em I >,i
tre pagaos, reis e israelitas. 16Eu lhe masco, afirmando que Jesus é o Messi, r
m ostrarei o que deve sofrer por meu 23Passados muitos días, os judeus det i
nome. diram eliminá-lo; 24mas Saulo ficou s.i
17A nanias saiu, entrou na casa e lhe bendo do seu plano. E, visto que vigía
impós as màos, dizendo: vam as portas da cidade dia e noite pai.1
— Irm áo Saúl, o Senhor Jesús me eliminá-lo, 25certa noite os discípulo
enviou, aquele que te apareceu quando o desceram num cesto muro abaixo.
vinhas, para que recuperes a visáo e te
enchas do Espirito Santo. Saulo em Je ru sa lé m — 26Ao chegai n
18Imediatamente caíram de seus olhos Jerusalém, tentava juntar-se aos disci
urnas com o escamas, recuperou a vi- pulos; mas eles o temiam, pois náo acre

9,13-14 Aobjegáo de Ananias reflete um sús o título de Senhor, devolve a vista au


estado de intranqüilidade e inclusive de cegó, realmente e com gesto simbólico (11
alarme frente á primeira e crescente per­ 18,35-43). E procede ao rito único em dois
seguido. Pode ser que Lucas descarregue tempos, invertendo a ordem normal: pri
sobre este momento experiencias poste­ meiro o dom do Espirito pela imposigüo
riores. De resto, sabemos com que facili- das máos, depois o batismo em alguma
dade um alarme corre e se propaga. torrente ou rio da cidade (cf. 2Rs 5,12).
9.15 A resposta é como uma definigáo 9,19 O detalhe realista de oferecer re
divina da missao de Paulo. feigáo, depois do jejum e das fortes emo-
“Escolhido” por vontade soberana e efi­ góes, indica que o ritmo da vida continua
caz de Deus, como os antigos reis (Ne 9,7, (cf. Le 8,55; cf. ISm 28,22-25).
Abraáo; 2Sm 6,21; SI 78,30, Davi; Is 9,20-21 A primeira pregagáo de Paulo
43,10, o Servo). “Instrumento” á disposi- se realiza ñas sinagogas da cidade; talvez
gáo de Deus e manejado por ele (cf. Jr 18; em grego e aramaico. O tema é simples-
Is 49,2): “Portador” do nome de Jesús com mente Jesús, a quem dá dois títulos equi
seus títulos; como Moisés porta o de Yhwh. valentes: “Filho de Deus” (raro em At) e
“Entre reis e povos pagaos”, como Je­ “Messias”. Era uma pregagáo para israe­
remías (1,10). E também Israel, como litas que continuavam esperando o Mes
nome tradicional e ampio do povo esco­ sias prometido. Quando o identifica com
lhido, quer dizer, que náo foi rejeitado (Is Jesús, defronta com forte oposigáo. Ou
41,9; Lv 26,44). Paulo se dirigirá sempre tros, por sua vez, se assombram com a
aos judeus da diáspora. transformagáo ocorrida.
9.16 Deus lhe “mostrará” por experién- 9,23 Bem cedo Paulo comega a experi­
cia que o sofrimento está entranhado na mentar a paixáo de Jesús (Le 22,2 com o
missáo. Paulo o confessará uns anos mais mesmo verbo).
tarde (2Cor 11). 9,25 A libertagáo é parecida com a dos
9,17-18 A incorporagáo de Saulo á co- espióes de Josué (Js 2,15-16).
munidade acontece rápidamente. Ananias 9,26-30 O problema destes vv. é har-
se apresenta saudando o “irmáo”; dá a Je­ monizá-los com o que o próprio Paulo
397 ATOS DOS APOSTOLOS

HlHViim c|ue fosse discípulo. 27Entào desceu para visitar os consagrados que
( Imi nube o apresentou aos apóstolos, e
Minimi como eie havia visto o Senhor
habitavam em Lida. 33Encontrou um
certo Enéias, que fazia oito anos estava
imi eliminilo, como lhe havia falado e paralítico na cama. 34Pedro lhe disse:
pulii <|iial ousadia anunciara o nom e de — Enéias, Jesús Cristo te cura. Le-
| * min em Damasco. 28Saulo perm ane- vanta-te e arruma a cama!
iimi m i Jerusalém, m ovim entando-se Imediatamente se levantou. 35Todos
(Ivi finente; anunciava corajosamente o os habitantes de Lida e Saron viram isso
Dinne de Jesus, 29conversava e discutía e se converteram ao Senhor.
m i m i os judeus de lingua grega, que ten- 36Em Jope vivia urna discípula cha­
iKvnm eliminà-lo. 30Mas os irmàos fi- mada Tabita (que quer dizer gazela):
nintm sabendo, o acom panharam até distribuía muitas esmolas e fazia obras
( ‘estiréia e o enviaram a Tarso. de caridade. 37Aconteceu que nessa oca-
"A igreja inteira da Judéia, Galiléia siáo ficou doente e morreu. Elas a lava-
1«Sumaria vivia em paz. la se construin- ram e colocaram no piso superior. 38Visto
ilu na veneragào ao Senhor e crescia que Lida está perto de Jope, os discí­
Kiiimada pelo Espirito Santo. pulos, ouvindo que Pedro se encontra-
va ali, enviaram dois homens para bus-
( lira e ressurreigao (Le 5,17-22; 8,49- cá-lo:
%) — 32Numa de suas viagens, Pedro — Vem cá, sem demora!

conta em Gl 1,18-2,3. Em quem devemos do pagao Comélio. Pedro aparece como pre-
flar-nos mais? Em Lucas, que escreve com gador itinerante, que vai fazendo paradas em
Inl'ormagòes alheias, provavelmente por comunidades cristas (“consagrados”). Nos
Irudigào orai, ou em Paulo, que fala na pri- dois episodios seguintes se observa o intéres­
meira pessoa e jura que nao mente? Cer- se do autor em sintetizar eventos representa­
liimente, o texto de Gàlatas é muito polè­ tivos e influentes. O cenário é a regiáo cos-
mico; procura minimizar a dependencia teira, desde Jafa até Cesaréia.
mia frente a outros apóstolos. Por sua par­ 9,33-35 O primeiro milagre recorda o
ie, Lucas quer vinculà-lo à comunidade de Me 2,1-12, só que condensado. O tem­
lipostólica de J erusalém, e o texto de At tem po da doença, a instantaneidade da cura e
lilgo de sumàrio, no qual se destacam o a atividade do homem curado sáo os ele­
medo da comunidade e a mediagào eficaz mentos essenciais (nada de perdáo de pe­
ile Bamabé. É aceito e pode mover-se li- cados). A fórmula de cura é anómala: um
vremente. Logo se langa à pregagào, espe­ modo de afirmar que o agente nao é Pedro,
cialmente para os judeus helenistas, como mas Jesús. O milagre tem força de irra-
fizera Estèvào (talvez por seu conhecimento diaçâo pela regiâo e provoca conversóes
do grego). Repete-se o esquema de perse­ em massa. Soou o nome e o duplo título:
gli icao e fuga até sua cidade natal. E as- Jesús, Messias, Senhor.
sim se encerra o ciclo inicial de Paulo. 9,36-43 O segundo milagre recorda os
9.31 A “Igreja” se estende jà por todo o de Elias e Eliseu (IRs 17,17-24 e 2Rs 4,17-
territòrio do antigo Israel. E curiosa a uniào 38) e acompanha de perto o relato da res-
em grego das duas metáforas, “se construía” surreiçâo da filha de Jairo (Me 5,36-43),
e “caminhava”. As duas metáforas se relati- com um detalhe intéressante: em Me 5,41
vizam mutuamente para oferecer dois aspec­ Jesús ordena: “talitha qutrí' (cordeirinha,
tos da Igreja, reais e em tensào: estabilida- levanta-te); aqui Pedro ordena: “Tabitha
de, àmbito fechado acolhedor, dinamismo, anastethi” (gazela, levanta-te). O traço pró-
mobilidade. “Veneragào do Senhor” é tra- prio do presente relato é a atividade de be-
duqao da fòrmula hebraica (yir ’at Yhwh) e nefïcência da defunta (cf. SI 41,2; Tb 4), es­
se refere a Deus. “Em paz”: SI 122; 125,5. pecialmente em favor das viúvas, segunda
9.32 Neste v. comega a atividade missio­ ampia tradiçâo bíblica (Jó 29,13; Tg 1,26).
nària de Pedro, fora de Jerusalém e dentro 9,38 Dista uns quinze km, très horas
da Judéia, que vai culminar na conversào de caminhada. “Nâo tardes”, como em su-
ATOS DOS APOSTOLOS 398

39Pedro saiu em companhia deles. Ao de pé. Depois chamou os consa^i a>i..


chegar, o levaram ao piso superior. Acor- e as viúvas e apresentou-a viva.4-<>lultl
reram a ele todas as viúvas, chorando e ficou conhecido em toda Jope, e nuil i ]
mostrando-lhe os m antos que Gazela tos creram no Senhor. 43Pedro ficou ii
fazia quando vivia com elas. 40Pedro fez gum tempo em Jope, na casa de Siman
todos sair, ajoelhou-se e rezou; depois, o curtidor.
voltado para o cadáver, ordenou:
— Gazela, levanta-te! P ed ro e C o rn é lio — 'Vivia <m
Ela abriu os olhos e, ao ver Pedro, Cesaréia certo Cornélio, capil >•
levantou-se. 41Ele deu-lhe a máo e a pos da coorte Itálica; 2homem piedoso, qm

plicas e promessas (SI 40,18; 70,6; Is vam dois graus de adesáo: os que se h
46,13). ziam judeus completamente, aceitando n
9,40 Pedro ora como os profetas (Jesús circuncisáo para observar a lei inteira.
dá gragas antes de ressuscitar Lázaro, Jo os que se detinham á porta sem circum i
11,41). dar-se, simpatizantes, prosélitos.
Para se fazerem cristáos, tinham os p.i
10-11 Se temos de julgar pelo espago gaos que incorporar-se plenamente ao ju
ocupado, este episodio, que costumamos daísmo? Ou parcialmente? Ou de nenhimi
chamar de conversáo de Cornélio, é um modo? Vimos o caso do eunuco núbio quo
dos mais importantes do livro. Melhor pela devogáo ao templo de Jerusalém o
seria chamá-lo de conversáo de Pedro; pela leitura dos livros sagrados, se enc;i
porque Cornélio nao resiste, está aberto minha sem saber para o batismo. Caso
aos judeus; Pedro está fechado aos pa­ parecido é o de Cornélio, centuriáo roma
gaos e resiste. Além do mais, o relato no da guarnigáo da residencia do procura
aponta para o cap. 15, ou seja, o concilio dor, em Cesaréia. Sua historia se parece
de Jerusalém. Aqui Pedro, inspirado por com a do centuriáo de Cafarnaum (Le 7 ,1
Deus, toma uma decisáo transcendental; 10 par.) na vida de Jesús, mas a transboi
lá a igreja-máe, reunida em concilio, ra­ da, pelo dinamismo do Espirito.
tifica e amplia a decisáo transcendental. O relato se p5e em marcha com a técni
Trata-se nada menos que da abertura da ca narrativa de duas visoes simultáneas,
Igreja de Cristo aos pagaos: coisa obvia concedidas a dois homens em oragáo. I
para nós, nao fácil de compreender nos uma técnica muito parecida com a dupla
comegos. oragáo, de Tobias e de Sara, que converge
Na tradigáo de Israel, muitas leis e ob­ no ángulo celeste e caminha para o encon­
servancias erguiam como que um muro no tró. Técnica que dispoe do plano celeste e
qual se abriam urnas tantas portas estrei- que encontramos ñas visóes simultáneas
tas. Em tensáo com elas, muitos textos de Ananias e de Saulo (9,10-13). Uma vez
proféticos anunciavam ou cantavam a iniciado, o presente relato segue seu pró-
abertura de Israel. A título de exemplo, prio roteiro, até repousar num exame das
indicaríamos o salmo 87, “todo homem ali suas conseqüéncias.
nasceu”. Is 19,25 “bendito meu povo, Egi-
to, Assíria, obra das minhas máos”; a con­ 10,1-8 Cornélio toma dos judeus o mais
fluencia de povos para Siáo atraídos pela universal: a oragáo (Is 56,7) e a benefi-
“leí e a palavra de Deus” (Is 2,2-5). Qual céncia (Pr 31,20; Eclo 3,14-15; 7,10; 17,
das duas tendencias devia prevalecer? 22; 29,12-13; Tb 4 e 12). Por sua inclina-
Como se conciliavam ambas? O cap. 56 gáo para o judaismo, é um pagáo a meio
de Isaías se atrevía a abolir a lei da exclu- caminho. Deus o escolhe para uma fun-
sáo dos pagaos, e proclamava o templo gáo que extrapola o ámbito da sua pessoa
“casa de oragáo... para todos os povos”. e da sua familia.
Na prática e para a época que nos ocu­ 10.1 A noticia sobre a coorte Itálica é
pa, o judaismo atraía náo poucos pagaos anacrónica.
com seu monoteísmo, sua religiáo muito 10.2 Ao povo judeu, entende-se. Estrió­
mais pura, sua moral exigente. E se da- las (Tb 12,8): ver em contraste Le 3,14.
IM I I 399 ATOS DOS APOSTOLOS

.......¡i Deus com toda a sua familia. 7Quando o anjo que Ihe falava par-
I i ,h i umitas esmolas ao povo e orava tiu, chamou dois criados e um soldado
.» .iiIn.unente a Deus. 3Pelas très horas piedoso que o servia, 8explicou-lhes o
i ......li v ili claramente numa visäo um assunto e os enviou a Jope.
ni" ili Deus que entrava em seu quar­ 9No dia seguinte, enquanto eles ca-
ti i Ihr dizia: minhavam e se aproximavam da cida-
< ornélio! de, Pedro subiu ao terraço para rezar
I li olhou-o assustado, e disse: por volta do meio-dia. 10Sentiu fome e
(.»ne queres, Senhor? quis comer alguma coisa. Enquanto pre-
Kespondeu-lhe: paravam, entrou em êxtase. "V iu o céu
I uas oragöes e esmolas subiram àaberto e um objeto como urna enorme
imi .ruga de Deus e foram levadas em toalha, descida pelas quatro pontas até
• •uta. 'Agora, pois, envia gente a Jope o chao. 12Continha todo tipo de quadrú-
luti a buscar certo Simào, apelidado Pe- pedes, répteis e aves. 13E ouviu urna voz:
1I111 '’Lie está hospedado em casa de — Levanta-te, Pedro! Mata e come!
.1111.10 , o curtidor, junto ao mar. 14Pedro respondeu:

10, ? Pela mengáo da hora se deduz que e tabus. A distingáo náo se justifica por
n i i'lic a visáo enquanto está orando, no razóes higiénicas nem por razóes éticas.
linimento da oferenda vespertina (SI 141, Pode ter o valor ascético de subjugar o ins­
’I Aparece-lhe o anjo do Senhor, modo tinto biológico.
.miente de expressar a manifestagáo do O apetite irrompe autoritariamente na
’■rubor, que nao pode ser visto; em sua oragáo de Pedro. De repente, numa trans-
jingunta, Cornélio o chama Senhor (ver o mutagáo extática, apresentam-lhe uma to­
mlercámbio de expressóes na historia de alha repleta de manjares, sem distingáo;
i Irileáo, Jz 6,12-24). Lucas, no seu evan- uma voz lhe ordena, lhe permite, comer.
lirllio da infancia, nos familiarizou com Tal é o mecanismo psicológico: a expe-
mlcrvengóes angélicas, inclusive com riéncia real, elementar, de fome e alimen­
mime próprio. to, é assumida e transferida para manifes­
10.4 O susto é a reagáo humana normal tar um novo sentido complexo ou uma
n.i presenga do sobrenatural (Le 1,12-13; constelagáo de significados. Mais grave
VMO). Segundo a representagáo corren- que a distingáo de alimentos em comestí­
ir, "as oragóes sobem” do chao e chegam veis e tabus é a distingáo dos homens em
ni céu á presenga de Deus (SI 18,7; judeus e pagáos.
119,170; Eclo 7,10; 36,21). Sao levadas Na nova comunidade, semelhante dis­
mi conta, servem de recordagáo, sao aten­ tingáo náo terá vigor; todos sáo acolhidos
didas (cf. Ex 28,29; 30,16). por igual. E, como conseqüéneia, também
10.5 De novo encontramos a tática de as distingóes alimenticias perderáo seu
icmeter a outros para receber instrugóes. valor. Os pagáos já náo contaminam; o
O Senhor nao comunica urna mensagem, apetite social do hornera já náo tem de
romo fazia aos profetas, mas póe o eleito evitá-los; a Igreja pode acolhé-los e assi-
rm contato com um membro da comuni- milá-los sem objegóes.
ilade. No caso presente também o envia, 10,11-13 A toalha ou lengol desee do
como reagáo que provoque urna transfor- céu, do Criador de todos os animais. Náo
magáo. sabemos por que faltam os peixes; talvez
10,9 Também Pedro ora, e está muito como recordagáo dos animais que saíram
preso a observancias que sáo uma barrei- da arca. De fato, a ordem de comer pode-
ra para a difusáo do evangelho. De uma ria continuar citando (Gn 9,3): Tudo o que
ilessas observancias se vale a visáo para se move e possui vida vos servirá de ali­
falar-lhe em código. mento, tudo isso eu vos dou, como vos dei
O judeu controla e submete o apetite a verdura das plantas (Gn 8,17).
natural, refreando-o frente a alimentos ar­ 10,14 Pedro objeta, segundo os cánones
tificialmente repartidos entre comestíveis do género (p. ex. Jr 32); pela boca de
ATOS DOS APOSTOLOS 400 III I '

— De modo ncnhum, Senhor! N un­ 22Responderam:


ca proveí alimento profano ou impuro. — O capitáo Comélio, homem i|>.
l:,Pela segunda vez ressoou a voz: venera a Deus, apreciado por todo *>| *..
— O que Deus declara puro, nao o judeu, recebeu de um anjo santo o em n
tenhas por impuro. go de chamar-te e escutar tuas palavr.i
I6Isso se repetiu très vezes, e a seguir 23Pedro os fez entrar e deu-lhes lio
o objeto foi levado ao céu. pitalidade. 24No dia seguinte, pos m i
17Enquanto Pedro se perguntava qual caminho com eles, acompanhado de ,il
o significado da visào, os enviados de guns irmaos de Jope; no outro dia i h.
Cornélio haviam perguntado pela casa garam a Cesaréia. Comélio os estava i
de Simâo e, apresentando-se à porta, perando e havia reunido seus panni,
18perguntavam se ai se hospedava Si­ e amigos íntimos. 25Quando Pedro i n
mâo, apelidado Pedro. 19Pedro conti­ trou, Comélio saiu-lhe ao encontro, calli
nuava refletindo sobre a visào, quando a seus pés e lhe fez urna reverènda
o Espirito lhe disse: 26Pedro o ergueu, dizendo:
— Vê: très homens te procuram. 20Le- — Também eu sou homem.
vanta-te, desee e vai com eles sem he- 27Conversando com ele, entrou e en
sitaçâo, porque eu os enviei. controu muitos reunidos, ^ e se dirigili .
21Pedro desceu aonde estavam e lhes eles:
disse: — Sabéis que é proibido a qualqm i
— Sou eu aquele que procurais. O judeu juntar-se a pessoas de outra rae,a
que vos traz aqui? ou visitá-las. Mas a mim Deus ensinuu

Pedro, expressa seus reparos e resistências para apresentar e recomendar aquele qu.
a comunidade primitiva ou um setor im­ os enviou. Pelo nome e pelo oficio fien
portante que alega a legislaçâo (Lv 11) claro que é um romano, embora simpan
e o exemplo de um profeta (Ez 4,14). E zante dos judeus (Le 7,5). Tem que escu
bom que se escute a objeçâo. tar Pedro, quando Pedro ainda nao sabe u
10.15 A resposta é lapidar (cf. Me 7, que deve dizer (comega a suspeitá-lo).
15.19). 10,23 Os irmaos de Jafa, além de acoui
10.16 A açâo se répété très vezes. Incul­ panhá-lo na viagem, garantem a dimen
cando o ensinamento, mas sem explíca­ sao comunitària e serviráo de testemu
lo. A liçào é tào importante quanto obscu­ nhas. Cesaréia fica a uns cinqüenta km de
ra para Pedro (que entretanto nâo comeu). Jafa.
10.17 Como o eunuco ficava perplexo 10,25-26 Comélio saúda o hospede com
diante de um texto, assim fica Pedro per­ solenidade ostensiva, como a um homem
plexo diante da visâo, esperando que quem de Deus, um enviado do céu, e Pedro lhe
a enviou a explique, como ensina a tradi- responde com urna palavra densa, que co
çâo (Ez 12,9-10; 24,19). loca ambos no mesmo plano. Como se in
10.18 Especificam: Simâo apelidado sinuasse: tu capitao e eu apóstolo; poueo
Pedro, porque também o dono da casa se importa, os dois sao homens. Terá que afit
chamava Simâo. mar: tu romano e eu judeu? Os dois sao
10,19-20 O Espirito parece desfrutar da homens (cf. Jó 31,15; Sb 7,1).
perplexidade de Pedro, pois adia a expli- 10,27-28 Já que Pedro veio acompanha
caçâo e em seu lugar lhe dá urna ordem do de “alguns irmáos”, o encontro é de
que deve executar sem reservas. (A Balaáo ambas as partes coletivo. Nesta sala ou
só na segunda vez Deus lhe manda acom- pàtio cai a primeira barreira de separagáo
panhar os emissários de Balac, Nm 22,20.) entre pagaos e judeus (Jo 18,28).
Até agora o Espirito se contenta com mo­ O encontro abre os olhos de Pedro e o
ver os personagens ignorantes rumo ao faz compreender o sentido da visáo: já nao
desenlace. pode chamar nem o pagáo nem homem
10,21-22 As explicaçôes dos visitantes algum de profano ou impuro. Agora co
nao explicam nada substancial; só servem mega realmente a conversagáo.
til IO 401 ATOS DOS APOSTOLOS

i|iii <u nao considere profano ou impu- D iscu rso de P ed ro — Com preendo
iii iirnhum homem. Por isso, quando verdadeiram ente que Deus nao é par­
lili' i liamastes, vim sem resistir. Dese- cial, 35mas aceita quem o respeita e pro­
111 Mihcr para que m e chamastes. cede honradam ente, de qualquer nagáo
'"< ornélio respondeu: que seja.
I lá tres dias, por esta hora, eu es- 36Ele com unicou sua palavra aos is­
iii\.i recitando a oragáo da tarde em raelitas e anuncia a boa noticia da paz
mullía casa, quando um homem com por meio de Jesús, o Messias, que é
ii,i|c resplandecente se colocou diante Senhor de todos.
■le in ini 31e me disse: Cornélio, tua ora- 37Vós conheceis o que aconteceu por
i,¡ iiie tuas esm olas foram ouvidas por toda a Judéia, comegando pela Galiléia,
I »cus e levadas em conta. 32Envia gen- a partir do batismo que Joáo pregava.
ii- ;i Jope e chama Simáo, apelidado Pe­ 38Deus ungiu com Espirito Santo e poder
llín, que está hospedado em casa de a Jesús de Nazaré, que passou fazendo
Simfio, o curtidor, junto ao mar. 33Em o bem e curando todos os possuídos pelo
Manida te fiz cham ar e tiveste a bon- diabo, porque Deus estava com ele. Nós
ilade de vir. Estam os todos na presenga somos testemunhas de tudo o que fez na
ilf Deus, dispostos a ouvir o que o Se- Judéia e em Jerusalém. M ataram-no,
nlior te ordenou. pendurando-o num madeiro. 40Mas Deus
''Pedro tomou a palavra: o ressuscitou no terceiro dia e fez que

10,31-38 A informagáo de Cornélio in- boca de Pedro, o segundo título há de


clui algumas variantes estilísticas. A veste soar com a plenitude que os cristáos lhe
icsplandecente é sinal do mundo celeste reconhecem.
(l,c 24,4). A presenta de Pedro com os 10,37-39a Indica o batismo de Joáo
milis, a barreira dos preconceitos derruba- como comego do ministério de Jesús (Le
ila; no local se sente “a presenta de Deus” 3,21). Ou seja, quando “é ungido” com o
(cf. Ex 18,12). As palavras de Pedro teráo Espirito (Is 61,1) e investido de poder para
acento litúrgico ou profètico. Na boca de curar doengas, libertar do demonio e rea­
Cornélio, “Senhor” significa Deus ou lizar todo tipo de obras de beneficéncia (é
'Adonay. curioso que nao menciona o ensino). Des-
10.34-43 Na situatilo histórica, o discur­ sa atividade foram “testemunhas” os dis­
so de Pedro deve ter sido longo e explíci­ cípulos.
to, sendo dirigido a pagaos. A anotagäo que 10,39b-42 No final do ministério vem o
l.ucas recolhe ou elabora detém-se apenas ápice em duas ou très fases: morte, ressur-
nos pontos salientes. reigáo, exaltagáo. Este núcleo do kerigma
10.34-35 Comega com um exordio que repete-se muitas vezes no livro: o narrador
serve para encaixá-lo no contexto narrati­ pode variar as fórmulas — o “madeiro”
vo e que enuncia a ligáo primària de todo pode aludir a Dt 21,22 —, nao pode tocar
o acontecido: Deus nao faz distingóes (cf. o esquema. Aqui trabalha com mudanga
Dt 10,17) de povos ou ragas, aceita qual- de sujeito: (uns, impessoal) o mataram/
quer homem “religioso e honrado”. Quan­ Deus o ressuscitou/e o nomeou juiz de vi­
do diz “a quem respeita/venera a Deus”, o vos e mortos. O impessoal, na mente de
autor pensa logicamente no Deus verda- Pedro, sao as autoridades judaicas, coisa
deiro. Como se chega a esse Deus? Mais que nao lhe interessa especificar diante dos
de um texto bíblico sugere urna resposta pagaos; o fato foi comentado e pode ter­
tolerante (as parteiras do Egito: Ex 1,17; se divulgado até a sede do procurador. O
Melquisedec: Gn 14; Sb 13,5-6). segundo é mais difícil: a ressurreiçào, idéia
10,36 Entrando no assunto, afirma a estranha para um romano, embora sua sim­
continuidade: aos israelitas Deus enviou patia pelo judaismo possa tê-lo aberto a
sua palavra (por meio dos profetas); en­ tal modo de pensar. Contudo, uma ressur-
vía a boa noticia da paz (is 52,7) por reiçâo exige provas, tem que estar atesta­
meio de Jesus, M essias, Senhor. Na da, nâo por qualquer um, mas por teste-
ATOS DOS APOSTOLOS 402 10 I I

aparecesse, 41náo a todo o povo, mas as — 47Pode alguém impedir que s< Im
testemunhas designadas de antemáo por tizem com água os que receberam >>
Deus: a nós, que comemos e bebemos Espirito Santo como nós?
com ele depois que ressuscitou da mor- E ordenou que os batizassem ¡n\•■
te. 42Encarregou-nos de pregar ao povo cando o nome de Jesús, o Messias. I li
e testemunhar que Deus o nomeou juiz lhe pediram que ficasse alguns dias.
dos vivos e mortos. 43Todos os profetas
dáo este testemunho a respeito dele: que Relato de Pedro em Jerusalcin
em seu nome os que nele créem rece-
bem o perdáo dos pecados.
^P ed ro nao acabara de falar, quando
o Espirito Santo desceu sobre todos os
ouvintes. 45Os fiéis convertidos do ju ­
daismo se assombravam ao ver que o
n — ‘Os apóstolos e os ir
que estavam na Judéia ouviram qm
também os pagaos haviam aceitado ,i
palavra de Deus. 2Quando Pedro subm
a Jerusalém, os judeus convertidos dis
cutiam com ele, 3dizendo que havia ni
dom do Espirito Santo era concedido trado em casa de incircuncisos e havui
aos pagaos também; 46pois os ouviam comido com eles. 4Pedro lhes expós o
falar em línguas e exaltar a Deus. En- que acontecerá, ponto por ponto, des­
táo Pedro interveio: de o comego:

munhas fidedignas. Deus se encarregou de vamente a presenta dos acompanhantes do


nomeá-las e dar-lhes provas físicas de sua Pedro, testemunhas também do prodigio.
nova vida. Pois bem, estas “testemunhas Os “fiéis circuncisos” diante dos pagaos,
da ressurreÍQáo” sao as testemunhas do seu compartilhando agora o mesmo e único
ministério; portanto, podem confirmar a Espirito. Pedro tira a conseqüéncia.
identidade do sujeito. Como terceiro mo­ 10,47-48 O batismo é o sinal da dedica
mento, na construgáo de Lucas, vem a as- d o ao nome de Jesús e da incorporad"
censáo, que em algumas ocasióes se ex- do grupo á comunidade: Cornélio com sua
pressa como “sentar-se á direita de Deus”. casa, parentes e amigos.
Dando um passo rumo ao futuro, Pedro
traduz a entronizado pela nomeacáo como 11 ,1-18 A iniciativa de Pedro alarma un
juiz universal. grupo influente da comunidade de Jerusa
10,43 A última frase do discurso é mui- lém. Ao chegar, o recebem com urna gra
to difícil pelo seu tom categórico, seu al­ ve repreensáo, embora lhe reconhecam sua
cance universal, sua vinculado a Jesús. fu n d o de chefe, ou talvez porque a reco-
Alguns profetas, efetivamente, anuncia- nhecem. Pedro comprometeu sua autori-
ram o perdáo (Ez 36; Jr 31,34; Mq 7,18- dade numa iniciativa perigosa, de possí-
20); Joel anuncia a salv ad o para todos vel longo alcance. Esses cristáos, fiéis á
os que invocarem o nome de Yhwh (3,5). circuncisáo e as leis de separado, vivem
Mais fácil seria entender que os profetas fechados em mesquinhas questóes de con­
anunciaram o Messias ou futuro Salva­ vivencia. Pedro já se move no horizonte
dor, e que este realiza a salvado perdo- de conviver na mesma fé (é curioso que
ando os pecados dos que recorrem a ele. no capítulo precedente náo se tenha men­
Em todo caso, este, o mais antigo, é o cionado a celebrado da eucaristía em co-
quarto “testemunho” alegado no breve mum, cf. 2,46).
discurso. 11,4-17 Pedro responde náo apelando
10,44-46 Saltando-se a resposta da fé para sua autoridade, mas para a de Deus: a
dos ouvintes, embora a suponha, Lucas une dupla visáo celeste, a voz do Espirito e do
o dom o Espirito com as palavras de Pedro. anjo. Conta o acontecido, com algumas
Como se seu discurso tivesse sido “inspi­ mudanzas estilísticas ou de intencáo teoló­
rado” e portador do Espirito, o qual “cai gica. Seguindo a ordem do comunicado,
sobre, se derrama sobre”, provocando os sao: o anjo anuncia a Cornélio e á sua casa
fenómenos extraordinários que costumam a “salv a d o ” por meio das palavras de
ser seus sinais. E aqui se justifica narrati­ Pedro; o Espirito Santo desde o principio
403 ATOS DOS APOSTOLOS

'liu estava orando em Jope, quan- de pé que lhe dizia: Envia gente a Jope
éi llvc uma visâo em êxtase: um obje- e faz vir Simáo, apelidado Pedro, 14que
iu, l omo enorme toalha, descia do céu te dirá palavras que seráo salvagáo para
plus quatro ponías e chegava até mim. ti e tua familia. 15Apenas comecei a fa-
HHIum atentamente e vi quadrúpedes, lar, desceu sobre eles o Espirito Santo,
(»rus, répteis e aves. 7Ouvi urna voz que como sobre nós no principio. 16Eu me
mr ili/ia: Levanta-te, Pedro! M ata e lem brei do que o Senhor havia dito:
mime! 8Respondi: De nenhum modo, Joáo batizou com água, vós sereis bati-
Hvnhor, pois nunca entrou por minha zados com o Espirito Santo. 17Portan-
Ntti’ii nada de profano ou impuro. 9Pela to, se Deus lhes concedeu o mesmo
»»Hunda vez me falou a voz do céu: O dom que a nós, por terem crido no Se­
t^iie Deus declara puro, nâo o declares nhor, Jesus o Messias, quem era eu para
Impuro. 10Isso aconteceu très vezes e im pedir a Deus?
depois tudo foi novamente recolhido ao 18Ao ouvir o relato, se acalmaram e
i'íu. "Nesse momento, très homens en- deram gloria a Deus:
vlmlos de Cesaréia chegaram à casa em — Também aos pagaos Deus conce­
i|iie me encontrava. u O Espirito me deu o arrependimento para a vida.
urilonou ir com eles sem hesitaçâo. Es-
Irs seis irm áos me acom panharam e A igreja de Antioquia — 19Os que se
filtramos na casa daquele homem. 13Ele haviam dispersado por ocasiáo da per­
luis explicou que vira em casa um anjo s e g u id o ocasionada por Estéváo, es-

ilu discurso, manifestando seu caráter de oriental. As très sao populosas e pluralistas
"Inspirado”; cita em confirmaçâo uma frase em raças, povos, culturas, línguas e reli-
tío Batista (Le 3,16). A conclusáo de Pedro, giôes. A língua grega é o instrumento mais
formulada como pergunta retórica, é muito freqüente de comunicaçâo. E curioso que
grave: fechar-se ao batismo dos pagaos se­ Lucas nao tenha incluido Alexandria em
ria por impedimentos a Deus. A fé em Je- sua historia (só menciona a sinagoga dos
uus Messias basta. O Espirito Santo vai ins- alexandrinos 6,9, e um alexandrino cha­
truindo e dirigindo a Igreja com fatos e mado Apolo, 18,24). Os que vivem nessas
«ituaçôes novas; nao lhe deu um programa cidades estâo acostumados a encontrar-se
prévio com todos os detalhes previstos. com gente diversa; ao invés, Jerusalém é
11,18 Os ánimos se acalmam, a tensáo uma cidade relativamente fechada.
dcrena num hiño de louvor a Deus. Mas o Antioquia tinha sido a capital selêucida
problema fica dentro de muitos, como se das lutas dos Macabeus. Já entáo tinha fa­
verá no concilio de Jerusalém (cap. 15). E vorecido os contatos e provocado tensóes
provável que o relato de Lucas sobre este entre judaismo e cultura grega.
episodio seja resumo de uma sessáo mui­ Quanto as pessoas que váo intervir (e já
to mais agitada. intervieram), vamos propor uma quadro
11,19-26 A conversáo do eunuco e de esquemático sacrificando matizes. Em am­
Comélio sao fatos individuáis, embora sig­ bos os extremos se encontram judeus pu­
nificativos. A fundaçâo e consolidaçào da ros e pagaos puros. Entre os judeus se dis­
igreja de Antioquia significa uma abertu­ tingue o grupo fechado e hostil à nova “seita
ra e irradiaçâo institucional. Pena que dos nazarenos” (primeira etapa de Paulo,
Lucas seja táo sucinto em sua informaçâo. sinagogas locáis) e os tolerantes (Gamaliel).
Supôe conhecidas muitas coisas que con- Segue-se o grupo dos judeus que, sem dei-
vém expor aqui em síntese seletiva. xar de o ser, abraçam a fé crista (os apóste­
Roma, Alexandria e Antioquia sao as los); entre eles um partido defensor da cir-
très grandes metrópoles do Mediterráneo cuncisâo e da lei como condiçao para
central e oriental. Roma representa o po­ tomar-se cristáo (Tiago). Vém depois os
der imperial e a nova cultura romana; helenistas convertidos, judeus da diáspora
Alexandria recolhe a herança cultural gre- de língua grega; menos ligados a práticas
ga; Antioquia é o enlace com o mundo judaicas e mais abertos (Estéváo, Filipe).
ATOS DOS APOSTOLOS 404 II
palharam-se até a Fenicia, Chipre e An- igreja um ano inteiro, instruindo um.i ■•
tioquia, anunciando a mensagem somen- munidade numerosa. Em Antioquia cli.i
te aos judeus. 20Entre eles havia alguns maram pela primeira vez os discípulo
cipriotas e cireneus que, ao chegar a An- de “cristäos”.
tioquia, puseram-se a falar aos gregos, 27Por esse tempo, alguns profetas di
anunciando-lhes a boa noticia do Senhor ceram de Jerusalém a Antioquia ' i m
Jesus. 2iA mäo do Senhor os apoiava, deles, chamado Agabo, se levantou m
de modo que grande número creu e se pirado e predisse urna grande carcsii.
converteu ao Senhor. 22A noticia chegou universal (que sobreveio no tempo di
aos ouvidos da igreja de Jerusalém, que Cláudio). 29Entäo os discípulos decidí
enviou Barnabé a Antioquia. 23Ao che­ ram enviar, cada qual segundo suas pen
gar e comprovar a graqa de Deus, ele se sibilidades, urna ajuda aos irrnaos c)ii<
alegrou 24e, como era homem bom, cheio habitavam na Judéia. 30Fizeram is-..
de fe e do Espirito Santo, exortou todos enviando-a aos anciäos por meio de B u
a serem fiéis ao Senhor de todo o cora- nabé e Saulo.
gäo. Bom número de pessoas aderiu ao
Senhor. 25Barnabé partiu para Tarso em Martirio de Tiago. Pedro encm
busca de Saulo 26e, quando o encontrou, cerado — ‘Nessa ocasiäo, o n i
conduziu-o a Antioquia. Atuaram nessa Herodes iniciou urna p e rse g u id o con

Pagaos prosélitos, simpatizantes da religiáo Santo”, dotes que Ihe permiten! apreciar i
judaica, que abracam a fé (o eunuco, Cor- discernir os feitos e planejar para o futuro
nélio), pagaos sem relagáo com o judais­ O segundo personagem é Saulo, cujo'
mo, que passam diretamente á fé crista. dotes Barnabé parece conhecer ou intim
Antioquia, por seu pluralismo cultural Notemos que no comego é Barnabé quem
e religioso, oferece um campo de operagóes dirige. Sua colaboragao durante um ano m
mais oportuno para novas experiencias. teiro em terreno privilegiado deve ter inclín
Gerada pela igreja de Jerusalém, conver- do dois aspectos: a pregagáo direta do evan
te-se logo no grande centro de irradia- gelho a grupos diversos, e a elaboragáo de
gáo da Igreja. Lucas menciona brevemen­ novas formas de pregagáo para os pagaos
te duas fases. Aprimeira, a dos helenistas, O grupo dos fiéis recebe dos de fora um
dirigida exclusivamente aos judeus. Nao nome que é todo um símbolo. O conteúdo
diz que éxito tiveram. A outra, audaz, de judaico chamado Messias (= Ungido) se
cipriotas e cirenaicos, dirigida aos pagaos: traduz livremente para o grego com o par
Deus os apóia (Le 1,66; Mt 10,6), e o éxi­ ticípio passivo Christos, e os romanos lhc
to é notável. Isto significa que em An­ acrescentam o morfema latino de adjetivo
tioquia comega a haver urna numerosa e resulta christianos = cristáo.
comunidade crista sem vínculos preceden­ 11,27-30 A noticia sobre os profetas
tes com o judaismo. ambulantes se repete no livro. A coleta di
Segundo Lucas, a igreja de Jerusalém que se fala admite duas explicagoes: a) I
conserva a alta diregáo e a responsabilida- a coleta mencionada em outros textos, bas
de última. Ante a nova situagao, tem que tante posterior, que o narrador antecipa
tomar partido, informando-se e agindo. aqui para mostrar a solidariedade entre a
Aqui o narrador introduz dois personagens nova comunidade florescente e a de Jeru
que já atuaram no livro: Barnabé e Paulo. salém. b) Foi urna coleta menor, promovi
O primeiro, embora cipriota helenista, nao da por Barnabé (o qual renunciou a seus
pertence ao grupo de Estéváo, mas colabo- bens), como expressáo de solidariedade c
rou com os apóstolos. Foi um dos protago­ vínculo de uniáo. A carestia fez outrora
nistas na experiencia da comunidade de Abraáo (Gn 12) e os filhos de Jaco (Gn 41)
bens (4,36-37). Parece urna pessoa apta para peregrinar.
conduzir as relagóes entre Jerusalém e
Antioquia. O texto o elogia sobriamente (v. 12 , 1-2 O martirio de Tiago fica reduzi
24) “homem bom, cheio de fé e do Espirito do a urna breve noticia que faz compreen-
IIAI 405 ATOS DOS APOSTOLOS

•..i 111f■iilis membros da igreja. 2M andou a duas correntes, enquanto as sentinelas


i. (m>1.11 l iago, o irmào de Joáo. 3E ven­ montavam guarda á porta. 7De repente,
ial 11111 agradava aos judeus, decidiu apresentou-se um anjo do Senhor e uma
l'i• iiiIri l’edro, durante a festa dos Azi- luz resplandeceu no recinto. Tocando
Hinx 'I le o deteve e o langou na pri- Pedro no lado, o acordou e lhe disse:
*Aii. ronfiando sua custòdia a auatro — Levanta-te depressa!
|iii|iu-ies de quatro soldados cada um. As correntes lhe caíram das máos, 8e
.n.i mlengào era apresentà-lo ao povo o anjo lhe disse:
■li pois da Páscoa. Enquanto Pedro era — Cinge-te e caiga as sandálias.
iiiiinlido na prisào, a igreja rezava fer- Assim fez.
nmisamente a Deus por eie. Acrescentou:
''( liegava o momento em que Hero- — Póe o manto e segue-me!
•Irs o iria expor, e na noite precedente 9Saiu atrás dele, sem saber se era ver-
IVilio dormía entre dois soldados, preso dade o que estava acontecendo por meio

>Iri o perigo que Pedro corre. Diríamos que o dia seguinte, já é noite. O prisioneiro
ii Inlii merecía maior atengáo. E o primei- inocente dorme com sono tranquilo, inclu­
iii mártir dos apóstolos, personagem de sive um tanto pesado (SI 3,6-8).
n ievo nos relatos evangélicos. Na sua Nesse momento irrompe o mundo so­
mul te violenta, Tiago está “bebendo o cá- brenatural. A verossimilhança fica sus­
lii'i',”, conforme Jesús lhe anunciara (Me pensa ou subordinada, a imaginaçâo lan­
10,38 par.). Conta a lenda que seus restos ça mâo de sinais conhecidos. A luz celeste
murtais foram trasladados a Compostela. na obscuridade do calabouço (cf. Is 9,1;
l ) rci é Herodes Agripa, neto de Herodes 49,9), o anjo do Senhor como apariçâo da
u (¡rande (o dos inocentes); primeiro te- divindade capaz de tocar e ser vista. (Esta
imrca (37-41), depois reí de quase toda a luz nâo desperta os guardas?) O ritmo se
Palestina (41-44). O motivo da condena­ faz lento para que observemos os detalhes:
dlo ou execuqáo se insinúa no v. seguinte: cinto, sandálias, manto, um guarda, outro
"agradava aos judeus”. Tratar-se-ia de um guarda, o portáo externo, a rúa. Detalhes
partido hostil á nova seita ou de pessoas realistas traduzem o invisível ou impal-
influentes. A agáo mostra que a persegui­ pável. O próprio Pedro se move como so­
d o se dirige agora á alta direqao da Igreja, námbulo, sua açâo é inaçào. (Os guardas
as testemunhas ¡mediatas de Jesús, a ju- nâo viram? A porta metálica náo rangeu
ileus que nao romperam com o judaismo. ao abrir-se e fechar-se?) Só no final de uma
12,3-19 A data insinúa talvez uma cor­ rua ou beco Pedro acaba de acordar e com-
respondencia com a Páscoa de Jesús (Le preende o acontecido.
22,1). Se é assim, Pedro comega a seguir 12.4 O verbo grego significa levantar;
seu Mestre; e se nao chega até o final, nao como o lugar de onde sai é o cárcere, o
6 por covardia. A libertagáo de Pedro se verbo equivale a tirar; mas o dativo mati­
apresenta num relato de singular vivaci- za o significado, “tirá-lo ao povo”; com­
dade (compare-se com 5,19-22), a meio binado com o verbo do v. 6 “levá-lo”, nos
caminho entre o realismo de reagóes hu­ dá o sentido total: tirá-lo e oferecé-lo numa
manas e o halo maravilhoso de aparigóes execuçâo pública.
e prodigios. O prisioneiro está guardado 12.5 Veja-se o pedido de Paulo prisio­
com medidas de máxima seguranga: cor- neiro (C14,3). Ñas preces litúrgicas da Igre­
rentes, portas, tumos de guardas. Em rá­ ja, teve espaço a oraçâo pelos encarcerados.
pida mudanga de cenário Lucas nos mos­ 12,7-8 Compare-se com a libertaçâo náo
tra um simples dado de transcendencia milagrosa e nao menos impressionante de
teológica: a Igreja reza por seu chefe pri­ Jeremías (Jr 38,7-13). As correntes: SI 107,
sioneiro; a distancia, as grades nao rom- 14; 116,16; veja-se em Is 52,1-2 a seqüén-
pem a uniáo espiritual dos fiéis. Rezar é a cia despertar — vestir-se — soltar-se.
única coisa que podem, e podem muito. O 12,9 Em algumas visoes (p. ex. de
tempo passa, a execugáo está marcada para Ezequiel), o vidente é ao mesmo tempo
ATOS L>OS APOSTOLOS 4-06 I / 11

do a n j o ; parecia-lhe urna visáo. 10Pas- 1<sPedro continuava batendo. Abi u.im


saram a prim eira guarda e a segunda, e ficaram paralisados de espanto
c h e g a ra m á porta de ferro que dava para 17Ele fez um gesto com a máo p h»
a rúa, Que se abriu sozinha. Saíram e, que se calassem, e lhes contou coim>■
q u a n d o haviam andado urna rúa, o anjo Senhor o havia tirado da prisáo. E acn <*
se a fa s to u dele. n Entáo Pedro, voltan- centou:
do a s i, com entou: — Contai-o a Tiago e aos irmáos,
_- A g o ra entendo de fato que o Se- Depois saiu e foi para outro lugo
nhor e n v io u seu anjo para livrar-m e do 18Q uando am anheceu, os soldad"
poder d e H erodes e de toda a expecta­ estavam muito agitados pelo que tci ! •
tiva d o p o v o ju d eu . acontecido com Pedro. 19Herodes <■
iz já lúcido, dirigiu-se á casa da máe procurou e, ao nao encontrá-lo, intei
de Jo á o , apelidado Marcos, onde alguns rogou os guardas e os fez executar. 1
e sta v a m reunidos orando. 13B ateu á pois, desceu da Judéia e ficou em ( V
porta, e urna criada cham ada Rosa saiu saréia.
para a b rir. 14A o reconhecer a voz de
Pedro, de táo contente, nao abriu a por­ M o rte de H erodes (2M c 9) — 20EsU
ta, m a s correu para anunciar que Pe­ va furioso contra os tirios e sidónio1.
dro e s ta v a d iante da porta. ‘TH sse- Eles, de comum acordo, apresentaram
ram -lh e: se ao rei, conquistaram Blasto, cam.i
__E stá s louca! reiro real, e pediram a paz; pois sua re
M a s ela insistía que era verdade. Re­ giáo recebia as provisóes do territorio
p licara111-' do rei. 21No dia combinado, vestido com
__Será seu anjo. as vestes reais e sentado em seu estra

p e r s o n a g e m da agáo, como quando s o - preso. Herodes, defraudado em seu proje


nhamos. to, sem execugáo pública a oferecer ao
12,11 Pedro cometa com a fórmula clàs­ povo espectador, faz os guardas pagar pelo
sica de reconhecimento. Também é tradi­ fracasso.
cional “enviar um anjo” (p. ex. Gn 24,7.40; 12,20-23 Embora fosse distante no teni
Ex 23,20); nao menos “livrar da máo de” po, o narrador quer apresentar aqui a moi
(SI 18,1; 31,16; 144,11; Ez 34,27). Só a te teatral de Herodes Agripa como epílogo
última frase é original: por ela aparecem da libertagáo de Pedro. Algo semelhanu-,
unidos o rei Herodes e o povo judeu (como sem tragos teatrais, se lé sobre a morte de
H e r o d e s e “toda Jerusalém” quando da Senaquerib depois do fracasso diante de
c h e g a d a dos magos, Mt 2,3). Jerusalém (Is 37,36-38). O contraste é pro­
1 2 , 1 2 0 segundo episodio do relato é ple­ positad Pedro encarcerado, Herodes acia
n a m e n te realista, particularmente feliz ao mado, cárcere e tribuna, o anjo do Senhor
d e s c r e v e r o aturdimento de R o s a , a criada. toca o lado de um e fere de morte o outro.
Joáo Marcos era primo de B a m a b é (C14,10) A morte de Herodes é apresentada clara­
e d e p o i s companheiro (12,25; 15,37-39). mente como castigo de Deus; costuma-sc
12,15 A resposta expressa a crenga num compará-la com a de Antíoco (lM e 6,8-
anjo pessoal que pode ocupar o lugar do 17; 2Mc 9). O povo tributa honras divinas
individuo ausente, tomando sua figura ou a Agripa (Antíoco usou o título Epífanes,
voz. quer dizer, deus manifesto) e este os acei­
1 2 ,17 Isto indica que Tiago ocupava um ta com prazer (Ez 28,2). O esquema de sua
posto de diregáo na comunidade; talvez ascensào e queda pode-se 1er sobre o fun­
n o m e a d o ao ser detido Pedro. Depois Pe­ do de Is 14 ou Ez 31. “Comido pelos ver­
dro parte: para onde? Praticamente desa­ mes” é expressáo tópica, que náo combi­
parece do livro, deixa o lugar a Tiago em na com uma morte repentina (cf. Eclo 7,17;
J e r u s a lé m e a P a u lo na missáo dos pagaos. 10,10-11). “Dar gloría” é reconhecer a glo­
12,18-19 O desenlace é trágico, mas le­ ria exclusiva, intransferível de Deus (Is
gal. Os guardas eram responsáveis pelo réu 42,8; 48,11).
407 ATOS DOS APOSTOLOS

.ln I lerodes discursava ao povo, 22en- em honra do Senhor, acompanhada de


.|iiniito o povo aclamava: jejum , o Espirito Santo disse:
Voz de Deus, näo de homem! — Separai-me Barnabé e Saulo para
'I >e repente o anjo do Senhor o fe- a tarefa que eu lhes destinei.
11il por näo ter reconhecido a glòria de 3Jejuaram, oraram e, impondo-lhes as
I iriis, e morreu comido pelos vermes. máos, os despediram. 4Entáo, enviados
'A palavra de Deus crescia e se dila- pelo Espirito Santo, desceram a Seléu-
inva. 'Barnabé e Saulo, term inada sua cia, daí navegaram para Chipre e, A lle­
inissào, voltaram de Jerusalem, levan- gando a Salamina, anunciavam a pala­
iln i onsigo Joäo, apelidado Marcos. vra de D eus ñas sinagogas judaicas.
Levavam Joáo como assistente. 6Atra-
fl /'3 M issáo de Paulo e Barnabé — vessando a ilha, chegaram a Pafos, onde
1 'N a igreja de A ntioquia havia encontraram um mago e falso profeta
ni)',uns profetas e doutores: Barnabé, judeu, que se chamava Bar-Jesus. 7Per-
Smiáo, o Negro, Lucio, o Cireneu, Ma- tencia á com itiva do governador Sér-
nuém, que se criara com o tetrarca H e­ gio Paulo, homem inteligente que cha­
indes, e Saulo. 2Durante urna liturgia mara Barnabé e Saulo, porque desejava

12.24 À palavra de Deus se atribui a segunda igreja em importancia, sob a di-


liíngáo genesíaca da fecundidade, “crescei regáo ¡mediata do Espirito, envia dois de
r inultiplicai-vos”. seus membros em missáo de evangelizar.
12.25 A missáo, tarefa ou “servigo” pode E, sem pretendé-lo, a missáo vem a ser
iulcrir-se à coleta (11,29-30). ensaio e experiencia que provocará e pre­
parará o concilio de Jerusalém.
13.1 A noticia indica urna importante 13.4 A área de irradiagáo nao é muito
presenga carismàtica nesta igreja. Nao extensa vista no mapa: só abrange uma
liega, mas tampouco menciona outras au­ faixa de um setor do que hoje é a Turquía,
toridades, sendo que se deveriam mencio­ quer dizer, a zona ao norte de Chipre.
nar em assunto táo importante. Tudo acon­ Seléucia se encontra a poucos quilómetros
tece como se a estes cinco competisse a a oeste de Antioquia. Pode ser que tenham
diregSo. Embora as fungóes de profeta e escolhido Chipre por ser a pátria de Barna­
mestre sejam diversas, a lista dá a enten­ bé. Daí passam ao continente, sobem para
der que as mesmas pessoas exercem du­ o norte pela Pisídia e daí, seguindo para o
pla fungáo, de sorte que quase se poderia oriente as vertentes montanhosas, até
Iraduzir “mestres inspirados”. O profeta Derbe, de onde retomam o caminho para
recebe do Espirito luz para resolver casos Antioquia. Para dois missionários a pé, a
concretos, o mestre explica a doutrina do viagem é notável: um mero ensaio para as
evangelho. futuras viagens de Paulo.
Pelo visto, Barnabé é o primeiro na lis­ 13.5 A norma de evangelizagáo é diri-
ta e na agáo; Manaém devia ser de alguma gir-se primeiro aos judeus, pregar em suas
familia influente. Saulo é o último dos cin­ sinagogas. Podemos acrescentar: dentro da
co; por ora é membro de um grupo diri­ sua mentalidade bíblica, como a enten­
gente. dían) e viviam os judeus de entáo.
13.2 Com jejum e agáo litúrgica, o gru­ 13,6-12 Em Pafos, a cidade de Afrodite,
po se dispòe a receber urna mensagem di­ acontece o primeiro episodio digno de
vina, pòe-se à escuta. Efetivamente, o Es­ mengáo: o choque com um mago, que re-
pirito Santo toma a iniciativa dando uma corda o episodio de Simáo Pedro com Si-
ordem concreta. Lucas faz constar que a máo o mago na Samaría (8,9-25). Esse
decisáo nao é ocorréncia humana. Mais de Elimas é um expoente do sincretismo da
uma vez neste livro, o Espirito dá ordens: época: mago no estilo helenista e profeta
elege as pessoas, indica as tarefas. — falso — no estilo bíblico (Mq 3,5-8; Jr
13.3 A imposigáo das máos expressa 23; Dt 13; IRs 22). Vendía saber e poder
aqui a missáo. O dado é fundamental: a arcanos, com os quais havia conquistado
ATOS DOS APOSTOLOS 408

escutar a palavra de Deus. 8Opunha-se Em A n tioq u ia da P isíd ia 1 I».


a eles o mago Elimas (assim se traduz Pafos, Paulo navegou com sua .........
seu nome), procurando afastar da fé o go- va e chegou a Perge da Panfília. Joiin
vernador. ySaulo, ou seja, Paulo, cheio se separou deles e voltou a Jerusalcm
do Espirito Santo, olhou-o fixamente 14De Perge, eles continuaram até Ant i.
10e lhe disse: quia da Pisídia, e, entrando na sinapu
— Grande em busteiro e fraudador, ga num sábado, sentaram-se. 15Tc....
filho do diabo e inimigo de toda ju sti­ nada a leitura da lei e dos profetas, n*
cia! Nào cessarás de torcer os cam inhos chefes da sinagoga deram -lhes este i>
retos de Deus? “ Pois agora a máo do cado:
Senhor está sobre ti: ficarás cegó por -— Irmáos, se tendes algo para exm
um tempo, sem ver o sol. tar o povo, falai.
¡mediatamente urna névoa escura o 16Levantou-se Paulo e, fazendo um
invadiu, e às apalpadelas procurava um gesto com a máo, disse:
guia. I2A o ver isso, o governador acre- — Israelitas e adoradores de Deus
ditou, m aravilhado com o ensinam en- escutai: 170 Deus deste povo de Isr.u I
to do Senhor. escolheu nossos país e exaltou o povo

urna posigáo junto ao procónsul romano. Lucas, é urna autoridade romana benevo
Lucas diz que ele era “inteligente”: supo- la ao evangelho.
mos que por seu desejo de escutar Barnabé 13,13 Nao diz por que Joáo Marcos voll.i
e Saulo, nao porque Lucas fizesse caso do para Jerusalém; pode ser que náo estivo,
charlatáo. Elimas detecta nos recém-che- se plenamente de acordo com a linha de
gados rivais perigosos, que ameagam sua agáo dos companheiros.
influencia, e por isso se esforga por repri­ 13,15 Na celebragáo do sábado lia si
mir e anular o influxo deles sobre o go­ primeiro urna perícope da torá e depoi-.
vernador. Até que se chegue ao confronto urna perícope dos profetas (haftará). Se
formal, na presenga do governador, que guía-se o comentário ou a homilía. Qual
terá de decidir-se pela fé ou pela magia. A quer judeu presente podía propor seu co
fé que os missionários pregam nao tolera mentárío. Como em Le 4, os visitantes san
o sincretismo. convidados a falar. O convite fala de “exoi
13.9 Toma a palavra Saulo (nao Bar­ tagáo” dirigida “ao povo”. Em principio c
nabé) e fala “inspirado” diante do gover­ o povo judeu, mas as sinagogas acorriam
nador (cf. Le 21,15). Num estilo entre também prosélitos e simpatizantes.
retórico e oracular, de profeta, interpela, 13,16a Paulo fala de pé, no estilo gre
denuncia o delito e anuncia o castigo. go. Usa o nome mais ampio e tradicional,
13.10 “Filho do diabo” pode significar “israelitas”, entáo nome ideal. Mas se di
varias coisas: discípulo do diabo, ser dia­ rige também aos simpatizantes com um
bólico; como se chama Bar-Jesus (Filho de título que é freqüente nos salmos, “vene­
Jesús), o titulo pode soar como zombaria radores de Deus”.
sarcástica. E do diabo por ser embusteiro 13,16b-41 O ampio discurso de Paulo
(cf. Jo 8,44) e porque se opóe ao caminho se assemelha muito aos de Pedro (2,22-
reto de Deus (Pr 10,9; Os 14,10; Ez 33,20). 36; 3,12-26); a razáo obvia é que se dirige
13.11 Deus mesmo, “a mao do Senhor”, a judeus. Contudo, a nova linha de Paulo
executará a sentenga. A cegueira corporal ou a presenga de náo judeus na sala induz
será símbolo da espiritual (Mq 3,6); mas algumas mudangas de matiz.
será temporal, dando espago ao arrepen- 13,17 A prímeira frase do discurso é “o
dimento. Deus deste povo de Israel escolheu nos-
13.12 O ensinamento sobre o Senhor sos país”: pura iniciativa de Deus, realiza
(Jesús), que antes o procónsul tinha escu- da numa eleigáo soberana. Os judeus pre­
tado, adquire ante o acontecido um cará- sentes na sinagoga sáo continuagáo dessa
ter de grave admoestagao: o governador eleigáo: Ela se manterá? ou se ampliará?
se sente surpreendido e abraga a fé. Para Sem passar por José, salta o tempo do
409 ATOS DOS APOSTOLOS

H'piiinli) morava no Egito. Com brago 23De sua linhagem, segundo a pro­
. i|iiinln os tirou dai 18e durante quaren- m essa, Deus tirou Jesus corno salvador
..... . is conduziu-os pelo deserto. de Israel. 24A ntes de sua chegada, Joao
' 7 i pulsou setepovos pagàos de Ca- pregou um batismo de penitencia a todo
ii,bi (•¡■ntregouseu territòrio em heranga o povo de Israel. 25Pelo firn de sua car-
i hiui'l. 2(lPor quatrocentos e cinqùen- reira mortai, disse: Nao sou aquele que
1« .iiios deu-lhes juizes até o profeta pensáis; depois de mim vem alguém,
Allunici. 2lEntao pediram um rei, e Deus ao qual nào tenho o direito de tirar-lhe
II I. . ileu Saul, filho de Cis, da tribo de as sandálias dos pés.
H.'iijamim, que reinou quarenta anos. 26Irmáos descendentes de Abraào e
1 Tendo-o deposto, nomeou Davi co­ todos os que adorais a Deus: A vós é
nni rei, de quem deu testemunho: En- enviada esta m ensagem de salvagào.
•imin •/ Davi de Jessé, um homem de quem 27Os habitantes de Jerusalém com seus
Hinlo, que cumprirà todos os meus de­ chefes nào o acolheram nem às pala-
si'¡OS. vras dos profetas que sào lidos nos sá-

I i;ilo e o qualifica como “exaltagáo” (nao vador de Israel (outra vez o nome do povo
Inmiilhagáo). eleito em sua amplidáo ideal).
I3,17b-19 A libertagáo está articulada 13,24-25 Muita importancia relativa é
mis tres tempos clássicos: saída do Egito, dada a Joáo Batista: sua atividade e seu
. iiininhada pelo deserto, ocupagáo de Ca­ testamento. Enviado a “todo o povo de Is­
limi. As pragas e a passagem do mar estáo rael” (novo acento) como precursor e arau-
ulntetizadas no “brago erguido” (Ex 12,51) to de um batismo de “arrependimento”.
.lo Senhor. No deserto saltam-se a alianga Tem alguma atualidade? (cf. v. 38). De seu
i' íi lei (que mais adiante se citaráo na sua testamento cita urna frase que se lé com
impotencia); nao menciona Aaráo nem o leves variantes aqui e nos quatro evange-
mito. Os “quarenta anos” aludem clara­ lhos (cifra excepcional, Le 3,16 par.): pro-
mente à rebeldía do povo (Nm 24,34). Os vável alusáo á lei do levirato.
"sote povos” formam o número clàssico 13.26 Com nova introdugáo passa ao
completo (Dt 7,1). tema cristológico. Chama os judeus presen­
13.20 Quatrocentos anos correspondem tes de “descendentes de Abraáo”, distin-
no Egito, quarenta ao deserto, dez á con­ guindo-os do resto. Mais tarde, Paulo dará
quista e ocupagáo da terra. Os Juízes for­ outra amplitude á “linhagem de Abraáo”
mam um bloco de transigáo (Jz 2,16) “até” (cf. G1 3,29; Rm 4,16-17; 9,7-8). A “men­
Samuel, a quem dá o título de “profeta”, sagem de salvagáo” se dirige agora a to­
por sua vocagáo e porque recebia orácu­ dos; a sinagoga pode ser ainda lugar de
los de Deus. encontro e de escutar a nova mensagem.
13.21 Saúl serve para marcar o comego 13.27 Sem carregar a máo sobre a cul­
ilo regime monárquico (ISm 8-9) e como pa, embora sem dissimulá-la, sublinha o
tundo de contraste para a eleigáo de Davi fato de que foram instrumento para que se
(ISm 16,12). cumprissem as profecías. O verbo grego
13.22 De Davi (ISm 16,12-13) recolhe vibra com certa ambigüidade: a ignoran­
o aspecto positivo (segundo SI 89,20), com cia pode ser atenuante (3,17) e pode ser
tragos que podem converté-lo em tipo do culpada, “nao reconhecer”: náo acolheram
luturo Messias. Jesús como Messias e Salvador, náo o re-
13.23 “Da sua linhagem” (Is 11,1): se conheceram anunciado ñas profecías. Em­
Saul relativiza o regime, Davi relativiza a bora aos sábados se leiam “lei e profetas”,
pessoa, porque sua fungáo mais importante o orador se detém expressamente nos pro­
é receber urna promessa e gerar um des­ fetas, que representam o fator dinámico,
cendente. Promessa ou anúncio e cumpri- projetado para o futuro. Náo basta ser des­
mento sáo o esquema que governa o que cendente de Abraáo, é preciso abrir-se ao
se segue. De Davi salta a Jesús, que, fa- futuro já presente como cumprimento.
zendo jus ao nome, é enviado como Sal- Condenando cumpriram (sem querer):
ATOS DOS APOSTOLOS 410 n 'i

bados. Mas, ao julgá-lo, as cumpriram, depois de servir ao designio de |)n »


28ao pedir a Pilatos que o matasse, em- durante sua geragáo, foi sepultado! »
bora nao encontrassem motivo para urna sofreu a corrupgáo. 37A o contr;.....
sentenga de morte. 29Quando se cum- aquele que Deus ressuscitou náo sofi <n
priu tudo o que está escrito a respeito a corrupgáo. 38Sabei, irm áos, qm
dele, desceram-no do madeiro e o se- anunciado a vós o perdáo dos pecad"1
pultaram. 30Mas Deus o ressuscitou da por meio dele, 39e todo aquele que cu i
morte 31e apareceu durante muitos dias será absolvido de tudo o que a lei ili
aos que haviam subido com ele da Ga- M oisés náo pode absolver.
liléia para Jerusalém. Eles sao hoje suas 40Atenqáo! Que nao vos acóntela >
testem unhas diante do povo. 32Quanto que foi anunciado pelos profetas: 41Ve
a nós, vos anunciamos a boa noticia: A de, vós que desprezais, contemplai <
promessa feita aos antepassados 33foi espantai-vos: em vossos dias farei unni
cumprida por Deus a seus descenden­ obra tal, que nao creríeis se vo-la con
tes, ressuscitando Jesús, com o está es­ tassem.
crito no Salmo dois: Tu és meu filho, 42Q uando saíram, pediam -lhes qui
eu hoje te gerei. 34E que o ressuscitou continuassem expondo o tema no sá
para que nunca se subm eta á corrupgáo bado seguinte. 43Ao dissolver-se a as
está anunciado assim: Eu vos darei f i ­ sem bléia, m uitos judeus e prosélito:,
elmente o que foiprom etido a D avi; 35e devotos acompanharam Paulo e Bai
em outro lugar diz: N ao perm itirás que nabé, que lhes falavam e insistiam para
teu fie l sofra a corrupgáo. 36Ora, Davi, que se mantivessem no favor de Deus

como os irmáos de José fizeram com que O primeiro (SI 2,7) afirma a adogáo do
se cumprissem seus sonhos. rei como filho, em termos de geragáo. O
13.28 A culpa está mais clara nesta fra­ segundo (Is 55,3) é promessa de “lealda
se (Le 23,4.21). de” a Davi, que se cumpre no Leal poi
13.29 Todo o tempo da crucifixáo até excelència. O terceiro (SI 16,10) afirma
morrer era um ir cumprindo profecías (cf. que este náo sofrerá a corrupgáo. Ou seja,
Jo 19,28). O sepultamento ratifica a mor­ o Filho de Deus, descendente e herdeiro
te (Le 23,53 par.). de Davi, vence a morte. Náo se cumpre a
13,30-31 De novo, quem toma a inicia­ profecía em Davi, e sim em Jesús, ressus-
tiva é Deus (cf. v. 17), autor da ressurrei- citado por Deus.
çào. A frase sucinta faz parte do kerigma e 13,38-39 Segue-se a exortagáo conclu­
da confissáo primitiva. Do fato sao teste­ siva, de oferta e admoestagáo (como em
munhas os apóstolos (Bamabé e Paulo nao textos proféticos ou penitenciáis, Is 1,10-
entram no grupo). 20; SI 50,22-23). A lei de Moisés, como
13,32-33a Eles sáo “evangelistas” ou todos os seus ritos e cerimónias, nao pode
anunciadores da boa noticia, a saber, que, garantir o perdáo dos pecados; foi e se
ressuscitando a Jesús, Deus cumpriu para demonstra inoperante no substancial. Ago­
os filhos o prometido aos pais. E notável ra se oferece a todo o mundo, por meio de
nessa síntese todas as promessas no fato Jesús, sem outra condigáo senáo crer nele
singular de ressuscitar Jesús: parece exa­ (aqui ressoa um puro pensamento paulino).
gerado ou simplista? Quem o tiver com- 13,40-41 A fé em Jesús nao é ato neutral:
preendido como Paulo náo julgará desse aceita-se para salvagáo ou se rejeita para
modo. Podiam entendé-lo seus ouvintes? castigo (cf. Js 24). A admoestagáo se faz
13,33b-37 Sim, se sabem interpretar a adaptando um texto profètico (Hab 1,5),
Escritura. Os très textos citados faziam como que dizendo: a obra que Deus reali-
parte, talvez, de florilégios usados na pre- zou (ressuscitando Jesús) provocará espan­
gaçâo e na catequese. Os très textos de- to aos que náo crerem.
vem ser tomados formando unidade, no 13,42-43 Apesar do dito sobre a lei de
novo contexto e iluminados pela glorifi- Moisés, a primeira reagáo dos ouvintes é
caçâo de Jesús Cristo. favorável; ao menos como curiosidade de
411 ATOS DOS APOSTOLOS

"No silbado seguinte, quase toda a po- ram os que estavam destinados á vida
imliigiio se reuniu para escutar a pala- eterna. E assim a palavra de Deus se
vmtic Deus. espalhou por toda a regiáo. 50Mas os
,|'’M;is os judeus, ao ver a multidáo, judeus incitaram m ulheres piedosas da
HH'lieram-se de inveja e contradiziam classe alta e os notáveis da cidade, pro-
un pnlavras de Paulo com insultos. 46En- vocaram urna perseguigáo contra Pau­
liiu l’aulo e Barnabé falaram com toda lo e Barnabé, e os expulsaram de seus
ii niisadia: lim ites.5‘Eles, sacudindo contra os ou-
A vós, por prim eiro, era preciso tros o pó dos pés, partiram para Icónio;
iiiic fosse anunciada a palavra de Deus. 52enquanto isso os discípulos se en-
I'nrém, visto que a rejeitais e nao vos chiam de alegría e do Espirito Santo.
|ulgais dignos da vida eterna, nós nos
dirigiremos aos pagaos. 47Assim nos A Em Icónio — ‘Em Icónio entra-
nrdenou o Senhor: E u fa q o de ti luz das l i ram juntos na sinagoga judaica
naqóes, para que m inha salvaqáo atin- e falaram de tal m odo que m uitos ju ­
ln os confins da térra. deus e gregos creram. 2Os judeus náo
48Ao ouvi-lo, os pagaos se alegraram, convertidos incitaram e corromperam
glorificaran! a palavra de Deus e cre- os ánimos dos pagaos contra os irmáos.

i'ontinuar escutando. Por enquanto nao definitiva, com a qual se encerrará o livro
Ibes fecham a sinagoga como lugar de pre- (28,26-28). Também para a missáo univer­
gagáo (cf. Am 7,12-13). E mais (como sal podem alegar urna profecía (Is 49,6)
ncontece em algumas conferencias): um dirigida pelo Senhor a seu Servo (a Jesús,
grupo misto de judeus e prosélitos conti­ segundo Le 2,32), escutada agora como
nua conversando com Paulo e Barnabé. dirigida aos pregadores do evangelho. “In­
Dariam mais explicagóes, responderiam a dignos da vida eterna” que se alcanga só
perguntas. Despedem-se convidando-os a pela fé em Jesús.
serem fiéis ao “favor” que Deus lhes está 13,48-49 “Destinados á vida eterna” é
fazendo com a mensagem do evangelho. um modo de dizer eleitos; equivale a “es­
13,44-45 O éxito dos pregadores vai ser critos no céu” (Le 10,20). A boa noticia
sua fatalidade. Porque a noticia foi difun­ infunde alegría (cf. Le 19,6). O evangelho
dida e comentada e quase todo mundo quer é palavra do Senhor acerca do Senhor. Os
escutar no sábado seguinte os novos pre­ convertidos se convertem em difusores do
gadores e ouvir esse discurso táo novo “so­ evangelho entre pagáos.
bre o Senhor”. Entre prosélitos e pagáos, 13,50-51 “Mulheres piedosas” simpati­
deixam em minoria os judeus, os quais zantes ou adeptas do judaismo. Sáo as au­
sentem inveja: do éxito dos adventicios, toridades da cidade que decretam e exe-
de seu novo ensinamento, de perder o pri­ cutam a expulsáo dos visitantes, que
vilègio de povo escolhido (cf. Rm 10,19; respondem com o gesto tradicional (Le
11,11.14). Entáo enfrentam os pregadores 9,5; 10,11 par.).
com argumentos e insultos, e podem en- 13,52 Embora a cidade esteja represen­
quadrar-se no delito dos “habitantes de tada pelas autoridades, ficam nela muitos
Jerusalém com suas autoridades”; náo “discípulos”, e neles a presenga ativa do
aceitam ter de partilhar com os pagáos sua Espirito Santo.
condigáo de povo do Senhor. Fecham-se
no seu particularismo e rejeitam a mensa­ 14,1-6 O episodio de Icónio é esque­
gem universalista. máticamente igual ao precedente. Primei­
13,46-47 Paulo e Barnabé tomam posi- ro a conversáo de um bom número de ju­
gáo e a declaram abertamente. O que di- deus e pagáos, que comegam a formar urna
zem aqui, como caso particular, vai con- comunidade mista (náo se deve supor que
verter-se num programa forcado de agáo: se formassem duas comunidades). Os ju­
pregar primeiro aos judeus, ser rejeitados, deus que recusam a fé incitam os pagáos
dirigir-se aos pagáos. Até a declaragáo náo convertidos e influentes contra os “ir-
ATOS DOS APOSTOLOS 412

3D urante bastante tempo ficaram ai, — Levanta-te direito sobre teus pés1
apoiando sua ousadia no Senhor, que Ele deu um salto e comegou a andai
acreditava sua m ensagem de graga rea­ n O povo, ao ver o que Paulo havia fci
lizando milagres e sinais por meio de­ to, levantou a voz e disse em sua líu
les. 4A populacíio se dividiu: Uns a favor gua licaónica:
dos judeus, outros a favor dos apósto- — Deuses em figura de homens des
los. 5Pagáos e judeus, com o apoio dos ceram até nós!
chefes, se m ovim entaram para maltra- 12Chamaram Barnabé de Zeus e Pan
tá-los e apedrejá-los. 6A o saber disso, lo de Hermes, pois era o porta-voz. 13( )
os apóstolos fugiram para as cidades da sacerdote de Zeus, que era venerado
Licaónia, Listra, Derbe e seu territorio. junto á cidade, trouxe touros e grinal
7A í estiveram anunciando a boa noticia. das as portas da cidade, e tentava ofere-
cer um sacrificio com a multidáo. 14Ao
E m Listra — 8Em Listra havia um ho- ouvir isso, os apóstolos Barnabé e Paulo
mem aleijado dos pés, mutilado de nas- rasgaram as vestes e se langaram em
cimento, que jam ais caminhara. 9Sen- diregáo á multidáo, gritando:
tado, escutava o que Paulo dizia. Este — 15Homens, que fazeis? Nós tani
olhou para ele e, vendo que tinha fé para bém somos homens de vossa mesma
salvar-se, 10disse-lhe em voz alta: condigáo, e vos anunciamos que é ne~

máos”, o que significa divisáo e tensáo tos deuses, crenga em suas incursóes ter­
dentro da cidade (Le 12,51-53). Paulo e renas em figura humana. Seria bom com­
Barnabé nao arredam pé, continuam no seu parar este episodio com a visita dos tres
lugar (as autoridades nao os expulsam); o personagens a Abraao e Sara (Gn 18-19)
Senhor realiza por eles milagres e prodi­ para definir oposigòes e matizes.
gios (Le 4,22, nao mencionados na mis- 14,8-10 Tudo comega com urna cura
sao precedente). Chamar os pregadores de como aquela realizada por Pedro (3,1-10);
“apóstolos” nao corresponde à terminolo­ a presente é mais esquemática, mas náo
gia normal de Lucas (At 1,21-22). Esses esquece o fator essencial da fé (Le 5,20;
milagres beneficiam o povo necessitado, 7,50; 8,48; 17,19; 18,42). Para o efeito que
confirmam a “mensagem da graga de produz, o narrador nos pede que tenhamos
Deus”: com outras palavras, como os mi­ em conta que era “aleijado de nascenga” e
lagres trazem saúde, assim a mensagem que a cura é instantánea, com urna sim­
traz salvagáo; os pregadores sao simples ples ordem de Paulo.
instrumentos. 14,11-13 Contudo, a reagáo do povo in­
A divisáo na cidade permite à oposicáo dica um grau extremo, muito primitivo, de
aliar-se e tomar-se agressiva. Pagaos e ju ­ religiosidade. Talvez alimentado com re­
deus, com a participagáo de chefes judeus, latos de poetas assimilados sem crítica e
se preparam para apedrejá-los (como a com o culto a Zeus num santuàrio local.
Estéváo?, 7,54-59). Mas nao chegou a hora De acordo com o panteáo helenista, Bar­
do martirio, pois resta muito para evan­ nabé, mais distante e solene, tem que ser
gelizar. Zeus; Paulo, o intérprete que fala, será
14,8-20 O incidente pitoresco de Listra Hermes. O sacrificio é ato de reconheci-
ilustra os primeiros encontros dos prega­ mento e gratidáo aos deuses pela visita e
dores cristáos com a cultura paga poli­ beneficio.
teísta. E um caso particular de relígiosida- 14,14-17 O discurso de Paulo pode ter
de ingenua e incrédula, de urna populagáo sido um exemplo de pregagáo a pagáos
que eré ñas historias ou lendas poéticas de sem contato com o judaismo. Lucas pre-
deuses que se apresentam aos homens em fere reservar tal discurso para o episodio
figura humana; inclusive se sentem valo­ de Atenas (17,22-31), e aqui se contenta
rizados por serem eles que recebem urna com o essencial para impedir o sacrificio
dessas visitas. Sao dois os ingredientes e insinuar de passagem a necessidade e a
pressupostos na situagáo: crenga em mui- linha de uma conversáo.
413 ATOS DOS APOSTOLOS

i io abandonar os ídolos para con- Listra, Icònio e Antioquia, 22onde ani-


vciIcr-se ao Deus vivo, que fez o céu, a m aram os discípulos e os exortaram a
li'iiii, o mar e tudo quanto eles contém. perseverar na fé, recordando-lhes que
"'Ñas geragóes passadas ele permitiu tinham de passar por muitas trib u ía le s
mis | >agáos seguir os próprios caminhos, para entrar no reino de Deus. 23Em cada
'Vmbora nao deixasse de se manifes- comunidade nomeavam anciáos e, com
lni como benfeitor, enviando-vos do céu oragoes e jejuns, os confiavam ao Se-
i Imvas, colheitas a seu tempo, alimen- nhor, em quem haviam acreditado. 24De-
I i i i k Io - v o s e conservando-vos contentes. pois, atravessaram a Pisídia, chegaram
'"Com essas palavras, mal consegui- à Panfilia, 25pregaram a mensagem em
111111 impedir que a m ultidáo lhes ofere- Perge, desceram até Atalia 26e dai na-
i csse sacrificios. |lJMas alguns judeus, vegaram para Antioquia, onde os ha­
viudos de Antioquia e Icónio, conven­ viam confiado ao favor de Deus para a
cerán! a m ultidáo para que apedrejasse tarefa designada. 27Ao chegar, reuniram
l’nulo; a seguir, arrastaram -no para fora a comunidade e contaram o que Deus
da cidade, dando-o por morto. 20Os dis­ fizera por meio deles e como abrira aos
cípulos o rodearam , ele se levantou e pagaos a porta da fé. 28E ficaram bas­
cntrou na cidade. 21No dia seguinte par- tante tempo com os discípulos.
liu com Bam abé para Derbe.
O concilio de Jerusalém — 'A l­
Retorno a A ntioquia — D epois de guns que desceram da Judéia en-
anunciar a boa noticia nessa cidade e sinavam os irmáos que, se náo se circun-
ganhar m uitos discípulos, voltaram a cidassem segundo o costume mosaico,

O essencial é abandonar os muitos deu- 3,3). Segundo, a preocupagáo em deixar


ses e suas imagens, para adorar o único organizadas as comunidades locáis. Náo
Deus vivo e benéfico (cf. o esquema de está claro quanto disto é projegáo de ativi-
lTs 1,9-10; Hb 6,1). Esse Deus é o cria­ dade posterior.
dor do universo (SI 146,6); tem sido tole­ 14.27 Mencionar Deus como autor prin­
rante muito tempo (Dt 32,8), mas esse tem­ cipal de toda a tarefa náo é só um reco-
po passou. De seus beneficios cotidianos nhecimento humilde, mas também afirmar
e ordinários haveis desfrutado (SI 65; 104). que a pregagáo aos pagáos, da forma em-
Dado que no discurso falta a segáo cristo- preendida, é agáo de Deus. O que teve de
lógica, temos de considerá-lo como exem- experiencia humana é uma faceta menor
plo de pré-evangelizagáo. do grande projeto divino. A porta aberta
14,19-20 Aligagáo desse desenlace ines­ aos pagáos por Deus mesmo é metáfora
perado é muito artificial, e a noticia da li- expressiva (11,18; 13,47-48; ICor 16,9;
bertagáo de Paulo resulta esquemática e 2Cor 2,12; C1 4,3).
estranha neste contexto, embora casos se- 14.28 A noticia indica que houve um tem­
melhantes náo tenham faltado na ativida- po de amadurecimento antes do próximo
de de Paulo (2Tm 3,11; 2Cor 11,25). O grande evento: o concilio de Jerusalém.
narrador quer fazer-nos sentir que os ini-
migos de Paulo o perseguem onde quer que 15,1 -35 Na metade do livro se ergue,
ele esteja. como momento decisivo, o que costuma-
14,21-26 Esperávamos que continuas­ mos chamar de concilio de Jerusalém.
sero para o oriente e sul até chegar ao ponto Lucas narrador foi nos conduzindo por eta­
de partida. Contra a lógica geográfica e pas até dividir o olhar entre duas igrejas,
esquecendo perseguigóes locáis, o nar­ Jerusalém e Antioquia. Convidou-nos a
rador os faz voltar pelo mesmo caminho: reconhecer a primazia de Jerusalém e o
até o porto de Atalia e dai, saltando-se dinamismo de Antioquia; induziu-nos a
Chipre, a Antioquia. Alguns detalhes en- simpatizar com movimentos de abertura,
riquecem o itineràrio. Primeiro, a exor- a nós que somos descendentes daquele
tagáo a sofrer com coragem (Le 13,24; lTs primeiro impulso.
ATOS DOS APOSTOLOS 414

nào poderiam salvar-se. 2Isso provocou anciáos. 3Os enviados pela comunida
forte oposigào de Paulo e Barnabé e de atravessaram a Fenicia e a Saman.i
urna discussào com eles; de modo que contando aos irmáos a conversáo do-
se decidiu que Paulo e Barnabé, com pagaos e enchendo-os de alegría. 4Chc
alguns outros, iriam a Jerusalém, para gando a Jerusalém e sendo recebiilo-,
tratar do assunto com os apóstolos e os pela comunidade, pelos apóstolos e pe

Simplificando um pouco, podemos di- centro se contrapóem o discurso de Pedro


zer que as duas igrejas seguem caminhos e o de Tiago (w . 7-11 e 13-21); a seus la
divergentes. A igreja de Jerusalém està dos, um comunicado e discussào ante a
formada ou dominada por judeu-cristàos, comunidade e a decisào comunitària (vv.
conservadores em certos aspectos. Consi- 4-5 e 22), deixando à parte o texto da car
deram-se urna espécie de resto, no qual ta, vv. 23-29); nos extremos, a controvér
està cristalizando-se e crescendo o novo sia em Antioquia e a solugáo ai mesmo (vv
Israel, definitivo e total. Sào a continui- 1-2 e 30-32).
dade escatològica. Garantem essa conti- Complica a explicagào deste episòdio
nuidade a descendència física e, espiri­ central a versáo divergente que dele dá um
tualmente, a circuncisào e a observancia dos protagonistas: o pròprio Paulo (Gl 2,1
conseqiiente da lei. De seu reduto, essa 10). Se algumas divergencias sào explica
comunidade tem sido capaz de langar ex- veis, outras o sào difícilmente. Por um
pedigóes de difusào ou de captura, em par­ lado, o escrito de Paulo é polèmico frente
ticular os helenistas e Pedro. aos gàlatas, quer sublinhar sua dependen
A comunidade de Antioquia é heterogé­ eia ¡mediata do Espirito. Por outro, Lucas
nea em sua composigào, dinàmica em sua escreve num tempo em que diversos da­
constante irrad ialo . Seu estar dentro é dos foram esquecidos ou reinterpretados.
conviver no pluralismo; para fora é abrir­ A leitura paralela de ambos os textos con
se e assimilar. Judeu-cristàos convivem tinua sendo instrutiva.
com helenistas e com pagaos convertidos. 15,1 A “porta aberta” aos pagàos e sua
Os dois caminhos divergentes chegaram a entrada sem a alfàndega da circuncisào
ser opostos, inconciliáveis? Assim o jul- provoca o ataque de uns judeu-cristàos
gam alguns grupos mais rigoristas (que espontáneos, procedentes da “Judéia” (nào
hoje chamaríamos extrema direita). Segun­ de Jerusalém). Sua declaragào é categóri­
do eles, sem a circuncisào e a leí se rompe ca, baseada na historia e na lei (Gn 17; Lv
a continuidade e nào se pode formar o povo 12,3). Ao mencionar a circuncisào se en-
de Deus; a linha empreendida e seguida tende como conseqüéncia inseparável a
por Antioquia rompe a continuidade, nào observància da lei.
forma Igreja. 15,2-3 A discussào é táo forte que se
Tal é o sentido da agáo desses opositores decide apelar a uma instáncia superior:
anónimos que, por pròpria iniciativa (nào Jerusalém. Esta igreja está regida desde
enviados pela autoridade de Jerusalém), algum tempo por apóstolos e por um se­
vém denunciar a linha missionària de An­ nado (anciáos) no estilo judaico. É lógico
tioquia. Em Jerusalém, é Tiago quem diri­ eleger como delegados os dois grandes e
ge a comunidade e o partido extremamen­ experientes protagonistas da missào.
te conservador. Em Antioquia, Barnabé e 15.3 Descendo do norte, atravessam pri-
Paulo representam o impulso e a expe- meiro a Fenicia, depois a Samaria, onde re-
riéncia da missào. A aqáo desses opositores sidem comunidades fundadas pelos he­
tem a virtude de provocar uma clarifica- lenistas (8,4-25; 11,19). Com sua alegria,
gáo oficial. Pois as tendencias divergentes estas comunidades apóiam a missào de
se prolongaran! vários anos (se aceitamos Paulo e Barnabé.
o ano 48 como data mais provável do con­ 15.4 Numa assembléia geral com as au­
cilio). toridades, os delegados informam: náo
Lucas é consciente da importancia do sobre o que eles fizeram, mas sobre o que
momento e constrói com tragos essenciais Deus fez através deles. Uma versáo ao mes­
um episodio perfeitamente equilibrado. No mo tempo objetiva e apologética.
1«. I-I 415 ATOS DOS APOSTOLOS

li in iniciaos, contaram -lhes o que Deus entre ambos e purificando-os com a fé.
Imvia l'oito por meio deles. 5M as alguns 10Portanto, por que tentáis a Deus, im ­
i i invertidos da seita farisaica se levan- pondo ao pescoso dos discípulos um
Ininni e disseram que era preciso circun- jugo que nem nossos pais nem nós fo-
i liln los e ordenar-lhes a observar a lei mos capazes de suportar?11Pois eremos
ile Moisés. 6Os apóstolos e os anciàos ter sido salvos, e eles também, pela gra­
w reuniram para exam inar a questào. cia do Senhor Jesus.
' Ini nando-se acesa a discussáo, Pedro 12Toda a assembléia, em silencio, se
Icvmitou-se e lhes disse: dispòs a ouvir Barnabé e Paulo, que lhes
Irmàos, vós sabéis que desde o contaram os milagres e sinais que Deus
principio Deus me escolheu entre vós tinha realizado entre os pagaos por in­
pura que por meu interm èdio os pagaos term èdio deles. 13Q uando se calaram,
imvissem a boa noticia e cressem. 8Deus, Tiago respondeu:
que conhece os cora<jòes, deu testemu- — Escutai-me, irmàos. 14Simeào ex-
nlio a seu favor, dando-lhes o Espirito plicou como desde o co meco Deus quis
Sunto corno a nós, 9sem fazer distingào escolher entre os pagàos um povo que

15,5 Que nao convence a ala mais con- um “jugo” de escravidáo (Jr 2,20; 5,5). Se
urrvadora, de convertidos do partido fa- só a graga de Jesús Cristo salva (G1 2,16),
liseu (colegas de Paulo na sua formagáo, frente a ela todos somos iguais.
imlicalmente opostos em seus critérios 15,12 O discurso de Pedro é urna sín-
iilliais). A discussáo de Antioquia se reno- tese eficaz, que soa como muitos ensina-
va em outro nivel em Jerusalém. mentos das cartas de Paulo. É acolhido
15,6-7 Para resolvé-la os dirigentes se com um silencio de aceitagáo. Concéde­
icliram com os dois delegados, e a discus- se a palavra aos delegados de Antioquia,
81*10 volta a acalorar-se; prova de que o os quais alegam os milagres com que
partido conservador era forte e decidido. Deus foi confirmando a missáo entre os
Alé que Pedro se levanta para falar. pagáos.
15,8-11 É Pedro que fala; o comunica- 15,13-21 Tiago confirma em substancia
lío de Paulo e Barnabé serve para apoiar e as palavras de Pedro, inclusive citando,
confirmar seu discurso. Pedro se refere á com mudanzas, a versáo grega (LXX) de
sua experiencia pessoal com Cornélio, uns vv. de Amos, que difere vistosamente
apresenta-a como fato fundacional, “des­ do original hebraico. O hebraico e o gre-
de o principio”, da nova linha da Igreja; a go falam de “reconstruir como nos tem­
experiencia de Antioquia passa a segundo pos antigos”. Tiago omite nesse ponto a
plano. Cornélio e os seus aparecem como referencia ao passado. O hebraico anun­
primicias e Pedro como pioneiro. Embora cia que o futuro reino de Davi reconquis­
a rigor o autor primario de tudo seja Deus, tará o resto de Edom hostil e os reinos
que fala pela boca de Pedro e envia seu vassalos propriedade de Yhwh. O grego diz
lispírito sem distingáo. E o Espirito o fa- que “o resto dos homens e os pagáos to­
lur que se difunde e derruba barreiras e dos buscaráo” (sem complemento); Tiago
cria a nova unidade. acrescenta “o Senhor”. Na última frase da
As leis de “pureza” separam e excluem citagáo reaparece a referencia ao passado
os pagáos; mas se instaurou um novo prin­ que foi omitida, mas com uma mudanga
cipio de pureza, que é a fé, partilhada sem substancial: náo se trata de reconstruir a
distingáo por judeus e pagáos convertidos. instituigáo antiga, mas de cumprir a pro­
Atitude total e íntima do homem é a fé que fecía antiga.
Deus conhece e reconhece (Jr 11,20; Pr 15,14 O que fez Pedro (chamado aqui
15,11). Portanto, opor-se á incorporado pelo nome hebraico Simeáo) era nada
plena dos pagáos é opor-se a Deus. E náo menos que a agáo de Deus comegando a
vale objetar que nós nos salvamos pela lei escolher para si um povo constituido de
e eles pela graga, pois nem nós observa­ pagáos. O conceito tradicional de eleigáo
mos a lei, nem ela nos salvou; era antes fica profundamente transtornado. Levar o
ATOS DOS APOSTOLOS 416

levasse seu nomc. 15Isso concorda com mo em Antioquia, Siria e Cilícia. I i


o que anunciaram os profetas, como camos sabendo que alguns dos no , , i ,
está escrito: 16Depois, eu reconstruirei sem nossa au to rizad o , foram pciim
a tenda caída de Davi, levantarei suas bar-vos e angustiar-vos com seus >li
ruinas, 17para que o resto dos hornens cursos. 25Por isso, decidimos unaniim
procure o Senhor, todas as nagóes so ­ mente escolher alguns e enviá-los cotli
bre as quais fo i invocado meu nome — nossos queridos Barnabé e Paulo, ' lm
diz o Sen h o r— 18que dá a conhecertudo mens que entregaram sua vida á can ,
isso desde antigamente. l9Portanto, pen­ de nosso Senhor Jesús Cristo. 27Nós vi >«
só que náo se deve por obstáculos aos enviamos Judas e Silas, que vos expli
pagaos que se convertem a Deus. 2uBas- caráo isso pessoalmente. ~KÉ decisáo ■!•,
ta recomendar-lhes que se abstenham Espirito Santo e nossa náo impor-vi ii
de contaminar-se com os ídolos, da for­ outro fardo além destas coisas indispen•
n ic a d o e de com er carne de animais sáveis: 29abstende-vos de alimentos oír
estrangulados ou sangue. 21Pois M oi­ recidos aos ídolos, de sangue, de anim.m
sés, em cada povoado, tem pregadores estrangulados e da fornicagáo. Fat i
que o léem aos sábados ñas sinagogas. bem em abster-vos disso. Adeus.
22Entáo os apóstolos, os anciáos e a 30Eles se despediram, desceram a An
comunidade inteira decidiram escolher tioquia, reuniram a comunidade e enln
alguns dirigentes dos irmáos, para enviá- garam a carta. 31Quando a leram, ficarai 11
los com Paulo, Bamabé, Judas, apelida- alegres pelo ánimo que lhes dava. 32Juda.
do Bársabas, e Silas. 23Deram-lhes urna e Silas, que também eram profetas, ani
carta escrita de próprio punho, que dizia: maram e confirmaram os irmáos. 33De
— Os irmáos apóstolos e anciáos saú- pois de algum tempo, despediram-se do?,
dam os irmáos convertidos do paganis- irmáos com a paz, e voltaram aos que os

nome indica que sâo possessáo de Deus: 15,22 Terminada a discussáo privad.i
no fundo, deve-se ouvir a expressáo Yhwh com um acordo, passa-se à assemblei.i
nosso Deus. geral, que ratifica o acordo e se dispóe i
15,19 Impor aos pagaos convertidos a comunicá-lo, por meio de seus delegados
circuncisáo e a leí seria “por obstáculos” á comunidade de Antioquia e vizinhas. Os
à sua conversâo (cf. Is 56,1-8). delegados de Jerusalém sáo como um in­
15,20-21 Contudo, Tiago acrescenta tercambio cortés e pacifico.
uma cláusula restritiva, um trio ou quarte- 15,23-29 Na carta se acrescentam deta-
to de observâncias de pureza. A intençâo lhes dignos de nota. Sao desautorizados
dessas exigencias parece ser assegurar a os extremistas e sua agáo espontánea (el
convivencia pacífica de pagaos e judeus Mt 23,4). Em contraste, sáo louvados
em comunidades cristas mistas; pois os Barnabé e Paulo por seu espirito de sacri­
judeu-cristàos continuant ouvindo aos sá­ ficio em prol do evangelho. Apela-se ao
bados e cumprindo diariamente a lei de Espirito Santo, que ratifica a decisáo dos
Moisés. responsáveis; em termos modernos, diri-
Contaminar-se com ídolos é comer car­ am que sua decisáo é carismàtica.
ne sacrificada a divindades falsas (cf. ICor 15,31-32 Os antioquenos se sentem ali­
10,20-22); fornicaçâo é aquí o matrimo­ viados, reanimados com a carta. Sua agáo
nio dentro de limites proibidos (Lv 18); apostólica foi substancialmente confirma­
comer sangue ou animais estrangulados da e restabeleceu-se a paz. As restrigóes nát)
(sem tirar-lhes o sangue) repugna à lei (Lv pesam numa comunidade mista como a
3,17; 17,10) e à sensibilidade judaica. Très deles. Ao comunicado se acrescenta a voz
das cláusulas se referem a comidas. Cabe do Espirito que anima pela boca de seus
perguntar: se essas normas se justificam profetas.
pelo bem da paz, deveráo ser aplicadas em 15,33 *Alguns manuscritos acrescen­
comunidades formadas exclusivamente tam: MSilas decidili ficar ali, de modo que
por pagáos convertidos? Judas voltou a Jerusalém.
Ill / 417 ATOS DOS APOSTOLOS

liii v1.1111 enviado*. 35Paulo e Barnabé fi- do Senhor. 41Atravessou a Siria e a C i­


• 111.1111 cm Antioquia, onde com muitos licia, confirmando as comunidades.
m i ii o s ensinavam e anunciavam a pala-
vil lie I )cus. T im o te o — 1Assim chegou a Der-
be e Listra. Havia ai um discípu­
Pimío c B arnabé se se p a ra in — 36Pas- lo chamado Timoteo, filho de máe judia
iclos uns dias, Paulo disse a Barnabé: convertida e de pai grego, 2muito esti­
Voltemos a visitar os irmáos de mado pelos irmáos de Listra e Icónio.
<inla povoado em que anunciamos a pa- 3Paulo queria lcvá-lo consigo; entáo o
luvia do Senhor, para ver como se en- circuncidou, em atenqáo aos judeus que
i onlram. habitavam por ai, pois todos sabiam que
1 Barnabé queria levar consigo Joáo, seu pai era grego.
ipelidado Marcos. 38Paulo julgava que 4Ao atravessar os povoados, recomen-
n .io deviam levar consigo alguém que davam-lhes que observassem as normas
o s havia abandonado na Panfilia e nao estabelecidas pelos apóstolos e anciáos
o s acompanhara na tarefa. 39A dissen- de Jerusalém. ^As igrejas se fortaleciam
s .io licou táo violenta que se separaram, na fé e cresciam numéricamente a cada
i- liarnabé, tomando Marcos, embarcou dia. 6Enquanto atravessavam a Frigia e
para Chipre. 40Paulo escolheu Silas e a Galácia, o Espirito Santo náo Ihes per­
paitiu, confiado pelos irm áos ao favor mitía pregar a mensagem na Asia. 7Che-

15,35 Funciona como conclusáo: Paulo Sua posiqáo é ambigua, e os judeus po­
e Barnabé podem continuar sua agáo e seu dem com razáo objetar que Paulo procu­
projeto, enriquecidos com tantas expe­ ra ofendé-los, negando publicamente um
riencias. direito judaico. Paulo elimina a ambigüi-
15,36-40 Trata-se de um incidente me­ dade (incorrendo na própria? Cf. ICor
nor, ou sobe á superficie algo profundo? 7,17-24) e consegue um excelente cola­
I)eve-se marcar o v. 36 como cometo de borador, seu favorito (F1 2,19-24; lTs 3,
urna nova etapa, ou é continuagáo com 2-6; ICor 4,17; 16,10-11) e herdeiro de
mudanza de pessoal? Á primeira vista, tra­ sua mensagem. O último v. retorna com
ta-se de eleigáo de colaboradores, de re­ variantes topográficas como leitmotiv
cuperar Joao Marcos, um dia fugitivo (13, (2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9,31.35.43; 11,21;
13), na intengáo de Barnabé; de rejeitá-lo 12,24; 14,1).
como inconstante e náo fidedigno, na ré­ 16,6-10 Ocorre urna mudanza transcen­
plica de Paulo. Cabe perguntar por que se dental de diregáo geográfica, e é o Espiri­
faz violenta a discussáo: terá amadureci- to Santo ou Jesús quem impóe o caminho.
do em Paulo um projeto novo que Barnabé Primeiro fechando a passagem a algumas
náo compartilha? (cf. a separagáo de Abráo tentativas, depois enviando um sonho ora­
e Ló, Gn 13). cular. Paulo tem que deixar por ora a Asia
De fato, notamos que desta vez Paulo para passar á Europa: um fato que perten-
toma a iniciativa de urna nova expedigáo ce á historia da nossa cultura. De repente
apostólica, escolhe um novo companhei- o relato adota a primeira pessoa do plural,
ro e parte, náo enviado formalmente pela com certo sabor autobiográfico. O uso de
comunidade, e sim com a despedida cor­ sonhos para comunicar mensagens divi­
dial por ela. Agora Paulo vai recomenda­ nas é mais freqüente em Mateus. Lucas
do pelos irmáos “ao favor do Senhor”. Por normalmente faz intervir anjos. Um ma-
esses aspectos, embora as primeiras eta­ cedónio anónimo, que aparece num sonho,
pas sejam de repetigáo, Paulo empreende é a voz da Europa pedindo auxilio. Sem
urna nova empresa missionária. querer recordamos que da Macedónia par-
tiu a grande difusáo cultural que chama­
16,1 5 O caso de Timoteo é particular. mos helenismo. A situagáo está mudando:
Sendo de máe judia, é israelita de direito; agora o helenismo vai receber como auxi­
sendo de pai pagáo, náo foi circuncidado. lio a boa noticia de Jesús.
ATOS DOS APOSTOLOS 418
gando à Misia, tentavam passar para a Sentamos e cometamos a conversar coni
Bitinia, mas o Espirito de Jesus o impe- algumas mulheres. 14Escutava-nos unii
diu. 8Portanto, deixaram a Misia e des- m ulher chamada Lidia, comerciante do
ceram a Tròade. púrpura de Tiatira e pessoa devota. ( )
Senhor lhe abriu o coragào para qiu-
Visào de P au lo — 9Certa noite, Paulo prestasse atengào ao discurso de Pau
teve urna visào: Um macedònio estava lo. 15Ela se batizou e pedia:
de pé e Ihe suplicava: Vem à Macedònia — Se me tendes por fiel no Senhoi.
para ajudar-nos. 10Após essa visào, pro­ vinde hospedar-vos em minha casa. I
curamos ir à M acedònia, convencidos insistía conosco.
de que Deus nos cham ava para anun-
ciar-lhes a boa noticia. “ Zarpando de Preso e liberto— 16Certo dia, quando nos
Tròade, chegam os rapidam ente a Sa­ dirigíamos para a oracào, saiu-nos ao en
motracia e, no dia seguinte, a Neàpolis; contro urna criada que tinha poder do
12dai a Filipos, a prim eira cidade da adivinhar e, com suas adivinhagóes, pro
provincia da Macedònia, colònia rom a­ porcionava grandes lucros a seus patróes.
na. Ficamos alguns dias nessa cidade. Indo atrás de Paulo e de nós, gritava:
13Num sábado, saim os pela porta da — Estes homens sào servos do Deus
cidade em diregào à margem de um rio, A ltissim o e nos pregam o caminho da
onde pensávamos que se fizesse oradio. salvagào.

16,11-12 Por mar e terra chegam a Fili­ náo é normal que seja a mulher a chefe da
pos, a cidade que recebe seu nome de Fili- casa (cf. SI 113,9). Os missionários acei­
pe, pai de Alexandre Magno. Como colò­ tara a hospitalidade generosamente ofere-
nia romana (desde o ano 31 a.C.), gozava cida, segundo o conselho do Senhor (Le
dos privilégios e era administrada segun­ 10,3-10) e o exemplo do profeta (2Rs 4).
do a lei de Roma. Mas seu privilègio maior 16,16-40 Após um comego aprazivel,
é ser a primeira cidade européia a receber desencadeia-se bem cedo a perseguigào,
os mensageiros do evangelho. que é a acolhida da Europa (Grècia e Ro­
16.13 A palavra grega que traduzimos ma) a Paulo, depois de ter-lhe pedido au­
por oragào pode designar por metonimia xilio. O relato é heterogéneo pela inser-
um lugar de oragào, seja urna sinagoga, gào da cena noturna no càrcere. Se lermos
seja um lugar ao ar livre, como se a proxi- saltando do v. 24 ao 35, o relato fluì, sal­
midade da àgua favorecesse a oragào ou vo a demora inexplicável em alegar a ci-
servisse para ablugóes. A circunstancia de dadania romana: Paulo e a criada que adi-
ser um sábado faz pensar num rito judai­ vinha, irritagào dos patróes, denùncia,
co; mas o fato de se reunirem mulheres motim do povo e violència contra os prega-
sozinhas dissuade disso. Dir-se-ia que sào dores, libertagào e expulsào cortes. O flu-
todas pagàs simpatizantes do judaismo. O xo se corta para dar passagem a urna cena
clima de oragào partilhada favorece a co- fantàstica (w . 25-34), que nào se encaixa
municagào da mensagem. bem nesse contexto forgado.
16.14 Náo se fala do resultado de con­ 16.16 “Poder de adivinhar” è em grego
junto; o narrador se fixa em urna, a pri­ “espirito pitònico” (da serpente que guar­
meira mulher cristá na Europa. Originària dava o oráculo de Delfos). Lucas quer re­
de Lidia (Asia Menor), dedicada ao lucra­ lacionar o fato com a expulsào de demo­
tivo comércio de luxuosos tecidos fingi­ nios do evangelho (Le 4,35; 8,29-38 par.).
dos em púrpura, adepta da religiáo judai­ Os patróes exploram os dotes dela, supos-
ca. E Deus quem a abre por dentro (o tamente sobrenaturais, com urna religio-
coragào) para que escute e aceite e se en­ sidade que è negócio.
tregue à mensagem. 16.17 Se a moga era perspicaz e se man-
16.15 O batismo com “toda a casa” (in­ tinha informada dos fatos correntes, nào
cluí também servos e empregados) è nor­ tinha que adivinhar muito para fazer sua
mal nessa sociedade (10; 16,33; 18,8), mas declaragáo pública. Nào captamos bem o
IA. H 419 ATOS DOS APOSTOLOS

"Vez isso por muitos dias, até que Pau- cutavam . 26De repente, sobreveio um
lu, cansado, voltou-se e disse ao espirito: terremoto que sacudiu os alicerces da
Em nome de Jesús Cristo, eu te prisáo. ¡mediatamente todas as portas se
ni ileno que saias déla. abriram e as correntes de todos se solta-
1 mediatamente saiu déla. 19Vendo seus ram. 270 carcereiro acordou e, ao ver as
Imi roes que lhes havia escapado a es- portas abertas, empunhou uma espada
pcnmga de negocios, agarraram Paulo para matar-se, crendo que os presos ti-
r Si las, os arrastaram á praca, diante das vessem fúgido. 28Mas Paulo lhe gritou
autoridades, 20e, apresentando-os aos bem forte:
magistrados, disseram: — Náo fagas mal nenhum a ti mes-
— Estes homens estáo perturbando mo, pois estam os todos aqui!
nossa cidade; sao judeus 21e pregam 29Ó carcereiro pediu luz, correu para
costumes que nós, rom anos, nao pode­ dentro e se langou aos pés de Paulo e
mos aceitar nem praticar. Silas. 30Conduziu-os para fora e lhes
220 povo se reuniu contra eles e os disse:
magistrados ordenaram que os desnu- — Senhores, que devo fazer para me
ilassem e os agoitassem. 23Depois de salvar?
urna boa surra, os colocaram na prisáo 31Responderam-lhe:
c ordenaram ao carcereiro que os guar- -— Cré no Senhor Jesús e te salvarás
dasse bem guardados. 24Recebido o en­ com tua familia.
cargo, colocou-os no último calabougo 32Expuseram a ele e a toda a familia
e amarrou seus pés ao cepo. 25A meia- a m ensagem do Senhor. 33A inda de
noite Paulo e Silas recitavam um hiño noite os levou, lavou-lhes as feridas e
a Deus, enquanto os outros presos es- se batizou com toda a familia. 34A se-

tom com que grita: é louvor e recomenda­ pena dolorosa e infamante. Depois disso
d o , zombaria e parodia, desafio aos pre­ os eoloeam uma noite na prisáo (cf. a sor­
sumidos salvadores? “Altissimo” podia-se te semelhante de Jeremías, 37,14-16). No
dar como título a Zeus ou a Yhwh\ nao sa­ calabouço ficam até a manhá seguinte, da
bemos se a ambigiiidade do narrador é in­ qual se ocupa o v. 35.
tencional. 16,25-34 Lucas aproveita esta noite va-
16,18 Seja como for, a repetido irrita zia e os acontecimentos para enché-la com
Paulo, e ele recorre a seu poder numa es- um relato de libertaçâo, em que Paulo se-
pécie de exorcismo pela invocagáo do gue as pegadas de Pedro (12,1-19). Os tra-
nome de Jesús Cristo. O espirito “saiu” e ços realistas fazem sentir mais as incoerén-
com ele “saiu” o rendimento (como o dos cias. Em que calabouço estáo Paulo e Silas
porcos em Le 8,26-39). Será preciso dis­ para serem ouvidos pelos demais presos?
cutir se era o espirito que produzia o ren­ E para inteirar-se do que acontece no cár-
dimento, ou era o rendimento que inven­ cere, para gritar do seu lugar ao carcereiro?
tava o espirito (Lucas nada mais conta). Que terremoto é este que abre portas e sol-
16,19-21 A intervengo dos patroes é ta corpos sem produzir outros danos? Por
violenta, ilegal; pode ser que a executa- que náo escapam, como fez Pedro?
ram por meio de outros criados. A acusa- Temos que entrar no espaço fantástico
gáo é maliciosa, hoje diríamos que basea- do relato para escutar o que nos inculca o
da em anti-semitismo e xenofobia: opóe narrador. Antes de tudo, a serenidade e o
romanos a judeus, costumes estrangeiros gozo dos dois presos espancados que trans-
aos pátrios, e provoca a animosidade po­ formam o cárcere em casa de oraçâo (cf.
pular. Sem querer dizem uma coisa certa: SI 77,7; como os très jovens na fornalha
que a mensagem crista perturba, sacode e da Babilonia, Dn 3). O terremoto é teofa-
agita a vida pagá da cidade. nia, manifestaçâo da divindade em açâo
16,22-24 Com náo menor violéncia ile­ (cf. Ez 38,19). Abrem-se as portas como o
gal: cedem ao motim popular e sem inter­ profeta promete (Is 45,1), e saem livres (SI
rogatorio nem processo lhes infligem uma 124,7).
ATOS DOS APOSTOLOS 420 16,35

guir, os levou para sua casa, ofereceu- 380 s guardas comunicaram isso aos
lhes urna refeigáo e festejou com toda magistrados, que se assustaram ao ou
a casa o fato de haver acreditado em vir que eram cidadäos romanos. 39Vic
Deus. ram, se desculparam, os fizeram sair <
35Quando amanheceu, os magistrados lhes pediam que fossem embora da ci
enviaram os guardas para que soltas- dade. 40A o sair do cárcere, dirigiram
sem aqueles hom ens. 3fiO carcereiro se à casa de Lidia, saudaram e anima
informou Paulo sobre o assunto: ram os irmàos, e partiram.
— Os m agistrados ordenaram que
vos soltem; portanto, ide em paz. "I H Em TessalÓ nica— A travessan
37Paulo replicou: A / do Anfípolis e Apolónia, chega
— Eles nos agoitaram em público e ram a Tessalónica, onde havia urna si
sem julgam ento, a nós que som os ci- nagoga judaica. 2Segundo o costume,
dadáos romanos, langando-nos na pri- Paulo foi a ela e, durante très sábados,
sáo, e agora nos mandam sair as escon­ discutía com eles, citando a Escritura,
didas? De nenhum modo! Que venham 3explicando-a e mostrando que o Mes­
eles e nos fagam sair. sias tinha de padecer e ressuscitar ao

O efeito mais maravilhoso é a conver- gáo. Com este final, Lucas envia talvez
sáo do carcereiro, libertado por Paulo da uma mensagem indireta as autoridades
tentativa de suicidio: o preso acaba sendo romanas do seu tempo.
o libertador. Aquí o relato recobra veros- 16,39-40 Ao partir, Paulo e Silas dei-
similhanga dentro da sua brevidade. Apri- xam uma mulher e um homem converti­
meira reagáo do carcereiro é ainda de pa- dos com suas casas. Lucas náo mencio­
gáo diante do prodigio: estes homens estáo na outros.
protegidos por algum deus, é preciso res-
peitá-los e escutá-los; talvez a divindade 17,1 -2 Tessalónica era a capital da Ma-
queira comunicar-me por meio deles urna cedônia, a segunda etapa da missáo, tal­
mensagem. Sua pergunta se abre a maior vez a primeira no projeto. Cidade portuá-
sentido gragas á ambigüidade, “para sal- ria, rica e aberta, na quai náo faltava a
var-me” (Le 3,10-14). Depois, em rápida comunidade judaica com sua sinagoga;
alternancia, escuta, eré, cuida dos feridos primeiro lugar de pregaçâo, na tática de
(Le 10,34), se batiza com toda a familia, Paulo (9,20; 13,5.14; 14,1). Très sábados
festeja com um banquete o acontecimen- consecutivos permitiam desenvolver e dis­
to. Com certeza, em suas repetidas esta­ cutir os temas principáis. Essa duraçâo se
días em prisáo, Paulo converteu mais de refere ao primeiro amadurecimento de
um carcereiro, com sua paciencia e pala- conversóes; náo significa que ¡mediata­
vras. E esse era o prodigio importante e mente tenha vindo a reagáo hostil.
permanente, esse o terremoto que livrava 17,3 A discussáo se faz sobre a Escritu­
tantos prisioneiros do paganismo. ra. O processo exposto é provavelmente
16,35 Para que o fio narrativo continué, um exemplo.
temos de supor coisas estranhas: que o Primeiro, Paulo procura corrigir a visáo
carcereiro, depois do banquete, levou os do Messias triunfal que os judeus privilé­
presos outra vez para o cárcere, os pren- giant; com textos da Escritura (Is 53; SI
deu com cepos, fechou as portas para dar 22 e outros) mostra que o Messias “tinha
a impressáo de que nao houve nada. Sal­ de padecer” (Le 24,46).
temos mentalmente para a cena noturna a Depois, já que aqueles judeus admitiam
fim de lermos o desfecho. a ressurreiçâo e a outra vida, mostrava-lhes
16,36-38 Paulo se converte em acusa­ que o Messias havia de ressuscitar. Uma
dor dos magistrados, demonstrando que vez preparada como um molde essa visáo
violaram as leis romanas e que estáo ex- bíblica do Messias, encaixava nele a figu­
postos as sangóes correspondentes. Por ra de Jesús. Um modo de raciocinar mo-
isso exige e obtém uma discreta repara- vendo-se em terreno comum.
17, l(> 421 ATOS DOS APOSTOLOS

tcii eiro dia, e que esse Jésus que lhes E m B eréia — 10A seguir, de noite, os
uminciava era o M essias. 4A lguns de­ irmáos enviaram Paulo e Silas a Beréia.
les se deixaram convencer e se asso- Quando chegaram , foram á sinagoga
i'iaram a Paulo e Silas; tam bém grande dos judeus. "E stes eram mais toleran­
numero de prosélitos gregos e nào pou- tes que os de Tessalónica; acolheram
i ns mulheres influentes. ^Cheios de in- com interesse a mensagem, e todos os
vcja, os judeus recrutaram alguns va­ dias analisavam a Escritura para ver se
gabundos da rua, am otinaram o povo, era certo. 12M uitos deles abragaram a
perturbaram a ordem da cidade e se apre- fé, da m esm a forma que algumas mu­
sentarara na casa de Jasâo, com inten­ lheres nobres e náo poucos homens gre­
tai) de fazer Paulo e Silas com parecer gos. 13Quando os judeus de Tessalónica
diante da assem bléia do povo. ' Nào os ficaram sabendo que Paulo havia anun­
encontrando, arrastaram Jasào e alguns ciado a m ensagem de Deus em Beréia,
irmáos à presença dos magistrados. E foram ai para incitar e amotinar o povo.
gritaram: 14Sem tardar, os irmáos fizeram Paulo
— Estes, que revolucionaram o mun­ descer ao litoral, enquanto Silas e Ti­
do inteiro, apresentaram -se aqui e ''Ja­ moteo ficavam atrás. 15Os que escolta-
sào os acolheu. Todos eles atuam con­ vam Paulo o conduziram a Atenas; a
tra os editos do imperador, afirmando seguir, voltaram com instrugoes para
que há outro rei, Jésus. Silas e Tim oteo o alcangarem ai.
8Ao ouvir isso, a m ultidào e os m a­
gistrados se assustaram , 9exigindo de Em A ten as — 16Enquanto os esperava
Jasào uma fiança, e os soltaram. em Atenas, Paulo se indignava ao ob-

17.4 O éxito é muito superior ao de dores sao judeus vindos de Tessalónica.


Filipos. A sinagoga serve como casa de Como a distancia é de uns 80 km, pode­
pregado e ponte de acesso para os prosé­ mos falar de perseguido encarnizada,
litos. Nao está claro por que menciona como se a capital se sentisse responsável
expressamente e só mulheres influentes. pela provincia. Um matiz nos fala do exa­
Talvez sejam elas as mais atraídas pelo me para discernir se o sentido exato da
judaismo, ou as mais fácilmente aceitas, Escritura era o que Paulo propunha. Em
ou as que haviam de influir sobre seus Beréia se separam os companheiros por
maridos. um tempo, de modo que Paulo enfrenta
17.5 Como outras vezes, o éxito provo­ sozinho o desafio de Atenas.
ca a inveja e agressáo de outros judeus. O 17,16 O politeísmo entrava pelos olhos
novo deste caso é que, ao nao encontrar em templos e estátuas, embora em boa
Paulo e Silas, o motim se volta contra o parte se reduzisse á decorado urbana.
anfitriáo dos missionários, Jasáo, prova- Paulo, homem apaixonado, o leva muito a
velmente um prosélito influente. sério e se irrita (cf. Jr 10,1-16 e a Carta de
17.6 A acusagáo é nova nesta campa- Jeremías).
nha, e nela ressoa a acusado contra Jesús 17,16-33 Já dissemos que Lucas parece
(Le 23,2; Jo 19,12). Vé-se que na sua cate- ter-se esquecido de Alexandria. Talvez
quese Paulo explicou a realeza ou exal- porque tenha em mira a capital intelectual
tagáo do Ressuscitado (talvez citando SI da cultura grega, que continuava sendo
110,1, como de costume). Tessalónica, Atenas. Este episodio, Lucas o trata com
embora autónoma na administrado, per- todo cuidado.
tencia a uma provincia do Império. Ainda que em plena decadéncia econó­
17,10-15 Tema com variagóes em Be- mica e política, Atenas conservava intacta
réia. Outro dos breves episodios de pene­ e mesmo idealizada sua auréola cultural.
trad o e difusáo do evangelho, com o mes- Evocava muito mais do que era. Em Ate­
mo esquema de p reg ad o na sinagoga, nas, Sólon tinha descido as leis do céu,
conversóes, perseguido. A variado nes- secularizando o direito. Os filósofos fo­
te episodio consiste em que os persegui- ram reinterpretando a m itología para
ATOS DOS APOSTOLOS 422 17,17

servar a idolatría da cidade. 17Na sina­ -— Podemos saber em que consiste


goga discutía com judeus e prosélitos; essa nova doutrina que expóes? 2(lDi
na praga pública falava aos que por ai zes coisas que nos soam estranhas, >■
passavam. queremos saber o que significam.
18A lguns das escolas filosóficas de 21(De fato, todos os atenienses e to
epicureus e estoicos conversavam com dos os estrangeiros que ai residem gas
ele; outros comentavam: tavam o tempo som ente em contar r
— O que está dizendo esse charlatáo? ouvir novidades.) 22Paulo se levantou
Outros diziam: no meio do A reópago e falou assim:
— Parece um propagandista de di- — Atenienses, percebo que sois ex
vindades estrangeiras. tremamente religiosos. 23Pois andando
Pois anunciava Jesús e a ressurreiQáo. e observando vossos lugares de culto,
19Levaram-no ao A reópago e lhe per- encontrei um altar com esta in serido:
guntaram:

transformá-la em religiáo purificada. As 17,19-20 O grupo dos interessados por


escolas filosóficas tinha florescido e es­ curiosidade o levam à parte até a colina de
tendido seu influxo. Nesse momento atua- Ares, lugar menos buligoso do que a ágora.
vam a Academia (de Platáo), os peri­ O que Paulo ensina náo parece com nada
patéticos (de Aristóteles), os epicureus e do que ensinam seus mestres de filosofía,
os estoicos. Estes últimos eram a escola náo se encaixa nesse mundo conceitual, e
religiosa e ética mais sadia e mais difun­ por isso é difícil entender (Is 52,12).
dida no mundo grego e helenista. 17,21 Num aparte, o narrador comenta
Os pregadores cristáos até entáo tinham a paixáo dos gregos de ouvir novidades;
enfrentado o judaismo e a lei, a magia exatamente o contràrio dos conservadores
(16,16-18; 19,12-16), o politeísmo inge­ judeus. Para Paulo, essa curiosidade sig­
nuo (14,8-18). Agora é a vez de Paulo en­ nifica abertura, e por eia tenta penetrar com
frentar urna religiosídade marcada pela fi­ sua pregagáo.
losofía. Esse encontro preludia de longe o 17.22-31 Lucas compóe o discurso de
que acontecerá entre a cultura crista e a Paulo como modelo de pregagáo a pagaos.
cultura grega. Lucas constrói um relato O esquema é parecido com o que encon­
perfeitamente fluido e coerente. Dá-lhe cor tramos ñas cartas (lTs 1,9-10 e Hb 6,1-2);
local com o cenário, a Iinguagem, as cita- o de Listra parou na metade (14,15-18).
góes, a psicología dos personagens. Aínda Cometa com a afirm ado monoteísta de
que o éxito da pregado tenha sido mo­ Deus: é o criador do universo, criador e
desto, a importáncia deste capítulo é ¡men­ benfeitor do homem. Esse Deus exorta
sa, porque perpetuamente se repete uma hoje ao arrependimento, um dia julgará por
confrontado equivalente de cada época e um delegado seu, que ele credencia com a
cultura. ressurreigáo. A primeira parte é bastante
17.17 A costumeira visita da sinagoga extensa, porque antes Lucas náo a tratou
aos sábados Paulo acrescenta a visita dià­ suficientemente. A parte final está reduzi-
ria da ágora, centro da vida citadina e lu­ da a poucas frases, porque já a fez ouvir
gar de encontros, apto para iniciar conver­ ao longo do livro. Uma economía narrati­
s a re s . va global governa o desenvolvimento re­
17.18 Menciona só dois grupos filosó­ lativo das partes. Comparado com a am­
ficos e entre eles algumas reagóes. Uns pia explanado da carta aos Romanos, este
escutam com curiosidade, outros o desde- breve discurso mostra divergencias notá-
nham como falador, outros o julgam veis, devidas talvez à diversidade de pú­
introdutor de divindades e cultos exóticos, blico, pagáos e cristáos, ou a uma concep-
dos que entáo pululavam. Pelo visto, to- d o diversa de Lucas.
mam Jesus e Anástasis como divindades 17.22-23 O exordio, como entrada no
masculina e feminina. Com a última nota assunto, é magistral. Como um cumpri-
Lucas nos diz que Paulo introduz a seguir mento cortés e ambiguo, que se transfor­
seu tema. ma em crítica, e sabe perceber um valor
IM I 423 ATOS DOS APÓS

AO DliUS D ESCO N H ECID O . Pois sar que Deus seja semelhante à fi


luni, cu vos anuncio aquele que vene- ouro ou pedra modelados pelo engei
tais sem conhecer. 24E o Deus que fez e artesanato do homem. 30Por isso, De»
i cu u térra e tudo o que eles contém. nào levando em conta a época da igne
r le, que é Senhor do céu e da térra, nao rància, exorta agora a todos os homens
Imhila em templos construidos por ho- em todos os lugares para que se arre-
mens, 2ínem pede que o sirvam máos pendam; 31pois marcou urna data para
humanas, como se precisasse de algo. julgar com justiga o mundo por meio
I )e lato, ele dá vida e alentó a todos, de um homem designado. Deu-lhe cré­
-■'i )c um só, formou toda a raga huma- dito diante de todos, ressuscitando-o da
iia, para que povoasse toda a superficie morte.
da Ierra. Ele definiu as etapas da histó- 32Ao ouvir falar de ressurreigào dos
i ta e as fronteiras dos países. 27Fez que mortos, uns cagoavam, outros diziam:
Imscassem a Deus e o encontrassem, — Nós te ouviremos sobre esse as­
ninda que as apalpadelas. Pois nao está sunto em outra ocasiào.
lunge de nenhum de nós, já que 28nele 33E assim Paulo abandonou a assem-
vivemos, nos movemos e existimos, co­ bléia. 34Alguns se juntaram a eie e abra-
mo disse um de vossos poetas: Pois garam a fé; entre eles Dionisio, o areo-
somos de sua raga. 29Portanto, se so­ pagita, urna m ulher chamada Dàmaris,
mos da raga divina, náo podem os pen- e alguns outros.

profundo. A ànsia indefinida de urna reli- 17.28 A citagáo é do poeta Arato e se


giosidade frustrada: temos tantos deuses parece com um verso de um hiño de
que náo nos satisfazem, veneremos esse Cleantes: Deus como espago total da vida
Deus “desconhecido”, a quem chegamos e da existencia humana (compare-se em
«través de nossa ignorancia e fru stra lo termos de luz, SI 36,10). O homem como
confessadas. Pois bem, diz Paulo, o Deus ser “da casta de Deus” (MI 1,15). Citar para
para vós desconhecido e procurado, eu vo­ os pagáos um poeta seu é quase como ci­
lo dou a conhecer (cf. Jo 4,22). tar para os judeus a Escritura.
17,24-25 É o Deus que cria o universo 17.29 Contra os ídolos materiais e sua
(SI 146,6); e náo precisa de que lhe cons- ambigüidade ou engano, a literatura do AT
truam moradas (Is 66,1); o Deus que dá e é rica. Basta recordar Is 44, a Carta de Je­
náo precisa que lhe déem (SI 50); que dá o remías, os acréscimos a Daniel, Sb 12-15.
alentó (Is 42,5; Gn 2,7). 17.30 Depois da exposigáo, vem a in­
17.26 Afirma a unidade do gènero hu­ terpelado. Toda a historia passada se en-
mano, por sua origem do primeiro homem cerra indulgentemente na definigáo de “ig­
(náo mencionado) e como criatura de norancia” (Ef 4,18; lPd 1,14). Chegou o
Deus. Com a humanidade advém a histo­ momento de sair déla e passar ao arrepen-
ria em suas coordenadas de tempo e espa­ dimento, ou seja, reconhecer a maldade
do, também controladas por Deus (cf. Is para emendá-la. Todos os homens sáo cha­
18,5-6; Dt 32,8). Outros referem estas co­ mados a romper com o passado.
ordenadas á natureza. 17.31 Há um dia fixado, embora náo
17.27 A expressáo “buscar a Deus” é revelado, para o julgamento de Deus (SI
comum no AT (p. ex. SI 27,4; Is 55,6; Zc 75,3; 96,13; 98,9). E um “homem” encar-
8,21; Os 5,6); aqui tem o sentido mais regado de executá-lo (10,42; Mt 25,31-32).
ampio e também mais matizado pelo que A ressurreigáo de Jesús (náo mencionado)
se segue. Apresenta-nos a busca do ho­ chega assim quase sem fazer barulho: ou
mem, dividido entre seu afá, sua ànsia de em atengáo aos pagáos, para agugar sua
alcangar a Deus, e a dificuldade de trans­ curiosidade, ou em atengáo aos leitores que
cender as mediagòes. Em sua busca, o ho­ ouviram falar déla no livro.
mem vai como tateando (Dt 28,29; Is 17.32 De fato, a reagáo ante a última
59,10). Náo obstante, Deus està perto de frase se divide entre a cagoada explícita e
cada homem (SI 139,5; 145,18). o adiamento cortés e distante.
ATOS DOS APOSTOLOS 424

Em Corinto— 'Paulo saiu de Ate­ 7Saindo dai, foi à casa de um homi ni


nas e foi para Corinto. 2A i encon- religioso chamado Tício Justo, que m<>
trou um judeu chamado Aquila, natural rava junto à sinagoga. 8Crispo, chefe da
do Ponto, e sua m ulher Priscila, que há sinagoga, com toda a sua familia, cr< u
pouco tinham chegado da Itália, porque no Senhor. E também muitos corintio-,
Cláudio havia expulsado de Roma to­ que o haviam escutado creram e se ba ■
dos os judeus. Paulo foi ter com eles e, tizaram. 9Numa visáo noturna, o Senhoi
3como fossem da mesma profissáo, alo- disse a Paulo:
jou-se em sua casa para trabalhar: eram — Nao temas! Continua falando c
fabricantes de tendas. 4Todos os sábados nao te cales, 10pois eu estou contigo
discutía na sinagoga, tentando conven­ e ninguém poderá fazer-te mal, por­
cer judeus e pagaos. 5Quando Silas e que nesta cidade tenho um povo nu
Timoteo desceram da Macedónia, Pau­ meroso. 11A i perm aneceu por um ano
lo dedicou-se a pregar, afirmando dian­ e meio, ensinando-lhes a mensagem de
te dos judeus que Jesús é o Messias. Deus.
f’Mas, com o se opusessem e o injurias- 12Sendo Galiáo governador da A caia.
sem, sacudiu o pó da roupa e disse: os judeus de comum acordo se levan
— Vós sois responsáveis por vosso taram contra Paulo e o levaram ao tri
sangue, e eu sou inocente: daqui para a bunal, 13acusando-o de induzir o povo
frente me dirigirei aos pagaos. a oferecer a Deus um culto contràrio a

18 ,1 Corinto, a cidade de duas cultu­ Convertem-se nada menos que o chefe da


ras, antes grega e agora romana, de “dois sinagoga (ICor 1,14.16) e muitos pagaos.
mares” (Horácio), de dois portos (Licaon Funda-se urna comunidade, que será urna
a oeste e Cencréia a leste). Cidade comer­ das mais importantes em territorio euro-
cial rica que atraía migrantes de muítas peu, e os viajantes incansáveis fazem urna
regióes. Cidade do amor e da dor de Pau­ parada muito longa, de um ano e meio,
lo, á qual dedica muito tempo, muitos afás dedicados ao “ensinamento”. Depois da
e várías cartas. Lucas vai oferecer-nos um evangelizagáo, esta atividade se poderia
mosaico de informagóes sobre a chegada chamar catequese.
e primeira atuagáo de Paulo. 18,9-10 O sentido da nova atuagáo Lu­
18,2 A expulsáo dos judeus de Roma cas no-lo oferece com o recurso de urna
teve lugar no ano 49 (Suetónio), e segun­ visáo noturna. Vários elementos pertencem
do este historiador foi conseqüéncia indi- a relatos proféticos, vocagáo ou encargo
reta da penetragáo do cristianismo. Aquila concreto de Deus. Entre eles as fórmulas
e Priscila (ou Frisca, Rm 16,3) era um ca­ clássicas “nao temas, eu estou contigo” (Is
sal de judeu-cristáos que fabricava mate­ 41,10; 43,5; Jr 1,8). O encargo específico
rial para tendas de campanha. é “falar e náo calar-se”. A motivagáo é que
18.4 Como em outros lugares, á sinago­ em Corinto o Senhor escolheu e quer for­
ga acorriam também gregos simpatizantes. mar para si um povo (cf. lPd 2,9).
18.5 Com a chegada dos colaboradores, 18,12-17 O novo incidente pressupóe
Paulo dispunha de mais tempo para a pre- conhecidas muítas coisas, aclara umas
gagáo, chamada também “testemunho”. O poucas e deixa entrever outras. Ao con­
tema central, como sempre para os judeus, vertido Crispo sucedeu Sostenes como
consistía em demonstrar pela Escritura que chefe da sinagoga. O governador da pro­
Jesús era o Messias. vincia romana da Acaia (Grècia) é Galiáo
18.6 Bem cedo acontece a ruptura, que (filho do orador Séneca e irmáo do filóso­
Paulo rubrica com urna variante do gesto fo e poeta cordobés).
conhecido (Le 9,5). E com urna acusagáo Passado certo tempo, os judeus contra-
grave: o sangue é a vida (Ez 33; ISm 25,31). atacam. Conduzem Paulo ante o tribunal
18,7-11 A outra face da medalha com­ do governador, que se encontra na ágora
pensa amplamente o fracasso precedente pública. A acusagáo é bastante vaga: pre­
(talvez alterando a ordem cronológica). ga um culto contràrio à lei. A lei romana?
425 ATOS DOS APOSTOLOS

i' i l 'l’iiulo tentava tom ar a palavra, se separou de seus companheiros e foi


>| i i . i i k 1o Cialiao se dirigiu aos judeus: á sinagoga para discutir com os judeus.
Se se tratasse de algum delito ou 20Embora insistissem que ficasse por
i n . , m perversa, eu vos atendería, corno mais tempo, nao aceitou, 21mas se des­
i iiien dever. 15Mas, se o que se discute pediu, dizendo:
.in palavras e nomes e vossa lei, tratai — Se Deus quiser, voltarei a visitar-
ile. mi vós mesmos. N ào quero ser juiz vos. Zarpou de Efeso 22e desceu até
ilesses assuntos. Cesaréia. Desembarcou para saudar a
"'li os despediu do tribunal. 17Entào comunidade, e prosseguiu viagem até
11r. gregos] agarraram Sostenes, chefe Antioquia. 23Passado algum tempo, par-
il.i sinagoga, e lhe deram urna surra dian- tiu e foi atravessando a G alácia e a
ir ilo tribunal, sem que Galiào fizesse al- Frigia, confirmando todos os discípulos.
l'iim a coisa. 18Paulo permaneceu aibas-
I.mie tempo. Depois se despediu dos Apolo em Éfeso — 24Chegou a Éfeso
li màos e embarcou para a Siria em com- um judeu chamado Apolo, natural de
panhia de Priscila e A quila. Em Cen- A lexandria, homem eloqiiente e versa­
i leia cortou o cábelo para cum prir um do na Escritura. 25Tinham-no instruido
volo. 19Chegaram a Efeso, onde Paulo no caminho do Senhor, e cheio de fer-

A lei judaica reconhecida e amparada pe­ 18,24-28 Vem a ser aqui ambigua a fi­
los romanos? Galiào o toma no segundo gura de Apolo (bandeira de todo um parti­
sentido: Paulo nào violou nenhuma lei ro­ do em Corinto, ICor 1,12; cf. 3,4-6.22; 4,6;
mana; e se se trata de vossa legislagào e suas 16,12).
interpretagóes, desfrutáis de autonomia Por um lado, parece um cristáo conhe-
para resolverdes entre vós vossos pleitos. cedor da figura de Jesús á luz da Escritu­
Para o romano, o que separa Paulo dos ra; ele só deve aperfeigoar seus conheci-
uutros judeus sào questóes verbais sem mentos. Por outro, nao está batizado nem
substancia. Para Paulo e os judeus, a dife- recebeu o Espirito Santo. Talvez Lucas
renga é radicai. Galiào pensa que Roma queira apresentá-lo como discípulo do
està acima de semelhantes distingóes, e que movimento do Batista, bem informado
a mensagem de Paulo nào afeta o Impè­ sobre a atividade de Jesús e que se faz
rio. Nào quer empenhar a autoridade de Ro­ discípulo cristáo (como os de Jo 1,35-51).
ma em assuntos internos ao judaismo; quan­ Provém do grande centro cultural de
do precisamente Paulo quer afetar todo o Alexandria, onde se tinha familiarizado
mundo com sua mensagem universal. com a Escritura e com suas técnicas de
Galiào despreza os judeus e zomba de­ interpretai;fio. Urna vez bem formado, póe
les, o narrador se aiegra com seu fracas­ toda a sua pericia bíblica a servigo do
so. Os pagàos da cidade desafogam em evangelho.
Sostenes seus sentimentos anti-judaicos, Encarregado de sua instrugáo é o casal
enquanto algo muito grave està aconte- judeu expulso de Roma, que freqüenta re­
cendo por debaixo de urna superficie ir- gularmente a sinagoga (só como ouvin-
relevante. tes?). O tema da instrugáo “com maior
18,18 Nào temos idéia nem meios para exatidáo” é “o caminho de Deus”, termo
averiguar o sentido deste voto. No rito se genérico que abarca muitas coisas (cf. Dt
parece com o do nazireato (Nm 6,18). Tal- 5,33; Jr 7,23), embora Apolo já conheces-
vez Lucas queira indicar que Paulo nào se “o caminho do Senhor” (drk Yhwh, ex-
rompeu completamente com o judaismo. pressáo pouco freqüente no AT, Jz 2,22; Jr
18,19-23 Segue-se um sumario de carà- 4,4-5).
ter geogràfico, no qual se destaca a aten­ De passagem, Lucas nos conduz a Éfeso,
e o especial concedida pelo narrador a com sua sinagoga e sua comunidade de
Efeso, campo importante da atividade fu­ “irmáos” e sua relagáo com outras igrejas.
tura de Paulo. Ao invés, de Antioquia só Terreno preparado para a visita estável de
diz que passou ai urna temporada. Paulo.
ATOS DOS APOSTOLOS 426 IH '(

vor falava e explicava o que se referia — O batism o de Joáo.


a Jesús, em bora conhecesse apenas o 4Paulo replicou:
batism o de Joáo. 26C om e 5 0 u a atuar — Joáo pregou um batismo de ain
abertam ente na sinagoga. Priscila e pendimento, recomendando ao povo qui
Aquila o escutaram. Levaram-no á par­ eresse naquele que viria depois di I'
te e lhe explicaram com m aior exati- isto é, em Jesús.
dáo o caminho de Deus. 27Como se dis- 5Ao ouvir isso, batizaram-se invocan
pusesse a partir para a Acaia, os irmáos do o nome do Senhor Jesús*. 6Paulo Ilio-
escreveram aos discípulos para que o impôs as mâos, e veio sobre eles o Es| >i
acolhessem. Ao chegar, prestou gran­ rito Santo, e começaram a falar em luí
de serviqo aos que haviam recebido a guas e a profetizar. 7Eram doze horneas
graga da fé, 28pois refutava vigorosa­ 8Depois entrou na sinagoga, onde l a
mente e em público os judeus, demons­ lou abertamente por très meses, discu
trando com a Escritura que Jesús é o tindo de modo convincente sobre o reí
Messias. nado de Deus. 9Porém, visto que algún-
se endureciam, se negavam a crer e di
Em Éfeso — ’Enquanto Apolo famavam o Caminho diante do povo
estava em Corinto, Paulo viaja- Paulo se afastou deles, levou consigo
va pelo interior até chegar a Éfeso. A i os discípulos e continuou discutindo
encontrou alguns discípulos 2e lhes per- diariamente na escola de certo Tiranos
guntou se haviam recebido o Espirito 10Isso durou dois anos, de modo que
Santo depois de abracar a fé. Respon- todos os habitantes da Asia, judeus e
deram-lhe: gregos, ouviram a palavra do Senhor.
— Nem sabíam os que existe Espiri­
to Santo. Os exorcistas — n Deus fazia milagros
3Perguntou-lhes: extraordinários por meio de Paulo, 12a
— Entáo, qual batismo recebestes? ponto de aplicarem aos doentes panos
Responderam: ou lenços que haviam tocado Paulo, e

19,1-7 Aquí temos outro encontro com elemento novo consiste em que toda a co-
membros do movimento espiritual do Ba­ munidade de “discípulos”, por decisao de
tista, o qual podía ser invocado como ri­ Paulo, se aparta da sinagoga e busca outro
val da Igreja, mas também podia ser pre- lugar de reuniáo. Uma escola talvez de
paragáo para a Igreja (Le 3,5-7). Assim retórica: naquele tempo as escolas erani
acontece em Éfeso: o Batista, já morto, assunto privado de indivíduosj deve-se
com seu convite ao arrependimento e a supor que o mestre era cristâo. É sugesti­
esperar o julgamento, com seu testemu- vo imaginar como a retórica clàssica al­
nho explícito sobre Jesús, continua con- terna com o evangelho e a catequese (a
duzindo discípulos postumos para o ver- propósito, onde havia aprendido Lucas a
dadeiro Messias. Entre os dois batismos, arte de escrever?).
a diferenga externa era menor, de modo 19,10 Dois anos é um tempo muito lon­
que os pagaos podiam confundi-los. A di- go na vida apostólica de Paulo. Éfeso se
ferenga essencial consiste no dom do Es­ converte em centro de irradiaçâo na pro­
pirito (Jo 7,39) e suas manifestagóes (8,17; vincia da Asia; também ponto de expedi-
10,44). Assim, de outro ponto de vista, çâo de várias cartas: aos Gálatas e aos
vamos vendo o papel fundamental do Es­ Corintios. De táo longa temporada Lucas
pirito na vida da Igreja. Ademáis, nunca vai contar-nos dois episodios que julga
se batiza “invocando (o nome do) Batis­ característicos.
ta”, como se invoca o nome de Jesús. 19,11-20 O tema central deste episodio
19,5 *Ou: consagrando-se ao Senhor é o confronto de Paulo taumaturgo com os
Jesús. magos; portanto, pode-se colocar em sé­
19,8-10 Repete-se o esquema de prega- rie com os episodios de Simáo e de Elimas
gao na sinagoga e rejeigáo dos judeus. O (13,4-12). Éfeso era conhecida como uma
1« 427 ATOS DOS APOSTOLOS

h i iiliMinidade desaparecia e os espiri- ganhava prestigio. 18M uitos que abra-


lim malignos saiam. Alguns exorcistas qavam a fé vinham para confessar pu­
Itiik-us itinérantes tentaram invocar, so­ blicamente suas práticas. 19Náo poucos
lili' us possessos de espiritos malignos, que haviam praticado a magia traziam
h nome de Jesus com a fòrmula: “Eu seus livros e os queimavam na presen­
viti esconjuro pelo Jesus que Paulo pre- t a de todos. Calculando o prego glo­
gn" "U m sumo sacerdote judeu, cha- bal, seu valor chegava a ser de cinqüen-
niiido Sceva, tinha sete filhos que fa­ ta mil moedas de prata. 20Assim, pelo
glimi isso. 15Porém o espirito m aligno poder do Senhor, a mensagem crescia
Ihrs disse: e se fortalecía.
• Eu conheço Jesus, sei quem é Pau-
ln; mas vós, quem sois? M otim em Éfeso — 21Terminada toda
UlO homem possuido’ pelo espirito essa tarefa, Paulo se propós ir a Jerusa-
maligno investiu contra eles, dominou- lém, passando pela M acedónia e Acaia,
iis ü força, de m odo que tiveram de es- pois dizia que, depois de estar ai, tinha
l'iipar daquela casa nus e feridos. 17Os de visitar Roma. 22Enviou á Macedónia
habitantes de Efeso souberam disso, dois de seus assistentes, Timoteo e Eras-
|udeus e gregos, e ficaram todos toma- to, e ele permaneceu por algum tempo
dos de temor. O nome do Senhor Jesus na Asia.

rspécie de capital internacional da m a­ 19,17 É o temor ante a m anifestado de


llia; por seu porto, era uma ligaçâo entre Deus (Le 5,26; 8,37).
Oriente e Ocidente. 19,18-19 Este desenlace mostra que a
O mago se arrogava poderes ocultos, pràtica oculta ou pública da magia estava
nobrenaturais, que controlava a seu arbi­ bastante difundida, também entre cristáos
trio. Explorava a credulidade popular para (cf. Dt 18,10-12). Executa-se uma espé-
kcu proveito e misturava formas e ritos cie de purificado geral, como a destrui­
peregrinos (compare-se com as adivinhas d o de ídolos e amuletos (Gn 35,2-4; Js
de Ez 13,17-23). O pregador do evange- 24,23).
Iho sabe que é puro instrumento de Deus 19,21-22 Se colocássemos estes dois w .
e nao busca lucro, mas sim fazer o bem. no final do capítulo, estariam mais bem
Paulo aparece como taumaturgo extraor- situados, porque falta o terceiro episodio
dinário (faz lembrar Pedro, 5,12-16 e Je­ em Éfeso, antes que Paulo empreenda sua
sús, Me 5,27-29) atraindo a cobiça de última viagem. Assim como se encontram,
charlatáes que desejam aproveitar-se do servem como pega adiantada para engan­
seu prestigio e dos “conjuros” (cf. Le 9, char a última parte do livro.
49). O ambiente da grande cidade portu- Paulo evangelizou em duas importan­
ária favorecía a confusáo e o sincretismo tes cidades da Siria e da Asia: Antioquia
religioso. e Éfeso; na Grècia atuou na capital admi­
19,14 Este sumo sacerdote judeu é sus- nistrativa, Tessalónica, na capital intelec­
peito tanto quanto seu nome (náo figura tual, Atenas, e no emporio internacional
ñas listas conhecidas). Poderia ser uma de Corinto. Resta-lhe a capital política do
invençâo dos charlataes. O uso do nome Impèrio, Roma. Mas a Roma ele irá par-
de Jesús na fórmula de conjuro é pura tindo de Jerusalém, num movimento geo­
manipulaçâo extrínseca, nâo é invocaçâo gráfico que representa uma dialética te­
crente. Jesús nao tolera que seu nome seja ológica. Como Jesús (Le 9,51), subirá a
invocado em váo. Jerusalém para padecer perseguido; dai,
19,15-16 A resposta oral do espirito é apesar das oposigóes e por meio délas,
burlesca: reconhece o poder de Jesús, conhe- há de chegar até Roma. Quando tiver
ce Paulo, desdenha os charlataes. E em pro- chegado, Paulo descansará, e o livro se
va disso passa das palavras aos fatos, co­ encerrará, deixando aberta a historia da
mo se respondesse com a força a um desafio. Igreja.
ATOS DOS APOSTOLOS 428

^Ncssa ocasiáo, sobreveio grande crise — Ártem is de Éfeso é grande!


a respeito do Caminho. 24Um tal De- 29A cidade inteira se agitou e se pn
métrio, ourives, fabricava em prata nichos cipitaram todos juntos para o teatoi
de Ártemis e proporcionava bons lucros arrastando consigo Gaio e Aristarco
aos artesáos. -5Reuniu-os com todos os m ecedónios com panheiros de Paulo
da associaqáo e lhes dirigiu a palavra: 30Paulo tentava ir á assem bléia, m.r
— Com panheiros, sabéis que dessa os discípulos nao lhe permitiram. 3IAI
atividade depende nossa prosperidade. gum as autoridades da A sia, amigor
26No entanto, estáis vendo e ouvindo dele, lhe enviaram um recado, aconsc
que esse Paulo, nao som ente em Efeso, lhando-o a nao ir ao teatro. 32Entrc
mas em toda a Asia, está ganhando mui- tando, cada um gritava uma coisa, p o r
ta gente com sua propaganda, dizendo a assem bléia estava tum ultuada; mui
que nao sao deuses aqueles que foram tos que tinham ido nem sequer sabiam
fabricados com as máos. 27Com isso, a causa. 33Alguns da multidáo persua
corre perigo de descrédito nao só a nos­ diram Alexandre, a quem os judeus h;i
sa profissáo, mas tam bém o templo da viam colocado á frente. Este, fazendo
grande deusa Ártem is, venerada em to­ um gesto com a máo, tentava pronuu
da a Asia e no mundo inteiro, vai perder ciar uma defesa diante da assembléia
toda a sua grandeza. 34Mas, ao reconhecer que era judeu.
28A o ouvir isso, enfureceram-se e co- um grito unánim e se levantou durante
megaram a gritar: duas horas.

19,23-40 Lucas compóe uma página ria confirma que é aplicável a muitas situa
magistral de sociología de massa, de reli- góes semelhantes. Certeiro em sua apre-
giosidade popular embebida em naciona­ sentagào da polèmica de Paulo contra os
lismo e interesses económicos. ídolos (17,24.29; cf. Is 44,9-20; Sb 14,18
O objeto de culto é Ártemis, a deusa máe 21). Astuto em derivar o interesse econó
asiática, deusa da fecundidade, e seu tem­ mico do comego para a nobilissima devo-
plo, uma das maravilhas do mundo. Deto­ gào à venerabilissima divindade. Astuto
nador do tumulto é o chefe do grémio dos em apresentar o negocio como servigo. O
artesáos, protagonista é a populadlo. A reli- tempio da deusa, Artemision, era um con­
giáo é explorada para o negocio, e o negocio junto de 120 metros por 70, rodeado de
se justifica com a religiáo: assim age De- 128 colunas de 19 metros de altura.
métrio. O que aos habitantes falta de forma- 19,29 A faisca violenta dos ourives vai
gáo religiosa e convicgáo pessoal se supre se propagando à populagáo, que agarra
com gritos emotivos e com o arrastáo da ma- dois companheiros de Paulo e se dirige ao
ré humana. Buscam-se vítimas expiatorias. lugar público mais espagoso, o teatro de
Frente ao culto coletivo de Ártemis, dis- 24.000 lugares.
corre o Caminho, um dos nomes do cristia­ 19,31 Aintervengáo dessas autoridades
nismo (9,2; 19,9). Seu expoente, Paulo, é mostra que o cristianismo tinha penetrado
retirado quando tenta intervir. O povo con­ até ñas classes influentes.
funde os cristáos com os judeus, cujo ex­ 19.33 Em contraste, a comunidade ju­
poente é Alexandre. Caberá ao poder civil daica, sentindo-se em perigo, envia um
apaziguar o furor religioso da populagáo. delegado para acalmar os ánimos. Mas
19,24 Os gregos deram o nome da sua deusa obtém o contràrio. Na oposigáo ás ima­
da caga, Ártemis (em latim Diana), a uma di- gens de deuses, os judeus náo eram me­
vindade asiática, da qual se conservam nu­ nos firmes que os cristáos.
merosas imagens. As estatuetas da deusa 19.34 Segue-se a o tumulto de milhares
dentro de um nicho ou miniatura de templo de gargantas unidas num grito repetido
eram vendidas como lembranga devota ou sem parar. Pode-se recordar o estribilho
curiosa (como acontece em nossos dias). dos judeus no tempo de Jeremías (Jr 7,4)
19,25-27 O diagnóstico de Demétrio é ou da manifestagáo de protesto social no
certeiro e astuto. Certeiro, porque a histó- tempo de Neemias (Ne 5,5).
429 ATOS DOS APOSTOLOS

Atlemis de Éfeso é grande! 2Atravessou essa regiáo, animando os


n<) secretário conseguiu acalmar a irm áos com m uitos discursos, até que
iiitilliilao, e Ihes falou: chegou à Grécia. 3A í se deteve por très
I Icsios, quem nao sabe que Efesomeses e, quando se dispunha a navegar
Hi i u k I ii o templo da grande Artem is e para a Siria, os judeus conspiraram con­
«mi unagem caída do céu? 36Como isso tra ele, de modo que decidiu voltar atra-
rt Imliscutível, o im portante é que man- vessando a Macedónia. 4Acompanha-
ii'iihais a calma e nada fagais precipita- ram-no [até a Asia] Sópatro, Pirro de
■liis. wTrouxestes esses hom ens, que Beréia, Aristarco e Segundo de Tessaló-
i i pi i i sao sacrilegos nem enfrentaram nica, Gaio de Derbe e Timoteo, Tíquico
Miissa deusa. 38Se D em étrio e seus ar- e Trófimo da Asia. 5Estes se adianta-
tr>MiioN tém algo contra alguém, ai estáo ram e nos esperaram em Tróade. 6Pas-
im iiu'zes e prefeitos: que resolvam seu sada a semana dos ázimos, zarpamos
(licito. 39Se se tratar de assunto mais de Filipos e, dentro de cinco dias, os
lliave, a assembléia legal poderá resol­ alcançam os em Tróade, onde ficamos
víalo. 40Corremos perigo de ser acusa­ sete dias.
dos pelo tumulto de hoje e, com o nao 7Num domingo nos reunimos para a
hrt justificativa, nao poderem os expli­ fraçâo do pao. Paulo, que devia partir
car a causa do motim. no dia seguinte, pôs-se a falar e prolon-
Com essas palavras dissolveu a as- gou o discurso até meia-noite. 8Havia
»cmbléia. muitas lámpadas no piso superior, onde
estávamos reunidos. 9Um jovem, chamado
V iagens, visitas e despedidas Éutico, estava sentado no parapeito da
— janela. Enquanto Paulo alongava sua
'Q uando o tumulto se acal-
mou, Paulo mandou cham ar os discí­ exposiçâo, foi sendo vencido pelo sono,
pulos, anim ou-os, despediu-se e em- até que totalmente vencido caiu do ter-
prcendeu viagem para a M acedónia. ceiro andar no cháo, de onde o recolhe-

19,35-40 Quando o entusiasmo acabou acompanham, talvez portadores da coleta


de desafogar-se completamente ou se es- para Jerusalém. Passa as festas da Páscoa na
Hotou por cansado, o chanceler consegue comunidade de Filipos. A celebrarlo judai­
ser ouvido pela multidáo. Seu discurso é ca segue-se no relato urna celebrado crista.
lima pega hábil de persuasáo. Comega agra­ 20,7-12 Com efeito, é o primeiro dia da
dando, dando razáo, dirige as disputas pa­ semana (domingo) e se celebra a eucaristia
ra questóes legáis, faz ver que a manifes­ no saláo de urna casa particular. No NT, é a
tad o pode voltar-se contra os habitantes. primeira mengáo de semelhante celebragáo
19,35 Fazia parte da crenga popular que no domingo, que corresponde ao dia da res-
a estátua tinha descido do céu. O culto in­ surreigáo (Le 24,1.36; Jo 20,19.26; ICor 16,
venta sua origem (lenda etiológica). 2); o adjetivo kyriakos (= domitiicus) se lé em
19,39-40 A instancia superior era o Ap 1,10. A eucaristia é designada com a ex-
procónsul em suas audiencias periódicas. pressáo tradicional “partir o páo”, em segui­
Com suas palavras, o chanceler consegue da fazia-se a ceia ordinària. Já entáo era pre­
impor a razáo sobre a paixáo. Os cristáos cedida de urna explicagáo bíblica: aqui
do tempo de Lucas náo imitaram essa ma­ logicamente compete a Paulo. O saláo está
nifestado de fanatismo religioso. relativamente alto, no terceiro andar (con­
tando o andar tèrreo). Está táo cheio, que um
20,1-6 Nessa viagem européia, dedica­ rapaz náo encontra outro lugar senáo o pei-
se a visitar comunidades já fundadas. Sai toril da janela. Como o discurso é de despe­
de Éfeso depois do tumulto, náo por causa dida, Paulo náo sabe terminar, e embora o
dele. Quando planeja voltar de navio, fica saláo esteja profusamente iluminado, o ra­
sabendo que os judeus preparam um atenta­ paz náo consegue vencer o sono. Cai e fica
do contra ele e decide viajar por térra. Na sem vida no pavimento do pàtio. A cerimò­
viagem de volta, alguns colaboradores o nia fica tragicamente interrompida. Paulo
ATOS DOS APOSTOLOS 430 20.IU

ram morto. 10Paulo desceu, lancou-se Despedida dos efésios — 17De Mileto
sobre ele, o abragou e disse: mandou um recado, convocando os an
— Nao vos assusteis, pois ainda està ciaos da comunidade. 18Quando chega
vivo. ram, disse-lhes:
u Depois subiu, partiu o pao e comeu, — Sabéis que desde o primeiro dia em
prolongou a conversa até de m adruga­ que pus os pés na Asia passei todo o teni
da, e depois partiu. 12Levaram o jovem po convosco, 19servindo o Senhor com
vivo e se consolaram muito. toda humildade, com lágrimas e em to­
13Nós nos dirigimos ao barco e zarpa­ das as provas que as intrigas dos judeus
mos para Assos, onde deviamos reco- me provocaram. 20Náo omiti nada de útil
lher Paulo. Isso era conveniente, já que para pregar-vos e instruir-vos, em pu
ele fazia a viagem a pé. 14Quando nos blico e em vossas casas. 21Inculquei em
alcangou em Assos, embarcou conosco judeus e gregos o arrependimento dian
e nos dirigimos a Mitilene. 15Zarpamos te de Deus e a fé em nosso Senhor Jesús.
dai e no dia seguinte chegamos diante 22Agora, acorrentado pelo Espirito,
de Quio, no terceiro passamos Samos e vou a Jerusalém, sem saber o que ai me
no seguinte chegam os a Mileto. '^Pau­ acontecerá. 23Sei apenas que em cada
lo decidirá passar ao largo de Efeso, cidade o Espirito Santo me assegura que
para nào perder tempo na Asia. De fato, me esperam correntes e perseguigoes.
se fosse possivel, queria chegar a Jeru- 24Mas de forma alguma considero mi-
salém para o dia de Pentecostes. nha vida preciosa, contanto que com-

domina a situaçâo: a celebraçâo da vida do definitivamente, fica sua figura como que
Ressuscitado nào vai terminar com a morte erguida no pedestal literário deste discurso
de um dos participantes; pelo contràrio, o e sua voz continua vibrando com a emogáo
incidente servirà para mostrar “a força da res- da despedida. Seu discurso é recordagao de
surreiçâo”. Paulo imita os gestos de Elias e uma missáo pessoal cumprida e legado de
Eliseu (IRs 17,21 e 2Rs 4,34). Com toda a uma missáo por cumprir, historia e profecía,
serenidade sobe e concluí o rito. E ainda lhe exemplo e admoestagáo. Acumulam-se nele
restam forças e coisas para dizer até a hora da temas e expressóes típicas de Paulo em suas
partida. É o ùnico caso em que urna ressurrei- cartas; mas o alvo está afastado no tempo; é
çào acontece dentro de urna eucaristia, e o antes o tempo de Lucas.
narrador quer que o apreciemos. O desenrolar do discurso é repetitivo,
20,13-16 A lista pontual de itinerários, como se Paulo náo soubesse terminar. Po­
localidades e datas parece tirada de um di­ demos resumir seus temas: é uma missáo
àrio de bordo. Aqui volta a primeira pessoa recebida do Senhor Jesús, guiada pelo Es­
do plural, que continuará até o fim do livro. pirito. Consiste em servir, anunciar, ensi-
20,17 Em Mileto Paulo e seus acompa- nar, testemunhar, em meio a provas e tri­
nhantes fazem escala. A cidade dista de Éfeso b u ía le s, a judeus e gregos.
uns 60 km. Convoca os “anciáos”, ou seja, 20,19 Servir: “servo” é o título que Paulo
um conselho de cunho palestino; mais abai- adota (Rm 1,1; F1 1,1; Tt 1,1; G1 1,10).
xo os chama de “supervisores” (em grego Humildade: F1 2,3; C1 2,18.23. Lágrimas:
episkopous), que é o nome do grupo de res- 2Cor 2,4. Intrigas: At 9,24.
ponsáveis ñas comunidades paulinas. 20.21 A judeus e gregos: Rm 1,16;
20,18-35 Embora Paulo náo esteja ás 10,12; lCor 1,24; G1 3,28.
portas da morte, despede-se definitivamente 20.22 Acorrentado (prisioneiro): C14,3;
de uma comunidade querida, à qual dedi- 2Tm 2,9.
cou dois anos de sua atividade. Por isso seu 20.23 Correntes: F11,7.13; C14,18. Per-
discurso é testamentàrio e se inscreve na seguigóes: Rm 5,3; 2Cor 1,4.
rica série do género: Jaco (Gn 47,29-49,28), 20.24 Terminar a carreira é clara alusáo
Josué (Js 22,1-8; 23), Samuel (ISm 12), á morte (2Tm 4,7). Servigo é termo cor-
Davi (IRs 2,1-10), Tobias (Tb 14,3-11), rente, como também evangelho. A graga
Matatías (lM c 2,49-68). Paulo, ao partir ou favor de Deus (Rm 5,2,15; lCor 1,4).
il,.’ 431 ATOS DOS APOSTOLOS

píele minha carreira e o m inistério que sagem de sua gracia, que tem poder para
irivhi do Senhor Jesús: anunciar a boa vos construir e para outorgar a heranga
n<>1íoia da graga de Deus. 25Pois bem, a todos os consagrados. Nao cobicei
neí i|iie nao voltareis a ver-me, vós to­ a prata nem o ouro nem as vestes de nin­
llos cujo territorio atravessei procla­ guém. 34Sabeis que com minhas máos
mando o reino. 26Por isso, declaro hoje provi as necessidades minhas e de meus
111 k* nao sou responsável pela morte de com panheiros. 35Ensinei-vos sempre
ninguém, 27pois nao me abstive de anun- que, trabalhando assim, deve-se acolher
i'inr o designio completo de Deus. 28Cui- os fracos, recordando o dito do Senhor
dai de vós e de todo o rebanho que o Jesús: Mais vale dar que receber.
l'.spírito Santo vos confiou como pas­ 36Dito isso, caiu de joelhos com to­
tures da igreja de Deus, e que adquiriu dos e orou. 37Aconteceu um soluto ge-
pagando com seu sangue. 29Sei que de- ral. Langando-se ao pescogo de Paulo,
pois da minha partida se introduziráo o abraqavam, 38tristes sobretudo pelo
entre vós lobos ferozes que nao respei- que havia dito, que náo voltariam a ve­
laráo o rebanho. 30Inclusive do meio de lo. Depois o acompanharam até o barco.
vós sairáo alguns que diráo coisas per­
vertidas, para arrastar atrás de si os dis­ Viagem para Jerusalém — ' Ar­
cípulos. 3,Portanto, vigiai e recordai que rancando-nos deles, zarpam os
durante tres anos náo cessei de admoes- e navegam os direto até Cós, no dia
tar-vos com lágrimas, de dia e de noite. seguinte até Rodes e daí para Pátara.
12Agora vos confio ao Senhor e á men- 2Encontrando um barco que cruzava

20.25 Reino ou reinado (de Deus): freqüen- como alguém a cuja custodia e protegáo
le nos evangelhos, menos freqüente em At. se encomendam objetos e pessoas. A pa­
20.26 A “morte” equivale aqui à perda lavra é um dinamismo que constrói e man-
da vida eterna. A responsabilidade do pre- tém o edificio da Igreja, é um depositàrio
gador: Ez 33. que entrega a heranga (celeste) aos consa­
20.27 O designio de Deus: Ef 1,11; Rm grados a Deus (cf. Sb 5,5).
9,19. A integridade: cf. Dt 4,2. 20,33-34 Paulo se mostra em suas car­
20.28 Encargo aos dirigentes em imagem tas muito cuidadoso em náo agir por cobi­
pastoral: verdescrigáodochefe ideal (lTm ja nem interesse e em evitar até mesmo a
3,1-7). O verso é um resumo de eclesiolo- aparéncia disso. Lucas o apóia com sua
gia: a Igreja é de Deus (ICor 1,2; 2Cor 1,1; atitude crítica frente á riqueza.
11,16; 15,9). Adquiriu-a “com o pròprio 20,35 O provèrbio citado náo se le à le­
sangue”: tem que referir-se a Cristo, embo- tra em nenhum evangelho, mas recolhe o
ra gramaticalmente pareja o contràrio (Rm espirito das bem-aventurangas.
3,25; 5,9; C11,20; lPd 1,19). Os chefes sao
pastores nomeados pelo Espirito (ICor 12). 21,1 -10 Quando Jesus se dispóe a subir
20,29-30 Em forma de profecía se refle- a Jerusalém para padecer (Le 9,51), está
tem os perigos internos e externos de des­ plenamente consciente do seu destino e
vio, que textos posteriores atestam (cf. Jo 10, pode anunciá-lo mais de uma vez aos dis­
12; Dt 13,2-6). Por outro lado, no momento cípulos. Paulo se dispóe a seguir Jesús (cf.
do relato, Paulo já havia experimentado pro­ Le 9,52-62), sem conhecer o destino. E o
blemas semelhantes na Galácia e em Corin­ Espirito quem deve dizer-lhe, diretamen-
to (cf. Gl 4,17; 2Cor 11,8-9; lTs 2,3-4). O te ou por meio de outros: 20,25; 21,4.10.
autor póe uma previsáo semelhante na bo­ Náo lhe é dito para deté-lo na viagem, mas
ca de Moisés antes de morrer (Dt 31,16-21). para que aceite com plena consciencia seu
20.31 O verbo admoestar (noutheteo) é destino; como Jesus o anunciou a Pedro
exclusivo de Paulo (Rm 15,14; ICor 4,14; (Jo 21,18-19). Náo será uma páscoa, que
lTs 5,12.14). celebrou em pleno territorio de missáo, e
20.32 Verso importante para urna teolo­ sim um pentecostes (na intengáo de Paulo),
gia da palavra. Aparece personificada, que é o dia do Espirito no presente livro.
ATOS DOS APOSTOLOS 432

para a Fenicia, em barcam os e zarpa­ 12Ao ouvir isso, nós e os habitantes >i
mos. 3Avistando Chipre e a deixando á lugar lhe suplicávamos que nao subis
esquerda, navegamos para a Siria e che- se a Jerusalém. 13Mas Paulo respondí h
gamos a Tiro, onde o navio tinha de des- — O que fazeis chorando e comoven-
carregar. 4Encontramos os discípulos e do meu coracào? Pelo nome do Senlmt
nos detivemos ai sete días. Alguns, mo­ Jesus, estou disposto a ser acorrentado c
vidos pelo Espirito, aconselhavam Pau­ a morrer em Jerusalém.
lo que nao fosse a Jerusalém. 5Quando 14Como nao conseguíssemos fazé-ln
se cumpriu nosso prazo, saímos para mudar de idéia, tranqüilizamo-nos, ili
continuar viagem. Todos, com suas mu- zendo:
lheres e filhos, nos acompanharam até — Que se cumpra a vontade do Senhoi
fora da cidade. Ajoelhamo-nos na praia 15Passados esses días, fízemos os pri
e oramos. 6Depois nos despedimos, em­ parativos e empreendemos a subida pa
barcamos, e eles voltaram para casa. 7De ra Jerusalém. "Alguns discípulos de Cesa­
Tiro deseemos até chegar a Ptolemaida. réia nos acompanharam até a casa de um
Saudamos os irmáos e ficamos com eles velho discípulo, Mnason de Chipre, que
um día. 8No día seguinte partimos e che- nos hospedou.
gamos a Cesaréia. Entramos na casa de
Filipe, um dos sete evangelistas, e nos Em Jerusalém — 17Ao chegar a Jerusa­
hospedamos com ele. 9Ele tinha quatro lém, os irmáos nos receberam contentes.
filhas solteiras profetisas. 1QDepois de I8No día seguinte, fomos com Paulo visi
vários dias de estadía, desceu da Judéia tarTiago; apresentaram-se todos os andaos
um profeta chamado Agabo. 11Aproxi- 19Depois de os saudar, lhes expós detalha-
mou-se de nós, pegou o cinto de Paulo, damente o quanto Deus realizara por seu
atou-se com ele de maos e pés, e disse: intermèdio entre os pagaos.20Ao ouvir isso,
— Isto diz o Espirito Santo: o dono deram gloria a Deus e disseram a Paulo:
deste cinto será amarrado em Jerusalém —- Verás, irmao, quantos milhares de
pelos judeus, que o entregaráo aos pagaos. judeus se converteram à fé, todos prati

As notas da viagem nao nos permitem prisáo. As fórmulas estáo calcadas ñas de Je­
mais que percorrer os portos e descobrir sus (Le 9,44; 21,16). O judeu apóstolo dos pa­
que as costas do Egeu, por volta do ano 54, gaos será entregue pelos judeus aos pagáos.
estavam semeadas de comunidades cristas 21.13 A resposta de Paulo é muito pareci­
e que Paulo era um grande personagem da com a declaragáo confiante de Pedro (Le
bem recebido em qualquer igreja local. 22,33). As lágrimas dos habitantes sáo como
21,3-4 Tiro havia sido antigamente o as das piedosas mulheres por Jesús (Le 23,28).
grande centro comercial do Mediterráneo 21.14 Ante a decisáo de Paulo, todos acei-
(Ez 27-28). Jesus visitou sua regiáo (Me tam “a vontade de Deus”; como Jesús em
7,24) como ponto extremo da sua ativida- Getsemani (Le 22,42).
de. Seu porto, outrora famoso, contempla 21,16 Trata-se provavelmente de uma
agora urna comunidade crista em oragáo. parada na viagem de Cesaréia a Jerusalém
21,8-9 Filipe, um dos sete helenistas, mis­ (uns 100 km).
sionàrio itinerante que converteu o eunuco 21,17-20a Arecepgáo dos novos peregri­
(At 8), parece ter-se tornado sedentario e nos em Jerusalém nao foi triunfal, porém
pai de urna familia de carismáticas (cf. Is cordial. Primeiro a comunidade de “irmáos”
40,9; SI 68,12). Mas as profetisas nao tém os recebeu. No día seguinte, fez-se a visita
nenhuma mensagem específica para Paulo. oficial as autoridades: o senado de “anciáos”
21.10 Isto compete, antes, a um profeta presidido por Tiago. Paulo lhes conta com
vindo de Jerusalém, que nós ouvimos pre- detalhes suas viagens missíonárias.
dizer urna carestia (11,28). Além de ser O comunicado é calculado no que diz e
profeta, conheceria de primeira máo a si- no que náo diz. Diz “o que Deus operou
tuagáo política de Jerusalém. por meu ministério em favor dos pagáos”.
21.11 Com uma agáo simbólica, no esti­ O autor foi Deus, Paulo foi simples ins­
lo dos antigos profetas, anuncia a Paulo a trumento; ao agir em favor dos pagáos,
m ;/ 433 ATOS DOS APOSTOLOS

. mies da lei. 21Corre o boato de que aos cante da lei.25Aos pagaos convertidos á fé
imlciis que vivem entre pagaos ensinas a comunicamos nossos decretos sobre as
i!mmlonar a lei de Moisés e Ihes dizes que vítimas idolátricas, o sangue, os animais
ii.ii*circunciden! seus filhos nem sigam estrangulados e a fornicado.
ihi',sos costumes. 220 que fazer? Certa- 26No dia seguinte, Paulo tomou aque­
11Hnlc licaráo sabendo que chegaste. ^Pois les homens, purificou-se com eles e foi
l'i'in, segue nosso conselho: há entre nós ao templo para avisar a data em que
i|ii;ilro homens que fizeram un: voto. 24Vai term inada a p u rificad o c levaría a ofer­
I>i111licar-te com eles, e paga os gastos para ta para cada um deles.
i | i k - rapem a cabega; assim todos saberáo

i| iic os boatos que correm a teu respeito Preso no tem plo — 27Q uando esta-
n.io lém fundamento e que és judeu prati- vam para se cum prir os sete dias, os

I le us ratificou a linha missionària da Igre- para quem esteve contaminado por conta­
|.i. O que nao diz: a conversilo de muitos tos profanos; com o voto se oferecia urna
liulcus, pela pregado de Paulo e pela dis- oferenda. Arcando com as despesas, Paulo
cussáo baseada na Escritura. O mais sur- mostra amplamente seu zelo pelas obser­
Iii condente é que nao diz nada da coleta, vancias tradicionais, com o que fará cessar
Iinalidade ¡mediata da viagem. Esse silèn- os boatos.
cio de Lucas tem dado o que pensar e 21,25 De passagem, os anciáos ratificam
conjecturar a muitos comentaristas. as cláusulas do concilio (At 15), como mí­
Às “aqòes de Deus” relatadas respon- nimo exigido dos pagaos convertidos, mem-
ilem os assistentes “dando gloria a Deus”, bros de comunidades mistas.
em ato quase litúrgico, talvez recitando 21,27-36 O plano judicioso de Tiago fra-
algum hiño do saltèrio. cassa no momento em que ia realizar-se, e
21,20b-22 E passam à resposta: “eles” no nesse ponto tem inicio o novo curso dos
plural. Imaginamos que Tiago toma a pala- acontecimentos. Podemos dizer que com a
vra; dirige-se a Paulo no singular, “irmao”. “subida a Jerusalém” cometa a paixáo de
E se coloca a tensáo existente para sugerir Paulo. O comego é paradoxal: os conci-
lima solugáo. Desde o comedo a resposta soa dadáos judeus e a sua cidade adotiva o re-
como contraposkjáo: Paulo mencionou os jeitam, os romanos hostis o salvam encar-
pagaos, eles falam dos judeus; Paulo teria cerando-o, o prisioneiro conduzido parece
mencionado o grande número (17,4); eles fa­ controlar os acontecimentos e a palavra.
lam de dezenas de milhares. Os judeus con­ Tudo cometa com um pretexto malicio­
vertidos sao rigorosos observantes da lei; de so. Era proibido aos pagáos, sob pena de
Paulo se diz que induz a apostatar de Moi­ morte, transpor a barreira do átrio extemo
sés. Notemos a mudanza radical: anos atrás do templo, porque sua presenta podia con­
se maravilhavam de que “aquele que per­ taminar o lugar sagrado. Soa o alarme, cor­
seguía a Igreja tinha-se convertido em seu re o boato e se tomam medidas urgentes:
propagador”. Agora se afirma que aquele fecham as portas do templo para que Paulo
que mais observava a lei, tornou-se entáo náo possa apelar para o direito de asilo (IRs
inimigo déla. 2,28-31); tiram-no para fora para náo matá-
O boato, referido ás comunidades mis­ lo no lugar sagrado (2Rs 11,15; 2Cr 24,20-
tas, nao é objetivo, pois Paulo continuava 22) e se dispóem a linchá-lo.
fiel ás práticas judaicas e deixava os outros Lucas compóe urna cena dramática efi­
em liberdade. Teve até a considerado de caz, na qual se representa outro drama de
circuncidar Timoteo (16,3). maior alcance: Jerusalém rejeita a última
21,23-24 Assim, pois, lhe propóem um oferta do evangelho. Paulo, como Jesús, lhe
gesto público, significativo, de urna pràtica trazia a paz (Le 19,42) e lhe respondem com
de devogáo. Valerá como argumento a mi­ a guerra (SI 120,7). Quando levarem Pau­
nore ad maius. O gesto tem a ver com o voto lo, Jerusalém ficará para trás, e o narrador
de nazireato (Nm 6,1-18). Entende-se que náo se voltará para olhá-la no resto do livro.
os quatro pagadores de promessa eram ju- 21,27 Os judeus da Asia podiam proce­
deu-cristáos. A purificado era rito prèvio der de Éfeso, onde teriam conhecido Paulo.
ATOS DOS APOSTOLOS 434 21..’»

judeus da Asia, vendo-o no tem pio, in- por causa do tumulto, m andou que o
citaram a multidáo e o agarraram, 28gri- conduzissem á fortaleza.
tando: 35Quando chegaram á escada, o su
— Socorro, israelitas! Este é o ho- biram carregado pelos soldados, a finí
mem que ensina a todos em todos os de evitar a violencia da multidáo. 36Poí-.
lugares urna doutrina contrària ao povo, todo o povo os seguia gritando:
à lei e ao lugar sagrado. A caba de in- — Mata!
troduzir alguns gregos no tempio, pro­ 37Quando iam introduzi-lo na forla
fanando este santo lugar. leza, Paulo disse ao comandante:
29Tinham visto antes com eie Tró- — Posso dizer-te urna palavra?
fimo, o efèsio, e pensavam que Paulo o Respondeu-lhe:
houvesse introduzido no tem pio. 30A — Sabes falar grego!? 38Náo és tu o
cidade inteira se agitou e todo o povo egipcio que há uns dias sublevou qua
veio correndo. Agarraram Paulo, o ar- tro mil sicários e os levou ao deserto7
rastaram para fora do tempio e fecha- 39Paulo respondeu:
ram as portas. 31Quando tentavam ma- — Sou judeu de Tarso, cidadáo di­
tà-lo, chegou ao com andante da coorte urna cidade nada desprezível. Pego-U'
o aviso de que a cidade inteira estava licenga para falar ao povo.
amotinada. 32Reuniu soldados e centu- 40Ele o permitiu, e Paulo, de pé sobre
rióes e veio depressa. Eles, ao ver o a escada, ergueu a máo para o povo.
com andante com os soldados, pararam Fez-se um silencio profundo e Paulo
de bater em Paulo. 33Entáo o com an­ lhes falou em hebraico:
dante deteve Paulo, m andou prendè-lo
com duas correntes e procurou infor- Discurso de Paulo — 'Irm áos
m ar-se quem era e o que havia feito. e pais, escutai minha defesa.
34Da multidáo cada um dizia urna coi- 2Ao ouvir que lhes falava em hebrai­
sa. Nao podendo averiguar a verdade co, ficaram mais quietos. Ele disse:

21.28 Contraria ao povo: talvez por sua terrogado. Primeiro o romano pergunta ao
dedicagáo aos pagaos; porque rompe a povo o que sucederá: em váo.
unidade dos judeus (cf. 15,14). Contra a 21,36 Enquanto é levado escada acima,
lei e o templo: a mesma acusacáo movida a multidáo grita pedindo sua morte (Le
contra Estéváo (6,13-14). “Profanais meu 23,18; Jo 19,15).
templo introduzindo estrangeiros em meu 21,37-40 Com um detalhe pitoresco, fica
santuario” (Ez 44,7). bem claro que Paulo náo é um chefe anti­
21.29 Se esses judeus vinham de Éfeso, romano de revoltosos. Contra toda veros-
é possível que conhecessem de vista similhanga, Lucas aproveita o momento
Trófimo (20,4). para que Paulo pronuncie um discurso.
21.30 “A cidade inteira”, diz Lucas com Náo de circunstancia, pois náo alude ao
énfase; compare-se com o episodio de que acaba de acontecer, e sim recordando,
Herodes ao chegarem os magos estrangei­ vagueando sobre “a cidade eterna”. Sua
ros (Mt 2,3). palavra “náo está algemada” (2Tm 2,9);
21.31 A coorte tinha seu quartel na for­ é, antes, dominadora. Os romanos lhe ofe-
taleza Antonia, que dominava a esplanada recem urna tribuna excepcional e ele fala
do templo. Se habitualmente os romanos de pé, á moda grega.
estavam de guarda prevenindo motins e 21,38 Sicários eram em sentido próprio
levantes, desde que Ñero subiu ao trono gente armada de punhal; mais tarde equi-
(54 d.C.) parece que foi aumentando a valerá a bandido.
impaciéncia dos judeus.
21,33 O comandante romano salva Pau­ 2 2 ,1-21 O discurso de Paulo é como
lo da morte aprisionando-o: cumpre-se a urna despedida de Jerusalém, do templo.
profecía de Agabo (21,10), e até o final do Náo rebate a acusagáo específica recente,
livro Paulo é um prisioneiro errante e in­ mas pronuncia urna “apología” da sua
I) III 435 ATOS DOS APOSTOLOS

'S olí judeu, natural de Tarso da Ci- 9Os acompanhantes viam a luz, mas nào
li< lu, rmbora educado nesta cidade e ins- ouvíam a voz daquele que falava comi-
11 iili l( i a>m toda a exatidáo na lei de nos- go. 10Eu lhe disse: Que devo fazer, Se­
min .mlepassados aos pés de Gamaliel, nhor? O Senhor respondeu: Levanta-te
i'iilnsiasta de Deus, com o sois atual- e vai a Damasco; ai te dirào tudo o que
iiicnlc lodos vós. 4Eu perseguí de m or­ te é ordenado fazer. n Como nào enxer-
ir i-ssc Caminho, prendendo e colocan­ gasse, ofuscado pelo brilho daquela
do na cadeia homens e mulheres, 5como luz, os acompanhantes me levaram pela
pode ni testemunhá-lo o sumo sacerdo- mào, e assim cheguei a Damasco. ^C er­
lr c lodo o senado. Deles recebi uma to Ananias, homem piedoso e pratican­
nula para os irmáos e me pus a cami- te da lei, de boa reputatilo entre todos
nlio de Damasco para prender os que ai os judeus da cidade, 13veio visitar-me,
cslavam e conduzi-los a Jerusalém para apresentou-se e me disse: Irmào Saul,
M-rcm castigados. 6Caminhando, já per- recupera a visáo. Nesse momento pude
lo de Damasco, pelo meio-dia, de re­ vè-lo. 14Ele me disse: O Deus de nos­
pente uma intensa luz celeste resplan- sos pais te destinou a conhecer seu de­
clcceu ao meu redor. 7Caí por térra e signio, a ver o Justo e a escutar direta-
escutei um a voz que me dizia: Saúl, mente sua voz; 15pois serás, diante de
Saúl, por que me persegues? R e s p o n ­ todo o mundo, testemunha do que vis­
dí: Quem és, Senhor? Respondeu: Eu te e ouviste. 16P ortanto, náo tardes:
sou Jesús Nazareno, a quem persegues. Batiza-te e lava-te dos pecados, invo-

vida; como judeu e como testemunha do nuar que continuam agredindo Jesus, de­
Justo (Le 23,47; At 3,14; 7,52). Os dados pois de havè-lo eliminado, e que eie està
da sua autobiografía sao em boa parte os vivo. No contexto soa como censura e acu-
do cap. 9, só que com marcado acento ju ­ sagáo, já que Paulo ia para Damasco res­
daico. Judeu de nascimento e educagao, paldado pelas autoridades judaicas.
judeu em seu zelo pelo “Deus de nossos 22,10 “Senhor” na boca de Paulo, em-
pais” (Dt 26,7; Esd 7,27) e em seu zelo bora seja apenas citado, tem todo o seu
anticristáo; judeu observante e respeitado sentido de profissáo cristá; náo assim para
pelos judeus é Ananias. Salvo na citagáo o auditorio. “É ordenado” por designio
do v. 8, evita pronunciar o nome de Jesús. divino, transmitido por um homem.
A visáo no templo é um dado novo e muda 22,13 Também é ambiguo o título de
a diregáo do discurso. “irmáo”: para Paulo, em sua lembranga, é
Aos membros do Conselho dá o título saudagáo cristá; para os ouvintes é sauda-
de “pais”, como Estéváo (7,2). gáo judaica. Acura é milagrosa (Le 18,42).
22.2 Fala à multidáo em aramaico. 22,14-15 Estes w . sao muito importan­
22.3 Discípulo de Gamaliel, filho do tes. A eleigáo de Paulo é como a de um
famoso Hílel (5,34-36). Pode-se compa­ profeta antigo e muito mais. Pode conhe­
rar este comego com FÍ 3,2-7. Em sua de- cer o designio concreto de Deus, ver e es­
vogáo religiosa, identifica-se com seus cutar diretamente o Justo (ou Inocente) por
ouvintes (nào lhes reprova a violencia). antonomàsia e ser testemunha ocular de
22.4 Em oposigáo à “lei dos antepassa- tudo. Quer dizer, a instrugáo de Ananias é
dos”, chama o cristianismo de Caminho só complementar. Paulo se encontra ao
(9,2). nivel dos apóstolos. Chamá-lo Justo/Ino­
22.5 Chama os judeus de Damasco de cente, se por um lado evita pronunciar o
“irmáos”, nome clàssico do Deuteronòmio. nome de Jesus, por outro encerra a acusa-
22.6 A luz celeste eclipsa a luz do meio- gáo de terem condenado o inocente: as­
dia. sim é como os ouvintes o podem escutar.
22,8 Acrescenta o adjetivo Nazareno, 22,16 Ananias (ou Paulo) menciona o
título com que os judeus distinguiam os novo rito de perdáo, que substituí a lei com
cristàos. “A quem persegues”: dito a um todos os seus mecanismos: o batismo com
auditòrio judeu na sua cidade, pode insi- a ínvocagáo do nome (de Jesús). Paulo su-
ATOS DOS APOSTOLOS 436 22,1
cando seu nome. 17Quando voltei a Je- do o amarravam com correias, Paulo
rusalém, estando em oraqáo no templo, disse ao centuriáo ai presente:
entrei em éxtase 18e vi aquele que me — Podéis açoitar sem processo um
dizia: Sai depressa de Jerusalém, pois cidadáo romano?
nao aceitaráo teu testem unho a meu 26A o ouvir isso, o centuriáo foi avi
respeito. 19Repliquei: Senhor, eles sa- sar o comandante:
bem que eu prendia os que créem em ti — O que fazes? Esse homem é ro­
e os aqoitava ñas sinagogas. 20Sabem mano.
também que, quando se derramava o 270 comandante se aproximou e lhe
sangue de Estéváo, tua testemunha, ai perguntou:
estava eu aprovando e guardando a rou- — Dize-me: és romano?
pa dos que o matavam. 21Ele me disse: Respondeu:
Vai, pois eu te envió a povos distantes. — Sim.
22Escutaram -no até esse ponto. De- 28Respondeu o comandante:
pois levantaram a voz, dizendo: — Comprei a cidadania por urna boa
— Elim ina do mundo esse homem! soma.
Nao pode continuar vivendo! Paulo disse:
23Como continuassem gritando, ras­ — Eu a possuo de nascença.
gando as vestes e jogando pó pelo ar, 29Imediatamente os que o iriam in­
~4o comandante mandou que o fizessem terrogar se afastaram dele. O com an­
entrar na fortaleza e o interrogassem dante se assustou ao saber que o tinha
sob os agoites, para averiguar por qual preso sendo romano. 30No dia seguinte,
motivo clam avam contra ele. ~5Quan- querendo apurar com certeza as acusa-

póe que os ouvintes captam todas as alusóes. uma vocagáo, esta de Jerusalém é a missáo
Mas nao menciona o dom do Espirito. (segundo os dois tempos do profeta, p. ex.
22,17-21 Este episodio é novo e só se conta Jr 1,4-10). Como na sinagoga de Nazaré,
aqui. Lucas reservou-o para este momento “nenhum profeta é aceito na sua pátria” (Le
transcendental, acrescentando-lhe valor 4,23). Realmente, Jesús glorificado com
contextual. Segundo o relato, Paulo fala sua “palavra” está construindo para si um
diante do templo, de onde acaba de ser ex­ novo templo (Jo 2,19-21; At 20,32).
pulso, acusado de profaná-lo. Pois bem, anos 22,22-23 Os ouvintes, irritados pela úl­
atrás, neste templo onde orava como judeu tima parte do relato, confirmam com sua
devoto, “ele” (Jesús) lhe apareceu e falou. reagáo o que disse Jesús na visáo: “nao
a) Tomemos o ponto de vista dos ouvin­ aceitaráo teu testemunho sobre mim”.
tes no relato: a aparigáo de um personagem Com gritos e gestos (cf. Jó 2,12) pedem a
ilustre do passado nao é impensável, como morte de Paulo, e que os executores sejam
mostra a lenda de 2Mc 15,11-16, segundo os romanos (Le 23,18.21).
a qual apareceram numa visáo o sumo sa­ 22,24-29 Rejeitado por seus irmáos ju-
cerdote Onias e o profeta Jeremías. O im­ deus, Paulo agora alega a sua cidadania
pensável é que seja “ele” (o Crucificado) romana, e os representantes de Roma a
quem apareja para dar ordens. reconhecem e respeitam. Paulo é “por nas-
b) Tomemos o ponto de vista de Paulo: cimento” judeu e romano. O procedimen-
Jesús, já glorificado, volta e toma posse do to de interrogatorio com tortura era nor­
templo onde ensinou e do qual profetizou. mal entáo; mas duas leis romanas proibiam
E urna última presenga soberana. Vem dar agoitar no interrogatorio ou algemar sem
urna ordem a Paulo: que abandone a cida- sentenga um cidadáo romano. Por ora náo
de com seu templo. Deve sair, como Abráo se chega ao interrogatorio civil.
de Ur, como os israelitas do Egito, os ju-
deus da Babilonia. E quando Paulo objeta 22,30-23 -10 Depois da tensáo prece­
com seu passado judaico, Jesús o envia a dente, o narrador nos oferece uma cena
“povos distantes” (povos pode equivaler a bastante inverossímil, como drama que
pagaos). Se a visáo de Damasco era como termina em comédia para o leitor.
14, H 437 ATOS DOS APOSTOLOS

i, i m os judeus lhe faziam, o soltou


s (| u e — In su ltas o sum o sacerd o te de
reunir os sumos sacerdotes e
»■ i i i i i i k I o u Deus?
ludo o Conselho. A seguir, fez Paulo 5Paulo respondeu:
ilcsccr e o apresentou. — Náo sabia, irmáos, que é o sumo
sacerdote, pois está escrito que náo fa-
Diante do Conselho— 'Paulo fi- larás mal do chefe do povo.
xou o olhar no Conselho e disse: 6Percebendo Paulo que urna parte era
Irmáos, procedí diante de Deus de saduceus e outra de fariseus, excla-
ruin consciencia limpa e íntegra. mou no Conselho:
•'O sumo sacerdote A nanias ordenou — Irmáos, eu sou fariseu e filho de
ni is presentes que lhe batessem na boca. fariseus, e estou sendo iulgado pela es­
'Paulo entáo lhe disse: peranza na ressurreicjáo dos mortos.
- Deus te baterá, parede caiada. Es- 7Apenas disse isso, surgiu urna dissen-
líis sentado para julgar-m e segundo a sáo entre fariseus e saduceus, e a assem-
Ici, e contra a lei mandas bater-me. bléia se dividiu. 8(Pois os saduceus ne-
'Os que estavam a seu lado lhe dis- gam a ressurreicáo, os anjos e o espirito,
seram: ao passo que os fariseus professam tudo

Um Conselho judeu, submisso ao coman­ 23.2 Como se tivesse dito algo grave e
dante romano, que dá a ordem de compa- inconveniente: urna mentira invocando em
recimento, apresenta o presumido réu, falso o nome de Deus (cf. Jó 15,5).
assiste vigiando ao processo. Um sumo sa­ 23.3 Náo sabemos se o narrador conhe-
cerdote que age contra a lei, sem averiguar cia o assassinato posterior de Ananias. A
nada. Um Conselho dividido por dissen- expressáo de Paulo equivale a uma maldi-
sóes doutrinais graves, que se deixa empur- gáo. A imagem é tomada de um discurso
rar para elas. Na frente, um Paulo profètico de Ezequiel contra os falsos profetas (13,10-
diante de seu juiz, astuto com os membros, 15), rebocadores de paredes inconsisten­
que se diverte em incitá-los mutuamente. tes para criar falsas ilusóes que o tempo­
Diverte-se também o narrador olhando ral abaterá. Como se dissesse que o sumo
de fora as claras divisóes judaicas? sacerdote (e sua instituicáo) sáo uma cons­
No tempo dos acontecimentos, o Gran­ tru y o de falsas aparéncias, fraca, conde­
de Conselho se compunha de sacerdotes, nada á ruina. Sobre o abuso da lei, pode-se
em sua maioria do conservador partido ver SI 94.
saduceu, de letrados, na maioria do partido 23,5 Citagáo de Ex 22,28. Além do sen­
fariseu, e de membros da aristocracia civil. tido obvio, se poderia escutar a frase em
Quando Lucas escreve, só o grupo fari­ tom irónico: eu náo o sabia, porque ele náo
seu ainda sobrevivía e conseguía organizar­ se comportou como sumo sacerdote.
se para garantir a continuidade. Lucas pode 23,6-8 A descrigáo das crengas dos sa­
recordar neste ponto as discussóes de Jesús duceus está simplificada. E certo que náo
no templo, pouco antes da paixáo: com os admitiam a ressurreigáo, porque náo a en-
fariseus sobre sua autoridade, com os sa- contravam nos livros da lei. Nisto eram
duceus sobre a ressurreigáo (Le 20,27-40). mais tradicionais que os fariseus. Na ótica
O desenvolvimento é muito esquemá­ de Paulo, a ressurreigáo dos mortos e a de
tico e algo confuso. Náo está claro se se Jesús estáo vinculadas inseparavelmente
trata de um interrogatorio conduzido pelo (lC or 15). Os saduceus náo admitem ne-
comandante ou de um processo conduzi­ nhuma, os fariseus náo admitem a de Jesús.
do pelo Conselho. Náo há verdadeiro diá­ Colocada a questáo com esta amplitude, a
logo, nem testemunhas, nem sentenza. Dir- afirmagáo de Paulo resulta verdadeira e
se-ía que também a autoridade romana profunda: seu juízo versa sobre a ressurrei-
olha de fora, atenta apenas a manter a or­ gáo, e ele é uma testemunha da vida. Ao
dem num povo dominado. rejeitar Jesús glorificado, a questáo vital se
reduz a discussáo de partidos. Que discu-
23,1 Paulo declara-se inocente (cf. SI tam: Paulo se dissocia, embora alguns fa­
17,4-6), apelando implicitamente ao jul- riseus pretendam usar seu testemunho como
gamento de Deus. argumento para discutir, náo para crer.
ATOS DOS APOSTOLOS 438

isso.) 9Armou-se urna gritaría, e alguns 160 filho da irmá de Paulo ficou \,i
letrados do partido fariseu se levantaram bendo da trama, foi á fortaleza, entrón
e afirmaram polémicamente: econtou a Paulo. 17Este chamou um d<>
— N ao encontram os culpa alguma centurióes e lhe disse:
nesse homem; talvez um espirito ou an- — Leva este jovem ao com andante,
jo Ihe tenha falado. pois tem urna in fo rm a d o para ele.
I0Visto que o conflito se intensificava, 18Cuidou dele, o conduziu ao coman
o com andante temeu que despedagas- dante e disse:
sem Paulo. Mandou a tropa descer, tirá- — O prisioneiro Paulo me chamou <■
lo do meio e levá-lo á fortaleza. n Na noi- pediu que te trouxesse este jovem , que
te seguinte o Senhor lhe apareceu e disse: tem algo para dizer-te.
— Coragem! Assim como deste teste- 190 comandante o pegou pela man,
munho de mim em Jerusalém, tens de dé­ levou-o á parte e lhe perguntou:
lo em Roma. — O que tens para me contar?
20Respondeu:
Compió contra Paulo — 12De manhá — Os judeus com binaram pedir-lc
reuniram-se os judeus e juraram nao co­ que amanhá fagas descer Paulo ao Con
m er nem beber até matar Paulo. 13Os selho, com pretexto de exam inar mais
conspiradores eram mais de quarenta. atentamente seu caso. 2,Náo lhes dés
14Apresentaram-se aos sumos sacerdo­ atengáo, pois um grupo de mais de qua
tes e senadores e lhes disseram: renta trama contra ele. Juraram nao co
— Juramos nao provar nada até ma­ mer nem beber até eliminá-lo. Agora
tar P a u lo .15Agora cabe a vos propor ao estáo preparados, esperando teu con
comandante e ao Conselho que o tragam sentimento.
aqui, com pretexto de investigar mais 220 comandante despediu o jovem,
atentamente seu caso. Antes que se apro­ recomendando-lhe que nao dissesse a
xime, estaremos prontos para eliminá-lo. ninguém que o havia informado disso.

23.9 Declaraçâo de inocéncia, como a conta que Paulo iria conduzido sob guar­
de Jesús (Le 23,4.14). da romana.
23.10 Outra vez é o romano quem salva 23.15 Membros sacerdotais e civis do
a vida de Paulo. Conselho. O importante é tirá-lo da custo­
23.11 A palavra do Senhor dá certeza e dia romana na fortaleza; do resto se ocu-
força a Paulo, pela “necessidade” do de­ pam eles, sem comprometer publicamen­
signio divino (Le 2,49; 4,43; 19,5; At 1,21). te o Conselho (cf. SI 11,2; 64,5).
Esse designio abrange Jerusalém e Roma 23.16 E possível que o cunhado de Paulo
num magnífico arco. nao fosse convertido e que o sobrinho se intei-
23.12-22 Vendo Paulo custodiado pelos rasse do plano por contatos da familia. O rela­
romanos, alguns voluntários planejam um to dá a impressáo de que o rapaz age por
atentado contra ele. Parece tratar-se de par- conta própria, talvez por afeto ao tio famoso.
tidários do movimento zelota, fanáticos da A libertagáo vai chegar pela conjungao
lei, que para defendê-la estào dispostos a da lealdade da familia e com a honradez do
eliminar os infratores. Seu modelo podia romano. Observa-se que Paulo podia rece-
ser Matatías (lM c 2,24-27.45-47), seu pa­ ber visitas e que o jovem nao era suspeito.
trono Fínéias (Nm 25,7-9). Buscam a cum- 23.17 Em tempos turbulentos, qualquer
plicidade encoberta do Conselho e a cola- informagao é preciosa, pelo que o centu-
boraçâo ignorante da guarniçào romana. riáo náo pode deixar de atender ao pedido
23.12-13 Veja-se um voto semelhante, de Paulo, sem saber do que se tratava.
por tempo limitado, em tempo de guerra 23.21 O comandante confia no rapaz, tal­
(lSm 14,24), que quase custou a vida de vez em virtude dos fatos recentes, e sente
Jónatas. Os conjurados nao se compro- que o preso corre grave perigo (cf. SI 35,4;
metem a um jejum demorado, pois cal­ 37,32; 40,15).
culant resolver o assunto bem rápido. O 23.22 A recomendagáo dá a entender que
número elevado de quarenta tinha em a familia náo está ciente da agáo do rapaz.
r

M I 439 ATOS DOS APÓSTOI.OS

I ii vludo a Félix — 23Cham ou dois do planejado contra esse homem, eu o


Ihes disse:
i « iiIiii lo e s c envió a ti, e aviso os acusadores que apre-
A|)ós as nove da noite, deixai pre­ sentem a ti suas acusaqoes”.
munidos para viajar a Cesaréia duzen- 31Os soldados, cumprindo as ordens,
Iim. soldados da infantaria, setenta da conduziram Paulo de noite até Anti-
i uviilaria e duzentos auxiliares. 24Pre- pátrida. 32No dia seguinte, deixaram a
Imi ¡ii cavalgaduras para Paulo e con- cavalaria continuar com eles, e voltaram
ilu/i o sao e salvo ao governador Félix. á fortaleza. 33Os outros chegaram a
I . Ihe escreveu urna carta nos se- Cesaréia, entregaram a carta ao gover­
yiinilcs termos: nador e lhe apresentaram P aulo.3 Leu a
26“Cláudio Lisias saúda o ilustrís- carta e perguntou de que jurisdiqáo era.
m h i o Félix. 27Este homem havia sido se- Sabendo que era da Cilícia, 35disse-lhe:
qiu.strado pelos judeus para ser morto. — Ouvirei tua causa quando teus acu­
(Juando soube que era romano, intervim sadores se apresentarem.
i iini a tropa e o libertei. ^Querendo ave- E mandou que ficasse detido no pre­
i ¡guar as acusaqóes que tinham contra ele, torio de Herodes.
II Icvei a seu Conselho. 29Mas constatou-
nc que as acusagóes versam sobre con- Processo diante de Félix— 'Cin­
liovérsias de sua lei, e nao havia nenhu- co dias depois, apresentou-se o
ma acusagáo digna de morte ou de prisáo. sum o sacerdote com alguns senadores
“’Ao tomar conhecimento de um atenta- e o advogado Tertulo, para apresentar

l íntretanto, o comandante decide agir sem violéncia num atentado. Eu pela segunda
demora. vez livrei-o do atentado mortal e o trans­
23,23-25 Aceña é sobria e sugestiva. De ferí á tua jurisdigáo. O comandante fica
noite, escoltado por um forte destacamen­ muito bem perante seu superior e se livra do
to romano, cavalgando, Paulo se afasta assunto. Paulo terá nova ocasiáo de dar tes-
depressa e definitivamente de Jerusalém. temunho, cada vez mais acima (Le 21,13).
I’ode-se recordar a fuga do rei Davi ante o 23,31 O narrador náo conta que Paulo
usurpador? (2Sm 15). Talvez Paulo nao estava a muitas horas de distáncia quando
repare que está cumprindo a ordem de Je­ os do Conselho comegaram a movimen-
sús na visáo: “sai depressa de Jerusalém... tar-se de manhá. Antipátrida distava uns
cu te envió a povos distantes” (22,18.21). 60 km de Jerusalém.
Quanto ao número da escolta, provavel- 23,34 O governador faz urna peigunta pre­
mente o comandante náo foi táo generoso liminar ao preso e decide convocar os acusa­
como o narrador o é: dir-se-ia a escolta de dores. O pretorio de Herodes era a residen­
um reí. É duvidoso o significado da pala- cia oficial do governador na capital Cesaréia.
vra que traduzimos como “auxiliares”.
23,26-30 A operagáo equivale a trasla­ 24,1 Mudou a situagáo. Agora os chefes
dar o preso a um tribunal superior, o supre­ judeus tém que deslocar-se até a capital
mo romano daquela provincia. A carta está do poder romano local, comparecer e sub-
redigida no estilo epistolar da época. Em meter-se a um tribunal estrangeiro, empre-
substancia é fiel aos fatos, com algumas gar um advogado perito em direito roma­
mudanzas que náo parecem puramente es­ no; e tém que alegar acusagóes precisas
tilísticas. Podem fícar por conta do narrador. contra as leis romanas.
O comandante se apresenta como liber­ Entre idas e vindas e contando com a
tador de um cidadáo romano injustamente distáncia de 100 km, cinco dias denotam
seqiiestrado e ameagado de morte por seus a pressa que o Conselho tem para des-
correligionários. Ele mesmo o conduziu ao fazer-se de Paulo (Is 59,7; Pr 1,16).
Conselho para aclarar por via legal as acu- Lucas, que vem demonstrando seu ta­
sagóes. Tudo náo passava de controvér- lento de narrador dramático, agora vai fir-
sias internas (18,14-15) que puseram as mar-se no género retórico “judicial”. Em-
claras sua inocéncia. O que náo consegui­ bora muito resumidos, oferece-nos dois
rán! por via legal, querem executá-lo pela discursos de um processo romano. Tertulo,
ATOS DOS APOSTOLOS 440

suas acusagóes contra Paulo. 2Fizeram- — Como sei que há anos adminisl i .ik
no comparecer, e Tertulo comegou sua a justiga para esta naqáo, confiadameii
acusaqáo: te pronuncio minha defesa. n Tu própi u >
—- 3Ilustríssim o Félix: Grabas a ti podes comprovar que nao se passarmi
gozarnos de paz estável e gracas á tua mais de doze dias desde que subí a Jei u>
providencia esta nagáo consegue me- salém em p e reg rin a lo . f2Nem no tem*
lhoras; em tudo e por todo lugar o re­ pío nem ñas sinagogas nem pela cidad.
cebemos com profundo agradecimen- me encontraram discutindo com alguém
to. 4Para nao cansar-te, solicito de tua ou sublevando o povo. 13Náo podem pro
clemencia que escutes minha exposi- var nenhuma das acusagóes contra mim
gáo resumida. 5D escobrim os que este 14Isto sim: confesso-te que venero a Den
homem é urna peste, que promove dis­ seguindo esse Caminho que eles cha
cordias entre os judeus do mundo in- mam de seita; creio em tudo o que est.i
teiro e que é um líder da seita dos na­ escrito na lei e nos profetas, 15e confia
zarenos. 6Q uando tentava profanar o do em Deus, espero como eles que ha
templó, nós o prendem os e quisemos verá ressurreiqáo de justos e injustos
julgá-lo segundo a nossa lei, 7mas o 16Eis porque também eu procuro man
tribuno Lisias, com grande violencia, ter em tudo urna consciencia irrepreen
o arrancou de nossas máos, mandando sível diante de Deus e dos homens
que seus acusadores viessem a ti. 8Tu 17Após urna ausencia de anos, fui em pe
próprio, exam inando-o, poderás com- regrinagáo ao templo, levando esmolas
provar a verdade de nossas acusagóes. para meu povo e oferendas. 18Aí me en
9Os judeus o apoiavam, afirmando que contraram, num rito de purificalo , e nao
era certo. 10O govem ador fez um sinal com urna multidáo nem num tumulto.
para Paulo, e este tomou a palavra: 19Mas alguns judeus da Asia, esses te-

nome romano, tem o título grego de “rei- justiga do juiz (cf. SI 7,12; 31,2). Em se
tor” (orador). Era provavelmente judeu, guida passa a refutar as acusagóes.
empregado habitual ou ocasional dos su­ 24,11-13 a) Circunscreve o atentado a
mos sacerdotes. Respeitando a terminolo­ Jerusalém, territòrio da jurisdiqáo do pro­
gía, o discurso de Tertulo se chama “acu- curador. Nem teve tempo nem deu mostras
saçâo” e o de Paulo “defesa”. de ser um agitador, nem o podem provar.
24,2-8 O advogado começa seu discur­ 24,14-16 b) Confessa pertencer a essa
so, segundo o costume, com a captatio que os inimigos chamam “seita” e ele cha­
benevolentiae, louvando profusamente o ma “O Caminho”. Supondo-o menos co-
juiz. Louvar é de praxe, pode-se variar o nhecido, aproveita o momento para uma
grau. A historia que conhecemos por ou­ substanciosa explicado.
tras caminhos desmente tais louvores. Tam- Esse caminho é continuatilo e culmina-
bém pode ser judicial apelar à “clemen­ gao. O Deus que adoro é o dos antepassa-
cia” ou epiqueia, que neste caso se solicita dos; admito e venero todas as suas escritu­
a favor dos acusadores. Segue-se a expo- ras, leis e profetas. Compartilho com meus
siçâo das acusaçôes, que sao très: a) Pro­ acusadores a esperanza, garantida por Deus,
vocar entre os judeus, por todas as partes numa ressurreigào de bons e maus (Dn 12,2)
da diáspora (do Impèrio), agitaçôes e “se- para comparecer a julgamento. E segundo
diçôes” (cf. o paralelo de Le 23,2). b) Ser isso, regulo toda a minha conduta em mi-
chefe da seita dos “nazarenos” (2,22; 6,15), nhas relagóes com Deus e com os homens.
que reconhecem Jesus como Messias Rei Poderia dizer, com outras palavras, que este
(17,7), rival do imperador, c) Ter procura­ é o caminho indicado hoje por Deus (para
do profanar o templo (Ez 44,7), que os amplificar estes w . deveriam ser citados
romanos se comprometem a proteger (21, muitos textos das cartas paulinas).
28-29). Na conclusáo, remete-se à saga- 24,17-20 c) Quanto a profanar o templo,
cidade e objetividade do juiz. é invengáo de uns adventicios da provin­
24,10-21 Paulo é mais breve nos elo­ cia da Asia: que se apresentem e provem
gios de praxe: reconhece a autoridade e a as acusagóes. Aquí, Paulo, inesperada-
441 ATOS DOS APOSTOLOS

.......... comparecer e acusar-me do que que era judia, ouviu-o dissertar sobre a
M' . n ni contra mim. 20Ou entáo, que os fé em Jesus Messias. 25Porém, quando
.......... les digam qual delito encontraran! Paulo comegou a falar de honradez, de
i|u nulo comparecí diante do Conselho, autodom inio e de julgam ento futuro,
',i u ní ser o de ter declarado em voz Félix se assustou e disse:
ili i «liante deles que me julgavam por — Por ora podes retirar-te; eu te cha-
’..i da ressurreiqao dos mortos. marei em outra ocasiáo.
Id ix , que estava bem informado 26Esperava receber dinheiro de Pau­
milnc o ( 'aminho, rem eteu-os para ou- lo, e por isso o chamou com freqiiencia
ii ocasiao, dizendo-lhes: para conversar com ele. 27Passados dois
(guando vier o com andante Lisias, anos, Pórcio Festo sucedeu a Félix, o
i ii u solverei vosso pleito. qual, querendo agradar aos judeus, man-
'A seguir, deu ordens ao centuriáo teve Paulo preso.
l<na que mantivesse Paulo detido, com
i nía liberdade, e que nao impedisse aos Apela^áo a César— ‘Trés dias
unís de lhe prestarem seus servigos. após tomar posse do cargo, Fes­
'I’assados alguns días, Félix mandou to subiu de Cesaréia a Jerusalém. 2Os
i liamar Paulo; com sua mulher Drusila, sum os sacerdotes e os chefes dos ju-

mente, menciona a coleta em favor do tem­ 25.1-12 A relagáo de Paulo com Festo é
plo e de seus “concidadáos” (judeus, cris- um jogo de competencias e jurisdigóes com
liios). O dado é histórico; dito aqui, pode um desenlace espetacular. Em grande par­
wrvir, como recurso narrativo, para exci- te por causa das autoridades judaicas, Pau­
liii a cobiga do procurador. lo está sendo julgado sob a jurisdigáo de
24,21 Em lugar de conclusáo própria, o Roma. Agora os judeus procuram subtraí-
orador desafia os rivais e concluí reafir­ lo dessa competencia para eliminá-lo pelo
mando sua fé na ressurreigáo. Para os acu­ caminho: a violencia interferindo com a
sadores, urna recordagáo desagradável, legalidade. Festo, embora desejoso de agra­
para Paulo urna esperanza inamovível. dar aos judeus no principio do seu manda­
24,22-23 A noticia nos pega de surpre- to, nao acede ao pedido, antes os convoca a
sa, mas nao é inverossimil. Por esse tem­ seu tribunal romano de Cesaréia, onde se
po, o cristianismo se tinha difundido e, nao repete o processo náo frustrado por Félix.
sendo doutrina esotérica, as pessoas cul­ O novo processo náo resolve nada, porque
tas, e também os responsáveis, podiam tudo estava claro e a única solugáo lógica
conhecé-lo. O lógico seria deixar livre o seria libertar o acusado. Mas Festo propóe
acusado. Félix prefere contemporizar e transferir para Jerusalém a celebragáo do
ilcixa Paulo em prisáo menos severa. julgamento. A proposta é ambigua: trata-se
24,24-26 A imagem de Félix nao é li- de simples mudanga de sede ou mudanga
sonjeira. Escuta com curiosidade, mas sem de competencia? Nada resolve urna mudan­
comprometer-se. Nisto se parece com os ga de sede, e Paulo se despediu para sem-
atenienses ávidos de novidades (cap. 17). pre de Jerusalém. Urna mudanga de com­
É venal: quer dinheiro para libertar um petencia seria contra a lei romana, deixaria
inocente (cf. Is 1,23). o inocente á mercé de seus inimigos. Paulo
A presenta de sua mulher, urna judia se toma acusador do juiz: acima dele está a
divorciada, traz á memoria o episodio do lei, e se náo a respeita, acima dele está o
Batista e Herodes (Le 3,19). imperador. Festo se enredou num jogo sem
24,27 O normal teria sido libertar os saida, enquanto que Paulo encontra a saída
presos menos perigosos e nao dcixá-los prevista no plano de Deus: chegar até Roma.
como he ranga ao sucessor. Félix prefere 25.1-3 Depois de dois anos parado (se­
deixar boa lembranga sua entre os judeus. gundo o narrador), tudo se move rápida­
Na perspectiva de Lucas, Félix está cola­ mente. A visita do novo procurador á cida-
borando com o designio de Deus, que quer de santa é obrigatória, e nela as audiencias
conduzir Paulo até Roma. para as autoridades judaicas locáis. Estas
1
ATOS DOS APOSTOLOS 442

deus lhe apresentaram suas acusagóes 10Paulo replicou:


contra Paulo, 3e lhe pediram por favor — Estou diante do tribunal imptn.il
que o remetesse a Jerusalém (pois ten- onde devo ser julgado. Sabes muito U m
tavam matá-lo numa em boscada pelo que nao prejudiquei os judeus. n Se i ni
caminho). 4Festo respondeu que Paulo meti um crime capital, nao recuso nun
continuaría detido em Cesaréia, pois ele rer; mas, se nao há nada do que esst i
voltaria logo para lá. 5E acrescentou: me acusam, ninguém pode entregar-nuf
— Desgam comigo vossos responsá- ao poder deles. Apelo ao imperador
veis e, se esse homem é réu de alguma ' ‘Entáo Festo, depois de ter conferin
coisa, apresentem ai sua acusagáo. ciado com seus conselheiros, dissc:
6Deteve-se com eles nao mais de oito — Apelaste ao imperador, irás ao im
ou dez días. Depois desceu a Cesaréia perador.
e, no día seguinte, mandou Paulo com ­
parecer. 7Quando se apresentou, os que Diante dcAgripa — 13Passados algnn
desceram de Jerusalém o rodearam e o dias, o rei A gripa, acom panhado di
acusavam de m uitas e graves acusa- Berenice, se apresentou em Cesan-i.i
góes, que nao conseguiam provar, 8en- para saudar Festo. 14Visto que se deti-
quanto Paulo se defendía, afirm ando ve ai vários dias, Festo lhe expós o casi i
que nao com eterá nenhum crime con­ de Paulo:
tra a leí, contra o templo ou contra o — Está aqui um prisioneiro que Félix
imperador. 9Festo, querendo ganhar os deixou. 15Estando eu em Jerusalém
judeus, interveio e perguntou a Paulo: esse tal foi acusado pelos sumos sacei
— Queres subir a Jerusalém para lá dotes e senadores judeus, que pediram
te submeteres ao meu julgam ento? sua condenagáo. 15Eu lhes respondí que

também tèm pressa e querem aproveitar a culpa, a morrer por respeito á leí. Talve/
benevolencia inicial e a relativa ignoran­ ressoe aqui, em forma de premonigáo nar
cia do recém-chegado procurador. A pro­ rativa, uma alusáo á morte de Paulo, que o
posta pretende remediar o fracasso do aten­ narrador conhecia. Como cidadáo roma­
tado precedente. no, apela ao imperador: em demanda de
25,4-5 Festo tem a prudencia suficiente justiga? ou para cumprir o designio de
de nao se deixar envolver num assunto Deus?
complicado. Sem ofender os judeus, pode 25.12 O procurador pronuncia a fórmu
oferecer-lhes a possibilidade de intervir la jurídica. Como o livro nao conta o com
numa revisáo do processo. parecimento de Paulo perante o impera­
25,6-8 Lucas nao repete detalhes, mas dor romano, esta frase do procurador
resume o já contado. Da parte dos judeus, cumpre antecípadamente esta fungáo. O
muitas acusagòes e nenhuma prova. Da leitor pensa que Deus fala pela boca do
parte de Paulo, tres pontos que resumem pregador.
tudo, as leis judaicas e as romanas: a lei, o 25.13 Agripa II, filho de Agripa (cuja
templo, o imperador. morte repentina se conta em 12,20-23), de
25.9 O que parece proposta diferente nao dinastía herodiana, convivía com sua irmá
é tal e soa com ressonáncias agourent: “su­ Berenice. Favoreceu o judaismo mas se
bir a Jerusalém”. Já subiu e nào está dis­ manteve leal a Roma, e foi o último rei
posto a repeti-lo. dos judeus.
25.10 Paulo responde repisando o “tenho 25,14-21 Numa conversa com o ilustre
que”. No contexto imediato, urna alusáo visitante, Festo quer mostrar a corregáo
ao direito processual, no contexto ampio legal com que procedeu, e de passagem
um remontar-se ao designio de Deus. confirma a inocencia de Paulo. Náo há
25.11 A atitude de Paulo é como a de delito nem acusagáo fundada contra as leis
Jeremías perante seus juízes (Jr 26,14-15). do império, existem apenas controvérsias
Ele que está disposto a morrer inocente por religiosas que as autoridades judaicas de-
amor a Jesus, estaria disposto, em caso de vem resolver.
443 ATOS DOS APOSTOLOS

mu.i • i o'.imne romano entregar um ho- 23No dia seguinte, com toda a pompa
mm ni .mies que possa confrontar-se com apresentou-se Agripa com Berenice, e
. ii, ii usadores e tenha ocasiáo de de- entrou na audiencia acompanhado de
(■iiili i si- das acusaqóes. 17Quando eles com andantes e personalidades impor­
-i hMiniiam aqui, eu sem demora, no tantes da cidade. Festo mandou Paulo
illn M->Miiiite, sentei no tribunal e man- com parecer 24e falou:
.lm comparecer aquele homem. 18Le- — Rei Agripa e todos os presentes,
iinl,iiam-se para depor, mas nao apre- aqui está o homem pelo qual todos os
"■'Hi.irani nenhum delito dos que eu judeus, em Jerusalém e aqui, vieram a
ii | >••ilava. 19Somente traziam contra mim clamando que náo deve ficar vivo.
i'li conlrovérsias sobre sua religiáo e 25Eu pude com provar que náo havia
mil ni' um tal Jesús, morto, que Paulo cometido nada digno de morte. Entáo,
’illmia estar vivo. 20E, com o me sentis- quando ele apelou a Augusto, decidi
■> | um plexo sobre a questáo, perguntei- enviá-lo. 26M as náo tenho nada certo
Ihr se quería ir a Jerusalém para ai ser para escrever. Por isso o apresentei a
|iil|’,;ulo. 21Paulo apelou para ser reser- vós e especialmente a ti, rei Agripa, para
vml o á jurisdigáo de Augusto. Entáo que se faga urna in v estig ad o e eu pos­
Miniiclei deté-lo até que possa enviá-lo sa escrever um relatório. 27Pois náo
un imperador. parece razoável enviar um preso sem
"Agripa respondeu: explicar as acusagóes contra ele.
- Eu tam bém gostaria de escutar
i v.c homem. Discurso de Paulo — 'A gripa
Kespondeu-lhe: disse a Paulo:
- Amanhá o escutarás. — Podes fazer tua defesa.

I )o seu ponto de vista romano, deixa cair ao templo para purificar-se, passou dois
nina observadlo que, contada pelo narra- anos preso. Náo é a força da palavra, que
ilnr, soa com ironia dramática: a morte de quer atrair o povo para ser ouvida?
um tal Jesus e sua presumida ressurreigáo, 25,24 O governador em pessoa apresen-
uni detalhe a mais ñas disputas entre judeus. ta o orador. Soa enfática a afirmaçâo “to­
É brutal o contraste com a atitude de dos os judeus”; é a énfase do narrador ñas
l’aulo, que considera a ressurreigào de Je­ vésperas de Paulo levantar áncora.
sus o ponto substancial do seu testemu- Na boca de Festo pode incluir uma sutil
nlio. O comunicado de Festo excita a cu- justificaçâo: embora náo encontrasse deli­
liosidade do rei Agripa. tos contra a leí romana, náo podia ignorar
25,20 De novo a ambigüidade de antes: o clamor de toda a comunidade judaica.
(|iie alcance tem “ser julgado em Jerusa­ 25,26-27 A passagem para a interven-
lém”? questáo de sede ou de competencia? çào do rei é trivial e significativa: é preci­
25,23-27 O próximo episodio vai dis­ so escrever algo no comunicado para ex­
correr entre espetáculo divertido, ofereci- pedir um homem como réu (e eu náo tenho
do ao rei visitante, e “interrogatorio” pe- nada para alegar contra ele; cf. SI 35,11).
rante alguém entendido em assuntos
judaicos. Dará ocasiáo a Paulo para ofere- 26,1 Quando o rei Agripa concede a
ccr renovado testemunho ante “governa- Paulo a palavra para que se defenda, o
dores e reis” (Le 21,12), e ao autor para autor a está concedendo para que pronun­
cumular novos testemunhos sobre a ino­ cie seu último discurso formal. Poder-se-
cencia de Paulo. ia juntar num díptico com o discurso de
25,23 Produz certo efeito irónico esta despedida em Mileto (20,18-35), embora
entrada règia, esta afluencia distinta e nu­ pelo conteúdo se pareça com os preceden­
merosa, para escutar um preso: táo impor­ tes relatos de sua conversáo (9,1-22 e 22,6-
tante é ele ou seu ensinamento, táo notável 16). À primeira vista se diria uma repeti-
é o orador? Ele náo convocou o audito­ çào; lido atentamente, pesam mais as
rio: veio a Jerusalém trazer urna coleta, foi diferenças que as semelhanças. Em primei-
ATOS DOS APOSTOLOS 444

Paulo, estendendo a mào, pronunciou nhar que eu pertencia à seita mai-, l i


sua defesa: trita de nossa religiào: era fariseu. ''Api >
— 2De tudo o que me acusam os ju- ra estao me julgando porque espilo »
deus, tenho hoje a s a tis fa tto de me promessa que Deus fez a nossos |>.m
defender em tua presenta, rei Agripa, E nossas doze tribos, em seu culto imi
Especialm ente porque és perito em cos- te e dia, aguardam impacientes que et,in
tumes e controvérsias judaicas. Por isso promessa se cumpra. M ajestade, os |u
te pego que me escutes com paciencia. deus nos acusam dessa esperanga. l'm
4Toda a minha vida, desde a adolescèn- que vos hà de parecer incrivel que Dm
cia, passada desde o principio no meio ressuscite os mortos?
do meu povo, todos os judeus de Jeru- 9Durante certo tempo eu pensava qui
salém a conhecem. 5E, como me conhe- meu dever fosse combater com todn»
cem hà tanto tem po, podem testemu- os meios o nome de Jesus Nazareni'

ro plano, no principio e no final, expoe o de esperanga, o culto foi exercício de es


tema da esperanga. No centro, conta sua peranga. Paulo, descendente legítimo tir
transformagáo radical como vocagáo: da les (da tribo de Benjamim, como Saúl)
“loucura” de perseguidor (v. 11) passa á prega hoje o cumprimento da promessa, j
aparente “loucura” de testemunha da res- por isso seus irmáos hoje o acusam. É mi
surreigáo (v. 24). Resume sua missáo no tável que diz “promessa” no singular (11,
símbolo da luz: a vida é luz, que Jesús glo­ 32-33), quando os patriarcas receberam
rificado possui e mostra a Paulo (v. 13), “promessas” (veja-se a importante expo
que a anuncia ao mundo todo (v. 23) e con­ siçâo de Rm 4,13-20; 9,4-9).
verte Paulo em mensageiro seu (v. 18). Promessa é um dado formal; quai é sen
26,2-3 Comega com a captatio benevo- conteúdo? Vida: vida continua do povu
lentiae, sobria e objetiva. O réu pode con­ pela geraçao, vida perpétua com Deus
tar com a pericia do juiz. vida que supera a morte. Ou seja, ressui
26,4-5 O ponto de partida é sua vida reigáo dos mortos, pela açâo de Deus: istn
passada, como membro do povo judeu e vai ser impossível para Deus? (cf. Le 1,37,
do rígido partido farisaico; todos os que o 18,27; Gn 18,14; Zc 8,6). Náo seria fácil
conheceram o podem atestar. Rompeu com provar a afirmagáo quanto aos adjetivo*,
suas raízes judaicas? Podem acusá-lo jus­ (cf. Ez 37; Is 26,14-19); mas Paulo os con
tamente de apostasia? De modo algum; vai sidera implícitos, segundo a interpretaçân
mostrar que sua vida presente é a conse- posterior. Nos o formularíamos assim: o
qüéncia lógica e extrema de seu ser judeu. desejo humano radical de viver é, no mais
Rompeu com o farisaísmo rigoroso? O fundo, ànsia de ressurreiçâo.
discurso nao o afirma, as cartas nos dizem O que Deus tinha prometido agora o
que sim. cumpre ressuscitando o Messias Jesus. 1
26,6-8.22b-23 Ainda que o discurso se­ que o Messias tinha que padecer e ressus
pare destrámente os dois trechos, vamos citar, a Escritura o anunciava (Le 24,46
olhá-los um após o outro. O tema é a es­ 47). Portanto, Paulo náo prega nada con­
peranza: para Paulo, o fator constitutivo e tra a Escritura; sao seus acusadores os que
conservador do povo judeu, pelo que póe nao querem reconhecer o cumprimento;
os profetas adiante de Moisés (v. 22), em- com isso rompem com sua tradiçâo autén­
bora também Moisés seja profeta (Dt tica que é a “esperanga na promessa”. Beni
18,15). Para os fariseus era constitutiva a pode o réu dizer (vv. 6-7) que é a esperan­
alianga, e a norma suprema era Moisés, ga o que se julga aquí.
transmissor da lei. Sabemos, pela carta aos 26,9-11 Recorda sua vida de persegui­
Romanos, da importancia que Paulo dava dor, que servirá de contraste para mostrar
á tensáo entre promessa e lei (alianga). o poder soberano de Jesús; mas também é
Pois bem, os patriarcas, “nossos pais”, urna confissáo de pecados (ICor 15,9). Em
a principio receberam a promessa de Deus; nenhum outro texto descreve assim seu
as “doze tribos descendentes de Jacó”, o ensinamento fanático. A força de chicota-
Israel inteiro e náo só os judeus, viveram das queria fazer os cristáos negar a fé em
t* M 445 ATOS DOS APOSTOLOS

'I ni u que fiz em Jerusalém , com au- do que te farei ver. 17Eu te defenderei
luililmle recebida dos sumos sacerdo- do teu povo e dos pagaos aos quais te
IM, poiulo na prisáo m uitos consagra- envió. lsTu lhes abrirás os olhos para
iliii I (|iiando os condenavam á morte, que se convertam das trevas para a luz,
hi ilnva meu voto. n M uitas vezes ñas do dom inio de Satanás para Deus, para
'lim^ogas eu os m altratava para fazé- que recebam o perdáo dos pecados e
lim blasfemar; e meu furor cresceu a uma porgáo entre os consagrados por
(•linio ilc persegui-los em cidades es- crer em mim.
MHit^'.ciras. 12Viajando com esse intuito 19Náo resisti, rei Agripa, à visáo ce­
(iiini I )amasco, com autoridade e reco- leste, pelo contràrio, comecei a pregar:
iiiriulagáo dos sumos sacerdotes, 13ao 20prim eiram ente aos de Damasco, de-
in#iii-dia envolveu-nos a mim e a meus pois aos de Jerusalém , na Judéia, e aos
. umpanheiros uma luz celeste mais bri- pagaos, para que se arrependessem e se
llninlc que o sol. 14Caím os todos por convertessem a Deus, com práticas vá­
1*1 ra e eu escutei um a voz que me dizia lidas de penitencia. 21Por esse motivo
vni hebraico: Saúl, Saúl, por que me os judeus se apoderaram de mim e ten-
|MMsegues? E inútil dar coices contra o taram acabar comigo. 22Mas, protegi­
iiuuilháo. 15Perguntei: Q uem és, Se- do por Deus até hoje, pude testemunhar
imor? E o Senhor respondeu: Sou Je- a pequeños e grandes, sem ensinar ou-
mis, a quem tu persegues. 16Fica de pé, tra coisa senáo o que predisseram os
Imis para isto te apareci, para nomear- profetas e Moisés, ou seja, 23que o Mes-
li' servidor e testem unha do que viste e sias haveria de padecer, ressuscitar por

lesus, quena “extirpar” seu nome; como verbo das aparigóes do ressuscitado (Le
iiuc cumprindo o preceito deuteronomista 24,3.34). Os dois cargos, “servo e testemu­
Je “extirpar a maldade” (Dt 13,6; 17,7.12; nha”, se dizem dos doze (Le 1,2; 24,48).
19,13.19; 21,21-22 etc.), ou entendendo a 26.17 “Eu te defenderei”: como os pro­
hcu modo o propósito de um governante fetas (Jr 1,8.19; 15,20) ou o orante (SI 40,
(SI 101,8). 14 etc.). É enviado aos judeus e depois aos
“Dar o voto” competiría só aos membros pagáos.
do tribunal, em concreto do Grande Conse- 26.18 A conversáo prolonga o símbolo
Iho. Náo parece que Paulo tenha pertencido da luz, freqüente na profecía (Is 42,7;
ii ele, na qualidade de letrado. Segundo es­ 58,10; 60,2-3; 62,1-2; Br 5,3); reaparece
te resumo, a perseguicelo parte de Jerusalém. em fórmulas batismais (C11,12-14). Sata­
26,12-18 O relato de sua experiencia a nás é o chefe das trevas (cf. Ef 6,12). O
cuminho de Damasco difere notavelmente “perdáo dos pecados”: Le 1,77; At 10,43;
dos outros. Nao menciona a cegueira, nem 13,38; prometido em Jr 31,34. A fé em
il cura, nem a intervengo de Ananias, nem Jesús consagra.
il fuga de Damasco. A conversáo se trans­ 26,19-20 A missáo de Paulo é ato de
forma em relato de vocagáo no estilo das obediencia a Deus, a quem náo se podia
proféticas (Is 42,7; 61,1). Exalta-se a sobe­ negar. Sua execucáo se divide em etapas
ranía de Jesús glorificado, que ocupa o lu­ crescentes: Damasco, Jerusalém, Judéia,
gar de Yhwh, e predomina o símbolo da luz. os pagáos. Encontramos outra vez distin­
26.13 Aprimeira percepirlo é uma luz ce­ guidos os dois verbos “arrepender-se e
leste, envolvente, mais brilhante que o sol converter-se” (também diversos em he­
(cf. Mt 17,2 “como o sol”; Is 30,26; SI 104,2). braico), como em 3,19 (cf. Le 17,4). “Prá­
26.14 Assim chamavam o aramaico. O ticas válidas de penitencia”: semelhante á
provèrbio citado de Eurípides faz de Paulo pregagáo do Batista (Le 3,8). Náo men­
um animal indócil que se debate e se esgo- ciona o batismo.
ta em vào. Alguém vai reduzi-lo à obedien­ 26,23 Jesús ressuscitado por primeiro
cia: o amo. será chamado “primogénito dos mortos”
26,16 “Fica de pé” como Ezequiel em (C1 1,18; Ap 1,5) anuncia a luz do novo
sua vocagáo (Ez 2,1). “Apareceu-me” é o dia, como a sentinela (Jr 31,6; SI 130,6-7),
'l

ATOS DOS APOSTOLOS 446 ,’r. i

primeiro da morte e anunciar a luz a 29Paulo respondeu:


seu povo e aos pagaos. — Por pouco ou por muito, quiv m
24Quando Paulo terminou sua defe- Deus que nao somente tu, mas todo* U|
sa, Festo disse com voz firme: ouvintes fossem hoje o que eu mui
— Estás louco, Paulo. O excesso de menos ñas correntes.
estudo te fez louco. 30O rei se levantou, o governadot
25Paulo replicou: Berenice e os assistentes, 31e ao se rrii
— Nao estou louco, ilustre Festo. rar comentavam:
Pelo contràrio, pronuncio palavras ver- — Esse homem nada fez que mer<\a
dadeiras e sensatas. 260 rei entende de a morte ou a prisâo.
tudo isso e dirijo-me a ele com fran­ 32Agripa disse a Festo:
queza; pois penso que nada disso lhe — Poderia ser solto, se nâo tives-.«« I
seja oculto, já que nào sào coisas ditas apelado ao imperador.
em lugares remotos. 27Crès nos profe­
tas, rei Agripa? Sei que crès. Navegando para Roma— 'Qu.ni
28A gripa respondeu a Paulo: do se decidiu que navegariamoi
— Por pouco nao me convences a para a Itàlia, confiaram Paulo e outro', !
fazer-me cristào. presos a um centuriáo chamado Julio,

luz universal sem distingào para judeus e brilhante do narrador. Num relatório rico
pagàos (Is 49,6). de dados precisos, dignos de um conhecc
26,24-25 Para o romano, fechado em sua dor da navegaçâo de entào (de prime irii
mentalidade, o testemunho de Paulo so­ ou de segunda mâo), monta-se a aventurn
bre a ressurreigào nao é delito e sim de­ teológica do grande apóstolo dos pagâos
mencia; o estudo o transtornou (cf. Ecl 12, Como Joñas era o antiprofeta, assim Pan
12). Também os que pronunciam o quarto lo parece um antijonas. Os dois váo pre­
càntico do Servo reconhecem que seu gar num país pagáo: Joñas à força, Paulo
anuncio é “inaudito” e que nào será crido prisioneiro sem coaçào. Joñas poe em pe
(Is 52,15—53,1). Mas Paulo nào falou de rigo seus companheiros de navegaçâo,
coisas que estudou, e sim do que viu. O Paulo os salva; Joñas dorme, Paulo vigia.
que aos homens parece loucura, é para o O océano que corta a fuga de Joñas ini
crente “verdade e sensatez” (e vice-versa, pulsiona a viagem de Paulo.
cf. ICor 1,18-25). Em ambos os casos, o velho elemento,
26,26-27 Ante o ceticismo do romano, o hostil océano de tantas tradiçôes, se de
Paulo apela aos conhecimentos do judeu sata contra os homens (SI 18,5-6.16; 42,8;
Agripa e aduz como autoridade reconhe- 69,2-3.16; 77,20; 93,2-4; 107,25-27). Des
cida por ambos “os profetas”. ta vez os elementos parecem opor-se à
26,28-29 O rei se evade com urna salda viagem de Paulo, ao designio de Deus,
cortes: louva o orador, sem vestir a cara- como se o Xeol quisesse devorá-lo; mas
puga; como os ouvintes do “mùsico” Eze- o Senhor domina o océano (Eclo 43,23)
quiel (33,31-33). Com nào menos corte­ e o submete a seus planos. Também os
sia, mas vibrando de paixào missionària, apóstolos passaram, em escala pequeña,
responde Paulo; e desta vez se dirige a to­ por urna experiência semelhante e expe-
dos os presentes. Gostaria de vè-Ios todos rimentaram o poder de Jesús (Me 6,47-52
cristàos e sem correntes, livres de verdade. par.).
26,30-32 O veredicto final nào se pro­ Num contexto realista, de dimensóes
nuncia no tribunal, e sim em conversa priva­ humanas, diminuidas pelo vasto mar, Pau­
da. O narrador se encarrega de que o leitor lo é urna figura sobre-humana: sabe e
o escute antes que Paulo embarque. Agri­ aconselha, prevé e prediz, nào desfalece e
pa nào entende que, no designio de Deus, reanima, é quem comanda a navegaçâo.
a viagem a Roma se paga com a prisào. Ao grande viajante, ao náufrago salvo
(2Cor 11,25), Lucas dedica esta homena-
27 ,1-44 A travessia marítima, com a gem marítima. Os peritos poderáo expli­
tempestade e o naufràgio, sào urna pe§a car e apurar a exatidáo da sua descriçâo.
* 1 1') 447 ATOS DOS APOSTOLOS

m i mule Augusta. 2Embarcamos num somente á carga e á em b arcad o , mas


imvlii de Adramítio, que estava partin- tam bém a nossas vidas.
iln |im;i os portos da Asia, e zarpamos. n Porém o centuriáo confiou mais no
Aimnpanhava-nos Aristarco, macedò- tim oneiro e no sobrecarga do que em
iiln de lessalònica. 3No dia seguinte, Paulo. 12Visto que o porto nao era apto
. In ¡•.irnos a Sidònia, e Jùlio, por consi- para invernar, a maioria prefería partir,
i Imiiii . iio a Paulo, permitiu-lhe que se diri- com a esperanza de ir invernar em Fé­
litHHi- a seus amigos para que cuidassem nix, um porto de Creta voltado para o
iImIc '/arpan d o de Sidónia, costeamos noroeste e sudoeste.
i lilpie, porque o vento era contràrio.
A seguir, tendo atravessado o m ar ao T em pestade — 13Levantou-se um ven­
Illudo da Cilicia e Panfilia, desembar- to sul, e pensando que o plano fosse rea-
i iimos em Mira da Licia. 6A í o centu- lizável, levantaram áncoras e costearam
illtoencontrou um navio de Alexandria Creta de perto. l4Imediatamente, do lado
i|iir navegava para a Itália, e nos embar- da ilha, desencadeou-se um vento de
■ini noie. 7Por vários dias avanzamos furacáo, chamado aquiláo. l5Abateu-se
(umico e custamos para chegar a Cnido. contra o navio e, como nao pudéssemos
I nino o vento nao fosse favorável, cos- navegar contra o vento, nos deixamos
Icuinos Creta ao longo de Salmone, 8e levar por ele. 16Passando velozes e com
ituirgeando alcanzam os com dificulda- dificuldade por um a ilhota cham ada
ilc um lugar chamado Bons Portos, pró- Cauda, conseguimos controlar o bote.
«Imo à cidade de Lasaia. 9A i transcor- 17I<jaram-no a bordo e firmaram a em-
ii'ii bastante tem po e, passada a época barcagáo com cordas. 18Com medo de
ilo jejum, a navegagào se tornava peri- encalhar na Sirte, soltamos os flutua-
Hosa. Entào Paulo aconselhou: dores e navegamos á deriva. No dia se­
— 10Senhores, observo que a nave- guinte, visto que a tempestade aurnen-
(¡iigáo irá acarretar perigos e perdas, nao tava, comegaram a aliviar o navio; 19no

27.2 O barco era matriculado em Adra- e perigosa a navegagáo no Mediterráneo;


mítio, porto do mar Egeu perto dos Dar- o jejum mencionado é o que precede a fes­
ilunelos. Os barcos costumavam trans­ ta da Expiagáo (fins de setembro). Aquí
portar mercadorias e passageiros, e as ocorre a primeira intervengáo de Paulo, aín­
mitoridades romanas podiam alugar ou re- da como conselheiro sem alegagóes pro-
i|uisitar lugares para alguns passageiros. féticas.
I’aulo faz parte de um grupo de presos, re­ 27.10 O narrador apresenta Paulo como
comendados a um centuriáo (w. 31.32.42), que fazendo um discurso; no máximo con­
que era ajudado por alguns soldados. seguiría falar ao centuriáo que o tratava com
Aristarco tinha acompanhado Paulo na sua certa deferencia.
viagem para a coleta (19,29; 20,4). 27.11 Náo competía ao centuriáo escu-
27.3 Desde o principio, Paulo goza de tar conselhos e tomar decisóes no que era
um tratamento especial por parte do cen­ competéncia do capitáo ou dono do navio.
turiáo, romano de bons sentimentos (phi- Invernar significava passar e perder vários
lanthropos). Os “amigos” sao a comuni- meses numa pequeña cidade portuária.
ilade cristá do lugar (Le 12,4). 27,14 Esse vento levanta-se na ilha, ca-
27,4-5 O porto de Mira ficava a noroes­ naliza-se entre montanhas e irrompe so­
te de Chipre, na costa meridional da Ásia bre o navio indefeso (o grego o qualifica
Menor. Ai se faz o primeiro transbordo. de tyfonikós).
27,6 O navio proveniente de Alexandria 27,16 É o escaler usado para atracar e
levava um carregamento de trigo para a chegar à terra; dele se voltará a falar.
Italia. 27,17-18 A Sirte fica tao longe, que o
27,7-9 Aproximava-se o outono, quan- temor é antes um pànico exagerado, pela
do os ventos ocidentais tornavam difícil velocidade com que o vento os empurra.
ATOS DOS APOSTOLOS 448 27,

terceiro dia, com as próprias maos, des- — Se náo perm anecerem no bai *>i
fizeram-se dos apetrechos do barco. vós náo vos salvareis.
20Durante vários dias nao se viam nem 32Por isso, os soldados cortaram ak
sol nem estrelas, e com o a tempestade cordas do bote e o deixaram cair no n i.if,
nào se acalmasse, esgotava-se qualquer 33Quando raiava a aurora, Paulo convi
esperanza de salvagáo. dou todos a comer:
“‘Estávamos há dias sem comer, quan­ — Estáis na expectativa há catoi/,
do Paulo se pòs no meio e disse: dias, sem provar nada. 34Eu vos acón,
— Amigos, devieis ter-me escutado e selho a comer, pois é necessàrio para a
nào sair de Creta, poupando-vos tais pe- vossa saúde. Náo perdereis sequer um
rigos e perdas. 22Porém agora vos exor­ cábelo da cabega.
to a ter coragem, pois nenhuma vida se 35Dito isso, tomou páo, deu gragas a
perderà, somente a embareacào. 23Nes- Deus na presenta de todos, o partiu o
ta noite apareceu-me um anjo do Deus comegou a comer. 36Todos se anima
ao qual pertengo e a quem venero, 24e ram e se alimentaran!. 37Eramos no na
me disse: Nao tem as, Paulo; tens de vio duzentos e setenta e seis. 38Comc
comparecer diante do imperador; Deus ram até saciar-se, e depois esvaziaram
te concede a vida dos que viajam conti­ o barco, jogando o trigo no mar.
go. 25Portanto, coragem, amigos! Con­ 39Fez-se dia. Os marinheiros náo re
fio em Deus que acontecerá o que me conheciam a terra, mas divisaram unn
disseram. 26Encalharemos numa ilha. enseada com urna praia, e decidiram
27Era já a décim a quarta noite e con- de qualquer forma, encalhar ai o navio
tinuávamos à deriva pelo Adriático. À 40Soltaram as áncoras, deixando-as caii
meia-noite os marinheiros pressentiram no mar, enquanto afrouxavam as amai
que nos aproximávamos da terra. 28Des- ras do timáo. Igaram a vela da popa a
ceram a sonda e mediram vinte bragas; favor do vento e dirigiram -se para a
logo em seguida a desceram novamen- praia.
te e mediram quinze bragas. 29Temen- 41Mas, ao passar entre duas corren
do bater contra os recifes, soltaram qua- te s, o n a v io e n c a lh o u , a p ro a se
tro áncoras da popa, e rezavam para que encravou e ficou imóvel. 42Os soldados
amanhecesse. 3üOs marinheiros tenta- decidiram matar os presos para que nin-
vam abandonar o barco. Já estavam guém escapasse nadando. 43Mas o ca-
descendo o bote sob pretexto de soltar pitáo, querendo salvar a vida de Paulo,
áncoras da proa, 31quando Paulo disse o impediu e ordenou que saltassem por
ao centuriáo e aos soldados: primeiro os que sabiam nadar e chegas-

27,20 Na falta de bussola, os navegantes terra desconhecida, o bote era igualmente


se orientavam pelas estrelas. Com céu en- necessàrio para o acesso oportuno e para
coberto náo havia como orientar-se. a operagáo de desembarque.
27,21-26 “Sem comer” provavelmente 27,36-37 Quarta intervengo de Paulo.
por causa do enjòo. Aqui ocorre a segun­ O profeta parece quase um liturgo. Em
da intervenqáo de Paulo. Desta vez como bora náo presida a urna eucaristia (entre
profeta que recebe mensagens celestes. pagáos), a linguagem do narrador se dei
Em beneficio dos pagáos, fala de um xa influenciar por eia (Le 22,19). Com suas
sonho, de um anjo, do Deus a quem vene­ palavras os reconforta (Le 12,7), com sen
ra (cf. Jn 1,6). Esse Deus lhe salvará a vida exemplo convence e arrasta todos. Já sa­
e, em atengáo a ele, a de seus companhei- ciados, aligeiram completamente o na­
ros de navegagáo. Pode-se recordar o ra­ vio para que a linha de flutuagáo fique
ciocinio de Abraáo (Gn 18,23-33). alta.
27,30-32 A solugáo dos militares, depois 27,42 Os soldados respondiam com a
do aviso de Paulo, era incorreta, pois se os vida se os presos escapassem. O centuriáo,
marinheiros eram necessários para as di- fiel á sua atitude benévola do principio
fíceis manobras de aproximagáo a uma quer “salvar” a vida de Paulo. Este é quem
IN I I 449 ATOS DOS APOSTOLOS

i .1 Ierra. MOs outros iriam em pran-


ih anormal, mudaram de opiniáo e diziam
. h i . mi em outras peças do navio. Desse que era um deus.
11h mli i iodos chegaram à terra com vida. 7Nessa regiáo havia urna propriedade
do governador da ilha, chamado Públio.
M alta e Rom a — 1Jà a salvo, pu- Hospedou-nos am avelm ente por trés
demos identificar a ilha de Malta, dias. 80 pai de Públio estava de cama
i K nalivos nos trataram com inusitada com febre e disenteria. Paulo se apro-
iin.iliilidade. Como chovesse e fizesse ximou dele, orou, impós-lhe as màos e o
Ino, acenderam urna fogueira e nos aco- curou. l,Diante disso, os outros doentes
lllriain. 3Enquanto Paulo recolhia um da ilha acorriam e se curavam. 10Enche-
I r i xe de lenha e o aproximava da foguei- ram-nos de honrarías e, quando partimos,
i li. urna víbora, fugindo ao calor, pren- providenciaram para nós o necessàrio.
ilcu-se na mào de Paulo. 4Quando os 11 Ao fim de tres meses, zarpamos num
n.ilivos viram o animai pendurado em navio alexandrino, que passara o in­
•.
ic i mào, comentavam: verno na ilha, dedicado aos Dióscuros.
— Certamente esse hom em é assas­ 12Chegamos a Siracusa, onde nos deri­
sino, pois se salvou do mar, mas a ju s­ vemos por trés dias. 13Daí, dando urna
illa divina nao o deixa viver. volta, alcanzamos Règio. Um dia depois,
Mas ele sacudiu o animai no fogo e levantou-se um vento do sul, e em dois
nao sofreu nenhum dano. 6Eles espera- días chegamos a Putéoli. 14Encontramos
vam que inchasse ou caisse morto de alguns irmáos que nos convidaram a fi-
lépente. Após esperar longo tempo, e car com eles urna semana. Assim che-
vendo que nao lhe acontecía nada de gamos a Roma.

'..ilvará a vida do centuriáo, de seus subor­ O segundo episodio é urna cura que recor-
dinados e companheiros. da pela linguagem a primeira cura de Je­
27,44 Cumpre-se a predigan de Paulo e sús, a da sogra de Pedro (Le 4,38-39).
ii promessa do seu Deus. 28,2 Ver Le 22,56.
28,4-7 Os nativos raciocinam com lógi­
28,1 O episodio exalta e engrandece a ca religiosa elementar: cedo ou tarde o
íigura de Paulo. Em Malta nao é prega- malfeitor paga; se os homens náo o casti-
ilor, e sim taumaturgo benfeitor. Ninguém gam, a divindade o faz (cf. o esquema de
iliria que é um prisioneiro entre outros, pois Am 5,19). Com a mesma lógica, ao ver que
age como protagonista absoluto. Os nati­ o veneno náo lhe faz efeito, o consideram
vos se chamam em grego “bárbaros”, quer como urna divindade (14,15, em Listra). A
dizer, que náo falam grego (e sim um dia- rigor se cumpre o anúncio de Me 16,18.
leto púnico). O que os caracteriza neste 28,7 Também o governador, de nome
momento è sua “extraordinària amabilida- latino, mostra sua benevolencia e genero-
ile” (philanthropia), o mesmo que se dis­ sidade, hospedando em sua propriedade
se do centuriáo. Acolhem os náufragos esse numeroso grupo de náufragos.
generosamente e se fazem credores dos 28.9 O mesmo efeito que o milagre de
milagres de Paulo. Deste se contam bre­ Jesús produz (Le 4,40), só que sem pos-
vemente duas historietas. A primeira é a sessos do demonio.
da víbora (perfeitamente verossímil naque- 28.10 As honras sáo tributadas em aten-
las condigoes), que os nativos interpretam gáo a Paulo, sem que se repita o equívoco
segundo critérios religiosos em linha du­ de Listra.
pla. O leitor deve lè-la contemplando ao 28.11 O navio está dedicada, ou leva as
fundo o episodio das serpentes no deserto insignias dos Dióscuros (Castor e Pólux),
(Nm 21,4-9), a promessa escatològica do como patronos de navegantes. Náo sabe­
profeta (Is 11,8) e a de Jesús (Le 10,19; mos se com este detalhe o autor quer subli-
Me 16,18). Depois de ter vencido a perse­ nhar o ambiente pagáo da nova situacáo.
g uido dos homens e dos elementos, fal­ 28,14-15 No relato atual, a última frase
lava a Paulo vencer a fera mais perigosa. é proléptica, como título do que se segue
ATOS DOS APOSTOLOS 450

15Os irm âos daí, ao ouvir noticias me vi obrigado a apelar ao imperadoi,


nossas, sairam para nos receber no Foro sem intençâo de acusar minha naçao
de Apio e Très Tabernas. Ao vê-los, Pau­ 20Por esse motivo vos chamei, para vo-,
lo agradeceu a Deus e animou-se. 16Che- ver e falar. Pois pela esperança de I
gados a Roma, perm itiram que Paulo rael me encontro acorrentado.
se alojasse por sua conta com o solda­ 21Responderam-lhe:
do vigia. — Nâo recebemos da Judéia cartas i
17Passados très dias, convocou os ju- teu respeito. 22Contudo, gostaríamos di
deus mais importantes e, quando se reu- escutar o que pensas, pois estamos m
niram, falou-lhes: formados de que por toda a parte se l'al.i
— Irmâos, em bora nâo tenha feito dessa seita.
nada contra o povo e os costum es pa­ 23Marcaram urna data e muitos foram
ternos, os de Jerusalém me entregaram ao seu alojamento. Desde a manhá até o
preso aos romanos. 18Estes me exami- entardecer lhes m anifestava e explica
naram e, nâo encontrando em mim ne- va o reinado de Deus e, apelando à Ic i
nhum delito capital, decidiram deixar- de M oisés e aos profetas, tentava peí
me livre. 19Os judeus se opuseram e eu suadi-los a respeito de Jesús. 24Alguns

¡mediatamente. Porque Paulo em Roma como fizeram com Jesús (Le 18,32; 20,20.
nao parece entrar como prisioneiro, e sim 24,7), e se opuseram à sua libertaçâo. Con-
numa recepcáo da comunidade. Ao vé-los tudo, Paulo nâo pretende pagar mal com
e ao compreender o que significa, Paulo mal, acusando seus acusadores.
dá gragas por tudo: enfim, em Roma. A última frase do discurso tem muito rele­
28,16 O v. nos devolve á realidade de vo: nâo os judeus, e sim Israel na sua ampli­
Paulo em sua eondigáo de preso á espera tude de povo escolhido; nao a leí, mas a espe
de julgamento. Por ora é tratado com con- rança (24,15; 26,6-7; Le 2,34). Para Paulo,
sideracáo. “a esperança” é o Esperado (Le 7,19-20).
28,17-31 A última página do livro reco- 28,21-22 Aresposta é estranha, dado que
lhe e resume idéias já propostas e concluí em Roma havia urna sólida comunidade
coerentemente toda a série narrativa que crista, as comunicaçoes com Jerusalém
cometa em 1,8: “sereis minhas testemunhas eram freqüentes, e o cristianismo já se ti-
em Jerusalém, na Judéia, na Samaría e até nha difundido por todo o Mediterráneo
os confins do mundo”. O movimento de central e oriental. Consideram os cristáos
Paulo desde Jerusalém até Roma materia­ como urna seita dentro do judaismo, com­
liza o movimento espiritual da Igreja, que batida por outros judeus, mas nâo exco-
se desprende definitivamente do judaismo mungada (isto sucederá durante o decé-
e se abre inteiramente aos pagaos. É um nio 80-90 d.C.). Despedem-se mostrando
processo anunciado pelos profetas: a resis- seu intéressé em conhecer diretamente o
téncia de Israel por Is 6,9-10; 65,2; o desti­ que Paulo pensa.
no dos pagaos em muitos textos (p. ex. SI 28.23 A reuniáo aberta acorre uma boa
67,2; 87; 98,3; Is 40,5). Roma será o novo representaçâo judaica. A casa onde Paulo
centro de irradiacáo universal: tema que fica vive confinado toma certo ar de sinagoga,
fora do livro. na qual todos sáo judeus (nâo menciona
28,17a E como a última tentativa de di- adeptos). A reuniâo, exposiçâo e discussáo
rigír-se aos judeus. Como o preso está con­ foram bastante longas, um día inteiro; Lucas
finado, convoca os chefes da comunidade nâo nos dá senáo o índice dos pontos trata­
judaica de Roma, que podiam ser os che- dos (que já expós ao longo do livro). Sáo
fes das diversas sinagogas da cidade. Gen­ très pontos: o reinado de Deus (Le 4,43;
te importante e influente no mundo políti­ 9,2; At 1,3; 14,22), a pessoa e mensagem de
co da capital. Jesús (At 1,1; 8,35; 9,20), o fundamento bí­
28,17b-20 Paulo comega dando expli­ blico de tudo isso (Le 24,26-28; At 3,21-23).
c a r e s numa apología pessoal, resumo de 28.24 Na reaçâo, deve-se distinguir (co­
coisas ditas (22,1-16 e 26,2-23). Os judeus mo em casos precedentes) a atitude de in­
de Jerusalém “o entregaram aos romanos”, dividuos e a da comunidade como tal. Al-
IN II 451 ATOS DOS APOSTOLOS

«i ilcixavam convencer, outros resis- os olhos, para nao ver com os olhos
lliini em crer. 25Quando se despediam nem ouvir com os ouvidos nem enten­
Nrin pór-se de acordo, Paulo pronunciou der com a mente, para se converterem,
mui ullima palavra: de modo que eu os cure. 2RPois sabei
Hem falou o Espirito Santo aos que esta salvagáo de Deus é enviada aos
vimos pais por meio do profeta Isaías! pagaos, e eles escutaráo*.
"'Vili ii estepovo e dize-lhe: Certamen- 30Dois anos inteiros viveu por conta
I r oiivireis, porém sem entender; cer- pròpria. Recebia os que iam a ele 31e pro­
liinirnte olhareis, porém sem ver 21Em- clamava o reinado de Deus e ensinava o
luiiini-se a mente desse povo, com os que diz respeito ao Senhor Jesús, com
nuvidos simplesmente ouvem, taparam toda a liberdade e sem impedimento.

guns “se deixam convencer”: é o corre­ 28,28 *Alguns manuscritos acrescentam


lativo do precedente “persuadir” (cf. 17,4), outro versículo: 29Quando acabou de fa-
nao usa o verbo “crer”; outros resistem a lar, os judeus partiram discutindo acalo­
“crer”. Quando se trata da comunidade, radamente entre si.
tudo termina em discussóes, sem concluir 28,30-31 Lucas quer fazer-nos palpar os
nada; o que equivale a nao responder. comeaos da nova orientagáo. Embora pre­
Como a mensagem de Paulo exige resposta so, continua expondo sua mensagem a
e nao admite neutralidade, Paulo pronun­ quantos acorrem a ele, com toda a liber­
cia a conclusáo, que no contexto se dirige dade apostólica, sem estorvos das autori­
ao grupo; no livro é programática. Despe- dades romanas.
de-os com urna citagáo contundente de Ponto final. Lucas nao julgou oportuno
Isaías e anuncia-lhes a nova orientagáo da narrar a perseguidlo e o martirio de Pau­
Igreja. Aqui poderia terminar o livro, num lo. O último nome no livro é o Senhor Je­
final aberto ao futuro. sús Cristo.
CARTAAOS ROMANOS

INTRODUgÁO
( >i/tie era a Roma imperial na m eta­ to de Clúudio expulsou os judeus (ano
lli- Jo séc. I d.C. éfartam ente conhecido 49); Suetónio registra lacónicam ente
l'i't documentos, monumentos e repro- o fa to : “expulsou os ju deus que, in­
,Incoes artísticas. M ais de um milhao citados por Cresto, multiplicavam seus
<!<■habitantes (mais da metade eram es- m o tin s ”. Q ue entre ju d e u s a g a rra ­
i tuvos), coni urna classe alta rica e cul- dos ás suas tradiqóes e ju deus con­
1,1 O luxo apoiado na misèria. Palá- vertidos ao cristianism o surgissem
pios, templos, colunatas, termas, e o contendas é urna conjetura plausível,
¡itrum como centro da vida citad ina. nada mais. Pode-se citar a analogía
Roma, capital de um im perio sem de A t 17,1-8.
l>recedentes, centro de um mundo que Podemos contar com prosélitos, quer
w considerava “o m u n d o ”. Centro de dizer, pagaos atraídos á religiáo e éti­
uradiaqáo e atraqüo. D e Roma partiam cas judaicas; também entre os proséli­
rxércitos para conquistar, procónsules tos se davam conversóes ao evangelho;
I inra governar provincias, leis e correios a etapa judaica Ihes servia de ponte (At
t/ue percorriam a rede vital de estra­ 13,43). Finalmente, temos de contar
das e rotas. A Roma afluíam estrangei- com pagaos convertidos. A comunida-
ros de todo tipo: embaixadores, vassa- de crista de Roma, como indica a car­
los, comerciantes, fugitivos, mestres, ta, era em sua maioria de origem paga
l>regadores de muitos cultos. Entre seus e em parte de origem judaica. Para o
habitantes se contava urna comunida- judeu apóstola dos pagaos, esse dado
de, compacta, diferenciada e numero­ era muito importante.
sa de judeus: contaram-se treze sina­
gogas (ou comunidades). F lávioJosefo Finalidade
[ala de oito mil judeus adidos de urna
cmbaixada. Pois bem, p o r que Paulo tinha de
Nao obstante tal riqueza de informa­ escrever urna carta a urna igreja que
l e s , ficou ás escuras a origem da igre- nem tinha fundado nem conhecia pes-
ja crista em Roma. Que Pedro fo i a R o ­ soalm ente? N ao urna carta qualquer,
ma e a i sofreu o martirio é certo; que de cortesía ou de circunstancia, mas
tenha estado antes ou tenha fundado urna carta doutrinal de envergadura,
essa igreja, nao tem fundam ento histó­ talvez a m ais im portante do apóstolo.
rico. Entáo, quem foi o missionàrio anó­ A lg o a própria carta sugere, nao po-
nimo que levou a sem ente crista a R o­ rém o bastante para satisfazer a curio-
ma ? A que grupo pertencia ? Dado o sidade dos exegetas. A discriqao da
vai-e-vem humano da capital, perde- carta deixa ampio espaqopara inferir
ram-se seus tragos. ou conjecturar. Vamos abrir o leque
Teria sido um judeu convertido?L u­ das propostas, que nao se excluem m u­
cas, com sua m ente universalista, diz tuamente.
que entre os ouvintes de Pentecostes a) Paulo olha com desconfianqa para
havia peregrinos rom anos (At 2,10); Jerusalém. Quando vai com o produto
o m esmo Lucas m enciona um casal j u ­ da coleta, seu em penho acariciado,
deu, A quila e Priscila (At 18,2), que quer ter esclarecido seu pensam ento
se m udou para C orinto quando o edi­ sobre as relaqóes entre judeus e pagaos
CARTAAOS ROMANOS 456 INTRODIJC;

convertidos; grave problema, quase um trá-las reunidas, p. ex., em Efeso. A s Ji <i


pesadelo de seu ministério. ses contra os judaizantes em 16,1 /\
b) Paulo olha de frente as tensóes da destoam numa carta enviada a ilustre-,
igreja romana: o confitto entre “fra- desconhecidos. b) Evidencia externa,
c o s ” e “fo r te s ”, quer dizer, entre ju~
Num manuscrito antigo se salta do ca¡>
deu-cristños epag&o-cristños (Rtn 14). 15 á doxologia fin a l (16,25); algún-
c) Paulo olha longe: quer preparar sumários latinos (capitula) saltam </<>
sua próxim a viagem á E spanha (1,8- cap. 14 para 16,25.
15; 15,28$). Para isso era necessàrio Combinando os dois grupos de argn
escrever urna carta táo extensa ? mentos, alguém propós a seguinte ex
d) Paulo olha para dentro, se reco- plicagao ou reconstrugáo. Paulo com
Ihe para dar form a a um pensam ento p o s seu tratado com o carta circula¡
que sente já maduro. Em prega a carta para as igrejas; ao exem plar destina
como form a acreditada p a ra fazé-lo. do a Efeso acrescentou o cap. 16. Poi
M as p o r que remeté-la a Rom a ? tanto, o texto que hoje possuím os seria
e) Paulo olha ao redor. Urna opiniño a versáo éfesina; o m anuscrito citada
m inoritària afirma que na sua origem seria a versáo romana.
era urna carta circular, e que a desti- D esde os tem pos antigos tem -se ob­
nagáo a R o m a fo i acrescentada depois, servado o parentesco desta carta, no
prevalecendo na tradigáo. Esta opiniáo tema senáo no tom, com a dirigida aos
está vinculada ao problem a da integri- Gálatas. Coincide o esquem a global:
dade da carta (ver abaixo). acesso á justiga/salvagáo p e la fé e náu
f) Talvez a m elhor proposta seja a p e la s obras, co n seqüéncia de vida
m ais obvia e simples, a sugerida pela cristá para perm a n ecer e com pletar
carta. Paulo fo i enviado e tem de mis- a salvagáo: Rm 1—11 e 12—15 = Gl 3-4
sionar, nao Ihe resta outra coisa senáo e 5-6. G12,15-21 é quase a pauta para
evangelizar. E verdade que sua norma a explanagáo de Rm 1—8. Acrescen
tem sido nao sair dos limites, nao cons­ ta m -se o u tra s d e p e n d e n c ia s p a rtí
truir onde outro tenha edificado (2Cor calares: a citagáo de H ab 2,4 em Gl
10,13-17). E apóstolo dos pagaos, e 3,11 e Rm 1, 17; o exem plo deA braáo
Rom a é centro e cabega do m undo pa- em Gl 3,6-14 e Rm 4; a descendencia
gáo. A capital do impèrio dedicará sua p ela linha de Sara e Isaac em Gl 4,27
carta capital. P or via d as dúvidas, 31 eR m 9,6-11; as citagóes de L v 18,5
anuncia que pretende “dar e partilhar ” em Gl 3,12 e Rm 10,5; de L v 19,18 em
( l,lls ) . A lém disso Roma, como antes G l 4,28 e Rm 13,9. A diferenga de tom
Antioquia e Efeso, se converteria na consiste em que Gálatas é um escrito
grande base para am pliar a difusao do polém ico, R om anos urna expósigáo
evangelho. doutrinal. O que em Rm p o d e soar
g) R ecordem os fin a lm e n te os que como polémica, pertence realmente ao
definem este escrito como o testam en­ género da diatribe, procedimento retó­
to do apòstolo, que se n te sua vida rico bastante usado.
ameagada. Ou como carta-ensaio que Essas discussóes, que aos náo-inicia-
expóe e esclarece seu pensam ento. dos podem parecer excessivas, sao pro­
vocadas pelo texto, pois de um escrito
Integridade da carta táo importante os eruditos desejam sa
ber muitas coisas. Porque o valor ex­
O problema surge da análise dos caps. cepcional da carta está acima de toda
15 e 16 jun to com algumas anomalías discussáo. Surpreende que, a menos de
na transmissño do texto, a) Análise in­ trinta anos depois da morte de Jesús
terna Se Paulo nao tinha estado em R o­ Cristo, a compreensáo do mistério te­
ma, como p ode saudar nominalmente nha amadurecido tanto. Na literatura
tantas pessoas como velhos amigos? religiosa universal, este é um dos es­
(16,7 s .ll -13). M ais lógico seria encon- critos mais profundos e origináis. Na
in llioD U gÁ O 457 CARTAAOS ROMANOS

historia do cristianismo tem sido fe r ­ suas cartas a Tessalónica, a Corinto,


mi tilo e inspiragáo. Na Reforma p ro­ a Galácia, talvez a Filipos. Quer encer­
li stillile, texto fundam ental. A liturgia rar a série com outra carta de grande
M- i'ttcarregou de manter sua presen­ envergadura.
tii Temo que nào possam os dizer o
ñu smo da catequese e da pregagáo: por Sinopse
miii elevagáo doutrinal, seu modo de
iiifiumentar e explicar ou aplicar oAT, D iversos esquemas foram propostos,
Iirlos conhecimentos que supóe assimi­ todos bascados em dados seletos do
liti los, a carta é difícil: o leitor nao tr á ­ texto. Urna sinopse nao é urna demons-
malo fica desconcertado, o pregador tragao científica, mas um instrumento
Iinfere textos mais acessíveis. Acresce que ojuda, como visáo panorámica, a
i/itc tradugóes literalistas e rotineiras percorrer o texto sem extraviar-se.
ilo latini aumentaram as dificuldades.
I’orém, m esm o beni traduzido, o texto 1.1-15 Saudagáo: desejo de visi­
continua sendo difícil: exige estudo e tar Roma.
mcditaqáo, pagos com juros. 1,16-18 Declaradlo programática:
revelagáo da justicia que li­
'lema central berta e da ira que condena.
Tema central da carta é a salvagáo I. a) A ira: 1,18-3,20
ile todos pela fé em Jesús Cristo. E o I,19-32 A humanidade culpada; 2,1-
primeiro tratado de soteriologia, o mais 11 o julgamento de Deus.
autorizado. A carta se apresenta como 2 ,17-3,8 Os judeus e a lei; 3,9-20 to­
urna construgao estável e tensa entre dos sao pecadores.
tlois polos: a fidelidade ao judaism o e
a vocagáo universal. Fidelidade ao ju ­ b) A salvagáo pela fé: 3,21-4,25
daismo é reconhecer toda a historia 3,21-31 Exclusivamente pela fé.
precedente como plano de Deus, e com 4.1-12 O exemplo de Abraáo.
isto a colegño de seus escritos canó­ 4,13-25 A prom essa de d esce n ­
nicos. Essa fidelidade Paulo a vive em dencia.
sua carne e em seu coragño; p o r isso
vibram moderadamente algumas p á g i­ c)C o n teú d o positivo da salva­
nas da carta. A fidelidade à vocagáo d o : 5,1-8,39
universal brota da adesáo incondicio­ 5.1-11 C onseqüéncias da nova
nal a Jesu s como M essias e Salvador, justiga.
q u e , cumprindo além da expectativa o 5.12-21 Adáo e Cristo.
anunciado e prometido, p ó e fim ao que 6.1-11 M ortos ao pecado, vivos
é passageiro e inaugura a nova era com Cristo.
definitiva. 6.12-23 Em ancipados do pecado,
servos de Deus.
Lugar e data 7,1-6 Comparagáo com o m atri­
monio.
Provavelm ente em Corinto, no fin a l 7,7-25 A condigáo humana peca­
da sua terceira viagem, p o r volta de dora.
57-58. P aulo tem pendente urna via­ 8.1-17 Vida pelo Espirito.
gem a Jerusalém para levar o dinhei- 8,28-38 O amor de Deus.
ro da coleta. Considera terminada sua
tarefa m issionària na A sia e Europa II. O enigm a de Israel: 9-11
oriental, e projeta urna nova expan- 9.1-33 A eleigáo de Israel.
sáo para o Ocidente. Urna escala em 10,1-21 A salvagáo universal.
Roma, coragáo do impèrio, e depois a II,1 -1 2 O resto de Israel.
Espanha, extremo da terra. Já escreveu II,2 5 -3 6 Conversáo de Israel.
CARTAAOS ROMANOS 458 INTRODUCA! '

III. Parte parenética: 12-15 14.1-12 Liberdade e caridade.


14,13-15,6 Nao escandalizar.
12.1-21 Norm as de vida crista. 15,7-13 Judeus e pagaos.
13.1-10 Obediencia as autoridades. 16.1-24 Sauda^óes pessoais.
13,11-14 A vinda de Cristo. 16,25-27 Doxologia final.
CARTA AOS ROMANOS

Saudagáo — Paulo, servo de sois também contados, chamados por


I lesus Messias, chamado a ser após-
hilo, icservado para anunciar a boa no-
Jesus Messias.
7A todos os que Deus amou e cha-
n i.i de Deus, 2promctida por seus pro- m ou a ser consagrados, que se encon-
Irlas ñas Escrituras sagradas: 3a respeito tram em Roma: Paz e graga a vos da
iln seu Filho, nascido físicam ente da parte de D eus nosso Pai e de Jesus
Imliagem de Davi, 4a partir da ressur- M essias e Senhor.
11 K;ao, estabelecido Filho de Deus com
poder pelo Espirito Santo. 5Por meio Desejos de visitar a com unidade de
ilcle recebemos a graga do apostolado, Roma — 8Antes de tudo, por meio de
para que todos os povos respondam Jesus Cristo, dou grabas a meu Deus
nuil a fé em seu nome; 6entre os quais por vós, porque vossa fé é anunciada

1,1-7 A saudagáo, cujos componentes Quem o envia é Jesús, o Messias espe­


luisicos — remetente, destinatários e vo- rado, descendente de Davi (Jr 23,5; Am
lus — cabem em urna ou duas frases, cres- 9,11; Mt 1,1-17), que nao subiu ao trono
eo aqui pela pressáo interna do conteúdo e de um reino judeu independente, como nao
Iida solenidade da entoagáo. Mais que sau- poucos esperavam (cf. At 1,6), mas que,
ila^áo, parece a abertura de uma assem- em virtude da sua ressurreigào e pela agáo
hlcia. O leitor leria com vigor esta espécie do Espirito Santo, foi nomeado ou estabe­
de exordio á assembléia religiosa. Póde­ lecido no trono de Filho de Deus com ple­
se comparar com exordios ou introduces nos poderes (cf. SI 110,1 com 2Sm 7,9;
como a do cántico de Moisés (Dt 32,1-3), como ilustrado narrativa, veja-se IRs 1).
.1 do profeta Isaías falando em nome de A novidade consiste nos plenos poderes,
Deus (Is 1,2), a do salmista (SI 49,2-5). posto que Filho já era antes, como afir­
Paulo se apresenta com nome e títulos. ma 8,3.
Deixou o velho nome, Saulo (At 13,9). A missáo de Paulo se estende a todos os
Servo ou escravo: nao do Senhor = Yhwh, povos (pagáos), entre os quais se conta
como era corrente no AT (p. ex. Js 24,29; Roma, capital de um impèrio. “Respon­
2Rs 18,12; Is 42,19), mas do Messias Je­ der com fé” é também “obediencia à fé”,
sús. Chamado: o que costumamos deno­ que ocupa o lugar da obediencia à lei do
minar a conversáo de Paulo, é também AT. A comunidade de Roma já respondeu,
com propriedade sua vocagáo: como a dos e seus membros podem receber o título
profetas (Is 6; Jr 1; Is 42,6 etc.), só que ao honorífico de “amados de Deus” (cf. Is
apostolado, ao oficio de legado ou embai- 41,8 e Dt 7,7s) e “chamados à santidade”,
xador. No AT os profetas sao os “envia­ ou santos em virtude do chamado; cum-
dos” por excelencia (Jr 25,4). O legado prindo o mandamento repetido no Levitico
exige nome e títulos de quem o envia e a (ll,44s; 19,2; 20,26 etc.).
finalidade da sua missáo, que é anunciar a A saudagáo está amparada por Deus Pai,
“boa noticia” = euangelion da parte de Jesus Cristo Senhor e o Espirito Santo.
Deus: nova no cumprimento, antiga na Contém uma profissào de fé concentrada.
promessa. É o oficio do arauto, inaugura­ 1,8-15 A costumeira aqào de graqas a
do pelo profeta do exilio (Is 40,9). Nóte­ Deus ao comecar uma carta serve a Paulo
se o jogo de palavras, a consonancia em para declarar sua relagáo pessoal, nào pro­
grego entre euangelion e epangelia = anun­ priamente oficial, com a igreja de Roma:
cio e promessa. os esforgos para visitá-la, embora nào a
CARTA AOS ROMANOS 462

niadores, inim igos de Deus, soberbos, paciencia e longanimidade, esquecemln


arrogantes, fanfarróes, criativos para o que sua bondade quer conduzir-te ao ai
mal, rebeldes a seus pais, 31sem juízo, rependimento? 5Com tua teimosia e ten
desleais, cruéis, sem piedade. 32E, em- coragáo impenitente, acumulas para ii
bora conhegam a sentencia de Deus, que cólera para o dia da cólera, quando se pri >
os que assim agem sao réus de morte, nunciará a justa sentenga de Deus, ’qu<
nao somente o praticam, mas aprovam pagará a cada um segundo suas obras
os que agem assim. 7Aos que buscam gloria, honra e imorla
lidade perseverando ñas boas obras, vida
0 julgam ento de Deus — 1Portan­ eterna. 8Aos que por egoísmo desobedi
2 te, nao tens desculpa, tu que julgas,
sejas quem fores; pois, ao julgar o outro,
cem á verdade e obedecem á injusticia
ira e cólera. 9Haverá angústia e tribuía
te condenas, porque, tu que julgas, co­ gao para todo aquele que age mal — pri
metes as mesmas coisas. 2Sabemos que é meiro para o judeu, depois para o grego
justa a sentenga de Deus contra os que 10Haverá gloria e honra para todo aquele
cometem tais coisas. 3E tu, que julgas os que age bem — primeiro para o judeu,
que agem assim e fazes as mesmas coi­ depois para o grego. "D eus nao é parcial
sas, pensas evitar a sentenga de Deus? 4Ou Í2Os que pecaram sem ter lei, sem lci
desprezas seu tesouro de bondade, sua pereceráo; os que pecaram sob a lei.

2.1-11 Até aqui falou dos pagaos na ter- o arrependimento e o perdào. A pregagao
ceira pessoa, inclusive aceitando alguns dos profètica anuncia julgamentos fináis de
seus ensinamentos. Agora se dirige a seus época ou de impèrio no curso da historia:
irmáos judeus na segunda pessoa, em for­ exemplo clàssico é a destruigáo de Jeru-
ma de controversia ou no estilo da diatribe, salém e o exilio. A frase grega joga com a
fingindo um rival cujas objegòes se citam e repetigáo de “cólera”; poder-se-ia substi­
se refutam. O estilo da diatribe, cultivado tuir por “acumulas condenagáo para o dia
como recurso retórico pelos gregos, tem tam- da sentenga”. Coragáo impenitente: Is
bém antecedentes na pregacelo profètica (p. 46,12; Ez 2,4; 3,7.
ex. Jr 2-3). Se os pagaos “nao tem descul­ 2,6 Segundo SI 62,12 e outros.
pa”, menos a tém os judeus (2,1). Ele o vai 2,7-8 Sobre a retribuigáo, a pontuagáo
expor em dois passos: w . 1-3 ao julgar estás correta das frases opóe “vida eterna” a “ira
julgando a ti; vv. 4-11 ao abusares da pa­ e cólera”, um substantivo adjetivado e urna
ciencia de Deus, agravas a sentenza final. geminagáo sem adjetivo. Avida perdurá-
2.1-3 O juiz julgado é tema bem conhe- vel é para os que buscaram a imortalidade
cido no AT: Nata e Davi (2Sm 12), a can- fazendo o bem; eles a procuram, nào a
gao da vinha (Is 5,1-7). No NT pode-se ver possuem; a imortalidade é destino, mais
Mt 7,2-5 e Jo 8,7, os juízes da adúltera. A que condigáo, segundo Sb 1,23 (compáre­
sentenga de Deus é justa: corresponde à ver­ se com a contraposigáo de Is 66,14-16). A
dade dos fatos (SI 7,12; 10,8). E insensatez segunda parte opóe “verdade” a “injustiga”.
pensar que o homem possa evitar o julga­ 2,9-11 Angústia e tribulagáo, como em
mento de Deus, explica Eclo 16,17-23. 8,35 e 2Cor 6,4; em oposigào à paz (cf. Sb
2.4 O tema da paciencia de Deus com 3,3). Deus nao é parcial (Dt 10,17; 2Cr
os judeus e também com os pagaos está 19,7; Ef 6,9). Com o binomio judeu/grego
sugerido em Gn 15,16, visáo de Abraáo, e retoma a colocagao central: os gregos re-
desenvolvido com maturidade em Sb 11, presentam os pagaos. Os judeus sao o tema
23-12,21. “Paciente” é um dos títulos clás- da explanagao seguinte, na qual se discu­
sicos de Yhwh (Ex 34,6), recolhido em ten! dois supostos privilégios: a lei e a cir-
fórmulas litúrgicas (SI 86,15 par.). cuncisáo.
2.5 Contra o abuso da paciencia de Deus 2,12-16 O critèrio decisivo é o pecado,
adverte Eclo 5,4-7. O dia da cólera, dies nao que o ato seja legal ou seja delito. Pelo
irae, é o dia do julgamento definitivo (Sf pecado “perecem” (Ez 18,4.13.18.20.24),
1,14-18), quando já nao sobra espago para pelo delito sao julgados. Antes da lei nao
463 CARTA AOS ROMANOS

m nmielo a lei seráo julgados. 13Pois cegos, luz dos que estáo ñas trevas,
I »«'iis nao absolve os que escutam a lei, 2ümestre de néscios, instrutor de igno­
i miii os que a cumprem. 14Quando pa- rantes, e que possuis na lei a síntese do
(iiios, que nao tém lei, cum prem espon- conhecimento da verdade, 21tu, que en-
Imii ámente o que a lei exige, nao tendo sinas outros, nào ensinas a ti? Tu, que
Ir i, oles sao sua lei, 15já que demonstram pregas que nao se roube, roubas? 22Tu,
levar a exigencia da lei gravada no co- que proíbes o adultèrio, o cometes? Tu,
nu;ao. A consciencia proporciona seu que detestas os ídolos, saqueias seus
Irslemunho e os raciocinios dialogam templos? 23Póes teu orgulho na lei, e
»(■usando ou defendendo, 16em vista do desonras Deus violando a lei? 24Pois
día em que, de acordo com o meu evan- está escrito: Por vossa culpa, os pagáos
ncllio e por meio de Jesús Cristo, Deus blasfemarli o nome de Deus.
julgará o que está oculto no homem. 25A circuncisáo é vantajosa, se cumpres
a lei; se a violas, tua circuncisáo te deixa
Os judeus e a lei — 17Tu, que te cha­ incircunciso. 26Ao contràrio, se os incir­
inas judeu, te apóias na lei, te glorias cuncisos guardam os preceitos da lei, náo
de Deus, 18conheces a vontade dele, seráo considerados como circuncisos,
instruido pela lei aprecias o que é me- ainda que náo o sejam? 27Alguém física­
llior, 19estás convencido de ser guia de mente incircunciso que cumpra a lei jul-

híi delito; a lei estabelece e define a figura fo pode ser ilustrado com citagóes do AT:
do delito e acrescenta a cláusula penal. “apoiar-se” (Mq 3,11); “gloriar-se” (Jr
( orno antes afirmou o conhecimento na­ 9,23); “conhecer a vontade” (Br 4,4); “dis­
tural de Deus, assim agora afirma o co- tinguir apreciando” (Is 7,15; Eclo 39,4);
uhecimento natural de valores éticos dita- “luz dos pagáos” (Is 49,6; Sb 18,4); “mes-
dos pela consciencia. A consciencia moral tre e instrutor” (Eclo 24,23-24, onde o le­
funciona como lei. Compare-se Pr 20,27 gal se torna sapiencial); o conhecimento
“o espirito humano é lampada do Senhor” mediante a lei (Br 4,1). Pode-se acrescen-
com Pr 6,23 “o mandamento é lámpada, a tar do NT: judeu como título (Ap 2,9; 3,9);
instrugáo (tora) é luz”. Depois a conscien­ guia de cegos (Mt 15,14).
cia psicológica, assistida pelo sentido éti­ 2,21-22 Menciona dois preceitos do
co, emite urna espécie de julgamento inte­ decálogo (cf. SI 50,18). Sobre as riquezas
rior como fiscal e defensor. cobigáveis dos ídolos, ver Dt 7,25; sobre
No final, no julgamento que terá como o saque dos templos, 2Mc 3; Carta de
norma “o meu evangelho” e como juiz Jeremías (Br 6,57).
Jesús Cristo, virá á luz o mundo da cons­ 2,24 Volta contra os doutores judeus o
ciencia (cf. SI 90,8) e será ratificado defi­ texto de Is 52,5; cf. Ez 36,20.
nitivamente (cf. Mt 25,31 referido a “to­ 2,25-29 A circuncisáo chegou a ser si-
das as nagoes”, entenda-se, pagas). nal distintivo. Honra para os judeus, como
Náo faltam no AT exemplos de pagáos selo corporal da alianga (Gn 17), zomba-
honrados: as parteiras do Egito (Ex 1), o ria dos pagáos (cf. lM c l,14s). Na boca
núbio Ebed-Melec (Jr 38,7-13), em chave dos judeus, “incircunciso” era insulto: Jz
polémica os marinheiros do livro de Joñas, 14,3; ISm 17,26; 31,4; 2Sm 1,20; Ez 32.
e o grande personagem estrangeiro Jó. No entanto, já a lei e os profetas tinham
Paulo pensa talvez em estoicos e outros pregado a circuncisáo do coragáo (Lv
pagáos; no final de At, o autor comenta a 26,4; Dt 10,16; 30,6; Jr 4,4; 9,25; Ez 44,
amabilidade, philanthropia, do centuriáo 7.9). Portanto, o valor da circuncisáo fí­
e dos malteses (At 27-28). sica fica relativizado (lC or 7,19; G1 5,
2,17-24 O estilo se toma mais polémi­ 3.6).
co, quase agressivo. Acumula cinco privi- 2,27 O pagáo julgará o judeu numa es­
légios mais cinco, reais ou pretensos, co­ pécie de acareagáo perante o juiz, num jul­
mo plataforma de onde langar suas cinco gamento por comparagáo de culpas: ver
perguntas retóricas acusadoras. O parágra- Ez 16,52; Mt 12,41s.
C A R TA AOS ROMANOS 464 2,:

gará a ti que, com teu código e tua cir­ nenhum modo! Pois, se nao, como pn
cuncisáo, violas a lei. 28Ser judeu nao derá Deus julgar o mundo? 7Porém, m
consiste em sinais visíveis; a circuncisáo minha falsidade exalta a fidelidade di
nao consiste num sinal na carne. 29Ser Deus para sua gloria, por que além dis
judeu é condicáo interna: a circuncisáo é so me condena como pecador? b a g a ­
do coragáo, do espirito, e nao de letra. mos o mal para que redunde em bem
Este é o que recebe o louvor de Deus, e — é o que alguns me atribuem calunio
nao dos homens. sámente; eles carregaráo sua justa con
denagáo.
'E n táo , que vantagem leva o judeu,
3 o u para que serve a circuncisáo?
2M uito grande em todos os aspectos.
T odos sao p e c a d o re s — 9Em sin tese
nósjudeus levamos vantagem? De mo
Prim eiro, porque lhe confiaram os orá­ do algum! Já demonstramos que todos,
culos de Deus. 3Entáo, o que acontece judeus e gregos, estáo submetidos ao
se alguns foram infiéis? A infidelidade Pecado. ‘“Como está escrito:
deles é anulada pela fidelidade de Deus? “N ao há um honrado, n nenhum. sen
4De nenhum modo! Deus se mostrará sato,
fiel, ainda que todos os homens sejam nao há quem procure o bem.
falsos. Como está e s c r i t o r a sentenga 12Todos se extraviaram e se perver
terás razao, do julgam ento sairás ino­ teram,
cente. 5Mas, se nossa culpa comprova nao há quem faga o bem, nem se-
a inocencia de Deus, o que diremos? quer um.
(Falo segundo a lógica humana:) Que 13Sua garganta é um túmulo aberto:
Deus é injusto ao aplicar a pena?* 6De mentem com suas línguas,

2.28 O sinal externo vale quando corres­ Dt 7,9); é o homem que nao merece con­
ponde a algo interno; do contràrio, é más­ fianza: citando SI 116,11).
cara ou disfarce. Segundo ponto: a justina/inocencia de
2.29 Louvor = epainos, pode ocultar Deus. No pleito bilateral, se urna parte re-
urna paronomàsia hebraica: yehudi -hwdh conhece a pròpria culpa, reconhece a ino­
= judeu-louvar (Gn 29,35; 49,8). O lou­ cencia da outra: ver SI 51,6 e a posigáo de
vor que Deus pronuncia é a máxima apro- Jó, especialmente 40,7-14. — Mas nao é
vaqáo. Salvo no sarcasmo dirigido a Jó (Jó o meu pecado que glorifica a Deus, e sim
40,14), nao se diz expressamente que Deus minha confissao = toda (Js 7,19). — Mas
elogie um homem. a confissao supóe o fato e, assim, media­
tamente, o meu pecado justifica a Deus;
3,1-8 Continua a diatribe. Paulo anteci­ entao — lógica humana — que Deus nao
pa e encadeia objecjóes dos adversários e condene. — Alto lá! Deus é juiz supremo
vai respondendo ad hominem, ad absur- e ninguém pode discutir suas decisóes (Gn
dum, apelando a principios. Objetam que 18,24s; Sb 12,13-15).
da doutrina de Paulo se seguiría que, na Terceiro ponto: urna coisa é Deus tirar
sua relagáo ou julgamento bilateral com o o bem, mesmo do mal (Gn 50,20; Ex 9,16),
homem, Deus é injusto, ou que pecando outra coisa é fazer o mal para que resulte
se promove a honra de Deus. o bem (cf. 5,20).
E central o tema da fidelidade, articula­ 3,5 *Ou: ao descarregar a ira.
do sobre formas da raiz grega pist- = con­ 3,9-20 Recapitula e tira a conclusáo.
fiar, ser fiel/infiel. Deus confiou aos ju- Judeus e gregos (pagaos), cada um a seu
deus seus oráculos, sua revelagáo (cf. Hb modo, com lei ou sem lei, todos estáo
5,12; lPd 4,11). Quem confia algo a ou- “sob” o impèrio do Pecado. Prova-o com
trem confia nele, se fia nele (Moisés, Nm urna citagáo combinada de salmos e pro­
12,7). Se este é infiel e trai a confianza, fecía: SI 14,1-3 visáo pessimista da huma-
nem por isso é infiel quem lhe mostrou nidade; SI 5,10 se refere aos perseguido­
confianza. Pois bem, Deus é fiel (Ex 34,6; res do justo; SI 140,3 contra o malvado
465 CARTA AOS ROMANOS

.ni', luí ¡ios escondem veneno de ás- resultará honrado diante de D eus por
fiilcs. ter cum prido a lei, pois a lei dá somen-
1\iiti hoca está cheia de malicia. te consciencia do pecado.
1 S'rus pés correm p a ra derram ar
ii l l l y j i c , Absolvigáo pela fé — 21Contudo, ago­
"'.m'í/.v caminhos estáo semeados de ra, prescindindo da lei, apesar de teste-
mi mi c destruiqao. munhada pela lei e pelos profetas, re-
1 Nao conhecem o caminho da pa z vela-se essa justiga de Deus que salva*
" nem tém o temor de Deus. 22pela fé em Jesús como Messias; v á­
r'<)ra, as cláusulas da leí se destinara lida sem distingáo para todos os que
mus súditos da lei; e assim a todos tapa- créem. 23Todos pecaram e estáo pri­
.! .i hoca, e o mundo todo fica sob o vados da presenta de Deus. 24Mas sáo
juram ento de Deus. 20Por isso ninguém absolvidos sem m erecé-lo, generosa-

' miento; SI 10,7 salmo alfabético com ele- sobre a qual se derramava o sangue da
llh*iitos judiciais; Is 59,7s; SI 36,2 é um expiagáo (Ex 25; Lv 16). Paulo concen­
"oráculo do Delito”; SI 143,2 o v. prece­ tra esses símbolos na atitude radical da
dente ao citado soa assim: “Nao entres em fé ou adesáo: raiz pist- (vv. 22.22.25.
pleito com teu servo”. 27.28.30.30.31). Podemos resumir: Pelo
3,19-20 Os textos estáo adaptados e se pecado, o homem é devedor e caiu na
rnglobam sob a epígrafe “lei”, que equi­ escravidáo; Cristo, “expiando com seu
vale aqui a Escritura. Para os judeus, é sangue o pecado, resgata” o escravo que
palavra autorizada que “tapa a boca” a nele eré.
ipialquer objegáo (lM e 9,55; SI 107,42; A fé exclui a lei como condigáo para se
Jó 4,17). E nao só os judeus, mas todos os salvar, mas está atestada nos escritos “da
liomens (cf. SI 65,4) caem sob a jurisdi- lei e dos profetas”, fórmula que equivale á
1,110 de Deus, que é juiz supremo e univer­ Escritura inteira. Pode-se pensar, sem citá-
sal (SI 7,9; 82,8). los agora, em textos clássicos como Is 7,9;
O final lapidar reaparece em 5,20 e 7,7; 28,16. A fé exclui o “orgulho”, ou seja, a
contrasta com Eclo 17,11 e 45,5. autocomplacéncia, o alegar méritos e di-
3,21-31 Texto capital e denso, que des- reitos para obter de Deus a justiga. Na
creve a justiga de Deus revelada na agáo agáo de Jesús Cristo “se revela” a justiga
lie Jesús Cristo. Todos sáo pecadores, di- de Deus: a que atuava antes, adiando com
l y a a conclusáo precedente. Pela fé em paciencia a execugáo da pena, até que
Jesús Cristo como Messias, todos podem chegasse o Messias; agora dando grátis a
receber de Deus sua justiga, afirma ago­ justiga a quem crer no Messias.
ra. Um conjunto de conceitos e símbolos 3.21 Sem a lei: porque o Messias é o fim
soteriológicos sobre a salvagáo oferece da lei (10,4; cf. 2Cor 3,14). Onde lemos esse
a sua riqueza e dificulta a compreensáo; testemunho? Em muitos lugares, p. ex. Lv
é conveniente aduzir as fórmulas ori­ 26,44s; Dt 30,1-6; Jr 31,31-34; Ez 20,40-
gináis. 44. *Ou: o indulto outorgado de Deus.
Dikaioumenoi pode significar: absolvi­ 3.22 A circuncisáo e a lei distinguem; a
dos — se sáo inocentes — , ou indultados fé náo distingue, quer dizer, náo exclui
— pois sáo culpados — e tornados jus­ ninguém.
tos; neste contexto, ser justo é náo ser de- 3.23 A “presenga” é em grego a gloria,
linqüente nem réu, náo ser devedor nem que reside no templo em meio ao povo e
ofensor. Apolytrosis significa o resgate: se afasta por sua infidelidade (Ez 10 e 43).
de uma propriedade alienada, que deve Embora esteja de pé quando Paulo es-
voltar ao dono, ou de um escravo que creve esta carta, o templo náo garante me­
deve recobrar sua liberdade; é ato de so- cánicamente a presenga do Senhor (cf. Jr
lidariedade da familia, do clá e, em sua 7 e 26).
falta, do soberano. Hylasterion era a pla­ 3.24 “Sem merecé-lo”, de graga (cf. Ex
ca de ouro (kiporet) que recobria a arca, 21,2.11; Is 52,3).
CARTA AOS ROMANOS 466

mente, pelo resgate que Jesus Cristo en- 0 exemplo de Abraáo — ‘Portan
tregou. 25Deus o destinou a ser com seu
sangue* instrumento de expiagáo para
4 to, o que dizer de Abraáo, nosso an
tepassado segundo a carne? 2Se Abran* >
os que crèem. Deus mostrava assim sua foi ju sto pelas obras, podia orgulh.u
justicia, quando pacientem ente nao le­ se; mas nao diante de Deus. 30 que di/
vava em conta os pecados de outrora, a Escritura? A b ra á o creu em Deus, .
26e dem onstra sua justica no presente, isso Ihefoi anotado com o crédito. 4Au
sendo justo e tornando justos* os que que executa urna tarefa lhe dáo o sn
crèem em Jesús. lário como pagam ento, nao como coi
27Onde, pois, fica o orgulho? Fica ex­ tesia. 5Ao que nao a executa, mas que
cluido. Por qual lei? Das obras? Nada se fia naquele que torna justo o mal
disso; pela lei da fé. 28Pois sustentamos vado*, a fé lhe é anotada como créili
que o homem recebe a justiga* pela fé, to. 6Nesse sentido, Davi pronuncia ;i
independentem ente das obras da lei. bem -aventuranga daquele que recebe
29Deus o é somente dos judeus? Nao o de Deus a justiga sem mérito de obras
é também dos pagaos? Certo, também 1Feliz aquele a quem fo i perdoado n
dos pagaos; 30já que Deus é único e delito e cujos p ecados foram sepul
concede a justiga* aos circuncisos pela tados; *fe liz aquele a quem o Senhoi
fé e aos incircuncisos pela fé. ^S ig n i­ nao leva em conta o pecado. 9 Portant<>
fica isso que com a fé invalidamos a essa bem -aventuranga vale somenti
lei? De nenhum modo! Pelo contràrio, para o circunciso, ou também para o in
a confirm am os. circunciso? Afirmamos que para Abraáo

3.25 O substantivo hylasmos se le tam­ to em seus dois pontos: a lei e a circuii-


bém em lJo 2,2 e 4,10. “ D estinou” : cisáo.
atribuindo valor temporal ao morfema a) vv. 1-8 As obras da lei. Segundo tex
pro-. Se lhe atribuirm os valor espacial, tos tardíos e a tradigáo rabínica, Abraáo
significa “por diante”, tornar público; o cumpriu toda a lei de antemáo, séculos
contràrio da expiagáo, que se executava antes de ser promulgada: “porque guai
no segredo do camarim ou “sancta sanc- dou a lei do Altissimo” (Eclo 44,20); o
torum” (Lv 16). *Ou: sua morte. autor de 1Me 2,52 faz o mérito de Abraáo
3.26 *Ou: e absolvendo. depender do sacrificio de seu filho. Veja­
3.27 Em virtude da fé ou “pela lei da se o que diz Gn 18,19 condicionando o
fé”: expressáo àrdua e audaz, que une fé cumprimento da promessa à pràtica “da
com lei. Como se dissesse: lei sim, con­ justiga e do direito”. Paulo é categórico:
tanto que seja a lei da fé; compare-se com apóia-se em Gn 15,6, que se expressa em
8,2 e com “a lei dos homens livres” de Tg termos comerciáis, “langar algo no ha-
1,25 e 2,12. ver”; e continua no mesmo campo comer­
3.28 Em forte contraste com a religio- cial falando de “salàrio” devido na justi-
sidade de Dt 6,25: “ficaremos justifica­ ga (Dt 24,15; Mt 20,7; Le 10,7; Tg 5,4);
dos perante Deus se pusermos em pràtica mas veja-se Gn 15,1 em seu contexto pró­
todos os preceitos que nos mandou”. *Ou: ximo.
sai absolvido. 4,5 *Ou: indulta o culpado.
3,29-30 Tenha-se em conta o título cor­ 4,6-8 O que Gn ensina os salmos o con-
rente “Deus nosso”, que parece fazer de firmam. SI 32,1-2 se refere ao perdáo náo
Yhwh um Deus nacional (Mq 4,5); mas Dt merecido do culpado. “Náo levar em con­
6,4 afirma que é único (Me 12,29), por- ta” (= náo imputar) é termo forense que
tanto, de todos. corresponde ao termo comercial “langar”.
3.30 *Ou: absolve. Ser perdoado por Deus sem merecé-lo é
3.31 Como no evangelho: Mt 5,17. para qualquer um bem-aventuranga (náo
inferior à do SI 1). Por sua composigáo, a
4,1-25 Com o exemplo de Abraáo e se­ palavra “perdáo” é um intensivo ou su­
gundo o texto bíblico, com prova o di­ perlativo de “dom”.
467 CARTA AOS ROMANOS

i /.' Ihr foi anotada com o crédito. tos da lei, mas também para os que cre-
I mi que situagáo? A ntes ou depois em como A braáo, que é pai de todos
•i. * ih uncidado? Nao circuncidado, nós. 17Com o está escrito: Farei de ti
mi r, incircunciso. n E com o sinal da pai de m uitas naqòes; a juízo de Deus,
|n .1 n,.i (|ue, sem estar circuncidado, de quem se fiou, que dá vida aos mor-
n i Hiera por crer, recebeu a circunci- tos e chama à existencia o que nao exis­
i,i,i 1 )csse modo, ficou constituido pai te. 18Esperou fiando-se contra toda es­
,li a m b o s : dos incircuncisos que cre- peranza, e assim se converteu em pai
i.un c Ihes foi anotado como crédito, de m uitos povos, segundo o que foi
1 V ilos circuncisos que, nao contentes dito: assim será tua descendencia.
■ni si-lo, seguem as pegadas de nosso 19Sua fé nao vacilou, apesar de consi­
|iiii Abraáo, que acreditou sem estar derar seu corpo envelhecido — tinha
, m uncidado. cem anos — e o seio envelhecido de
Sara. 20Náo duvidou com desconfianza
A p rom essa de d e sc e n d e n c ia — da promessa de Deus, mas, fortalecido
"Nao foi pela lei que prom eteram a pela fé, glorificou a Deus, ^ co n v en ci­
Aliraáo ou á sua linhagem herdar o do de que podia cum prir o prometido.
mundo, m as pelo m érito da fé. 14Pois, 22Por isso lhe anotou como crédito. 23E
■.(■os herdeiros o sao em virtude da lei, esse lhe fo i anotado como crédito nao
n lé é vá e a prom essa é nula. 15Porque foi escrito somente para ele, 24mas tam ­
ii lei provoca a condenaqáo: onde nao bém para nós, a quem nos creditaráo o
lia lei, nao há transgressáo. 16Por isso, crer naquele que ressuscitou da morte
luí de basear-se na fé como dom. E as- Jesus, Senhor nosso, 25que se entregou
sim a prom essa será válida para toda a p o r nossos pecados e ressuscitou para
linhagem, nao som ente para os súdi- nos tornar justos.

4,9-12 b) A circuncisáo. De novo o Gé­ validam os direitos. Delito supóe lei:


nesis fomece a prova, já que 17,11 verri de­ transgressáo supôe fronteira ou limite.
pois de 15,6. À circuncisáo é urna marca 4,17-22 Da fé, pela confiança, chegamos
corporal que sela o já realizado. Paulo muda à esperança (cf. Hb 11). Abraáo creu em
"sinal do meu pacto” em “sinal da justi­ très coisas crendo numa pessoa: que Deus,
cia...”. Depois introduz outro tema do perdoando, pode tomar justo um culpado
Génesis, a promessa de descendencia, alar­ (ver, em termos de pureza e impureza, Jó
gando-a a urna dimensáo nova. A promes­ 14,4); que pode tornar fecundos dois
sa de Gn 17,5 muda o nome do patriarca anciáos já estéreis; que dá vida aos mortos
para que seja e se chame “pai de urna mul- (Dt 32,39) como deu existencia do nada (Gn
tidáo”. Paulo interpreta: “pai de circunci­ 1). Os termos “criar” e “perdoar” se cru-
sos e incircuncisos”, em virtude da sua fé. zam no SI 51,12 e em 2Cor 5,17-21. Isto
“Nèsso pai” é título que os judeus dáo a equivale a associar a morte com o náo-ser
Abraáo. e a ressurreiçào com a criaçâo. Paulo, desta
4,13-16 O tema da paternidade se pro­ vez, passa por alto o riso incrédulo de
longa no da heranqa, com sentido poli­ Abraáo e Sara (Gn 17,17; 18,12).
valente: o herdeiro de Abraáo (Gn 15; 4,23-24 A figura de Abraáo é exemplar,
21,10) e Abraáo o herdeiro. Herdeiro da válida para quantos o imitam crendo em
terra e, segundo a tradigáo rabínica, de Deus e em Jesús Cristo. O tema da res-
todas as familias do mundo. A Abraáo su­ surreiçâo de Jesús Cristo, anunciado em
cederá seus herdeiros ou descendentes na 1,4, se afirma com força ao concluir esta
heranga ou posse da terra prometida (Gn seçâo.
22,17). Ora, se fossem herdeiros legáis, 4,25 O final é lapidar. Pela lei do para­
teriam direito á heranqa, sem depender de lelismo, o sentido é cumulativo: para li-
promessas. Mas, passar ao terreno da le- vrar-nos do pecado e alcançar-nos a justi-
galidade é perigoso, fatal, porque legal­ ça, Jesús Cristo morreu e ressuscitou (Is
mente se provaráo transgressóes que in- 53,5-6).
CARTAAOS ROMANOS 468 5,1

Conseqüéncias da nova justica — vez alguém morresse; por urna pesso.i


5 'P ortanto, agora que recebem os a
justiga pela fé, estam os em paz com
boa talvez alguém se arriscasse a moi
rer. 8Pois bem, Deus nos demonstron
Deus, por meio de Jesús Cristo Senhor seu amor no fato de que, sendo aind.i
nosso. 2Também por ele (pela fé)* ob- pecadores, Cristo morreu por nós. 9Com
tivemos acesso a essa condigáo de gra- maior razáo, agora que seu sangue no .
5 a na qual nos encontramos, e podemos tornou justos, por ele nos livraremos d.i
o rgulhar-nos esperando a g lo ria de condenagáo. lñPois, se sendo inimigos,
Deus. 3Nào só isso, mas além disso nos a morte de seu Filho nos reconcilion
gloriam os de nossas tribulagoes; pois com Deus, com maior razáo, já recon
sabemos que sofrendo adquirim os re­ ciliados, sua vida nos salvará. n Náo
sistencia, 4resistindo nos aprovam, apro- somente isso: Por meio de Jesús Cris
vados esperamos. 5E a esperanza nao to, que nos trouxe a reconciliagáo, co
engana, porque o amor de Deus se in­ locamos nosso orgulho em Deus.
funde em nosso coragao pelo dom do
Espirito Santo. 6Quando ainda éramos Adáo e Cristo (Gn 3) — 12Pois bem,
inválidos, a seu tempo Cristo morreu por um homem penetrou o pecado no
pelos malvados. 7Por um inocente tal- mundo e pelo pecado a morte, e assim

5,1-11 Comega outra segáo. A lingua- em Tg l,14s; 2Pd 1,5-8. A esperanga bro­
gem jurídica se retira a segundo plano, ta e se sustenta do amor que Deus nos tem
cedendo lugar a urna mais ética; ao predo­ e que o Espirito Santo faz que experimen­
minio da justiga de Deus sucede o pre­ temos em nossa consciencia. Ao reconhe-
dominio do amor. Já nao se distinguem ju- cermos internamente, pelo toque do Espi­
deus e gregos, e da justiga recebida se fala rito, que Deus nos ama, nossa esperanga
no passado. se sente segura: aquele que nos ama nao
Reconciliados com Deus pela fé, entra­ pode defraudar-nos (cf. SI 22,6; Eclo 2,10).
mos numa situagáo de paz e esperanza: paz 5,6-10 Exalta o amor desinteressado de
que supera a tribulagáo, esperanza que Jesús Cristo com um sistema de quatro
transforma o presente. Desfrutamos da oposicoes que produzem efeito cumulati­
“graga” ou favor de Deus e de seu “amor” vo. Malvados perdoados, culpados indul­
revelado no sacrificio de seu Filho. Agora tados, inimigos reconciliados, reconcilia­
pomos “nosso orgulho” nao em méritos de dos legítimamente orgulhosos (Is 45,25;
obras, mas na esperanza (v. 2 ), ñas tribu- SI 64,11). A morte de Cristo é antes de tudo
lagóes que a robustecem (v. 3), em Deus revelagáo do amor incondicional de Deus:
mesmo (v. 11). Tudo por meio de Jesús um amor nao suscitado por nossa boa con-
Cristo (5,2.9.11.17.21). O tema deste frag­ duta, antes pelo contràrio. Nao podemos
mento se desenvolve no cap. 8 . estar orgulhosos de nós: todo o nosso or­
5.1 Quem já nao é devedor nem ofensor gulho reside em Deus. Já nao orgulhosos
está reconciliado e em paz: Is 52,7; Ez de seu poder (SI 115,3), e sim do seu amor.
2,14-17; C1 1,20. No fundo escutamos o texto de Is 53 (cf.
5.2 O acesso é agora sob urna condigáo. lJo 4,10).
No AT mencionavam-se as eondigóes éti­ 5,9-10 O sangue = morte nos traz vida e
cas de acesso ao templo (SI 15 e 24), da salvagáo.
porta reservada aos vencedores (SI 118, 5,12-21 Paulo expóe a libertagáo do pe­
19s; ver Ef 2,18; 3,12). Esperamos a glo­ cado e da morte, na grande comparagáo
ria ou “o destino glorioso” (SI 73,24). entre Adáo e Cristo. E um texto àrduo e di­
*Alguns manuscritos o omitem. fícil, como se Paulo estivesse lutando para
5.3 Tribulagóes: 8,35; 2Cor 12,9-10; Tg compreender e formular um mistério. Por
1,2-4; lPd 1,6. isso, estes w . tem suscitado e continuam
5,3-5 O recurso retórico do encadeamen- suscitando tantos esforgos de interpretagáo.
to ■— sorites no sentido ampio — nós o Entre todas as interpretagóes, há urna
conhecemos por Os 2,23, e o encontramos para nós autorizada, formulada no Deere-
469 CARTA AOS ROMANOS

" m urlc se e ste n d e u a to d a a h u m a n id a - M o isé s, in clu siv e so b re o s q u e n áo ha-


il i , |ri q u e to d o s p e c a ra m . 13A n te s de v ia m p e c a d o im itan d o a d e so b e d ie n c ia
t tu llir a lei, o p e cad o já e sta v a n o m u n - d e A d á o — q u e é fig u ra d a q u e le que
ilu, m as, c o m o n a o h o u v e sse lei, o pe- h a v ia de vir. — 15M as o d o m n áo é co m o
i iitlo nao e ra le v ad o em c o n ta * . 14C o n - o d elito . P o is, se p e lo d e lito de u m m or-
Imlti, a m o rte re in o u d e s d e A d á o até re ra m to d o s , m u ito m a is a b u n d a n te -

nim (le peccato originali, do Concilio Tri- personificada, hamartia, com transgressáo
ilrntíno (1546, DS 1510-1516), que res­ singular, parabasis, paraptoma.
ponde a “como a Igreja católica o tem en- d) Deve-se entender Pecado e Morte em
h'iulido sempre e em toda parte”. Em sentido forte. Pecado que escraviza (6,12)
H'siimo afirma: que o pecado de Adáo nao e faz romper com Deus. Morte total, náo
n iiletou a ele apenas, mas a toda a sua só física, mas a primeira e segunda (ICor
ili scendéncia; e nao só ñas conseqüéncias 15,56; Ap 2,11). E deve-se entender tam­
ilc penas e morte, mas também no próprio bém à luz de seus contrários, Justina e
pecado; que se transmite por propagagáo Vida, no seu sentido forte de relagáo posi­
c nao por imita§áo; que o único remédio tiva com Deus e vida duradoura.
i' Jesús Cristo. e) E central a relagáo numérica um/to-
Aínda que a fórmula “pecado original” dos junto à desproporgáo qualitativa ou de
nfio se leia na carta de Paulo, é um intento intensidade.
válido de reformular conceptualmente um f) A lei (de Moisés) chega mais tarde.
eonteúdo central da perícope. Pelo que Transforma uma falta de ética em delito
cncaminha e orienta a leitura. Nao pode­ jurídico e pode conter cláusula penal. De
mos entrar aqui numa discussao teológi­ fato, provoca a multiplicagáo das trans-
ca, particularmente árdua. Para interpre­ gressóes: “a água roubada é mais doce”
tar o texto paulino convém levar também (Pr 9,17).
em conta algumas observagóes. 5.12 0 original cometa com um “como”
a) É central a c o rre la to Adáo/Cristo: que termina em anacoluto, sem o membro
nao se pode entender o texto prescindindo correspondente. Como se Paulo se detives-
de um dos correlatos; nao se pode expli­ se para limpar o terreno antes de chegar à
car o enigma do pecado fundacional e uni­ sua afirmagáo central. Contudo, já no pri-
versal sem incluir na explicagáo Cristo meiro v. deixa estabelecido um fato, “por
como libertador. Nao é explicagáo teóri­ um homem entrou”, sem tentar explicá-
ca, mas de fatos, de pessoas. Nao é expli­ lo; também afirma sem mais a vinculagáo
cad o mítica nem gnóstica; partindo do entre pecado e morte (cf. lJo 4,10). Todos
coragáo da historia, Paulo quer abarcar até pecaram, também pessoalmente: 2 , 1 2 ;
sua origem. 3,9.23; ICor 6,18; Ef 4,26. Ainda que se
b) O Adáo da historia corresponde á fi­ difunda como um contàgio, náo é uma fa-
gura literária de Gn 2-3. Paulo nao muda talidade, e sim uma responsabilidade (cf.
o género literário do relato, que é etiolo­ Tg 1,13-15).
gía. Quer dizer, tenta dar razáo de um fato 5.13 Segundo Gn 3, Adáo recebeu e v¡-
universal remontando-se á sua origem olou um preceito positivo, “náo comas”;
pontual. isso porém náo é a lei a que Paulo se refe­
c) No texto, Pecado e Morte sáo perso­ re. A imputagáo de um reato supoe uma
nificares literárias. Délas se predicam ver­ lei promulgada. *Ou: náo era reato.
bos: “entrou, difundiu-se, estava em, reinou”. 5.14 Moisés define temporalmente a pro­
Pode-se comparar com outras imagens, ni ulgaijáo da lei.
como a serpente de Gn 3 — nao citada por 5.15 Traduzo por “delito” o gregoparap­
Paulo — ; veja-se a versáo desmitizada de toma,, cuja etimologia é “queda mais além”
Eclo 21,2, onde a “cobra” é simples com- e se assemelha a trans-gressáo. Seu posto
paraqáo; o animal acuado que espreita Caim náo é manter-se de pé, e sim receber um
de Gn 4,7; o autor dos oráculos do SI 36,2; favor, que, por proceder de Deus e outor-
a Morte como Pastora no SI 49,15 etc. Náo gar-se por meio de Cristo, supera ¡mensa­
se deve confundir Pecado, como potencia mente a “queda” humana.
CARTA AOS ROMANOS 470

mente seráo oferecidos a todos o favor trometeu para que proliferasse o deli
e o dom de Deus, pelo favor de um só to; mas onde proliferou o delito, a gni
homem, Jesús Cristo. lflO dom nao é ga transbordou. 2iAssim como o p a a
equivalente ao pecado de alguém . Pois do reinou pela morte, também a grava,
o julgam ento de um só pecado termi- por meio de Jesús Cristo Senhor no-,
nou em condenagáo, o perdáo de mui- so, reinará pela justiga para urna vnl
tos pecados term ina em absolvigáo. eterna.
17Pois, se pelo delito de um só reinou a
morte através somente dele, com maior M ortos para o pecado, vivos com
razáo, por meio de um só, Jesús Cristo,
reinaráo vivos os que recebem o favor
abundante de urna justiga gratuita. 18As-
sim, pois, com o pelo delito de um a
condenagáo se estende a toda a huma-
nidade, assim por urna agáo reta se es­
6 Cristo — ’Portanto, o que dizei
Que continuemos no pecado para que
seja abundante a graga? 2Nem pensar!
Nós que morremos para o pecado, como
iremos continuar vivendo nele? 3 N0o
sabéis que todos nós que fomos batiza
tende a todos os homens a sentenga que dos, consagrando-nos ao Messias Jesús,
concede a vida. 19Como pela desobe­ submergimos em sua morte? 4Pelo ba­
diencia de um todos se tornaram pe­ tismo nos sepultamos com ele na morte
cadores, assim pela obediencia de um para viverm os urna vida nova, assim
todos se tornaráo justos. 20A lei se in- como Cristo ressuscitou da morte pela

5.16 É o julgamento de Gn 3,14-19. A merge para emergir (para a imagem, ver


oposigáo é aqui julgamento/perdáo. SI 69,2-3.16.24).
5.17 Os sujeitos do verbo “reinar” se Retornam as categorías de Pecado co­
opóem assimetricamente: de um lado “a mo potencia e de Lei. Com elas, a série
Morte”, do outro lado “os vivos” que re- de oposigóes e correlagóes: escravidáo/
ceberam “urna justiga gratuita”. emancipagáo, lei/graga, pecado/obedien­
5.18 Neste v. chega a formulagáo defi­ cia, injustiga/justiga, iniqüidade/consa-
nitiva. O grego sublinha urna oposigáo gragáo. Nessa série de binomios paralelos
com a rima, paraptomatosldikaiomatos, destaca-se o membro final “consagra-
equivalente a transgressáo/cumprimento; gáo”. No centro de tudo está Cristo, e aci-
ao contrario, evita a consonancia da ou- ma o Pai (aínda nao introduz o Espirito
tra oposigáo, que equivale a condena- Santo).
gáo/sentenga de vida. 6.1 Ao pecado se opóe aqui a graga do
5.19 Repete a mesma idéia ñas catego­ perdáo. A objegáo parece lógica: quanto
rías de desobediencia/obediencia (cf. F12,8 mais pecado houver, maior será o perdáo;
na dimensáo cristológica). se perdoar é gloria de Deus, oferegamos-
5.20 Os rabinos diziam que a lei ofere- lhe muita matéria a perdoar.
ce ensinamento, vida e luz. Paulo propóe 6.2 A expressáo imagina o pecado como
a seqüéncia: lei — pecado — morte. um espago onde se vive, um domicilio
5.21 A última palavra da perícope é onde se mora. A “viver em” se opóe “mor­
“vida eterna”. rer para” como componente da nossa ex­
periencia pascal.
6,1-23 A ligagáo com o que precede é 6.3 Ver G1 3,27. O grego emprega a pre-
dialética, por meio de urna objegáo lógica posigáo eis, de diregáo. A dedicagáo se faz
e ficticia, já apresentada em 3,5-8, que á pessoa do Messias, a imersáo se realiza
agora serve de pretexto para expor a dou- num ponto, que é a sua morte. A água re­
trina da nova vida do cristáo. A exposigáo presenta aqui o reino inferior da morte; ver
se apóia numa agáo simbólica que, ao Jn 2,6-7, as “torrentes moríais” do SI 18,5,
representá-lo, realiza o mistério, a saber, a as águas do SI 124,4 etc.
incorporagáo do cristáo pelo batismo a 6.4 A “gloria do Pai” é esplendor que
Cristo em seu mistério pascal, em morrer comunica a luz da vida (cf. Is 26,19). Náo
para reviver. No batismo, o cristáo sub- fala de um perdáo reiterado de pecados
471 CARTA AOS ROMANOS

i.jin gloriosa do Pai. 5 Pois, se fomos suscitados da morte, e vossos membros a


. un il.idos por urna morte como a sua, servido de Deus como instrumentos de
ii ni' mno acontecerá por sua ressurrei- justica. wO pecado nao terá dominio so­
. ti i "Salíanos que nossa velha condi­ bre vós, pois nao vivéis sob a lei, mas
gno luí mana foi crucificada com ele, para sob a graga. 15E daí? Visto que nao
,|in '.i- anule a condigáo pecadora e nao estamos sob a lei, mas sob a graga, va­
i miiiiuicmos sendo escravos do peca- mos pecar? De modo algum! 16Náo sabéis
■I'• l’ois, o que morreu já nao é deve- que se vos entregáis para obedecer como
Im ilo pecado. 8Se m orrem oscom Cris- escravos, sois escravos daquele a quem
ii 1.1 u nios que também viveremos com obedeceis? Se é ao pecado, destinados a
, li "Sabemos que Cristo, ressuscitado morrer; se é á obediencia, para ser ino­
■.l,i morte, nao toma a morrer, a morte centes. 17Éreis escravos do pecado; mas,
nuil lera poder sobre ele. l0 Morrendo, grabas a Deus, vos submetestes de cora-
.......cu para o pecado definitivamente; gáo ao modelo de ensinamento que vos
i Ivcndo, vive para Deus. u Da mesma propuseram; 18e emancipados do pecado,
lumia vos, considerai-vos mortos para sois servos da justica. (Eu vos falo em
ii | íocado e vivos para Deus em Cristo termos humanos por causa de vossa fra-
ll'S lIS . queza.) Visto que oferecestes vossos
membros, como escravos da impureza e
I(m ancipados do pecado, servos de da libertinagem, para a iniqüidade, da
I leus — 12Que o pecado nao reine em m esm a form a oferecei agora vossos
vusso corpo mortal, fazendo com que vos membros como escravos da justiga, para
Mibmetais a seus desejos. 13Nao tenhais que sejam consagrados. 20Enquanto éreis
vussos membros a servigo do pecado escravos do pecado, estáveis livres da
cuino instrum entos de injustiga, mas justica. 21E que vantagem tivestes? Re­
|ionde-vos a servido de Deus, como res- sultados que agora vos confundan, porque

n petidos, mas de urna nova condigáo (cf. terial, Paulo afirma que o corpo pode e
SI 51,12; 2Cor 5,17). deve ser instrumento do bem: concepgáo
6,5 Paradoxo audaz: urna imagem vital, realista da unidade do homem e da sua res-
"enxertar”, se aplica a urna morte; e nao é ponsabilidade. O que é possível em regi­
o trigo semeado de Jo 12,24. me de graga, náo de lei.
6,6-7 A condigáo pecadora nos faz es­ 6.15 Nova objegáo, em estilo de diatribe.
cravos (Jo 8,34) e devedores. Essa velha E falsa a alternativa ou lei ou libertina­
condigáo (Ef 4,22; C1 3,9) é anulada ao gem: a graga náo dá licenga para pecar; ao
ser crucificada com Cristo (G1 2,20). A contràrio, capacita para submeter o pe­
cscravidáo era as vezes conseqüéncia de cado.
dividas impagáveis (Gn 47,25; Dt 15,12). 6.16 Ver Dt 15,16s; Gl 5,13; Sb 2,24.
6.9 Cristo desbanca, destrona o senho- Trata-se de urna escravidáo voluntária a
rio da morte: ver ICor 15,54 que cita a um poder tiránico. O pecado conduz seus
versáo grega de Os 13,14. Sua morte náo súditos à morte; a obediencia conduz á
c cíclica, como a de deuses da vegetagáo justiga, e por eia à vida.
(cf. Ez 8,14), mas definitiva, como o dia 6.17 Modelo ou compendio. Porque a
inaugurado em Is 60,19-20. nova vida crista é um programa exigente
6.10 Quer dizer, morre a urna situagáo na de conduta, ao qual o homem se submete
qual reina o pecado com suas conseqüéncias. voluntariamente.
6.11 Ver 14,8-9. 6,18-19 Continua explorando a imagem
6.12 Por viver em “corpo mortal”, o cris- como concessáo, consciente de seus limi­
táo continua exposto ao pecado, solicitado tes. Em linguagem jurídica se trataría de
pelo desejo (Tg 1,14). Deve dominá-lo e urna mudanga de senhor.
submeté-lo, como diz Deus a Caim (Gn 4,7). 6,21 A morte é o fracasso definitivo do
6,13-14 Frente a concepgóes gregas que homem, e arrasta ao fracasso todos os seus
consideram maus o corpo e o mundo ma- bens (SI 49; Dt 30,15).
CARTA AOS ROMANOS 472

terminarti na morte. 22Mas agora, emanci­ Quando o marido morre, fica livre di >vln
pados do pecado e escravos de Deus, vos- culo legal e nao é adúltera se se une com
so fruto é urna consacraci«) que desem­ outro. 4Da mesma forma vós, irmaos, polo
boca em vida eterna. “’Pois o salàrio do corpo de Cristo morrestes para a le i > |
pecado é a morte; o dom de Deus, por Je­ deis pertencer a outro: ao que ressusciiim
sus Cristo Senhor nosso, é vida eterna. da morte, para que déssemos frutos par i
Deus. 5Enquanto vivíamos sob o instin
C o m p a r a lo com o matrim onio to, as paixóes pecaminosas, incitadas p> l
7 — *Eu vos falo, irmaos, como a pes- lei, agiam em nossos membros e dáv.i
soas entendidas em leis: Nao sabéis que mos fruto para a morte. hMas agoi.i
a lei obriga o homem só enquanto vive? emancipados da lei, morrendo ao que no»
2A mulher casada está legalmente ligada mantinha presos, servimos com um espí
ao marido enquanto ele vive. Se morre o rito novo, nao segundo um código caduco
marido, fica livre da autoridade do mari­
do. 3Se eia se une a outro enquanto o A condigáo pecadora-— 7Que concluí
marido está vivo, é considerada adúltera. mos? Que a lei é pecado? De modo ne

6.22 À “morte” (sem adjetivo) se opoe xonada, esta página é magistral. Como se
“vida eterna”. A morte é um fato definiti­ na porta de entrada e saída da consciénei.i
vo; a vida só é definitiva se perdura. estivesse á espreita uma fera, o Pecado, que
6.23 A “salario” (Is 59,18; 66,6) opóe “ameaga” o homem, e que o homem “deve
“dom” (Pr 18,16; 19,6), pois nao conside­ dominar” (ver a historia de Caim, Gn 4,1-8)
ra exigencia natural a vida eterna. Por outro lado, o fragmento está emol
durado por duas afirmagóes sobre a vit!;i
7,1-6 Libertario da lei. O tema da lei já segundo o Espirito, 7,6 e 8,2. O contexto
apareceu várias vezes, porque 6 urna preocu­ sitúa a perícope na experiencia de salv;i
pado de Paulo. A lei, urna vez promulgada gao. No fundo do seu pensamento está o
(por Moisés), obrigou o israelita, introdu- relato de Gn 2-3, que aparece por alguir.
ziu a figura do delito e, de fato, multiplicou detalhes da exposigáo.
os pecados. Essa lei continua obrigando os Quem fala na primeira pessoa? Nao é a
cristáos? Nao, porque interveio urna morte, pessoa de Paulo em confissáo autobiográ
e os mortos nao sao sujeitos da lei. Paulo fica; ao menos, nao descreve o que Paulo
introduz urna comparagáo jurídica, que apli­ sentia quando vivia como judeu fervoro­
ca de modo assimétrico: no exemplo, é a viú- so, de estrita observancia farisaica. Paulo
va que fica livre, na aplicagáo é o morto. fala como personagem dramático, porta
Em compensatilo, indica urna imagem voz da humanidade, expressando uma ex­
matrimonial, na qual Cristo ressuscitado é periencia comum. Ou entáo fala um per
o marido, o cristáo é a esposa, e a uniao é sonagem literário no qual Paulo projeta a
fecunda em frutos para Deus (Jo 15,8), desti­ experiencia sob a lei, tal como a contení
nado à vida (Ez 20,11). O contràrio da fecun- pía agora, da outra margem da libertagáo.
didade fatal das paixóes, ativadas pela lei, De que lei fala? Da lei natural? Náo c
que dáo frutos destinados a morrer (Tg 1,15). provável. Da tora antecipada até Adáo ou
7,6 A Lei, consignada num código exter­ até Noé? (Eclo 17,7; 45,5). Náo é esse o
no, nao personalizado (compare-se com Jr modo de pensar de Paulo (cf. 4,13-15; G1
31,31 e a espiritualidade de SI 40,9), man- 3,17-19). Refere-se á lei de Moisés, como
tinha-nos presos. Concluí introduzindo urna provam o texto e o contexto: antes da lei
nova oposigáo: Espírito/letra (código) e (7,9a), sob a lei (7,9b-24), depois da lei (7,
novidade/yelhice; ver a petigáo de SI 51,12. 25-8,29). O horizonte de Paulo é a lei ju­
7,7-25 E este o trecho mais patético da daica; o horizonte do leitor pode-se deslo­
carta. A luta já nao é externa, urna diatribe car para atualizar o texto. O importante é
contra os objetores fingidos, e sim interna, que o leitor se reconhega nesta página.
num desdobramento e dilacerado da cons­ 7,7 “Eu o conheci”: a lei, ao proibir, dá
ciencia, que acaba num grito de socorro. nome, abre os olhos, chama a atengáo para
Pelo que tem de introspecgáo lúcida e apai- o objeto proibido (como a serpente fez com
473 CARTA AOS ROMANOS

h Iiiiiii! Mu s pecado, eu o conhcci so-


o realizo, pois nao executo o que quero,
mii mi pula Ici. Nao conheceria a cobiga mas fago o que detesto. lf,Mas, se fago o
■« i li i nnodissesse: Nao cobigarás. 8En- que nao quero, estou de acordo com o
Ifln o pecado, aproveitando-se do pre- fato de a lei ser excelente.17Portanto, nao
.. ii. i, pmvocou em mim todo tipo de sou eu quem o executa, mas o pecado
i iilm .i l’ois onde nao há lei, o pecado que habita em mim. 18Sei que em mim,
hM.i niorto. l)Amigamente eu vivia sem isto é, em minha vida instintiva, nao ha­
1.1 rhegou o preceito, o pecado reviven bita o bem. O querer está a meu alcan­
"'i i ii morri; e o preceito destinado á vida ce, mas nao o executar o bem. 19Náo fago
tiiinon-se mortal para mim. "D e fato, o o bem que quero, mas pratico o mal que
|»v;ulo, aproveitando-se do preceito, me nao quero. No entanto, se fago o que
milti/iu e por ele me matou. 12De modo nao quero, já nao sou eu quem o executa,
t|uc a Ici é santa, o preceito é santo, jus- mas o pecado que habita em mim. 21E
in i- bom. 13Entáo o bom foi mortal para me encontro com esta fatalidade: dese-
iiiim? De nenhum modo! Pelo contrá- jando fazer o bem, póe-se ao meu alcan­
i ii i, o pecado, para manifestar sua nature- ce o mal. 22Em meu interior, agrada-me
/ii, usando o bem, me provocou a mor­ a lei de Deus; 23em meus membros des­
ir assim o pecado, por meio do preceito, cubro outra lei que guerreia contra a lei
ni- lorna superpecador. 14Consta-nos que da razáo e me torna prisioneiro da lei do
n Ici é espiritual, mas eu sou carnal e pecado que habita em meus membros.
vendido ao pecado. 15Náo entendo o que -4lnfeliz de mim! Quem me libertará

I va); incita, apresenta-o no seu aspecto tecido de oposiçôes e tensóes que só urna
valioso que provocou a proibigáo, exibe-o pergunta e urna exclamaçào conseguirâo
rumo desafio (os rabinos diziam que a lei resolver. No campo dos objetos, a oposi-
te p r im e os maus desejos). Cobigar é ter­ çào ética clàssica do bem e do mal (Dt
mo do decálogo: Ex 20,17 e Dt 5,21. 30,15; Is 5,20; Mq 3,1); a lei da razáo fren­
7.8 Entole é o preceito singular, hamartia te à lei do pecado. No campo psicológico
i*a poténcia dominadora. Sem preceito nao do conhecimento opóe: nos consta, nao
está constituido o delito, e o Pecado está entendo, estou de acordo; no campo do afe-
inerte, porque nao tem onde exercer seu to, querer e detestar. Na constituiçâo do
poder. O preceito é sua grande oportuni- homcm, interior e membros, espiritual e
ilade: o que estava amortecido revive. carnal ou instintivo. Na ordem da açâo,
7.9 Eu vivia (tranqüilo, despreocupado) querer e executar.
sem a lei. Ao chegar ela á minha conscien­ 7,14 E espiritual porque seus conteúdos
cia, violei-a formalmente, advertidamente procedem de Deus, porque apela ao espi­
(SI 19,14), e fui réu de morte (Ez 18,4). rito ou razáo do homem, ao passo que este,
7,10-11 A lei prometía condicionalmente pela força do instinto, se vende ao domi­
vida (Lv 18,5; Dt 6,21 etc.). Entáo, o pecado nio do Pecado (SI 51,1).
se aproveita do preceito para enganar ou se- 7,15-16 O que quero sao aspiraçôes
tluzir e matar (Gn 3). Sem cláusula penal moráis que coincidam com os conteúdos
promulgada, nao se pronuncia sentenga da lei. Essas minhas aspiraçôes, embora
capital. A Morte aguarda sua oportunidade. sejam ineficazes, atestam o valor da lei.
7,12-13 A lei nao manda pecar, seu con- 7,17-18 Habita, se alojou e se instalou
teúdo é bom (Eclo 15,20). O bem nao é em mim (cf. SI 55,16), atua apesarde mim.
causa do pecado, mas ocasiáo; e assim nao 7.22 Um impulso natural, nobre, nous,
se revela a maldade intrínseca do Pecado: o leva a deleitar-se internamente na lei (SI
fica disfargado. Através dos verbos, é pos- 19,8-12; 119; 2Cor 4,6; Ef 3,16).
sível seguir o processo de hamartia perso­ 7.23 Dentro do homem se trava a bata-
nificada: está inerte, revive, se aproveita, lha, com caídos e prisioneiros de guerra
engana, mata, converte o bem em mal. (cf. Is 10,4; 42,7).
7,14-25 Continua a análise psicológica 7,24-25 Ao grito desesperado da derro­
em forma de monólogo dramático, todo ta, responde o grito agradecido da vitória.
CARTA AOS ROMANOS 474

dessa condigáo mortal? ^Gragas a Deus, gao pecadora, para acertar contas cuty
por Jesús Cristo Senhor nosso! Em re­ o pecado; em sua carne condenou •
sumo, com a razáo eu sirvo á lei de Deus, Pecado, 4para que cumpríssemos a jir
com o instinto á lei do pecado. ta exigencia da lei, nós que nao proco
demos por instinto, mas pelo Espíritu
Vida pelo E spirito— ’Em conclu- 5De fato, os que vivem segundo o ¡ir,
8 sao, nao há condenagáo para os que
pertencem ao M essias Jesús. 2Porque a
tinto se inspiram no instinto; os que \ i
vem segundo o Espirito se inspirant m
lei do Espirito vivificante, por meio do Espirito. 60 instinto tende á morte. n
M essias Jesús, me emancipou da lei do Espirito tende á vida e á paz. 7Porque a
pecado e da morte. 30 que a lei nao tendencia do instinto é hostil a Deir.
podia, por causa da debilidade da con- pois nao se submete á lei de Deus ncm
digáo carnal, Deus o realizou enviando pode fazé-lo; 8e os que seguem o iir.
seu Filho, assemelhado á nossa condi- tinto nao podem agradar a Deus. 9Ma:.

Com mais força do que no esquema tradi­ Espirito de Deus ou do Messias se instala
cional de perigo — libertaçào — açâo de em nosso espirito como principio de vidn
graças (SI 40,2). nova. Primeiro, inspira aqóes concordc.
com ele; depois estende seu poder até vi
8 Chegamos ao ápice da carta, uma das vificar o corpo mortal. Vence a fragilida
páginas mais ricas e belas de Paulo, uma de ética e a caducidade orgánica do ho
página excelsa da literatura religiosa da mem. Salva o homem inteiro.
humanidade. O cap. está dominado pelo 8,2 Lei significa aqui um regime parti
Espirito/espirito, palavra que se repete 29 cular: poder, jurisdigáo e também o modo
vezes. Quem me livrará? gritava no final de exercé-los. Morte aliada com Pecado
do parágrafo precedente. Agora responde: impóem uma lei tiránica que escraviza o
o Messias, infundindo-me um novo prin­ homem. O Espirito, pela mediagáo do
cipio mais poderoso, o Espirito Santo que, Messias, impóe uma lei mais forte, que li
sem aniquilar o instinto, o submete e su­ berta todos os escravos e os destina á vida.
pera. Esta posiçâo induz uma explanaçào 8,3-4 A lei era impotente: primeiro, por­
por oposiçâo dos dois poderes: Espirito e que mandava e proibia de fora sem comu­
instinto (ou sensualidade),/«¡eumü/.va/'x. O nicar o vigor; segundo, pela resistencia ou
Espirito capacita para cumprir a lei e as- fragilidade do homem instintivo.
segurar a vida (cf. SI 51,12-14; Ez 36,27). Paulo enuncia claramente a preexistén-
8,1 Condenaçâo: em virtude das cláu­ cia de Cristo, enquanto Filho de Deus. A
sulas penáis da lei (Dt 27-28). “carne” é a condigáo humana mortal, é o
8,1-13 Apalavra grega sarx corresponde terreno onde o Messias enfrenta hamartia,
ao hebraico basar, que designa qualquer provocando-a para derrotá-la (cf. Is 8,9s;
ser vivo, em especial o homem, particu­ 14,25), sem contaminar-se e cumprindo
larmente como ser fraco e caduco. Paulo cabalmente o conteúdo válido da lei. A
emprega a palavra polarizada, oposta a “carne” humana é impotente; a carne hu­
pneuma = espirito; pneuma pode designar mana de Jesús Cristo se expóe á agressáo
o espirito humano (com letra minúscula) mortal do Pecado, para vencer o Pecado
ou o divino (com letra maiúscula). Das morrendo, e a Morte ressuscitando.
diversas traduçôes propostas, “carne” des­ 8,5-7 O instinto é de conservagáo e de-
foca o significado, devido a nossos hábi­ senvolvimento, é também egoísmo e ego­
tos lingüísticos; “baixos instintos” se apro­ centrismo. Mas o homem nao se realiza
xima bastante. Preferí “instinto” sem mais, pelo egoísmo, antes se consomé e fracas-
polarizado por Espirito. sa: tende á morte. Nao aceita os manda-
Pois bem, o instinto é um dinamismo mentos restritivos de Deus (cf. Gn 2,17),
no homem que inspira e promove açôes; considera Deus como rival (cf. Is 30,9-11).
mas, deixado a si, se opóe a Deus e con- 8,9 O Espirito do Messias é o Espirito
duz à morte definitiva (cf. Gn 6,3.5). O de Deus. E dom de Cristo aos que créem
475 CARTA AOS ROMANOS

n liti«»si-guis o instinto, e sim o Espi­ vivereis. 14Todos os que se deixam le­


li!" ,i r wrilade que o Espirito de Deus var pelo Espirito de Deus sao filhos de
I . I
i i . cui vós. E se alguém nao tem o
m i i Deus. l3E nao recebestes um espirito de
I {in ilo do Messias, nao lhe pertence. escravos, para recair no temor, mas um
M i , se o Messias està em vós, ainda espirito de filhos, que nos permite cla­
,|in ci corpo morra pelo pecado, o Es- mar: A bba! P ail 160 Espirito testemu-
l>nili i vivera pela justiça. n E se o Espi- nha a nosso espirito que somos filhos
i Hi i 11.i*|i ie Ic que ressuscitou Jesus da de Deus. 17E se somos filhos, também
un il i r habita em vós, aquele que res- somos herdeiros: herdeiros de Deus, co-
,n ,i limi Jesus Cristo da morte dará vida herdeiros com Cristo; se compartilha-
i m r .s u s corpos mortais, pelo seu Es- mos sua paixáo, compartilharem os sua
|,li ilo <|iie habita em vós. gloria.
1 'Portante, irmaos, nao som os deve-
ilmrs do instinto para viver de acordo Esperanza de gloria — 18Penso que
.mu ele. 13Pois, se vivéis conforme o os so frim e n to s do tem po p rese n te
tir,liuto, morrereis; mas, se com o Es­ nao tem proporgáo com a gloria que
imilo mortificáis as açôes do corpo, será revelada em nós. 19A humanida-

ih Ir; portanto, se alguém nao o possui, é glória futura. A demora se explica porque
in.il ile que nâo é cristâo, nâo pertence a o herdeiro nao entra ¡mediatamente na
i nslo. É a petiçâo do SI 51,12-14 no novo posse da heranga. Compartilhar com Cristo
, iinlexto cristâo. nao exige repartir a heranga; exige, sim,
H, 10-11 O corpo é mortal (SI 39; 49; 90), compartilhar a paixáo (F1 3,10-11).
liir.lra o destino à imortalidade. Mas o 8,19-23 A interpretado destes vv. de­
I i|iír¡to o supera com sua força vivificante, pende do significado atribuido a ktisis: cria­
i|iir abrange também o corpo mortal (Ez gáo ou humanidade. A tradigáo exegética
i/), como se demonstro” na ressurreiçâo tem optado pelo primeiro. O correlativo
ilr Jesús Cristo (ICor 4,14; FI 3,21). “nós” e o contexto sobre escravidáo e li-
8,12-13 Mortificar significa dar morte; berdade, corrupgáo e gloria, fracasso e es-
ini objeto devem ser as açôes hostis a peranga, favorecem o segundo. Com ou-
I »rus e contrarias à vida crista. O Espirito tras palavras: a “nós”, os cristáos, se opóe
ilií forças para isso. o resto da humanidade; e náo a “nós”, os
X, 14-17 O Espirito nos faz filhos de homens, se opóe o resto da criagáo.
Deus e herdeiros. No AT Deus se mostra a) Se o sujeito é a criagáo inteira, Paulo
romo pai do povo: libertador (Ex 4,23), dá dimensáo cósmica á redengáo. Isto su-
nlucador (Dt 8,5), defraudado (Dt 32,6; póe que, com a queda do homem, a criagáo
Is 1,2; 63,8.16), afetuoso (Jr 31,20; Os inteira (também a estelar?) ficou submeti-
11,1), compreensivo (SI 103,13); pai do da á desordem e déla participa (o contrário
rei (SI 2 e 89,27s; 2Sm 7). Duas vezes, da distingáo que o salmo 104 propóe); ou
mim texto tardio, um individuo chama entáo supóe que a caducidade da criagáo
Deus de Pai (Eclo 23,4; 51,10). No NT a (SI 102,27) procede do pecado de Adáo
revelaçâo de Deus como Pai é centrai. (seria dilatar a sugestáo dos cardos de Gn
8,15-16 Duas testemunhas confirman! 3). A libertagáo desta criagáo escravizada
iiossa filiaçâo: nosso instinto filial ou “es­ estaría vinculada á doutrina do céu e térra
pirito de filhos”, que nos sugere o apelo novos (Is 65,17; 66,22; 2Pd 3,13).
afetuoso “abba", e o Espirito (cf. Do 4,18). b) Se o sujeito é a humanidade inteira,
8,17-18 Herdeiro: Gl 4,7; lPd 1,4. É fora os cristáos, Paulo formula o anseio
conseqiiència de sermos filhos, sem pro­ de vida e vida plena que todo homem aca-
blemas de exclusào ou preferencia: com- lenta no íntimo.
pare-se com os problemas de sucessào de Em ambas as hipóteses deve-se manter
(in 21,10; 27,36-38; Jz 11,2, e a sucessào que os cristáos formam um grupo á parte:
dinàstica (IRs 1; SI 45). Para terminar, sua redengáo está realizada, mas náo con­
introduz outra oposiçâo que exporá no sumada. Falta algo substancial á sua filia-
parágrafo seguinte: sofrimentos presentes/ gáo divina: a glorificagáo também do cor-
CARTA AOS ROMANOS 476

de* aguarda na expectativa de que se Um a esperanga que já se vé nao >• r»


revelem os filhos de Deus. 20A huma- peranga; pois se alguém já o vé, |um
nidade foi subm etida ao fracasso, nao que esperá-lo? ^C ontudo, se esperanu ■
por sua vontade, mas por imposigáo de o que nao vem os, aguardam os <•<>m
outro; m as com a esperanza 21de que paciencia. 26Desse m odo, o Espírii.
essa hum anidade se em ancipará da es- socorre nossa fraqueza. A inda que n i.
cravidáo da corrupgáo, para obter a li- saibam os pedir com o é devido, o pin
berdade gloriosa dos filhos de Deus. prio Espirito intercede por nós com
22Sabem os que até agora a hum anida­ gem idos inarticulados*. 2'E aquele qm
de inteira gem e com dores de parto. sonda os coragóes sabe o que o Espi
23E nao som ente ela; tam bém nós, que rito pretende quando su plica pelo»
possuímos as primicias do Espirito, ge- consagrados de acordo com Deus.
m em os por dentro aguardando a con-
digáo filial, o resgate de nosso corpo. O am or de Deus — 28Sabemos qm
24Com essa esperanza nos salvaram. tudo concorre para o bem dos que amam

po. Por isso, também os cristáos gemem e que é liberdade. Também o corpo pertni
esperam. Em ambas as hipóteses, a cria- ce à condigáo filial de filhos de Deus.
çâo/humanidade aparece com “a cabeça 8,24-25 Expressam a tensáo escatoló
voltada e expectante” (etimologia de apo- gica entre a salvacáo realizada e a penden
kara-dokia); com as dores de um parto que, te. “Ver” no sentido de ter diante e desfm
apenas com suas forças, nâo teria éxito (cf. tar. O texto chama “esperanza” o que lili,
Is 26,17s; 37,3). Será necessària uma nova com outro matiz, chamará “fé”.
açâo de Deus (cf. Jo 16,21; Ap 12). É pos- 8,26-27 Segundo uma interpretado, nao
sível que Paulo pense ñas clássicas “dores conseguimos (como crianzas) articulai
de parto” que anunciam a era messiànica. devidamente nossos desejos e necessitili
Alguma participaçâo da natureza na li- des, e o Espirito se encarrega de formula
bertaçâo do povo pode-se encontrar nos los; como o Espirito é dinamismo de a§ao,
salmos 96 e 98, em Is 35; 55,12s etc. também é dinamismo de oragáo. Segundo
8.18 E curiosa a oposiçâo. A sofrimen- outra interpretado, o Espirito acrescenla
tos nao opóe alegrías, como se poderia sua intercessáo “inefável” a nossas súpli
esperar da filosofía corrente. Opoe gloria, cas. Em ambas as interpretares, o Espi
uma qualidade divina que irradia e nos rito age como mediador eficaz: na prime i
atinge. Compare-se com 3,23. ra parece mais interior ao homem, na
8.19 Arelaçâo que propomos, entre hu­ segunda aparece fora. Poderíamos distin
manidade e cristáos filhos de Deus, é se- guir entre intérprete e intercessor (os dois
melhante à de Jr 31,9s, entre pagaos e Is­ compostos de inter-). Aquele que sonda c
rael filho do Senhor; ver também lJo 3,2. Deus (Jr 11,10; Pr 15,11).
*Ou: a criaçâo. 8,26 *Ou: com gemidos inefáveis.
8,20-21 Segundo esta explicaçâo, a cor- 8,28-39 O capítulo se encerra com esta
rupçâo ou condiçâo mortal é a última es- espécie de canto triunfal ao amor que Deus
cravidâo do homem (cf. ICor 15,26). Pois e Cristo nos tém. Por ele podemos vencer
bem, os filhos de Deus sâo livres por natu­ em qualquer processo a que nos subme-
reza; enquanto tais, nâo nasceram na escra- tam, podemos derrotar os inimigos mais
vidâo. E o argumento de Deus em Ex 4,23 fortes coligados. Embora o parágrafo co-
e Jr 2,14. Sua liberdade é gloriosa porque mece com o amor do homem a Deus, a
quem os adota lhes comunica sua gloria. iniciativa nao é do homem, pois foi Deus
8.22 “Dores de parto” indica às vezes a que comegou destinando e chamando (cf.
intensidade da dor e da angùstia, outras Dt 7,7-8; Jr 31,2).
vezes exprime a dor fecunda: compare-se 8,28 “Tudo concorre”. Alguns manus­
Jr 4,31 com ISm 4,19-22. critos póem Deus como sujeito: o sentido
8.23 Se a corrupçâo é escravidâo, o es- nao muda. Ver em Gn 50,20 como Deus
cravo é “resgatado” para a imortalidade, converte o mal em bem.
477 CARTA AOS ROMANOS

i Iti li ., ilus cham ados segundo seu de- de Cristo: tribulagáo, angústia, perse­
•Itfiiin "'Aos que escolheu de antemáo g u id o , fom e, nudez, perigo, espada?
•ImIIiioii o s a reproduzir a im agem de 36Com o diz o texto: P or tua causa so­
«dii I illm, de modo que fosse ele o pri- m os p o sto s á m orte o día inteiro, tra-
Hintji'iiito de m uitos irm áo s.30A os que tam -nos com o ovelhas de matanga.
Iinviii destinado cham ou, aos que cha- 37Em todas essas circunstancias, so­
>inni i i s fez justos, aos que fez justos mos mais que vencedores, graqas áque-
i» yloiilieou. 31Levando isso em con- le que nos amou. 38Estou convencido
•«, t|iic podemos dizer? Se Deus está de que nem m orte nem vida, nem an-
i | i i m u s s o lado, quem estará contra? jo s nem potestades, nem presente nem
"Ai|tiele que nào poupou seu pròprio futuro, nem poderes 3,nem altura nem
I llliu, mas o entregou para todos nós, p rofundidade, nem criatura algum a
. unió nao nos vai dar de presente todo nos poderá separar do am or de Deus
■i ir^o com ele? 33Quem será fiscal dos m anifestado em Cristo Jesús Senhor
ijiii' Deus escolheu? Se D eus absolve, nosso.
"iiiirm condenará? A caso Jesús Cris-
in, iu|iiele que m orreu e depois ressus- A escolha de Israel — 1Vou falar-
■Itiiu e está à direita de Deus e suplica
|iui nós? 35Quem nos afastará do am or
9 vos sinceramente como cristáo, sem
mentir; e o Espirito Santo confirma o tes-

8.29 A imagem de Deus (Gn 1,27), de­ destino de Israel: é uma digressáo injusti­
limitada pelo pecado, se refaz como ima- ficada? integra-se na totalidade da carta? Á
gtini ou semelhança do irmáo mais velho. primeira vista, este bloco se insere sem tran-
i) unigénito do Pai e primogénito de Maria sigáo: depois de um final entusiasta e vi­
11i' 2,7) será o primogénito da humanida- brante (8,38), vem um juramento solene. E
ilü, A fiiiaçâo é correlativa da fratemidade. verdade que nao há transigáo explícita; mas
8.30 O final de um processo de cinco o tema de Israel tem preocupado o autor
tuses é “glorificar”, ou seja, comunicar ao desde o comego, em seu reiterado binomio
lioinem sua gloria, vinculada agora à sua “judeus e gregos”, na ampia segáo dedicada
Imugem (que é o homem) e que nao pode aos judeus (2-3). Seria universal uma sal-
mir comunicada à falsa imagem, que é o vaijáo por Jesús Cristo que excluísse o povo
Idilio (cf. Is 42,8; 48,11). judeu? Aqui surge o enigma: que os judeus,
8.31 “Estar contra” e “acusar” ou ser fis- depois de esperar o Messias durante sácu­
cul é em hebraico o verbo satan: ver o co- los, nao o tenham acolhido a sua chegada.
moço do livro de Jó e Zc 3. Podemos pensar que a presente segáo pre­
8.32 Alude ao episodio de Isaac: Gn tende resolver o problema. Podemos tomá-
22,12.16; com sua atitude, o patriarca de- la como ilustragáo da doutrina e ao mesmo
monstrou seu “respeito a Deus”. tempo resposta a objegóes contra ela. Tam-
8,34 É como um credo sintetizado. Cita bém podemos pensar que Paulo interpela
SI 110,1 para expressar a exaltaçâo de Jesús. os cristáos de Roma convertidos do paga­
8,36 Acitaçâo pertence a uma súplica co- nismo. Isto implica uma resposta sobre os
Ictiva (SI 44,11). O mesmo salmo (44,4) ex­ destinatários. Que Paulo se dirija polémi­
plica a vitória pela açâo exclusiva de Deus. camente a judeus fechados ao evangelho e
8,37-39 A vitória de Jesús Cristo em Jo que comece captando-lhes a benevoléncia
16,33 é aqui vitória nossa, pelo amor que (9,1-5), nao explica a colocagáo, nem mui­
Deus nos demonstrou na obra de Jesús Cristo. tos dados do texto. Mais provável é pensar
Diz o Cántico dos Cánticos (8,6) que “o amor que Paulo se dirige aos cristáos de Roma,
é forte como a morte”; Paulo está dizendo em sua maioria procedentes do paganis­
que o amor é mais forte que a morte, que mo, para corrigir sua atitude frente aos ju­
Deus nos ama para além da morte; conclui­ deus que recusam o evangelho.
mos que este amor é penhor de ressurreiçâo. Segundo essa opiniáo, Paulo descobre
naqueles cristáos o perigo da auto-suficién-
9-11 Numa carta que aborda um tema cia, a preocupadlo de justificar-se num jul-
fundamental, Paulo dedica très capítulos ao gamento comparativo com Israel, según-
CARTA AOS ROMANOS 478

temunho de minha consciencia. 2Sinto todos filhos; mas é em Isaac que omii
urna tristeza muito grande, urna dor in- nua tua linhagem. 8Isto é, os filhos mi
cessante na alma: eu por m eus irmáos, nais nao sao os filhos de Deus, mas s.i.i
os de m inha linhagem , 3desejaria es­ considerados sua linhagem os filh< iL
tar excluido da com panhia do Messias. promessa. 9A promessa soa assim: /'■>/
4Sáo israelitas, adotados como filhos de esse tempo voltarei e Sara terá um \i
Deus, tém sua presenta, as alianzas, o Iho. 10Ainda mais: Também Rebeca o >n
culto, as promessas, 5os patriarcas; de cebeu de um só, de Isaac, nosso patán
sua linhagem segundo a carne deseen- ca. n Portanto, antes que nascessem
de o M essias. Seja para sem pre bendi­ antes que fizessem algo bom ou man
to o D eus que está acim a de tudo. para que o designio escolhido por Den
Amém. se cumprisse, 12náo pelas obras, mas pi-ln
6Náo é que a promessa de Deus te- vocaijáo — , Rebeca recebeu um orácn
nha falhado. Pois nem todos os que pro- lo: o maior servirá ao menor. 13E assim
cedem de Israel constituem Israel: 7nem está escrito: Am ei Jacó, rejeitei Esau
por serem descendentes de Abraáo, sao 140 que diremos? Que Deus é injusto?

do o esquema de Ez 16,52 em seu contex­ filho dá brilho a toda a árvore genealógu .i


to. Nem por comparaçâo pode justificar­ (Le 3,23-38).
se a Igreja frente à graça de Deus. A Igreja 9,6 Ver Nm 23,19. Aparece a idéia ilu
nâo pode romper com a historia de Israel, “resto”: veja-se como ilustraçâo a palavin
que é sua historia. A misericordia de Deus de Deus a Elias em IRs 19,18.
é o grande arco que abrange a historia. 9,6-18 O começo é uma objeçâo tácita
9,1 Começa com um testemunho sole- Deus nào cumpriu a Israel sua promessa
ne, ao qual acrescenta o testemunho do talvez aludindo a um oráculo de Balaím
Espirito: duas testemunhas, como pede a (Nm 23,19). A fórmula, literalmente “caii
lei judaica (Dt 19,15). A fórmula poderia a palavra”, é semítica (cf. ISm 3,19), an
ser interpretada como juramento: “juro por títese de “estar de pé” = cumprir a palavm
Cristo” que digo a verdade, acima de na­ (compare-se Js 23,14 com Is 40,8). Nao (■
cionalismos ou partidarismos. Esta intro- possível imaginar que falhe uma palavra
duçâo vale para os très capítulos; o final que Deus deu, e demonstra-o com très ca
(11,33-36) terá tom de hiño. sos da historia de Israel, em que se aplica
9,2-3 O exordio é intensamente pesso- a distinçao ou a oposiçâo: os dois filhos
al. Se é apóstolo dos pagaos, é também de Abraáo, Ismael e Isaac (Gn 21,12); os
irmáo dos judeus; se fala como cristáo, em dois filhos de Isaac, Esaú e Jacó (Gn
suas palavras vibra um afeto intenso de 25,23); Moisés diante do Faraó. No pri
familia. Nao existe vontade de desforra (At meiro caso, é diferente a máe, mas nâo no
28,19), embora o tenham perseguido; há segundo. O primeiro é importante porque
sentimento de pena e um arroubo de soli- Abraáo é cabeça da eleiçâo e primeiro des-
dariedade. Sente-se como Moisés no mon­ tinatário da promessa. O segundo é impor­
te quando tratava com Deus (Ex 32,32): tante porque Jacó é o pai das doze tribos e
“cancela-me do teu registro”, tal é o al­ dá nome a Israel. O terceiro opóe um
cance do “anathema apo”, a exclusáo da israelita a um pagâo. Os très provam a li-
pertença ao Messias. berdade de Deus em escolher: os dois pri-
9,4-5 Privilégios dos judeus. “Israelitas” meiros mostram um estreitamento sem
é nome genérico, tradicional, que se pren­ ruptura da eleiçâo.
de a Jacó-Israel (Gn 32,29); filhos de Deus 9.8 Veja-se G1 4,23.
(Ex 4,23); possuem sua gloria ou presen- 9.9 Segundo Gn 18,10.
ça (Ex 40,34s); alianças, no plural, talvez 9,11-12 Quer dizer que a eleiçâo nâo
englobando as patriarcais e a de Moisés; o depende das obras (Gn 25,2). Compare-se
culto (Ex e Lv); promessas, patriarcais e com a crítica do patriarca em Os 12,45.
davídicas; último e máximo privilègio é 9,13-14 Citaçâo de MI l,2s. Positivo e
que da sua estirpe descende o Messias. O negativo em hebraico podem significar
479 CARTA AOS ROMANOS

|ii iirnliiim modo! l5Ele diz a Moisés: ponham os que Deus quisesse mostrar
I h ilte compadeço de quem quero, te­ sua cólera e manifestar seu poder agüen-
tilla i'ii'ilude de quem quero. 16Ou seja, tando com muita paciencia objetos odio­
Mrtn dépende de querer nem de correr, sos, destinados á destruigáo, para ma­
mih'i tli- que Deus tenha piedade. 170 nifestar também a riqueza de sua gloria
Itmli) da Escritura diz ao Faraó: Com nos objetos de sua compaixáo, predis-
(<*rc objetivo te exaltei, para mostrar postos á gloria. 24Pois estes somos nós,
/‘lu ii minha força e para que minha aos quais chamou, nao só dentre os ju-
l,iiiiii se difunda por toda a terra. 18Ou deus, mas também dentre os pagaos.
* | , daquele que ele quer tem piedade,
ii ii 25Como diz Oséias: Chamarei o Náo-
Ai|iicle que quer endurece. 19Objetarás: povo de Povo-meu, e de Am ada a D esa­
Coi (|iie ele se queixa, se ninguém pode mada; 26e onde antes Ihes dizia: nao
npor-sc à sua decisâo? 20E tu, homem, sois meu povo, a i se chamaráo filhos
•|iu'in és para replicar a Deus? Pode a do Deus vivo. 27Sobre Israel, Isaías pro­
nlmi reclamar contra o artesâo porque clama: A inda que os israelitas sejam
,t fin assim? 21Nâo tem o oleiro liber- numerosos como a areia do mar, so-
ilmlc para fazer da mesma massa um mente um resto se salvará. 280 Senhor
nlijclo precioso e outro sem valor? 22Su- vai executar no p a ís a destruigáo de-

romparagáo; assim amar/odiar pode signi- trata do “poder” ou soberanía genérica de


fli'iir simplesmente preferencia (cf. Dt Deus, e sim do seu “designio” concreto
1, 15): escolhendo um, o outro nao é esco- de salvagáo: o trato aos opressores está em
Ihído, é eliminado. O que nao é injustica fungáo dos oprimidos.
tillando nao depende de méritos compara­ 9.22 Alguns léem no modo concessivo:
tivos, quando a eleigáo é anterior as obras. “ainda que quisesse... tolerou...” (o caso
9,15-16 Acitagáo procede de Ex 33,19: do Faraó). Ainda que no momento esses
ii rcvelacáo da gloria é iniciativa gratuita objetos meregam a ira ou rejeigáo de Deus
ile Deus, e Moisés nao pode reclamá-la co­ e no futuro acabem na destruigáo, Deus
nio direito ou paga por méritos adquiridos. os tolera por um tempo, porque controla o
9,17-18 A citagáo vem de Ex 9,16: no processo inteiro (cf. Sb 11,21.23 e a quei­
processo global de libertar o povo, conce- xa de Jeremías 15,15). Quando esses ob­
ilcm ao Faraó um papel de antagonismo. jetos tiverem cumprido sua fungáo no pro­
Sua resistencia estava em fungáo da liberda- cesso, podem desaparecer.
ile dos israelitas, na qual o Senhor quería 9.23 Á cólera opóe “compaixáo”, porque
revelar-se como libertador de oprimidos. nao se trata de méritos (vale o que foi dito a
9.19-23 Esta segunda parte comega com Moisés, v. 15). E Deus quem dá valor aos
urna objegáo explícita, à qual responde ar­ objetos ao fazé-los participar da sua gloria.
gumentando com textos de profetas e des­ 9.24-33 A eleigáo divina nao é de todos
creyendo a imagem do oleiro. os judeus, nem dos judeus somente. Pro-
9,19 Objegáo: queixa-se da conduta do va-o com citagóes proféticas.
povo, da resistencia humana. Imediata- 9.25-26 O texto de Os 2,25-26 é o desen­
mente, é o papel do Faraó que provoca a lace feliz do grande poema da reconciliagáo
objegáo; mediatamente, o objetor resume amorosa, e tem por objeto o Israel tempora­
muitos textos da pregagáo profètica. riamente rejeitado e de novo acolhido. Pau­
9.20-21 A primeira resposta é ad homi­ lo amplia a aplicagáo a um povo que náo era
nem: pois muito menos podes tu queixar- povo de Deus e que é escolhido por graga.
te, nao podes pedir contas a Deus (Sb 9,27-28 O primeiro texto de Isaías per-
12,12). Acomparagáo do oleiro é de tradi- tence á teología do “resto”, quer dizer, a
gáo bíblica: Is 29,16; 45,9; Jr 18,6. Além porgáo de povo reduzida, portadora da con-
disso, por conotagáo recorda textos que tinuidade histórica e que se salvará quan­
apresentam Deus que “modela” a mente do se executar “a destruigáo decretada” (Is
humana. Da qualidade física do vaso se 10,22). A Igreja de pagaos e judeus é um
passa à atividade ética do homem. Nao se resto da humanidade que se salva.
CARTA AOS ROMANOS 480

cretada. 290 pròprio Isaías prediz: Se o Salvagáo universal — 'Irm a.»,


Senhor dos exércitos nao nos tivesse o que desejo de coragáo, o
deixado um resto, seríamos como Sodo­ pego a Deus por eles é a salvagáo. i »un
ma, sem elhantes a Gomorra. 3(,Que di­ testemunho em seu favor de que seni, m
remos, entáo? Que os pagaos, que nao zelo por Deus, embora mal entendí. In
procuravam a justiga, a alcangaram; 3Pois nao reconhecendo a justiga di
entenda-se a justiga pela fé. 31Ao con­ Deus e querendo afirmar a pròpria, n.m
tràrio, Israel, que procurava urna lei de se submeteram à justiga de Deus*. 4Pofi
justiga, nao a alcangou. 32Por qué? Por­ que o M essias é o firn da lei, para a jus
que a procuravam pelas obras e nao pela tiga de todos os que créem. 5Referimlt>
fé. E assim tropecaram napedra de tro- se à justig a da lei, M oisés escrevc:
pego, 33segundo o escrito: Porei em Sido Aquele que a cumprir vivera por eia. ' Ai>
urna pedra de tropego, urna rocha de contràrio, a justiga que procede da fé son
precipicio; e também: Quem se apoiar assim: Nao digas em teu íntimo: quem
nela nao fracassará. subirá ao céu (ou seja, para fazer o M r,

9,29 A mesma doutrina do resto perten- 10.1 Paulo pode rezar pela salvagáo dos
ce á próxima citagáo (Is 1,9), que acres- judeus, porque nao foram rejeitados poi
centa um componente afetivo da terrível Deus. Compare-se com Jeremías, a quem
experiencia. Deus proíbe interceder (Jr 14—15); na id
9,30-32 A justiga de que fala é a verten- tima ceia Jesus disse que náo orava pelo
te positiva de já nao ser culpado, de estar mundo (Jo 17,9).
em relagáo de amizade com Deus. Os ju- 10.2 “Zelo”: bom exemplo é o pròprio
deus quiseram consegui-lo por seu esfor- Paulo (At 22,3; Gl 1,13) e os que respon
go, como devido em justiga a seu desem- deram ao grito de Matatías (lM c 2,26s).
penho, e falharam; nao quiseram recebé-lo Mais tarde deu o nome a um movimento r
como dom, e ficaram sem ele. Os pagaos a um partido político: os “zelotas” (funda-
nao ofereceram nada mais além da sua fé mentalistas, integristas).
para aceitarem o dom. 10.3 Deve-se entender isto à luz do po
9,32-33 A imagem da pedra, composta sicionamento bilateral, a relagáo de duas
de duas citagóes (Is 8,14 e 28,16) corro­ partes em termos jurídicos. A parte culpa
bora a importancia da fé. A pedra é o Mes- da náo tem justiga/direito nem pode alegar
sias Jesús: de tropego para uns, de apoio méritos; a parte ¡nocente pode ceder sua
para outros; a diferenga está na fé. justiga e restabelecer relagóes pacíficas.
*Ou: nao caíram sob o indulto de Deus.
10 O tom pessoal e sentido no comego 10.4 Assim como em grego telos, “fim”
do capítulo precedente dá lugar aqui a um pode significar final e finalidade. É possí-
tom de controvérsia ou debate. Paulo ar­ vel que Paulo tenha querido jogar com a
gumenta com citagóes bíblicas, interpre­ polissemia. A lei antiga estava ordenada
tadas e aplicadas no estilo rabínico. ao Messias; chegado este, a lei cumpriu
O zelo religioso dos judeus por Deus e sua missáo e é abolida (cf. 2Cor 3,14). O
pela observancia era louvável, só que des­ Messias náo vem como agente da lei, para
medido e extraviado. O que era prometido impo-la universalmente.
ao cumprimento falhou por descumpri- 10.5 Lv 18,5 o enuncia, Ez 18 o comen­
merito. A observancia tinha algo de esforgo ta em estilo casuístico. O correlativo táci­
sobre-humano para trazer o Messias; mas to é que morrerá quem náo a cumprir.
nao era esse o caminho. O Messias veio, 10,6-8 A citagáo (Dt 30,12-14) pertence ao
sua mensagem foi pregada e está ao alcan­ discurso final de Moisés em Moab, no qual
ce do ouvido; a resposta é simplesmente a inculca a observáncia da lei, já acessível pe­
fé, acessível ao coragáo e á boca. Tal é o la revelagáo de Deus. No lugar da lei, Paulo
designio de Deus, válido para judeus e pa­ coloca o Messias, e substituí a observáncia
gaos, que deve ser levado em conta pelos pela fé. A revelagáo é agora o grande arco
cristáos. Porque a conversáo nao é urna obra de descida e subida: encarnagáo — morte
que merega por justiga a salvagáo. e ressurreigáo — exaltagáo (cf. F1 2,6-11).
481 CARTA AOS ROMANOS

H iti ‘.i <t ) 7ou quem descerá ao Abis- boas noticias! 16Só que nem todos res-
.... ' (i >11 si'j;i, para fazer o Messias su- pondem á boa noticia. Isaías diz: Senhor,
iili i "c ) que acrescenta? A palavra está quem acreditou em nosso anuncio? 17A
,i.i ira alcance, na boca e no coraçâo. fé entra pelo ouvido, ouvindo a mensa-
I*i li h se a palavra da fé que proclama­ gem do Messias. 18Mas eu pergunto: Aca­
mos ''se confessas com a boca que Je- so nao ouviram? Claro que sim: sua pre­
■II', i Senhor, se crês de coraçâo que gando atinge a térra inteira, até os confins
I ii ir. h rcssuscitou da morte, tu te sal- do o universo suas palavras. 19Insisto: E
>MiAs "'C'om o coraçâo eremos para ser Israel nao entendeu? Primeiramente fala
lu i" ,, rom a boca confessamos para ser Moisés: Eu os enciumarei com um povo
ml vi is,l'pois a Escritura diz: Quem nele ilusorio, os provocarei com uma nacao
. iiii/iii nâo fracassarâ. I2E nâo hà dife- insensata. 2()Isaías se atreve a dizer: Fiz-
ii ni .i entre judeus e gregos; pois é o me encontrar pelos que nao me procura-
...... Senhor de todos, generoso com vam, apresentei-me aos que nao pergun-
h hlu s os que o invocam. Todo aquele tavam por mim. 21Referindo-se a Israel,
,/ii, invocar o nome do Senhor se salva- diz: O dia inteiro tinha as máos estendi­
i,i " ( bntudo, como invocarâo, se nele das para um povo rebelde e desafiador.
min creram? Como crerâo, se nâo ouvi-
iniii falar dele? Como ouvirâo, se nin- O resto de Is r a e l— 'Pergunto:
iMinn Ihes anuncia? 15Como anunciarâo,
ne nâo os enviam? Como está escrito:
n D eus rejeitou seu povo ? De mo­
do nenhum! Pois eu também sou israe­
( hir helos os pés dos mensageiros de lita, da linhagem de Abraáo, da tribo

10,9-10 O paralelismo é cumulativo: o e o profeta do exilio tinha o título de “evan­


ut iirdo do coragào e da boca (o contrario de gelista” ou arauto.
l'i .’.9,13) pode condensar urna profissáo de 10,16-17 O que acontece é que nem to­
Ir que Jesús é o Messias, que Deus o res- dos aceitam o que ouvem (como diz Is
miseitou. Se nao brota da fé interior, o que 53,1); é o destino de vários profetas (p.
iis labios pronunciam nao é profissáo de fé. ex. Is 30,9; Ez 2,5.7; 3,7).
10,11 A citagáo de Is 28,16 se refere a 10,18-21 Nao podem alegar que náo
unía pedra de fundagáo que traz esta inscri­ ouviram, porque a pregagáo se estendeu a
bió: “quem nela se apóia nao vacila”. O todo o mundo: adapta SI 19,4, que fala da
verbo crer em hebraico é derivagáo meta­ manifestagáo cósmica. Tampouco podem
fórica de apoiar-se (veja-se em outra termi­ alegar que náo entenderam, porque Deus
nologia o salmo 62). se pos a seu alcance (Is 65,1), os incitou
10,12-13 “Generoso” ou enriqueeedor. (Dt 32,21) e eles resistiram (Is 65,2).
( ) texto de J1 3,5 se refere a um resto de
Israel em Jerusalém. Paulo amplia seu al­ 11 Neste ampio capítulo Paulo concluí
cance a todos sem distingáo. sua exposigáo sobre o destino dos judeus
10.14-20 Com urna sèrie de perguntas em sua relagáo com os cristáos. Sobre os
retóricas, conduz um diálogo de objegóes judeus diz: nem todos rejeitaram Jesús
e réplicas, apoiado em textos da lei, dos como Messias, essa atitude náo é definiti­
profetas e dos salmos. Lidas em sentido va e indiretamente favoreceu a conversáo
contràrio, oferecem-nos um esquema de dos pagáos. A estes convida á humildade
i'vangelizacao: ser enviado, pregar, escu­ em relagáo aos judeus, á cautela em sua
ta r, crer. vida cristá. A complexa relagáo mutua de
10.14-15 Além dos pagáos, há judeus Deus com Israel continua sendo revelagáo
na diàspora que nao conheceram nem ou- para os pagáos; a Igreja dos pagáos conti­
viram Jesus de Nazaré. Dependem de uma nua recebendo seiva de Israel e náo pode
pregaqáo autorizada, respaldada por uma prescindir de suas raízes históricas e espi-
missáo oficial. Paulo adapta o texto de is rituais.
52,7, dirigido aos exilados em Babilonia. 11,1-4 Paulo faz a pergunta (SI 94,14)
O exilio pode servir de modelo à diàspora, para rejeitá-la categóricamente. Terá sido
CARTA AOS ROMANOS 482

de Benjamim, 2Deus nao rejeitou o p o - nao ouvem, até o día de hoje. 9E I ).u i
vo que escolhera. Sabéis o que a Escri­ diz: Que sua mesa se torne uma arnni
tura conta de Elias, como ele ora a Deus dilha, uma rede, um tropego, um cti\u
contra Israel: 3Senhor, mataram teus go; 10que seus olhos fiquem escuro-, t
profetas, demoliram teus altares; sobrei nao vejam, que suas costas semprc s|
sámente eu, e m e procuran! para ma- en cun’em. ’’Pergunto: Tropegaram ;il4
tar-me. 4Que Ihe responde o oráculo? sucumbir? De modo nenhum! Só que <•
— R eservei-m e sete m il hom ens que tropego deles provocou a salvagáo di ■
nao dobraram o joelho diante de Baal. pagaos, provocando por sua vez os cm
5Do mesmo modo, hoje fica um resto mes daqueles. 12Pois se seu tropego n-
por eleigáo gratuita. 6Portanto, se é gra­ presenta uma riqueza para o mundo
tuita, nao se deve às obras, porque en- se sua ruina representa a riqueza dni
táo nao seria gratuita. 7Qual a conseqüén- pagaos, quanto mais será sua conver*
cia? Israel nao obteve o que procurava, sao em massa.
embora os escolhidos o tenham obtido.
Os outros se endureceram, 8como está Salvagáo dos pagaos — 13Agora me
escrito: Deus Ihes deu um espirito de tor- dirijo a vós, pagaos: Já que sou aposto
por, olhos que nao véem, ouvidos que lo dos pagaos, honro meu ministério,

sugerida a ele por alguns pagaos converti­ gao? Paulo estaría recordando o que so
dos? Sente que fluí de quanto está expli­ freu da parte de seus irmáos? (2Cor 11,26)
cando? Paulo é uma excegáo viva; o que Nao parece, a julgar pelo que se segue.
nao basta, porque confirmaría a regra (cf. 11,9 Citagáo de SI 69,22-23.
o arrazoado de Deus com Moisés em Ex 11,11-12 A atitude dos judeus tem sidu
32,14-19). Nao basta um caso único, como benéfica para os pagaos e nao é definitiva
nao bastava o caso de Elias — “só eu fi- Paulo matiza o vocabulário, distinguindo
quei”. Deus lhe assegura que em Israel tropegar, cair e sucumbir, opondo diminuí
(reino setentrional) resta um grupo nume­ gao e plenitude (aliterados em grego). Est.i
roso de “sete mil” fiéis (IRs 19). O que última antítese pode referir-se ao número,
aconteceu entáo se repete agora: os Atos alguns/todos, ou á qualidade, fracasso/éxi
dáo testemunho de muitas conversóes de to. O contexto próximo fala de número c
judeus (At 14,1), e Tiago fala hiperbólica­ também de situagáo. “Provocar ciúmes”:
mente de dezenas de milhares (At 21,20). tomado do cántico de Moisés, Dt 32,21.
A igreja de Roma contava certamente com 11.13-24 E a explanagáo do paradoxo que
judeu-cristáos. acaba de enunciar, mudando o alvo. Do que
11,5-6 Mas Paulo aproveita o exemplo Paulo disse, os cristáos procedentes do pa­
bíblico de Elias para observar que a elei­ ganismo nao devem tirar conseqüéncias
gáo foi iniciativa gratuita de Deus, “reser­ abusivas, como seria desprezar os judeus
vei-me...”, nao conseqüéncia da fidelida- ou prescindir deles, cultivar um sentimen-
de dos javistas. Assim conduz o raciocinio to de superioridade com definhamento da
ao tema reiterado da graga: gratis, gratuito. fé (v. 20); isto implicaría esquecer a graga
11,8-10 Restam os outros, os que resis- e cair em outra forma de religiosidade de
tem: Paulo os encontra em suas viagens. obras. Explica isso com duas imagens bre­
Também isso estava previsto, como prova ves e outra mais elaborada.
uma combinagáo de citagóes da lei, profe­ 11.13-14 Parece retomar nestas linhas o
tas e salmos, devidamente aplicadas ao propósito da visita anunciada no comego
caso precedente. Dt 29,3 pertence aos dis­ da carta: “comunicar-vos algum dom espi­
cursos fináis de Moisés, depois das expe­ ritual que vos fortalega... partilhar o conso-
riencias do éxodo e do deserto; coincide lo da fé” (1,11). O “enviado aos pagaos”
com a fórmula de Is 29,10; o Salmo 69 é continua sendo e sentindo-se judeu, pode
uma súplica de um perseguido, que inclui falar com autoridade e experiéncia. Ao fa-
uma invectiva contra seus perseguidores. lar aos pagaos, obliquamente se dirige a seus
Tem intengáo polémica esta última cita- compatriotas.
II ((, 483 CARTAAOS ROMANOS

I'.híi (iiovocar ciúmes nos de minha pouco te perdoará. 22Observa antes a


un,!! i salvar assim alguns. 15Pois, se a bondade e a severidade de Deus: com
0 |. n .11 >cirios significou a reconcilia- os que caíram, severidade; contigo, bon­
iiii iln inundo, o que será sua aceita- dade, se te conservas no ámbito da bon­
1un, ‘.enao urna espécie de ressurreigáo? dade; pois tam bém te podem cortar.
'•i ,i primicia está consagrada, tam- 23Aqueles, por sua vez, se nao persisti-
i.i ni n esiá toda a massa; se a raiz é san- rem na incredulidade, seráo enxertados.
i i t.unbém os ramos o sao. 17Se alguns Pois Deus tem poder para voltar a en-
immiiin loram cortados e tu, ramo de oli- xertá-los. 24Se tu, oliveira silvestre por
i li.i silvestre, foste enxertado em seu natureza, foste cortada e, contra tua na-
Ingm e participaste da raiz e da seiva tureza, foste enxertada, quanto mais os
ilii nliveira, 18náo te consideres superior ramos naturais seráo enxertados na pró-
iiiiii uniros ramos. Se o fazes, recorda pria oliveira.
ijiii' nao és tu que sustentas a raiz, mas
i Iíi i|ue te sustenta. 19Objetas: Corta- A conversáo de Israel — 25Irmáos,
•mu uns ramos para enxertar-me. 20De quero que nao ignoréis esse segredo,
■Hmdo: por nao crer foram cortados, para que náo vos consideréis sábios: o
|u Iíi t é tu te manténs. Porém, ao invés endurecim ento de Israel durará até que
ili orgulhar-te, teme. 21Pois, se Deus a totalidade dos pagáos seja incorpora­
tilín perdoou os ramos naturais, tam- da. 26Assim, todo o Israel se salvará,

11.15 “Rejeigáo”: o sujeito náo é Deus que é Deus quem planta e fomece a seiva
negou-o em 11,1 — , e sim os judeus (Is 60,21; SI 80,9).
i|iir náo aceitaram Jesús como seu Mes- 11,18 Náo se enxerta oliveira silvestre
jiiis. Daí seguiu-se a paixáo que “reconci- em oliveira boa, e sim o contràrio. Paulo
Ihni o mundo” com Deus. Quando o acei- contrapóe a doméstica á silvestre. A eco­
iait-m, promoveráo para si e para outros nomía do AT de algum modo sustenta a
ii1. frutos da ressurreigáo, ou seja, “vida a do novo.
partir da morte”. 11,19-20 E a fé que decide, náo as obras,
11.16 Duas comparagóes paralelas ilus- e no regime de fé náo há distingáo; a falha
11 .un a relagáo de urna parte privilegiada de alguns sirva de advertencia (cf. Jr 49,
ruin o resto. Consagrar as primicias (Dt 12), para náo se envaidecer.
Vi; Ne 10,36s) era um rito que consagra- 11,21-22 A fé é resposta á “bondade”
v;i a totalidade, era reconhecer a fecun- de Deus, que aqui substituí a graga; a fé
ilnlade da térra como dom de Deus. A raiz deve manter-se sob o regime dessa mes-
r o “radical” que define a natureza da ár- ma bondade; pois quem sai da fé cai no
vnre (cf. SI 92,13s). Aaplicagáo é duvido- regime de severidade (cf. Jr 49,12).
n i; ; talvez os judeus convertidos sejam as 11,23-24 A severidade náo é o definiti­
primicias e os patriarcas a raiz. Histórica­ vo: a bondade pode mais; por eia, e náo
mente poder-se-ia considerar primicias o por méritos, há esperanga para os ramos
|iovo primo-génito (Ex 4,23). separados.
11.17 A terceira imagem é tirada da hor­ 11,25 Quem descobre algo investigan­
ticultura, e sua explanagáo e seu posicio- do pode gloriar-se do seu saber; quem re­
namento náo sao correntes. Será intencio­ cebe a solugáo secreta náo pode gloríar-se
nal a incoeréncia, para mostrar a agáo livre de penetragáo. Paulo vai comunicar um
e paradoxal de Deus? ou explora o autor a segredo que convida à humildade e á es­
imagem básica tirando déla tragos diver­ peranga.
gentes? A segunda hipótese corresponde 11.26-32 O segredo é a futura conver­
mclhor ao estilo de Paulo. Náo é raro no sáo corporativa dos judeus. Quando e
AT comparar o povo escolhido com urna como náo o revela.
planta: um álamo (Os 14,6), urna figueira 11.26-27 Cita Is 59,20s, retocando a
(.Ir 8,13), carvalho (Is 61,3), urna oliveira versáo grega e acrescentando uma varian­
(.Ir 11,16; Os 14,17); é importante notar te de Jr 31,34.
CARTA AOS ROMANOS 484

conform e o escrito: D e Sido sairá o li­ foi seu conselheiro? 35Quem Ihe den / <ii
bertador para julgar os crimes de.facó. m eiropara receber em troca? 36A|>íhn>
21E ste será o meu pacto com eles, quan­ dele, por ele, para ele tudo existe. A •!.
do eu perdoar seus pecados. 28Com o a gloria pelos sáculos. Amém!
critèrio do evangelho, sao inimigos para
o nosso bem; pelo critèrio da escolha, Normas de vida cristá — ]A j.mi
sao amados, em atengao aos patriarcas. ra, irmáos, pela misericordia .1.
29Pois os dons e o chamado de Deus sao Deus, eu vos exorto a vos oferecenl. >
irrevogáveis. 30C om o vos no passado como sacrificio vivo, santo e aceitávol
nao obedecíeis a Deus, e agora, pela de- seja esse o vosso culto espiritual. 2Nau
sobediéncia deles fostes tratados com vos ajustéis a este mundo, e sim trann
piedade, 31da mesma forma eles no m o­ formai-vos com uma mentalidade nov.i.
mento desobedecen!, ao passo que de para discernir a vontade de Deus, o qm
vós se compadecem, e um dia se com- é bom, aceitável e perfeito. 3Apelando
padecerao também deles. 32Pois Deus ao dom que me fizeram, oirijo-me a c¡t
encerrou a todos na desobediéncia, pa­ da um de vossa comunidade: nao ti
ra compadecer-se de todos. 33Que abis­ nhais pretensóes desmedidas, mas ten
mo de riqueza, sabedoria e prudencia dei á medida, cada um segundo o gran
de Deus! Quáo insondáveis suas deci- de fé que Deus lhe designou.
sóes, quáo impenetráveis seus caminhos! 4É como num corpo: temos muiio
MQuem conhece a mente de Deus? Quem membros, nem todos com a mesma fun

11,28-29 Se olharmos a partir da nossa tá. Exortagáo, nao mandamento nem sim
perspectiva de pregadores do evangelho, pies instrugáo. Paulo nao propóe um código
os judeus se tém mostrado hostis (os Atos articulado de preceitos. Tampouco se entre
o documentam); se olharmos a partir das tém nuraa sèrie de conselhos sapienciais
perspectivas de Deus que elege, os vemos no estilo de Tb 4. Atreve-se a propor seu
como eleitos, pela promessa feita a Abraáo: conselhos como ajuda para encontrar .i
veja-se a argumentagáo de Moisés ape­ vontade de Deus. Dois pontos se destacani
lando aos patriarcas (Ex 32,13). “Irrevo- a norma da fé e a primazia da caridade.
gável”: como diz um oráculo de Balaáo
(Nm 23,19) e um profeta promete (Is 54,10). 12 ,1 Uma conduta cristá tem sentido
11,30-31 Segundo um processo alterna­ cultual, valor de sacrificio que Deus acei
tivo semelhante ao de Ez 18. ta. Ver Eclo 35,1-3 sobre equivaléncias c
11,32 Principio audaz, paralelo ao de G1 Jo 4,23 sobre o culto espiritual.
3,22. 12.2 Para conhecer a vontade de Deus
11,33-36 Encerra a exposigáo com uma náo basta a lei, que é genérica, nem as in
doxologia ampia ou com um hiño minús­ terpretagóes de tipo casuístico; é preciso o
culo, exaltando a sabedoria do designio discernimento entre coisas boas e melho-
salvador de Deus (Is 40,13; Jó 11,6; 15,8). res; e o discernimento correto exige uma
Pela revelagáo o homem descobre um abis­ mudanga de mentalidade, um distancia-
mo, cuja profundidade pressente, mas que mentó dos critérios do mundo (Tg 4,4).
nao pode medir nem sondar. O mistério 12.3 Paulo joga com a raiz de phronein
sempre será maior que a capacidade hu­ que é componente de sophrosyne = tempe-
mana (SI 139,6). ranga, uma das quatro virtudes cardeais. A
11,36 A fórmula nos diz o sentido últi­ “medida” pede uma norma ou parámetro:
mo de tudo (sentido = diregáo). Podería- para o cristao, o grau ou proporgáo de fé. O
mos traduzi-la em categorías temporais: homem pode ser des-medido, des-mesura-
comego, curso e final, que correspondent do, náo só elevando-se frente a Deus, mas
ao “era, é e será” de Ap 1,4. também invadindo terreno alheio.
12,4-5 O tema da proporgáo se ilustra
12-13 Á parte doutrinal da carta, acres- com a comparagáo do organismo (desen­
centa uma exortagáo sobre a conduta cris- volvida em ICor 12): a medida do órgáo é
485 CARTA AOS ROMANOS

uflu, nssim, embora seiamos muitos, ninguém paguéis mal com ma\,propon-
fiiiiiiiimos com Cristo um só corpo, e de-vos fa zer o bem que todos aprovam.
«mi n'lugáo aos outros somos membros. 18Na medida do possível, de vossa par­
I Ihi’tiu >s os diferentes dons que possuí- te, vivei em paz com todos. I9Náo vos
Hiim segundo a graga que nos foi conce- vingueis, queridos, dai lugar ao casti­
illiln por exemplo, a profecia regulada go de Deus. Pois está escrito: M inha é
|wln le; 7o servido para administrar; o a vinganqa, eu retribuirei, diz o Senhor.
Mihinamento, para ensinar; 8o que exor- 20Porém, se teu inimigo tem fome, dá-
in, cxortando; o que reparte, com gene- Ihe de comer, se tem sede, dá-lhe de
niKiil.iile; o que preside, com diligen­ beber; assim o fa rás corar de vergo-
cia. o que alivia a dor, com bom humor, nha*. 21Náo te deixes vencer pelo mal,
'i (»mor seja sem fingimento: detestan­ mas vence o mal com o bem.
do o mal e apegados ao bem. 10O amor
liiiicrno seja afetuoso, estim ando os O bediéncia as autoridades —
uniros mais que a si mesmo. u Com zelo *Que cada um se submeta as au­
liiennsável e fervor de espirito servi ao toridades constituidas, pois toda auto-
hrnhor. 12Alegrai-vos com a esperan- ridade procede de Deus; ele estabele-
1, 11, sede pacientes no sofrimenío, per- ceu as que existem . 2Por isso, quem
slMlentes na oragáo; 13solidários para resiste á autoridade resiste á disposigáo
i nin os consagrados em suas necessi- de Deus. E os que resistem arcaráo com
iliules, praticando a hospitalidade. 14Ben- a própria pena. 3Os governantes nao
dlzei os que vos perseguem, bendizei e infundem medo aos que agem bem, mas
Hilo amaldigoeis. 1=Com os alegres ale- aos malfeitores. Queres nao ter medo
utai-vos, com os que choram chorai. da autoridade? Faze o bem e terás sua
’•'Vivei em mutua concordia. Nao aspi- aprovacao, Visto que é ministro de Deus
icis grandezas, mas igualai-vos aos hu­ para teu bem. Mas, se ages mal, teme,
mildes. N ao vos consideréis sábios. 17A pois nao é á-toa que em punha a espa-

mía funcáo no conjunto. O organismo é uno 12.18 Paz: Hb 12,14 e a sétima bem-
« plural: o principio de unidade é Cristo. aventuranga (Mt 5,9).
I )aí a dupla relagáo de cada membro: com 12.19 Vinganga: Lv 19,18; Dt 32,35.
»cu principio e com os demais membros. 12.20 Tirado de Pr 25,21s, com o enig­
As fungóos sao os dons recebidos. mático modismo “amontoar brasas sobre
12,6-8 Comega urna série que nao pre­ a cabega”, que traduzo conjecturalmente,
tende ser exaustiva, nem deve desintegrar guiado pelo sentido. Outros, com menos
a unidade. A profecia se destina á fé, nao a coeréncia, o referem ao castigo, segundo
satisfazer a curiosidade. Parece que a “par- SI 11,6. *Literalmente: amontoarás bra­
lilha” nao pede medida e sim generosida- sas sobre sua cabega.
dc; ao passo que o “bom humor” é medida
ila compaixáo. 13 ,1-6 Sobre a obediéncia devida as au­
12,9 Sem fingir: lTm 1,5; lPd 4,10s. toridades civis. No ano da carta (57/58) já
12,11 “O Senhor” designa provavelmen- reinava Ñero (54-68), mas ainda nao havia
le Cristo. estourado a perseguigáo violenta contra os
12.14 Ver Mt 5,44; ICor 4,12. Pode ex­ cristáos. O autor supóe que as autoridades
cluir também a súplica e ainda o apelo á sao legítimas e honestas; escreve a urna
justiga vindicativa; quer dizer, supera a comunidade minúscula que vive na grande
espiritualidade de alguns salmos. capital do grande império. Pr 8,16 atribuí á
12.15 Ver Pr 25,20 e Eclo 7,34. Sensatez personificada o capacitar para o
12.16 Embora nao o diga expressamen- govemo; Sb 6,1-11 insiste na responsabili-
te, implica que a humildade favorece a dade das autoridades diante de Deus; se­
caridade (Pr 3,7; Is 5,21). gundo Jr 27,6, é o Senhor quem confere
12.17 Mal com mal: SI 37; Pr 20,22; autoridade a Nabucodonosor. O governante
24,29. é ministro de Deus “para o bem” do honra­
CARTA AOS ROMANOS 486

da. É ministro de Deus para aplicar o A vinda de Cristo — u Reconhci 11 u


castigo ao malfeitor. 5Portanto, é pre­ momento em que vivéis, pois já é Imi *
ciso subm eter-se, e nao som ente por de despertar do sono: agora a salvagli
medo do castigo, mas em consciencia. está mais próxima do que quando abi >
6Pela mesma razáo pagais impostosi as gamos a fé. 12A noite está avangad.i .|
autoridades sao funcionários de Deus, dia se aproxima: despojemo-nos, poi»,
dedicados a seu oficio. 7Dai a cada um das acóes tenebrosas e revistamos a . u
o devido: imposto, co n trib u id o , respei- madura luminosa. 13Procedamos com
to, honra; o que couber a cada um. 8Náo decencia, como de dia: nao em cornil m
tenhais dividas com ninguém a nao ser gas e bebedeiras, náo em orgias e liba
a do amor mùtuo. Pois quem ama o pró­ tinagem, náo em brigas e contenda1-
ximo cumpriu a lei. 9De fato: nào co­ 14Revesti-vos do Senhor Jesús Cristo í
m eterás adultèrio, nào matarás, nào nao satisfagais os desejos do instinto
roubarás, nào cobiqarás e qualquer
outro preceito se resum em neste: A m a ­ A Liberdade e caridade— 'A( o
rás o próxim o como a ti mesmo. IÜQuem A ^ l h e i quem fraqueja na fé, snu
ama nao faz mal ao próximo. Por isso, discutir suas opiniòes. 2Um tem fé, i)
o amor é o cum prim ento pleno da lei. come de tudo; outro fraqueja, e com«

do e o “castigo” do malvado. Ver a descri- góes de seu calendario. Mas, acontece qm


gao do rei ideal no SI 72. numa questáo corriqueira se debate o pro
13,7-8 A form ulado é aguda e parado- blema sério da consciencia ética pessoal
xal pelo contraste que o uso do próprio norma última e ¡mediata da agáo. E ness«
termo provoca. Pois, se a obrigagáo é como problema sério está implicada a caridad,
divida que se deve pagar, o amor deixa de de membros com diversas opinióes. Nao
sé-lo se é pagamento de divida. Dever sim, que todas as opinióes tenham o mesnu
divida nao; o amor vai mais longe que o valor ou sejam acertadas; quem tem o m es
agradecimento. mo valor sáo as pessoas, e os fracos m e re
13,9-10 O que o decálogo articula (Ex cem particular atengáo. Além do mais, a
20 e Dt 5) resume-se num versículo: Lv liberdade sob a graga pode erguer obsta
19,18. Ver a citagáo em Mt 5,43 par. Acres- culos á caridade. Como se fosse pouco
centa a citagáo complementar de Lv 19,18; Paulo, servindo-se do tema como de um
ver ICor 14,4-7. trampolim, salta a principios altíssímos e
13,11-14 Concluí sua exortagáo sobre a a magníficas formulagóes doutrinais. Di
conduta cristá com urna recomendagáo que passagem nos ensina a discernir valores
podemos chamar escatológica. A conduta concretos a partir de uma perspectiva su­
cristá nao é mera conseqüéncia da fé, mas perior.
também dinamismo rumo á consumagáo. Alimentos: a indiferenga dos alimentos
Costuma-se chamar a parusia “día do Se- foi promulgada por Jesús (Mt 15,11) cor
nhor”. Pois bem, esse día desponta: é hora rigindo os tabus de Lv 11. Paulo o forma
de despertar, de despojar-se de hábitos no- la de novo, referindo-se ao “reinado de
tumos e vestir-se para o dia e a luz (Is 52,1), Deus” (v. 17). Jesús declarou repetidas
ou para uma batalha iminente. Veste e ar­ vezes a indiferenga dos dias em sua reía
madura será o próprio Jesús Cristo Senhor. gáo com o sábado. Sobre a distingáo, veja
A imagem se quebra, indicando o inex- se Eclo 33,7-9.
primível. Etica e caridade. Em 2,14 indicava que
a consciencia ética do pagáo servia de lei,
14,1- 15,6 Náo esperávamos numa car­ agora reconhece que o julgamento último
ta táo macica, ou depois de uma exortagáo da consciencia, mesmo erróneo, serve di
táo dispersa, a discussáo de um problema preceito e pode induzir a culpa. Paulo co
particular, na aparéncia secundário. Real­ loca a consciencia pessoal em lugar no
mente, se diría que náo é transcendental bre. Mas a caridade impóe suas exigen
para um cristáo o que come ou as distin- cias. Aprimeira é reconhecer o outro como
*

M l' 487 CARTAAOS ROMANOS

i Ulm.is. 'Quem com e näo despreze deveremos comparecer diante do tribu­


i nao come; quem näo come näo nal de Deus, "com o está escrito: Por mi-
. 111ii |in' quem come, pois Deus o aco- nha vida — diz o Senhor — , diante de
ili. ii I tu, quem és para criticar um mim se dobrará todo joelho, toda boca
ni|iii r.,ido alheio? Que esteja de pé ou confessará Deus. 12Assim, pois, cada um
in In. i problema do seu paträo. E fi- de nós prestará contas de si a Deus.
II.i de pé, porque o Senhor o sustenta-
.1 Min distingue dias de dias, outro N ao e sc a n d a liz ar — 13Deixemos de
1.1 il.i qualquer dia: cada qual siga sua julgar-nos mutuamente. Procurai antes
. niivu\do. 'A quele que observa os dias, nao provocar o tropero ou a queda do
,i l.i/ pelo Senhor; aquele que come, o irmáo. 14PeIo ensinam ento do Senhor
i.i,- prlo Senhor, pois dá grabas a Deus. Jesús, eu sei e estou convencido disto:
Nmguém vive para si, ninguém mor- nada é impuro em si, mas o é para quem
ii jnira si. o tem como tal. l5Contudo, se o que tu
Sr vivemos, vivemos para o Senhor; com es faz sofrer teu irmáo, nao ages
si ■/norremos, morremospara o Senhor; com amor. Nao destruas, com o que
mi vida e na morte somos do Senhor. com es, alguém por quem o M essias
7 'ara isso morreu o M essias e res- morreu. 16Vossa vantagem nao deve ser
\n\iitou: exposta ao descrédito. I70 reinado de
¡un a ser Senhor de morios e de vivos. Deus nao consiste em comidas e bebi­
"Tu, por que julgas o teu irmäo? Tu, das, mas na justiija, na paz e na alegría
Iiiii que desprezas teu irmäo? Todos do Espirito Santo. 18Quem serve assim

iiinao e valorizá-lo como o valorizou Je- a liberdade promulgada por Cristo. O que
,ns Cristo, que deu a vida por ele. A apli- em nada diminuí o heroísmo dos mártires
i ai,ao tem urna parte negativa, nao julgar no regime do AT (2Mc 7).
■>ini tro, porque o julgamento compete ex- 14,3-4 Sao as duas tentagóes sutis, que
ilusivamente a Deus; nao escandalizar o se superam contemplando a bondade de
■miro, por respeito á sua fraqueza; e tem Deus que acolhe a todos; e como Senhor
•mira parte positiva: ajudar a levar os far- de cada um, o julga e o sustenta. Veja-se a
ilos e procurar a paz. distingáo segundo Eclo 33,7-9.
Pois bem, com toda a sua compreensáo 14,6 Dar gragas pelo que se come, seja
c liondade, Paulo nao deixa de afirmar que o que for, é reconhecer que é bom e que é
o escrupuloso está enganado, é fraco na fé, dom de Deus (cf. Is 62,9).
<•Ihe sugere dados para que mude de menta- 14,7-9 Senhor é aqui título de Cristo,
lulade. Paulo nao justifica a consciencia segundo a confissáo crista primitiva; está
meticulosa, mas admoesta a conscien­ ligado ä ressurreiqäo (F1 2,5-11). Só Se­
cia madura, tentada de soberba. Em últi­ nhor dos vivos? (Mt 22,32); também Se­
ma instancia, é Deus quem “acolhe, sus­ nhor dos mortos, para a vida. A morte fica
tenta e julga”. assumida na experiencia crista, grabas ao
Os vv. 7-9 dominam a perícope e se des- fato de Jesus ter experimentado a morte e
lirendem déla como programa de existén- té-la vencido ressuscitando.
cia crista. 14.10 Comparecer depois da morte (Hb
9,27; At 17,31).
14.1 “Fraquejam na fé”: porque ne- 14.11 Citagao de Is 45,23.
cessitam apoiá-la em observancias. E as 14,14 Quer dizer, a impureza legal é urna
observancias se apóiam em raciocinios qualidade que o homem projeta no objeto.
equivocados. Para o momento, é melhor Recorde-se a visáo de Pedro no episodio
"acolhé-lo” sem entrar em discussóes com de Cornélio (At 10-11).
ele, relegando o desacordo a outra zona 14,17 A “justiga” de nossa relagáo com
ou momento. Deus, a “paz” com Deus e com o próxi­
14.2 Nao é mais forte quem se atém a mo, a “alegría” que o Espirito infunde na^..
observancias dietéticas, mas quem aceita consciencia. j er
CARTA AOS ROMANOS 488

o Messias, agrada a Deus e é estimado cia e da consolaçâo vos conceda <<mj


pelos homens. 19Assim, pois, procure­ córdia mutua, seguindo Cristo F mu,
mos o que favorece a paz mutua e é cons- fide modo que, num só coraçâo e .......
trutivo. 20Por um alimento nao destruas só voz, glorifiquéis a Deus, Pai de mii|
a obra de Deus. Tudo é puro, mas é mau so Senhor Jesús Cristo.
comer provocando a queda de outro.
21Bom é abster-se de carne, de vinho ou A boa noticia para judeus e p a g a o s
de qualquer coisa que provoque a queda 7Portanto, acolhei-vos mutuamenii
do irmáo. 22A fé que tens guarda-a dian­ como o Messias vos acolheu, para a fin
te de Deus. Feliz quern discerne sem ría de Deus. 8Quero dizer: Cristo se I.
sentir-se culpado; 23mas quem come du- ministro dos circuncidados em atengan
vidando, é culpado, porque nao age pela à fidelidade de Deus, cumprindo as pi<<
fé. E o que nao brota da fé é pecado. messas dos patriarcas; yao passo que <>*
pagaos glorificam a Deus por sua mise'
iNós, os fortes, tem os de arcar ricórdia, como está escrito: Vou te con
com as fraquezas dos fracos, e fessar diante dos pagaos, e cantarei cm
nao procurar nossa satisfagáo. P r o c u ­ tua honra. ,0E em outro lugar: Louvm,
re cada qual a satisfagáo do próximo naçôes todas, junto com seu povo. 111
para o que é bom e construtivo. 3Tam- de novo: Louvai ao Senhor todas as g( vi
pouco o M essias procurou a própria tes, que todos os p o v o s o exaltan
satisfagáo, mas, como está escrito, as 12Isaías, por sua vez, diz: Levantar-si ■11
afrontas com que te afrontam caíram o broto deJessé, se levantará para gover
sobre mim. 40 que se escreveu entáo nar as naçôes: nele esperaráo os povos
foi para a nossa instrucao, para que pela 130 Deus da paz vos cumule de alegri.i
paciencia e c o n so la d o da Escritura te- e paz na fé, para que transbordéis de es
nhamos esperanza. sO Deus da pacién- perança pela força do Espirito Santo.

14,20 Obra de Deus é a comunidade e do por própria iniciativa; em outros termi r..
cada membro déla. fidelidade ás promessas feitas aos patriai
14,22-23 A consciencia pessoal se con­ cas. Deus deve a si mesmo essa fidelidade
fronta a sos com Deus; mas nao pode pres­ à palavra dada. Asegunda é iniciativa pura,
cindir das exigencias sociais. Compare-se ato livre de misericordia em favor dos pagaos,
a bem-aventuranga com SI 32,2. A fé é a que nao eram beneficiários de urna promes
convicgao da consciencia iluminada. sa. Logicamente, prometer é ato de mise
ricórdia, cumpri-lo é ato de fidelidade.
15,1 Ver G1 6,2. A iniciativa de Deus é única, bifurca-se
15.3 Ver SI 69,9 aplicado a Cristo. na realizagào histórica e volta a unir-se n i
15.4 Ver lMc 12,9. Consolar era oficio realidade da Igreja. Comenta a vocado dos
do arauto ou “evangelista” (Is 40,1); a Es­ pagaos com várias citagóes. A primeira (SI
critura, como palavra inspirada, pode conso­ 18,50), posta na boca de Davi, é um grande
lar eficazmente. Parecem opostos e sao com­ salmo de agáo de gragas; a segunda perten
plementares: paciencia (sofrer) e consolo. ce ao chamado càntico de Moisés (Dt 32,
15,7-12 Parece recapitulado ou conclu- 43); a terceira faz parte do brevissimo Sal
sáo dos caps. 9-11. A chave do sentido está mo 117; a quarta pertence a urna adido tar­
na distingáo entre fidelidade e misericor­ día ao poema de Isaías, vinculada ao Mes
dia. Com toda probabilidade, as duas pa- sias (11,10).
lavras gregas, aletheia eleos, respondem 15,13 Ressoa o tema da esperanza neste
ao binomio hebraico hesed w ’emet que v. que poderia ser a saudado final, a con
Yhwh pronuncia na sua auto-apresentaqáo clusáo de toda a carta. Mas antes retoma o
(Ex 34,6); repete-se como fórmula litúr­ tema da projetada viagem a Roma. Depois
gica e em múltiplos contextos. de mencionar o ministério de Cristo, na
Paulo interpreta a primeira como fideli­ conclusáo apela a Deus (Pai) e ao Espirito
dade ou lealdade ao compromisso contraí­ Santo, junta a fé e a esperanza.
III II 489 CARTA AOS ROMANOS

Mi .mio <lc Paulo p a ra os p ag ao s — 23Agora queja nao me resta tarefa por


"On.mio a vós, queridos irm àos, es- estas regióes, e com a vontade que te-
mu i iMivencido de que estáis cheios de nho há tempo de visitar-vos, 24em mi-
limili.ule e repletos de todo conheci- nha viagem para a Espanha espero ver-
iii. ilio e que podéis admoestar-vos m u­ vos de passagem e, depois de desfrutar
llí.miente. l5Contudo, pela graga rece- um pouco de vossa com panhia, que
11111.i d e Deus 16de ser m inistro de Jesus providenciéis a minha viagem. 25Neste
i nsio para os pagaos e oficiante da boa momento me dirijo a Jerusalém a servi­
i i u I h ím de Deus, tive a audacia de vos do dos consagrados. 26Pois os da Ma-
. il-ver e refrescar vossa m em òria, cedónia e Acaia decidiram solidarizar­
l'.ua que a oferta dos pagaos seja acei- se com os cristaos pobres de Jerusalém.
i,i c consagrada pelo Espirito Santo. 27Eles o decidiram, como era sua obri-
' ì'o r Cristo Jesus, posso sentir-m e or- gagao: pois se os pagaos se beneficia­
(IIIIlioso diante de D eus. lsM as nao ran! com seus bens espirituais, é justo
imsareí falar, se nao for do que Cristo que eles os socorram nos m ateriais.
ir.ili/.ou por meu interm èdio para a 2SQuando tiver concluido esse encargo,
i imversao dos pagaos: por palavras e garantindo a entrega da coleta, irei á
ulnas, 19com sinais e prodigios, com a Espanha, passando por vossa térra. 29E
litiga do E spirito de D eus. P artindo sei que, quando for visitar-vos, o farei
•Ir Jerusalem e seus arredores até a com a plena bén^io de Cristo. 30Pelo
Iliria, completei o anuncio da boa notí- Senhor nosso Jesús Cristo, (irmáos,) e
i ni do Messias. 20E tive como ponto de pelo amor que o Espirito infunde, reco-
honra dar a boa noticia onde ainda nao mendo-vos que luteis a meu lado rezan­
lora anunciado o M essias, a fim de nao do a Deus por mim, 31para que na Judéia
i (instruir sobre alicerce alheio; e sim me livre dos que nao créem e para que
'como está escrito: A queles que nao minha missáo entre os consagrados seja
linham noticia dele o verno, compreen- bem recebida. 32Assim, se Deus quiser,
ilcráo os que nao tinham ouvido. 22Esse poderei visitar-vos com alegría para des­
motivo me impediu repetidas vezes de cansar um pouco junto de vós. 330 Deus
ir visitar-vos. da paz esteja com todos vós. Amém.

15,14-33 Estas linhas soam como se chegará a Roma e á Espanha e a todos os


Paulo quisesse desculpar sua intromissáo países do mundo.
numa igreja alheia e justificar sua proje- 15,16 Oficiante é termo cultual, oportuno
lada visita (veja-se a introdugào à car­ para o guia de uma vida crista que é culto a
ia). A linguagem é cortés e comedida. A Deus (12,1). A oferta dos pagaos sao suas
presente carta nao pretende evangelizar pessoas como oferta apresentada a Deus.
a bons cristaos, mas recordar coisas sa­ 15,17-18 Paulo pode estar orgulhoso do
bidas. que recebeu, de ser instrumento de Jesús
A visita a Roma será etapa de urna via­ Cristo e do Espirito como evangelizador
gem mais longa, para uma regiáo ainda nao de pagaos.
evangelizada, e uma espécie de férias es­ 15.20 Desenvolve a idéia em 2Cor 10,
pirituais (vv. 24.32). A viagem será adia­ 15s.
da um pouco porque tem pendente a via­ 15.21 Citagáo de Is 52,15 segundo a
gem a Jerusalém para entregar o produto versáo grega.
da coleta. Notemos que tudo, menos a car­ 15,25 Sobre a coleta, ver ICor 16,1-4 e
ta, é projeto humano. 2Cor 8-9.
A viagem à Espanha provavelmente nao 15,31 Duplo temor: da hostilidade dos
se realizou; a viagem a Roma terá outro judeus e da indiferenga dos cristaos de Je­
caráter e itineràrio; o gozo da companhia rusalém: ver At 23. ,s-
estará limitado pela prisáo. Apenas a carta 15,33 Nova saudagáo conclusiva. ¿der,
CARTA AOS ROMANOS 490

Saudagoes p e sso a is— 'Reco- pas e a todos os consagrados di m i


mendo-vos nossa irmá Febe, dia- comunidade. 16Saudai-vos com o In i|>
conisa da igreja de Cencréia, 2para que sagrado. Todas as igrejas cristas vn|
a recebáis, em atengáo ao Senhor, como saúdam.
merece urna pessoa consagrada, e a as- 17Irmáos, eu vos recomendo que \ i
sistais nos assuntos em que precisa de gieis os que semeiam discordias e 11••
vós. Ela foi advogada de muitos, com e­ pegos contra a doutrina que aprendosi. ,
a n d o por mim. 3Saudag6es a Prisca e evitai-os. 18Esses tais nao servem a Ci i
Aquila, meus colaboradores na obra de to Senhor nosso, e sim ao pròprio venti i
Cristo Jesús, 4que para salvar minha e com discursos suaves e atraentes si
vida arriscaran! a própria; nao somente duzem as pessoas que nao tèm malici.i
eu lhes sou agradecido, mas toda a igre­ 19A fama de vossa fé se difunde por to
ja dos pagaos. 5Saudagoes á común ida- dos os lugares, e me alegro por vós, poi*
de que se reúne em sua casa. Saudagóes vos quero sensatos para o bem e s m
ao meu querido Epéneto, primicia da contàgio para o mal. 2uMuito em brc\ >
Asia para Cristo. 6Saudag5es a María, o Deus da paz triturará Satanás sob o
que tanto trabalhou por vós. 7Saudagóes vossos pés. A graga do Senhor nossu
a Andrónico e Júnia, meus patricios e Jesús Cristo esteja convosco.
companheiros de prisáo, que sobressaem 21Saúda-vos Timoteo, meu colabora
entre os apóstolos e foram cristáos an­ dor, Lucio, Jasáo e Sosípatro, meus pa
tes de mim. 8Saudagóes a Amplíato, meu trícios. 22E eu, Tércio, que escrevi esl.i
amigo no Senhor. '’Saudagóes a Urba­ carta, vos saúdo em nome do Senhm
no, meu colaborador na obra de Cristo, 23Saúdam-vos Gaio, que me hospeda
e a meu querido Estáquis. 10Saudagoes com toda a sua comunidade, Erasto, te
a Apeles, homem provado em Cristo. soureiro da cidade, e o irmáo Quarto*.
Saudagóes á familia de Aristóbulo. n Sau- 25Aquele que pode confirmar-vos se
dagóes a meu patricio Herodiáo. Sau- gundo minha boa noticia e a proclama
dagóes aos fiéis da familia de Narciso. gao de Jesús como Messias, conforme
12Saudagóes a Trifena eTrifosa, que tra- o segredo calado durante séculos 2<V
balharam pelo Senhor. 13Saudagóes a revelado hoje e, por disposigáo do Deus
Rufo, eleito do Senhor, e á sua m ié e eterno, manifestado a todos os pagáos
minha. 14Saudagóes a A síncrito, Fle- por meio de escritos proféticos para que
gonte, H erines, Pátrobas, H erm as e abracem a fé, 27a Deus, o único sábio,
os de sua comunidade. 15Saudagóes a por meio de Jesús Cristo, seja dada n
Filólogo, Júlia, Nereu, sua irmá, Olim- gloria pelos séculos dos séculos. Amém.

1 6 Sobre saudagóes táo ampias e deta- 16,20 Sata personifica ou encarna tudo o
lhadas, veja-se a introdugáo. que se opoe ao designio de Deus com o
16,3-5 Isto supóe que os exilados tinham evangelho. O Deus da paz destruirá o semeador
voltado a Roma e que ai dispunham de de discordias (cf. Gn3,15; Me 1,13; Le 10,18).
meios para oferecer sua casa a urna comu­ 16,23 Alguns manuscritos acrescentam:
nidade. 2'Que a graga de nosso Senhor Jesús Cris­
Esta última recomendagao pa- to esteja com todos vós.
s-escrito. 16,15-17 A doxologia recapitula temas
»u: simples. da carta e de outros escritos. O “único sá­
di. colhe o dito em 1,5. bio” (segundo Eclo 1,8).
PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

INTRODUgAO
<orinto era na antigiiidade urna ci- urna comunidade crista. A mensagem
ih/</<■ privilegiada p o r sua situaqào: de Paulo era boa noticia para eles, pois
mu \ dois portos, abertos a dois mares, Ihes devolvía a dignidade humana e
iiln iam-se ao nascente e ao poente, Ihes infundía esperanqa.
i onvertiam-se em encruzilhada ou p on­ A julgar pelos documentos, a nenhuma
te comercial e cultural entre A sia eE u - com unidade Paulo dedicou tanta aten-
mpii. Arrasada p elos rom anos (147- gao e tantos desvelos. Em certo sentido,
l-Ki a.C.), fo i reconstruida com grande Corinto fo i a igreja paulina po r exce­
¡■splendor (45 a.C.), dotada de edificios lencia. Evangelizar Corinto era anunciar
suntuosos e facilidades portuárias. Foi a boa nova a todas as nagóes, congre­
irpovoada em grande parte por colonos gadas e irrequietas. Era experimentar
ila Itália, aos quais se som avam rapi- o encontro ou choque entre evangelho
ilmnente cidadàos de muitas nagóes. e paganism o; depois disso, o rápido e
l'unto assim que os gregos eram m ino­ bem sucedido crescimento de urna co­
rili. Era urna cidade cosmopolita, com m unidade de recém-batizados. Plantas
número m uito elevado de escravos, e tenras expostas ao paganism o envol­
rom presenga considerável de judeus. vente, com suas doutrinas e maus cos-
i.m 2 7 a.C. fo i nomeada capitai da pro­ tumes, impedidas pelo peso de sua vida
vincia romana da A caia (Grècia). A passada tao próxima.
prosperidade econòmica se unia a vida Conhecem os a ocasiáo da carta pela
licenciosa: seu principal tem plo era própria carta. Paulo se encontrava em
dedicado a Afrodite, e nele se pratica­ E feso (54-57), evangelizando a gran­
va a prostituigáo sagrada (a isto alude de capital m arítim a da A sia e as ci-
6,15-20); Corinto era a cidade do pra- dades vizinhas, quando Ihe chegaram
zer. A i se celebravam periodicam ente más noticias de Corinto. Escreveu-lhes
os jogos ístmicos. Era também confluen­ urna prim eira carta, hojeperdida (IC or
cia de religióes e cultos dispares, leva­ 5,9); surgiram outras noticias alar­
dos po r moradores heterogéneos e por mantes: de divisóes internas e escán­
pregadores itinerantes. dalos na comunidade. A s noticias che­
Paulo chegou a Corinto depois de seu garam a co m panhadas de consultas
fracasso em Atenas (At 18,1), para en­ sobre p ontos de doutrina e costumes.
trar fraco, tendo apenas seu evange- P aulo respondeu com a que hoje cha­
Iho, naquele fervedouro de homens e mam os prim eira carta aos Corintios.
culturas: um pregador de mais outro N inguém duvida de sua autenticidade
culto o rientai ainda m ais estranho. paulina; o m ais que adm item ou con-
Acolheram-no Aquila ePriscila, um ca­ cedem alguns é alguma moderada ela-
sal de judeus convertidos ao cristianis­ boragáo posterior.
mo, exilados de Roma pelo edito do im­ A ocasiáo diz algo da composigáo da
perador Claudio (49 d.C.). A i ficou o carta, como se pode deduzir no texto,
apóstolo um ano e meio. Rejeitado p e ­ mas diz muito pouco sobre o conteúdo.
los judeus (segundo o esquema de L u ­ Porque Paulo, atacando abusos e resol-
cas), recrutou convertidos sobretudo vendo dúvidas, se remonta a alturas ver­
entre os plebeus e escravos da cidade, tiginosas e desee a profundidades m is­
e os preparou para fo rm a r com eles teriosas de doutrina. Sem pretender,
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 492 INTRODUCA!

sem alardear, compóe um texto de qua- 12.1-31 Carismas, 13,1-13 e aniui


lidade literária excepcional. Pouco V a ­ cristáo; 14,1-40 profeci;i c
leria enum erar aqui seus ensinamen- línguas m isteriosas.
tos m ais importantes. M ais útil será 15.1-58 Ressurreigáo dos morto .,
adiantar urna sinopse da carta.
III. 16,1-24 Coleta para Jerusaíém <■
saudaijóes
1,1-9 Introduqao clàssica, ampia. Podemos destacar alguns dados. Apn
senta-nos Jesús Cristo como a Sabed o
I. Problemas na igreja de Corinto ria (sophia) de Deus, personificada c
humanizada, e realizada na cruz. D e um
I,10-17 Divisoes em Corinto; vv.
só gesto recolhe a grande tradiqáo .sv/
18-31 a mensagem da cruz, piencial do A T e se opòe à seduqào dii
2,1-16 e a sabedoria supe­
filosofia paga, tao inclinada a ramificai
rior; 3,1-23 imaturidade dos se em escolas e a enfrentar-se em discus-
corintios; 4,1-21 ministros sóes. Se a comunidade se divide em fac
de Cristo. qóes, deve saber que as divisòes crista s
5.1-13 Um caso de incesto. legítimas nascem do pluralismo dos ca­
6.1-11 Pleitos entre cristáos. rismas, emfunqào do serviqo à comuni
6,12-20 Liberdade crista e forni­ dade; sobre os carismas reina soberano
cado. o amor. O amor autèntico ensina a ceder,
II. Resposta a consultas submetendo a liberdade crista ao bem do
próximo e fa zen d o se assim consumada.
7.1-40 Matrimònio e celibato; nao A caridade crista vai acompanhada de
mudar de condiqáo, m atri­ esperanqa, que nasce da fé na ressurrei
m ònio e virgindade. qño, e esta nao é a sobrevivencia da alma
8,13-11,1 V ítim as sacrificadas aos que a filosofia grega defende. Quanto aos
ídolos: o exem plo de Pau­ costumes, Paulo propóe urna ética sexual
lo, perigo de idolatria e li­ entre os extremismos da permissáo e da
berdade crista. continencia total; propóe um culto sobrio
II,2-16 O véu das mulheres. e transcendente, distante da religiosida-
II,1 7 -3 4 Agape e eucaristia. de orgíaca e dos banquetes pagaos.
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

11’anlo, cham ado por vontade de 60 testem unho sobre o M essias se


I I )eus a ser apóstolo de lesus o Mes-
,i,r., e o irmào Sóstenes, 2à igreja de
confirm ou em vós, a ponto de 7náo vos
faltar nenhum dom, vós que esperáis a
I >i iis em Corinto, aos consagrados a m anifestagáo de nosso Senhor Jesús
i i isto Jesus com urna vocagào santa, e Cristo. 8Ele vos confirmará até o fim, pa­
ii imlos os que invocam, seja onde for, ra que no dia de nosso Senhor Jesús Cris­
n nome de Jesus Cristo, Senhor deles e to sejais irrepreensíveis. 9Fiel é Deus, que
m o s s o : 3graga e paz da parte de Deus vos chamou á comunháo com seu Fi­
m o s s o Pai e do Senhor Jesus Cristo. lho, Jesús Cristo Senhor nosso.
‘Dou gragas sem cessar ao meu Deus
p o r vós, pela gratta que Deus vos deu D iscordias em C o rin to — lüIrmáos,
por meio de Cristo Jesus, 5pois por meio em nome do Senhor nosso Jesús Cristo
ilcle vos enriquecestes em tudo, com rogo que estejais de acordo e que nao
lodo tipo de palavras e conhecimento. haja divisoes entre vós, mas urna per-

1.1-9 Aintrodugáo à carta contém, corno sus (cf. Jo 17,17.19; veja-se a fórmula
ile costume, saudagáo e agáo de gragas. Na “consagrou os seus chamados”, Sf 1,7;
•.midagao mencionam-se remetente e des- outras consagragóes Dt 15,19; Jr 1,5). A
linatários; a agáo de gragas é específica saudagáo se estende a todos os cristáos de
ncsta carta. Pode-se notar no grego o jogo outras igrejas, cuja identificagáo comum
rom a raiz kal- à qual pertencem chamar consiste em invocar como Senhor (Kyrios)
(vv. 1,2.9), invocar (v. 2), igreja (= convo- Jesús Cristo (cf. J1 3,5; F1 2,11). “Graga e
cagao, v. 2). A raiz kar- pertencem graga paz”, junta a saudagáo grega com a he­
(vv. 3.4), dar gragas (v. 4) e dom ou carisma braica numa dimensáo nova. Sóstenes é
(v. 7). Nota-se também a presenga domi­ provavelmente aquele mencionado em At
nadora de Jesus Cristo, mencionado nove 18,17.
vezes em nove versículos mais um prono­ 1,4-8 A costumeira agáo de gragas se
me: todo o sentido do evangeiho é orien- concentra em dons particulares com que
lar para a pessoa de Jesus Cristo. Comega foram enriquecidos, carismas de falar e de
na “consagragáo” (batismal), terminará na entender, dos quais se ocupará na carta
“manifestagáo”. O nome de Deus, que se (caps. 12 e 14). Esses carismas tém urna
pronuncia assim quatro vezes, identifica­ fungáo no presente, mas ficam orientados
se como “Deus, Pai nosso e de Jesus Cris­ e submetidos á “manifestagáo” última de
to” (v. 3); correlativamente Jesus Cristo é Jesús Cristo, quando chegar “seu dia” (cf.
seu Filho (v. 9). Am 5,18; J1 3,4). O “testemunho de Cris­
1.1-3 A saudagáo se dirige a urna igreja to” equivale ao evangeiho proclamado, que
locai, aludindo a outras igrejas. Paulo se recebeu confirmagáo com os carismas e
apresenta com seu título de apóstolo ou que por sua vez confirmará os que créem.
enviado; como embaixador, menciona o 1,9 Deus é fiel (título divino em Dt 7,9;
nome e título de quem o envia, “Jesus Is 49,7), para dar arremate ao que foi cc
Messias”. O cargo procede da decisào de megado (SI 138,8). O cristáo entra em cc
Deus, que o chama, é sua “vocagáo” (como munháo com o Filho de Deus e por ek
a dos profetas no AT). A eia corresponde a com o Pai (lJo 1,3). O posicionamento
“vocagào” à “santidade” dos cristaos de cristológico e eclesiológico desta introdu-
Corinto (que atualiza o chamado à santi­ gáo marca e orienta toda a carta.
dade de todo o povo, no Levitico). Pelo 1,10-17 O primeiro assunto que Paulo
batismo ficaram consagrados a Cristo Je- trata sao as divisoes e rivalidades em sua
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 494

feita concordia de pensam ento e de guém pode dizer que foi batizado m
opiniâo. "P o is fiquei sabendo, irmâos vocando meu nome. 16Bem, batizei lain
meus, pelos de Cloé, que existem dis­ bém a familia de Estéfanas; porém, qu<
cordias entre vos. 12Refiro-me ao que ca­ eu saiba, nao batizei mais ninguém. I >■
da um anda dizendo: Eu sou de Paulo, fato, o M essias nâo me enviou para bu
eu sou de Apolo, eu sou de Cefas, eu tizar, mas para anunciar a boa notíci.i,
sou de Cristo. I30 Messias está dividi­ sem qualquer eloqüência, para que n;n >
do? Foi Paulo crucificado por vos, ou se invalide a cruz do Messias.
fostes batizados invocando o nome de
Paulo*? 14Graças a Deus, batizei so- A mensagem da cruz — 18Pois a men
mente Crispo e Caio; 15dessa forma nin- sagem da cruz é loucura* para os que

igreja de Corinto. O problema da unidade e Senhor. Contra as divisóes que romprni


podia senti-lo um judeu que esperasse um a unidade e a favor da concordia (SI 133).
Messias segundo a Escritura. Pois urna das Paulo nao pensa aqui em escolas de peu
tarefas do descendente de Davi seria refa- samento teológico, e sim em questóes c
zer a unidade das tribos rompida no trágico atitudes substanciáis.
cisma (cf. Is 7,17; cf. as promessas de Is 1,13 Havia entre os judeus quem espc
ll,13s; Jr 23,5s; Ez 37,15-28). Pois bem, rava um Messias rei ou um Messias sacei
quando o Messias chega e chama também dote, ou os dois; inspirados talvez em Zc
os pagaos junto aos judeus, parece compli­ 3-4. Paulo nao admite mais que um, o da
car a situadlo (como se viu no Concilio de cruz, ao qual o batizado se consagra. No
Jerusalém, At .15). Dentro do judaismo, rito batismal se invocava o nome daquelc
Paulo conheceu seitas bem diversas e mes- a quem se consagrava aquele que seja ba­
mo rivais: poder-se-ia aceitar o mesmo tizado (At 2,38; 8,16). Diante da dedica-
na Igreja? çâo, pouco importa quem administra o rito.
Todos os fiéis reconheciam Jesus como *Ou: dedicando-vos a...
Messias e o “invocavam” como Senhor 1,17 Nao se trata de valor comparativo,
(1,2): podia-se tolerar a divisäo? Os cris- e sim de divisáo de trabalho; nâo se rebai-
táos de Corinto eram de procedencia he­ xa o sacramento em favor da palavra. O
terogénea: devia pesar mais a origem que que Paulo pensa sobre o batismo está ex­
a “consagragäo”? plicado em Rm 5 e outros lugares. Ade­
Pega essencial da mensagem/evangelho máis, o evangelho tem por tema a pessoa
de Paulo é que o Messias prometido aos e obra de Jesús Cristo, e o batismo expressa
judeus é enviado a todos os homens. É a dedicaçâo total a essa pessoa: veja-se, a
absurdo fazer dele a bandeira de um ban­ título de exemplo, o episodio de Filipe e o
do frente a outros, criando facgdes em eunuco (At 8).
Corinto. O Messias nao está dividido nem A segunda parte do v. serve de transiçâo,
é monopolio de um grupo. Pelo visto, ha- para anunciar o próximo tema. À cruz do
viam-se formado em Corinto vários parti­ Messias contrapóe “a sabedoria (ou des­
dos: o de Paulo, fundador dessa igreja; o treza) da palavra (ou razáo)”. A eloqüên­
de Pedro, por um tempo cabega da igreja cia convence pela habilídade do orador,
de Jerusalém, dedicado mais aos judeus, nâo extrai sua força da cruz do Messias;
porém pioneiro da abertura aos pagaos (At Paulo podia recordar seu fracasso em Ate­
10-11); o de Apolo, judeu helenista de nas antes de chegar sem forças a Corinto.
Alexandria, muito versado na Escritura e 1,18-25 Judeus e gregos, cada um a seu
relacionado com o movimento do Batista modo, enfrentam o problema do saber. O
(At 18,25); e o do Messias, legítimo em AT incluí um grupo de livras que chama­
si, mas deformado por atitudes polémicas, mos “sapienciais”, cujo tema é a hokma
intransigentes. (sabedoria, prudencia, habilidade): os gre­
1,10 A exortagáo de Paulo é solene e gos cultivam o “amor ao saber” ou philo-
enérgica. “Rogo” é em gregoparakalo, da sophia. Em ambos os casos busca-se um
mesma raiz que “chamar”. Em nome de saber também prático, nâo puramente in­
Jesus e apelando a seus títulos de Messias telectual: conhecer o sentido da vida e dar
495 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

• |" nlrm; para os que se salvam é for- para os cham ados, judeus e gregos, um
r .1. Deus. ‘‘'Com o está escrito: Aca- M essias que é força de Deus e sabedo­
i d i n n sabedoria dos sábios ria
e de Deus. 25Pois a loucura de Deus é
,, ntluiiilin’i a inteligencia dos inteligen- mais sábia que os homens, a fraqueza
i, - "< )mlc há um sábio? Onde um letra- de Deus é mais forte que os homens.
1.1 ’ <)mle um investigador deste mun- 26O bservai, irmáos, vós que fostes
i" ’ I >cus nao converteu em loucura a chamados: nao m uitos sábios humana­
«tiln ili >■ia mundana? 21Como, pela sá- mente, nao m uitos poderosos, nao mui­
111.1 ilisposigáo de Deus, o mundo com tos nobres; 2/ao contràrio, Deus esco-
,ii,i sabedoria nao reconheceu a Deus, lheu os loucos do mundo para humilhar
I irus dispós salvar os fiéis pela loucu- os sábios, Deus escolheu os fracos do
iii* ila cruz. 22Porque o sju d eu s pedem m undo para hum ilhar os fortes, 28Deus
,ni,iis, os gregos procuram sabedoria, escolheu os plebeus e desprezados do
,in passo que nós anunciam os o Mes- mundo, os que nada sao, para anular os
iiiis crucificado, escándalo para os ju- que säo alguma coisa. E assim nin-
I
i imis , loucura para os pagaos; 24mas guém poderá orgulhar-se diante de Deus.

,. ni ido á vida. Vários textos tardíos do AT 1,19 Acitaçâo une urna frase polémica do
hlriilificam hokma com tora, sabedoria profeta contra a falsa prudéncia de conse-
■mu lei (p. ex. Eclo 24; Br 3); sábio ou lheiros políticos (Is 29,14) e urna frase sobre
iloiilor é o estudioso e intérprete da lei o fracasso dos planos políticos (SI 33,10).
(líelo 39,1-11). Paulo identifica a sabedo- 1.21 Paulo se compraz num jogo aperta-
i i.i com o projeto paradoxal do Pai e sua do de correspondencias. Pode dar idéia um
ii ;iliza§áo por meio Jesús Cristo. decalque do grego: “já que pela sabedoria
Osjudeus esperam um Messias triunfa­ de Deus o mundo nao conheceu a Deus pela
dor (nao o Servo de Is 53): um Messias sabedoria, Deus dispos...”. *Ou: o absurdo.
instigado é para eles urna mensagem es­ 1.22 Ver Mt 12,38 par.
candalosa. Para os gregos (que cultivam o 1,24 “Os chamados”: retorna a desig-
saber, filo-sofia) um salvador sentenciado naçâo do prólogo ( 1,2).
e absurdo: quem nao se salvou a si, mal 1,26-31 Esse paradoxo, força do fraco,
poderá salvar outros. A cruz denuncia a se prolonga e se manifesta na comunidade
mal empregada sabedoria humana e de­ de Corinto, composta de gente socialmen­
monstra um poder e saber de Deus para- te sem importancia (Tg 2,5; Mt 11,25); nao
iloxais, que o homem descobre pela fé. A sao muitos os intelectuais, os poderosos, a
Irase “só um é sábio” (Eclo 1,8) adquire nobreza. Como outrora uns escravos no
urna ressonancia nova. Egito (Dt 7,7-8; Is 49,7), assim agora elege
O parágrafo distingue dois campos, ju- os contrarios: gente iletrada, sem influén-
ileus e gregos (pagaos), e trabalha com an- cia, sem títulos. A antítese dos filósofos, “o
líteses elementares. A primeira é sabedo- ser e o nao ser” adquire outro sentido na
ria/loucura (ou razáo e absurdo): é típica ordem da salvaçâo: ser cristáo é ser nova
dos pagaos (cf. Br 3,22-23) e dos gregos criaçâo (2Cor 4,17). Continua a antítese
i|ue investigam e discutem; mas também confundir/gloriar-se: com o fraco Deus con­
cntram nesta categoría os “letrados” que funde ou faz fracassar o forte e assim nin-
se ocupam da lei (Jo 5,39). A segunda é guém pode gloriar-se diante de Deus (Jr
poder/fraqueza: poder de Deus que se 9,22-23 sobre a falsa gloria e a auténtica;
manifesta nos sinais ou milagres, do qual cf. Dt 8,17-18). Por meio de Jesus Messias
participará o futuro Messias (Mt 12,38). comunicam-se aos fiéis qualidades e açoes
Como desenlace, entra a terceira antítese: de Deus: a sabedoria como sentido da vida
perdicao/salvagáo. A cruz de Cristo rom­ (cf. Eclo 1,10), a justiça que nos faz justos
pe os sistemas em que se encastelam ju- em nossa relaçâo com Deus (tema da carta
deus e pagaos e revela, de modo inespe­ aos Romanos, cf. Jr 23,5s), a consagraçâo
rado e difícil, a sabedoria e o poder de (cf. Jo 17,19), o resgate como libertaçâo da
Deus. escravidäo (cf. Dt 4,6.8; SI 130,7).
1,18 *Ou: absurdo. *Ou: um milagre. 1,27 Compare-se com Eclo 11,1-6; Jz 7,2.
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 496 t

30Gragas a ele, vos sois de Jesus o M es­ na sabedora humana, mas no pod< i d|
sias, que se tornou para vós sabedoria vino. 6Aos maduros* propusemos mu
de Deus, justiga, consagragäo e resga- sabedoria: nao a sabedoria deste m in
te. 31Assim se cumpre o que está escri­ do ou dos chefes deste mundo que v.m
to: Quem se gloria glorie-se do Senhor. decaindo. 7Propusemos a sabedor¡;i *1.
Deus, mistério oculto, por decisao d i
Sabedoria superior— 'Quando fui vina, desde o passado para vossa gin
2 até vós, irmáos, nao me apresentei
com grande eloqüéncia e sabedoria para
ria. 8Nenhum príncipe deste mundo .i
conheceu: pois se a tivessem conheci«
anunciar-vos o mistério* de Deus; 2pois do, nao teriam crucificado o Senhor d.i
entre vós näo decidí saber outra coisa a gloria. 9Porém, como está escrito: Aquí
näo ser Jesus M essias, e este, crucifi­ lo que olho nao viu nem ouvido ouriti
cado. 3Fraco e tremendo de medo, apre- nem mente humana concebeu, isso Den .
sentei-me a vós; 4minha m ensagem e preparou para os que o amam.
minha proclamagáo nao se apoiavam
em palavras sabias e persuasivas, mas R evelada pelo E spirito — 10A nós
na d em o n strad o de poder do Espirito, Deus o revelou por meio do Espirito
5de m odo que vossa fé näo se fundasse Pois o Espirito explora tudo, inclusive

2.1-9 Continua o tema da sabedoria, co­ duros”: parece qualificativo irònico do-,
mo o mostram a seis repetiçôes da palavra corintios; deveriam sé-lo e nao o sao (3,1).
sophia. O termo reiterado serve para unifi­ O título Senhor da gloria é título divino,
car variaçôes e oposiçoes. Pode ser sabe­ tomado de SI 24,8 que o refere à entrada
doria de Paulo, retórica, humana, mundana, triunfal de Yhwh Rei no templo; Paulo o
divina; pode opor-se a segredo e a poder. aplica a Jesús Cristo e o relaciona com a
2,1 *Ou: segredo. crucifixáo. *Ou: perfeitos.
2.1-5 A falta de eloqüéncia e o temor 2.9 A citagáo é tirada de Is 64,3 com­
recordam a experiéncia de Moisés (Ex pletada por um par de versículos; Isaías
4,10-16) e a de Jeremías (Jr 1). Paulo nao menciona “os que esperam”, Paulo diz “os
baseou seu ministério em valores da cul­ que amam”.
tura grega: filosofía como atividade sim- 2,10-16 Emprega urna com paralo tirada
plesmente humana (cf. Jó 28), retórica co­ da hermenéutica humana, coordenando os
mo recurso para persuadir. Seu tema nao fatores: emitente, receptor, tema e lingua-
é descoberta humana, mas segredo reve­ gem. A intimidade secreta de um homem é
lado, e se condensa numa pessoa, Jesús. sua consciencia que a conhece (Pr 14,10;
Sua força persuasiva procede do Espirito. 20,27) e só eia pode comunicá-la. Deve
O mistério ou segredo de Deus costuma fazé-lo com palavras apropriadas ao tema e
referir-se ao plano de Deus para a salva- à capacidade dos ouvintes. A mensagem está
çâo universal por meio de Jesús Cristo: ao condicionada, muitas vezes limitada, pela
se proclamar o evangelho aos pagaos, o invalidez da linguagem em rela§áo ao te­
plano de Deus está se cumprindo. ma, pela disposilo dos ouvintes. Estes de-
O temor de Paulo se explica pelo desco­ vem sintonizar-se com o tema e a linguagem,
munal da empresa: urna mensagem estra- devem ajustar seu horizonte ao do autor.
nha (Is 53,1 a chama inaudita), à margem De modo semelhante, só o Espirito co­
e contra a sabedoria humana reconhecida. nhece a intimidade de Deus, a ele compe­
2,6-8 Também Paulo tem sua sabedo­ te revelá-lo e torná-lo compreensível: “tua
ria, que ele apresenta diante das outras: é luz nos faz ver a luz” (SI 36,10). A Paulo
o mistério de Deus antes mencionado, um como intermediàrio compete comunicar
projeto antiquíssimo que hoje se realiza e oportunamente a outros o que recebeu por
se manifesta, e cuja finalidade é comuni­ revelado. Os destinatários tém de sinto­
car aos homens a gloria de Deus. Os che- nizar-se com o Espirito, adotando a “men-
fes deste mundo sao as pessoas que con- talidade crista”.
tam na sociedade (nao os demonios). A 2.10 O “profundo” é, na mentalidade
ignorancia os desculpa em parte. Os “ma- semita, o incompreensível ou insondável.
497 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

. |>ii>1iiniüclades de Deus. "Q ual ho- pies homens, como a crianzas na vida
iii. in . iui Ik cc o pròprio do homem, se­ crista. 2Eu vos dei leite para beber, e
ti.m. 11 -.|>u ito* humano dentro dele? Do náo alim ento sólido, pois ainda nào
hi. .mu modo, ninguém conhece o pró- podíeis com ele; nem agora podéis, V is­
|iiin ili Deus, a nào ser o Espirito de to que ainda sois guiados pelo instinto*.
I ti n ' Portanto, nós recebemos nào o Pois, se há entre vós invejas e discor­
. 111111<>do mundo, mas o Espirito de dias, nào vos deixais guiar pelo instinto
11. ii. que nos faz compreender os dons e por critérios humanos em vossa con-
.|ii. I ¡cus nos fez*. 13Expomos isso nào duta? 4Quando alguém diz eu sou de
>mu palavras ensinadas pela sabedoria Paulo, e outro eu sou de Apolo, nào vos
lumi.ma, mas ensinadas pelo Espirito, comportáis de modo meramente huma­
. aplicando as coisas espirituais em ter­ no? Quem é Apolo? Quem é Paulo?
mi i'. espirituais. 14Um simples homem M inistros de vossa fé, cada qual segun­
mu i aceita o que procede do Espirito de do o dom de Deus. 6Eu plantei, Apolo
l>ms, pois isso lhe parece loucura; e regou, mas era Deus quem fazia cres­
il.in pode entendè-lo, porque só se dis- cer. 7De modo que nem aquele que plan­
■i me espiritualmente. 15A o contràrio, ta conta, nem aquele que rega, mas é
ii homem espiritual o discerne inteira- D eus quem faz crescer. 8A quele que
mi Mle e nào se submete a discernimento planta e aquele que rega trabalham na
ullieio. ,6Quem conhece a m ente do Se- m esm a obra; cada qual receberá seu
nhor para dar-lhe liqòes? Nós, porém, salàrio conform e seu trabalho. 9Nós
pnssuimos a mentalidade de Cristo. som os colaboradores de Deus, vós sois
lavoura de Deus e construgáo de Deus.
í Im atu rid a d e dos co rin tio s — 'Eu, 10Segundo o dom que Deus me deu,
*,/ irmáos, nào pude falar-vos como a com o arquiteto experiente coloquei o
liomens espirituais, mas com o a sim- alicerce; outro continua construindo.

2.11 *Ou: consciencia. adultos se sobrepóe uma favorita de Pau­


2.12 *Traduqáo alternativa deste ver­ lo, instinto (sarx) (poder-se-ia traduzir
sículo: “E, como explicamos coisas espiri­ também por sensualidade)/espírito; é ex­
tuais a gente de espirito, nao usamos doutas trema sem matizes. A discordia é sinal evi­
Indavras de sabedoria humana, e sim pa- dente de semelhante mentalidade; embo-
htvras ensinadas pelo Espirito”. O objeto ra, sendo infantil, se possa emendar.
sao os “dons de Deus”, que transbordam a 3,3 *Ou: sois sensuais.
simples compreensáo humana (como um 3.5-15 A mediagáo humana. Em duas
presente que se explica a uma crianza). imagens clássicas, lavoura e construgáo (Jr
2,13-14 Contudo, nao se trata de uma 1,10 e paralelos), ilustra a fungáo dos ho­
mensagem esotérica, só para iniciados, ou mens. Paulo e Apolo tém trabalhado em
ile mistérios, já que a pregagao se dirige a tarefas complementares, evangelista e ca­
lodos, e o Espirito se comunica a todos. tequista, a servilo da fé e por dom de Deus;
2,15-16 “Discernimento alheio” enten- náo podem ser causa de divisáo. Ambos
ile-se num plano que nao corresponde á sao simples colaboradores de Deus, que
revelagao. Acitagáo de Isaías (40,13) re- dá a eficácia e continua agindo. De acor-
fere-se ¡mediatamente á volta dos exila­ do com a qualidade do seu trabalho, os
dos, no plano histórico de Deus; mais tar­ colaboradores receberào seu salàrio, quan­
de se le em chave escatológica. “Messias” do sua obra passar a prova final do fogo
está no grego sem artigo; talvez tenha va­ no ùltimo dia (Is 26,11; 30,33; 66,15; MI
lor de adjetivo semítico. 4,1).
3.6-7 Para a imagem, ver SI 65,10-14.
3,1-4 As faegóes e discordias mostram 3,9 As mesmas imagens tradicionais em
que os corintios nao possuem essa menta­ Ef 2,20-22.
lidade, nao se guiam pelo Espirito, nao sao 3,10-11 Segundo a tradicáo do AT (Is
maduros na fé (2,6). Á oposigáo crianzas/ 28,16), Deus pòe o fundamento da terra
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 498
Que cada qual veja com o constrói. le que enreda os sabios com sua />/ <>
u Ninguém pode por outro alicerce além pria astucia, 20e tam bém : O Senlu«
do que já foi posto, que é Jesús Mes- sabe que os pensam entos dos sábinl
sias. 12Sobre esse alicerce um póe ouro, sáovazios. 21Portanto, ninguém segln
outro prata, pedras preciosas, madeira, rie dos homens. Tudo é vosso: 22Paul<>
capim, palha. Apolo, Cefas, o mundo, a vida e a mot
13A obra de cada um ficará evidente, te, o presente e o futuro. Tudo é v o s m i
pois aquele dia a mostrará: aparecerá 23vós sois de Cristo, Cristo é de Deus
com fogo, e o fogo comprovará a qua-
lidade da obra de cada um. 14Se a obra M in istro s de C risto — ‘Que a
que construiu resiste, ele receberá seu
salàrio. 15Se a obra se queima, será cas­
4 pessoas nos considerem como set
vidores do Messias e administradores
tigado, em bora se salve com o quem dos segredos de Deus. 2Ora, de um ad
escapa do fogo. ministrador se exige que seja fiel. A
16Náo sabéis que sois templo de Deus mim pouco importa ser julgado por vós
e que o Espirito de Deus habita em vós? ou por tribunal humano; nem eu mes
17Se alguém destrói o templo de Deus, mo me julgo. 4A consciencia de nada
Deus o destruirá, porque o templo de me reprova, mas nem por isso estou ab
Deus, que sois vós, é sagrado. 18Que solvido. Quem me julga é o Senhoi
ninguém se engane: se alguém se con­ 5Portanto, nao julgueis antes do tem
sidera sábio ñas coisas deste mundo, po; esperai que venha o Senhor, que ilu­
torne-se louco para chegar a ser sábio; minará o oculto ñas trevas e revelará as
19pois a sabedoria deste mundo é lou- intengóes do c o ra d o . Entáo cada um
cura para Deus, como está escrito: Aque- receberá de Deus sua q ualificado.

(S1 24,3), de Jerusalém (SI 87,1). O fun­ 3,21-24 Quanto aos nomes que erguiani
damento da Igreja é Jesús Cristo. como bandeiras opostas, pertencem a to­
3.11 Ver Is 28,16. Convém recordar que dos, porque todos pertencem ao único
Deus “fundou” o orbe (SI 24,2; 78,69; Messias, e este ao único Deus.
102,26; Pr 3,19). Paulo abre o horizonte espiritual dos co­
3.12 Compare-se com a construyan fan­ rintios retorcendo as palavras deles: “eu sou
tástica de Is 54,11-12; Tb 13,17. de Paulo” diziam uns; responde: Paulo e os
3,15 Cf. Zc 3,2. outros sao de todos. Nao só, mas também
3,16-17 No templo antigo residía a Glo­ as polaridades da existencia humana sao
ria de Deus (Ex 40,34); Salomáo conside­ vossas; é muito forte dizer que também a
ra maravilhoso o fato (IRs 8,27). O tem­ morte lhe pertence, se se pensa no contexto
plo era urna in s titu id o venerada e do AT e da filosofía. Mas nao sao árbitros
respeitada, como mostram vários episo­ absolutos, porque nao sao a última instan­
dios: Jr 7 e 26; Mt 21,12-16; Jo 2,13-22; cia, mas pertencem a Cristo. Precisamen­
At 21,28-40. O novo templo nao é um re­ te esta perteneja é que os fez superiores.
cinto, e sim a comunidade crista; está con­
sagrado, porque nele reside o Espirito 4,1-5 Estando no servilo ¡mediato de
(6,19; 2Cor 6,16). Deus, Paulo e seus colaboradores nao es-
“Destruirá”: aplicado da lei do taliáo táo submetidos ao julgamento meramente
(cf. Is 33,1). humano. Embora o julgamento da conscién-
3,18-20 Volta o tema das faegóes e da cia seja favorável, Paulo se submete ao jul­
sabedoria auténtica, que os corintios con- gamento supremo e final de Deus (SI 7,10;
seguiráo sacrificando uma prudéncia sim- 17,3; Pr 15,11; 16,2; 21,2). O critèrio será a
plesmente humana. A primeira c ita d o é fidelidade no exercício do cargo (cf. de
tirada do discurso de Elifaz em réplica Moisés, criticado por Maria e Aaráo em
a Jó (Jó 5,13). A segunda, de um salmo Nm 12,7).
que exalta Deus como juiz justiceiro (SI Talvez insinué que a comunidade ou
94,11). urna fa ed o dela tentava submeter Paulo a
499 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

li in.ios, em atençâo a vós apliquei o prudentes; nós, fracos; vós, fortes; vós,
in.' i A|tolo e a mim, para que apren- estimados; nós, desprezados. "A té ago­
.1.11 Mi nos isto: nâo ir além do que està ra passam os fom e e sede, andam os
i ii i il" ', para que ninguém se inche de semi-nus, tratam-nos a golpes, vagamos
ut (i1111io a favor de um e contra outro. a esm o, 12cansam o-nos trabalhando
i ini in ir declara superior? O que tens com nossas máos. Insultados, bendize-
li» n ui recebeste? E se o recebeste, por mos; perseguidos, resistimos; l3calunia-
i|in le glorias como se nâo o tivesses dos, suplicamos. Somos o lixo do mun­
n 11 ludo? 8Já estais saciados! Já vos do, a escoria de todos até o presente.
wiiiqiiecestes! Sem nós já reináis! Oxa- 14Náo vos escrevo isso para vos enver-
M |.i H inâsseis, para que nós reinásse- gonhar, mas para admoestar-vos como
11111*. eonvosco. 9C ontudo, penso que a filhos queridos. 15Pois, embora tenhais
I ini s expôs a nós, os apóstalos, como como cristáos dez mil instrutores*, nao
i ll i i mos, como condenados à morte; tendes muitos pais. Anunciando a boa
(nn*. nos tornamos espetáculo do m un­ noticia, eu vos gerei para Cristo. 16Eu vos
do. de anjos e de hom ens. 10Nós por recom endo, pois, que imitéis a mim.
i usto somos loucos; vós por Cristo, 17Para isso eu vos enviei Timoteo, meu

IIIl|..i monto. Sobre julgar por aparéncias ou cutar ressonáncias escatológicas (Ap 3,17;
iinlcs do tempo, ver Eclo 11,1-7. 5,10).
■1,6 O que acaba de dizer sobre si mesmo Já disse que os fiéis de Corinto nao pro­
r Apolo deve valer como exemplo, aplicá­ cederti da classe alta e endinheirada (1,26).
is I a outros nomes e situagóes (principio 4.9 Alusào aos jogos do circo, em que
linmenéutico que o leitor deve ter em con- escravos e condenados à morte eram exi-
i.i) A frase que se segue é duvidosa: alguns bidos em espetàculos cruéis. Dir-se-ia que
In'iisam que é insergáo de um copista: “o Deus é o imperador que oferece seus ser-
»i«-está escrito em cima do a”; outros pen- vos em espetáculo; tal é a vida do apòsto­
•..iiu que é exceder-se na interpretado da lo. Os últimos: em categoria ou como o
I scritura: abolindo a lei como Paulo, ou final refinado do espetáculo. Compare-se
Interpretando alegóricamente como Apolo. com a sorte de Sansao (Jz 16,25).
I'ór o próprio orgulho nos méritos do che­ 4.10 Parece que a referencia a Cristo
le adotado. *Ou: naopassar do limite. afeta as très antíteses. Até se poderia pa­
4,8-21 Recolhendo em tom satírico fe- rafrasear: nós, por Cristo escolhemos sua
i mo a idéia precedente, o paradoxo da cruz, loucura, sua fraqueza, seu desprestigio;
|iropóe o contraste entre as fraquezas e vós, em Cristo buscáis o saber, a força e a
■.ofrimentos dos apóstolos e a gloria que honra. Ou seja, quereis Cristo glorificado,
ns corintios já pensam possuir. náo crucificado.
Recorde-se o pedido da máe dos Ze- 4.11 Errquanto isso, nós vivemos a dor
bedeus (Mt 20,21-23): Jesús glorificado já das bem-aventuranças e do seguimento (cf.
reina; e os corintios, como se já tivesse Le 9,58).
■llegado a consumagáo, se créem já parti­ 4.12 Alusào ao trabalho para sustentar­
cipantes do reinado definitivo de Cristo. se (At 18,3; 20,34; lTs 2,9).
Mas o cristáo, e em grau especial o após- 4,14-16 Era freqüente na atividade sa­
lolo, vive ainda na etapa da cruz, partici­ piencial que o mestre chamasse os discí­
pando dos sofrimentos do Messias. pulos de “filhos” (Pr 4,1-6; Eclo 39,13
Paulo refuta as pretensóes dos corintios etc.). Da metáfora Paulo toma dois mo­
ipiase com sarcasmo: oxalá fósseis reis mentos. Primeiro, a geraçào: o apóstolo
para que coubesse a mesma sorte a mim. evangelizador gera filhos, nâo para si, mas
Desenvolve a idéia de um apaixonado e para Cristo (Gl 4,19). Segundo, a educa-
retórico jogo de contrastes. çâo pode ser branda ou exigente (cf. Dt
4,8 Recolhe dois temas das bem-aven- 8,5), inclusive áspera (Eclo 30,1-13), com
turangas: a “riqueza” dos pobres que pos- a vara (Pr 13,24; 23,13s).
suem o reino e a “saciedade” de quem tem 4,15 *Ou: pedagogos.
lome de justiga (Mt 5,3.6); podem-se es- 4,17 Timoteo e Corinto: lTs 3,2.
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 500

filho querido e fiel ao Senhor, para que pírito, já dei a sentenqa contra ac|u> l>
vos recorde m inhas normas cristas, tal que comete tal delito, como se eu i-.ii
com o as ensino por toda a igreja. 18A1- vesse presente: 4reunidos em nomc
guns, pensando que nao vos irei ver, Senhor nosso Jesús Cristo, vós com itu n
andam inflados de orgulho; 19mas eu os espirito, com o poder do Senhor now« i
visitarei logo, se Deus quiser, e entáo Jesús, 5entregai esse individuo a Sal.i
medirei, nao as palavras dos orgulho- nás para m ortificar sua sensualidad. .
sos, e sim suas forças. 20O reinado de de modo que o espirito se salve no din
Deus nao consiste em palavras, mas em do Senhor Jesús. 6Vosso orgulho ñau
força. 210 que escolheis: que eu vá com tem razáo de ser. Nao sabéis que com
a vara, ou com am or e mansidáo? uma pitada de fermento toda a mass.i
fermenta? 7Extirpai o fermento vellm
0 incestuoso (D t 27,20; Lv 18,8; para serdes massa nova, uma vez que
5 20,11) — 'O uve-se realmente que sois ázimos, já que nossa vítima pascal
entre vós há um caso de imoralidade Cristo, foi imolado. 8Por conseguint«,
que nao acontece nem mesmo entre os celebremos a festa, nao com fermento
pagaos; alguém convive com a mulher velho, fermento de maldade e pervei
de seu pai. 2E vós, táo orgulhosos, nem sidade, mas com ázimos de sincerida
sequer vos entristeceis, de modo que de e verdade.
seja expulso da comunidade aquele que 9Já vos escrevi em minha carta que
comete tal açâo. 3Eu, de minha parte, nao vos m isturéis com gente imoral
ausente de corpo m as presente em es- 10Náo me referia em geral a uma gente

4,18 Se por ocasiáo da primeira evan- 5,3-4 Propóe uma assembléia da comu
gelizacáo chegou acovardado, agora pode nidade á qual assistirá representado por sua
apresentar-se com autoridade. carta, que leva o voto de condenagáo (se
gundo o uso antigo). O ato se celebrara
5,1-13 Em flagrante oposigáo á sufi­ invocando Jesús como Senhor e com sua
ciencia dos corintios se encontram duas autoridade.
condutas que Paulo vai denunciar. O in­ 5,5 A pena é a exclusáo da comunidade
cesto, condenado por judeus e pagaos, nao (nao penas físicas), na qual Jesús é Senhor;
é sinal da nossa liberdade crista, da qual com isto passa ao dominio dos poderes
podem jactar-se os corintios, e sim vergo- adversos (que podem causar doenga e pos
nha que precipita a ferm entado do mal sessáo). A finalidade, no que se refere ao
na comunidade inteira, como o fermento culpado, é sua salvagáo no dia do julga-
ñas massas. Por isso, é preciso extirpar o mento definitivo. É duvidoso se a frase
culpado (Dt 17,7.12 e outras dez vezes). significa mortificar a sensualidade (instin­
A exclusáo da comunidade ou excomu- to) ou destruir a vida corporal. *Ou: para
nháo — afastá-lo de Cristo, entregá-lo a destruir sua carne.
Satanás — há de ser medicinal para o cul­ 5,6-7 Considerando alguns efeitos do
pado, para que extirpe sua conduta “ins­ fermento, existia uma legislaqáo rígida
tintiva”, imoral. sobre sua exclusáo durante a semana dos
5,1 Em seu catálogo de incestos, o Le- Azimos (Ex 12,15.19-20), sob pena de ser
vítico registra as relagóes com a concubina excluido da assembléia de Israel.
do pai (19,8), e indica para o delito a pena 5.8 Fermentado é o velho, submetido á
de morte para ambos (20,11). De maneira corrupgáo; ázimo é o novo (Ez 12,19),
geral, abrangendo todos os casos de inces­ destinado á incorruptibilidade.
to, diz que o culpado “será excluido do seu 5.9 Esta carta nao se conservou. Ve-se
povo” (18,29), que é o povo de Deus. A que tinha sido mal interpretada. Por isso
lei romana era mais benigna no castigo. É explica aqui as normas do trato com os
clássico no AT o relato do incesto das fi- pagaos. A comunidade crista era uma mi-
lhas de Ló (Gn 19,30-38). Talvez a mu­ noria na populosa cidade. O autor toma a
lher fosse paga, pois nada se diz déla. lista de imoralidades dos repertorios en-
501 PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

linniiil ilcste m undo, aos avaros, ex- aqueles que a igreja menospreza? 5Di-
|i|i Mmlores e idólatras. Se assim fosse, go-o para que vos envergonheis. Será
ilm i i icis ter saído do mundo. u Concre- que nao há entre vós nenhum sábio para
iiiinriile vos escrevi que nao vos mis- resolver pleitos entre irmáos? 6Ao con­
Imilv.eis com alguém que leva o nome tràrio, um irmáo pleiteia com outro, e
i|ii 11111:10 e é imoral, avaro, explorador, isso em tribunais de infléis. 7Pois bem,
Mollili';!, difam ador ou beberráo. Com já é lastimável que tenhais pleitos en­
nem comer! 12Será que toca a mim tre vós. Por que náo vos deixais, antes,
inibir os de fora? Vós nao julgais os de prejudicar? Por que nao vos deixais des­
iluntro? l3Os de fora Deus julgará. Ex- pojar? 8No entanto, sois vós os que pre-
l<ltl\(ii o m alvado do vosso meio. ju d icam e despojam irm áos vossos.
9Náo sabéis que os injustos náo herda-
6 Pleitos entre cristáos — 'Q uando ráo o reino de Deus? Náo vos iludáis:
mu de vós tem um pleito com ou- nem fornicadores nem idólatras nem
lin, como se atreve a ser julgado Délos adúlteros nem efeminados nem homos-
Injustos e nao pelos consagrados? 2Náo sexuais 10nem ladróes nem avarentos
«iilieis que os consagrados julgaráo o nem beberróes nem caluniadores nem
mundo? E se vós julgareis o mundo, nao exploradores herdaráo o reino de Deus.
unís competentes em questóes de pou- n A lguns de vós no passado eram des­
111 importancia? 3Náo sabéis que julga- ses; m as fostes lavados, consagrados e
irmos os anjos? Quanto mais os assun­ absolvidos pela invocacao do Senhor
ti is da vida ordinària. 4Se tendes litigios nosso Jesus e pelo Espirito do nosso
milinários, com o nomeais como juízes Deus.

IHo conhecidos, normalmente de origem táo. O eonselho é renunciar aos próprios


»Ntóica; trata-se de conduta habitual, náo direitos pelo bem da paz, que é um triunfo
ile transgressóes singulares. da caridade sobre a pura justiga. Este con-
5,11 Citando na sèrie o idólatra, dá a selho atualiza o de Jesús no sermáo da
entender que algum cristáo náo se tinha montanha (Mt 5,38-40).
desligado totalmente de suas práticas pre­ 6,2-3 Está tomada da apocalíptica a idéia
cedentes, e praticava urna forma de sincre­ de que no julgamento final os “Santos” se
tismo. sentaráo no tribunal para julgar o mundo
5,13 Juiz universal: SI 7,9; Dn 7. Cita a e os anjos rebeldes acorrentados á espera
norma de Dt 13,6. do julgamento. Antecedentes dessa idéia
podem-se encontrar em Is 24,21-22: exér-
6,1-8 Mesmo sob o dominio persa, citos do céu (astros, anjos) e reis da térra,
soleucida e romano, os judeus gozavam de depois de longa prisáo, “compareceráo a
relativa autonomia judicial (Jo 18,31); nao julgamento” (recolhido em 2Pd 2,4). Em
menos os cristáos em assuntos internos. Dn 7,9 se fala de “tronos” ou assentos (plu­
Sobre tribunais internos, ver o anteceden­ ral) no tribunal do Anciáo, e em 7,18 se
te de Ez 18 e Dt 17,8-13. A diferenca é diz que “os Santos do Altíssimo possuiráo
<|iie os cristáos náo viviam numa socieda- o reino”.
tie teocrática como os judeus. As faegóes 6,9-10 Este fragmento se une melhor
(cap. 1) se acrescenta a desgrana dos plei­ com o capítulo precedente. A lista de 5,11
tos, com a agravante de que assuntos de acrescenta outras categorías, até compor
familia se expoem e se submetem aos de urna espécie de decálogo negativo, no qual
Cura. A estes chama de “injustos” e “infl­ delitos sexuais ou contra a propriedade
éis”, que é o contràrio de “consagrados” e ocupam sete lugares, e a idolatría náo ocu­
“fiéis”. Para o caso de pleitos entre cris- pa o primeiro lugar. Todos sao impedimen­
liios, Paulo propóe um mandamento e um to para participar da heranga do reino de
eonselho: o mandamento é resolvé-los Deus (G1 5,19-21; Ef 5,5; Ap 22,15).
dentro, submetendo-os a árbitros qualifi- 6,11 Se os corintios pagáos antes incor-
cados, capazes de julgar com sentido cris- reram nestes vicios, o batismo lavou tudo
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 502

L ib e r d a d e crista e forn icagäo — quem se une ao Senhor se torna um uri


12Tudo me é permitido, dizeis. Mas nem espirito com ele. 18Fugi da fornicat ili
tudo convém . Tudo m e é perm itido, Qualquer pecado que o homem conn
mas nao me deixarei subm eter a nada. te fica fora do corpo, mas o fornicai lih
13Os alim entos para o ventre e o ventre peca contra seu pròprio corpo. 19Nrtu
para o s alimentos, dizeis, e Deus aca­ sabéis que vosso corpo é tem plo iln
bará com ambos. Mas o corpo nao é Espirito Santo, que recebeis de Deus i
para a fo rn ic a d o , e sim para o Senhor, reside em vós? De modo que nao vn-
e o Senhor para o corpo. 14E Deus, que pertenceis. 20Ele vos com prou pagan
ressuscitou o Senhor, vos ressuscitará do um preço. Portanto, glorificai a Di n
com seu poder. 15Náo sabéis que vos- com vosso corpo.
sos corpos säo membros de Cristo? Vou,
pois, tom ar os m em bros de Cristo para M atrim ònio e celibato — 1Quan
torná-los membros de urna prostituta?
De m odo nenhum! 16Ou näo sabéis que
7 to ao que escrevestes — que é me
lhor o homem nao tocar em mulher -
quem se une a urna prostituta se torna 2digo-vos que para evitar a imoralida
um corpo com ela? Pois é dito que for- de, cada homem tenha a sua mulher t
m aräo os dois urna só carne. 17Porém, cada mulher o seu marido. 3Cumpra o

e exige urna vida nova. Por motivo do con­ criad o do “homem e mulher”, Gn 1) c
texto, apresenta o batismo primeiro como ascende também à esfera da salvaçào.
purificado, seguem-se a consagrad0 a 6,15-18 Nessa dimensào, o cristáo i
Deus e o estado de justiga. Ouve-se o eco membro de Cristo, que pagou um preço
ou a antecipado de urna fórmula trinitària alto por eie (ICor 12; cf. Is 43,24). Acita
na invocado batismal. çâo de Gn 2,24 recebe aqui urna aplicaçâo
6,12-14 Adota o estilo da diatribe, repe- inesperada: supôe a força maior da prosli
tindo e refutando objegoes dos corintios, tuta nesse ato imoral (nâo é eia que se fai
nos vv. 12-13 e talvez em 18a. Os corintios membro dele, mas é ele que “se apega”).
podiam apelar para o ensinamento de Je­ 6,19-20 O corpo do cristáo (nao só a co
sus recolhido em Me 7,19 (veja-se o con­ munidade) é templo visível do Espirito que
texto). Para estendè-lo a pari à sexualida- Deus comunica. Por isso, o uso do corpo
de, Paulo rejeita a mera interpretado está submetido a regras superiores. No
mecánica do primeiro e sua simples apli­ templo se celebra a liturgia proclamando
c a d o à esfera sexual. a gloria de Deus; o corpo do cristáo, como
6,12 Trata-se da liberdade, dedutível templo do Espirito, dará gloria a Deus.
talvez do “tudo é vosso” (3,22). Pois bem,
a liberdade tem um limite: o que convém 7,1 Aqui Paulo começa a responder a
ao individuo e à sociedade. Do contra­ consultas dos corintios. Neste capítulo,
rio, quem pretendía ser livre se submete sobre o matrimonio, com um aparte sobre
a outro poder. O cristáo todo está consa­ circuncisáo e escravidáo. Afrase citada dos
grado a Cristo, também na sua dimensào corintios parece opor-se à instituiçâo de
corporal, por meio da qual seu espirito se Gn 2. Poderia responder à solicitaçâo de
relaciona e que está destinada à ressur- correntes ascéticas no judaismo e no he­
re id o . lenismo.
O ensinamento de Paulo se opóe fron­ 7,2-7 Toda esta seçâo se refere a casa­
talmente a urna dicotomia do homem e a dos. No extremo oposto dos que proclama-
um espiritualismo que rebaixa ou desde- vam “o amor livre” encontram-se os que
nha o corpo. O homem inteiro, com seu excluem o matrimonio (talvez v. 1) ou re-
corpo, pertence à esfera da salvado: por laçôes sexuais dentro dele. Paulo afirma a
ele morreu corporalmente Jesús, “o Se- doutrina de Gn 2,18. Sobre a entrega mu­
nhor é para o corpo”, e o corpo há de com- tua, recorde-se Ct 4,16: “entra, meu amor,
partilhar da gloria do Ressuscitado, “o no teu jardim”; 6,3: “eu sou do meu ama­
corpo é para o Senhor”. A sexualidade é do e meu amado é meu”; 7,11 “eu sou do
parte importante do corpo (insinuado na meu amado e ele me busca com paixáo”.
503 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

..... . se n dever com a mulher, e o ou entáo reconcilie-se com o marido, e


iiim n iiii) íaga a m ulher com seu marido. o marido nao se divorcie de sua mulher.
'A iiiiilher nao é dona do seu corpo, e I2A os outros digo eu, nao o Senhor:
«luí o marido; igualmente o marido nao Se um irmáo tem uma mulher nao cris­
r iluí ni do seu corpo, e sim a mulher. ta e eia consente em viver com ele, náo
Nnu vos privéis um do outro, se nao deve divorciar-se déla; 13se uma mulher
Im ilc mutuo acordo e por um tempo, tem um marido náo cristáo e este con­
|iuiii ili il¡car-vos á oragáo. Depois uni- sente em viver com eia, náo deve divor­
v i i *. ilc novo, para que Satanás nao vos c ia rs e dele. 14Pois o marido náo cristáo
|t»nli\ aproveitando-se de vossa conti­ fica consagrado pela mulher, e a m u­
nencia. '’Digo isso como concessáo, nao lher náo cristá fica consagrada pelo ir­
....no obrigagáo, 7pois desejaria que to- máo; do contràrio, vossos filhos seriam
i l i i s lussem com o eu; só que cada um impuros, ao passo que agora estáo con­
n ccbe de Deus o seu carisma, alguns sagrados. 15Mas, se o náo cristáo quiser
unir, e outros aquele. separar-se, separe-se: neste caso, nem o
"Aos solté iros e as viúvas digo-lhes irmáo nem a irmá estáo vinculados. O
111ii* e melhor ficar com o eu. 9Porém, se Senhor nos chamou para viver em paz.
mui podem conter-se, casem-se: é me- 16Tu, mulher, talvez salves teu marido;
llior casar do que abrasar-se. 10Aos ca­ tu, homem, talvez salves tua mulher.
dmios ordeno, nao eu, mas o Senhor: a
mulher nao se separe do marido; n se, Náo mudar de condicáo— 17Em qual-
purém, se separar, nao case com outro, quer caso, cada um proceda como lhe

No AT cita-se como caso excepcional o se uniu até formar “uma só carne”; por
i l libato de Jeremías, imposto como açào outra parte, a fidelidade a Jesús acima de
nimbólica ao profeta (Jr 16). A continèn­ todos os vínculos de familia (incluida a
t i periódica para a oraçâo é paralela ao mulher e os filhos, Le 14,26 par.). Supos-
|cjum. Já que nesta primeira seçâo se va­ tos o amor e a vontade de paz do cónjuge
loriza a igualdade que Paulo defende en- náo-cristáo, o cónjuge cristáo é capaz de
lrc marido e mulher, o dever é mùtuo, o transmitir-lhe sua consagrado, a ele e aos
ueordo é mùtuo. Paulo propóe o celibato filhos. Era normal que, ao converter-se o
como carisma, nao como lei; e carisma sig­ pai de familia, se convertesse toda a casa,
nifica dom gratuito de Deus. Paulo nao inclusive os criados. O notável aqui é que
concebe o celibato como proeza do esfor- a mulher pode transmitir a consagragáo,
go e do controle humano. talvez em virtude da uniáo estreita, “uma
7,8-9 Abrasar-se: a imagem se lé em só carne”. Se a paz é impossível, se o náo-
lido 23,17 e Pr 6,27-28: um se refere ao cristáo toma a iniciativa de separar-se, a
luxurioso, o outro ao adúltero. Comparar outra parte náo fica ligada, “escravizada”
o amor com o fogo é corrente em muitas (em grego).
culturas; Ct 8,7 o chama “labareda divi­ 7.16 A interpretado deste argumento é
na” que “as águas torrenciais” nao apagam. duvidosa. Paulo náo quer afirmar, e sim
7,10-11 A lei judaica e seus comentá- abrir a porta a uma solucáo possível ou
rios rabínicos admitiam o divorcio (cf. Dt provável. a) Se damos uma resposta afir­
24.1-4); Jesús, chamado aqui “o Senhor”, mativa, resulta: Quando muito, a parte cris­
reafirmou a lei fundamental do matrimo­ tá consegue conduzir á salvagáo (conver-
nio indissolúvel (Me 10,1-12 par.). Eram sáo) a outra parte, convém manter a uniáo
muito raros os casos em que a mulher po­ com paciencia, b) Náo há probabilidade
día tomar a iniciativa de separar-se. suficiente de que a parte cristá consiga
7,12-16 Casamento de cristáo com infiel: salvar a outra; por isso, náo deve hesitar
sobre este assunto Paulo nao pode aduzir em deixá-la, livrando-se assim de uma
nenhum mandamento de Jesus. Neste caso “escravidáo”.
podem entrar em jogo duas forças: por uma 7.17 Este versículo náo nos tira das dú-
parte, a fidelidade ao cónjuge, com o qual vidas. Na teoría e na prática, Paulo prefe-
PRIME1RA CARTA AOS CORINTIOS 504

designou o Senhor, como Deus o cha- M atrimonio e virgindade — 25Pai.i ni


mou. Esta é m inha norm a em todas as solteiros nao tenho ordens do Sciilmi,
igrejas. 18Foste cham ado já circuncida­ porém vos dou minha opiniáo come >| » ■
do? Nao o dissim ules. Foste chamado soa de confianga pela misericórdi *1.
estando sem circuncidar? Nao te circun­ Senhor.
cides. 19Ser circuncidado ou incircunci- 2<’Penso que, levando em conta a imí­
dado nao conta; o que conta é cumprir nente tribulagáo, o melhor é isto: qut o
os mandamentos de Deus. 20Cada qual homem fique como está. 27Estás vin»
permanecía na condigáo em que foi cha­ culado a urna m ulher? Nao procure»
mado. 21Foste chamado sendo escravo? desligar-te. Nao estás vinculado a umo
Nao te importes; mas, se puderes eman- mulher? Nao procures mulher. 28Ape
cipar-te, aproveita. 220 que foi chama­ sar de tudo, se casas náo pecas, e a sol
do sendo escravo, é liberto do Senhor; o teira, se casa, náo peca; contudo, tetan
que foi chamado sendo livre, é escravo de arcar com penalidades corporais, c
de Cristo. 23Fostes comprados por alto eu vos quero poupá-las. 29Numa pala
prego: nao sejais escravos de homens. vra, irmáos, o tempo se faz curto; paia
“4Cada um, irmáos, perrnanega diante de o futuro, os que tém mulher vivam cu
Deus na condigáo em que foi chamado. mo se náo a tivessem, 30os que choran)

re a estabilidade, salvar o matrimonio se é 7,21 Paulo náo está pedindo ao escravo


possível; mas náo retira sua concessáo, que recuse a alforria quando lhe oferecein
porque náo quer impor urna escravidáo ou impóem (Dt 15,16-17). Sobre alforria
injustificada. Algo parecido pode-se dizer de escravos, veja-se o importante episó
de outro vínculo social e religioso. Este dio de Jr 34.
versículo serve de transigáo. 7,23 Ver Rm 3,24.
7,18-24 A vocagáo crista nao exige 7,25-31 Dirige-se por igual a solteiros
como condigáo prèvia a circuncisáo judai­ de ambos os sexos. Tampouco neste pon
ca nem o estado social de cidadáo livre. to pode aduzir um mandamento do Senhor
Se assim fosse, o convertido ou a comuni- Embora Jesús louve os que “se fazeni
dade teria de pagar os gastos da alforria, eunucos pelo reino de Deus” (Mt 19,12),
ou se criariam problemas legáis. O cha­ náo o impóe como preceito. Por puro fa­
mado de Cristo náo está vinculado a urna vor e confiando em sua Iealdade, o encar
classe social. E provável que muitos es­ regaram de uma missáo: apoiado nela,
cravos tenham respondido à bem-aven- pode dar um conselho. Trata-se, portanto,
turanga brindada à sua condigáo. O caso de um conselho apostólico.
da circuncisáo é somente análogo, porque Suposto o carisma (7,7), entre doís bens
a marca é de per si permanente. Coinci­ Paulo considera preferível o celibato, por­
den! no essencial: incircuncisos e escra­ que o matrimonio, junto com suas ale­
vos sáo chamados sem distingáo. Num pla­ grías, traz muitas preocupagóes: talvez
no superior, a distingáo entre escravo e pense ñas palavras de Deus a Eva (Gn 3,
livre fica invertida com vantagem de am­ 16), na experiencia de Rebeca (Gn 25,22)
bos; ser cristáo é uma emancipagáo (Gl ou em provérbios (Pr 17,25; 19,13); ve-
5,1), ser servo de Cristo é uma honra. jam-se as preocupagóes de um pai por sua
7,18 O procedimento é ilustrado em lMc filha (Eclo 42,9-14). Há outra razáo mais
1,15, onde o motivo era adaptar-se ao cos­ forte, que é a volta do Senhor: sua proxi-
tume grego do ginásio. midade iminente relativiza todos os valo
7,20 “Na condigáo em que foi chama­ res e atividades do cristáo. Sobre iminéncia
do” é uma tradugáo que concretiza, como ou demora da parusia, vejam-se compara­
conseqüéncia lógica, o substantivo grego das as duas cartas aos Tessalonicenses. O
que significa “chamado”. Apoiados na que Le 14,26s diz em termos de preferen­
expressáo grega, também poderíamos in­ cia, se traduz aqui em termos temporais.
terpretar assim: seja cada um fiel á sua 7,29-30 Náo prega um desprezo desde-
vocagáo (cristá). nhoso do mundo e desta vida com seus
505 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

..... i .1 nao chorassem, os que se ale- 36Se alguém sente que se comporta
......... ... se nao se alegrassem, os que incorretamente com sua companheira
......Iii.un como se nao possuíssem, 3los virgem, que está em idade de casar*,
’11*■ ir..mi o mundo com o se nao des­ de modo que deve tom ar urna decisáo,
imi i-. .m i. Pois a re p re sen ta d o deste faga o que quiser e casem-se, pois nào
mimilo está acabando. pecam. 37Todavia, quem está firme em
' ( .lucro que estejais livres de preo- sua decisáo, sem sucumbir à necessi-
■ii| i.u.oes: o solteiro se preocupa dos dade, pelo contràrio domina sua vonta-
■i . m i t o s do Senhor e procura agradar de, farà bem maniendo intacta sua com ­
.ni Senhor. 330 casado se preocupa com panheira. 38Concluindo, quem casa com
ir, .r.suntos do mundo e procura agra- sua companheira virgem faz bem; quem
iliii a sua mulher, 34e está dividido. A náo casa faz melhor. 3yUma mulher está
.... Ilier solteira e a virgem se preocu- vinculada enquanto viver o marido; se
!i ni i com os assuntos do Senhor para o marido morrer, eia fica livre para ca­
i ii.irem consagradas de corpo e espi­ sar com quem quiser, desde que seja
lilo A casada se preocupa com os as­ cristáo. 40Porém, na minha opiniáo, será
umios do m undo e procura agradar ao mais feliz se náo casar. E penso que
m.ii ido. 35Digo-vos isso para o vosso também eu possuo o Espirito de Deus.
In ni: nao para vos por urna arm adi-
ili.i , mas para que vossa d e d ic a d o ao V ítim as sacrificadas aos ídolos
Senhor seja digna e assidua, sem dis-
ii ;n,'óes.
8 (Rm 14) — 'A respeito da carne
imolada aos ídolos: E sabido que todo»

Miírimentos e alegrías; nao é um progra­ esponsais, antes do casamento e da coabi­


ma estoico. E a consciencia de que a tad o : devem continuar neste estado inter­
ti niporalidade humana impóe o limite da medio? Cabe a ele a iniciativa, c) É urna
iluraqáo á qualidade e intensidade; só que companheira á qual se uniu com vínculos
,i lemporalidade humana é aqui vista á luz espiritual, excluida a relácelo sexual. Em
ila iminéncia escatológica. Compare-se que condigóes pode continuar essa relado?
com a escatologia de Is 24,1-2. Também se discute o significado e a atri­
7,31 Termina “a representado” do gran­ b u id o do adjetivo hyperakmos. Se se apli­
de teatro do mundo. Ou entilo a figura e ca a ela, seria casadoura, núbií; se se aplica
aspecto presentes; para dar lugar a outro? a ele, seria “apaixonado”. Paulo aceita as duas
SI 102,27 diz “como roupa que se muda”. solugoes do conflito, casamento ou conti­
7,32-33 A julgar pela primeira frase, se nencia; mas pede urna decisáo em cons­
diría que Paulo critica também a “preocu­ ciencia e dá sua preferencia ao celibato.
pad o ” pelos assuntos do Senhor (cf. Le 7,36 *Ou: e o incita á paixáo.
10,41, censura de Jesus a Marta). O con­ 7,39-40 A última palavra é para a viúva
texto parece, antes, aprovar a concentra­ (Rm 7,2-3). Vejam-se os exemplos de
dlo da solicitude no Senhor. Nao pensa no Judite (Jt 16,11) e de Ana (Le 2,36s). Náo
estado de solteiro simplesmente, e sim na parece ter em conta a lei do levirato (Dt
virgindade, ou também viuvez, “consagra­ 25,5-10), ou, se a recorda, a invalida.
da ao Senhor em corpo e alma”. A consa­
grado só se diz da mulher, nao do homem: 8,1-13 A carne que sobrava de banque­
daí a estima e a prática eclesiástica das tes cultuais em honra de deuses pagaos era
“virgens consagradas”. vendida no mercado ou se consumía em
7,36-38 É muito discutido o significado contexto profano. A carne náo era alimen­
de “sua virgem”. Apresento tres explica­ to corrente, devido ao prego, e os sacrifi­
r e s : a) É a filha casadoura, para a qual o cios por diversas celebragóes tinham o
pai tem de encontrar a tempo um marido. atrativo da sua dieta. Naturalmente, o cris­
Esta é urna opiniáo tradicional, hoje prati- táo náo participava do culto aos ídolos,
camente abandonada, b) É a noiva, talvez com sacrificio e banquete. Podía partici­
nao batizada, unida jurídicamente pelos par das sobras, que se consumiam em
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 506

temos conhecimento. Porém o conheci- nós. 7Mas nem todos possuem essc c n|
mento infla, ao passo que o amor edifi­ nhecimento. Alguns, acostumados á ii I.<
ca. 2Se alguém pensa que já tem conhe- latría, comem a carne como realmenl«
cida algunia coisa, ainda nao conhece sacrificada aos ídolos, e sua consciénciii
com o se deve. 3Ao contràrio, se alguém fraca fica contaminada. 8N áo é o al i
ama a Deus, é conhecido por Deus. mentó que nos aproxima de Deus: nada
4Quanto a comer carne sacrificada aos perdemos se náo comemos, nada ga
ídolos, sabemos que nao existem os ído­ nhamos se comemos. 9A pesar de tudn
los do mundo, e que Deus é um só. 5Em- tende cuidado para que essa vossa li
bora existissem no céu e na terra os berdade náo seja tropero para os fia
cham ados deuses, e há muitos deuses e eos. "'Pois, se alguém vé a ti, que ten
senhores, 6para nós existe um só Deus, conhecimento, á mesa num templo ido
o Pai, que é principio de tudo e fim látrico, náo se animará sua consciencia
nosso, e existe um só Senhor, Jesús fraca a comer carne sacrificada aos ído­
Cristo, por quem tudo existe, também los? n E por teu conhecimento se perdí

contexto profano? Com outras palavras, 8,4-6 No AT se progride do henoteísmo


permanecía a consagragáo ao ídolo aderida ao monoteísmo. O primeiro admite a exis
á carne como condigáo inseparável? Em téncia de outros deuses para outros povo1.
caso afirmativo, comer déla era contami- (cf. Dt 32,8); os israelitas veneravam um
nar-se de idolatría. Assim o pensavam as só Deus, Yhwh (Dt 6,4), superior a todos
pessoas escrupulosas, talvez pagaos com os deuses estrangeiros (SI 29,1-2; 95,3;
fervor de recém-convertidos. 96.4). O monoteísmo reconhece um Deus
Paulo, sem apelar para a decisáo do único de todos os povos. Paulo reafirma a
Concilio de Jerusalém (At 15), responde fé monoteísta, numa espécie de doxologia
em dois planos: o do “conhecimento” ou litúrgica: o Deus que Paulo reconhece é
consciencia ilustrada, e o da caridade. Diz C)eus Pai, principio de tudo e finalidadc
o “conhecimento”: se os ídolos sao nuli- “nossa”; e junto a ele, reconhece como
dade, pois nao existem divindades fora do Senhor a Jesús Cristo, mediador na cria-
Deus único, o alimento que se lhes ofere- gáo do universo, e de “nossa” existencia
ce nao fica consagrado, continua táo pro­ crista (Rra 11,36; Hb 1,2). A expressáo
fano quanio antes. Diz a caridade: nao se “um só Senhor”, eis Kyrios, é muito forte,
pode escandalizar o irmáo que tem a cons- pois é o equivalente de Yhwh ’ehad (Di
ciéncia menos formada ou escrupulosa. 6.4). Ao mesmo tempo admite a existen­
8.1 “Inflar” ou inchar é encher de ar, cia de outros seres superiores, que os pa-
envaidecer-se sem substancia; “edificar” gáos chamam de deuses ou senhores.
é fazer obra sólida, em favor da comuni- 8.7 “Consciencia” é termo tomado da
dade (1,9-15). O “conhecimento”, apenas, filosofía grega. A “contaminagáo” de que
nao basta. fala é ética, náo legal. Paulo náo louva essa
8.2 Joga com duas formas verbais do consciéncia que qualifica de “fraca”: tem
verbo “conhecer”: um perfeito, que signifi­ compaixáo déla. Também procura corrigi-
ca completeza e permanéncia, e que pode- la e formá-la com seu ensinamento. Quer
ríamos parafrasear “sabé-lo perfeitamen- que se superem os resquicios da idolatría
te”, e um aoristo de significado simples. anterior.
Essa pretensáo de suficiéncia está demons­ 8.8 Em nossa relaqáo com Deus, nem a
trando que ainda náo compreenderam o abstinencia é perda, nem o desfrute é van-
sentido dinámico do conhecer, que nunca tagem. Poderíamos inverter os termos,
atinge seu termo. porque nossa relagáo com Deus náo se
8.3 “E conhecido” ou reconhecido por decide no plano da dieta.
Deus. Compare-se com a resposta “náo vos 8,11-12 Provocar a queda do irmáo é
conhego” de Mt 25,12. Em hebraico o ver­ fazer grande ofensa a Cristo. Mantém-se
bo correspondente chega a significar “es- o direito preferencial do fraco de ser res-
colher” (Jr 1,5). peitado e auxiliado (comparar com Eclo
507 PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

nii Hi u n í irmao por quem Cristo mor- e Cefas? 6Somos Barnabé e eu os úni­
n ii r l icssc modo, pecando contra os cos que nao tém direito de ficar sem
ii nuil i1, c abalando sua consciencia fra- trabalhar? 7Quem serviu como soldado
i i. ( n - c a i s contra Cristo. 13Concluindo,ás próprias custas? Quem planta urna
11 mu alimento escandalizar meu ir- vinha e nao come seus frutos? Quem
nniii. ¡amáis com erei carne, para nao cuida de um rebanho e nao se alimenta
i m .imlalizar o irmáo. do seu leite? 8Meu argumento nao é pu­
ramente humano, pois também a lei o
<>cxcm plo de P a u lo — 'N o entan- diz. yNa lei de M oisés está escrito: Nao
9 lo, nao sou livre? Nao sou apósto- porás focinheira no boi que trilha. Por
|n 1 Nao vi Jesús, Senhor nosso? Nao acaso Deus se preocupa com os bois?
»mis vos obra minha a servigo do Se- ,0Náo o diz, antes, para nós? Claro, está
k I h . i ? 2Se para outros nao sou apósto- escrito para nós: com esperanza lavra
Im, para vos eu sou. O selo do meu apos­ o lavrador e trilha o trilhador, com a
tolado para o Senhor sois vós. 3Minha esperanca de colher. "S e nós semeamos
ilrlcsa diante dos que me julgam é esta: em vós o espiritual, será excessivo que
'Nao temos direito de com er e beber? colham os o corporal? l2Se outros des­
Nao temos direito de nos fazcr acom- frutan! desse direito sobre vós, por que
¡uiihar por urna esposa crista, como os nao nós? Todavía, nao fizemos uso de
ilrmais apóstolos, os irmáos do Senhor tal direito; pelo contràrio, tudo supor-

I 1,21). “Escandalizar” é provocar a que- ter convivido com Jesús) ou que nao es­
ila. Ver Rm 14,15-20. tenda seu apostolado evangelizador a eles.
O que se segue favorece a primeira in-
9 O último versículo formulou o princi­ terpretaçâo, pois o selo serve para auten­
pio ou o propósito de limitar a liberdade a ticar um título: a comunidade que fundou
«■rvigo da cariaade. No presente capítulo, em Corinto comprova sua missáo apos­
I'aulo desenvolve o principio com seu exem- tolica.
I>lo: os direitos de um apóstolo e a renuncia 9.3 Defesa e julgamento expressos em
a eles pelo bem da comunidade. Estes di- terminologia forense.
reitos se provam com vários argumentos: 9.4 Ver a instruçâo de Jésus aos discí­
da razáo, da Escritura, de semelhanqa. pulos (Le 10,8).
a) Da razáo: o soldado recebe o soldo 9,5-6 “Irmâos do Senhor” (Me 3,31).
(Nabucodonosor da parte de Deus, Ez 29, Barnabé (At 4,36-37; 13-14; Gl 2,1). Po-
18-20); o lavrador se alimenta da sua co- de-se recordar as “mulheres” que acom-
Iheita (Is 62,8-9; 65,21); o mesmo vale para panhavam Jésus em seu ministério (Le 8,2-
o pastor (Pr 27,26-27). 3; 24,22).
b) Da Escritura: a lei que protege o ani­ 9,7 Soldado, lavrador e pastor, très ca­
mal que trabalha (Dt 25,4), interpretada em tegorías de urna economia simples. Pen­
fungáo do homem. Urna alusáo ao que diz sa nos soldados mercenários da época
um doutor (Eclo 6,19). (“soldado” se relaciona com “soldo”, sa­
c) De semelhanga: como fazem os ou­ làrio).
tros apóstolos, ou os ministros do culto. 9,9 Dt 25,9; mas cf. SI 36,10; 104,27-
Mas o orgulho de Paulo nao é a liberdade, 28; 145,15-16. Paulo se refere a urna lei
e sim a renuncia por amor e zelo apostóli­ promulgada, nao à providência gérai.
co. Compare-se com 2Cor 11,7-9. 9.11 Nas instruçôes aos apóstolos con-
9.1 “Livre” de nascimento, “apóstolo” ta-se com a hospitalidade gratuita dos des-
de vocagáo (1,1). “Eu vi Jesús Senhor”: tinatários (Mt 10,11-13 par.).
apresenta-se como testemunha da ressur- 9.12 Obstáculo poderia ser que os po­
reicáo (Kyrios At 9,17; 26,15). É o que bres ficariam sem evangelho por nâo pode-
fundamenta sua missáo (cf. At 1,22). rem pagar o pregador. Também a impres-
9.2 Pode significar que os outros nao sâo de que o pregador atuava por cobiça
o reconhecem como apóstolo (por nao ou para vantagem pròpria.
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 508

tamos para nào por obstáculos à boa judeu para ganhar os judeus; coni o*
noticia do Messias. 13Nào sabéis que os submetidos à lei como se eu estivesse,
m inistros do culto comem das ofertas em bora náo o esteja, para ganhar os
do tem plo, e os que servem ao altar submetidos à lei. 21Com os que náo U m
participam das ofertas do altar? lei, como se eu náo a tivesse — embo­
14Do mesm o modo, o Senhor dispós ra náo rejeite a lei de Deus, pois eston
que os anunciadores da boa noticia vi- subm etido á do M essias — , para ga
vam do seu anuncio. 15Eu, porém, nao nhar os que náo tèm lei. 22Tornei-mr
fiz uso de nenhum desses direitos. Nao fraco com os fracos, para ganhar os fra
escrevo para que agora os reconhegais eos. Fiz-me tudo para todos, para sal
(prefiro morrer!). Ninguém me tirará var alguns de qualquer forma. 23E tudo
essa gloria. 16Anunciar a boa noticia nao fago pela boa noticia, para participai
é para mim motivo de orgulho, mas déla. “4Náo sabéis que no estádio coi
obrigacáo que me incumbe. Ai de mim rem todos os corredores, mas um so
se eu nào a anunciar! 17Se o fizesse por ganha o premio? Correi, portanto, pani
iniciativa pròpria, receberia meu salà­ consegui-lo. 25Os que com petem se
rio; se náo é por minha vontade, é por­ abstèm de tudo; e o fazem para ganhai
que me confiaram um encargo. 18Qual urna coroa corruptível, nós urna incor-
será, entáo, meu salàrio? A nunciar gra­ ruptível. 26De minha parte, eu corro
tuitamente a boa noticia, sem fazer uso mas náo á-toa; luto, mas náo dando
do direito que seu anuncio me confere. golpes ao vento. 27Ao contràrio, treino
19Sendo inteiramente livre, me fiz es- meu corpo e o submeto, para que náo
cravo de todos para ganhar o maior nú­ acontega que, depois de proclamar aos
m ero possível. 20Com os judeus me fiz outros, eu seja desclassificado.

9.13 É norma da legislagáo: Lv 7,7-10; 9.20 Refere-se á lei judaica com suas
Dt 18,1-3. observancias. Nos Atos aparece Paulo
9.14 É o que lemos em Gl 6,6, fazendo cumpridor da lei, inclusive circuncidando
eco ao principio enunciado por Jesús (Le Timoteo (16,3) ou cumprindo um voto
10,7). (21,26).
9.15 A partir deste versículo, remonta á 9.21 Diante dos pagáos, que nao seguem
descoberta da origem e sentido da sua mis- a leí judaica, Paulo prescinde dessa lei,
sáo, o estilo na sua execugáo. E o faz com embora submetido à lei de Cristo.
um estilo retórico de grande efeito e clara 9.22 Ele tem de educar os “fracos”, dos
maestria. Deve-se escutá-lo declamado em quais falou antes (8,7-12), náo os deixan-
voz alta, observando o ritmo, os parale­ do em sua “fraqueza” ignorante.
lismos, os paradoxos. 9.23 De modo que seja boa noticia tam-
9.16 Sente-se como um profeta, forga- bém para mim. E essa é a paga daquele
do a pregar; veja-se de modo especial o que trabalhou de graga.
exemplo de Jeremías, “forgado por tua 9,24-27 Recorre a urna imagem espor­
máo” (15,17), embalado por um fogo in­ tiva, sugerida pelos jogos ístmicos, que se
terior da mensagem, “fazia esforgos para celebravam em Corinto, e também pelo
contè-la e náo podia” (20,9). Ai de mim, uso da imagem por parte da filosofía po­
por minha pregagáo! dizia Jeremias; ai de pular. A liberdade fica também limitada
mim, se náo anuncio!, diz Paulo. pela necessidade de treinar-se e compe­
9,17-18 Refere-se a um escravo admi­ tir até o final. No estádio, só um é corea­
nistrador, que náo recebe salàrio, e se opóe do; no terreno cristáo todos, contanto que
ao cidadáo livre que é contratado por di- corram segundo o regulamento e sem de­
nheiro. A generosidade desinteressada é sanimar.
seu melhor salàrio. O horizonte é escatològico (Sb 5,16).
9,19-23 Livre: como judeu, como ci­ Paulo, que agora faz as vezes de árbitro
dadáo romano, como cristáo; escravo de ou arauto dos vencedores, é ao mesmo
todos, a exemplo de Cristo (Jo 13,13- tempo lutador e corredor rumo á meta
17). (compare-se com 2Tm 4,6-8).
Ili I ' 509 PRIMEIRA CARTAAOS CORINTIOS

IVrigo de idolatría — 1Nao que- tou para dançar. 8N áo forniquem os


10 que ignoréis, irmáos, que nos-
como fizeram alguns deles, e num só
i r | mis estiveram sob a nuvem e atra- dia caíram vinte e très mil. 9Náo po-
■ , ..ii.Mii o mar. 2Todos foram batiza- nhamos o Senhor à prova, como fize­
éIh>. ii.i nuvem e no mar, vinculando-se ram alguns deles, e pereceram m ordi­
ii M< lisos. 3Todos com eram o m esm o dos por serp entes. 10N âo protestéis
iilinu nlo espiritual 4e todos beberam a como alguns protestaram, e pereceram
un mim bebida espiritual; pois bebiam ñas máos do exterminador. n Tudo isso
>l,i nidia espiritual que os seguia, ro- lhes acontecía como figura, e foi escri­
i li.i que é o M essias. 5M as a maioria to para advertir a nós que alcançam os a
iiiiu agradou a Deus e acabaram esten- etapa final. 12Por conseguinte, quem eré
ilulns no deserto. 6Esses fatos nos sír- estar firme, tenha cuidado para nao cair.
vrm ile exortagáo, para que nao dese- 13N enhum a prova sobre-hum ana vos
)iiik is o mal, com o eles o desejaram . atingiu. Deus é fiel, e nao permitirá que
'Nao sejais idólatras como alguns de- sejais provados acima de vossas forças.
l i i l o s quais está escrito: O p ovo sen ­ Com a prova vos abrirá urna saída, para
tón \c para com er e beber e se levan- que possais suportá-la.

10,1 -10 Ilustra a necessidade de perse- 10,3-4 Comida e bebida se unem, como
vn.ir até o final fazendo desfilar, em esti­ na eucaristía. Eram materiais na sua es-
lo midráxico, vários episodios escalonados séncia, eram “espirituais” por sua origem
i l n s israelitas no deserto. O procedimento milagrosa e por seu sentido profètico (cf.
ilas series é conhecido e praticado no AT: Jo 6,22 e 7,37s).
n s Salmos 78, 105 e 106, o cap. 10 de Sa- Alude à lenda da rocha que seguia como
litdoria, a memoria penitencial de Ne 9. manancial itinerante o povo em seus des-
(> lema do éxodo era um dos mais explo- locamentos: os rabinos a identificaram
lailos na tradigáo rabínica. Os episodios com a lei, que acompanhava o povo em
r \emplares recolhidos sao: a travessia do sua historia.
mar (Ex 14), o maná (Ex 16), a água da 10,5-6 Desejar o mal: cf. Am 5,14; SI
uicha (Nm 20), a covardia diante do peri­ 52,5. “Estendidos”: Nm 14.
co (Nm 14), o bezerro de ouro (Ex 32), a 10.7 Tacha de idolatria venerar urna
prostituido sagrada (Nm 25), as serpen- imagem de Yhwh (Ex 32).
les (Nm 21), a revolta (Nm 17). 10.8 Vinte e quatro mil, diz Nm 25,9;
O modo de tratar os episodios é esque­ talvez esteja confundindo com Nm 26,62.
mático, seguindo um padráo bastante li- 10.9 Ver Nm 21,5-6.
vre. O principio hermenéutico é ver os fa­ 10.10 O título “exterminador” pertence
los e sua versáo escrita como tipos ou a outros contextos (contra o Egito, Ex
prefiguragóes do futuro, que é a era final 12,13; o assèdio, Is 54,16 etc.).
ilo evangelho. Quer dizer, o ponto de vista 10.11 A “etapa final”: lPd4,7; lJo 2,18.
o o momento presente com seus proble­ O principio hermenéutico pode ser esten­
mas e exigencias. dido a muitos outros fatos do AT: o que o
Na exortagáo vai misturando o “vós” e povo vive é como uma representado sa­
o “nós”: todos, também os pagaos conver- grada, urna espécie de auto sacramental,
lidos, devem sentir-se em continuidade exibido antes os futuros leitores/público,
rom o Israel do éxodo, “nossos pais” ou que háo de sentir-se interpelados pelo dra­
antepassados. ma representado.
10,1-2 A passagem através de elemen­ 10,12-13 O deserto é a etapa tradicional
tos aquáticos — entre duas muralhas de da “prova”: Ex 16,4; 20,20; Dt 8,2.16. A
agua no mar Vermelho, sob a nuvem no prova pertence à existéncia humana e à
deserto — era urna espécie de batismo que vida crista: no Pai-nosso pedimos para
os incorporava a Moisés. Ex 14,31 concluí: superá-la (Eclo 2,1-6), nao eliminá-Ia.
"creram no Senhor e em Moisés, seu ser­ As tentagóes concretas, e algumas que­
vo”, que resulta, assim, em tipo de Cristo. das, dos corintios já apareceram na car-
PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS 510 10, M
Alimentos idolátricos e liberdade cris­ demonios; náo podéis com partillui h
ta — 14Portanto, meus queridos, fugi mesa do Senhor e a mesa dos demonio*
da idolatría. 15Falo a gente entendida; 22Q uerem os provocar ciúm es no Si
julgai por vós mesmos. 16A taga de bén- nhor? Somos mais fortes do que ele '.1
5 3 0 que abengoamos, nao é comunháo 23Tudo é permitido, dizeis. Mas, ncm
com o sangue de Cristo? O pao que tudo convém. Tudo é permitido. Porém,
partimos, nao é com unháo com o cor- nem tudo edifica. 24Ninguém procuu
po de Cristo? 17Um é o páo e um é o seu interesse, mas o do próximo. 25Co*
corpo que formamos, apesar de muitos; mei tudo o que se vende no agougue
pois todos partilham os o único páo. sem criar problema de consciéncia, poi
l8Considerai os israelitas de raga: Os 26do Senhor é a térra e tudo quanto clu
que comem as vítimas sacrificadas náo contém. 27Se um pagáo vos convida o
estáo em com unháo com o altar? 190 aceitais, comei de tudo o que vos sci
que pretendo dizer? Que as vítimas ido­ vir, sem criar problema de consciénci;i
látricas sáo alguma coisa ou que os ído­ 28Mas se alguém vos avisar: E carne su
los sáo alguma coisa? 20A bsolutam en- orificada, náo comáis: em atengáo ;i
te náo. Contudo, visto que os sacrificios quem vos avisou e á consciéncia. 29Náo
dos pagaos sáo oferecidos a demonios me refiro á própria consciéncia, mas a
e náo a Deus, náo quero que entreis em do outro. Como assim?! M inha líber
comunháo com os demonios. 2!Náo po­ dade vai ser julgada pela consciénci.i
déis beber a taga do Senhor e a taga dos alheia? 30Se eu participo dando gragas.

ta. A seguir, vai deter-se num caso parti­ 10.19 Ver Dt 32,17.
cular. 10.20 Entre tantas referencias a demonios
10,14-22 Sobre a participagáo em banque­ nos evangelhos, podemos destacar a figura
tes cultuais pagáos. No banquete cultual o de Satá frente a frente com Jesus no deserto;
homem se faz comensal da divindade, a última exigéncia de Satá é ser adorado.
“compartilha” sua mesa (SI 36,9; 63,6; 65,5; 10.21 Ver Dt 4,24.
116,13). Porém, conforme foi dito antes 10.23-30 Retorna ao tema da liberdade
(8,4), poderíam objetar: se os ídolos náo sáo (6,12) e seu limite imposto pela caridade.
nada, seu banquete é neutro. Paulo respon­ Acrescenta algum aspecto novo, tanto na
de com outra versáo (que a apologética casuística como na motivagáo. Casos do
explorará): as divindades pagas sáo demo­ cristáo que vive em ambiente pagáo e pre­
nios. E esses demonios sáo hoje os “rivais” cisa relacionar-se com ele. Pode-se com­
do nosso único Deus, que é um “Deus ciu- parar com a casuística entre judeus propos­
mento” (Ex 20,5; 34,14; Dt 4,24; 5,9; 6,15). ta por Ag 2,10-13.
Veja-se especialmente Dt 32,16-17 (pro- 10.23-24 O uso da liberdade há de ser
vávcl inspiragáo de Paulo), que enumera “construtivo”; e só o será, se a preferencia
em paralelismo sinonímico “deuses estra- for dada ao próximo, especialmente ao
nhos, abominacoes, demonios que náo sáo próximo necessitado.
deus, deuses desconhecidos”. 10.25 E diferente a condigáo da pessoa
10,16-17 De passagem nos oferece um e do objeto. O objeto submetido a um rito
denso ensinamento sobe a eucaristía como náo muda sua natureza; a pessoa que par­
comunháo com Cristo e com os irmáos. ticipa de um rito se torna responsável.
Expressa-se e afianca-se uma espécie de 10.26 Cita o comego de um salmo (24,1)
parentesco “camal”, de “consangüinidade” que enumera condigóes éticas para entrar
misteriosa com o Senhor. O cálice de bén- no templo.
gáo procede do ritual judaico e é transfor­ 10,28 O aviso dado em público muda a
mado por Jesús (Le 22,19-20 par.). Frisa situagáo: faz da refeigáo um ato confes­
o paralelismo: corpo eucarístico de Cris- sional, induz a alternativa de dar bom ou
to/corpo eclesial de Cristo. O páo único o mau exemplo.
simboliza, a refeigáo o realiza. 10,30 O cristáo se torna responsável
10,18 Ver Lv 3. também pela consciéncia alheia, que ele
Il 511 PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

i>hi i|ih ii.io m t censurar por aquilo pelo jo que com preendais que o Messias é
i» il .Ion ripeas?31Portante,quercomáis cabega de todo homem, o homem é ca­
.mi Iii Ii.iis ou fagais qualquer outra coi- b e ra da m ulher e Deus é cabega do
■i l.i/ci tildo para a gloria de Deus. M essias. 40 homem que reza ou profe­
N.m deis motivo de escándalo, nem a tiza com a cabsga coberta, desonra sua
1' 111, ir. nem a gregos nem á igreja de cabega; 5ao contràrio, a mulher que reza
i i r . " ( 'orno eu, que tentó agradar a ou profetiza com a cabega descoberta,
1. 1.1. >•.. nao procurando minha vantagem, desonra sua cabega: é como se tivesse
ni.i. ,i de todos, para que se salvem. a cabeca rapada. 6De modo que, se urna
mulher nao se cobrir, que rape a cabe­
| 1Imitai-me, como eu imito Cristo. ra; e se é vergonhoso rapar o cábelo,
entáo que se cubra. 70 homem nao pre­
i • vou das m u lh eres — 2Eu vos lou- cisa cobrir a cabega, pois é imagem da
>ii porquesem prevoslem braisdem im glòria de Deus, ao passo que a mulher
i 11 mservais meus ensinamentos do mo- é gloria do homem. 8Pois nao é o ho­
iln como os transmití. 3Contudo, dese- mem que procede da mulher, e sim a

li I ile respeitar e tratar com compreensáo 11.2 Comparem-se estas “minhas tradi-
■ Indulgencia. góes” com a grande tradigáo de 11,23.
10,31-32 Resume o duplo critèrio que Como exemplo de fidelidade a tradigóes
n ).|- o caso presente e qualquer outro da paternas, pode-se recordar o episodio dos
i uta crista. O primeiro é positivo: mesmo recabitas de Jr 35.
|.. alividades neutras devem ser realizadas 11.3 A “imagem e semelhanga” de Gn
■ni honra de Deus, para gloria de Deus (SI 1,27, que coloca no mesmo plano o ho­
11 \ I ); o segundo é negativo: nao dar es- mem e a mulher, é substituida por urna
i ¡tíldalo a pessoas próximas nem a desco- disposigáo hierárquica, com o Messias
nliecidos. como pega intermèdia: Deus é cabega de
Cristo, que é cabega do homem, que é
10,33- 11,1 Paulo pode propor-se como cabega da mulher.
modelo por sua origem judaica e sua de­ 11,4-5 Há urna zona de igualdade que
d icalo aos pagaos; mas, acima de tudo, convém destacar: o mesmo se diz, sem
|iorque imita Cristo. Cristo é o modelo pri­ distingáo, do homem e da mulher no cul­
mario (Rm 8,29) que o cristào imita me- to: “reza e profetiza” é o substancial. Há
iliata ou ¡mediatamente (FI 3,17; 2Ts 3,7- outra zona que distingue gesto e aspecto:
'))■ Dai brota urna espiritualìdade definida é o addentai. Esta segunda ilustra a parti-
como imitagào de Cristo. cipagáo dos dois sexos no culto, nao con­
11,2-16 Pelo tema, a nosso ver secun­ fundidos (cf. Dt 22,5). Segundo Jr 14,3-4,
dario, e pela maneira de argumentar, esta o homem cobre a cabega em sinai de luto,
mstrugao nos parece desconcertante. Que “defraudado”.
iliíerenca dos outros temas tratados na car­ 11,7-10 O modo de argumentar pela
ta! Se esta era urna das consultas dos co­ Escritura é curioso. Gn 1,27 fala de “ima­
rintios, Paulo nao tem sobre o assunto ins- gem e semelhanga”, aqui se diz “imagem
Irugóes do Senhor. O que é urna pràtica e gloria”. A imagem se diz do homem, à
condicionada por usos sociais, limitada em mulher cabe a gloria por mediagao do ho­
lempo e espago, Paulo tenta justificar com mem. A “correspondencia” (kenegdo, Gn
argumentos da antropologia, “ensina a 2,21-22) é substituida por finalidade. As-
natureza” (v. 14) e da Escritura, nada me­ sim resulta que a mulher procede do ho­
nos que do primeiro capítulo do Génesis mem e é para o homem: isso deve se mos­
(vv. 8-9). Joga com o sentido pròprio e trar no culto, e o sinal social é cobrir a
metafórico de “cabega” e com a analogia cabega. Por causa dos “anjos”: a interpre-
do véu e da cabeleira. É possível que se tagào é duvidosa e discutida. Alguns os to-
refira ás mulheres casadas, supondo que mampsir seres celestiais, representantes do
descobrir-se em público era falta de res- munoo ijeleste na liturgia terrestre. Outros
peito (cf. Gn 24,65; Dn 13,32). pensam era oficiantes do culto, aos quais
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 512

mulher do homem. 9E o homem nao foi discutir, nós nao temos esse costuina
criado para a mulher, e sim a mulher pa­ nem as igrejas de Deus.
ra o homem. 10Por isso, a mulher deve
levar na cabega o sinal da autoridade*, Agape e eucaristía — 17Ao recomen,
em atengáo aos anjos. “ Embora para o dar-vos essas coisas, existe algo que nfli i
Senhor nao haja m ulher sem homem, louvo: vossas reunióes trazem mais pie«
nem homem sem mulher. l2Pois, se a juízo que beneficio. 18Em primeiro lu
mulher procede do homem, tam bém o gar, ouvi que quando vos reunis em a\«
homem nasce da mulher, e ambos pro- sembléia, há divisóes entre vos, e em
cedem de Deus. 13Julgai vos mesmos: parte acredito; 19pois é inevitável qw
é conveniente que urna mulher reze a haja divisóes entre vós, a fim de que m
Deus com a cabega descoberta? 14Náo mostré quais os que entre vós sao autén
vos ensina a natureza que é urna deson- ticos. 20E assim acontece que, quando
ra para o homem ter cábelos longos, 15ao vos reunis, nao coméis a ceia do Se
passo que é honra para a mulher té-los? nhor. 21Pois uns se antecipam para ctm
Pois os cábelos longos sao dados á m u­ sum ir a própria ceia e, enquanto um
lher com o véu. 16E se alguém quiser passa fome, o outro se embebeda. 22N3o

as mulheres nao cobertas poderiam pro­ emprega expressóes violentas. De modo


vocar. Outros tomam o termo em seu sen­ semelhante, a falta de caridadc invalida a
tido simples de mensageiros, quer dizer, eucaristía crista.
visitantes de outras igrejas. Veja-se o cos- 11,18-19 O primeiro pecado sao as di
tume antigo em Gn 24,65. visóes (das quais falou no comego da caí
11,10 *Ou: estáo sob. ta). E verdade que as divisóes sao inevitá
11,11-12 Se a explicagáo precedente nao veis, especialmente numa comunidacli
é muito lisonjeira, acrescentamos a contra­ heterogénea como a de Corinto; mas os
partida: primeiro, que diante do Senhor “auténticos” háo de fazer todo o possível
devem apresentar-se unidos os dois sexos; para manter a unidade, expressada e robus
segundo, que todo homem (salvo Adáo) é tecida na celebrado eucarística.
“nascido de mulher” (Jó 14,1). 11,20 A afirm ado é categórica e vigo
11,13-15 Mas, se nao convencem os ar­ rosa: há, sim, urna reuniáo comunitaria,
gumentos de autoridade, que os destinatá- mas nao há “banquete do Senhor”. Vale
rios julguem por sua conta, consultando a para o que precede e o que se segue.
natureza, que nao faz o homem cabeludo. 11,21-22 O segundo é a relado entre
11,16 E se ainda nao se convencem (pois refeigáo profana e celebrado litúrgica. A
Paulo tampouco parece estar convencido), “ceia do Senhor”, que se celebrava em
se apela ao costume das igrejas (costume casas particulares e apropriadas, costuma
sem dúvida condicionado). va ser precedida de urna ceia em comum,
11.17-34 Esta é urna das versóes escritas á qual os abastados traziam suas provisoes.
mais antigas que possuímos sobre a insti­ Sem esperar que chegassem os mais ne-
tu id o e celebrado da eucaristía. Parece cessitados e atrasados, comiam e bebiam,
mais com a versáo de Le 22,15-20 e proce­ de modo que aos pobres restavam as so­
de de urna tradigáo auténtica (v. 23), Paulo bras. Nesse ponto, com uns satisfeitos e
enfrenta primeiro dois abusos dos corintios até ébrios e outros meio famintos, proce-
(w . 18-20.21.22) e oferece depois urna sín- dia-se á celebrado da eucaristía. E esta
tese densa do seu ensinamento (vv. 23-29). era ocasiáo de discriminagáo entre pobres
11.17-22 Muitas vezes no AT se denun­ e acomodados, com fome e humilhagáo
cia um culto invalidado pela situado de dos necessitados. Urna divisáo grave, na
injustiga dos oferentes e participantes. Is qual culminavam as faegóes e pleitos an­
1,10-20 o declara “detestável”; Is 58 de­ tes mencionados (1,10-17; 6,1-11). Mais
nuncia o jejum; Jr 7 o fazer do templo “co- Valeria comer cada um em sua casa e de­
vil de ladróes”; SI 50 propóe um discurso pois reunir-se para a liturgia (melhor ain­
apaixonado do Senhor; Eclo 34,18-35,9 da esperar e partilhar, v. 33).
I( 513 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

H.i. i ,i-.as para comer e beber? Des- cada um se examine antes de comer o
, i. mi .1 assembléia de Deus e enver- pao e beber a taga. 2l,Pois, quem nao
niliar. ns que nada tém? Que posso reconhece o corpo (do Senhor), come
li . i \ ns? Vou louvar-vos? Nisto nao e bebe a própria condenagáo.
i., iinivo 'Pois eu recebi do Senhor 30Esta é a causa de haver entre vós
lim vos transmití: O Senhor, na noite muitos doentes, enfermos e que muitos
i-in i|ur era entregue, tomou pao, 24dan- morreram. 31Se nos examinarmos, nao
Ih i'i ,n a-, o partíu, e disse: Isto é o meu seremos julgados. 32E se o Senhor nos
hi 11 0 1111o se entrega por vós. Fazei isto julga, é porque nos exorta para nao nos
ni nn inória de mim. 25Da mesma for- condenar com o mundo. 33Portanto, ir-
niii iliipois de cear, tomou a taga e dis- máos meus, quando vos reunís para co­
' I '.la taga é a nova alianza selada mer, esperai uns pelos outros. 34Se al-
.■ni " meu sangue. Fazei isto cada vez guém tiver fome, coma em sua casa;
|in .i IH'beis, em memoria de mim. 2fiDe assim nao vos reunireis para ser con­
i iin si-mpre que coméis este pao e be- denados. Os demais assuntos, eu os re-
iii l’i i sla taga, anunciais a morte do Se- solverei quando ai chegar.
I ii, alé que volte. 27Portanto, quem
m ii

.mu r o pao e beber a taga do Senhor C arism as — ’Irmáos, a respei-


m.llanamente, é réu do corpo e do san- to dos dons espirituais, nao que­
|iin do Senhor. 28Por conseguinte, que ro que estejais na ignorancia. 2Sabeis

11 ,.’.3-28 Paulo aproveita a ocasiáo para 11.28 É a exigéncia prévia de um exa­


. i|nu scu ensinamcnto positivo. As fór- me de consciéncia para a purificagáo, para
muías empregadas sao de grande riqueza nao comer “indignamente”. Lógicamente,
ii nlngica, que a reflexáo posterior se en- nesse exame deve-se incluir o que Paulo
. iiuegou de desenvolver. denunciou antes. Conservamos esta agáo
11.23 “Na noite em que era entregue”: na nossa liturgia penitencial.
.i iilo litúrgico fica vinculado a um fato 11.29 O “corpo” é o eucarístico do Se­
liiiiilacipnal; com mais rigor que a Páscoa nhor e também a comunidade: ambos de-
..i vincufava à saída do Egito (Ex 12,26s); vem ser reconhecidos em sua diversidade
ilrin disso, “essa noite” é expressáo que única.
priilura na liturgia judaica e que repeti­ 11,30-32 Uma epidemia ou mortanda-
mos no nosso precònio pascal. de anómala em Corinto é interpretada, no
11.24 E a clàssica “agào de gragas”, que estilo do AT, como castigo ou aviso divi­
ii ii responde à beraká judaica e que dà no á comunidade, com finalidade salutar.
m im e com sua raiz grega à nossa eu- 11,33-34 O último conselho prático: es­
■haris-tia; que os antigos chamaram tam- perar até que estejam todos para cearem
licm “a fragào do pào”. “Em memòria”: juntos. Em caso excepcional, de alguém
«■ni grego anamnesis, conservado também que nao possa resistir tanto, que coma em
i nino termo técnico em nossos tratados; é casa antes de comparecer á reuniáo.
memòria que atualiza o fato, é comemo-
nigào festiva. “Por vós” significa o valor 12,1 -31 Os dons espirituais, ou “ca­
icilentor da sua morte. “Fazei”: é um pre- rismas” em Corinto davam origem, ao que
ivilo que a Igreja deve cumprir e cumpre parece, a divisóes por inveja ou competi­
un longo dos sáculos (cf. Hb 9,16-22). d o , por vaidade comparativa. Paulo res­
11.26 “Até que volte”: o que é memoria ponde desenvolvendo duplo argumento:
r tumbém esperanza, projetada para a origem e fungáo. A origem é única e man-
|i;i rusia ou retorno do Senhor. “Coméis e tém um controle unificado: o Espirito. A
lieheis”: é a comunháo na sua forma pri­ fungáo é plural, mas de forma orgánica,
mitiva (bastante limitada em nossos dias). quer dizer, existe uma diferenciagáo a ser-
11.27 O individuo indigno nao invalida vigo da unidade do organismo.
11 alo comunitàrio, mas se toma réu de pro- 12,2-3 O impulso podia ser a ánsia reli­
lanagáo grave. giosa profunda do homem, dirigida por
PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS 514

que, quando pagaos, seguieis um im­ 8Um, pelo Espirito, tem o dom de la
pulso para ídolos mudos. 3Por isso vos lar com sabedoria; outro, segundo ti
fago saber que ninguém, movido pelo mesmo Espirito, o de falar com pene
Espirito de Deus, pode dizer: Maldito tragáo; 9outro, pelo mesmo Espirito u
seja Jesus! E ninguém pode dizer: Se­ fé; outro, pelo único Espirito, cansina'
nhor Jesus! se nao é movido pelo Espi­ de curas; 10outro, realizar milagres; ou<
rito Santo. tro profecía; outro, o discemimento ili
4Existem carism as diferentes, mas espíritos; outro, falar línguas diferín
um único Espirito; 5existem ministérios tes; outro, interpretar línguas m isten.’
diferentes, mas um único Senhor; 5exis- sas. "M as tudo é realizado pelo m i ­
tem atividades diferentes, mas um úni­ mo e único Espirito, repartindo a cailn
co Deus que realiza tudo em todos. 7A um com o ele quer. 12Como o corpo,
cada um é dada urna m an ifestad o do sendo um, tem muitos membros, e ot.
Espirito para o bem comum. membros, sendo muitos, formam u m sil

engano ás falsas divindades. Chama de radores de Moisés foi dada urna parte igual
“mudos” os ídolos, seguindo urna velha e de “espirito” para alivio do chefe, a servi
tradicional polèmica, “tèm boca e nao fa- qo da comunidade (Nm 11).
lam” (SI 115,5; 135,16; Br 6) e selecionan- 12,8-10 Enumera depois nove dons, sem
do entre suas impotencias a falta de co­ preocupado de ser completo ou preciso
municado. Pertencem á ordem da doutrina (em sentí
A confissào batismal e reiterada de Je­ do ampio) e dos milagres. Faltam por ora
sus como “Senhor” só é possível por ins­ os carismas de organizado e beneficen­
p ira d 11do Espirito, e é portanto um critè­ cia. Como antecedente, é obrigatório citai
rio básico para julgar os carismas. Quanto os quatro “ventos = espíritos” do Messias
à anticonfissáo “maldito seja Jesus!” ten- futuro (Is 11,2): “sensatez e inteligéncia,
ta-se explicá-la de modos diversos: serve fortaleza e prudencia, conhecimento e res
de contraste para realzar a confissào posi­ peito de Yhwh”; e para as manifestacocs
tiva; distingue em Jesús o humano ou orgíacas ou extáticas, a historia de Saúl
corpóreo (maldito) e o divino ou espiri­ (ISm 10,11; 12,19.24) e várias experién
tual (Senhor); fórmula de abjurado ou cías de Ezequiel).
apostasia exigida dos cristáos pelas auto­ “Sabedoria e conhecimento” transferí
ridades locáis, judaicas ou pagas; temor dos ao contexto cristáo (cf. 2Sm 23,2, de
de alguns carismáticos de que, durante o Davi; Jó 32,8). “Fé” em seu caráter parti
éxtase, se lhes escape alguma blasfémia cular: para operar milagres (Me 9,23) ou
involuntária (coisa impossível). Em qual- para o testemunho. Junto a “curas”, os
quer caso, um critèrio, por sua natureza, “poderes” poderiam referir-se a exorcis­
se abre em duas diregóes. mos. A “profecía” complementa-se com a
12,4-6 O primeiro è afirmar a unidade discrido (cf. IRs 22,24), e serve para co­
de origem e a variedade de manifestado. municar instrucóes particulares; as “lín­
Sem usar a terminologia trinitària evo- guas misteriosas” (glossolalia) se comple­
luida, è claro o pensamento trinitàrio: Es­ mentan) com sua interpretado.
pirito (Santo), Senhor (Jesus), Deus (Pai). 12.11 Dinamismo e soberanía do Espi­
O trio correlativo nao se deve atribuir rito: decide, reparte, ativa.
membro a membro, mas è cumulativo: 12.12 *Ou: o Messias.
carismas, ministérios e atividades tèm sua 12,12-30 Propóe o segundo argumento,
origem comum em Deus (cf. Os 14,9). Nao desenvolvendo a imagem (nao alegoría
sao qualidades naturais, nem fruto do es­ estrita) de um organismo. É obvio o as­
forzó humano; nao sao mérito nem privi­ pecto da diversidade funcional, é essen-
lègio; urna vez recebidos, nao ficam à dis- cial o aspecto da correlagáo e interdepen­
posido autònoma do homem. dencia. A pluralidade e variedade a servido
12,7 Todo carisma individual está orde­ da unidade. Unida ao Messias, a Igreja é
nado ao bem da comunidade. Aos colabo- como um corpo. Nao é legítimo identifi-
515 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

i"|hi, iissim c Cristo*. 13Todos nós, centes nao precisam disso. Deus orga-
mi Riegos, escravos ou livres, nizou o corpo, dando maior honra ao
Mim Imli/amos* nura só Espirito para que carece déla, 25de modo que nao hou-
lumini mos uni só corpo, e absorvemos vesse divisáo no corpo, e todos os mem­
iiili *11 I spirito. 140 corpo nào consta bros se interessassem igualmente uns
‘I# imi membro, mas de muitos. 15Se o pelos outros. 26Se um membro sofre, so-
i«i illudesse: Visto que nào sou mào, nào frem com ele todos os membros; se um
|i*ili‘m,'o ao corpo, nem por isso deixa- m em bro é honrado, alegram -se com
i.i tir pcrlencer ao corpo. 16Se o ouvi- ele todos os membros. 27Vós sois corpo
.linlisscsse: Visto que nào sou olho, nào de Cristo e membros singulares seus.
jWilriigo ao corpo, nem por isso deixa- 28Deus os dispós na igreja: primeiro
•in ile |>ertencer ao corpo. 17Se todo o apóstolos, segundo profetas, terceiro
i‘itl|Ht fosse olho, como ouviria? Se fos- m estres, depois m ilagres, depois ca­
ludo ouvido, corno cheiraria? 18Deus rismas de cura, de assisténcia, de go­
i||*pAs os membros no corpo, cada um verno, de línguas diversas. 29Sáo todos
•■min>quis. I9Se tudo fosse um só mem- apóstolos? Sao todos profetas? Sao to­
Iiiii, onde estaña o corpo? 20Portanto, dos m estres? Sao todos taumaturgos?
un membros sào muitos, o corpo é um. 30Todos tém carism as de cura? Falam
'Nfto pode o olho dizer à mào: Nào todos línguas m isteriosas? Sao todos
[inviso de ti. Nem a cabega aos pés: intérpretes? 31Aspirai aos carismas mais
Nilo preciso de vós. 22M ais ainda: Os valiosos. E agora vos indicarei um ca-
iliumbros do corpo considerados mais minho muito melhor.
fnu os sào indispensáveis, 23e os que
i imsideramos menos nobres rodeamos H iño ao am or cristáo — 'A ín ­
ile inaior honra. Tratamos com maior da que eu fale todas as línguas
ilecència as partes indecentes; 24as de- humanas e angélicas, se nao tenho amor,

. ni cada membro mencionado com uma 13,1 -13 O que num corpo realiza a fun-
timgáo específica na Igreja; é legítimo, sim, cionalidade orgánica, na Igreja o realiza o
iihscrvar o interesse do autor pelos mem- supercarisma que é o amor cristáo. Ao che-
liros mais fracos, mais escondidos, menos gar aqui, a retórica de Paulo se toma lírica
iipurentes. para cantar o amor. Pode-se comparar com
12,13 Comparado com G1 3,28, falta os ensinamentos do sermáo da última ceia
ni|ui o binomio homem e mulher; “gregos” (especialmente Jo 15,12-17) e a primeira
oquivale a pagaos. O Espirito = vento, carta de Joáo. Aos termos gregos corres­
loma no batismo figura líquida: o homem pondentes, eros,philia, Paulo preferiu um
nc submerge nele e o absorve. Ou melhor, menos freqüente e mais neutro, agape.
n beber/absorver alude á eucaristía. Todos Porque nao canta o amor conjugal, como
no único Espirito (Ef 4,4-6). no Cántico dos Cánticos, nem o amor de
Ou* submergimos. camaradas que Davi cantou (2Sm 1,19-27),
12,16 “Ouvido que escuta, olho que vé: a nem outros amores humanos, aínda que
limbos fez o Senhor” (Pr 20,12; cf. SI 94,9). nobilíssimos. Canta o amor que o Espirito
12,26 Provável alusáo á paixáo e glo­ de Deus, de Cristo, infunde no cristáo. Ain-
ria: sofrimento e honra. da que em algumas de suas manifestagóes
12,28-30 Outras duas enumeragóes que coincida com as de outros amores, a ori-
nao coincidem com a precedente em nú­ gem e finalidade os transcendem.
mero ou em todos os elementos; há alguns Como género literário, parece-se com o
novos, “de governo e assisténcia”. Dentro louvor grego. Do AT, para a comparagáo,
da série e destacando-se, figuram os que convém citar, antes de tudo, o poema de
podemos chamar “cargos”; participam do Ben Sirac, “Melhor que os dois” (Eclo
dinamismo dos carismas, mas tém fungáo 40,18-27): o poeta vai enumerando duplas
de diregáo. Sao o trio apóstolos, profetas de valores e acrescenta um terceiro ele­
e mestres. Compare-se com Rm 12,6-8. mento “melhor que os dois”; até chegar
PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS 516

sou um metal estridente e um címbalo espera, tudo suporta. sO amor jatn.ii


que tiñe. acabará. As profecías seráo eliminad»*
2Ainda que eu possua o dom de pro­ as línguas cessaráo, o conhecimento so(|
fecía e conhega todos os m istérios e a eliminado. 9Porque conhecemos impci
ciencia inteira, ainda que tenha urna fé feitamente, profetizamos imperfeitanun
capaz de mover m ontanhas, se nao te- te; 10quando chegar o perfeito, o parci.il
nho amor, nao sou nada. 3A inda que eu será eliminado. ' ’Quando eu era criarn,it
reparta todos os m eus bens e entregue falava como crianza, pensava como crian
m eu corpo as cham as, se nao tenho 5 a, raciocinava como crianqa; ao tornii
amor, de nada me serve. me adulto, abandonei as coisas de crian
40 amor é paciente, é amável; o amor (ja. I2Agora, vemos como enigmas nnm
nao é invejoso nem fanfarráo, nao é or- espelho; depois, veremos face a face
gulhoso 5nem faz coisas inconvenientes, Agora, conhego imperfeitamente; de
nao procura o próprio interesse, nao se pois, conhecerei táo bem quanto sou co
irrita, nao guarda rancor, 6náo se alegra nhecido. I3Agora nos restam a fé, a es<
com a injustiga, mas se alegra com a peranga, o amor: estas tres coisas. M.r
verdade. Tudo desculpa, tudo eré, tudo a maior de todas é o amor.

ao décimo, melhor que os dois e que os 7), náo é para negar-lhes o amor; Paulo
vinte e nove, o “respeito de Yhwh”. Mais imagina urna hipótese em que o paradoxo
freqiientc é o elogio da Sabedoria por au­ acrescenta énfase á afirmagáo. Nós pode­
tores sapíenciais: a busca fracassada e re- mos pensar em movimentos que por can
solvida (Jó 28), grande parte do lívro da saco ou desprezo renunciam aos bens, no-,
Sabedoria, os vinte e um atributos (Sb quais se queimam como gesto de protes
7,22-23). Também o amor do presente ca­ to; náo seria semelhante entrega a grande
pítulo parece personificado. prova de amor? Paulo sobe do ato em si
Podemos dividir o canto em très partes: ao espirito que o anima.
valor superior do amor (vv. 1-3), por suas 13,4-7 Quinze características do amor,
qualidades (vv. 4-7), por sua duraçâo (vv. ñas quais a abundancia conta mais que ;i
8-13). precisáo. Oito sáo enunciados negativos,
13,1-3 Carismas de falar (12,28), de o que se deve evitar; há um quarteto posi
conhecer (12,8), de fazer milagres (12,9), tivo final. Dado o caráter de série, poder-
de entrega. se-iam encontrar breves paralelos ou ilus­
13.1 Pensa em sua experiéncia de via­ t r a r e s em conselhos sapienciais e em
jante que o pos em contato com línguas relatos; p. ex. “o amor dissimula as ofen­
diversas. Imagina os anjos falando mu­ sas” (Pr 10,12); “lábios honrados tém gos-
tuamente numa Iíngua celeste, náo na que to de afabilidade” (Pr 10,32); “O reflexi­
usam para comunicar-se com os homens. vo sabe agüentar” (Pr 14,17) etc.
Os instrumentos musicais citados sáo tai- 13,8 Os carismas válidos em si ficam
vez de percussáo; de qualquer modo, náo relativizados ao comparar-se com a pleni-
produzem urna linguagem articulada. tude e a perfeigáo do amor; sáo expedien­
13.2 Mistérios sáo revelados ou expli­ tes provisorios.
cados ao profeta, como afirma Amos (3,7). 13.12 Os espelhos antigos, de metal
Ezequiel e Zacarías contam suas visóes; polido, náo eram táo perfeitos como os
Daniel acrescenta explicagóes de um anjo. nossos de mercúrio. Ver frente a frente sig­
Depoís o texto menciona a fé taumatúrgica nifica o trato pessoal de Moisés com o
anunciada por Jesús (Me 11,23 par.). Senhor (Nm 12,6-8); era o desenlace da
13.3 A terceira é paradoxal (alguns ma­ luta de Jaco (Gn 32,31) e era a esperanga
nuscritos léem “para gloriar-me” = por do salmista (17,15).
vaidade): é possível semelhante entrega 13.13 O trio final (G15,3-4; lTs 1,3; 5,8)
sem amor? Por convicçâo estoica, niilis- náo corresponde ao nosso trio de “virtu­
mo, alarde louco? Pense-se nos jovens na des teologais”, já que a caridade significa
fornalha (Dn 3) ou nos sete irmáos (2Mc neste capítulo o amor fraterno.
li" 517 PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS

Profecía e línguas m isteriosas riosa, a nao ser que a interprete para

M 1 l’rocurai o amor; aspiraiedificagáo


'h*hi mis dons espirituais, sobretudo á
l«i1111'i'ín. ’Quem fala urna língua miste-
iinhii mío fala a homens, mas para Deus:
illllgiii'm o compreende, porque, movi-
i|n pelo lispírito, fala de mistérios. 3Ao
tam- da igreja. 6Suponde, irmáos,
que eu me apresente diante de vós fa-
lando línguas misteriosas; se nào pro­
ponilo alguma revelagáo ou conheci-
mento ou profecía ou ensinamento, que
proveito tendes?
hiiiIiTii io, quem profetiza fala para ho- 7Acontece o mesmo que com os ins­
i m ' i i - i , edificando, exortando e animan- trumentos musicais inanimados, a flau­
iln 1Quem fala urna língua misteriosa ta ou a cítara: se nao distingo as dife­
mI|Ih ;i a si mesmo; quem profetiza edi- rencias de tons, como se reconhece a
lli ii n igreja. 5Eu gostaria que todos fa- quem toca a flauta ou a cítara? 8Se a
Idnhi is línguas misteriosas, mas prefi­ trombeta nao dá um toque definido,
ní que profetizeis. Quem profetiza é quem se preparará para o combate? 90
superior ao que fala urna língua miste- mesmo acontece convosco a respeito

14, l -39 A j ulgar pela extensáo relativa 11); náo é necessàrio que contenha uma
iIh cnpítulo, Paulo julgava necessàrio dei- nova revelagáo, nem que seja predigáo.
<ni bem claras as coisas, ou os corintios 14.1 Do “amor” acaba de falar; dos
« iiiiii entusiastas e nao fáceis de se con­ carismas ou dons espirituais falou no cap.
vincer. A conclusao (v. 37) denota um tom 12. Entre eles concede o primado à profe­
lli'i iiamente irritado. Dado que o vocábu- cía, que vai contrapor sistematicamente à
ln ).',rego glossolalia nao se aclimatou em glossolalia. Sua preocupagào apostòlica é
portugués, traduzo lalein glossei/glossais a “edificagào” da Igreja, que se antepòe
I»ir “falar línguas misteriosas”. Parece ter ao proveito individuai.
siilo comum ñas primitivas comunidades 14.2 Dirige-se a Deus sem necessidade
i' recobrou vigencia em alguns grupos nos de redigir um texto, contente em “derra­
illlirnos decenios. mar seu coragáo” (expressáo do AT), bor-
Parece consistir em pronunciar uma bulhando sons (como o dia no SI 19,3):
si'rie de fonemas ou sons sem sentido ar­ Deus o entende. “Mistérios” ou coisas es­
ticulado na propria língua ou em outras condidas.
i'Htrangeiras. É síntoma de um estado es­ 14.3 Encontramo-nos numa liturgia da
piritual, expressáo de sentimentos, sem palavra, onde se distinguem ou enumeram
Inlormacáo articulada. Está mais perto do diversas atividades: “exortar, animar, re­
I j c s t o que da palavra; está antes da inter- velagáo, conhecimento, profecía, ensina­
|rigáo. mento, instrugáo”. Náo é fácil defini-las e
As vezes é traduzível em linguagem ar­ distingui-las.
ticulada e significativa. O “espirito” hu­ 14,4-5 Na glossolalia a pessoa se expres­
mano sente e experimenta, a “mente” com­ sa privadamente; com a profecia comuni­
preende e articula o que ainda nao estava ca uma mensagem da parte de Deus. Mas,
nrticulado. se hà algum componente de informagào
Pode-se comparar com manifestagóes misturado com a simples expressáo, é ne­
extáticas das antigas comunidades pro- cessàrio traduzi-lo a uma lingua corrente
féticas (bene nebi’im, ISm 10,1-12; 19, inteligivel.
18-24). Para a pessoa, o dom é desafo­ 14,6 O “ensinamento” é proposto em
ro, confirmagào; para a comunidade cren- nome pròprio, ainda que a pessoa tenha o
le, pode ser testemunho da agáo misterio­ carisma de ensinar.
sa do Espirito; para os náo-crentes, pode 14,7-8 Também os instrumentos musi­
ser um fenòmeno desconcertante, até ridí­ cais inertes, que nào transmitem informa­
culo. gào articulada, devem estar de algum modo
Opoe-se a profecía, que significa aqui afinados para emitir urna melodia reconhe-
falar movido pelo Espirito, em nome de cível. Escolhe como representagáo um ins­
Deus, dirigindo-se á comunidade ou a um trumento de sopro e outro de corda. A parte
membro (como Ágabo, At 11,28; 21,10- a trombeta, que segundo as convengoes
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 518 I l li

das línguas: se nao pronunciáis pala- os outros, prefiro dizer cinco palavi
vras inteligíveis, como se entenderá o que inteligíveis do que pronunciar de/ mil
dizeis? Estaríeis falando ao vento. 10Com m isteriosas. 20Irmáos, náo sejais crin»
tantas línguas existentes no mundo, ne- gas quanto à mentalidade; sede criun
nhuma carece de significado. n Se nao gas quanto à malicia e adultos quanti» |i
entendo o significado de urna língua, mentalidade. 21Na lei está escrito: l'm
sou um estrangeiro para aquele que me meio de homens de línguas e lábios <mi
fala, e ele o é para mim. 120 mesmo trangeiros f alarei a este povo, e //<•/»»
acontece convosco: Já que aspirais a assim m e obedecerá, diz o Senhor. 11<
dons espirituais, procurai-os abundan­ sorte que as línguas misteriosas sao m
tem ente para a edificagáo da igreja. nal para os que nao créem, náo para in
13Portanto, quem fala urna língua miste­ que créem. A profecía náo o é para <r
riosa pega o dom de interpretá-la. 14Pois, que náo créem, mas para os que créem
se rezo em língua misteriosa, enquanto 23Suponham os que se reúna a ign-|¡i
m eu espirito reza, m inha m ente fica inteira e todos vos comeceis a falar lm
estéril. lsO que posso fazer? Rezarei guas misteriosas: se entram alguns rv
com meu espirito e minha mente, can- tranhos ou que nao créem, náo diráo que
tarei hinos com meu espirito e minha estáis loucos? 24Ao contràrio, se todo-,
mente. 16Se deres gragas com teu espi­ profetizam quando entra alguém qm
rito, com o responderá amém á tua agáo náo eré ou um estranho, sente-se intci
de gragas aquele que ocupa um lugar pelado por todos, julgado por todos
particular, se náo sabe o que dizes? Dás “5revelam -se os segredos de seu cora
gragas de modo belo, mas o outro náo gáo, cai de brugos adorando a Deus i
se edifica. 18Eu, gragas a Deus, falo lín­ declara: Realmente Deus está convosco
guas m isteriosas mais que todos vos. 26Que concluimos, irmáos? Quandi i
' 9M as numa assembléia, para instruir vos reunis, que um traga um hiño, ou

produz sínaís significativos (como nossos bavam do profeta arremedando seus orá
toques de alvorada, siléncio, retirada, in­ culos, como se fossem ligóes de um pro
cèndio). Pode-se ver: a pràtica em Nm 10, fessor na escola; o profeta retorce a zoni
e como imagem Am 3,6; Is 58,1. baria, ameagando com a opressáo d<
14,10-11 Segunda comparagáo, de urna estrangeiros de língua ininteligível. Por sua
língua estrangeíra e desconhecida: como conta, Paulo acrescenta que é puro casi i
sofrimento segundo SI 114,1; Dt 28,50; go, náo salutar, porque náo induz á con
como castigo em Gn 11, a experiéncía de versáo.
Ezequiel 3,5s. 14.22 A ligagáo deste versículo com o
14,13-14 Outra ativídade litúrgica sao a contexto é obscura: depende da fungáo
súplica e o hiño. A glossolalia reza como atribuida ao “sinal”, revelagáo, denùncia
simples efusáo, sem articular um sentido ou prova. Alguns o léem como objegáo da
inteligível para a pessóa que reza. As sú­ queles que defendem a glossolalia como
plicas do salterio sáo oragáo articulada em testemunho para os infléis; a tal objegáo res
seu sentido. E possível, ao menos em par­ ponderia Paulo nos versículos seguintes.
te, traduzir em palavras a simples efusáo, 14.23 Todos falando ao mesmo tempo
dar linguagem ao sentimento. em pseudolínguas daráo a impressáo di­
14,15-16 Ao mesmo campo pertence a urna reuniáo de loucos ou de um culto or
béngáo ou agáo de gragas. Alguém a pro­ giaco pagáo.
nunciava e a comunídade, grega, respon­ 14,24-25 O profeta inspirado pode leí
día com a fórmula semítica amém. os pensamentos, denunciar seus pecados
14.19 “Instruir” ou catequizar. ao recém-chegado, fazer que os reconhe
14.20 Ef 4,14; F1 3,15. ga e que por isso reconhega Deus presente
14.21 “Lei” equivale aqui a Escritura. (Zc 8,23).
A citagáo de Is 28,11 -12 náo coincide com 14,26-33a Com toda a ordem exigida,
a versáo dos Setenta. Uns ouvintes zom- as assembléias descritas dáo a impressáo
519 PRIMEIRA CARTAAOS CORINTIOS

Itn mu ensinamento, outro urna revela­ algo, perguntem a seus maridos em casa.
ron unirò urna m ensagem misteriosa, É vergonhoso que uma mulher fale na
m i l i u sua interpretaçâo: tudo para edi- assem bléia.)
lli .il,,in comum. 36Partiu de vós a palavra de Deus?
'Se se t'ala em iínguas misteriosas, Chegou somente a vós? 37Se alguém se
liilrm dois, no máximo très, um depois considera profeta ou inspirado, reco-
ilii u n i r ò , e que outro o interprete. _8Se nhega que o que escrevo é preceito do
Milu lia intérprete, cale-se na assembléia Senhor. 38E quem nao o reconhecer, nao
uti lule para si e para Deus. 29Tratando- será reconhecido. 39Em síntese, irmáos,
•ii ilo profetas, falem dois ou très, e os aspirai a profetizar e nao im peláis fa-
mil tu s devem discernir. 30Se um dos que lar em Iínguas misteriosas. 40E que tudo
hnIiiu sentados recebe uma revelaçâo, se faga com ordem e harmonía.
u île a n t e s cale-se. 31Todos podéis pro-
l i 'l t / a r , cada um por sua vez, para que Ressurreido dos mortos — 'Ago­
I n d u s aprendam e se animem. 32Mas a ra, irmáos, quero comunicar-vos
I n s p i r a ç â o profètica está vinculada aos a boa noticia que vos anunciei, que acei-
p r o f e t a s ; 33porque Deus nao quer a anar­ tastes e conservastes, 2que vos salva, des­
q u í a , mas a paz. de que conservéis a mensagem que vos
(Como em todas as assem bléias de anunciei; do contràrio, teríeísraceito em
consagrados, 34as mulheres devem calar váo a fé. 3Antes de tudo, eu vos transmití
Itti assembléia, pois nao lhes é permiti- o que havia recebido: que Cristo mor-
ilu Calar, mas devem submeter-se como reu por nossos pecados segundo as Es­
prescreve a lei: 35se querem aprender crituras, 4e foí sepultado e ressuscitou

lie variedade e animagáo; bastante espon- 15, l-3a A introdudo é solene porque dá
lllneas, sem seguir um programa prede­ lugar ao fundamental e funcional: é a “boa
terminado; com ampia margem para a par­ noticia” que o apóstolo lhes anunciou (seu
ticipado dos presentes. E isso nao se kerigma), que eles “aceitaram” com a “fé”,
considera contrario á paz nem á vontade tornando-se “fiéis”; é “boa” porque “sal­
ilc Deus. va” quem a aceita e mantém. Nao é um
14,33b-35 A instrugáo interrompe o dis­ talismá que opera mágicamente, exige a
curso, contradiz o que foi dito em 11,5, colaborado humana (aviso aos corintios
Upela á “lei” contra o costume de Paulo antes de entrar na matéria). Paulo o “rece-
em casos semelhantes. E com toda a pro- beu”: do próprio Jesús como revelado, de
babilidade uma interpolado posterior (que outros como fórmula; e o “transmitiu” fi­
entra no canon fortemente condicionada). elmente. Receber-transmitir é o esquema
Alguém da gerado seguinte, de um gru­ de uma cadeia de tradigáo.
po conservador, pode ter acrescentado esta 15,3b-5 Fórm ula de p ro c la m a d o
norma restritiva, repetindo nela algumas (kerigma) e de profissáo de fé (credo; cf.
palavras para adaptá-la ao contexto (vv. At 13,29-31). E o germe de elaboragóes
28.30.34 calar-se, w . 32.34 submeter-se, ulteriores? E um resumo de muitos ensi-
vv. 31.35 aprender). namentos? (Faz-nos lembrar a profissáo de
14,36-38 Estas frases revelam que Pau­ Dt 26,5-10, que outrora se acreditou ser o
lo encontrava resistencias na comunidade credo primitivo e germinal dos israelitas e
de Corinto, talvez por excesso de fervor mais tarde se viu que era uma síntese mui-
ou pelo gosto e satisfado dos carismas. to madura e decantada.) Está composto de
frases breves, bem tratadas em unidade
15,1 -58 Exposido fundamental sobre (nao mera sucessáo). Dois fatos correla­
a ressurreido. A ressurreígáo de Cristo, tivos: morte-ressurreido, ambos segundo
objeto da profissáo de fé das testemunhas a Escritura; morte que expia os pecados (e
(vv. 1-11); a ressurreido dos cristaos cor­ substituí as precedentes expiagóes). A se­
relativa á de Cristo (vv. 12-34); o modo pultura rubrica a morte, as aparigóes ates­
da ressurreido (w . 35-58). tara a vida. A morte é redentora, livra dos
PRIMEIRA CARTA AOS CORINTIOS 520

ao terceiro dia segundo as Escrituras, de vós que náo há ressurreigáo dos m. m


5apareceu a Cefas e depois aos doze; f’a tos? 13Se náo há ressurreigáo dos m* >i
seguir, apareceu a mais de quinhentos tos, tampouco Cristoressuscitou; 1V >•
irmáos de urna só vez: a maioria ainda Cristo náo ressuscitou, é vá a nossa | m>
vive, alguns já morreram; 7em seguida, clamagáo, é vá a nossa fé. 15E nós pimt
apareceu a Tiago e depois a todos os samos por falsas testem unhas de 1Vii»,
apóstolos. 8Por último, apareceu a mim, pois testem unham os contra Deus, >(•
que sou como um aborto. 9Pois sou o zendo que ressuscitou a Cristo, sni.l..
último entre os apóstolos e nao merego que náo o ressuscitou, já que os moii. .
o título de apóstolo, pois perseguí a náo ressuscitam. 16Pois, se os m o i i o
igreja de Deus. lüGragas a Deus, sou o náo ressuscitam, tam pouco Cristo rct**
que sou, e sua graga em mim nao foi suscitou. 17E se Cristo náo ressusciiou,
va, já que trabalhei mais que todos eles; vossa fé é ilusoria, ainda vivéis em vo»
nao eu, mas a graga de Deus comigo. sos pecados, 18e os que morreram com.
u Tanto eu quanto eles, eis o que pro­ cristáos pereceram para sempre. |(;Sc|
clam am os e o que acreditastes. pusem os nossa esperanga em Crisli.
l2Ora, se se proclam a que Cristo rcs- somente para esta vida, somos os lio
suscitou da morte, como dizem alguns mens mais dignos de compaixáo.

pecados, porque desemboca na ressur­ pa com a ascensáo, Paulo a alonga ate .i


reigáo; do contrario, seria um fracasso in­ visáo de Damasco. “Aborto”: náo porqu.
capaz de livrar do pecado (v. 17). O “ter­ prematuro, e sim pela falta de vida, lím
ceiro dia” é o tempo da graga (Os 6,2). contraste, a vitalidade do seu apostolado,
Pedro tem a primazia; “os doze” 6 a deno- pela graga de Deus.
minacáo do colégio (embora falte um). Eis 15,12 Com essa categórica profissáo di
aqui um texto fácil de guardar e recitar em fé, como se pode conciliar a opiniáo de al
comum. guns corintios? Se negavam a ressurreigáo
15,6-9 Acrescentam-se outras testemu- dos mortos, náo seria por influxo saduccu
nhas: os quinhentos da Galiléia, nao men­ (improvável nessa regiáo), e sim por um.i
cionados em outros relatos da ressurreigáo; concepgáo dicotómica grega: se na morir
parece ligar-se ao ministério inicial de Je­ a “alma” se liberta do “corpo”, que sen
sús na regiáo da Galiléia, e pode relacio- tido tem recuperá-lo, encerrar-se ou en
nar-se com a tradicáo atestada em Mt 26,32. terrar-se outra vez nele? (soma = sema, coi
Tiago, “irmáo do Senhor” (cf. Me 6,3), que po = tumba).
sucede a Pedro em Jerusalém. “Todos os 15,13-19 O argumento se baseia na coi
apóstolos”, fora dos doze: sao os primeiros relagáo: a ressurreigáo de Cristo se orde
missionários oficiáis. Na série nao apare- na á nossa; se náo se dá a nossa, náo se
cem as mulheres dos relatos evangélicos. deu a de Cristo. Se náo se deu, nossa pre
E “a mim”: Paulo se póe em pé de igual- gagáo é falso testemunho (Ex 20,16; Di
dade com as demais testemunhas, embora 19,18; Pr 6,19), nossa fé carece de objeto
no último lugar da fila (Ef 3,8) e encer­ e fundamento, nossa esperanga é ilusoria
rando a série (a sua conduta precedente e trágica. “Os mais dignos de compaixáo”:
reforga scu testemunho). porque nos sacrificamos e renunciamos
15,10-11 Paulo sabe por experiencia que Aqui fala só dos cristáos, e náo propóe neni
o dom de Deus é gratuito e que o homem supóe a doutrina grega da sobrevivencia
colabora com ele (2Cor 11). Náo se colo­ da alma separada = libertada do corpo (po
ca o problema de coordenar a agáo divina de-se comparar com a idéia de imortali
com a humana: isso caberá a teólogos pos­ dade, sugerida por Sb 8,13.17).
teriores. 15,18 O verbo empregado é “perecer",
15,12-28 A ressurreigáo de Cristo é um que é deixar de existir; corresponde á raí/
caso particular de urna série (w . 12-19); é hebraica ‘bd, da qual se forma Abadon,
as primicias e será a consumagáo (vv. 20- nome do reino da morte. SI 39,14 diz sim
28). Frente a Lucas, que encerra essa eta- plesmente “náo ser”.
521 PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

"M.r. nao! Cristo ressuscitou como ao dizer que tudo lhe está submetido, é
in lum ia ilos que morreram, 21visto que, evidente que se exclui aquele que tudo
> l«ii iiin homem veio a morte, por um lhe submeteu. 28Quando tudo lhe for
i.... h uí vem a ressurreigáo dos mortos. submetido, também o Filho se subme-
i .lo que todos morrem por Adáo, terá aquele que lhe submeteu tudo, e
|inli i', iccuperaráo a vida por Cristo. assim Deus será tudo em todos. 29Se nao
i .nía um por sua vez: a prim icia é fosse assim, o que fazem os que se ba-
i ir.lo; depois, quando ele voltar, os tizam pelos mortos? Se os mortos nao
. ir.iai>s; -^a seguir vira o fim, quando ressuscitam, por que se batizam por eles?
i Ir rntregar o reino a Deus Pai e aca- 30Por que nós nos expomos continua­
li.ii rom todo principado, autoridade e mente ao perigo? 31Dia após dia estou
|n iilrr. '‘’Com efeito, eledeve reinar ató m orrendo. Juro, irmáos, pelo orgulho
Iii it idos os seus inimigos sob seus pés; que sinto de vos diante de Cristo Jesús
'ii ultimo inimigo a ser destruido é a Senhor nosso. 32Se por motivos hum a­
minie. 21Tudo submeteu sob seus pés: nos lutei com as feras em Éfeso, de que

15,20 As primicias se ofereciam no mas a dificuldade da sua interpretagáo li­


|iilinciro dia (domingo) depois do sábado mitaría o valor da comparagáo. Nao men­
’ti l’áscoa. Chama os mortos “os que dor- ciona os mil anos interpostos (Ap 20,4s).
inrm”; correlativamente, ressuscitar é des- Perguntamos: segundo o dito, ressuscita-
|n-i lar (C11,18). O texto baralha os termos ráo todos os mortos para comparecerem a
ili-spertar” e “levantar-se” (cf. Is 51,17). julgamento? (Jo 5,29; cf. Sb 4,20—5,1), ou
15,21-22 E a maneira de argumentar de só os bons? Está claro que aqui se fala dos
Km 5,12-21. “Ser vivificado”: o mesmo que participaráo da ressurreigáo gloriosa
vribo em Rm 4,17; 8,11; lPd 3,18. Pode- de Cristo, e náo se fala de julgamento.
«r romparar com o uso de “viver” em Ez 15,24-28 Vencido o pecado com a mor­
t /; ls 26,14-19. te de Cristo, fica pendente a vitória sobre
15,23-28 Depois da ressurreigáo de Cris- o resto dos poderes hostis a Deus, e sobre
lii, vem sua exaltagáo ou entronizagáo com o poder último da morte. Ver Is 25,8 “ani­
plenos poderes (Rm 1,4). Comega o rei- quilará a morte para sempre” e Ap 20,14
iiüdo, que se prolonga até o estabelecimen- “Morte e Hades foram arremessados no
lii definitivo da soberanía. Paulo sabe que fosso de fogo”; em Ap 1,18 Jesús Cristo
ul^uns cristáos já morreram; pensa que a anuncia: “eu tenho as chaves da Morte e
parusia ou retorno do Senhor está próxi­ do Hades”.
ma. Que será dos cristáos mortos? Fica- O náo destruido será gloriosamente sub­
lao excluidos da parusia, e portanto da vida metido (SI 8,7 e 110,1). Será a consuma-
iluradoura? A máe dos Zebedeus pedia gáo do “reinado de Deus”, que Jesús come-
para seus filhos a participagáo num reina- gou a proclamar: “está próximo o reinado
ilo futuro do Senhor (Me 10,35-40 par.), o de Deus” (Mt 4,17).
bom ladráo espera que Jesús reine, e ouve 15,29 Acrescenta uma argumentagáo
i|ue ele lhe fará companhia (Le 23,42s); complementar. Náo conhecemos exata-
sao testemunhos de crengas difusas, nao mente o sentido dessa prática; alguns con-
hem compreendidas. jecturam que pagaos convertidos recebiam
Paulo segue e amplia o esquema ofere- outro batismo em favor de parentes ou
rido por SI 110,1 (texto citado aqui e em ou- amigos náo cristáos mortos. O rito se pa­
Iras passagens do AT); entronizagáo atual, rece com nossas intercessóes e sufrágios
iluragáo “até que”, expansáo do reinado, (cf. 2Mc 12,39-42). “Ressuscitam”: aqui
com a vitória sobre os inimigos. Paulo dis- usa o verbo despertar (cf. Is 26,19).
lingue as etapas. Primeira, a ressurreigáo 15,30-31 Outro argumento, pelo teste-
ile Cristo já acontecida. Segunda, a expan­ munho da sua conduta. “Estou morrendo”
sáo a todos os cristáos na parusia. Tercei- ou estou á morte: pelos perigos e traba-
ra, a submissáo de tudo com a vitória so­ lhos de que fala em 2Cor 4,10s.
bre os inimigos, até o último. O teor do 15,32 Feras: em sentido metafórico, cor-
citado salmo poderia servir de contraste; rente nos salmos. A citagáo de Isaías
PRIME1RA CARTA AOS CORINTIOS 522

me serviu? Se os m orios nao ressusci- iguais. Sao diferentes a carne do lu


tam, com am os e bebamos, p o is ama- mem, do gado, das aves, dos pciv
nha morreremos. 33N áo vos enganeis: 40Há corpos celestes e corpos terresi i
A s m ás companhias corrompem os cos- Um é o brilho dos celestes, e outro
tumes. 34Sede sobrios como convém, e dos terrestres. 41Um é o brilho do sul
deixai de pecar, pois alguns ignoram a outro o da lúa, outro o dos astros; m
Deus — digo-o para vergonha vossa. astro se diferencia de outro em brillìi
35Mas alguém perguntará: Como res- 42Assim acontece com a ressurrek '"
suscitam os morios? Com que corpo dos mortos: 43semeia-secorruptível, u
retornam? 36Néscio! O que semeias nao suscita incorruptível; sem eia-se s c - i n
volta á vida se antes nao morrer. 370 honra, ressuscita glorioso; semeia m
que semeias nao é o organismo que sur­ fraco, ressuscita poderoso; 44semeia i¡
girá, mas um grao nu, de trigo ou de um corpo animal, ressuscita um coi|i
qualquer outra coisa. 38E Deus lhe dá o espiritual. Se existe um corpo anima
corpo que quer, a cada semente o pró- existe tam bém um corpo espiritual
prio corpo. 39A s carnes nao sao todas 45Assim está escrito: O prim eiro ho

(22,13) corresponde a um oráculo contra dos corpos ressuscitados; comparados cu


Jerusalém, muito atenta a medidas de de- tre si, ilustram a variedade. Acreditava so
fesa militar e despreocupada com a açâo que os astros tinham um “corpo” lunjino
de Deus. so, que eram seres animados, e que afcuhs
15,33 Citaçâo de Menandro. táncia estelar fosse diversa e incorruptível
15.35-58 Sobre o modo da ressurreiçâo, Assim, os astros deveriam perecer na cu
só pode oferecer comparaçôes; sobre o tástrofe final (Is 34,4). Deve-se notar ;
tempo, tem um segredo a comunicar. As concentraçâo no aspecto luminoso, no “es­
comparaçôes se movem no terreno sa­ plendor”, que em grego se diz doxa. No
piencial; por isso chama néscio quem náo falaríamos de energía eletromagnética, o
compreende. As comparaçôes ilustram antigos escutavam no termo a ressonánci.i
duas coisas: a mudança radical do estado da gloria do Senhor.
do corpo e a variedade individual. 15,42-44 Tira a conclusáo em très opo
15.36-38 As comparaçôes vegetáis sao siçôes que servem de pedestal à quarti
correntes no AT, e de ordinàrio servem para (quase como um provèrbio do tipo “tres
exaltar a vitalidade permanente, crescen­ coisas... urna quarta”). A metáfora “se
te, renovada. Bastem os exemplos de SI 1; meia-se” recolhe a comparaçâo vegetal r
92 e Jó 14,7-9. Acomparaçâo presente se olha de relance para o ato de enterrar o
fixa na incrível diferença entre urna semen- morto como urna espécie de semeadura (J<i
te e urna planta crescida e madura (cf. Mt 12,24). A incorruptibilidade é destino, nao
13,31s), e supóe a continuidade ou identi- condiçâo (cf. Sb 2,23). A participaçâo do
dade do sujeito. Os hebreus náo tinham corpo fica vigorosamente afirmada, mas
idéias claras sobre a vida vegetal e atri- pertence à nova ordem futura. “Sem hoii
buíam à açâo direta de Deus a transforma- ra”: o que chamamos “honras fúnebres"
çâo prodigiosa, da simples e madura se­ quer suprir com ritos a indignidade física
mente em talo robusto e em espiga cheia do cadáver. “Fraco”: a inércia total do mor
de graos. (Nós, que sabemos até de códi­ to, que é conduzido. Corpo animal (psy
gos genéticos, deveríamos recuperar nos- chikoti), animado por um alentó vital ca
sa capacidade de assombro para refletir duco (psyché) que náo livra da corrupçâo;
sobre a comparaçâo.) Solicitado pelo con­ corpo espiritual (pneumatikon), animado
texto, Paulo chama a planta madura de por um novo principio celeste (pneuma)
“corpo” (cf. Jo 12,24). que lhe comunica a incorruptibilidade.
15,39 Acomparaçâo de animais ilustra a 15,45-49 Continua desenvolvendo o que
variedade. A categoria dos homens se dis­ precede com a comparaçâo entre Adâo c
tingue dos très reinos animais (cf. SI 8,8-9). Cristo. Náo é pensamento mítico e sim
15,40-41 Os astros, comparados com os histórico. Adáo é criatura mortal, ao quo
corpos terrestres, ilustram a transformaçâo parece prescindindo do pecado (como em
i» 523 PRIM EIRA CARTA AOS CORÍNTIOS

mt'm, Atliio, tornou-se um ser vivo, o mortal deve revestir-se de imortalida-


¡illlmo Adáo tornou-se espirito que dá de. 54Quando o corruptível se revestir
v(tlti "'Nao foi prim eiro o espiritual, de incorruptibilidade e o mortal de imor-
Hiu1) i>iinimal, e depois o espiritual. 470 talidade, se cumprirá o escrito: A morte
|Mhiiciro homem vem da térra e é terre­ fo i aniquilada definitivamente. 55Onde
no, n segundo hom em vem do céu. está, ó morte, tua vitória ? Onde está, ó
' " A nmi i i como foi o terrestre, sao os ter­ morte, teu aguilháo? 560 aguilháo da
tulies; como é o celeste, seráo os ce- morte é o pecado, o poder do pecado é
Itules. J''Da mesma forma que trazemos a lei. 57Gragas sejam dadas a Deus, que
.< Imagem do terrestre, traremos tam- nos dá a vitória por meio do Senhor
l«<m a imagem do celeste. 50Irmáos, eu nosso Jesús Cristo. 58Concluindo, que­
Vn* iligo que a carne e o sangue nao ridos irmáos, ficai firmes, inabaláveis,
(HHluin herdar o reino de Deus, nem a progredindo sempre na obra do Senhor,
coi i nptjáo herdará a incorruptibilidade. convencidos de que vossa fadiga pelo
‘T u vos comunico um segredo: nem Senhor nao será inútil.
Indos morreremos, mas todos nos trans-
Ini Miaremos. 52Num instante, num abrir Coleta pelos fiéis de Jerusalém
» lechar de olhos, ao último toque de — ’Para a coleta em favor dos
liombeta (que tocará), os mortos ressus- consagrados, fazei o que estabeleci ñas
»lliiráo incorruptíveis, e nós nos trans- comunidades da Galácia. 2Todos os do­
fi Minaremos. 53Este ser corruptível deve mingos, cada um separe e deposite o
levestir-se de incorruptibilidade, e o que tiver conseguido poupar; assim,

l'clo 17,1-2); Cristo é aqui provavelmen- de imagens oferece aspectos diversos e os


|r o glorificado (nao o preexistente). Ao relativiza.
i imsultar Gn 2,7 segundo os Setenta, en- 15,54-55 Combina Is 25,8 com urna lei-
i nutra o termopsiche (em hebraico nphsh), tura adaptada de Os 13,14, tomando afirma-
i|iic Ihe permite confirmar seu argumento. çâo o que em hebraico é pergunta retórica,
"Da térra”: segundo Gn 2,7 e sua tradi- salvaçâo o que em hebraico é condenaçâo.
cflo. A “imagem”: que o pai transmite ao O fato da ressurreiçâo de Cristo transforma
fllho (Gn 5,3); a do celeste (Rm 8,29). Para o sentido do texto, entrando dentro dele, ou
n nntítese, ver Jo 3,31-32. seja, quando Deus pergunta para recusar, é
15,50 “Carne e sangue” é um modo de que poderia outorgar; e agora, em Jesús
NÍgnificar o corpo humano corruptível (cf. Cristo e por ele, outorga.
líelo 14,18) ou a mentalidade puramente 15.56 O pecado é a arma ofensiva que a
humana (Mt 16,17s). “Herdar” é termo morte empunha; e a lei dá sua força a essa
fórrente do AT referido á posse da térra; arma. Antecipaçâo de Rm 6,14.
ieeolhe-o e transforma urna bem-aventu- 15.57 Pela força da seqüéncia do con­
mnga (Mt 5,5 citando SI 37,11). Pois bem, texto precedente, temos de entender “vi­
n corpo humano corruptível é incapaz de tória” sobre a lei, o pecado, a morte. Ver
recebar em heranga o “reino”, nao tem por Jo 16,33; SI 35,3.
si direito a ele; p rim e iro tem que se trans­ 15.58 Como na segunda carta aos Tessa-
formar. Em Rm 8 a corrupgáo se concebe lonicenses, a espera da parusia nao convi­
lomo escravidáo do corpo. da à inatividade, mas ao progresso na ta-
15,51-52 Considera próxima a parusia refa confiada.
(ITs 4,13-18), que chegará para todos,
mortos e vivos; e ele estará ainda vivo en- 16,1-4 A coleta em favor da igreja de
Ifio. Emprega a metáfora do dormir e des­ Jerusalém expressa a solidariedade de to­
pertar. A imagem da trombeta é tirada das dos os cristáos e reforça a uniáo de cristáos
cscatologias (Is 27,13). provenientes do judaismo e do paganismo.
15,53 A metáfora do vestir a nova con- É feita na reuniáo litúrgica dominical
(ligáo indica de passagem a identidade do (Rml5,26-28; 2Cor 8-9; G12,10. Cf. lTm
sujeito que se transforma. A pluralidade 4,12).
PRIM EIRA CARTA AOS CORINTIOS 524

quando eu chegar, nao será necessàrio mente; irá quando for oportuno. 1 \ i
fazer a coleta. ^Quando chegar, envia- giai, permanecei firmes na fé, sede v i
rei com cartas os que tiverdes escolhi- lentes e corajosos. 14Tudo o que li/i i
do, para que levem vossas ofertas a Je- des, fazei-o com amor. 15Tenho qn.
rusalém. 4Se convém que tam bém eu fazer-vos uma reco m en d ad o : Conl>•
vá, eles me acompanharáo. 5Eu vos fa­ ceis a familia de Estéfanas: sao a pil
rei urna visita quando atravessar a M a­ mícia da Acaia e se aplicaram ao sen i
cedònia, pois deverei passar por ali. 6É 5 0 dos consagrados.
possível que permaneva algum tempo 16Peqo-vos que estejais á disposk.iu
ou inclusive passe o inverno convosco, de gente como essa e de quantos cola
para que me ajudeis a continuar a via- boram com suas fadigas. Estou mui
gem. 7Nessa ocasiào, náo vos quero ver to contente com a chegada de Estéfan 1
de passagem, mas espero passar urna Fortunato e Acaico: eles compensaran;
temporada convosco, se o Senhor o per­ vossa ausencia, 18acalmaram meu es
mitir. 8Estarei em Efeso até Pentecos- pírito e o vosso.
tes, 9pois me foi aberta urna porta gran­ 19A sigrejasda Asia vos saúdam. Mm
de e favorável, em bora os adversários tas saudagoes vos enviam como cir.
sejam muitos. 10Quando Timòteo che­ táos Aquila, Priscila e toda a común 1
gar, fazei com que náo se sinta assusta- dade que se reúne em sua casa. 20Todos
do entre vós, pois trabalha na obra do os irmáos vos saúdam. Saudai-vos mu
Senhor como eu. u Ninguém o despre- tuamente com o beijo sagrado. 21A san
ze. Despedi-o e fazei-o prosseguir seu dagáo de Paulo é de meu punho e letra
caminho, para que se junte a mim, pois 22Quem náo am ar o Senhor seja mal
o espero com os irmáos. 12Insisti com dito. Vem, Senhor!* 23A graga do Se-
o irmáo Apolo para que vá ver-vos com nhor Jesús esteja convosco. 24Tendes
os irmáos; mas ele se recusa decidida- todos o meu amor por Cristo Jesús.

16,5-7 Planos de viagem. Pela Mace- de nomeagáo de Js 1,7 e o eco em SI


dónia: At 18,21; 19,21. 27,14.
16,8-9 Em Éfeso: At 19,1.10. A “porta 16,19 Àquila e Priscila: At 18,2.18.26.
aberta” á evangelizado: At 19,8-10; 2Cor 16.21 As cartas eram ditadas a um ama­
2 , 12 . nuense, e o remetente assinava (cf. C14,18;
16,10-11 Timoteo: At 16,1; 18,5. 2Ts 3,17).
16,12 Apolo: At 18,24-19,1. 16.22 Acrescenta em aramaico a sauda-
16,13-14 A exortagáo tem muitos an­ d o litúrgica, invocado á parusia, final do
tecedentes. Convém destacar a fórmula Apocalipse e da Biblia. *Ou: Maranatha\
SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS

INTRODUQAO
lie ( orinto e sua comunidade temos 1 Cor e que o ofensor seja o incestuoso
Hiln Iinstante e coisas importantes. Por de IC o r 5. N o extremo oposto se en-
i, i provocado a carta precedente, ICor, contram os que consideram 2Cor como
i t<i/ comunidade teria muitos méritos compilagáo posterior de seis fragm en­
hutnricos. M as deparamos com outra tos ou escritos de Paulo. Com a m aio­
. ili in, a que chamamos 2Cor. Sobre as ria nos inclinamos a pensar que a enig­
ncnnstáncias que motivaram esta “se- m ática carta se encontra nos caps.
i limiti ” carta, temos mais dúvidas que 10—13. A póiam a hipótese a súbita mu-
cuezas. Primeiro, porque Lucas dei- danqa de tema e conseqiientemente de
1, 11/ urna lacuna narrativa; segundo, estilo: Paulo se torna polèmico, apai-
iuni¡ue a carta brinca de esconde-es- xonado, recorre à ironia e ao sarcasmo,
• Inule com suas alusóes a coisas co- desmascara os rivais como falsos e in-
nltccidas das duas partes, desconheci- teresseiros, reivindica sua linha de con-
•liis para nós. A carta nos intriga e duta, compara-se com eles.Assim, com
\uscita nossa pesquisa. tragos nervosos, sacudidos pela cóle­
( 'omecemos ordenando alguns d a ­ ra, vai tragando seu retrato apostólico.
llos. a) A s visitas de Paulo a Corinto: Um detalhe significativo é que em 1—
itittincia-se, quase como ameaga, urna 2 se apresentam como passados os ver­
Icrceira visita ", 12,14; 13,1-2; e urna bos que em 10-13 indicam propósito,
mtssáo de Tito (em lugar de Paulo), 7,5- segundo a correspondencia: 2,9 e 10,6;
7.13-16; 12,18. b) Escritos: menciona- 1,23 e 13,2; 2,3 e 13,10. Os corintios
\e urna carta precedente, escrita “com se queixam de que P aulo tenha cance­
Ingrimas ”, 2,3-4; 7,8. c) O ofensor cas­ lado a prometida visita, de que tenha
tigado e perdoado, 2,5-11 ; 7,12. Em faltado à palavra; o apóstolo responde
trsumo: Paulo fe z urna segunda visita em tom pessoal.
,i Corinto, provavelm ente para resol­ Quanto ao resto da carta, 8—9 pode-
ver problemas; entáo, ou depois de sair, ria ser um ou dois bilhetes, nos quais
/ni gravem ente injuriado p o r um m em ­ se prom ove a coleta para a igreja p o ­
bro da comunidade. Em Corinto foi-se bre de Jerusalém, assunto m uito caro
consolidando um grupo de rivais, que a Paulo como expressáo de unidade e
iliscutiam a autoridade do apóstolo e solidariedade entre as igrejas. Os w.
rstabeleciam a pròpria. Paulo envia urna 6,14—7,1, p or sua posigào violenta, pelo
curta muito dura e ameaga com urna ter- tem a e estilo, difícilm ente se podem
ceira visita. Entrementes encontra Tito, atribuir a Paulo. Surpreende na carta
i/ue volta da sua missáo pacificadora asfalta de nom es na saudagáo final.
com boas noticias: Paulo escreve ou­ D e táo com plicadas circunstancias,
tra carta conciliadora e renuncia à ter- e pelo talento e desejo de Paulo, bro-
ceira visita. tou um escrito muito pessoal e intenso
Agora se trata de: a) identificar a Quase tanto como o valor da doutrina.
carta “com lágrimas ”; b) definir a uni- pesa a comunicagào da pessoa. A car­
tlade oupluralidade de 2Cor. Sendo táo ta vem a ser um tratado vital da mis-
Imucos os dados, nao é estranila a di­ sao apostólica; inclusive coloca o apòs­
vergencia de opinióes. Bem poucos de- tolo acima de M oisés, num inspirado
fendem ainda que a citada carta seja com entário m idráxico (3,1—4,6). O
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 526 INTRODUí.A'l
A póstolo é ministro da reconciliaçâo 1.2.14-4,6 M inistério apostólico .
realizada p or Jesús Cristo (5,17-6,10). comparagáo com Mois<
Jesus Cristo é o Sim categórico e defini­
4,7-5,16 Confianza em Deus e <•.
tivo, o cumpl imento das promessas (1,
peran^a da gloria.
19-20). O castigo que a comunidade im- 5,17—6,13 O ministério da reconcilia
póe equilibra-se com o perdüo que o
gao e o paradoxo do Apon
ofendido oferece (2,5-11 ). A Igreja espo­
tolo.
sa do Messias e o ciúme de Paulo por ela
6.14—7,1 Insergáo: templos de Deir,
(11,1-4). A força da fraqueza (12,1-10).
N âo é táo fá c il reduzir esta carta a II. 8 e 9 A coleta para a igreja <l>
urna sinopse, mas podem os tentar. Jerusalém

1,1-2 Saudaçâo. III. 10-13 Defesa polémica de Pauln


1,3-11 Consolo na tribulaçâo. 11 Alardes de um néscio fin
1,12-22 M udança de planos, 1,23- gido.
2,4 e sua motivaçâo. 12—13,10 Revelagoes e fraquezas; o
2,5-13 C astigo e perdâo para o ministério em Corinto.
ofensor. 13,11-13 Saudaqóes.
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

l >< Paulo, apóstolo de Cristo Jesus tribulaçâo. 5Pois, corno abundantes sâo
I I >•il vontade de Deus, e do irmäoTi-
>niHi h , a igreja de Deus em Corinto e a
nossos sofrimentos por Cristo, assim
por Cristo é abundante nosso consolo.
imlii'. us consagrados de toda a provin- Pois, se sofremos tribulaçôes, e para
ln ila Acaia: 2graça e paz da parte de vosso consolo e salvaçâo; se recebemos
i ii ir, m u s s o Paie do Senhor Jesus Cristo. consolos, é para vosso consolo, que vos
dà forças para suportar o que nós su­
I nuvolo na tribulaçâo — 3Bendito portamos. Nossa esperança em relaçâo
i |n Deus, Pai de nosso Senhor Jesus a vós é firm e, pois sabem os que da
i ir.in. Pai compassivo e Deus de todo m esma forma que partilhais nossos so­
.'ir,ulo, 4que nos consola em qualquer frim entos, tam bém partilhareis nosso
iiilmlaçâo, para que nós, por força do consolo.
itiisolo que recebemos de Deus, pos- 8Nâo gostaria, irmâos, que ignorás-
1111os consolar os que sofrem qualquer seis o que tivemos de agüentar na pro-

1,1-2 Saudagáo costumeira, que incluí: consolo auténtico (SI 94,19; Is 57,18), e
un remetentes com nome e título, os desti- pela causa que os inspira: Cristo (cf. Mt
imlarios, a saudagáo. Ao “apóstolo” se as- 5,11-12 par.).
!» ia um irmáo, o mais fiel colaborador “Compassivo” é um dos títulos básicos
.Ir I’aulo. A comunidade de Corinto se abre da revelagáo do Senhor (Ex 34,6), repeti­
.i Inda a provincia romana da Acaia. do na liturgia, ligado á sua paternidade (SI
“Consagrados” (a Deus), participam da 103), corrente na piedade islámica. O con­
.»a santidade, como povo de Deus (cf. Ex solo que o apóstolo recebe redunda em
I *>,fi). “Graga”, saudagáo grega, e “paz”, favor de seus fiéis, pela solidariedade ou
wmdagáo hebraica, se transferem unidas comunháo em sofrimento e alegría. Des­
.ni contexto cristáo. de o comego a carta estabelece um tom
1.3-110 profeta do exilio — que costu- dramático.
III,unos chamar de Segundo Isaías — , que 1,3 “Bendito seja Deus” é fórmula cor-
nc apresenta como “evangelista” ou arau- rente na piedade de Israel. Paulo acrescenta
ln de boas noticias, comega sua mensagem um título que serve de identificado defi­
líos atribulados judeus exilados em Babi­ nitiva: “Pai de nosso Senhor Jesús Cris­
lonia com um imperativo repetido: “con­ to”. Assim o será sempre para os cristáos.
solai, consolai meu povo” (Is 40,1). 1,8-10 Há outro vínculo mutuo: a ora-
Sua pregaqáo é mensagem de alento e gáo pelo que sofre ou está em perigo, e a
ronsolo (ver também SI 94,19). Paulo, pre­ agáo de gragas por sua libertagáo; recor-
dador de seu “evangelho”, cuja atividade de-se, a esse respeito, a “oragáo insisten­
descreve nesta carta, comega com urna te” da comunidade por Pedro encarcerado
mensagem de “consolo na tribulagáo”; e condenado á morte (At 12,5).
melhor que mensagem, poderíamos cha- Vários salmos dáo testemunho desse
má-la testemunho. Dez vezes em nove espirito de solidariedade na súplica ou na
versículos soa o termo consolo ou conso­ agáo de gragas (SI 35,27; 40,17).
lar. Com tal consolo se fortalecem a espe­ O perigo de morte foi, na consciencia
ranza e a confianza. de Paulo, como morte antecipada, “sen-
1.3-7 A tensáo de opostos, “tribulagáo” tenga suspensa”; a “esperanga” em Deus
e “consolo” se resolve de modo paradoxal foi como ressurreigáo antecipada (cf. SI
pela agáo de um Deus Pai, fonte de todo 30,4 “me fizeste reviver quando descia á
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 528

víncia da Asia: algo que nos abateu táo vosso orgulho, assim como vós o u<ml
acima de nossas forças, que nao espe- so. 15Com essa confianza eu m e pri >|m i
rávamos sair com vida. ir primeiramente visitar-vos, comí >no­
9Dentro de nós trazíamos a sentença vo obséquio, lftseguir depois para a M .
de morte, para que nao confiássem os cedònia e dai retornar a vós, para qm
em nós, mas em Deus que ressuscita os preparásseis minha viagem à Judi n
mortos. 10Ele nos livrou de táo grave Seria tal propósito um ato de levian
perigo de morte, e continuará nos liber­ dade? Decidi-o por m otivos humano«
tando. Estou seguro de que nos livrará vacilando entre o sim e o nao? 181h n
de novo, "s e colaboráis rezando por me é testemunha de que, quando nn
nós. Assim, sendo muitos os que me al- dirijo a vós, nao confundo o sim e (i
cançam esse favor, seráo muitos os que nao. 19Pois o Filho de Deus, Cristo li
o agradeceráo. sus, aquele que nós, com Silvano e l i
moteo vos pregamos, nao foi um sim r
M udança de planos —- 12Nosso orgu- um nao, já que nele se cum priu o sim,
Iho consiste no testemunho da conscien­ 20porque todas as prom essas de Di n
cia. Ou seja, que pela graça de Deus, e nele cumpriram o sim, e dessa form i
nao por prudencia humana, me compor- nós por ele respondemos amém, par;i n
tei com todos, e em particular convosco, gloria de Deus. 21E Deus quem nos man
com a simplicidade e sinceridade que tém, a nós e a vós, fiéis a Cristo; ungin
Deus pede. 13Nâo vos escrevi outra coi­ nos, 22selou-nos e pós em nosso cora
sa, a nao ser o que ledes e compreendeis. gao o Espirito como penhor.
14E como em parte o compreendestes,
espero que o compreendais inteiramen- M otivos da m udanza de planos
te: que no dia de nosso Senhor seremos 23Juro por minha vida e tomo Deus poi

cova”). Deus rcssuscita os mortos: cf. Dt 1,17-20 O “sim” de uma promessa é o


32,39; Rm 4,17. seu cumprimento, e o “amém” é o reconhe-
A vida continua para prosseguir cum- cimento disso. Paulo traduz em fórmulas
prindo a missáo (cf. SI 118,18-19). Esse origináis e eficazes o atributo clássico do
tipo de agáo de gragas é tradicional em Deus “fiel” (Dt 7,9; Is 49,7; 55,3). Em Cris­
salmos de súplica (F11,19). “Ásia”: pare­ to, Deus cumpre todas as suas promessas
ce referir-se à estada em Éfeso (At 19). (na ressurreigáo, segundo At 23,6; 24,15;
1,12-14 “Orgulho” é o que alguém pode 26,6-7), pelo que ele é o “sim” puro e total;
aduzir em seu favor perante outrem. E ter­ e Paulo o reconhece com seu “amém” (Ap
mo favorito desta carta. Há um orgulho le­ 3,14). E também exemplo de conduta para
gítimo, pessoal e presente: “o testemunho o Apóstolo (Mt 5,37). Mas os planos hu­
da consciencia” (At 13,18; 23,1; cf. o jura­ manos podem sofrer mudangas justificadas:
mento de inocencia em Jó 31). Há outro, fu­ Paulo se dispóe a explicar os motivos.
turo, que entrará em vigor “no dia” da pa- 1,21-22 As imagens sao tomadas da lin-
rusia (F12,16), e será mutuo: seus fiéis para guagem comercial: “garantir” a validade
Paulo, o apóstolo para seus convertidos. (= manter-se fiel), selo ou certificado de ga­
Também ñas cartas tem procedido com rantía (Ef 1,13; cf. Jr 32,10s), “penhor” ou
sinceridade: nao devem suspeitar reticen­ sinal que se dá de entrada. O Espirito é a
cias nem segundas intengóes. “ungáo” que faz de um homem um cristáo,
1,15-16 O itineràrio projetado incluía dedicado a Cristo, e é penhor do dom futuro
uma segunda e terceira visitas a Corinto. e definitivo. Ungidos é o título que o salmista
A segunda talvez para resolver pessoal- dá aos hebreus que desceram ao Egito: a
mente os problemas locáis (13,1-2). Em ungáo os tornava intocáveis (SI 105,15).
lugar de visitá-los, escreveu-lhes uma car­
ta, e os corintios estáo queixosos por essa 1,23—2,4 Justifica a mudanga de planos
mudanga de planos: Paulo promete e nao e o cancelamento da visita. Dada a situa-
cumpre. Ver a introdugáo. gáo em Corinto, deveria ter-se apresenta-
529 SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS

ii !■munii.i que, se nao fui a Corinto, tigo que a maioria lhe impós. 7Agora,
l>ii i un misidoragáo a v ó s.24N ào somos ao contràrio, deve-se perdoá-lo e ani-
limili-, il*- vossa fé, mas cooperadores má-lo, para que náo aconteqa que a pena
i l i v i i v . a alegría, já que vos mantendes excessiva acabe com ele. 8Por isso vos
111nii ’. na lé. exorto a garantir-lhe vosso amor. 9Ao
vos escrever, queria pór-vos á prova,
y ' l 'n idi por conta pròpria nao visi- para ver se obedecíeis em tudo. 10A
é>á i.u vos, para nao vos afligir. 2Pois, quem perdoais, eu também perdòo; pois
tu viis aflijo, como posso esperar que meu perdáo, se tive algo a perdoar, foi
ni' nlegre aquele que afligi? 3Eu vos por vós e em atenejáo a Cristo, n para
..... evi nquilo, para que ao chegar nao náo dar ocasiáo a Satanás, cuja astúcia
un illigissem os que deveriam alegrar- náo desconhecemos.
11ii . |ii-isuadido como estava de que m i­ 12A o chegar a Tróade para anunciar
tili.i alegria era também a vossa. 4Com a boa noticia de Cristo, pois o Senhor
inunde abatimento e ansiedade vos es- me abria as portas, e náo encontrando
. i rvi , derramando lágrimas, nao para ai Tito, meu irmáo, 13náo tive sossego;
vii', afligir, mas para que conhecésseis por isso me despedí deles e parti para a
n (.’lande amor que vos tenho. M acedònia.

I'enláo para o ofensor — 5Se alguém O m in istério da nova alianza (Ex


me causou sofrimento, náo foi só para 33,7-11; 34,29-35) — l4Dou grabas a
niini, mas em parte — náo exagerando Deus que me associa sempre ao corte­
para todos vós. 6É suficiente o cas- jo triunfal de Cristo, e por nosso meio

iln c agido com severidade, causando pro- Em assembléia comunitària e movidos


111 urla tristeza, provocando talvez um cli­ pela carta severa do apóstolo, “a maio­
ma de tensáo excessiva, quando era neces- ria” impós um castigo ao culpado; talvez a
N.ii ia a alegría partilhada. Por isso, preferiu exclusáo temporária da comunidade. Este
nlligír por carta, curar à dístáncia. Desse se arrependeu e sofre profundamente: é
modo, a próxima visita (13,1-2) será sere­ hora de suspender o castigo para que náo
na e prazerosa. A alegria tem que ser um acabe com ele, é hora de reconciliá-lo com
sentimento partilhado. Escrever a carta carinho.
severa custou “lágrimas” a Paulo (At 20, Paulo, que com sua carta quis por à pro­
11), porque ama os corintios. Dominam va os corintios, sente-se agora satisfeito,
esta segáo e os versículos seguintes as pa- tanto que sente como se náo o tivessem
lavras “afligir, afligáo”, repetidas oito ve- ofendido (C1 3,13; Mt 10,40). Que se reú­
/,es, como que explicando urna “tribuía­ na de novo a assembléia para formalizar o
nlo”, em contraste com o “consolo”. perdáo, e o voto de Paulo vai com esta
1,24 “Ser dono” é da raiz de “senhor”. carta; e que Cristo inspire a decisáo. Do
la que o único Senhor é Jesús Cristo, ne- contràrio, seu rival, Satanás, se aproveita-
nlium outro pode apoderar-se da fé que rá para atigar as discordias e solapar a co­
outros cristáos tém (lPd 5,3). Paulo náo é munidade.
senhor/amo, e sim colaborador. A pessoa 2,12-13 Continua o tema da viagem e
se mantém na fé e pela fé (cf. Is 7,9). de repente se interrompe. O fio continua
em 7,5-16, recolhendo em ordem inversa
2.3 A alegria é partilhada (Rm 12,15; o os temas de Tito e da carta severa (é útil
contràrio de Pr 14,10). ler a seguir o citado texto). “Abria as por­
2.4 Ver At 20,31. tas” para a pregagáo aos pagáos (At 14,27).
2,5-11 Ofensa, castigo salutar e perdáo A viagem à Macedònia: At 20,1.
tém alcance comunitàrio, embora parega 2,14 Aqui cometa a grande seqáo sobre
um só o ofendido. “Alguém” influente em seu ministério apostólico, que se estende
Corinto tinha atibado outros contra Paulo, até 7,4, interrompida por urna inserqáo
e todos deveriam considerar-se ofendidos. heterogénea em 6,14—7,1.
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 530

difunde em todos os lugares o aroma do tinta, mas com o Espirito do Deus vi\ n
seu conhecimento. 15De fato, somos o nao em tábuas de pedra, mas em coi.i
aroma de Cristo oferecido a Deus, para góes de carne.
os que se salvam e para os que se per- 4Temos essa confianza em Deus, gi .1
dem. 16Para estes, cheiro de morte que gas a Cristo. 5Náo é que por nossa p.u
mata; para aqueles, fragrancia de vida te sejamos capazes de atribuir a nós ,il
que vivifica. E quem é digno disso? guma coisa, mas nossa capacidade vem
1'Porque nao vamos, com o muitos, tra­ de Deus, 6que nos capacitou para ;ul
ficando com a palavra de Deus, mas ministrar urna alianga nova: nao de siin
falamos com sinceridade, como da par­ pies letras, mas de Espirito; porque .i
te de Deus, diante de Deus, e com o letra mata, o Espirito dá vida. 7Pois, si|
membros de Cristo. o ministério de morte, com suas letni:
gravadas em pedra, se realizou com gli')
IComegamos outra vez a recomen- ria, a ponto de os israelitas nào pode
3 dar-nos? A caso precisam os de car­
tas de re c o m e n d a d o vossas ou para
rem fixar o olhar no rosto de Moisés
por causa do brilho transitorio de seu
vós? 2Vós sois nossa carta, escrita em rosto, 8como nao será mais glorioso o
nosso coragáo, reconhecida e lida por ministério do Espirito? 9Pois, se o nu
todos. 3Dem onstrais ser carta de Cris­ nistério da condenagao era glorioso,
to, despachada por nós, escrita nao com quanto mais o será o ministério da ab

O vencedor de urna batalha importante vado em tábuas de pedra (Ex 24,12) e a leí
desfilava cm “triunfo”, acompanhado de impressa no coragáo (Jr 31,33). Cristo é o
um séquito de prisioneiros e entre nuvens autor dessa carta viva, e Paulo o ama
de incensó e aromas (cf. SI 68,19). Paulo nuense ou carteiro. Acrescenta urna opo-
se alegra de desfilar como prisionciro no sigáo que prepara o v. 6: a tinta que molh:i
triunfo de Cristo, difundindo-lhe o aroma, e marca o pergaminho. O Espirito-vento
que é o conhecimento dele. que se infunde no íntimo.
2,15-16a Aimagem se transfere ao cam­ 3,4 Daqui até 4,6 (ou ao menos até 3,18),
po cultual dos sacrificios, que iam acom- o autor propóe urna reflexáo sobre o mi­
panhados de incensó e defumadouros e nistério do apóstolo comparado com o de
“aroma que aplaca” (Ex 30,34; Lv 2,1- Moisés. O estilo é midráxico, conduzido
2.15-16; 16,12; Nm 15 e 28). O aroma da principalmente pela lógica dos símbolos e
pregagáo evangélica é bivalente, confor­ apoiado numa série de contrastes. Nao se
me é recebido: mortífero para uns, vivi­ deve buscar nestas linhas urna exegese cien­
ficante para outros. tífica do éxodo. Os textos de base sao to­
2,16b-17 Soa como enunciado de um mados das tradigóes (ou lendas) sobre
principio. Ninguém é por si apto para a Moisés: Ex 33,7-11 e 34,29-35.
empresa. O apóstolo é mediador da “pala­ Moisés voltara “radiante” após ter esta­
vra de Deus”, que é o evangelho, é res- do pessoalmente com o Senhor glorioso.
ponsável perante Deus e age vinculado ao A “gloria” de Yhwh é luminosidade que se
ministério de Cristo. Nao pode ser um co­ imprime e se reflete no rosto de Moisés.
merciante que, negociando com a mensa- Os israelitas o reconhecem, com temor
gem, a torna inofensiva, como faziam os reverencial, como mediador da palavra de
falsos profetas: o evangelho nao é mer- Deus, que ele comunica, e da gloria de
cadoria. A frase tem urna ponta de polémi­ Deus, que reflete. Para nao intimidá-los,
ca contra “muitos” nao mencionados. Ver Moisés cobria o rosto com um véu até
lPd 4,11. “voltar” a (a tenda do encontro com) o
Senhor. Com estes símbolos, Paulo tecc
3,1-3 Na vida citadina e na crista eram sua exposigáo.
correntes as cartas de recomendagáo (At 3,6-9 Comega a contraposigáo em ter­
18,27; Rm 16,1-2; ICor 4,10). Combina e mos audazes, extremados (nao busca ma-
opóe duas citagóes do AT: o decálogo gra­ tizes). A lei da antiga alianga era boa em
531 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

,i i , in ' '"Ainda mais: o q u e entàobri- bre a mente. !6Porém, “quando voltar


ili*- i 11 il.id briIha mais, ofuscado por ao Senhor, o véu será removido”. 17Esse
mi I•i illiii iucomparável. n Se o transi­ Senhor é o Espirito, e onde está o Espi­
gí.. luí glorioso, quanto mais o será o rito do Senhor existe liberdade. 18E nos
id illi,in c u lo ? todos, refletindo com o rosto descoberto
1 Animados com essa esperanza, agi- a gloria do Senhor, vamos nos trans­
imm'i i mu toda a ousadia. 13Náo como formando em sua imagem com brilho
\ I. .i.. que punha um véu no rosto para crescente, como sob a aqáo do Espirito
|in n.ni notassem o fim do transitorio, do Senhor.
'i . minilo, a inteligencia deles se em-
•i.ili ni. pois até hoje, quando léem o P r e g a d o sincera — 'P or isso, ten
\ liliali Testamento, o véu permanece e
udii c dcscoberto, porque somente com
4 do recebido esse ministério por pura
misericordia, náo nos acovardamos; 2ao
i ir.lu caduca*. 15A té o dia de hoje, contràrio, renunciam os á vergonhosa
|n.iinlo léem M oisés, um véu lhes co- clandestinidade. Náo agimos com as-

~i ii i-onteúdo e trazia como acréscimo clá- menéutico: com a vinda de Cristo ou sua
iti.nl.i', penáis em caso de nao cumprimen- ressurreigáo, removeu-se o véu e apare-
tii ( omo era externa ao homem e náo lhe cem as novas dimensóes de profundida-
•Itivn forças para cumpri-la, de fato fazia de, altura e plenitude de significado que
Incorrer nas penas conseqüentes, a “con- estavam ai veladas.
.limaçào”, e náo permitía a desculpa da 3,14 *Ou: nao se descobre que com
i)jiii il ància. Por isso, chama de “ministé- Cristo caduca.
ilo ile morte”: a morte náo é finalidade, 3,16-17 C ita d o segundo os Setenta,
unís eonseqüéncia (como explica Ez 18). com o verbo no futuro, em lugar do im­
i » líspírito, pelo contràrio, personaliza, perfeto do original hebraico (Ex 34,34):
Inlcrioriza a lei, e se converte em dinamis­ quando se converterem, “voltarem” para
mo do seu eumprimento (cf. Ez 36,27; Jr o Senhor (= o Espirito), será removido o
11.31; e a tríplice invocaçâo ao espirito, véu, compreenderáo a Escritura e alcan-
Imme, santo, generoso” de SI 51,12-14). Qaráo a liberdade (Rm 8,2).
Assim garante a “absolviçâo”, outorga a 3,18 Do “esplendor” (gloria) passa à
vula. A “letra” é a escrita, e em particular “imagem” (unidos em ICor 11,7), aludin
ii cláusula penal (cf. Ez 18). do a Gn 1,27. Ao nos expormos e receber-
3,10-11 Outros dois pontos de compa- mos o impacto da gloria luminosa do Se­
mçâo. A intensidade do resplendor: conti­ nhor, e pela eficácia do Espirito, nossa
nua imaginando a gloria em termos de imagem deformada vai se transformando
Inminosidade (um fósforo aceso nao bri- pouco a pouco até recobrar a imagem de
llia à luz do sol do meio-dia). A duraçâo Deus (que é Cristo, 4,4). Ideal apostólico
ilas duas alianças (como indica o texto e de vida cristá, que funda o valor da con­
clàssico de Jr 31,31). tem plado de Jesús Cristo, transformadora
3,12-13 O “véu” dissimulava o resplen- do fiel. Numa espécie de transfigurado
dor, ao passo que o apóstolo o exibe sem espiritual (Mt 17,2).
ilissimulaçôes (cf. Is 49,6; Mt 5,14-16).
Além disso, o véu ocultava aos israelitas 4,1-2 Continua desenvolvendo o tema
que toda aquela instituiçào tinha um “fim” do ministério, que é puro dom, e por isso
e urna “finalidade” (duplo valor do grego impóe urna responsabilidade (lTm 2,5).
lelos), que estava em funçâo do futuro, e Duas táticas se opóem, a franqueza e a sin-
por isso era provisoria. ceridade de que falou antes: o ocultar por
O “véu”, a seguir, náo é o de Moisés, e vergonha (cf. Eclo 41,15-16), o deformar
sim o que os judeus póem ao 1er a Escritu­ por astucia. Aquele que antes apelava ao
ra (At 15,21): impedidos por esse obstá­ testemunho da pròpria consciencia, ago­
culo voluntario, náo compreendem o sen­ ra se expóe ao julgamento da consciencia
tido profundo do que léem (veja-se o final dos outros (1,12), mas “na presenta de
de At 28,27). Encerra um principio her- Deus”.
SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS 532

túcia, falsificando a palavra de Dcus, C onfiança em Deus — 7Levamos c i


mas, declarando a verdade, nos reco­ tesouro em vasos de barro, para que m
mendamos diante de Deus á conscien­ m anifeste que sua força superior veni
cia de quem quer que seja. 3E se nosso de Deus e nâo de nós. 8De todos os lu
evangelho está velado, o está para os dos nos apertam, mas nâo nos afogam;
que se perdem: 4os que por sua incre- estamos em apuros, mas nâo desespe­
dulidade o deus deste mundo cegou- rados; 9som os perseguidos, m as n;ïi>
lhes a mente, para que nao brilhe sobre desam parados; derrubados, m as nSu
eles a claridade do glorioso evangelho aniquilados; losem pre carregando m>
de Cristo, que é imagem de Deus. 5Náo corpo a morte de Jésus, para que sc
anunciamos a nós próprios, mas a Cris­ m anifeste em nosso corpo a vida ili
to Jesús como Senhor, e a nós com o a Jésus. ''C ontinuam ente nós, que vive
servos vossos por Jesús. 60 m esm o mos, estamos expostos à morte por eau
Deus, que mandou a luz brilhar na treva, sa de Jésus, de modo que também a vid.i
iluminou as vossas mentes, para que de Jésus se manifeste em nossa carne
brilhe no rosto de Cristo a m anifesta­ mortal. 12Assim a morte atua em nós, a
d o da gloria de Deus. vida em vós. 13Porém, visto que possui

4,3 Poder-se-ia objetar: se a mensagem tolo é participaçào, prolongamento e ma


é táo valiosa e aquele que a transmite é nifestaçâo continua da paixáo de Cristo.
táo sincero, como se explica que tantos a Por isso, os sofrimentos do apóstolo re-
rejeitem? Nao só judeus, mas também pa- dundam em vida para seus fiéis. E essa
gáos. Responde: a mensagem nao está en- efieácia presente confirma a esperança da
coberta, mas o fato é que muitos, por ce- ressurreiçào futura. Tal “convicçào” géra
gueira voluntária, se negam a crer (cf. Is confiança e impulsiona a pregar.
6,9; 56,10). 4,7 Os “vasos de barro” recordam a cri
4,4-5 Expressáo audaz: o “deus deste açào do homem do barro da terra (Gn 2,7;
mundo”, aquele que este mundo reconhe- SI 103,14); também podem recordar Je­
ce e venera como seu deus, a divindade remías na oficina do oleiro (Jr 18,1-17). A
rival do Deus verdadeiro (cf. Mt 4,9-10 “força de Deus” excede a capacidade da
“todos os reinos deste mundo”; lJo 2,11). v a s ija e transborda demonstrando sua
Compare-se com a identificaçào de Ef 2,2. açào.
Cristo é “imagem” gloriosa (resplande- 4,8-10 Quatro oposiçôes muito rítmicas
cente) de Deus: quem o vê, vé o Pai (Jo e aliteradas, compostas de oito participios
14,8-9; cf. Cl 1,15), luz que se difunde e passivos (o sujeito é paciente, nâo agen­
ilumina (cf. SI 57; Is 60). Mas o cegó vo- te), mostram o paradoxo de um sofrimen-
luntário nao ve essa luz. O apóstolo nâo to confinado a um limite. Esse paradoxo
deve interpor-se em proveito pròprio, é só humano é explicado pelo outro paradoxo
um servidor. superior, a morte e a vida de Jesús. Nâo
4,6 Recorda e conclui. Como na cria- cede ao temor de ver-se esmagado (Ez 2,6),
çâo a primeira criatura foi a luz (Gn 1,3), nem pede o milagre de ver-se isento (Jr
assim agora Deus ilumina os cristáos para 45): seria negar a parte essencial do mis­
que contemplem em Cristo a imagem glo­ tério pascal de Jesús.
riosa de Deus: “tua luz nos faz ver a luz” 4.11 Pode-se ver SI 44,23 no contexto
(SI 36,10). da súplica.
4,7-15 Nova seçào sobre a vida e a mis- 4.12 Estranha fecundidade da dor mor­
sao do apóstolo como prolongamento do tal que gera vida (como Raquel parturien­
mistério da paixáo e ressurreiçào de Cris­ te ao dar vida e dar a vida, Gn 35,16-20).
to. A gloria de Cristo que ele proclama é 4,13-14 Cita SI 116,10, desligado do con­
seu tesouro, é presença da ressurreiçào. texto e segundo a versáo grega. Com a fé
Mas a paixáo se assenta na fraqueza hu­ batismal se recebia o Espirito, e urna de
mana e se intensifica com o ministério. suas manifestaçôes clássicas era falar lín-
Contudo, a paixáo nao o aniquila, graças guas misteriosas (p. ex. At 10,44-46); neste
à força da ressurreiçào. A paixáo do após- v. o “Espirito” presente pela “fé” impulsio-
533 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

im. <i mesmo espirito de fé, do qual 'S abem os que, se a tenda terres­
i.i im i ilo “acreditei e por isso falei”,
mi iil h-li i nós eremos e por isso falamos,
5 tre em que vivem os se desfaz, rece­
bemos de Deus a hospedagem de uma
"i iinvcneidos de que aquele que res- eterna moradia no céu, náo construida
•ii'.i lim i o Senhor Jesus ressuscitarà a por m áos hum anas. 2E nquanto isso,
!<•i. i nni Jesus e nos levará convosco à suspiram os com o desejo de revestir-
hi i piesença. 15Tudo é em vosso favor, mos a habitacáo celeste, 3caso chegue-
.1. iinido que, ao multiplicar-se a graça mos vestidos e náo ñus. 4Pois nós que
. ni 11- muitos, seja abundante a açâo de habitamos em tendas suspiramos aca-
im111,a s para a glòria de Deus. brunhados, porque náo desejaríam os
desvestir-nos, mas revestir-nos, de mo­
I «perança da glòria — 16Portanto, näo do que o m ortal fosse absorvido pela
mi’, icovardamos: se nosso exterior vai vida. 5Quem nos preparou precisamente
■.i desfazendo, nosso interior vai se re­ para isso é Deus, que nos deu o Espiri­
novando dia após dia. !7"18A nós, que to como penhor.
li mus o olhar fixo no invisivel e näo no 6Por isso, estam os sem pre confian­
vr.ivel, a leve tribulaçâo presente nos tes e sabem os que, enquanto o corpo
I hni luz uma carga incalculável de gio­ for nossa pàtria, estam os exilados do
ii. i l’ois o visivel é transitòrio, o invisi- Senhor. 7Pois cam inham os pela fé,
I ri é eterno. náo pela visáo. 8Mas, com ànimo, pre-

ihi ;i falar e proclamar em língua articula- o temos defronte, como o passado (Rm
■l.i, inteligível. É a proclamaçâo de uma 8,24).
f x p e r a n ç a : que a ressurreiçâo de Jésus se
i oiiiunicará a nós. 5,1 A vida em tendas recorda aos is­
4.15 Como de costume, tudo ha de con- raelitas a vida patriarcal e a caminhada pelo
i luir-se no louvor a Deus. deserto (enconada na festa das Tendas); tam­
bém aos recabitas de costumes beduinos (Jr
4.16—5,10 Recorda e desenvolve o tema 35). Aimagem se aplica ainda ao individuo
ila tribulaçâo presente e da gloria futura, (Is 38,12; Jó 4,19-21). O oposto sáo as casas
i-ntretecendo sem ordem rigorosa très ima- que eles encontram já construidas na térra
f.cns. Atenda, que se arma e desarma, com­ prometida (Dt 6,11; Js 24,13). A casa celes­
parada com o edificio permanente; o des­ te, sendo construida por Deus, é perpétua.
terrado ou peregrino comparado com o 5,3-4 Os hebreus consideravam ofensi­
eidadáo; o despido comparado com o ves- va a nudez, recordadlo permanente do pe­
lido ou revestido. As imagens guiam um cado (Noé, Gn 9,18-24; os embaixadores
séquito de oposiçôes elementares: exterior de Davi, 2Sm 10,4; Isaías numa agáo sim­
i: interior, visível e invisível, leve e pesa­ bólica, Is 20 etc.). “Nu” equivale aqui a
do, transitorio e eterno, morte e vida, fé e morto. Por isso, o “nu se veste”, o vestido
visáo. O resultado é uma exposiçâo vigo­ (= vivo) “se reveste”. “Absorvido” cor­
rosa, náo uma análise matizada. responde talvez ao hebraico bl‘, que sig­
4.16 O apóstolo se sente submetido a nifica também aniquilar (cf. Is 25,8 “ani­
um movimento duplo e oposto: de deca­ quila a morte”).
dencia física e até mental, de crescimento 5,6 Talvez seja reminiscencia do exilio
espiritual diário. Atuam a força da “corrup­ babilónico, “com saudades de Siáo” (SI
t o ” e da “renovaçâo”. 137), experiencia histórica exemplar (Hb
4.17-18 A raiz hebraica kbd é bivalente, 11,13) e experiencia individual dolorosa
significa peso e gloria (também riqueza e (SI 120,5).
honra). O texto o desdobra em “um peso 5,8 O “corpo” representa aqui a situa­
de gloria” “excessivo”, que desequilibra d o presente. “Morar com o Senhor”:
todas as balanças (no SI 62,10 o leve sao como os sacerdotes no templo (SI 65,5;
lodos os homens). Para os hebreus, o fu­ 84,2-3), como deseja e espera o orante ilu­
turo está atrás deles: é invisível porque náo minado (SI 73,23ss).
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 534 n "

feririam os exilar-nos do corpo para de nós diante dos que presumem :i|m
morar com o Senhor. 9De qualquer for­ réncias e náo o interior. 13Se nos cm *
m a b a p àtria ou ex ilad o s, aspiram os demos, é por Deus; se nos controlara >i
ser-lhe agradáveis. 10Todos devere- é por vós. 14Porque o amor de Crisin
mos com parecer diante do tribunal de nos pressiona, ao pensarnos que, se mu
Cristo, para receber o pagam ento do morreu por todos, todos morreram. ' I
que fizemos com o corpo, o bem ou o morreu por todos, para que os que v i
mal*. vem náo vivam para si, mas para qurm
por eles m orreu e ressuscitou. lf’l )i
O critèrio da fé — n Conscientes do modo que nós, daqui para a frente, »
respeito devido ao Senhor, procuramos ninguém consideram os com critério'.
persuadir os homens. Diante de Deus, humanos; e se outrora consideraniif
lhe somos manifestos. E espero que o Cristo com critérios humanos, agora |.i
sejamos também diante de vossas cons­ náo o fazemos.
ciencias. 12E nao procuramos outra vez
recom endar-nos a vós; desejamos, an­ A m ensagem da recon ciliad o — 17^«'
tes, dar-vos ocasiáo de vos orgulhardes alguém é cristáo, é criatura nova*. O

5,10 Imagem do julgamento definitivo zer os corintios? Cerrar fileiras e afirmai


e de Cristo juiz remunerador (At 17,31; o valor e autoridade do seu apóstolo.
Ap 14,10); á imagem pertencem o “tribu­ De resto, Paulo procede em tudo poi
nal”, o “comparecer”. “Bem e mal” sao “respeito” a Deus e “amor” a Cristo; uní
ambivalentes: as boas ou más acjóes, o pre­ amor que responde ao amor sacrificado dn
mio ou o castigo. Diz “nós”, que geral- Senhor.
mente se refere aos cristáos. Ver Jo 5,22- 5,11 Se o “respeito do Senhor” cor
27. *Ou: premio ou castigo. responde ao hebraico yir ’at Yhwh, refe
5,11-16 Este parágrafo ou duplo pará­ re-se a Deus. Mas poderia referir-se an
grafo é difícil. Temos de interpretá-lo no Senhor = Cristo, que Paulo acaba de aprc
contexto do seu ministério apostólico, que sentar como juiz.
Paulo defende diante de ataques ou reti­ 5,13 O “excesso” se dá em sua rclagao
cencias. Parece predominar nele o tema pessoal com Deus. Em grego exestemen
dos correlativos, manifestado e aprecia­ sair de si, que pode referir-se ao “éxtase”,
d o ; com uma alusáo polémica aos cor­ a o rado mística. Seu antónimo é sophro
relativos aparentar e julgar pelas aparén- noumen = ter temperanga, controlar-se.
cias. Diante de Deus, Paulo deseja estar Paulo oculta suas experiéncias íntimas, que
evidente (Pr 15,11; Eclo 42,18; Jr 17,10), náo divulga nem á sua comunidade (veja
e náo hesita em reconhecer os dons ex­ se o cap. 12).
celsos que recebeu. Ante a consciéncia 5,14-15 Pela morte de Cristo morremos
bem formada dos corintios também está ao pecado e ao egoísmo. Vivendo para ele,
evidente, embora se reserve algo, “nos saímos do fechamento e vivemos de ver-
controlamos” (v. 13). Por sua parte, está dade: Cristo morto e ressuscitado por nós
decidido a náo julgar os outros pelas apa- (por amor) nos oferece sua transcendencia
réncias (ampio desenvolvimento em Eclo (anti-egoísmo) salvadora. Compare-se
11) ou por critérios humanos — como fi- com Rm 14,7-9.
zera outrora com Jesús. 5,16 Na sua primeira fase, Saulo julga
Pelo que vale e porque o manifesta com va Jesús com critérios humanos, inadequa
sinceridade e modéstia, os corintios podem dos, e o perseguía. Até que, respondendo
estar orgulhosos do seu apóstolo e podem á pergunta “quem és?”, a ele se revelou a
confrontar-se com os que aparentam sem personal idade do Senhor. Desde esse mo­
ter substáncia. Devemos entender estas mento, Paulo comegou a julgar de outra
frases em seu contexto polémico. Havia maneira.
em Corinto gente que negava méritos a 5,17-21 Alguns ajuntam o v. 17 á perí-
Paulo, para afirmarem seu próprio valor e cope precedente. Pensó que pertence ao
autoridade. Diante deles, o que devem fa- novo tema, a reconciliado. O homem em
« 535 SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS

i i ti ,'iiil¡go passou, chegou o novo. 0 m inistério apostólico — 'Com o


l i li *

' I Indo é obra de Deus, que nos re-


i iim ilion consigo por meio de Cristo e
6 colaboradores vos exortamos a náo
receber em váo a graça de Deus. 2Pois
in i»i i mil iou o m inistério da reconcilia­ ele diz: Em tempo favorável te escutei, em
do ''Msto é, Deus estava, por meio de dia de salvaçâo te aiociliei. Vede, este é
II',lo, reconciliando o m undo consi­ o tempo favorável, este o dia da salvaçâo.
go. nao Ihe apontando os delitos, e nos 3Procuramos náo dar a ninguém oca-
mnl ion a mensagem da reco n ciliad o . siáo algum a para desacreditar nosso
'"Sumos embaixadores de Cristo, e é ministério. 4Em tudo nos recomendamos
mino se Deus falasse por meio de nós. como ministros de Deus: com muita pa-
I'm ( Visto vos suplicamos: Deixai-vos ciência, em meio a tribulaçôes, penúrias,
ii ii mciliar com Deus . 21 Aquele que nao angustias, 5 açoites, prisóes, motins, fa-
mnlicceu pecado, por nós Deus o tra- digas, vigilias e jejuns; 6com integrida-
lon como pecador, para que nós, por seu de, conhecimento, paciência e bondade;
llilermédio, fóssem os inocentes* dian- com Espirito Santo, amor náo fingido,
lr ile Deus. 7mensagem auténtica e força de Deus.

n<liit,-áo a Deus é ofensor, devedor, culpa- 50-51; Is 1,10-20; Dn 9,7), um tem a jus-
ilo Como por si mesmo nao pode recon- tiça, a razáo, e o outro a culpa, o pecado.
i’iliar-se, compete a Deus reconciliá-lo con­ Deus colocou Cristo, embora inocente, na
nivo; ele o faz por meio de Cristo, que parte do pecado; de suas conseqüências,
rurrega as culpas dos outros (Is 53) para como vítima expiatoria. Desse modo nos
i|nc lhes sejam perdoadas. Só assim o ho­ colocou na parte da sua justiça. Pelo per-
rnera perdoado volta a ser “inocente”. A dáo que Cristo nos conseguiu, já náo so­
icconciliagáo é radical, equivale a urna mos injustos. *Ou: justos.
nova “criagáo” (cf. SI 51,12); é oferecida
Vcomunicada pela mensagem apostólica, 6,1-2 Liga-se com o que precede. O per-
"ministério da reconciliagáo”. O homem dáo, que remove o pecado, completa-se
simplesmente “se deixa” reconciliar, res­ com a “graça”, que é a nova situaçào fa­
ponde á oferta removendo obstáculos e vorável. Chegou o dia do grande jubileu
liceitando. do perdáo de dividas (Lv 25; Dt 15,1-11;
5,17 Apalavra grega ktisis pode signifi­ Is 61,1); é preciso aproveitá-lo benefician-
car criagáo/criatura ou humanidade (cf. do-se dele. O texto bíblico (Is 49,8) é tira­
Km 8,19-22). O cristáo é criatura/huma- do do segundo cántico do Servo: contém
nidade nova. O “antigo” é a conduta pre­ urna mensagem de reconciliaçâo e um
cedente, no caso individual, ou o regime anuncio de repatriaçâo: o que se cumpre
ilo AT, em termos de historia da sal vacilo. plenamente na obra de Cristo. O segundo
A novidade: a volta do exilio (Is 43,18), a éxodo aponta para o terceiro e definitivo.
escatologia (Is 65,17). *Ou: humanidade 6.3-10 Deus “capacita” o apóstolo (3,5)
nova. e este “dá crédito” a seu ministério. Ele o
5,19 Deus realiza a reconciliado “náo expóe numa explanaçâo retórica magnífi­
apontando” ou náo imputando os delitos ca, usando a enumeraçâo, as polaridades,
(cf. SI 32,1-2). o paradoxo. O parágrafo respira um ar
5,21 Esta é urna daquelas frases em que triunfal.
Paulo apura a expressáo até os limites da 6.4-7a Enumeraçâo: o orador se deixa
linguagem: o uso do abstrato pelo concre­ levar pelo entusiasmo. No seu fluxo, é di­
to enrijece a frase (compare-se com G1 fícil descobrir uma ordem ou precisar cada
3,13). Literalmente: “aquele que náo co- conceito. Talvez valha o seguinte: Da “pa­
nhecia pecado, ele o fez pecado”, e seu ciencia” como conceito genérico pendem
correlativo “para que fóssemos justiga de très trios. O primeiro parece mais psicoló­
Deus”. Náo resta mais remédio senáo pa­ gico, mais interior; o segundo refere-se a
rafrasear; para isto nos apoiamos em perseguiçoes de fora; o terceiro fala de sa­
liturgias penitenciáis do AT. Na relagáo crificios impostas pelo ministério (o jejum
bilateral de julgamento contraditório (SI náo é ritual nem ascético). Segue-se um
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 536

Usando as armas da justiga á direita e á sejais apertados. l3Como a filhos vo . | «


esquerda. KNa honra e na desonra, na boa 50 o pagamento correspondente: pin
e na má fama. 9Como impostores que curai dilatar-vos.
dizem a verdade, como desconhecidos
que sao bem conhecidos, como mortos Tem plos de Deus — 14Náo vos deixelj
e estamos vivos, como punidos mas nao prender a um jugo desigual com os in­
executados, 10como tristes mas sempre fléis. Que tém em comum justiga 1 in
alegres, como pobres que enriquecem justiga*? Que acordo entre a luz c r,
muitos, como necessitados que possuem trevas? 15Que concordia entre Cristo 1
tudo. Belial? Que partilha o que eré com n
"P ara vos, corintios, minha boca se infiel? lfiE compatível o templo de Dnr,
abre com franqueza, meu coracáo está com os ídolos? Pois nós somos templo
dilatado. I2Dentro de mim nao estáis do Deus vivo. Como ele disse: Habita
apertados, embora em vossas entranhas rei entre eles e me deslocarei com e /o

quarteto de atitudes que informam toda a to e eompreensáo, á qual os corintios han


conduta. Concluí um quarteto de substanti­ de corresponder, “dilatando” sua mesqui
vos com adjetivos, dos quais o primeiro e nhez e estreiteza (á maneira de ilustraban
o último poderiam ser sinónimos. Se a sé- da imagem, veja-se Is 49,19-20 e 54,2 ')
rie pode soar como simplesmente ética, o O texto se interrompe bruscamente r
final a conduz a seu contexto religioso e continua com perfeita coeréncia em 7,2-1
cristáo, pela agáo do Espirito. (faga-se a prova de o 1er seguido).
6,7b-8a Polaridades: abarcam em bino­
mios qualquer circunstancia da vida (veja­ 6.14—7,1 Insergáo patente pela mudan
se o modelo do SI 30). Sublinha especial­ ga de tema e porque interrompe um dis
mente o que se refere ao prestigio. curso coerente. Alguns suspeitam que esta
6 ,8 b -10 Paradoxos. Sao sete, e parecem recomendagáo pertenga á carta menciona
derivados do mistério pascal com algo do da (ICor 5,9) e perdida. É urna exortagím
espirito das bem-aventurangas. O que os breve e veemente a distanciar-se, separai
homens julgam desprezível é o valor au­ se, diferenciar-se do mundo pagáo em que
téntico. Veja-se SI 118,18. vivem (como os hebreus no Egito ou em
Pensam que a mensagem evangélica é Babilonia). Responde a múltiplas reco
mentira, sendo a pura verdade. Ressoa a mendagóes do ÁT, a idéia de um “povo
controvérsia entre profetas auténticos e separado” (Nm 23,9, oráculo de Balaáo).
falsos (Jr 23; Ez 13). “Desconhecidos”, 6,14 O “jugo” desigual alude á lei (Dt
quer dizer, ignorados de propósito; e no 2 2 , 1 0 ) que proíbe unir “asno com boi”
entanto presentes como cidade sobre um *Ou: honradez e crime.
monte. “Morrendo”, ou seja, em perigo 6.15-16a O estilo de perguntas em série
constante de morte, por causas humanas recorda de perto o procedimento de Am
ou naturais; mas vivos de urna vida supe­ 3,3-6. “Justiga e injustiga”: cf. Pr 29,27 e
rior. “Punidos...”: SI 118,18; At 5,40. “Tris­ o comego do SI 1. “Luz e trevas”: cf. Jó
tes”: “Bem-aventurados os que agora 3,5-6. Belial (ou Beliar) é outra designa-
choráis, porque haveis de rir” (Le 6,21b). gao de Satanás, corrente em meios judai­
“Pobres”: “Bem-aventurados os pobres, cos (deformagáo de beliya'alsem provei-
porque o reinado de Deus vos pertence” to, cf. Jr 2,8). A situagao dos cristáos novos
(Le 6,20). “Necessitados”: Le 18,29s. em Corinto explica essa preocupagáo e o
6,11-13 Das consideragóes gerais sobre tom categórico, extremado, das recomen-
o apostolado desee a relagáo concreta com dagóes. Como se o mundo pagáo fosse
os corintios. Ressoa o tema do consolo todo maldade (cf. SI 14). De toda a cor-
(1,3-7) e da alegría partilhada (2,1-4). Uti­ rente de perguntas retóricas emerge a gran
liza o símbolo polar largo/estreito (SI 4,2 de afirmagáo da comunidade como tem­
“tu que na angústia me deste alivio”). A plo de Deus (ICor 3,16; 6,19).
“largueza” nao é aqui intelectual, como a 6,16b-19 As citagóes provém da lei e dos
de Salomáo (IRs 5,9), mas cordial, de afe- profetas. A primeira é tirada das béngáos
537 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

Si h i sen l)eus e eles seráo m eu povo. alegria em toda espécie de trib u lad o .
r . ¡/huno, sa i do meio e apartai-vos 5Nem sequer ao chegar à M acedònia
.l. /, v iIt. o Senhor. Nao toquéis o im ­ encontrei alivio corporal, mas todo tipo
piliti, r cu vos acolherei. l8Serei vosso de adversidade: por fora contendas, por
i'.tt i ñ u seréis m eusfilhos efilhas, diz dentro temores. 6Mas Deus, que con­
H St'iiluir Todo-poderoso. forta os abatidos, nos confortou com a
chegada de Tito. 7Náo só com sua che­
' Assiin, portanto, dispondo de tais gada, mas também com o consolo que
7 piomessas, m eus queridos, purifi-
<IMi mo nos de toda impureza de corpo
havia recebido de vós: ele me contou
sobre vossa saudade, vossa angustia,
. i .pililo,com pletandonossaconsagra- vosso afá por nós; e isso me alegrou
. iiii i respeitando a Deus. ainda mais.
8Se vos entristecí com minha carta,
Itru^fu) dos corintios e de Paulo — nao o lamento; lamentei-o, sim, ao com ­
I imi nos lugar: nào prejudicamos nin- provar que aquela carta, no momento,
iuirm, nao arruinam os ninguém , nao vos entristeceu; 9agora me alegro: nao
i flo ra m o s ninguém. 3Náo o digo em por vossa tristeza, mas pelo arrependi-
inni ile co n d en ad o , pois vos disse que mento que provocou. Vossa tristeza foi
iiii morte ou na vida vos levo no cora- como Deus quer: de nossa parte, nao
i..111. ‘Posso falar-vos cora plena ousa- recebestes nenhum daño. lüUma triste­
ili.i e sentir plena satisfaqáo por vos. za pela vontade de Deus produz um ar-
I slou cheio de consolo, transbordo de rependim ento saudável e irreversível;

iln Levítico (Lv 26,12): emprega um raro a d escrido intensa de SI 55,2-6. O Deus
verbo composto grego, que corresponde a que consola os aflitos: Is 51,12; 61,2; SI
nina forma hebraica também rara. Signi- 86,17.
I ii a um ir e vir que recorda as andangas 7,8-16 Efeito positivo da carta severa.
ilu povo pelo deserto; junta estabilidade Predominam no parágrafo as palavras
iiini movimento. A segunda é do profeta “tristeza, contristar”, que se repetem oito
ilo exilio (Is 52,11), convidando os exila­ vezes, contrastadas com “alegria e conso­
dos a sair de Babilonia num novo éxodo. lo”: temas da carta.
A lerceira procede da promessa dinástica Aproveita o caso particular para propor
ii Davi (2Sm 7,14), que agora se estende a um principio tradicional e de largo alcan­
Indos os cristaos; a especificado “filhos ce: a diferenga entre tristeza segundo Deus
i' l ilhas” procede de Is 43,6. e segundo o mundo. A primeira produz
vantagem, a segunda nasce de urna perda
7,1 Paulo afirma que esses anuncios e a consuma.
ilo AT sao promessas dirigidas aos cris- Podem-se encontrar muitos precedentes
laos, para além do contexto histórico ori­ desse principio na literatura profètica e
ginal. sapiencial. Urnas vezes a desgrana é pro­
7,2-4 Continuado de 6,13. Os problemas va do inocente (Jó), outras vezes é castigo
e lensóes com os corintios parecem resol- do culpado (teoria de Eliú, Jó 33). Urnas
vidos. Triunfam o consolo e a alegria. Res- vezes o sofrimento descobre e denuncia
labeleceu-se um clima de mútua confian­ um pecado; outras vezes a denuncia pro­
za, a partir do qual pode olhar serenamente duz sofrimento. Neste parágrafo, Paulo re­
o passado, transfigurado por seus resulta-, nuncia à reserva (5,13) e, sem remédio, se
ilos positivos: a chegada de Tito com boas acusa. Aqui poderia terminar o corpo da
noticias, o efeito saudável da carta severa. carta.
Ver At 20,33. 7.9 O arrependimento é outra forma de
7,3 “Nem a vida nem a morte os pode tristeza e pesar pelo feito; o pecador arre-
separar” (2Sm 1,23; cf. Rt 1,16-17). pendido do SI 51 pede com o perdáo “a
7,5-7 Desenlace do que ficou pendente alegria da salv ado”.
em 2,13. “Por fora e por dentro”: veja-se 7.10 Ver Eclo 38,18.
SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS 538

urna tristeza por razóes m undanas pro- sim nosso orgulho diante de Tito se |un
duz a morte. n Prestem atencño em quan- tificou. 15E seu afeto por vós crcsi >
tas coisas suscitou em vós essa tristeza quando recorda vossa docilidade e a 11n
segundo Deus: quanta diligencia, quan- ticulosa atençào com que o recebes h
tas desculpas, quanta in d ig n a lo , quan­ 16Quanto me alegro de poder con) mi
to temor, quanta saudade, quanto afa, plenamente em vós!
quanta puni^ào. D em onstrastes piena­
mente que nesse assunto nào sois cul­ A co leta para Jeru sa lém (km
pados. l2Portanto, se vos escrevi, nào
foi pelo ofensor nem pelo ofendido*,
mas para que descobrisseis por vós pró-
prios e diante de Deus vossa solicitude
por nós. Isso me encheu de consolo.
Ao nosso consolo acrescentou-se a
8 15,26; 12,8) — 'Q uero informai
vos, irmâos, a respeito da graça qm
Deus concedeu ás igrejas da Macedo
nia. 2Ëm meio a urna grave provaçào,
transbordaram de alegria; em sua n
trema pobreza, esbanjaram generosid.i
alegria imensa pela alegría de Tito, que de. 3Na medida de sua forças deram
ficara satisfeito convosco. 14Pois, se eu eu o testemunho, e acima délas. 4l 's
me gloriara de vós diante dele, nào fi- pontaneamente e com insisténcia no'i
quei mal; pelo contràrio, como anterior­ pediam o favor de participar nesse su
mente vos disséram os as verdades, as- viço aos consagrados. 5Superando nú

7.11 No caso presente, além do arrepen- tensificam o que já se encontra na lei (|i
dimento, Paulo cita urna série de sete con- ex. Dt 15,1-11) e em numerosos provérbiu
seqüéncias felizes da carta amarga. (Pr 19,17 “quem se compadece do polín
7.12 Distingue um culpado, “ofensor”, empresta ao Senhor”). No caso presenil
da comunidade, que ele agora declara ino­ a coleta, além de aliviar urna situaçâo lo
cente. O “ofendido” era ele. O assunto, cal, expressava a unidade das igrejas cris
porém, nao era questáo pessoal, mas esta- tas em urna Igreja, a estima particular pela
va em jogo o bem da comunidade. *Ou: igreja-máe de Jerusalém, a harmonía de
como ofensor. pagaos e judeus convertidos, a solicitiuli
de um membro mais forte por outro mai'
8 - 9 Paulo tomou muito a peito o as­ fraco (ICor 12). Por outra parte, a situaçâo
sunto da coleta a favor dos cristáos pobres em Jerusalém prova que a experiéncia di
de Jerusalém (GI 2,10). Podía considerar­ possuir os bens em comum (At 5,1-11)nao
se um antecedente o tributo do templo e tinha resolvido os problemas económicos
outras oferendas voluntárias com que os ju-
deus da Judéia e da diáspora contribuíam 8.1 Poder dar, e dar generosamente, ¿
periódicamente para a manutcneáo do tem­ “graça de Deus”. Deus é o grande “doa
plo e para o culto. Além do valor material, dor”, que dá ao homem dons e exemplo
semelhante contribuigáo expressava a iden- de dar e do que dar (SI 136,25; 145,16 e o
tidade e a unidade do povo disperso (SI livro de Rute). Macedônia foi a primeira
133), sua uniáo em torno do templo ama­ regiáo européia missionada por Paulo; ai
do (Ez 24,21 “o encanto de vossos olhos, se encontravam os primeiros agrupamen
o tesouro de vossas almas”). Lida nessa tos cristáos. Paulo os apresenta como exem
luz, a coleta poderia sugerir que os cris­ pío: algumas cidades da Macedônia eram
táos reconheciam nos pobres de Jerusalém ricas, mas os cristáos náo eram ricos.
urna presenta especial de Deus, como num 8.2 E o paradoxo renovado, menciona­
novo templo. do mais acima (6,9-10): pobres de recur­
Acrescente-se a importancia que foi ad- sos, ricos de generosidade; como a viúva
quirindo a esmola depois do exilio, como em seu donativo (Le 21,1-4).
provam numerosos textos: vejam-se a tí­ 8,3-4 Boa descriçâo do voluntariado:
tulo de exemplo Eclo 29,1-13 e os conse- toma a iniciativa, pede, insiste, considera
lhos de Tobit a seu filho (Tb 4,7-11: “quem um favor poder contribuir (cf. At 11,29).
dá esmola apresenta ao Altíssimo urna boa 8,5 Também com suas pessoas: quer di-
oferenda”); esses textos prolongam e in- zer, servem pessoalmente, além de dar; é
539 SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS

iilins expectativas, ofereceram suas pes- haverá igualdade. 15Como está escrito:
*mm, primeiro a Deus e depois a nós, A quem recolhia muito, nada Ihe sobra-
if^iiiulo a vontade de Deus. 6Por isso, va; a quem recolhia pouco, nada Ihe
jiMillmos a Tito, já que comeqou, que faltava.
|pv*1 ii lermo entre vos essa generosa 16Dou grabas ¿HDeus que inspirou em
Impla. ;E visto que tendes abundáncia Tito a m esm a s o lic itu d e por vós, 17e
tli* lililí), fe, eloqüéncia, conhecimento, ao aceitar meu pedido, de boa vonta­
fui vi ii para tudo, afeto por nós, tende de e com toda a diligencia foi ter con-
liimbem abundáncia dessa generosida- vosco. 18E nviam os com ele o irm áo
de "Nao o digo como urna ordem, mas, que se torn o u fam oso em todas as
Vp i i i Io o entusiasmo de outros, quero igrejas com o pregador do evangelho.
(Mimprovar se vosso am or é genuino, ^M ais ainda, foi nom eado pelas igre­
•l'nis conheceis a generosidade de nos- ja s como com panheiro de nossa via-
mi Senhor Jesús Cristo que, sendo rico, gem nessa coleta, que adm inistram os
jini vos se tornou pobre para vos enri- para a gloria do Senhor e com nosso
i|iiri-er com sua pobreza. melhor desejo. 20Queremos evitar qual-
lul)ou-vos ininha opiniáo nesse as­ quer crítica sobre nossa gestáo de so­
imilo: Já que no ano passado tomastes ma táo grande. 21P rocuram os a g ra ­
n Iniciativa do projeto e sua execuqáo, dar nao só a Deus, m as também aos
"iif.ora vos convém levá-lo a termo. homens.
Ilessa forma, ao entusiasm o por pro- 22Enviam os com eles outro irmáo,
ji'lií-lo corresponderá o realizá-lo segun­ cuja diligencia tem os comprovado em
do vossas possibilidades. 12Pois onde muitas ocasióes, e muito mais agora,
luí entusiasmo aceita-se o que for, sem pela confianza deles em vós. 23Quer se
petlir o impossível. 13N áo se trata de trate de Tito, com panheiro e colabora­
aliviar outros passando vós apuros, mas dor nosso a vosso servido, quer de nos-
ile obter a igualdade. 14Que vossa abun- sos irmáos, delegados das igrejas e glo­
ilAncia remedeie por agora sua escas- ria de-Cristo, 24dai-lhes provas de vosso
hc/., de forma que um dia a abundáncia amor e creditai a eles e as igrejas o or-
deles remedeie vossa escassez. Assim gulho que sinto por vós.

lili tipo mais valioso de prestagáo. O ser­ tribos e clás (Js 13—19). Mas é urna igual­
vido ao próximo necessitado coincide com dade instável, que se deve restabelecer
o servido a Deus. Pode-se comparar com periódicamente (era a fungáo do jubileu).
n colaborado da populagáo para recons- Alguns comentaristas restringem a “abun­
Iruir a muralha, sob as ordens de Neemias dáncia” de Jerusalém a bens espirituais.
(Ne 3). Ver Pr 3,27; Tb 4,9.
8,7-8 Tinha descrito os carismas e colo­ 8,15 A citagáo pertence a uma das len-
cado por cima o amor (ICor 12-13). Ago­ das sobre o maná (Ex 16,18): partilha igua-
ra aplica o dito: reconhece os carismas dos litária de Deus, a despeito da avidez ou
corintios e os póe á prova na generosidade. mesquinhez humanas.
8,9 O exemplo de Cristo é o ponto cul­ 8,18-19 Nao sabemos de quem se trata,
minante: funda e exalta a caridade crista. e é estranho que nao figure com seu nome
Este v. é um momento de cristologia “des­ (At 6,6).
cendente”, como F1 2,5-11: da riqueza di­ 8,20-21 Em todo o assunto, Paulo pro-
vina (C12,9) desee a pobreza humana para cedeu com cautela para evitar nao só abu­
enriquecer com sua plenitude (Jo 1,16). sos, mas até a aparéncia deles. Neste pon­
Convém 1er este v. junto com o hiño ao to quer estar de bem com Deus e também
amor de ICor 13. com os homens (citando Pr 3,4).
8,12-14 É o ideal de igualdade relativa: 8,23 Os delegados das igrejas nessa obra
a cada um segundo sua necessidade; como de caridade transportam e refletem a “glo­
lia partilha — ideal e aproximada — da ria de Cristo”; como o homem caritativo a
Ierra prometida segundo o tamanho das gloria de Yhwh (segundo Is 58,8).
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 540 .1
'A respeito desse servilo a favor dos pode cumular-vos de dons, de modo qm
9 consagrados, nao preciso mais es-
crever-vos. 2Consta-nos vossa boa dis­
tendo sempre o necessàrio, vos solus
para todo tipo de boas obras. 9Como r i ,
I

p o s i l o , e me orgulho disso diante dos escrito: Dà esmola aos pobres, sua r\ I


m acedonios, dizendo-ihes que a Acaia mola é constante, sem falta. 10Aquelc ( / ih
está preparada desde o ano passado, e prove a semente ao semeador e o
que vosso fervor estimulou muitos ou- para corner, proverà e multiplicará ve >s I
tros. 3Eu vos envió os irmáos, para que sa sem ente e farà crescer a colheita </,
nosso orgulho por vos nesse ponto nao vossa esmola. n A ssim e n r i q u e c í dir,
acabe infundado. Portanto, como vos vossa generosidade redundará, por v< j
dizia, estai preparados. 4Pois, se che- so intermèdio, em agào de gragas a Deu» I
gam com igo os macedonios e vos en- 12Pois esse ato de servilo náo só reme I
contram despreparados, nós, para nao deia as necessidades dos consagrado1, I
dizer vós, ficaremos decepcionados em mas induzirá muitos a dar gracas a Deu» I
nossas esperanzas. 5Por isso, julguei 13Apreciando esse servilo, darào glorili I
necessàrio pedir aos irmáos que se an- a Deus por vossa confissáo humilde do
tecipem e preparem vossa doagáo pro­ evangelho de Cristo e por vossa soli I
metida: assim preparada, parecerá ato dariedade generosa para com eles e com
de generosidade e nao de extorsáo*. todos. 14Rezarào por vós com todo o sci
6De fato: Semeadura mesquinha, co- afeto, ao ver a graga extraordinària qui I
Iheita mesquinha; semeadura genero­ Deus vos concedeu. 15Demos gragas a I
sa, colheita generosa. Deus por seu dom inefàvel.
7Cada qual contribua com o que se
propós em consciencia, náo por má von- Defesa polèm ica de Paulo
tade nem constrangimento, pois Deus 'P ela bondade e indulgencia de
ama a quem dà com alegria. 8E Deus Cristo vos rogo eu, Paulo, o covarde de

9,1 O que se segue, se nào é outra carta 9.8 Na instru§áo sobre remissào de di­
sobre o mesmo assunto, recolhida aqui de- vidas (Dt 15,1-11) há urna promessa para
vido ao tema, equivale a urna insistencia a generosidade em cumprir a lei: “Dá-lhc, I
temperada pela discriqào. Paulo quer esti­ e náo de má vontade, pois por esta agáo o I
mular sem forcar; acumula argumentos e Senhor teu Deus abengoará todas as tu;is |
os repete. Com toda a exposigào recompòe obras e todos os teus empreendimentos”
o grande círculo do dar. a) Deus é “o doa- 9.9 Citagào de SI 112,9. Este salmo apli- I
dor” por excelencia: dà o bom desejo (cf. ca ao homem qualidades que o salmo pre
Ex 35,29; 36,3-7) e os meios de onde dar; cedente atribuiu a Deus.
no AT a terra é o dom primàrio de Deus, b) 9.10 Recorda o final da mensagem do
O homem que possui dà ao necessitado (Dt Segundo Isaías aos exilados, que exprime
15,1-11; SI 112; Eclo 14,3-6). c) Uns e ou- em imagem agrària a fecundidade da pala
tros dáo grabas a Deus. Ao chamar de “con­ vra de Deus (Is 55,10). A generosidade hu­
sagrados” os pobres de Jerusalém, eleva mana participa de urna fecundidade seme- I
todo o assunto a um plano superior; tam- lhante. “Esmola”: esta tradugáo supoe que
bém a tarefa fica consagrada. o termo grego dikaiosyne corresponde a uso
9,5 *Ou: mesquinhez. tardío do hebraico sedaqá. Se náo se acei­
9,6-7 Citagòes livres, segundo a versào ta, se deveria traduzir “frutos de vossa jus-
grega, de alguns provérbios. O texto origi­ tiga”, que náo se enquadra bem no contexto.
nai diz: “Há quem seja prodigo e aumente 9,13 A “submissáo” ao evangelho de Cris­
sua riqueza, e há quem guarde sem medida to traz consigo a solidariedade com os ne-
e se empobrecía” (Pr 11,24); “quem se compa­ cessitados.
dece do pobre empresta ao Senhor” (19,17);
“quem semeia maldade colhe desgrana” 10-13 Mudanza brusca de tema e de tom:
(22,8). Náo só inculca o dar, mas ainda o em relagáo a 8-9 e mais ainda em reiagáo a
espirito com que se dà (cf. Eclo 18,15-18). 1,8-7,16. Náo poucos exegetas pensam que
541 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

¡Mitin r valente de longe*. 2Pego-vos 7Prestais atençâo às aparêneias. Quem


iiiih iiíIii me fagais mostrar-me valente estiver convencido de ser cristáo, deve
Jf | ii*i lo, pois me sinto seguro para me convencer-se de que também nós o so­
4 lli'Vrr diante desses que me acusam mos. 8E ainda que me excedesse alarde­
.le nuil segundocritérios humanos. 3Ain- ando a autoridade que o Senhor me con-
1.« ijiic aja como homem que sou, nao feriu sobre vos, para construir e nao para
ilillllu pelas ordens do instinto; 4pois as destruir, eu nao sentiría vergonha. 9Náo
muñís tic minha milicia nao sao huma- quero dar a impressao de que vos ame­
ilrt*. mas dotadas de poder divino: para dranto por carta. 10As cartas sim — di-
iIpmioIIi baluartes, debelando sofismas, zem alguns — sao duras e enérgicas, a
‘t|imli|iier torreáo que se subleve con- presença física é fraca e o falar é despre-
IIMii i'onhecimento de Deus. Tornamos zível. n Quem diz isso saiba que, tais co­
(MlNlnneiro todo raciocinio, submeten- mo foram minhas palavras escritas na au-
iIimi a Cristo, 6e estamos dispostos a sêneia, serao minhas açôes na presença.
tnnli^ar qualquer rebeldía, até que se 12N áo nos atrevem os a igualar-nos
i limpíete vossa submissáo. nem a com parar-nos a alguns dos que

de com urna imagem militar coerente. O


Mli’s capítulos sao a carta precedente, “escri-
alto comando da batalha nâo é “o instinto”
hi rom lágrimas” (2,9) e de efeitos saudáveis.
í mn texto apaixonado, que flui sem apa- humano egoísta; as armas que empunha
recebem sua força do poder divino; o obje­
ii'lilc arquitetura. A cólera de Paulo se derra-
tivo é debelar as fortalezas que opóem re­
iiiii cm frases irónicas, inclusive sarcásticas
IVeja se o sarcasmo de Deus na pregacáo pro- sistènza a Deus; o final será fazer prisio­
Ic’llra, Ir 2,28), langa ataques ad hominem, neros para Cristo e castigar os rebeldes. A
imagem militar é outra resposta à acusaçâo
flllgc fazer teatro para falar de si mais livfe-
Hirnlc. Como sempre, entremeia principios de covardia; compare-se com Is 2,11-18.
ilmiirinais, planta jóias teológicas. Ñas entre- 10,7-8 Poderiam objetar que eles já sao
llnlias de sua apología podemos encontrar as cristáos e que Paulo nao é ninguém para
“submeté-los”. Ao que Paulo responde con­
|iiil¡ivras e entrever as atitudes de seus rivais
i<in Corinto. Se este texto “custou lágrimas” cedendo a condiçâo comum de ser cristáo
e apelando a urna autoridade superior rece-
ii l’aulo, temos de entreouvir o pranto através
ilus burlas (como o palhago, que chora en­ bida diretamente do Senhor. Essa autorida­
guanto faz rir); tém outra tonalidade os ciú- de tem uma funçâo positiva, como mostra
mes, a necedade, as confíssóes. É bom 1er pri-o contraste com a vocaçâo profètica. Jere­
tneiro o texto todo e relé-lo depois com mías recebia poder para “destruir e edificar”
n|x>rtunas paradas. Se dividimos em blocos (Jr 1,10); Paulo menciona só a segunda par­
Irináticos, é como orientagáo aproximada. te (a primeira soava implícita no v. 4).
10,12-16 Segundo tema: o campo de ati-
10 ,1-2 Primeiro tema: a covardia. Acusa- vidades. A política de Paulo tem sido a de
ram-no de covardia, de ameagar e nao bater, um pioneiro: pregar o evangelho onde ain­
i|iiando tem pela frente o inimigo. Veja-se da nao tinha sido pregado (Rm 15,20-24).
o conselho sapiencial: “Nao sejas arrogan­ Uma igreja estabelecida lhe servia de base
te com tua língua, apoucado e covarde em para uma nova expansâo. A partir de certo
leus atos” (Eclo 4,29-30). Urna resposta, ponto, ele tornava a iniciativa. Assim respei-
posterior em nossa hipótese de composigáo, tava os limites (ou medida) sem entrar em
nc lé em 2,1-4: conteve-se por considera­ campo alheio, já lavrado. A norma agrària
ren). Ao invés, a resposta deste texto é urna inculcada na lei e nos Provérbios (Dt 19,14;
iimeaga formal (w. 10-11). Ao invocar Cris­ 27,17; Pr 22,28) ultrapassa seu ministério.
to, menciona “bondade e indulgencia”, que Isto define seu apostolado: nâo se exorbita,
ninguém poderá tachar de covardia e que mas sempre vai “mais além”. Disso pode se
sao a inspiragáo e modelo de Paulo. orgulhar sem reparos. De resto, nâo abando­
10,1 *Ou: na presenga... na ausencia. na o cuidado pelas igrejas que estabeleceu.
10,3-6 A acusagáo de seguir critérios e 10,12 Acomparaçâo com outro, em im-
usar procedimentos humanos Paulo respon- portâneia ou atividade, era recurso da re-
SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS 542

fazem a pròpria recom endado. Eles, ao Finge-se n éscio polemizan«!"


contràrio, ao se tomarem com o medida
de si próprios, acabam sem perceber.
13Do que somos, nao nos orgulhamos
sem medida, mas chegamos até vos acei­
tando a medida do lugar que Deus nos
assinalou. 14Náo ultrapassamos os limi­
n — 'O xalá agüentásseis um
quena loucura minha. Sei que me agiu n
tais. 2Tenho ciúmes de vós, ciúmt <l>
Deus, pois vos prom eti a um único ni.i
rido, para apresentar-vos a Cristo cottiu
virgem intacta. 3Eu receio que, assiiti
tes, como se nossa competencia nao che- como a serpente seduziu Eva com a-,
gasse até vos. Chegamos até vos por pri- túcia, vosso modo de pensar se vicn
meiro, anunciando a boa noticia de Cristo. abandonando a sinceridade e a fideh
15Nao nos excedemos, gloriando-nos de dade a Cristo. 4Pois, se alguém se apie
trabalhos alheios, mas esperamos que, senta anunciando um Jesús que eu ñau
ao aumentarem entre vós os fiéis, pos- anunciei, ou recebeis um espirito dife­
samos ampliar muito entre vós nosso rente do que tínheis recebido, ou um
campo de aqáo 16e pregar a boa noticia evangelho diferente do que havíeis acei
mais além, sem nos gloriarmos de cam­ to, o suportáis tranquilamente.
pos alheios já cultivados. xlQuem se glo­ 5Penso nao ser inferior em nada a es-
ria, glorie-se do Senhor, 18já que é apro- ses superapóstolos*. 6Se sou profano na
vado nao aquele que se recomenda, mas eloqüéncia, náo o sou no conhecimen
aquele a quem o Senhor recomenda. to, como vos demonstrei sempre e em

tórica clàssica. Pois bem, se o termo de tem a mente nos lábios...” Ao assumi-lo <
comparagáo de urna pessoa é sua pròpria declará-lo insensatez, Paulo o exorciza e
pessoa, nada ganhará. Se o homem é a purifica. Bancar o idiota no palco pode
medida de tudo, nao o é de si; a medida demonstrar grande talento. Alguns comen
deve ser externa. Se o sábio recomenda taristas pensam que Paulo alude a um tipo
“conhece-te a ti mesmo”, é preciso sair de da comédia grega, como o bobo ou o có­
si para consegu¡-lo. mico do teatro clássico.
10.13 Veja-se a preocupado com as 11,2-4 Esses vv. utilizam a idéia tradi
medidas em Zc 2,59 e nos últimos capítu­ cional do Deus ciumento (Ex 20,5; 34,14;
los de Ezequiel. Dt 4,27; por Jerusalém Zc 1,14; 8,2) na ima
10.14 Ver At 18. gem conjugal. Urna jovem já desposad.!
10,15-16 Coloca-se o problema quando (com vínculo jurídico) deve conservar-sc
escreve aos romanos, igreja que nao tinha casta para seu marido (cf. Eclo 42,9-10 “na
fundado (Rm 15,20). Recorde-se o refrió casa paterna náo fique grávida”). Um ho­
de Jesús aos discípulos: “um semeia e ou- mem encarregado de guardá-la vive solíci
tro colhe” (Jo 4,37-38). to e vigilante; carrega, por assim dizer, os
10,17-18 É o grande principio enuncia­ ciúmes do futuro marido (cf. Ef 5,26).
do por Jeremías (Jr 9,23), que se opóe ao A desposada é a igreja de Corinto. Cristo
gloriar-se do sábio em seu saber, do sol­ é o esposo, Paulo o guardiáo. O perigo de
dado em sua coragem, do rico em sua ri­ sedutj'áo lhe permite recordar o “tipo” de
queza. Gloriar-se é atribuir a si os resulta­
Eva (Gn 3,4; Ap 14,4; inclusive segundo a
dos e alegar méritos (cf. Dt 8,17s; Is 10,14s
tradigáo rabínica, que imaginava rela§5es
etc.) Gloriar-se no Senhor é gloriar-se porde Eva com um demonio). Apóia-se na
ter como Deus o Senhor e por haver rece- equagáo corrente no AT de idolatría e pros­
bido tudo dele: é um orgulho paradoxal. tituido. Em lugar de outros deuses, entram
aqui um Jesús, um espirito e um evangelho
11,1 O que vai dizer a seguir pode soar estranhos. Dir-se-ia que estes “ciúmes”
como desatino pròprio de um néscio. Póde­ substitutivos fizeram Paulo desatinar.
se comentar com abundantes textos sapien- 11,4 Ver G1 1,6-9.
ciais sobre a conduta do néscio: “é fardo 11,5-15 Volta depois (ainda na ima-
na viagem, o néscio ri sonoramente, se gem de néscio?) a retorcer argumentos e
precipita na casa, fica na porta zombando, pretensóes dos rivais, que pregam um
S43 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

■i*I*1 l i/ mal em humilhar-me para vos to. 14E nao é de estranhar: se o pròprio
ii|ii,iiHlccer, pregando gratuitam ente a Satanás se disfarla de mensageiro da
»imi imlk ia de Deus? 8Saqueei outras luz, 15náo é surpreendente que seus
mu | r. aceitando salàrio delas para vos ministros se disfarcem de agentes da
. i* ii 'Iinquanto vivi convoco, embo- justiga. O fim deles corresponderá às
i |• i .'.asse apuros, nao fui pesado a suas obras.
Miiij'iinii. Os irmàos vindos da Mace-
. . |noviam às minhas necessidades. Alardes de um insensato fingido (At
ii ni|iic me mantive e me m anterei sem 15—28) — 16Repito: que ninguém me
ii hi m i pesado. 10Eu vos garanto por tome por insensato; ou entáo, aceitai-
i il .in que ninguém na A caia me pri­ me como insensato, para que também
llil i ili ssa honra. n Por què? Por que eu possa me orgulhar um pouco. n O
m-Iii vos amo? Deus o sabe! 12E o que que vou dizer, em apoio de minha pre­
i ii.ii, continuarci fazendo, para tirar s u n t o , nao é ordem do Senhor, mas
«mili pretexto aos que o procuram para minha insensatez. 18Já que muitos se
■i ni)’iilharem de ser com o eu. 13Esses orgulham de méritos humanos, eu tam­
Mi', ’..io falsos apóstalos, operários fin­ bém me orgulharei. 19Pois vós, táo sen­
tilili r., disfamados de apóstalos de Cris- satos, suportáis de boa vontade os in-

i vniigelho diferente”, alegando ser supe- Paulo, ao contrario, prega de graga: é um


ii.tn •. a Paulo. Designa-os primeiro com pobretao que nao estima seus ouvintes nem
mu i rxpressáo irónica (v. 5), desmascara- seu ministério. Paulo se gloria precisamente
" 11 >iu frases duríssimas (vv. 13-14), fi- do contrario: do seu desinteresse, que nao
iiiilmente pronuncia uma terrível ameaga é desprezo, e sim amor; isto a longo prazo
iv 15). confirmará a autenlicidade da sua missào.
I \sa polémica pode recordar as dos pro- 11,8 Ver F1 4,10.15.
|. l.i'. auténticos frente aos falsos, ñas quais 11,10Literalmente: “estáem mima ver-
Mi l u se poupam denuncias nem ameagas. dade de Cristo, que...”: equivale a tomar
I'ni ex. a disputa de Jeremías com Ananias Cristo como testemunha do que diz.
i It ,’K): “este ano morreras por teres pre­ 11.13 Em nenhuma outra ocasiáo o NT
finió rebeliáo contra o Senhor”; a análise usa o termo “pseudo-apóstolos”.
■denuncia de Ezequíel contra falsos pro- 11.14 “Mensageiro da luz” ou anjo lu­
h las e profetisas (Ez 13): “visionarios fal- minoso: em ambos os casos a luz repre-
<ns, adivinhos de embustes, extraviastes sentava o mundo celeste (Ap 2,9) da di-
nu il povo... cagais meus patricios para vindade. Pode-se recordar o “esplendor”
n'.M'gurar vossas vidas”; o estilo incisivo que Moisés irradiava por reflexo (cap. 4).
■til profeta Miquéias (Mq 2—3). 11,16-17 Paulo utiliza um procedimen­
11.5 Se a fungáo dos apóstelos é a su­ to literário refinado: interpóe um persona-
prema na Igreja, nao pode haver supera- gem que fala, para distanciar-se do que diz,
|ii'islolos. Recorde-se a pretensáo da máe assumindo-o assim em outro àmbito mais
ilns Zebedeus (Me 10,35-45). *Ou: após­ ampio. Retorna ou insiste na fiegáo teatral
talas superlativos. do néscio, para recitar alegrías e sofrimen-
11.6 A eloqüéncia era muito estimada tos, méritos e fraquezas do seu ministério.
mire os gregos, tanto como o saber. Em A fingida necedade nos permite assistir a
iliversas ocasióes, Paulo mostra que co- urna descrigáo quase impressionista, e de­
iiliece os recursos do oficio (sem desdizer veras impressionante, de um modelo per­
n que afirma em ICor 2,1). pètuo de apóstolos. (Para maior efeito,
11,7-12 Terceiro tema: sobre gratuidade declame-se em voz alta, como entáo se
i' honorarios do ministério (F1 4,11). Um fazia.) Mas, se é a necedade que dita o que
upóstolo que se preza — parece que argu- fala (recurso literário), é Deus quem ins­
mentavam os rivais — exige pagamento pira a necedade fingida. Também o proce­
iligno pelos servigos; poderiam apoiá-lo dimento resulta significativo.
no exemplo de sacerdotes e também de ll,19-21a Se os corintios agüentam os
profetas no AT (p. ex. ISm 9,7s; Nm 22,7). maus tratos (dos rivais), quanto mais de-
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 544 II i I

sensatos. 20Suportais que alguém vos patricios, perigos por causa dos pagai i J
tiranize, devore, despoje, despreze, perigos em cidades, perigos em caiiipn
esbofeteie. 2!C onfesso envergonhado aberto, perigos no mar, perigos por c m J
que fui brando convosco. Pois bem, ao sa de falsos irmáos. 27Com fadi r.i ti]
que os outros se atrevem — digo como duros trabalhos, muitas noites sem doi
insensato •— eu tam bém me atrevo. mir, com fome e sede, com freqiieni' I
22Sáo hebreus? Eu também. Sao israe­ jejuns, com frió e sem agasalho. i
litas? Eu também. Sao da linhagem de além de tudo isso, o fardo cotidiano, i I
Abraáo? Eu também. 23Sáo m inistros p reo cu p ad o por todas as igrejas. Al
de Cristo? — Falo como louco: — eu guém cai doente sem que eu adoe^afl I
mais ainda. Ganho deles em fadigas, Alguém tropega sem que eu fique im
ganho deles em prisóes, ainda mais em paciente? 30Se é preciso orgulhar-se, nu
açoites, em perigos freqüentes de mor­ orgulharei de minha fraqueza. 31Deu\,
te. 24Cinco vezes os judeus me deram Pai do Senhor Jesús — seja bendito pa
os quarenta açoites menos um, 25trés ra sempre! — sabe que nao minto. 321m
vezes me açoitaram com varas, urna vez Damasco o governador do rei Arela-, I
me apedrejaram; très vezes naufraguei, vigiava a cidade para me prender. 33Poi I
e passei um dia e urna noite em alto mar. urna janela e num cesto de junco ni<-
26Quantas viagens, com perigos de rios, desceram muralha abaixo, e assim <.-■
perigos de bandidos, perigos de meus capei de suas máos.

vem suportar o breve desatino de Paulo. compatriotas e pagaos. Váo separados rio:,
Pelo visto, pensa ele, teria sido melhor e mar, como se pertencessem a categoría-,
tratá-los com dureza. diversas; os rios normalmente náo tinhani
ll,21b-29 Até o v. 26 a enumeraçâo pa­ pontes, se atravessavam por vaus nem
rece submeter-se a um esquema formal sempre fáceis e seguros. “Bandidos” ou
quaternàrio, que se esfuma no v. 27 e re­ salteadores de caminhantes ou caravanas:
toma talvez nos vv. 28-29. Para maior cla­ Jz 9,25; 11,3; Le 10,30. Os “falsos irmáos'
reza seguirei o esquema, embora náo en­ sáo membros da comunidade cristá.
contre nele significado apreciável. 11,27 A nova série, de quatro ou cinco
ll,22-23a Primeiro quarteto. Parece-se membros (“fadiga e duros trabalhos” como
com o recurso sapiencial “por très... por género que logo se especifica): sublinha
um quarto; há très coisas... e urna quarta” as necessidades naturais náo satisfeitas
(p. ex. Pr 30; Eclo 25,ls). As comparaçôes Pode-se ver a descriqáo de Jó 23,4.7.8.
de igualdade, “também eu”, rompem seu 10 . 11.
discurso na superaçâo do quarto membro, 11,28-29 Juntando os dois vv., obtém-
“eu mais”. A referencia tríplice à linhagem se outro quarteto coerente: todos os dias c
dá a entender que os rivais sâo judeus con­ todas as igrejas (por ele fundadas), em par
vertidos que aspiram a cargos de direçâo. ticular individuos doentes ou vacilantes.
11,23b Segundo quarteto, com traços 11,30-33 Depois da séfie genérica, se-
paradoxais. E superior, náo em privilégios, leciona um fato concreto. Apenas batiza-
mas em sofrimentos (cf. At 5,41). do e iniciada sua atividade de pregar, é
11,24-25 Terceiro quarteto: que pro­ perseguido de morte (At 9,23-25). Chama
longa a corrente de sofrimentos. Très ve­ de “fraqueza” aquele momento, porque
zes por mâos de homens: judeus (açoites teve de fugir em lugar de enfrentar o ris­
e lapidaçâo Dt 25,3) e romanos (varas); co. Pode-se comparar com a fuga de Elias
a quarta por açâo dos elementos. Talvez para o Horeb (IRs 19).
ressoe na última a concepçâo do oceano 11.31 Soa como rubrica final, que inter­
hostil mitológico: Joñas, SI 18; 107,23- preta o monólogo dramático do “néscio”.
28 etc. A fiegáo náo foi mentira, nem o disfarce
11,26 A lista de perigos abrange dois enganoso, antes, manifestaram a verdade:
quartetos, com oposiçoes, polaridades e tomo a Deus por testemunha.
equivaléncias. Retorna a distinçâo entre 11.32 At 9,24.
545 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

") Ktvclacòes e fra q u e z a s — !Se no que me toca, somente me orgulha­


I ** . qiicslào de se orgulhar, embo-
i i. mIi.i i»mea utilidade, passo às vi-
rei de minhas fraquezas. 6Mesmo as­
sim, se quisesse me orgulhar, nao seria
ii, mi i. vi I.KoesdoSenhor. 2S eid eu m insensato, estaría dizendo a verdade.
. m i. i i| ih lia catorze anos — nao sei Mas me abstenho para que, em vista de
....... i .i corpo ou sem o corpo, Deus o tao extraordinárias revelaçôes, nao vá
.i.. Ini arrebatado até o terceirocéu; alguém julgar-me além do que ve em
, i 1111(- essa pessoa — com o corpo mim ou escuta de mim. 7Pois bem, para
,.i . ni o corpo, Deus o sabe — 4foi que eu nâo me envaideça, me cravaram
,iii I. il.ulo ao paraíso e ouviu palavras ñas carnes um aguilháo, um emissàrio
m l,n i is, que nenhum hom em pode de Satanás que me esbofeteia. 8Por cau­
lUHiiiiiK iar. ‘’Disso me orgulharei, mas, sa disso, por très vezes roguei ao Se-

I I IDE importante fixar a aten§áo Ezequiel e Daniel, a reticéncia de Paulo


,l.n n contraste proposita! de visóes e fra- significa um distanciar-se, um contraste
.11. ir. Das visóes pode afirmar o fato e quase polémico. Ele nao vai escrever um
lid i algo sobre a experiencia anormal ou livro como Daniel (alguém escreverá um
...... ninnai; nada pode dizer de exato so- livro de visóes que chamamos Apocalipse).
i'H n conteúdo, que considera inefável. O resultado, sim, conhecemos: as visóes
('■•liemos chamar essas experiencias de cx- marcam Paulo definitivamente, lhe con­
i.i'h'i. fenómenos místicos em sentido pró- ferenti urna visào e um dinamismo superio­
i.i 1.1 Se é assim, Paulo encabeza urna longa res e permanentes. Aqui se contenta com
i'ilr de místicas e místícos cristáos. Entao mencionar o fato; em outra ocasiáo, dizia
. ..ili'iicio de Paulo contrasta por um lado que prefería poucas palavras com sentido
■mi .i torrencial enumeratilo precedente, articulado a línguas misteriosas (ICor 14).
i.,.i nutro lado com a abundancia de escri- 12,2 Outra vez Paulo se distancia de sua
.... místicos reconhecídos em nossa tradi­ experiéncia, ao referi-la a um terceiro anó­
vi!' (e notável o número alto de mulheres nimo a quem chama “homem em Cristo”
ih viu serie ilustre). Por que Paulo é mais (que traduzo por cristáo). Ao invés, iden-
■<| ilícito? Nao terá passado para suas cartas tifica-se na prímeira pessoa com o fraco
,il|Mi ou muito das visóes, traduzido em sím- que padece: o v. 6 serve de transiçâo.
I»ilos? Se é assim, teremos que consultar 12,4 “Palavras inefáveis” é em grego um
nussos místicos para compreender Paulo. oxímoro montado sobre a raíz comum:
Ouanto à linguagem, utiliza as concep­ arreta remata.
tees da época. Imagina tres céus sobré­ 12.6 Paulo expressa aqui um pudor de
moslos: a atmosfera ou céu das aves (SI 8), sua intimidade espiritual em forte contraste
n céu onde se movem os astros (Dt 4,19), com suas declaraçoes sobre sua atividade
ii céu sede da divindade (SI 115). Outros apostólica. Um diàrio espiritual, espécie
milores falam de sete céus. O “arrebata- de autobiografía íntima, é um género que
iiiciito” é, com outro verbo, apenas seme- nem Paulo nem outros autores do NT cul-
lliante ao de Henoc e Elias (Gn 5,24; 2Rs tivaram; para eles, “viver é Cristo”.
I, eompare-se com At 8,39; lTs 4,17; Ap 12.7 Nâo se conseguiu averiguar se este
I,’.,5); o de Paulo é um “arrebatamento” ferráo constante foi uma doença ou os so-
i ni vida, que parece antecipatjáo do tras- frimentos e fadigas da missâo; pode-se
ludo final (cf. SI 49,16). “Paraíso” é outra comparar com os “espinhos e escorpíóes”
lepresenta^áo do céu como lugar primor­ de Ezequiel (Ez 2,6). Atribuem-se a Sata­
dial de felicidade e companhia com Deus: nás, como em Jó 1-2; em outra interpreta-
( ¡ii 2-3; Ez 28,13-15). A escatologia é si­ çâo, seriam os obstáculos que Satanás in-
métrica da protologia. terpóe à pregaçâo do evangelho (lTs 2,18).
Quanto ao corpo, diz que “ouviu pala­ 12,8-10 Belo exemplo de petiçao nâo
vras” (em que idioma?); nao sabe se foi atendida, ou seja, atendida obliquamente.
eom os sentidos corporais ou com outros Pedi e recebereis: o que pedimos, ou o que
sentidos. Como existe o rico antecedente deveríamos pedir? Ou o desejo profundo
.las visóes explicadas e comunicadas de que se desfigura na pretensáo superficial?
SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS 546

nhor que o afastasse de mim. 9Ele me 16— Que seja, diréis, eu nâo vo lu
respondeu: basta-te minha graça; a for­ pesado; porém, astuto como sou, \c«l
ça se realiza na fraqueza. Portanto, com peguei nuraa arm adilha.17— Acaso \ >>1
muito gosto me orgulharei de minhas explorei por meio de alguns dos in< "|
fraquezas, para que se aloje em mim o enviados? 18Pedi a Tito, e com ele i'iil
poder de Cristo. 10Por isso, estou con­ viei o irmâo. Tito vos explorou? N m
tente com as fraquezas, insoléncias, ne- nos guia o mesmo espirito? Nâo |n i
cessidades, perseguiçôes e angustias mos as mesmas pegadas?
por Cristo. Pois, quando sou fraco, en- 19Pensais que volto a justificai m>
táo sou forte. diante de vós? Falam os na presan, i
de Deus e como cristâos: M eus quorl
O m in isterio em C o rin to — n Com- dos, fiz de tudo para construir v o : , m
portei-me como insensato: vos me obri- comunidade. 2(lM as receio que ao olí-
gastes. Tocava a vos recomendar-me. gar nâo vos encontre como desejan i
Pois embora eu nâo seja nada, em nada nem vós a mim como desejaríeis. 'I
sou inferior aos superapóstolos. 12A mo encontrar rivalidades, invejas, pal
marca do meu apostolado se definiu xôes, ambiçôes, maledicencia, muriim
entre vós: na constancia, sinais, prodi­ raçôes, arrogancias, alvoroços. 21Tem,i
gios e milagres. 13Em que fostes m e­ que ao chegar, Deus torne a humilh.n
nos que outras igrejas, exceto no fato me diante de vós, e tenha de ficar d,
de eu nâo vos ter sido pesado? Perdoai- luto por tantos que persistem em si n ,
me essa ofensa. l4Vede, pensó em visi- pecados, sem se arrependerem da im
tar-vos pela terceira vez; e nâo serei um pureza, fornicaçâo e dissoluçào em qm
peso, pois nâo procuro o que é vosso, vivem.
mas a vós. Nâo cabe aos filhos econo­
mizar para os pais, mas aos pais para 'E a terceira vez que vou visitai
os filhos. 15Com todo o prazer eu me gas- vos, e toda questáo será decidí
tarei e desgastarei por vós. E se vos amo da pelo depoimento de duas ou très tes
mais, por que vós me amais menos? temunhas.

“Nâo sabemos pedir como convém” (Rm a máe nem a ama do povo (Nm 11,11
8,26). Deus nâo reduz a carga, mas dupli­ 15).
ca as forças para levá-la: ver a súplica de 12,15 F1 2,17.
Jeremias e a resposta de Deus (Jr 15,20s). 12,16-18 Antecipa urna objeqáo (praco
Assim Paulo remonta a um principio de ccupatio retorica): que Paulo nao tirón
grande transcendéncia: Deus demonstra proveito pessoalmente, mas sim por intei
seu poder usando instrumentos fracos; a mediários. A resposta, em forma de per
fraqueza é o terreno em que age e se ma­ guntas retóricas, expressa indignaqáo dian
nifesta a força de Deus: ver o exemplo de te de semelhantes insinuares.
Gedeáo (Jz 6,14-16 e 7,2-7). A idéia, se- 12,20-22 Expressar o temor é uma ma-
nâo a fórmula, é corrente nos salmos de neira oblíqua de denunciar uma situarán
súplica. Paulo reforça o ensinamento com presente e, ao mesmo tempo, uma exorta
um paradoxo lapidar. ijao a remediar quanto antes. Oito produ
12.12 O trio “sinais, prodigios e mila­ tos ingratos brotam nessa comunidade c
gres” mostra que Paulo também foi tau­ ameagam destruí-la. Se para quando ele
maturgo em Corinto: esses milagres eram chegar nao tiverem remediado, ele sofre-
“sinais” do poder de Deus, que acredita- rá a “humilhagao” correlativa do “orgu
vam o evangelho, segundo a promessa de Iho” que sentia antes pelos corintios. Será
Jesús: Me 16,7; Jo 14,2. como “luto” por pessoas mortas.
12.13 “Ofensa” ou falta de delicadeza
em mencionar a questáo económica. 13,1-10 No anuncio, um tanto ameaga-
12.14 Compare-se com o protesto que dor, da terceira viagem, retorna uma cons­
Moisés faz a Deus, alegando que nâo é tante da teología e espiritualidade paulinas:
547 SEGUNDA CARTA AOS CORINTIOS

\ h-. i|iu‘ continuam em seus pecados seja desqualificado. 8N ada podem os


i imlir, iis outros, eu já o disse em mi­ contra a verdade, e sim a favor da ver-
nti,i ,i cumia visita, e aviso agora ainda dade. 9A legram o-nos de ser fracos,
ni... Mir (Quando voltar, nao terei consi- contanto que vós sejais poderosos. É o
(jniM^ncs, 'visto que desejais um prova que pedim os: que vos restabelegais.
i. i|nr ( l isto fala por meu intermèdio, Com esse fim vos escrevo em minha
|. i|iic para vós nao é fraco, mas pode- auséncia, para que, quando estiver pre­
iimii 'Cois, em borapor sua fraqueza te- sente, nao tenha de usar com severidade
nliii mi l<i crucificado, pelo poder de Deus o poder que o Senhor me concedeu para
..iii i ivo. Da mesma forma nós, se par- construir e nao para destruir.
iilli,milis sua fraqueza, partilharem os
li iiiir de vós sua vida pelo poder de Saudagóes — u De resto, irmáos, ficai
I h ir. Iíxaminai-vos e comprovai se vos alegres, restabelecei-vos, consolai-vos,
. mi',ri vais na fé. Nào conseguís desco­ estai de acordo e em paz; e o Deus do
m í Icsus Cristo em vós? Sinal de que amor e da paz estará convosco. 12Saudai-
mi, i Miperastes a prova. 6Mas espero que vos mutuamente com o beijo sagrado.
M11 mlicgais que eu, sim, a superei. 7Peqo Todos os consagrados vos saúdam. 13A
I I irus que nao fagais nada de mal: nào graga do Senhor Jesús Cristo, o amor de
|i,u.i ostentar minha q u a lific a lo , mas Deus e a comunháo do Espirito Santo
Imii>i que vós ajais bem, mesmo que eu estejam com todos vós.

,. 111istério pascal de morte e ressurreigáo, plo de Jeremías, para destruir e construir


i iiiisumado por Cristo e do qual o apòsto­ (Jr 1,10).
li! participa. Cristo pode sofrer enquanto 13,1-2 E urna a p licad 0 livre da lei das
liiiinem “fraco” (F12,5-8), ressuscitou pelo testemunhas (Dt 19,15) as visitas suces-
poder de Deus (Rm 1,4; ICor 6,14). sivas; como se dissesse: na terceira ven­
Os corintios reconhecem o poder de ce o prazo. Na terceira nao perdoará: ver
i listo, provavclmente nos sinais e prodi­ as visóes sucessivas de Amos (Am 7,1 -9;
gios realizados em seu nome. Em Paulo 8-9).
mí vèem a fraqueza: ou porque sentem falta 13,3 Se sentis em vós o poder ou o se-
iIií um chefe dominador ou porque zom- nhorio de Cristo, tendes de reconhecer sua
batn de sua ineficácia. O apóstolo se verá palavra eficaz na minha.
loriado a fazer urna demonstrado do po- 13,5 Isto implica que o cristáo pode de
ilirr recebido de governo, que age nele e algum modo experimentar e “reconhecer”
l»ir sua aparente fraqueza. Paulo irá dis­ que Jesús Cristo vive nele e na comunida-
posto a iniciar um julgamento segundo a de. A doutrina pode elevar-se a principio
lei judaica (Dt 19,15; ver o exemplo de de vida espiritual.
Samuel em ISm 12); mas antes lhes ofe- 13,8 Trata-se da verdade do evangelho,
iceeapossibilidade de evitá-lo: quefagam e quer dizer que todo o poder do apóstalo
mil exame de consciencia e iniciem a con­ está submetido ao servido do evangelho.
versilo. Desse modo seráo seus próprios 13,11-13 A despedida é excepcional­
liiízes, e o critèrio será a presenta ativa, mente breve, sem mengóes nomináis. Con-
experimentada, de Cristo em suas vidas tém urna das fórmulas trinitárias mais cla­
(ver Rm 2,15-16). Em todo caso, o poder ras do NT, e que entrou como saudagáo na
de Paulo é para construir, nào como o du- liturgia eucarística.
CARTA AOS GÁLATAS

IN T R O D U C O
Galácia nao favorecía a Paulo em sua dialéti. ■</
Em conclusüo, é mais razoável escutui
Durante o séc. III a.C., tribos indo- em 2,1-10 urna referencia implícita ir
árias seestabeleceram na regiao da Fri­ concilio de Jerusalém.
gia, na Asia Menor central. Povo guerrei- Outro problema sério consiste em
ro e de salteadores: em outraspalavras, harmonizar os relatos de Gl eAt, ou <L
controlavam a rota que ia do Eufrates dar preferencia a um. E multo difícil
ao Mediterráneo e cobravam tributo reconciliá-los, ao menos num ponto: (11
das caravanas. N i Antigüidade eram 1,18-24 e A t 9,26-29. Em outros pon
chamados celtas, g allo i, galos. A mo­ tos, concordam ou nao se opóem. P. ex
derna capital Aneara conserva o anti- Saúl perseguidor Gl 1,13 eAt 8,3; 9, ls;
go nome Ankyra. Derrotados pelos ro­ “vocagáo” Gl 1,15-17 e conversáo Ai
manos (189 a.C.), os galosperderam a 9; viagem a Jerusalém Gl 2,1-10, tal
independencia. No ano 25 a.C., agre- vezA t 11,30 e 12,25. At nao mencíonu
garam-lhes a regido meridional e de- a viagem á Arabía (1,17). Que versan
clararam todo o territorio provincia ro­ corresponde melhor aosfatos? Por um
mana. Temos assim duas entidades: lado, sabemos que Lucas esquematiza
urna étnica, dos habitantes tradicionais com crítéríos teológicos; por outre.
do norte, e outra mista, definida jurí­ Gálatas é um escrito apologético e po­
dicamente por Roma. A que grupo se lémico. Fora de ambos, nao temos ou­
dirige a carta ? Paulo costuma usar a tras fontes, razáo por que a questáo
denominagáo romana. Talvez esta ques- continua disputada.
táo, debatida por eruditos, nao seja Sobre as circunstancias da carta, ti
decisiva para compreender a carta. ramos toda a nossa ínformaqáo da pro
pria carta. Ñas comunidades da Ga­
Paulo na Galácia lácia, em sua maioria de matriz paga,
apresentaram-se uns judaizantes pn
Segundo osAtos dosApóstolos, Pau­ gando que os cristáos, para salvar-se,
lo esteve na “regiao gálata ” e atraves- tinham de circuncidarse e observar cer­
sou-a em tres ocasióes: 13,13-14,27; tas prescriqoes mosaicas. Correlativa­
16,1-5; 18,23. Na zona meridional p a ­ mente, tentavam desacreditar Paulo,
rece que fundou algumas igrejas, ñas sua eondiqáo de apóstolo e sua doutri-
quais predominavam os pagaos conver­ na. Semelhantes ensinamentos provo-
tidos; pois, segundo o esquema repeti­ caram urna crise grave nessas igrejas
do por Lucas, os judeus rejeitaram Pau­ jovens, ñas quais nao poucos se deixa-
lo e Barnabé. vam convencer pelas razóes dos adven­
Mais importante é o problema da ticios. Epossível que entre os converti­
dataqáo: antes ou depois do concilio dos houvesse alguns judeus e prosélitos
de Jerusalém (At 15). Os que datam a do judaismo. Podemos suspeitar que sur-
carta antes, aduzem seu silencio sobre gissem discordias no seio da comuni-
o decreto e o episodio do confronto com dade. A teoría que identifica os adven­
Pedro. O argumento do siléncio é fra- ticios com gnósticos ou com libertinos
co em si, pelo alcance limitado de tal é fruto de isolar e desorbitar certos da­
decreto, e pode voltar-se contra, já que dos da carta.
i ih >i >ik ; a o 549 CARTA AOS GÁLATAS

/ a primeira vez que se coloca no mir: para obter no principio o dom da


. i‘t\h)ldrio essa questào.Apalavra lei justiqa, nao valem as obras (cumpri-
nom os nâo figura em l-2T s nem em mento) da lei, vale só a fé em Jesús
Il Hi Ñas cartas aos Tessalonicenses Cristo; urna vez obtida a justiqa e com
■ l'inblema era a parusia, na primeira ela e a filiaqáo de Deus e o dom do
.i.c. i 'orintios (anterior a Gálatas?) os Espirito, o cristáo deve ordenar sua
¡iii>/ilcrnas eram de conduta ética e de conduta para alcanqar a salvaqáo ple­
umiliale. Paulo se encontrava prova- na. Em forma mais breve: as boas obras
\ i Itm■nte em Efeso. Ao receber as noti- nao sao requisito para a justiqa ini­
. /i/s ila Galàcia, se alarma e se indig­ cial, as boas obras sao efeito do dina­
na, porque isso vai frontalmente contra mismo do Espirito.
,i essimela da sua mensagem e da sua Pelo conteúdo principal, nao pela
mlvsiío. Os judaizantes nâo pretendiam situaqño pressuposta nem pelo tom,
./i/i ■os judeus convertidos continuas- esta carta se aparenta estreitamente
m'iii observando a lei, e sim que o spa- com a carta aos Romanos. Pensa-se
i;iios convertidos a adotassem como que foi escrita em Efeso por volta do
ii'i¡uisito de salvaçâo. Com outras pa­ ano 57. A carta, embora apaixonada
in1rus, os pagaos tinham que passar no tom, apresenta urna composiqáo cla­
l'i lo judaismo para incorporarse ao ra e coerente. Eis aqui a sinopse.
, i istianismo. Sem demora ele escreve-
llics urna carta enérgica, com a dureza 1 .1 -1 0 S audagáo e apresentagáo do
i a ternura de quem ama e sofie: “in­ tem a: o ev an g e lh o único.
sensatos!" (3,1); “meusfilhos” (4,19),
I. Parte autobiográfica 1,11-2,21
"irmâos” (4,12.28.39; 5,11).
A carta é urna argumentaçâo vibrante 1 .1 1 -2 4 F o rm a g á o e v o c a ^ á o d e
nn prol da liberdade crista. Antes de P a u lo .
nulo, vai reivindicar seu título e mis­ 2 .1 -1 0 P a u lo e o s o u tro s a p ó s ta ­
sini de apóstolo. Faz isso ad h o m in e m , los: é re c o n h e c id o em su a
ircorrendo a dados e historias autobio­ m issá o .
gráficas: formaçâo, vocaçâo, visita aos 2 .1 1 -2 1 In c id e n te c o m P e d ro e m
cliefes de Jérusalem, incidente com Pe­ A n tio q u ia .
ltro. Se se trata de judaismo, eie é mais II. Parte doutrinal 3,1-4,31
liuleu que todos. Se se trata da lei e da
íscritura, ele sabe argumentar com 3.11-14 L ei e f é : e x p e rien c ia do E s­
mio menos força. pirito , e x e m p lo d e A b raá o .
Os eixos doutrinários da carta sâo 3 ,1 5 -2 2 L e i e p ro m e ssa .
Ici ou fé, lei ou Espirito, lei ou promes­ 3 ,2 3 -4 ,3 1 E s c ra v id a o , filia g á o e li­
b e rd a d e .
sa, liberdade e filiaçâo, instinto ou Es­
pirito. Esses eixos se entrecruzam sem 4 .1 2 -2 0 P a u lo e o s g á la ta s.
4 ,2 1 -3 1 A g a r e S a r a .
confundir-se. A tendendo à oposiçâo,
podemos assinalar: à lei nâo se opôe III. Parte parenética 5,1-6,10
libertinagem, e sim Espirito; nâo é a lei 5 .1 -1 2 L ib e rd a d e c rista .
c sim o Espirito que vence o instinto 5 .1 3 -2 6 G u ia d o s p e lo E sp irito .
(sane); a promessa funda a lei, a lei nâo
6 .1 -1 0 A ju d a m u tu a .
¡mula a promessa; a lei escraviza, a fé
emancipa... (se poderia continuar). Conclusáo e despedida (a u tó g ra fo de
\ tendendo ao processo, podemos resu­ P a u lo ) 6 ,1 1 -1 8
CARTA AOS GÁLATAS

'D e P a u lo , a p ó s to lo , n a o e n v ia d o g e lh o d ife re n te ; 7n á o é q u e se ja oulio


I por hom ens nem no m ead o p o r um
h o m e m , m a s p o r J e s ú s C ris to e p o r
m a s a lg u n s v o s e stá o p e rtu rb a n d o pai >
re fo rm a r o ev an g e lh o d o M essias. 8M .i
D eu s P ai, q u e o re s su sc ito u d a m o rte , se n ó s o u a lg u m an jo d o cé u * v o s anim
2e d o s irm áo s que e stá o c o m ig o , as igre- c ia r u m e v a n g e lh o d if e re n te d aqm I.
ja s d a G a lá c ia : 3g ra g a e p a z d a p a rte de q u e v o s a n u n c ia m o s, se ja m ald ito . ’( <i
D e u s n o ss o P a i e d o S e n h o r J e s ú s C ris ­ m o v o s te n h o d ito e a g o ra re p ito , se al
to, 4q u e se e n tre g o u p o r n o s s o s p e c a ­ g u é m v o s a n u n c ia u m e v a n g e lh o dih
d o s, p a ra tira r-n o s d a p e rv e rsa situ a q a o re n te d o q u e re c e b e s te s, se ja m aldito
p re s e n te , s e g u n d o o d e s e jo d e D e u s 10P o rv e n tu ra p ro c u ro a g ra d a r ao s lio
n o ss o P ai, 5a q u e m se ja d a d a g lo ria p e ­ m e n s, o u a n te s a D e u s? P re te n d o agí >
lo s s é c u lo s d o s sá c u lo s. A m é m . d a r a o s h o m e n s ? M as, se eu quisessp
a g ra d a r a o s h o m e n s , n a o se ria se rv o di
Há som ente um evangelho — 6M a ra - M e ssia s.
v ilh o -m e de q u e tá o d e p re s sa te n h a is
d e ix a d o a q u e le q u e v o s c h a m o u p o r A vocagáo de Paulo — n E u v o s fago
p u ro fav o r, p a ra p a s s a rd e s a u m e v a n - sab e r, irm á o s, q u e o e v a n g e lh o q u e v o \

1,1-5 C ham am a atençâo nesta saudaçào tan cialm ente sua m ensagem libertadora
a am plitude, a énfase com que Paulo afir­ “passam ” a outro (A t 15,24). É quase uma
m a sua vocaçào e missüo divina, com o se ap o stasia a fav o r de um a su p o sta “ boa
tivesse que legitim á-la perante outros. Em noticia” que nao é boa. C om pare-se com
breve espaço, Deus Pai é m encionado très os israelitas da alianza: dando culto a Yhwh
vezes: é ele quem ressuscita seu Filho, quem do éxodo, só que em figura de touro. ( l
tem um designio libertador para nós. De Je ­ evangelho que Paulo prega nao adm ite al
sús se m enciona o título de M essias e seu ternativa; quem tcnta suplantá-lo merecí-
sacrificio, “entregou-se”, expiatorio, “por a c o n d e n a d o sagrada do anatem a, é exe-
nossos pecados” (R m 4,25; lT m 2,6; Tt cráv el. O term o c o rresp o n d e ao hereni
2,14; lJ o 5,19; cf. Is 53,6.12). hebraico, que sugere excom unháo.
Paulo escreve com o apóstolo, de um a co- 1,8 O condicional irreal re fo rja a afir
m unidade a outras com unidades de um a re- ma<jáo. “A njo do céu” ou enviado de Deus
giáo. C om o em outras cartas, a saudaçào reco rd e-se o episo d io de M iq u éias ben
sintetiza e exalta a saudaçào grega, “gra- Y im la e o falso profeta (I R s 22). *Ou
ça”, e a hebraica, “p az” (R m 1,7; IC o r 1,3; enviado celeste.
2C or 1,2; cf. E f 4,17). 1,10 A gradar o auditorio (captado be
N uraa espécie de novo éxodo “nos tira”: nevolentiae) era axiom a da retórica clás
nao M oisés, e sim Jesús C risto, nao a um sica; Paulo renuncia a isso para m anter sua
só povo (“m eu prim ogénito” Ex 4,23), e lib erdad e de denuncia. P ara ag rad ar ao
sim a m uitos, nao do Egito, m as de um ouvinte escraviza-se ao gosto alheio e trai
“m undo” dom inado pela m aldade ou pelo a m ensagem : “eu o odeio porque nao me
M au (cf. o P ai-nosso, M t 6,13). O tem a da profetiza o b em ”, dizia o rei de Israel acer
libertaçâo é central na carta. ca do profeta M iquéias ben Y im la (IR s
1,6-10 Sem dilaçôes, saltando a costu- 22); v er tam bém o cham ado testam ento de
m eira açâo de graças, ataca o assunto, que Isaías (Is 30,10). Parece-se m ais com os
considera capital. Tentam falsificar o evan­ profetas do AT (Jr 15,19; M q 3,8).
gelho auténtico. N âo é “outro”, porque nao 1,11-12 Dáo-nos aproxim adam ente e em
elim inam a C risto; m as ao deform ar subs- ordem inversa a com posigáo da carta. O
5 5 1 CARTA AOS GÁLATAS

ut.......... mio e de orig em h u m an a ; 12p o is d e p o is v o lte i a D a m a s c o . 18P a s s a d o s


u h i ....... cccb i n em a p re n d i d e u m h o - trè s a n o s, su b i a J e ru s a lé m p a ra c o n h e -
it 11 ni i ni-. Jesu s C risto o rev elo u a m im . c e r C e fa s, e fiq u e i q u in z e d ia s c o m ele.
'ii m r .l e s Calar d e m in h a p re c e d e n te 19D o s o u tro s a p ó s to lo s n a o v i s e n á o
, ululili.i no ju d a ism o : eu p e rs e g u ía v io ­ T ia g o , o p a re n te d o S e n h o r. 20Isso q u e
li ni.im riile a ig reja de D e u s, te n ta n d o v o s e sc re v o c o n ste d ia n te d e D e u s que
il. .imi la; l4no ju d a is m o eu s u p e ra v a n ao m in to . 2IM a is ta rd e m e d irig i à re-
linl<i-, ir, m eus p a tric io s de m in h a g e ra - g iá o d a S iria e da C ilíc ia . 22A s ig re ja s
t.iin. ein m eu fe rv o ro so z e lo p e la s tra- c ris ta s d a J u d é ia n a o m e c o n h e c ia m
,Iimh", ile m e u s a n te p a s s a d o s . 15M a s, p e ss o a lm e n te ; 23só tin h a m o u v id o c o n ­
•|u.i1 1 <li ) eie m e se p a ro u a in d a n o v e n tre tar: aq u ele q u e a n tes n o s p e rse g u ía , a g o ­
Militi ino e m e c h a m o u p o r p u ro fav o r, ra a n u n c ia a b o a n o tic ia d a fé q u e a n te s
li ii por b e m u’re v e la r-m e se u F ilh o , te n ta v a d e stru ir; 24e p o r m in h a c a u sa
!ili i.i i|iie eu o a n u n c ia sse a o s p a g a o s, d a v a m g lo ria a D eu s.
H iinliatam ente, ao in v é s de c o n s u lta r
...... i ni a lg u m l7ou de s u b ir a J e ru sa - Paulo e os outros ap óstolos —
kin p ara v is ita r o s a p ó sto lo s m a is a n ti-
gus i|iie eu , re tire i-m e p a ra a A ra b ia e
2 !P a ss a d o s c a to rz e a n o s, su b i d e n o ­
v o a Je ru sa lé m c o m B a rn a b é e le v a n d o

tviingelho de Paulo nao procede de h o ­ 1,15-17 E leíto com o Jerem ías (Jr 1,5)
mi us (j)ara anthropou 1,13—2,21), nào è antes de nascer, em bora ch am a d o tarde.
i.i cundo os hom ens (kata anthropon 3,1— Isso significa que toda a etap a an terio r
ii. 1(1); irá com provà-lo com dois argum en- tem sentido e fica e n g lo b ad a num p ro je­
lii-. ila Escritura tom ados do ciclo de A braào to divino, e que sua vocaçâo deve ser urna
{iiila graphen 3,6-9 e 4,21-31). ruptura significativa, exem plar: o com eço
Nào é de caráter h um ano, nao è um da etapa decisiva e prevista. E ssa m udan-
Imi nanismo nem urna doutrina ou escola fi­ ça é realizada p or um a revelaçâo da pes-
li isofica entre outras da época. Tampouco soa de Cristo: um a cristofania. Jesús de
|iioccde de traditilo rabínica, diz o discípulo N azaré nâo é um proscrito, e sim o Filho
ile (lamaliel (At 5,34-39; 22,3). Tampouco de Deus. Essa revelaçâo é ao m esm o tem ­
|uocede da tr a d ito sapiencial, mas è de estir­ po sua vocaçâo com o m ensageiro para os
pi- profètica, por revelaijào (cf. Is 50,4). pagaos.
1.13-21 C om o se transform ou em eris­ Paulo quer sublinhar aquí sua indepen­
imi o fariseu perseguidor? Q ue postura ado- dencia de fontes hum anas, sua dependen­
liixam diante dele as autoridades cristas de cia direta de Jesús. D eve-se co n fro n tar es­
lerusalcm? Sua controvèrsia com Pedro: tes parágrafos com a versáo de Lucas em
1,13-24; 2,1-10; 2,11-21; A t 8 -9 . A t 9 e 15. N ada sabem os de sua estada na
1.13-14 “Judaism o” designa a co n cep ­ A rabia: dedicado à m editaçâo e à ascese?
t o doutrinal, a espiritualidade e o modo (com o Elias ju n to à torrente de C arit, lR s
oficial de proceder dos ju d eu s de entào. É 17). D iríam os que os très anos na A rabia
urna form a posterior, cristalizada, da reli- equivalem ao tem po dos apóstolos na com-
j.>iao e religiosidade de Israel. De algum panhia de Jésus.
modo se opoe à “com unidade de D eus” 1,18 “C onhecer P edro” : p o r interesse e
ou Igreja; Paulo exacerba a distin§ào e consideraçào, nào para aprender dele o que
oposigào (A t 22,3-5). A s “tradigoes pater­ o próprio C risto ¡he ensinou. T iago é o
nas” abarcam o AT e de modo especial suas personagem im portante e influente de At
interpretagòes oficiáis, dos doutores letra­ 12,17; 15,13; 21,18.
dos, rabinos (cf. Mt 15,2-6; FI 3,5-6). Seu 1.23 A “ fé” vai ser co n ced o central na
cham ado foi repentino e extrem o, m uito carta.
mais que o de A m ó s (A m 7 ,14 -1 5 ). O 1.24 E um a constante ao co n clu ir redu-
“zelo” corresponde ao D eus “zelo so ” (Dt zindo tudo à gloria e louvor de D eus.
4,24 par.) e podia inspirar-se em m odelos
com o Finéias ou Elias (N m 25; IR s 18), 2 ,1 -1 0 O evangelno de Paulo, recebido
invocado por M atatías ( lM c 2,24-27). por revelaçâo ¡m ediata e pessoal, foi re-
CARTA AOS GÁLATAS 552

c o m ig o T ito . 2S u b i s e g u in d o u rn a rev e- im p u se ra m n ad a. 7A o c o n trà rio , i m |


lagáo. E m p articu lar, ex p u s a o s m a is a u ­ n h ec e ra m que m e haviam co n fiad o :in 11 1 M
to riz a d o s o e v a n g e lh o q u e p re g a v a ao s c ia r a b o a n o tic ia a o s p a g a o s , av.im
p a g a o s, p a ra q u e n a o se to rn a sse in v á ­ c o m o P e d ro a o s ju d e u s ; 8p o is aqm •
lid o o c u rs o q u e h a v ia m se g u id o e q u e q u e a ss istia a P e d ro e m se u a p ó s to ln d l
eu se g u ía . 3N e m s e q u e r m e u c o m p a - c o m o s ju d e u s , a ss istia a m im n o ñu ii
n h e iro T ito , q u e e ra g re g o , fo i o b rig a - c o m o s p a g a o s. yE n tá o T ia g o , C e la s i
do a c irc u n c id a r-se . A q u e stá o se d e- J o á o , c o n sid e ra d o s o s p ila re s, re c o n in i
v e u a fa lso s irm á o s, in tru so s , q u e se c e n d o o d o m q u e m e fo ra feito , aperiu
in filtra ra m p a ra e sp ia r a lib e rd a d e q u e ra m a m á o a m im e a B a rn a b é em siimi
eu g o z a v a g ra g a s a C risto Je s ú s, e p re- d e s o lid a rie d a d e , p a ra q u e n ó s n o s oí u
te n d ia m e s c ra v iz a r-n o s. 5E u n ao ced i p á ss e m o s d o s p a g a o s e e le s d o s ju d e m
um m o m e n to n e m m e su b m e ti, p o is ti- lüS o m e n te p e d ira m q u e n o s lem brásM '
n h a q ue m a n te r p o r v o s a v e rd a d e da m o s d o s p o b re s, q u e stá o q u e m e esleí
b o a n o tic ia . 6Q u a n to a o s “ re s p e itá v e is ” c e i p o r cu m p rir.
— até q u e p o n to o fo ssem n a o m e im ­
po rta, p o is D e u s n a o é p a rc ia l c o m os Paulo enfrenta Pedro — l ’Q u a n d -
h o m e n s —- e s s e s re s p e itá v e is n a o m e C e fa s c h e g o u a A n tio q u ia , eu o enfivn

conhecido pelas autoridades apostólicas de 2.5 C om pare-se com a atítude firm e d<>
Jerusalém (A t 15,2). profeta: Mq 3,8.
2.1 B arnabé era de casta levítica, Tito 2.6 “ R esp eitáv eis” : nao p o r critèrio',
representava o convertido puro do paga­ hum anos é assunto que com pete a Den
nism o grego: urna dupla paradigm ática; e (cf. Dt 10,17; Eclo 35,15-16). A s recomen
até provocadora para os leitores da carta. dagoes de A t 15,19.20.29 valiam para co­
2.2 Paulo se apresenta, nao porque o te- m unidades m istas, form adas por cristáos
nham convocado a prestar contas, mas “se­ procedentes do judaism o e do paganism o
guindo urna revelagáo” . Q uer provocar as 2,7-8 A divisáo náo é rígida: Pedro ha
autoridades a um reconhecim ento oficial, vía batizado C ornélio, Paulo pregava na
nao porque duvide, m as porque nao duvi- sinagogas judaicas.
da do seu evangelho. A “revelaqáo” o fez 2.9 Fica sancionada a validade do apus
com preender a conveniencia da aceitagao tolado entre os pagáos e se afirma a vocaçào
eclesial, com o garantía para ele e tam bém universal crista. M ais força que a autori
para seus convertidos. B usca-o por causa dade, tem nesse m om ento a “ solidarie
da situ arán criada pelos “falsos irm áos” dade”, que se expressa no gesto de apertar a
com suas acusagóes e insinuagoes. N ao máo. O episodio pessoal fica superado.
pode aceitar que essas intrigas váo frus­ 2.10 A esta recom endaçâo responde a
trar o realizado e o pendente. A dem áis, era grande coleta (A t 11,29; 24,17; Rm 15,15
preciso evitar urna divisáo da Igreja nas­ 18; lC o r l 6 ,l ; 2C or 8 -9 ).
cente em ju d eu s cristáos e pagaos cristáos. 2,11-21 O episodio de A ntioquia com ­
2,4 Da m áo de Tito e diante dos falsos plem enta e confirm a a conclusáo anterior
irm áos, entra em cena a grande oposigáo A n tio q u ia foi im portante com o base dt
da carta: a liberdade crista frente à escra- expansâo do evangelho; ai se cunhou o ad­
vidào sob a lei (3,23; 4,5; 5,1-3). A liber­ jetiv o “cristáo”. E vocando urna controvèr­
dade crístá é parte essencial de um “evan­ sia pública com Pedro, Paulo introduz urna
gelho autèn tico ” . Tito se apresenta com o sintese de seu pensam ento sobre a salva
prova viva da liberdade crístá, contra as çào do hom em pela fé e náo pelas obras
exígéncias dos que tentam im por a circun- A quele que era pecador e culpado, seni
cisáo e suas conseq ü én cias com o cam i- m éritos próprios è restabelecido num a si
nho n ecessàrio para a salvagáo. É bom tuaçâo de filiaçào divina e am izade com
recordar a im p o rtan cia da circuncisáo na D eus. N áo se justifica, porque o pecado
lei, que a faz rem ontar a A braáo (G n 17; náo tem ju stificaçâo ; náo se reivindica,
nao se m enciona no texto de Is 56, que se porque náo há urna inocéncia caluniada
anula). que reivindicar. Pelo perdáo ou graça ou
553 CARTA AOS GÁLATAS

1.1 ih. il.u n e n te , p o is e ra c e n s u rà v e l. m a s p o r c re r e m Je sú s C risto ; n ó s e re ­


' ‘ \ 1 1 1 ' . 11 no v ¡esserti a lg u n s d a p a rte de m o s em C risto Je s ú s p a ra o b te r a ju stig a
11 1 1•- > rie c o s tu m a v a c o m e r c o m os p ela fé em C risto , e n a o p o r c u m p rir a
Hii|j tir., q u an d o c h e g a ra m , ele se retra ía lei, p o is p e lo c u m p rim e n to d a le i nin -
• ■■ ¡il.i■.1:iva p o r m ed o d o s ju d e u s . I30 s g u é m ob térn a ju stig a . 17O ra, se n ó s que
Mulin i p id e u -c ristà o s c o m e c a ra m a fin ­ p ro c u ra m o s e m C risto n o ssa ju stig a , nos
titi ■'m u) eie, a tal p o n to q u e ta m b é m re v e la m o s ta m b é m p e c a d o re s, C risto é
Il . se d eix o u a rra sta r ao fin g im e n ­ u m a g e n te d o p e c a d o ? D e m o d o n e-
to "< )u.indo vi q u e n ao a g iam re ta m e n - n h u m . l8P o is, se c o m e g o a re c o n stru ir o
ii (’mulo a v e rd a d e d o ev a n g e lh o , dis- q u e h a v ia d e rru b a d o , m o s tro q u e sou
.. ,i IVilro na p resen g a de to d o s : S e tu, transgressor. 19P o r m eio da lei m o rri p ara
>|in i", |u d e u , v iv e s d e m o d o p a g a o e a lei, a fim d e v iv e r p a ra D eu s. F u i c ru ­
mi. pideu, c o m o o b rig a s o s p a g a o s a c ific ad o c o m C risto , 20e já n ao sou eu
» i m i corno ju d e u s ? q u e v iv o , m a s é C risto q u e v iv e em m im .
E n q u a n to v iv o na c a rn e m o rtal, v iv o de
Imk'iis e pagaos se salvam pela fé — fé n o F ilh o d e D eu s, q u e m e a m o u e se
' N us, ju d eu s de n ascim en to , nào p ag ao s e n tre g o u p o r m im . 2'N a o a n u lo a graga
I» i adores, lfisa b e m o s que o h o m e m nao de D eu s, p o is se a ju stig a fo sse o b tid a
iihli in a ju stig a pela o b se rv a n c ia d a lei, p e la lei, C risto teria m o rrid o em váo.

íinislia, deixa de ser culpado, fica reabili- 2,16 A frase final, que soa com o cita-
imlii, cancela-se sua divida, anula-se sua gáo, nao se le literalm ente no AT; aproxi-
i niidenaçâo. A única condiçâo é a adesáo m am -se déla SI 143,2 e textos sem elhan-
un íé no M essias, que com sua m orte sal- tes de Jó. O fracasso da lei está indicado
vii o hom em . E m penhar-se por conseguir no Salm o 19, depois de cantar suas exce­
i salvaçao por m éritos próprios é tornar lencias; note-se a form a concessiva: “aín­
Imil¡I e inválida a m orte de C risto. da que teu servo se esclarega e obscrvá-la
l udo isso se jo g av a na conduta h ipócri­ traga grande proveito...”
ta ile Pedro e de outros. Pela m orte subs- 2,18-19 A argum entagáo está com prim i­
iniiliva de C risto, o fiel m orre com C risto da. “D erru b ei” a lei p ara salvar-m e por
an pecado e à lei, e com eça a viver com a C risto apenas; se agora declaro que neces-
vula recebida de C risto; por isso C risto sito da lei para salvar-m e, reconstruo o que
vive nele. derru b ei e co n fesso que C risto nao me
2,11-14 A lei e as tradiçôes separavam valeu, pois m e deixou em estado de peca­
us judeus com urna barreira de prescriçôes do. “U m constrói e outro derruba: que o u ­
ilc pureza legal, para que nao “se co n ta­ tro proveito tira além da fadiga?” (Eclo
m inassent’. Pedro, esquecendo ou d escui­ 34,23).
dando sua experiencia fundam en tal (At 2.19 O eu de quem fala é pessoal e exem-
10-11), por m edo de judaizantes adv en ti­ plar: Rm 7,6.
cios (ou pelo bem da paz), evitava com er 2.20 Texto discutido. Segundo as cláu­
com os pagaos (tam bém a eucaristía?). sulas penáis da lei, m erece a m orte; ins­
I’aulo denuncia publicam ente sem elhante truido pelo fracasso, em lugar de voltar a
conduta. ela, a abandona, “m orre para ela” , e busca
2,15-21 E xplica sua tese com très opo- a salvagáo em outro lugar, em D eus e na
siçôes básicas e com plem entares: pecado cruz de C risto. Ver Jo 13,1; T t 2,14.
ou estado de inim izade com D eus, é “ju s- 2.21 O sacrificio de C risto foi “entrega
tiça” ou estado de am izade; m orte e vida por am or” e gerou vida ¡m ortal para si e
como conseqiiéncia do anterior; lei e fé para os dem ais. Paulo se une, se identifica
como rneio de obter a “justiça” . C om o fun­ com esse sacrificio, e assim experim enta
do de contraste, seria bom citar num ero­ em si a vida do glorificado, em bora ainda
sos textos do AT que apresentam a lei corno viva pela “fé” e esperanga.
meio de obter a ju stiça e por ela assegurar V amos resu m ir a linha do que vem a
a vida (ver especialm ente Dt). seguir. O evangelho de Paulo nao é “se-
CARTA AOS CALATAS 554

A le i e a fé — 1G á la ta s in s e n s a ­ o fa z p o rq u e c u m p ris a lei ou poii|m|


3 tos! Q u e m v o s e n fe itig o u ? V ó s, a n ­
te cujos o lh o s d e s c r e v e ra m C ris to c r u ­
e sc u ta is c o m fé ? fiP o r e x e m p lo , A l u n h
confiou em D eus e isso Ihe fo i aiun,i,¡,\
cificad o . 2Q u e ro q u e m e e x p liq u e is urna como crédito. 7C o m p re e n d e i q u e I iIIh
co isa : re c e b e s te s o E sp irito p e lo c u m - de A b ra á o sa o o s q u e té m fé. hA I m i i
p rim en to da lei, o u p o r ter esc u ta d o co n i tu ra p re v ia q u e o s p a g a o s o b ten .m i i
fé? 3S o is tao in s e n sa to s ? C o m e g a ste s ju s tig a p e la fé, e a s s im D e u s anti ■ip .
co n i o E sp irito e te rm in á is n o in s tin ­ p a ra A b ra á o a b o a n o tic ia : po r ti tn<hi\
to * ? 4E x p e rim e n ta s te s em v a o * c o is a s as naqóes senio abengoadas. 9A s m i ii ,
táo g ra n d e s ? S e é q u e fo i e m v à o . 5P o is o s q u e c r é e m s a o a b e n g o a d o s ouilt
b em , a q u e le q u e v o s c o n c e d e o E s p ir i­ A b ra á o , q u e te v e fé. 10O s q u e d q n n
to e faz m ila g re s p o r v o ss o in te rm è d io , d e m d o c u m p rim e n to d a lei c a em snl.i

gundo a m edida dos h o m en s” , ao gosto da “carne” , da condigáo hum ana nao vilu
dos hom ens, e sim seg u n d o a E scritura. lizada pelo E spirito de D eus. T a m p o n o >h
Prova-o a ex p erien cia dos G álatas (3,1- dom do “ espirito” depende no AT de ohi .id
5) e o exem plo de A braáo (3,6-18 e 4,21- ou m éritos precedentes, antes pelo coni i,i
31). E ntáo, que v alo r tem a lei? E xplica- rio: pede-o um orante num a oragáo pi
o em 3 ,1 9 -4 ,7 . A o p asso que 4 ,8 -2 0 é um nitencial (SI 51,12-14), prom ete-o um pm
convite a refletir. P or co n seg u in te, nao feta, assegurando “nao o fago por vós, m.m
cabe com p ro m isso en tre lib erd ad e e es- por meu santo nom e” (E z 36,22-28).
cravidáo sob a lei (5,1-12), só que a li­ 3.3 *Ou: em sensualidade.
b erdade se realiza no servigo do am or 3.4 *Ou: táo grave padecer em vào!
(5,13-26). 3,6-14 A rgum enta com binando textos cm
torno de um tem a, para criar ou recriar um
3 - 4 N estes capítulos, Paulo prova sua contexto de significado, iluminado pela n -,
tese com argum entos da Escritura, que ser­ surreigáo de C risto e pela experiencia ci i
ven! para refu tar as p reten só es dos ju d a i­ tá, c colocado em novo horizonte de com
zantes. O m odo de argum entar nao é o m o­ preensáo.
derno, de urna ex eg ese crítica, e sim o A lei acarreta bengáo para o cum prinn n
rabínico da época. Supóe bom conheci- to, m aldigáo para a transgressáo (D t 27
m ento da E scritura no autor e nos d estin a­ 28). C risto, em bora inocente, submetc-se
tarios. E terreno com um de encontro para a urna “ m aldigáo” específica da lei (Dt 2 1,
dialogar ou discutir. Paulo nao considera 23), ser suspenso de um m adeiro, para iu
caduco o AT enquanto E scritura inspira­ validar o regim e da lei. Urna lei, segundo
da; só que o interpreta sob nova luz (cf. a qual um inocente é condenado (Jo 19,7),
2C or 3,15 -1 6 ). T am bém os ju d a iz a n te s nao ficará em vigor. C risto m orre para rus
reconhecem C risto, tam bém Paulo reco- taurar o regim e... Para restaurar o regimi
nhece as E scrituras. de béngáo e prom essa, que só exige acci
tagáo e acolhida com fé (Is 7,7; 28,16
3,1 -5 Servcm de introdugáo, estranha- 30,15). R egim e inaugurado, antes da lei
m ente agressiva e apelando á experiencia em A braáo (Gn 15,6) e é confirm ado eni
dos gálatas, pagaos convertidos. R ecebe- Hab 2,4 (texto favorito de Paulo).
ram o E spirito e os carism as que o m ani- A prom essa feita a A braáo tem outra clá
festavam . A ceitaram a m ensagem da cruz usula de alcance universal (G n 12,3; 18,
(necedade para os pagaos, IC o r 1,23). A 18). Q uem repete a atitude de A braáo liga
“insensatez” consiste em descer da esfera se com ele, é seu descendente, ainda qm
do Espirito, dom divino, á do instinto ou seja de outra raga ou povo. O m érito (di
carne. A qui parece abarcar tam bém o ins­ kaiosyne) de A braáo consistiu em crer em
tinto de conservagáo egoísta, traduzido em Deus, crendo naquilo que lhe prom etía; poi
apegar-se á seguranza por m eio de obras, isso fo i-lh e an tecip ad a urna espécie de
observancias e ritos corporais. Se retornam “evangelho” ou prom essa de paternidade
a urna reügiosidade de obras, podem per­ universal. C risto, carregando a maldigáo,
der o E spirito e ficar na invalidez m ortal livra-nos dela e aplica e estende a todos a
555 CARTA AOS GÁLATAS

......um idirai). P o is e stá e sc rito : Mal- d ig o : u m te s ta m e n to j á o u to rg a d o p o r


Min i/i/r/n nao mantiver o que está es- D e u s n á o p o d e a n u lá -lo u rn a le i q u e
iii,' a,' idiligo da lei, pondo-o em prà- c h e g a q u a tro c e n to s e trin ta a n o s d e p o is,
..... "I i|ue n in g u é m é ju s to d ia n te de in v a lid a n d o a p ro m e ssa . 18P o rta n to , se
II. ir. por c u m p rir a le i c o m p ro v a -s e ; a h e ra n g a v a le em v irtu d e d a lei, já náo
|inii|iii <>justo vivera por crer. 12A o o é em v irtu d e d a p ro m e ssa . D e u s a deu
>tulli .il io, a lei n ao d e p e n d e d a fé, an - d e p re se n te a A b ra á o e m v irtu d e d a p ro ­
ii i i|iicm a c u m p r ir p o r e ia v iv e r à . m e ssa . 19E n tá o , p a ra q u e se rv e a lei?
"( i r , lo, s u b m e te n d o -s e à m a ld ig à o , F o i a c re s c e n ta d a p a ra d e la ta r a s tra n s-
min irsg a to u da m ald ig à o da lei, co rn o g ressó e s, até q u e c h eg a sse o d e sc e n d e n ­
■i.i i escrito: Maldito quem é suspenso te b e n e fic ià rio d a p ro m e ssa ; e fo i p ro ­
,i u n i madeiro. l4A ssim , a b è n g à o d e m u lg a d a p o r an jo s, p o r u m m ed iad o r.
Mii .i.u» p o r m e io d e Je s u s se e ste n d e 20P o rtan to , se a p a rte é u m so m e n te , náo
ni-. p agaos, p a ra q u e p o s s a m o s re c e b e r h á m e d ia d o r; e D e u s é ú n ic o . 21E n tá o a
|n I.i le o E sp irito p ro m e tid o . lei v a i c o n tra a s p ro m e ssa s ? D e m o d o
n e n h u m . S e fo s se d a d a u rn a lei c a p a z
\ lei e a promessa — 15Irm à o s, u sa re i d e d a r v id a , c e rta m e n te p e la lei se o b -
un i . i lin g u ag em c o rre n te : u m te s ta m e n ­ te ria a ju s tiq a . 22M a s a E s c ritu ra in c lu í
ti ilrv id a m e n te o u to rg a d o , a in d a q u e to d o s so b o p e c a d o , d e m o d o q u e o p ro ­
«i'jn por u m h o m em , n in g u ém p o d e an u - m e tid o seja e n treg u e a o s q u e c rè e m p ela
lii lo n em a c re s c e n ta r-lh e n a d a . 16O ra, fé e m Je s ú s C risto .
uh p io m essas fo ra m fe ita s a A b ra á o e a
.(ii.i d e sc e n d e n c ia * : n ao d iz d e sc e n d e n - Escravos e filhos — 23A n te s q u e c h e ­
!('■>, no p lu ra l, m a s n o s in g u la r e a teu g a ss e a fé, é ra m o s p ris io n e iro s , g u a r­
ilrscendente, q u e é C ris to . 17P o is eu d a d o s p e la le i a té q u e se re v e la s s e a fé

licngáo” prom etida a A braáo, a qual se (cf. A t 7,38). Com suas cláusulas, delim i­
condensa no dom do Espirito. ta e perm ite reconhecer os pecados (IR s
■V15-18 Segundo argum ento. Está apoia- 8,46). Com seus conteúdos, vai educando
ilo no duplo valor da palavra grega dia- urna hum anidade crianga. A o m esm o tem ­
llicke, alianga ou testam ento. Paulo tom a po, ao náo ser cum prida inteiram ente, por
n segundo com o equivalente de “prom es- um lado agravava a culpa, pois náo se po­
mi" que dá direito de herdar. No AT se dis- día alegar ignorancia; por outro lado mar-
linguem: urna alianga que equivale a um cava a necessidade de urna salvagáo ra­
i'iimpromisso unilateral que D eus assum e dical. A lei náo anula nem vai co ntra a
(eonstrugáo heqim berit, própria da esco- prom essa.
l,i sacerdotal) e outra que significa um pac­ 3 ,2 2 C onclusáo categórica sobre o d e­
ió bilateral, em bora proposto por iniciati­ signio universal de D eus: Rm 3,11-19.
va de D eus (eonstrugáo karat berit). A
primeira nao se distingue apenas da pro- 3 ,2 3 —4 ,7 Terceiro argum ento. U sa duas
mcssa ou juram ento. Pois bem , urna he- im agens: o cárcere e o tutor (R m 10,4). O
ranga devidam ente outorgada nao é an u ­ cárcere é am biguo: tira a liberdade, mas,
lada por urna leg islarlo posterior. A alianza náo sendo perpétuo, protege a vida. Veja­
ilo Sinai chega séculos depois da prom es- se Paulo, prisioneiro e protegido por urna
sa feita a A braáo, e náo pode anulá-la (Ex escolta rom ana, a cam ínho de C esaréia.
12,40; Rm 4,14). O tutor. N a fam ilia grega, o m enino pe­
Lendo o coletivo “linhagem ” com o sin ­ queño era co n fiad o a escrav o s, que po-
gular (G n 12,7), afirm a que o herdeiro da diam ser cultos e am áveis, e tam bém in­
prom essa patriarcal é Cristo. cultos e cruéis. Q uando chegava a data da
3,16 *Ou: descendente. m aioridade, decidida pelo pai, o filho se
3,19-22 E ntáo, a que veio a lei? Que em ancipava e adquiría todos os direitos,
sentido teve e tem ? A lei tem valor: é dom com o filho e com o herdeiro. A lei foi um
de Deus, outorgado pelo m ediador M oisés tutor durante a m enoridade do povo. Deus
CARTA AOS GÁLATAS 556

fu tu ra. 24D e m o d o q u e a lei e ra n o sso d e rra m o u e m v o ss o c o ra g á o o lìspiill*


p e d a g o g o , a té q u e v ie s se C ris to e rec e- d e seu F ilh o , q u e c la m a : A b b a , Fai IH
b é ss e m o s a ju s tic a p e la fé; 25m a s, ao m o d o q u e n a o és e sc ra v o , m a s I i IIim ,
c h e g a r a fé , já n a o d e p e n d e m o s d o p e ­ se é s filh o , é s h e rd e iro p o r disposi« |
d ag o g o . de D eu s.
:f,P e la fé e m C ris to Je s ú s, so is to d o s 8A n tes, q u a n d o nao conhecíeis a 1
filh o s de D e u s. 27V ó s q u e fo s te s b a- v e n e rá v eis os q u e realm en te nao sa< ><I*ttl
tiz a d o s, c o n s a g ra n d o -v o s a C risto , v o s ses. 9A g o ra q u e re c o n h e c e is a D c u o S
re v e s tis te s d e C risto . 28Já n ao se d is tin ­ m e lh o r, q u e e le v o s re c o n h e c e , p o i m|)
g u en ! ju d e u e g re g o , esc ra v o e liv re, ho- v o lta is o u tra v e z a e ss e s elem ent<>■. 11 1
m e m e m u lh er, p o is c o m C risto Je s ú s e o s e m is e rá v e is ? P o r q u e d e seja is (fl
so is to d o s u m só . 29E se p e rte n c e is a ta r o u tra v e z a v e n e rá -lo s? 10O bsci s , i ) i
C ris to , so is d e s c e n d e n c ia d e A b ra á o , c e r to s d ia s , m e s e s , e s ta g ó e s e ainii
h e rd e iro s d a p ro m e ssa . " T e m o q u e o m e u tra b a lh o p o r v o s ,n J
be em váo.
‘D ig o o se g u in te : e n q u a n to o her-
4 d e iro é m e n o r d e id a d e , ain d a q u e
se ja d o n o d e tu d o , n a o se d is tin g u e do
P a u lo e o s g á ia t a s — 12P o r favor, i ti
lo c a i-v o s e m m e u lu g ar, c o m o cu iti
e sc ra v o , 2m a s e stá su b m e tid o a tu to re s p o n h o n o v o ss o : e m n a d a m e o f c m H
e a d m in is tra d o re s a té a d a ta fix a d a p o r tes. 13S a b e is q u e , q u a n d o v o s animi li>l
seu pai. 3D a m e s m a fo rm a n o s, e n q u a n ­ p e la p rim e ira v e z a b o a n o tic ia , loi - 1
to é ra m o s m e n o re s d e id a d e , é ra m o s o c a s iá o d e u rn a d o e n g a co rp o ral I
escra v o s d o s e le m e n to s c ó sm ic o s. 4M as v o s v e n c e s te s a te n ta g á o d e m e dc-.| mi
q u a n d o se c u m p riu o p ra z o , D e u s en - z a r o u e v ita r m e u c o n tà g io , ao conliM
v io u se u F ilh o , n a sc id o d e m u lh er, n a s- rio , m e a c o lh e s te s c o m o u m m e n s a ) *
c id o so b a lei, 5p a ra re s g a ta r o s sú d ito s ro de D e u s, c o m o a C risto J e s ú s .1 <liuti
d a lei, e n ó s re c e b é s s e m o s a c o n d ig áo fo i p a ra r v o s s a fe lic ita g á o ? Esloti «fi
d e filh o s* . 6E c o m o so is filh o s, D eu s g u ro q u e , se fo s se p o ss ív e l, teru r. i.

assinala urna data na historia e envia seu m em . C om o se Paulo sugerisse qn¡ [■ a


Filho; e nós, unidos a ele (o singular se cavam urna espécie de idolatria da In |t
tom a coletivo), som os filhos e herdeiros 2 , 20 ).
(Jo 1,12; Rm 13,14). O E spirito no-lo faz 4,4 “N ascid o de m u lh er” seg u g i" i
sentir e nos ensina a invocagáo filial pri- 14,1 (ver o contexto). O Filho vcin ")■
m eira “A b b a” (= papai), que contém tudo g atar” escravos da lei, para torna 1« Ii
em germ e; m aturidade depois da infancia, Ihos e herdeiros de D eus (Rm 8, l o i
consciencia depois da ignorancia, liberda- ’“O u: fóssernos adotados como filhos
de depois da escravidáo, esperanza de urna 4,6 Rm 8,15-16.
heranga transcendente. 4,8-11 O paganism o era urna e s c ra v lifl
3,2,8 O enunciado tem um sentido bási­ a deuses que nao o sao: a criaturas <ln ini
co: todos iguais perante D eus, sem distin- zadas ou a fabricagóes humanas. \ . mi
gáo. Tem adem ais urna realizagáo social, versáo ao cristianism o foi urna lilx i 1 1 , tt
com unitària: em v irtude da fé, ju d eu s e (Jr 2,11) que instaurava urna relajan >#§!
gregos (pagaos) com partilham urna mesa e m ùtua com o D eus verdadeiro: l'iHitif I
(A t 10); escravos e senhores sao irm áos cer e ser conhecidos. P assar agora ¡un
(Fm ), hom ens e m ulheres falam e profeti- regim e da lei é urna nova escravidan,. Mk
zam (2C or 11,11-12; cf. F1 4,2-3). Com - agravante.
pare-se com a profecía de J1 3,1-2: o dom 4,12-20 D e repente, Paulo muda <l< imi
do E spirito nao faz distingáo de sexo, ida- e se torna terno, recordando os ti ¡a , Mi
de ou condigáo social. zes do prim eiro am or (ver em oulia <li >t|
Jr 2,1). O doente era visto comu im .a
4 ,3 Segundo alguns, os “elem entos cós­ ou ferido” p or D eus, por isso co n lac iii*
m icos” sao criaturas divinizadas pelo ho- e todos deviam evitá-lo. O s gálalas v eja
557 CARTAAOS GÁLATAS

un u li i o s o lh o s p a ra d á -lo s a m im . 26A o c o n trà rio , a J e ru s a lé m d e c im a é


I'n i .h a so m e to rn e i v o s s o in im ig o liv re e é n o ssa m á e . 27E stá e scrito :
. tii|iii v o s disse a v e rd a d e ? 17A lg u n s Alegra-te, estéril, que nào davas à luz,
mí i m icjam *, n ao c o m b o a s in te n ç ô e s, rompe a cantar de júbilo aquela que
•i i | mi a que v o s a fasteis, a firn d e cor- nao tinha dores,
11 li i ' l i sem p re g ra tific a n te re c e b e r porque a abandonada terá mais fi­
•li n ó n ", sinceras e n a o so m e n te quan- lhos que a casada.
i,n iimi convosco. 19M e u s filh in h o s, aos 28V o s, irm áo s, c o m o Isaac, sois filh o s
¡M'ii 'Imi no v am en te à luz, até q u e ad- d e u rn a p ro m e ssa .
jiilini'. .i figura de C risto, 20q u isera estar 29P o ré m , c o m o n a q u e le te m p o o n a s-
(; iiii i onvosco, p a ra m u d a r o to m de c id o n o rm a lm e n te p e rs e g u ia o d a p ro ­
ni | h h s nâo sei o q u e fa z e r c o n v o s c o . fe cía , a ssim a c o n te c e h o je . 30M a s o q u e
d iz a E sc ritu ra ? Expulsa essa criada e
i(iin c Sara — 21D iz e i-m e , v o s q u e seufilho; o fillio dessa escrava nao re­
.......... M ibm eter-vos à lei: n â o o u v is o partirá a heranga com ofilho da livre.
..... . .i Ici? 22E stá e s c rito q u e A b ra â o -’'P o rta n to , irm á o s, n áo so m o s filh o s d a
-n ilius filhos: u m d a e s c ra v a e o u tro e sc ra v a , m a s d a liv re.
■ li' h ’ 'O da e s c ra v a n a sc e u n a tu ra l-
i l i l il c , o da liv re em v irtu d e d e u m a ’P a ra se r liv re s, C risto n o s lib e rto u :
iMhiiii v„i. 24T ra ta -se d e u m a a le g o ria
i " n | 'iesen ta d u as a lia n ç a s. U m a p ro -
5 m a n te n d e -v o s , p o is, firm e s , e n á o
v o s d e ix e is p re n d e r d e n o v o ao ju g o d a
mli ilo m onte S in a i e g é ra e sc ra v o s: é e sc ra v id á o .
\(jiii Sinai é u m a m o n ta n h a da A rá b ia
)iii i ni icsp o n d e à Je ru s a lé m a tu a l, q u e Liberdade crista — 2V ede: eu , P a u lo ,
t*. • i o u i se u s filh o s e m e s c ra v id á o . v o s d ig o q u e se v o s c irc u n c id á is, C ris-

*mili pieconceitos hum anos e religiosos, tida à escravidáo (ou vassalagem política?)
"Un (¡mi Paulo fraco com o a C risto (M t e um a Jeru salém transcendente, celeste,
líl HI) Se Ihes disse verdades am argas, é destinatária da prom essa de Is 54,1-3.
in i| .mu ii. ao passo que outros os cortejam E nquanto m ontanha sagrada, Jerusalém
|f | .’.S.23; 29,5; SI 5,10) por interesse. equivale ao Sinai, m ontanha da lei; en ­
I I / +( )u: cumulam-vos de atengóes. quanto m orada dos descendentes de A gar,
I l'< A imagem maternal para um apòsto­ é lugar de escravidáo.
li Hl|n (• enraum: com pare-se com a queixa 4,21 A rgum enta ad hominem, passando
• Mm-.cs (Nm 11,12). O apóstolo dà à luz de lei = instituigào a lei = Escritura.
mu .lui e amor e assiste ao crescim ento e 4,26 U m a longa e rica tradigáo crista
|ti|iiini,,n>” do cristáo à imagem de Cristo. proclam a e canta a M áe Igreja.
4 ' I ' 1 O quarto argum ento, m ontado 4,29 A B iblia nào fala de tal persegui-
biIh. 11111: 1 liansposicáo “alegórica” de íex- cao, e sim a tradigáo rabínica; o texto bíbli­
111 « liihlieos, é quase desconcertante para co diz que Ism ael brincava com seu irmáo-
■Mi i i n in n a fosse válido para intérpretes zinho Isaac (G n 21).
l i ha 1 I.1 -.na época. Ponto de partida é o
i* |.iii. -,ulne os filhos de A braáo (segundo 5,1 C om o conclusáo do que precede e
Mu Mu ' I ). O com entarista apura as opo- introdugáo ao que se segue, soa éssa frase
íl^ii n r nlagóes. Sara, esposa legítim a e lapidar, um dos grandes aforism os cristáos
i|in 1 .leiil, m ilagrosam ente dà à luz um de Paulo (Jo 8,32.36). O escravo de alguérr
IIII111 livie, Isaac. A gar, concubina escrava, pode ser com prado por outro para ser guai
Mn In.- um íilho escravo, Ism ael, o qual é dado — m udanga de am o, náo de condi
; t i l i i i ' l i 1 ila lieranga e expulso. A s figuras gáo — , ou pode ser resgatado e posto em
( t l i ii i ii i iu - . ile A gar e Sara, Paulo sobrepóe liberdade. Tal é a agáo de Cristo.
I |n 1 ii >1 1 1 1u agáo c làssica de Jeru salém 5,2-6 A conseqiiencia é um a opgáo en­
u m ........inarca e esposa de D eus. Só que tre dois sistem as inconciliáveis: circunci-
II un,.,...... na Jerusalém em pírica, subm e- sáo m ais lei, ou C risto m ais Espirito, obras
CARTA AOSGÁLATAS 558 i
to de n a d a v o s se rv irá . 3E u v o s a sseg u - de; m a s n a o to m é is a lib e rd a d e c o ....
ro de n o v o q u e q u e m se c ir c u n c id a r e s­ e stím u lo d o in stin to ; a n te s, serv i un-. .ui|
ta rá o b rig a d o a c u m p rir in te g ra lm e n te o u tro s p o r am or. 14P o is to d a a lei se nnn
a lei. 4V ó s q u e p ro c u rá is a ju s tig a p e la p re co m u m p re c e ito '.Amarás teu pnim
le i ro m p e s te s c o m C ris to e c a ís te s na mo como a ti mesmo. 15M a s atengAnl
d e sg ran a. 5Q u a n to a n ó s, p e lo E sp irito S e v o s m o rd é is e d e v o rá is m utuam eli
e p e la fé, e sp e ra m o s a ju s tig a d e se ja d a . te, a c a b a re is c o n s u m in d o -v o s todos
6S en d o de C risto J e s ú s, n a o im p o rta e s­ I6E u v o s re c o m e n d o q u e a ja is seguii
ta r ou n a o c irc u n c id a d o s ; o q u e c o n ta é d o o E sp irito e n ao e x e c u te is os desü|<n
urna fé a tiv a d a p e lo am o r. d o in stin to . 17P o is o in s tin to te m dosel
7C o rríe is m u ito b em : q u e m se inter- jo s c o n trá rio s a o s d o E s p irito , e o Espi
p ó s p a ra q u e n ao s e g u ís s e is a v e rd a d e ? rito te m d e se jo s c o n trá rio s a o s do iir.
8A q u e le q u e v o s c o n v e n c e u , n a o v e m tin to ; e tá o o p o s to s sá o q u e n a o fazo!»
d a q u e le q u e v o s c h a m o u . 9U m a p ita d a o q u e q u e re is. 18M a s, se o E sp irito vo .
d e fe r m e n to f e r m e n ta to d a a m a s sa . g u ia , n ao e stá is su je ito s à lei. A s agóri
10C o n fio n o S e n h o r, q u e n a o m u d a re is d o in s tin to sa o m a n ife s ta s i fo rn ica rá n ,
d e a titu d e. M as, a q u e le q u e v o s in q u ie ­ in d e c e n c ia , d e v a s s id à o , 20id o la tria , leí
ta, se ja q u e m for, a rc a rá c o m a p ró p ria timaría, in im iz a d e s, rix a s , in v e ja , cólo
sen ten g a. u Q u a n to a m im , irm á o s, se ra, am b iq a o , d is c o rd ia s , fa c g ó e s, 21cin
a in d a p re g o a c irc u n c is á o , p o r q u e m e m e s, b e b e d e ira s , c o m ila n g a s e coisa',
p e rs e g u e m ? A c a b o u -s e o e sc á n d a lo da s e m e lh a n te s. E u v o s p re v in o , c o m o j . i
cru z! 12M a s e ss e s q u e v o s su b le v a m , v o s p re v e n i, q u e q u e m p ra tic a isso nào
q u e se m u tile m * c o m p le ta m e n te . h e rd a rá o re in o d e D e u s.
22P e lo c o n trà rio , o fru to d o E sp irito <
G uiados pelo Espirito — 13V ó s, ir­ a m o r, a le g ría , p a z , p a c ie n c ia , am abili
m á o s, fo s te s c h a m a d o s p a ra a lib e rd a - d a d e , b o n d a d e , fid e lid a d e , 23m o d éstia

ou fé (IC o r 7,19). M as a fé é um dinam is­ cagáo abusiva. A liberdade náo é limitada,


mo que póe em m archa o amor. A vida cris­ nem é o valor suprem o: está lim itada pele
ta nao exclui as obras: ela as concentra no am or m utuo, síntese de toda a lei (M t 7,12;
am or fraterno e as olha com o frutos que Lv 19,18).
brotam da fé; nao com o m éritos, em vir- 5,16-18 Paulo nao diz: ou lei ou liberti
tude da qual o hom em se salva p or suas nagem; e sim: ou lei ou Espirito. E também
forças. A fé ativa a caridade, é ativa pela ou Espirito ou instinto. A lei se encontra na
caridade (ver vv. 12-15 e 22-23). esfera do instinto: tenta dom iná-lo e náo o
5,7 Imagem desportiva (com o IC or 9,24). consegue. O espirito é um dinam ism o in­
5,9 R efráo ju d aico (IC o r 5,6). A plica­ terno (Rm 8,14; a lei é extem a) e é mais
do ao caso presente, pode m ostrar que os exigente que a lei. Veja-se a exposigáo em
agitadores sáo urna m inoría; ou avisam Rm 7,15-23.
que, se dáo entrada a u m a pitada, podem 5,19-22 Catálogos de vicios se encontram
corrom per-se totalm ente. em outras passagens de Paulo (Rm 1,29
5.11 C ondicional irreal. O fato de ser 31; IC o r 6,9-10) e na cultura da época. Nem
perseguido pelos ju d e u s d em onstra que o número é significativo, nem cada concei
nao prega a circuncisáo (IC o r 1,23). to é preciso; destacam -se os itens concer
5 .1 2 R e flex á o sa rc á stic a , p o rq u e os nentes á sexualidade e á concordia. No AT
“castrados” estavam excluidos da assem - le m o s alg o s e m e lh a n te ñ as ch am a d as
bléia cultual (D t 23,2). T am bém poderia “ liturgias de entrada” ou acesso ao templo
aludir à castraçâo ritual dos sacerdotes de (SI 15; 24). Em lugar de tem plo, Paulo fala
A tis ou C ibele na regiáo. *Ou: castrem. do “reino de D eus”, com a linguagem dos
5 ,1 3 -1 5 N áo é p re c iso su p o r que os evangelhos.
judaizantes ou outros g rupos pregassem a 5,22-23 O catálo g o das v irtudes de uma
libertinagem (lP d 2,16). E lógico, pregan­ co m u n id ad e cristá p arece m ais cuidado,
do a liberdade, p recav er contra sua apli- p o r sua in sisten cia no que se refere ao
I II 559 CARTA AOS GÁLATAS

«tiiimloinínio. C o n tra is so n a o h á lei. p a ra o in stin to , d o in s tin to c o lh e rá c o r­


'I i’i que sao d e C ris to c ru c ific a ra m o r u p t o ; q u e m se m e ia p a ra o E sp irito ,
lililí uto c o m su a s p a ix o e s e d e se jo s. d o E s p irito c o lh e rá v id a e te rn a . 9N áo
"Si- v iv em o s p e lo E sp irito , sig a m o s o n o s c a n s e m o s d e fa z e r o b e m , p o is a
I ii|Miilo; 2l’n áo se ja m o s v a id o s o s, p ro - se u d e v id o te m p o c o lh e re m o s se m fa-
mi , 11 lores, in v e jo so s. d ig a . 10P o rta n to , e n q u a n to se o fe re c e
o c a s iá o , fa g a m o s o b e m a to d o s, e s p e ­

6/Vjuda mutua — 'I r m á o s , se a l-


f iiém é s u rp re e n d id o n u m d e lito ,
v1 in, i is espirituais, corrigi-o co m m o d és-
c ia lm e n te á fa m ilia d o s fié is.

Conclusáo e despedida— " V e d e q u e


llii No e n ta n to , v ig ia a ti m e s m o , p a ra le tra s g ra n d e s , e sc rita s c o m m in h a p ró ­
ijiir lam b ém n a o se ja s te n ta d o . 2C ar- p ria m á o . 12O s q u e q u e re m fa z e r b o a
ii'^ni o s fa r d o s d o s o u tr o s , e a s s im fig u r a e x te r n a m e n te , s a o o s q u e v o s
i im iprireis a lei de C risto . 3P o is q u e m o b rig a m a v o s c irc u n c id a r; e o fa z e m
lililí ser a lg u m a c o isa , nao se n d o n a d a , ú n ic a m e n te p a ra n a o se re m p e rs e g u i­
iiiif ana a si m e sm o . 4C a d a u m e x a m in e d o s p o r c a u sa d a c ru z d e C risto . l3P o is
«mi c o n d u ta, e en tá o a sa tisfa g á o se rá n e m o s p ró p rio s c irc u n c id a d o s o b se r­
«un, sem d e p e n d e r d e ou tro s. 5P o is c a d a v a ra a lei; m a s q u e re m c irc u n c id a r-v o s
mu c a rre g a se u p ró p rio fard o . 60 c a te ­ p a ra se g lo ria re m d e s u b m e te r-v o s ao
cúm eno dev e rep artir seu s b en s co m seu rito c o rp o ra l. 14Q u a n to a m im , D e u s m e
iiilequista. 7N á o v o s ilu d áis: d e D e u s liv re d e g lo ria r-m e , a n a o se r d a c ru z
uno se z o m b a . O q u e alg u é m se m e ia , d e n o ss o S e n h o r Je s ú s C risto , p o r q u em
luso m e s m o c o lh e r á . 8Q u e m s e m e ia o m u n d o e stá c ru c ific a d o p a ra m im e

niiior. A lei nada tem a objetar contra essas duta. E sse é o fardo do hom em , responder
iililudes, e nao poderá acusar quem as cul- por suas agóes, no que ninguém pode subs-
llva (lT m 1,9). tituí-lo.
5,24 A “m ortificagáo” de que fala tem 6,6 E spécie de rem uneragáo pelo tem ­
romo objeto “o instinto com suas paixóes e po e trabalho dedicados (IC o r 9,11.14).
ilcsejos” ; podem os cham á-la mortifieagáo 6 ,7 -9 C om p ro v érb io s do m undo ag rí­
Interior, radical. Nao se refere diretamente a co la (cf. Pr 22,8; O s 8 ,7) apresenta a pro-
|KMiiténcias corporais. Tal mortifieagáo ga- jeg á o e sc ato ló g ica do ex p o sto . N o te rre­
llha sentido cristáo com o imitagáo e parti- no do instinto b ro ta a corrupgáo, porque
eipagáo na paixáo de Cristo. Cf. Rm 6,7; o E sp irito nao o v iv ific a ; no te rre n o do
8,13; C1 3,5. E sp irito b ro ta v id a p e rp é tu a , d e fin iti­
va. A s o b ras in s p ira d a s p e lo e s p irito de
6,1-10 C om o em outras cartas, acres- fé e a m o r nao sao in ú teis nem se frus-
eenta urna segáo parenética, repetindo e traráo.
tirando conclusóes. 6,11-18 C oncluí resum indo idéias prin­
6.1 A c o rre g á o fraterna pode ser ato de cip áis e despedindo-se. Paulo escreve a
umor se é hum ilde, acom panhada do ex a­ carta, de seu punho e letra, com o garantía,
me da p róp ria consciencia e ev itan d o o com letras grandes que sublinham a im ­
orgulho pelos bens recebidos (T g 5,19). portancia. N a polém ica com os judaizantes
6.2 H á urna “lei de C risto” (I C o r 9,19- o s acusa de duas culpas entrelazadas: pór
21) que consiste no am or m útuo. L evar os um lado, nao cum prem inteiram ente a lei;
lardos é im agem tirada do m undo da es- p or outro, querem alcangar triunfos em seu
cravidáo ou do trabalho (cf. M t 23,4, os proselitism o, á custa da liberdade alheia
fardos dos fariseus; Rm 15,1). (cf. M t 23,15).
6.3 É um a nota psicológica penetrante 6,14-15 Todo o orgulho de Paulo está
sobre a capacidade do hom em de engañar­ na cruz de C risto, em sua m orte e sacrifi­
se a si m esm o. cio p o r amor, em participar déla e pregá-
6,4-5 C om o a responsabilidade é assunto la com o único m eio de salvagáo. A cir-
pessoal, cada um deve exam inar sua co n ­ cuncisáo carnal, que já nao conta, antepóe
CARTA AOS GÁLATAS 560 fi. I

eu p a ra o m u n d o . 15N a d a im p o rta e sta r q u e n in g u é m m e a c re s c e n te fa d ir.r


ou n ao c irc u n c id a d o ; o q u e c o n ta é urna p o is tra g o e m m e u c o rp o as m a rc ir. .1
n o v a c ria tu r a * . 16P a z e m is e r ic o r d ia J e su s. lSIrm ä o s, a g rag a d e n o sso Si
p a ra to d o s o s q u e s e g u e m e ss a n o rm a , n h o r Je s u s C risto a c o m p a n h e voss< >.
o Israel de D e u s. 17D a q u i p a ra a fre n te , p irito . A m é m .

as m arcas de seus sofrim entos pelo ap o s­ sus com o M essias com todas as conseqii
tolado (IC o r 1,31). èncias; os ju d eu s convertidos de verdade
6.15 *Ou: humanidade. (cf. o “ israelita au tèn tic o ” de Jo 1,41).
6.16 A os ju d aizan tes se opoe o “Israel O utros pensam que o Israel de D eus é ti
de D eus”, o auténtico, que reconhece Je­ tulo novo da Igreja.
CARTA AOS EFÉSIOS

INTRODUÇAO
1/r\o foi desde tempos antigos urna molde epistolar como recurso retórico.
-, i.hiili’importante por sua posiçâo geo- Deveria ser catalogada no género de
i¡nilieti. Porto de mar para onde con- celebraqao ou panegírico. Falta no tex­
lliiiu o comercio do interior e chega- to o tom pessoal, remetente e destina­
i il i» ilo Mediterràneo. No ano 133 a.C. tários se conhecem por ouvir falar (1,
f>'i thrlarada capitai da provincia ro- 15; 3,2), faltam referéncias a urna situa-
iiiiirin da Asia. Entre seus muitos edi- qao concreta.
Ih ais suntuosos sobressaía o tempio c) De Paulo? Cada vez sao mais nu­
,/i ¡lirado a Artemis, deusa asiàtica da merosos os autores que a consideram
In undidade (At 19). Como cidade ro­ obra de um discípulo de Paulo que es-
mana no Mediterràneo orientai, for­ creve a pagaos convertidos da segun­
mava um trio com Antioquia e Ale- da geraqáo. Aduzem-se argumentos de
\iindria. varios campos. O vocabulário contém
Quando Paulo visitou Efeso (At 19,1), muitas palavras exclusivas e outras
enrontrou ai alguns cristàos nào bem usadas com significado novo. O estilo
informados. lnstruiu-os e formou com nao é simplesmente diverso, mas nota-
i /i's urna florescente comunidade cris- velmente inferior: usa parágrafos lon­
hi, de pagaos convertidos, base de ope- gos e monótonos, carregados de subs­
niqòes para a expansào missionària. tantivos com preposiqao (na traduqáo
( ) apòstolo residiu ai très anos (54-57), suavizei o estilo para torná-lo legível e
i-i l tre éxitos e dificuldades. Referem- inteligível), é redundante no uso de si­
w a Éfeso IC or 15,32; 16,8s e talvez nónimos, falta-lhe o movimento das
.’('or 1,8. perguntas. Também a doutrina é dife­
No uso corrente, este documento fi­ rente: professa urna escatologia adia­
gura como carta de Paulo aos Efésios. da, pois a salvaqáo já ocorreu; a mui­
Os très dados sâo discutidos por urna tas igrejas locáis sucede urna Igreja
critica competente. única e universal; a controvérsia de
a) Aos efésios? O nome da cidade fal­ judeus e pagaos parece superada. Es­
lu em códices importantes. Foi cance­ tes argumentos nao sao decisivos e dei-
lado do texto original para deixar o es­ xam a soluqáo pendente.
paça em branco, disponívelpara outras Alguns consideram de mais peso sua
localidades ?Nao há antecedentes nem dependéncia literal da carta aos Colos-
rasos parecidos de semelhante pràti­ senses. Compare-se 4,1-2 com C13,12-
ca; as cartas circulavam conservando 13; 5,19-20 com 3,16-17; 6,21-22 com
o nome dos destinatários origináis. Foi 4,7-8. A metade dos vv. de Eftém para­
ucrescentado a um texto nao especifi­ lelos em Cl. Por isso, pensam muitos
cado? Dado o caráter do escrito e le­ que E f imita conscientemente Cl, em­
vando em conta a noticia de Cl 4,16, bota mude o enfoque doutrinal.
ulguns pensam que era dirigida origi­ O mais importante desta carta é sua
nalmente a Laodicéia; outros créem riqueza temática. Se a carta aos Colos-
que era desde o começo um texto cir­ senses é cristológica, esta é eclesioló-
cular. gica. Ambas as coisas se implicam, mas
b) Carta ? Parece, antes, um tratado, muda o peso relativo. Deus tinha um
urna exposiçâo homilética vertida no plano, escondido durante sáculos e re-
CARTA AOS EFÉSIOS 562 INTRODIK

velado agora, executado em e por Je­ I. Introdugáo


sús Cristo, desenvolvido na epela Igre- 1.1 -2 S a u d ag áo .
ja. Urna Igreja universal, nova criaqao 1 ,3 -1 4 B én c áo s.
e humanidade unificadas, edificio com­ 1 ,1 5 -2 3 S ú p lica .
pacto e corpo em crescimento. Mais que
pela soma de igrejas locáis, ou pela coe­ II. Parte doutrinal 2,1-3,21
xistencia de judeus penitentes e pagaos 2 .1 -1 0 D a m o rte á v id a .
convertidos, a unidade se realiza der- 2 ,1 1 -2 3 U n id a d e p o r C risto .
rubando muros, abolindo diferenqas, 3.1-13 O m isté rio re v e la d o .
infundindo o Espirito único. A Igreja é 3,14-21 O a m o r d e C risto .
povo de Deus e esposa do Messias. Já III. Parte parenética 4,1—6,20
nao espera urna parusia iminente, mas
se empenha no constante crescimento. 4 .1 -1 6
U n id a d e d o c o rp o .
As categorías jurídicas cedem lugar as 4 ,1 7 - 5 ,5
C o n d u ta c rista .
místicas. 5 ,6 -2 1
N o rein o d a luz.
Se o pensamento da carta é coerente 5 ,2 2 -3 3
M a rid o e m u lh er.
e está exposto com vigor, o desenvolvi- 6.1-9 F ilh o s e e sc ra v o s.
mento nao é tao claro. Proponho urna 6,10-20 L u ta c o n tra o m al.
sinopse: Despedida 6,21-24
CARTA AOS EFÉSIOS

1De P au lo , a p ó sto lo d e C ris to Je s u s nos abengoou co m to d o tip o d e b é n -


I por v o n ta d e de D eu s, a o s c o n sa g ra -
iin . de E feso , fié is ao M e s s ia s Jesu s:
g áo s e sp iritu a is d o céu .
4P o r m e io d e le , a n te s d a c ria g á o d o
i't.u,;! e p a z a v ó s d a p a rte d e D e u s m undo,
musso Pai e d o S e n h o r Je s u s C risto . nos escolheu p a ra q u e p e lo a m o r fó s-
s e m o s sa n to s e irre p re e n s ív e is e m su a
I I P i i ^ h o s —-
3B e n d ito se ja D e u s, P a i de p re s e n ta .
ih isso S e n h o r Je s u s C ris to , o q u a l, p o r 5P o r Je s ú s C risto , se g u n d o o d e s ig ­
M icio de C ris to , n io d e su a v o n ta d e ,

1,1-2 Por faltar em alguns m anuscritos pio D eus, identificado com o “Pai de Je­
il cspccificaçâo “em E feso”, alguns tèm sus C risto” (v. 3) e nosso pela adogáo (v.
pensado que esta era urna carta circular, 5); ele é o agente de tudo “segundo seu
llilii cm vàrias igrejas. Em bora sejam cos- designio e decisáo” (vv. 5.9.11). R ealiza
imiic ñas cartas e passem facilm ente inad­ tudo “por m eio de C risto” (m encionado
vertidos, observem os os títulos: D eus Pai nos vv. 3.5.10.12). Term ina o parágrafo
m o s s o (ponham o-no s em relaçào com a com a referencia ao Espirito, “selo e g a­
maçâo dom inical), Jesus C risto “S enhor”, rantía” (vv. 13.14).
Me,lande proclam açâo crista, que costum a- V ários tem as sao transposigáo de “tipos”
M io s incluir no final de nossas súplicas. do AT: eleigáo, filiagáo, resgate, sabedo-
1,3-14 Parágrafo dificflim o, provavel- ria, heranga. A razáo é que a consum atilo
iiicnte o m ais difícil do NT. Tem apenas ou plenitude p resente estava p rev ista e
seis verbos em form a finita; o resto sao decidida de antem áo (vv. 4.5.9.11).
participios (adjetivos verbais) ou gerún- 1,3-6 Prim eira onda. Com ega com o tí­
ilios (ad v érb io s verbais). Q uin ze frases tulo de C risto = M essias = U ngido, o e s­
circunstanciáis se ligam com a preposiçâo perado. T erm ina com o título “o Predile-
Kfega en (m ultifuncional), nove com eis, to ” : outrora título de Israel (D t 32,15; Is
as quais se som am outras com kata ou dia. 44,2); agora título de Jesús C risto, pronun­
li como se o autor tornasse alento p rofun­ ciado no batism o e na transfiguragáo (M t
do para pronunciar sua com plexa bênçào 3,17 par.; 17,5 par.).
ilo um só respiro, num a ùnica frase g ra ­ “ A bengoou-nos” recolhe a grande tra-
matical. digáo do AT: a de Isaac, paterna, testam en­
Para orientar-nos neste alarde (ou em a- tària e lim itada (G n 27); a de Jacó, pater­
ranhado) gram atical, observam os très o n ­ na e distribuida ás doze tribos (G n 49); a
das que co n clu em em très m en çô e s de de M oisés, profètica, para as tribos (Dt 33).
"louvor” (vv. 6.12.14). D epois m arcam os Isaac abengoou Jacó e nao lhe restou ou-
as séries que reduzem algo a C risto (na tra béngáo; o Pai celeste em C risto aben-
versáo portuguesa “por”): quatro na pri- goa a todos.
ineira onda, duas na segunda, urna na ter- “A ntes da criagáo”: ou seja, da prim eira
ceira. L evam os em conta tam bém os b e­ palavra do G énesis “ no principio, D eus
neficios de D eus, na voz ativa e passiva. criou” . Jerem ías foi escolhido pelo Senhor
Na traduçâo e na disposiçâo gráfica p ro ­ “ antes de te form ar no v en tre” (Jr 1,5); os
curai facilitar a leitura. cristáos, antes da criagáo do m undo (cf.
O texto pertence ao género das bênçâos, Rm 8,28s); o projeto de Deus abarca o tem ­
Ireqiiente na liturgia judaica: o hom em po inteiro (Is 43,13).
“bendiz” a D eus agradecendo as “bênçâos” “ Santos” ou consagrados: com o Israel,
recebidas. O texto é trinitàrio. N o princí- “um povo santo” (E x 19,6), “os santos do
CARTA AOS EFÉSIOS 564

nos predestinou a se rm o s se u s filh o s a q u e le q u e tu d o e x e c u ta se g u n d o hu|i


ad o tiv o s, liv re d e c isá o ,
6d e m o d o q u e re d u n d e e m louvor d a nos havia predestinado a se rm o s lu í
g lo rio s a g ra g a q u e nos outorgou p o r d e iro s,
m e io do P re d ile to . 12de m o d o q u e n ó s, o s q u e já esp ei.it
7P o r ele, p o r m e io d o seu san g u e , ob- v a m o s e m C risto ,
temos o re s g a te , o p e rd á o d o s p e c a d o s. fó s se m o s o lo u v o r d e su a g lo ria .
S e g u n d o a riq u e z a de su a g rag a, 13P o r m eio d e le , ta m b é m v ó s, ao es
snos fez transbordar em to d a e sp é c ie c u ta r a m e n s a g e m d a v e rd a d e ,
d e sa b e d o ria e p ru d e n c ia , a b o a n o tic ia d e v o s s a salv a g á o ,
9dando-nos a conhecer se u d e sig n io n e le c re ste s,
se c re to , e fostes selados c o m o E sp irito San
e s ta b e le c id o d e a n te m á o p o r su a d e - to p ro m e tid o ,
cisá u , 14q u e é g a ra n tía d e n o ssa h e ra n c a , 1 1. •
10q u e h a v e ria d e se re a liz a r em C ris ­ re s g a te de su a p o sse :
to ao c u m p rir-s e o tem p o : p a ra lo u v o r d e su a g lo ria .
Q u e o u n iv e rso , o c e le ste e o terrestre,
a lc a n c a sse m su a u n id a d e S ú p lic a — 15P o r isso , ta m b é m eu , a<>
em C risto . fic a r s a b e n d o d e c o m o c re d e s n o Se
11 P o r m e io d e le , e tal c o m o o h a v ia n h o r Je s ú s e a m a is a to d o s o s consa
esta b e le c id o g ra d o s , lf>n á o c e ss o d e d a r g ra b a s poi

A ltíssim o” (D n 7,22.27); “pelo am or” (in- que funda a unidade hum ana, da qual fa
fundido), nao por m ero rito. “Filhos” : tí­ lará a carta.
tulo coletivo de Israel (Ex 4,23; Is 1,2; Os Ser “h erdeiros” ou ser heranga. Ambos
11,1 etc.), agora dos cristáos (Jo 1,12; U o os sentidos se léem no AT: Israel herda a
3,1-10). A “ gloriosa graga” é o favor que térra (Ex 23,30; D t 19,3; Js 14,1) e é he
revela sua gloria. ranga de D eus (D t 9,29; 32,9; SI 78,71).
1,7-12 Segunda onda: C 1 1,14-20. O an- A gora nós cristáos som os herdeiros (Rm
tigo resgate com egou no Egito com o san­ 8,17.28-29).
gue pascal (Ex 12) e se perpetua no culto, 1,12 A q u i com eg a a d istin g áo “ n ó s” =
especialm ente pelo s sacrificios de expia- os judeus, que “esperávam os um M essias” ,
gáo (L v 4 e 16). E ra um resg ate de escra- e “v ó s” = os p ag ao s, do v. seguinte.
vos para a liberdade: o nosso é um resg ate 1,13-14 T erceira onda. N o com ego se
de p ecad o res p a ra o perdáo, tam bém com refere aos p agáos, que, em bora nao espe-
sangue, o da cru z (H b 9, 22). rassem um m essias prom etido, acolheram
A “sabedoria” ou sensatez nao é aqui o evang elh o com o m ensagem auténtica.
qualidade ou aquisigáo hum ana (Pr 3,13), O que dep o is diz do E spirito v ale para
e sim dom , revelagáo (Ecio 24; Sb 9) que todos os cren tes sem distingáo. O E sp iri­
nos capacita para com preenderm os o “d e­ to Santo “p ro m etid o ” co n cen tra to d as as
signio secreto” de D eus, o que vai expli­ prom essas e é com unicado no batism o (At
car na carta (R m 16,25). 13,26 par.). E um “selo ” : sinal de autori-
O “cum prim ento dos tem pos” ou dos dade e posse (G n 38,18; IR s 21,8), garan­
prazos pode referir-se á e n c a rn a d o (G1 te (Jr 32,10-14); quem o traz gravado mos-
4,4) ou á glorificacáo (cf. C1 l,1 5 s). C éu e tra a quem p erte n ce e quem o p rotege
térra podem representar as duas partes que (2 C o r 1,22). E “g ara n tía ” ou penhor, an-
com pdem o universo criado (D t 32,1; Is tecipagáo de urna entrega: de que um día
1,2). Tam bém podem distinguir-se e opor- herdarem os o reino; de que, com o posse
se com o m undo hum ano e m undo divino, d ivina, um dia serem o s resg atad o s (Rm
separados (SI 135,16; Is 55,9). Em C risto 8,23).
se realiza sua u niáo definitiva, indisso- 1,15-16 A agáo de gragas é breve. R esu­
lúvel, e por ele c o m e ta um longo proces- m e toda a conduta crista na fé em Jesús
so de reunificagáo: é a unidade prim ordial com o S enhor e no am o r fraterno. Tudo
565 CARTA AOS EFÉSIOS

un, 1 , 1 e c o rd a n d o -v o s e m m in h a s o ra - e d e q u a lq u e r títu lo q u e se p ro n u n c ie
. 11 pego: n e ste m u n d o o u n o q u e v irá.
1 i hic o D eus de n o ss o S e n h o r Jé s u s 22Tudo submeteu sob seus pés,
i il in, l’ai d a g lo ria , v o s c o n c e d a n o m e o u -o c a b e g a su p re m a d a Ig re já ,
mu esp irito de s a b e d o ria e re v e la ç â o 23q u e é se u c o rp o e se p re e n c h e da-
.pi. vos faça c o n h e c ê -lo q u e le q u e p re e n c h e tu d o e m to d o s.
"'e vos ilu m in e o s o lh o s d a m e n te ,
i ii i .ip reciardes D a m o r t e a v id a — 'T a m b é m v ó s
ii l'sp eran ça a q u e v o s c h a m a ,
:i esp lén d id a riq u e z a d a h e ra n ç a q u e
2 o u tro ra e stá v e is m o rto s p o r v o sso s
p e c a d o s e tr a n s g re s s ó e s . 2S e g u íe is a
|.Miníete ao s c o n sa g ra d o s c o n d u ta d e ste m u n d o e as o rd e n s do
'''e a g ra n d e z a e x tra o rd in á ria d e se u c h e fe q u e m a n d a n o ar, o e sp irito que
I.i hlei cm fa v o r d e n o s q u e e re m o s, a g e n o s re b e ld e s. 3C o m o e le s, ta m b é m
segundo a e fic á c ia d e su a fo rç a p o - n ó s se g u ía m o s o s im p u lso s d o instin to,
ilemsa; c u m p ría m o s os d e se jo s e p e n sam en to s
"poder q u e e x e rc e u em C risto , d o in stin to , é ra m o s o b jeto d a ira c o m o
ressu scitan d o -o d a m o rte e se n ta n d o - o s outros.
n a sua d ire ita n o c éu , 4M a s D e u s, ric o em m ise ric o rd ia , p e ­
‘acim a de to d a a u to rid a d e e p o te s- lo g ra n d e a m o r q u e te v e p o r n ó s, e s ­
i,iile e p o d e r e so b e ra n ia , ta n d o n ó s m o rto s p o r c a u sa d o s d elito s,

i nino dom de D eus, pelo que se Ihe d e­ rias representam a totalidade cósm ica, que
viali gragas. pode incluir anjos e exércitos celestes.
1,17-23 O texto é difícil pela duvidosa Seu “títu lo ” suprem o é Kyrios, com o
.ili ibuigáo das oragóes fináis e do relativo. equivalente de Yhwh (cf. F1 2,9).
Alcndendo ao tem a, é fácil distinguir urna 1.22 SI 8,6 o diz sim plesm ente do ho-
parte de petigao (vv. 17-19) e outra cristo- m em , do ser hum ano. E ste texto e H b 2,6-
logica (vv. 20-23). A tendendo à form a, 8 estreitam a aplicagáo ao H om em por
croio distinguir très petigóes, com a cristo­ excelencia, Jesús C risto. “Cabega da Igre-
logia englobada na terceira. j a ” : Cl 1,18.
Primeira petigao (v. 17): um carism a de 1.23 A frase é densa e am bigua, por isso
sabedoria revelada (cf. Is 11,2-3). Dom do diferem as interpretagóes: a) A Igreja sujei-
I spirito, nao aquisigáo hum ana; revelagào to plenifica, com pleta Cristo, com o o cor­
oli sensibilidade para perceber o m isterio. po completa a cabega; Cristo plenifica tudo.
“Para conhecè-lo”: a D eus Pai ou a Jesus b) A Igreja está cheia de Cristo, o qual... c)
Cristo? Pelos vv. que se seguem , pelo teor A Ig re ja e stá c h e ia d a q u ele q u e D eus
ila carta e textos sem elhantes (2C or 5,16; plenificou com sua plenitude (Jo 1,14.16;
II 3,10), inclino-m e ao segundo: conhe- C l 1,18-19).
cer e reco n h ecer Je su s com o M essias,
como Filho de Deus Pai (Le 10,21-22 par.). 2,1 -3 Situagáo anterior de desgraga. Está
Segunda petigáo (v. 18): ilum inagáo (Cl articulada nos grupos “vós” e “ nós”. “V ós”
1,12). A heranga só a tem os em esperan­ seriam os pagaos, súditos do M aligno, rei
za; sendo futura, nào a vem os. M as urna do m undo e chefe dos rebeldes a Deus.
luz celeste nos perm ite contem plá-la à dis­ “ N ós” seriam os judeus, que, apesar da lei,
tancia (cf. Hb 11,9-13): “na tua luz vem os cedem ao instinto (Tt 3,3) ou se agarram a
a luz” (SI 36,10). ritos corporais externos. Urna conduta guia­
Terceira petigáo (vv. 19-21): faz a transi­ da pelos poderes m alignos deste m undo,
g o para a cristologia. C om preender o “po­ pelos desejos perversos próprios, equivale
der” extraordinàrio de D eus, com o qual a “estar m ortos pelo pecado” (Ez 18,13.20;
realiza em Cristo seu projeto admirável: a 33,8-10; cf. D t 30,15-19). Pelo que “ natu­
ressurreigáo com o vitória definitiva sobre ralm ente”, lógicam ente, incorre-se na “ira”
a morte (IC o r 15,14); a exaltagáo à sua di­ ou condenagáo (R m 1,18; Cl 3,6).
reita (SI 110,1) com o in s ta u r a lo do reina­ 2,4-10 D e sem elhante estado D eus nos
do de Deus. “A cim a de” : as quatro catego- livrou e livrou tam bém a eles por pura
CARTA AOS EFÉSIOS 566

n o s fez re v iv e r co m C ris to — g ra tu i­ c h a m a v a m c ir c u n c id a d o s d e co ip .
ta m e n te fo s te s sa lv o s; — 6c o m C risto re c o rd a i 12q u e n a q u e le te m p o viví, n
J e s ú s n o s re s su sc ito u e n o s fe z se n ta r se m M essias, ex c lu id o s d a cid ad an i.i <l>|
n o céu , 7p a ra q u e se re v e le a o s sé c u lo s Isra e l, a lh e io s á alian g a e su a s p ro n n
fu tu ro s a e x tra o rd in á ria riq u e z a d e su a sas, sem e sp e ra n z a e se m D e u s n o n mu
g rag a e a b o n d a d e c o m q u e n o s tra to u do. 13A g o ra , g ra b as a C ris to Je s ú s c em
p o r m eio d e C risto Jesú s. v irtu d e d o seu sa n g u e , v ó s, q u e ani.
8G ra tu ita m e n te fo s te s s a lv o s p e la fé, e s tá v e is lo n g e , a g o ra e stá is p erto .
n a o p o r m é rito v o sso , m a s p o r d o m de 14E le é a n o ss a p a z , ele q u e d e dn¡»
D e u s; 9n a o p e la s o b ra s, p a ra q u e n in - fe z u m , d e rra b a n d o c o m seu co rp o n
g u é m se o rg u lh e . 10S o m o s c r ia tu r a s m u ro d iv iso rio , a h o s tilid a d e ; 15anulan
d e le , c ria d o s p o r m eio d e C ris to Je s ú s d o a lei c o m se u s p re c e ito s e c lá u s u la ^
p a ra r e a liz a r m o s a s b o a s a g ó e s q u e c ria n d o a ssim , e m su a p e ss o a , d e dua«
D e u s n o s c o n fia ra c o m o ta re fa . u m a só e n o v a h u m a n id a d e , fa z e n d o a1»
p a z e s. 16P o r m e io d a c ru z , m a ta n d o u n
Unidade por C risto — n P o r isso v o s, su a p e sso a a h o s tilid a d e , re c o n c ilio u ou
q u e a n te s é re is p a g a o s d e c o rp o , c h a ­ d o is c o m D e u s, to m a n d o -o s u m só o >i
m a d o s in c irc u n c iso s p o r a q u e le s q u e se p o . 17V eio e a n u n c io u a paz a vós, o,i

iniciativa: por m isericordia e por amor, nao Israel (IS m 14,6; 17,36; 31,4; Rm 9,4)
p or m érito de obras. Alianza e promessas: literalmente, a expres
P rim eiro passo da salvagáo foi a passa- sao estranha “aliangas da prom essa” (pon
g em da m orte (pecado) á v id a (graga). sa em Is 55,3?); talvez tente sintetizar a
D epois, enquanto m em bros de C risto, nos “ prom essa” (coletivo) patriarcal e as alian
faz participar, de antem áo ou em esperan­ gas com o povo e com a casa de Davi.
za, da ressurreigao e reinado de Cristo. “ Perto e longe” segundo a distingáo ;l<
Em conclusáo, som os nova criacao de Is 57,19 (cf. A t 2,39). “Pelo san g u e” : da
D eus por m eio de C risto e nos cabem ta- alianza (Ex 24,6) ou da libertagáo de pre­
refas (obras) que nao sao condigáo, e sim sos (Zc 9,11).
conseqüéncia da salvagáo. 2.14-20 C risto derrubou com seu corpo
2,4-7 Variagáo e aplicagáo livre da defi- glorificado a barreira que antes separava
nigáo clássica de D eus no AT (Ex 33,19; os ju d eu s dos pagaos. De m em bros dis
34,6; J12,13; Jn 4,2; SI 86,15; 103,8). Rico persos fez “um co rp o ”, de estrangeiros e
em misericordia (rab hesed), am or (rahum), nativos fez urna cidade e fam ilia, de pe
favor (hanun), bondade (tub). O corpo se- dras heterogéneas fez um “ed ificio” . Rea
gue em tudo a cab era. “ G ratuitam ente” : lizou a grande pacificagáo: dos homens
v er A t 15,11. com D eus, abrindo-lhes “acesso ao Pai”,
2,10 “C riaturas dele” : (cf. SI 138,8; Jó dos hom ens entre si, “criando um a nova
10,8). C riado: 2C or 5,17. P ara as bo as hum anidade”. N ao se lhe pode comparai
obras: T t 2,14. a reuniao de Judá e Israel prom etida por
2.11-20 Se antes vós e nós éram os iguais E zequiel (37,15-19), m as pode-se cantai
no pecado, agora o som os na salvagáo e o SI 133.
podem os form ar urna unidade: pela pro- 2.14-15 D estrói a barreira interior, que
xim idade, a paz, a reconciliagáo, a com um é a hostilidade (cf. Ez 25,15) e a barreira
cidadania e fam ilia, a estrutura única. exterior, que é a lei. Talvez se im agine a
2.11-13 O antes e o agora dos pagaos barreira do tem plo que obstruía o acesso
convertidos. E stavam privados dos privi- aos pagaos (sob pena de m orte). A barrei
légios do povo escolhido; sobretudo, nao ra já nào é necessària (cf. SI 80,15; 89,41 ;
esperavam um M essias e viviam sem Deus, Is 60,10.18). A criagáo do hom em nove
porque seus deuses eram falsos (D t 32,21 pode corresponder à nova criagáo (de Is
e a pregagáo do Isaías do exilio). A cir- 65,17 e 66,22; 2 C o r5 ,1 7 ).
cuncisáo com o sinal corporal de perten- 2,16 C om o outro Sansáo, C risto m orn
cer ao povo; “incircuncisos” era insulto em m atando: por am or a todos sem distingáo.
567 CARTAAOS EFÉSIOS

, , . .i,m Iniigc, a paz aos que estao g re d o , c o m o v o s e s c re v i h á p o u c o . 4L e-


11 'A m b o s, co m o m e s m o E sp íri-
d e m in h a c a rta e p o d e re is a v a lia r c o m o
ih . . rio d ele, tem o s a c e ss o ao P ai. e n te n d o o m isté rio d e C risto : 5n a s g e-
11, m odo q ue já nao so is e stra n g e iro s ra g ó e s p a ss a d a s n a o fo i d a d o a c o n h e ­
i«, ni .mK( nlícios, m as co n c id a d á o s dos c e r a o s h o m e n s ; a g o ra , ao c o n tra rio ,
, mi iij’t.iilos c da fam ilia de D eu s; 20edi- re v e lo u -s e a se u s s a n to s a p ó s to lo s e
||i inlii', so b re o alic e rc e d o s ap ó sto lo s, p ro fe ta s in sp ira d o s. ^C onsiste n isto : p o r
......... i isio Je s ú s c o m o p e d ra an g u lar. m e io d a b o a n o tic ia o s p a g a o s co m p a r-
Ti ii ele to d o o e d ific io b em c o e so tilh a m a h e ra n g a e a s p ro m e ssa s d e J e ­
o . .o ate se r te m p lo c o n s a g r a d o ao sú s C ris to , e sao m e m b ro s d o m e s m o
iilim, -p o r e le v o s e n trá is c o m o s c o rp o . 7E eu so u se u m in is tro p o r d o m
....... i', na co n stru g á o , p a ra se rd e s m o - d a g ra g a de D e u s, o u to rg a d a se g u n d o a
i i.l i esp iritu a l de D eu s. e fic á c ia d o seu p o d e r. XA m im , o ú lti­
m o d o s c o n sa g ra d o s, fo i c o n c e d id a esta
J M issá o d e P a u lo — 'C o m e ssa fi- g rag a: a n u n c ia r a o s p a g a o s a b o a n o ti­
* ' n .ilidade eu , P au lo , so u p o r c a u sa c ia , a riq u e z a in s o n d á v e l d o M e ssias,
,1, vns o p ris io n e iro de C ris to Je s ú s. 9e ilu m in a r o se g re d o q u e D eu s, c ria ­
I'i n-, e stáis a p ar do q ue a g raga d e D eu s d o r d o u n iv e rso , g u a rd a v a h á sé c u lo s.
ili’.pos ele m im p ara v o ss o p ro v e ito , o u 10D e sse m o d o , a g o ra n a ig re ja se m a n i­
,i |,i, '(|ue m e fo i d a d o c o n h e c e r o se- fe s ta rá as a u to rid a d e s e p o te s ta d e s ce-

i. IK O acesso ao tem plo estava rigoro- C item os alguns textos: “as nagóes, os
Niiiiiente regulam entado e vigiado. A gora confins da térra”, subm etidos (SI 2); Jeru-
1 1 1 u■, em lugar de tem plo tem os o Espirito salém m ae de povos “nascidos ali” (SI 87);
(i I .lo 4,23), todos tém acesso ao Pai. O v. culto ao S enhor (SI 102,16.23); Egito e
i iintém urna referencia trinitaria. A ssíria (Is 56; 19,19-25) etc. M as os p a­
2 .19 Nao é a situagáo m édia do im igran- gaos nao podiam com partilhar a heranga
ir, nao cidadao, ainda que protegido pela com Israel (cf. Gn 21,10; Jz 11,2) nem for­
Iri. A gora gozam os da plena cidadania. m ar um corpo com ele. Pois bem , a rique­
Israel se cham ava tam bém “ a Casa de Is- za do M essias transborda e se reparte ago­
rnel”, e no m eio déla habitava Yhwh no ra a todos. Esta é a grande revelagáo, da
lim pio: agora som os m em bros da C asa de qual Paulo está orgulhoso e que o estim u­
I )eus, que é tam bém um tem plo espiritual la em seu m inistério.
(I Ib 12,22-23). 3.1 Em grego a frase fica em suspenso.
2.20 O alicerce: Is 28,16; A p 21,14. A “ P risioneiro” : ver a introdugáo (Fm 1.9).
pedra angular: SI 118,22. 3 .2 Sobre o m inistério de Paulo em Efe-
2,21-22 E stranho edificio, que se trans- so, v er A t 19.
lorma em tem plo, feito de pedras vivas e 3,3-4 Refere-se á carta aos C olossenses,
capaz de crescer. difundida com o carta circular?
3.5 Profetas inspirados da nova econo­
3 ,1 -1 3 Q uando Paulo (o eu da carta) se mía, ativos na Igreja (p. ex. A t 11,27; 13,1;
declara apóstalo dos pagaos, nao pensa só 15,32; 21,10; IC o r 12,28).
uuma divisáo territorial, m as im plica urna 3.6 O evangelho é com o a prom ulgagáo
descoberta: que o M essias esperado pelos que to rn a efe tiv o o c u m p rim e n to p ara
judeus veio tam bém para os pagaos, nao é quem queira aceitá-lo.
m onopolio de Israel. Este é um grande se- 3.7 IC o r 15,9-10.
gredo que D eus m anteve gu ard ad o por 3.8 O “últim o” (cf. E clo 33,16-18): por­
muitos sáculos. A braáo se afasta de sua que foi perseguidor, porque chegou m ais
fam ilia, de seu país, Ism ael fica de fora, tarde (IC o r 15,9-10). A “riqueza”: alusáo
com o tam bém Esaú. Se alguns textos do á S abedoria. “In so n d áv el” : Is 40,28; SI
AT se abriam aos pagaos, algum as cláu­ 145,3; Jó 5,9; 9,10; 11,7.
sulas do texto ou os leitores lhes punham 3 ,1 0 Se unim os este v. ao 18, nos rem e-
limites: reduziam -nos aos pagaos subm e- tem ao com ego do E clesiástico (1,1-3.8).
tidos a Israel ou convertidos plenam ente. N essa segáo predom ina a linguagem sa-
CARTA AOS EFÉSiOS 568

le ste s a m u ltifo rm e s a b e d o ria d e D e u s, m o d o q u e c o n sig á is c o m p re e n d ( i |iinl


" s e g u n d o o a n tig o p ro je to re a liz a d o em to c o m to d o s o s c o n sa g ra d o s, a la ip ii
C risto Je s ú s S e n h o r n o sso . 12P o r e le e ra, o c o m p rim e n to e a p ro fu n d id ad ! 1 >1
com a confian g a que a fé nele n o s dá, te­ c o n h e c e r o a m o r d e C risto , q u e supe 1 1
m o s liv re a c e sso . l3P o rta n to , p e g o -v o s to d o c o n h e c im e n to . A s s im estarcí'. lo
q ue n ao d e sa n im é is d ia n te d o q u e so fro ta lm e n te re p le to s d a p le n itu d e de 1V inl
p o r v ó s, p o is re d u n d a em v o ss a g lo ria . 20A q u e le qu e, a g in d o eficazm en te . n|
n ó s, p o d e re a liz a r m u itís s im o m ais i l < |
O am or de Cristo — 14P o r isso , d o b ro q u e p e d im o s o u p e n sa m o s, 21receb a d i
o s jo e lh o s d ia n te d o P ai, 15d e q u e m r e ­ ig re ja e d e C risto J e s ú s a g lo ria em luí
c eb e n o m e to d a fa m ilia n o c é u e n a té r­ d a s a s g e ra g ó e s, p e lo s sé c u lo s dos i d
ra, lrtp a ra q u e v o s c o n c e d a p e la riq u e z a c u lo s. A in é m .
de su a g lo ria: fo rtale cer-v o s in te rn a m e n ­
te c o m o E sp irito , 17q u e p e la fé C risto Unidade do corpo— 'P o rta n to , cul
h a b ite em v o ss o c o ra g á o , q u e e ste ja is
e n ra iz a d o s e a lic e rg a d o s n o am o r, 18de

piencial: “ m anifestar, sabedoria, pro jeto ”


4 o p ris io n e iro p o r c a u sa d o SenÜotl
v o s e x o rto a a g ir c o m o p e d e v o ssa vo

pologia grega; na intim idado onde resiM.


( lP d 1,12). D estinatários: talvez se refira o Espirito. Pode-se com parar com exprcsi
aos poderes que governam o m undo ju - sóes equivalentes dos salm os (39,4; 55,.sj
deu e o m undo pagáo, os quais descobrem 9 4,19; 109,22). "F o rtalecer-v o s": cf. SI
agora, num a Igreja única de ju d eu s e p a­ 51,12 “espirito firm e”. Pela fé “ habita” (Jii
gaos, a sabedoria im pensada, transcenden­ 14,23). “E nraizados e alicoreados”: sáo
te de D eus. Em outra interpretagáo, sao duas im agens clássicas, da vida agraria c
anjos ou santos (cf. Zc 14,5; Dt 33,33; Jó urbana (Jr 1,10; SI 144,12; aplicadas á i
5,1; 15,15). bedoria em Eclo 1,15-20).
3.12 Ver H b 4 ,1 6 . 3.18 Nós rcconhecem os em nosso ;
3.13 A s tribulagóes sao co m p an h ia e pago tres dim ensóes. O s hebreus concebi
honra da m issáo apostólica (R m 5,3; 2Cor am quatro dim ensóes (Jó 11,5-8). Porque
1,4.8; 2,4; 6,4). náo concebiam que a linha de profundida
3,14-19 De novo encontram os o esq u e­ de, subterránea, continuasse para cima. A
m a trinitàrio , sem u sar o term o técn ico superficie da térra, que o hom em vivo pi
Filho: o Pai (vv. 14.19), seu E spirito (v. sava, era um corte total. C om o se podía
16), C risto (vv. 17.19). O E spirito é o novo im aginar que do X eol partisse urna linha
dinam ism o interior; a fé nos abre e trans­ continua até o céu? S egundo urna especu
forma em m orada estável de Cristo, o am or lagáo posterior, a cruz sim bolizava as qua­
nos dá raiz e alicerce, de onde brota urna tro dim ensóes, era o vértice do universo.
nova capacidade de conhecer e com preen- 3.19 O sim ples conhecim ento, a gnosc,
der o m istério. náo pode plenificar o hom em ; só o amor
3.14 D e jo elh o s, em gesto hum ilde de que C risto nos tem (genitivo subjetivo),
súplica (I R s 8,54; Esd 9,5). experim entado, pode plenificar o homem
3.15 Do Pai procede toda paternidade porque seu am or revela o am or de Deu:
hum ana e seu equivalente celeste (que náo (Jo 1,15). G rande paradoxo: encher-se do
se aclara). Em lugar de paternidade p óde­ que enche, abarca e transborda tudo (cf. a
se entender sobrenom e, freqüente em Nm oragáo de Salom áo segundo 1Rs 8,27).
e Cr, para apresentar genealogías. A gora 3,20-21 A prim eira parte da carta con
todos tem um últim o Pai com uni (L e 3,38 clui com um a doxologia ou fórm ula di
faz ascen d e r a g en ealo g ia de Jesú s até louvor, que a Igreja tributa e que Cristo
A dáo e D eus). encabega.
3,16-19 C ontinua a súplica, num a frase
difícil e densa. Pedindo: ro bustecer e h a­ 4 ,1 -1 6 C om o conseqüencia do que fol
bitar para com preender e entender. “ Inter­ dito, o autor exorta á unidade com seus
nam ente”, ou no hom em interior da antro- requisitos ou conseqüéncias. Sem o rigor
569 CARTA AOS EFÉSroS

......... i nni toda a h u m ild a d e e m o d è s ­ repartiu dons aos homens. 9(Q u e sig ­
ti« i imi p acien cia, s u p o rta n d o -v o s m u - n if ic a “ s u b iu ” , s e n â o q u e d e s c e u às
........... ile ro m am or, 3e sfo rg a n d o -v o s p ro f u n d e z a s d a te r ra ? ) !()A q u e le q u e
...........uiler a u n id a d e do e s p irito c o m o d e sc e u é o m e s m o q u e su b iu a c im a d o s
• Uh nliula paz. 4U m é o co rp o , u m o E s­ c é u s p a ra p le n ific a r o u n iv e r s o .l ‘A u n s
pi* un. .iv.im c o rn o è urna a e sp e ra n g a a ele n o m e o u a p ó sto lo s, a o u tro s p ro fe ­
in tosles c h a m a d o s; 5u m é o S en h o r, ta s, e v a n g e lis ta s , p a s to re s e m e stre s,
• m i i 1 1<-, um o b a tism o , hu m D e u s, Pai u p a ra a fo rm a ç â o d o s c o n s a g ra d o s na
ili in . li in , i|u e e stà a c im a d e to d o s , en - o b ra c o n fia d a , p a ra c o n s tru ir o c o rp o
in i*i*los, em to d o s. d e C risto ; l3até q u e to d o s a lc a n c e m o s
i .ida um d e n ó s re c e b e u a g ra g a na a u n id a d e d a fé e d o c o n h e c im e n to do
un i lula do don) de C risto . 8P o r is so se F ilh o d e D e u s, e s e ja m o s h o m e n s per-
li Suhindo ao alto levava cativos e fe ito s , e a lc a n c e m o s a id a d e d e u m a

Hii ,i i oeréncia de IC o r 12, utiliza a ima- Israel “o S en h o r nosso D eus é som ente
,'i in ilo corpo (vv. 3.12.16). H à alguns as­ u m ” (D t 6,4). C om pare-se tam bém com
pi i ios claros ou nao m uito obscuros na “um só pai e um m esm o D eus” (MI 2,10);
i ip lan ag áo da im ag em : a u n id a d e na na im agem de pastor (Jo 10,16).
I>li11 .il idade, a relagáo com a cabega (v. 15), 4,7-11 Da unidade b ro ta a pluralidade,
•i pmgáo dos m em bros (v. 16), o cresci­ e esta se unifica pela organicidade. Proce­
mi ilio para a m aturidade (v. 13). O utros de de C risto glorificado, que reparte seus
1 1, montos tu rvam o p erfil da im agem : dons, com o faz um v en ced o r espléndido.
mistura o conceito de “construgào” , fala D ois m otivos literarios que encontra em
.Ir crescer até alcangar a cabega, introduz SI 68,19, adaptado ao caso sem esforgo,
mmi im agem m arinha, e nào reprim e seu gragas à versáo grega. Para a descida e
i ostume de trabalhar com preposigóes e subida, veja-se Jo 3,13; para a série de fun-
Milistantivos acum ulados. çôes, IC o r 12,27-29. A s “ p ro fu n d ezas”
Dado curioso é que enum era sete fato- podem referir-se à terra dos vivos, em com-
ics com o principio de unidade (vv. 4-6); paragao com o ceu (Is 44,23; cf. “debaixo
ionio pluralidade de órgàos ou fungòes, do sol” Ecl 4,7.15 etc.); neste caso se re­
m i cinco (v. 11). A fé, que é principio de fere à encarnagáo. Tam bém pode designar
unidade (v. 5), se converte em m eta (v. 13). o m undo subterráneo, abissal, dos m ortos
( ) amor com a preposigáo en soa très ve- (Dt 32,22; Ez 31,14; SI 63,10), em cujo
/cs (w . 2.15.16), no principio e no firn, caso se refere à m orte e sepultura. Veja-se
mostrando sua im portancia no projeto de a viagem cósm ica da S abedoria em Eclo
unidade eclesial. 24,5 e contexto. "T odos os cé u s” (plural):
4 . 1 O “cham ado” ou vocagào é o inicio os très ou os sete, segundo diversas repre-
ile ludo (Is 42,6; 43,1; 49,1; CI 3,12) Em sentaçôes.
prego os verbos “cham ar” e “ex o rtar” uti- 4,11-12 IC o r 12,28. A p ó stalo é título
li/ani a m esm a raiz. O “agir” equivale à próprio do NT; os outros quatro tém ante­
tarefa de 2,10. O prisioneiro: Fm 9. cedentes no AT (evangelista de Is 40,9).
4.2 V irtudes que acom panham e favo- Os cinco se distinguem do gru p o dos fiéis
ri-cem o am or (Pr 19,11; 2,23; SI 131,2; pelo m in istério esp ecífico : c o n stru ir ou
Celo 3,17; 4,8; IC o r 13). estruturar o corpo que é a Igreja (pode-se
4.3 U nidade espiritual ou bem da uni- recordar o verbo “co n stru ir” , dito da mo-
dade que o E spirito produz (CI 3,14-15). delagem da esposa Eva, Gn 2).
4,4-6 A sèrie tem sua lògica, em bora nao 4 ,1 3 -1 4 C o n tin u a o crescim en to : em
siga urna ordem rigorosa. E m baixo tem os idade ou estatura e em m aturidade (cf. Le
a "fé”, selada no “batism o”, que in-corpor- 2 ,4 0 .5 2 ). De p assa g e m , em ling u ag em
a o “co rp o ” e sustenta a “esperanga” da sapiencial e conjurando um a im agem de
consum agao; em cim a a Trindade: E spiri­ m ar agitado, adverte contra as falsas dou-
lo, S enhor e Pai. trin a s. V er C1 1 ,2 8 . “ C ria n g a s ” : IC o r
A fòrm ula tem sabor litùrgico e é borri 14,20.
conipará-la com a confissào co tidiana de 4,13 *Ou: plenitude.
CARTA AOS EFÉSIOS 570

m a tu rid a d e* c rista . 14A ssim , n a o s e re ­ d a m e n te to d a e sp é c ie d e in d ecé m u ,


m o s cria n g a s, jo g u e te d a s o n d a s , s a c u ­ ^ V ó s , ao co n tràrio , n a o é isso qu e a ¡u <11
d id o s p o r q u a lq u e r v e n to d e d o u trin a , d e ste s d e C risto , 21se é q u e ouvisie 1 1
p e lo e n g a n o d a a stu c ia h u m a n a , p e lo s la r d ele e ap ren d estes a v erd a d e de .)> \u
tru q u e s d o e rro . 15A o c o n tra rio , c o m a 22V ós, d esp o jai-v o s d a co n d u ta pass.id.i,
sin c e rid a d e d o am or, c re sg a m o s até a l­ d a v e lh a h u m an id a d e c^ue se co rro íu |
c a n z a r in teira m e n te a q u ele q u e é a ca- co m desejos enganosos; renovai-vos t nj
b eca, C risto . 16G rag as a ele, o c o rp o in- e sp irito e m en ta lid a d e ; 24revesti-vc>. l ,
teiro, coeso e un id o pela con trib u ig áo das n o v a h u m a n id a d e , c ria d a à im ag em il<
ju n tu ra s e p e lo ex e rc íc io p ró p rio d a fu n - D eu s co m ju stig a e san tid a d e auténl u ,i.
gáo de c a d a m e m b ro , v ai c re s c e n d o e •^ P o rtan to , e lim in a n d o a m e n tir.i. <//
c o n s tru in d o - s e co m o am or. zei a verdade uns aos outros, pois sonu ■>
membros uns dos outros. 2hSe vos un
C o n d u ta c r i s t a — 17P o rtan to , em n o m e tais, nao pequeis. N a o se p o n h a o sol
do S e n h o r v o s d ig o que nao v o s co m p o r­ so b re a v o ss a ira, 27n á o c e d á is ao di.i
téis com o os pagaos: com suas idéias vas, b o . 2SQ u e m ro u b a v a n ao ro u b e mai»;
18c o m a ra z áo o b scu re c id a , a fa sta d o s da ao c o n trà rio , trab a lh e e se a fa d ig u e cuín
vida de D eus, p o r sua ig n o ran cia e d u re ­ a s p ró p ria s m á o s p a ra g a n h a r algúnm
z a d e corag áo . 19P o is, in se n sív e is, e n tre - c o is a e e sta r e m c o n d ig á o d e socorre .-1
g ara m -se á d isso lu g áo e p ra tic a m avi- q u e m te m n e c e ss id a d e . 29N à o saia ili

4.15 A m edida do crescim ento é “ até 4.17 “ V aidade” é no AT a idolatria ( li


C risto” que é a “cabega” (a im agen) nao é 2,5; 8,19; 10,3.8) ou o sentido da existen
m uito coerente). eia hum ana (Eclesiastes).
4.16 Para dar urna idéia do estilo do autor, 4.18 “O bscurecida” (Is 44,18); “dure­
oferego urna versáo literal do v.: “do qual z a ” (Ex 6,9; Ez 3,7).
todo o corpo, travado e unido por toda espé- 4.19 “Entregaram -se à dissolugáo” : pro
cie de juntura da subministragáo, segundo a clam ando-o às vezes (com o no program.i
atividade na m edida de cada um dos mem - de Sb 2).
bros, realiza o crescim ento do corpo para 4,20-21 Refere-se à catequese crista, que-
construgáo dele no am or”. Em bora a ex- tem por objeto a “ verdade” de Jesús, suii
pressáo seja arrevesada, fica clara a men- pessoa, seu título m essiànico (C risto), sua
sagem de unidade e a primazia do amor. vida cxem plar.
4,22-24 Oposigáo de velha e nova hum¡i
4 . 1 7 - 5 , 5 S e g u e -s e urna e x o rta g á o , nidade, com a im agem do despojar-se e re
que vai en trelag an d o os a v iso s p a rtic u ­ vestir-se (Gl 6,8). A velha deixa-se levai
lares com m otivagóes de p rincipio e acla- pela concupiscencia e acaba na corrupgáo
ragao p o r co n traste . M uitas d essa s reco - A nova é criagáo “a im agem de D eus” (Gn
m endagó es podem en co n tra r-se no AT, 1,27; Eclo 17,3; cf. Sb 2,23).
no ju d a ism o e na cu ltu ra g reg a. O e sp e ­ 4.25 O aviso se le em Zc 8,16, no con
cífico c ristá o co stu m a ser a m o tiv ag áo e texto de restauragáo; a m otivagáo é crista
o m odelo. 4.26 C itagáo do SI 4,7 segundo a versan
4.17-24 O prim eiro é um a ruptura com grega (o original diz “frem ei e deixai de
o passado pagáo (R m 1,21). P or afá de pecar”).
co n traste , c arreg a as tin tas ao trag ar o 4.27 A designaci«) “diabo” é pròpria desti
perfil do paganism o. P ode-se co m p arar texto e das cartas pastorais (lT m 4,11); diz
com a descrigáo truculenta de Sb 14,22- o m esm o em form a positiva Tg 4,7.
30 sobre as conseqüéncias da idolatría. Os 4.28 N ao basta o preceito negativo do
qualificativos sao duros e cortantes: obscu- decálogo. Do “ro u b ar” se passa ao extre
ridade, ignorancia, dureza, im pureza, en ­ m o oposto do “socorrer”: abster-se do mal
gano. V árias palavras soam com o term os e fazer o bem.
de filósofos gregos: nous, dianoia, agnoia, 4.29 “ O fensiva” : segundo a etim ologia,
epithymia. podre, repugnante; opóe-se a “agradável”
571 CARTAAOS EFÉSIOS

1 1 imi ,1 lu n a n c n h u m a p a la v ra o fe n s iv a , é u rn a fo rm a de id o la tria — re c e b e rá
Mi r. nina palavra boa que e d ifiq u e q u em h e ra n g a n o re in o d e C risto e d e D e u s.
|in i r.a e a g rad e a q u e ra a e sc u ta . N a o
<lll|ar. o I .sp irito d e D e u s q u e v o s se - O reino da luz — 6N in g u é m v o s e n g a -
imi paia o d ía d o re s g a te . 31A fa s ta i d e n e co m d is c u rso s v a z io s , p o is p o r c a u ­
u n luda a m a rg u ra , p a ix á o , c ó le ra , g ri- sa d isso so b re v é m a ira de D e u s so b re
ih , in su lto s e q u a lq u e r tip o d e m a l- o s re b e ld e s. 7N áo v o s to m é is c ú m p li-
•l'iili ' S e d e a m á v e is e c o m p a s s iv o s c e s d e les. 8P o is, se n o p a ss a d o fo ste s
un . para c o m o s o u tr o s . P e r d o a i- v o s , tr e v a s , a g o r a p e lo S e n h o r s o is lu z :
mi.....D eus v o s p e rd o o u e m a te n g á o a c o m p o rta i-v o s c o m o filh o s* d a lu z .9—
i iM o . F ru to d a lu z é to d a b o n d a d e , ju s tig a e
v e rd a d e . — 10P ro c u ra i d is c e rn ir o q u e
£ 'Im itai a D e u s c o m o filh o s q u e ri- a g ra d a ao S en h o r. n N á o p a rtic ip é is d a s
»» ilns; 2agi c o m am o r, c o m o C ris to o b ra s e s té re is d a s tre v a s, p e lo c o n tr à ­
vi iMimou até en treg ar-se p o r v o s a D e u s rio , d e n u n c ia i-a s . 120 q u e e le s fa z e m
i inni) oferenda e sacrificio de aroma á s e s c o n d id a s d á v e r g o n h a d iz é - lo .
iiviiiilável. 3F o rn ic a c á o , im p u re z a d e 13T u d o o q u e é e x p o sto à lu z fic a e v i­
i|iinl(|iier tipo, cobiga, n em se q u e r se n o - d e n te , 14e o q u e é e v id e n te é lu z. P o r
inricm no m eio de v o s, c o m o c o n v é m isso diz: D e sp e rta , tu q u e d o rm e s , le-
■i i uiisagrados; 4d a m e s m a fo rm a , co i- v a n ta -te d a m o rte , e C risto te ilu m in a ­
iui'i ob scen as, e s tú p id a s, g ro s s e ira s , in - rá! 15O b se rv a i a te n ta m e n te c o m o ag is,
1 1 invenientes; p e lo c o n trà rio , a ag á o de n a o c o m o in s e n sa to s , m a s c o m o s e n s a ­
iniigas. 5P o is d e v e is sa b e r q u e n e n h u m to s. 16A p ro v e ita i a o c a sià o , p o is o s te m ­
Ini m cador ou im puro ou av aren to — que p o s sa o m a u s . 17P o r isso , n a o s e ja is

4,30 Segundo Is 63,10; “ irritar” a D eus gar-se a entrar na terra (N m 1 3 -1 4 ), Coré,


i1 expressao freqüente no AT (Dt 9,16; Jr D ata e A b iram e seus sequazes (N m 16);
/, IK etc.) O E spirito é no fiel um selo que v er tam bém o SI 106. O tem a da ira é fre ­
11 11 1 v a a propriedade e g aran te a ressur- q ü e n te em E z e q u ie l. L u z e tre v a s: Jo
II-¡gao. 12,36.
4,32 Segundo o Pai-nosso e o exem plo 5,8-14 D esenvolve o sím bolo tradicio­
ile ( ’risto na cruz (M t 6,14; L e 23,34; cf. nal da luz e das trevas, culm in an d o em
I Cío 28,1-4). C risto com o luz do am anhecer (cf. SI 57;
Is 60); é tam bém sím bolo batism al. Na
5,1-2 Im itagáo de D eus e de C risto. O o bscuridade se esconde o viciado (Eclo
I evitico diz “ sede santos com o eu sou 23,18 “as trevas me envolvem ... ninguém
milito” (11,44.45; 19,2; 20,26); no SI 112 m e v e” ; Jó 24,13-17); m as a luz delata o
ii liomem deve assem elhar-se ao D eus do delito (SI 90,8 “puseste nossas culpas à luz
SI 111; Jesus propóe o Pai com o exem - do teu o lh ar”). O m undo da luz se opóe ao
plo (M t 5,44-45). lP d 2,21 p ropóe a im i- m undo das trevas. Tem seus afeigoados,
lagfio de C risto, que co rresp o n d e de a l­ produz fruto, recebe luz de C risto g lo rifi­
cuni m odo ao seguim ento (L e 9,57-62). cado. Pelo contràrio, as obras das trevas
Sua entrega por am or (cf. M t 17,22; 26,2 sao estéreis e vergonhosas.
par.) é o culto sacrificai que D eus aceita, 5,8 *Ou: criaturas.
"de agradável o d o r”, segun d o a expres- 5,14 P arece citagáo de um hiño cristáo.
sáo bíblica. Q uem dorm e na m orte, que se levante (cf.
5,5 Ver IC o r 6,9-10. A avareza com o o convite a Jerusalém em Is 51,17; 52,1)
idolatria se baseia na visáo dos profetas, para con tem p lar a luz de C risto ressus-
i|ne denunciam a cobiga com os m esm os citado que am anhece (cf. Is 60,1-3; 62,1;
lermos que a idolatria. SI 57).
5,6-7 “A ira de D eus descarreg a-se so ­ 5,16 “ T em pos m aus” sao os da Igreja
bre os reb eld es”, com o ilustram diversos até a parusia, que será a luz definitiva (C1
episodios dos israelitas no deserto: o ne- 4,5).
CARTA AOS EFÉSIOS 572

im p ru d e n te s, m a s c o m p re e n d e i o que á g u a e c o m a p a la v ra , e consagi'lt |m
o S e n h o r d e seja . 18Náo vos embriaguéis 27p a ra a p re s e n ta r u rn a Ig re ja glon> >¡.i|
com vinho, q u e g e ra lu x ú ria, m a s enchei- se m m a n c h a n e m ru g a n e m c o is .i i
v o s de E sp irito . 19E n tre v o s e n to a i s a l­ m e lh a n te , m a s s a n ta e ir re p re e ir.r >l
m o s, h in o s e c a n to s in s p ira d o s , c a n ta n ­ 28O s m a rid o s d e v e m a m a r su a s mullu
d o e to c a n d o d e c o ra c á o e m h o n ra d o re s, c o m o a se u p ró p rio c o rp o . Qm n|
S en h o r, 20d a n d o g ra g a s se m p re e p o r a m a su a m u lh e r a m a a si m e sm o ; ....
tu d o a D e u s P a i, e m n o m e d o S e n h o r g u é m ja m a is o d io u o p ró p rio co i|» i
n o ss o Je s ú s C ris to . 21S u b m e te i-v o s u n s m a s o a lim e n ta e d ele c u id a, c o m o ( 'r(|>
a o s o u tro s e m ate n g a o a C risto . to faz co m a Igreja, 30já q u e so m o s nu'iu
b ro s d o se u c o rp o . 31P o r isso , o hontnn
M arido e m ulher — 22A s m u lh e re s abandonará seu pai e sua máe, se uní
se ja m su b m iss a s a o s m a rid o s c o m o ao rá á sua mulher, e os dois ser ao urna vtl
S e n h o r; 23p o is o m a rid o é c a b e g a d a carne. 32E sse sím b o lo é m a g n ífic o , o i ii
m u lh e r, c o m o C ris to é c a b e g a d a Ig re - o a p lico a C risto e á Ig reja. 33A ssim v(>■i
ja , ele q u e é o sa lv a d o r d o co rp o . 24P ois, c a d a u m a m e su a m u lh e r c o m o a I
c o m o a Ig re ja se s u b m e te a C risto , as- m e s m o , e a m u lh e r re sp e ite o m arido
sim as m u lh e re s a o s m a rid o s e m tu d o .
25H o m en s, am a i v o ss a s m u lh e re s, c o m o Filhos e escravos — 'F ilh o s , obo*
C risto a m o u a Ig re ja e se e n tre g o u p o r d e c e i a v o s s o s p a is e m ate n g a n
e la , 26p a ra lim p á - la c o m o b a n h o d e a o S e n h o r, p o is é ju s to q u e o fagais

5,18 A precau g áo diante do vinho é con- A pocalipse utilizam este sím bolo para c<>n
selho sapiencial corrente (urna irònica ex ­ clu ir o texto da B iblia.
p la n a d o em Pr 23,29-33); é original e cris­ “Sem m ancha nem ruga” pertence au
ta a alte rn a tiv a o p o sta , com o ilu stra o casam ento. “A p re se n ta r” é a fungáo d<>
episodio de Pentecostes (A t 2,13-16). ninfagogo (o próprio D eus apresenta Eva
5,19-20 N ao propde urna distingáo ri­ a A dáo); C risto faz o papel de ninfagogo
gorosa. Sao reconhecíveis os “ hinos” de seu. A lim entar e cuidar, com relagáo afe
louvor e a agáo de gragas; os “salm os” se tuosa e tem a (thalpo), correspondem á vida
cantavam com acom panham ento; para os conjugal (ver as exigencias em Ex 21,10),
cantos “inspirados” , v er lC r 25,1-3. A im agem passa á equagáo: cabega-coi
5,21 V ersículo program ático do que se po = m arido-m ulher = C risto-Igreja. Con
segue. tudo, deve-se ter presente que a propor
5,22-33 Texto extraordinàrio que a urna gao nao é idéntica, por causa da soberanía
visáo do m atrim onio condicionada cu ltu ­ única do C risto “S enhor” (quando 2Jo I
ralm ente sobrepòe urna sim bologia que a cham a kyria a urna Igreja local, o título
transcende e sublim a. A concepgáo cultu­ tem outro alcance), e por seu título de “Sal
ral estabelece a desigualdade: o m arido vad o r” (v. 23).
am a, a m ulher se subm ete. O sím bolo con­ 5,24-25 Q ue nao se deixe desatendida a
siste em extrair do G énesis A dáo e Eva afirm agáo: a Igreja está subm etida a Cris­
com o casal fu ndacional e exem plar, para to. O am or conjugal de C risto o leva ao
ascender ao an títip o , o M essias e a Igre­ sacrificio de si m esm o.
ja. A lém disso, o sím bolo estabelece um 5,26 O contexto condiciona a interpre
exem plo ou m odelo: nao sao C risto e a tagáo do batism o com o purificagáo; m as ó
Igreja que reproduzem a experiencia con­ tam bém consagragáo.
ju g al, m as é o contràrio. O AT preparou 5,31 S egundo Gn 2,24. Sem que Paulo
generosam ente este sím bolo com a im a- o diga, alguns P adres com entam que o F¡
gem de Yhwh esposo e a com unidade ou a lho de D eus abandona o Pai para unir-se á
capital esposa (O s 2; Is 1,21-25; 5,1-7; Jr sua Igreja.
2,1; 3,1-5; 31,21-22; E z 16; Is 49; 54; Br
4—5); tem os de destacar a com paragáo au­ 6 ,1 -4 C ontinua no ám bito da fam ilia.
daz de Is 62,5. O s últim os capítulos do A póia-se no decálogo com sua m otivagáo
573 CARTA AOS EFÉSIOS

'tlxiii ii i' ii /’in e tua mäe: é o p rim e i- c o n tr a a s a u to r id a d e s , c o n tr a a s p o ­


iii iiiitiiil.iuicnto, q u e in c lu í u rn a p ro - te s ta d e s , c o n tr a o s s o b e r a n o s d e s ta s
tllfni,.! '/’i/ni t/ue tudo te corra bem tr e v a s , c o n tr a e s p ír ito s m a lig n o s d o
i i / 1 >«. milito tempo na terra. 4P a is , ar. 13P o rta n to , to m a i as a rm a s de D e u s
itüM Mi iii is v o ss o s filh o s , m a s e d u c a i- p a ra p o d e rd e s re s is tir n o d ia m a u e sa ir
I« 1111 d is c ip lin a e c o m a e x o rta g ä o d e firm e s d e to d o o c o m b a te . u Cingi os
IllllK rins com a verdade, revestí a couraga
I ’11 i.ivos, o b e d e c e i a v o s s o s se n h o - da justiga, 15c a lg a i a s s a n d á lia s d a
ihí 1 1 ti porais, e s c r u p u lo s a e s ín c e ra - prontidáo para o evangelho da paz.
H l f i i l i 1, ro m o a C risto ; 6n ä o p o r se rv i- l6P a ra tu d o e m p u n h a i o e s c u d o d a fé,
I I d m iu mi p a ra o s a d u la r, m a s c o m o n o q u a l se a p a g a r á o a s la n g a s in c e n -
|#f viis de C risto q ue c u m p re m c o m to d a d iá r ia s d o m a lig n o . xlColocai o ca­
i iilni.i ii v ontade de D euS. 7S e rv i d e b oa pacete da salvagáo, e m p u n h a i a e s ­
n M i l m l c c o m o a C ris to , n a o c o m o a p a d a d o E s p ir ito , q u e é a p a la v r a d e
Iniiiii iis; ^co n scien tes d e q u e o S e n h o r D e u s.
ini|iiii.i a c ad a u m o b e m q u e fizer, seja 18C o n sta n te s n a o ra g á o e n a sú p lic a ,
d i v o , seja liv re. 9S e n h o re s , tra ta i-o s re z a i c o n sta n te m e n te c o m esp irito ; p a ra
lii iiii'sm a fo rm a , n a o o s a m e a g a n d o , is so v e la i c o m p e rs e v e ra n g a , re z a n d o
i «insc ientes de q u e n o c é u e stá o S e- p o r to d o s os co n sa g ra d o s; ,9tam b é m p o r
iiliui d eles e v o ss o , q u e n a o c e d e a fa ­ m im , p a ra q u e q u a n d o eu a b rir a b o c a
vi mi ism os. m e se ja c o n c e d id o o d o m d a p a la v ra e
p o s s a e x p o r liv re m e n te o s e g re d o d a
I i i I i i contra o m al — 10F in a lm e n te , b o a n o tic ia . 20E u so u m e n s a g e iro d é la
liiila le c e i-v o s n o S e n h o r e n a s u a fo r ­ n a p risá o : q u e e u p o s s a a n u n c iá -la li­
bii p o d e ro s a . n V e s ti a a r m a d u r a d e v re m e n te , c o m o é d e v id o .
I ir ns p a ra p o d e r d e s r e s is t ir a o s e s-
iia la g e m a s d o d ia b o . 12P o is n ä o lu ­ Saudagóes — 21T íq u ic o , o irm á o q u e ­
íais c o n tra se re s d e c a rn e e o ss o * , m a s rid o e m in istro fie l d o S e n h o r, v o s in-

||(x 20,12): veja-se o com entário de Eclo atuam na atm osfera sublunar. A arm adura
1,1-16. Tam bém os país térn deveres cor- descrita nao é um acertó de talento. V á-
irlativos, que o decálogo nao m enciona. rias c o rre sp o n d e n c ia s e n tre c o n c e ito e
A edueagáo dos filhos é tem a corrente do im agem sao g ratu itas, e é difícil desco-
mundo sapiencial, tanto que acabam ch a­ brir a coerència da sèrie: justiga, verdade
mando os discípulos de “filh o s” : veja-se e disposígáo, fé, salv ag áo e p alav ra de
n estilo rigoroso de edueagáo de B en Sirac D eus. C ontu d o , a u to re s e sp iritu a is po-
(líelo 30,1-13). Veja-se a recom endagáo de dem tirar bons conselhos dessa arm adura.
l'r 19,18. O AT fala m etafóricam ente das arm as de
6,5-9 Tam bém os escravos pertencem ao D eus (p. ex. SI 7; 18); o desenvolvim ento
Ambito da fam ilia. O notável é a recipro- m ais notável se le em Sb 5,17-23, am plia-
ridade de deveres e trato e a igualdade ra­ gáo de Is 59,17. N osso autor fala da ar­
dical sob o senhor único, que é D eus. Con- m adura do cristao. O auxilio do aliado se
liido, n em a v is á o te o ló g ic a , n e m a consegue pela oragáo (SI 35,1-4). C ingi-
motivagáo “com o a C risto” levaram P au­ dos: Is 11,5.
lo a tirar conseqüéncias para urna m udan­ 6,12 *Ou: carne e sangue.
za da ordem social naquele m om ento. 6,15-17 A s “sandálias” sáo o calgado de
6,10-17 A v id a crista é um a m ilicia, com um evangelista itinerante (cf. Is 52,7). Na
seus inim igos, arm as e aliado (2C or 10,4). fé se estilhagam as tentacóes (cf. M t 4 par.).
A im agem é um a batalha contra inim igos A palavra é um a espada (cf. Is 49,2; em
aguerridos e perigosos, em guerra d efen­ H b 4,12 se trata da espada de execugáo do
siva. Chefe inim igo é o “ diabo” ou o “ m a­ culpado). O capacete: Is 59,17.
ligno”; tem as suas ordens um exército de 6,19-20 U m m ensageiro encarcerado é
poderes sub alternos, de “e sp írito s” que um paradoxo. O que pede é “liberdade”
CARTA AOS EFÉSIOS 574

fo rm a rá p a ra q u e sa ib a is c o m o e sto u e 23A o s irm äos, p az, a m o r e fé qin \ . u,


o q u e fago . 22P ara isso e u o e n v ió a v o s, d e D eu s P ai e d o S e n h o r J e s u s ( 'i r in
a fim de q u e te n h a is n o tic ia s m in h a s e 24G raga e im o r ta lid a d e p a ra to d o s uJ
v o s an im e. q u e a m a m o S e n h o r n o sso Je s u s C i i-.i.

de espirito para p regar o evangelho. A brir 6,23 Im ortalidade é um conceito forte


a boca o hom em pode fazé-lo, acertar com (cf. Sb 2,23); alguns o tom am com o adje
a palavra é dom de D eus (A t 4,29). tivo de graga, sem sentido de perdurável.
CARTAAOS FILIPENSES

INTRODUÇAO

I 1111>| Mli sobre o perigo de morte, 2Cor 1,8-9).


Essa teoria explica melhor a viagem
l'm v o l t a do ano 356 a.C., Felipe II breve de Epafrodito, o intercambio de
l,i Macedònia conquistou a vila de noticias, sua intençâo de fazer-lhes
>■!, fiult 'y , limítrofe entre a Macedònia uma visita logo (2,24). Nesta hipóte-
,i Ilini ti, deu-lhe seu nome e a fon i­ se, a data seria o ano 54.
li, , •ii frente aos trácios. No ano 42, de- Sobre as circunstâncias a própria
/■)•/% ,lu famosa batalha que tem seu carta nos informa. Um assunto aparen­
ih'inr, Antonio estabeleceu nela vete- temente trivial, a viagem e a doença de
,.iiiii\ romanos, nomeando-a colonia Epafrodito; um motivo simples e gra­
i, iiiiiimi, com direito de cidadania. A ve, a necessidade de desafogar seu agra-
/ ', 7 •iilugüo era em parte romana, como decimento, sem renunciar a seu oficio
in.lii iim as moedas com inscrigóes la­ de exortar e animar.
mí, n Por eia passa a vía Egnácia, que Tem-se discutido muito sobre a uni-
mini il Italia à Asia. dade da carta, com variedade de ar­
Segundo A t 16, Filipos foi a primei- gumentos de crítica interna: mudan-
h1 1 idade “européia” visitada e evan- ças de tema, de tom, de situaçâo. Tem
ri h. ada por Paulo e Silas (pelo ano sido dividida em duas ou très cartas,
I')) Urna mulher de boa posigào so- todas de Paulo, artificialmente reuni­
• niI foi a primeira convertida “euro- das sob uma epígrafe. Num texto típi­
/>.'/</ ” ao evangelho pela palavra de camente do género carta pessoal, os
l'iiulo. Agoites, prisào e urna liberta- saltos, mudanças e prolongamentos
,'Un prodigiosa foram seu treinamento nao estranham. Contudo, uma vez que
iin novo territòrio. A i se formou urna a questâo foi aberta, é quase impossí-
i anumidade cordial e generosa, à qual vel fecha-la.
l'itulo se sentiu estreitamente vincula- O que é indiscutível é o atrativo par­
iln (1,8; 4,1). Só deles Paulo aceitou ticular dessa carta, como expressüo dos
illuda econòmica (4,14-15). sentimentos do apóstolo. Sua jóia teo­
Foi do cárcere que Paulo escreveu lógica é o hiño cristológico (2,6-11),
a carta (1,7.13.17): onde?Alguns, se­ síntese audaz e madura, que alguns
minudo a tradigáo, pensam que se en- consideram um hiño cristáo incorpo­
l ontrava jà em Roma (depois de 60); rado à carta. Em termos de apostolado,
vilam em seu apoio as expressòes é importante o valor do “testemunho ”
"pessoal do pretòrio” (1,13) e “os ser­ (1,12-14) e a prioridade de que Cristo
vidores do imperador” (4,22); como seja pregado, seja como for (1,15-19).
liirnbém sua perplexidade ante urna A participaçâo do apóstolo na morte e
¡tossível morte próxima. Mas as expres­ na ressurreiçâo de Cristo (3,10-11.20-
sòes abarcam mais, valem também 21). Alguns assuntos particulares da
¡«ira Efeso, e Paulo sabia muito de p e­ comunidade afloram: o perigo dos ju ­
rigos de morte. Outros opinam que es­ daizantes (3,1-7), a necessidade de con­
lava preso em Cesaréia (At 23—26). A cordia (3,2).
maioria hoje se inclina por urna pri­ Nâo é fácil tragar uma sinopse de
stió em Efeso, nào mencionada por uma carta que discorre sem um plano
lucas (ICor 15,32; 2Cor 6,5; 11,23; predeterminado.
CARTAAOS FILIPENSES 576 INTRODl" Mil
1.1-11 S a u d a g á o , ag áo d e g rag a s 2 ,1 9 -3 0 T im o te o e E p a fro d ito
e sú p lic a . 3 ,1 -1 6 J u d a iz a n te s e c re n te s cnJ
1 .1 2 -2 6 P ris io n e iro p o r C risto . C risto .
1 ,2 7 -3 0 R e sis te n c ia c rista . 3 ,1 7 —4,1 O e x e m p lo d e P au lo .
2 .1 -1 1 H u m ild ad e de C risto e am or 4 ,2 -9 C o n s e lh o s á c o m u n id ad '
c ristá o . 4 ,1 0 -2 2 A g r a d e c i m e n t o s e s a n
2 .1 2 -1 8 C o n d u ta c rista. d a g ó e s.
CARTA AOS FILIPENSES

T itu lo e T im o te o , se rv o s d e C ris to c o m e g o u em v ó s u rn a o b ra b o a , a le v a ­
( li mis, a todos os co n sag ra d o s a C ris-
II ■I' mis q ue resid em em F ilip o s, in c lu í-
rá a te rm o a té o d ia d e C ris to Je sú s. 7E
ju s to q u e eu sin ta isso de to d o s v ó s, já
iln’i m us bispos e d iáco n o s: 2g rag a e p az q u e v o s tra g o no c o ra g á o , e n q u a n to v ó s
I I I *-ii le de D eus n o sso P ai e d o S e n h o r so is so lid á rio s d e m in h a g rag a n a pri-
li mi. ( 'risto. sá o e n a d e fe s a e c o n firm a g á o d a b o a
noticia. 8D eu s m e é te stem u n h a de quan-
..........le g r a g a s — 3D o u g ra g a s a m e u ta sa u d a d e te n h o d e v ó s c o m o afeto
I 'i iis se m p re q u e m e re c o rd o d e v o s, e n tra n h á v e l d e C ris to Je sú s. 9Isto é o
'i M-nipre q ue p eco q u a lq u e r c o is a p o r q u e pego: q u e v o ss o a m o r c re sg a s e m ­
ii nli is vós, fago-o co m a le g ría , 5p o r cau - p re m a is em c o n h e c im e n to e em to d a
.....le v o ssa p a r tid pag áo no a n u n c io da e sp é c ie de percepgfto, " ’p ara q u e saib ais
iniM n o ticia, d esd e o p rim e iro d ia até a p re c ia r o q u e te m m a io r valo r. A ssim
l iu | i '. ''D isto esto u se g u ro : a q u e le q u e c h e g a re is 1ixnpos e se m tro p e g o ao d ia

1,1-2 “ Paulo”, sem o título corrente de a petigao se enriquece aqui com a proje-
iijtosiólo, que supóe indiscutido. “S erv o '’ gáo escatológica do “dia” de C risto Jesús.
■'Ululo tradicional em am bos osT estam en- Será um dia de plénitude e alegría: nao
i.i . Tim oteo é um dos seus m elhores co- com o o que anunciam A m os e Sofonias
liilioradores; talvez tam bém na evange- (Am 5,18; S f 1,15-18), m as sim com o o
ll/itgáo de Filipos (cf. A t 16,12-40). Ao que anuncia o discurso escatológico (Le
|invo do AT, “santo” ou consagrado a Yhwh 21,28). “ S olidários da graga”, quer dizer,
1 1 x 19,6), corresponde o povo santo, con- da m issáo apostólica de Paulo, com suas
ij’rado a Jesús com o M essias. “ Bispos e conseqiiências de penalidades. Na solidáo
diáconos”: vigilantes ou supervisores e au- ou na hostilidade do cárcere, brota com
h1 1iares ou em pregados. Esses títulos eram força a “ sa u d a d e ” : sen tim en to hum ano
nim uns no mundo grego e ju d eu , e nao transfigurado pela uniáo com Cristo.
linliam o significado e alcance que tém 1,9- 10a Dizem que o am or cega: a cari-
••litro nós. Note-se o plural “b isp o s” . dade crista tam bém ? O im pulso radical
1,3-11 A agao de gragas costum eira se pode desencam inhar ou exorbitar seu d i­
i'iitremeia com a súplica, num tom afetuo- nam ism o. É preciso colocar a caridade à
m) e cordial, expressáo de sentim entos. luz do “conhecim ento e percepçâo” , para
Alegría, carinho, saudade, confianga do- poder “discernir” . Eis aqui a “discreta ca­
minam as relagóes de Paulo com os fili- ridade” (de Santo Inácio). D iscernir: nao
pcnses. A carta é desde o principio m uito entre o bem e o m al, m as entre o bom e o
pessoal e nos ilustra um aspecto hum ano m elh o r (o autor se disp ó e a um ato de
im portante do apostolado, que segue de discernim ento transcendental, 1,21-25). A
lato o exem plo de Jesús: “eu vos cham o m esm a caridade estim ula a afinar a per-
am igos” (Jo 15,15). cepgao.
Os fil¡penses nao só aceitaram o evan- 1,10b-11 A súplica estende de novo o
V.elho, m as também colaboraram com Pau­ olhar para a parusia (IC o r 1,8) e conclui
lo na sua propagagáo (v. 5); falta que D eus com urna breve doxologia. “ O fruto da
com plete neles a obra com egada (v. 6), até honradez” ou justiga é m etáfora Corrente,
ii parusia. até lexicalizada, na literatura sapiencial (Pr
1,6-8 “Nao abandones a obra de tuas 1,31; 12,14; 13,2 etc.) A purando a ima-
máos” é a conclusáo de um salm o (138,8): gem , podem os concluir que as obras sao
CARTA AOS FILIPENSES 578

d e C risto , n c a rre g a d o s c o m o fru to d a o u s in c e ra m e n te , C ris to é a n u n c ia d o ,.


h o n ra d e z q u e C ris to J e s ú s p ro p o r c io ­ d is s o m e a le g ro e m e a le g ra re i; ' ’’poli
n a, p a ra a g lo ria e lo u v o r d e D e u s. se i q u e isso a c a b a rá e m m in h a lib eita
g áo , p o r v o ss a s o ra g ó e s e p e lo au x ili"
P r i s io n e i r o p o r C r is to — 12Q u e ro q u e do E sp irito d e Je s ú s C ris to . 20E sp e ro i
sa ib a is, irm á o s, q u e m in h a situ a g á o re- a g u a rd o n á o m e in tim id a r p o r c o isa al
d u n d o u na d ifu sá o d a b o a n o tic ia ; 13p o is g u m a ; ao c o n trà rio , c o m m in h a valen
o p e ss o a l d o s p a lá c io d o g o v e rn a d o r e tia , a g o ra c o m o s e m p re , C ris to sef i
as o u tra s p e s s o a s d e sc o b rira m q u e es- e n g ra n d e c id o co m m in h a v id a c o rp i>
to u p re s o p o r c a u s a d e C ris to , 14e a ral o u c o m m in h a m o rte . 21P o is minha
m a io ria d o s irm á o s q u e c o n fia m n o S e- v id a é C risto , e m o rre r é lu c ro . 22M .r
nhor, c o m m in h a p risá o se an i m am p a r a se m in h a v id a co rp o ral v ai p ro d u z ir lin
a n u n c ia r se m te m o r a m e n s a g e m . 1;,U ns to , n á o sei o q u e e sc o lh e r. 23A s dua
p ro c la m a ra C ris to p o r in v e ja e p o r p o ­ c o is a s m e a tra e m : m e u d e s e jo é m orrci
lé m ic a , o u tro s c o m b o a v o n ta d e . 16U n s p a ra e sta r c o m C ris to , e isso é m uit"
p o r a m o r, s a b e n d o q u e m e e n c o n tro m e lh o r; 24m a s p a ra v ó s é m a is ñecos
assim p a ra d e fe n d e r a b o a n o tic ia ; 17o u- sá rio q u e e u c o n tin u e v iv e n d o . 25Oia
tro s a n u n c ia m C ris to p o r a m b ig á o e m á e sto u c o n v e n c id o d e q u e fic a re i e con
in te n g á o , p e n s a n d o a c re s c e n ta r so fri- tin u a re i c o n v o sc o p a ra v o s s o proveí!. >
m e n to s á m in h a p risáo . 18Q u e im p o rta? e a le g ria d e v o ss a fé; 26e a s s im , p o r mi
E m q u a lq u e r c a so , se ja c o m o p re te x to n h a c a u sa , q u a n d o eu v o lta r a visitai

“fruto”, nao condigáo, e que a fertilidade de rigorosa, m as reage com generosidadc


é o que Jesús C risto procura (cf. Os 14,9 o que im porta náo é sua pessoa, e sim a
“de m im procedem teus frutos” ; Jo 15,16). m ensagem de Cristo. E sta é urna ligáo peí
1,12-14 P aradoxo da prisáo (E f 3,1). m anente de apostolado.
E ncarcerando o apóstolo num a instituigáo 1.19 “R edundará em salvagáo” : citagáo
rom ana, o presentearam com urna p lata­ livre de Jó 13,16, em contexto m uito dife
form a inesperada de apostolado. Seriam rente. A qui a “salvagáo” é sair do cárcere,
as conversagóes particulares e as declara- fato particular que se inscreve no contex
góes oficiáis. O s A tos docum entam essa to am pio da “salvagáo” total, com o dá a
tática paulina de aproveitar qualquer oca- entender a seguir.
siáo, diante de qualquer auditorio (cf. o 1.20 “Com a vida ou com a m orte” c
conselho de 2T m 4,2). Por ora foi-se acla­ abrir-se a qualquer eventualidade. Ver a
rando que a causa da sua prisáo nao sao fórm ula lapidar de Rm 14,8.
delitos contra a lei rom ana, m as sim ples- 1,21-26 D iscernim ento entre dois bens,
m ente sua pregagáo sobre o M essias. Esse o seu pessoal e o proveito de seus fiéis
resultado im previsto dà ànim o a todos os (2C or 5,8). A vida e m orte corporais, da
outros, “que confiam no S en h o r”, e por pessoa em seu estado corpóreo presente,
isso sao capazes de co m p reen d er sob ou- corruptível, se opóe a vida transformada
tra luz a aparente desgrana. ou salva pela presenga e agáo do Senhor
1,13 C ham a “pretorio” urna residéncia glorificado. Vida que já com egou no ba
do g o v e rn a d o r ou do re p re se n ta n te de tism o e que continua em plenitude para
Rom a. além da m orte corporal ou biológica. Pau
1,15-19 D e repente, urna som bra obs­ lo náo está avalizando aqui urna concep
curece seus pensam entos. A lg u n s da co- gao filosófica grega de alm a separada, mas
m unidade ou nela se aproveitam da prisáo pensa em sua pessoa concreta, com o na
de Paulo com segundas intengóes, m esm o prom essa ao bom ladráo (Le 23,43). Esse
que nao fosse para p regar um evangelho “ e sta r c o m ” é v islu m b rad o p or alguns
diferente ou contràrio (cf. G l 1,6-9). Por orantes do AT (SI 16,11; 73,23-25).
am bigáo, cobiga ou inveja: quer dizer, para E curioso que Paulo pense que a escolha
ocupar o lugar do ausente, para rivalizar dependa dele e náo dos rom anos, e que a
seus éxitos. Paulo denuncia com brevida- escolha desem boque em convicgáo sobre o
579 CARTA AOS FILIPENSES

u i i vil', se n tiré is m a is o rg u lh o so s de A m or cristáo e humildade de Cris­


t ii iiii li s u s . J7U m a c o isa im p o rta : q u e
n i i niidiita se ja d ig n a da b o a n o tí-
2 to — ’S e alg u m p o d er tem u m a exor­
ta g á o e m n o m e d e C ris to , o u u m c o n ­
i i ili < lisio e, a ssim , q u e r eu v á v er- so lo a fe tu o s o , o u u m e sp irito so lid à rio ,
, qui'i c o n tin u é a u se n te , te re i n o tí- o u a te rn u ra d o c a rin h o , 2le v a i à p len i-
■1 1 , i Ir que v o s c o n se rv á is u n id o s em tu d e m in h a ale g ría , se n tin d o as m e sm a s
{'lulo e c o rag áo , lu ta n d o ju n to s p ela c o is a s , c o m a m o r m ù tu o , c o n c o rd ia e
l.' n i lina noticia, 28se m a ssu star-v o s p o r p ro c u ra n d o a s m e s m a s c o isa s.
iiiiit i (liante d e v o sso s a d v ersário s. Isso, 3N a d a fagais p or am b ig áo ou v an g ló -
|im d e sig n io d e D e u s* , será p a ra ele s ria, m a s co m h u m ild ad e tende os outros
mu smal de perd ig áo , e de salv ag áo p ara c o m o m elhores. 4N in g u ém procure o p rò ­
ir, "'l’o is a v o s fo i c o n c e d id a a g rag a, p rio in teresse, e sim o d o s outros. 5Tende
mlii su de c re r em C risto , m a s d e p a d e- o s m e sm o s sen tim en to s d e C risto Jesús.
■II por ele, 30su p o rta n d o a m e s m a luta 6E le , a p e s a r d e su a co n d ig á o d iv in a ,
■|iii vistes em m im e agora ou v is de m im . n a o fe z a la rd e de s e r ig u a l a D e u s,

ii -.lecho. Paulo oferece $ua disponibilida- qüente, recom enda-se im itar os sentim en­
■I. ,in ato de discernim ento; entao recebe tos de C risto. O utros interpretam : cultivai
<1111. 1 luz especial que equivale a urna res- entre vós os sentim entos próprios do cris­
l«i-.la ; daí sua convicgáo, que nao é resulta- táo, de quem vive em C risto.
.lii ile previsáo hum ana. Os filipenses e 2,6-11 H iño a Jesús C risto S enhor e por
m in io s outros saem ganhando; ele sai per- ele ao Pai. D ado que nos vv. precedentes
ile iid o por ora, para sair ganhando no final. P aulo falava de hum ildade e nao de exal-
1,26 O orgulho de serení cristáos, de tagáo, e considerando a form a, é opiniáo
|ieiiencerem com Paulo a C risto Jesús. com um de exegetas que o apóstolo reco-
1,27-28 “C onduta” : em grego politeues- lhe (e talvez retoque) um hiño (aram aico
iliui :com portar-se com o cidadáos, na vida ou grego) do culto cristáo. E útil com para­
i i\-il e civilizada; só que a norm a nao é lo com os tres hinos ou aclam agóes celes­
il.ula pela polis grega, m as pelo evange- tes de A p 5, que pareccm pressupor e pro-
llio (E f 4,1). Urna vida que supoe luta. A je ta r no céu práticas litúrgicas das igrejas.
tempera e inteireza dos com batcntes será Seriam testem unho, ao m enos indireto, de
i niño antecipagáo do ju lg am en to esca- um culto cristáo prim itivo a Jesús M essias
liilógico, “perdigáo ou salvagáo” . com o Senhor.
1.28 *Ou: pela agáo de Deus. Q u an to ao c o n teú d o e form a interna,
1.29 N ao conta o padecer sim plesm en- reg e-se p elo esquem a hum ilhagáó/exal-
le, e sim a causa e a pessoa pelas quais se tagáo. Pode-se d etectar a presenga de tal
padece (A t 5,11-12 par.). esquem a em textos variados, p. ex.: “A n ­
1.30 Ver A t 16,22; C1 2,1; de m odo g e­ tes da honra está a h u m ildade” (Pr 15,33;
nérico 2C or 11,24-12,10. 18,12); “ergue do pó o desvalido para fazé-
lo sentar-se com os nobres” (SI 113,7; cf.
2,1-4 Com um desenrolar avassalador de IS m 2, cántico de A na; SI 22; 118; e o
motivagoes, Paulo introduz sua exortagáo exem plo extrem o de Is 53).
Acaridade e á hum ildade. A m bos os temas Q uanto ao desenvolvim ento, traga uma
sao conhecidos de sobra; o acertó e a impor- gigantesca parábola de descida e subida, em
lancia destes w . está na conexáo: a humilda­ dois ou quatro tem pos: vv. 6-8+9-11, ou 6-
de, resultado e condigáo de uma caridade 7 a + 7 b -8 + 9 + 1 0 -ll. A p rim eira p arte p a ­
auténtica e duradoura. Se o egoísmo é o con­ re c e c o n te r alu so es a A d áo : a “form a” ou
trario do am or (IC o r 10,24), o orgulho é seu im agem de D eus, p retensáo de ser Deus,
inimigo capital. Deve-se colocar estas linhas rebeldía em lugar de obediencia. A segun­
entre a simples proposta do amor com o re­ da parte im ita um rito de entronizagáo se­
sumo de todos os m andam entos (M t 22,37- guido de hom enagem e aclamagáo.
40 par.) e a grande explanagáo de I Cor 13. 2,6 O term o grego morphe adm ite várias
2,5 A frase é gram aticalm ente am bigua. interpretagóes: form a externa, aspecto (al-
Na tradugáo proposta, tradicional e fre- g uns traduzem “tragos”), form a interna ou
CARTA AOS FILÍPENSES 580

7m as se e sv a z io u d e si 12P o rta n to , m eu s q u e rid o s, sed e oU


e to m o u a c o n d ig á o d e e s c ra v o . d ie n te s c o m o se m p re: n ào só e m minh ■
fa z e n d o -se s e m e lh a n te a o s h o m e n s . p re s e n ta , m a s a in d a m a is e m m inha au
E m o s tra n d o -se em fig u ra h u m a n a , s e n d a , tra b a lh a n d o escru p u lo sam en iii
8h u m ilh o u -se , e m v o ss a salvagáo. 13P o is é D e u s qucm,
to rn o u -se o b e d ie n te a té á m o rte , se g u n d o seu d esig n io , p ro d u z em vó:, u
m o rte d e cru z. d esejo e sua ex ecu g ào . Fazei tu d o sciti
9P o r isso , D e u s o e x a lto u e Ihe c o n ­ p ro te s ta r n e m d is c u tir; 15a s s im serd*
ced e n ín teg ro s e irre p ro v áv e is, filh o s de Deul
u m títu lo s u p e rio r a to d o títu lo , se m d e fe ito , em m e io a u rn a gerac.au
l0p a ra q u e , d ia n te d o títu lo d e Je sú s, p e rv e rs a e d e p ra v a d a , d ia n te d a qual
todo joelho se dobre, b rilh a is c o m o e stre la s n o m u n d o , 1 o-,
n o c éu , n a té rra e n o a b is m o ; te n ta n d o a m e n sa g e m d a v id a . E sta sci,i
ue toda língua confesse m in h a g lo ria no d ia de C risto : a prov¡i
p a ra g lo ria d e D e u s P ai: d e q u e n a o c o rri e m v á o , n e m m e c a n sa
Je s ú s C ris to é o S e n h o r! in u tilm e n te . 17E se a g o ra d e v o ser den a

condigáo; im agem ou natureza. Tam bém très planos de adoradores sao com o os do
é duvidoso e discutido o sentido de har- A p 5,13. Preste-se atençâo na homenagem
pagmon: alarde do que se possui ou rapto do A bism o ou reino dos m ortos, pois mi
de algo alheio; a frase nega, “ nao ju lg o u ” . AT era opiniáo com um que os m ortos ñ a u
C om o ilu s tra d o por contraste podem -se louvam a D eus (p. ex. Is 38,18s; SI 3 0 ,Id
ver as pretensóes divinas do príncipe de 88,11-13); está m ais em sintonía com SI
Tiro (E z 28,6.9), do rei de B abilonia (Is 22,30 “diante dele se prostraráo as cinzas
14,13-14) e o convite irónico de D eus a Jó da tum ba, na sua presença se curvaráo tu
(Jó 40,7-14). dos os que descem ao p ó ” .
2.7 Esvaziou-se: (ekenosen; curiosa asso- 2,11 A conclusao de todo o movimenlo
náncia com eskenoscn de Jo 1,14), expres- é a “gloria do Pai”.
sáo audaz e vigorosa, que nos faz pensar 2,12-13 C om eça a tirar as conseqiién
por contraste na “p lenitude”; “ hum ilhou- cias. U m a ¡m ediata, a obediencia a Paulo
se” (v. 8) é equivalente m ais suave. A con- ainda que ausente. O utra geral, que enun
digáo de escravo é sim plesm ente a condi- cia e resum e o m istério da relaçào entre a
gáo hum ana subm etida a D eus. F az-se “á açào do hom em e a de D eus. A salvaçâo
im agem e sem elhanca” (homoiomati) do com eçada nao está consum ada: por isso,
hom em , dos hom ens. os fiéis háo de trabalhá-la “escrupulosa
2.8 A obediencia ao Pai define toda a m ente” (IC o r 2,3; 2 C o r7 ,1 5 ; E f 6,5): com
sua existencia hum ana até o extrem o da atençâo e cautela para nao falhar. Contu
cruz. Ao tocar este ponto mais baixo, acon­ do, é D eus quem atua no e pelo homem
tece a e x altag áo p o r agáo so b e ran a de (“ todas as nossas obras tu as realizas para
Deus. nós”, Is 26,12; “consolida a obra de nos
2.9 “E xaltou” : o verbo grego é enfáti­ sas m áo s” , SI 90,17).
co. “T ítu lo ” : traduz o grego ónoma, que 2.13 Veja-se o principio form ulado em
corresponde a um dos significados corren- Jo 15,5.
tes do hebraico shetn. O nom e é Jesús (que 2.14 Ver IP d 4,9.
com partilha com Josué, O séias e outros do 2.15 C om bina idéias, expressóes ou re
AT), o título é S enhor Kyrios, que co r­ m iniscéncias de D t 32,5; M t 12,39; Dn
responde a Yhwh ’adonay. 12,3.
2.10 O gesto significa a hom enagem de 2 .1 6 M etáfora e sp o rtiv a ( I C o r 9,24;
a d o r a d o (cf. Mt" 28,9.17; L e 24,51-52: 2T m 4,7).
hom enagem ao ressuscitado; cf. Rm 1,4). 2.17 Transpóe a linguagem do culto a
A extensáo aqui a todo o universo e textos v id a crista e à m issâo ap o stó lica. “ Li
com o IC o r 15,24-28 colocariam a h om e­ baçâo ” seria derram ar o sangue p o r Cristo
nagem do hiño no final dos tem pos. Os (2T m 4,6).
581 CARTA AOS FILIPENSES

mulini nino libagáo sobre o sacrificio e a e á m o rte . M a s D e u s te v e p ie d a d e d ele;


lihiii'i i ile vossa fé, eu m e aieg ro e cele- n á o só d e le , m as ta m b é m d e m im , p a ra
Ihii i unvosco; 18v ó s ta m b é m a le g ra i-v o s n a o a c re s c e n ta r s o frim e n to a o s m e u s
» .i l . Inai co m ig o . s o frim e n to s . 28P o rta n to , o e n v ia re i rá ­
p id a m e n te , p a ra q u e ao v é -lo v o s a le ­
I linóleo e Epafrodito — 19C o n fia n d o g ré is, e eu m e v eja liv re d e sse so frim e n ­
un Si-nlior Je su s, e sp e ro e n v ia r-v o s lo- to . 29E m n o m e d o S e n h o r, re c e b e i-o
ii<i I linóleo, p ara q u e eu m e a n im e ao c o m to d a a a le g ria . D e v e is e s tim a r p es-
o . . -lift n o tic ia s v o s s a s . 20N à o te n h o so a s c o m o ele, 30p o is p e lo s e rv ic o de
tiiiifiirin q u e se ig u a le a e ie em su a C ris to e ste v e as p o rta s d a m o rte e ex -
(ntiiim ;i p r e o c u p a d o p o r v ó s; 21p o is p ó s a v id a p a ra s u p rir a v o s s a a u se n c ia
imlir, procurarci o p rò p rio in te re ss e , e n o se rv ig o a m im .
ii.io o ile Je s u s C risto . 22C o n h e c e is os
........ t o s d ele. N o a n u n c io d a b o a n o ti- M éritos do cristáo — ’Q u a n to ao
i lii estuve a m e u serv ig o c o m o u m f i­
lini para seu pai. 23E ste é q u e m e sp e ro
3 re sto , m e u s irm á o s, fic a i a le g re s no
S en h o r.
. m iar até v ó s, p ^ ra v e r c o m o a n d a m R e p e tir-v o s p o r c a rta a s m e s m a s c o i­
un i oisas. 24E co n fío no S e n h o r q u e tam - sa s, n áo é p e sa d o p a ra m im e é se g u ro
t•• in c.'ii irei a i lo g o . 25Ju lg o n e c e ss à rio p a ra v ó s. 2C u id a d o c o m o s c a e s, c u id a ­
i nviar-vos E p a fro d ito , irm à o c o la b o ra - d o co m o s m a u s tra b a lh a d o re s , c u id a ­
ili ii e c o m p a n h e iro , v o ss o e n v ia d o p a ra d o c o m o s m u tila d o s! 3S o m o s n ó s os
iiirnder às m in h a s n e c e ss id a d e s; 26p o is c irc u n c iso s, o s q u e s e rv im o s a D e u s em
i Ir vos fa z fa lta e está in tra n q ü ilo por- e sp irito , p o m o s em C ris to n o s s a g lo ria
iinc fic a s te s s a b e n d o q u e e le e s ta v a e n áo n o s a p o ia m o s em m é rito s c o rp o -
ilocnte. 27É v e rd a d e q u e e ste v e d o e n te ra is, 4e m b o ra eu p u d e ss e m e a p o ia r n e-

2,18-20 E stas linhas m ostram as rela- jud eu s, cham ando “m utilagáo” a circun-
i.ors afetivas e efetivas entre a com unida- cisáo. Pode-se recordar a pràtica de alguns
iIr e Paulo encarcerado. Tal vez para que ju d eu s para exercitar-se no ginásío á moda
irssalte a fidelidade de T im oteo, exprim e grega (lM c l,1 4 s). Paulo aproveíta a situ-
uin desabafo (v. 21), generalizando a pró- agáo, seja qual for, para pro p o r urna sínte-
|it ia desilusáo. A consciencia de urna pos- se do seu ensinam ento, que coincide com
nívcl condenagáo á m orte (v. 17) sobrepóe sua v ida e se pode apresentar com o dou­
n esperanza certa da libertad lo (v. 24). trina e com o exem plo.
3,3 Os judaizan tes insistiam na circun-
3 ,1 a A expressáo sem ítica su bjacente cisáo com suas conseqüéncias com o ca-
significa festejar, com partilhando a alegría, m inho necessàrio de salvagáo. G loriavam -
lista frase poderia ser o com ego de urna se de um rito c o rp o ra l q u e a te sta v a a
saudagáo final (4,10). eleigáo e a alianga, e exerciam sua religio-
3 ,lb - 2 De repente se interrom pe e dá sidade no servigo de um culto m aterial.
tima guiñada violenta, com o se Paulo con- Paulo retorce a pretensáo, opondo-lhe urna
linuasse ditando em outro m om ento, de- cireuncisáo espiritual (cf. Jr 4,4; Rm 2,29),
pois de receber outras noticias, ao desco- um servigo ou culto em espirito (cf. Jo
lirir urna ameaga ou perigo da com unidade 4,23-24; Rm 12,1), um gloriar-se só em
ilc Filipos. Parece referir-se a pregadores C risto (2C or 11,18).
judaizantes que tentavam im por a circun- 3,4-6 Q uanto a m éritos de raga, educa-
eisáo aos pagaos convertidos ao cristianis­ gao e conduta, pode com petir com qual-
mo. N áo é fácil definir se os ju daizantes quer deles. E num era sete títulos, que lhe
operavam já em Filipos ou se Paulo quer servem de contraste para u m a valorizagáo
só precaver contra a difusáo da doutrina com parativa. O prim eiro é a circuncisáo
deles. C erto é que os epítetos usados sáo (2C or 11,20-22), o últim o a justiga legal:
duros, injuriosos (A p 22,15); fazem eco a é irónico aduzir com o m érito ter persegui­
insultos sem elhantes dos pagáos contra os do a Igreja (A t 8,3).
CARTA AOS FILIPENSES 582

les. E se a lg u é m re c o rre a m é rito s se- d o . M a s, e s q u e c e n d o o q u e fica p in


m e lh a n te s , c o m m a io r ra z á o eu : C i r ­ trá s, e sfo rg o -m e p e lo q u e e s tá à fi enti
c u n c id a d o a o o ita v o d ia , is ra e lita de u e c o rro p a ra a m e ta , p a ra o p rè m io .in
raga, d a trib o d e B e n ja m im , h e b re u fi- q u a l D e u s m e c h a m o u d o a lto p o r m u.
lh o d e h e b re u s; em relag áo á lei, farise u , d e C ris to J e s ú s. 15P o rta n to , n ó s q u e sfl
6z e lo s o p e rs e g u id o r d a ig re ja ; n o q u e m o s m a d u ro s, d e v e m o s p e n s a r assim
se re fe re á ju s tig a leg al, irre p ro v á v e l. se a lg u é m p e n sa d e o u tro m o d o , D im
7P o ré m , o q u e p a ra m im e ra g a n h o , p o r v o -lo re v e la rá . 16P o rta n to , o p o n to a qu.
c a u sa de C ris to c o n sid e re i p e rd a . 8M ais c h e g a m o s m a rc a rá p a ra n ó s a diregim
ain d a: c o n s id e ro tu d o p e rd a e m c o m -
p arag áo c o m o su p e rio r c o n h e c im e n to O exem p lo de P aulo — 17Irm ü o s,
d e C ris to Je s ú s, m eu S e n h o r; p o r ele p ro c u ra i to d o s im itar-m e, e p re sta i aten
d o u tu d o c o m o p e rd id o e o c o n sid e ro g ao a o s q u e se c o m p o rta m se g u n d o u
lix o , c o n ta n to q u e eu g a n h e C ris to 9e e x e m p lo q u e te n d e s e m m im . 18Já vm.
e ste ja u n id o a e le , n a o c o n ta n d o c o m d is se m u ita s v e z e s e a g o ra v o -lo d ip i
urna ju s tig a m in h a b a s e a d a n a lei, m a s c h o ra n d o , m u ito s se c o m p o rta m conm
na fé em C risto , a ju stig a q u e D e u s c o n ­ in im ig o s d a c ru z d e C risto : 19se u desti
c e d e a q u e m eré. 10O h! c o n h e c é -lo e n o é a p e rd ig á o , se u D e u s é o v en tre , u
c o n h e c e r o p o d e r de su a re s su rre ig á o e q u e é v e rg o n h o s o é su a h o n ra , su a men
a p a rtic ip a g á o em s e u s s o f rim e n to s ; ta lid a d e é te rre n a . 20N ó s, a o contràrio,
c o n fig u ra r-m e co m su a m o rte , u p a ra s o m o s c id a d á o s d o c é u , d e o n d e espe
v e r se alc a n g o a re s su rre ig á o d a m o rte . ra m o s re c e b e r o S e n h o r J e s ú s C risto.
I2N áo q u e e u já a te n h a c o n se g u id o n em 21q u e tra n s fo rm a rá n o s s o c o rp o hum il
q u e já se ja p e rfe ito ; eu c o n tin u o p a ra d e n a fo rm a d o se u c o rp o g lo rio so , coni
a lc a n g á -lo , c o m o C ris to m e a lc a n g o u . a e fic á c ia c o m q u e e le p o d e su b m e te r a
13Irm á o s, n a o p e n só té -lo j á c o n se g u i- si to d a s a s c o isa s.

3,7-8 O s m éritos m encionados e outros palavras nao o conseguem , que o própriu


que se poderiam m encionar sao “ p erda” D eus supra.
com parados com o “lucro” de C risto (cf. 3.16 Frase duvidosa. O utros traduzeni:
M t 13,44-46; 16,26). R ecorda as pondera- devemos manter o que temos alcanzado.
góes de textos sapienciais sobre o valor com ­ 3.17 Pode propor-se com o exem plo por
parativo da sabedoria (Pr 8; Jó 28; Sb 7). que segue o de C risto (IC o r 11,1; cf. Jo
3,9 Síntese brevíssim a de um a doutrina 13,15). N ao exem plo de algo acabado, mas
central de Paulo, que desenvolve em GI e de um esforgo constante.
Rm. 3,18-19 Pode referir-se aos judaizantes
3,10-11 F rase culm inante, das que se (3,2) ou a outros em geral. Sao inimigos
destacam em todo o corpo paulino: c o ­ da cruz de C risto (I C o r 1,23) porque bus
nhecim ento íntim o da pessoa de Cristo, ex­ cam sua seguranga em ritos e desem pe
periencia pessoal da eficácia da sua res­ nhos puram ente hum anos. Em observan
surreigáo, co m u n h áo com sua paix áo e cias alim entares (ventre, Rm 16,18), na
esperanga segura de ressuscitar. M uitos circuncisáo (vergonha), no terreno, ou en
paralelos poderiam servir de m oldura a es- táo o cu lto m aterial, segundo 3,3, onde
sas frases; indiquem os ao m enos Rm 8. eoloeam a salvagáo futura. N otem -se tañí
3,12-14 Mas se trata de um program a que bém os term os “D eus” e “honra” . Outros
vai se realizando ao longo de um a vida, com entaristas pensam que se refere a li­
com o um a prova de atletism o (2,16), desde bertinos, talvez com o os descritos em Sb 2.
o cham ado, que é a largada, até a premiagáo 3,20-21 “ C éu ” sub stitu í com freqüén-
(lT m 6,12). C risto alcangou Paulo no ca- cia o nom e de D eus e rep resen ta im agi­
minho de Damasco, agora com pete a Paulo nativam ente a m orada divina. Som os “ ci­
correr para alcangar a C risto (IC o r 9,24). d ad á o s” de um a cid ad e onde o próprio
3,15 C om suas palavras e autoridade, D eus g o v ern a (H b 12,22), o q ual do alto
procura persuadir os destinatários; se suas (3,14) en v iará Je sú s C risto p ara que leve
583 CARTA AOS FILIPENSES

' A v.im . a m a d o s e sa u d o s o s irm ao s, b e s te s , e s c u ta s te s e v is te s e m m im , is­


4 nli i'iia i' c o ro a m in h a , c o n se rv a i-
uk. u t.m i lié is a o S en h o r, m e u s q u e-
so p ra tic a i. E o D e u s d a p a z e sta rá c o n -
v o sc o .
tliliih
A gradecim entos e saudaçôes — lnO
Uh tinu'iida^óes — 2E x o rto a E v ó d ia , S e n h o r m e e n c h e u d e a le g ria , p o rq u e
ti li > a S in tiq u e , p ara q u e e s te ja m de v o s s a so lic itu d e p o r m im flo re sc e u o u ­
m nnlii cui n o m e d o S en h o r. 3A t i , m eu tra v e z ; s e m p re a tín h e is , p o ré m v o s
III I Mili-|'.a, peijo q u e a ju d e s a e ss a s que, fa lta v a o c a siâ o . n N a o fa lo d e in d ig é n -
ii lii Ima n o tic ia , lu ta ra m c o m ig o , co m c ia, p o is a p re n d i a a d a p ta r-m e à s ne-
li lucilie e o u tro s c o la b o ra d o re s m eus; c e s s id a d e s . 12S ei o q u e é s e n tir fa lta e
u nii m im es e stá o e s c rito s n o liv ro da se i o q u e é te r d e so b ra . E sto u p le n a ­
t l i l i i ' Tende se m p re a a le g ria d o S e ­ m e n te in ic ia d o n a s a c ie d a d e e n o je -
llim i. rep ito : e sta i a le g re s. Q u e to d o s ju m , na a b u n d â n e ia e n a e scassez. 13P os-
n i iin h e ^ am v o s s a c le m e n c ia . O S e ­ so tu d o c o m a q u e le q u e m e fo rta le c e .
llim i e stá p e rto . 6N a d a v o s p re o c u p e . 14C o n tu d o , fiz e ste s b e m ao m o stra r-v o s
IVIii c o n trà rio , e m v o s s a s o ra g ò e s e sti­ s o lid á rio s c o m m e u s s o frim e n to s.
l l i l i ns, c o m a§ ào d e g ra g a s, a p re s e n ta i 15V ó s, filip e n s e s , sa b é is q u e n o in i­
.i I >ms v o s s o s p e d id o s . 7E a p a z d e c io d e m in h a p re g a ç â o , q u a n d o s a i d a
liru s, c|ue su p e ra a in te lig e n c ia h u m a - M a c e d ò n ia , n e n h u m a ig re ja , além de
ini, gua rde v o s s o s c o ra g ò e s e m e n te s v ó s, asso c io u -se a m in h a s c o n ta s d e sai-
|iui m eio d e C ris to Je s u s. 8Q u a n to ao d a s e e n tr a d a s . l6Q u a n d o e s ta v a em
ii’Nlo, irm à o s, o c u p a i-v o s d e tu d o o q u e T e ssa lò n ic a , m a is d e u m a v e z m e en -
(t v crd ad eiro , n o b re , ju s to , p u ro , a m à- v ia stes alg o p a ra s u p rir às m in h a s n e-
vrl e lo u v á v e l, d e to d a v irtu d e e d e to - c e ss id a d e s. 1'N a o e sto u b u s c a n d o p re ­
iln v a lo r. 90 q u e a p r e n d e s te s , re c e - se n te s; b u s c o , a n te s , o s b e n e fic io s q u e

u Imin term o a salvagáo com egada, tran s­ dicional cristâo. N ote-se a inclusâo menor:
ió! mando gloriosam ente todo o nosso ser, “a paz de D eus... o D eus da p az”.
íi tm agem de sua gloria consu m ad a (Rm 4,10-19 A ntes de term inar a carta, quer
K.29). A r e p r e s e n ta d o espacial im porta agradecer o envio a que se referia antes
( h h i c o ; o que im porta é nossa g lo rific a d o (2,25-30). A o m esm o tem po, quer fazer
(I im agem e pela “e ficácia” do R essus- p ro fissâo de in d ep en d ên cia e liberdade
cilado. para sua m issâo apostòlica. E m bora seja
4,1 Ver lT s 2,19-20. fraco, do Senhor recebe forças para supor­
4,2-3 N om es para nós desconhecidos, tar q ualquer coisa (2C or 12,9-10); antes
t|iie Paulo parece explorar para engenho- falava de vida ou m orte. A liberdade que
n íis paranom ásias no estilo hebraico. Eu­ Paulo busca nâo é sim plesm ente a dos es­
lalia = B om cam inho, Syn-tike = Encon- toicos, “autarquía”, em bora tenha pontos
Iro, Syzygos = parelha de ju g o . Insiste no de contato com eia.
m orfema syn = com - col- de com panhia 4,1 5 -1 6 C om o p rin cipio g érai, Paulo
ou c o la b o ra d o . Já O rígenes identificou preferiu nào receber p ara si, para nâo ser
esse C lem ente com o quarto papa, autor um peso e para conservar a independên­
ile um a fam o síssim a carta en v iad a aos cia. M as seria outra dependencia atar-se
corintios. N o livro da vida se registram os rigidam ente a este principio. A o contrà­
que estáo vivos (Ex 32,32; SI 69,28-29; rio, sabe recusar e sabe receber, segundo
Dn 12,1; A p 3,5). as circunstâncias. C om o seus precedentes
4,5 Perto: alude á parusia com o aconte- do AT: p. ex. A braâo recebe do Faraó, re­
eim ento alegre (cf. Le 21,28). cusa de M elquisedec (G n 12,16 e 14,22-
4.6-7 Vejam -se os conselhos de Jesús em 24); E liseu aceita da S unam ita e recusa de
Mt 6,25. Paz: Is 26,3. N aam â (2R s 4,9-10 e 5,16).
4.7-9 R econhece os valores do paganis­ 4,17-19 D epois, passa à linguagem co ­
mo, m as os subm ete ao ensinam ento tra- m ercial para retorcer seu sentido: sai ga-
CARTAAOS FILIPENSES 584

c re s c e m p a ra v ó s. 18E sto u p a g o , m ais ja a g lo ria p e lo s s á c u lo s d o s séo iln


do q u e é d e v id o ; a g o ra e sto u c o m p le to , A m é m . 21S a u d a i, e m n o m e de ( n i"
ao receb e r de E p afro d ito o q u e en viastes: Jesú s, to d o s o s c o n sa g ra d o s. O s iriu.ml
um aro m a ag rad á v e l, u m sa c rific io a c e i­ qu e e stá o c o m ig o v o s sa ú d a m . 22T o d d |
to e ag ra d á v el a D eu s. I9P o is m e u D eu s, o s c o n sa g ra d o s v o s sa ú d a m , em c s | «
seg u n d o su a riq u e z a e esp len d o r, ple- cial o s se rv id o res d o im p erad o r. 23A p ,n
nificará vo ssas n ecessid ad es p o r m eio de ga d o S e n h o r Je s ú s C risto e steja cmiii
C risto Jesú s. 20A o D e u s e P a i n o ss o se- v o sso e sp irito .

nhando quem dá (At 20,35, citado por Pau­ um ato de caridade cristá é sacrificio ofe-
lo com o frase de Jesús). Q uem dá recebe- recido a Deus: “quem dá esm ola oferece
rá de D eus a paga com ju ro s acrescidos sacrificio de lo u v o r” (E clo 34,2).
(cf. Dt 15,1-11; E clo 29,11-13). N um a 4,20-23 C onclui a carta com a doxologia
cunha (v. 18) introduz a linguagem cultual: e saudagóes sem nom es pessoais.
CARTA AOS COLOSSENSES

INTRODUgAO
i . >/. issus, Hierápolis e Laodicéia eram Essas observaqóes se centram depois
n , \ , iilmlcs menores da Frigia, napro- em discrepancias de detalhe que os au­
i ni. iii rumana da Asia, situadas a cer- tores analisam. Comparem-se Cl 2,11
in ilistihicia a leste de Efeso; habita- com Rm 6,3-11 e 2,25-29 sobre batis-
,/,r./ 'i >rpopulaqóes autóctones, colonos mo e circuncisáo; 1,19s com 2Cor 5,19
l / i r i ; o s c urna comunidade judaica. Se- sobrereconciliaqáo; l,16com lC or8,6
i . i i i i i I o fontes profanas, urna délas ou sobre o fim da criaqáo; 1,7.23.25 com
, n u e s foram arrasadas por um terre- Rm 13,4s e Fl 1,1 sobre o conceito de
itiiiln entre os anos 60 e 64 d.C. ministro; 2,6 com ICor 7,10 e 11,23-
I'elo que diz a carta, C o lo s s a s foi 26 sobre o objeto da tradiqáo.
. i iiiuylizada por Epafras, discípulo de A favor aduzem-se os seguintes da­
I‘iiiiln ( /, 7; 4,12s). Quem escreve a car- dos do texto: a coincidencia de nomes;
i , i diz nao conhecer pessoalmente os com exceqáo do companheiro de pri­
ih siinatários (1,4.9; 2,1). Diz também sáo, que em Filemon é Epafras e em
,/in ■se encontra preso: se o autor é Pau­ Colossenses éAristarco; a coeréncia com
to, dever-se-ia pensar na prisáo de muitos ensinamentos auténticos de Pau­
tú una, depois de 60, ou em Efeso, por lo. Outros argumentos consistem em
i iilla de 56-57. A ocasiao é um perigo refutar as razóes dos que negam a au­
rjiive de desvio doutrinal naquela igre- tenticidade; as mudanqas de vocabu­
¡ii Varios nomes das saudaqóes fináis lário e a omissáo de conceitos se de-
mincidem com os da carta a Filemon. vem ao tema diverso; a doutrina mais
A carta coloca dois problemas sérios madura em alguns pontos se deve a um
e bastante discutidos: quem a escreveu? progresso do pensamento de Paulo e a
{)uem sao os mes tres de erros? Sobre urna situaqáo nova que exigía nova re-
ii ¡irimeira pergunta está equilibrado o flexáo; as discrepancias sao de aspec­
numero dos que afirmam e dos que ne- to ou enfoque mais que de substancia.
H<ima autoría de Paulo. Para a segun­ Concluindo, os dados do texto sao
da pergunta, os candidatos sao gnós­ apreciados e avallados de modo dife­
ticos, devotos de misterios, sincretistas. rente pelos exegetas. Uns continuam
sustentando que Paulo é o autor de
Autenticidade Colossenses; outros imaginam um dis­
cípulo da geraqáo seguinte, que imita
Contra alegam-se os seguintes dados hábilmente a impostaqao epistolar para
do texto: o vocabulário contém nume­ abordar com autoridade emprestada
rosas palavras peculiares, muitaspara um problema novo.
a extensáo da carta; o estilo é monóto­ Nao menos difícil é traqar o perfil dos
no quanto á sintaxe, carregado de subs­ m e s tre s p erig o so s, porque reúnem tra-
tantivos e sinónimos; faltam conceitos qos heterogéneos. Nao sao judaizantes,
paulinos fundamentáis, comofé, lei,jus- embora se mencionem algumas obser­
tiqa, salvaqáo, revelaqüo, e urna só vez vancias judaicas (2,16). Veneram cria­
se menciona o Espirito; a cristologia é turas angélicas e se submetem a pode­
mais avanqada, de tipo cósmico; a ecle- res cósmicos, praticam urna ascética
siologia aponía formas institucionais por si mesma e se abstém de múltiplos
que se afirmar&o ñas cartas pastorais. tabus. Dos ensinamentos da carta al-
CARTA AOS COLOSSENSES 586 INTRODIII,

guns tentarti extrair em negativo a dou- d estin a ta rio s p a g a o s (2,21-23) /luí I


trina daqueles mestres: contemplaçâo como conseqüéncia do hiño e s e n 1e / I
còsmica, mediadores celestes, visâo ou correlativo ao ministerio de Paulo . -
iniciaçâo, depreciaçâo do corpo, cons- ca de Cristo (1,24-2,4). Nessa v. , ,m I
ciência de superioridade... anuncia o perigo das falsas doutriihi
Com esses dados e apoiados em ter­ que expóe a seguir (2,6-19.20-23), ti1 I
mos como “plenitude, misterio ”, pensam último membro (vv. 20-23) serve pañi I
num pregnosticism o ou gnosticism o a exposiqáo por correlativos de morti I
incipiente. Outros pensam em religiôes e vida nova (2,20—3,17). N o final <h \
m istéricas, entâo m uito atraentes. A sa segáo comegam os conselhos gen.
explicaçâo de sincretismo é p or defini- ricos (3,12-17), que se especificani pm
çào a mais fácil, pois nâo precisa redu- classes em 3,18-4,6. Com essas obst'i
zir a unidade coerente. Resta ainda urna vagóes, relativizo o valor da seguinti
soluçâo: que circularam vários m es­ sinopse:
tres, cada qual com sua doutrina. O
autor dà très avisos: “que ninguém vos I. Introdujo 1,1-14
seduza, que ninguém vos julgue, que nin­ 1,1-2 Saudagáo.
guém vos desquaiifîque” (2,4.8.16.18). 1,3-8 Agao de gracas.
D iante de todas essas tentativas, o 1,9-14 Súplica.
autor afirma e desenvolve a centrali-
dade de Jesus Cristo: já nâo ent cate­ II. Parte doutrinal 1,15—3,11
gorías jurídicas de justiça e libertaçâo, 1,15-20 Hiño a Cristo.
lei e fé, e sim na visâo de um Senhor 1,21-23 Os pagaos reconciliados
còsmico, cabeça da Igreja, que é seu 1,24—2,5 Ministério de Paulo, apus
corpo. E le incorpora os hom ens à sua tolo de Cristo.
m orte e ressurreiçâo. E vencedor de 2,6-15.16-
todos os poderes, cósm icos ou históri­ 19.20-23 Vida crista frente a doutn
cos, que pretendem dom inar o mundo. ñas perigosas.
E difícil reduzir a carta a esquema 2,20—3,11 Morte espiritual e vida com
ou sinopse, porque os temas se sobre- Cristo.
pôem parcialmente. Assim, o começo
clàssico “saudaçâo — açâo de graças III. Exortagáo e despedida 3,12— 4,18
— súplica ” toma o terceiro membro 3,12-17 Conselhos genéricos.
(1,9-14) para incorporá-lo ao hiño em 3,18-4,6 Conselhos particulares.
honra de Cristo. A “reconciliaçâo ” dos 4,7-18 Saudagóes e despedida.
CARTA AOS COLOSSENSES

'l »1 ru llo , apòstolo de Cristo Jesus m ensagem verdadeira da boa noticia.


I I» ii vniitade de Deus, e do irm àoTi-
MMlli " 'aos consagrados de Colossas,
6Ela está frutificando e crescendo em
todo o m undo, assim como entre vós,
li. i . . uníaos em Cristo: graija e paz a desde o dia em que ouvistes falar e co-
it il i parie de Deus, nosso Pai. nhecestes de fato o favor de Deus. 7Vós
o aprendestes de Epafras, meu queri­
«li- fra g a s — 3Sem pre que reza- do com panheiro de servido, fiel m inis­
iiih , | >•>i vós, damos gragas ao Deus tro de Cristo a vosso servigo. 8Ele me
I li ili i Scnhor nosso Jesus Cristo, 4por- pòs a par do amor que o Espirito vos
ijiH i".iainos a par de vossa fé em Cris- inspira.
i.i Ir m i s e do amor que tendes por to-
1. 1. iis consagrados, fruto da esperanza A pessoa e a obra de Cristo — 9Por
i|iu vos está reservada no céu, da qual isso nós, desde que ficamos sabendo, nao
iiiivisles falar quando vos chegou a cessamos de orar por vós, pedindo:

I , I -12 A primeira segáo desta carta tem que dificulta a leitura e a compreensáo. Em
minios pontos de contato com a carta aos parte se deve ao desejo de unificar muitos
I li sios. O comego clássico epistolar: sau- dados, em parte à monotonía do autor na
i I i k . ü o — agáo de grabas — petigáo, cede arte de estruturá-Ios. Distinguem-se urna
lugar a urna explanagao inesperada, trans- segao de súplica com agáo de gragas (vv.
Imídante de ensinamentos. Sendo “paz e 9-14) e outra cristológica (vv. 15-20). Por
ui uga” as saudagóes hebraica e grega com­ baixo da sèrie pode-se descobrir alguns
binadas, podemos ouvir que, por meio de esquemas ou padróes conhecidos: os ca-
l'imlo, o Pai saúda os cristáos de Colossas, rismas messiánicos, a libertagáo em dois
i*sua saudagáo é eficaz. tempos, a sabedoria personificada. Sao
1,3-8 Já na agáo de grabas aparece o es- abundantes os temas e o vocabulário sa-
lilo um tanto monótono, de incisos e ora­ pienciais. A tradugáo suaviza um pouco,
rnos ligados sucessivamente por meio de náo totalmente, as asperezas do original.
iclativos, participios e partículas. O senti­ A disposigáo gráfica leva em conta hábi­
do se percebe, apesar de alguma dúvida tos hebraicos de paralelismo com o fim de
menor. Menciona a fé, o amor e a esperan­ articular o texto. A explicagáo procede por
za. A segunda nao como virtude teologal, partes.
mas sim dirigida ao próximo. A terceira 1,9-11 Petigáo de carismas. No càntico
se refere ao objeto da esperanza e por im­ de Is 11,1-9, messiànico por origem e por
plicado á virtude. leitura, mencionam-se os carismas ou “es-
A mensagem evangélica chegou a Co­ píritos” do rebento de Jessé (o novo e fu­
lossas nao diretamente por Paulo, e sim turo Davi): sensatez e inteligencia, pruden­
por um delegado seu com autoridade apos­ cia e fortaleza, conhecimento e respeito de
tólica. Essa mensagem “cresce e se multi­ Yhwh. Na presente petigáo reaparecem os
plica”, em frutos e difusáo, com béngáo dois primeiros, o quarto e o quinto, e se
genesíaca (Gn 1,27; 9,1.7; na restauragáo, estendem a todos os cristáos. Isaías dizia
Jr 23,3). A Igreja local nao deve perder de “espirito de inteligencia”, esta carta diz
vista a Igreja universal, “todo o mundo” “inteligencia espiritual”: o adjetivo o iden­
(cf. Mt 28,19 par.). tifica como carisma ou dom do Espirito.
1,5 Ver lPd 1,4. Isaías sugería a plenitude com o “pousar”
1,9-20 Este imenso parágrafo utiliza a dos quatro “ventos” (espirito, alentos) e a
mesma técnica gramatical antes indicada, enunciava comparando-a a urna maré alta;
CARTAAOS COLOSSENSES 588

Que sejais cum ulados do conheci- 12que com alegría deis graças ao l'n
mento de sua vontade, que vos capacitou
com toda a sabedoria e inteligéncia a partilhar a sorte dos consagrados mi
espiritual; reino da luz;
l0que vos comportéis com o o Senhor 13que vos arrancou do poder das tu
merece, agradando-lhe em tudo, vas
dando fruto de boas obras e crescen­ e vos transportou ao reino do seu I i
do no conhecimento de Deus; lho querido.
n que vos fortaleçais inteiram ente se­ 14Por ele obtem os o resgate, o ¡ni
gundo a força de sua gloria, dáo dos pecados.
de modo que suportéis tudo com mag- l5Ele é a imagem do Deus invisívcl,
nanimidade; primogénito de toda criaçâo,

esta carta usa o verbo “encher-se” refor- 3,21). O reino de Cristo é reino de luz. Au
çado por cinco mençôes “tudo, em tudo, esquema binàrio básico acrescentam si
de tudo”. dois elementos tradicionais: o resgate dt
O “conhecimento” tem por objeto a von­ escravos (Ex 6 ,6 ; 15,13) e a partiiha cln
tade de Deus e a Deus mesmo: conheci­ terra. O resgate é agora o perdáo, e parli
mento pessoal, nao puramente intelectual; lhar a terra é “partilhar a sorte” (termino
de uma vontade genérica e concreta, que logia do livro de Josué). A visâo é inteira
abarca toda a vida (cf. Br 4,4; Le 12,47). mente comunitària, náo individualista. Por
“Dar fruto e crescer” corresponde ao meio do relativo, o v. 14 serve de transigaci,
binomio clàssico “crescei e multiplicai- 1.15-20 No hiño cristológico, podemev.
vos”; a imagem de frutificar é freqüente distinguir a seçào transcendente (w. 15
nos Provérbios. “Agradar a Deus”: de mo­ 17) e a seçào eclesial (vv. 18-19). Quanto
do que Deus aceite o homem ou seu dom: à forma, articula-se em très relativos que
referindo-se a Levi, Dt 33,11 diz: “aceita enlaçam ou prolongam (vv. 15.16.19) c
a obra de suas mâos”; aplica-se ao Servo onze ou doze pronomes “ele” em diverso’,
(Is 42,1), ao povo (SI 149,4), aos dons na casos gramaticais. Indicio de enumeraçàci
restauraçâo futura (Ez 20,40s), também um sem construçâo calculada. Quanto ao con
poema (SI 104,34). teúdo, combina os atributos cósmicos (vv
“Fortaleza” para “suportar”: porque a 15.16.19) com os de redençâo (w . 14.18
paciência pertence à virtude cardeal da 20). Quanto à origem, nâo é improvável
fortaleza. O que era militar em Is 11 muda que se trate de um hiño litúrgico recolhi
de sentido: nao lutar, e sim suportar. A for­ do ou adaptado pelo autor. Em tal caso,
ça procede de Deus. seria outro testemunho do primitivo culto
1,9-10 Ef 1,15-16. A “vontade de Deus”: cristâo. E onde se inspira o suposto hino?
Br 4,4; Le 12,47. Para a imagem de “fruti­ 1.15-17 Estes w . tèm sentido, como lei
ficar”, Is 5,17; Jo 15,15 e textos dos Pro­ tura em chave cristológica, de textos sa-
vérbios (Ef 2,10; 4,1). “Agradar” a Deus: pienciais dedicados à Sabedoria personi
“aceita a obra de suas mâos” Dt 33,11, o ficada. A personificaçâo de qualidades 6
Servo (Is 42,1), na restauraçâo e com re­ pràtica corrente dos poetas bíblicos, nor­
ferencia cultual Ez 20,40-41, seu povo SI malmente em forma breve e sem explana-
149,4. çâo. Os sapienciais, além das referencias
1,12-14 Ef 1,18. O esquema básico do breves, cultivaram o que podemos chamar
éxodo, repetido ¡numeras vezes no AT, se um género especial: o elogio da Sabedo­
articula em duas fases: tirar de, levar ou ria como personagem poético feminino.
¡ntroduz¡r em. Do Egito a Canaá, de Ba­ Da personificaçâo o NT salta para a pes-
bilonia à pàtria etc. Cristo nos tira ou “ar­ soa, do feminino ao masculino. Creio útil
ranca” do pecado, das trevas (Ef 1,7). Tre- citar alguns textos.
vas para o hebreu náo é simples ignorancia, Pr 8,22-26 fala da Sabedoria (hokma,
obscuridade mental, e sim significa a mor­ sophia): de sua preexistência e colabora-
te, inclusive o náo ser (cf. Jó 3). Seu opos- çâo na tarefa criadora: “desde sempre, des­
to, a luz, é a vida; ver a luz é viver (Jo de o principio fui formada, antes da ori-
589 CARTAAOS COLOSSENSES

1r'liml>i iiiilu Coi por ele criado, no céu 20que por meio dele tudo fosse recon­
e (IH li lilí ciliado consigo,
ii i |iiivr 11- o ¡nvisível, fazendo as pazes pelo sangue da cruz
Hin|i"ii.iili N, dominagoes, autoridades entre as criaturas da terra e as do céu.
<• (iiiliinliulcs. 21Vós outrora estáveis longe, com
111 mili loi criado por ele e para ele, sentim entos hostis e agóes perversas;
í|p t‘ ii 111 ior a tudo, 22 agora, ao contràrio, por meio da mor­
i tu le indo tem a própria consistencia. te de seu corpo de carne, vos reconcilia­
'“I li i- a cabega do corpo, da Igreja. ran! e apresentaram diante dele: santos,
I 111 ii incípio, primogénito dos mortos, imaculados e irrepreensíveis, 23contanto
iniiii ser o primeiro de todos. que permanegais alicergados e funda­
■ Ni*lc Deus decidiu que residisse a dos na fé, sem vos desviardes da espe-
|i|i'iilliiile; ranga que conhecestes pela boa noticia,

li. iii il.i ierra... eu estava junto a ele como os homens”. Eclo 24,8 “aquele que me
m M i i i i " . Jó 28,12-23 canta o caráter trans- criou estabeleceu minha residéncia... na
i pudente e inacessível de hokma: “A Sa- cidade escolhida me fez descansar, em Je-
limlniia, de onde provém ela? Onde está o rusalém reside meu poder”. Sb 7,27 “en­
liigui ila prudencia?... Só Deus sabe seu tra ñas almas boas de cada geragáo...”. Sb
i iiniinlio, só ele conhece seu lugar”. Eclo 9,10 “dos céus sagrados a envia”. A ver-
M cía mesma descreve sua viagem cós­ sao cristológica o aplica à Igreja, da qual
mica c sua atividade: “Eu sai da boca do Cristo é a “cabega”: Ef 4,15; 5,22. Como
Alllssimo... habitei o céu... Desde o prin- é primogènito da criagáo, também o é dos
ilpio, antes dos sáculos me criou... Regi mortos, ao ressuscitar como nova criagáo
un ondas do mar e os continentes e todos os para a gloria definitiva (Ap 1,5). A ima­
( i i i v o s e nagoes”. Sb 7-8 enumera e descre- gem concebe o sepulcro como um seio
vr atributos de sophia: “E reflexo da luz materno, inviolado, que dà à luz pela vir­
pierna... imagem de sua bondade...”; “a sa- tude do Espirito (cf. Is 26,19).
liodoria, artífice do cosmo, me ensinou 1.19 “Plenitude”: sem artigo (Jo 1,16);
lulo... em virtude da sua pureza tudo atra- deve-se entender segundo 2,9 (cf. Ef 4,10).
vessa e penetra”. Br 3,31-32: “Ninguém Muitos textos mencionam a presenga de
i iinhece seu caminho nem pode se dar conta Deus ou da sua gloria no templo, mas Is
iln sua vereda. Aquele que sabe todas as 6,3 canta que sua gloria enche a terra.
misas a conhece, a examina e a penetra”. 1.20 A reconciliagáo é explicada em
1.15 “Imagem”: transpondo Gn 1,27 2Cor 5,18-20; “fazer as pazes”: Ef 2,14-
Ncgundo 2Cor 4,4; e o citado Sb 7,26. 17 o explica.
"Primogénito”: imagem tomada da gera­ 1,21-23 Comega a tirar as conseqüéncias
nio, que afirma a precedéncia: SI 90,2 apli­ do exposto. O “afastamento” de Deus que
ca a imagem á térra e as montanhas; ver o era o paganismo (Ef 2,12s), foi cortado por
lítulo divino “Pai dos astros” em Tg 1,17. um ato de reconciliagáo que é iniciativa
\i os textos citados Pr 8,23 e Eclo 24,9). de Deus. Em lugar dos sacrificios de ani-
1.16 “Tudo foi por ele criado”: a cita- mais com que os judeus expiavam periodi­
gáo de Sb 7,21; Jo 1,3 o diz do Logos. “O camente seus pecados, Jesús Cristo tomou
visível e o invisível”: é expressáo polar que “um corpo de carne” fraco e mortal, e com
abarca a totalidade; “tudo sei, oculto ou sua morte expiou, num ato que inaugura a
manifestó” (Sb 7,21). nova situagáo. Agora importa manter-se
1.17 “Consisténcia”: “Alcanza com vi­ nela, porque comegou a era da “esperan
gor de um extremo ao outro e governa o ga”, fundada na promessa do “evangelhc
universo retamente” (Sb 8,1). Anterior a e cujo final demora. E o paradoxo de es
tudo: Jo 8,58. tar “alicergados e firmes” num movimento
1.18 Ef 1,22-23. Em vários textos sa- rumo ao fiituro. “Toda a criagáo debaixo
pienciais citados, a Sabedoria transcenden­ do céu” é toda a terra habitada: reflete o
te e criadora desee depois para residir en­ horizonte geográfico da época; leia-se o
tre os homens. Pr 8,31 “desfrutando com mandato final de Jesús (Mt 16,15).
CARTA AOS COLOSSENSES 590

proclamada em toda a criacao sob o céu. gredo para os pagaos: Cristo para Vt'nl
Eu, Paulo, sou ministro déla. esperanza de gloria. 28Ele é o qui m*
anunciamos, admoestando a cada unni
Ministério de Paulo — 24Agora me ensinando com toda a destreza a i .11I4
alegro de padecer por vos, de com ple­ um, para apresentar cada um como crl|
tar, a favor de seu corpo que é a Igreja, táo perfeito. 29Para isso trabalho e luiu
o que falta aos sofrimentos de Cristo. com a energia dele que age eficaznii 11
25Por disposigáo de Deus, fui nomeado te em mim.
ministro déla a vosso servido, para cum-
prir o projeto de Deus: 26o segredo es­ 'Q uero que saibais o que tive de In
condido por sáculos e geragóes, e ago­
ra revelado a seus consagrados, 27aos
2 tar por vós e pelos de Laodicéia ,
por todos os que nao me conhecem peí
quais quis Deus dar a conhecer a es­ soalmente, 2para que se sintam anifna
pléndida riqueza que significa esse se- dos e concordes no amor; para que se­

1,24 Como a Igreja-corpo completa dado, que sempre será mistério. Por doni
Cristo-cabega, assim os sofrimentos de de Deus, o cristáo poderá enriquecei m
Paulo prolongam e váo completando os de mais e mais com o conhecimento do mis
Cristo. Corresponde aos anuncios de Je­ tério de Cristo.
sús (Jo 15,20), sem valor de expiagáo. 1,24-29 Cantou a exaltagáo de C r i s i n
1,24—2,4 Passa a falar de seu ministério (vv. 14-20) e a agáo de Deus. Mas D a r
em favor dos cristáos. Antes de descer a age por meio do homem. Por isso Paulo,
detalhes, convém destacar dois polos que ativado por Deus (v. 29), tem que traba
unificam a perícope: o mistério acerca de lhar e lutar (v. 29) e sofrer (v. 24), para dai
Cristo e o mistério que é Cristo (1,26 e cumprimento ao plano de Deus (v. 25)
2 ,2 ). O primeiro é um segredo que, ao di­ Varias relagóes verbais e temáticas ligam
vulgarse agora, deixa de ser segredo; o esta segáo ao que precede: o corpo mortal
segundo é um mistério que nao deixa de o de Cristo, o corpo da Igreja (vv. 22.24), a
ser ao ir-se manifestando. plenitude e o dar cumprimento (vv. 19.24
Já o Moisés do Deuteronómio, num dos 25), o apresentar (vv. 22.28).
discursos fináis em Moab, joga com a an- 1,26-27 O segredo escondido é o desti
títese do oculto e do manifestó. Os israe­ no do Messias também para os pagaos (el
litas tinham assistido como testemunhas Ef 3,4-7). Sua revelagáo nao é simples in-
oculares a todos os prodigios, desde o Egi- formagáo, e sim riqueza que se outorga V
to até Canaa, “mas o Senhor nao lhes deu reparte. “Esperanga de gloria”, de salva-
inteligéncia para entender nem olhos para gáo completa ou de participagáo na glòria
ver nem ouvido para escutar até hoje” de Deus. Ver SI 73,24: “tu me conduze\
(29,3); “o oculto é do Senhor, o revelado segundo teus planos e me levas a um des­
é nosso e de nossos filhos para sempre” tino glorioso”.
(29,28). 1,28 Com ènfase repete très vezes “cada
O autor explica o novo segredo. Deus um” ou “a toda classe de pessoas”. “Per
havia prometido formalmente um Mes- feito”: pensa numa maturidade de vida
sias aos judeus, e eles o esperavam para crista, nao na primeira apresentagáo do
si. Mas, no projeto de Deus, o Messias batismo.
estava destinado também para os pagaos;
só que se guardou o segredo até o mo­ 2.1 Caso particular daquilo que enume­
mento oportuno. Agora Paulo é o confi­ ra 2Cor 11,16-33.
dente, ao qual se comunicou o segredo, e 2.2 Como no capítulo precedente, insis­
a ele cabe divulgá-lo formalmente e em te no conhecimento (cf. Eclo 39,6) um co­
agáo. Pois bem, resulta que o Messias en­ nhecimento infundido por Deus e de um
viado supera toda expectativa e imagina- objeto transcendente, um “mistério”. Ver
gao. Leva “escondida” dentro táo inesgo- a manifestagáo ao profeta (Am 3,7) ou ao
tável riqueza, que sempre será mistério; orante “até que entrei no mistério de Deus”
cada manifestagáo sua tem tal profundi- (SI 73,17).
591 CARTAAOS COLOSSENSES

............. 111.111*>s com todo tipo de rique- Jesus Cristo. 9Pois nele reside corpo­
, ...........lucim ento, e compreendam ralmente a plenitude da divindade, 10e
,i i'i. .I.i de Deus, que é Cristo. 3Nele dele recebeis vossa plenitude. Ele é a
, , M. i i i . u n lodos os tesouros do saber cabega de todo com ando e poder. "P or
i .|i. . oiilici imento. 4Digo-o para que meio dele fostes circuncidados: nao com
..i..... ni vos engane com argumentos a circuncisáo que os homens praticam,
.i" i.. ' •. I’ois, se com o corpo estou descobrindo a carne do corpo, mas com
....... i. . i-m espirito estou convosco, a circuncisáo de Cristo, 12que consiste
..ni. ni. cm ver-vos form ados e firmes em ser sepultados com ele no batismo
lio \ i l e em Cristo. e em ressuscitar com ele pela fé no po­
der de Deus, que o ressuscitou da mor-
Milu ( l ista — 6A ssim , pois, já que te. 13Vós estáveis mortos por vossos
((.. IK -.les Cristo Jesús como Senhor, pecados e pela incircuncisáo camal; ele,
iinlii unidos a ele, 7enraizados e ali- porém, vos vivificou com ele, perdoan-
.. i(,.nlos nele, confirm ados na fé que do-vos todos os pecados. l4Cancelou o
n-, i nsínaram, transbordando em acao docum ento de nossa divida, com suas
.1. i'i.kms. 8Atengáo! Que ninguém vos cláusulas contra nos, e o anulou, pregan-
, 1.1 uvizc com especulacóes, com argü­ do-o consigo na cruz. ’’Despojando au­
id. Míos chochos de tradigáo humana, toridades e potestades, as fez desfilar
... guindo os elem entos do cosmo e nao publicam ente em sua marcha triunfal.

1Sao em chave cristológica as rique- binadas: por um lado a especulagáo e tra-


íir, da Sabedoria personificada, segundo digáo da mente humana; por outro lado,
n>i lr\los antes citados; p. ex. “para legar os poderes cósmicos incontroláveis (des­
iiipiezas a meus amigos e encher os seus tino, astros...).
i. muiros” (Pr 8,21); “o primeiro nao aca- 2.9-15 Soa como eco de alguns atribu­
l m i . i de compreendê-la e o último nao po- tos mencionados no hiño (vv. 1.14.18-20;
.l. i a explorá-la completamente” (Eclo Jo 1,14-16). Cristo os libertou da morte,
M..ÎK); “ela o sabe e o compreende” (Sb perdoando seus pecados e tornando des-
'/.II). Ver ICor 1,24; Ef 3,4. necessária a circuncisáo, que se exigia
2.4 Assim previne o mestre espiritual (Pr como condigáo indispensável para parti­
1,10.15). cipar no banquete da Páscoa libertadora
2.5 “Ausente”: ICor 5,3. “Formados e (Ex 12,44.48s; Js 5). Insiste no batismo,
Inmes”: com ressonáncias militares (cf. Js que nos incorpora á morte e ressurreigáo
10,8; Jz 7,21). de Jesús Cristo (Rm 6,1-11). O rito corpo­
2.6 Literalmente “caminhai nele”, na ral da circuncisáo (no órgáo corporal da
íinagem implícita de Cristo como ca- transmissáo da vida) incorporava o ju-
minho. deu á descendencia de Abraáo e á vida
2.7 “Enraizados e alicerçados”: nas ima- generativa do povo (Rm 2,29). O batis­
C.ens agrária e urbana (como Ef 3,17). mo como selo da fé nos incorpora á vida
2.8 Segunda chamada de atençâo (2,4). do Ressuscitado: é a nova circuncisáo
Fstá anunciando a admoestaçâo concreta, (Rm 6,4).
mas antes recordará de novo a açâo reden­ As imagens se sobrepóem: sepultura,
tora de Cristo, como contraste exemplar. documento de dividas cancelado e posto
Nao conhecemos o conteúdo das referidas no pelourinho (levado ao lugar de execu-
doutrinas, pois nossa única fonte de infor- gáo), marcha triunfal do vencedor com seu
maçâo é a carta. O que expóe nao coinci­ cortejo de prisioneiros subjugados (cf. lPd
de com a doutrina dos judaizantes nem 2,24; 2Cor 2,14). Em resumo, ninguém
com alguma escola filosófica conhecida. pode competir com Cristo, nenhum com­
Este v. só nos oferece dois qualificativos plemento falta á sua agáo.
negativos e urna vaga referencia ao con- 2.9-10 Sobre a plenitude, compare-se
ceito de “elementos” (G1 4,3). Talvez o com Jo 1,14.16.
autor pense em duas forças funestas com- 2,13 Ver E f2 ,l.
CARTAAOS COLOSSENSES 592

16Portanto, que ninguém vos julgue nadas a gastar-se com o uso, seguín(|á
por questoes de comida ou bebida, so- preceitos e ensinamentos humanos. T lu|
lenidades, festas mensais ou semanais. tém a aparéncia de sensatez, com m i |
17Tudo isso é sombra do que virá; a rea- piedade afetada, m o rtificad o e ausU ill
lidade pertence a Cristo. lfiQue ninguém dade corporal; mas nada valem a n af l
vos desqualifique: ninguém dedicado a ser para satisfazer á sensualidade
mortificagóes e ao culto de anjos, envol­
vido em visóes, inchado sem razáo por 'P ortanto, se ressu scitastes com
sua mente carnal; |yao invés de agar-
rar-se á cabega, da qual todo o corpo,
3 Cristo, procurai as coisas do ali..
onde Cristo está sentado á direita di
mediante juntas e ligam entos, recebe Deus; 2aspirai as coisas do alto, nao
sustento e coesáo e cresce como Deus terrenas. Pois morrestes, e vossa vnl,i
o faz crescer. está escondida em Cristo com Deua,
4Quando Cristo, vossa vida, se man!»
V ida nova com C risto — 20Se com festar, entáo vós aparecereis glorioso!
Cristo m orrestes para os elementos do junto com ele.
cosmo, por que seguis as normas dos 5Portanto, mortificai tudo o que iifl
que vivem no mundo? 21Nao pegues, vós pertence á térra: fo rn ic ad o , impu
nao proves, nao toques, 22coisas desti- reza, paixáo, concupiscencia e avan -

2,16-23 (Fago esta divisáo interina para 2,20-3,17 Passamos a outra divisáo, qur
reunir os diversos tipos de erros). Nos vv. com lógica temática e sinais formáis •><
16-17 ainda nos encontramos no mundo sobrepóe á anterior. Em esquema:
judaico, com suas observancias, válidas Se morrestes (2,20) — Se ressuscitash -
como sombra que adianta o perfil de algo (3,1-4)
que se avizinha. A metáfora sombra/reali- mortificai o que é terreno (3,5-11)
dade será um dos principios hermenéuticos conduta positiva (3,12-17).
da tradigáo ao comentar o AT (Hb 8,3). A Assim se prolonga, em suas consc
seguir (v. 18) denuncia um estilo de vida qüéncias, a doutrina do batismo esboga­
que junta mortificagóes corporais com vi­ da em 2,12-13.
sóes: talvez iniciagáo em experiéncias 2,20 Já nao estáis submetidos a seu po
esotéricas, que satisfazem enganosamente: der fatal. O mistério da uniáo com Cristo
incham sem encher (oposto á “plenitude”, glorificado se projeta as coordenadas ima
2,10). “Anjos” rivais de Cristo Senhor. O ginativas de espago e tempo: terrestre r
quadro se enriquece ou se define nos vv. celeste, presente e futuro. Cristo glorifi­
21-23: as “mortificagóes” consistem em cado vive com Deus, “sentado á direita'
abster-se sistemáticamente de coisas que (SI 110,1); vive em nós, “vossa vida”, c
Deus criou para uso e consumo do homem, nós por ele. Como Cristo está agora “es­
apelando a instituigóes puramente huma­ condido”, invisivel, embora experimenta­
nas. Externamente, a piedade e austerida- do (2Cor 13,5), também nossa vida com
de atraem a admiragáo dos homens; inter­ ele está escondida. Quando ele se mani
namente, alimentam o orgulho e oferecem festar na parusia, também se manifestar.!
urna satisfagáo enganosa. Acondenagáo é nossa vida, glorificada.
dura e enérgica. Se nao conseguimos iden­ 2,22 Citagáo de Is 29,13.
tificar históricamente quem ensinava tais
doutrinas e práticas, podemos, sim, iden­ 3, 1 Citagáo clássica do SI 110,1. Ver Mt
tificar o tipo humano e religioso: é um as­ 22,41-45 e paralelos.
ceta que exibe seu ascetismo para ganhar 3.3 Ver Rm 6,3.
prestigio e cultivar a própria vaidade. 3.4 Exposigáo ampia em ICor 15.
2,16 Explanagáo ampia em Rm 14. 3,5-11 Embora nao se deva submeter a
2,18-19 A inchagáo mental e vá se opóe tabus (2,21-22), é preciso, sim, “fazer mor-
o crescimento do corpo, dirigido pela “ca- rer” as agóes imorais, “terrenas”, que pro-
bega” que é “Cristo” (Ef 4,15-16). vocam a ira de Deus (cf. Ef 5,6). A meta-
593 CARTA AOS COLOSSENSES

. ij111 . nina especie de idolatria. 6Por vos mutuamente. De coragao agrade­


. 1 .1 mi ■,(ibreveio a ira de Deus (para cido cantai a Deus salmos, hinos e can­
un In l.lcs). ;A ssim agieistam bém vós tos inspirados. 17Tudo o que fizerdes
in hi.I.. \ ivieis desse modo. 8Mas ago- com palavras ou obras, fazei-o invocan­
. 1111il m'ni vós, afastai da boca tudo do o Senhor Jesús, dando gragas a Deus
Ititi ri il era, ira, malicia, maledicencia, Pai por meio dele.
i........ dados. yNáo mintáis uns aos ou-
iiii |niii|iie vos despojastes da velha D e v e re s f a m il ia r e s e s o c ia is — 18Mu-
....... com suas práticas 10e vos re- lheres, subm etei-vos aos m aridos, co­
. n i . ila nova, que pelo conhecimen- m o pede o Senhor. 19M aridos, amai
... i ii se renovando à imagem do seu vossas m ulheres e nao as irritéis. 20Fi-
i i i n li 11 "N ela nao se diferenciam gre- Ihos, obedecei aos pais em tudo, como
,... . 11iileu, circunciso e incircunciso, agrada ao Senhor. 2lPais, nao irritéis
i. iili.mi e cita, escravo e livre, mas Cris- vossos filhos, para que nao desanimem.
Iiii linio para todos. 22Escravos, obedecei em tudo a vos­
1 l’m lanto, com o eleitos de Deus, sos patróes terrenos, nao por servilis­
. ..n ,agrados e amados, revesti-vos de mo ou respeito humano, mas com sim-
.....i|i.ii\áo entranhável, amabilidade, plicidade e por respeito ao Senhor. 230
liimiililade, m odèstia, paqiència; 13su- que tiverdes de fazer, fazei-o de cora-
I.iHlai vos mutuamente; perdoai-vos, se gao, com o se estivésseis servindo ao
.i l |M ie i n tem queixa do outro; como o Senhor e nao a homens, 24convenci-
’ii iilmr vos perdoou, fazei assim tam ­ dos que do Senhor recebereis a heran-
ii. ni vós. 14E acima de tudo, o amor, ga com o recompensa. 23Quem cometer
i |in e o lago da perfeigáo. 15Reine em injustiga pagará, pois nao há favo­
i . iv,a mente a paz de Cristo, para a qual ritism os.
I n .l e s chamados a fim de form ar um
.. ii pò. Sede agradecidos. 16A palavra de 'Patróes, tratai os escravos com jus
i lisio habite entre vós com toda a sua
iii|iieza; com toda a destreza ensinai-
4 tiga e eqüidade, sabendo que tam ­
bém vós tendes um Senhor no céu.

I.H.i da roupa velha e nova quer expressar mesmo nivel e cánticos inspirados pelo
nina transformagáo radical (cf. Ef 4,24): Espirito. Seriam hinos ou súplicas cristas,
n novagáo sucessiva da “imagem” (2Cor compostos à imitagáo dos salmos; alguns
I, l<>). Na nova humanidade desaparecem deles passaram ao NT.
mi nao contam as distingóes religiosas, 3,17 Da liturgia se passa ao resto da exis­
i In ica s, sociais. “Tudo para todos”: o que tencia sob o signo de Jesus como Senhor e
l< or 15,28 diz de Deus, este v. aplica a de Deus como Pai (ICor 10,31).
( listo glorificado.
.1,9-10 A imagem também em Ef 4,22. 3.18-4,1 Como na carta aos Efésios e
A imagem: Gn 1,26-27; 2Cor3,18. na primeira carta de Pedro, acrescentam-
3 . 1 1 É o programa de G1 3,28. se alguns conselhos práticos para a situa-
3,12-17 Parte positiva do díptico. É um gáo em que se encontram. Se por um lado
programa pouco articulado, que toca pon- aceita a desigualdade de grau, por outro
Ins essenciais. insiste em deveres correlativos, entre ma­
3.12 Títulos do povo escolhido no AT, rido e mulher, pai e filho, patráo e escra­
lecolhidos por lPd 2,9. vo. Tudo há de suceder com sentido re­
3.13 Eco do Pai-nosso (Mt 6,12-15). ligioso: “como agrada ao Senhor, por
3.14 Ver o hiño ao amor de ICor 13. respeito ao Senhor, servindo ao Senhor, um
3.15 O criterio para superar litigios deve Senhor no céu”. Os conselhos práticos es-
ser construir ou restabelecer a paz de Cris- táo condicionados culturalmente. Mas o
lo: F1 4,7. fato de descer da doutrina à pràtica é um
3.16 Parece referir-se a reunióes litúr­ ensinamento ou exemplo permanente.
gicas: com ensinamentos partilhados ao 3.18-21 Ver lPd 3,1; Ef 5,25; 6,1-8.
CARTAAOS COLOSSENSES 594 i

2Perseverai na oragáo, vigiando nela ele; acolhei-o se for ai.) “ Também ,1. h
e dando gragas. 3Rezai também por mim, apelidado Justo. Dos judeus coma m
para que Deus abra a porta á boa noticia dos, somente eles trabalharam comí
e me permita expor o mistério de Cristo, pelo reinado de Deus e me serviram a
pelo qual estou encarcerado, 4para que alivio. l2Saúda-vos Epafras, um dos vn
consiga explicá-lo como se deve. 5Tratai sos, servo de Cristo, que em sua'......
os de fora com sensatez, aproveitando a góes luta sempre por vos, para que ■i
ocasiáo. 6Que vossa conversa seja agra- jais decididos e perfeitos em cunipiM
dável, com sua pitada de sal, sabendo tudo o que Deus quer. 13Garanto yuJ
responder a cada um como convém. que ele trabalha com muito empaili
por vós e pelos de Laodicéia e Hieiii
S audagóes — 7Tíquico, irmáo queri­ polis. 14Saúdam-vos Lucas, o m u Ir
do, fiel ministro e com panheiro no ser- querido, e Demas. 15Saudai os i r m a n
vigo ao Senhor, vos informará de tudo de Laodicéia e Ninfas, e a comunicladii
sobre mim; 8para isso eu vo-lo envió, a que se reúne em sua casa. 16Quan,i
fim de que tenhais noticias minhas, para tiverdes lido esta carta, fazei que si i
que vos animéis. 9Onésimo, irmáo fiel lida na comunidade de Laodicéia, evm
e querido, e um dos vossos, o acompa- lede a deles. 17Dize¡ a Arquipo que pi"
nha. Eles vos informaráo de tudo o que cure cum prir o ministério que recebuu
se passa por aqui. do Senhor.
'“Saúda-vos Aristarco, meu com pa­ I8A assinatura é de meu punho e l>
nheiro de prisao, e Marcos, primo de tra: Paulo. Lembrai-vos de minha-pn
Barnabé. (Recebestes instrugóes sobre sao. A graga esteja convosco.

4,3 Rezai por mim: Ef 6,19. Lucas: o evangelista; Demas: 2Tm 4,9;
4,5-6 Os de fora sao os nao cristáos, que Arquipo: Fm 2.
devem ser atraídos com cordialidade (nao 4,16 As cartas de Paulo circulavam pe
pela força), oportunamente. las igrejas.
4,7-9 Saudaçôes: Tíquico: At 20,4; Oné- 4,18 O autor costumava ditar a carta a
simo: o escravo de Filemon; Marcos: At um amanuense e depois assinava.
12,12; Aristarco: At 19,29; Epafras: 1,7;
PRIMEIRA E SEGUNDA
CARTA AOS TESSALONICENSES
INTRODUQÁO

liNsiilonica Problema teológico


1, ni iIónica, a atual Saloniki, era ca- O problem a teológico versa sobre a
il,i provincia romana da M ace-parusia ou vinda/retorno do Senhor. O
I,nuil desde 146 a.C. Na ordenagáo termo grego parousia designa a visita
ini i,h 1 1/ </« império, cidade livre desde que o imperador ou um legado fa z a
11 ii < ('idade portuaria, comercial, urna provincia ou cidade. Chega acom-
iiiiitlm do Egeu; próxim a da Via Eg- panhado de seu cortejo e ostentando sua
niii ii/, í/ue unia o sul da Italia com a magnificència, e é recebido pelas au­
\ \i11 < idade cosmopolita, próspera e, co- toridades e p elo p ovo com festejos e
...... intas cidades importantes, aberta ao pompa solene. Esse conceito e imagem
,in, ictismo religioso: cultos orientáis, conhecidos serve para traduzir para a
, i'ii'cios, gregos e tambérn o culto im- lingua e cultura gregas o tema bíblico
l'i t mi. da “vinda do S en h or” para julgar ou
governar o mundo. Veja-se a versao de
( lirunstáncias das cartas SI 96 e 98; Is 62,1 Os e muitos outros.
N o contexto histórico do exilio e da re-
\ v circunstancias das cartas podem - patriagáo, a “vinda" do Senhor éum “re­
ir reconstruir combinando o relato, bas­ torno”. Onde o A T diz Yhwh, Paulo póe
ante esquematizado, d e A t 17—18, com Kyrios = Senhor Jesús: aquele que veio
ihuios diretos ou implicados das car- pela encarnagáo, voltará na parusia.
h i s Expulso de Filipos, Paulo dirigiu-se Seu cortejo seráo anjos ou santos;
,i lessalónica, onde fundou urna comu- sua magnificencia, a gloria do Pai; sua
niilnde. Tendo fúgido logo dai, partiu fungáo, julgar e reger. A o seu encontro
Iuira Beréia; até a i o perseguiram, e sairáo os seus, os cristàos, para quem
/oí ¡>ara Atenas. Tendo fracassado na seu retorno será um dia de alegría e
i apital cultural, fixou-se com relativa triunfo.
cstabilidade em Corinto. Assaltou-lhe Q uando acontecerá isso? Q uando
n lembranga dos tessalonicenses e a chegará o día feliz? Aquí entra outro
Iircocupagáo p o r essa comunidade jo- conceito teológico importante do AT:
rcin e ameagada. Enviou-lhes seu fie l “o día do S en h o r”. P ode ser qualquer
colaborador Timoteo, para que os con- día ao longo da historia em que Deus
jortasse e voltasse com noticias. Timo­ intervém de modo especial, julgando ou
teo trouxe muito boas noticias e tam- lib erta n d o . S erá p o r a n to n o m à sia
bem um problem a teológico. “aquele dia ” em que o Senhor, venci­
As boas noticias eram m otivo para dos e julgados os inimigos, estabele-
<lar gragas a D eus e avivar as recor- cer seu reinado. Entre os abundantes
ilagóes felizes: ele o fa z na prim eira textos se destacam J l 3 -4 ; S f 1,7-18; Is
parte da sua carta, 1,2-3,13. D epois 34 etc.; tambérn se usam fórm ulas como
de alguns conselhos de vida crista, “naquele dia, viráo dias, no fin a l dos
4,1-12, passa a resolver o problem a d ia s” e sem elhantes (p. ex. Zc 13—14).
¡imposto, 4,13—5,11. Termina, como de Os autores do N T tomam o conceito,
costume, com conselhos e saudaqóes, póem “Senhor Jesús ” em lugar de Yhwh
5,12-28. e o aplicam à sua vinda ou volta triun­
1* E 2a CARTAAOS TESSALO N ICEN SES 596 in tr o im ii fm
fal. Será o dia do Senhor, ou aquele día. mendada expectativa: nao valia a / m*
M as quando, em que data se cumpri- trabalhar nem ocupar-se de íj.y.swimI
rá ? Im possível sabé-lo. Está próxim o da vida terrena. Estejam os q u in e . , |
e será repentino, diz a prim eira carta espera (como recomendavam Ex II. i
(4,5; 5,1-6); ele demora e se anuncia­ Is 30,15 e outros). Paulo escrevc wiiM
rá com sinais prévios, diz a segunda segunda carta explicando sua di'm u­
carta. O queprovocou a mudanqa ?A l­ ña sobre a parusia. Chegará por . m|
guns pensam que opensam ento de Pau­ pas: agora já está atuando o rival, .s, i/.i,
lo evoluiu; outros sustentam que sao provocandoperseguiqóes e difundín.i i
dois aspectos complementares. A p r i­ a impiedade; chegará depois o Aun
meira versáo transforma a esperanqa cristo e urna apostasia; finalm ente m/
em espera, maniendo tensa a vida cris­ cederá a vinda triunfal de Jesús ( n
ta; a segunda traduz a expectativa em to. Portanto, o cristáo deve trabalh.ii
esperanqa serena e perseveranqa. Ja- e esperar.
mais o N T dá margem a urna especula- A primeira carta deixa entrever o i/n,
qáo sobre datas precisas. era urna igreja jovem e fervorosa, \u
Fica pendente o problema, se olha- m e no meio dos sofrimentos. Ela 11,-
m os os que saem para receber o S e­ diz algo sobre as crenqas dos crista",
nhor. Os cristáos que já morreram, nao uns vinte anos depois da ascensdo n
participaráo do acontecimento? A pre- Trindade, D eus como Pai, a missao ./.
ocupaqáo denota solidariedade com os JesúsM essias, sua morte, ressurrciqihi
irmaos defuntos e urna concepqáo bas­ e futuro retorno; as tres virtudes, /.
tante primitiva. Pois para eles haverá esperanqa e caridade.
ressurreiqáo e seráo arrebatados ao N inguém duvida da autenticidinh
encontro do Senhor (4,16-17). E urna paulina da prim eira carta. E o prim n
mensagem de esperanqa e consolo. ro escrito certo do NT. A maioria dos
A prim eira carta fo i escrita no ano com entaristas considera também mi
51. E aconteceu que alguns fiéis tira- téntica a segunda. Pensa-se que forum
ram conseqüéncias abusivas da reco­ escritas em Corinto.
I'KIMI IRA CARTAAOS TESSALONICENSES

l ». I'.mio. Silvano e Timòteo à igre- 4Sabem os, irmaos queridos de Deus,


I |.i .I. Deus Pai e do Senhor Jesus
• ii i., i mi lessalònica: paz e graga a
que fostes escolhidos; 5porque, quan-
do vos anunciamos a boa noticia, nao
foi só com palavras, mas com a eficácia
do Espirito Santo e com fruto abundan­
^iiiii ile m aca s—-2Damos sempre gra­ te. Conheceis nosso estilo de vida entre
tin .1 I )cus por todos vós, 3m encionan- vós a vosso servido, 6e vós seguistes
in i ir. fin nossas súplicas a Deus nos- nosso exemplo e do Senhor, recebendo
■. f u. recordando v o ssafé ativa, vosso a mensagem com a alegría do Espirito
..... . milícito e vossa esperanza perse- Santo em meio a urna grave tribulagáo,
......le 110 Senhor nosso Jesus Cristo. 7a ponto de converter-vos em modelo

1.1 SaudaQào. Sendo esti a primeira (ICor 13,13; Rm 5,2-5; G1 5,5-6; C1 1,4-
.ufi ile l’aulo, vale a pena deter-nos na 5; lTs 5,8; Hb 6,10-12; lPd 1,21-22). A
..niil.ifiio. Na forma segue os cánones da “fé” deve ser ativa, traduzindo-se em obras
.*|in. .i: N a N ’ deseja X; depois acrescen- (G1 5,6); o “amor” é o fraterno que impli­
Iiiiii nina oragào, agào de gragas ou sùpli- ca esfor§o; a “esperanza” seja paciente,
i .i i ) esquema convencional se enche de com persistencia (nada de entusiasmo utó­
. mili lido novo, cristáo. Embora os reme- pico).
li iilrs sejam très, um é o autor da carta, 1,4 O judeu Paulo chama de “irmaos”,
l'nido, que se apresenta sem mencionar o título cristao, os pagaos convertidos. A
Ululo de apóstolo. eleigáo é um dos termos básicos do AT (as
Destinatàrio é a “Igreja de Deus Pai e vezes substituido por sinónimos). A elei-
•In Senhor Jesus Cristo”. Igreja é palavra gáo é ato do amor de Deus (cf. Dt 7,7-8).
Uir^a que designa o grupo dirigente da ci- 1,5a Doutrina sobre o anúncio evangé­
il.uk- grega. Mas corresponde ao hebraico lico, que se estende depois aos escritos. A
"ir.sembléia de Deus/F/zw/i”, que é o povo pregagáo nao é simples palavra humana,
(Nm 16,3 contraposto à autoridade; Dt mas vai carregada ou vitalizada com a
1,4; Mq 2,5; lC r 28,8 título de Israel). energía e eficácia do Espirito Santo; por
Só que nesta carta o lugar de Deus ou Yhwh isso é fecunda e produz fruto (cf. Is 55,10-
i' ocupado igualmente por Deus e Senhor, 11 sem mengáo do Espirito; Rm 15,19;
ti l’ai e Jesus Cristo (Jo 10,30). ICor 2,4). Essa doutrina se prolonga em
Sobre a atividade de Paulo em Tessalò- 2,13.
uica, ver At 17,1-5, onde se fala da hosti- l,5b-6 Propóe a corrente da imita-
lldade dos judeus; da hostilidade dos pa­ gao: Paulo imita Jesús, os tessalonicen-
tío s fala esta carta (2,14). ses imitam Paulo (ICor 4,16) e se tomam
“Graga” é a saudagào grega; em chave “modelo” de outros (v.7); em geral e con­
crista é o favor de Deus, outorgado agora cretamente no sofrer com alegría pelo
por meio do seu Filho. “Paz” é a saudagào evangelho. O paradoxo da alegría no so-
iicbraica; em concreto, com a paz os pere­ frímento consta no AT (cf. SI 4,8) e é tema
grinos saúdam Jerusalém; o contexto eris­ central da mensagem evangélica (Le 6,22-
imo enriquece o conteúdo da palavra (cf. 23; At 5,41; 2Cor 3,7). É urna alegría hu­
Jo 14,27). manamente nao justificada, infundida pelo
1.2 Agáo de grabas pela evangelizado Espirito.
em Tessalónica. 1,7-8 Macedónia e Acaia eram as duas
1.3 Encontramos reunidos “fé, amor, provincias romanas da Grécia, as quais se
esperanza”, e voltaráo a mostrar-se unidos somam outras da Asia. O fato de Tessaló-
PRIM EIRACARTAAO S TESSALO N ICEN SES 598

para todos os fiéis da M acedonia e da tratos em Filipos, como sabéis, n.> ]


Acaia. 8A partir de vos ressoou a pala- Deus nos deu ousadia para vos expoi < 1
vra de Deus, nao som ente na Mace- boa noticia de Deus em meio a I<nt.
dónia e Acaia, mas em todos os lugares oposicao. 3É que nossa pregagáo n i
chegou a fam a de vossa fé em Deus, de vem do engano nem de m otivos su|m
modo que nao precisamos falar a res- nem usa de fraude; 4mas, creditado. p. »
peito. 9Eles próprios, referindo-se a nós, Deus, expomos a boa noticia que im
contam a acolhida que nos destes: co­ recomendaran!, procurando agradai nii>
mo, deixando os ídolos, vos convertes- a homens mas a Deus, como prov¡i ■
tes a Deus para servir ao Deus vivo e nossa consciéncia. 5Nunca usamos luí
verdadeiro, 10esperando, do céu, a vin- guagem lisonjeira, como sabéis, iimit
da do seu Filho, que ele ressuscitou da pretextos para ganhar dinheiro, Den-,
morte: Jesús, que nos livra da conde­ testemunha; 6náo pretendemos hom
nagáo futura. humanas, nem de vós nem de outnn,
7embora pudéssemos, como apostoli >«,
Ministério de Paulo e Tessalónica ser pesados para vós. Ao contràrio, agl
2 — 'V os sabéis, irmáos, que nao vos mos convosco com toda a bondade, qu.il
visitam os em váo. 2A pós sofrer maus máe que acaricia suas criaturas. 8Tínli.i

nica ser um centro de comunicagóes, foi um trada com comparagóes sugestivas: coitm
fator do progresso; mas a grande difusáo da máe, como pai. Reitera as expressóes “su
fama e seu efeito positivo sao obra de Deus beis, conheceis, sois testemunhas”, num»
(desde o v. 2 Paulo está dando gragas). espécie de amável cumplicidade: embuni
1,9-10 Soa como síntese concisa da pri- já o saibais, vo-lo digo.
meira pregagáo (kerigma) e da conversáo. 2,1-2 Os fatos sáo narrados em At 1<>
Esta é um movimento espiritual de-para 19-40.
(como o indica a etimología de con-verter- 2,3-9 Contém a confissáo negativa o
se). Aos ídolos “mortos”, inertes (SI 115 e positiva, do evitado e do feito. “Engaño
135; carta de Jeremías) se opóe o Deus seria anunciar fatos falsos ou pronunciai
“vivo” (Dt 5,26; ISm 17,26, Davi a Golias; como mensagem de Deus o que náo o é
2Rs 19,4, Senaquerib o insulta; SI 42,3); Como os falsos profetas: “profetas insen
aos deuses “falsos”, váos (Jn 2,9; SI 31,7; satos, que inventam profecías... visiona
Jr 51,18) se opóe o Deus “verdadeiro, au­ rios falsos, adivinhos de mentiras, que di
téntico”. O caminho dessa conversáo foi a ziam oráculo do Senhor, quando o Senhot
adesáo a Jesús. É significativa a ordem e náo os enviava” (Ez 13,3.6). A fraude podi
disposigáo das pegas da mensagem e suas ser prodigios falsos. “Motivos sujos” coin
conseqüéncias. Coloca em lugar de desta­ cidem com a “cobiga”; também como os
que a esperanga escatológica do Filho de falsos profetas: “quando tém algo pani
Deus que se encontra no céu (portanto, glo­ morder, anunciam paz, e declaram umii
rificado), a quem seu Pai “ressuscitou” guerra santa a quem náo lhes enche a boca'
(logo, tinha morrido): ele se identifica com (Mq 3,5; Le 20,47). As “honras humanas'
Jesús (nome histórico), que nos livra da como ñas denúncias de Mt 23,5-7 e para
“condenagáo” ou ira futura, quer dizer, no lelos e Jo 5,41. As “lisonjas”; também co
julgamento definitivo. A “ira” (de Deus) mo os falsos profetas: “enquanto eles cons
expressa em termo de sentimento a condi- truíam a parede, vós a rebocáveis coni
gáo de Deus inconciliável com o pecado, e argamassa” (Ez 13,10); “dizei-nos coisas
objetivamente a sentenga de condenagáo agradáveis, profetizai ilusoes” (Is 30,10)
que há de serexecutada. Conseqüéncia para Parte positiva: fomos provados e coni
os fiéis: a vinda de Jesús será libertadora. provados por Deus (Jr 11,20; Zc 13,9; SI
139,23); confiou-nos o evangelho e nós o
2,1-12 Recordagáo da sua atividade en­ pregamos. Renunciamos ao direito ao sus
tre os tessalonicenses. Tem algo de pro­ tento para nao sermos pesados (At 20,34;
testo de inocéncia (como Samuel em ISm ICor 9,12-18). Outros, em lugar de “pe
12,1-5) e muito de expressáo de afeto, ilus- sados”, interpretam “com autoridade”.
599 PRIM EIRA CARTA AOS TESSALO NICEN SES

ittH ■|iin \ os Imito afeto, que estávamos irmáos, im itastes o exemplo das igre-
i||t|in>iiir. ,i ilar-vos nao só a boa notí- ja s da Judéia, fiéis a Cristo Jesús, pois
iM ili I leus, mas anossavida, tanto vos sofrestes de vossos conterráneos o que
«ntiHiimos. ''Lembrais, irm áos, nosso eles sofreram dos judeus; 15eles mata-
iiliMi.u r ladiga: trabalham os de noite ram o Senhor Jesús, nos perseguiram,
f ilii din para nao vos seranos pesados, nâo agradam a Deus e sao inimigos de
»ni|iiiinlo vos proclamávamos a boa no- todos; 16im pedem -nos de falar aos pa­
llHii ilc Dcus. l0Vós sois testem unhas, gaos, a fim de que se salvem; e assim
* idiiilicm Deus, de como foi o nosso estáo enchendo a m edida de seus peca­
mih i'dcr em relagáo a vós, os fiéis: san- dos. Mas finalmente o castigo os alcan-
hi, |nslo e irrepreensível; n sabeis que ça. 17Nós, irmáos, órfáos temporários
iMlitinos a cada um com o um pai a seu de vós, no corpo e nâo no coraçâo, pela
fililí i , 1 Vxortando-vos, animando-vos, força do desejo redobramos os esfor-
(tlgliulo (|ue agísseis de m odo digno de ços para visitar-vos. 18Eu, Paulo, mais
JIímin, (pie vos chamou para o seu reino de urna vez quis ir ver-vos, mas Sata­
» (Irii ia. l;,Por isso, também nós damos nás me impediu. 19Pois, quando vier o
Un t ssnntes gragas a Deus porque, quan- Senhor nosso, Jesús, quem, a náo ser
iIm i invistes de nós a palavra de Deus, vós, será nossa esperança e alegría e a
vil» n acolhestes, nao com o palavra hu- coroa da qual nos orgulham os diante
niiiiia. mas como realm ente é, palavra dele? 20V ós sois minha gloria e minha
ilu I )cus, ativa em vós, os fiéis. 14Vós, alegría.

2.7 c 11 Descreve seu estilo apostólico gelho anunciado oralmente; náo exclui a
i nni iluas compara§5es complementares, aplicagáo á sua versáo escrita.
mino urna máe, como um pai: “também 2,14-16 O primeiro v. mostra que tam­
mu lui filho de meu pai, amado ternamente bém os pagáos punham entraves e perse-
|ini minha máe” (Pr 4,3). Pai e máe ocu- guiam seus concidadáos convertidos. Pá-
(ttini lugar privilegiado na educagáo sa- rece que a Paulo dói mais a hostilidade dos
(ilnicial, até o ponto de o mestre se apre- judeus (cf. SI 55,14-15). As expressóes
nnilar com o título de pai e chamar os duras devem ser entendidas á luz dos acon-
discípulos de filhos. Da máe, Paulo toma o tecimentos narrados em At 17 e casos se-
fruto temo, afetuoso (cf. SI 131 e a queixa melhantes. Refere-se aqueles judeus que
iln Moisés em Nm 11); do pai, a educagáo se recusam a aceitar o evangelho e lutam
exigente e solícita (imagem que Dt 8,3 apli- contra sua difusáo (Paulo tinha sido um
cii a Deus em relagáo ao povo no deserto). deles). Contudo, o apóstolo se dirigirá em
2.8 Dar a vida por amor: este texto é primeiro lugar aos judeus em suas sina­
milerior à declaragáo por escrito de Jo gogas. As reprimendas sao feitas por um
15,13. homem que se sente judeu de carne e de
2.12 O chamado ou vocagáo comple­ coragáo. “Encher a medida” implica a pa­
menta a eleigáo (1,4; cf. lPd 5,10). O rei­ ciencia de Deus, dando tempo para con-
no onde Deus reina com gloria. verter-se, até náo tolerar mais (Gn 15,16;
2.13 Retoma a agáo de gragas (1,5-6) “castigando-os paulatinamente, lhes des­
para expor em concreto a tribulagáo sofri- tes ocasiáo para se converterem” Sb 12,10;
clu. Antes completa ou enriquece a doutri- cf. Mt 23,32-33). O castigo é a ira, da qual
iia sobre a palavra do evangelho (1,5). A só Jesús Cristo nos livra (1,10).
palavra do pregador do evangelho é pala­ 2 .1 8 Chama Satanás (rival) o poder que
vra humana, pronunciada por Paulo; mas impede sua viagem apostólica. Veja-se o
6 também “palavra de Deus” e, como tal, “Satá” que impede a viagem de Balaáo
ativa por si, e náo só pelos recursos huma­ (Nm 22,22.32). Provavelmente, Paulo que­
nos de persuasáo. A denominado “pala­ ría fortalecer a comunidade em suas difi-
vra de Deus” aplica-se no AT sobretudo à culdades.
palavra profètica, normalmente como “pa- 2.19 Na parusia, os tessalonicenses,
lavra de Yhwh”. O texto se refere ao evan- agrupados em torno de Paulo, seráo a co-
PR1MF.IRACARTA AOS TESSALONICENSES 600

'Por isso, nào podendo mais agiien- consola, 8e nos sentim os revivo r
3 tar, decidim os ficar sozinhos em
Atenas 2e enviar-vos Tim òteo, irmào
causa de vossa fidelidade ao S< nlm|
yQue gragas podemos dar a Den-.
nosso e ministro de Deus para a boa no­ vós, pela alegría que nos p ro p o n .......
ticia de Cristo, para que vos fortalecesse diante de nosso Deus? 10Dia e i.....
apelando à vossa fé, 3exortando-vos a pedimos insistentemente para esiaiiii"-|
nào fraquejar nessas tribulagòes; pois sa­ ai presentes, a fim de com pletar o i
béis que esse é o nosso destino. 4Assim, falta na vossa fé. n Queira Deus r
quando estávam os entre vós, vos pre- nosso, e o Senhor nosso Jesus, dar 6 <1
dissemos que sofrenam os tribulagóes; to à nossa viagem até vós. I2E a von o
e assim aconteceu, como bem sabéis. Senhor conceda crescer e transboi 11,«
5Por isso, nao podendo mais agiientar, de amor mùtuo e universal, como nui
m andei pedir informagóes sobre vossa vos amamos; 13fortalega vossos coni
fé, temendo que o tentador vos tivesse göes, para que possais apresentai v
tentado e meu traballio tivesse ficado santos e imaculados a Deus, Pai nov u
inútil. 6Agora Timòteo acaba de voltar quando o Senhor nosso Jesus vier cum
da visita a vós, e nos informou a res- todos os seus santos.
peito de vossa fé e amor, da boa recor-
dagào que sempre guardais de nós, da
vontade que tendes de ver-nos, como
nós a vós. 7E assim, irmàos, em meio a
4 Vida crista — 'D e resto, irmào»,
vos pedimos que o m odo de api
agradando a Deus, que aprendesti s >li
necessidades e tribulacòes, vossa fé nos nós e já praticais, continue fazendo pin

roa que o vencedor exibe orgulhoso. Para 7,5), como impediu já urna viagem de Pan
a metáfora, ver Pr 12,4, a esposa do mari­ lo (2,18).
do; 17,6, os netos do anciáo. Compare-se 3,6 “Informar”: o verbo grego “evango
também com 2Tm 4,8: a parusia será o dia lizar” se usa aquí em sentido profano, tu
feliz de ser premiado. zer boas noticias.
3.10 O que falta à fé é seu desenvolví
3.1 Sobre sua estada em Atenas e o fa­ mento sempre em ato.
moso discurso no Areópago informa At 3.11 Notem-se os possessivos de pertrn
17,16-34. “Sozinho” teve de enfrentar os ga pessoal e comunitària.
intelectuais gregos, e parece que seu es- 3.12 O amor é mutuo dentro da conni
forgo nao teve muito éxito. Naquele am­ nidade; igualmente capaz de comunicai
biente sentiu mais a solidáo. se a todos. Semelhante amor, náo por in
3.2 Depois da conversáo, é preciso for­ teresse egoísta, é dom de Deus.
talecer ou confirmar a fé. 3.13 Aparusia. “Com todos os seus san
3.2-13 O capítulo se desenvolve em tres tos”: sua corte celeste (Zc 14,5; Dt 33,3,
movimentos: o primeiro é a missáo de Ti­ Jó 5,1).
moteo a Tessalónica, para atuar e trazer
informagoes (vv. 2-5); segundo, as infor­ 4 ,1 -3a Podemos chamá-lo programa
m a le s favoráveis e tranquilizadoras (vv. genérico de vida espiritual ou conduta cris
6-9); terceiro, nova oragáo de Paulo com tá. Um principio é o “progresso”: o qm
agáo de gragas e súplica (vv. 10-13). Em dirá de si aos filipenses (3,13). Agradar a
toda a perícope, a grande preocupagáo é a Deus nunca é um fato concluido. O outru
fé (2,5.6.7.10); no final se acrescenta o principio é a “santificagáo”, substantivo di
amor universal e, por implicagáo, a espe- agáo. Embora já sejam santos = consagra
ranga na parusia. dos pelo batismo, sua santificagáo devi
3.3-4 Também Jesús o predisse repe­ continuar. A exortagáo clàssica do Levítico
tidas vezes (Mt 16,24 par.); do AT baste (20,7) passa ao NT relacionada com o Es
recordar o exemplo do Servo (Is 49 e 53). pírito Santo (nesta carta 1,5.6; 4,8).
3,5 O tentador é o diabo, que tenta des- O chamado Código de Santidade dedi
fazer todo o realizado (cf. lPd 5,8; ICor cava urna segáo a relagóes sexuais, coni
601 PRIMEIRA CARTA AOS TESSALONICENSES

„((« " < nnlicceis as instrugóes que 9A respeito do amor fraterno, náo é
. .i. mu>s i iii noine do Senhor Jesús. necessàrio escrever-vos, pois aprendes-
I «m i ,i vontade de Deus: que sejais tes de Deus a amar-vos mutuamente,
miiln i >iu- vos abstenhais da fornica- 10e o praticais com todos os irmáos da
.,4<i 'i|in i .ula um saiba usar seu cor- M acedònia inteira. Contudo, vos reco­
|Mi1 1 .un i espeito sagrado, 5náo por pura mendamos que continuéis progredindo.
|Ml*iiu. i niño os pagaos que náo conhe- "E sm erai-vos em manter a calm a, em
mii 11. II-, '’Que nesse assunto ninguém ocupar-vos dos vossos assuntos e tra-
ih inl.1 mi prejudique seu irmáo, por- balhar com vossas máos, como vos re­
tuft ii Senhor castiga tais ofensas, como comendamos. l2Assim vos com porta­
Hit i. mus dito e inculcado. 7Deus náo reis dignam ente diante dos estranhos,
ii., i li.miou para a impureza, mas para e náo tereis necessidade de nada.
t «iiniilicagáo. 8Portanto, quem despre-
..I náo despreza um homem, mas A vinda do S en h o r (IC or 15) — 13Em
. 11, ii-,, que além disso vos deu o seu relagáo aos defuntos, quero que náo
I .11nilo. continuéis na ignorancia, para que náo

|niillt ular acento sobre o incesto, e uma 4,11-12 Parece ser, como indica a carta
•i i.iin dominada pelos deveíres para com o seguinte, que a expectativa da parusia in-
inmuno (Lv 18—19). Dois temas que Paulo duzia alguns a despreocupar-se dos assun­
un n brevemente a seguir. tos ordinários, e mesmo do trabalho. Isso
I, ll>-8 Relagóes sexuais. “Fornieagáo” desacreditava o pequeño grupo cristáo dian­
.ii|iii e lermo genérico. Discute-se o senti- te dos pagáos e os fazia passar necessida­
ilu ile (literalmente) “possuir/adquirir seu de sem razáo.
lii'ilimnento”. Várias interpretagóes tém
■ililn propostas: a mulher ou esposa (o gre- 4.13—5,11 Aqui trata o problema fun­
Uii 'instrumento” significa também re- damental da carta. Quando a escreve, ain-
i Ijiicnte); órgáo sexual (suposto eufemis- da náo se escreveu o primeiro evangelho;
iiin nao atestado); o próprio corpo com seu mas já se cristalizaram muitas tradiqóes
n|ii'lite sexual (o termo “adquirir” se en­ oráis que os evangelhos váo recolher e ela­
cuadra menos bem; dever-se-ia traduzir borar. E, portanto, legítimo ilustrar a pre­
|ini “controlar”). O que está claro é que a sente passagem com os textos apocalíp­
vnla sexual náo está isenta de regras, an- ticos ou escatológicos, em particular Me
les lica submetida á “santificagáo”; com 13; Mt 24-25.
unirás palavras, entra numa esfera nobre 4.13-18 Jesus anunciou sua vinda glorio­
i' exigente; está relacionada com o “co- sa, triunfal (Mt 26,64; Me 14,62; At 1,11).
nhecimento” do verdadeiro Deus. “Como Os cristáos eram convidados a receber o
us pagaos”: a parénese de Lv 18 insiste triunfador para associar-se à sua gloria e
mi que os israelitas náo devem ser como alegría. Cerca de vinte anos depois da mor­
us cananeus (18,3.24-29; cf. Jr 10,1- te de Jesús, os cristáos vivem expectantes
10.25). aguardando o “dia do Senhor”. Mas, o que
“Ofender o irmáo”: parece referir-se ao será dos cristáos que morreram nesses dois
mlultério (cf. Pr 6,20-35). “Castiga tais decenios? Segundo a doutrina do AT, “os
ofensas”: também o citado capítulo do Lv mortos náo vivem” (Is 26,14), náo parti­
menciona o castigo (18,28-29). O desre- cipan! das festas da comunidade (p. ex. SI
l’.ramento sexual é inconciliável com a pre­ 30; 88,11). “As sombras se levantaráo para
senta ativa do Espirito Santo no cristáo. te louvar?” Paulo responde que esses mor­
4,4 *Ou: sua esposa. tos “se levantaráo”, ressuscitaráo (Is 26,19;
4,9 Em lugar do comum ágape, empre- Dn 12,1) para participar do triunfo de Cris­
ga o raro philadelphia = amor fraterno. to. Depois dá conselhos para os vivos.
Mas náo em sentido filosófico, e sim como Paulo esperava fazer parte dos que ve-
virtude “ensinada por Deus” (ver a expres- riam a parusia em vida? Assim parece.
sáo Is 50,4; 54,13; com outra construgáo, Embora alguns pensem que o “nós” tenha
a idéia é freqüente: Jr 31,34; SI 71,17 etc.). alcance potencial, “seja quem for”. Há os
PRIMEIRACARTA AOS TESSALONICENSES 602

vos aflijais como os outros que nào tèm do Senhor chegará como ladran mam
esperanza. 14Pois, se eremos que Jesus no: 3quando estiverem dizendo >|U|
morreu e ressuscitou, o mesmo Deus, paz, que tranqüilidade”, entào, dci(¡>>i
por meio de Jesus, levará os defuntos te, como as dores de parto para a n a «
para estar consigo. 15Isto vo-lo disse- da, cairá sobre eles a calamidade, < m4m
mos apoiados na palavra do Senhor: poderáo escapar. 4A v ó s, irmàos, vii t.
nós, que ficarmos vivos até a vinda do que nào vivéis na escuridào, essi <II«
Senhor, nào precederem os os mortos; nào vos surpreenderá como um ladiiii
16pois o pròprio Senhor, ao soar urna 5Sois todos cidadáos da luz e do din
ordem, à voz do arcanjo e ao toque da nào pertencem os à noite nem ás trc\ i
trombeta divina, descerà do céu; entào 6Portanto, náo durmamos como os n»
ressuscitarào primeiro os cristàos mor­ tros, mas vigiemos e sejamos sòbrio:. i '
tos; 17depois nós, que estivermos vivos, que dormem o fazem de noite; 7os
seremos arrebatados com eles entre as se embriagam o fazem de noite. 8Nn
nuvens no ar, ao encontro do Senhor; e ao contràrio, como seres diurnos, |« i
assim estaremos sempre com o Senhor. m anejam os sobrios, revestidos com «
18Portanto, consolai-vos m utuam ente coura^a da fé e do amor, com o capa
com essas palavras. cete da esperanza de salvacáo. 9Deui
náo nos destinou ao castigo, mas a | »■
*Em relagáo a datas e momentos, suir a s a lv a lo por meio do Senhor mu
5 nào é necessàrio que vos escreva;
2pois vós sabéis perfeitamente que o dia
so Jesús Cristo, 10que morreu por mm
de modo que, acordados ou dormimi"

que “nao tém esperanza” (v. 13) em outra par.). Desenvolve o tema combinando ima
vida, como os saduceus e muitos pagaos. gens de atividades noturnas: a do ladra<>i
Nao sabemos a que “palavra do Senhor” a do libertino e o sono honrado. O ladi.m
se refere (v. 15); poderia ser urna palavra age ñas trevas, que sao seu reino, chi jm
náo escrita no AT (cf. At 20,35). de repente e procura náo avisar; “duratili
O objeto da esperanga é em substancia a noite ronda o ladráo com o rosto colín
“estar com Deus” (v. 14) e com “o Senhor” to, na escuridao abre brechas ñas casa
(v. 17). Idéia sugerida no AT: “tu me en- (Jó 24,15-16). O patráo deve vigiar di
cherás de gozo na tua presenta, de alegría noite, inclusive mais que de dia. De noiU
perpétua á tua direita” (SI 16,11); “mas eu se celebram as orgias: é preciso ser sóbriir.
sempre estarei contigo” (SI 73,23). como de dia. De noite se dorme: é mistci
O sujeito sao as pessoas: náo entra em viver vigiando (cf. Jr 6,14; Am 2,14-1S
jogo a sobrevivencia de almas separadas, Jo 8,12). Sobrep5e-se uma imagem mili
no estilo da dicotomía grega; é antes a con­ tar, a armadura, que sugere um assalto be
c e p to que lemos na promessa ao bom la- lico repentino. Amós tinha dito: “o dia do
dráo (Le 23,34 “estarás comigo”; Jo 12,26; Senhor é tenebroso e sem luz” (5,18) c
17,24). Sofonias o descrevia como “dia de obscu
Os dados descritivos sao tomados do ridade e trevas” (1,15). Paulo o representa
repertorio imaginativo dos apocalipses: como dia luminoso para os cristáos, qrn
anjo e trombeta (Mt 24,31; Is 27,13), des­ devem responder ás exigencias da luz.
riela do céu e arrebatamento ñas nuvens 5,3 “Paz”: Jr 6,14-15; “nao escapa”: Am
(Dt 7,13). Este parágrafo pode ser compa­ 2,14-15.
rado com um texto posterior, ICor 15. 5,4-5 Noite e trevas: Jo 8,12; 9,4-5.
5,6 A parábola das dez virgens (Mt 25,1
5,1-11 Seguem-se normas para os vivos, 13) se desenvolve de noite e concluí con
baseadas numa certeza e numa ignoran­ vidando a vigiar.
cia. A vinda do Senhor será repentina, “vós 5,8 Nova menQáo das tres virtudes bási
o sabéis exatamente”, mas náo conhece- cas como armas defensivas.
mos a data. Logo, é preciso vigiar. É o 5,10 “Acordados” sao os que estiverem
ensinamento dos evangelhos (Mt 24,43 vivos quando chegar o Senhor; “dormili
603 PRIMEIRA CARTAAOS TESSALONICENSES

i ihmi • in|ii< rom ele. n Portanto, sar, 18dai gragas por tudo. É isso que
tiiiiii.n >■!'. i cdilicai-vos mutuamente, Deus quer de vós como cristáos. 19Náo
m i . i | i .1 l.i/i i'. apaguéis o Espirito, 20náo desprezeis a
profecía, 2Iexam inai tudo e ficai com
i mm*>1Ii <>-. r smidagóes — 12Nós vos o que é bom, 22evitai toda espécie de
,. ii......... mi.ms, que tenhais conside- mal.
. i.. 11 ii ,i • «un os que trabalham e vos 230 Deus da paz vos santifique com ­
* . ni mi r admocstam em nome do pletamente, vos conserve íntegros em
Icnli"! 1'iniistrai-Ihes um afeto parti- espirito, alma e corpo, e irrepreensíveis
h I i i i i. .mui por seu trabalho. Conservai para quando vier o Senhor nosso Jesus
, |..i 1'I .lo vos recomendamos, imáos: Cristo. 24Aquele que vos chamou é fiel
(iIiih ii .i.ii o s insubmissos, animai os e o cumprirá. 25Rezai também por nós,
l>|iii!iinlii-,, socorrei os fracos, sede pa- irmáos. 26Saudai todos os irmáos com
i, iiii . i mu lodos. 15Cuidado: que nin- o beijo sagrado. 27Eu vos conjuro pelo
„ i i i ni |u )’ .ue o mal com o m al; procurai Senhor que leíais esta carta a todos os
■-r 1111111' o bem entre vós e para todos. irmáos. “8A graga do Senhor nosso Je­
I i. , i i M-mprc alegres, 17orai sem ces- sus Cristo esteja con vosco.

iId" os que entáo estiverem mortos. Todos 5,16 Alegría: em contexto escatológico,
«•in distingáo “viveráo sempre com ele”, Is 25,9; 65,13; 66,10; Sf 3,14; em contex­
|íi que viver com ele nao tem fim. to cultual, SI 118,24; J1 2,23. Se tomamos
5.12-22 Conselhos gerais e particulares. o verbo no sentido cultual de “festejar”,
5.12-13 Com os superiores, que “traba- poderíamos colocar na mesma esfera o
lliam” “em nome do Senhor”: Hb 13,7.17. orar, o dar gragas, o profetizar.
5.14 “Irmáos” parece abarcar toda a co- 5.23 “Corpo, alma e espirito”: divisáo
munidade. Pode-se comparar com os cui­ tripartida do homem, no estilo grego, que
dados de Yhwh pastor por suas ovelhas: serve para afirmar a extensáo total da con-
"buscarei as perdidas, reconduzirei as que sagragáo.
estiverem desgarradas, curarei as que es- 5.24 “É fiel”: Dt 7,9; IRs 8,26; Is 49,7.
liverem feridas. Quanto as gordas e vigo­ “O Senhor completará seus favores comi-
rosas, as guardarei e as apascentarei como go... náo abandones a obra de tuas máos”
6 devido” (Ez 34,16; cf. Is 35,4; 61,1). (SI 138,8).
5.15 “Mal com o mal”: Pr 20,22; Eclo 5,27 Todos os irmáos daquela comunida-
28,1; Rm 12,17; lPd 3,9. de e provavelmente das vizinhas (cf. C14,16).
SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSI S

‘De Paulo, Silvano eTim öteo ä igre- ponto de estarmos orgulhosos do vrt|
1 ja de Deus nosso Pai e do Senhor
Jesus Cristo em Tessalönica: 2graca e
diante das igrejas de Deus, por v n #
fé e paciencia nas perseguiqòes e 11il<m
paz a vös da parte de Deus Pai e do lagòes que suportáis, 5que sào prova il.
Senhor Jesus Cristo. justo julgam ento de Deus e servii i.
para vos tornar dignos do reino de 1><u»
Agäo de g ra c a s — 3Temos de dar sem­ pelo qual padeceis. 6É justo que I )riu
pre gragas a Deus por vös, irmäos, co- pague com tr ib u ía lo os que vos mil
mo e justo, porque vai crescendo vossa bulam, 7e a vós, os atribulados, vos .ili
fe e aumentando vosso am or mütuo, 4a vie, bem corno a nós, quando se re vi

1,1-2 A saudagáo é como a da carta pre­ por onde os dispersei; a ti nao destrum
cedente, com ligeira adigáo. te corrigirei com medida e nao te deíx.m i
1.3 A aqáo de grabas, que na primeira impune” (Jr 30,7.11 e todo o capítuldi
carta recordava o passado, fixa-se agora Tampouco os tessalonicenses poderáo suti
no presente. Na primeira mencionava a trair-se á tribulagao geral, na qual seriln
conversáo, nesta o crescimento. Mencio­ purificados para “serem dignos do rcin»
na a fé e o amor, nao porém a esperanza. de Deus”, que se vai estabelecer. Do N l
Ver Jo 15,12. podemos escolher Me 13: quando se apru
1.4 Nao menciona a alegría nas tribula- ximar a parusia, haverá urna angustia e oí
Qóes, mas sim a paciéncia animada pela fé. fiéis padeceráo para dar testemunho (vi i
1,5-10 Cometa a interpretado das per­ os paralelos de Mt 24 e Le 21).
seguí goes em chave de julgamento escato- Pois bem, esse dia será o das contas lí
lógico. Na primeira carta, concebía a pa- nais: terá passado o tempo da misericói
rusia como vinda triunfal e gloriosa, que dia e do perdáo. A formulagáo nos termo-,
satisfaría a esperanza e a expectativa dos da lei do taliáo, repetindo as mesmas pa
fiéis. Aqui se apresenta como julgamento lavras, expressa uma justiga que náo dei
de premio e castigo, no estilo das escatolo- xa impune. Entre os numerosos textos do
gias e dos apocalipses (em geral Is 65-66 AT que se poderiam aduzir, seleciono o SI
e fragmentos de Is 24—27). 94: “Deus justiceiro, resplandece”, e o cap
Duas afirmagóes produzem espanto ou 5 de Sb.
perplexidade aos comentaristas. A primei­ 1.6 Muitos salmos, que alguns conside-
ra, que as “perseguigóes” sejam “prova” ram vingativos, sáo na realidade um apelo
ou sinal do “justo julgamento de Deus”; a a Deus como juiz, invocando a lei vigente
segunda, o tom de vinganga com que soa do taliáo e renunciando a fazer justiga pe­
o castigo. Quanto á primeira, que os ino­ las próprias máos. Jesús na cruz pede per
centes sofram nao parece “julgamento jus­ dáo, enquanto durar o tempo do perdáo.
to” de Deus. Quanto á segunda, parece Mas a conduta humana entranha algo de
ignorar a misericordia e o perdáo. definitivo frente a Deus. Pensar o contra
Para explicar a primeira, recorremos ao rio é discorrer como aqueles de quem sen
AT e ao evangelho. Jr 30 anuncia um “día tencia Ben Sirac: “gente de pouco senso
grande e sem igual, hora de angustia para pensa assim” (ver Eclo 16,1-23). Daqui ate
Jaco” e acrescenta, “mas sairá déla”. Será o v. 10 predomina o estilo hebraico de
um día de lrbertagáo; mas as turbulencias paralelismos.
históricas afetaráo também e em parte os 1.7 O dia final de prestar contas será o
israelitas e servíráo para purificá-los de dia da parusia, chamada aqui “manifesta-
alguns pecados: “destruirei todas as nagoes gáo com os anjos do seu dominio”; a corte
il 605 SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSES

(il di« ' > ' i i u Senhor Jesus com os anjos nosso Deus vos faga dignos da voca-
W »pii <l<>iiiiiiio 8e com fogo ardente, gáo e vos perm ita cum prir eficazmente
i os que nao reconhecem a todo bom propósito e toda agáo da fé.
IItili mi......bedecem à boa noticia do 12A ssim o nome do Senhor nosso Jesús
ItllliiM m o s s o Jesus. 9Esses sofrerào será glorificado por vós, e vós por ele
MHtil*'Min;;u> perpètua, longe da presen­ pela graga do nosso Deus e do Senhor
t i (In Villini e de sua majestade pode- Jesús Cristo.
|M«|iiando vier naquele dia revelar
IMMMirilla aos consagrados e suas ma- A p a ru sia (Mt 24; Me 13; Le 21)
iivlíiiii’. aos que crèem. n Por isso, re­
mili i» continuamente por vós, para que
2 — 'Irm áos, pela vinda do Senhor
nosso Jesús Cristo e nossa reuniáo com

i Min <mtras passagens se chama “os san- Na sèrie das oito visóes de Zacarías, a
S " | / r 14,5; Mt 25,31; lTs 3,13; 4,16).
|,N ( ilagáo combinada de Is 66,15; Jr
sétima (5,1-11) descreve a Maldade perso­
nificada, expulsa do país (para que nao cau­
III, »’“vc SI 79,6. O fogo é elemento da di- se daño), levada pelos ares a Senaar (Ba­
Vlllllmk' e pode ser instrumento de casti- bilonia) e colocada num nicho sobre um
( i i i mi particular de castigo escatologico pedestal (para ser venerada). Náo é um per­
(I. 10,27; 66,15; Sf 1,18; SI 97,3). A cau­ sonagem, e sim urna personificado; con-
til iln eondenagào é dupla, no estilo do tudo, alguns de seus elementos podem ilus­
HHIillclismo: os que nao reconhecem a Deus trar o enigma da carta presente.
ji l I x 5,2; Jr 9,2) nem se submetem ao O personagem misterioso, ou potencia
«vwiuelho. Alguns comentaristas querem maligna, já está atuando de fato: anteci-
li|inrlir o paralelismo entre dois grupos, pou sua agáo. Mas nao está manifesto, náo
jinj¡Aos e judeus. mostra a cara, porque algo ou alguém (neu­
1,9 A majestade poderosa: ver Is 2,10-21. tro e masculino, w . 6.7) o impede por ora.
1, 11-12 Breve súplica, como é Costume No final se removerá o impedimento, o
mi estilo epistolar. Destino do cristào é antagonista se declarará, se travará a luta
imilemplar e refletir a glòria de Deus (Jo e o Senhor o vencerá “com o sopro da sua
17,10). boca” (Is 11,4, equivalente da palavra ou
sentenga ou imagem da execugáo), com
2,1 -12 Trata um ponto centrai da carta, sua presenga aterradora (Is 2,19).
um lurecendo a anterior ou corrigindo urna Os tessalonicenses sabiam identificar
Inlurpretagáo equivocada. Tinha dito que esse alguém ou algo, nós náo sabemos. Por
il Scnhor chegaria de repente e aceitava a isso, na falta de informagáo, se multiplica-
itiliia de que sua vinda estaría próxima, em- ram as hipóteses: um personagem, urna ins-
Itora se recusasse a determinar. Agora avi- tituigáo, um sistema ou doutrina. Talvez isso
kii que antes da parusia devem suceder vá- tenha a ver com os mil anos do cárcere do
rlas coisas. Antes de tudo, náo devem crer dragáo (Ap 20,2), ou com seu antecedente
pin rumores alarmantes, em falsas noticias, escatològico de Is 24,22: “ficam encerra­
iic iti fiar-se em supostas cartas de Paulo. dos; ao cabo de muitos dias, compareceráo
Primeiro acontecerá urna “apostasia” ou a julgamento”.
ilcfecgáo extensa, em cujo contexto surgi- O Iniquo atuará como emissàrio de Sa­
rií um personagem misterioso: descrito com tanás. Empregará o engano, confirmando-
virios títulos e tragos, náo identificado em o com milagres, como um falso profeta (cf.
particular. O primeiro título equivale a “Ho- IRs 22,19-23; Dt 13,2-6). Mas só conse­
mem sem lei”, “Malvado por antono­ guirá enganar os que náo amaram a ver-
màsia” ou “a Maldade em pessoa”. O se­ dade salvadora do evangelho, mas prefe-
gundo significa “destinado à perdigáo” ou riram a injustiga (para a antítese verdade/
como apelido “filho de Abadon”, que é injustiga, ver Rm 1,18; 2,8).
sinónimo de Xeol. É o Rival (cf. Le 13,17; Mesmo explicado, o texto nos resulta
21,15), que pretende honras divinas (co­ enigmático, num tema que suscita curio-
mo o rei babilónico em Is 14, ou o de Tiro sidade renovada. Melhor que envolvé-lo
cm Ez 28, ou o seléucida de Dn 11,36). em explicagóes e identificagóes conjetu-
SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSES 606

ele, vos pedimos 2que nâo perçais fá­ tor que os faga crer na mentira; 1 .1 m
cilmente a cabeça nem vos alarméis por seráo julgados os que preferirán! .1 1»
causa de profecías ou discursos ou car­ justiga ao invés de crer na vertí:m i.
tas falsam ente atribuidas a nós, como
se o dia do Senhor fosse iminente. 3Que O ragóes m u tu a s — 13Temos di 1
ninguém vos engane de nenhum modo: continuas gragas a Deus porvós, muiv 1 1
primeiro deve acontecer a apostasia e amados do Senhor, porque Deus <
deve manifestar-se o Homem sem lei*, tomou como primicias de salvaga< >| >•l
o destinado à perdiçao, 4o Rival que se consagragáo do Espirito e pela Ir ni
ergue contra tudo o que se chama Deus dadeira; 14e por meio de nossa pirj -
ou é objeto de culto, até sentar-se no tem­ gao da boa noticia vos chamou a |"
plo de Deus, proclamando-se Deus. 5Náo suir a gloria do Senhor nosso Jemi*
lembrais o que vos dizia quando ainda Cristo. l5Portanto, irmáos, permam <
estava convosco? 6E agora sabéis o que firmes, conservai o ensinamento .|"
o retém, para que nâo se manifeste an­ aprendestes de mim, oralmente ou
tes do tempo. 7A força oculta da iniqüi- carta. 160 próprio Senhor nosso Je u
dade já está agindo; falta apenas que Cristo e Deus nosso Pai, que vos .......
seja afastado aquele que a retém. 8Én- e vos favoreceu com um consolo ¡n 1
táo se revelará o Iníquo, que será des­ durável e um a esperanga magnih. 1
truido pelo Senhor Jesús com o sopro 17vos dé animo e vos fortalega para lu í
de sua boca e anulará com a manifesta- tipo de palavras e boas obras.
çâo de sua vinda. 90 Iníquo se apresen-
tará, por força de Satanás, com todo tipo 'D e resto, irmáos, rezai por nós, p.u -
de m ilagres, sinais e falsos prodigios;
10com todo tipo de fraudes iníquas para
3 que a palavra do Senhor se difumU
e receba honra, como aconteceu em vos
os que se perdem, porque nao aceitaram so caso, 2e para que nos vejamos livn
o amor à verdade para salvar-se. n Por de gente malvada e perversa. A fé na<1
isso, Deus lhes enviará um poder sedu- coisa de todos. 30 Senhor, que é fiel

rais, será tomar sua substancia e tirar con- as primicias da Asia em Rm 16,5; da Acau
seqüéncias. Nao é uma resposta a nossa ICor 16,15); recorde-se o sonho do man
curiosidade, e sim uma admoestagáo á vi­ dónio (At 16,9). Também pode ser títu ■
gilancia. genérico dos cristáos (da criagáo,Tg 1,1 S)
2.1 Sua vinda é “reuniáo” nossa com ele: 2.15 Atendo-nos estritamente ao termo,
encontro desejável e libertador. fala de “tradigóes” oráis ou epistolar«
2.2 “Iminente”: outros traduzem o per- significado da palavra “tradigáo” menos
feito grego com valor de presente, “já che- preciso que o nosso técnico.
gou, já está aquí”. 2.16 “Consolo perdurável” é expressan
2.3 *Ou: o Pecado em figura humana. estranha. Se é eficaz, um consolo cessa.
*Ou: a iniqiiidade personificada. Deve referir-se ao efeito, “consolo defini
2,7 A “iniqüidade” (abstrato ou encarna- tivo” (um dos significados do adjetivo gre-
gáo do mal) tem algo de misterioso, como go e semítico), vinculado á esperanga.
presenga oculta, agáo clandestina.
2,11 “Um poder sedutor”: veja-se a vi- 3.1 “Palavra do Senhor” é a mensagem
sáo de Miquéias, filho de Jemla (1 Rs 22, evangélica, como ser vivo que “corre” (cf,
19-23: “O Senhor Ihe disse: Conseguirás SI 147,15: “envia sua mensagem á térra r
enganá-lo. Vai e faze assim”). sua palavra corre veloz”).
3.2 A fé nao é de todos: expressa a ex­
2,13-3,5 A visáo sombría se serena nu- periencia complementar: embora a men­
ma série de oragóes mutuas, agáo de gra- sagem evangélica seja eficaz, nem todos a
gas e petigáo. acolhem com fé.
2,13 “Primicias”: com Filipos, primicias 3.3 O Maligno: eco do Pai-nosso (Mi
de convertidos na Grécia (na Europa: cf. 6,13).
607 SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSES

i 1411 <. i 1,1 r protegerá do Maligno. com endam os isto: quem se nega a tra-
H " ule>■ i< mos confianza em vós: balhar, náo coma. n Pois ficamos saben-
• «.t i» m.|in vii', mandamos e continua- do que alguns de vós se com portam
i i . tu 1
«i <) Senhor dirija vossas desordenadamente, muito atarefados e
ih»i ii mi i,i'. para o amor de Deus e a sem fazer nada. 12A esses recom enda­
i I | f MI I i dr ( I is to . mos e aconselhamos, no Senhor Jesús
Cristo, que trabalhem tranquilam ente e
i mil ii ii o c io sid a d e — 6Irmáos, em ganhem o páo que comem. 13Vós, ir-
...... Ii. Senhor nosso Jesús Cristo vos máos, náo vos canséis de fazer o bem.
iimh mi.unos que vos afasteis de todo 14Se alguém náo obedecer ás instrugoes
HHiftii iIr i-onduta desordenada e em de minha carta, tomai nota, e náo vos
Ih«hi i ii i lo com as instrugoes de nós re- juntéis com ele, para que reflita. 15Mas
t lili Ir. 'Vos sabéis com o deveis imi- náo o tratéis como inimigo; ao contrà­
mi un . m.hi agimos desordenadam ente rio, admoestai-o como irmáo.
«ii«i vii'.; “náo pedimos o pao de graga 16Que o Senhor da paz vos dé a paz
■Miii|iur"i, mas trabalham os e nos afa- sempre e em tudo. O Senhor esteja com
............. de dia e de noite para náo ser todos vós.
,u ..inlir, .i nenhum de vós. E náo é que 17A saudagáo Paulo é de meu punho:
iiitii lí\rssem o s direito; m as quisem os é minha letra e é o sinal em todas as
i,<i vii'. um exem plo a ser im itado, minhas cartas. 18A graga do Senhor nos-
i jiMimlo estávamos convosco, vos re­ so Jesús Cristo esteja com todos vós.

3,5 A paciencia ou persistencia com que 3,6 A exortagáo se abre com grande so-
i<i|)cramos a vinda de Cristo (cf. Rm 8,25; lenidade, como assunto grave, apelando a
¡5,4). instrugoes precedentes.
.1,6-15 Urna conseqüéncia ilegítima e 3,7-10 Sobre os direitos do missionàrio
In-i igosa, já indicada em lTs 4,11, de pen­ e a pràtica de Paulo, os testemunhos se
dil que a parusia era iminente, consistía multiplicaráo; este deve ser o primeiro es­
ii;i ociosidade, desinteresse e desordem na crito (cf. ICor 9,4.6 par.). O trabalho é
vida civil. Jeremías exortava os exilados maldigáo (Gn 3,30-34) e destino sereno (SI
ile Babilonia a trabalhar e a se ocupar ai, 104,15.23). Contra a ociosidade há nume­
nté que chegasse a hora do retomo (Jr 29,1- rosos provérbios (p. ex. Pr 26,13-16). Se a
,M), sem fazer caso dos falsos profetas. parusia nos exime do trabalho, também nos
Paulo aconselha algo semelhante. Quem exime do comer.
diz trabalho para subsistir, diz, por amplia­ 3,14-15 Compare-se com a instrugáo de
d lo , compromisso com a conjuntura his­ Mt 18,15-18. A caridade seja sempre a
tórica. Aparusia sempre próxima relativiza norma suprema.
tis valores terrenos, náo suspende a condi- 3,17 Era costume ditar as cartas e au-
gáo terrena do homem. tenticá-las com a assinatura.
CARTAS PASTO R A IS

FR IM EIRA E SEGUNDA CARTAS A TIM Ó 11 <»


CARTA A TITO
INTRODUÇÂO
Seguindo uma velha tradiçâo, cha­ a) O vocabulário. Segundo um
mamos “p a sto ra is” essas très cartas. culo cuidadoso, de 848 palavrav ./ni
Do cuidado “p a sto ril” dos rebanhos se as très cartas usam, 306 nâo fignitm
salta p o r metáfora ao cuidado “p a sto ­ no resto do chamado corpo panini"
r a l” da comunidade crista. A passagem 175 nâo figuram no resto do N I /../1
prolonga sem ruptura a tradiçâo do AT, tam palavras típicas do vocabttluni
Davi, e do NT, Jesús. paulino, escasseiam outras frequenti ,
A.v très cartas formant um bloco h o ­ mudam de significado algumas; d i! mu
mogéneo e se apresentam como instru- significa honrado, pistis é um corjm <l\
çôes escritas de Paulo a dois íntimos doutrina. Estilo: apagou-se a vivat ni,,
colaboradores seus. Timoteo esteve es- de, a paixâo e o movimento; nâo arra
treitamente ligado ao apóstolo: “meu menta para provar seu ensinamentn,
filh o querido e fie l ao S en h o r” (IC o r predom ina urna tonalidade pacalo .
4,17); companheiro de viagem e mis- suave. A lingua grega é mais depiim
sâo, homem de confiança em missóes da, mais próxim a do grego helenístn .
im portantes e delicadas: ver A t 16, b) Mentalidade. A preocupaçâo ci'm
1-3; 17,14-15; 18,5; IC o r 16,10; 2Cor trai das très cartas é garantir as igiv
1,19. Esteve à frente da Igreja de Éfe- ja s como instituiçâo, conservar o ensl
so. Tito era de fam ilia pagá, converti­ nam ento tradicional e defender-se dtl\
do p o r Paulo (G l 1,1 -3), legado seu em ameaças de desvio doutrinal. Para is\. •
Corinto e m uito estim ado: ver 2C or é preciso /lomear chefes competenti \ r
7,6-7.13-14; 8,16-24; 12,18. Regeu a fidedignos, manter a ordem e a conciti
igreja de Creta. N â o é inverossím il que dia, regular o culto. O autor reitera .>
esses dois ilustres perso n a g en s tive- adjetivo “sâo/sâ ” para referir-se à or
ram a honra de receber cartas pes- todoxia, fala da “verdade ”, repete que
soais de seus m estres; lógicam ente as “alguns se afastaram de... ”A o ímpetu
conservariam e transmitiriam à poste- de evangelizar sucede aqui o esforço
ridade. p o r manter.
Supós-se que as cartas fo ssem de c) O quadro em que se inserem as
Paulo, e acreditou-se nisso durante sé- cartas nâo combina com o que sabe
culos. Porém surgiu a crítica dos estu­ mos p o r outras informaçôes de Paulo.
diosos e, com ela, a dúvida, como indi- Se o apóstolo vai morrer em breve (2Tm
cam as passagens em que Paulo fala 4,5-8), como pode chamar Timoteo di
de si na prim eira pessoa (p. ex. lT m jovem (lT m 4,11)? O anciào deverà tei
1,11.12-16; 2Tm 4,6-8.16-18 etc.) saído da sua prisâo romana para reto
m ar sua atividade no M editerráneo
Autenticidade oriental.
Essas razôes somadas sáo m uito fot
A s razóes contra a autenticidade sao tes, mas nâo conclusivas. Os deferisti
fortes; referem-se à linguagem, à men- res da autenticidade as refutam, prin­
talidade, à situaçâo proposta, e afetam cipalmente com evasivas: que com os
as très cartas como corpo. anos o vigor e a combatividade de Pau
609 PR1MEIRA CARTA A TIMÒTEO

*.■ *> .i.... . <¡ue o tema diverso criador e outro salvador (gnóstico); o
»Mb'." iiiiiii Iniruugem nova; que se va- A T é palavra de D eus (2Tm 3,15ss):
f■i t. u n i ■.<« irhirio redator; que seu nao o é (gnóstico); Cristo homem, m a ­
i i » .......ni, i niilm evoluído. Também n ife s ta d o corporalm ente ( I T m 2,5;
fu. , "i n. i informaçâo sobre a ati- 3,16); negam a humanidade de Cristo
! i.I.i.l, ,1, l'iiido luí importantes lacu- (gnóstico).
mi<i i m,l, i'ihliTtuin encaixar-se as car- A lguns acrescentam outra heresia,
ii. I i ip lin is síi o fracas: um anciáo também obtida em negativo: o culto im ­
„ni,l,i iiiilii iihncnte de vocabulário? perial. A ele pertence o título freqüente
I .,/n ri. w'iiï trinas favoritos? de Salvador, atribuido ao imperador:
as Pastorais o aplicam a Deus e a Cris­
IVin lus sobre o autor to: IT m 1,1; 2,3; 2Tm 1,10; Tt l,3 s;
2,10.13; 3,6. D o imperador se costu-
(i i Hundo como m aisprovável a nao m a dizer que “aparece ” = epiphano;
.mil mu itludr das très cartas, pensa-se as Pastorais o aplicam a Cristo na sua
.¡ni i mu discípulo imediato ou m edia- prim eira e segunda vinda: IT m 6,14;
i,, ,l,i yrraçûo seguinte. E ste recorre à 2Tm 1,10; 4,1.8; Tt2,13.
(ni udnnímia, que era procedim ento A s Pastorais sao menos importantes
, inicntr ¡niquela época. D á form a de que outras do corpo paulino, mas for-
i ,n hi ils suas instruçôes e escolhe como necem informaqáo abundante sobre as
,h siiiuitiírios dois personagens insig­ igrejas da segunda e terceira geragáo.
nia do círculo paulino. C o n ced ese que A data de composigáo seria o fin a l do
I'i i,/i utilizar material original do após- séc. I ou comegos do séc. II.
i, i/i i Vrovavelmente se n tía se herdeiro
1er ilimo de Paulo; talvez os rivais ci-
»,twcm Paulo, deform ando seu ensina- Primeira Carta a Timoteo
niriito. Sinopse
Nao faltou a teoría de um com pila­
it >i que teria composto e dado form a 1.1-2 Saudagáo.
il\ très cartas com fragm entos auténti- 1,3-11 Falsos mestres.
i os do apóstolo. 1,12-20 Paulo e Timoteo.
Nada do que fo i dito diminuí o valor 2.1-7 Sobre a oragáo.
am ónico das Pastor ais. Sao parte in­ 2,8-15 Homens e mulheres.
tegrante do NT, reconhecida sem pre 3.1-13 Bispo e diáconos.
Itor todas as confissóes cristas. Resta 3,14—4,16 M istério cristáo e falsos
l>or esclarecer a identificaçâo das he- mestres.
rrsias ou das doutrinas desviadas e 5.1-16 Viúvas.
I n-rigosas. Os judaizantes sao urna fo r­ 5,17-25 Anciáos e responsáveis.
ça m enor aínda ativa, como mostram 6.1-10 Escravos e patróes.
ITm 4,3 sobre tabus alimentares, Tt 6,11-21 Recomendagoes a Tim o­
1,10 sobre o partido da circuncisâo ou teo; ricos.
jttdeus convertidos, Tt 1,14 sobre “fá ­
bulas judaicas”, Tt 3,9, “controvérsias A sinopse nos fa z ver o propósito de
sobre a le i”. dar norm as e conselhos para tratar
M ais poderoso, segundo alguns exe- com diversas categorías da comunida-
getas, era o impacto do gnosticismo: de. A precauqao frente aos falsos mes-
créem descobri-lo em negativo, lendo tres, difundida pela carta, concentra­
como refutaçâopolém ica alguns enun­ se no comego e pela metade; ambas as
ciados do texto: Toda criatura é boa vezes contrasta com a fungáo do após­
(IT m 4,4); o m undo m aterial é mau tolo e de seu sucessor ou destinatário.
(gnóstico); há um só Deus, criador e N o centro cita urna breve profissáo de
salvador (ITm 1,1; 4,3-4); há dois, um f é ou fragm ento de hiño litúrgico.
PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO

'D e Paulo, apóstolo do M essias Je­ nao ensinem doutrinas estranhas, 4nm
I sus por d is p o s ilo de Deus, nosso
Salvador, e de Jesus Cristo, nossa espe­
se dediquem a fábulas e genealogi a
intermináveis, que favorecem as con
ranto, 2a Timòteo, seu filho gerado pela trovérsias e nao o plano de Deus, qui
fé: graga, m isericòrdia e paz da parte se baseia na fé. sO objetivo dessa exm
de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso ta$ào é um amor que brote de um coi .1
Senhor. gào limpo, de urna boa consciencia i
de urna fé nào fingida. 6Ao desviar m
Falsos mestres — 3Como te recomen- dele, alguns se perderam em vaos tlis
dei quando partia para a M acedònia, cursos, pretendendo ser doutores da lei
fica em Efeso para avisar alguns que sem saber o que dizem nem entender o

1,1 -2 A saudaçâo contém vários elemen­ mo e sua pretensáo de alcanzar a salvatilo


tos costumeiros e outros peculiares. Apre- pelo simples conhecimento; dai brotavam
senta-se com o título de “apóstolo”, igual as estéreis especulares. Contudo, os da
aos outros, com plena autoridade. Em lu­ dos das cartas estáo desagregados e sào
gar do corrente “por vontade”, diz “por bem mais vagos; é possível que as heresias
disposiçâo” ou por ordem, termo com res- e desvios estivessem menos definidos.
sonància militar. Em lugar de Deus Pai, 1.4 “Fábulas” ou relatos fantásticos (4,7,
diz Deus salvador, que, fora das Cartas 2Tm 4,4; Tt 1,14), cultivados por gregose
Pastorais, Paulo atribui só a Cristo. Era tí­ judeus. “Genealogías intermináveis” nao
tulo que reís e imperadores ostentavam; devem ser as recolhidas em Gn, Nm e Ci,
mas também o AT atribuí o equivalente a e sim outras toledot (Gn 6,9; 10,1; 11,1(1
Yhwh (Is 43,7; 45,15.21; 60,16; SI 106,21). etc.) apócrifas. Quando se entra no mun
Qualifica Jesus como Messias (objeto) de do de tais especulares, brotam controvér
“nossa esperança”. A salvaçâo pode refe- sias opostas ao plano ou administragáo de
rir-se ao começo, a esperança ao futuro. Deus, que pela fé conduz ao amor.
O destinatàrio é o colaborador mais in­ 1.5 E doutrina corrente que o amor bro
timo de Paulo, tratado com o título cari- ta da fé. O autor busca urna companhia
nhoso de “filho legítimo pela fé”. O título para a fé, a fim de conseguir um terno de
paterno é corrente na relaçâo mestre-dis- valores, cada qual com sua qualificala«.
cipulo; aqui tem um tom de sentimento O “coratjáo” ou mente pura pode proce­
pessoal (cf. FI 2,22). der das bem-aventuranzas (Mt 5,8), a “boa
Ao binòmio costumeiro, a “graça” da consciencia” tem sabor grego, a fé “nao
saudaçâo grega e a “paz” da saudaçâo he­ fingida” como examinada com cautela.
braica, acrescenta a “misericòrdia”, de 1.6 E recurso repetido nessas cartas
grande tradiçâo biblica. mencionar genericamente pessoas que se
1,3a Refere-se à viagem mencionada em desviam, indicando as conseqiiéncias.
At 20,1. A missào de Timòteo será “avi­ “Váos discursos”: vazios de sentido ou
sar”, ordenar (com ressonància militar). ineficazes; como os do diálogo de Jó (27,
l,3 b -ll A primeira tarefa do destinatà­ 12; 35,16).
rio será enfrentar os falsos doutores que 1.7 Caracteriza-os como “doutores da
difiindem doutrinas heréticas, opostas à “sà leí”, título pròprio de rabinos judeus (Le
doutrina” tradicional. Reunindo dados das 5,17; At 5,34). Mas a caracterizado que
très Cartas Pastorais, alguns comentaris­ faz da lei nao corresponde à torà nem co­
tas pensam que o perigo era o gnosticismo, incide com a fungáo que Paulo lhe atribui
com sua mistura de ascetismo e entusias- em Rm 7,12-16. Qs rabinos citavam a tra-
611 PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO

p sConsta-nos que a lei que eu o fazia por ignorancia e falta de


I U im i l i ’ h ilr (|iic s e ja tomada com o lei:
í h i i i I i c i nido <|ue a lei nao se destina
fé. 140 Senhor nosso deu-me graga abun­
dante, com a fé e o amor de Cristo Je­
( |A lu m i m liis , mas aos rebeldes e insub- sús. 15Esta mensagem merece confian­
(Uiémi'i. im p ío s e pecadores, irreligiosos za e é digna de ser aceita sem reservas:
• M iiifu iim lo re s , parricidas e matricidas, Cristo Jesús veio ao mundo para salvar
«MriMiiniis, "'fornicadores e pederastas, os pecadores, dos quais eu sou o pri-
M u llí tin te s ile escravos, fraudadores, meiro. 16Mas Cristo Jesús teve compai­
|#M|iiiir. r ludo o que se opóe a um sa- xáo de mim, para comegar comigo a
i Í I m i iiiiiuinento, "em harm onía com m ostrar toda a sua paciéncia, dando um
I ln iii n o tic ia do Deus glorioso e bem- exem plo aos que haveriam de crer e
4 ^ » iiI iii m ío que me foi confiada. conseguir vida eterna. 17Ao Rei dos sé-
culos, ao Deus único, imortal e invisí-
I'hiiIo »“ Timoteo — 12Dou grabas a vel, honra e gloria pelos séculos dos
I ilMn Jesús, nosso Senhor, que, ape- séculos. Amém.
1111 ilr cu anteriormente ser blasfemo, 18Eu te confio essa instrugáo, Tim o­
|iMini'nii¡dore insolente, me fortaleceu, teo, filho meu, de acordo com o que
nuiliini em mim e me tomou para seu predisseram de ti algum as profecías,
•mvii.0 . 1’Teve compaixáo de mim por- para que, apoiado nelas, com batas o

illi.lln como autoridade, mas nao costuma- recem como fórmula litúrgica em outras
v ni 11 "dogmatizar”. passagens). Com o tratamento dispensado
I ,S 9a A lei é vista como valor relativo: ao “prímeiro” ou mais insigne dos peca­
|iui ii prevenir desmandos proibindo, para dores, Deus dá exemplo e esperanza a fu­
Hpiimi-loscastigando. Urna fungáo sobre- turos convertidos (cf. Sb 12,19). Aínda
Iinli>negativa. O Exodo, por seu lado, con- costumamos dizer de um convertido que
11*111 legislagáo criminal, mas nao só. ele encontrou “seu caminho de Damasco”.
I ,9b-10 As listas de virtudes e vicios O relato se lé em At 9 e paralelos, e em G1
•*111111 correntes no ensinamento estoico. O 1,13-15.
Hiitor cita aqui quatorze categorías, sem 1.12 “Fortaleceu”: At 9,22; F1 4,13.
•'specificar. Ex 21,15-17 junta delitos con­ 1.13 A “ignoráncia” consiste na falta de
tili o pai ou a máe e o seqüestro de um fé ou brota déla (cf. At 3,17; 13,27; 17,30).
licimem “para vendé-lo ou deté-lo” como 1.15 “Merece confianga”: fórmula típi­
PKcravo. No mesmo contexto fala do ho­ ca dessas cartas; com ela se garante enfá­
micida. A “sa doutrina” (metáfora médi­ ticamente o valor do que se afirma ou cita.
ca) é especialidade dessas cartas (2Tm 4,3; A frase se encontra quase literalmente em
I t 1,9; 2,1; variantes: lTm 6,3;2Tm 1,13; Le 15,2; 19,10; Mt 9,13.
Ti 1,13; 2,2). Na línguagem da época, qua­ 1.16 Os atributos clássicos de Deus,
li ficava-se de “sá” urna doutrina razoável, compaixáo e paciéncia, sao atribuidos a
plausível; bem distante da loucura da cruz Cristo com toda a naturalidade. A salva-
que pregava Paulo (ICor 1). gáo se obtém pela fé em Jesús Cristo. Paulo
1,11 Pois beni, a “sá doutrina” deve ajus- é apresentado como exemplo esperanzo­
tar-se ao evangelho, e nao o contràrio; e so para outros, enquanto que Paulo pro-
as cartas daráo breves e substanciosos re- punha como exemplo Abraáo.
sumos do evangelho. 1.17 O primeiro título dessa doxologia
1,12-17 Dá gragas a Deus por sua con- se encontra emTb 13,1.7.11. Os “séculos”
versào e vocagáo (At 9). Os contrastes podem ser as eras da historia.
definem o parágrafo: de perseguidor a ser­ 1.18 O grande convertido passa a tarefa
vidor, de pecador a homem de confianza. a “seu filho” numa espécie de sucessáo
Pelo contraste, ressaltam as qualidades de legítima; pode-se recordar a passagem de
Deus: paciéncia, compreensáo, compai­ Elias a Eliseu. Alude a “profetas” das co­
xáo, favor (podemos escutar um eco dos munidades cristás, como os que At 21 men­
predicados divinos de Ex 34,6, que reapa- ciona, ou os que aparecem em listas de
T
PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO 612 l.l'l

nobre combate, com fé e boa conscien­ com toda a piedade e dignidade. I:.-...
cia. Ao abandoná-las, alguns naufraga­ é bom e agradável a Deus, nosso salvn
ran! na fé. 20Entre eles se encontram dor, 4que quer que todos os homens .*
Himeneu e Alexandre. Eu os entreguei salvem e cheguem a conhecer a venl.i
a Satanás para que aprendam a nao blas­ de. 5Há um Deus somente, há someni.
femar. um mediador, o hom em Cristo Jesir.,
6que se entregou em resgate por tocio-. I
Sobre a o racao — 'E m primeiro lu­ e como testemunho no momento opot
2 gar, recorriendo que se oferegam sú­
plicas, pedidos, intercessoes e agóes de
tuno; 7e eu fui nomeado seu mensage im>
e apóstolo (digo a verdade sem enga
gragas por todas as pessoas, 2especial- no), mestre dos pagáos na fé e na veril,i
mente pelos reis e autoridades, para que de. 8Quero que os homens, em qualquci
possam os viver tranqüilos e serenos lugar, orem elevando as máos puní.'. ]

carismas ou fungóes. As metáforas militar parecem que eles tenham tido acesso a caí
e náutica tém pouco relevo. gos de govemo. Pelo bem do povo deve s,
1,20 Entregar a Satanás equivale a ex- rezar por eles, ainda que sejam pagáos.
comungar temporariamente para provocar 2,3-4 Também eles sao chamados à sal
a emenda. vaçâo (cf. Ez 18,23), que é o conhecimen
to e o reconhecimento da verdade do evan
2,1-15 A segunda preocupado dessas gelho (Mt 20,28). Em outras palavras, nao
cartas é ditar normas concretas para a or- se pede o castigo, e sim a conversáo; um
dem de comunidades locáis. E significati­ primeiro passo é que sejam agentes da paz.
vo que conceda o primeiro lugar ás reu- 2,5-6 Parecem citaçâo de um hiño
nióes de oragáo, talvez por considerá-las litúrgico ou profissáo de fé. O Deus único
centro da vida comunitària. Por isso, é mais corresponde ao monoteísmo definido no
notável que nenhuma das cartas mencio­ judaismo (de modo enfático a partir do II
ne a eucaristia (compare-se com ICor 11). Isaías, apoiado em ensinamentos precc
A instrugáo parece dominada pelo desejo dentes). O mediador único entre Deus e
de corrigir abusos internos e externos. De os homens (ICor 8,6; Hb 9,15) é um “ho­
passagem, oferece também alguns conse- mem” chamado Jesús, cujo título é Mes-
lhos ou mandatos positivos. O tom é de sias; com ele ficam abolidas as mediaçôes
autoridade, recomendagáo que equivale a de outras religiôes e cultos. Em sua vida
mandato. humana entregou-se (à morte) como “res
2.1 Ñas quatro categorías, é fácil distin­ gate” (Mt 20,28; cf. SI 49,8) de escravos
guir súplicas, intercessoes e agáo de gra­ do pecado, com alcance universal. Com
bas; petigá° se confunde com a primeira. sua morte, deu o testemunho supremo de
Pelas autoridades: Rm 13,1-7. amor (Ap 1,5 o chama “a testemunha fi­
2.2 Entre elas seleciona primeiro a inter- dedigna”).
cessáo pelas autoridades imperiais e regio- 2.7 Timoteo nao necessitava de tal de-
nais. Há antecedentes notáveis no AT: claraçâo de seu mestre e “pai”. A frase tem
Moisés intercede várias vezes pelo Faraó outra funçâo garantindo urna carta ema­
(Ex 8,4-9.24-27; 10,17-19); Jeremías man­ nada da sua escola. Os très títulos, “men-
da rezar por Babilonia: “rezai por eia, por­ sageiro, apóstolo e mestre”, reaparecen1
que sua prosperidade é a vossa” (Jr 29,7). unidos em 2Tm 1,11. O mensageiro anun­
Supóe-se que as autoridades podem e de- cia boas noticias, evangelho; “mestre” é
vem contribuir para o bem de seus súditos: urna das funçôes (diferente da apostólica)
no civil, “tranqüilidade”, e no religioso, de ICor 12 e paralelos.
“piedade”. Os cristáos, embora difundidos 2.8 Em todo lugar, náo só em lugares
em comunidades sólidas através do impè­ especiáis; o extremo oposto da centraliza-
rio, eram minoría entre a maioria paga; ha- çâo do culto promovida por Josias; outros
viam superado já algumas perseguigóes e interpretam “os homens de qualquer lu­
continuavam dependendo da honradez e gar”. As máos levantadas sao um gesto
boa vontade de seus senhores civis, pois náo comum de oraçâo (p. ex. Is 1,15; SI 141,2).
613 PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO

||vi«‘* tir cólera e discòrdia. 9Da mes- D iferentes categorías — 1Aqui está
IIM ft lima, as mulheres vistam -se de-
MMHriiie nte, se enfeitem com modèstia
3 urna norm a que merece crédito: se
alguém aspira ao episcopado, deseja
l lohiledade: nào com trangas, com urna obra importante. 2Por isso, o bis-
filli" i' pérolas, com vestes luxuosas, po deve ser irreprovável, fiel á sua mu­
miti 1 1>111 boas obras, 10como convém a lher*, sobrio, modesto, cortés, hospita­
mullirles que se professam religiosas. le ro , bom mestre, 3náo beberráo nem
''A iniilher deve aprender em silencio briguento, mas amável, pacífico, desin-
N»nlimissa. 12Náo admito que a mulher teressado; 4deve governar sua familia
il« Ilt,iìes ou ordens ao homem. Esteja com acertó, mantendo os filhos submis-
i nimia, l 'pois Adào foi criado primeiro sos, com toda a dignidade. 5Pois, se al­
li I ' vìi tlepois.14Adào nào foi seduzido; guém nao sabe governar a própria fami­
h mulher foi seduzida e cometeu a trans- lia, com o se ocupará da Igreja de Deus?
lt'nsát). 15Mas se salvará pela matemi- 6Náo seja recém-convertido, para que
Í iiile, se conservar com modèstia a fé,
ii umor e a co n sag rad o .
nao se envaidega e incorra na condena­
d o do Diabo. 7É conveniente ter boa

2,‘M 5 O que diz das mulheres limita-se os nossos de hoje, nao é legítimo deduzir
ini primeiro lugar as reunióes religiosas; que as fungóes fossem idénticas. A carta
ilrpois se estende a co nsiderares mais oferece orientagóes sobre a aptidáo de
|ri nis. A norma significa urna restricto da candidatos para cargos estáveis de res-
f Hiiiililade concedida por Paulo em ICor
11,4-5, e se aparenta com a insergáo de
ponsabilidade. As cartas mostram que as
comunidades possuíam já sua organiza­
|( 'or 14,34-35. É possível que o autor pen- d o , mas permitem reconstruir um quadro
*r nn abusos ou in filtrares por meio de coerente e único.
mulheres, mas nao podemos prová-lo. 3.1 Aprimeira coisa que diz é que a fun­
Krforga o que era costume social com um d o de “bispo” ou responsável é urna tarefa
indumento da Escritura. Eva foi seduzida nobre, á qual alguém capaz pode aspirar.
(líelo 25,24); como “Mae de viventes” (Gn 3.2 *Ou: marido de urna só mulher.
1,20) se salvou, pois o castigo nao anulou 3,2-6 Vém depois as condigóes positi­
n bengáo da fecundidade (3,16). A mulher vas e negativas. “Marido de urna só mu­
Argüirá o destino de Eva e se salvará, se lher” interpreta-se de duas maneiras: a) se
for fiel á sua vocagáo crista de fé e amor, e é viúvo, que nao se tenha casado de novo,
nisso nao se distingue do homem. b) Que seja fiel á esposa legítima. Daí nao
se segue que todos fossem casados; pare­
3,1-12 Encontramos aqui duas catego­ ce que Timoteo e Tito nao o sao.
rías que possuem a autoridade e exercem “Hospitaleiro”: sobretudo em relagáo a
n administrado na comunidade. Os termos membros itinerantes de outras igrejas.
grcgos passaram ao portugués eclesiás­ “Bom mestre”: logo, sua tarefa náo é só
tico: bispo (episkopos) e diácono. Origi­ vigiar, mas também ensinar (pregagáo,
nariamente o primeiro significa vigilan­ catequese etc.).
t e , o segundo, servente: um encarregado 3.3 “Desinteressado”: literalmente, nao
responsável e uns assistentes. Comparada amante do dinheiro; pode-se supor que o
com o que sabemos de Paulo em outros oficio fosse remunerado.
documentos, a presente carta indica um 3,4-6 Que tenha demonstrado sua capa-
grau mais desenvolvido de organizado cidade e acertó como bom pai de familia;
interna da comunidade (At 20,28 e F1 1,1 a atuagáo doméstica será treinamento e
falam de “bispos” ou encarregados no garantía para reger a nova familia que é a
plural, o segundo acrescenta “diáconos”). comunidade (cf. Mt 12,48-50 par.). A “con-
Era lógico que, com o passar do tempo e denagáo do Diabo” é a que ele sofreu, ou
consolidando-se as comunidades, buscas- a que provoca por meio da vaidade.
sem urna organizado mais diferenciada. 3,7 Os de “fora” eram os náo cristáos, a
Contudo, se os termos sáo os mesmos que maioria da populagáo.
PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO 614
fama entre os de fora, para que nao caia Mistério cristáo e falsos mestres
no descrédito e o Diabo nao o engane. 14Isso eu te escrevo, embora espere vi
ig u a lm e n te os diáconos sejam dig­ sitar-te logo; 15e se me atrasar, que s.u
nos, nao de duplas palavras, nao dados bas como comportar-te na casa de Deu»,
á bebida nem ao lucro vergonhoso; 9de- que é a Igreja do Deus vivo, coluna e lu
vem conservar com consciencia limpa se da verdade. 16Grande é sem dúvid.i
o mistério da fé. 10Também eles devem o mistério de nossa religiáo:
ser provados primeiro, e, se forem a d ia ­ M anifestou-se corporalmente,
dos irrepreensíveis, exerceráo seu mi- justificado no Espirito,
nistério. "Igualm ente as m ulheres se­ apareceu aos anjos,
jam dignas, nao murm uradoras, sejam foi proclam ado aos pagaos,
sobrias, confiáveis em tudo. 12Os diá­ foi acreditado no mundo
conos sejam fiéis as suas mulheres*, e exaltado na gloria.
bons chefes de seus filhos e de sua casa.
13Pois os que exercem bem o diaco- 'O Espirito diz expressam ente qui
nato* obtém um posto elevado e auto-
ridade em questóes de fé crista.
4 no futuro alguns renegarâo a fé e si
entregarâo a espíritos engañadores <

3,8-13 Sobre os diáconos, com urna di- 3.15 Em 3,5 a casa-familia do respon
gressáo sobre as mulheres. Do bispo fala- sável se assemelhava à “Igreja”: implici
va no singular, dos diáconos no plural. Al- tamente como casa a governar. Agora cha
gumas condi§óes se repetem. E próprio ma a Igreja “casa de Deus” ou templo: nao
“conservar o mistério da fé”. Costuma-se um edificio material, e sim a comunidade,
entender o corpo de doutrina ou a mensa- que, com seus responsáveis, sustenta c
gem evangélica; alguns tém pensado na eu­ mantém a verdade do evangelho. Na ima-
caristía como mistério vedado aos pagaos. gem da “coluna” poderia esconder-se uma
O v. 13 lhes atribuí “autoridade” ou capaci- reminiscéncia das colunas do templo salo­
dade de expor com franqueza temas da fé mónico, que se chamavam Firme e Forte
crista, o que indicaría também uma fumjáo (IRs 7,15-22).
catequética. 3.16 O “mistério” é aqui uma síntese
3.11 Pela colocado no texto, suspeitamos rítmica de nossa fé, tomada talvez de al-
que essas mulheres eram as esposas dos gum hiño litúrgico cristâo. Em très duplas
diáconos ou talvez do bispo. Sua conduta nao de membros correlativos, professa as di
devia desacreditar os maridos. Ademáis, a mensóes empíricas e transcendentes de
exigencia de que sejam “fiéis” sugere tam­ Jesús (nao mencionado, suposto). Sua con-
bém alguma funqáo na comunidade. A car­ diçâo corporal (Jo 1,14; lJo 1,1-2) e espi­
ta menciona duas categorías de mulheres: ritual; confirmada provavelmente na res-
as casadas e as víúvas; nao fala de virgens surreiçâo (veja Rm 1,3-4 para uma dupla
consagradas (compare-se com ICor 7). equivalente; mas veja também Le 1,35, na
3.12 *Ou: maridos de uma só mulher. anunciaçâo). Segunda dupla: a “apariçâo”
3.13 *Ou: seu servigo. aos anjos deve ser celeste (cf. Hb 1,6);
3,14-15 Na hipótese de que a carta seja “proclamado” como por arautos, “aos pa-
auténtica, deve-se tomar essas palavras li­ gáos”, pelo ministério apostólico de Pedro
teralmente: Timoteo fica como delegado (At 10-11), Paulo e outros (náo menciona
interino de Paulo, que espera voltar logo expressamente os judeus). Terceira dupla:
ou com pequeño atraso (nao é o que espera o “mundo” e a “gloria” sao o terrestre e o
na segunda carta, 4,6-8). Na hipótese de que celeste (sem mençâo do mundo inferior,
a carta seja posterior, com nomes simples- dos mortos, coisa que faz F1 2,5-11). O
mente representativos, as palavras sugerem verbo “exaltado” ou arrebatado alude à
a transferencia da autoridade única de um ascensâo e glorificaçâo (Me 16,19).
apóstolo á geragáo seguinte de encarrega-
dos (em 6,14 o encargo dura até a parusia). 4,1-5 O que o Espirito diz deve ser uma
Para ambos os casos valem as normas de profecía na comunidade crista; poderia
conduta inculcadas. referir-se a 2Ts 2,3, que anuncia uma
615 PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO

tin tili iititsdemoníacas, 2pela hipocrisia de gamos e lutamos, com a esperanza no


(min mimes que tèm a consciencia mar- Deus vivo, salvador de todos os homens
Htftlii ii logo. 1‘roibirao o matrimònio e o e em especial de todos os fiéis. u Reco-
M in im u m ile cortos alimentos, coisas que menda e ensina isto: 12Ninguém te des-
I (m i* « i im i para que os que crèem e co­ preze por seres jovem ; procura ser mo­
nti» >rm a verdade as tomem dando gra­ delo dos fiéis na palavra, na conduta,
dii* 11’<iis todas as criaturas de Deus sao no amor, na fé, na pureza. 13Até a mi-
limili, e nada é desprezivel se é tornado nha chegada, dedica-te a 1er, exortar e
min m,iio de gragas, 5já que é consagra- ensinar. 14Náo descuides teu carisma
iln i oni a palavra de Deus e a oragào. pessoal, que te foi concedido por indi-
"Se cnsinas isso aos irm àos, serás cagáo profètica, quando os anciáos te
liniii ministro de Cristo Jesus, nutrido impunham as máos. 15Cuida disso, ocu­
min a mensagem da fé e a boa doutri- pa-te disso, de modo que todos possam
(iii i|iie seguiste. ver teus progressos; vigia tua pessoa
'Uejeita superstiqóes e fábulas; exer- e teu ensinam ento e sé constante. Fa-
i llu te na piedade. 8Se o exercicio cor- zendo isso vos salvareis, tu e teus ou-
IiiiiilI traz proveito limitado, a piedade vintes.
lui/ proveito para tudo, pois lhe prom e-
!*‘liim a vida presente e a futura. 9Esta è V iúvas — *Náo trates com dureza
mini norma que merece crédito e digna
ili* total aceitagào. 10Por isso nos afadi-
5 um anciáo, m as exorta-o como a um
pai; os jovens como a irmáos, 2as anciás

"Mpostasia”. O autor aplica qualificativos mo termo válido de comparagáo (compa-


limilo fortes a esses renegados da fé. A re-se com a rejeí^áo de lM c 1,14-15). Náo
I M / H O é que denigrem a agào criadora de contrapee simplesmente a vida presente á
I leus, que fez tudo bem (Gn 1,31); em si e futura, pois incluí ambas como promessas
riti sua fun$ào: “as obras de Deus sào to- por causa da piedade.
iliis boas e cumprem sua fun§ào a seu tem­ 4,10 “Lutamos” é em grego o verbo pró-
po" (ver Eclo 39,16 em seu contexto; Sb prio das competigóes atléticas. “Salvador”:
1,14); em concreto o matrimònio (Gn 1,27; título de Deus ñas Pastarais (lTm 1,1; Tt
18) e os alimentos (Gn 1,29; 9,3). Ao uso 1,3; 2,10; 3,4). “De todos”: 2,3; Tt 2,11.
r consumo naturais o cristào acrescenta a 4.12 Se Paulo fosse realmente o autor da
libilo de gragas, reconhecendo assim o va­ carta, escrevendo de sua prisáo em Roma,
lor transcendente, o caràter de “dom” (CI Timoteo seria jovem só relativamente.
20-23); acrescenta ainda urna “consagra­ 4.13 “Ler”: entende-se a Escritura, que
d o ” que os eleva à esfera do sagrado. Nao os judeus chamam Leitura (em voz alta).
podemos identificar esses inimigos do ma­ Pela ordem, sugere que essa leitura é a base
trimònio e defensores de tabus alimentares, do exortar e ensinar.
r inbora alguns comentaristas creiam des­ 4.14 E o único carisma que menciona,
cubrir nessas alusóes o espirito dualista e o cortio se fosse síntese dos demais; a náo ser
desprezo à matèria, típicos do gnosticismo. que pretenda sublinhar seu caráter indivi­
4,1-2 “Espírítos engañadores”: ver o dual (compare-se com ICor 12). Introduz
relato clàssico de IRs 22; ai Deus o envía, outra categoría tradicional: os “anciáos”
aquí o demonio o inspira (comparar 2Sm como senado local com fun§áo decisoria.
24,1 com lC r 21,1). “Marcada a fogo”: 4,16 A salvaqáo do responsável está vin­
como delinquente ou escravo fugitivo; culada á das pessoas a ele confiadas, no
contrapòe-se à “boa consciéncia” de 1,5. que lhe toca (cf. Ez 33,1-9; At 20,28).
4,6 “Ministro”: querdizer, “diácono” em
sentido lato. “Nutrido”: como em 2Tm 1,5; 5,1-2 Anciáo, anciá tém nestes w . o sig­
ile “doutrina” (sem mencionar a eucaristía). nificado de idade, náo de oficio. Sobre o
4,7-8 “Exercitar-se” refere-se em grego tema: Lv 19,12; Lm 4,16. O modelo fami­
nos exercícios na academia ou “ginásio”. liar se apresenta como ideal ñas relagóes
Atividade que o autor aprova e utiliza co- entre superiores e súditos.
P R IM E IR A C A R T A A T IM Ò T E O 616
como a máes, as jovens como a irmàs, socorrido os necessitados, por ter pin
com toda delicadeza. 3Socorre as viú- ticado todo tipo de boas obras. u Em lm
vas que vivem como viúvas. 4Pois, se as viúvas jovens, pois, quando a seir.u i
urna viúva tem filhos ou netos, estes lidade as afasta de Cristo, 12tornam •
devem aprender primeiro a praticar a condenáveis por terem faltado à pri 11n - 1
piedade fam iliar e a pagar a seus pais o ra fidelidade. 13Mais ainda: visto qm
que lhes devem. Isso é o que agrada a estáo ociosas, costumam ir de casa uní
Deus. 5Ao contràrio, a viúva de verda- casa; e náo só estáo ociosas, mas mui
de, que vive sozinha, tem sua esperan­ muram, se intrometem, falando o qu.
za em Deus e persevera rezando e su­ nao se deve. 14Quero que as viúvas |n
plicando dia e noite. fiA licenciosa está vens se casem, tenham filhos e adim
morta em vida. 7Recomenda isso, para nistrem a casa; assim nao darào ao ini
que sejam irrepeensíveis. 8Se alguém m igo ocasiáo de escán d alo . 15Poi
nao cuida dos seus, especialmente dos algum as já se extraviaran!, seguindo
que vivem em sua casa, renegou a fé e Satanás. 16Se urna cristá tem viúvas <m
é pior que um incrédulo. 9Escolhe urna sua casa, deve mantè-las sem causai
viúva que tenha com pletado sessenta peso à Igreja, que deve sustentar as vi
anos e foi fiel a seu marido, 10que seja úvas de verdade.
conhecida por suas boas obras: por ter
criado seus filhos, por ter sido hospita- A nciáos e escravos — 17Os anciáos
leira, lavado os pés dos consagrados, que presidem bem merecem duplo sa

5,3-16 O autor dedica muito espago á 5,5 Ainda que contem com a ajuda da
situagáo das viúvas na comunidade cristá. comunidade, sua esperanga se apóia em
As viúvas, junto com os órfáos, como ca­ Deus.
tegoría social necessitada, recebem muita 5,8 A fé é incompatível com algumas
atengáo no AT: na legislagáo (p. ex. Lv condutas éticas.
19,32), nos profetas (p. ex. Is 1,17.23), na 5,10 “Lavar os pés”: a exemplo de Cristo
oragáo (p. ex. SI 68,6), nos sapienciais (Jó (Jo 13,14).
29,12-13); ainda se escuta um eco em Tg 5,12 “A primeira fidelidade”: ao mari
1,27. Agora se apresenta urna situagáo do defunto ou ao caráter sagrado de seus
nova, mais complexa (recorde-se o con- compromissos.
flito sobre as viúvas dos helenistas, At 6,1). 5.14 Compare-se com os conselhos de
O autor distingue varios grupos. As vi­ Paulo (ICor 7,8.40). O “inimigo” é o pa
úvas jovens e levianas que, livres do vín­ gáo hostil ao cristianismo.
culo conjugal (cf. Rm 7,2), vivem licencio­ 5.15 A vida licenciosa é seguimento de
samente. Á estas recomenda o autor que Satanás.
se casem (náo sáo capazes de imitar Judite, 5,17-25 Estes “anciáos” se caracterizain
Jt 8,4-8 e 16,22). Outras vivem com fami­ náo tanto pela idade, que náo se exclui,
liares que cuidam délas: na linha do quar- quanto pela fungáo comunitária, como
to mandamento (Ex 20,12); ou vivem entre­ acontece no AT e em outras culturas. For
gues a caridade de algum cristáo. Essas náo mam o conselho ñas cidades e o senado
receberáo subsidio da comunidade. Res- na nagáo (senatus vera de sene;t = velho).
tam as outras, as desamparadas, que seráo Formam um grupo, e sua responsabilida-
socorridas por um fundo comum, produlo de é colegial. Aparecem em Efeso, como
provavelmente de esmolas e doagóes. encarregados da comunidade local, sob a
Entre essas, algumas mais anciás (sessen­ autoridade de Paulo (At 20,17). Dá a im
ta anos naqueles tempos era urna idade pressáo de que também Timoteo estava
muito avangada), que deram provas dura- acima do colégio local de “anciáos”. Re-
douras de virtude, desempenharáo algumas fere-se a eles a imposigáo de máos do v.
fungóes na comunidade: certamente, rezar 22?; o contexto poderia confirmá-lo. Em
(como Ana, Le 2,36-37) e provavelmente todo caso, está claro que Timoteo tem au­
outras tarefas compatíveis com a idade. toridade para nomear e consagrar ritual-
617 P R I M E I R A C A R T A A T IM Ò T E O

i**i'i ■<iliieludo se trabalham pregan- sao evidentes, as que nao o sao nao
.......... .mando. l8Diz a Escritura: Nâo podem ficar ocultas.
hum i.» m lieiranoboiquetrilha;oope-
iîii " ii tu ilireito a seu salário. 19Contra 'O s que estáo sob o jugo da escra
..... hh ni i nâ(» aceites acusaçào que nâo
. |i . mil limada por duas ou très teste-
6 vidáo devem considerar seus senho-
res dignos de todo o respeito, para que
111111111.i. "kepreende em público os pe­ o nome de Deus e seu ensinamento nao
dilón .. para que os outros aprendam fiquem expostos ao descrédito. 2Os que
.i li',,ni tém senhores que créem, nao devem
!( i>njuro-te diante de Deus, de Cris- desprezá-los por serem irmáos; antes,
i. i |i mi*, e dos anjos eleitos, que obser- devem servi-los, pois os que gozam de
. , 1 . .as normas sem preconceitos nem seus servidos créem e sao dignos de
|i ninlaiismos. 22A ninguém imponhas amor. Isso é o que deves ensinar e re­
i|in .sadamente as mâos, nâo te tom es comendar. 3Quem ensina outra coisa e
......plice de culpas alheias. Conserva- nao se atém as palavras sadias de nos-
i. |iiim. 21Deixa de beber somente água; so Senhor Jesús Cristo e a um ensina­
............ pouco de vinho para a digestâo mento religioso, 4é um vaidoso que na­
■|><h causa de tuas freqüentes doenças. da entende, um doente de disputas e
'( >s pecados de alguns sâo eviden- controvérsias de palavras. Daí brotam
h antes mesmo de serem julgados; os invejas, discordias, maledicencia, sus-
île nulros demoram para se manifestar. peitas malignas, 5discussóes interminá-
I >e modo semel hante, as obras boas veis, próprias de pessoas mentalmente

Míenle, transmitindo assim o carisma re- que explicando o que foi dito sobre o vi­
11 ludo (4,14). nho (3,3). Nào se deve exagerar!
( )s anciáos em fungáo nao recebem sub-
Nidio, e sim salário, como prescreve a le- 6,1-2 Sobre a escravidào. A condigác
l’islagáo do AT aplicada por comparagáo fraterna dos cristáos introduz urna rclagáo
11)t 25,4). Exigem trato especial, para o superior entre classes sociais (pois a rela-
liem ou para o mal, segundo a norma bí­ gáo patráo-servo era um fato social como
blica (Dt 19,15; principio que nao se apli- o sao outras relagóes de dependencia em
i a só aos anciàos). Quando se trata de con­ nossa sociedade; sem dúvida, prestavam-
sagrar, Timoteo nao deve precipitar-se. se mais ao abuso). O escravo cristào nào
I'ois, se as virtudes facilmente se mani- deve abusar da sua relagáo fraterna; antes,
lestam, muitos pecados se mantem ocul- deve animar de espirito fraterna também
los até que saiam à luz, quando é tarde a submissáo ao patráo (mas o autor nao
ilemais. Entao aquele que os nomeou aca­ acrescenta a obrigagáo correlativa do pa­
ba sendo o responsável pelas conseqiién- tráo, como fazem outros textos: cf. lCor
eias, que nao previu por ser incauto. 7,21-24; Ef 6,5-9; C1 3,22-25 e Fm).
5.17 Distingue entre o simples presidir, 6,3 Arecomendagáo abrange toda a dou-
que seria fungáo administrativa, e o pre­ trina precedente. Seu critèrio decisivo é o
gar e ensinar, como tarefa acrescentada. ensinamento de Jesús Cristo, o evangelho,
5.18 O principio se lé no evangelho: Mt e a resposta de “piedade” ou religiosida-
10,10; Le 10,17. de, que aqui vem ocupar o lugar tradicio­
5.20 Aqueles cujos pecados tenham sido nal da fé. Desenvolve o tema outra vez por
comprovados ou sejam evidentes. A repre- oposigáo aos que se desviam.
ensáo pública corresponde ao cargo públi­ 6,4-6 O autor os caracteriza duramente
co que exercem. em sua atitude de vaidade, ñas conseqüén-
5.21 A parcialidade é particularmente da­ cias lamentáveis, na raiz de tudo, que é a
ñosa quando sào as autoridades que a prati­ cobiga. Trata-se de urna generalizagáo con­
carli. Sobre o tema, Pr 24,23; 28,21; Jó 32,21. vencional, pois outros diráo que a raiz
5,23 Por agáo do escriba ou de quem de todos os males é a soberba. Contudo, a
ditava, inseriu-se aqui essa cunha, como análise é correta: o afá de lucro vicia tam-
PRIMEIRA CARTA A TIMÒTEO 618
corrompidas, alheias à verdade, que pen­ diante de Póncio Pilatos com mu im
sarti que a religiào é um negocio. 6Gran- bre confissáo, 14eu te recom endé qt»
de negócio é a religiào para quem sabe conserves o mandamento sem mam h i
contentar-se, 7já que nada trouxemos ao nem repreensáo, até que apareja <> ‘..
mundo e nada poderemos levar. 8Ten- nhor nosso Jesús Cristo, :íque mu n ,
do roupa e alimento nos contentaremos. rá a seu tempo o bem-aventurado e mu
9Os que se afadigam para enriquecer co Soberano, o Rei dos reis e Scnln ■■
caem nas tenta^oes e armadilhas e múl­ dos senhores, 16o único imortal que h i
tiplos desejos insensatos e profanos, bita na luz inacessível, que ninguém vm
que precipitam as pessoas na ruina e na nem pode ver. A ele a honra e o po<l' i
p e r d ilo . 10A cobiga é a raiz de todos os para sempre. Amém.
males: por entregar-se a eia, alguns se 17Aos ricos deste mundo recomeml i
distanciaram da fé e se atormentaram lhes que nao se envaidegam; que po
com m uitos sofrimentos. nham sua esperanza nao em riquc/m
incertas, mas em Deus, que nos penm
Recom endagóes a T im o te o — "Tu, ao te desfrutar abundantemente de t u d o
contràrio, homem de Deus, foge de tudo 18Que sejam ricos de boas obras, gem
isso; procura a justi^a, a piedade, a fé, rosos e solidários. 19Assim acum ulai.« ■
o amor, a paciencia, a bondade. 12Com- um bom capital para o futuro e alean
bate o nobre combate da fé. A pega-te à <¿aráo a vida auténtica. 20Querido Timo
vida eterna, para a qual foste chamado teo, conserva o depósito, evita a chai l;i
quando fizeste tua nobre profissáo di­ tanice profana e as objeijóes de um.i
ante de m uitas testem unhas. 13Na pre­ ciencia falsa. 21Alguns, professando a
sen ta de Deus, que dá vida a tudo, e de se afastaram da fé. A graqa esteja con
Cristo Jesús, que prestou testemunho vosco.

bém o ensinamento, como sucedia com 6,14 O horizonte temporal se alarga ale
os falsos profetas denunciados por Mi- a parusia.
quéias (Mq 3,1-3). O afá de enriquecer-se 6,15-16 Doxologia solene, por acumula
desacredita o ensinamento: Paulo quis gáo de títulos e atributos divinos. “Sobeni
demonstrar explícitamente seu desinte- no”: 2Mc 12,15. “Rei de reis e Senhor de
resse por alguma coisa. A “autarquía” era senhores”: SI 136,3; Ap 17,14 (atribuido ;i
virtude recomendada por filósofos gre- Cristo). “Morada de luz”: vestido em SI
gos; o autor corrobora seu valor, aludin- 104,2. “Ninguém o viu”: Ex 33,20 e Jo 1,18.
do provavelmente a textos bíblicos (cf. A frase final do v. 21 terminaría perfei
Jó 1,21; Ecl 5,14; SI 49,17). Pelo tema, tamente a carta. Como se ao ditar ou ao
aquí encaixaria o texto de Mt 6,17-19 so­ revisar tivesse esquecido algo, acrescenla
bre a riqueza. vários versículos.
6,7-8 Muito expressivas sao as declara­ 6,17-19 Para quem de fato é rico. Se­
r e s de Ecl 5,15 e Jó 1,21. Lé-se em Pr gundo o ensino tradicional, nao deveni
30,8: “nao me des pobreza nem riqueza, apoiar sua confianza nas riquezas, toman
concede-me minha raqáo de pao”. do-as rivais de Deus: ver todo o SI 49; “ain
6,11-16 Encargos a Timoteo com doxo- da que cresgam vossas riquezas, nao lhes
logia. “Homens de Deus” é título que al­ deis o coragáo” (SI 62,11); “náo pus no
guns profetas tém (ISm 2,27; IRs 13,1). ouro minha confianza” (Jó 31,24); “quem
6.12 Sobre o combate da fé: ICor 9,25- confia em suas riquezas murcha” (Pr
26. Refere-se á profissáo de fé batismal 11,28). O ideal do rico deve ser partilhar
ou á da sua nomeagáo ou consagrado. generosamente (cf. Eclo 29,8-13).
6.13 Para o testemunho de Jesús, ver 6,20-21 Recomendado repetida antes
especialmente Jo 18,36-37; 19,11. da breve saudagao final.
619 SEGUNDA CARTA A TIMOTEO

Ni (turnia ( arla a Timoteo 4,1-5 Vigilancia e predigao.


4,6-8 Paulonaiminénciademorrer.
4,9-22 Recomendagoes e saudagóes.
I I •> Saudagáo c acáo de gragas.
I ii I I l 'icl a vocagáo e ao evan- Nesta segunda carta, a exortaqáo se
gcllio. torna mais pessoal e vivaz. Paulo ofe-
I l'> IS l’aulo e seus amigos. rece o próprio exemplo, recorda seu
.’ I 7 Soldado e lavrador. ministério, prepara-separa morrer. D i­
M Fiéis até no sofrimento. ante dos falsos mestres, que aum enta­
M I Falsos m estrese servo res- r lo e se fortalecerao nos últimos dias,
ponsável. o mestre responsável há de ser como
.»,1 9 A crise dos últimos tempos. soldado, lavrador, operário, emprega-
VI<I 17 E o mestre instruido na Es­ do fiel, pega da mobília doméstica, tes-
critura. temunha corajosa.
SEGUNDA CARTA A TIMOTEO

*De Paulo, apóstolo de Cristo Jesús, Fiel ao evangelho — 6Por isso te e \ i


1 por vontade de Deus, segundo a pro­
messa de vida cumprida em Cristo Je­
to a reavivar o carisma de Deus que n
cebeste por imposiçào das minhas m:u ■
sus, 2ao querido filho Timoteo: graga, 7Pois o espirito que Deus nos deu ñau 4
m isericordia e paz da parte de Deus Pai de covardia, mas de força, amor e sobi ii
e de Cristo Jesús, nosso Senhor. dade. 8Náo te envergonhes de dar te-.i.
3Dou gragas ao Deus de meus ante- munho de Deus, nem deste seu prisi.>
passados, a quem venero de conscien­ neiro; ao contràrio, com a força de Deir.
cia limpa, sempre que te menciono em compartilha os sofrimentos em prol <lu
minhas oragòes, de noite e de dia. 4Ao boa noticia. 9Ele nos salvou e chamou
recordar as lágrimas que derramaste, te- com uma vocaçâo santa, nao por méií
nho vontade de ver-te para coroar minha to de nossas obras, mas por seu desi)’
alegría. 5Recordo tua fé sincera, que esta- nio e graça a nós concedida desde a elu
va presente antes de tudo em tua avó Lói- nidade em nome de Cristo Jesús 10e qui­
de, depois em tua máe Eunice, e agora se m anifesta agora pela apariçâo de
tenho certeza de que está presente em ti. nosso Salvador, Cristo Jesús. Ele des

1,1-2 Esta saudagáo tem um elemento ferindo o carisma do cargo. “Reavivar”: o


nao comum, “a promessa de vida”. É uma verbo grego significa avivar um fogo. ( )
constante na pregagáo do Deuteronòmio e Espirito Santo veio como em línguas de
está condicionada ao cumprimento da lei fogo (At 2,3); pode-se recordar o fogo tío
(4,1; 8,1). Cumpre-se de modo insuspeito santuàrio (Ex 30,7-8). E interessante que
na ressurreigáo de Cristo (At 26,6). caiba ao homem avivar o fogo aceso nelr
Ao passar da primeira à segunda carta a pelo Espirito (cf. Le 12,49).
Timoteo, escutamos um tom diferente: 1,7-8 O carisma comunica uma forgn
mais pessoal ñas recordagòes, mais cor­ superior para dar testemunho e suporta i
dial nos conselhos e avisos. Talvez se deva por ele padecimentos: “eu, porém, estou
ao caráter de testamento que o autor quis cheio de coragem, de Espirito do Senhor..
imprimir ao escrito. Seu personagem con­ para denunciar...” (Mq 3,8); ou para en­
templa seu desenlace próximo e o futuro frentar qualquer autoridade (Jr 1,18; cf. Ez
distante do seu destinatàrio, discípulo e 3,8; Is 50,5-9). “Nao te envergonhes” ou
sucessor, e se emociona. acovardes (Rm 1,16). O “prisioneiro”: na
1,3-5 O remetente remonta a seus ante- composigáo da carta como testamento (gé­
passados, o destinatàrio ascende pelo tron­ nero literario corrente), refere-se à prisao
co feminino. A razáo é simples: o judeu em Roma, pouco antes do martirio, que é
Paulo, feito cristáo, continua venerando o seu “testamento” final (cf. para a equiva­
Deus de seus pais, porque é o mesmo, o lencia Ap 2,13).
único Deus verdadeiro. Ao invés, Timoteo 1,9-10 Breve síntese cristológica, tal­
nasceu de pai pagáo e de máe judia conver­ vez citagáo de um hiño litúrgico. Cada
tida (At 16,1). De passagem, o autor nos vocagáo se inscreve no ampio designio
deixa um valioso testemunho sobre a edu- de Deus, definido antes de tudo (C11,17-
cagáo crista transmitida por uma máe e uma 18) e manifestado recentemente (Cl 1,26-
avó. Refere-se ás lágrimas de despedida 27). A “aparigáo” ou epifania do Salva­
(lTm 1,3). dor é sua vinda como homem (Tt 2,11).
1,6 Impor as máos é o rito de nomeagáo Destrói a morte em si pela ressurreigáo
ou consagragáo (lTm 4,14; At 6,6), con- (ICor 15,54) e revela ou “ilumina” a vida
M 621 S E G U N D A C A R T A A T IM Ò T E O

IhiIh 11 ni' ule c iluminou a vida ¡mortal que me prestou em Éfeso, tu os conhe-
Mil ini’i" <l.i lioa noticia. n Dela fui no- ces m ais do que eu.
ji)i.i>ln iiM-nsageiro, apóstolo e'mestre.
-|*tii i un ,a disso c que sofro essas coi- S oldado de C risto — 'Q uanto a ti,
tut, iiiii-, iian me sinto fracassado, pois
1* 1 l i l i i | i k - i i i confiei e estou conven-
2 m eu filho, recobra ánimo com o fa­
vor de Cristo Jesús. 20 que escutaste
i liln de <|ii e ele pode guardar meu de- de mim diante de muitas testemunhas,
“ »||n nii- aquele dia. 13Presta atengáo transmite-o a pessoas de confianza, que
E I iimipéndio da sá doutrina que es-
(MlliiMr rom a fé e o am or de Cristo Je-
sejam capazes de ensiná-lo a outros.
3Compartilha os sofrimentos como bom
m Mi com a ajuda do Espirito Santo soldado de Cristo Jesús. 4Um soldado
ijt luibila em nós, guarda o precioso na ativa nao se envo’ve em assuntos ci-
J pnriftilo.
"'I ’.las sabendo que todos os da Ásia
vis, se quer satisfazer a quem o recru-
tou. 5Da m esm a forma um atleta: nao
lili' iilmndonaram, inclusive Figelo e Her- ganha a coroa, se nao compete segun­
|||i^i-nes. 160 Senhor tenha piedade da do o regulamento. fiO lavrador que tra-
fiiinlliíi de Onesíforo, que muitas vezes balha é o primeiro a usufruir dos frutos.
lili' nliviou, e nao se envergonhou de 7Reflete sobre o que te digo, e o Se­
Vigilar um preso. 17Estando em Roma, nhor te fará entender tudo.
|m ik urou-me até me encontrar. lsO Se- 8Seguindo minha boa noticia, lembra-
lllini llie conceda alcangar a misericór- te de Jesús Cristo, ressuscitado da mor-
illii ilo Senhor naquele dia. Os servidos te, da linhagem de Davi. 9Por ela sofro

■vl>>anuncio do evangelho. É anuncio de tar contas, quando valerá o ter visitado o


iiluro, contra o que pretendem os impos- prisioneiro (Mt 25,36).
Ini es (2,18).
1.11 Très títulos (como em lTm 2,7). 2,2 Está aqui descrito o principio e pro­
O "mensageiro” apregoa as noticias (Is cesso de difusào e tradigáo, controlado ou
11,7); no caso de Paulo é “a boa noticia” garantido por testemunhas. Compare-se
(Is 40,9). “Apóstolo” é o enviado (Is 63,9) com o mesmo principio em SI 78, que
romo embaixador credenciado (2Cor 4,2). menciona “pais, filhos, geraqáo vindoura,
"Mestre” é título clàssico sapiencial, e se seus filhos, descendentes, seus filhos”.
rncontra na série de ICor 12,28. 2,3-6 Os soldados eram mercenários e
1.12 O “depósito” de sua vida e desti­ se reembolsavam com o saque; mas o sol­
no, deixados como garantía nas máos de dado de Cristo está chamado só a sofrer
Deus: “em tuas mâos encomendava mi­ por ele (compare-se com 2,24).
nha vida” (SI 31,6). Outros o interpretam 2.7 Síntese do trabalho humano e do
cm relaçâo ao encargo recebido (como no dom divino, como o descreve Eclo 39,6-
v. 14). 8. Sobre a necessidade da iluminagáo di­
1.13 “Compêndio”: a palavra grega pro­ vina, leiam-se as palavras que Dt 29,3-4
cede da retórica e significa algo que se póe atribui a Moisés: “nào lhes deu inteligén-
diante dos ouvintes, uma descriçâo viva e cia para entender... até hoje”.
plástica. Essa mensagem é o “depósito 2.8 Síntese mínima, em dois tempos, eco
precioso” do v. seguinte. de Rm 1,3-4. A “linhagem de Davi” alude
1.14 Pela presença do Espirito, o depósi­ ao título messiànico. “Lembra-te” ou con
to nâo é um repertorio de recordaçôes que serva na lembranga: se a ressurreigáo é un,
se transmitem, mas tem o caráter da vida, fato do passado, a vida gloriosa é sempi
que transmitindo-se permanece. Ver Rm atual; Jesús Cristo continua sendo media
5,5. dor da salvagáo.
1,15-18 Sobre esses incidentes, ver 2.9 Inclusive a prisáo serviu mais de uma
4,16.19. Nao sao fáceis de encaixar no re­ vez à difusào do evangelho, como ilustram
lato do final de At 28; mas o relato é muito vários episodios dos Atos ou o que diz em
sucinto. “Aquele dia” é o dia final de pres- F1 2,2-4.
SEGUNDA CARTA A TIMOTEO 622

a ponto de estar en carcerad o com o teceu, apartam -se da verdade e nun.un


malfeitor. 10Mas sofro tudo pelos esco- a fé em alguns. 19M as o firm e a l i i ......
lhidos de Deus, para que, tam bém eles, de Deus resiste, e leva a seguinte m
por meio de Jesús Cristo, alcancem a crigáo: o Senhor conhece os se u s, >|
salvagáo e a gloria eterna. quem invocar o nome do Senhor ;d.e
"E sta palavra merece crédito: te-se da injustiga.
Se morremos com ele, com ele vive- 20Numa casa grande nao há só ulenl
remos: sílios de ouro e prata, mas também d>
I2se agüentamos, reinaremos com ele; madeira e loutja, uns para usos nobre»,
se o renegamos, ele nos renegará; outros para usos humildes. 21Quem >
13se lhe form os infiéis, ele se man- mantiver limpo de tudo o que foi dito
tém fiel, será untensílio nobre, consagrado, (iiil
pois nao pode negar a si mesmo. para o dono, disponível para qualqmi
R ecorda-lhes isso, ex ortando-os boa tarefa. 22Foge das paixöes juveur.
diante de Deus a deixarem de d iscu ­ procura a justiga, a fé, o amor, a p:i/
tir com palavras, coisa que nao traz com todos os que invocam sincerameli
proveito, mas só perdiijáo para os que te o Senhor. Evita as discussöes in
escutam. 15Esforga-te por m erecer a sensatas e indisciplinadas, levando un
aprovacáo de Deus, com o operário ir- conta que elas geram brigas. 24E um
repreensível que dispensa com retidáo servo do Senhor nao deve brigar; an
a palavra da verdade. 16Evita palavrea- tes, deve mostrar-se a todos modesto,
dos profanos, que fom entam cada vez bom mestre, tolerante, 25capaz de ad
mais a im piedade; 17sáo discursos que moestar com suavidade os adversários.
se propagam com o gangrena. E o caso para que Deus lhes conceda-o arrepen
de H im eneu e Fileto: I8quando afir- dimento e o conhecimento da verdade
mam que nossa ressurreiqáo já acon- 26Assim poderáo retornar à sensatez c

2,10 Aglória eterna coroa a salvagáo (cf. 2,19 Um alicerce ou pedra de fundagáo
SI 73,24). com urna inscrigáo se lé em Is 28,16, ape
2,11-13 O minúsculo poema se compde lando à fé: “Quem se apóia nao vacila”. ( )
de quatro frases simétricas e urna final texto dessa carta se compoe de citagòes l i
assimétrica; a mudanga é significativa. Ñas terais ou aproximadas (Nm 16,5; Eclo 17,
quatro, a apódose corresponde á prótase e 26; 35,3).
se dispóem num eixo de passado — pre­ 2,20-21 A “casa grande” é a Igreja. O tem
sente — futuro. Passado é a morte pelo pío de Jerusalém tinha utensilios materiais
batismo (Rm 6,8); presente é a constancia preciosos. A Igreja tem seus utensilios huma­
ñas tribulagóes (Mt 10,22); futuro é a res- nos, para diversas tarefas, mais ou menos
surreigáo e glorificado com Cristo. No honoríficas. Alguns pensam que os “humil
final se rompe a simetría pela parte forte, des” ou sem honra representam os membros
pela bondade e misericordia de Deus (cf. indignos da comunidade, como fato lamentá-
Os 11, 8-9; Ez 36,22; Rm 10,11). O dom e vel e inevitável. Mas o texto náo acrescenta
a oferta de Deus sáo irrevogáveis; se o urna cláusula negativa contra um utensilio
homem os rejcita, ele o reconhece e o san­ que deveria ser excluido. Para a compara
ciona. gáo, ver Rm 9,21, inspirado em Jr 18.
2,14-17 Contrapee ao palavrório profa­ 2,23-24 Discussoes e debates eram urna
no e perigoso a palavra da verdade, que é das satisfagóes dos gregos; mas deviam ser
o evangelho. conduzidos segundo regras aceitas, devi
2,18 Se se afirma que a ressurreigáo já damente codificadas numa doutrina pràti­
teve lugar (nao no sentido paulino, pela ca, a dialektike texne ou dialética.
participagáo batismal), seguem-se con- 2,25 O “arrependimento” das culpas pas-
seqüéncias graves: nao se deve continuar sadas no paganismo c o “conhecimento da
esperando. Nega-se também o matrimo­ verdade”, quer dizer, a aceitagáo do evan
nio? (lTm 4,3 apoiado em Me 12, 25). gelho.
623 SEGUNDA CARTA A TIMOTEO

i. mi ■ 'I i n ili do Diabo, q u eo sm an - mentalidade corrompida, reprovados na


iiiili'i |n i nuii in is de sua vontade. fé. 9Mas nao iráo muito longe: como
no caso dos rivais de Moisés, a insen­
fe l l» iillluios lem pos— 'Tu deves sa- satez deles se tornará evidente a todos.
, 1 1.. i . 11n mus últimos tempos se apre- l0Tu, ao contràrio, seguiste meu en-
i ni i> i" lin io>es difíceis."Os homens sinam ento, m eu m odo de proceder,
.M i"' f t.i.is e cobigosos, fanfarróes, minha resoluqào, fé, paciència e per­
ni"|im i' injuriosos, desobedientes severanza; "m inhas perseguigóes e so-
i" |, o ., muíalos, ímpios, 3sem pieda- frim en to s, com o os que passei em
i. mi|il.i< a veis, difamadores, descon- Antioquia, Icònio e Listra. Que perse-
., ilnl" ,, desuníanos, hostis ao que é guujóes tive de suportar, mas de todas
liniii 111' *11idos, temerários, vaidosos, o Senhor me livrou. 12E todos os que
ni H huidos do prazer do que de Deus; desejam viver religiosam ente, com o
. Miltiu.1 preservem as formas da reli- cristàos, sofrerào perseguigóes. l3En-
,ii" .ni.ule, renegam seus efeitos. Evita quanto isso, malfeitores e impostores
.... ,i . i.hs. '"A esse grupo pertencem os vào de mal a pior, enganando e enga­
.|iii i nii.un sorrateiramente ñas casas e ñados. 14Presta atengao ao que apren­
•i ilii/cni mulherzinhas carregadas de deste e aceitaste com fé: sabes de quem
Iii • lulos, arrastadas por diversas pai- o aprendeste, 15e que desde crianza co-
*iii'.. 'sempre aprendendo, m as inca- n heces a Sagrada Escritura, que pode te
|ni/i \ ilc com preender a verdade. 8Da dar sabedoria, para que te salves pela fé
un .in.i forma que Janes e Jam bres se em Cristo Jesús. 16Toda Escritura é ins­
...... com Moisés, esses tais se pirada e útil para ensinar, repreender,
i iilu iilam com a verdade. Sao gente de encam inhare instruir najustiga. 17Com

O Diabo, visto como calador com que se aproximam. Antes de partir (vítima
h ile (SI 35,7; 57,7; 140,6), que domina da perseguilo), dá conselhos a seu suces-
,11,1 , presas. Seu “arbitrio” se opóe á “von- sor e o previne do que vai acontecer. E o
i,nIr" ile Deus (a mesma palavra em grego). que fazia Jesús nos discursos escatológicos
(Mt 24; Me 13), e o dizia expressamente:
3,1-7 A maldade dos tempos se apre­ “eu vo-lo digo agora, antes que acóntela,
venía numa enum erado retórica de tipos para que, quando acontecer, tenhais fé” (Jo
nulvados. Pode estar inspirada, ao menos 14,29). O discípulo e sucessor de Paulo te-
|i.ircialmente, em listas estoicas de vicios. rá que valer-se dos ensinamentos e exem-
I iluvidoso que o autor busque a precisáo plos do mestre e do que aprendeu pela Es­
i onceitual de cada tipo. Oito se compóem critura.
ile alfa privativo, que significa carencia, e 3,8-9 Sao nomes que a tra d ito judaica
i niitem por negagáo virtudes opostas. En­ dá a dois magos do Egito, que procuraram
de eles se pode notar os que afetam o su­ contestar os prodigios de Moisés com ar­
lfilo, como “incontroláveis”, as relagoes tes mágicas.
eom Deus, como “ímpios”, com os pais, 3,10-12 As perseguigóes fazem parte da
"desobedientes”, com o próximo em for­ missáo apostólica, como anunciou Jesús:
mas diversas. Também se notam os qua- “um discípulo nào é mais que seu mestre”
Iro compostos de fil- (amantes) de si, do (Mt 10,24 no contexto de 16-24); também
ilinheiro, do prazer. na vocagáo de Paulo (At 9,16). Nao só dos
3,1 Comega aqui urna exortagao para os apóstalos, mas de todo cristao autèntico.
lempos fináis que se avizinham. Podemos 3,14-17 Este é um dos textos em que a
alongar a segáo até 4,8, de acordo com a Escritura atesta sobre si mesma; o outro é
h¡pótese que considera essa carta composta 2Pd 1,19-21. E “inspirada por Deus”: so-
na forma de um “testamento”. Paulo pre­ prada pelo alentó divino. Sao muitos os
vé seu final próximo (que o autor conhece textos do AT que relacionan! o oráculo
como fato passado), de modo que nao po- profètico com a mogáo do Espirito = ven­
derá prestar sua ajuda nos tempos difíceis to de Deus. Urna versao bem material se
S E G U N D A C A R T A A T IM O T E O 624

isso o homem de Deus estará formado tive a fé. 8Só me espera a coroa chi in
e capacitado para todo tipo de boas tiga, que o Senhor como justo jm mil
obras. entregará naquele dia. E nao só a .......
mas a todos os que desejam sua inalili
'D iante de Deus e de Jesús Cristo, festagáo.
4 que há de julgar vivos e mortos, eu
te conjuro por sua manifestagáo como
9Procura vir me ver o quanto ani'
I0pois Demas, enamorado deste munì
rei: 2proclama a palavra, insiste opor­ do, me abandonou e foi para Tes\ <l<<
tuna e inoportunamente, repreende, ad- nica. Crescente foi para a Galácia, I iiu
moesta, exorta com toda a paciencia e para a Dalmàcia. "S om ente Lucie, li
pedagogía. 3Pois chegará o tempo em cou comigo. Toma contigo Marcos <t
que nao suportaráo a sá doutrina, mas, traze-o, pois acho que eie me é mini"
seguindo suas paixoes, se rodearáo de útil no ministério. Enviei Tiquico li
mestres que lhes afaguem os ouvidos. Efeso. 13Quando vieres, traze-me a ca|u
4Náo dando ouvidos á verdade, se vol- que deixei na casa de Carpo, junto colf
taráo para as fábulas. 5Quanto a ti, v i­ os livros e, sobretudo, os pergaminhoi
gía continuam ente, suporta os sofri- todos. 14Alexandre, o bronzista, traton
mentos, executa a obra de anunciar a me muito mal: o Senhor lhe pagará co
boa noticia, cumpre teu ministério. mo merece. 15Tu também, toma cuida
do com ele, porque se opós durameuli
Recomendagóes e saudagóes — 6Quan- ao meu discurso. 16Em minha primen.i
to a mim, já fazem de mim urna libagáo, defesa, ninguém me assistiu; todos me
e a hora da partida é iminente. 7Combati abandonaram; náo lhes seja levado cui
o bom combate, terminei a corrida, man- conta. n O Senhor, sim, me assistiti e

lé no famoso episodio do falso profeta (1 Rs 4,6-8 A morte próxima e violenta do


22,24): “por onde o espirito do Senhor saiu apóstolo será urna “libagáo”: náo de vi
de mim para te falar?” As últimas pala- nho, mas de sangue; náo alheia, mas pro
vras de Davi trazem esta introdugáo: “O pria. É urna morte com valor quase litúi
espirito do Senhor fala por mim, sua pala­ gico. A partida será um levantar áncoras
vra está em minha língua” (2Sm 23,2). A E um atleta que competiu até o final e ago­
tradigáo cristá a recolheu e estendeu aos ra se dispóe a receber a coroa do premio
escritos “canónicos” do NT. Da inspira- (ICor 9,25). Só que nessa competigáo náo
gao se segue o valor da Escritura para en- é coreado um só, e sim todos os que cor-
sinar e agir. “Homem de Deus” é no AT rem com esperanza invencível. O “justo
título do profeta; aqui se aplica ao cristáo juiz” é o árbitro da competigáo: é o Se­
que tem missáo particular. nhor no día da sua vinda gloriosa.
4,9-17 O prisioneiro sente a solidáo pelo
4,1-5 Do que foi dito e dos tempos que abandono ou desvio de alguns colabora­
se aproximam, segue-se outra recomenda- dores e a hostilidade de um conhecido.
gáo solene e urgente. “Conjurar” é tomar Nessa mistura de nomes, alguns conheci-
juramento na presenta de testemunhas dos (quatro figuram em Cl), e nos dados
qualificadas, invocando motivos sagrados sobre o processo náo sabemos quanto é
(cf. Js 24,22). A testemunha pode ser Deus, reflexo de atos que o autor conhecia e
a pessoa que jura ou um documento jurí­ quanto é contribuigáo sua. É estranho, se
dico (cf. Dt 31,26). Invocar a parusia e o está para morrer, que pega o manto e ma­
juízo universal confere garantía máxima terial para escrever.
ao juramento: o definitivo se faz presente 4,14 Lé-se em SI 62,12 e é doutrina
(lPd 4,5). Os imperativos se sucedem em comum.
cascata. A “palavra” é a mensagcm evan­ 4,17 “O mundo todo” pode-se traduzir
gélica. “Lisonjas”: como no chamado tes­ também por “todos os pagáos” (concen­
tamento de Isaías (30,10) e falando de fal­ trados em Roma). O “leáo” é o persegui­
sos profetas (IRs 22,8). dor (SI 22,2).
I 625 SEGUNDA CARTA A TIMOTEO

i. h I i . i i'.n.i que por meu inter- 19Saúda Prisca e Aquila e a familia


.... it . • l. i ' ,i cabo a proclam a- de O nesíforo. 20Erasto ficou em Co­
I .1. mi nli i 1111<* lodos a ouvissem; e rinto. Deixei Trófimo doente em Mi­
mi ni.i...... i il.i bina do leáo. I80 Se- lito . 21Procura vir antes do inverno.
........... ln i .mi de ( oda o b r a m a l i g n a Èubulo, Pudente, Lino, Cláudia e todos
• i ii.i rm scu reino celeste. A os irmáos te saúdam. 220 Senhor esteja
i, „ , i. .i i i | n los seculos dos sáculos. com teu espirito*. A graga esteja com
\iH*in todos vós.

4,18 Remete a salvagào ao reino celes- 4,22 *Ou: o Senhor te acompanhe espi­
le. O autor conhecia o martirio e seu sen- ritualmente.
tido glorioso (cf. Le 23,42s).
CARTA A TITO 626

Carta a Tito 2,11-15 M a n ife s ta lo de I ). ii.


Jesús Cristo.
Sinopse
3,1-3.8-14 Encargos partícula n
1,1-4 Saudagáo. 3,4-7 Libertados por Ci r i-
1,5-9 M issáo em Creta. 3,15 S a u d a d e s.
1,10-16 Perante os indisciplinados.
2,10 C onselhos para diversas O mais substancioso da carta <■</,/,
classes. trina cristolàgica de 2,11-15 e 3,1 t
CARTA A TITO

>iHtiilii(,'òes — *De Paulo, servo de suntos pendentes e para que nomeas-


I Ih ir. c apóstolo de Jesus Cristo,
m in ....... à fé dos escolhidos de
ses anciàos em cada cidade, segundo
minhas instrugóes. 6Exam ina se há al-
Iitiih r no conhecim ento da verdade guém irreprovável, fiel à sua mulher,
t.i-..i. com a esperanga de urna vida com filhos que crèem, nào desacredita­
ihimii. i|ue o Deus infalivel prometeu dos por sua licenciosidade e indiscipli­
!fmli oulrora 3e agora m anifesta de na. Pois o bispo, como administrador
, in com a p r o c la m a lo que me foi de Deus, deve ser irreprovável: nem
•mllmln, por disposigào de nosso Deus egoísta nem colérico nem beberráo nem
ftiilvmlor, 4a Tito, meu filho legitimo briguento nem metido em negocios su­
i li comuni: graga e paz da parte de jos; 8pelo contràrio, hospitaleiro, aman­
....... Pai e de Cristo Jesus, nosso Sal­ te do bem , m oderado, justo, devoto,
mi*u controlado; 9que se mantenha na dou-
trina autèntica, de modo que possa exor-
MIihiio em Creta —- 5Se te deixei em tar com urna doutrina sadia e refutar os
• u iii, Ibi para que resolvesses os as- que afirmam o contràrio.

1.14 Para urna carta muito breve, urna a comunidade: é a preocupagáo de uma
.»miliario muito longa, com algumas no- segunda e terceira geragóes cristas. Trata­
lilmlcs (e uso abundante de preposigòes). se de uma espécie de senado ou conselho,
Vivo de Deus” ou de Yhwh é título dos “anciàos” que conhecemos por At
liiiiiiirffico freqiiente no AT. Em outros tex- 14,23 e lTm 5,17. A partícula “pois” (v.
lo». l’aulo prefere dizer “servo de Jesus 7) parece sugerir que o encarregado ou
i ihlo” (Rm 1,1; FI 1,1). A servilo dos “es- responsável supremo (episkopos) é um dos
. iilhklos”, ou seja, o novo povo de Deus. anciàos. Confirma-o a instrugáo de lTm
"1(5”, corno resposta inicial e adesao to- 3,1-7 e o fato de que tal contexto distin­
inl, madura com o “conhecimento”, nao é gue só entre “bispo” e “diáconos”.
i i'j.’,;!. À f é segue-se a “esperanza”, que se 1,6 “Fiel à sua mulher” ou nào casado
iipóia na “promessa” de um Deus “infali- em segundas nupcias.
vi' I", fiel à sua palavra, e cujo conteúdo é 1,7-9 Os filhos acreditam ou desacredi­
‘vida eterna”. Que a “vida eterna” esteja tara o pai (cf. ISm 2,12-17; Pr 19,26;
luoinetida no AT nào resulta claro, por cau- 29,15; SI 127,5). Comegam as listas de vi­
ni ila ambigüidade do termo hebraico, que cios e virtudes que ocuparao boa parte des-
M unifica perpètuo, duradouro ou vitalicio sa carta e que parecem tomadas de reper­
(os textos mais claros sào SI 16,11; 49,16; torios. Dois dados coincidem com duas
/1,23-24; Dn 12,2-3). Pois bem, o que está virtudes cardeais gregas: justo e modera­
iinunciado entre véus no AT, se “procla­ do. Os que “contradizem” podem ser pa­
ma” agora no evangelho. “Salvador”: tí- gaos ou cristáos equivocados. É notável a
lulo de Deus ñas Cartas Pastorais (lTm atengáo prestada aos aspectos negativos
1,1; 4,10; Tt 2,10; 3,4). que devem ser evitados, alguns genéricos,
“Filho legítimo”: título outorgado tam- outros talvez específicos e reais. O mesmo
hcm a Timoteo (lTm 1,2). A “fé comum” na doutrina, cuidadosamente delimitada
define a semelhanga de pai e filho numa como autèntica, fidedigna e sá (adjetivo
nova natureza (cf. Gn 5,3); transmitir a vida repetido na carta); olhando obliquamente
nova da fé é uma espécie de patemidade. para pessoas que de fora ou de dentro a
1,5-9 A primeira tarefa de Tito em Creta ameagam. Um discreto temor soa nessas
será nomear responsáveis para organizar linhas./
CARTA A TITO 628 1,10

10Especialm ente entre os j udeus con- ' Classes diferentes — JTu, ao con­
vertidos há m uitos insubm issos, char-
latáes, engañadores. n A esses é preci­
2 tràrio, explica o que corresponde à
sa doutrina: os anciàos sejam sobrios,
so amordazar, pois destroem familias dignos, m oderados, sadios na fé, no;
inteiras, ensinando o que nao devem por amor e na paciencia.
urna ganancia sórdida. 12Deles disse um 3Da m esma forma, as anciás tenharr
de seus profetas: Cretenses, sempre em- postura digna da religiosidade; nao se
busteiros, animais ferozes, glutóes ocio­ jam escravas da maledicencia nem da
sos. 13Tal descrigáo é correta. Por isso, bebida; sejam boas mestras, 4capaze¡
repreende-os severam ente, para ver se de ensinar as jovens a amar os marido!
recuperam a saúde da fé e abando­ e os filhos, 5a ser moderadas, castas, la
nara as fábulas judaicas e os preceitos boriosas*, bondosas, submissas ao ma
de homens afastados da verdade. 15Para rido; de modo que a palavra de Deu!
os puros, tudo é puro; para os incrédu­ náo fique desprestigiada. 6Exorta tamí
los contaminados, nada é puro. Pois tém bém os jovens a ser moderados. 7En
contam inadas a mente e a consciencia. tudo apresenta-te como modelo de boi
16A firm am conhecer a Deus e o negam conduta: integro e grave no ensinamen*
com as agóes; sao detestáveis e rebel­ to, 8propondo urna mensagem sa e ir
des, desqualificados para qualquer boa reprovável, de modo que o adversárú
obra. fique confundido por náo encontrar na>

1,10-16 Do temor passa à denuncia in­ para várias categorías: anciàos e jovem
dignada. Alguns pensam que se refere a de ambos os sexos, escravos. Anciàos
judeus náo convertidos, hostis aos cristáos. se refere aqui á idade, opostos aos he*
Mas o texto oferece indicios de que se tra­ mens jovens (lT m 5,1-2; cf. SI 148,12)
ta de judeu-cristáos: limita “especialmen­ J1 3,1). É curioso que aos jovens chegu^!
te”, chama-os “insubmissos” (a autoridade diretamente e as jovens só através dal
comunitària), sao objeto de “repreensáo”, anciás. As jovens devem ser submissa
espera que “recuperem a saúde” (v. 13). e “amar” os maridos e filhos; Ef 5,2:
A descrigáo que faz do grupo é violenta reservava o amor aos maridos. Os con
e é agravada pela cita^áo de um autor pa- selhos sao e n u m e ra res mais ou menoi
gào (talvez Epiménides, século VI a.C.). conhecidas. Compare-se com o ideal di
As “fábulas e preceitos humanos” pode- “mulher laboriosa” de Pr 31. Há conse
riam aludir à hagadá e à halaká-, lendas lhos para os escravos, mas falta o corra
fantásticas tecidas sobre relatos bíblicos e lativo para os patróes (Ef 6,5). À bo¡
normas de conduta deduzidas deles; tal­ conduta o autor atribui valor apologètici
vez extraídas da hagadá e da halaká, e con­ diante de pagáos hostis ou benévolos, di
trarias à fé. modo particular os escravos, que se enO'
1.15 A oposigáo clàssica de pureza e brecem com urna importante fungáo eclíi
contaminagào recebe aqui urna precisào, sial. A “temperan§a”, virtude grega caí
já que a contam inalo é a “incredulida- deal, menciona-se quatro vezes nesti
de” e náo depende de práticas externas (cf. segáo.
Mt 15,11). Um recipiente contaminado 2.2 A “paciencia” é estreitamente api
contamina o que recebe (Lv 11,32-36). rentada com a esperanza.
1.16 E a fé sem obras, que Tiago conde­ 2.3 Pede ás anciás que sejam “boas me;
na (2,17-26). A preocupagào de Paulo era tras”; lT m 2,12 proibia ensinar ás mui
antes de tudo a sa lv a lo pela fé, indepen- lheres (ñas reunióes litúrgicas); mas, recoi
dente das obras da lei; a preocupacao da de-se o precedente da avó e da mae
nova geragào crista sáo as obras que bro- Timoteo (2Tm 1,5). Pela terceira vez pn
tam da fé. vine contra o perigo da bebida, que pel
visto amea§ava anciàos, anciás e tambéi
2,1-10 Agora resulta que a “sa dou- candidatos a postos de governo.
trina” consiste em normas de conduta. 2,5 *Ou: boas donas de casa.
629 CARTA A TITO

■l.i de que nos acusar. 9Os escravos se­ Conduta exem plar — 'Recom en-
nni submissos a seus senhores em tudo,
■■.m placen tes, nào respondóes, 10jamais
3 da-lhes que se submetam e obede-
cam a govemantes e autoridades, estan­
luí lando, mas dignos de toda a confian- do dispostos a qualquer obra honrada.
i.-i. para que o ensinam ento de nosso 2Que nao difam em nem sejam briguen-
I 'cus e Salvador recupere prestigio dian- tos; pelo contràrio, amáveis, e que se
lc de todos. m ostrem bondosos com todos. ' Tam­
11 M anifestou-se a graga de Deus que bém nós antes éramos insensatos, de­
il va todos os homens, 12ensinando-nos sobedientes, extraviados, escravos de
ii i enunciar à im piedade e aos desejos paixóes e prazeres diversos, maliciosos,
mundanos e a viver neste tem po com invejosos, odiosos e odiando-nos m u­
Immildade, justiga e piedade, 13espe- tuam ente. 4M as, quando apareceu a
i nido a prom essa feliz e a m anifesta­ bondade do nosso Deus e Salvador e
lo da gloria do nosso grande Deus e seu amor pelo homem, 5náo por méri­
■lo nosso Salvador Jesús Cristo. 14Ele tos que tivéssemos adquirido*, mas táo-
«e cntregou por nós, para resgatar-nos somente por sua misericordia, nos sal-
■li- loda iniqüidade, para adquirir um vou com o banho do novo nascimento
tu ivo purificado, dedicado ás boas obras. e a re n o v a d o pelo Espirito Santo, 6que
I ala disso, exorta, repreende, com ele nos infundiu com abundáncia por
plena autoridade. Que ninguém te des- meio de Jesús Cristo, nosso Salvador;
pi’eze. 7de modo que, absolvidos* por seu fa-

2.11-14 Primeira síntese doutrinal da de civil (de Roma; cf. Rm 13,1-7). O que
nía. Um dos títulos clássicos de Yhwh se segue sao novas séries. Tito era um con­
nu AT é hanun (clemente), que outorga seu vertido do paganismo.
i ivor, que concede graça (Ex 34,6; J12,13; 3,4-7 Segunda síntese doutrinal, com
in 4,2; SI 86,15; 103,8; Ne 9,17). Agora a algo de hiño. Da “bondade” de Deus fa-
r i iça” ou favor de Deus se manifestou lam vários salm os (25,7; 27,13; 31,
nii encarnaçâo para a salvaçào de todos 20; 145,7); mas Deus já revelou sua bon­
i 1I ni 2,4), na morte de Cristo como “res- dade a Moisés (Ex 33,19). Agora essa
r:iie” (cf. SI 130,8; lPd 1,18-19), no anún- bondade se manifestou definitivamente
■ni da parusia, que funda a esperança e será em Cristo. “O amor ao homem”, em gre-
m.inifestaçâo da gloria”. Assim as duas go philanthropia, é atributo divino único
i pilanias” delimitam o arco inteiro da no NT. Dt 7,7-8 fala do amor de Deus a
ilvii^üo. Nao fala da resposta humana da um povo entre muitos; Sb 11,24 fala do
h ipie está implicada ao enunciar o texto, amor de Deus a todas as criaturas. Agora
ni r. se detém nas conseqüéncias para a Cristo vem revelar o amor universal de
' "minia: afastar-se do mal, praticar o bem. Deus.
\ I)(>as obras sao conseqüéncia iniludível 3.5 Sem méritos nossos: é a doutrina
i' c i povo escolhido. Duas das très qua- básica de Paulo (Gl e Rm). Em duas pala-
li'l.ules recomendadas fazem parte da vras se condensam as duas virtualidades
■i" iii midade das virtudes cardeais: justi- do batismo: banho de purificado (Ef 5,26)
(,ii e lemperança. que nos perdoa o pecado, e novo nasci­
mento (Jo 3,5; lPd 1,3), cujo equivalente
V I -3 O complemento do imperativo é a renovagáo pelo Espirito (cf. SI 51,12).
..... i|iie ser a comunidade cretense. As- *Ou: nao por obras de justiqa.
iin ■orno antes qualificou duramente os 3.6 O dom do Espirito: anunciado por
mu m i >ios dessa comunidade, agora, usan- J1 3,1, cumprido em Pentecostes (At
■!•■ i primeira pessoa, recorda seu passa- 2,4.17).
■I' ' n . i o menos repreensível, “também nós 3.7 Absolvidos ou tomados justos pelo
•i muís antes”. indulto ou graga de Deus (Rm 3,24); e as­
( 11 ii imeiro conselho dirigido aos turbu- sim herdeiros em esperanza (Mt 19,29).
!■ni" . (-retenses é a submissâo à autorida- *Ou: tornados justos.
CARTA A TITO 630 ' 1 ?

vor, fóssem os na esperanza herdeiros 12Quando te houver enviado Árlc m .


da vida eterna. SÉ urna mensagem fide­ ou Tíquico, vem depressa ao meu i n
digna, na qual quero que insistas, de contro em Nicópolis, onde decidi |>.i
modo que os que creram em Deus se sar o inverno. "Z e la pela viagcm .1.
dediquem a cultivar boa conduta. 9Evi- Zenas, o jurista, e de Apolo, para <|im
ta, ao contràrio, discussóes insensatas, nada lhes falte. 14N ossa gente ili .
genealogías, contendas, controvérsias aprender a dedicar-se ás boas obi.ni,
sobre a lei: sao inúteis e vas. 10A o sec- segundo as necessidades, para qui n.i.i
tário, depois de dois avisos, evita-o; se tornem estéreis. 15Todos os que r*.
“ sabes que tal individuo está perverti­ tao comigo te saúdam. Saúda nosso» I
do, continua pecando, e ele proprio se amigos na fé. A grada esteja com tod-•
condena. vós.

3,8 É mensagem ou palavra fidedigna a continua pecando após dois avisos, de


que acaba de pronunciar, e que há de ser monstra teimosia.
tema de ensinamento. Mas nao basta crer 3,12-13 Sobre Tíquico: At 20,4; 2Tm
nela: é preciso agir em conseqüéncia. 4,12. Apolo: talvez seja o de At 18,24;
3,10-11 O sectário forma seitas ou sedi- 19,1. Acomunidade deve apoiar os missio-
góes, rompe a unidade (ICor 1,11-12). Se nários itinerantes.
CARTA A FILEMON

INTRO DUgAO
l'i ln lema, tom e estilo, esta breve legal, embora sugira que está disposto
, i- aclamada como pequeña jóia a pagar Filemon. Tampouco tenta m u­
•/> I ‘unlo. dar a estrutura jurídica daquela época
I ilcinon era um cristäo de boa posi- e cultura. M as transfere o problem a e
r i,'. tulvez convertido p o r Paulo. Seu sua resolugáo ao grande principio cris-
>\<m vo Onésimo havia fúgido, p o r al- táo do am or e da fraternidade, mais
riiiini culpa, e tinha ido p a r a r em fo rtes que a relaqáo jurídica de patráo
lú itim, onde Paulo Ihe ofereceu refú- e escravo. Se Filemon perdeu um es-
i■/.»<■ o converteu. A fuga de Onésimo cravo, p ode ganhar um irmao, e Paulo
i ni delito punido com penas graves, e será o agente delicado da perm uta.
I',mío podia tornar-se cúmplice. Pau- Supóe-se que a carta fo i escrita da
h i uno quer resolver a questäo p o r via p risdo de Rom a entre os anos 61 e 63.
CARTA A FILEMON

'D e Paulo, prisioneíro por causa de lo, e agora prisioneiro por causa de < m
Cristo Jesus, e de Timoteo, a nosso que­ to Jesús, '“apelo a ti em favor de mil
rido colaborador Filemon, ju n tam en te filho meu que gerei na prisao: Onésinm
com a irmä Apia e nosso companheiro n outrora sem proveito para ti, agoi a .1.
A rquipo, e a com unidade de tua casa: grande proveito para ti e para niim
3graga e paz da parte de Deus, nosso Agora eu o envió a ti, e com ele o m< n
Pai, e do Senhor Jesus Cristo. coragáo. 13Eu teria desejado manir l>
4Sem pre que me recordo de ti em comigo, para que, em teu lugar, me sn
minhas oracoes dou grabas a Deus, 5por- visse nesta prisáo que sofro pela boa mi
que ougo falar de tua fé e amor ao Se­ tícia. l4Mas, sem o teu consentimeniu
nhor Jesus e a todos os consagrados. eu nao quis fazer nada, para que tua bou
6Que tua fé com partilhada seja eficaz agáo nao seja forjada, mas voluntan.i
para reconhecer os bens de todo tipo 15Talvez ele se tenha distanciado de li
que tem os no M essias. 7Tua caridade por breve tempo, para que possas reí u
me proporcionou grande alegría e con- perá-lo definitivamente; 16e já nao como
solo, porque grabas a ti os consagrados escravo, mas melhor que escravo: como
serenam seus sentim entos. 8Por isso, irmáo muito querido para mim e mar.
em bora tenha plena liberdade crista ainda para ti, como homem e como cris
para te ordenar o que é devido, 9prefiro táo. 17Se te consideras companheiro
apelar ao teu amor. Eu, este anciáo Pau- meu, recebe-o como a mim; 18se te ofeu

1-3 A breve carta comeca segundo o es­ em favor de outros (ICor 9), e agora con
quema clàssico, com saudagáo, agáo de sidera mais eficaz o caminho do amor qui
gragas e súplica. Se à saudagáo acrescen- o da obediéncia. O encarcerado é semelhan
tamos a despedida, aparece o contraste te ao escravo em sua falta de liberdade,
com o conteúdo. Acarta aborda um assunto embora, sendo por Cristo, o preso se sinta
limitado, triangular, entre Filemon, Onési­ livre. Anciáo: a partir dos cinqüenta anos
mo e Paulo. Entre os remetentes da sau- 10-12 O escravo fugitivo, acolhido poi
dagao e despedida figuram sete nomes, Paulo, pela conversáo é filho seu. Como
entre os destinatários tres nomes e urna filho de Paulo, deve ser livre e goza do
comunidade. Como que insinuando que o carinho paterno. Mas Paulo renuncia a este
assunto se trata à luz pública dos cristáos, segundo direito e devolve o fugitivo. Ain
como caso exemplar e normativo. da que com ele váo as “entranhas” do apòs­
4-6 A costumeira agáo de gragas e peti- tolo: sua caridade nao é fria nem distante.
gáo preparam decididamente o assunto ao 15-16 Paulo nao visa à aboligáo da es
concentrar-se na fé, no amor e na solidari- cravatura, tampouco a condena como imo­
edade. Porque o assunto vai ser tratado à ral. Mas introduz um novo sistema de rela-
luz da fé (nao por interesses humanos), e gáo crista capaz de mudar a relagáo humana.
a norma suprema será o amor ao Senhor e Ao vínculo de posse sobrepóe-se o de irman
aos irmàos. É desse modo que Filemon dade, que é definitivo. Em termos econó­
deverà decidir; e Paulo está certo da boa micos, talvez Filemon saia perdendo; num
disposicüo do seu interlocutor. sistema econòmico paradoxal, sai ganhando.
8-9 Paulo está consciente da sua autori- 18-19 Usando deveras ou fingindo a lin
dade apostólica para impor urna agáo con­ guagem comercial, Paulo está disposto a
creta, especialmente a um convertido seu pagar os prejuízos causados pelo escravo
(v. 19). Mas sabe renunciar a seus direitos fugitivo, já que desfrutou no cárcere de seus
M 633 CARTA A FILEMON

lui mi li deve alguma coisa, coloque pego. 22Outra coisa: prepara-me hospe-
mu iiiliilüi conia. |l)Assino com meu pu- dagem, pois, grabas a vossas oragóes,
mIih m Irli. i : eu, Paulo, te pagarei, para espero poder saudar-vos.
iitH ii ili/i i i|ue me deves tua pessoa. 23Saúdam -te Epafras, com panheiro
"'tiliii, ii inno, eu te suplico pelo Senhor: de prisáo por causa de Cristo Jesús,
«t¡i iiii inriis sentim entos cristáos. 24Marcos, A ristarco, Demas e Lucas.
‘11 a irvo-te confiando em tua dispo- 25A graga de nosso Senhor Jesús Cristo
nllillhl.iilr: sei que farás mais do que esteja com vosso espirito. Amém.

servidos. Embora a rigor Filemon, como que pego”. A propósito do tema, ver ICor
convertido de Paulo, seja mais devedor. 12,13; Gl 3,28; C1 3,11.
21 Talvez insinué a alforria, declarar li­ 23 Os cinco nomes figuram também em
berto o escravo. Isso seria fazer “mais do Colossenses.
CARTAAOS HEBREUS

INTRODUÇAO
Costumamos chamá-la “carta de Pau­ Os argumentos sao internos. Fallimi
lo aos Hebreus ”: os très componentes as referencias pessoais. A noticia mi
tém que ser revisados e corrigidos. bre Timoteo, depois da doxologia ( 11
23), é um pós-escrito am biguo;por ,sn,i
Carta vez, 2,3 indica que o autor receben .
evangelho p o r mediadores, contra n
M ais que carta, no estilo das outras, que afirma P aulo (Gl 1,1-11).
parece urna homilía pronunciada dian­
te de ouvintes ou um escrito doutrinal
que interpela os leitores. Falta a intro-
Vocabulário
duçâo clàssica feita de saudaçâo, açâo A carta contém 168 termos que a/’n
de graças e súplica; o autor entra no recem só urna vez no N T (hapax le}’«i
assunto na prim eira frase. A saudaçâo mena), 292 palavras que nào figurata
fin a l é concisa e sem nomes próprios. ñas cartas paulinas, tem usos peculin
O tom e estilo sao elevados e solenes. res das conjungóes; o autor gosta do\
Emprega recursos da oratoria, como sao verbos em -izein, nào usa as transigine
as chamadas de atençâo (p. ex. 3,1.12), típicas de Paulo. A lingua grega é mai \
o adiantar o tema de cada seçâo (ver o pura e elegante que a de Paulo, como
comentário), o alternar entre singular se fosse a língua-máe do autor. O esti
e p lural na exortaçâo, trechos que pa- lo é sereno, expositivo, nào tem a pai
recem p edir urna declamaçâo entoada. xa o, movimentagào e espontaneidad<•
D ada a difusáo da retórica na época, dos escritos de Paulo. A lguns recursos
esses tragos combinant também com um de estilo, como paronomàsia e jogos de
escrito que está falando aos leitores. palavras, só funcionam em grego.
O uso da Escritura nào é táo dife­
De Paulo rente do paulino: procedimentos rabíni
eos, argumentos da Escritura, desen-
J á na A ntigüidade se duvidou sobre volvimento midráxico, a relagáo entre
a autenticidade paulina, incluindo-a ou os dois testamentos etc. M as sua ma
nâo na série (listas e comentarios). Dian­ neira de introduzir e conceber a Escri­
te do estilo táo diferente e para salvar tura é diferente: nào menciona os au­
a autoria de Paulo, recorreram a vários tores humanos, coisa que Paulo fa z com
expedientes: ClementeAlexandrino dis­ freqüéncia; atribui diretamente a Deus
se que o original hebraico tinha sido ou ao E spirito qualquer palavra da
traduzido para o grego p o r Lucas; O rí­ Escritura, ao passo que Paulo o fa z só
genes disse que as idéias eram de P au­ com as pronunciadas no texto po r ele.
lo, a redaçâo de um secretario versado
na lingua e retórica gregas; Tertuliano Doutrina
diz que o autor era Barnabé (por ser
levita). Em resumo, a carta demorou a M uitos ensinamentos de Paulo estáo
impor-se como paulina, e as dúvidas enunciados ou implícitos na presente
ressurgiram no Renascim ento e termi- carta, tanto que o autor anónimo é co­
naram em negaçâo p ela maioria dos locado entre os discípulos de Paulo.
críticos modernos. M as há pontos em que diferem. A con-
Mt m i il m i. Ai) 635 CARTAAOS HEBREUS

ila [<■ (cap. 11). A atitude pe- exortagào. Da sua altura intelectual, o
i ¡mil a lei, muito mais dura em Paulo autor contempla admiráveis e grandio­
iÑlH I, /.'>; 7,7-13). Cristologia: detém- sas correspondencias. A primeira, en­
*»■ nuils mi condigào de Cristo filho; tre instituigòes do A T e a nova econo­
l'iinhi (usa a ressurreigào. Hebreus o mia cristá. A segunda medeia entre a
uhi corno pioneiro da salvagào realidade terrestre e a celeste, solda­
J,i\ \eiis irmàos; Paulo o m ostra como das e harmonizadas pela ressurreigào
m ln \n ila Igreja. Segundo Hebreus, e glorificagào de Cristo.
t>khl no crii intercedendo; segundo P au­ O objetivo é cristolàgico, e o tema
la, esiti presente na sua Igreja. Falta central, provocado pela situagáo dos
iun llebreus o dualism o instinto (sarx)/ destinatários, é o sacerdocio de Jesús
I ipii ilo, característico de Paulo. Nào po- Cristo e o conseqüente culto cristáo. A
tli inos exagerar essas diferengas dou- nostalgia de urna complexa instituigáo
litimis nem extrapolar seu valor: nào e pràtica, o autor opde, nào urna dou-
lui eontradigào, sào aspectos com ple­ trina e outra pràtica, mas urna pessoa:
mentares, o tema tào unitàrio admite Jesús Cristo, Filho de Deus, irmáo dos
miiilnngas de perspectiva. homens. É o grande mediador, superior
< oncluindo, quem escreveu esta car­ a M oisés (3,1-6). É o sum o sacerdote,
iti tratado? Paulo, nào; um discípulo só com parável à figura excepcional e
tinónimo. Atribuí-la a Barnabé é urna misteriosa de M elquisedec; explica-o
Miposigüoprecipitada; atribuí-la a A po­ comentando o SI 110 e seu pano de fu n ­
lli, tirando argumentos d e A t 18,24s, é do, Gn 14. Jesus nào era da tribo levíti-
mostra de talento. ca nem agiu como sacerdote; sua mor­
te nào teve nada de litúrgico. O autor
Destinatários rompe os esquem as e dá um sentido
novo, profundo e alto, à instituigáo sa­
A tradigào disse “hebreus ”, ou seja, cerdotal. Jesús Cristo é m ediador de
judeus convertidos ao cristianismo. E urna alianga nova e melhor, anunciada
essa continua sendo a posigào mais em J r 31. Seu sacrificio é diferente: in­
Iilausivel, apesar dos esforgos de al- sinuado no SI 40. O novo culto reflete
Kuns crítico s p a ra d em o n stra r que o modelo celeste.
tram pagàos convertidos. E verdade C om o conseqüéncia, a vida cristá
que ha na carta alusóes a pagàos: 3,12 adquire urna dim ensáo litúrgica, ao
“desertor do D eus vivo ”, o judeu nào unir-se o fie l a D eus e aos irmàos. A
o seria; 6,1 “obras m orías ” parece exem plo de Cristo. A exortagào fin a l
designar os ídolos. E sses dados nào insiste na fé e na constancia; a favor
pesam frente à quantidade de indicios dessa fé, que equivale a esperanga,
contrários. A carta cita e comenta con­ aduz como m odelos urna sèrie de per-
tinuamente oA T; ás vezes alude a tex­ sonagens.
tos que supóe conhecidos, e o perigo
que tenta conjurar é urna volta ao ju ­
daismo; chama “p a is ” os homens do
Data
A T (1,1); o “p o v o ” cujos pecados se A carta é anterior à destruigào do
expiam (2,17; 5,3; 7,27) é o judeu. Pon­ templo no ano 70 (cf. 10,1-3); Clem en­
do como destinatários os judeus con­ te, p elo ano 95, a cita.
vertidos, o texto tem perfeito sentido.
Para que nào faltem as alternativas, Sinopse
algum comentarista propós como des­
tinatários os judeus desejosos de con- D o u a q u i urna sin o p se b a sta n te
verter-se, mas indecisos. esquemática, que se irá particularizan­
O discurso se con stró i doutrinal- do no comentário. O autor vai adian-
m ente e se desenvolve com singular tando o tema, simples ou duplo, de cada
conexáo, alternando exposigáo com nova segáo.
CARTA AOS HEBREUS 636 iN TR orii 'i

1.1-4 Á guisa de in tro d u jo . 6,13-20 A promessa.


1,5—2,16 O Filho e os anjos: 7.1-28 Melquisedec e Jesu < 11
1.5-14 Sua gloria. 8,1-10,18 O novo sumo saccid.iii
2.1-4 Exortagáo. 8.1-5 No céu.
2.5-16 Sua humanidade. 8,13 Da nova alianga.
2,17-5,10 Sumo sacerdote acreditado 9,1-22 A tenda ou santuàrio i m
e compassivo: ritos.
3.2-6 Acreditado mais que Moisés. 9,23-10,18 O sacrificio de Crisio
3,4—4,14 Exortagáo, sobre SI 95. 10,19-38 Exortagào.
4,15—5,10 Compassivo: por compara- 11,1-40 A fé e seus modelos.
gao com o sumo sacerdote 12—13 Parte parenética: consi 11
do AT. diversos, com exemplo
5,11-6,20 Necessidade de perseverar. citagoes da Escritura.
CARTA AOS HEBREUS

I) lililí) 'M ilitas vezes e de mui- dos pecados, sentou-se no céu à direita
I i i', lumias, Deus falou no passado
í liii','.os país por meio dos profetas.
da M ajestade; 4táo superior aos anjos,
quanto é mais excelente o título que
‘Ni , i . i d ap a final nos falou por meio herdou. 5Pois, a qual dos anjos disse al-
.1. mu fillio, a quem nomeou herdeiro gum a vez: Tu és o meu filho, eu hoje te
•li in. In, por quem criou o universo. 3Ele gereil E em outro lugar: Eu serei para
irllrxo de sua gloria, expressáo do ele um pai, ele será para mim um f i ­
¡•i ii mi, e tudo sustenta com sua pala- llio? 6Da m esma forma, quando intro-
*-i.i poderosa. Realizada a purificagao duz no mundo o primogènito, diz: Que

1,14 Breve exordio, solene, para intro- 7,25-26: “efluvio do poder... emanagáo pu­
■Iii/ ii a figura do Filho de Deus (sem por rissima... reflexo da luz... espelho nítido”:
«millanto mencionar Jesus): sua agáo na todos intentos de expressar o inefável.
. i inicio e na redengáo, sua glorificagáo. O “Tudo sustenta” (C11,17): como conti-
jimíigrafo é ampio, bem construido e redi­ nuagáo da obra criadora. “Dá consistencia
mido com arte. ao universo”, diz Sb 1,7 da Sabedoria
I, I Do AT escolhe, como mais represen- como espirito; “deu-lhes consistència per­
i.ilivos, “os profetas” (2Cr 36,15; Zc 1,4- pètua” (SI 148,6). “Purificagao dos peca­
•>). preferindo-os intencionalmente à toral dos”: no Lv se fala de purificagao mate­
I >,ido o enfoque da carta, é fácil entender rial (Lv 13) e do povo pecador (16,30);
1111c prefira a profecía à lei; mas dado o uso Ezequiel promete a segunda (Ez 36). A
que faz do Levítico, poderíamos supor que nova purificagáo se realiza pela morte (nao
pensa em tudo o que é profètico no AT. A mencionada). “Sentou-se”: citando pala-
quíntupla al iteratilo em p- acrescenta so- vras do SI 110,1, enuncia a glorificagáo
noridade e cadencia ao comego, que prepa- ou exaltagáo.
la por contraste o que se segue. 1.4 “Título”: é o valor do termo grego,
1.2 Sabe que vivemos na etapa definiti­ decalque do semítico: o que se segue o
va, aquela que os judeus esperavam como mostra. Um título expressa a condigáo ou
“o mundo vindouro”. Deus fala por meio o cargo. Este v. (recurso repetido nesta
de “um Filho” (sem artigo definido), de carta) anuncia o próximo tema, a compa-
alguém que é Filho; (recorde-se a parábo­ ragáo com os anjos.
la dos vinhateiros: o senhor envia servos,
depois o filho, o herdeiro, Mt 21,33-42). 1.5-2,16 Primeira parte: o Filho e os an­
Invertendo a ordem, apresenta-o como jos. Sua gloria (1,5-14), sua humanidade (2,
mediador da criagáo e como herdeiro. 5-16), com urna exortagáo no meio (2,1-4).
Tudo foi “criado” pela palavra/Palavra, 1.5-14 Desenvolve o tema aduzindo pro­
segundo Gn 1; SI 33,6 e Jo 1,3; pela Sabe- vas da Escritura, tomadas da versáo grega
doria, exprime outra concepgáo comple­ e lidas em chave messiànica (sem mencio­
mentar (Sb 8,22-31 e paralelos). “Herdei­ nar ainda Jesús ou Cristo).
ro” universal, para tomar posse (cf. SI 2,8 1.5 “Filho”: SI 2,7, salmo messiànico em
e toda a concepgáo de Josué). sua origem ou na leitura posterior, bastante
1.3 Vários momentos desde sua origem citado no NT. Pai-Filho: 2Sm 7,7.14; da
e percorrendo o itineràrio histórico. Para profecía dinástica de Nata a Davi, fundamen­
falar do mistério da sua origem e nature- tal na teologia da monarquia e do messia­
za, emprega urna imagem do mundo da luz nismo posterior (SI 89,27-28; ICr 17,13).
e outra do artesanato que dá forma (C1 1.6 “Quando...”: discute-se a identifica-
1,15). Compare-se com as imagens de Sb gáo. a) Como fala do mundo “habitado”,
CA RTA AO S H EBR EU S 638 1,7

todos os arijos o adorem. 7A os anjos A salvagáo e seu chefe — ’Portan-


diz: E le fa z dos ventos seus anjos, das
chamas de fo g o seus ministros*. 8Ao
2 to, para nao ir á deriva, devemos
prestar mais atencao ao que ouvimos.
Filho, ao contràrio, lhe diz: Teu trono, 2Pois, se urna palavra pronunciada por
ó Deus, perm anece para sempre, cetro anjos teve vigéncia, de modo que qual-
de retidáo é teu cetro real. 9A m aste a quer transgressáo ou desobediencia re-
justiga, odiaste a iniqüidade; p o r isso cebeu o castigo merecido, 3como nos
Deus, o teu Deus, te ungiu com p erfu ­ livraremos se descuidarmos semelhan-
m e de festa entre todos os teus compa- te salvagáo? Foi anunciada primeiro
nheiros. l0Também: N o principio, tu, pelo Senhor, os que a ouviram no-la
Senhor, alicer gaste a terra, e os céus sao confirm aram , 4e Deus acrescentou seu
obras de tuas máos; n eles pereceráo, testemunho com sinais e portentos, di­
tu perm aneces; todos se gastaráo como ferentes milagres e dons do Espirito re­
roupa, l2tu os enrolarás como manto, partidos segundo sua vontade. 5Nao
seráo trocados como roupa. Tu, ao con­ submeteu a anjos o mundo futuro de
tràrio, és o mesmo, e teus anos nao se que falamos, 6como testemunha alguém
acabam. I3A qual dos anjos disse algu- quando diz: O que é o homem para que
ma vez: Senta-te à minha direita, até te lembres dele, ou o ser humano para
que eu faga de teus inimigos estrado de que dele te ocupes? 7Tu o fizestepouco
teus p é s i 14Náo sao todos espíritos ser­ inferior aos anjos, o coroaste de gloria
vidores, enviados a servilo dos que her- e honra, 8tudo subm eteste a seus pés,
daráo a salvagáo? Ao submeter-lhe tudo, nao deixa nada

parece referir-se á morada dos homens, e Em resumo: aplicou a Jesús Cristo pri-
o “quando” se referiría á encamagáo (cf. vilégios que se predicam de Yhwh no AT,
SI 40,9, citado em Hb 10,7). b) Outros, referiu a ele textos lidos em chave mes­
devido á homenagem angélica, pensam na siànica. Nada disso se pode dizer dos an­
morada celeste (mas recordem-se os an­ jos, ou seja, dos seres celestes que formani
jos no Natal, Le 2,8-15). “Adorem”: ren- a corte a servigo de Deus.
dendo homenagem ao soberano; Dt 32,43
segundo a versáo grega; SI 96,7 e 97,7, 2,1-4 Breve exortagáo sob a forma de
referidos a Deus. conseqiiéncia. O pregador convida á aten-
1,7 “Ventos”: citagáo do SI 104,4 se­ gao e mais ainda ao cumprimento. Um#
gundo a versáo grega, quer dizer, mudan­ tradigáo rabínica dizia que Moisés tinhil
do as fungóes de sujeito e predicado (o recebido a lei por meio de anjos (Gl 3,1‘í),
original hebraico fala do poder cosmo­ e a leí continha numerosas cláusulas pe
lógico de Yhwh). *Ou: usa seus anjos co­ nais. A essa lei contrapóe a salvagáo que
mo ventos, seus ministros como chamas nós recebemos. O “Senhor” que comega II
de fogo. anunciá-la é Jesús (Me 1,15; Mt 4,17), o»
1,8-9 “Trono”: segundo a leitura grega que “ouviram” sáo os apóstalos e discípu
do discutido v. hebraico (o original é um los; Deus confirma a mensagem com mi­
poema nupcial dirigido a um monarca lagros (Me 16,20; At 14,3; 15,8) e com o*
davídico no día de seu matrimonio, SI 45,6). dons do Espirito. Sem formular expressil
1,10-12 Tomado do SI 102, súplica na mente, apresenta a agào de Deus Pai, dn
qual o orante contrapóe a caducidade hu­ Filho e Senhor, do Espirito (Santo).
mana a perduracao divina. 2.5-16 Primeira mengáo do nome de Je
1.13 Do SI 110, texto favorito do NT e sus, quando passa a expor sua conditili
desta carta. humana. Se os anjos estáo a servigo dos lio
1.14 Anjos destinados por Deus ao ser- mens, um homem está acima deles: Jcsim,
vigo dos homens. Ver SI 91,11 (citado feito semelhante aos homens para salvfl
abusivamente por Satanás, Mt 4,6, impli­ los por sua morte e para ser glorificado
cado em Mt 4,11 par.); recorde-se a histo­ 2.5-9 O SI 8 diz que Deus fez o homritl
ria de Tobías e os anjos dos apocalipses. pouco inferior aos anjos (em hebraico, pon
•J.2 639 C ARTA AO S H EBREU S

■.rin subme ter. Agora, porém, ainda nào da mesma forma ele compartilhou, para
vemos que tudo lhe esteja submetido. anular, com sua morte, aquele que con-
'Ao contràrio, vem os Jesus, que pela trolava a morte, isto é, o Diabo, 15e para
I).iixào e morte foi um pouco inferior libertar os que passam a vida como es-
ios anjos, coreado de gloria e honra. cravos por medo da morte. 16Está claro
Assim, pela graga de Deus padeceu a que nao veio em auxilio dos anjos, mas
morte por todos. 10De fato, convinha da linhagem de Abraáo. 17Por isso de-
ipie Deus, por quem e para quem tudo via ser em tudo semelhante a seus irmáos,
iste, querendo conduzir muitos filhos para que pudesse ser um sumo sacer­
,i glòria, levasse à perfeigao pelo sofri- dote compassivo e acreditado diante de
mcnto o pioneiro da sua salvacào.11Aque- Deus, para expiar os pecados do povo.
lc que consagra e os consagrados perten- 18Como ele próprio sofreu a prova, pode
i x ' i t i à mesma linhagem, e por isso nào ajudar os que sao provados.
so envergonha de cham à-los irmàos:
'A nunciarei teu nom e a meus irmàos,
no meio da assem bléia te louvarei. 13E
i.unbém: Pus nele minila confianga, eu
3 Jesús e Moisés — 1Portanto, irmáos
consagrados, participantes de uma
vocagáo celeste, considerai o apóstolo
i' os filhos que D eus m e deu. 14Como e sumo sacerdote de nossa confissáo,
■>s filhos compartilham carne e sangue, Jesús: 2fiel é quem o nomeou, como

■o inferior a um deus) e que lhe submeteu 2.16 Forma inclusáo com o v. 5. Cita-
ludo (no hebraico especifica o mundo ani­ gáo de Is 41,8-9.
mili). Tudo isso nao se cumpre em nenhum 2.17 Anuncia o tema da segáo seguinte:
Iminem, senáo em Jesús: algo inferior aos o título novo de sumo sacerdote e seus dois
iiijos pela sua paixáo, tudo lhe é submeti- atributos, acreditado (diante de Deus) e
■i' i pela glori íicagáo (Ef 1,20-22). “Pela gra- compassivo (com os homens). O título
■i de Deus”: em favor dos homens. anuncia também o tema central do sermáo.
2,10 “Conduzir à gloria” (SI 73,2). A 2.18 “A prova” inicial (Mt 4,1 par.) e a
i•lixao “torna perfeito” ou consumado o final da paixáo.
11111 padeceu livremente (cf. Jo 17,19).
2,10-15 Aspectos da “salvagáo” ou re- 3.1—4,14 A inclusáo por repetiqáo de
•li'ngao. Predomina o tema da solidarie- “sumo sacerdote” e “confissáo” define os
<l.ide, que toma a forma da irmandade, limites desta parte. Consta de breve expo-
pria qual nos torna filhos. O esquema do sigáo (3,1-6) e amplia sua exortagáo (3,7—
i" usamento pode-se formular assim: fa- 4,14). ^
i ndo-se homem, nos torna irmàos seus; 3,1 É o único caso em que se atribui a
■romo é o Filho, seus irmàos também sao Cristo o título de “apóstolo”; mas outras
111líos. A condigáo de filhos se opóe a vezes se diz em forma verbal que o Pai o
morte, controlada pelo Diabo. Aceitando enviou (Jo 10,36; 17,8). “Nossa confis­
i morte, a nossa, vence o Diabo (Jo 12,31) sáo”: de fé e esperanza (4,14; 10,23).
i i morte (IC or 15,55), e assim nos livra 3.2-6 Desenvolve o tema “acreditado”,
«lo medo que escraviza. Pois a morte se fidedigno, por comparagáo com Moisés;
1111.irita na consciencia do homem e toma segundo a controvérsia com Aaráo e Ma-
i lumia do medo que escraviza. Vence a ria (Nm 12,6-8). “Casa” pode significar
morte, vence o medo, liberta o escravo também uma comunidade, p. ex. casa de
r . l .>.7). José, casa de Israel; na nova economía a
2.1 2-13 A primeira citaqáo é tomada da casa é a Igreja, “somos nós”. Pois bem,
" .io de gragas final de SI 22,22. As outras Moisés náo fundou a casa de Israel; foi
piofeta Isaías as pronuncia em momen- membro déla, “servo” e administrador fiel,
in di ficéis da sua missáo (8,17-18 segun- capaz de garantir a autenticidade da men-
i l o o grego). sagem de Deus que ele transmitía. Pode-
14 Le 11,21-22 par. sobre o forte e o ríamos acrescentar que transmitir desse
limi:, forte. modo a palavra de Deus era sua tarefa pri-
CA RTA A O S H EBREU S 640

M oisés entre todos os de stia casa. tra aquela geraqào, e disse: Sun m• ntt
3Mais digno de gloria que M oisés, as- sempre se extravia e nao reconlu , «
sim como é mais estim ado o constru- m eus caminhos. n Por isso, irai lo la
tor da casa. 4Toda casa é construida por rei: N ao entraráo em meu descaíivf|
alguém , m as o construtor de tudo é 12Cuidado, irmáos: Nenhum de vu‘, i,
Deus. 5E ntre todos os de sua casa, nha coragáo perverso e incrédulo >1«
Moisés era um servidor fiel para garan­ sertor do Deus vivo. 13Ao contríi....
tir o que Deus iria dizer. 6Cristo, ao anirhai-vos uns aos outros cada ih
contrario, como Filho, é o chefe da casa; enquanto soa este hoje, para que nm
e essa casa somos nós, se m antivermos guém se endurega, seduzido pelo pn .
a confianga e nos gloriarm os da espe­ do. 14Porque, se mantemos firmes h
ranza. fim nossa posigáo inicial, somos coutil
panheiros do Messias. 15Quando di/ \,
O dia e o descanso (SI 95,7-11) — hoje escutais sua voz, nao endurt\<iii
7Conseqüentem ente, como diz o Espi­ o coraqáo como quando o irritarían
rito Santo: Se hoje escutais a voz dele, 16quem, apesar de o ter ouvido, o ¡m
8nao endureqais o coraqao como quan- tou? Claro, todos os que saíram do I p
do o irritaram, no dia da prova no de­ to guiados por Moisés. 17Com quem m)
serto, 9quando vossos pais m epuseram indignou durante quarenta anos? C'l.i
á prova e m e tentaram, embora tives- ro, com os pecadores, cujos cadàvere»
sem visto m inhas agóes wdurante qua- caíram no deserto. 18A quem jurou qm
renta anos. Por isso m e indignei con- nao entrariam no seu descanso? Atei

mária de administrar a casa. Jesús, porém, pregador e dirigido aos cristaos. Para além
é “Filho”, fundador com Deus da nova casa do seu conteúdo específico, o texto iluslrn
e seu direto administrador. Como urna um modo vital de 1er e meditar o AT em
casa, graças aos materiais e sua disposi- chave crista.
çâo, mantém sua consistencia, assim nos- 3,7 Essa carta prefere citar com “diz
sa casa, se se apóia na confiança (em Deus) e nao com “está escrito”. Pela inspiragao,
e na esperança (do prémio). o salmo pode ser atribuido ao Espírilo
Santo; ademais, o fragmento citado do
3,4—4,13 A exortaçâo se desenvolve salmo nao é súplica do homem, e sim in
como comentário livre do SI 95,7-11, que terpelagáo do Espirito; possui carga pro
se refere ao episodio narrado em Nm 13- fética.
15. Os israelitas, convidados por Deus a 3.11 O “descanso” é no salmo a térra
entrar na terra e tomar posse, se acovardam, prometida (Js 22,4; 23,1). Chama-se tam
recusam e se rebelam; por isso sao conde­ bém “meu” descanso, porque o Senhor
nados a vagar pelo deserto até morrer, de acompanhou o povo em suas caminhadas
modo que só seus filhos entraráo na terra (Ex 33,14). Na concepgáo do Cronista, o
prometida. O tema do “repouso” atrai urna Senhor descansa quando se constrói o tem­
referencia ao repouso de Deus depois da plo (lC r 28,2).
criaçâo (Gn 2,2), o que sublinha a dimen- 3.12 Parece-nos escutar Jeremías (p. ex.
sáo transcendente do fato narrado. 18,12). O título “Deus vivo” com freqüén-
A visao se articula em très ou quatro cia implica o oposto, os ídolos, deuses
tempos: o histórico de Nm 14, o litúrgico inertes.
do SI 95 quando os israelitas já habitam a 3.13 Olhar para o futuro. Implica que
terra, a entrada presente dos cristaos no para os cristaos o “hoje” continuará soan
Reino e — segundo alguns comentaristas do, com urgencia sempre atual, sem dege­
— a entrada final no reino celeste. O “ho­ nerar na rotina cotidiana.
je” é urna data móvel, um conceito dispo- 3,17 Os “cadáveres”: caíram e nao fo-
nível. A experiéncia dos israelitas se torna ram sepultados (Nm 14,29.32, castigo du
exemplar (ICor 10,11), o convite do sal­ pío; ver por contraste Js 24,32 sobre os
mo se toma atual ao ser pronunciado pelo restos mortais de Josué).
641 CARTA AOS HEBREUS

.. in Mi '"c assim vemos que por sua mente citado: Se hoje escutais sua voz,
ini ii •liilul.uU- mìo puderam entrar. nao enduregais o coragáo. 8Se Josué lhes
tivesse dado o descanso, depois nao se
1 in 111.1111(>vigora a promessa de en- falaria de outro dia. 9Portanto, resta um
4 ii.ii « in seu descanso, sejam os pru- descanso sabático para o povo de Deus.
i. ni. . |Mia (|iie ninguém de v ó sse atra- 10AIguém que entrou em seu descanso,
... | ti 11s nos anunciaram a boa noticia, descansa de suas obras, da mesma for­
. mimi <i (.'Ics. Mas, a m ensagem que ou- ma que Deus das suas. n Portanto, esfor-
• n ini ii.'io llies aproveitou, porque nào cemo-nos por entrar naquele descanso,
.. i iiinpcnetraram pela fé para com os para que ninguém caia, conforme o exem-
.(in luiliam ouvido. 3No descanso en- plo daquela rebeldía.
O hiiii >s lodos nós que eremos, como está ,2Pois a palavra de Deus é viva e efi­
■lili i linci, irado, que nao entrarao em caz e mais cortante que espada de dois
mi li descanso. gumes; penetra até a sep a ra d o de alma
As obras, sem dúvida, foram concluí- e espirito, a r tic u la re s e medula, e dis­
.l:c. com a c ria d o do mundo, 4como se cerne sentim entos e pensam entos do
■l i ntim texto sobre o sétimo dia: No coragáo. 13Náo há criatura oculta á vis­
\t'iiino dia Deus descansou de todas as ta déla, tudo está nu e exposto a seus
m u í s obras; 5e neste outro: N ao entra­ olhos. A ela prestaremos contas.
t i l o no meu descanso. (’Ora, visto que

nljMins ficam sem entrar nele, e os que Je sú s, sum o sacerdote — l4Visto que
ici cberam por primeiro a boa noticia nao tem os um sumo sacerdote excelente,
i niraram por sua rebeldía, 7indica outro que penetrou no céu, Jesús, o Filho de
ilia, outro hoje, pronunciando milito de- Deus, mantenhamos nossa confissáo.
Imiis, por meio de Davi, o texto anterior- lsO sumo sacerdote que temos nao é

4,1-2 “A promessa”, segundo Ex 33,14, 4,12-13 A imagem da espada (Is 49,2) é


aplicado ao momento presente. Chama a de urna execugáo capital, após o justo
cvangelho também a palavra dirigida aos julgamento de Deus, com dados de urna
israelitas (atendendo ao equivalente he­ antropología inspirada no platonismo.
braico, seria a promessa dirigida pelo pro­ Pode-se comparar com a imagem de Sb
teta aos exilados na Babilonia, Is 40,9 par.). 18,15-16; Ap 1,15; 2,12. Á palavra, como
“Compenetraram-se”: a metáfora é ti­ a um juiz, “prestaremos contas”: é um juiz
rada de urna mistura de líquidos: funde-se que conhece tudo (Pr 15,11; SI 139). Do
a atitude da pessoa com quem escuta, as- cántico que Moisés compóe e ensina aos
simila-se a mensagem. Interessante prin­ israelitas se diz “este cántico dará teste-
cipio hermenéutico. munho contra ele” (Dt 31,21).
4,3-6 Com a citaqáo de Génesis (Gn 4.14 Termina esta parte com inclusáo
2.2), o pensamento configura-se assim: fi- (3,1). “Atravessou os céus”: é a glorifica-
ca pendente um descanso (o de Deus; cf. gao representada em termos espaciais de
SI 68,6; 132,14) e restam outros para en­ ascensáo, até o repouso com Deus.
trar. Se é que transiere a situagáo na térra,
nao parece pensar no exilio. Talvez pense 4,15-5,10 Após a ampia exortagáo, se-
na controvérsia de Josué com as tribos da gue-se a exposiqüo breve do segundo atri­
Transjordánia, que alcangaram o descan­ buto: compassivo, rahum.
so antes das outras (Js 1,12-18). 4.15 É este um dos atributos clássicos
4.8 Josué tem o nome grego de Jesús. de Deus no AT, desde a teofania de Ex
Sua tarefa: Dt 31,7; Js 22,4. 34,6: ver especialmente o SI 103 e em cha­
4.9 “Sabático”: porque corresponde ao ve paternal Jr 31,20. Em Jesús, a compai-
de Deus, que descansou no sétimo dia (Gn xáo nao é antropomorfismo, e sim parte
2 .2). da sua natureza humana e conseqüéncia
4.10 Ap 14,13 coloca o repouso das tare- de seus sofrimentos; em outras palavras,
fas depois da morte. Jesús encarna como homem a compaixáo
CARTA AOS HEBREUS 642

insensível á nossa fraqueza, já que foi si a honra de ser sumo sacerdote, nía-, i
provado com o nós em tudo, exceto no recebeu daquele que lhe disse: Tu o o
pecado. 16Portanto, comparecíamos com m eufilho, eu hoje te gerei; 6e em oulm
confianza diante do tribunal da graga, passagem: Tu és sacerdoteperpétuo n,i
para obter m isericordia e alcangar a linha de M elquisedec. 7D urante mi.i
graga de um auxilio oportuno. vida mortal dirigiu pedidos e súplic.i
com clamores e lágrimas, áquele qm
'Todo sum o sacerdote é escolhido podia livrá-lo da morte, e por essa prj
5 entre os homens e nom eado repre­
sentante deles diante de Deus, para ofe-
caugáo* foi ouvido. 8Embora sendo li
lho, aprendeu sofrendo o que é obedo
recer dons e sacrificios pelos pecados. cer, 9e já consum ado* chegou a set
2Pode ser indulgente com ignorantes e causa de salvagáo eterna para todos ort !
extraviados, porque tam bém ele está que lhe obedecem , 10e Deus o procla
sujeito á fraqueza, 3e por causa déla tem mou sumo sacerdote na linha de Mcl
de oferecer por seus próprios pecados, quisedec.
da mesma form a que pelos do povo. 4E
ninguém se arroga tal dignidade se nao P erseverarla para alcanzar a pro
é chamado por Deus, com o Aaráo. 5Do m essa — “ Sobre este tema temos mui
mesmo modo, o M essias nao atribuiu a to a dizer, e é difícil explicá-lo, porqm

divina. “Exceto no pecado”: Jo 8,46 em surreiçâo de Lázaro em Jo 11 e SI 56,9).


contraste com IRs 8,46 “porque nao há Continua-se discutindo o significado de
homem livre de pecado”. eulabeia\ as opinióes mais plausíveis sáo:
4,16 O “tribunal da graga” é um que nao a) cautela, que é na doutrina estoica a ver-
condena, e sim absolve, indulta. sáo legítima do medo; b) reverencia, que
é a traduçâo mais tradicional. “Foi ouvi­
5,1-10 Desenvolve o tema do sacerdo­ do”: como no salmo da paixáo (22,25),
cio de Jesús por comparagáo com o sumo mas com urna mudança substancial: que a
sacerdote do AT, numa série de aspectos libertaçâo acontece além da morte. *Ou:
semelhantes e opostos. Sigo a ordem do atitude reverente.
texto da carta. 5.8 Sobre a obediência, F1 2,8. O grego
Eleigüo e fun§áo (v. 1): Lv 8—9 descre- se permite um jogo de palavras conheci-
ve a ungáo de Aaráo e seus filhos e os do, pela semelhança fonética de “sofreu”
primeiros sacrificios que oferecem; Lv 16 e “aprendeu”.
é dedicado ao dia da expiagáo. Sacrificio 5.9 Consumado ou perfeito (2,10). A
que oferece por seus próprios pecados “salvaçâo eterna” é açào de Deus (segun­
(vv. 2-3): Lv 4,3-12 apresenta o caso “se do Is 45,17), que também se poderia tra-
é o sumo sacerdote quem cometeu a trans- duzir por “definitiva” e enquadraria no
gressáo”. presente contexto. *Ou: perfeito.
Vocagáo (v. 4): “Dentre os israelitas, 5,9-10 Anuncia o tema tríplice da seçâo
escolhe teu irmáo Aaráo e seus filhos... central (5,11-10,39), a mais ampia e im­
para que sejam meus sacerdotes” (Ex portante do sermáo: sumo sacerdocio, per-
28,1), e compare-se com a rebeliáo de Coré feiçâo, salvaçâo.
e seus sequazes em Nm 16.
A primeira diferencia radical de Jesús é 5.11-6,20 Antes de abordar a exposi-
nao ter pecado. A segunda é ser eleito e çâo dos très temas, dá inicio a uma ampia
nomeado sumo sacerdote de urna linha náo exortaçào, que poderia ligar-se com a pre­
levítica. Assim introduz o autor a citagáo cedente (3,7-4,14): quer dizer, a necessi-
de SI 110,4 (Mt 26,36-42), que servirá para dade de “entrar” se complementa com a
ampio desenvolvimento ulterior. necessidade de perseverar.
5,7 As “súplicas com lágrimas” podem 5.11-14 E uma espécie de exordio, mais
referir-se á oragáo no horto (Mt 26,36-42 severo que conciliador. Pensa que a dou­
par.) ou ter alcance geral (ver p. ex. a res- trina que vai expor sobre o sacerdocio de
643 CARTA AOS HEBREUS

....... Mmistes preguigosos em escutar. a boa palavra de Deus e o dinamismo da


"I' hIh. t|uando devíeis com o tempo ser era futura. 6Se depois renegam a fé, já
c necessàrio que vos ensinem náo podem contar com outra renovagáo,
hi linimientos da mensagem de Deus; crucificando de novo e expondo ao es-
m IiiIn precisando de leite, e nao de ali- cám io, para seu arrependimento, o Fi-
Mii'iilu sólido. 13Quem vive de leite é lho de Deus. 7Um terreno que recebe
»‘»lunga e nào entende de retidào. 140 ali- freqüentemente a chuva e produz plan­
iiifiili i sólido é para os maduros, que com tas úteis para os que o cultivam, recebe
it iiifilica e o treinamento dos sentidos uma béngáo de Deus; 8mas, se produz
«iiU-iii distinguir o bem do mal. cardos e espinhos, é inútil e pouco me­
nos que maldito, e acabará queimado.
'l'or isso, deixaremos o dem en tar 9Em bora vos falemos assim, queri­
6 ila doutrina cristà e nos ocuparem os
duque é maduro. Nao vamos outra vez
dos, eremos de vós o melhor, o que con-
duz á salvagáo; 10já que Deus náo é in­
Iwigur os alicerces, isto é, o arrependi- justo e náo esquece vossas obras nem o
nirnto das obras mortas, a fé em Deus, am or que mostrastes em seu nome, ser-
'li doutrina das ablugóes e da imposi- vindo antes e agora aos consagrados.
t,no das máos, ressurreigáo de mortos e 1]M as desejam os que cada um de vós
jiilgamento definitivo. 3(Farem os isso, m ostré até o fim a m esma diligencia,
«• Deus no-lo conceder.) até que se cum pra o que esperáis; 12que
'Pois os que foram uma vez ilum ina­ náo sejais preguigosos, mas imitadores
dos saborearam o dom celeste, e parti­ daqueles que, pela fé e paciencia, rece-
ciparan! do Espirito Santo. 5Saborearam bem como heranga o prometido.

Icsus é para cristáos maduros, formados e sempre e nao se repetirá em beneficio dos
ntcntos, nao para preguigosos (Tg 1,19). que, uma vez aproveitada, a abandonarem.
(i tradicional a imagem do provar e sabo­ 6,4-5 Sao quatro os privilégios experi­
rear a comida como símbolo de discerni­ mentados. A “iluminagáo” batismal (cf. Jo
mento. Is 7,15-16 diz do menino anuncia­ 10,32), o “gosto” ou experiencia do “dom
do que “comerá coalhada com mel até que celeste”, que pode ser o Espirito (dom
aprenda a rejeitar o mal e escolher o bem”; batismal segundo várias passagens de At),
quer dizer, a distinguir pelo sabor os bons “saborear” por experiencia pessoal a pala­
alimentos, a distinguir pela idade os valo­ vra de Deus e seu dinamismo. O SI 34 men­
res éticos. Falando de escolhas judiciosas, ciona a iluminagáo e o gosto (SI 34,6.9).
Ben Sirac afirma que “o paladar distingue 6,6 “Expor ao escárnio”: ver especial­
os manjares” (Eclo 36,23). O autor apela mente Nm 25,4, referido a uma execugáo
para um “gosto” cristáo treinado para capital pública e aplicado pelo autor à
discernir e apreciar valores. crucifixáo.
6,7-8 O exemplo da terra tem sabor
6,1 Os rudimentos abrangem desde o sapiencial na apresentagáo. O tema é fre-
comego batismal até a consumagáo, alu- qüente (p. ex. Gn 3,8; Is 7,23; 10,17;
dindo a etapas intermédias. Quando se 27,4.11).
opóe a Deus vivo, “obras mortas” costu­ 6,9-12 Exortagáo à perseveranga até o
ma designar os ídolos (“obras de máos final. A salvagáo de que fala é a última e
humanas”), inertes. Como aqui falta o ad­ consumada, pois supóe as obras de cari-
jetivo “vivo”, as obras mortas poderiam dade praticadas até a data. As do passado
designar a conduta perversa do paganis­ náo se esqueceráo, mas náo justificam a
mo, obras que conduzem à morte. preguiga, porque as futuras estáo penden­
6,4-8 Tem-se abusado desse texto para tes e a heranga náo está automaticamente
dizer que o pecador torna a crucificar Cris­ garantida. A confianga e o empenho se
to. Náo existe isto nem com ressalvas. O apóiam parcialmente na conduta passada.
que o autor afirma é que a economia da Mas náo é este seu ponto de apoio funda­
paixáo redentora aconteceu uma vez para mental.
CARTA AOS HEBREUS 644

13Quando Deus fez urna prom essa a gáveis, nos quais Deus nao pode meii
A braào, corno näo tiv esse ninguém tir, tem os um consolo válido, nós <|i>>
m aior pelo qual jurar, jurou por si mes- buscam os refugio apegando-nos a <
mo, I4dizendo: Eu te abenqoarei, mul- peranga proposta. 19Ela é como ano mi
tiplicarei tua descendéncia. 15Abraäo firme e segura da alma, e penetra pam
teve paciencia e alcancou o prometido. além da cortina, 20onde nosso Jesin
16Os homens juram por alguém maior, entrou como precursor, nom eado sumo
e o juram ento confirm a e resolve qual- sacerdote perpétuo na linha de Melcim
quer discu ssäo . 17Da m esm a form a sedee.
Deus, querendo provar abundantemente
aos herdeiros da prom essa que sua de- ^ M e lq u is e d e c e Jesús Cristo (Gn
cisäo era irrevogável, interpös um ju ­ / 14; SI 110,4) — 'Esse Melquisedecé
ramento. I8Assim, com dois atos irrevo- o rei de Salém, sacerdote do Deus Al

6,13-20 O ponto de apoio fundamental o modelo, explora-o numa série de corres


é a “promessa”, corno ilustra o exemplo pondéncias baseadas no texto bíblico: n o
de Abraào. Promete-se ao patriarca nume­ que diz e no que omite.
rosa descendéncia e posse da terra: eie só a) A descendéncia ou genealogía é de
nào é suficiente para ocupà-la. A promes­ cisiva, as fontes bíblicas costumam mcii
sa de descendencia cometa a cumprir-se cioná-la em cada caso, “filho de N” (p. ex,
num filho (Gn 22,16-17); os herdeiros, que Ezequiel Ben Buzi). Os sacerdotes eram
podem ser chamados de “herdeiros da pro­ descendentes de Aaráo, de Finéias, de
messa/do prometido”, realizaráo a promes­ Sadoc e outros. No entanto, de Melqui
sa de possuir da terra. sedee omite-se estranhamente a genealo­
A promessa é urna palavra dada com a gía, embora seja claro que nao era da tribo
qual alguém se compromete; um juramen­ de Levi, nem sequer israelita. Assim é tipo
to acrescentado é outra palavra que corro­ sacerdotal de Jesús.
bora a primeira. (Veja-se o caso de pro­ b) A superioridade. Os sacerdotes levíti-
messa mais juramento em 2Sm 14,8-11.) cos cobram dízimos de seus irmáos israe­
Abraào contava com a promessa e com o litas (Dt 14,22); mas em seu antepassado
juramento de Deus. Muito mais nós, que, Abraáo eles pagam dízimos a Melqui-
pela esperanza, nos agarramos à promes­ sedec. Portanto, o sacerdocio deste é su­
sa. Antigamente havia áncoras que nao se perior ao levítico. Ao sacerdocio superior
arriavam para fundear, mas se agarravam corresponde o de Cristo.
com ganchos a alguma cavidade da costa: c) A eficácia (é o ponto mais duro). O
“penetravam” na terra, uniam o navio com sacerdocio levítico, com toda a sua legis­
a terra firme. Assim é nossa esperanza, que la d o cultual, náo conseguía “consumar”
“penetra” no santuàrio celeste e tem ai seu ou levar á perfeigáo, ou relacionar plena­
gancho. A palavra de Deus é irrevogável mente com Deus, dando “acesso” livre a
(Nm 23,19). Deus; era uma lei inútil e ineficaz. O AT o
6,20 Anuncia o tema da próxima segào, confirma ao anunciar e prometer “com ju­
sobre o tipo de sacerdocio já sugerido (5,6). ramento” um sacerdote de outra ordem que
assegurará o acesso livre a Deus.
7,1-28 Quando o NT diz que Jesus era d) Número e dura cao. Os sacerdotes
rei, nada na tradigáo se opóe a isso, pois levíticos eram muitos, repartiam entre si o
que era descendente de Davi. Quando nos- trabalho em tumos, morriam e outros lhes
so pregador diz que Jesus é sacerdote, sur­ sucediam. Nosso sumo sacerdote é único e
ge espontánea a objecào: se é da tribo da vive perpetuamente, como garante o jura­
Judà, nào é da de Levi! A esta objegáo o mento.
autor responde apelando para outra figura e) Finalmente, os sacerdotes levíticos
sacerdotal do AT, à qual corresponde o eram pecadores, enquanto que o nosso se
sacerdocio de Cristo que o autor defende oferece a si mesmo como vítima imaculada.
e explica. Encontra-a no relato patriarcal Assim procede o autor, desenvolvendo
de Gn unido a SI 110,4. Uma vez achado e provando sua tese com textos da Es-
645 CARTA AOS HEBREUS

Hm Imio. (|uc saiu ao encontro deAbraào, sardamente mudança de legislaçâo. 13Esse


ih ih ih Iii voltava após a d enota dos reis, de quem se fala aqui pertence a outra
* ii «hcngoou; 2Abraào lhe deu um dé- tribo, da qual ninguém oficiou no altar.
h I i i h i ile todos os despojos. Primeiro, 14É sabido que o nosso Senhor procede
»li »i- chama Rei da Justiga, a seguir de Judá, uma tribo que Moisés nâo men­
jtt'l ile* Salem (que significa Rei da Paz). ciona quando fala de sacerdotes. 15E
Hmii» pai, sem màe, sem genealogia, fica ainda mais claro, já que o outro sa­
principio nem firn de vida. A se- cerdote, nomeado à semelhança de Mel­
mi'llianga do Filho de Deus, continua quisedec, 16recebe o título, nâo em vir-
minilo sacerdote para sempre. “Observai tude de uma lei de sucessâo camal, mas
ninni devia ser grande, visto que o pa­ pela força de um a vida indestrutivel.
li linea Abraào lhe deu um décimo dos *7Pois lhe declararam: Tu és sacerdote
ili'*pnjos. 5Os descendentes de Levi que perpètuo, na linha de Melquisedec. lsO
it'cebem o sacerdocio tèm ordem de preceito precedente é abolido como inú­
t'iihrar legalmente dizimos do povo, isto til e ineficaz, 19pois a lei nào levou nada
t, de seus irmàos, que também descen- a cum prim ento. Agora se introduz uma
dpin de Abraào. 6Ao contràrio, aquele esperança m ais valiosa, pela qual nos
i|iic nào está incluido em sua genealogia aproxim am os de Deus. 20E como se faz
rubra dizim os de Abraào e abengoa o sem que falte um juram ento, aqueles
Ulular da prom essa. 7Sem discussáo, o recebiam o sacerdocio sem juram ento,
menor é abengoado pelo maior. sNum 21este, com o juram ento daquele que
iuso recebem dizimos homens que mor- disse: O Senhor jurou e nào volta atrás:
rerào, em outro caso alguém de quem tu és sacerdote perpètuo, 22assim é mais
ne declara que vive. 9Por assim dizer, valiosa a aliança que Jesús garante.
I ,evi, aquele que cobra dizimos, os pa­ 23Aqueles sacerdotes eram numerosos,
gava na pessoa deA braào; 10p o isjà es­ porque a morte os impedia de continuar.
iliva nas entranhas do antepassado quan­ Este, ao contràrio, visto que perm a­
do Melquisedec lhe fo i ao encontro. nece sem pre, tem um sacerdocio que
n Ora, se pelo sacerdocio levitico se nâo passa. 25A ssim pode salvar plena­
eonseguia a c o n s u m a lo (já que por mente os que por seu meio acorrem a
meio dele o povo recebia a legislagào), Deus, pois vive sempre a interceder por
que necessidade havia de nom ear ou­ eles. 2 Tal é o sum o sacerdote que ne-
tro sacerdote na linha de M elquisedec cessitávamos: santo, irreprovável e sem
e nào na linha de Aarào? 12Pois urna mancha, separado dos pecadores, exal­
mudanza de sacerdocio significa neces- tado acim a do céu. 27Ele náo necessita,

critura, sem necessidade de recorrer ao sa­ 7,13-14 Sobre as familias levíticas in­
cerdocio dos pagaos. A exposigào é lùcida forma lC r 23-26. Sobre a tribo de Judá,
e basta acompanhá-la de alguns paralelos. veja-se Dt 33,10. Um ato cultual do rei é
7,1-2 Melqui-sedec = rei de justiga (ou considerado abuso em 2Cr 26.
Meu rei é Sedee). Outros textos atestam a 7.16 A vida indestrutivel começa com a
relagào de Sedee com Jerusalém (Jz 1,6; ressurreiçâo; por eia, seu sacerdocio é per­
Is 1,21-26); o autor nào explora o dado. pètuo.
“Paz”: segundo etimologia popular, am­ 7.17 Sobre o fracasso da lei, ver Rm 7,7.
piamente explorada no AT. 7,20 Segundo a descriçâo de Ex 29.
7,3 Vejam-se algumas idéias sobre o 7.25 A intercessâo é funçâo sacerdotal.
Messias em Jo 7,27. Jesús intercede pelos que apelam a ele ao
7,5 Cf. a lei de Dt 14,22-27. dirigir-se a Deus: Jo 14,13-14; 16,23; e a
7,7 “O menor pelo maior”: como o Faraó chamada oraçâo sacerdotal (Jo 17); tam­
pelo anciào Jacó (Gn 47,7.10). bém Rm 8,34.
7,10 Segundo as idéias fisiológicas da 7.26 Exaltado: Ef4,10.
época, o descendente “sai das entranhas” 7.27 Assim o dispóe o rito da expiaçâo
do pai e, por ele, do antepassado. (Lv 16,6.11). Jesus nào ofereceu urna viti-
CARTA AOS HEBREUS 646

como os outros sumos sacerdotes, ofe- res. 7Pois, se a prim eira tivessc ni.
recer sacrificios a cada dia, primeiro por irreprovável, nao haveria lugar patn «
seus pecados e depois pelos do povo; segunda. 8M as ele pronuncia unía n
pois isso ele o fez de urna vez para sem­ preensáo: Vede, chegaráo dias - o/J
pre, oferecendo-se a si mesmo. 28A lei culo do Senhor — em que farei uñin
nomeia sumos sacerdotes a homens fra- alianga nova com Israel e com
cos; o juram ento que substituí a lei no­ 9náo será como a alianga que fiz . um
meia para sem pre um Fillio perfeito. seus pais, quando os tornei pela /;/./■
para tirá-los do Egito; pois eles na<< ■
A n o v a a l i a n z a (Jr 31,31-34) — mantiveram em minha alianga, e en ;/</•
8 'Estou chegando ao ponto central de
minha exposigáo. Temos um Sumo Sa­
me interessei p o r eles — diz o Senhm
— 10A ssim será a alianga que farei coni
cerdote que sentou no céu à direita do a Casa de Israel no futuro — o rd in i
trono da M ajestade, 2oficiante do san­ do Senhor: — Colocarei minha lei <tu
tuàrio e da tenda autèntica, armada pelo seu peito, a escreverei em seu coragàn',
Senhor e nao por homens. 3Todo sumo eu serei seu D eus e eles serào meli
sacerdote é nomeado para oferecer dons povo. 11Ninguém terá que instruir o sai
e sacrificios; portanto, também este ne­ próximo, ou o seu irmào, dizendo: </<
cessitava de algo para oferecer. 4Se es- ves conhecer o Senhor; porque todos,
tivesse na terra, nao seria sacerdote, já grandes e pequeños, me conhecer cui
que há outros que oferecem dons legal­ n Pois eu perdóo suas culpas e esquc
mente. 5Estes oficiam numa figura e go seus pecados. 13Ao dizer nova, de
sombra do celeste, com o diz o oráculo clara velha a primeira. E o que envc
que Moisés recebeu para fabricar a ten­ Ihece e fica antiquado està a ponto de
da: Atengáo, fa ze tudo conform e o m o­ desaparecer.
delo que te m ostraram neste monte.
6Ora, a ele cabe um ministério superior, 0 s a n t u à r i o — 'A primeira alian
já que é m ediador de urna alianga me-
lhor, instituida sobre promessas melho-
9 ga continha disposigóes sobre o cui
to e o santuàrio terrestre. 2Foi instalada

ma animai, extema; ofereceu-se a si mes­ é só “imagem”, como mostra o v. citado


mo como vitima (o tema retornará em 9,12). de Ex 25,40 (sobre a tenda, 9,2-8).
7,28 O juramento do SI 110 é posterior 8,6-13 c) A nova al ianga é anunciada no
à lei do Sinai. Anuncia o tema da próxima texto clàssico de Jr 31,31-34. Diante do
segáo: a consagrado. pacto bilateral do Sinai, que nao foi obser­
vado pelo povo, a nova alianga se baseia
8,1-3 Embora o tema de conjunto seja a em “promessas” unilaterais. O perdào dos
consagragào do novo sumo sacerdote, a pecados será completo, a lei estará interio­
explanagào vai incluir quatro elementos: rizada, a relagào, “conhecimento de Deus”,
a) o lugar de onde se oficia, céu ou terra; estará assegurada para todos. (“Eu me de-
b) a tenda ou santuàrio; c) o sacrificio ou sinteressei”, segundo a tradugào grega.)
vítima oferecida; d) a alianga à quai per- 8,13 2Cor 3,14 menciona a “velha ali­
tence o sacerdocio (este no v. 6). anga” (Antigo Testamento) como livro que
8.1 Nova referencia ao SI 110. se lè.
8.2 Compare-se com a fungào da Sabe-
doria, segundo Eclo 24,10. 9,1 Como livro, servirà ao autor para
8.3 Desenvolvido em detalhe em Lv 1-7. expor por contraste seu ensinamento. Os
8,4-5 a) Na terra já existe um sacerdo­ dados sao tirados de Ex 25—26. Usa-se a
cio, nào é necessàrio outro; mas é apenas palavra “tenda” para o santuàrio seguindo
“sombra” do celeste. A sombra pode re- a fiegào do Exodo, que projeta a disposi-
produzir o perfil, mas carece de substan­ gáo do templo de Jerusalém sobre um acam­
cia. CI 2,17 usa a imagem da sombra para pamento de nómades. Mesmo em tempos
distinguir o presente do futuro, b) A tenda posteriores, pode-se chamar de “tenda” o
647 CARTAAOS HEBREUS

.... i i>i ninna tenda chamada O Santo, do urna tenda melhor e mais perfeita,
n i . |n 111 siavam o candelabro e a mesa nao feita por mao humana, isto é, nao
,1.. |mi ■.apresentados.3A trásdasegun- deste mundo criado, 12levando nao san­
.......... lina eslava a tenda chamada O gue de bodes e bezerros, mas seu pro­
.
i iiiii . .uno, ‘‘que continha o altar de prio sangue, entrou urna vez para sem ­
........... i arca da alianga, toda revestida pre no santuàrio e obteve o resgate
......... . que guardava urna jarra de ouro definitivo. 13Pois, se o sangue de bodes
........... a vara florescida de Aarao e de touros e a cinza de novilha asper­
i ir. i.ilm a s da alianga. 5Sobre eia esta­ gida sobre os profanos os consagra com
tin i o s querubins da Gloria, fazendo um a pureza corporal, 14quanto m ais o
«anilina para a placa expiatoria. Nao é sangue de Cristo, que pelo Espirito eter­
in i i ssario explicar agora com detalhes. no se ofereceu sem m ancha a Deus,
11lina vez instalado tudo, os sacerdotes purificará nossas consciencias de obras
. iiii.nn íreqüentemente na primeira ten- mortas, para que demos culto ao Deus
•l.i para ai oficiar. 7Na segunda entra vivo. 15Por isso, é mediador de uma alian­
....m ulé o sumo sacerdote, urna vez por ga nova, para que, intervindo urna morte
mu i, com o sangue que oferece por si e que livra das transgressóes cometidas
Iii las inadvertencias do povo. 8Com is- durante a primeira alianga, os chamados
Nii. u Espirito Santo dá a entender que, possam receber a heranga eterna pro­
i nquanto estiver em pé a prim eira ten- metida.
i la, nao estará aberto o acesso ao santuá- 16Onde há testamento deve acontecer
iiii ''Estes sao símbolos do tempo pre- a morte do testamenteiro, 17já que o tes­
M iile: sao oferecidos dons e sacrificios tamento entra em vigor com a morte, e
une o oficiante nao pode consum ir; nao tem vigencia enquanto vive o testa­
1 pois consistem em comida, bebida e menteiro. TsPor isso, tampouco a pri­
alilugóes diversas; disposigóes hum a­ meira foi instituida sem sangue. 19Quan-
nas vigentes até o m omento da nova do M oisés terminou de recitar diante
ordem. do povo toda a lei, tomou sangue dos
“ Ao contràrio, Cristo, vindo como bezerros e dos bodes, com água, là pur­
Sumo Sacerdote dos bens futuros, usan- púrea e um hissopo, e aspergiu o livro e

Icmplo de Jerusalém (p. ex. SI 15,1; 27,5; 9,11-14 Contrapóe o sacerdocio de Cris­
(>1,5). Pela mesma razáo, fala de duas ten- to: os “bens futuros” sao os definitivos, a
das sucessivas, que correspondem ao atrio tenda “nao feita a mào” é seu corpo (cf. Jo
c ao camarim. O importante é o estatuto 2,19-21). A vítima é ele com seu sangue
da tenda = santuario: nao é acessível ao (Mt 26,28 par.), o santuario (ou o Santís­
povo, é acessível aos sacerdotes, serve de simo, segundo outra leitura) é o céu, onde
passagem ao sumo sacerdote para ter ace- entrou uma só vez para sempre.
so ao camarim ou “santíssimo”, com gra­ 9.13 A “novilha”: segundo Nm 19,2-10.
ves limitagóes. Oficia um dia por ano, no 9.14 O Espirito é como o fogo que trans­
dia da “expiagao”, e tem que repeti-lo cada forma e consagra (cf. Lv 9,24; IRs 18,38;
ano; expia pelos pecados do povo e tam- 2Cr 7,1; 2Mc 1,22; 2,1). As “obras mor­
bém pelos seus. A tonda, mais que um aces­ tas”, como em 6,1.
so evidente, era urna barreira. 9,15-22 Retoma o tema da alianga, so-
9,6 A conclusáo das tarefas em Ex 40. brepondo o outro sentido da palavra gre-
9,9-10 Os ritos materiais do velho cul­ ga diatheke, “testamento” (ambas sao uma
to nao podem consagrar eficazmente: o disposigáo jurídica). Assim entra o tema
homem continua sendo pecador, nao tem da “heranga” condicionada à “morte do
acesso livre nem o procura. Tudo é ine­ testamenteiro” (também a alianga do Sinai
ficaz e provisorio (cf. C12,16-17). Vejam- prometía em heranga a terra). A lógica do
se algumas prescrigóes sobre contami- v. 18 nos resulta estranila, pois o sangue =
nagáo e pureza em Lv 11 e 15; Nm 19, morte do animal sacrificado, nào era a
1- 2 2 . morte do testamenteiro. Fica de pé a cor-
CARTA AOS HEBREUS 648

todo o povo, 20dizendo: Este é o san­ destino humano morrer uma vez i <I*
gue da alianga que o Senhor estabelece pois ser julgado, 28assim Cristo s e *»l •
convosco. 21Com o m esm o sangue as- receu uma vez para tirar os pecado i
pergiu a tenda e todos os utensilios do todos, e aparecerá uma segunda \ «
culto. 22Segundo a leí, quase tudo é pu­ sem relagáo com o pecado, para s a l \ a i
rificado com sangue, e sem derrama- os que o esperam.
mentó de sangue nao há perdáo.
'A Jei'é sombra dos bens futuro**
O sacrifìcio de C risto — 23Portanto, nao a còpia da realidade. Com
se as figuras do celeste sao purificadas os mesmos sacrificios oferecidos peí m
com tais ritos, o celeste usará sacrifi­ dicamente a cada ano, eia nunca po<l.
cios superiores. 24Pois bem, Cristo en- tornar perfeitos os que se aproximam
trou, nao num santuàrio feito por máos 2Pois, se os tivesse purificado definii i
humanas, còpia do autèntico, mas no vamente, os que prestam culto, ao r í a n
pròprio céu; e agora se apresenta dian­ ter consciència de pecado, teriam iv .
te de Deus em nosso favor. ^ N á o que sado de oferecè-los. 3Ao contràrio, com
tenha de se oferecer repetidas vezes, eles renova-se a cada ano a lembranca
como o sumo sacerdote que entra to­ dos pecados, 4já que o sangue de ton
dos os anos no santuario com sangue ros e de bodes nao pode perdoar peca
alheio; 26em tal caso deveria ter pade­ dos. 5Por isso diz ao entrar no muntici
cido várias vezes desde a criaqáo do Nao quiseste sacrificios nem oferendtis.
m undo. Agora, ao contràrio, no final m as m e form aste um corpo. 6N áo t<-
dos tempos, apareceu para destruir com agradaram holocaustos nem sacrificios
seu sacrificio os pecados. 27Como é expiatorios. 1Entáo en disse: A qui es

respondéncia do “sarigue”. Sobre o rito da Os sacrificios antigos nào podiam fazO


alianza, o autor pensa em Ex 24,6-8. lo, porque usavam vítimas animais, seni
9,23 Este v. funciona como enlace para consciencia, externas ao homem, sem re
introduzir o tema do acesso ao mundo ce­ lagáo pessoal com Deus. Cristo, porém,
leste. assume com plena consciencia e liberda
9,24-28 Recapitula vários temas e acres-de o sacrificio de toda a sua pessoa (se­
centa o da parusia. Cristo, por sua glorifi­
gundo SI 40,6-8 na versáo grega). Cristo
c a d o ou ascensáo, entra no santuario ce­personaliza a vontade de Deus: “levo tua
lei ñas minhas entranhas” (diz o texto he­
leste (At 1,11), nao na copia terrestre; urna
vez para sempre, nao cada ano; oferecen- braico) e personaliza a oferenda: “aqui
do sua vida, nao sangue alheio; no “final estou”. Por ter-se identificado com os ho-
dos tempos”, nao na etapa preparatoria; mens (Hb 10,11-17), especialmente no ato
para destruir o pecado (cf. Is 53,12; Rm do sacrificio que consuma, pode comuni­
8,3). Já apareceu na sua encarnado e vida car sua eficacia aos seus: perdoa-lhes os
terrena; aparecerá de novo, mas nao para pecados, imprime a lei em seus coragóes
voltar a destruir o pecado, e sim para sal­(Jr 31,31).
var os seus, que o estáo esperando (tema 10,1 “Sombra”: 8,5; C1 2,17. “Os que
da segáo seguinte). Parece indicar que já se aproximam”: do santuàrio e de Deus; o
aconteceu o julgamento de separagáo, e acesso estava rigidamente regulado, por
que para os fiéis Cristo nao vem como juiz,graus de separaqáo e proximidade (cf. Lv
mas apenas para consumar a salvagáo. A 16,1).
comparagáo de Cristo com o homem se 10.3 A “lembranga” dos pecados é o
limita ao fato de morrer uma só vez. contràrio do esquecimento ou anistia (Jr
31,34; cf. Nm 5,15).
10 ,1-18 O sacrificio de Cristo é eficaz 10.4 Já denunciado por Is 1,11 e SI 50.
em favor dos cristáos. O sacrificio que o 10.5 Aplica o texto à encarnaqáo (ve-
“consagra” (5,9; Jo 17,19) pode consagrar nho, vim) e o póe na boca de Cristo, ado­
os seus (10,14), “os que se aproximam”. tando a leitura messiànica.
IH 1« 649 CARTAAOS HEBREUS

i ,, i mi /*.//</ cumpl ir, ó Deus, tua von- Exortaçâo — 19Pelo sangue de Jesús,
i i,l, i nino está escrito de mim no irmáos, temos livre acesso ao santuàrio,
i..... I'.....in o afirm a que nao quis 20pelo caminho novo e vivo que inau-
ii. ni llii .ij’iadaram oferendas, sacrifi­ gurou para nós através da cortina, ou
c i, In ili ii austos nem sacrificios expia- seja, de seu corpo. 21Temos um sacer­
iiiiiii ( que sao ol'crecidos legalmente); dote ilustre encarregado da casa de
.li | 1 1 uicscen ta: aqui estou para Deus. 22Portanto, aproxim em o-nos de
. mui'i ii nm vontade. Exclui o primei- coraçâo sincero e cheios de fé, purifi­
i.. |mi.1 eslabelecer o segundo. 10Pois, cados por dentro da má consciencia e
•. i.... do essa vontade, ficam os consa- lavados por fora com água pura. 23Man-
1.1 i.lo . pela oferta do corpo de Jesús tenhamos sem desvíos a confissáo de
i M.lo, u-iia unía vez para sempre. nossa esperança, pois aquele que pro-
11 lodo sacerdote se apresenta para meteu é fiel. 24Velemos uns pelos ou­
iiIh i.ii cada dia e oferece muitas vezes tras, para nos estim ular ao amor e ás
........ sinos sacrificios, que nunca po- boas obras. 25Náo faltemos ás reunióes,
■li ni eliminar pecados. ' “Este, ao con- como fazem alguns; pelo contràrio, to­
n .ino, depois de oferecer um único sa- memos tanto ànimo quanto mais pró­
. 111 , sentou-se para sempre à direita
ic io ximo vedes o dia. 26De fato, se pecar-
il. Deus 13e aguarda q u e ponham seus mos deliberadamente, depois de receber
tniimgos com o estrado de seus pés. o conhecim ento da verdade, já nao res­
" I’ois, com um único sacrificio levou ta outro sacrificio pelo pecado, 27e sim
ir, consagrados à perfeigáo definitiva. a espera angustiante de um julgam ento
1 I ambém o Espirito Santo no-lo teste- e o fogo devorador que consumirá os
iiinnha, pois diz primeiro: l6Esta é a rebeldes. 28Quem transgredía a lei de
iiluinqa que farei com eles no futuro — M oisés, pelo testem unho de duas ou
miit ido do Senhor: — colocarei mirillas très testem unhas era executado sem
la s ern seu peito e as escreverei em seu compaixáo. 29Que castigo m ais severo
i oraqáo. llEsquecerei seus pecados e merecerá quem pisotear o Filho de Deus,
delitos. I8Portanto, se sao perdoados, já profanar o sangue da aliança que o con­
nao é necessària a oferta pelo pecado. sagra e ultrajar o E spirito da graça!

10,10 Recorda a fórmula eucaristica (Mt piatório... Levará seu sangue para tras da
.’(i,28 par.). cortina” (Lv 16,3.15).
10,12-13 Nova referencia ao SI 110. 10,20 “A cortina separará o Santo do
10,15-17 Segundo Jr 31,31. Santissimo” (Ex 26,33).
10.19-38 Terceira grande exortagao: tira 10,22 Alusáo batismal, no aspecto de
eonseqüéncias da segao precedente e deve purificaçâo (lPd 3,21). O banho de puri-
unir-se ás duas exortagoes anteriores (3,7- ficaçâo era um dos ritos prescritos aos sa­
4,14 e 5,11-6,2). Ressoam os temas do cerdotes (Ex 30,18-21).
“acesso” e o sacerdote acreditado (3,6), a 10.26 A grave admoestaçâo sobre as
“casa” (3,2-6), a purificagào, a “confissào” conseqüencias funestas de nao corres­
(4,14), a “esperanga” (3,6), a “constancia” ponder faz eco à de 6,4-8. “Deliberada­
(6,11), “o amor e as boas obras” (6,10), a mente”, nao por inadvertência (cf. SI 19,
parusia. A exortagáo positiva, com a lem- 12-13). “Pecar” está no participio presen­
branga de tempos exemplares, prolonga as te, indicando continuidade, persisténcia
frases breves de 6,9-11. voluntária.
10.19-25 Parte positiva: eonseqüéncias 10.27 O julgamento do fogo: Is 66,24;
para a conduta crista. Se nos abriram um “os rebeldes”: Nm 16,35.
caminho e um acesso, devemos percorré- 10.28 As testemunhas: Dt 17,6.
lo. Casa de Deus é agora a comunidade 10.29 “Pisotear”, gesto de sumo despre-
crista. zo, “teus executores, aqueles que te dizi-
10,19 “Assim entrará Aarào no santuà­ am: Deita-te, para que passemos por cima
rio: com um novilho para o sacrificio ex- de ti; e apresentaste tuas costas como um
CARTAAOS HEBREUS 650

30Conhecemos aquele que disse: Minha m anentes. 35Portanto, nao renunc.......


é a vinganga, a mim cabe retribuir; e vossa confianza, que conta com .... .
também: O Senhor julgará seu povo. grande recompensa. 36Precisais di | >i
31Quáo terrível é cair ñas máos do Deus ciencia para cumpl ir a vontade de I >. u>
vivo! e alcanzar o prometido. 31A inda um />. ■//
32Recordai os primeiros dias, quan- co, muito pouco, e aquele que h á d o w
do, recérn-ilum inados, suportastes o virá sem tardar. 38Meu justo vivera />m
duro com bate dos sofrim entos: 33uns erar; mas, se voltar atrás, nao me af,i<t
expostos publicamente a injurias e maus dará. 39Nós nao pereceremos por vollai
tratos; outros, solidários dos que assim atrás, mas salvaremos a vida pela Ir
eram tratados. 34Partilhastes as penas
dos encarcerados, aceitastes alegremen­ F é-esperanga —■xFé é a consr.
te que vos privassem de vossos bens,
sabendo que tínheis bens maiores e per-
n téncia do que se espera, a prova
do que nao se ve. 2Por ela os antigo.

chao batido, como urna rúa que serve de na mente do leitor, supondo que conhcyi
passagem aos transeúntes” (Is 51,23); tam­ os relatos bíblicos correspondentes. É pro
bém significa a perseguido extrema (SI vável que os ouvintes nao os conhecessem
7,6; 36,12). “Profanar o sagrado” é delito com a perspectiva da fé.
grave: para o sábado, a pena é de ex- O procedimento tem antecedentes no
comunháo (Ex 31,14); a alianza (MI 2,10); AT. Em versao reduzida, em Sb 10, que
outros textos em Lv 21. “Ultrajar”: prová- emprega como denominador comum a “sa
vel adaptad0 de Is 63,10. bedoria”, e omite os nomes como que de
10,30 C itad o de Dt 32,35 (segundo o safiando o leitor. Em versáo mais ampia
grego). A primeira parte diz duas coisas: está o elogio dos antepassados, para gló
que a vinganqa (justicia vindicativa) ele a ria de Deus (Eclo 44—50). Também o lei
reserva para si, que a executará (o hebraico tor moderno tem que enriquecer a série de
se refere aos inimigos). A segunda parte Hb 11 com a recordado ou o repasse dos
toma o verbo “julgar” no sentido estrito relatos bíblicos. Todos recebem um “tes
de julgar e condenar (o hebraico se refere temunho” de aprovado.
ao defender). 11,1 A definido da fé nao é táo clara
10,32-38 A exortado positiva apela para quanto se poderia esperar. Contém dois
a conduta exemplar, heroica, dos primei­ substantivos que admitem interpretad*1
ros tempos. O passado se invoca como objetiva ou subjetiva. Hypostasis é a ga
exemplo e estímulo do presente. “Ilumi­ rantia oferecida ou a confianza experimen
nados” pelo batismo e animados com a tada; elegxos é a prova da promessa ou a
esperanza do futuro. A citad o do AT com- esperanza suscitada. Por todo o contexto,
póe-se de Is 26,20 e llab 2,3-4. O primei- parece preferível a interpretado subjeti­
ro é um texto escatológico que recomen- va, pois se trata de atitudes fundamentáis,
da refugiar-se enquanto passa o castigo, isto sim, provocadas e sustentadas por algo
esperando a libertado próxima. O autor objetivo, a saber, a promessa de Deus.
aplica o segundo á constancia, ao passo Resulta assim que a fé, da qual o autor fala,
que Paulo o aplica varias vezes á fé (Rm salvo no primeiro artigo, se parece mais
1,17; G1 3,11). com a esperanza.
O processo é lógico: precede urna pro­
11, 1-40 Este ampio capítulo sobre a fé messa de Deus, o homem se fia nela (fé) e
contém: urna definido da fé, urna série de espera. Urna trad u d ° um tanto livre d a
personagens exemplares, com ou sem co­ d efinid0 P ° d e ser: a posse do que se es­
mentario, urna série de situagóes genéri­ pera, a percepdo do que nao se vé. Nao
cas ou concretas. O sistema é do denomi­ se vé, porque é futuro; e segundo os he-
nador comum: a fé, entendida á maneira breus, o futuro fica as costas (cf. 2Cor
do autor, assemelha e reúne a todos. Ló­ 4,18). O “invisível”, nao manifestó, é aqui
gicamente, o procedimiento é algo re- o que nao existe ou o caos informe que
ducionista; embora os casos se enriquegam nao tem forma evidente.
651 CARTA AOS HEBREUS

i . .. I«. 1.1:11 .1 nprovagáo. 3Pela fé, com- como herariga; e partiu sem saber para
......... . mus (|iie o mundo foi formado onde ia. 9Pela fé, mudou-se como fo-
I» 11 |i lluvia de Deus, o visível a partir rasteiro para o país que lhe haviam pro­
iln iiiv c.ivi'l. 'Pela fé, Abel ofereceu a metido e habitou em tendas com Isaac
I •. 11 mu sacrificio m elhor que o de e Jacó, herdeiros da mesma promessa.
1 mu | > •11 ela o declararam justo e Deus 10Pois esperava a cidade construida so­
■i11111 v1ti 1 seus dons; por ela, em bora bre alicerces, cujo arquiteto e constru-
un Ht.i rontinua falando. 5Pela fé, Enoc tor é Deus. n Pela fé, tam bém Sara,
luí 11.111.ladado sem passar pela morte, embora de idade avanzada, recebeu vi­
. ...... . encontraram porque Deus o ha- gor para conceber, pois pensou que era
1 i i levado; mas antes de seu translado, fiel aquele que o prometía. 12Assim, de
.I1-1 l.iiaram que havia agradado a Deus. um só, já morto para todos os efeitos,
’’i. ni le é impossível agradar. Quem se foi gerada uma m ultidáo como as es-
•i|n<i\una de Deus deve crer que ele trelas do céu e como a areia incontável
1 <e.ie c recompensa os que o procuram. das praias. 13Com essa fé, todos eles
I'rl.i le, Noé recebeu aviso do que ain- m orreram sem receber o prom etido,
11111.111 se via, e cauteloso construiu urna embora o vendo e o saudando de Ion-
.111 ;i para que sua familia se salvasse. ge, e confessando-se peregrinos e fo-
fui ela convenceu o mundo e obteve a rasteiros na térra. 14Os que assim pen-
Instiga que a fé proporciona. 8Pela fé, sam dem onstram que procuram uma
Aluaáo obedeceu ao chamado de par- pátria. 15Pois, se tivessem sentido sau­
111 para o país que haveria de receber dade da que abandonaram, poderiam ter

11.3 Ao comegar pela criacáo, nao pode 11,8-17 Ao chegar a Abraáo, o autor se
npruscntar nenhum personagem protago- detém e escolhe varios episodios (é perso­
nista: o sujeito somos nós. Junto a afirma- nagem favorito também de Paulo, cf. Rm
gao de Paulo, a respeito do conhecimento 4). O chamado para um destino desconhe-
1I0 Criador pelas criaturas (Rm 1,20; cf. Sb cido, abandonando a pátria (Gn 12). O fiar­
I U-5), o autor fala de um conhecimento se em Deus, que lhe prometia descendén-
pela fé, nao tanto do Criador, mas do fato cianumerosa (Gn 15e 17).Agrande prova
da criagáo pela palavra (SI 33,6). Refere- do sacrificio de Isaac, que consistiu em
sc a G11 1, recebido e aceito com fé. obedecer sem perder a esperanga (Gn 22).
11.4 Sobre Abel segue a tradigáo rabíni- Aos episodios acrescenta uma reflexáo
ca mais que o texto de Gn 4. Abel morto “fa­ teológica, centrada na vitória sobre a morte.
la” com seu sangue, que “clama ao céu” A fé = esperanga de Abraáo atinge mais além
(cf. Hb 12,24; Jó 16,18). Deus mesmo é “tes- da morte. Morta está a capacidade generativa
temunha” da inocencia 011 justiga de Abel. sua e a de Sara, à morte está destinado o
11,5-6 Segundo Gn 5,24; mas substituin- herdeiro legítimo, morrem todos antes de
do o verbo “arrebatar, assumir”, por “trans- alcangar o destino. A razáo é que este é ce­
ladar” a outro lugar ou situagáo. A ele se leste e futuro, e todos eles caminham como
referem Eclo 44,16 e 49,14; a ele alude Sb “peregrinos e forasteiros” rumo à pátria,
4,10 com “agradou”. O autor tira a fé por que é uma cidade construida por Deus (nao
dedugáo. Aquele que “se aproxima” ou, é Jerusalém, cf. Is 54,11-12; Tb 13,17-18).
formalmente, deseja aproximar-se. Propóe 11.12 A multidáo prometida em Gn 15
a existencia de Deus como objeto da fé. (cf. Is 51,1-2).
11,7 Gn 6 nada diz da fé que Noé tem, 11.13 A fé = esperanga permite “divisar
e muito menos que por ela alcangou a jus- e saudar” de longe, como a uma cidade
tiga (a grande doutrina de Paulo). O au­ altaneira. Pode ressoar aqui a experiencia
tor o deduz de que Noé confiou no anun­ de uma peregrinagáo a Jerusalém, proje-
cio de Deus, obedeceu-lhe e tomou suas tada sobre a celeste.
“precaugóes”. “Convenceu” ou condenou 11,15 Para Isaac, ver Gn 24,6.8; para
o mundo, que pereceu por nao confiar no Jacó, todo o ciclo de sua peregrinagáo á casa
anúncio. de Labáo e de sua volta.
CARTA AOS HEBREUS 652 lli»
voltado para là. 16Pelo contràrio, aspi­ lho da filha do Faraó, 25e ao invc\ <l<|
rarti a urna melhor, isto é, a urna celeste. desfrute efémero do pecado, prcli im
Por isso, Deus nào se envergonha de se ser m altratado com o povo de De n»
cham ar seu Deus, pois lhes havia pre­ 26pensando que a ofensa do Unv.M'
parado urna cidade. 17Pela fé, Abraào, valia mais que os tesouros do Egiin •
submetido à prova, ofereceu Isaac, seu com os olhos fixos na recompensa. i1■
filho ùn ic o ,1 aquele do qual lhe haviam la fé, abandonou o Egito sem tem a n
feito esta promessa: Isaac continuará cólera do rei, pois se agarrava ao invi
tua descendencia; 19pois pensou que sível como se fosse visível. 28Pel;i l<
D eus tem poder para ressuscitar da celebrou a Páscoa e aspergiu com san
morte. E assim o recuperou como um gue, para que o exterm inador nao lo
simbolo. 20Pela fé, Isaac abengoou o casse seus primogénitos. 29Pela fé, ai i .1
futuro de Jacó e Esaú. Pela fé, Jacó vessaram o m ar Vermelho como p<n
m oribundo abengoou os filhos de José térra firme, enquanto os egipcios, ;m
21e se prostrou, apoiando-se na ponta tentá-lo, se afogaram. 30Pela fé, a mu
do bastào. 22Pela fé, José, no firn da ralha de Jericó, após ser rodeada du
vida, evocou o éxodo dos israelitas e rante sete dias, desmoronou. 31Pela te
deu instrugóes a respeito de seus ossos. a prostituta Raab acolheu amistosamen
23Pela fé, quando nasceu Moisés, seus te os espióes, e nao morreu com os re
pais o ocultaram por très meses, vendo beldes.
que era um menino bonito, e sem te­ 320 que resta dizer? Falta-me tempe
mer o decreto reai. 24Pela fé, Moisés, para contar a historia de Gedeáo, Barac
já crescido, renunciou ao título de fi- Sansáo, J^fté, Davi, Samuel e os pro

11.19 “Como um símbolo”: Isaac se 11.26 A “ofensa do Ungido”: o título e


converte era símbolo de todos os que se- próprio do rei davídico, a frase procede de
ráo ressuscitados pelo poder de Deus, es­ SI 89,50. Só que o Ungido é também Je­
pecialmente de Jesús Cristo. sús, e a ofensa sugere a paixáo. Moisés se
11.20 Trata-se da béngáo testamentária apresenta assim como tipo do Messias.
de Isaac, que anuncia o futuro dos dois ir- 11.27 O “invisível” é aqui o destino que
máos (cf. Gn 27). Da rápida mengáo desa­ o espera á saída do Egito e pode abarcar
parece todo o drama do relato original. até o país de Canaá. Invisível para ele no
11.21 Da acidentada vida de Jacó, esco- momento da saída, visto da montanha an­
lhe somente a béngáo patriarcal dos netos tes de morrer (Dt 34).
(Gn 48). O tema da sucessáo ou descen­ 11.28 Neste episodio (Ex 12,11), a fé
dencia preocupa o autor, que contempla consiste em crer no valor apotropaico do
nela o movimento da historia rumo ao fu­ rito do sangue (também tipo de Jesús, cor-
turo. O detalhe pitoresco do bastáo segue deiro pascal).
a versáo grega (Gn 47,31). 11.30 Os muros de Jericó fazem com que
11.22 Trata brevemente também de José, o autor nao mencione o nome de Josué,
de quem haveria tanto a recordar. Mas é apesar de coincidir com o de Jesús. Vito­
muito importante sua predigáo do éxodo ria sem armas, por pura fé expressa em ato
futuro, ao qual se somaráo seus ossos em quase litúrgico (Js 6).
retorno postumo (Gn 50,24-25). 11.31 Náo é sem énfase a mengáo do
11,23-29 De Moisés comenta primeiro oficio pouco honroso de Raab, contrasta­
os pais, que salvaram a vida do recém-nas- do com sua acolhida “pacífica” aos explo­
cido enfrentando a lei do exterminio (Ex radores (Js 2).
1-2). Já adulto, manifesta sua fé na gene- 11.32 Conquistada Jericó, que é a cha­
rosidade com que segue sua vocagáo, sa­ ve para entrar na térra prometida, o autor
crificando vantagens ligadas ao “pecado”. se sente cansado ou sente que está alon­
A páscoa e a passagem do mar Vermelho gando seu elenco, e o concluí com seis
sáo episodios obrigatórios (Ex 12-15). Na­ mengóes breves. Quatro “juízes” ilustres
da ouvimos das suas fadigas pelo deserto. (náo menciona Débora), Samuel, que ser-
653 CARTAAOS HEBREUS

i.i i, "os i|iiais pela fé conquistaram 'Nós, portanto, rodeados de urna


n luí i*., .ulniinistraram a justiqa, viram nuvem táo densa de testemunhas,
.... .11 nías as prom essas, fecharam a desprendam o-nos de toda carga e do
i....... Ir leñes, 34extinguiram o ardor do pecado que nos encurrala, corramos com
luyn. evitaram o fio da espada, resta- constancia a corrida que nos espera,
in li i i iam-se da enferm idade, foram 2com os olhos fixos naquele que iniciou
. ni,uosos na guerra, rechagaram exér- e realizou a fé, era Jesús, o qual, pela
i iiir. i sirangeiros.3;>Algumas mulheres alegría que lhe foi proposta, sofreu a
n i iipeiaram ressuscitados os próprios cruz, desprezou a humilhagáo e sentou-
mili idos. Outros, torturados, recusaram se á direita do trono de Deus. 3Refleti
ln m i se, preferindo urna ressurreigáo sobre aquele que suportou tal oposigáo
•li‘ maior valor. 36Outros sofreram a pro- dos pecadores, e ni - sucum biréis ao
mi de cacoadas e agoites, de correntes desánimo. 4Ainda nao resististes até o
i | ii isáo. 37Foram apedrejados, serrados, sangue em vossa luta contra o pecado.
morios ao fio da espada; vagavam co-
Ile i ios com peles de cabras e ovelhas, Deus, educador paterno — 5Esque-
un essitados, atribulados, maltratados. cestes a exortagáo que vos dirigem co­
) mundo nao era digno deles. Vaga­ mo a filhos? Metí filho, nao desprezes
vam por desertos, montanhas, grutas e o castigo do Senhor, nem desanimes se
i avernas. 39Nenhum deles, apesar de te repreende; 6pois o Senhor castiga a
ai i editado pela fé, alcanqou o prom eti­ quem ama e agoita os filhos que reco-
do, 4(,porque Deus nos reservava um nhece. 7Agüentai por vossa educagáo,
plano melhor, para que sem nós nao pois Deus vos trata como filhos. Existe
i hegassem á plena re a liz a d o . algum filho a quem o pai nao castigue?

ve de ponte, e Davi, cabega de dinastía (sal- a retribuigáo náo se dava plenamente nes-
la-se Saúl). ta vida.
11,33-38 A lista que vem a seguir com-
poe-se de faganhas heroicas ou sofrimen- 12,1-4 Tira as conseqüéncias para a con-
los suportados com inteireza, tudo anima­ duta cristá, em metáfora desportiva: é pre­
do pela fé e esperanga. Alguns se podem ciso despojar-se de cargas e desfazer-se de
identificar com passagens do AT, outros impedimentos para “correr a corrida” com
se podem ilustrar, outros ficam disponí- suas provas; é preciso armar-se de “cons-
veis. Aponto alguns mais notáveis. táncia” para chegar á meta. A “nuvem”
11.33 Leóes: Sansáo (Jz 14,18), Davi variada de testemunhas contrapóe-se o
(ISm 17,34-35), Banaías (2Sm 23,20), exemplo supremo de Jesús, que iniciou e
Daniel (Dn 6,23). consumou sua carreira, superando todas as
11.34 “Fogo”: os tres jovens (Dn 3,23- provas. Compare-se essa síntese de pai-
25). “Restabeleceram-se”: Ezequias (Is 37). xáo e gloria com o hiño de F1 2,6-11.
11.35 “Ressuscitados”: a fé é dos tau­ 12,5-13 Explicou as penalidades, como
maturgos Elias e Eliseu (IRs 17,49-51; esforgo esportivo para alcangar a meta.
2Rs 4,36). “Torturados”: os sete irmáos Como imitagáo de Jesús que comega e ar­
(2Mc 7) com a esperanga explícita de res- remata, sofre e triunfa. Agora aplica o mo­
suscitar. delo da educagáo paterna, severa e afetuo-
11.36 “Agoites e prisáo”: Jeremías (Jr sa. O ponto de partida da comparagáo é
37,15-16). sapiencial: musar é termo freqüente, qu
11.37 “Serrados”: Isaías, segundo a pode significar educagáo em geral, e err
lenda. particular castigo, adverténcia, corregáo
11,39-40 Inclusáo com o v. 2. Deus adia- “Filho sensato aceita a corregáo paterna”
va o cumprimento de tantas esperangas (Pr 13,1; 22,15 menciona a “vara da cor­
para que se realizassem incluindo numa regáo”). Veja-se o programa severo que
grande unidade também os cristáos. O au­ Eclo 30,1-13 propóe. Daí se sobe á des-
tor quer dizer, contra crengas antigas, que crigáo de Deus como Pai que educa aus-
CARTA AOS HEBREUS 654

8Se nao vos castigam como aos outros, 18Vós nao vos aproxim astes de mu
é porque sois bastardos e nao filhos. fogo ardente e palpável, da escurid.m
9Mais ainda: respeitávamos nossos pais treva e tempestade, 19do toque de trom
corporais que nos castigavam; nao de- betas e de uma voz falando que, ao un
vemos submeter-nos ainda mais ao Pai vi-la, pediam que nào continuasse. 20N.u i
dos espíritos para termos vida? 10Aque- podiam suportar aquela ordem: Aquel,
les nos educavam por breve tempo, co­ que tocar o monte, ainda que seja um
mo julgavam conveniente; este, para o animal, será apedrejado. 21Táo terrívcl
nosso bem, para que participemos de era o espetáculo, que M oisés comen
sua santidade. “ N enhum a corregáo, tou: Estou tremendo de medo. 22Vos
quando aplicada, é agradável, mas dói; ao contràrio, vos aproxim astes de Si n •
porém, mais tarde produz frutos de paz monte e cidade do Deus vivo, da Jern
e de justiga para os que nela se exerci- salém celeste com seus m ilhares de an
taram. 12Portanto, fortalecei os bragos jos, da c o n g re g a lo 23e assembléia do-,
enfraquecidos, robustecei os joelhos primogénitos inscritos no céu, de Deus,
vacilantes, l3aplainai os cam inhospara juiz de todos, dos espíritos dos justos
vossos pés, de modo que a perna coxa que chegaram à perfeigáo; 24de Jesús,
nao se desconjunte, mas se cure. mediador da nova alianga; de um san
gue aspergido que grita m ais forte que
A graga de Deus — 14Procurai a paz o de Abel. Atengào: nào rejeiteis aqui­
com todos e a santificagáo, sem a qual le que fala. Pois se aqueles, rejeitando
ninguém pode ver Deus. 15Vigiai para a quem pronunciava oráculos na terra,
que ninguém se prive da graga de Deus, nào escaparam, muito m enos nós, se
para que nenhuma raiz amarga cresga nos afastarmos daquele que fala a par­
e prejudique e contagie os outros. 16Náo tir do céu. 26Se naquela ocasiào sua vo/
haja dissolutos e profanadores como fez trem er a terra, agora proclama o
Esaú, que por urna refeigáo vendeu seus seguinte: Outra vez farei tremer a ter
direitos de primogénito. 17Sabeis que r a e o céu. 27Ao dizer outra vez, mostra
mais tarde, quando tentou recuperar a que se mudará aquele que treme como
béngáo testam entária, foi desqualifi- criatura, para que permaneva aquele que
cado, e, em bora o pedisse com lágri­ é inabalável. 8Assim, ao receber um
mas, nao conseguiu m udar a decisáo. reino inabalável, sejamos agradecidos,

teramente: segundo o texto citado (de Pr 12,14-17 Conselhos positivos e admoes-


3,11-12); no deserto Deus como pai educa- tagáo. Buscar a paz visa a outros homens,
va o povo submetendo-o á prova (Dt 8,1-5). também pagaos (cf. SI 34,15; 120,7; Mt 5,9,
12,7 “Quem ama seu filho, castiga-o bem-aventuranga); buscar a santificalo
com freqüéncia” (Eclo 30,1). visa a Deus. O segundo é condigáo para o
12.9 “Meu filho... a repreensáo que cor­ mais desejável, “ver a Deus” (cf. SI 17,15;
rige é caminho de vida” (Pr 6,23). 34,15). “Raiz amarga”: Dt 29,17. Esaú: Gn
12.10 Segundo o convite repetido em Lv 25,33; 27,30-40; deve-se relacioná-lo, co­
19-20. mo resposta negativa, com 11,20.
12.11 “Obriga-o a curvar a espinha na 12,18-29 A nova exortagáo ou admoes-
juventude, bate-lhe nos flancos enquanto tagáo se desenvolve contrapondo a expe-
é menino” (Eclo 30,12). riència do povo no Sinai à experiencia cris­
12,12-13 A citagáo de Is 35,3 refere-se ta. Está enquadrada por uma inclusáo no
ao retomo dos exilados da Babilonia, numa tema ou símbolo do fogo: fogo de Deus/
espécie de peregrinagáo festiva e alegre. Deus é fogo. A técnica de exposigáo é por
A citagáo de Pr 4,26 (segundo a versáo enumeradlo de correspondencias, seme-
grega) serve para anunciar o tema da pró­ lhangas e dessemelhangas. A ordem dos
xima segáo. O texto hebraico fala de temas paralelos náo é rigorosa.
“aplainar”, pois num caminho curvo, se é 12,18 O fogo é elemento clàssico da di-
plano, o pé nao tropera. vindade e aparece com freqüéncia na
655 CARTA AOS HEBREUS

*h» tifili ' ii I Vus conio lhe agrada, corti Deus julgará fornicadores e adúlteros.
n n|ii tini n vi rència,29p o isnossoD eus 5Sede desinteressados em vossa condu-
imi li ii'i i (levorador. ta e contentai-vos com o que tendes; pois
ele disse: Nao te deixarei nem te aban­
Ì l'A orta^ào — ‘Que o amor fra- donará. 6Por isso, podemos dizer con­
1
i|iii .
li ino scja duradouro. 2Nào es-
i iiim i liospitalidade, pela qual alguns,
fiantes: O Senhor me auxilia e nao temo:
que poderá fazer-m e um homem ?
«fin n ilici, hospedaram anjos. 3Lem- 7Recordai vossos guias, que vos trans­
Imhi vi is dos presos, corno se estivésseis mitirán! a palavra de Deus; observan­
Hipni i’i coni eles; dos maltratados, pois do o desenlace de sua vida, imitai sua
»ii'i lumbcm tendes um corpo. 40 matri- fé. 8Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje
iiiiImio scja respeitado por todos, e o lei- e sempre. 9Náo vos deixeis levar por
in niiiii imonial esteja sem mancha, pois doutrinas diferentes e estranhas.

iMiiliiiiia. Obviamente no Sinai e em ou- Nada concreto se diz da comunidade do


11H-. M-inelhantes (Is 30,27.33; SI 18,9; Dn povo de Israel (só verbos na terceira pes-
!,') 10). Com o fogo se juntam estra- soa). Muito no outro extremo: anjos (Dt
lilminente as trevas (cf. J1 2,2; Sf 1,15; Si 33,3; Dn 7,10), primogénitos, espíritos,
IM. 10). Deus juiz e Jesús mediador. Parece con­
12,29 Citagáo de Dt 4,24, paralelo do tradiga0 “primogénitos” no plural, pois o
i mine: nao admite rivais. No plano opos- primogénito é único. Mas podemos recor­
lii mío há correspondencia para o fogo. dar que é o povo inteiro que Deus chama
O tremor. Há urna equivalencia clàssi­ de “meu primogénito” (Ex 4,23; cf. Ex
ci, expressa também no vocabulário, en- 13,2; Nm 3,12-13); “inscritos” como ci-
lir o tremor psicológico, provocado pelo dadáos no registro celeste (Le 10,20; cf.
M ied o , e o tremor da terra (terremoto) ante SI 87). A corte divina completa, formada
n presenta de Deus, como parte da teofania de seres celestes (anjos) e de cristáos “con­
(SI 68,8). O autor reúne o tremor = medo sumados”, á qual temos acesso já daqui.
ile Moisés (Dt 9,19) e o tremor escato­ Deus tem o título de “juiz universal”:
logico da terra e do céu, anunciado por terá o alcance do termo shophet no AT?
Ageu (2,6). A ele se contrapóe o “inabalá- Em tal caso seria juiz e governante (SI 96
vel” mundo celeste. e 98). Se o significado é estrito, trata-se
O monte, por um lado, é o Sinai, terrí- do juiz da retribuigáo definitiva.
vel, que afasta ameagador qualquer ser
vivo (Ex 19,12-13). Contrapóe-se o mon­ 13 ,1-6 Conselhos vários confirmados
te onde se senta a cidade de Deus, a Jeru- com citagóes da Escritura. O primeiro é
salém celeste. Cita SI 48,1-2 “a cidade do o “amor fraterno”, que inclui hospitali-
nosso Deus, seu monte santo... o monte dade, solidariedade, desinteresse. Sobre a
Siáo, vértice do céu, capital do grande rei”. “hospitalidade”, pensa em Abraáo (Gn 18).
Capital do “reino inabalável”. Os “encarcerados”: ver o juízo final segun­
A voz de Deus se fazia intolerável para do Mateus (25,36). Sobre fornicadores e
o povo (Ex 20,18-19). Aqui a voz se res­ adúlteros: Pr 5-7; Eclo 23. “Contentar-se”:
tringe à proibitilo sob pena de morte. Dt Le 3, 14; lTm 6,8. “Nao te abandonarei”:
4,10 fala de impor o temor de Deus. No Dt 31,6 em outro contexto, mas com va­
outro extremo está o acesso sereno, o lor geral.
“aproximar-se”. Talvez também o “cla­ 13,6 Citagao de SI 27,1-3.
mor” do sangue: o de Abel pedia que o 13,7-9 Nova série de conselhos que re­
céu fizesse justiga; o de Jesús pede perdáo capitula temas da carta. “Recordai”: fala a
e é mais forte e se faz ouvir. Outra oposi- uma segunda geragáo crista e pensa nos
gáo se dá entre os “oráculos” terrenos apóstolos que pregaram a fé e que já morre-
(Moisés) e a voz do céu (acerca de Jesús, ram (cf. Tt 1,5). Acima daqueles que passa-
no batismo e transfigurado, e por meio ram e de nós que passaremos, Jesús Cristo
de Jesús). (v. 8) abraca todas as idades, é contempo-
CARTA AOS HEBREUS

Convém fortalecer o coragáo com a


graga, nao com dietas que nao trouxe-
65 6

eles o faráo contentes e sem lann ni n


se, coisa que nao vos traria prove ilo
1
ram proveito aos que as observavam. 18Rezai por nos. Cremos ter a c o n
luTemos um altar, do qual nao estáo ciencia limpa e desejos de agir em tinl>
autorizados a com er os que oficiam na honradamente. 19Mas insisto em pr.ln
tenda. 11Dos animais, o sum o sacerdo­ vos que o fagais, para que me dcvnl
te introduz o sangue no santuàrio para vam a vós o quanto antes. 2üO Deus -i
expiar pecados, e os corpos sao quei- paz, que tirou da morte o grande pasu»
mados fora do acampamento. 12Por isso do rebanho, o Senhor nosso Jesús, ]h l>
Jesus, para consagrar o povo com seu sangue de urna alianza eterna, vm
sangue, padeceu fora das portas. 13Sai- proveja de todo tipo de bens, para <|ii>
amos, pois, ao encontro dele, fora do cumprais sua vontade. Realize em vi'n
acampamento, carregando as suas ofen­ o que lhe agrada, por meio de Jesu»
sas; 14pois nao tem os aqui cidade p er­ Cristo. A ele a gloria pelos séculos d o s
manente, mas buscam os a futura. Por séculos. Amém.
meio dele oferegamos continuam ente a 2:Eu vos recomendo, irmaos, que su
D eus um sacrificio de louvor, isto é, o portéis minha exortagáo; para isso vos
fruto de lábios que confessam seu nome. escrevi brevemente. 23Sabei que nosso
16Nao descuidéis a beneficencia e a so- irmáo Timoteo foi libertado. Se chegai
lidariedade: tais sao os sacrificios que logo, me acompanhará quando eu vos
agradam a Deus. 17Obedecei e submetei- visitar. 24Saudai todos os vossos chefi s
vos a vossos guias, pois zelam com o e todos os consagrados. Os da Itália vos
responsáveis por vossas vidas; assim saúdam. 25A graca esteja com todos vós,

raneo de todos, nao muda. Em conseqüén- 11,26; o verbo correspondente se le em Mt


cia (v. 9), nao se deve mudar a doutrina so­ 5,11. “Cidade permanente”: 2,5; 11,14.
bre ele (cf. G11,6-9). “O coragáo com a gra- “Sacrificio de louvor”: Os 14,3.
ga” (v. 9) frente ao corpo com dietas (ver o 13,16 Novo exemplo de linguagem li­
relato pitoresco de Dn 1 e ICor 8,8). túrgica aplicada á conduta crista (cf. Eclo
13,10-15 Outra comparagao do novo 35,2).
com o antigo, para tirar urna conseqüen- 13,18-21 Oragóes mutuas e doxologia.
cia de conduta crista. “Nao podem comer”: Dos fiéis pelo autor (ou por Paulo?), deste
Ez 44,10-14 como castigo de levitas in­ pelos fiéis. Sobre o “grande pastor”: Zc
fléis. “Fora do acampamento”: Lv 16,27 e 9,11; Is 63,11.
Nm 19,3; também a execugáo do culpado: 13.22-25 Despedida que poderia ter sido
Lv 24,24; Nm 19,3. Mas há urna oposi- acrescentada por Paulo. Chama o escrito
gáo: o sangue da expiagüo se introduz, o de “exortagáo”. Sobre a prisáo de Timo­
de Jesús se derrama fora, expía e “consa­ teo, esta é a única noticia que temos. Fal-
gra”. A “ofensa": o mesmo termo de 10,33; tam outros nomes próprios.
CARTA DE TLAGO

INTRODUÇAO
\uloi c destinatários 2,1 e 5,7); mas contém assuntos bem
cristáos como a debatida questao da
i 1 . abegallto desta caria, ou escrito, relaqáo fé e obras (2,14-26; cf. G l 3 e
m. a, u '/ni o remetente e os destinatários. Rm 4), a regeneraqáo p ela palavral
1 1 1 h uni ■Hago pode corresponder a très m ensagem (1,18), a lei da liberdade
/«i mi i/iiigens conhecidas no NT: os dois (1,25; 2,12).
ií/i. ishitos desse nome, o maior e o me-
ii.'/ r a “irmáo do Senhor”. Embora Género
iii ii-\i ente o título ilustre “servo de
Hi h s c do Senhor Jesús Cristo", o sdois C ostum am os chamá-la carta, ainda
/•i mu iros sao de todo improváveis. De que de carta tenha bem pouco: uma bre­
Im w , o irm áo do Senhor, fa la m Gl ve saudaqao m uito pouco convencio­
l , í ‘>, 2,9.12; A t 12,7; 15,13; 21,18; nal. Tampouco é uma homilía ou um
l( ni 15,7 (?); um irmáo de Jesús, M e tratado. Parece mais um escrito sapien­
o. ¡. Mt 13,55. Personalidade destaca­ cial doA T: mais com as breves instru-
dla. d i efe de judeu-cristáos, que regeu qóes tem áticas do Eclesiástico do que
,i igreja de Jerusalém e defendeu urna com uma série de refráos e aforismos
Imita conservadora no referente a ob- de P r 10-29.
\erváncias legáis. O texto épródigo em imperativos: 54
Pelo tema e modo de ensillar, a carta em 108 versículos. Sao im perativos
hi'in que conviria a personagem táo sapienciais, de conselho e nao de m an­
autorizada. O pôe-se a linguagem e o dato; p o r isso bem diversos p. ex. do
estilo helenístico — afora alguns se­ sermao da montanha, “eu porém vos
mitismos — com suas aliteraçôes, p a ­ digo ”. As freqüentesperguntas animam
rimomásias, diatribe. A isto se respon- e personalizam a exposiqáo, mantém a
ile que p o d e ter tido urna form a çâ o atenqáo, aproximam o leitor do mes-
especial ou ter-se valido de um secre­ tre. As instruqóes sáo de tipo ético. Um
tario, ou que interveio um compilador parágrafo breve e substancioso (3,13-
redator. M uitos comentaristas pensant 18) é dedicado a identificar e exaltar
hoje que a obra é pseudónima. a sabedoria ou sensatez (sophia) au­
As doze tribos na dispersâo parecem téntica. Com o é freqüente no género
à prim eira vista a diáspora judaica do sapiencial, o autor multiplica suas ima-
AT; mas a referencia natural ao Senhor gens; as vezes as acumula sem desen-
Jésus Cristo obriga a identifcá-las com volvé-las.
as igrejas difundidas pela A sia e pela Temas e fórm ulas tém sido compara­
Europa. O número doze indica totali- dos com diversos escritos: com os evan-
dade, a palavra “trib o s” é a sucessâo gelhos, as cartas do NT, textos hele­
do novo Israel, a “dispersâo ” é a ex- nísticos, judaicos, intertestamentários,
pansâo crescente. Objetou-se que o es­ escritos de Qumrá; traqaram-se listas
crito tem pouco de cristâo e até existe de correspondencias e coincidencias.
urna hipótese de que se trate de uma Tal volum e de paralelos prova a exis­
composiqâo judaica superficialm ente tencia de um substrato doutrinal co­
adaptada p a ra uso cristâo. O texto mían, ao qual toda pessoa tinha aces-
menciona Jesús Cristo très vezes (1,1; so. Contudo, a relaqáo com a prim eira
CARTA DE TIAGO 658 INTRODt l<M 1
carta de Pedro é evidente: a dispersño Sinopse
(1,1 e lP d 1,1); as provagóes pela fé
(l,2 s e lP d 1,6); a regeneragáo pela M ais que “vista de conjunto ”, .. ij
palavra (1,18 e lP d 1,23); a guerra das preciso chamá-la simples lista de a niii
paixóes (4,1 e lP d 2,11); a citagáo de (alguns quiseram contar doze unida,I, i,
Pr 3,34 (4,6 e lP d 5,5); o convite a re­ segundo o número das tribos).
sistir (4,10 e lP d 5,9). 1,1 Saudagáo.
U nidade? N ao se deve buscar uni- 1, 2-8
dade numa serie livre de instrugóes; + 12-18 Provagóes, paciencia c sci J
embora alguns tenham tentado redu- satez.
zir o texto ao esquema do SI 12. O mais 1,19-27 Falar e escutar, esculm .
que p o dem os observar é a p referen ­ executar, rezar menos c|>i i
cia p o r alguns temas: ricos e pobres, ticar a beneficencia.
o uso da língua. A o segundo se re- 2.1-13 Parcialidade entre rico'. 4
duzem vários, com o verem os na si- pobres.
nopse. 2,14-26 Fé e boas obras.
3.1-12 Dominio da língua.
Data 3,13-18 Sabedoria auténtica.
4.1-10 Raízes das discordias: co
A maioria dos autores a datam do f i ­ biga, inveja.
nal do séc. I; m as houve alguns que a 4,11-12 M aledicencia e julgar n
dataram antes do concilio de Jerusa- próximo.
lém (49) e consideraram prepaulina a 4,12-5,6 Ricos satisfeitos e expío
discussao sobre fé e obras. Essa data- radores.
gáo goza de pouco crédito. 5,7-20 Paciéncia e oragáo.
r

>

CARTA DE TIAGO

■ ' I iii|Mi. m i vi) de Deus e do Senhor íntegros, sem nenhuma deficiencia. 5Se
I l, i r , ( iislo, saúda as doze tribos alguém de vós nao tem sensatez, pega
IH ili 'I'I I’mIO. a Deus, que dá a todos generosamente
sem recrim in ad o , e lhe será concedi­
Ci*) IPiiri» »• sensatez — 2M eus irmàos, da. 6Mas, que pega confiante e sem du-
.....li 11< motivo de grande alegria o vidar. Quem duvida é sem elhante as
-i uh , '.ubmetidos a múltiplas provas, ondas do mar sacudidas pelo vento. 7Náo
|.,ii •„ibeis que, ao ser provada, a fé espere esse homem obter nada do Se­
¡limili/ paciencia, 4a paciencia torna a nhor: 8homem dividido, instável em to­
..Iii.i |iri (cita, e assim sereis perfeitos e dos os seus caminhos.

I l Seja autèntico, seja recurso literario O tema da provado se coloca aqui e


i|, ,i udrpigrafia), o Tiago da saudagào é continua nos w . 12-15. É um tema da his­
i mu loda a probabilidade o “irmào do Se­ toria de Israel, que encontra seu contexto
nili h”, personagem de grande relevo na ideal no deserto, tempo de prova e de pro-
in Imi-ira geragào crista (Flávio Josefo si- vaçôes (Dt 8,1-5). Começa com enorme
iiiii sua morte no ano 62). Ainda que vá- força na historia patriarcal (Gn 22), e se
i li i', lemas e o estilo sapiencial da carta se­ aclimata na literatura sapiencial, que ofe-
llini de cunho iudaico, declara-se “servo rece a vertente humana mais simples do
ili lesus Cristo”, ao qual com toda a natu- tema: sem paciència, a tarefa fica pela
i.ihilado junta Deus. Servo de Deus é títu­ metade (como mostraram as rebelióes do
lo honorífico de grandes personagens no povo, Nm 13—14); antes de superar a pro­
Al: Moisés, Josué, Davi, profetas e tam- va, o homem nao está acabado, cabal. Au­
Iir m pagaos escolhidos. tores sapienciais transferem o tema huma­
As doze tribos de Israel constituem um no para o contexto religioso: “Quando te
loque de sabor judaico. Doze era o nùme- dedicares a servir ao Senhor, prepara-te
io da instituido (ou fiegào) jurídica da para a provaçâo” (Eclo 2,1); “Deus os pos
imd°> ou seja>de Israel na sua plenitude. à prova e os achou dignos de si” (Sb 3,5).
O título passa agora à comunidade crista Como a carta aos Hebreus, o v. 2 come­
plural e estendida pelo mundo. Dispersào ça com quàdrupla aliteraçâo em p-, Apre-
ou diàspora era o nome dos judeus que senta-se desde o começo o recurso estilís­
moravam fora da Palestina. A Igreja nao tico dos efeitos concatenados: fé — prova
se dispersou a partir de um centro (Jerusa- -— paciència — tarefa perfeita — homem
lém), mas se difundiu e se estendeu. O efei- cabal.
lo é que a carta se dirige a todas as comu­ 1,5-8 O tema da sensatez como dom di­
nidades cristas. vino começa aqui e se completa nos w .
1,2-4 Cometa aqui um modo curioso de 16-18. Sensatez ou sabedoria é essencial-
expor. Propòe um tema, deixa-o anotado, mente conhecer o sentido da vida e a arte
abandona-o para passar a outro ou a ou- de dar sentido à vida. E ao mesmo tempo
tros, volta a eles. É semelhante à forma intelectual e pràtica. Aqui inclui o sentido
sapiencial, que combina provérbios soltos religioso da vida.
com instrugóes breves. Neste primeiro ca­ Dissera (v. 4) “sem deficiència”, sem
pítulo fala da provatilo, da sensatez e do que nada lhe falte; e aqui acrescenta “se
dom divino, de pobres e ricos, do falar. lhe falta sensatez”. Embora seja fruto de
Conquanto vários temas retomem na car­ observaçâo e reflexâo, e seja mercadoria
ta, o comedo nao é urna abertura temática, internacional, alguns textos tardíos a con­
mas urna sèrie. sideran! dom de Deus, que se deve pedir
CARTA DE TIAGO 660 i -

P o b res e ricos — 90 irmáo humilde se Deus nao é tentado pelo mal, e ele iiumI
glorie de sua exaltacáo, 10e o rico glo- tenta ninguém . 14Cada um é tcni.ni'
rie-se de sua humildade, pois passará pelo próprio desejo que o arrasta c
como flor do campo. u A o sair o sol duz. Depois, o desejo concebe c <l<t i
abrasador, a reiva seca, a flor murcha e luz um pecado, o pecado am aduro < i
seu asp ecto atraente perece. A ssim gera morte. 16Náo vos enganeis, ninn
m urchará o rico em seus negocios. queridos irmáos: I7toda dádiva bou t
todo dom perfeito descem do céu, K
A p ro v a — 12Feliz o homem que su­ Pai dos astros, nao sujeito a fases m-iii
porta a prova, porque, ao superá-la, re- períodos obscuros. 18Porque quis, <I,
ceberá a coroa da vida que o Senhor nos gerou com a mensagem da veril.i
prom eteu aos que o amam. 13Ninguém de, para que fóssemos como primiYi.1
na tentagáo diga que Deus o tenta, pois da criagáo.

na ora$áo: p. ex. Eclo 39,1-8 combina os 1,12 A provagáo está ordenada ao prf
dois caminhos de aquisiqao; Sb 8,21-9,18 mió ou “coroa” (Ap 2,10), por isso é umit
insiste na peti§áo (já Salomáo teve que bem-aventuran§a. Mas suportar a prov.i
pedir “prudéncia” para governar, IRs 3). qáo é um ato ou urna prova de que o ho
Deus dá generosamente, é o doador por mem “ama” a Deus.
excelencia. Sobre as condigóes da oragáo 1,14-15 Nova série de efeitos conc;i
voltará a falar no final da carta (5,16-18). tenados, desta vez na imagem, quase ale
Para a comparagáo marinha, ver Is 57,20. goria, da geragáo. A imagem procura ex
“Dividido”: em grego “de alma dupla”; o pressar urna espécie de dialética vital r
hebraico diria “coragáo e coragáo”. Mui- fatal. Emprega o “desejo”, que em grego
tos salmos de súplica, expressáo da pieda- é feminino, como mulher que “seduz e ai
de de Israel, dáo prova da confianza do rasta”. Quando o homem cede ao desejo,
orante: ou mencionando-a expressamen- concebe e dá á luz o pecado como execu
te, ou adiantando a a§áo de grabas pelo gao. O pecado (feminino em grego) ama
dom que certamente receberá. durece e gera fatalmente a morte. Compa
1,9-11 O tema dos pobres e ricos se pro­ re-se com os esquemas de SI 7,15 e Jó
longa em 2,1-9 e retorna em 5,1-6. Opóe a 15,35. E doutrina tradicional que o peca
exaltacáo (sem conotagáo celeste) de ser do acarreta a morte: Ez 18 o expóe em ter­
cristáo (lP d 2,9-10) á humildade de reco- mos individuáis.
nhecer-se homem caduco em si e em seus 1,16-18 O título Pai dos astros é sur-
empreendimentos (cf. Jr 9,24-25; Is 40,6- preendente. E normal: Senhor dos Exér-
7; Eclo 43,4). Note-se a assimetria dos citos (estelares); SI 90,2 diz que o uni­
opostos: o pobre se sublima no plano so­ verso foi “gerado”. Pai tem aqui um
brenatural, o rico permanece no plano na­ sentido fraco, de autor ou causa. Os as­
tural. Nao é exatamente a oposi§3o simé­ tros tém fases de obscuridade. “Que há
trica das bem-aventurangas de Lucas (Le mais brilhante que o sol? Pois também
6,20-26). A imagem vegetal é corrente. tem eclipses” (Eclo 17,31). Deus nao tem
1,12-15 Em grego, a mesma palavra fases de obscuridade, por isso pode en­
significa provacáo e tentagáo, segundo a viar sempre sua luz benéfica. A imagem
¡ntengáo positiva ou negativa. Deus nao do “nascimento” do pecado e da morte
se deixa tentar pelo mal ou pelos maus, se contrapóe o símbolo positivo, em que
como se mostrou no deserto (p. ex. SI 78, é Deus quem gera filhos, ou quem os ado­
18.41.56; 106,14). Tampouco tenta, pois ta (cf. SI 2,7), pela pregagáo do evan-
nao induz ao mal (casos como 2Sm 24,1 gelho (lJo 3,1). “Primicias da criagao”
ou IRs 22,19-23 devem ser tratados á par­ faz lembrar Pr 8,22 em grego. Pois bem,
te). Sobre a origem do pecado disserta Eclo se somos seus filhos, ele nos concederá
15,11-20: o pecado nao procede de Deus, “coisas boas”, como diz Le 11,12 par.
e sim da liberdade do homem frente ao Soou a palavra “mensagem” e retornará
bem e ao mal. para ser completada.
661 CARTA DE TIAGO

I Mitili fiilin «■c u m p rir— 19Meus que­ considera atentamente a lei perfeita, a
lli»«* luimos, |.i estáis instruidos. Con- de hom ens livres, e se mantém, nao co­
iiiiln i | hi caila um seja ràpido para m o ouvinte que esquece, mas como
Melimi. Irnlo para fatar, lento para irar- executor da obra, será feliz em sua ati-
>. *"|'oin ii uà do homem nào promove vidade.
i limili,ii di' Deus. 2lPortanto, despoja- 26Se alguém se considera religioso
iIh- di qualquer m ancha e de qualquer porque nao controla a língua, engana a
n.*llnin de inaldade, recebei com man- si m esm o, e sua religiosidade é vazia.
■lilAii ii Niensagem plantada em vós, que 27Religiáo pura e irrepreensível aos olhos
il i ii|ni/ de vos salvar a vida. 22Sede exe- de Deus Pai consiste em cuidar de ór-
i i i l n n d a niensagem e nào somente fáos e viúvas em suas necessidades e em
iiiivlnlrs que se iludem. 23Pois, se al- nao deixar-se contaminar pelo mundo.
^iirm c ouvinte e nào executor, se pa­
li >r i m u quem olhava o rosto no espe­ P a rc ¡a lid a d e — 'M eus irmáos, que
llili 'observou, foi embora e logo se
Mi|ii<Teu de corno era. 25A quele que
2 vossa fé em nosso glorioso Senhor
Jesús Cristo nao esteja unida a favori-

I, I') O tema do falar se enuncia aqui, se pregagáo do evangelho. Aceitar a mensagem


¡milonga nos w . 26-27 e retomará em 3,1- e nào cumpri-la é iludir-se, como explicará
I ' I limito freqüente na literatura sapiencial. depois (2,14-26). Bom exemplo de ouvir
A rilavilo é tirada do Eclesiástico e pertence sem cumprir é o que lemos em Ez 33,30-33.
n pi uncirá instrugào sobre o falar (Eclo 5,9- 1,26-27 Refere-se ao que multiplica re­
r>). pode-se comparar com Pr 10,19; 13,3. zas “sem freio” e pensa que nisso consiste
IVIii proximidade material, poderiamos re­ a religiosidade (cf. Mt 6,7); é a polylogia
in i lo também à “mensagem” que deve ser que os antigos condenavam. Corresponde
imvida (Rm 10,17). Aclàusula acrescentada à condenagào profètica do ritualismo (cf.
«iibre a ira pode ser reminiscència de Ecl 7,9. Is 1,10-20; Jr 7; Is 58). A isto se opóem as
1,20 A ira de Deus é sua reagào ao mal e obras de misericordia para com os necessi-
mia condenagào, e é justa. A ira do homem tados, resumidos na dupla “viúvas e órfaos”,
leva à vinganga, que nào realiza a justiga de matriz bíblica (p. ex. SI 68,6; Jó 29,12s).
tmcrida por Deus, mas acrescenta iniustica “Mundo” tem o mesmo sentido que em 4,4;
(cf.Am 1,11). seu critèrio ou principio é o egoísmo (cf.
1,21-25 Retoma o tema da “mensagem”: lJo 2,15-17), sua agào é “contaminar”.
é preciso preparar-lhe o terreno, recebè-lo
cscutando e pò-lo em pràtica. O primeiro é 2,1-13 Se o AT admite urna parcialida-
Iimpar a “mancha”, um dos símbolos bási­ de, é a favor do desvalido em qualquer si-
cos do pecado (cf. SI 51 e Ez 36). Depois, tuagào. A inclinagáo para o necessitado é
deve-se acolhè-la suavemente, sem resis­ um ato de piedade que tempera urna justiga
tencia nem violencia, para que seja planta­ rigorosa, desapiedada; uma justiga abstra­
da (semeada, diz Mt 13). Dà fruto quando ía, que impóe uma igualdade mecánica, ig­
é posta em pràtica (Tt 3,14). Ao “gerar” (v. norando as desigualdades humanas; uma
18) corresponde o “salvar”. justiga que se toma injustiga: summum ius
A com paralo do espelho é originai e està summa iniuria. Assim è a lei “do Reino, de
pouco desenvolvida. Talvez se imagine um homens livres”, nao fundada na escravidáo
personagem que se olha no espelho para (v. 12); faz com que a piedade acompanhe
ver “como está”, sujo ou despenteado; e a justiga, como no programa de governo do
quando sai se esquece de arrumar-se. Pou­ SÍ 101. O autor menciona ricos e pobres
co lhe valeu olhar-se no espelho. como caso típico: veja-se o agudo e irònico
O evangelho pode, em certo sentido, ser comentário de Eclo 13,1-8. Discriminar,
chamado “lei”, enquanto manda ou dà ins- embora nào se faga em contexto de tribu­
trugòes. Só que é urna lei especial: nào es- nal, tem algo de julgamento, porque se tra-
craviza, mas liberta; lei de um Reino (2,8) duz em decisóes.
em que todos sao livres (2,12) e nào hà 2,1 É única na carta a mengáo explícita
escravos; é a lei de Cristo, implantada pela de Jesús Cristo; por isso tem valor parti-
CARTA DE TIAGO 662

tismos. 2Suponham os que em vossa as- a lei do reino, segundo está om mu ]


sem bléia entre alguém com anéis de amarás teu próximo com o a ti moMin 1
ouro e traje elegante, e entre também agiréis bem . 9Mas, se sois paivnn I
um pobre esfarrapado; 3prestais aten- cometeis pecado, e a lei vos conven,. I
gao ao de traje elegante, e dizeis: sen- de transgressores. 10Quem, cumpimi
ta-te aqui num bom lugar; e ao pobre toda a lei, transgride um preceito, ó i-
dizeis: fica de pé ou senta-te abaixo do de todos. 1JAquele que disse: náo " I
estrado de meus pés. 4Náo estáis dis­ meterás adultèrio, disse também: n,i
crim inando e sendo juízes de critérios matarás. Se tu nao cometes adultéflil I
perversos? 5Escutai, meus queridos ir- porém matas, violaste a lei. 12Falai e nJ I
máos: nao escolheu Deus os pobres de como quem vai ser julgado pela leí ,1,
bens m undanos e ricos de fé com o her- homens livres. 130 julgam ento de qi....
deiros do reino que prometeu aos que o náo teve piedade será sem piedade \
amam? 6Vós, ao contràrio, ultrajastes piedade triunfa sobre o julgam ento
o pobre. Náo sao os ricos que vos opri-
mem e arrastam aos tribunais? 7Náo sao Fé e o b ra s — 14Meus irmaos, de qm
eles que blasfem am o nome ilustre que serve para alguém alegar que tem I,
vos foi imposto? 8Se ao invés observáis se náo tem obras? A fé poderá salva

cular. A partir deste v. poderíamos identi­ 2,14-26 O autor conhece provavel


ficar com Cristo outras mongóes de “o Se- mente a doutrina de Paulo sobre a fé e ;i|
nhor”. Jesús Cristo é definido como objeto obras, e parece reagir contra as conseqüm
da fé dos destinatarios, e assim nos orien­ cias abusivas de tal doutrina. Antes de tu
ta para o Reino e a lei de homens livres. do, deve-se notar que Paulo se refere ;m
2.4 Veja-se o principio enunciado pelo “obras da lei” mosaica ou judaica, náo .r.
rei Josafá na sua reforma da magistratura: obras simplesmente; náo admite que tai
“Nosso Deus nao admite injustigas, favo­ obras sejam condigáo para a salvagáo >
ritismos, nem subornos” (2Cr 19,7). menos ainda que estabelegam um direilu
2.5 Segundo a versáo das bem-aven- a eia. Tiago, por seu turno, pensa em obrir
turangas em Mateus (Mt 5,3); veja-se o que um cristáo realiza já no contexto da
caso da comunidade de Corinto (ICor fé. Ou seja, que a chave está na distili
1,26). gao: as obras (da lei) como meio para as
2.6 Indica urna distingáo: náo sao os ri­ segurar para si a justiga perante Deus. ou
cos simplesmente, mas os ricos injustos as obras (de homens livres) como conse
(Mq 3,1-3). qüéncia da fé. Mas, preocupado em pre
2.7 O “nome ilustre” é o título de cris- caver contra interpretagóes perigosas, to­
táos, sinal de pertenga a Cristo, cidadáos ma a citagáo bíblica de Paulo (Gn 15,6) e
do seu Reino. a retorce, destacando outro aspecto do
2.8 Citagáo de Lv 19,18, citado em Mt texto bíblico, sem respeitar a seqüéncia
22,39 e paralelos. cronológica, quer dizer, pondo Gn 22 an
2.9 Dt 1,17; Pr 24,23. tes de Gn 15.
2,11 Referencia ao Decálogo: Ex 20; O exemplo do sacrificio de Isaac (mui
Dt 5. to estimado na tradigáo judaica) é válido,
2,13 Cf. Le 6,36-38. A última frase pode porque foi urna “obra” baseada numa “fé"
ser entendida de duas maneiras: nojuiz, a heroica. Por isso, o autor pode dizer que ¡i
piedade se impoe á condenagáo. Ver o caso fé “alcanga sua perfeigáo”, é consumada.
de Davi com a mulher de Técua: a tensáo O exemplo de Raab também é válido, pois
entre a exigencia de urna lei rigorosa e a eia faz urna profissáo de fé (Js 2,9-13)
piedade do pai para com o filho, do rei para como razáo de sua obra. O argumento dos
com o povo (2Sm 14). No réu, a piedade demonios é mais fraco, já que toma “fé'
que ele exerceu pesará quando for julga- em sentido de simples assentimento inte­
do. Pelo v. precedente, parece mais pro- lectual, náo como adesáo à pessoa. E ar
vável o segundo. gumento ad hominem: urna fé que náo se
663 CARTA DE TIAGO

tii> 1 Nii|nm!iamos que um irmáo ou justificada com as obras, acolhendo os


mu i ,ui>l.nii scniinus, sem o sustento mensageiros e despedindo-os por ou-
114«l<i um de vos lhes diz: ide em tro caminho? 26Da mesma forma que o
(i.i, <1111ii i 'idos e saciados; mas nao lhes corpo sem o alentó está morto, assim a
ii {Mi,! ,r. nccessidades corporais, de fé sem as obras está morta.
i|in .i n , 1'Igualmente a fé que nao
..... ... i mipanhada de obras: está total- A língua — ‘M eus irm áos, nao
......i. moría. l,sAlguém dirá: tu tens fé,
. ii i, nlin obras. Mostra-me tua fé sem
3 queirais todos ser mestres, pois sa­
béis que seremos submetidos a um jul-
•tu i r cu te mostrarei pelas obras a gamento. 2Todos falhamos muitas ve-
ni 11111,i Ir ‘‘'Crés que Deus existe? Mui- zes: aquele que nao falha com a língua
ii1 1.....1Também os demonios créem e é homem íntegro, capaz de frear o cor­
tu niriii de medo. 20Homem insensato, po inteiro. 3Pomos freio nos cavalos
i|in n s compreender que a fé sem obras para que nos obedegam, e assim guia­
. i n r i lo? 2lNáo foi nosso pai Abraáo mos todo o seu corpo. 4Observai os na­
|n ,nlirado pelas obras, oferecendo seu vios, tao grandes e arrastados por ventos
lillm Isaac sobre o altar? 22Vés que a fé impetuosos: com um leme minúsculo
ii|iiii com as obras, e pelas obras a fé o piloto os guia para onde quer. 5Da
. ln i’.ou á sua perfeigáo. 23E cumpriu- mesma forma a língua: é um membro
... o que diz a Escritura: Abraáo con- pequeño e se gaba de grandes agóes.
I ii ni em Deus, e isso lhe foi anotado Observai com o urna faísca incendeia
i nmo crédito, e foi chamado amigo de urna floresta inteira. 6A língua, também,
I irus. 24Vedes que o homem é justifi- é um fogo. Como um mundo de injus-
i mío com as obras e nao só com a fé. tiga, a língua, instalada entre nossos
Igualmente Raab, a prostituta, nao foi membros, contam ina o corpo inteiro e,

iimluz em obras nao é auténtica (como a menos. Se o uso da língua é táo ambiguo e
ilus demonios), “está morta”. perigoso, no mestre o daño é mais grave.
2,15 Ver a instrugáo de Pr 3,27-28 em 3.1 Entende-se o oficio de mestre na
■.cu contexto. respectiva comunidade. Entre os carismas
2.18 Comparar com G1 5,6. Paulo registra o de falar (ICor 12,8) e en­
2.19 Sobre a confissáo dos demonios, tre os oficios indica também o de mestres.
ver Mt 8,29 e paralelos. 3.2 Diz o Eclesiástico: “Feliz o homem
2,23 “Amigo de Deus”: segundo a ex- a quem as palavras nao afligem” (Eclo
pressáo de Is 41,8; 2Cor 20,7; título es- 14,1); e também: “quem nao pecou com a
lendido a outros em Sb 7,27. língua?” (Eclo 19,16).
2,26 O alentó é vida do corpo e a mani- 3.5 Pode ser reminiscéncia do SI 12: “A
festa. As obras do cristáo manifestam sua língua é nossa força, nossos lábios nos
lé e a mantém viva. defendem, quem será nosso patráo?
3.6 A imagem da faísca o leva a urna
3,1-12 A instrugáo sobre o uso correto visâo mais trágica do fogo. Na teoría dos
da língua comega pelo tema do ensinamen- quatro elementos, os antigos diziam que o
to, que é um caso particular, especialmen­ fogo é ascendente, porque sua esfera é o
te comprometido. O autor sapiencial do em -píreo (pyr = fogo).
NT prolonga urna tradigáo do AT. Entre Tiago imagina, antes, um fogo subter­
os sapienciais, ninguém como Ben Sirac ráneo, abissal, do mundo dos mortos. Tai-
se mostra táo consciente de sua nobre e vez pense no castigo de Coré, misturando
exigente fungáo de mestre, ninguém dedi­ os dados (Nm 16,31-35); ou no final de
ca tanto espago a tratar sobre o uso da lín- Isaías (66,24). O tema “infernal” se pro­
gua (Eclo 19,4-17; 23,7-15; 28,13-23; tam­ longa na mengáo do Diabo em 3,15 e 4,7.
bém Pr 13,3; 15 etc.). Pois bem, o mestre Lemos em Pr 16,27: “O homem depra­
Tiago exorta seus ouvintes ou leitores a vado cava fossas mortais, leva nos lábios
nao darem ares de mestres, sem mais nem fogo abrasador” (as fossas têm conotaçâo
CA RTA DE T1AGO 664 i '

alimentada pelo fogo do inferno, infla­ do pela m odéstiada sensatez. " P ......
ma o curso da existencia. 7A ratja hu­ se leváis dentro de vos urna inv< 111 . .
mana é capaz de domar e dom esticar sentida e rivalidade, náo vos glorie i- ■u
todo tipo de feras: aves, répteis e pei- ganando-vos contra a verdade. 1 l -
xes. 8A língua ninguém consegue do­ nao é sensatez que desee do coi. m>iJ
mar: mal incansável, cheio de veneno terrena, animal, demoníaca. 16Ond< Ii4|
mortífero. 9Com ela bendizem os o Se- inveja e rivalidade, ai há desoí !■n.
nhor e Pai, e com ela am aldi^oam os os toda espécie de maldade. 17A sen-.11. J
hom ens criados á im agem de Deus. que procede do céu é antes de tudo lnn
lnDa mesma boca saem béngáo e mal- pa; além disso é pacífica, comprecnsi\<i¡
digáo. Meus irmáos, nao deve ser as- dócil, cheia de piedade e bons rcsiilin
sim. "B rota de urna fonte, do mesmo dos, sem d iscrim inado nem finginn n|
olheiro, água doce e salgada? 12Pode, to. lsO fruto da honradez é semeadi i m
irmáos meus, a figueira dar azeitonas e paz para os que trabalham pela pa/
a videira dar figos? Ou urna fonte sal­
gada dar água doce? D iscordias — !De onde nascem m

S ab ed o ria a u tén tica — 13Há entre vos


4 brigas e contendas, senáo de vov»|
afá de prazeres que batalha em vonmh|
alguém sensato e prudente? D em ons­ membros? 2Cobi§ais, e nao tendes; .1
tre com sua boa conduta que age guia- sassinais e invejais, e nao o conseguí.

de túmulo). Com sua imagem, o autor in­ concordia ou rivalidade (cf. ICor 3,3; I 1
sinua ou supóe que o fogo do inferno é a 4,3). Ademáis, caracteriza as duas saín
geena, que instala e difunde seu fogo atra- dorias com vários qualificativos. A opo .i
vés da língua do homem. Com outras pa- gáo é extrema, sem matizes.
lavras, a língua pode contagiar-se com um 3,15-16 Uma é “terrena”, quer dizer, au
poder infernal aniquilador. rés do chao, sem abertura a uma inspiradlo
3.7 Segundo Gn 1,26 e SI 8. transcendente. É “animal”j ou seja, de ti|«'
3.8 Por seu poder mortífero, o veneno é biológico ou instintivo. E “demoníaca'
afim do fogo. A imaginario bíblica popu­ poique nao é controlada pela razáo supe
lar poe o veneno na língua da serpente, e rior e fica exposta ao manejo de poderc.
os poetas nao buscam a exatidáo científi­ inferiores; como a ^astúcia” da serpente
ca em suas imagens. “Afiam suas línguas que seduz Eva, quando esta prescinde d i
como serpentes, com veneno de víbora nos palavra de Deus e cede ao “desejo”.
labios” (SI 140,4). 3.17 A outra recebe vários predicados,
3,9-10 A rigor, béngáo e maldigáo sao alguns dos quais se léem em Sb 7,22.
duas formas literarias comuns, dois atos 3.18 O autor tentou compor um aforismo
correlativos legítimos. O autor coloca a agudo que (a nosso ver) náo conseguiu.
maldigáo entre os delitos por seu objeto. Tomando o dativo com valor de agente da
Pouco diferente é o SI 62,5: “com a boca passiva e vertendo-o na ativa, podemos
bendizem, com o coragáo amaldigoam”. traduzir: os que trabalham pela paz (Mt
3,11-12 Para o estilo de perguntas retó­ 5,9) semeiam na paz o fruto (efeitos) da
ricas em sèrie, ver Ara 3,3-6. Tres exem- honradez (justiga). Quer dizer, a justiga c
plos de causas: a que produz os dois efei- o último resultado de trabalhar pela paz.
tos, a que produz um fruto nao natural, e a A doutrina tradicional é, antes, a de Is
que produz o contrario. 32,17: “o fruto da justiga será a paz”.
3,13-18 Retorna o tema da sensatez
enunciado em 1,5. Como a sensatez é prà­ 4,1 Este é o parágrafo mais difícil da
tica, é arte ou habilidade, pode aplicar-se carta, pela sua construgáo artificial e pela
tambem ao mal: “sao hábeis para o mal” cita^áo enigmática dos vv. 5-6. É impor­
(Jr 4,22); “há urna astúcia exata e ao mes­ tante observar a pontuagáo dos vv. 2-3 para
mo tempo injusta” (Eclo 19,25). Distin- seguir a concatenado das breves frases, e
guem-se por seus frutos, especialmente nelas o processo de agóes, resultados ne-
C A R I A U H I IA G O

iillpiU i lui.il ., c nao obtendes, porque ximará de vós. Lavai as máos, peca­
-i i.i i» >I• • dores, e purificai as consciencias, inde­
'tin .i |irdis, nao o conseguís por- cisos.
,. c di', ni.il, para gastar em vossos 9Afligi-vos, ficai de luto e chorai. Que
ii' 'Adúlteros! Nao sabéis que vosso riso se converta em luto e vossa
n i .......... du mundo é ser inimigo de alegría em afligáo. 10Humilhai-vos di­
(i, ii ' ( lu pensais que é em vâo que a ante do Senhor, e ele vos exaltará.
1 1-, ni ni .i di/,: ( 'om inveja ambiciona o 11Irmaos, nao faleis mal uns dos ou-
F-| mi 11•• que depositou em nos; 6mas tros. Quem fala mal do irmáo ou o jul-
,l,i mu i k.i.K/I maior. Por isso diz: Deus ga, fala mal da lei e a julga. E se julgas
11 „i ,h ,ii is soberbos e dà sua graça aos a lei, nao és executor da lei, mas seu
h,mullir'.. 'Submetei-vos, pois, a Deus. juiz. 12Um só é o legislador e juiz, com
I», i h .in Diabo, e ele fugirà de vós; autoridade para salvar e condenar. Quem
*.i|,n i>i11na i-vos de Deus, e eie se apro- és tu para julgar o próximo?

jjiillvn:, e causas. Observe-se o esquema: b) Se o sujeito é o espirito, refere-se ao


l i,-, r. nao conseguís — porque”. O espirito ou alentó vital do homem, infun-
, ,111, m,i básico da seçâo assemelha-se ao dido por Deus? Em tal caso, o texto se re­
, Miiln i ido da denuncia profetica (p. ex. Is fere á depravadlo da consciencia huma­
I Mi Jr 2-A), presente também na li- na, que o favor de Deus há de reprimir.
iiui'i.i (|). ex. SI 50). Aanálise psicológica c) Ou o sujeito é o espirito divino in-
•|,r. i ansas é contribuiçâo do autor, talvez fundido no batismo? Em tal caso, des-
influenciado pela filosofia estoica popu- creveria urna agáo profunda do Espirito
liiii/jda. O esquema é o seguinte: denuncia corrigindo e enderezando a “inveja”. In-
,1,, pecado e análise de causas — ameaça clino-me á segunda hipótese.
cxortaçâo a converter-se — promessa. 4,6 A graga “maior” está sem termo de
Nn começo está a cobiça, como em 1,4, comparagáo: maior que a inveja, que o
,, il objeto ¡mediato sâo os prazeres; espó- desejo? A segunda citaqáo é identificável,
i n de força militar, cujo campo de bata- Pr 3,34, e deve ser lida em seu contexto.
lli.i é o homem. Do interior brota ao ex- De suas duas partes, a segunda e principal
li iior social com efeitos desastrosos: a se aplica a seguir; a primeira fica penden­
i iibiça pode levar até ao homicidio. Diri­ te até sua resoluejáo em 5,6.
ge semelhante acusaçâo aos cristáos? 4,7-10 Segue-se urna serie de imperati­
4.3 Se há má intençâo, o Senhor nao vos urgentes (no estilo de Is 1,16-17 ou de
escuta; nao vale para tal caso o “pedi e SI 4,4-6) acompanhados de promessas cor­
le.cebereis” (cf. SI 68,18-19). Semelhante respondentes. O primeiro “submetei-vos”,
petiçâo profana a oraçâo. Já falou da ora- pode ser programático. Segue-se urna an-
e.ío de súplica em 1,5-8 e voltará a falar títese assimétrica: o Diabo foge diante da
dola no fim da carta. resistencia (IPd 5,8), Deus se aproxima de
4.4 “Adúltero” é termo tradicional no quem dele se aproxima (Jr 3,22; 4,1; 30,21;
AT para designar a idolatria; em imagem Zc 1,3). A dupla seguinte combina o gesto
conjugal, infidelidade do povo a seu Deus com seu significado (cf. Is 1,16). “Indeci­
(p. ex. Is 1,21). Pois bem, sendo o mundo sos” ou divididos entre duas lealdades
rival de Deus, o amor a ele é urna forma (como os israelitas no tempo de Elias, IRs
de idolatria. 18). Segue-se um grupo de sentimento
4.5 Nao se conseguiu identificar essa penitencial: pode-nos recordar textos como
citaçâo em todo o AT, nem sequer quanto lM c l,39s ou Tb 2,6. Conclui com a pro-
ao sentido. Por isso, a interpretaçâo é du- messa evangélica de Mt 23,12 (cf. IRs
vidosa e discutida. 21,29), que estrutura o hiño de FI 2,5-11.
a) O sujeito do verbo “ambicionar” é 4,11-12 Como em portugués, a palavra
Deus? Em tal caso, o complemento é “o julgar procede do ámbito forense e se es-
espirito humano”, que Deus quer de modo tende ao campo ético do pensamento e da
ciumento para si (inveja variante de ciú- palavra. O autor retém a conotaijáo judi­
me, como em hebraico). cial e por isso menciona a lei, segundo a
CARTA DE TIAGO 666

Ricos e satisfeitos — 13Passem os ago­ podre, vossas vestes estáo com id.r p. i
ra aos que dizem assim: A m anhà ou traça, 3vossa prata e ouro estáo i'nffnj
depois iremos a tal cidade, passarem os dos; sua ferrugem testemunh;i omin
ai um ano, faremos negocios e ganha- vós, consumirá vossas carnes com «i.
remos dinheiro. 140 que sabéis do am a­ go. Entesourastes para o fim do num
nhà? O que é vossa vida? Sois urna né- do. 4A diària dos trabalhadores, que um
voa que aparece por um instante e logo pagastes aos que ceifaram vossos enui
desaparece. 15Deveríeis, antes, dizer: Se pos, ergue o grito; o clam or dos cuín
o Senhor quiser, viverem os e farem os dores chegou aos ouvidos do Senli>"
isto ou aquilo. 16Ao contràrio, agora vos dos Exércitos. 5Vivestes na terra ímn
gloriáis alardeando. E toda jactancia luxo refinado; cevastes vossos coi lu­
dessa espécie é má. 17Quem sabe fazer para o dia da matança. 6Oprimisii i
o bem e náo o faz é culpado. m atastes o inocente. Náo resistirá Dm.
contra vós?
’E agora cabe aos ricos: Chorai e
5 gem ei por causa das penas que se
aproximam de vós. 2Vossa riqueza está
Paciência e oraçâo — 7Irmáos, ten.l.
paciéncia até que venha o Senhor. Piti

qual se julga. Quem se arroga o direito de náo controla o amanhá: “Náo te glories il.,
julgar, coloca-se acima da lei e a submete amanhá, náo sabes o que o hoje vai geni
a julgamento. (Pr 27,1; cf. Le 12,19-20). Os comercian
Sobre a murmuragao e difamagáo: SI tes eram mal vistos na literatura sapieneiul
101,5; Sb 1,11. Só Deus tem autoridade (cf. também Os 12,8; Zc 14,21).
para absolver e condenar (náo menciona 4.14 O homem é como névoa: Os 13, '
o julgamento de Cristo na sua parusia). Sb 2,4; SI 39,6.12.
4.15 Daqui procede a expressáo porlu
4.13-5,6 Em dois trechos trata da ánsia guesa “se Deus quiser”. Entre os protes
de enriquecer-se e das riquezas injusta­ tantes pode-se dizer “com a cláusula el.
mente adquiridas. O mestre sapiencial pro­ Tiago” para indicar a condiçâo teológie.i
longa ensinamentos do AT que nos convi- de urna promessa ou projeto.
dam a distinguir e precisar. Há riquezas 4.16 Contra a jactáncia: Jr9,22; Le 12,47.
que sáo béngáos de Deus, como as de
Abraáo ao voltar do Egito (Gn 13). Há ri­ 5,1-6 Trata das riquezas injustas: fruto
cos, talvez ilegítimamente enriquecidos, de extorsáo ou exploraçâo, de mandar tra
que póem sua confianza ou sua arrogan­ balhar sem pagar a diària. Tema freqüenli
cia ñas riquezas. Arrogancia é declarar que no AT: na legislaçâo (Lv 19,3; Dt 24,14-15),
sáo criagáo exclusiva do rico, excluindo a no governo (Jr 22,3.13-17), num juramento
intervengáo de Deus (Ez 28); confianza é de inocéncia (Jó 31,38-39). A ameaça c
tratá-las como apoio da existencia, fazen- apaixonada e o tom sarcástico: as riquezas
do-as rivais de Deus (SI 49; 62). Tiago se voltam contra seus possuidores numa es
detecta na ánsia de enriquecer-se um es- pécie de vingança imánente. A riqueza go­
quecimento prático de Deus e da condi- ra um fogo que consumirá: os corpos que
gáo humana mortal. engordam cevam-se para a matança.
Há ricos que sáo ricos as custas de ou- 5,2 Eclo 29,10 é urna exortaçâo a em­
tros: sáo os que os profetas denunciam com prestar mesmo a fundo perdido. Eclo 3 L i­
freqüéncia e veeméncia: “Ai dos que acres- l i contrapóe o rico cobiçoso ao que náo
centam casas a casas e juntam campos a se perverte pela riqueza; durissima é a de­
campos, até náo deixarem espago e vive- nuncia de Eclo 34,20-22.
rem só eles no país” (Is 5,8) e também os 5.5 Ver a parábola do rico e Lázaro (Le
sapienciais (Eclo 34,18-22). Tiago se diri­ 16,19-31).
ge também a estes. 5.6 Este v. deve ser lido em inclusáo com
4.13-16 Enriquecer-se em um ano se 4,6, que tinha funçâo programática. Des­
considera precipitado, suspeito: “fortuna se modo, fica claro que o sujeito (implíci­
apressada encolhe” (Pr 13,11). O homem to) do verbo resistir é Deus, e o sentido é
Il* 667 CARTA DE TIAGO

MI Hlt Mi.iin no lavrador, com o espera m odo. Vosso sim seja sim , vosso náo
#*HH |ntt |i ni i.i ale receber as primeiras seja náo, e assim nao sereis subm eti-
i dos a julgam ento. 13A lguém de vós so-
ir, lardias, com a esperanza
Im ■iillir.ii 11iilo da térra. 8Tende, tam- fre? Ore. A lguém está feliz? Cante.
iipiti i ir., paciencia, fortalecei o ánimo, 14Um de vós está doente? Cham e os
«ti« .1 i ln i',id;i do Senhor está próxi- anciáos da com unidade para que re-
Iiih 'humus, nao vos queixeis uns dos zem por ele e o unjam com azeite, in­
m i i I k r nao sereis julgados: vede, o vocando o nome do Senhor. 15A ora-
luí« rMíi ;i porta. çâo feita com fé curará o doente, e o
'"( i uno exemplo de sofrim entos su- Senhor o fará Ievantar-se. E se come-
milmlu', iiim paciencia, tomai os pro- teu pecados, serâo perdoados. ^ C o n ­
I (.liin ijiir lalaram em nome do Senhor.
'Vrilr. declaramos felizes os que re-
fessai uns aos outros os pecados, rezai
uns pelos outros, e vos curareis. Mui-
tlMIinni. Ouvistes falar como Jó resis- to pode a o raçâo so líc ita do justo.
llii i ronheceis o desfecho que Deus 17EIias era homem frágil com o nós;
llii |ii(iporcionou, pois o Senhor é com- porém , rezou pedindo que nao cho-
(iiiunIvo e piedoso. vesse, e na terra nao choveu por très
1 'Subrctudo, irmáos, nao juréis: nem anos e seis meses. 18Rezou novam en-
iiil< i ccu nem pela térra nem de outro te, e o céu soltou a chuva e a terra deu

• i>■icnto: 4,6 “Deus resiste aos soberbos”; comunidade. O paciente só chama e se


V "Nao resistirá Deus contra vós?” submete à cerimônia, que se compóe de
5,7-10 Exortando á paciencia e á perse- rito e palavra. O rito é uma unçâo com óleo
vrunga, supóe que a parusia está próxima (cf. Is 1,6; Me 6,13) elevada à categoría
mque será o tempo do julgamento final e sagrada pelos oficiantes e pela oraçâo. Esta
ilrlinitivo. Era a crenga das comunidades é precedida ou acompanhada da invoca-
nilmitivas. Em parte apoiada nas escato- çâo ao Senhor. A fé dos oficiantes obtém a
Inj’ias evangélicas (cf. Mt 24,33 par. em saúde do enfermo, que pelo contexto deve
unís respectivos contextos). A compara­ ser a saúde corporal. Pode suceder que a
ron das chuvas primeiras e tardías cor- enfermidade seja efeito de algum pecado,
irsponde ao regime agrícola da Palestina segundo a crença antiga (p. ex. SI 38,4-6);
(1)1 11,14; Os 6,3). em tal caso, pelo rito os pecados lhe serâo
5.11 O exemplo de Jó, como acontece perdoados.
mima tradigáo, limita-se aos primeiros ca­ No caso de Ezequias (Is 38), o doente
pítulos do livro e ao último. “Compassivo ora sem confessar pecados, e o profeta apli­
c piedoso” sao atributos litúrgicos de Deus ca o remédio. E tradicional dar a Deus o
(Ex 34,6; SI 86,15; J1 2,13). título de “médico” (Dt 32,39). Eclo 38 reco-
5.12 Sobre o juramento: Mt 5,34-37; menda ao doente purificar-se dos pecados,
Helo 23,9-11. O sim e o nao: 2Cor 1,17. rezar e chamar o médico. Tiago fala de um
5,13-18 Para orientar-nos nesse texto ato sagrado oficial. Nesse texto se apóia a
breve e elíptico, será útil recordar o esque­ doutrina e a prática da unçâo dos enfermos
ma de alguns salmos de súplica, espe­ (outrora chamada extrema-unçâo).
cialmente da parte de doentes. Parte-se da Tiago fala de um ato sagrado, oficial; náo
experiencia dolorosa da doenga, que é in­ se ocupa de outros remédios humanos.
terpretada como castigo de Deus por al- 5,16 No AT e no judaismo, há confíssáo
gum pecado; o doente se arrepende, pede de pecados de vários tipos: do doente a Deus
perdáo e cura; as vezes antecipa a agáo de (SI 32,5), do pecador a um profeta (2Sm
gragas. Veja-se todo o SI 38. 12), litúrgica (SI 51), o dia da expiaçâo (Lv
Exorta a orar em diversas ocasióes: em 16), coletiva (Ne 9; Br 1—3). Tiago fala de
sofrimentos e alegrías, numa doenga su- uma confíssáo mutua, ao que parece de pe­
postamente grave. Em dois casos, o inte- cados concretos, com oraçâo mútua pela
ressado suplica ou canta hinos. No tercei- saúde corporal ou espiritual (cf. Pr 28,13).
ro caso o autor introduz um rito público, 5,17-18 Elias pode representar todo o
oficiado por “anciáos” ou responsáveis da profetismo (IR s 17-18).
CARTA DE TIAGO 668 T
seus frutos. 19M eus irmàos, se alguém cador do mau cam inho salvara a |.i
de vós se afasta da verdade e outro o pria vida da morte e cobrirá unia m
reconduz, 20aquele que converte o pe- tidáo de pecados.

5,19-20 A frase grega nào resolve a atri- SI 32,1). Outros pensam que o beneficiàrio é
buigào de fungòes sintátieas. Quem é o be­ quem encaminha (o que nào se exclui); con­
neficiàrio? O mais lògico é que se salve o ex­ seguir urna conversào já é honra e privilè­
traviado, quando outro o encaminha e faz com gio. A citatilo de Pr 10,12 é segundo o gre-
que os pecados sejam perdoados (cobertos, go e nào corresponde ao sentido original.
PRIMEIRA CARTA DE PEDRO

INTRODUQÀO

NlllOI
ser cristáo comegaram no tem po de
D om iciano (81-96). Responde-se que
\ ,i uiiulagáo o autor se apresenta co- já Ñero perseguiu os cristáos e houve
■II.' l'itlro, apóstolo de Jesus C risto”; outras perseguigoes locáis. O cargo de
■i,, liihil diz que escreve da Babilònia, “a nciáos” na comunidade é posterior.
i, iiiiniinaqdo intencional de Roma. A o Responde-se queA tos o documenta co­
i 'in;,. da carta se apresenta corno an- mo m ais antigo e é urna sim ples trans-
, 1,1... trstemunha ocular da paixào e posigáo do uso judaico. E irrazoável
„/, .<tu ile Cristo (5,1); cita, embora nào que escreva a igrejas da A sia que nem
. ilmIntente, ensinamentos de Cristo. havia fundado nem visitado, e aonde
I timligào antiga aceitou o dado des- nao chegava a perseguigáo. Responde-
,/, umita cedo: 2 P d 3 ,l, Policarpo, Cle- se que os cristaos tiveram de sofrer em
Uh flit'. toda parte.
I \ sa seguranga diminuiu ante as ob- O balango da argumentagáo deixa a
In , rir.v da crítica. Vamos repassá-las solugáo indecisa, e os comentaristas se
,,mi us respostas correspondentes. A n ­ dividem em dois grupos: a) O autor é
tri ih- tudo, a linguagem e estilo gre­ Pedro, anciáo e talvez prisioneiro, p ró ­
tiin improprios do pescador galileu. xim o da morte; escreve urna espécie de
Hrs\ionde-se que S ilva n o (5,12) re- testamento, cordial, muito sentido. Seu
.hyjtt o texto e nào escreveu só o que tema principal é a necessidade e o va­
ri a ditado. A carta cita o A T na versào lor da paixáo do cristáo, a exemplo e
, h i \ Setenta, nào em hebraico, e o tece em uniáo com Cristo. Confia a redagáo
suavemente com seupensam ento. Res- a Silvano, b) A carta é pseudónima. O
l'uiide-se que os destinatarios falavam autor é um desconhecido do círculo de
mi conheciam o grego. Faltam as lem ­ Pedro, que em tempos difíceis quer alen­
bi angas pessoais de um companheiro tar outros fiéis, e para isso se vale do
intimo de Jesús. Responde-se que a p e s­ nome de Pedro. Alguns tragos hábeis Ihe
imi de Jesus Cristo está presente e d o ­ servem para tornar verossímil a fiegáo.
mina a carta, seus ensinam entos res- Os destinatários eram pagáos con­
\<>amjá assimilados: compare-se 1,13 vertidos, como m ostram as referencias
rom Le 12,35; 2,12 com M t 5,16; 3,9 de 1,14.18 e 4,3.
rom M t 5,44; 3,14 com M t 5,10; 4,14
rom Le 6,22. O autor conheceu cartas
ile Paulo, inclusive Efésios (que é p o s­
Data
terior). Responde-se que uns paralelos Se é Pedro, teve de ser antes de 67,
sao pouco convincentes, outros proce- data limite do seu martirio. Se é um dis­
ilrm de um fundo litúrgico ou da pre- cípulo de outra geragáo, seria durante
gagáo oral. O nome de Babilonia nào a perseguigáo de Domiciano (95-96).
se aplicou a Roma antes do ano 70. Res­
ponde-se que o A T conhece o uso em ­ Sinopse
blemático de Babel como poder hostil,
e a hostilidade romana nào comegou, A carta náo parece seguir um plano
mas culminou em 70. A perseguigáo ordenado, m as vai m udando de tema
referida (cf. 4,12) e o declarar delito o sem avisar.
PRIMEIRA CARTA DE PEDRO 670 INTKOlM'i
1.1-2 Saudagáo. 3,8-17 P aciencia a exem i.1
1,3-12 Esperanza crista. Cristo.
1,13-25 Conduta crista: 3,18-22 M orte e ressurreigún
como filhos. Cristo e batismo.
2,1-10 Cristo pedra viva, de fun- 4.1-19 H ostilidade do mund<
dagáo. julgam ento de Deus
2,11-25 Vida crista a exemplo de 5.1-4 Aos anciáos/respons.n.
Cristo. 5,5-11 A osjovens.
3.1-7 Casais. 5,12-14 Sauda<j6es.
riUMEIRA CARTA DE PEDRO

'.....ilii^nrs 'De Pedro, apóstolo to, que, segundo sua grande misericordia
I .I. I. .ir. <'lisio, aos eleitos que re-
tidi mi ii i dispersilo do Ponto, Galácia,
e pela ressurreiqáo de Jesús Cristo da
morte, vos regenerou para urna esperan­
i i|. i.l... i.i. Asia, Bitínia, 2eleitos pelo za viva, 4urna heranga incorruptível, in-
i • 11<- I >ous Pai, pela co n sag rad o contaminável e que nao murcha, reser­
i ■I pililo, para se submeterem a Je- vada para vós no céu. 5Pela fé, o poder
., i ii'.iiu' serem aspergidos com seu de Deus vos guarda para uma salvaqao
anuí’....... vós graqa e paz abundante. disposta a revelar-se no último dia. 6Por
isso estáis alegres, embora por pouco
I .|n i iin^-a c r is ta — 3B endito seja tem po tenhais de suportar diversas pro­
I ii ir.. I’ai de nosso Senhor Jesús Cris- vas. 7Se o ouro, que perece, é aquilata-

I I Pedro se apresenta com o mesmo tí- Jesus Cristo. Inclusive antes precede o “de­
iiiIii i|iic Icmos ñas cartas de Paulo. Os elei- signio” de Deus (v. 2). De Jesús Cristo re-
i.i i '..ni os cristáos, já “dispersos” ou difun- corda a “ressurreigáo” (v. 3) e a parusia (w.
illilii', pelas provincias romanas da Asia. Se 5.7). O cristáo responde com a fé (w . 5.9),
,i ili.r.pora é para os judeus um fenòmeno a esperanza (v. 3), a constancia (w . 6-7), o
|i. i'.lc i ior, para a Igreja é seu primeiro cres- amor a Cristo (v. 8). Vejamos as etapas.
i ululilo. a) A regeneragáo ou novo nascimento (w.
1,2 Ser cristáo é resultado de urna acao 3.23), em virtude do mistério pascal. A mor­
lilnilária (embora Jesús Cristo nao receba te de Cristo fica implícita; menciona só a
.■i|i ii a designagáo de Filho). Aeleigáo é de ressurreigáo. Porque ambas, ressurreigáo de
mu povo novo, internacional; a consagra­ Cristo e regeneragáo do cristáo, sáo a seu
dlo é de todo o povo, nao se limita a um modo comego de vida nova. A fé inicial é
l'iiip o . Submeter-se é o ato da fé como ade- crer e amar sem ter visto nem conhecido
Niio. Pelo rito do sangue, aplica à Igreja a pessoalmente Jesús— como o conheceu Pe­
miagem da alianza, ou seja, submissáo a dro, que conviveu com ele —•. É também o
)hwh como soberano, selada com o sacri- cometo de uma esperanza sem ter visto.
ticio (Ex 24,3-8; cf. Hb 9,12-14). Se o au- b) Avida do cristáo está animada pela fé,
lor da carta é Pedro apóstolo, recordaremos “custodiada” por Deus, alegrada pela espe­
i|uando nos falar da provagáo em que ele ranza. Incluí sofrimentos (tema dominante
um dia falhou e chorou amargamente. Se o da carta), que sáo provagáo e purificar a fé.
autor nao é o apóstolo, entáo quem pronun­ Em meio ao sofrimento, a esperanza enche
cia o texto é um personagem que falhou e de alegría (cf. 2Cor 7,4). Cada familia rece-
chorou. Este é um recurso hermenéutico que beu seu quinháo, quando a terra prometida
pode animar a ccmpreensáo do texto. foi repartida entre as tribos; era sua heranga.
1,3-12 (As divisóes propostas para esta Era urna terra alheia, exposta, ameagada,
carta sao bastante artificiáis). Bendizer a perdida. O cristáo conta com uma “heran­
Deus equivale a dar-lhe grabas; o motivo ga” guardada ou reservada no céu. E segu­
de conjunto é a “salvatilo” (Pedro poderia ra, nao terá fim; o paradoxo é que o herdei-
ter recordado que o nome de Jesús con- ro toma posse da heranga quando morre,
tém a raiz de “salvar”). Jesús traz o título náo quando morre o testamenteiro. E a re-
de Senhor, talvez o de Messias (christos), ceberá no “último dia”, o dia da parusia,
implicitamente o de Filho de Deus Pai. quando Jesus Cristo se revelar (ICor 1,7).
Toda a salvagáo, desde o comego do ba- 1,4 “Reservada”: ver SI 31,20; C11,5.12.
tismo, ao longo da existencia, até a con­ 1,7 “O Deus, tu nos provaste, nos refi-
su m alo , é obra de Deus Pai por meio de naste como se refina a prata” (SI 66,10);
P R IM E IR A C A R T A D E P E D R O 672

do no fogo, vossa fé, que é mais precio­ isso que agora tém anunciado os i |ii.
sa, será aquilatada para receber louvor, zem a boa noticia, inspirados peí I
honra e gloria, quando Jesús Cristo se rito Santo enviado do céu: coisas qn,
revelar. 8Náo o vistes, e o amais; sem ve­ anjos desejariam presenciar.
lo, credes nele e vos alegrais com alegría
indizível e gloriosa, 9pois recebereis, co­ Conduta crista — 13Por isso, cinpdm
mo termo de vossa fé, a salvacáo pessoal. mentalmente e sobrios, colocai indi
10A respeito dessa salvacao. indaga- vossa esperanza nessa graca que v o s m u
ram e estudaram os profetas que profe- concedida quando Jesús Cristo se icv»
tizaram a gracia que iríeis receber. 11In- lar. 14Como filhos obedientes, nao m
dagavam para averiguar o tempo e as deixeis modelar pelos desejos de anii
circunstancias indicadas pelo Espirito de quando vivíeis na ignorancia; 15pel(u'i m
Cristo que habitava neles, quando pre- trário, visto que é santo aquele que \ 11
dizia a paixáo de Cristo e a glo rificad o chamou, sede vós também santos em ii
que viria depois. ,2Foi-lhes revelado que do o vosso agir; 16pois assim está esi 11
nao era para eles, mas para servir a vós, to: Sede santos, porque eu sou santo.1 I

“Deus os colocou à prova e os achou dig­ as canta referindo-se a um inocente persi •


nos de si, examinou-os como o ouro no guido e libertado; cf. Le 24,26s.
crisol” (Sb 3,5s; mais exemplos em Is 1.12 A “revelagáo” antecipada do Al
48,10; Zc 13,9; MI 3,3). corresponde a proclarnagáo apostólien,
1.8 “Felizes os que creram sem ver” (Jo também “inspirada”. O Espirito enviad,
20,29; cf. 2Cor 5,7). em Pentecostes e repetidas vezes. No ecu
1.9 “Salvagáo pessoal”: o sintagma sig­ se apresentam os anjos para contemplai u
nifica no AT simplesmente salvar a vida; progresso da evangelizado.
aqui significa a salvagáo total e definitiva. 1.13 Comega aquí uma sèrie que se arli
A s a lv a lo fica completa no final, no últi­ cula em conselho e motivagáo ou principili
mo dia. e conseqüéncia. Utiliza o recurso explica­
1,10-12 O problema destes vv. consiste tivo ou ponderativo da fórmula “nao isto
em identificar esses profetas: sao os do AT, mas aquilo” e contrapóe a situagáo passada
os do NT, todos? Se sao os do NT, distin- à presente, ou vice-versa. A primeira sen
guem-se dois tempos, eles/nós, e fica ob­ tenga brota como conseqüéncia do que pro
vio o título “Espirito de Cristo”; mas nao cede. Exorta à esperanza, que se justifica
se explica o “predizer” e soa mais tradicio­ pelo cumprimento futuro (Ef 3,10). “Cin
nal o “profetizar”, como também a indaga- gir-se” é o gesto de quem empreende unía
gao sobre o tempo e as circunstancias; com viagem ou tarefa, como os israelitas quan
isso se afirma a continuidade AT — NT na do se dispòem a sair do Egito (Ex 12,11); a
Iinha de profecía e cumprimento. Nessa “sobriedade” é condigáo para ser consci
segunda interpretadlo se entende que o Es­ ente e náo tropegar no caminho.
pirito de Cristo se adiantou para anunciar 1,14-16 O segundo conselho é mais
sua vinda e cultivar a esperanza. Parece- complexo. Tem urna motivagáo por ana
me mais provável a segunda identificagáo, logia humana: a conduta pròpria de um
que está em harmonía com as palavras de filho obediente (cf. Is 63,8; Eclo 3,1-16).
Jesús: “Eu vos garanto que muitos profe­ E urna motivagáo de cima, que é o chama­
tas e justos desejaram ver o que vós vedes, do a assemelhar-se a Deus, segundo o
e náo o viram...” (Mt 13,17 par.). mandato de Lv 11,43-44 e do código Lv
1.10 “Indagaram”, especialmente em 17-19. Unindo as duas pegas resulta: é
textos apocalípticos: “Eu, Daniel, lia aten­ preciso obedecer como filhos a um Pai (Is
tamente no livro das profecías de Jeremías 63,8) que é Santo e chama à santidade.
o número de anos que Jerusalém havia de 1,17 O tema da paternidade serve de
ficar em ruinas” (Dn 8,15; 9,2). enlace para o terceiro conselho motivado.
1.11 Paixào e gloria se cantam em Is 53, Esse Pai se apresentará um dia como juiz,
que foi lido em chave messiànica: o SI 22 pelo que é necessàrio proceder o tempo
673 P R IM E IR A C A R T A D E P E D R O

........i l . l’.ii iiquele que julga impar- beleza como flor do campo; a erva res-
, i.<111mnir ,is ai^ocs de cada um, agi com seca, murcha a flor, 25mas a palavra do
.........l i i l m . mie vossa permanència na Senhor permanece sempre. Essa palavra
li ii :i 1 S.ibei t|iie vos resgataram de vos- é a boa noticia que vos foi anunciada.
,,i »ii i umilila rccebida em heranga, nào
. uni |ii.il,i e oumcorruptiveis, 19m ascom A p ed ra viva-— 'Portante, despojai-
,, | ii >i ii isii sangue de Cristo, cordeiro
i ih in.niella nem defeito, 20predestina-
2 vos de toda maldade, fraude e hipo-
crisia, toda inveja e difam ado; 2desejai,
tln nuli -, ila criagào do mundo e revela- como crianzas recém-nascidas, o leite
■lii un linai dos tempos, em vosso favor. espiritual, nao adulterado, para cres-
'Cui ineio dele credes em Deus, que o cerdes sadios, 3se é que provastes como
n v.ir.eitou da morte e o glorificou; des- o Senhor é bom. 4Ele é a pedra viva,
i.i lumia, vossa fé e esperanija se diri- rejeitada pelos homens, escolhida e es­
fiiin a Deus. 22Purificai vossas cons- timada por Deus; por isso, aproximan-
i ii'iii ias, submetendo-vos à verdade, e do-vos dele, 5também vós, como pedras
limai os irmàos sem fingimento, de co­ vivas, entráis na construidlo de um tem ­
m p i o ; amai-vos intensamente uns aos plo espiritual e formáis um sacerdocio
i miuis, 2,pois fostes regenerados, nào de santo, que oferece sacrificios espirituais,
lima semente corruptivel, mas pela pa- agradáveis a Deus por meio de Jesús
l.ivia incorruptivel e perm anente do Cristo. 6Pois na Escritura se lé: Vede,
I >eus vivo. 24Pois toda carne é erva e sua ponho em Siáo uma pedra angular, es-

linio com cautela (cf. SI 28,4; 62,13). Assim o evangelho aceito com fé e selado com o
.i “cautela” complementa a “esperança”. batismo traz o perdáo dos pecados, a puri­
Para o autor, os títulos de Pai e de Juiz ficad o radical (3,21); no plano psicológi­
nào se excluem (cf. Jr 3,19). Na lei roma­ co, a verdade do evangelho descobre nos-
na antiga, o pátrio poder se estendia a as- sas impurezas e permite eliminá-las. Sobre
smitos judiciais no ámbito doméstico. o amor fraterno, Jo 13,34. O motivo é a
1,18-21 Começa unido com o que pre­ regeneracíio ou novo nascimento. Há um
cede por um participio, como se fosse ou­ nascimento para a corrupgáo, que dá vida
ïra motivaçâo. Mas o conteûdo transbor­ a um homem caduco (de carne), como erva
da o esquema e toma a forma de uma (Is 40,6-7). E há um nascimento produzi-
confissâo ou profissâo. Do resgate-reden- do pela “palavra perdurável de Deus”. Essa
çâo passa ao resgatador-redentor. Resga- palavra é o evangelho anunciado. O novo
tar é o ato pelo quai se recupera uma pro- nascimento gera irmáos e funda o amor
priedade familiar alienada ou se devolve fraterno.
a liberdade ao escravo indevidamente re­
tido. Costuma incluir um pagamento ou 2, 1 Pode-se considerar a crianza na sua
compensaçâo pecuniária: Lv 25,23-28.47- imaturidade (Hb 5,12) ou na sua inocen­
48; Jr 32; Rt 3-4. cia primeira (cf. SI 8,2). Os que nasceram
Cristo paga com seu sangue ou sua vida de novo devem alimentar-se com leite para
a liberdade do escravo. Seu sangue é sa- crescerem saos e para apreciar o sabor de
crifical, do “cordeiro” (cf. Is 53), pelo que Deus (SI 34,9; cf. Is 7,15). O que adultera
o resgate é também expiaçâo. A confissâo o leite sao os vicios citados.
sobre Jésus Cristo sintetiza-se em très tem­ 2,4-8 Desenvolve a imagem da pedra em
pos: predestinado desde sempre, manifes­ varios aspectos, combinando textos bíbli­
tado nesta última etapa, morto e ressusci- cos. Pedra de fundagáo (Is 28,16) na qual
tado (da sua vinda final falou antes). se apóia o homem pela fé. Pedra angular
1,22-25 Novo conselho com motivaçâo (SI 118,22) que é chave ou remate do edi­
solene. A purificaçâo se realiza aceitando ficio (cf. Zc 4,7). Pedras vivas sao os cris-
ou submetendo-se à “verdade” do evan- táos; com elas se constrói o templo “espi­
gelho: “estais limpos pela palavra que eu ritual” de Deus. Nesse templo oficia um
vos disse” (Jo 13,10). No plano teológico, sacerdote santo ou consagrado (pelo ba-
P R I M E I R A C A R T A D E P F .D R O 674

colhida, preciosa; quem se apoiar ncla Vocagáo crista e exemplo de < i ■i.
nào fracassare. 7E preciosa para vós que — "Q ueridos, eu vos exorto coni" i
credes; ao contràrio, para os que nào hospedes e forasteiros a vos absln.i.
crèem, a pedra que desprezaram os ar- dos desejos sensuais, que fazem fin n i
quitetos é agora a pedra angular 8e pe­ ao espirito. 12Agi honradamente em tn< mi
dra de tro p ero , rocha de precipicio. aos pagaos, e assim os que vos <111>
Nela tropegam os que nào crèem na pa- mam como m alfeitores, ao verem vn
lavra: tal era o destino deles. 9Mas vós sas boas obras, glorificaráo a Deus im
sois raga escolhida, sacerdocio real, día das contas. l3Em atengáo ao Senlmt
nagáo santa e povo adquirido, para pro­ submetei-vos a qualquer instituigáo Im
clamar as proezas daquele que vos cha- mana: ao reí como soberano, 14aos du
mou das trevas à sua luz maravilhosa. fes como enviados por ele para casi i
10Vós que outrora éreis Nào-povo, ago­ gar os malvados e premiar os honrado*
ra sois Povo de Deus; éreis os N;io-com- Tal é a vontade de Deus, que, fazen
padecidos, agora sois Compadecidos. do o bem, tapéis a boca dos insensato'.

tismo, de todos os cristáos); ofereee sacri­ vos. Tinham que impor-se e acreditar sini
ficios espirituais (cf. Jo 4,23-24), que Deus fé com a “conduta”, por um lado sendo
aceita por mediagáo de Jesús Cristo. Mas fiéis as suas convicgóes, por outro lado
a pedra de fundagáo e angular, se é rejei- levando em conta o julgamento dos de
tada, pode converter-se em pedra de tro- fora. Eram também hospedes e forastci
pego (Is 8,14; cf. Le 2,34). ros em relagáo á pátria celeste, embor;i
2,9-10 As palavras “sacerdocio santo” fossem cidadáos do império (Hb 13,14,
sugerem a Pedro essa exclamagáo entu­ F1 3,20). )
siasta, composta de citagóes e títulos que Diz o mesmo partindo de outro ponto
o AT aplica ao povo de Israel. “Raga esco­ de reflexáo. As pequeñas comunidades
lhida... para que proclame meu louvor” (Is cristas eram súditas do império no meio
43,20): era o Israel ideal que devia voltar de uma sociedade paga: como deviam
à pàtria por urna agào nova e originai de comportar-se? Por serem “hospedes e fo­
Deus. E agora o povo cristào. “Sacerdo­ rasteiros”, estavam isentos da lei roma­
cio real” (Ez 19,6): eram sacerdotes a ser- na? Como servos de Deus, nao estavam
vigo do Senhor rei (explicagào impro- submetidos as autoridades civis? Co­
vável); ou linhagem real que exerce o mo cristáos, podiam despreocupar-se da
sacerdocio (como Ap 1,6; 5,10); ou pala­ opiniáo da sociedade? Pedro dá nor­
cio real do Senhor (menos provável). mas claras e apela para a consciencia cris-
“Povo adquirido” (Ex 15,16 par.): o povo tá, “em atengáo ao Senhor... é a vontade
era “propriedade” de Deus (Ex 19,5; Dt de Deus... em consciencia diante de Deus”.
7,6); agora é o povo cristào. “Das trevas à Mas, se as autoridades se tornam injus­
luz” (Is 9,2; 42,7; 49,9). O ùltimo v. é com­ tamente hostis aos cristáos, como devem
b in a lo livre de Os 1,6.9 e 2,1.25. Os pa­ comportar-se? A isto responde nos vv.
gaos, que nao eram povo de Deus, agora seguintes.
pela eleigáo sao o verdadeiro povo de 2.11 Hospedes: SI 39,12. Sobre a luta
Deus. interior, Rm 7.
2,11-18 Em 1,14 dizia “como filhos 2.12 Segundo o conselho de Jesús (Mt
obedientes”, aqui continua “como hos­ 5,16). Na conduta do seu povo, está em
pedes e forasteiros”, depois dirá “como jogo a gloria de Deus. O dia das contas
homens livres”. Preocupa o autor urna pode ser um final relativo ou o final abso­
comunidade crista pequeña em meio a luto (cf. Is 10,3; Sb 4,20-5,1).
urna multidào paga que observa critica- 2,13-14 Note-se o motivo, “em aten­
mente os adeptos da nova religiào. O gáo ao Senhor”, que é soberano de reis e
exemplo que derem na vida social é ca­ governantes e respalda a autoridade dos
pitai. Pois bem, a maioria dos cristáos que administram a justiga na sociedade
eram de classe baixa; alguns eram escra- (Rm 13,1-7). De fato, a autoridade roma-
675 P R IM E IR A C A R T A D E P E D R O

« I| ì m i >i uni ) -, "’( ’omo homens livres, contràrio, submetia-se àquele que ju l­
111• nini ir..un ii liberdade para enco- ga com justiga. 24Nossos pecados ele
lnii ,i Mi.ildiidc; antes, como servos de os carregou em seu corpo no madeiro,
I imi 1 In mi ili il todos, amai os irmàos, a fim de que, mortos para o pecado,
• •.)ii itili .i Deus, honrai o rei. 18Cria- vivam os para a justiga. Suas cicatrizes
.l.i miI mirtei-vos avossospatróescom nos curaram. 25Éreis com o ovelhas ex­
in.In .i ii speito, nao so aos bondosos e traviadas, mas agora voltastes ao pas­
»Miitvi i ., mas também aos perversos. tor e guardiáo de vossas almas.
.ilf iii in, citi consciència diante de
I». ir.. M i p o r t a penas e sofre sem moti- M atrim onios — 1Da mesma forma
n ni ilio urna graga. 20Que mérito há
. ni iii'iirnlar golpes, quando alguém é
3 vós, mulheres, subm etei-vos a vos­
sos maridos, de modo que, embora al-
. ii 11mi li i? Mas se, fazendo o bem, ten- guns náo creiam na m ensagem , pela
.h •. ili iigüentar puniQÓes, isso é uma conduta de suas mulheres, mesmo sem
ih ni. i de Deus*. 21Essa é a vossa voca- palavras, acabem conquistados, 2ao ob-
i.iin, p o i s também Cristo padeceu por servarem vosso proceder casto e res-
in', (k-ixando-vos um exemplo, para peitoso. 3Vosso adorno nao seja exter­
•11ii ,igais suas pegadas. 22Nào havia no: cábelos trancados, jóias de ouro,
Iii i ido nem foi encontrado engano em trajes elegantes; 4mas esteja no íntimo
.un boca; 23injuriado nao respondía com e oculto: na m odèstia e serenidade de
li 11Mi iiis, padecendo nào ameagava, pelo um ànimo incorruptível. Isso Deus apre-

M.i |irotegeu mais de uma vez os cristáos, 2.24 Continua citando Is 53,3-6. A mor­
i unió Lucas dá a entender nos Atos. te ao pecado é um fato pontual que deve
2,16-18 O cristáo é ao mesmo tempo li- encerrar uma etapa; a vida para a justiça é
vii- e servo de Deus; mais ainda, em servir um estado que deve permanecer (cf. Rm
n I)eus consiste sua liberdade, que nao é 6, 2. 11).
miniada pela eondigao social de escravo. 2.25 “Ovelhas extraviadas”: Ez 34,5-6;
l iste pode dar um testemunho cristáo im- Mt 9,36.
pressionante.
2,17 “Meu filho, respeita o Senhor e o 3,1 Começa uma exortaçào particular e
reí” (cf. IRs 21,10; Pr 24,21). gérai: ás esposas (vv. 1-6), aos maridos (v.
2,19-25 Até aqui pensou em cristáos que 7), a todos (v. 8). Precedeu uma exortaçào
vivem em paz entre pagaos. Agora pensa em geral a obedecer ás autoridades, e outra
outra situagáo, de hostilidade, perseguido particular aos escravos.
c injustiga. Para tais circunstancias vale o 3,1-6 Reconhecendo a posiçâo da mu-
ensinamento de Jesús (Mt 5,11-12 par.) e seu lher na sociedade da sua época e contando
cxemplo (Jo 13,15; Mt 16,24), evocado por com casamentos mistos, propóe algumas
Pedro e corroborado com citagóes e alusóes normas de conduta cristá. Acastidade (con­
do AT. Cita uns vv. do quarto cántico do jugal) e o respeito (ao marido) podem ter
Servo (Is 53,9.3-4.6), alude ao SI 7,9 e dá a força de captaçâo; a modéstia e serenida­
Cristo o título de pastor (segundo Ez 34,5-6). de interiores, por seu valor diante de Deus;
2.19 “Recebe uma graga” ou é uma hon­ o náo ceder à intimidaçâo, de quem? Ou
ra. “Sem causa”: cf. SI 35,7.19. pensa nos perigos de Sara nas cortes pa-
2.20 “Fazendo o bem”: cf. Jo 10,32. *Ou: gâs, ou tem pela frente ameaças sociais
merece o favor de Deus. concretas.
2.22 Citagáo do quarto cántico do Ser­ 3,3 Sobre o exagerado ornato das mu­
vo (Is 53,9). lheres, Isaías pronuncia uma sátira diver­
2.23 “Aquele que julga com justica” é tida (Is 3,18-23). O AT nada diz do ornato
Deus (náo Pilatos). Jesús, consciente da sua de Sara. No entanto, várias passagens do
inocencia, póe sua causa ñas máos do Pai. Cántico dos Cánticos e outras compara-
Como faz o inocente acusado, em vários çôes poéticas aprovam e apreciam as jóias
salmos (7; 17; 43 etc.) (2Sm 2,24; Ct 1,10-11).
PRIMEIRA CARTA DE PEDRO 676

eia grandemente. 5Assim se adom avam para herdar uma béngáo. 10Se alfiiriii
no passado as santas m ulheres que es- quer v iver e passar anos próspm m
peravam em Deus e se subm etiam a guarde sua língua do mal e seus .........
seus maridos: 6Como Sara, que obede­ da falsidade; n afaste-se do mal e l,n,.i
cía a Abraào, chamando-o senhor. Agin- o bem, procure a paz e corra atrás dclii
do bem e nào cedendo a nenhum a inti- 12Porque os olhos do Senhor está o h
midaqáo, vos tornareis filhas dela. xos no honrado, seus ouvidos esciil.un
’Igualmente vós, maridos, que con- suas súplicas; mas o Senhor enfrenU
viveis com elas, tende c o n sid erad o em os malfeitores. 13Quem vos poderá l,i
consciencia com a condigáo m ais deli­ zer o mal, se sois solícitos no bem? 1 I
cada das mulheres, e estim ai-as como se sofreis pela justiga, sois felizes. Nfio
co-herdeiras da graga da vida. Assim os temáis, nem vos perturbéis. 15Ree< >
nao atrapalhareis vossas oragóes. nhecei internam ente a santidade di
Cristo como Senhor. Se aiguém vos pi­
Paciéncia a exem plo de Cristo — f i ­ de explicagóes de vossa fé, estai dis
nalmente, sede todos concordes, com- postos a defendé-la, 16porém com mu
passivos, fraternos, misericordiosos, hu­ déstia e respeito, com boa consciéncúi,
mildes; 9náo paguéis mal com mal nem de modo que aqueles que difamam vos
injuria com injuria; ao contràrio, ben- sa boa conduta cristá fiquem confundí
dizei, pois para isto fostes cham ados dos de vos ter difamado. 17Se for von-

3.6 Segundo Gn 18,12. Como os homens cer a “santidade” do Messias com o título
sao filhos de Abraao, assim as mulheres de Senhor (F1 2,11). A segunda é uma ati
sao filhas de Sara. vidade apologética para fora: para os que
3.7 Na exortagáo aos maridos, afirma a pedirem explicatóes, judiciais ou sociais,
maior fragilidade corporal da mulher e a sobre essa curiosa c estranha “esperanga”
igualdade espiritual em partilhar a heran­ que costumam alegar os eristáos. Pedro
ga do céu. Sobre a heranga das mulheres náo recomenda uma dialética destinada a
legisla Nm 35, para assegurar que as pro- derrotar e humilhar o adversário (cf. SI
priedades fiquem dentro do clá ou da tri- 63,12), mas a defesa sensata e “modesta”
bo. Pedro supóe que os eristáos estejam que “respeita” o interlocutor e procura
casados com mulheres cristas. convencé-lo. O contexto da época era de
3,8-9 O ideal de concordia familiar se es- pluralismo religioso e filosófico. É inte-
tende a toda a comunidade crista, cujos mem- ressante o fato de ser a esperanga o aspec­
bros, como irmáos de uma familia, partilham to chamativo dos eristáos.
uma heranga comum, uma béngáo. Compa- 3,17-22 Voltando ao tema favorito da
rem-se as béngáos limitadas de Isaac (Gn carta, o sofrimento inocente, introduz uma
27) com as de Jacó para cada filho (Gn 49) profissáo ou instrugáo batismal, que con-
ou as de Moisés para cada tribo (Dt 33). tém um dos textos mais enigmáticos do
Nao devolver mal por mal é conselho do NT. Vejamos o que está claro no texto.
ATe do N T(lSm 24,18; Rm 12,14-18). Primeiro: a morte redentora de Cristo, de
3,10-12 A citagáo é tirada do salmo al­ alcance universal e definitivo, irrepetívei
fabético 34,12-16; essa citagáo ampia, (cf. Hb 6,6; 9,26), que conduz o homeni
numa carta breve, mostra que os salmos para Deus, consumando a reconciliagáo
se incorporavam á piedade cristá e podiam (2Cor 5,20). Segundo: a morte de Jesús
inspirar a conduta. por sua condigáo humana (de carne) e a
3,13-14 Retoma um dos temas dominan­ ressurreigáo pela agáo do Espirito vivi­
tes da carta: pode-se ver Rm 8,28.34; Mt ficante (Jo 6,63; Rm 8,10-11; ICor 15,44).
5,10 e a citagáo tirada de Is 8,12-13. Terceiro: a ascensáo e senhorio universal
3,15-16 Combina aqui uma atitude in­ ou glorificagáo (At 1,10; Ef 1,20-21).
terior com uma conduta externa. A primei- Quarto: a virtude “salvadora” do batismo
ra é um ato da consciencia que equivale a em fungáo da ressurreigáo de Jesús Cris­
uma profissáo de fé cristológica: reconhe- to, e que inclui: uma “boa consciencia”,
677 PRIMEIRA CARTA DE PEDRO

Miti- il. I ini'. Mirili«>i e sofrer por fazer pela ressurreigáo de Jesús Cristo 22que
H litui iIm 111•r Mitici por fazer o mal. subiu ao céu e está sentado à direita de
"|'iiit|in i ii’iiu in o n d i urna vez por Deus, e lhe foram submetidos os anjos,
in..«.ri | il i in In-,, li |usli) pelos injustos*, potestades e dominagóes.
|ihih i m i i n i i i l i i / i i a Deus: sofreu a
Mu n i r un i n i p i i . irssuscitou pelo Espi­ H ostilidade do mundo — 'Com o
l i l i ! ’ "i i r . •lini Im proclam ar tam bém

finii .i tiIin:ix cn carcerad as: 20para


4 Cristo padeceu corporalmente, vós
tam bém arm ai-vos da mesma atitude.
m | n . l i - . 111 ti * milioni nao acreditavam, Quem padeceu corporalmente deixa de
•Iun il l<i il p a n ru cia de Deus contem ­ pecar 2e, no que lhe resta de vida corpo­
p l i l i / , n n r Nur labricava a arca, naqual ral, já nao segue os desejos humanos,
I il i m i r . itilo pessoas — se salvaram mas a vontade de Deus. 3Por longo tem ­
Miiii* i ■.Minilo a àgua. 21Para vós é sim- po no passado cum pristes os designios
11, iti i •li i baiismo que agora vos salva, o dos pagaos, praticando libertinagem, vi­
.111.i I min consiste em lavar a sujeira do cios, bebedeiras, orgias, com ¡langas e ido­
I I il |li i. mas em comprometer-se diante latrías intoleráveis. “Agora que vós nao
■li | »ms com urna consciencia limpa; colaboráis com sua dissolugáo moral, eles

Milu ni.iis lurbada (SI 32,2), e um compro- mas transformagáo da consciencia orien­
iii I'.
m i pessoal com Deus. Isso é claro e re- tada para Deus.
|iii -.ruta nma síntese doutrinal, quebem po- Com o que foi dito nao respondemos as
ilr proceder de ritos batismais primitivos. perguntas: a) O “cárcere” é um tempo de
VIS *Ou: o inocente pelos culpados. espera dos condenados até comparecer a
.1,1'»-20 O enigmático se alberga nos vv. julgamento? (Cf. Is 24,21-22 em contexto
I1' a saber, a pregagáo de Jesús aos escatológico.) b) Proclama-lhes a liberda-
"rspíritos encarcerados” de uns antepas- de ou a condenagáo definitiva por sua cul­
wulos. O enigma nao foi resolvido até ago- pa ancestral? c) Refere-se aos “espíritos”
iii, antes, tem provocado múltiplas expli- humanos, aos angélicos, a todos? (cf. Is 24,
i agües conjecturais. Entre todas, proponho 21 “exércitos do céu e reis da térra”.) d)
urna leitura baseada na mentalidade do AT Realiza-se a visita entre a morte e a ressur-
wibre a existencia no além-túmulo. reigáo ou o “proclama” já glorificado? e)
Quando morre, o homem “desee” pelo se­ Respondem os espíritos reconhecendo Je­
pulcro ao Xeol, mundo subterráneo e tene­ sús Cristo como Senhor? Segundo F12,10-
broso dos mortos, que possuem uma existen­ 11 e cf. SI 22,30. f) A paciencia de Deus
cia umbrática (como “as almas” do nosso durava só enquanto se construía a arca, ou
folclore). Cf. Is 14; Ez 32 etc. (Nao tem senti­ se prolonga até a vinda do Messias? Se­
do no AT dizer que o corpo inerte fica no se­ gundo Rm 2,4. Finalmente, leia-se aqui 4,6.
pulcro e a alma separada “desee ao inferno”.)
Nesse mundo dos mortos encontram-se, 4.1-5 Retoma o tema do sofrimento, mas
como grupo representativo, homens con­ em seu aspecto medicinal ou curativo (Jó
temporáneos de Noé, a quem o patriarca 33,16-18; Pr 20,30; Jo 5,14; 8,11; Rm 6,2.7).
anunciava o dilúvio e nao lhe deram aten- 4.2-3 Note-se o trio “desejos humanos,
gáo. Por nao darem atengáo morreram (cf. designios pagáos, vontade de Deus”. A
Ez 33), enquanto que a familia de Noé, por vontade de Deus deve sobrepor-se as ten­
crer em Deus, se salvou. Jesús Cristo, par- dencias puramente humanas, que se con-
tilhando a sorte de todos os homens, desee solidam no regime pagáo. Pode-se ver tam­
ao mundo dos mortos, nao para permane­ bém a tremenda enumeragáo de Sb 14,
cer, mas para “proclamar” a libertagáo (cf. 23-26 sobre as conseqüéncias da idolatría
Is 61,1). (cf. Rm 2,1; Tt 3,3).
Pois bem, a salvagáo na arca, através das 4,4 “Cerquemos o justo, porque nos in­
águas, é tipo ou imagem da realidade cor­ comoda, sua vida se distingue da dos de-
respondente (antítipo), que é a imersáo ba- mais e seus caminhos sáo todos diferen­
tismal na água. Nao é mero banho físico, tes... de nossas vias se afasta, como se
PRIMEIRA CARI A DE PEDRO 678

vos insultam. 5Mas prestarâo contas àque- 12Queridos, náo vos espanteis o mi h
le que está prestes a julgar vivos e mor- incendio que comecou contra vos, i * imi
tos. 6Eis por que se levou tam bém aos se fosse algo estranho; 13alegrai-v< >■ un
mortos a boa noticia: para que, condena­ tes, em partilhar os sofrimentos de < rt|
dos corno homens a morrer corporalmen­ to, e assim, quando se revelar sua gl< >ii *
te, vivessem espiritualmente como Deus. vossa alegría será plenificada. 14Se
7Aproxima-se o firn do universo: se­ insultam por serdes cristáos, feliz« ,1.
de, portanto, sobrios e moderados para vós, porque o Espirito de Deus e sua H"
poderdes orar. 8Sobretudo, conservai ria repousam em vós. 15Que ninguem .1.
vivo o amor mùtuo, pois o amor cobre vós tenha de padecer por ser ladráo, .r
urna multidào de pecados. ^Praticai a sassino ou criminoso, ou por intromeh i
hospitalidade recíproca, sem murmurar. se em assuntos alheios. 16Mas, se padei <
10Cada um, como bom administrador da por ser cristáo, náo se envergonhe, ao exm
multiforme graça de Deus, ponha a ser- trário, dé gloria a Deus por esse título
viço dos outros o carisma que tiver re- 17Chega o momento de comegar o j uI
ceb id o .11Se fala, como se pronunciasse gamento a partir da casa de Deus. E,
oráculos de Deus; se serve, como se o com eta por vós, como term inará qunn
fizesse com a força que Deus concede; do chegar a vez dos que rejeitam a boa
de modo que em tudo Deus seja glorifi­ noticia de Deus? 18Se o justo mal so
cado por meio de Jesus Cristo, a quem salva, o que será do ímpio e p ecador1
corresponde a glòria e o poder pelos sé- 19Portanto, os que padecem por vonla
culos dos séculos. Amém. de de Deus, continuem fazendo o beni

contaminassem” (ver todo o fragmento, Sb mina a segáo com uma doxologia que po-
2,12-16 no contexto do capítulo). deria ser o final da carta.
4.5 O julgamento final: At 10,42. 4,12 Náo poucos comentaristas estra
4.6 As opinióes se bifurcam a propósito nham aqui essa reviravolta. Como se os
deste v. Para alguns é prolongamento da sofrimentos ¡merecidos e previstos das pá­
“proclaraacao” precedente aos “espíritos”. ginas precedentes se materializassem ago
Para outros, refere-se a cristáos mortos ra numa perseguigáo violenta, num “incen­
antes da parusia, que nem por isso se ve- dio que lavra”. Também se pode pensar
ráo privados da vida perpétua, mas ressus- que as indica^óes precedentes preparam e
citaráo ao encontro do Senhor (lTs 4,13). culminam nessa exposigáo final. Trata-sc
4,7-11 O fim do universo é o momento de uma provagáo (Tg 1,2). E um modo de
do julgamento definitivo, de prestar con­ partilhar os sofrimentos de Jesús Cristo (C1
tas. Sua proximidade impóe a prática das 1,24; F1 3,10), que conduzirá a partilhar
virtudes cristás e o desempenho das tarefas sua alegría (Jo 15,11), inclusive de ante-
específicas ou individuáis a servido da co- máo (2Cor 7,4). Jesús tinha pronunciado
munidade. Entre as virtudes se destaca o uma bem-aventuranqa para os que pade-
amor mutuo; as tarefas se repartem entre cessem por sua causa (Mt 5,11), em aten-
falar e servir (cf. At 6,1-4; Rm 12). Uma <;áo à “grande recompensa”. A presenta
citagáo de Pr 10,12, segundo a versáo gre- especial do Espirito poderia aludir á pro­
ga, dá a entender que a prática da caridade messa de Mt 10,22. Náo envergonhar-se
obterá o perdáo dos pecados no dia das con­ pode aludir a Me 3,38.
tas. O texto original diz que quando alguém 4.17 Pela Igreja ou casa de Deus, come­
ama passa por cima das ofensas do outro. ta um julgamento de p u rificalo ou sepa-
4.7 Sobre a proximidade do fim, ver Ez ragáo (como em Jr 25,29); continuará
7, que proclama o anuncio. como julgamento de condenagáo para
4,9 A hospitalidade era virtude aprecia­ quem rejeitou o evangelho.
da entre os pagaos, nao menos que entre 4.18 Pr 11,31, segundo a versáo grega.
os judeus (cf. Is 58,7; Sb 19,14-16). 4.19 SI 31,6 “em tuas máos ponho a
4,11 Sao oráculos de Deus enquanto pro­ minha vida”; SI 31,16 “em tua máo está o
ceden! do carisma (cf. 2Sm 23,1-2). Ter- meu destino”.
l'KIM l'IRACARTA Dii l'HDRO

i * , i ..... n i. vidas a» Criador, que vossas p re o c u p a re s , pois ele se ocu­


. Ilxl pará de vós. “Sede sobrios, vigiai, pois
vosso adversário, o Diabo, como leáo
f Vi. , ii -ixiiisavcis — 'A os anciáos rugindo, dá voltas buscando a quem
. 1. - ., ..i i nmtmidadc exorto como devorar. 9Resisti-lhe firmes na fé, saben-
l, i i i. .inminha da paixáo de Cristo e do que vossos irmáos no mundo sofrem
I un. i|.,ini. Ja gloria que será revelada: as mesmas penas. 10O Deus de toda gra-
........... 11.11 n rebanho de Deus que vos qa, que por Cristo vos chamou á sua
|i.i . mili.ido, cuidando dele nao forga- gloria eterna, após breve sofrimento vos
......... i. . mas ile boa vontade, com Deus restaurará, fortalecerá, robustecerá, tor­
........... .. |>i>i lucro sórdido, m asgene- nará inabaláveis.11A ele o poder pelos
.............ir. 'nao como tiranos daqueles séculos. Amém.
iiii, vir. Imam confiados, mas como mo-
.1. |.<’. .lo icbanho. 4Assim, quando se re- Sauda^óes — 12Eu vos escrevo estas
.,l,n ii Pastor supremo, recebereis a breves palavras por meio de Silvano,
. i.iii.i de gloria que náo murcha. a quem considero um irmáo fiel, para
Igualmente vós, jovens, submetei-vos vos exortar e assegurar que essa é a ver-
.ni , .un iaos. E todos, no trato mutuo, dadeira graga de Deus: conservai-vos
,. .11 rom o avental a humildade, pois nela. 13Saúda-vos a com unidade dos
11, ir, resiste aos soberbos e concede seu escolhidos de Babilonia e também meu
l mu ao humildes. 6Humilhai-vos, pois, filho Marcos. 14Saudai-vos mutuamente
>,!. a máo poderosa de Deus, e a seu com o beijo fraterno. Paz a todos vós,
i. mpo ele vos exaltará. 7Confiai a Deus cristáos.

5 ,1 -6 Aexortaçâo por categorías que lí­ 5,5a Soa com ambigüidade: é questáo
maos em 3,1-9 continua aqui, seguindo um de idade ou de autoridade? Ver Lv 19,32;
esquema semelhante: anciáos, jovens, to- Jó 32,4.
ilos. “Anciáos”, em lugar de significar ida- 5,5b A citagáo procede de Pr 3,34 (cf.
ile (correlativo de jovens), passa a signi- Tg 4,6; 5,6). O grego fala concretamente
liear a funçâo. Antes de despedir-se, o de urna prenda equivalente a um avental.
iinciáo e responsável Pedro aconselha seus Por que o autor a escolheu? Talvez por
i olegas anciáos e responsáveis. Podem-se seu significado de servido; talvez lem-
1er esses vv. como testamento espiritual de brando-se de Jesús lavando os pés.
l’edro. Exibe primeiro seus títulos: teste- 5.6 SI 75,8; ISm 2,7; Le 1,52; 14,11; 18,14.
inunha da Paixáo (que assimilou em sua 5.7 SI 55,23; Mt 7,25-30.
espiritualidade, ainda que lhe tenha custa- 5,8-9 O termo hebraico satan, que signifi­
ilo tanto compreendê-la) e participante na ca o rival ou o fiscal (Zc 3,1-2), desdobra-se
esperança da gloria. em dois termos gregos que significam rival
Depois propóe seus conselhos com seu num julgamento e acusador ou caluniador;
procedimento favorito de antíteses: “náo voltam a unir-se fundidos na designado do
isto, mas aquilo”. Très antíteses que sinte­ adversário por antonomàsia, Satanás. Com-
tizan! o programa de um pastor. O aspecto para-se a um leáo segundo abundante tra­
negativo serve para precisar o oposto posi­ d i t o bíblica. O sofrimento suporta-se em
tivo; mas também poderia aludir a abusos uniáo com Cristo e com a Igreja (F11,29-30).
reais ou possíveis entre os responsáveis. A 5,10 0 final é de entoagáo retórica, com
imagem do pastor era e se tornou tradicio­ acumulo de verbos rimados.
nal: Jesús Cristo é o “Arquipastor” (pastor 5,13 Babilonia é nome de Roma em có­
supremo ou maioral). Ez 34 e Jo 10 sáo os digo; lugar de desterro, de paganismo, hos­
textos clássicos. til a Deus.
SEGUNDA CARTA DE PEDRO

INTRODUgAO
Autor e destinatários te — p o r que nao a ressurreigáo ? —f
com bativo com p a ixá o — com o rm
A carta comega com énfase e sole- sua in terven g á o no G etsém ani, ln
tiidade: duplo nom e do remetente, h e ­ 1 8 ,1 0 par. — ; particularizando Pan!,
braico e grego, duplo título, “servo e — resposta ao incidente de G l 2,11
aposto l o ”. A o longo da carta, refere- 14? — ; zeloso da doutrina auténtica
se a outra precedente (3,1), recorda — em lugar de disposto a sofrer, com,:
sua presenga na transfiguragáo (1,18), lP d.
chama P aulo de irm áo (3,15), sente- Os destinatários sao fiéis (1,1) con
se na imin&ncia de morrer (1,14). N ao vertidos do paganismo. Sugerem-no o
está claro o autor? E stá dem asiado estilo, os influxos estoicos, o tipo i/<
clara a ficgáo da sinonimia, entáo co- heresias que combate.
m um ente praticada. O autor quer apre-
sentar o escrito com o se fo sse do após- Género e finalidade
tolo Pedro.
Na Antigüidade discutiu-se bastante Embora se apresente e comece como
sobre a autenticidade e até mesmo a ca- carta, o texto é antes urna exortagáo.
nonicidade deste escrito. H oje sao ra­ L evando em conta que se diz próxim o
ros os que defendem a autenticidade. á m orte (1,13-15), poderíam os classi
A s razóes contra sao m uito fortes. O fic a r a carta coino um desses testa
autor se trai repetidas vezes: quando se m entos espiritúais táo correntes na
incluí na geragáo seguinte (3,4), quan­ quele tempo e de ilustre ascendencia
do se distingue dos apóstolos (3,2), ao bíblica.
aludir a um corpo paulino (3,16), ao O autor enfrenta dois problemas prin­
discutir o atraso da parusia (3,8). cipáis: o atraso da parusia (cap. 3) e
A isso soma-se a grande diferenga de as heresias (cap. 2). Apresenta o pri-
língua e estilo: vocabulário diferente, meiro como objegáo, em estilo de dia-
expressóes de sabor helenístico, como tribe, e o projeta no futuro, de acordo
“p a rtic ip a n te s da natureza d iv in a ” com suapersonalidade ficticia. Respon­
(1,4), os termos eusebeia e arete = pie- de com argumentos da Escritura e f i ­
dade e virtude. O estilo é pomposo, as losóficos, e exortando á esperanga e á
imagens rebuscadas, o tom polém ico paciencia.
p a ra fo ra ep a ra dentro; sao abundan­ Por urna constelagáo de indicios al-
tes os adjetivos, nem sempre felizes; guns pensarn que a heresia era urna fo r­
prefere a hipérbole ao matiz; introduz ma de gnosticismo: o uso de mitos, a
um polissilogism o artificioso (de oito insistencia no conhecimento. Os indi­
membros, 1,5-7). N o grego infiltram- cios sao leves; o autor insiste na liberti-
se sem itism os de construgáo sintática. nagem dos hereges.
Acrescente-se a dependencia deJudas, Relagao com a carta deJudas.Asem e-
da qual falarei odiante. Ihanga de ambas as cartas é evidente.
M as, se o autor nao é Pedro, nos diz Para apreciá-lo, bastaría colocar em co­
como um cristao de outra geragáo ima- lunas paralelas: 2Pd 2,1-18/Jd 4-16;
ginava Pedro: testem unha da transfi­ 3,1-3/17-18; os paralelos de detalhefo-
guragáo (1,18) com o episodio salien­ ram devidamente reunidos. Quem de-
681 SEGUNDA CARTA DE PEDRO

*o h i i ni ' I », i .m in e eomparati- Sinopse


i ¡ el </ / / <• o modelo
¡ f . m i i,i i n , i i , i'it m u

m , i,, i., .i iiiiioi </<■ M’d suprimiu 1.1-2 Saudagáo.


h/ iih 'i'iHliiwts, í/í’ apócrifos 1,3-15 Vocagáo e conduta crista.
i \ i , 1,111, ii, 'ti c esclarecen outros Legado de Pedro.
1,16-21 Gloria de Cristo e luz da
profecía.
2.1-22 Falsos doutores.
IM l't 2.1-9 Castigo ejulgam ento.
I n,,il .1 , • , I mi começos do II. Al- 2,10-22 Descrigáo.
gnit ■i ‘<n ‘¡ni i/ne es le seja o último cs~ 3.1-18 Sobre a parusia. Exortagáo
, un. ,ln NI e doxologia.
SEGUNDA CARTA DE PEDRO

'S im áo Pedro, servo e apóstolo de acrescentar à vossa fé a virtude, u \ n


I Jesús Cristo, aos que partilham co­
nosco o privilègio da fé, pela justiga de
tude o conhecimento, 6ao conhecimi m
to o autodom inio, ao autodominio .
nosso D eus e Salvador Jesús Cristo: paciencia, à paciencia a piedade, 7;i pn
2que a graga e a paz sejam abundantes dade o afeto fraterno, ao afeto fraterni>
em vós pelo conhecim ento de Deus e o amor. 8Se possuirdes esses dons t'in
de Jesús, nosso Senhor. abundancia, nao ficareis inertes ncm
estéreis para conhecer o Senhor no.v.u
Vocagáo crista — 30 poder divino deu­ Jesús Cristo. 9E quem nao os possui c.
nos tudo o que conduz à vida e à pie- tá cegó e cam inha as apalpadelas,
dade, por meio do conhecimento daque- quecido de que o purificaram de se un
le que nos cham ou com sua pròpria velhos pecados. 10Por isso, irmáos, r ,
gloria e mérito. 4Com elas nos deu as forgai-vos por consolidar vossa voca
maiores e mais valiosas promessas, para gao e eleigáo. Se agirdes assim, ñau
que por elas participéis da natureza di­ tropezareis; n pelo contràrio, generosa
vina e escapeis da corrupgáo que ha­ mente vos faráo entrar no reino eterno
bita no m undo pela concupiscencia. do Senhor nosso e Salvador Jesús Cris
5Portanto, nao poupeis esforgos para to. 12Por isso, embora o saibais e estejais

1,1-2 O grego traz a forma anormal de 1,5-7 Ao dpm divino o cristáo devi
Simeáo, própria do AT. Os destinatários corresponder com sua colaboragáo inteu
sao “iguais em valor” ou mérito, sejam pa­ sa e graduada. A graduagáo escalonada c
gaos convertidos em relagáo a judeu-cris- recurso retórico do autor, já que listas do
táos, sejam a segunda geragáo em relagáo virtudes sao coisa conhecida (p. ex. 2Cor
á primeira. Igualdade outorgada pela “jus­ 6,4-5; G1 5,22-23). A fé inicia e o amor
tiga” de quem nao faz distingóes. Jesús concluí, ocupando o conhecimento o ter
Cristo traz em grego o duplo título de Deus ceiro lugar. Nao é fácil precisar o valor de
e Salvador com artigo único (cf. Jo 20,28; cada termo nem suas relagóes exatas.
Rm 9,5). A carta insistirá no “conhecimen­ 1,8-9 Por ser dinámico, em processo, o
to” ou penetragáo, aqui de Deus (Pai) e de “conhecimento”, que antes era meio (v. 2),
Jesús Senhor (Jo 17,3). agora é resultado; náo é auténtico se Ihe
1,3-4 “Aquele que chamou” parece ser faltam as obras. Sobre a cegueira, ver Is
aqui Jesús Cristo (cf. Mt 9,13), embora ou- 59,9-10.
tras vezes costume ser Deus Pai (lPd 1,15; 1,11 Entra-se no reino, segundo Mt 7,21
2,9). Chamou com sua “gloria” (a da trans- (cf. Js 23,2-6). “Reino eterno” é expres-
figuragáo?, vv. 16-18) e seu mérito ou vir­ sáo única no NT, mas o conteúdo é fre-
tude milagrosa. Seu “conhecimento” pes- qüente, entroncado na promessa dinástica
soal é o meio para receber os dons. A (2Sm 7; SI 89).
“vida” é a nova que ele concede (Jo 17,2). 1,12-15 Com estes vv. o autor quer apre-
A “piedade” é a correspondente crista sentar a carta como testamento de Pedro,
áquela que os gregos preconizam. seguindo urna velha convengáo: veja-se o
A participagáo na vida divina corres­ de Moisés (Dt 31), com o anúncio da morte
ponde á filiagáo (Jo 1,13; 3,5; lPd 1,3). próxima, as instrugoes, o memorial para o
Por ela o homem consegue superar a “cor- futuro; também o de Josué (Js 22), o de
rupgáo” ou mortalidade, que pela “concu­ Davi (2Sm 23) e os apócrifos Testamen­
piscencia” domina o mundo (Sb 2,23). tos dos Doze Patriarcas. E fácil reconhe-
683 SEGUNDA CARTA DE PEDRO

(lint** Ha m nliulc possuida, penso em nha santa. 19Com isso confirma-se para
I c h i h I . i i vii', i-.-.o sempre; 13eenquanto nós a mensagem profètica, e vós fareis
viti* lint'i motada, julgo oportuno man- bem em dar-lhe atenqao, como urna làm­
viih \ ic.iliuiU's coni essa recordagào. pada que brilha na escuridào, até que
i | h mi 11111- logo deixarei esta mora- amanheca o dia, e o astro matutino ama-
i t •,iii, i ni, in formoli o Senhor nosso nhega em vossas mentes. 20Pois deveis
t Idilli ir.in 1 I : ine csforqarei para que,
hm, umili.i p.uiiila, preserveis esta lem-
sobretudo saber que nenhum a profe­
cía é confiada à interpretagào privada,
E 21pois a profecía nunca aconteceu por
iniciativa humana, mas os homens de
A Mloi In ile ( risto — 16De fato, quan- Deus falaram m ovidos pelo Espirito
i )m vi ih anunciamos o poder e a vinda* Santo.
ijn ‘.i tilioi nosso Jesus Cristo, nào nos
giiMv ami is por fábulas engenhosas, mas Contra os falsos profetas e mes-
IIh Ihiiiios sido testemunhas de sua gran-
ili cn 1\|iianelo eie recebeu de Deus Pai
2 tres — 'H ouve também falsos pro­
fetas no meio do povo, como haverá
III imi ii e gloria, por urna voz que lhe entre vós falsos mestres, que introdu-
i lii'^mi da sublime M ajestade: Este é o ziráo seitas perniciosas, e, renegando o
mi'ii l illio querido, o m eu predileto. patráo que os comprou, traráo sobre si
'"l usa voz vinda do céu, nós a ouvimos rápida destruicáo. 2Muitos seguiráo a
ijiiando cstávamos com ele na monta- d is s o lu to deles, o caminho da verda-

i i i iK'sse texto vários elementos da tradi- Pascal). Poís bem, as profecías e toda a
(,1111 IiIeraría. A “morada” é uma tenda Escritura devem ser interpretadas correta-
(i niño em Is 38,12; cf. 2Cor 5,1). mente, náo ao arbitrio pessoal, já que sua
1.12 Compare-se o tom positivo e con- origem náo é humana, mas divina. Esse
i lliador de Pedro com a austeridade de texto, junto com 2Tm 3,16, é a prova clás-
Mnisés em Dt 31,16. sica para a inspiragáo da Escritura. E é tam­
1.13 A vigilancia aponta para a vinda bém principio geral de interpretadlo.
ilo Senhor (Mt 24 par.).
1, 14 A revelagáo pessoal pertence tam- 2 ,1 A mengáo das profecías suscita uma
licm á convengáo literária; mas veja-se o grave chamada de atengáo. Como no AT,
i aso de Simeáo (Le 2,25-26). a realidade do profeta auténtico provoca-
1.15 Ver Dt 32,46, que apela também va, por inveja ou interesse, a aparicáo do
para o valor da palavra. falso profeta (Dt 13,2-6; Jr 23; Ez 13 etc.),
1.16 *Ou: a vinda com poder. assim agora a atividade de mestres autén­
1,16-19 Como confirmagáo do seu en- ticos, oficiáis (At 13,1; ICor 12,28) suscita
sinamento e da esperanza na parusia aduz o afa de outros (Tg 3,1) e o surgimento de
o fato — nao fábula — da transfiguragáo, “falsos doutores”. O autor vai apresentá-
da qual se apresenta como testemunha ocu­ los, descrevé-los e anunciar seu castigo.
lar. Segue mais a versáo de Mt 17. A “su­ Para tanto, segue de perto a carta de Judas
blime Majestade” é título ou equivalente com algumas emendas: restabelece a ordem
de Deus. A montanha santa é a da revela­ cronológica, elimina citagóes de apócrifos,
gáo da sua gloria (o Tabor, segundo tradi- suaviza a linguagem. E uma exposigáo re­
gáo nao comprovada), náo o Sinai nem tórica, inchada pela acumulagáo de tragos,
Siáo. Essa revelagáo, enquanto cumpri- mais enfática que precisa. O autor póe no
mento, corrobora a validade das profecías, futuro o que Judas punha no presente, dan-
incluida a da futura vinda (3,4). Assim do-lhe assim o caráter de profecía.
confirmadas, as profecías e toda a Escri­ O “povo” é Israel (cf. Dt 13,2-6). Deus
tura sáo lámpada que ilumina nossa noite, os comprou para té-los a seu servigo e dar-
até que amanhega o sol (chamado aquí de lhes a liberdade.
luzeiro matutino); ou seja, até sua vinda 2,2 O “caminho da verdade” é a vida
com gloria (cf. SI 57; Is 60 e o Precónio crista segundo o evangelho.
SEGUNDA CARTA DE PEDRO 684

de será difamado, 3e por cobiga abusa- anjos, superiores em força e podo, ni,
ráo de vos com discursos fingidos. Faz os acusam com insultos diante di i >,
tempo que sua sentenza nao repousa, 12Esses, como animais irracional
sua condenagáo nao dorme. 4Se Deus tinados por natureza a ser caç.nln ,
nao perdoou os anjos pecadores, ao con­ consumidos, insultam o que nao ■m ,,,
tràrio os sepultou em abismos escuros, dem; mas se corromperáo como eli 1'«
reservando-os para o julgam ento; 5se receberáo assim o pagamento de sin m
nao perdoou a humanidade de outrora, justiça. Sua idéia de prazer é a orgi.i,,,
mas, reservando com outros sete a Noé, pleno dia; sujos e nojentos, deleilum
pregadordajustiga, enviou o diluvio ao se em seus embustes quando banqin
mundo dos malvados; 6se condenou So­ teiam convosco. 14Tém os olhos chenti
doma e Gomorra, reduzindo-as a cinzas de adultérios, jam ais saciados do peí n
e deixando-as como adverténcia de fu­ do, sedutores de ánimos vacilantes, com
turos malvados; 7— embora tenha li­ a mente treinada na cobiça: dignos ,1,
bertado Ló, o justo, que sofria com a con- maldiçâo. 15Deixando o caminho iri,,
duta dos libertinos, o justo que morava extraviaram-se. Seguiram o caminho di)
entre eles, 8que torturava cada dia seu Balaâo de Bosor, que cobiçou o pag»
espirito, ao ver e ouvir as iniqüidades mentó de sua própria iniqüidade. " ' N , ,
deles: 9o Senhor sabe livrar os homens entanto mereceu urna repreeensâo poi
religiosos e reservar os malvados para seu delito, pois sua muda cavalgaduu
castigá-los no dia do julgam ento; ‘"es­ falando com voz humana, freou a Ion
pecialm ente os que seguem o instinto e cura do profeta. 17Esses sâo fontes sein
seus imundos apetites e desprezam a água, nuvens arrestadas pela tempesta
Soberanía. A udazes e insolentes, insul- de, destinados a densas trevas. 8Pro
tam os G loriosos, n ao passo que os nunciando altissonantes coisas vas o

2,3 A cobiça delata a falsidade (Mq 3; 2.12 O destino desses homens é o div.
lTs 2,5). A sentença de condenaçào, per­ animais, ou seja, a corrupgáo como morti-
sonificada, náo espera que eles cheguem, definitiva: “O homem o luxo náo perrmi
mas se adianta para surpreendé-los. nece: é semelhante ao animal mudo” (SI
2,4-8 Aduz très exemplos de castigo, 49,13).
mudando a ordem de Judas e substituindo 2.13 Sb 15,7-19 nos dá urna descrigáo
o castigo dos israelitas no deserto pelo di­ ampia dessas perversóes, explicadas como
luvio. Ao texto bíblico acrescenta detalhes conseqiiència da idolatria.
da tradiçâo rabínica. O primeiro afeta os 2.14 Adulterio e cobija corresponden!
seres celestes de Gn 6,2; a masmorra pode a dois mandamentos do decálogo (Ex 20).
proceder de Is 24,22. O segundo castigo Náo cumpri-los acarreta maldigáo. Sobre
faz urna exceçâo: um Noé visto como “pre- a cobija: Jr 22,13-17.
gador” (lP d 3,20). Também o terceiro cas­ 2,15-16 Suprimindo dois exemplos de
tigo faz urna exceçâo: um Ló melhorado Cairn e Coré, aduzidos por Judas, ampli­
em relaçâo à tradiçâo bíblica (Gn 19). fica o caso de Balaáo (Nm 22-24), desta­
Com os très castigos temos prisáo, água cando dois aspectos negativos (como faz
e fogo (cf. Eclo 39,28-29). Esperamos a Js 24,9-10). O salàrio da iniqüidade é o
apódose dos très condicionáis, e náo vem. que lhe ofereceu Balac, rei de Moab, para
2,9-10a Em seu lugar, resume o ensina- maldizer Israel. Por sua atuaijáo final, cha-
mento numa antítese. “Soberania” substi­ ma-o de “profeta”.
tuí o nome de Deus (cf. SI 36,2-4). 2.17 “Trevas”: do reino dos mortos. Ver
2,10b-ll Aquí começa a descrever a Jó 10,21-22 e a magnífica descrigáo de Sb
conduta dos falsos doutores. Os “Glorio­ 17.
sos”: parece ser outra denominaçâo dos 2.18 Contra o abuso da liberdade para a
anjos ou os santos. O “náo acusar” se ex­ libertinagem Paulo já preveniu (Gl 5,13).
plica pelo modelo de Jd 9, onde Miguel A libertinagem torna escravo do pecado
nao se atreve a dar sentença (cf. Zc 3,1-2). (Jo 8,34; Rm 6,16), e por ele torna escra-
685 SEGUNDA CARTA DE PEDRO

n i ............. i ii'il il.i libcrlinagem, se- vossas mentes sinceras. 2Recordai o que
• , in .| m> ni il .1 .ilastaram dos que anunciaram os santos profetas e o man­
.................... 1Tminclem-lhes liber- damiento do Senhor e Salvador trans­
i, i . ..........i.ivnsda corrupgáo. Pois mitido pelos apóstolos. 3Antes de tudo,
, ........... . i m tava (luquete a quem deveis saber que no firn dos tempos vi-
........ I. l'nii.inin, se alguém se afas- ráo homens cínicos e cagoadores, en­
............ . i. ilu mundo, pelo conhe- tregues a seus apetites, 4que diráo: O
,
i iiii. .I' '.i 111ii >i e Salvador Jesús
m que aconteceu com a prometida vinda
■ ,i i ........... 111ni i(c se deixa enredar e dele? Desde que morreram nossos pais,
, ...... . ii lim e pior que o princí- tudo continua o mesmo desde o inicio
,i M. i Ihii mi laque nao tivessem co- do mundo. 5Está oculto a eles, porque
i, i.iii n i 11111 n lio da justiga do que, querem, pois desde atrora existia um
.....I......... iiiln i ido, afastar-se do santo céu e urna térra emergindo da água e
• . i|in Mies liaviam transmitido. que no meio da água estava firme por
........ ii i -.i iu Ii ' s a verdade do provér- meio da palavra de Deus. 6E assim o
111........... volta ao próprio vómito, m undo de entáo pereceu afogado. 70
1. lavado que se revolve na lama. céu e a térra atuais pela mesma palavra
estáo conservados para o fogo, reser­
1 M iiiso da parusia — 'Queridos, vados para o dia do julgam ento e da
• ». i.i i- a segunda carta que vos es- condenacao dos homens perversos. 8So-
. i. vii. paia, relembrando, despertar as mente isto, queridos, nao fique oculto

ii iI.i corrupgáo, quer dizer, da morte de- vio, que foi como volta ao caos, como Vi­
Iiiiilivn (Sb 1,12.16). toria das águas sobre a térra firme (vv. 5-
/..’O Ii o principio ilustrado por Jesús 6). Da catástrofe surgiu urna nova ordem
.....i urna imagem (Mt 12,45). (Gn 8,22-9,7), na qual vivemos agora.
O Pr Esta ordem atual acabará na nova ca­
primeiro refráo se inspira em
'ti, I I; o segundo parece popular. tástrofe, pelo fogo (vv. 7.10-12), executor
da sentenga: Sodoma e Gomorra (2,6) fo-
■VI Com este recurso, o autor se coloca ram urna espécie de ensaio exemplar. Des-
Iii iidetrás da carta de Pedro e justifica seu se modo, os dois elementos destrutivos se
escrito. Imita também Paulo, com suas póem a servigo de Deus: “o universo luta-
v,irías cartas aos corintios e as duas aos rá a seu lado contra os insensatos” (Sb
lessalonicenses. 5,21-23). A segunda catástrofe, futura,
3,2 Os apóstolos sao vistos como bloco abrirá espago para uma nova (v. 13) ou
compacto, transmissor da tradigáo. Quer renovada criagáo (Is 65,17-19; 66,22).
ili/.or, sao vistos á distancia, é preciso re­ Quanto ao tempo de tais eventos, a res-
frescar a lembranga deles (compare-se com posta será diferenciada (vv. 8-10): a) para
Zc 1,4). Deus, o tempo tem outra medida (SI 90,4);
3,3-4 Sobre as profecías aludidas, póde­ b) o atraso se deve á paciencia de Deus,
se consultar em especial 2Tm 3,1-9; tam­ que dá tempo para a conversáo (SI 11,23;
bém as escatologias de Mt 24 e Me 13. 12.2.10) e desoja a salvagáo de todos (Ez
Um antecedente importante se lé em Ez 18,23; lTm 2,4); c) Achegada será repen­
12,22-27: do atraso do cumprimcnto de- tina, segundo a tradigáo mais comum (Mt
duzem de maneira errónea a falsidade da 24,43-44; lTs 5,2; Ap 3,3; d) O cristáo con.
predigáo. sua conduta pode apressar o momento d
3,5-10 O autor responde refutando pri­ transformagáo final (cf. Eclo 35,21-22,
meiro a objegáo dos adversarios, afirman­ 36.10).
do depois o fato futuro e tratando por ex­ Quanto ao modo do desenlace, o autor
tenso o tema do atraso. escolhe, das escatologias, o fogo como
Afirmaram que o universo continua agente de destruigáo (vv. 10.12), que al-
como no principio da criagáo (SI 24,2), e cangará os (quatro) elementos que consti-
é falso, aconteceu urna catástrofe: o dilú- tuem a substancia do universo. O fogo é,
SEGUNDA CARTA DE PEDRO 686 i ■

para vós: Para o Senhor, um dia é como ridos, esforcai-vos com essa espi i m
mil anos, e mil anos como um dia. 90 para vos mostrardes na paz, sem m n
Senhor nao tarda a cumprir sua promes­ cha nem defeito. 15Pensai que a p:n l<»
sa, como alguns pensam, mas tem pa­ cia de Deus para convosco é para \ •><«i
ciencia convosco, pois nao quer que salvaqáo, como vos escreveu noss<»*|n
ninguém se perca, m as que todos se rido irmáo Paulo, com a sabedor i. 11|<>
arrependam. ‘nO dia do Senhor chega- lhe foi concedida. 16Em todas as su iJ
rá como um ladráo. Entáo o céu desa­ cartas ele trata desses temas, se bem<|u.
parecerá com estrondo, os elementos se nelas há coisas difíceis de entendei. <|n.
desfaráo em chamas, a terra com suas os ignorantes e vacilantes defomi.nn
obras ficará evidente. n E se tudo vai se como fazem com o resto da Escrilm .
desfazer desse modo, com o deveis ser para sua própria perdigáo. 17Vós, | >•>■
vós? Na conduta santos e religiosos, tanto, queridos, ficai prevenidos e pii
12esperando e apressando a vinda do dia cavidos, para que nao vos arraste o o h .
de Deus, quando o céu se desfará em de hom ens sem principios, e peró n
fogo e os elem entos se derreteráo abra­ vossa estabilidade. 18Crescei, antes, n i
sados. 13Segundo sua promessa, espe­ graga e no conhecim ento do Seiilmi
ramos um céu novo e urna terra nova nosso e Salvador Jesús Cristo. A elo i
onde habitará a justiga. 14Por isso, que- gloria agora e até a eternidade. Améin

aliás, símbolo e expressáo da ira divina. 3,15-16 Isso supóe que já existisse um
Portanto, este dia do Senhor coincide com corpo paulino reconhecido, que Paulo tra-
o anunciado por Sofonias (Sf 1,14-18; ver tava de temas semelhantes (p. ex. Rm 2,4-
também o julgamento pelo fogo de Is 66, 10; F1 1,10-11; lTs 3,13), que seus escri­
15-16). tos tinham sido mal interpretados por
3,14 Ficaram amplamente refutados os alguns. Tudo isso se enquadra melhor na
zombadores sarcásticos; é preciso tirar segunda geragáo cristá. Só que a sorte ad­
conseqüéncias para os bons cristáos. Pelo versa de escritos paulinos é partilhada em
que aquele dia terá de julgamento, devem grau diferente pelo resto da Escritura, ou
conservar-se “sem mancha nem defeito”. seja, pelo AT (cf. 1,21).
Pelo que tem de salvagáo, que vivam com 3,18 Pela última vez menciona o “co­
esperanza. Naquele mundo futuro reinará nhecimento” de Jesús Cristo, com seus tí­
a justiga (Is 32,16-17; Sb 1,15). tulos Senhor e Salvador.
nUM EIRA CARTA DE JOÁO

INTRODUgAO

\tiloi figura na carta. Alega-se que 39 (ou


38) palavras do evangelho faltam na car­
t a.iilii'iio, desde o inicio, conside- ta; algumas estdo na boca de. Jesús, ou­
'■’‘ii , (, escrito como obra de Jodo, o tras estáo substituidas por sinónimos, e
s/.. i .■evangelista. Hoje continua- é preciso contar com a extensdo maior
iii11 $ ,i , lumia la carta de Jodo, e mui- do evangelho. Como tais distingoes nao
........ 'mi litaristas críticos continuam afetam a construgüo gramatical e o uso
....Hiendo a opiniao tradicional. Seja de partículas, as análises se centraram
, ,11 , i’ii tratado, seu autor éJodo. M as
i i nisso; o resultado nao parece conclu­
h , i u m i t a s exegetas que a atribuem a dente.
,iiinii Intuí, ou a outro autor, diferente
,1,, evangelista. Como em casos sérios Estilo
,1, duvida, a decisüo depende do peso
, / ne s e atribuí aos indicios. Vamos re- Os procedimentos de estilo, muitos
l ' . r . s a los brevemente, tirando c o n d u ­ de ascendencia bíblica, sao semelhan-
eles ¡le trabalhos comparativos. tes: o paralelismo, a antítese, as fó r­
mulas binárias e ternárias, inclusdo e
Vocabulário concatenagáo, anáfora, a explanagáo
em torno de urna idéia ou palavra.
Muís de cinqüenta palavras ou ex-
¡nessóes sáo exclusivas do evangelho Doutrina
e ila carta (cito prim eiro Jo depois lJo ;
Jim urna tradugáo muito literal): algu- A s semelhangas de pensam ento sao
nuis centráis com o parakletos (14,16. evidentes. M ais sutis sao as divergen­
.'6/2,1) e logos (1,111,1); outras p ecu ­ cias, que convém observar. Repetidas
liares como: “fa ze r a verdade ” = p ro ­ vezes, onde o evangelho diz Cristo, a
ceder com sinceridade (3,21/1,6); “ter carta diz D eus (cito evangelho e/car­
vida” 3,36/5,12) e “te rp e c a d o ” (9,41/ ta): Cristo/Deus é luz (1,4; 8,12/1,5);
1,8); “o mundo nao o conheceu ” (1,10/ Cristo/Deus é vida (11,25; 14,6/5,20);
1,1), “o m undo vos o d e ia ” (15,18/ a palavra de Cristo /de D eus (5,24;
3,13), “vencer o m u n d o ” (16,33/5,5); 8, 31/1,10; 2,14); mandamento de Cris­
“c re rn o n o m e ” (1,12/5,13), “um m an- to/de D eus (13,34; 14,15.21; 15,10.12.
damento n o v o ” (13,34/2,7). 14.17/2,3s; 3,22-24; 4,21; 5,2s); per­
A s semelhangas outros opóem as dis­ m a n ece em C risto /em D eu s (6,56;
crepancias, alegando urna com para- 4,15s/3,24; 4,12s); Cristo/Deus perm a­
gao minuciosa, com estatísticas. Sobre nece no fie l (6,56; 14,4s/3,24; 4,l2s);
essas análises deve-se fa zer urna re­ relagào com D eus p o r meio de Cristo/
serva importante. M etódicam ente nao diretamente (1,12; 14,6.20s; 17,21.23.
é legítimo tom ar o evangelho em blo- 25s/1,6; 3,1.9s; 4,4.6s; 5,18s).
co, sem distinguir entre narragao e dou- O evangelho reserva o título para­
trina; deve-se distinguir o que Jesús kletos para o Espirito (14,17.26; 15,
pronuncia no evangelho e o que diz o 26), a carta o atribui a Jesús Cristo
autor na carta: p. ex. o verbo doxazo, (2,1). O evangelho cita com freqüén-
que aparece 39 vezes no evangelho, nao cia o AT, a carta alude sem citar. Os
PRIMEIRA CARTA DE JOÀO 688 INTRUDI" Mi

inimigos ou rivais no evangelho sâo as É possível que a atuagáo de n i ,....


a u to rid a d es judaicas, na carta sâo seja ambigua, camuflada, que mi, • i,
m e m b ro s a p ó sta ta s ou c ism á tic o s nham desertado publicam ente. A,, nn
(2,18-19). tor preocupam os criterios para ,I,
Esses dados se explicam su ficiente­ cernir: nisto conhecem os, saínm .
m ente p ela m udança de época e cir­ que, consta-nos etc. O cristáo auh'nil
cunstancias de um m esm o autor? Ou co é reconhecido, p o is cum pre m
se trata de dois autores diferentes ? Mui- m andam entos (2,3.5; 3,24), náo /><, •
tos se inclinant pela identidade. Os que e pratica a justiga (3,10), nao t'.vn/iiB
distingueni assinalam como autor um o mundo, mas sim a nós (4,6), coiijct
discípulo ou membro da sita escola, sa Jesus como M essias (4,2), possiti ,t
ou um porta-voz da com unidade que Espirito (4, 13), e ama o irmáo (3,10.111
se inspirava no apóstola Joáo. Em am ­ 4,6.7.9.12).
bas as hipóteses, a carta representa Entre os ensinamentos da carta ilf\
um estágio posterior, com problem as taco alguns. Deus é luz, é am or (4,S), t
internos num a com unidade já cons­ Pai de Jesus e nosso. Jesus é seu 1i
tituida; “p e rm a n ecer” é um de seus Iho, feito homem, é o M essias que <>
temas. piou e desfaz o pecado ( 1,7-9; 2,2; 3,Hl
4,10). O Espirito nos unge (2,20), lm
Destinatarios bita em nós (3,24), fa z confessar (4,.'i
dá testemunho (5,8).
O autor os trata com afeto, como se
os conhecesse pessoalm ente ou estives-
se encarregado deles (2,1.12.28; 3,2.21 ). Forma
Atendendo ao final (5,21), poderiam ser O que chamamos de carta, poderin
pagâo-cristâos. M ais numerosos e fo r ­ser homilía registrada ou instrugáo es
tes sâo os indicios que apontam para crita. O desenvolvim ento é peculiar
judeu-cristâos: a alusâo a Caim e ao A lguém o comparou a urna escada em
paraíso (3,12), aos falsos profetas (4,1),
caracol, que gira em torno de um eixo
os tragos apocalípticos (2,18.28; 4,17).fuco, subindo a planos superiores. Pare
A alternativa parece gratuita, dado que,ce urna sucessáo de aforismos trangados
naquele tempo, as comunidades eram em dois fios: a fé na enearnagáo do
m istas em algum gruu. Filho de D eus e o amor ao próxim o co­
mo síntese e primeiro mandamento. E
Circunstancias fácil isolar muitos aforismos felizes, me-
ou erros combatidos moráveis; alguns tem preferido isolar
um texto conciso, ao qual se acrescen-
O perfil dos cismáticos ou apóstatas taram comentários. O passo é bastante
pode-se recompor com os tragos que o rítmico. Pede urna leitura compassada,
autor espalha em negativo. Pensam com pausas para a ressonáncia mental
conhecer e ver a Deus, estar na luz e e cordial.
em com unháo com ele; mas náo reco-
nhecem Jesús como M essias e Filho de Sinopse
D eus, negam a encarnaçâo. Conside-
ram-se sem pecado, embora náo guar- O que fo i dito mostra como é peri-
dem os mandamentos. Pois bem, é im ­ g o so propor urna estrutura lógica. A l­
pos sív el reconhecer a Deus como Pai, guns recorran a esquemas numéricos:
se náo se reconhece Jesús Cristo como sete perícopes, a saber, entre prólogo
seu Filho; é impossível am ar a Deus, e epílogo, revelagáo, fiéis e Anticristo,
se náo ama ao próximo. O autor os caridade e fé. Outro propóe sete m em ­
qualifica com adjetivos duros: m enti­ bros, alternando proclam agáo e paré-
rosos, sedutores, pertencentes ao m un­ nese. A que proponilo é urna pista en­
do e alheios à comunidade. tre outras.
689 PRIMEIRA CARTA DE JOÁO

I I I I n i 11 h l u i , . l i l N l l l c l l c . 4,1-6 Discernimento de espiritos.


| I >i il i In/ 4,7-21 Deus é amor: fonte e ter­
I i. i*i i ni" r obediencia, mo do amor.
i I I i i in.uni.mu nii) do amor c 5,1-13 Vitória da fé.
>1 In/ 5,14-21 Nossas certezas.
li i i i i i r.ians e o mundo,
ii i i i Aulii i isio c a ungao do Urna vàlida alternativa à sinopse é
l ijiiiilo ler reconhecendo e seguirtelo alguns fios
i l in 'miiiii', lillios de Deus, condutores, vàrios ao mesmo tem po ou
ili I ii mandamento do amor. um em cada leitura.
PRIMEIRA CARTA DE JOÁO

!0 que existia desde o principio, o Pai e se m anifestou a nós. 30 qui \ |


1 que ouvimos, o que vimos com nos-
sos olhos, o que contem plam os e nos-
mos e ouvimos vo-lo anunciamos i.iim
bém a vos, para que partilheis im ,
sas m áos apalparam, é nosso tema: a vida, como nós a partilhamos com u r ..
Palavra da vida. 2A vida se manifestou: e com seu Filho Jesús Cristo. 41•>.. i,
nos a vimos, damos testem unho e vos vem os isto a vós para que vossa alif.il#
anunciam os a Vida que estava junto do seja plena.

1 -2 Joáo tem urna mancira particular 10). A Vida auténtica, divina, ganha esia
de expor: abarca um panorama de dados e vitória prévia, pode comunicar-se (1,7) i
conexóes, e nele se move com mais liber- ser partilhada por pessoas numa comiim
dade que rigor. Nem sempre é fácil seguir- dade.
lhe o fio, descobrir sua coercncia. Por isso Isso, que se apresentou como fato pon
me parece útil adiantar algumas visdes de tual fundacional, inaugura urna situaç.m
conjunto. o homem perdoado recai no pecado (5,1 <>)
Quando nós falamos da “vida”, usamos o morto ressuscitado intercede por ele (2,1
um abstrato, extraído dos seres vivos, ao 2). Pois bem, já perdoado, o homem tan
qual podemos atribuir urna consistencia de voltar ao amor de Deus e ao c u m p rl
imaginativa, inclusive mítica; como se fos- mentó conseqüente de seus mandamentos
se urna entidade autónoma, um ser, urna Isso equivale a imitá-lo ou seguir seu cu
pessoa. A visáo poética, mítica, corres­ minho (2,3-6; 4,17). Assim, dos “precei
ponde a nossa experiencia impressionan- tos” no plural passa ao “preceito” singu
te do que vive, em sua variedade e ener­ lar, antigo e novo, reino da luz no mundo
gía. Joáo contempla a Vida como realidade o amor fraterno (2,7-8).
transcendente, divina, pessoal (1,2), que Ess*r visáo de conjunto, na qual intro
num dado momento, o seu, se manifesta duzi conceitos e categorías nossos, se m a
soberanamente. Para os homens, escolhe tiza e se enriquece em muitos detalhes.
um modo de m anifestado humana: atra-
vés dos sentidos, revelar a transcendencia. 1,1-4 Diríamos um esboço para o pró­
Essa Vida é ser ou é “luz”, sem mistura logo do evangelho: pelos temas e termos
de nao-ser ou náo-luz — contingencia — , da Palavra, a Vida, o existir desde o prin
como acontece em nós (1,5-6). “Trevas” cípio, o estar junto ao Pai, o ver, o calar o
para os hebreus vém a ser outro símbolo nome de Jesús (supondo-o conhecido). Por
mítico do informe ou caótico, do náo-ser outro lado, falta qualquer referencia à cria-
(cf. Jó 3), que no homem é a caducidade, çào e o termo Gloria. O evangelho apre-
a contingencia; no ser livre se atualiza senta como sujeito a Palavra (cf. Ap 19,13)
como pecado. Pelo afá de salvar seu ser, o e lhe atribuí vida. Esta carta faz da Vida
homem se entrega ao náo-ser, por agarrar­ um sujeito (très vezes). E a Vida que esta­
se á vida, se desvive, e fica com urna vida va junto ao Pai e se manifestou e se anun­
que se realiza consumindo-se. cia. E estranho e surpreendente esse modo
Agora o horizonte simbólico gigantes­ de começar por um complemento “o que”
co se estreita e se concentra num ponto: quadruplicado que se estende até ser iden­
essa Vida morre (1,7) e sua morte gera tificado com énfase. Quáo diferente seria
vida, porque destrói o mal tenebroso do começar propondo o tema como título. E
pecado. Só pede ao homem que aceite um toda essa cadeia de verbos na primeira
raio de luz, verdade ou sinceridade, para pessoa que se comprimem, arrestando o
descobrir e reconhecer suas trevas (2,8- autor: dominado e consciente.
H 691 PRIMEIRA CARTA DE JOÁO

M|KI | lit» I '«In i » mcnsagem que sos pecados, ele é fiel e justo para nos
. Vi ih m i im i iamos: Deusé
m i l i t i l i » il i l> perdoar os pecados e lavar-nos de todo
In M it i miMiim iti tir V ii* . ''Se dizemos delito. 10Se dizemos que nao pecamos,
................ ni '.ini vii In i: no entnnto ca- fazemos dele um mentiroso e nao con­
tlilnl..... un i ’ii ni li liin. mentimos e nao servamos sua mensagem.
Iiihi" i "in ‘' I n ' ■ini.iiIr 'Mas, se cami-

» llinifc ini In/ i mi in rie está na luz, par-


illliiiin i i h " ,i vnla, i n sangue de seu
flllm li Min mi'. Imipa ili- lodo pecado.
’Meus filhos, eu vos escrevo isso
2
para que nao pequeis. No entanto,
se alguém peca, tem os um advogado
diante do Pai, Jesús Cristo, o Justo. 2Ele
I'^ihiIii • iilM'ill(‘iii'ia “Se dizemos expia nossos pecados, e nao só os nos-
)ii' u n ii p i ' in n i i*., nos engañamos e nao sos, mas os do m undo todo. 3Sabemos
Munii" nini i in '. ''Se eonfessamos nos- que o conhecemos se cum prim os seus

i mu i'iiimlr rulase nos diz que a mani- modo se qualifica: “Se dizemos...” pode
limiin.iiH mi irvclnçao foi visível, audível e indicar conseqüéncia, mais que condigáo.
Mljiftn I, | hii isMiqucm escreve o faz como 1,5 “Sem trevas”: Tg 1,17 (cf. SI 36,10,
»mi h n ni i >I i.t mullir com très sentidos (cf. o e por contraste Eclo 17,30-32).
i m ili n i| iliii r degustar do SI 34,6.9). Com- 1,7 Note-se o paralelismo “partilhamos
jiiim ni' i mu a revelaçâo esquiva a Moisés sua vida/partilhamos nossa vida”. “Nos
• riliin. "nu il rosto nao podes ver, porque limpa”: Hb 7,14.22. O “sangue” retoma
l t lli| | ! ii'in pode ve-lo e permanecer com no final da carta, 5,8.
i ti lu ( I x í 1,20); “o Senhor nao estava no 1,8-10 Unidos ao v. 6, sao um apelo á
i H ilii nao estava no fogo...” (IRs 19,lis). sinceridade radical, diante do auto-enga-
Ihili imristos gregos registram o fato pas- no e do “fazer dele um mentiroso” (ver
oui", dois perfeitos registram seu resulta­ 5,10). Pois quem nega seu pecado nao
li" immanente (temos visto e ouvido). O pode receber a purificagáo pelo sangue de
«|inl|>nr, como alusáo provável a Tomé (Jo Jesús; quem o confessa, a recebe. Sendo
/il.27), sugere a ressurreiçâo, nâo explícita táo importante a confissáo do pecado, bas­
Mil r a l l a . te recordar textos como Pr 20,9: “Quem
Manifestaçâo e anuncio nâo se esgotam se atreverá a dizer... estou limpo de peca­
iMii informaçâo e conhecimento intelectual, do?” (SI 32,3-5; IRs 8,46). É “fiel e jus­
nuis desembocam na participaçâo nessa to”: como parte justa/inocente, pode per­
vida transcendente. (Como pelo conheci- doar a parte culpada; como fiel, cumprirá
incnto interpessoal participamos na vida do a promessa.
mitro, mas em plano superior.) Isso extrava­
sa ile forma inimaginável a promessa do AT: 2,1-6 O eixo dessa segáo é a oposigáo
"ele é tua vida... na terra” (Dt 30,20). Se- pedir/cumprir seus mandamentos. Em tor­
melhante conhecimento pode produzir já no do eixo situam-se duas realidades em
um alegría completa (Jo 15,11). Amensagem posigáo assimétrica. Ao cumprimento se
ilo apóstolo é toda positiva e expansiva. associa o “conhecimento” e o “amor” de
1,5-7 Aqui começa a desenvolver seu Deus. Ao pecado se lhe outorgam perdáo
pensamento por oposiçôes radicais, com o e expiagáo pela mediagáo de Jesús Cristo.
símbolo clàssico de luz e trevas. Corrente 2.1 E “advogado” (Le 23,34); em Jo
em muitas culturas, no AT, no NT, e concre­ 14,18 esse título corresponde ao Espirito
tamente referido a Jesús, no evangelho de Santo. Ao dizer “o Pai” sem possessivo,
Joáo (Jo 1,4-5; 3,19.21; 8,12 etc.). O símbo­ considera-o de Jesús e nosso.
lo se aplica à conduta humana com suas con- 2.2 “Expia”: Jo 1,29; Rm 3,25.
seqüências (cf. Is 59,10). Também começa 2.3 Comegam aqui outros dois procedi-
aqui o procedimento estilístico da oraçâo mentos de estilo freqüentes na carta, a)
condicional, freqüente na carta (p. ex. 1,6.8. “Quem... aquele que...” serve para deter­
9.10; 2,1.4 etc.). Nem sempre significa urna minar e qualificar urna atitude, a eleva
condiçâo para obter algo, mas serve para quase a aforismo (2,4.6.9.10.11.15.22.23
um enunciado hipotético que de algum etc.), b) Aexplicagáo “nisto conhecemos...,
PRIMEIRA CARTA DE JOÁO 692

m andam entos. 4Quem diz que o conhe- ceito novo, que se tom a realidadc n, i>
ce e nao cum pre seus preceitos, mente e em vos; porque se afastam as ti * vu*«
e nao é sincero. 5Mas quem cumpre sua já brilha a luz verdadeira.
palavra tem de fato o am or de Deus ple­ 9Quem diz que está na luz mas <>.!• i*
namente. Nisso conhecem os que esta­ seu irmáo continua em trevas. '"(.»n. m
mos com ele. 6Quem diz que perm ane­ ama seu irmáo perm anece na lu/ c im»
ce com ele deve agir com o ele agiu. tropera. n Quem odeia seu irmáo i> i .
em trevas, cam inha em trevas c ni'
O m andam ento do am or e a luz — sabe aonde vai, pois a escuridáo Un
’Queridos, nao vos escrevo um precei- cega os olhos.
to novo, mas o preceito antigo que re-
cebestes no principio. O preceito anti­ Os cristáos e o m undo — 12Meus li
go é a m ensagem que escutastes. 8De lhos, eu vos escrevo, pois em nome il< I,
certo modo, porém, vos escrevo um pre­ vossos pecados estáo perdoados.

sabemos...” expressa a preocupaçâo do 2.12-29 Essa nova seçâo está unnln


autor em dissipar mal-entendidos, de dar dialeticamente à anterior. O mundo das lu
sinais e critérios reconhecíveis (2,3.5.29; vas ou do pecado se apresenta com uiim
3,2.10.14.16.19.24 etc.). As séries nao dis- concreçâo simbólica em très figuras; n
correm com rigor, e mais de urna vez se Maligno, o Mundo, o Anticristo. Todo n
cruzam sujeitos e predicados. No presen­ sistema de valores falsos ou antivalon-i
te parágrafo, o criterio é cumprir os man­ (2,16), que a sociedade partilha e impôc,
damentos (como em Jo 14,21; 15,10). que a tradiçâo transmite e mantém, se coa
2.5 Com freqüéncia o autor usa a cons- gulam numa potência que, em linguagan
truçâo grega einai en na I a pessoa. Tra- mítica ou simbólica, se chama o Mundo
tando-se de pessoa nós dizemos “estar (2,15-17). E rival e hostil ao Pai; é transilo
com N.” O autor imagina Deus ou Jesús rio. Essa potência é regida por um chelV,
Cristo como ponto de apoio ou espaço personificaçâo ou pessoa, que se chama o
vital. Maligno (2,13s; 5,19); figura hostil e agres
2.6 É o principio da imitaçâo como nor­ siva (Joáo parece considerá-la como pcs
ma de vida espiritual. soa). Anticristo é o rival do Messias autén
2,7-11 No parágrafo anterior, falou de tico: nega que Jesús seja o Messias e afirma
“mandamentos”, identificados com a “men­ seu próprio messianismo (2,22; 4,3). Ao
sagem” (logos). Agora concentra o plural mesmo tempo e lógicamente lhe nega o tí
num singular, identificado também com a tulo de Filho de Deus, com o que correlati­
“mensagem”. E o mandamento antigo, re­ vamente nega a Deus o título de Pai (2,23).
lacionado com o eixo luz/trevas do pará­ A presença ativa do Anticristo, em suas di­
grafo anterior. E antigo, porque já se lia em versas manifestaçoes, prova que vivemos
Lv 19,18 (citado em Mt 5,43 par.). É novo, já na etapa definitiva (2,18), que cada hora
pois o que era puro mandamento, em Jesús é decisiva porque exige a decisáo por Cris­
se toma realidade (cf. Jo 1,17) e, por ele, to perante qualquer messianismo rival (cf.
. por seu exemplo e dinamismo, também “em Le 2,34).
vós”, os cristáos (Jo 13,34). Para a luta contra esses poderes, força e
Explica-o com très participios contrapos- engano, nos é dado o Espirito em forma
tos: “quem odeia, quem ama, quem odeia” de unçâo (2,20.27). Costumamos imagi­
colocados nos reinos opostos da luz e das nar a unçâo como algo suave e penetrante
trevas. Temos em portugués urna palavra ou envolvente; a cultura grega conhecia o
metafórica, “obscurantismo” . Para Joáo, o óleo também como tonificante dos mús­
obscurantismo é o odio, que cega e deso­ culos dos atletas. Joáo parece pensar numa
rienta e faz tropeçar (cf. Jo 8,12; Pr 4,19). espécie de consagraçâo que toma o cris-
2,8 Com certa freqüéncia o autor mencio­ táo “experto, instruido”, capaz de discernir
na “ele, aquele”, e se refere a Jesús ou a a verdade da falsidade (2,27).
Jesús Cristo; os dois nomes que usa e mis­ 2.12-14 Vitoria sobre o Maligno e so­
tura com moderaçâo. bre o Mundo, que é o reino daquele. Pri-
693 PRIMEIRA CARTA DE JOÀO

••fiii vim c s c rc v o , p a is , p o rq u e c o - b a r-se d a b o a v id a , n a o p ro c e d e d o P ai,


i Id m Ii. m uirle q u e e x is te d e s d e o p rin - m a s d o m u n d o . 17E o m u n d o p a ss a co m
•fclti s u a s c o b ija s ; m a s q u e m c u m p re a v o n ­
pii vi m e sc re v o , jo v e n s , p o rq u e v e n - ta d e d e D e u s p e rm a n e c e p a ra se m p re .
MislNM n M align o.
•M'ii vos e s c r e v o , r a p a z e s , p o rq u e O Anticristo e a ungáo do Espirito —
h 4mIiim ims o Pai. 18J o v e n s , e sta m o s n a ú ltim a h o ra . O u -
I ii viis e sc re v o , jo v e n s , p o rq u e so is v is te s q u e d e v e v ir o A n tic ris to . P o is
Mi*"), co n se rv á is a m e n s a g e m d e D e u s b e m , v ie ra m m u ito s a n tic ris to s , e isso
t %>(<«•« estos o M a lig n o . n o s m o s tra q u e é a ú ltim a h o ra . 19S a í-
''N ftu am é is o m u n d o e o q u e h á nele: ra m d o n o ss o m e io , m a s n a o e ra m d o s
Hiii'iii m na o m u n d o n ao p o s s u i o a m o r n o ss o s. S e fo s se m d o s n o ss o s, te ria m
ilii I' iii ''T u d o o q u e h á no m u n d o , a co - p e rm a n e c id o c o n o sc o . A s s im m o s tra -
nciisual, a cobiga do q u e se v e , o ga- ra m q u e n a o e ra m d o s n o sso s.

I i i p I h i propóe urna série de cinco enuncia­ 2,18-29 A nova oposigáo é Anticristo/


tion simétricos, de construgáo ambigua. O ungao do Espirito. Se o conceito pode
hull urcgo pode introduzir oragáo com- proceder de 2Ts 2,4, o nome “Anticristo”
|ilHlva ou causal: “eu vos escrevo que... parece cunhado por Joáo. Equivale a an-
m u vos escrevo porque...” Conforme a pri- timessias, pseudomessias (Mt 24,23; Me
i i i p I i i i leitura, o autor quer assegurar e dar 13,21), com atitude de rivalidade e hosti-
imil tanqa a seus destinatários. Conforme lidade. Preocupa a Joáo a atividade de pro­
ii «relinda, justifica o envió da carta. pagandistas que semeiam confusáo com
Sao cinco enunciados encadeados. O seus enganos. Por um lado, propóe crité-
niImciro, o terceiro e o quinto se referem rios claros e simples de discernimento;
ft vitória sobre o pecado pelo perdáo e so- junto com isso, apela para a presenta e
lur o Maligno pela luta. O segundo e o agáo do Espirito nos fiéis e para a tradigáo
i|iiarto sao duplamente correlativos: os doutrinal que receberam. A tradigáo re­
|iiiis, que entendem de filhos, reconhecem monta ao comego (cf. Gl 1,6-7), a ungáo é
o l'ilho primordial; os jovens, que sabem “infalível”.
ilc pais, reconhecem o Pai celeste. Pais e O Anticristo náo é um individuo único,
|uvens ou rapazes podem designar idades mas um coletivo ou urna pluralidade. E
diversas para englobar todos (cf. MI 3,23- isso pode tomá-los mais perigosos ou mais
24, retocado em Le 1,17). Os cinco enun­ difíceis de identificar. Brotam do seio da
ciados devem ser lidos formando unidade comunidade, como os falsos profetas de
ilc sentido. A fase de libertagáo inclui o Israel (Dt 13,2-6; Jr 23; Ez 13). O Espirito
perdáo dos pecados e a vitória sobre o se comunica pela “ungáo” que consagra,
Maligno (cf. SI 91,13; Jo 16,11; Mt 6,13 transforma e capacita (ver os exemplos de
par.). A fase de elevagáo é o conhecimen- Saul e Davi, ISm 10,6-7; 16,13). Sua fun-
lo do Cristo preexistente e do Pai (cf. Mt gáo neste parágrafo é iluminar e ensinar
11,27; Le 10,22). internamente (cf. Is 11,2; Jr 31,34; SI 16,7).
2,15-17 Rejeigáo do mundo. Mundo Compare-se com sua fungáo em Jo 14,26;
tem aqui o valor negativo corrente em Joáo 15,26-27.
(p. ex. 12,31, também Tg 4,4); segundo O critèrio é simples: aceitar Jesús como
5,19 “pertence todo ao Maligno”. Opóe- Messias, com todas as suas conseqüén-
se ao Pai. A caracterizado do mundo nao cias, quer dizer, glorificado; isso impli­
pretende ser urna síntese completa, tri­ ca reconhecé-lo como Filho de Deus em
partida, mas sim uma selegáo que desta­ sentido forte. As repetidas declaragóes do
ca a “cobiga”: talvez com reminiscencia evangelho aclaram esses enunciados (Jo
da vista e desejo de Gn 3,8. Sobre o ga- 5,23; 15,23; 16,3). A presenga dos an­
bar-se, ver SI 49,19. Mas o mundo passa ticristos mostra que chegou “a última hora”
(lC or 7,31). “Cumprir a vontade”: Mt (Jo 4,23; 5,25). Os cristáos devem con­
6,10 par. servar o aprendido (v. 24) e a ungáo (v.
PRIMEIRA CARTA DE JOÁO 694

20Vós recebestes do Espirito a ungào, 26Eu vos escrevi isso a respeiti >d. ■ .¡
e todos sois expertos. vos enganam. 27Vós conserváis a un
21Nào vos escrevo porque desconhe- que recebestes dele, e nao tendcs un >
ceis a verdade, mas porque a conheceis sidade de que alguém vos ensine | >.>i
e porque nada de falso procede da ver­ uncáo dele, que é verdadeira e inl.ih .
dade. 22Quem é o mentiroso a nao ser vos instruirá a respeito de tudo. A i ¡ m i
quem nega que Jesús é o Messias? O que vos ensinar, conservai-o. 2KAf,. im
Anticristo é este: quem nega o Pai e o pois, filhinhos, permanecei com eli < i
Filho. 23Quem nega o Filho nao aceita sim, quando aparecer, teremos comIi.ui>,J
o Pai; quem confessa o Filho aceita o e nao nos enveigonharemos dele quanilt
Pai. 24Vós conserváis o que ouvistes vier. 29Se sabéis que ele é justo, sabor.
desde o principio. Se conservardes o que filho dele é quem pratica a jusin. i
que ouvistes desde o principio, também
vos perm anecereis com o Filho e com Filhos de D eus — 'Vede que p ,m
o Pai. 25Pois tal é a promessa que ele
nos fez: a vida eterna.
3 de amor o Pai nos mostrou: serum!
chamados filhos de Deus e o somos I

27) e permanecer constantes até a “vinda” pureza ideal, exemplar. Pois bem, o tip..
de Cristo. “Filho de Deus” por natureza, enquanto luí
2.20 Expertos nos assuntos da vida (perfeito gegennetai), nao peca nem pud.
crista. pecar. Quem peca, mostra ser de outra na
2.21 A “verdade” é a mensagem do tureza, filho daquele que desde a sua ou
evangelho, do qual nao se segue falsidade gcm é pecador, o Diabo (igual ao Maligni,
alguma, a nao ser que o falsifiquem pri- de antes). Entáo, como se explica que ei r.
meiro. táos, filhos de Deus, pequem de fato? Poi
2.22 Pai e Filho sao conceitos corre­ que ainda náo está consumada sua natun
lativos, implicam-se mutuamente. O Deus za (3,2) nem acabada a “semelhanga",
verdadeiro é o Pai de Jesús Cristo. ainda pode atuar neles o Diabo.
2,25 A promessa: Jo 17,2. “Pecador desde o principio”: refere-se
2.28 O autor joga com a consonancia à tentagáo do paraíso ou ao caso aduzido,
em grego de “confianga” e “vinda”. à aparigáo da morte na humanidade, Abel
2.29 Este v., com 3,10 e 3,24, serve de e Caim (3,11). Para um semita, o comego
enlace. O v. 29 acrescenta um elemento define a natureza (natura a natu).
novo, “filho seu”, que se desenvolve a se­ O novo tema se ordena em torno do eixo
guir. 3,10 repete 2,29 acrescentando um de oposigóes: filhos de Deus/filhos do Dia
dado, “ama seu irmáo”, que se explica a bo, nao pecado/pecado, justiga/iniqüida
seguir. Por sua vez, 3,24 introduz o tema de. Os extremos se apurara para expressar
do Espirito, que ocupa a segáo seguinte. o inconciliável, e isto explica algumas for-
mulagóes paradoxais. A esse eixo se acres
3,1-10 A guisa de introdugáo. Tema ca­ centa no parágrafo a “tensáo escatològica”,
pital da revelagáo é nossa filiagáo divi­ ou seja, entre o que já é e o que será.
na; nao por mero título extrínseco, mas “Filhos de Deus”. No AT, Deus é pai do
por transformagáo da pessoa (3,1). Essa povo inteiro e do rei que o representa (p.
filiagáo se manifesta em seus efeitos e se ex. Ex 4,23 e SI 2,7); só textos tardios o
contrapóe a outra filiagáo, nao simétrica, aplicam a um individuo particular (Eclo
“filhos do Diabo” (3,6-10). Contraposigáo 51,10). No AT, a paternidade/filiagáo é
é um dos principios que governam a car­ uma revelagáo central (Jo 1,12; Rm 8,23).
ta: nao é estranho encontrá-la nesse mo­ E paradoxal a expressáo “semente dele”.
mento táo importante. Mas, além de tudo, Só Malaquias fala de “descendencia divi­
tem outra fungáo. O autor nao propóe aqui na” (2,15) referindo-se ao matrimonio le­
personagens concretos, históricos ou atuais gítimo e aludindo a Gn 1,27. Outros tex­
e sim tipos, (inclusive Caim é visto como tos falam de “derramar espirito” sobre a
tipo). Os tipos sao estilizagóes que sim- estirpe = semente (Is 32,15; 44,3). Joáo
plificam a complexidade, em busca de urna diz mais: “ele” deve referir-se ao Pai; a
695 PRIMEIRA CARTA DE JOÀO

. . n 11111111I11 ii.ic) nos reconhece, por- quem pratica a justiga é justo como ele.
iin ii im ii u nnilioco. 8Quem comete pecado procede do Dia­
i tu. Milu*. |.i somos l'ilhos de Deus, bo, porque o Diabo é pecador desde o
iim< iiiiiii.i m. io se manifestou o que se- principio. E o Filho de Deus apareceu
icmiii" 'iiiIh mus que, quando ele apare- para destruir as obras do Diabo. 9Nin-
• i m, i..... i-, smielliantes a ele e o vere- guém que seja filho de Deus comete
iiino . i . m u d e c. -’Quem espera nele pecado, pois conserva sua semente; e
i....... im uli 11 un il ica-se, como ele é puro. nao pode pecar, porque foi gerado por
i im ni i órnete pecado viola a lei: o Deus. lüAssim se dem onstra quem é fi­
■ i li' . i ii heldia contra a lei. 5E sa- lho de Deus e quem do Diabo: quem
ii i . 111< r Ir apareceu para tirar os pe- nao pratica a justiga nem am a seu ir-
.i.in i i le próprio nao teve pecado. m áo nao vem de Deus.
i|in ni permanece com ele nao peca;
hhi mi pri a nao o viu nem conheceu. O p re c e ito d o a m o r — “ Porque a
I i IIi ImIi os , que ninguém vos engane: m ensagem que ouvistes desde o prin-

■i inrntr” é o próprio Jesús Cristo, ou é a Neste parágrafo, o autor propóe dois si-
imliu . vital e fecunda da parábola? (Mt
i i nais de identificaçâo (2,10) e prodigaliza
I i U<) os enunciados quase aforísticos com par­
I ilIms do Diabo”: Jo 8,44 o explica. O ticipio “quem...”. O v. 10 introduz o tema
I U Iii é “pecador desde o principio” ao
h i seguinte, já tratado (1,7-11).
i iln/ir liva (Gn 3; Sb 2,24). Cristo veio 3.1 Como no projeto inicial, a fecun-
ih -.ii iiir a agáo do Diabo (Le 11,21 par.), didade é fruto do amor conjugal, assim
i >pecado = iniqüidade é inconciliável nossa filiaçâo brota do amor de Deus.
.....i I )eus e com Cristo (Jo 8,46), que veio 3.2 O olhar, a visáo, transforma (cf. SI
iiiii lo (Jo 1,29). E é inconciliável com 34,6).
i|iirm vive a filiagáo divina: o grego usa 3.5 Há duas “apariçôes” de Jesús: a his­
ni pi i um verbo no perfeito de resultado tórica (neste v.), a parusia (v. 2).
Iir imánente (compare-se com o modismo 3.6 O grego usa dois perfeitos, algo
Iii ii tugués “está feito um campeáo, um ar­ como “náo o viu nem o conheceu”.
tista etc.”). “Iniqüidade” é, segundo a eti­ 3,8 Ver a expressáo polémica de Jo 8,
mologia grega, vida “sem lei”, rebeldía à 44.
Iri (de Deus). Com eia Paulo caracteriza o 3,11-24 A perícope se abre e se encerra
I liabo ativo no mundo (2Ts 3,7). A “justi- com o tema do amor fraterno (v. 11 e 23-
i; ¡ ” e o contràrio do pecado e da iniqüida-
i 24a); 24b introduz a seguinte). O tema está
«Ir.; é uma marca de perteneja. indissoluvelmente unido à fé em “seu Fi­
A semelhanga. Um filho se assemelha lho Jesús Cristo”. Como opostos a esse
naturalmente a seu pai (Gn 5,3). Pode tam- amor, propóe o caso extremo do homici­
hém parecer quando imita sua conduta. Por dio e o mais freqüente, o de negar ajuda.
sua filiagáo batismal, o cristáo já se pare­ No meio da perícope inséré outro item, o
re com seu Pai Deus; mas deve esforzar­ da consciencia (kardia).
se por afinar a semelhanga. Deve ser “pu­ O eixo desse parágrafo é o amor/ódio
ro” e “justo” como ele (o Pai ou Cristo). A ao próximo, que está unido de forma as-
semelhan§a já existe e pode ir crescendo simétrica a vida/morte. O amor leva vida,
(2Cor 3,18). Só será completa e se mani­ é sinal de vida e comunica vida. O odio
festará totalmente quando se manifestar leva morte e produz morte. Mas o amor,
Cristo glorioso na parusia. Entáo nós que este é o paradoxo, pode enfrentar a morte
agora vemos “no espelho”, o veremos co­ para salvar a vida de outrem. Cristo mor-
mo é (ICor 13,12). O grego hoti pode ser rendo deu vida e deixou exemplo de sa­
completivo ou causal, “que” ou “porque”. crificio por amor (Jo 13,34-35; 15,12-13).
O mundo nao reconhece como seus os que O parágrafo usa uma vez o esquema con­
parecem com Deus, pois o mundo “per- dicional para dissipar confusóes (v. 17), très
tence ao Diabo”. vezes o esquema do sinal para discernir (w.
PRIMEIRA CARTA DE JOÀO 696

cípio é que vos am éis uns aos outros. porque cum prim os seus maml i......
12Náo com o Caim , que vinha do M a­ tos e fazemos o que lhe agrada, i ■
ligno e assassinou seu irmáo. E por que te é o seu mandamento: que acumi,
o assassinou? Porque suas agóes eram na pessoa de seu Filho Jesús ( n i.
más e as de seu irmáo eram boas. 13Náo nos amemos uns aos outros, co m ... i.
vos espanteis, irm áos, se o m undo vos nos ordenou. 24Quem cumpre seu .....
odeia. 14Sabem os que passam o s da d am entos perm anece com Den», •
m orte para a vida, porque am am os os Deus com ele. E sabem os que ele p ..
irmáos. Quem nao ama perm anece na m anece conosco pelo Espirito que n.,
m orte. I5Quem odeia seu irm áo é ho­ deu.
m icida, e sabéis que nenhum hom i­
cida conserva dentro de si vida eterna. D iscern im en to de espirilo-.
16Conhecem os o que é o am or naque- 'Queridos, náo vos fiéis de quali|u> i
le que deu a vida por nos. E tam bém espirito; ao contràrio, comprovai se om k
nós devem os dar a vida pelos irmáos. píritos vèm de Deus; pois muitos lai •••
17Se alguém possui bens do m undo e profetas vieram ao mundo. 2Nisto i.
vé seu irm áo necessitado e lhe fecha conhecereis o Espirito de Deus: todo o»
as entranhas e nao se com padece de­ pírito que confessa que Jesús C ii i i
le, com o pode conservar o am or de veio em carne mortal, vem de Deus; V.
Deus? 18Filhinhos, náo am em os de pa- do espirito que náo confessa Jesus n.>
lavra e com a boca, mas com obras e vem de Deus, mas do Anticristo. Ouv i .
de verdade. 19Assim conheceremos que tes que viria, agora já está no mundo
procedem os da verdade, e diante dele 4Meus filhinhos, vos procedeis de Deui
terem os a consciéncia tranqüila. 20Pois, e os derrotastes, pois aquele que c.u
em bora a consciéncia nos acuse, Deus em vós é mais poderoso do que aquel,
é maior que nossa consciéncia e sabe que está no mundo. 5Eles sao do mun
tudo. ^'Q ueridos, se a consciéncia náo do; por isso falam de coisas mundanas o
nos acusa, podem os confiar em Deus, 0 mundo os escuta. 6Nós somos de Deus
22e receberem os dele o que pedirm os, e quem conhece a Deus nos escuta, o

16.19.24), duas vezes o esquema do parti­ 4,1-6 O AT opóe ao “espirito do So»


cipio “aquele que...” (vv. 14.15). nhor”, dinàmico e benigno, um “espíritu
3.12 A figura de Caim procede de Gn 4 maligno”: como na historia de Saúl (lSm
através de tradigóes rabínicas, que acres- 16,14). Como a profecía é doni do espiri
centam dados ao relato bíblico original. O lo (2Rs 2,9.15), distinguem-se o espirito
amor se manifesta ñas obras (Is 58,7; Pr veraz p o falaz: ver o exemplo clàssico de
3,27-28; Dt 15,7), se reconhece nelas e 1Rs 22; Habacuc o chama "mestre de men­
tranquiliza a consciéncia (v. 19). tiras” (2,1.18). Joáo se preocupa em parti
3.13 Veja-se a bem-aventuranga de Mt cular com o espirito enganoso (Mt 7,15) c
5,11; também Jo 15,18; 17,14. quer oferecer um criterio simples para dis
3.14 Sobre o passar da morte para a vida, cerni-lo (como Paulo em ICor 12,3). A
ver Jo 5,24. pedra de toque é a encarnacáo de Jesús
3.15 O odio é urna forma de homicidio Cristo, e sua morte redentora é condigáo.
incipiente e pode conduzir ao homicidio E o que “vimos e apalpamos” diante de
consumado. Ao ser inimigo da vida alheia, um docetismo incipiente.
confina a este mundo a própria. Ver Mt Em lugar de “náo confessa”, alguns
5,21s; Jo 8,44. manuscritos gregos e versóes léem “todo
3.16 Ver Jo 10,11; 13,1.14; 15,13. espirito que dissolve Jesus”, quer dizer,
3.17 O amor a Deus, ou o amor ao pró­ que dissolve sua realidade humana em
ximo que Deus infunde. aparéncia, ou separa a realidade huma­
3,20 “Maior”: porque conhece e com- na da sua fungào messiànica. Esses es-
preende “nossa argila” (SI 103,14). píritos procedem do Anticristo (cf. 2Ts
3,22 Ver Mt 7,7; Me 11,24; Jo 14,13. 2,4), pertencem ao mundo (2,15-17).
697 PRIMEIRA CARTA DE JOAO

i i im 11 i • ' -l- I >• ii it.n i nos fsi'iila. As- guém jam ais viu a Deus: se nos amar-
im | 11 ii' 11i w i il.u Ir ni is o distin- mos uns aos outros, Deus perm anece
, . i ................. i | ■11 Mi > < I i i i ii i i I i i . i em nós, e o am or de Deus está consu­
m ado em nós. 13Reconhecem os que
Mih- i mi ii 111 <>uri idos, amemos está conosco, e nós com ele, porque nos
,, « , 11111 1 , * . . |in¡s
ii amor vem de fez participar do seu Espirito. 14Nós o
ii i *...!• ■ H|in Ii 111k- ama é filho de contem plam os e testemunhamos que o
t i ..................................I .................... i I >
c i i n . HQuem nao Pai enviou seu Filho como salvador do
1111 -i........... . i im .i I >cus, já que Deus mundo.
im <i I i' ii i Ii i ih i uisl ou o am or que 15Se alguém confessar que Jesús é o
■ ni ............. i nviando ao mundo seu Filho de Deus, Deus permanece com ele
i id............. | > . iiu t|uc vivam os graqas e ele com Deus. 16Nós conhecemos e
i. 1.i .ii 11 onsisle o amor: nao fo- eremos no amor que Deus teve por nós.
i. . ii" •111■ unam os a Deus, mas ele Deus é amor: quem conserva o amor
......ni.....i m vioti seu Filho para ex- permanece com Deus e Deus com ele.
iim im ..i-, p iia d o s . "Q u erid o s, se O amor chegará em nós à sua perfei-
i n un . ,m n mi tanto, também nós de- <¿áo se formos no mundo o que ele foi e
, i .............. u n . ii nos mis aos outros. l2Nin- esperarmos confiantes o dia do julga-

........ 11f u ni poder, porém é mais pode- universo: “amas a todos os seres e nao
II, i. ,ii|iu-k- que os venceu (Jo 16,33; Mt aborreces nada de tudo o que fizeste”, o
i ' ") pur.). de Joáo é a salvagáo (v. 14).
I / I Depois da digressáo sobre os es- Numa definigáo, é preciso entender o
|,min-., continua o discurso sobre o amor, predicado. Ora, o amor nao se entende te­
,1)1111,1 icinontando-se ao mais alto. Joáo óricam ente, mas sim por experiencia
ii i, , ilc-screvc nessas linhas um itineràrio
i inter-humana (vv. 7-8). Nao que preceda
. i..... logico; situa-se antes num ponto de ontologicamente o amor do homem (vv.
|,. n i pi^ao unitario que abarca todo o ho- 10.19), pois todo amor auténtico “proce­
•i/<míe. Como contemplador onisciente, de de Deus” (v. 7) e se comunica por seu
luM11 niover-se era qualquer diregao. Se Espirito (v. 13). Deus demonstra seu
,|iii-.cssemos extrair um itinerario, resul- amor, enviando seu Filho como Salvador,
i n i,i ii seguinte. Aorigem do amore Deus, para dar vida (vv. 9.14), e o homem pode
,|nr é am or(w . 8.16), manifesta-se no dom reconhecer o amor de Deus (v. 16). O
,l,i scu Filho, como iniciativa gratuita (vv. amor de Deus é comunicativo: transfor­
10 14.19). Nós o percebemos e acolhemos ma o homem em sua imagem (v. 17), per­
, ,nii a fé. Nós o vivemos no amor a ele e mite e exige que o homem ame a Deus e
mi próximo (vv. 7.1 ls.20s). Nós o conser­ ao próximo (vv. 12.20). Os dois amores
vamos com esperanza e seni temor (vv. se implicam mutuamente, de modo que
I (). 18). Entre amar a Deus e amar o próxi­ um sem o outro nao é real. Só que o amor
mo, qual é o primeiro? Poder-se-ia opor ao próximo é mais fácil de comprovar. O
1,20 e 5,2; para Joáo, sao correlativos e amor perfeito exclui o temor do julga-
mseparáveis. mento e do castigo (vv. 17-18). Pelo amor
Nestes vv. se repete 29 vezes a raiz ao próximo, ainda que náo vejamos a
nfiap-; mais outras cinco em 5,1-3. Men- Deus (vv. 12.20; Jo 1,18), sabemos que
ciona-se o Espirito (v,. 11), da segáo pre­ Deus permanece em nós e conosco (vv.
cedente, e a fé (v. 16), da seguinte. 12-13). Ver como paralelos Jo 13,34; 3,
Nesse ampio parágrafo, monotemático, 16; 17,26.
a carta alcanza seu ápice, quando tenta e 4,9 Ver a declaraqáo a Nicodemos em
ousa definir Deus. Ens a se ou “infinito”, Jo 3,16; Rm 5,7-8.
sentencia a metafísica. “Deus é amor”, 4.12 Ver Jo 1,18.
afirma Joáo. “O amor é urna divindade” 4.13 Ver Rm 5,5.
dizem algumas religióes; “Deus é amor”, 4.14 Ver a confissáo dos samaritanos em
afirma Joáo. O horizonte de Sb 11,24 é o Jo 4,42.
PRIMEIRA CARTA DE JOÀO 698

mento. 18No amor nào há lugar para o sados. 4Todo aquele que é filho di 11
temor; ao contràrio, o amor desaloja o vence o mundo; e esta é a vilm 11
temor. Pois o temor se refere ao castigo, vence o mundo: a n o s s a fé .5Qui'in vi*
e quem teme nào alcancou um amor per- ce o mundo, senào quem ere i|iii i.
feito. 19N ós am am os porque ele nos é o Filho de Deus? É aquele qu<
amou primeiro. 20Se alguém diz que ama com água e sangue: nào só coni fliiuf
a Deus mas odeia o pròprio irmào, men­ mas com àgua e sangue. E o I•> .]u
te; pois se nào ama o irmào seu a quem que é a verdade, dà testemunho i
vè, nào pode amar a Deus a quem nào sào as testem unhas: 8o Espirito, a ,iinn
vè. 21E o mandamento que nos deu é que e o sangue, e os très concordali! <i
quem ama a Deus ame também o prò­ aceitamos o testemunho humano, m...
prio irmào. convincente é o testemunho de I >...
10Quem crè no Filho de Deus pos\m
V ito ria d a fé — 'Todo aquele que testemunho; quem nào crè em Dem .
5 eré que Jesus é o M essias é filho de
Deus, e todo aquele que ama o Pai ama
tom a mentiroso, por nào crer no i.
tem unho que Deus deixou a resi« m
também o Filho. 2Se am amos a Deus e do seu Filho. 1!0 testemunho dei l.u
cum prim os seus m andam entos, é sinai que Deus nos deu vida eterna e i|...
de que amamos os filhos de Deus. 3Pois essa vida està no seu Filho. 12Qm h,
o am or de Deus consiste em cumprir aceita o Filho possui a vida; quem n.n
seus m andam entos, que nào sào pe- aceita o Filho de Deus nào possili .

4,18 Ver Rm 8,15. aquele que gerou, ama aquele que foi p
4,21 Ver Mt 22,37-40. rado (o último pode-se entender do Fillm
ou de qualquer cristáo, cf. lPd l,22s).
5,1-13 Podemos de antemào isolar al- 5.3 Cf. Mt 11,30; Dt 30,11.
gumas linhas nesse complexo parágrafo. 5.4 “É filho”: em grego “foi gerado” ti.
A linha do crer — amar — cumprir (vv. 1- perfeito de resultado; ou seja, quem man
3). A linha do amor: ao Pai — ao Filho de tém realizada a filiagáo, quem a vive.
Deus — aos filhos de Deus (vv. 1-2). O 5,6-9 A fé se apóia num testemunho pin
processo: o mundo se vence com a fé — a ral. A lei exigia duas ou tres testemunlu
fé se apóia no testemunho -— o testemu­ (Dt 17,6 e 19,15). Jesús exibe tres teslr
nho promete vida. munhas: a água do batismo e da cruz (1,31
No parágrafo anterior, o tema da fé (vv. Jo 19,34); o sangue do sacrificio (Jo l‘i
13.15) estava entremeado com o tema 34); o Espirito manifestado no batismo (Jo
dominante do amor. No presente, o tema 1,32-34) e operante na Igreja (Jo 14,16.2(>
do amor introduz o tema dominante da fé. 16,13-14). Tal é o “testemunho de Den
Os participios no-lo indicam: “todo aque­ acerca do seu Filho” (cf. Jo 8,14-18). Cabe
le que crè... quem crè... quem aceita...” (vv. ao homem aceitar testemunho táo solene
1.5.12); e se exalta nossa fé vitoriosa (v. e fidedigno.
4). A fé se apóia no testemunho, que é o A partir do final do séc. IV, faz sua apa
tema correlativo dominante. A nossa fé se rigao urna interpolado, que lentamente
opóe o mundo com seus critérios; mas o penetrou em manuscritos da Vulgata latí
mundo jà està vencido (Jo 16,33). A fé, na (a partir do ano 800). Diz assim: “Trés
mais do que simples assentimento intelec­ sao os que dáo testemunho no céu: o Pai,
tual, é adesào vital, “aceitaqào” aiegre, pela a Palavra e o Espirito, e os trés estáo de
qual nos unimos a Jesus Cristo e dele re­ acordo".
cebemos vida eterna (Jo 20,31). 5,9 Sobre o testemunho, pode-se ver Jo
Objeto da fé é Jesus Cristo: que é o 5,32.36; 8,18; 10,37s.
Messias (v. 1), o Filho de Deus (v. 5), que 5,11-12 O testemunho do Pai a favor
possui e comunica vida (v. 11). do seu Filho é também a nosso favor,
5,1 Utiliza o verbo gignomai, “gerar”: porque afirma que no Filho temos a vida
aquele que crè, foi gerado... quem ama eterna.
699 P R IM E IR A C A R T A D I JO Á O

■ i i■ i i ■ i vi >. i|iic c r c d e s nao digo que reze. 17Toda iniqüidade é


, , i l 11In• ile I >i il-., p a r a i|ue pecado, mas há pecados que nao acar-
fi in t< ii* li ' li li» r t e m a . retam a morte.
I8Sabemos que quem é filho de Deus
i , 1 1 ti /.i 1'I >11 igimo-nos a nao peca, pois o Gerado por Deus o pro­
Ili ii= in ...... il m ih .i ile que, se pedir- tege, para que o Maligno nao loque nele.
i , .... ........ i .■('mulo a sua von- lgSabemos que procedemos de Deus,
I l i, ' • , ni ii i 1 I se sabemos ao passo que o mundo inteiro perlence
( ,, mu • ■ni i i|ii.iiidu Ilio pedimos, ao Maligno.
...............1......... il,unos coiti o que pe­ 20Sabemos que o Filho de Deus veio
li,,,., .. ilfin ni ve seu irmào co­ e nos deu inteligencia para conhecer o
ni i, mi . mu |n i .ido que nao é mortai, Verdadeiro. Estamos com o Verdadei-
, 1 1, ir. III, il.no vida. Refiro-me ro e com o seu Filho Jesús Cristo. Ele é
- ,|,i. (i. • ,nn nao mortalmente: pois o Deus verdadeiro e vida eterna. 21Fi-
i i .,,.I,,. •|in ..io moríais*; por esses lhinhos, guardai-vos dos ídolos.

\ l 5-21 O final da carta está pontuado 15,2). Esse texto comega e termina assim:
Inti (|iiatro certezas e serve para recapitu­ “Nao intercedas em favor desse povo... O
la varios temas: vida, Espirito, mundo, destinado á morte, á morte” (cf. Mt 12,31
M.digno, pecado, confiança, Filho de par.; Hb 10,26-31).
I »rus, filhos de Deus. 5.18 Segunda certeza, sobre a incom-
5,14-15 A primeira certeza se refere à patibilidade entre pecado e filiagáo divi­
maçâo e se chama confiança. Há salmos na. O grego joga com dois participios do
t|iic chamamos “de confiança”, que a ex- verbo gerar: perfeito para o cristáo, aoristo
|ncssam ou a fomentam. Joao formula urna para o Filho. Aquele que foi gerado pro­
i iindiçâo clássica: “segundo sua vontade” tege aquele que tem sido gerado (Jo 17,
(i í. Mt 7,7; Jo 16,24; para o exemplo de 13). Alguns manuscritos léem de outro
( risto, Jo 11,42). modo: o Gerado por Deus se protege por
5,16 *Ou: que acarretam a morte. si mesmo.
5,16-17 Pelo termo “vida” enlaça com 5.19 Terceira certeza: que procedemos
vv. 11-13; pela súplica enlaça com a inter- de Deus (cf. Jo 8,47) e nao temos nada em
cessáo de 2,1. Um caso de petiçao é orar comum com o mundo e o Maligno.
pelo irmao pecador. E segundo a vontade 5.20 Quarta certeza: a encarnagáo do Fi­
de Deus que “quer que se converta e viva” lho e sua revelagáo do Deus verdadeiro (Mt
(Ez 18,23.32). Contudo, há casos em que 11,27 par.; Jo 7,28; lTs 1,9). Nossa uniáo
Deus rejeita a intercessáo, porque já deu a com o Pai e o Filho nos comunica vida
sentença irrevogável de morte (Jr 14,11— eterna. E nos aparta de qualquer idolatría.
SEGUNDA E TERCEIRA CARTAS DE JOÁ< )

INTRODUÇAO
Tem -se d isc u tid o a a u ten ticid a d e tolo; o autor fa la com autoridad• , *
destas duas breves cartas. N a A n tig ü i- m o responsável p o r outra comuni,u
dade duvidou-se p o r algum tem po da de, que chama de Senhora e ma, ,1
sua canonicidade. H oje em dia os crí­ filhos, segundo imagem conheci,l,i ,1
ticos vacilam diante da questáo. Que A T (p. ex. B r 4,9—5,8). Também a ..
as trés cartas ou duas délas tenham m unidade pròpria é m àe de filh o s ,
elem en to s com u n s é indubitável. A irmä, da mesma categoria, da auli ti,
brevidade de am bas e a econom ía alu­ em com unhào com eia. O problema ,1
siva da m ensagem deixam ampio cam ­ segunda é doutrinal, cristolàgico; o ni,
p o á especulagáo, e a desqualificam . m o da prim eira carta. O problema /
Tem tanta im portancia que seja ou nao terceira é de organizaçâo, pela ami;
de Joño evangelista? O autor se apre- çâo de um rival; recomenda os mi­
senta com o título “o A nciáo nom e sionarios itinerantes. Supôe-se q u e ,,
de idade ou título de fungáo? Os a m i­ duas cartas foram escritas no final ,1,
gos fala ra m da longevidade do após- séc. I.
s I■;<, 11NDA CARTA DE JOÁO

(I \m IM |mi .1 .1 .Seilhora escolhi- 7Muitos impostores vieram ao mundo


i, , », ii- 11III" . .1 iinciti Mino de verda- dizendo que Jesús Cristo nao veio em
I, i 1.1 ............ iii.c. lodos os que co- carne mortal: eles sao o impostor e o
I,r » . mimi .i >i 11l.ii Ir ; pela verdade que Anticristo. 8Ficai atentos para nao per­
....... .......... in in r. c per manecerà sem- der o fruto do vosso trabalho; ao contrà­
. ......... . .1 .ii.i a gra§a, misericór- rio, para receber o pagamento pleno.
•i , , | i l i i p ule ile Deus Pai e de Je- 9Quem se excede e nào se conserva no
ii» i il ,i.. I illm do Pai, junto com a ensinamento de Cristo nào conta com
. t i ni’ i 11 .uni >1 Deus. Quem se conserva em tal ensina­
I ni | mi ,i iitiiii nina grande alegria en- mento conta com o Pai e com o Filho.
ilitii........ in letis lilhos alguns que ca- 10Se alguém se apresenta a vós e nao
.nuli un .l'jiundo a verdade, segundo o leva esse ensinamento, nào o recebáis em
o .un I..... Mio rccebido do Pai. Agora, casa nem o saudeis. u Pois quem o saúda
.. ni...... n.io le escrevo um preceito se toma cúmplice de suas más acóes.
mi. i. .... . o que tínhamos desde o p a n ­ 12Embora tenha m uitas coisas para
ini. . 1111e nos am emos uns aos outros. escrever, nào quis fazé-lo com papel e
1 1 .iiu.ii consiste em caminhar segun- tinta, pois espero visitar-vos e falar con-
ln n i m us m andam entos; e esse é o vosco frente a frente, para que vossa
hi.uni,miento que ouvistes no principio, alegria seja plena. 13Os filhos de tua
e u ,i i|uc caminheis de acordo com eie. irmà eleita te saúdam.

I Anciáo pode significar a idade e a fun- 5 O preceito nao é novo, como em lJo
t;;Io (lPd 5,1). A “Senhora escolhida” é o 2,7-11; Jo 13,34.
lilulo que dá a urna igreja particular; nao é 6 Amor e obediencia aos mandamentos,
eerto que o título tenha conotagáo de sím­ como em lJo 5,3; Jo 14,15.
bolo matrimonial. Quer dizer, a igreja lo­ 7 Os impostores e o Anticristo: lJo 2,18-
cal realizando o “mistério” atribuido á 29.
Igreja universal como esposa do Messias 9 Urna coisa é avangar no conhecimen-
(Ef 5). Seguindo a tradigáo do AT, os fi­ to e penetragáo do mistério e da doutrina
lhos sáo os membros da comunidade (cf. de Cristo (cf. Jo 16,13), outra coisa é “ul­
Ap 12,17). A verdade é a mensagem evan­ trapassar”, afastando-se e apartando-se do
gélica (Jo 8,32; 11,5). ensinamento autèntico.
3 A saudagáo é como a de lTm e 2Tm, 10 Rm 16,17; Ef 5,11; 2Ts 3,6.
com trés dons. 13 A fórmula revela o sentido comuni­
4 A alegria é como em F11,3-4. tàrio e a relagáo entre comunidades.
TERCEIRA CARTA DE JOÁO

‘Do A nciáo ao querido Gaio, a quem com unidade; mas Diótrefes, que pi i
amo de verdade. 2Querido, visto que de mandar, nao nos recebe. 10Poi i
espiritualm ente estás bem , pe^o que quando for, denunciarei as agóc .!■i.
tudo corra bem para ti e tenhas saúde. pois com sua m aledicencia no- ,i
-’Alegrei-me muito quando vieram al- prestigia. Nao contente com isso, n«i
guns irmáos e deram testem unho de tua recebe os irmáos nem permite <|im
conduta fiel à verdade. 4Para mim nao fagam os que o desejam, ao conti.m
há maior alegría do que ouvir que meus expulsa-os da comunidade.
filhos sao fiéis à verdade. "Q uerido, náo imites o mal, m u
5Querido, o que fazes pelos irm áos é bem. Quem fa z o bem provém de I Vu
prova de lealdade, apesar de serem es- quem faz o mal náo viu a Deus. 1 I ^
trangeiros. 6Diante da com unidade, de­ métrio goza da estim a de todos e l.im
ram testemunho do teu amor. Por isso bém da verdade; nós acrescent;miM
é justo que providencies o necessàrio nosso testemunho, e sabes que é v< i
para a missào deles, como Deus mere­ dadeiro. 13Embora tenha muitas coímm
ce, 7visto que se puseram a caminho em para te escrever, náo quero fazé-lo cofl
nome de Cristo, sem receber nada dos a pena e a tinta. 14Espero ver-te logn ,
pagaos. 8De nossa parte, devem os aco- falar contigo frente a frente. 15A pul
iher gente assim, para colaborar com a esteja contigo. Os amigos te saúd;un
verdade. 9Escrevi alguma coisa para a Saúda nom inalm ente os amigos.

1 Pelo título usado no v. 4, podemos 9 Ele gosta de mandar, ou de ser o


deduzir que Gaio era convertido ou dis­ primeiro: cf. Mt 20,27 comparado com
cípulo de Joáo. Mt 23,6. Parece que esse tal D iótre­
3-4 A “verdade” é a mensagem evan­ fes náo confiava nos itinerantes ou se
gélica. sentia ameagado, a ponto de excomun-
5-8 Parece referir-se a missionários iti­ gá-los.
nerantes, do tipo que Paulo tinha sido ou- 12 Parece aludir a cartas testemunhai
trora (lC or 4,12). que os itinerantes levavam e exibiam.
( ARTA DE JUDAS

INTRODUÇAO
com exemplos terríveis. Contudo, pro­
Sl t l nl
cura tem perar seu rigor com a com-
ihnii.'i api,-senta como Judas, ir- preensâo e compaixüo (vv. 22-23). A
II ,i. h ,ñ u Niin pode ser Judas Ta- carta nâo é atraente. Talvez nos ensine
i. a ¡<i i/ iii ’ n uulor se distingue dos que, diante de certos erros doutrinais
,r . i i, i I /) i.ntre os “irmáos " de e moráis, é m ister tomar posiçâo clara
i.,, w. (i, >' ,- Mi 13,55 citam um e firm e.
i ,i i,i tampinici) pode ser este o autor É muito difícil, com os tragos da car­
i................ i , l,i pussou algum tempo des-
i i ta, com pletar o perfil dos falsos mes-
i .i . i,i apostólica (vv. 3-4). N a A n ti- tres. Se soubéssemos de antem ao que
, ni,i.i,h■duvidou-seda canonicidadeda professavam um gnosticismo incipiente,
iiii.i. aparece citada como canónica poderíam os identificar detalhes e ras­
, , /.i pi nitrirà vez pelo ano 180. H o je é trear indicios. Seus métodos parecem
I'iniiiii comuni que se trata de um es- ser nao violentos: “insinuam -se” (v. 4),
>ii, i pseudónimo. A qualidade da lin- participant em banquetes (v. 12), baju-
, u ,im u grega, coni sua riqueza de vo- lam (v. 16).
, iihulaiio e composigóes tipicam ente Conjectura-se que a carta fo i escrita
, i, ras, junio ás citagóes dos apócrifos em fin s do séc. I ou comegos do II.
\ , \tmgiio de M oisés e Henoc, fazem
i ; u s a r que o autor era um judeu Ite­ Sinopse
li insta convertido.
I carta é um escrito contra falsos A carta consta de um só capítulo, de
,1, miares: mais violento na toni que na 25 vv. D epois da saudagüo, descreve
snbstiincia. Recrimina, em lugar de re­ os falsos mestres, oferece recomenda-
latar com argumentos; langa ataques góes aos fiéis e concluí com a doxo-
genéricos, sem determ inar; am eaga logia.
CARTA DEJUDAS

‘De Judas, servo de Jesús Cristo, ir­ guns individuos se insinuaran!, h.i i. ...
mào de Tiago, aos eleitos que Deus Pai po fichados para esta sentenza: h<mu m
ama e Jesús Cristo protege: -m isericòr­ sem religiào, que traduzem o favof li I
dia, paz e amor abundantes. Deus em d is s o lu to e renegam o um..
patráo, o Senhor nosso Jesús ( n i
Falsos m estres —- 3Queridos, no meu *Quero recordar-vos o que aprcnd. i..
em penho em vos escrever a respeito de de urna vez para sempre: o Salva. 1..i ■
nossa salvagáo partilhada, julguei ne­ tirou o povo do Egito, mas depois m ,< 1
cessàrio escrever-vos para vos exortar bou com os incrédulos. 6Os anjos. p.
a lutar pela fé que os santos receberam náo conservaram seu posto e abanil..
de urna vez para sempre. 4Porque al- naram sua morada, ele os mantém j’tmi

1-2 Sendo os nomes de Judas e Tiago dos os episodios do AT, e nao conheeiil..
táo correntes na época, nao é fácil identi­ os outros.
ficar o autor real ou suposto. A frase faz Vejamos o material bíblico. Tres gni|n.4
supor que Tiago fosse um personagem coletivos: os israelitas do éxodo (Ex I l
conhecido, talvez o personagem proemi- 15 e Nm 13-14), exemplo de salvabili
nente na igreja de Jerusalém segundo At frustrada; os anjos (talvez de Gn 6), excm
15 par. O título “servo de Jesús Cristo”, pío de queda do céu; Sodoma e Gomoim
imitagáo do tradicional servo de Deus ou (Gn 18—19), exemplo de perversáo casli
de Yhwh, é freqüente ñas cartas de Paulo e gada. Um trio de nomes próprios: Cairn (( in
ñas católicas: é título tradicional. Seu con- 4), exemplo de òdio homicida; Balaáo (Nm
teúdo é claro: alguém que está plenamente 22), exemplo de cobiga e profecía venni.
a servigo de Jesús Cristo. Os destinatários Coré (Nm 16), exemplo de ambigáo.
sao “eleitos” ou chamados; custodiados (Jo Os falsos e perigosos mestres sao descrié
17,11-12). O trio que inclui “amor” é úni­ tos com abundancia retórica de perversoes
co no NT. e fracassos. Destacam-se entre seus vicios
3 A “salvagáo partilhada”: nao é um fato a libertinagem e a rebeldía arrogante. Gran
individual; é algo possuído em comum, de parte da breve carta se ocupa em denun
porque criou comunidade. Está vinculada ciá-los verbalmente; um espago menor ó
á fé recebida de urna vez para sempre. dedicado à exortagao positiva para os fícis,
Nesta frase densa, apreciamos como o in­ 4 Paulo tinha dito (Rm 6,14) que “nao
dividuo fica englobado e superado pela estamos sob a lei, mas sob a graga” ou fa
comunidade e pela tradigáo: duas coorde­ vor de Deus; e alguns interpretavam esse
nadas substanciáis da Igreja. favor como “sem lei”. Mais ainda, como
Quem ameaga essa fé tradicional atenta “sem lei nem senhor” (cf. SI 12,5), e con)
contra a substancia e deve encontrar fir­ isso renegavam o senhorio de Jesús Cristo.
me resistencia. No desenrolar do seu es­ “Há tempos fichados” por seus delitos j;i
crito podemos reparar em alguns aspectos registrados, dos quais teráo de prestar con
salientes. Em relagao á Escritura do AT tas (cf. Dn 7,10).
procede por alusüo, ou cita segundo o sen­ 5 Tirados do Egito, atravessado o de
tido (v. 18); por outro lado, cita palavras serto e as portas da torra prometida, recu
textuais de tradigóes nao canónicas. Pode- saram entrar e morreram no deserto, sem
se interpretar de duas maneiras essa atitu- consumar a salvagào. Sua recordagào ad
de: a) que citava o AT de memoria, sem moesta (como em Hb 4). *Ou: Jesús.
ter á máo um texto ou dispondo dos textos 6 Os anjos tinham “hierarquia” para go­
nao canónicos; b) que supunha conheci- vernar reinos (Dt 32,8 grego) e sua morada
705 CARTA DE JUDAS

élítlii» li" li- i ' ' mi » adeias perpé- água, árvores sem frutos no outono, duas
| 1 1- | i -i 1 | >il i1ii ni uit ) di i gì ande dia. vezes mortas e desenraizadas; 13ondas
1 m i " I" i' hi. III.iiili , N(»liunac( ìomor- encrespadas do mar com a espuma de
I4 i il» i iiliiih vi. iiiliav lomicaram ,de- sua descaradez, estrelas fugazes cujo
imi .i i • ii i" . i milla a iialureza, e ago- destino perpetuo sao densas trevas. 14De-
14 uniti tu 11 ii 11.t di uhi logo eterno para les profetizou Henoc, o sétimo descen­
i«»ni|‘l" ..........Ini-. I assilli, também dente de Adao: Vede que está chegando
Mii ■ e iili'l" ' i h * soiis sonhos, deson- o Senhor com suas miríades de santos,
................ . tlt '.pie/am a autoridade, 15para julgar a todos: para provar a cul­
in nli.itti 11 i ili ti ii isos. ‘‘Oliando o arcan- pa de todos os ímpios, por todas as im­
|n K111Mii I ilr.| ni lava com o Diabo o cor- piedades que cometeram, por todas as
lit.lt Mi tl'il"., n.ic i se atreveu a condenà- insolencias que os ímpios pecadores pro­
............ ir.itiliis1, mas disse: O Senhor nunciaran! contra ele. 16Sáo estes os que
lt ii Itu i in la "'I '.sics, ao contràrio, amal- protestan), queixando-se de sua sorte e
11|t. 1.......... i|iie nao conhecem e, corno deixando-se levar por suas paixóes. Sua
ti11¡11111r , ni. iiii mais, se corrompem com boca profere insolencias e, se louvam
tt 11111 |ti u eb e m pelos sentidos. n Ai as pessoas, é por interesse.
ili li SejMiiram o caminho de Cairn,
|t< In |mj".amento se entregaram ao ex- R e c o m e n d a r e s — 17Vós, queridos,
litu lii ile I (alano, pereceram por rebel- recordai o que anunciaram os apósta­
111.i i timo ( 'oré. l2Estes sào os que con- los do Senhor nosso Jesús Cristo: 18Nos
I .
iiih iii h u v o s s o s banquetes, cevando-se últimos tempos haverá homens cínicos
i u|iascontando-se irreverentem ente; que seguiráo suas ímpias paixóes. ^Sao
niivens arrastadas pelos ventos sem dar esses os que provocam discordias, sao

t ni mn dos céus. Por terem faltado á sua 10 “Animáis irracionais”: citagáo ou


mlssao e posto, estáo agora encarcerados reminiscencia de SI 32,9, que convida á
reinando o julgamento e a sentenga (como emenda; “se corrompem”: na morte, tam­
mu ilclinqüente cujo delito está provado, bém como os animais.
mus lem de ser legítimamente julgado e l l O “caminho” de Caim pode ser seu
M'iilenciado). A imagem já se le numa esca- rancor fratricida ou a condenagao á vida
loli igia bíblica (Is 24,21-23). O exemplo é um errante. O “desvario”: o que procura e o
«rande alerta, já que nem os anjos podem que sofre. A “rebeldía” ou contestagáo: a
alegar direitos ou ficar impunes (cf. SI 82). que opóe ou a que recebe.
7 A Pentápole foi subinetida ao castigo 12-13 Nesta enum erado retórica, junta
aniquilador de um fogo perdurável (que a glutonaria ansiosa com o vazio de seus
nao se apaga antes de consumir, Is 66,24; empreendimentos. Até o extremo de que,
Jr 7,20). sendo astros luminosos, acabam em den­
Is 34,9-10 o aplica ao reino emblemático sas trevas (cf. Jó 10,21-22).
de Edom: “seu país se reduz a piche ar- 14 Henoc, segundo Gn 5,18. A vinda do
ilente, que nao se apaga de dia nem de noite Senhor: Dt 32,2; Zc 14,5; Mt 25,31.
e sua fumaga sobe perpetuamente”. 16 “Protestam”: como os israelitas no
8 “Sonhos”: os clássicos dos falsos pro­ deserto (Ex 16,2; Nm 16,11; ICor 10,10).
fetas (Dt 13,2.4; Jr 23,27.32; 27,9). Os 17-18 É urna citagáo do tema, nao lite­
“Gloriosos” ou as Glorias sao os anjos ou ral, que pode recordar vários textos (At
os santos. E preciso escutar as rimas da 20,29-30; lTm 4,1-3; 2Tm 3,1-5; 4,3). Os
enumerado teórica. “apóstolos” sao vistos á distancia, como
9 Partindo da noticia sobre a morte de grupo compacto, ponto de referencia dos
Moisés (Dt 34,6) forma-se a lenda reco- sucessores.
Ihida no apócrifo “Assungáo de Moisés” 19 “Sensuais, sem espirito”: supóe a dis­
e hoje perdida. A frase citada procede de tin g o tripartida de corpo (v. 8), alma ani­
Zc 3,2. *Ou: a impor-lhe urna condena- mal dos sentidos, espirito aberto á reali-
gao vergonhosa. dade transcendente.
CARTA DE JUDAS 706

sensuais, sem espirito. 20Vós, ao con­ cautela; detestai a túnica conl...... i . U


tràrio, queridos, edificai vossa existén- pelo contato destes.
cia sobre a fé santissima, orai movidos 24Áquele que vos pode guardn
pelo Espirito Santo, 21m antende-vos no troperos e apresentar-vos dianic <1. „
amor de Deus, esperai a vida eterna da gloria sem mancha e alegres, 2\m l )i n
m isericordia de nosso Senhor Jesús único, que nos salvou por nosso S c n l ....
Cristo. 22Tende compaixáo dos que du- Jesús Cristo, gloria, majestade, po<!< ■
vidam; 23salvai alguns, arrancando-os autoridade desde a eternidade , ;11•>•i i
do fogo, compadecei-vos de outros com pelos sáculos. Amém.

20-21 A exortagáo positiva se articula dom da “misericòrdia” de Jesus Cristo, nao


em quatro recom endares. A fé é o funda­ corno exigència nossa.
mento, que se apóia imediatamente na ro­ 22-23 Esse conselho concreto supre
cha e sustenta o edificio inteiro (recorde- a falta do amor ao próximo, na sintese
se Is 7,9; 28,16). Aoragao deve ser dirigida precedente. “Do fogo”: cf. Am 4,11; Zc
a Deus no ámbito do Espirito, a favor dele, 3,2.
sintonizando com ele. O “amor” parece ser 24-25 A doxologia é composta em boa
o que Deus nos tem (Rm 8,39). A esperan­ parte de reminiscèncias e entoada com
za aponta para a vida perdurável como grande solenidade, corno no Apocalipse.
Apocalipse
APOCALIPSE

INTRODUCACI

Ni il ui também e declaradam ente do presen­


te (1,19).
i >11, ni r s i /eve chama a si mesmo de Nao vale objetar que o autor se am ­
i /. / L'>; 22,8): e diz estar confi- para sob o nome do apóstolo, porque o
1,1,1 , • minia ilha p o r confessar Jesús
teria dito.
i im h Sendo tdo freqüente o nom e de
i ihi \ia-se a m últiplas identifica-
iiN , Nii Antigüidade se apresentou o
Destinatários
,i/>, r,h tío (• evangelista, por sua autori- Os destinatários imediatos sao sete
■l,i,h apostólica, garantía de canoni- igrejas da provincia romana da Asia,
. iiliiilr, <■i>or ser escritor. A s dúvidas e às quais se sente particularm ente liga­
r,i, 11, '.v vurgiram quando se comeqou do: por partilhur seus sofrim entos e
i ih'wuir a interpretando do milenio pela m issdo “profètica ” recebida. C o­
1 1*n misio deAlexandria, morto em 264, mo Paulo escrevia da prisáo, esse Jodo
, I u\chio de Cesaréia). Hoje continua- escreve do desterro ou confinamento.
in,i\ ii unir esse livro as cartas e ao Já sabem da hostilidade e do acossa-
■vungelho num “corpo jo a n in o ”; mas mento; agora se avizinha a grande per-
>,in /atucos os que atribuem esse livro seguicáo. O autor quer prevenir e an-
,m upóstolo Jodo, embora conservem tecipar.
,, mui válido o nome de outro Jodo. O
,iiiim se distingue dos apóstolos (18,20; Gènero
'/. I I). A s coincidencias de linguagem
, mu o evangelho de Jodo nao sao nu­ A prim eira palavra do texto é apo-
merosas — a mais notável é o título de calipse, o que equivale a definir o livro
i ordeiro para designar Jesús Cristo — para sua classificaqdo, porque o apo-
i■se explicam fácilm ente se o autor per- calipse é um gènero bem definido. N o
tenceu ao círculo de Jodo. A T tem um só representante, Daniel, o
I)a leitura, m esm o superficial, de- resto sao apócrifos. O apocalíptico se
iluzimos que o autor é de origem j u ­ coloca numa conjuntura de mudanqa
daica, m ediano conhecedor do grego ou sobressalto decisivo. Olha para o
(a tradugáo em enda os deslizes gra- passado e o divide em etapas sucessi-
iitaticais), m uito versado noAT, espe­ vas; contempla um presente de perigo
cialmente nos profetas, e conhecedor e angustia crescentes, e abre a cortina
¡le géneros literdrios entáo em voga. do futuro próxim o: o julgam ento divi­
l)o genero apocalíptico, além do no- no solene e a instauraqdo do reinado
me, tom ou m uitos recursos, mas dis- do Senhor. Agora entra a ficqdo: o au­
tanciou-se em p o n to s fundam entáis. tor se finge um personagem antigo, o
Enquanto que outros autores se escon- passado reduzido a períodos se apre­
dem atrás de nom es ilustres do passa- senta como prediqdo, o futuro é predi-
ilo — Henoc, Abraáo, M oisés, Isaías, qdo. Ató aquí o trabalho é intelectual;
Haruc —; e transformam o passado em agora comeqa, com variável acertó, o
predicdo, nosso autor se apresenta com trabalho da fantasia. Os períodos se
seu próprio nom e e se diz contem po­ traduzem em imagens coerentes e arti­
ráneo dos destinatarios, e se ocupa culadas; o futuro próximo, por ser des-
APOCALIPSE 710 IN I ........

conhecido, se descreve com imagens da divindade: onze vezes; quatto, ii i,


convendonáis. talidade cósmica: dezenove vez< s
N osso autor aceita a pauta do gène­ de totalidade: nove vezes; doze, <ln\i
ro, a aplica e a modifica. N ao resume bos ou po vo de Deus: vinte e tri
o passado, nem o de Israel nem o da zes; e sete, número de perfeiquo . i
Igreja: ele o supóe conhecido? Seus q ü e n ta e cin co v e ze s m a is otilm
períodos abarcam o futuro e parecem implícitas, p. ex. “sed u zir” e “pai
discorrer em ciclos repetidos ou seme- e ia ” sete vezes no livro; a metadr
Uiantes. O futuro fin a l e definitivo nàosete anos designa urna etapa incarni‘i.
é iminente, embora seja seguro. M ul­ ta (11,3; 12,6; 13,5). O misteriosii mi
tas coisas vâo acontecer até là. mero 666 è um caso à parte (13,18, i
A lém do mais, nosso autor incorpo­ abaixo).
ra à sua obra outros géneros. Em pri- b) Cores: simples, sem matizes. Hr, m
meiro lugar, as cartas, m uito form ali­ co ou càndido significa vitória ( < i
zadas, que tém um antecedente remoto 6,11; 7,9; 19,14); o vermelho signi/h ,,
em Jerem ías e próxim o em Paulo e sua o sangue (6,12). O preto, epidemia ,
escola. M ais ainda, o escrito inteiro, m orte (6,5.12).
situado entre as saudaçôes do começo c) Im agens: alegorías e símbolos i >
e o final, é como urna gigantesca car­ repertorio é enorme, em grande part*
ta, com remetente, para ser lida — p u ­ tomado d o A T e tratado com liberdado
blica m en te? — p e lo s destinatários. criativa. Predominam imagens còsmi
Hinos minúsculos, pouco mais que sim ­ cas: astros, montanha, oceano, ilhax,
ples confissóes, se léem já no original abismo; elementos e meteoros: ar, ágwi
hebraico de Daniel; um, que o desen- efogo; os animais: cavalos, escorpiory
volve, é acrescentado p e lo texto grego. sapos, dragáo, com chifres, polimorfos
N osso autor dà outro passo: além dos (13,2). E multas figuras humanas. A I
hinos espalhados, com póe e descreve gum as cenas se projetam no céu, como
urna grande liturgia celeste, com cená- num painel, sugerindo que já acontc
rio, cánticos e cerimónias. ceu exem plarmente no céu o que esta
Embora a prim eira palavra seja apo- para acontecer na terra.
calipse, o autor se sente profeta, inves­ M uitas imagens e cenas do livro sao
tido de urna missdo profètica, e chama de ascendencia mítica: luta primordial,
sua obra de profecía: palavra de Deus nascim ento de um salvador, rebeliáo
(1,9), espirito profètico (19,10), pala- celeste etc. E incerto se o autor chegou
vras proféticas (1,3; 22,18; 22,7.19), a elas diretamente ou po r mediaqáo di'
deve com er o rolo (10,8-11, como E z profetas e outros escritos. O certo é que
2—3). Considera-se profeta enquanto nao perderam seu vigor primigènio.
enviado e portador de m ensagens divi­ E importante observar a técnica do
nas; sabe também que a apocalíptica é autor no manejo de suas imagens. Em
sucessora da profecía. alguns casos, o esforqo e cálculo inte­
Tudo isso mostra a liberdade criati- lectual predominam, a imagem se tor­
va do autor. na incoerente ou esmiuqada, descobre-
se a trama alegórica. Isso se percebe
Procedimentos quando pintores tentaram traduzir as
palavras em imagens plásticas. Outras
E ste livro é um paradigm a de proce­ muitas vezes triunfa a imaginaqáo: na
dim entos típicos do género. Conside­ riqueza de elementos, em visóes gran­
remos alguns. diosas — a terra que abre a boca para
a) N úm eros: explícitos ou implícitos beber um rio (12,16) —-, em tragos cer-
na estrutura. Segundo a velha tradiçâo teiros — a fum aqa do poqo que escure-
bíblica, alguns números, além de quan- ce o sol (9,2).
tidade, significam alguma qualidade; P or sua riqueza imaginativa, sua es-
assim os usa o autor. Très é o número tranheza fantástica, sua obscuridade
An 711 APOCALIPSE

|«ti(»/i a, l'vvr livro tem fascinado to, tem suas testemunhas, seus segui­
K in imitlorcs e artistas, quenem
iii ninnilii com a corretapers-
dores “servos do nosso D eus ” (7,3). Na
frente está Satá, que tem sua capital em
fUniiiu /lililí ìnterpretà-lo. Babilonia, tem seus agentes e um p o ­
iII 11 interprete no texto. Ora, o au- der limitado. A vitória de Cristo e dos
(.11. i/in' /i/o/nìc seus enigm as em chave seus é segura, mas passa pela paixâo e
lir i introduz no livro mediado- morte. O chefe, o Cordeiro, fo i degola-
(#♦ iliir musi rum e interpretam muitas do, suas testemunhas sáo assassinadas
rtiih’V ihln todas. D eus o revela a Je- ( 11,1-12), seus servos devem superar a
IH< i listo, que envia seu anjo/mensa- grande tribulaqáo (7,14). Chegará o
Helh1, que g"ia Joào, e este o escreve e julgam ento da capital inimiga e sua
plichi ih igrejas, através das quais se queda (17—18), a batalha fin a l (19,11-
illumini li il mensagem a todos os cris- 21) e o julgam ento universal (20,11-
Mim /inni sempre. A pesar de tudo, a 14). D epois virá o fin a l glorioso e ale­
iHh'il'ieiiiqào interior ao texto, se fo i in- gre, para o qual tendem o curso e as
h ltu lv r l ¡Hira m uitos contemporáneos, vicissitudes da historia. O fin a l tem a
il iiih, s't'us sucessores, nos p o d e des- form a de casamento, do Messias-Cor-
i tini ertar o u parecer incompreensível; deiro com a Igreja como ao principio
Pillilo Imigaremos mào de outros ins­ no paraíso (21—22).
ti límenlos de interpretaqào. A luta, como de costume, é acompa-
e) Uni deles, baseado no texto, é o nhada de impressionantes perturbaqóes
m>< in so ao AT. N ào é que o autor cite no céu e na terra. A concepqâo impóe
e»/iiessamente suas fo n tes de inspira­ o dualismo, as antíteses, as oposiqóes
titi•; mas, para quem està fam iliariza- sim étricas de personagens, figuras e
iIn eom o AT, esse apocalipse é quase cenas. A s correspondencias cruzam
uni tccido de citaqòes, imitaqòes, alu­ obliquamente a obra. E um dualismo
ces, reminiscencias; m ais de 400 nos dentro do mundo e da historia; nào o
i ii/i. 4—22. E urna obra inspirada amiú- dualismo de instinto e Espirito em Pau­
»/(• em modelos alheios e profundamente lo, e menos ainda o dualismo de espi­
original. Tudo nos soa com o conheci- rito e matèria nos gnósticos.
iln c nos fascina com sua novidade. Nào
(* colcha de retalhos, nao é m idraxe; Circunstáncias e data
eom materiais usados, é a criaqáo p o ­
ética de um céu novo e urna terra nova O autor quer avisar e alentar seus
( 21 , 1) .
irmàos cristàos para a grave prova que
f) Construgáo. E evidente que o au­ se avizinha. Jà houve perseguiqòes e
tor quer levantar um edificio com pac­ mártires (2,13; 6,9); sobrevem a gran­
to e bem distribuido; ordem e nào labi­ de prova dos fiéis (3,10), quando o im ­
rinto, razào sobre a fantasia. A o mesmo perador exige adoraqào e entrega (13,
tempo se ve obrigado a interromper e 4.16-17; 19,20). A quem se refere em
inserir (9,21), a adiar (20,1-10), a en- concreto?
caixar um ciclo dentro do outro. Como Os candidatos m ais válidos sào Nero
conseqiiència, sua obra nào é geom e­ (54-68) e D om iciano (81-96). Os da­
tria pura. (Ver a sinopse.) dos do livro, para averiguar, sào très
nào seguros. Em 13,1 mencionam-se
“dez diadem as”: se representa impe
Tema radores, o décimo é Tito (79-81). En:
Passadas as sete cartas, o tema de 17,10 m encionam -se sete reis: o quir
conjunto de 4 -2 2 é a luta da Igreja com to éN ero, o sexto Galba, o sétimo? Em
os poderes hostis. Isso obriga a delim i­ 13,18 se lê a fam osa transposiqào nu­
tar claramente os campos, num dualis­ mérica do nome: 666 corresponde ás
mo simplificado — assim acontece ñas consoantes de nerón kaisar. Pois bem,
guerras. O chefe da Igreja é Jesús Cris­ Nero nâo perseguiu os cristàos enquan-
APOCALIPSE 712 INTRCMH i »>•
to tais, m as como vítimas expiatorias senvolve assim (em resumo): \ i
do incendio de Roma. Domiciano, po- Introduqào epistolar; B 1,9 .1 ' ' 4
rém, exigiu ern todo o seu impèrio hon­ comunidade julgada; C 4,1—9,. //</•(■
ras divinas, “nosso Deus e S en h o r”, mento do cosmo; sete selos e seu ih'ittl* |
declarou delito capital o recusar a ado- tas; D 10,1—15,4 Perseguiqào <• />. t .
raqào, e a lenda o considerou como um veranqa; C 15,5-19,10 A s sete t,u ,n f
N ero redivivo (13,3). A m aioria dos Babilònia; B 19,11—22,9 Julgam . m.
com entaristas se inclina p o r essa data. salvaqào e nova criaqào; A 22. IH Jj
M as seu sentido nao se esgota na re­ Conclusào epistolar. A s seqóes CI x in
ferencia à conjuntura histórica concre­ mitiam cada qual coni um hino.
ta. Contanto que nào seja tomado à letra
nem como trampolini para especula- Outra proposta, menos numérica , >i|
qóes, o livro continua transmitindo urna geométrica:
mensagem exem plar a todas as gera-
qóes da Igreja. A s hostilidades comeqa- 1.1-3 Introdugào.
das no paraíso (Gn 3) nào acabarào I,4—3,22 M ensagem às sete igi> |.i
até que se cumpra o fin a l do Apoca- 4.1-11 Liturgia celeste.
lipse: “Sim, venho em breve. Amèni 5.1-14 O Cordeiro e o rolo.
6 .1-8,5 Os sete selos.
Sinopse 6 Seis selos.
7 Os salvos.
Urna distribuiqào numérica articula 8.1-5 O sétimo selo.
assim o escrito: 8,6—11,18 As sete trombetas.
8,6-9,21 Seis trombetas.
1.1 Prologo 10 O rolo pequeño.
II. 2-3 Sete cartas às igrejas II,1 -1 4 As duas testemunhas.
III. 4,1-22,5 11,15-18 A sétima trombeta.
11,19-12,18 A mulher e o dragao.
4—5 Visào introdutória. 13.1-18 As duas feras e a estátua
6.1-8,1 Os sete selos.
14.1-5 Os salvos.
8,2-11,19 As sete trombetas 14,6-20 A hora do julgam ento.
12.1—13,18 Sete visòes da mulher, do
15 Sete pragas.
dragao e das feras. 16 Sete tagas da ira.
14.1-20 ete visóes do Cordeiro e
17 J ulgamento da Grande Pros
dos anjos. tituta.
15.1—16,21 As sete tacas.
18 Queda da Babilonia.
17.1—19,10 Sete visóes da queda de 19.1-4 Hino.
Babilònia.
19.5-10 O casamento do Cordeiro.
19,1—22,5 Sete visòes da batalha e da 19.11-21 O cavaleiro vitorioso.
vitória final.
2 0 . 1 -1 0 O milenio.
IV. 22,6-21 Epilogo 20.11-15 Julgamento universal.
21.1-8 Nova criagáo.
Outra proposta é a estrutura concèn­ 21,9-22 ,5 A nova Jerusalém.
trica de esquema ABCDCBA que se de- 22.6-21 Vinda de Cristo e conclusào.
APOCALIPSE

I1 . li. i<i i|in I )etis confiou a Je- cutam as palavras desta profecia, se
I .11 i ii in. |>. ii. i que mostrasse a seus
,i i . ■ ,..///. i/rri' acontecer logo; e eie
observara o que está escrito nela. Pois
o tem po está próximo.
i ni nni, I. mi rim anilo seu anjo* a Joào,
,jn il li .li 11ii iil ha que tudo o que viu Mensagem as sete igrejas — 4De Joáo
f 11=11!i. i.i el. I )cus e lestemunho de Je- as sete igrejas da Asia: desejo-vos o
... i ir, i n 'I d i/, quem le e os que es- favor e a paz da parte daquele que é e

I l |.‘. ■. lavilo é o significado etimoló- 1.2 Esse Joáo, por sua paixáo e no des­
(.i,, i , la | i,i lavi a grega apokalypsis. No uso terro, é constituido testemunha de tudo o
, ,,ii ni, passim a designar um genero li- que viu e ouviu: visóes e anuncios. Nao
i, i ai In l i n inculo em tempos tardíos e pre- fatos já sucedidos, como tocava aos após-
., ni, mi Al n o livro de Daniel (por volta tolos testem unhar. Desde o principio
•li li, , a < Caraeteriza-se por dividir o afirma solenemente que seu escrito é “pa­
|,.i, min cui períodos, conduzindo-o a um lavra de Deus”, quer dizer, profecia e tes-
,1, , iilaee ¡mínente: através de urna colos- temunho de Jesús Cristo. Com o mesmo
il |ir iiurbagào còsmica ou histórica, o fu- tema concluirá o livro (22,20; com o tema
imi, ililoso definitivo abre sua passagem. da palavra se abre e se encerra o conjunto
il, v.r livro, a palavra deve conservar seus Is 40-55).
¡I,ir, significados. 1.3 Refere-se provavelmente a uma lei-
( onfiou”: só Deus conheee o segredo tura litúrgica, em voz alta, partilhada por
11ni 11 o Filho conheee o dia e a hora, Me uma comunidade. Sua finalidade nao é
I i 12). Em outros textos apocalípticos (Zc, satisfazer a curiosidade, mas mover ao
I in), è um anjo quem anuncia ou explica; “cumprimento”, pois se avizinha uma con­
,n|iil o mediador é Jesus Cristo, pelo que juntura na qual os cristáos teráo que optar,,
iridie o título de “testemunha fidedigna” mesmo com risco de vida.
1 1,5; 3,14). “Servos” eram no AT sobretu- 1,4-5 Temos aqui uma fórmula quase
i li>os profetas (Zc 1,6); agora sáo os após- trinitária, sem chamar Jesús Cristo de Fi­
Inlos. “Logo” é urna palavra que se define lho. Deus (Pai) traz como título o nome de
pelo contexto. Para os destinatarios, pre­ Yhwh (Ex 3,14), interpretado e articulado
di/, fatos políticos próximos (a grande per­ em passado, presente e futuro (cf. Is 41,4
seguilo de Roma e sua queda posterior), “o primeiro e o último”; SI 102,28). Vin-
l’ara as geragóes seguintes, o “logo” Tela­ douro (erchomenos) é tradugáo literal da
li viza a duragào e intima a constante proxi- fórmula hebraica que significa simplesmen-
midade do desenlace. “Seu anjo”: Embo­ te futuro. Jesús Cristo está presente em seu
la o mediador decisivo seja Jesus Cristo, mistério pascal de morte e glorificagáo.
este pode valer-se de um “mensageiro”, “Primeiro ressuscitado” ou primogénito dos
seu anjo, como sugere a tradigào biblica. mortos (Cl 1,18), náo o único (ICor 15).
“Joào”: urna tradigào primitiva o iden- Como príncipe de reis (cf. SI 136,3;
tificou com o apóstolo Joào. Mas já na 76,13) domina a historia de todos os povos
Antigiiidade, por razóes de critica interna, (ver a confissáo de Nabucodonosor, Dn
comegou-se a duvidar de tal identificagào, 2,47; 4,32). O Espirito é apresentado em
e ainda nào se chegou a urna clarificagào seu caráter e agáo multiforme, como agen­
definitiva. Hoje muitos críticos pensam te de Deus: isto significa o número sete
que se trata de outro Joào ou do conheci- (os espiritas = ventos cósmicos sao quatro).
do recurso à pseudepigrafia, normal no 1.4 As igrejas com seus nomes sáo co­
gènero apocalíptico. *Ou: mensageiro. munidades concretas. O número sete indi-
APOCALIPSE 714

era e será, da parte dos sete Espíritos bulagáo e no reinado e na persevi um


que estáo diante do seu trono 5e da par­ por Jesús, encontrava-m e na illu- •)*
te de Jesús Cristo, a testemunha fid e ­ Patm os por causa da palavra de I >.
digna, o prim ogénito dos mortos, o Se- do testemunho de Jesús. 10Nuni (lumin
nhor dos reis do mundo. Aquele que nos go, m ovido pelo Espirito, ouvi ai i .1 ,i
amou e nos livrou de nossos pecados mim urna voz poderosa, como de imn»
com seu sangue, 6e fez de nós um rei­ beta, n que dizia: Escreve num lu í,.,
no, sacerdotes de Deus seu Pai, a ele a que ves, e o envia as sete igrej as l i
gloria e o poder pelos séculos [dos sé- Pérgamo, Esmirna, Tiatira, Sarde", 1 1
culos], amém. ladélfia e Laodicéia. 12Voltei-nu' ......
7Eis que chega entre nuvens: ver de quem era a voz que me fala\ .1 »
todos os olhos o veráo, ao voltar-me vi sete lámpadas de <
h i i h

tam bém os que o transpassaram; 13e no meio das lámpadas urna fiy.iihi
e todas as ragas do mundo humana, vestida de túnica talar, o pol..
baterdo no p eito p o r ele. cingido com um cinto de ouro; wcabi
Assim é, amém. ga e cábelos brancos como la bnm.
8Eu sou o alfa e o ómega, diz o Se- ou como neve, os olhos como chunin
nhor Deus, aquele que é e era e será, o defogo, l5seu sp és como de bronzc pn
Todo-poderoso. lido e acrisolado, sua voz como o t i
trondo de aguas torrenciais. 16Na <li
Visáo de Jesús Cristo — 9Eu, Joáo, reita segurava sete estrelas, de sua bi k »
vosso irmáo, companheiro vosso na tri- saía urna espada afiada de dois gunnv

ca que representan! urna totalidade articu­ mereceu entrar no “reinado” de Jesús. I’n
lada. Todas sao cidades da Asia Menor (que deceu a servido da palavra ou mensagan
estavam no àmbito do influxo joanino). de Deus e do testemunho que Jesús Crisiu
l,5b-6 A redengáo tem inicio com um deu, quer dizer, do evangelho. Recebe |
ato de amor (cf. Jr 31,3), consuma-se pelo vai comunicar, por escrito (cf. Is 8,16; li
sacrificio expiatorio (cf. Lv 16) e desem­ 29,1), urna mensagem profètica.
boca na formagáo do novo povo eleito (Ex O primeiro dia da semana, após o sába
19,6, citado em lPd 2,9). do, recebe já seu nome pelo adjetivo den
1.7 O texto original de Dn 7,13 mostra vado de Senhor: kyriakos, dominicus, do­
a “figura humana” subindo na nuvem pa­ mingo (cf. At 20,7). A voz da trombeta nao
ra receber do Anciáo a investidura supre­ è a sua (Is 58,1), mas a de quem lhe man
ma, universal e perpètua. A tra d ito de- da escrever (Jr 36,28).
duziu que depois desceria na mesma 1,12-16 A descrigáo de Jesús Cristo é
nuvem (anunciado em At 1,9-11) e o refe- mais intelectual que visual, obtida pela
riu à parusia (Mt 26,64 par.). “Bateráo no soma de tragos heterogéneos, que nao
peito”: provavelmente por arrependimen- compóem urna figura fácil de visualizar.
to, segundo Zc 12,10. Deve dominar urna impressáo geral de
1.8 Como em teofanias e revelagóes, poder e majestade. Tem figura humana,
precede urna auto-apresenta§áo de Deus. como a de Dn 7,13. A túnica poderia ser
Pelas duas letras extremas do alfabeto sacerdotal e o cinto real (cf. Is 11,5); os
abrange-se a totalidade; como se dissés- cábelos brancos sao como os do Anciáo
semos do A ao Z, como em 21,6 (a pri- (Dn 7,9). Os pés de bronze revelam fir­
meira e a última palavra do SI 1 comegam meza e estabilidade. Sua voz como a que
pela primeira e última letras do alfabeto Ezequiel ouviu (Ez 1,24). Move-se entre
hebraico). “Todo-poderoso”, pantokrator, lámpadas e candelabros, as igrejas que ilu-
converteu-se em termo da iconografía re­ minam o templo de Deus. Traz ñas máos
ligiosa oriental. o dominio dos exércitos estelares, na boca
1,9-11 Aquele que fala se apresenta sem a sentenza afiada da justiga (cf. Is 11,4). O
categoria nem privilègio, em sua pura ir- conjunto parece com a figura de Dn 10,5-
mandade e igualdade. Pelo sofrimento 6: “Como o sol”: cf. Jz 5,31; Eclo 43,2-4.
715 APOCALIPSE

PN «*(» >Ih chi i mili) o sol brilhando estrelas, aquele que caminha entre as
lutiti ii imi tortali. sete lám padas de ouro: 2Conhego tuas
••(ili i|in ii vi, fai a seus pés como obras, tuas fadigas, tua perseveranga;
HliHln litui i li', pondo sobre mim a tu nao toleras os m alvados, subm etes-
Hléii itti* ili v,i Nao temas. Eu sou o te à prova os que se dizem apóstolos
fHiMt ii" « a ultimo, IKaquele que vive; sem o ser, e provaste que sao falsos;
Hlb h Ululili f agora ves que estou vivo 3sup o rtaste e agüentaste por m inha
|i«|iik m i iilir, dos séculos, e tenho as causa sem desfalecer. 4M as tenho algo
p ttH k dii limi le e do Abismo. 19Escre- contra ti: abandonaste teu am or pri-
t* ti (|iii' viste: í/.v coisas de agora e o m eiro. 5Presta atengao onde caíste, ar-
i, in nnii‘1 cu i depois. 20Este é o sim- repende-te e faze as obras do principio.
C _ dii ilui scie estrelas que viste em mi- D o contràrio, se nao te arrependeres,
hIih illn iia e das sete lampadas de ouro: virei e rem overei tua làmpada de seu
0 « hi ir esliólas sao os anjos das sete lugar.
(ni. as sete lámpadas sao as sete No entanto, contas com isto: detes­
j^lcjlll. tas a conduta dos nicolaítas, como eu
detesto. 7Quem tem ouvidos, escute o
M»nsngcm às sete igrejas — *Ao que diz o Espirito às igrejas. Ao vence­
2 unjo da igreja ácÉ feso escreve: Isto dor permitirei comer da árvore da vida
1111 ni|iicle que segura na direita as sete que está no paraíso de Deus.

1,17-18 Auto-apresentagáo de Jesús, terpela. Os detalhes individuáis podem


"l'ilmeiro e último”, abrangendo a tota- ser alusivos á cidade ou ao territorio. Ao
llilndc sem termos; repete-se em 22,13 mesmo tempo tém valor exemplar, por­
(I* 4 1,4; 44,6; 48,12). Sua vida depois da que as sete igrejas sao todas (ver p. ex. o
ii<hsurreigáo é perpétua (Rm 11,34; Hb salmo dos sete pecados capitais históri­
O Abismo (Xeol) é o reino, e morte
cos, SI 106).
it ncu senhor: dupla paralela freqüente 2,2-7 Aos falsos profetas do AT su-
110 AT (p. ex. SI 49,15: “a morte é seu cedem os falsos apóstolos do NT, e vol-
pastor... o Abismo é sua casa”). O Res- tam a ser preocupagáo constante (lTm 1,
nuscitado, com as chaves, controla ago- 3; 2Cor 11). Propalam doutrinas falsas,
111csse poder antes ilimitado (cf. Os 13, um evangelho diferente (G1 1,6-9); é pre­
14 interpretado como afirm ado em ICor ciso submeté-los á prova (lJo 4,1). Os ni­
15,54). colaítas se pervertem sobretudo na condu­
1.19 Alguns dividem o livro em duas ta, “obras”. O encarregado fiel detesta o
partes: separagáo da Igreja do judaismo (o que Deus detesta (SI 139,21). Decaíram
de agora), perseguido e fracasso de Roma do primeiro amor, em seu fervor, embora
(o de depois). Outros o dividem entre as sem chegar á infidelidade (cf. Jr 2,1); por
cartas e o resto. isso pode perder seu cargo (como Sobna,
1.20 Os anjos ou mensageiros sao os Is 22,19). A árvore da vida dá frutos que
respectivos bispos ou responsáveis de vencem a morte (Gn 2,8; 3,22-24; Ez
cada comunidade. Outros autores, apoia- 28,13). Éfeso era urna das principáis igre­
dos em Dn 10,13.20 (anjos de nagóes) e jas paulinas (At 19; lTm 1,4-7); a tradi-
Mt 18,10 (anjos de individuos), pensam gáo a considera vinculada ao apóstolo
em representantes angélicos de cada igre­ Joáo.
ja particular: em suas faltas e pecados? 2,2 “Conhego”: a expressáo aparece em
cinco das cartas e emprega um verbo forte
2,1 As sete cartas seguem um padráo (cf. Jo 21,17; SI 139). “Fadigas” do em-
comum e se distinguem por tragos espe­ penho cristáo e também apostólico (ICor
cíficos. Nelas váo atuando as qualidades 3,3; 15,38; 2Cor 6,5; 11,23) e “perseve-
antes descritas de Jesús Cristo, que co- ranga” ñas adversidades (Rm 5,3; 2Cor 1,6
nhece e reconhece, repreende e admoes- etc.).
ta, promete e cumpre, pede atengáo e in­ 2,6 Cf. SI 139,21.
A P O C A L IP S E 716

sAo anjo da igrcja de Esm irnu escre- em vossa cidade, onde mor,! N,¡il»
ve: Isto diz oprim eiro e o último, aquele 14No entanto, tenho algo contr, 1 1• i
que estava morto e reviveu. 9Conhé¡go ras ai os que professam a douiiui .
tua tribulagáo e tua pobreza, mas és Balaáo, que induziu Balac a pói um
rico; os que se dizem judeus te injuri- pego diante dos israelitas, i'a/< n.ln
am, porém sao urna sinagoga de Sata­ com er víiim as idolátricas e I......
nás. 1(lNáo temas o que deverás pade­ 15Igualmente tu toleras os que pini
cer, pois o diabo vai por na prisáo sam a doutrina dos nicolaítas. 1 \i
alguns de vos e sofrereis durante dez pende-te; caso contrario, irei lorn
dias. Sé fiel até á morte, e te darei a para lutar contra eles com a espmhi
coroa da vida. “ Quem tem ouvidos, minha boca. l7Quem tem ouvido,. mi
escute o que diz o Espirito as igrejas. O o que diz o Espirito as igrejas: Dan i
vencedor nao sofrerá a segunda morte. vencedor o maná escondido, eu 1li- 4«
12Ao anjo da igreja de Pérgamo es- rei urna pedra branca, e gravad' > ili U
creve: Isto diz aquele que tem a espada um nome novo que somente conlijH
afiada de dois gumes. 13Sei onde m o­ quem o recebe.
ras, onde Satanás tem seu trono. 18Ao anjo da igreja de Tiatira es» ic
Conservas meu nome sem me renegar, ve: Isto diz o Filho de Deus, que li u
nem m esm o quando A ntipas, m inha os olhos como chamas de logo e n |"
testemunha fidedigna, foi assassinado como bronze polido: 19Conhego tn.i

2,8-11 Para o título de perpetuidade, cf. dade, que se antecipa na eucaristía 1 1,.
1,17; Is 44,6. Paradoxo do pobre rico: 2Cor 6,48-58). A pedra branca era um ínstni
6,10. “Sinagoga” significa aquí congrega- mentó jurídico de valor positivo. O n o m í
gao. “Satanás” é o rival que se opóe ativa- novo (Is 62,2) define urna criatura novu|
mente ao plano de Deus. Por outro nome deve ser o de Cristo (compare-se 3,1.’ <)
se chama “Diabo”, que significa acusador 14,1 com 19,12-13).
ou caluniador. Declarou guerra e por um 2,18-28Toma o título de Filho de Den ,
tempo conseguirá vitórias aparentes: a pri- ao qual corresponde a invocagáo “meU
meira morte. Mas nao a segunda, que é a Pai” em 2,28; 3,5.21; típico do evangelio
perda definitiva do destino á imortalidade de Joáo. Como Balaáo na carta anterior,
(Ap 20,14; 21,8). A “coroa da vida”: pode Jezabel d urna figura emblemática, de acoi-
ser imagem esportiva (cf. Tg 1,12; ICor do com a tradigáo bíblica. Ela promovcn
9,25). o culto a Baal na corte e no povo de Israel
2,12-17 A espada de dois gumes, 1,16, (IRs 18-19; 21; 2Rs 9). Em Tiatira pode
serve para executar sentenga (SI 149,6; Hb ría referir-se a urna profetisa que induzia
4,12). Pérgamo, cidade ílorescente, famosa a participar de banquetes idolátricos (como
pelo culto a Esculápio, deus da medicina, em 2,14). Entretanto, urna figura femini
e conhecida pelo culto a Roma e ao impe­ na com seus amantes e filhos poderia re
rador. Culto “satánico”, inconciliável com presentar todo um grupo da igreja local (el
a fé crista, pela qual morreu a testemunha Is 57,2-13). Segundo longa tradigáo bíbli
(= mártir) Antipas (título de Cristo, 1,5). ca (Os 2; Jr 2; Ez 16), os amantes sao os
Em lugar do Balaáo da Biblia (Ntn 22- ídolos ou falsos deuses, fornicar é praticar
24), o autor segue urna tradigáo rabínica o culto idolátrico, do qual faz parte o ban
que o considera instigador da idolatría (Nm quete sacrifica!. A missao profética nao era
25,1-5). negada as mulheres (Débora, Jz 4-5;
Ao que parece, os hereges admitiam a Huida, 2Rs 22; Le 2,36; At 21,9), pelo que
participagáo em banquetes idolátricos, e urna mulher podía apresentar-se em falso
por isso deviam ser excomungados: ICor como tal. Sobre o profeta que induz á ido­
8; 2Cor 6,16. Se o responsável local nao o latría, ver Dt 13.
faz, Jesús o fará com sua palavra cortante A carta convida á conversao, ameagan-
de execugáo (Is 49,2). O maná escondido do com o castigo (SI 7,13). O “leito” su-
(no céu) é comida milagrosa da imortali- gere urna enfermidade grave; seu grupo,
717 A PO CA LI PS E

i,i<> i............. i lua le, lúa perseve- argila 28— é o poder que recebi do meu
,,i, ' • in.t ln ni i aili v., lúas obras recen- Pai; — e lhe darei a estrela da manhá.
4$ m i . II....... 11 111*as precedentes. 20Re- 29Quem tem ouvidos, escute o que diz
i........iiiuln, pois toleras Jczabel, o Espirito as igrejas.
,u» .i .1 . l u í prolelisa e engaña meus
,i ii, , ir.ni.nulo llies a fornicar e a ' A o anjo da igreja de Sardes escre-
..... nuil.r. idolátricas.2lDei-lheum
Mi|n, | >11 i 11111 - se arre penda, mas nao
3 ve: Assim diz aquele que tem os sete
espíritos de Deus e as sete estrelas:
,.. .nii pender (Je sua fornicagáo. Conhe^o tuas obras: passas por vivo e
............Linea la num leito junto com estás morto. 2Vigia e robustece o resto
• l>m . i mi d a fornicaram, e se nao se que está para morrer; pois náo encon­
... |i, mi. n ni de sua conduta, lhes en- tró perfeitas as tuas obras diante do meu
iii. i ■1111m ullios lerríveis. 23Matarei Deus. 3Recorda o que recebeste e ou-
ii lillm . e saberáo todas as igrejas viste: observa-o e arrepende-te. Se náo
iiii. .....i u t/ticrn examina entranhas e vigiares, virei como ladráo, sem que sai-
Mu i^iirs. fiara vagar a cada um segun- bas a que horas chegarei. 4Contudo, tens
(m ic. i'itifirias obras. 24Aos outros de em Sardes alguns que nao contamina­
liniii.i. declaro-vos que, se nao acei- ran! suas vestes. Vestidos de branco an-
11 i. i '.'..i doutrina nem aprendestes os daráo comigo, pois sáo dignos. 5Tam-
111H1.1 os arcanos de Satanás, nao vos bém o vencedor se vestirá de branco, e
mil.... i nutro peso. 25Basta que con- náo apagarei seu nome do livro da vida;
. i i i . i i que tendes até que eu volte. eu o confessarci diante do meu Pai e di­
\. i que vencer e cumprir minhas ins- ante de seus anjos. (,Quem tem ouvidos,
iiiii.nrs até o fim darei poder sobre as escute o que diz o Espirito ás igrejas.
iiiii.nr',: vele as apascentará com vara 7Ao anjo da igreja de Filadelfia es-
./i /i/ /o, as quebrará como vasos de creve: Isto diz o Santo, o veraz, que tem

mir. I’ilhos”, seráo aniquilados. Fala o juiz cia da sentinela. A comunidade de Sardes
•111•' penetra até o interior do homem (Pr está morta, talvez pela fé sem obras (Tg
11 .1 S I 62,12): o castigo servirá de aler- 2,17). A viuda como ladráo (Mt 24,43-44)
M pura o resto das igrejas. Os “arcanos” pode referir-se á parusia geral ou á limita­
mi profundidades de Satanás seriam dou- da a individuos.
Hmas esotéricas, talvez mistérios, entáo em Veste contaminada expressa a culpa,
v i i f . i i . Aos vencedores até o final, ou seja, como o caso do sumo sacerdote Josué (Zc
mui excluir o martirio, os fará participar 3,4-5); sua impureza pode contagiar (Lm
mi reinado do Messias (SI 2,8-9). A "es- 4,14-15; Jd 23). Pelo contrário, a veste
tiela da manhá” é o sol nascente (como branca ou reluzente é sinal de gloria (Ap
<•111 2Pd 1,19), o próprio Cristo ressuscita- 6,11; 7,14) e até pode recordar a transfi­
ilo (cf. SI 57; lJo 5,12). gurado (Le 9,29 par.). A exortagáo reme­
A presente carta insiste na conduta mais te á tradigáo evangélica como mensagem
i|iie na doutrina: obras, amor e fé. As “ins- de conduta ou de arrependimento. O livro
irugóes” sao em grego "minhas obras”, o da vida: onde estáo registrados os desti­
e<»nteúdo de seus mandamentos (Jo 15,10). nados á vida eterna (cf. Ex 32,32-33; SI
3,1-6 Os atributos como em 1,16. O sono 69,29; Dn 12,1). A “confissáo” prometida
e párente e imagem da morte (Jo 11,13; SI por Jesús (Mt 10,32).
13,4; Jr 51,57). O responsável parece acor­ 3,7-13 A imagem dominante dessa car­
dado e está adormecido, parece vivo e está ta é a de um templo com suas portas, colu­
morto (ou moribundo). Os que dormcm nas e chaves. A urna porta do vencedor
devem vigiar (cf. Is 46,10); os moribun­ refere-se SI 118,19; de outras portas fala
dos devem reviver. Isaías (51,9-52,6) com- Ez 44,2 e 46,1; há urna para o Rei da Glo­
póe um grande diálogo: é Jerusalém, nao ria (SI 24,7). Ter a chave é controlar o re­
o Senhor, que deve despertar, pór-se de pé, cinto (Is 22,22; cf. Ap 1,18, as portas do
vestir-se de gala. O SI 130 canta a vigilán- Abismo). O templo de Jerusalém tinha
A P O C A L IP S E 718

a chave de Davi, aquele que abre e niti- sobre o mundo inteiro, para pn.< n m
guém fecha, fecha e ninguém abre: 8Co- habitantes da terra. n Vou chc¡ .n l.
nheço tuas obras. Eis que pus diante de conserva o que tens, para que mi n »
ti urna porta aberta que ninguém pode te arrebate a coroa. 12Farei do vem ■>!• t
fechar. Em bora tenhas pouca força, urna coluna no templo do meu I >m . ,
guardaste minha palavra e nao me re­ nao sairá mais; nela gravarei o ........
negaste. 9Vé o que farei à sinagoga de do meu Deus e o nome da cid.nl. i
Satanás, aos que se dizem judeus sem meu Deus, a nova Jerusalém que <l.
o ser, pois mentem: farei que venham do céu, de junto do meu Deus, < ni, J
prostrar-se a teus pés, reconhecendo nome novo. 13Quem tem ouvido'. .
que eu te amo. 10Visto que guardaste cute o que diz o Espirito ás igrejn-.
minha recom endaçâo de perseverar, eu 14Ao anjo da igreja de Laodicrm <
te guardarei na hora da prova, que virá creve: Assim diz o Amém, a tesi«....

duas grandes colunas, cada qual com seu a náusea de Deus (cf. Jr 14,19). Poili .
nome próprio (IRs 7,15-21). Metafórica­ recordar a opgáo radical que Josué exi^iu
mente Paulo chama os apóstolos “colunas” (Js 24,25) ou Elias (IRs 18,21). Contul'
da Igreja (G1 2,9). O vencedor da prova é possível a conversáo, para a qual D eiu
iminente gozará de urna honra semelhan- admoesta e repreende, em ato de b e n e v o
te. Trará gravados très nomes: o de “meu léncia (Tb 11,12-13; Pr 3,12). O primen"
Deus”, o da sua cidade capital (cf. SI 48,2- passo para converter-se é descobrir e n
3), que dá nome aos cidadáos (Is 48,2), e é conhecer a verdadeira situa^áo, sem aclu
“o Senhor está ali” (Ez 48,35); o “novo”, lar a si próprio. Isto é julgar-se rico (< >
de Jesús Cristo, corresponde à sua glorifi- 12,9). A realidade se expressa em tu
caçâo (talvez Kyrios). metáforas aparentadas: pobre, nu, cegó (I 1
O título “Santo” é típico, embora náo 20,2-4; 43,8). O verbo “comprar” paren-
exclusivo, de Isaías (p. ex. 1,4; 37,23; Os incongruente, se realmente é pobre; a n;m
11,9). O título “veraz” pode equivaler a ser que entendamos antes “adquirir”, on
auténtico ou fiel; repetem-se em 6,10. O que contemos com um vendedor que o de
terceiro título adapta um texto de Is 22,22. de gra§a (segundo Is 55,1-2).
A comunidade, embora fraca de forças (cf. Para a conversáo há magníficas promes
2Cor 12,9-10), resistiu até agora aos em­ sas: banquete e trono. “Bate á porta” como
bates dos falsos judeus, agentes de Sata­ no Cántico dos Cánticos (5,2), convida a
nás (2,9; cf. 2Cor 11,14-15). Agora devem cear (Mt 25,1-10), oferece um trono junto
preparar-se para urna tribulaçâo gérai (cf. ao seu (SI 110,1; cf. a petigáo da máe dos
Jr 30). Os inimigos de antes reconhecerao Zebedeus, Mt 20,2 par.).
humilhados a vitória dos cristáos fiéis (SI
18,44-45; cf. Is 45,14; 60,14) e o amor que 4-5 Descreve amplamente uma liturgia
Deus lhes professa (cf. Sb 5,2-7). celeste, como prólogo a quanto se segue.
3,14-22 Igreja fundada por Epafras, dis­ Enquanto as liturgias tradicionais come-
cípulo de Paulo (C1 1,7; 2,1). Os títulos: moravam fatos pretéritos, saída do Egito,
testemunha fidedigna (1,5). Amém: inspi­ alianza, Páscoa, esta vai introduzir even­
rado em Is 65,16 e taivez em 2Cor 1,20 tos futuros e próximos. Incluirá hinos e
em seu contexto: diz o categórico e defi­ gestos, mas náo sacrificios, porque o sa­
nitivo, sem mésela ambigua de sim e nao. crificio definitivo se consumou e está pre­
“Principio da criaçâo”: procede de Pr 8,22- sente. E liturgia celeste, modelo da terres­
23, que é comentário de Gn 1,1; o “princi­ tre. Sua cerimónia principal será a leitura
pio” é correlativo do “amém”, que tem de um texto, espécie de libreto ou roteiro
algo de final. Compare-se com C11,15.18. das visoes que váo se apresentar dramáti­
Ao Amém categórico se opóe frontal­ camente.
mente a mésela e confusáo de quente e frió, Personagens. Dois sao protagonistas: o
os compromissos entre paganismo e cris­ primeiro é o eterno (1,8; Ex 3,14), sobera­
tianismo (cf. 2Cor 6,14-16), que provocam no entronizado (v. 9), senhor dos meteo-
719 A P O C A L IP S E

t n i- .li, hi .> i vi i*i/, ii principio da tou à porta chamando. Se alguém es­


ii i i. | i. mi 1 < n n lii\o lúas obras: cuta meu chamado e abre a porta, en-
fi* r i in ni li li i m in qui-ni e. Oxalá fos- trarei em sua casa e cearei com ele, e
i,i -il 111m nii . "'ni:is, vislo que és ele comigo. 21Farei o vencedor sentar­
¡i. i., ....... Imi m in uucnte, vou te se em meu trono junto a mim, da mes-
ul ul i , ! ! 'l'i u m i l i . i l i m a. 7D i z e s q u e é s ma form a que eu venci e sentei junto
i l , ,, i- ii i l ' i i m l i m i.i e n a d a t e f a l t a ; e ao meu Pai em seu trono. 22Quem tem
i n . , ir .l i . m il.i ili-q u e é s d e s g r a n a d o , ouvidos, escute o que o Espirito diz ás
.i . i . i . p i l l i l i - , c e g o e n u . 18A c o n - igrejas.
», Hi , i. i , lim piares de m im ouro pu-
L itu rg ia celeste (Ez 1,26-28; 1,5-
, 111 .i.l.i | i.i i .i q u e
lumi, i
c í .......
cnriqueQas, v estes
p . n ,i q u i - l e c u b r a s e n à o a p a r e ­
vi i | . i i n l i a s d e t u a n u d e z , e c o l i r i o
4 13) — 'Contemplei depois uma por­
ta aberta no céu e ouvi a voz de trom-
( il i nii|-ii irli*, olhos e poderes enxer- beta que me falara no principio: Sobe
h ii ' ‘t ,n i i/o < ■rcpreendo os que amo. aqui e te m ostrarei o que vai acontecer
:i, li ......... mi r arrepende-te. 20Vè: Es- depois. 2Imediatamente apoderou-se de

t.i. h ’.. <I SI 18), criador do universo (v. Gestos da liturgia. Reduzem-se á pros-
n .1 SI ! U>; 115,3 par.; 148,5). O se- tracáo de homenagem ou adoragáo, depon­
....... pmiagonista é o Cordeiro, título do as coroas, e a oferta do incensó ou per­
. M i l >1. nial ico. Renunciando à sua força, fumes, que sao (segundo SI 141,2) as
h ni tir Judá” (5,5), ofereceu-se voluntá- oragóes dos fiéis, que as oferecem como
i li i ni i sacrificio (Is 53,7), como vítima mediadores. Nao há outro sacrificio (Hb
|i,ii. al (l-x 12,3-4) e expiatoria dos peca- 13,15), porque basta o sacrificio do Cor­
>1.i-i (Jo 1,29.36). Cordeiro será o nome de deiro degolado.
li ..il-, mais freqüente no livro. Hinos e aclamaqóes. Sao quatro nesta
Na assembléia distinguem-se très gru- segáo e estáo inspirados em modelos do
|in . Um “senado” de vinte e quatro an- AT: dos seres vivos (Is 6,2), dos anciáos
i un is ou senadores, espécie de corte que (cf. SI 29,1-2) e o canto novo (SI 96,1;
min delibera, mas adora e canta hinos. Sao 98,1); dos anjos (cf. SI 103,20-21); de to­
|unvavelmente doze do AT e doze do NT, das as criaturas (SI 103,22; 148). Cantam
ii-presentando os dois povos unidos e pa­ a santidade de Deus, sua agáo criadora,
rificados. Sua figura é humana, corpórea. redentora, seu poder e majestade.
I notável que esses representantes da hu- A visáo é inspirada de perto em Ez 1 e
nianidade tenham um papel preponderan- 10 com mudanzas importantes. Descreve
ii- no céu. O segundo grupo sao quatro se- sem descrever, por aproximares, insistin-
n-s vivos. Quatro é número de totalidade do em efeitos luminosos e na tempestade
cósmica; outros comentaristas pensam em teofánica. Cada ser vivo tem um só aspec­
antepassados ilustres do AT (patriarcas, to, os de Ezequiel eram polimorfos. Os de
reis, profetas, doutores); outros os identi- Ezequiel eram querubins, tinham quatro
licam com os quatro elementos (muito pro­ asas, moviam-se, puxavam um carro e sus-
blemático), ou tudo quanto vive na terra e tentavam uma plataforma; os do Apocalipse
no ar (faltam os aquáticos, cf. SI 8; 96,11; sao serafins (segundo Is 6), tém seis asas,
98,7). Uma tradiçâo de boa aceitaçâo os estáo quietos, porque a Gloria já náo se
identificou com os quatro evangelistas, afasta, mas preside a liturgia perpétua.
atribuindo uma figura emblemática a cada
um. Sua funçâo é suportar a plataforma ou 4,1-2 O comego toma dados de Dn 2,28-
estrado do trono e cantar hinos. Um ter- 20 e Ez 2,2. O vidente tem que subir ao
ceiro grupo sâo os milhares e milhócs de céu, porque ai se revela a historia próxima
anjos que completam a corte celeste e pres- da térra (1,1). O “trono” celeste: Is 66,1;
tam serviço permanente. Os sete espíritos SI 11,4, é sinal de majestade real (SI 45,7).
sao o Espirito multiforme em sua ativida- Deus aparecerá sentado, entronizado (SI
de (como em 1,4). 93,2; 97,2 etc.).
APOCALIPSE 720

mim o Espirito. Vi um trono colocado nham suas coroas diante do tioun,


no céu Je nclc sentado alguém cujo aspec­ zendo: n Tu és digno, Senhor I ><un
to era de jaspe e cornalina; rodeando o so, de receber a gloria, a honra i .
trono brilhava um arco-iris como de es­ der, pois criaste o universo c puf
meralda. 4Ao redor do trono havia vin- vontade foi criado e existiu.
te e quatro tronos, e sentados neles vinte
e quatro anciáos, com vestes brancas e O Cordeiro e o rolo — 'Á i i
coroas de ouro na cabega. '’Do trono daquele que estava sentado no
saíam relámpagos e ouviam-se trovóos. no vi um rolo escrito pela frente <
Sete tochas de fogo ardiam diante do trás e selado com sete selos. 'Vi i
trono, os sete espíritos de Deus. '’D ian­ anjo poderoso que anunciava com
te do trono havia como um m ar trans­ potente: Quem é digno de abrir o i. ii.
parente, sem elhante a cristal. No cen­ soltando seus selos? 3Ninguém nn>> i
tro, rodeando o trono, estavam quatro nem na térra nem debaixo da terr.i i » i
seres vivos cobertos de olhos pela frente dia abrir o rolo nem examiná-lo i .
e por trás. 'O prim eiro ser vivo tinha chorava copiosamente, porque ningih u(
aspecto de leáo, o segundo de touro, o era digno de abrir o rolo e examiu .i l
terceiro tinha rosto humano, o quarto 5Mas um dos anciáos me disse: N.i>
tinha aspecto de águia voando. 8Cada chores, pois venceu o Leáo da tribu .i$
um dos seres vivos tinha seis asas, co- Judá, rebento de Davi: ele pode ahí u
bertas de olhos p o r dentro e em volta. rolo de sete selos.
Nem de dia nem de noite descansam, 6Entre o trono e os quatro seres vivo»
dizendo: Santo, santo, santo, Senhor e os vinte e quatro anciáos, vi que luí
D eus Todo-poderoso, aquele que era e via um Cordeiro como que sacrifica. I<i
é e será. 9Cada vez que os seres vivos com sete chifres e sete olhos (os sn.
davarn gloria, honra e agáo de grabas espíritos de Deus enviados para todi ><
aquele que estava sentado no trono, mundo). 7Aproximou-se para recebo n
aquele que vive pelos séculos dos sé- rolo da direita daquele que estava sen
culos, lrtos vinte e quatro anciáos se tado no trono. 8Quando o recebeu, on
prostravam diante daquele que estava quatro seres vivos e os vinte e quatro
sentado no trono, adoravam aquele que anciáos se prostraram diante do Cordei
vive pelos séculos dos séculos e depu- ro. Cada um tinha urna cítara e urna tai;»

4,3 As pedras preciosas, conhecidas no teria que romper os selos antes de come
AT, sugerem urna beleza luminosa; nao §ar a desenrolar; enquanto está enrolado c
parecem ter outro significado individual. selado, nao se pode 1er por nenhum do:,
4.5 O fogo como elemento da divinda- lados. O autor submete a lógica visual ¡i
de (Gil 15,17). lógica narrativa e os vai escalonando.
4.6 O mar cristalino pode proceder de 5,2 “Digno”: talvez com o matiz jurídi
Ez 1,22; na eomparaqao prevalece a lumi- co de estar autorizado. Nenhuma simples
nosidade sobre o elemento aquático. É pro- criatura pode desvelar os segredos de
vavelmente o océano situado por cima do Deus.
firmamento (Gn 1,6-8). 5.5 O primeiro título, Leáo, é tomado
4,8 “Olhos” ou claróes (nao parece ima­ das béngáos de Jacó (Gn 49,9-10). O se
ginar pavóes). gundo é messiànico (Is 11,1).
4,11 Ver SI 33,6; 115,3. 5.6 A descrigáo do Cordeiro sacrificado
é intelectual. Os sete chifres denotam a
5,1 Entronizado: SI 47,9. O rolo miste­ plenitude da autoridade (SI 75). Os sete
rioso procede de Ez 2,9-10, com a adigáo olhos sao adaptagáo de Zc 4,1; os olhos
dos selos em fungáo narrativa (cf. Is 8, observam inquisitorialmente.
16;29,11; Dn 12,4-9). Os sete selos garan- 5,8 Acitara é o instrumento de acompa-
tem totalmente o segredo. Lógicamente nhamento mais comum no AT.
7 2 1 APOCALIPSE

Ti i ti ¡i I | tinnii ( .1 i i l . l ( %( I C S Cordeiro, o louvor, a honra, a glòria e


f Í lÿiti
I
| I ml l
II y l i ■ I II
IMI lltll i ailt ll'O HO
I I I I I II | l I I I i l i I C S d ì -
o poder pelos séculos dos séculos. 14Os
quatro seres vivos respondiam: Amém.
(Il ti i, , I ...... .111 li i .li (lofi >l;icio c E os anciàos se prostravam adorando.
i ^jj| i iMItyni i •11II111.1 •■< paia I )cus
j* Id i 11 I: i !■I i i i- i Iinvilii, |>ovo c ña­ 0 s selo s — 'Vi o Cordeiro que abria
ué . fi , . 1. I, . .in m u <lt'no.s.\oDeus
! ini -i...... . i 11 in.h .io na terra.
6 o prim eiro dos sete selos, e ouvi um
dos quatro seres vivos que dizia com a
| ,, l! I il- ||._ III i ulivi .1 vu/ (le 111LIi- voz de trovào: Vem! 2Vi um cavalo bran­
I .111. i in ,nn .ni icdor ilo tro- co e seu cavaleiro com um arco; puse-
llii iIh. ..i, \ iM i , r dus ancifios: eram ram -lhe urna coroa, e ele partiu vence­
mi/finn ./. inilliiin miriades de mi- dor e para continuar vencendo.
i,i- ' . .li. i.nn ' mu vu/, putente: O 3Quando abriu o segundo selo, ouvi
i . i. i«.. ih l'i.l.nlii ( di;',no de receber o segundo ser vivo que dizia: Vem!
j . . I . i i i h 11h /.i. (i saber, a força, a 4Saiu um cavalo vermelho; ao cavalei­
i. mi, i | 11111 i i il luiivor. 13E escutei ro recom endaram que tirasse a paz da
i .............. .ilin ,i\, o i|uc ha no céu e na terra, de m odo que os homens se ma-
i h i mi. ,i icii.i c nu mar, que diziam: tassem . E ntregaram -lhe urna enorm e
\,jin li qui i'.l.i scnlatlo no trono e ao espada.

i '< \ iinvuladc (lesse cántico consiste do de arco: “dispararei contra vos as fle­
mi . i.ili.u .i ulna redentora (segundo Ex chas fatídicas da fome" (Ez 5,16s; tam­
ri <11 i n alcance universal (cf. Is 66,18; bém SI 7,13; 64,8); coroado e vencedor:
/, li 1' ), a ]tai licipaçâo de todos no reina- termo característico de Jo, lJo e Ap (cf. Is
I,, ,li I »rus sobre o mundo. E ou se escre- 63,5).
. ,i.n.i ( lisiaos que sao minorías despre- Os executores do castigo o seguem: a
iil i . un perseguidas. “espada”, que é emblema de guerra (Is
VI I A visáo se inspira em IRs 22,19; 27,1; cf. “fome, guerra e peste” em 2Sm
I >u /. 10 e lextos semelhantes. 24,13). Fome que obriga a racionar os ali­
S. I l luda criatura, dotada de voz: numa mentos e multiplicar seu prego (cf. 2Rs
itlvr.ao quadripartida inusitada. Sob a ter­ 6,25-26; Ez 4,10-11); os quatro produtos
ni m- eneontra o mundo dos mortos (F12,10 figuram no quadro desolador de J1 l,10s;
nli rece urna visao tripartida; ver também um denário era a diària do trabalhador.
'.I .'.’,30 sobre a homenagem dos mortos). Encerra a expedigáo a “mortandade” da
Sobre o mar ou nele estáo os peixes e as peste, agente do Xeol ou Hades (cf. Jó
iiiius (SI 104,25-26). 18,13 “a primogènita da Morte”). Embora
nao se enquadrem, o autor recapitula enu­
6,1 -8 A visáo dos quatro cavalos proce- merando as quatro pragas clássicas de
i le de Zc 1,7-8 e 6,1-8: très cores de cava­ Ezequiel (p. ex. Ez 14,21; 5,17). Mas o
los na primeira e quatro na segunda. A fun­ castigo será limitado: resta trigo, ainda que
dió dos cavaleiros é inspecionar primeiro caro, salvam-se o vinho e o óleo, morre só
c clepois executar o castigo (Zc 1,10 e 6,8). urna quarta parte.
A partir desses elementos, Ap compóe urna 6,1 A visáo que corresponde aos sete
visâo nova. A expediçâo nâo é de inspe- selos está articulada numa primeira sèrie
(,;lo, mas de castigo (como explicam o de cavaleiros, mais duas cenas contrasta­
quinto e o sexto selos), controlado em seus das. A visáo correspondente ao sétimo selo
limites. Vai ser feita justiça vindicativa é adiada, dando lugar a urna pausa de pro-
castigando os homicidas (“a vingança do tegáo (cap. 7).
sangue de teus servos derramado", SI A quem se dirige o “Vem”? Alguns pen-
79,10). sam que ao vidente; outros conjeturam que
Encabeça a expediçâo o cavalo branco, invoca a vinda gloriosa de Jesus Cristo (cf.
cor própria do mundo celeste. O cavaleiro 22,20) para julgar; e de fato se apresenta
é provavelmente Jesús Cristo. Vem arma- na visáo como primeiro cavaleiro.
APOCALIPSE 722 il 1
5Quando abriu o terceiro selo, ouvi o co, até que se completasse o ......... ..
terceiro ser vivo que dizia: Vem! Vi sair de seus companheiros de serví i *. ■• (i I
um cavalo preto, e seu cavaleiro trazia irmáos que iriam ser assassinadi >■.>< mi
uma balança na mâo. 6Ouvi urna voz eles.
que saía do meio dos quatro seres v i­ 12Quando abriu o sexto selo, \ i .p i
vos: Por um denário um quilo de trigo, sobreveio um violento terrem oto,.... *
por um denário très quilos de cevada; se tornou preto como lona de ....... i
mas nao causes prejuízo ao óleo e ao lúa inteira como cor de sangiu- 1\ ni
vinho. ram as estrelas do céu na térra, c uiiiJ
7Quando abriu o quarto selo, ouvi a solta figos uma figueira sacudida ¡ i
voz do quarto ser vivo que dizia: Vem! furacáo. 140 céu se retirou coma tun
8Vi aparecer um cavalo esverdeado; seu rolo que se enrola, montanhas c illi i
cavaleiro se chama Morte, e o Hades o se deslocaram de seus lugares.15() ■. ni)
acompanha. Deram-lhes poder para ma­ do mundo, os nobres e os generar ■
tar a quarta parte dos habitantes do ricos e os poderosos, todos os escra\ <«
mundo, com a espada e a fo m e e a p e s­ e livres esconder am-se em grutas ('m i
te e as feras. vernas de montes, 16e diziam aos nn m
9Quando abriu o quinto selo, vi sob o tes e penhascos: Caí sobre nós c el
altar as almas dos que haviam sido as- condei-nos daquele que senta no troim
sassinados por causa da palavra de Deus e da ira do Cordeiro. l7Porque chchón
e do testem unho que haviam dado. o dia solene de sua ira, e quem podi i >
10G ritavam com voz potente: Senhor resistir?
santo e veraz, quando julgarás os habi­
tantes da terra e vingarás nosso sangue? O s q u e se s a lv a m — 'Depois, vi
11A cada um deram uma veste branca e
lhes disseram que repousassem um pou-
7 quatro anjos de pé nos quatro dn
gulos da térra, segurando os quatro

6.9-17 O quinto e o sexto selos for- 6,12-17 Segue-se uma breve escatologia
necem um díptico de correlativos para o composta com pegas de Is 34,4; Ez 32,7:
grande julgamento. As vítimas inocentes Is 2,10.19; Os 10,8 e Sf 1,14-15. Sinteti/,.
clamam ao céu (cf. Gn 4,10) pedindo vin- a perturbagáo cósmica e o terror dos ho
ganga, que lhes é prometida para mais tar­ mens. E uma catástrofe cósmica de pro
de. Os culpados enfrentam o “dia da ira” porgóes inauditas: muda a orografía da tei
(Sf 1,14-15). ra e o mundo estelar.
6,9 As “almas” nao sao as almas sepa­ A comparagáo da figueira é impressio
radas da dicotomía grega, mas o que nos- nante por sua desproporgáo — embora os
sa linguagem popular chama de “espíri- antigos nao tivessem idéia do tamanho dos
tos”. Em lugar de encontrar-se no Xeol, astros. Sao dados das escatologias, que
Deus lhes deu asilo no seu templo (SI 27, também se encontram com variantes nos
5), sob seu altar (tradigáo rabínica; com- evangelhos sinóticos (Mt 24 par.). A “ira"
pare-se com Jó 14,13). Talvez o altar su- é a sentenga de condenagáo dos malvados.
gira a idéia do martirio como sacrificio. 6.15 Sete categorías que representam
“Por causa da palavra...” (ver Ap 1,9). uma totalidade. “Escondem-se”: cf. Gn
6.10-11 Dali clamam: nao opuseram re­ 3,8; como na grande teofania de Is 2,10-
sistencia, nao fizeram vinganga com as pró- 19 com suas dez categorías.
prias máos; agora pedem que se lhes faga 6.16 Grito desesperado de quem prefe-
justiga, como tantos orantes de salmos. Já re a morte (Os 10,8).
no citado Zc 1,12 (visáo dos cavalos) escu- 6.17 O clássico dies irae de Sf 1,14.
tava-se o grito de impaciencia e a resposta
de consolo (cf. SI 79,10; Dt 32,43). 7,1-13 O capítulo precedente concluía
A “veste branca” simboliza a salvagáo perguntando: quem poderá resistir? (SI
já concedida a eles; mas a era dos mártires 76,8; 13,3). Este capítulo dá a resposta.
nao terminou (cf. Mt 23,32). Antes do sétimo selo, da grande confia-
723 APOCALIPSE

§Mti* il'i ti h . 11 i.ii:i que nâo soprassem de Benjamim doze mil m arcados com
„¿H* h ii mi, m in sobre o mar nem so- o selo. yDepois vi uma m ultidáo enor­
irt* «» iii • un •. Vi outro anjo que subía me, que ninguém podia contar, de toda
k> ..ii. nii i mu o selo do Deus vivo, e naçâo, raça, povo e língua: estavam di­
•Mi f •• mm vu/ potente aos quatro an- ante do trono e do Cordeiro, vestidos
¡■rt m. mu /vulos de causar dano à terra com vestes brancas e com palmas na
» « . mi.h 'N.u i causéis dano à terra nem máo. 10Gritavam com voz potente: A
Itt in.ii mm as árvores, até que sele- vitória ao nosso Deus, sentado no tro­
,i lin /u n los servos do nosso Deus. no, e ao Cordeiro. n Todos os anjos se
i tu* i H minier«) dos m arcados com o haviam posto de pé ao redor do trono,
»i.. 11 Min c «[uarenta e quatro mil de dos anciâos e dos quatro seres vivos.
uni.....ii iiihos de Israel. 5Da tribo de Caíram de bruços diante do trono e ado-
i.».i.i .I.i/i mil, da tribo de Rúben doze raram, 12dizendo: Amém. Louvor e glo­
..til .i.i inlio de Gad doze mil, 6da tribo ria, saber e açâo de graças, honra e for­
1« A m i i I n / e mil, da tribo de Neftali ça e poder ao nosso Deus pelos séculos
Inn mil. da tribo de M anassés doze dos séculos. Amém.
mil Mu ii ¡I)«» de Simeáo doze mil, da 13Um dos anciâos se dirigiu a mim e
itllm 11. I ,evi doze mil, da tribo de Issa- me perguntou: Esses que tém vestes
ii iIi i / i - mil, *da tribo de Zabulón doze brancas, quem sáo e de onde vém? Res­
mil iI.i ii ¡bo de José doze mil, da tribo pondí: Tu sabes, senhor. 14EIe me dis-

liini.Dii, li.i um episodio de seleçâo e sal- Ou entao judeus convertidos: Tiago fala-
■i|iiim<l;i, exatamente segundo o esquema va de dezenas de milhares (At 21,20).
i. I / 9, ou seja, a marea dos inocentes, Outros pensam que sáo cristáos, como em
l'i | h le se o esquema de Ex 12, a marca 9,4 e 14,1; mas no texto os 144 mil se con-
.l.i. moradias protegidas do exterminio; o trapóem á “multidáo inumerável” de toda
' m|iirma de Noé salvo na arca (Gn 6-8); o na§áo e língua, que pode recordar a pro-
. ■ii|iicma da escatologia (Is 26,20-21). Ora, messa feita a Abraáo (Ex 22,17). O núme­
•i cm lais textos se tratava de uma prote- ro 12 x 12 sugere uma multidáo diferencia­
.,iin interina, o Apocalipse enlaça a prote- da e ordenada. A men§áo nominal das tribos
i.iin com o destino glorioso definitivo, que descreve o novo Israel (cf. Jo 1,47.49 e Tg
• i ontempla em visâo. 1,1), o novo povo de Deus. Seguindo uma
7,1 Anjos como ministros de fenóme­ tradiqáo rabínica, omite o nome de Dá.
nos cósmicos: ver 14,18 e 16,5. A terra 7.9 Vestem uma roupa e empunham um
uncinada como quadrilátero. Os ventos emblema. Ou se prepararam para a gran­
■orno instrumento de castigo: “há ventos de liturgia, segundo os “ramos” mencio­
. lindos para o castigo que com sua furia nados em SI 118,27, e os da entrada real
ili slazem as montanhas” (Eclo 39,28). de Jesús em Jerusalém (Me 11,9 par.). Al­
7,2-3 Em Ez 9 os executores ou verdu­ guns suspeitam uma alusáo á festa das
g o s sao seis ás ordens de um sétimo en- Tendas (Lv 23,40).
. ,ii regado de selar ou marcar os inocen- 7.10 Cantam a vitória ou “salvagáo” (Ex
ii s Em Ap sao quatro anjos que controlam 15,2; SI 74,12; 118,15; Is 56,1 etc.) do
us quatre ventos (Jr 4,11-12; 49,36; 51,1- entronizado (SI 47,9; cf. SI 118,25). Os
líelo 39,28), e um quinto anjo que dá restantes acrescentam um novo setenário
i miens e encarregado de selar. O selo é ins- de aclamagóes (cf. SI 29,1-2).
immento ou garantía de autoridade (IRs 7.13 A pergunta de um dos anciáos é
.’1,8, selo real; Jr 22,24, selo do Senhor; recurso do género (p. ex. Ez 37,3); nos a
I s i 8,2). O selo de Deus pode ser o nome chamamos pergunta didática, destinada a
nmitáriorecebido no batismo ou o próprio chamar a atengáo e concentrá-la sobre um
Iíspírito que se imprime (cf. 2Cor 1,22). ponto concreto.
7,4 Quem sao os 144 mil? Alguns pen- 7.14 Atribulagáo é uma perseguido vio­
sam que sáo judeus fiéis do AT, apelando lenta, até o martirio (Mt 24,21), é uma
aossete mil de IRs 19,18 nocido de Elias. participado na paixáo de Cristo. O para-
APOCALIPSE 724

se: Esses sào os que sairam de urna gran­ a eles foram entregues sete Inni il.. 1«
de tribulacào, lavaram e alvejaram suas 3Outro anjo veio e se pòs junto ut . .li»,
vestes no sangue do C ordeiro.15Por isso com um turíbulo de ouro; deram Ih. ...
estào diante do trono de Deus, prestam- censo abundante para que o ai ......hi
Ihe culto dia e noite em seu tempio, e tasse às oragóes de todos os sanio*, m»
aquele que senta no trono habita entre bre o aitar de ouro, diante do trono 'Ili
eles. 16Nào passarào fom e nem sede, o mào do anjo subiu a fumaga do ........
sol nào os prejudicará nem o mormago, so com as oragóes de todos os '.ani..¡l.
17porque o Cordeiro que está no trono até à presenta de Deus. 5Depois o .m| I
os apascentará e os guiará a fontes de tomou o turíbulo, encheu-o coni
água viva. E Deus enxugará as lágri­ sas do altar e o arrem essou a tri... j
mas de seus olhos. Houve trovòes e estampidos, relamí",
gos e um terremoto.

8 0 sétimo selo e o turíbulo —


'Quando abriu o sétimo selo, no céu
se fez um silencio de meia hora. 2Vi os
As sete trombetas — 6Os sete ani...
com as sete trombetas se preparai.m.
sete anjos que estavam diante de Deus: para tocà-las. 70 prim eiro deu um 1..

doxo de “alvejar no sangue” (limpar em silèncio expectante dos amigos de Jó. 1..
lJo 1,7) delata o caráter intelectual da ima- 2,13).
gem. Is 1,18 contrapòe púrpura e neve; Is Grupos de sete anjos ou arcanjos sa.,
63,3 diz que o sangue (do inimigo) man­ conhecidos em textos antigos, p. ex. os .1.
cha a roupa. O autor parece adaptar a bèn- Tb 12,15. As trombetas podem estar in
5 §o de Judà: “Lava sua roupa no vinho e piradas por Nm 10,1-10 ou textos seni.
sua tùnica no sangue das uvas” (Gn 49,11). Ihantes, como Js 6, contra Jericó; em con
7,15-17 Alcangaram a salvado defini­ texto de dia do Senhor, J1 2,1 e Sf l,l(.
tiva e se juntam à liturgia celeste (Ap 4— Além dos sete anjos, há outro que deseiu
5). “Habita” ou “acampa”, segundo o ver­ penha na liturgia celeste o oficio de m e dia
bo grego (também em Jo 1,14). Sobre eles dor. O “aitar” deve ser o do incenso (I x
se acumulam os bens prometidos em Is 30,1). Acrescenta-se às oragòes o in c e n s i,
49,10 (volta do exilio); SI 23; Is 25,8 (es­ que outrora se acrescentava às oblagòes il.
catologia). Até o paradoxo do Cordeiro que farinha (Lv 2,1.15). O ato litúrgico provo
faz o papel de Pastor (Jo 10). ca a entrada dos fenómenos teofánicos do
julgamento por meio do fogo (Is 55,15s).
8,1-5 O sétimo selo cumpre tres fun- 8,4 Fumaga litùrgica: Ex 30,1-3; SI
goes. Completa a liturgia celeste com o 141,2.
perfume das oragóes (5,8), desencadeia a 8,6 A sèrie das trombetas tem urna arti­
co nflagralo à semelhanga do incèndio de culado semelhante à dos selos. Passa pri­
Jerusalém (Ez 10,2) e serve para ligar ao meiro um ràpido quarteto de pragas, in
setenário dos selos o setenário das trom- crescendo. Seguem-se outras duas ampias,
betas. Este será como um paralelo terres­ paralelas (cap. 9). Urna larga cunha, acerca
tre da visáo celeste (porque a ordem cro­ de duas testemunhas, interrompe o proces­
nològica nào governa esses capítulos). so (10,1-11,14). Finalmente soa a sétima
Apreciamos a polaridade clàssica do e última trombeta: a hora do julgamento e
fogo, inclusive litùrgico: gerador de aro­ do reinado definitivo de Deus. Com isso
ma e causa de incèndio, como em Ez 9 - se concluí urna parte ampia do livro (em
10, onde o fogo destruidor é tomado do 11,18).
lugar sagrado; ou como no antecedente de O material é tomado das pragas do Egi-
Nm 17. A meia hora é o tempo que dura a to e de outros textos proféticos ou es-
crise: o céu (Deus) se cala, nào intervém, catológicos, e é submetido a urna elabora­
deixa fazer. É um silencio agourento, um d o fantástica, por vezes mais intelectual
compasso de espera que cria expectativa que realmente imaginativa. A nao ser que
para o que se segue (recorde-se o longo as leíamos como visóes oníricas, quase
Ü 725 APOCALIPSE

mi .ir ....... . i.i liotive granizo e fogo, 120 quarto anjo deu um toque de
A»*!.!* «il. >u m in sangue, que foi arre- trombeta: um terço do sol foi atingido,
ili i» n i Uni tergo da terra se um terço da lúa, um terço das estrelas,
ulti..... i mu li ico das árvores se quei- de m odo que um terço de todos se es-
4iiih im. i i ,i riva verde se queimou. cureceu*: faltou um terço da luz do dia
‘li .. , In anjo deu um toque de e tam bém da noite. 13Vi urna águia vo-
........ i.i uhm iiiontanha enorme caiu ando no meio do céu e ouvi que gritava
. .il ■i. un i nú mar. Um tergo do mar muito forte: Ai, ai, ai dos habitantes da
ü ii ,ih lui ini ni em sangue, ’um tergo terra, por causa dos très toques restan­
<è>>- ... i. vivos marinhos pereceu, um tes que os anjos iráo dar com suas trom-
u tiu il"’, navios naufragou. betas.
■\ i ii 1 1 in o anjo deu um toque de
...... I» i,. . .mulo céu uma estrelagigan- *0 quinto anjo deu um toque de
it .i .ni Ir mio como tocha; caiu sobre
mi 1. 1... 11 los rios e sobre os mananciais
9 trombeta: vi um astro caído do céu
na terra e que recebeu a chave do poço
i, •tul*' ‘A estrela se chama Absinto. do Abismo. 2Abriu o poço do Abismo
i *im ii ii,o ila agua se transformou em e subiu urna fum aça do poço, como fu-
■tl iiiiiin. r muilos homens que a bebe- maga de um forno gigante; o sol e o ar
i.Mii iniiiieram, pois se tornara amarga. se escureceram com a fumaça do poço.

tu.....listas. O autor busca o efeito tremen- 8.12 Notemos o processo crescente: pri­
......... piante, com meios enfáticos, bizar- meiro cai granizo (pedrinhas, Eclo 43,15),
i.n N.io tem medo de sobrepor ordens depois desmorona urna montanha, a seguir
ti. i. Harneas, tolerando certa confusáo. precipita-se um astro (Is 14,12); depois
Míi I 1 Primeiro quarteto: afeta a terra, amortecem-se o sol, a lúa e as estrelas. As
.. ni.il, os rios e os astros. J1 3,3-4 reúne trevas sáo a penúltima praga do Egito (Ex
... . logo, fumaga e portentos no sol e 10,21; cf. Sb 17) e sáo correntes em textos
h i Ina “antes que chegue o dia do Senhor”. escatológicos (Is 13,10; Ez 32,7 etc.). *Ou:
I ni Ap esse dia chegará quando soar a sé­ sua luz diminuiu em um tergo.
nni, i trombeta. A insistencia ñas pragas do 8.13 A águia que fala náo tem antece­
I |!ito faz do Exodo um tipo da saída da dentes no AT. Talvez o autor a tenha esco-
lliirja para a liberdade. lhido para que o aviso venha do alto.
K, 7 Alguns costumam dizer “a sangue e
lumi”; o autor os une na sua imaginagáo. 9,1 Joel nos oferece duas versóes de
I n|.;() de raios entre o granizo (Ez 9,23- urna terrível praga de gafanhotos: uma
SI 18,12-13); a tempestade teofánica é mais realista, outra que imagina o avango
.i sétima praga do Egito, a que provoca a dos insetos como um assalto de esquadróes
uiitfissáo do Faraó. Fogo misturado com de cavalaria (J1 1-2). Os dois quadros sáo
-.angue, que abrasa parte da vegetagào (des­ coerentes, cada qual em seu estilo. O au­
ìi nitido parte da criagáo, Gn 1,12). tor de Ap se entrega á metamorfose incon­
8,8-9 Vem depois um fogo de monta­ trolada. Do pogo sai fumaga, da fumaga
nini; um vulcáo? As montanhas sáo o mais saem gafanhotos, os gafanhotos se asse-
rstável da terra. Langa-se no mar (cf. Jr melham a cavalos, os cavalos sáo disfor­
s 1,25; SI 46,3) e converte parte da água mes com caudas como escorpióes. Outros
etu sangue (Ex 7,20-21). cavalos sáo de fogo, suas caudas sáo ser-
8,10-11 Vem depois um fogo estelar; pentes.
meteorito? Todas as estrelas tèm nome; O autor se compraz no disforme aterra­
esta se chama Absinto, denotando seu des­ dor, deixando-se levar por reminiscencias
tino. A água potável se torna salobra, náo imaginativas. O astro caído é um anjo ca­
potável nem apta para regar: o contràrio ído do céu (cf. Is 14,12 e Le 10,18) que
de Ex 15,22-25 ou 2Rs 2,19-22 (milagre desee para abrir os antros infernáis. A fu-
de Eliseu). “Absinto”: associado com ve­ maga é como a de Sodoma (Gn 19,28; Is
neno pelo sabor: Jr 9,14; 23,15. 34,9-10). Os gafanhotos exercem uma
APOCALIPSE 726
3Da fumaba saíram gafanhotos que se tinha a trombeta: Solta os quali.. m|
espalharam pela térra. Foi-lhes dado um acorrentados junto ao Grand, i->• .
poder como o que tém os escorpioes da Eufrates). 15Soltaram os quatro nii|i«
térra. 4Mas proibiram-lhes de causar da­ que estavam preparados para tuna i. ,
nos á erva da térra ou ao verde ou as ár- de um dia de um més de um ano | . ..
vores. Permitiram somente causar daño m atar um terço da humanidado 1 1
aos homens que nao traziam na fronte o o núm ero dos esquadróes d a c a \.il....
selo de Deus; 5náo para matá-los, mas duzentos milhóes. 17Este é o i p .. i
para atorm entá-los por cinco meses. O que vi dos cavalos e seus cavalolitn
tormento é com o o de um homem pica­ tinham couraças de fogo, cor de |.u m
do por escorpiáo. 6Naquele tempo os to e enxofre. A s cabeças dos cav.il..
homens procuraráo inútilmente a mor- eram como de leóes; das bocas s .u ...
te, desejaráo morrer, mas a morte fugi- fogo, fumaça e enxofre. 18Por essa •. 11.
rá deles. 7Os gafanhotos separecem com pragas que saiam de sua boca: toj-..
cavalos aparelhados para a batalha; tém fum aça e enxofre, um terço da hum >
na cabeca coroas como de ouro, rosto nidade pereceu.
como de homens, 8cabelo como de mu- 19Os cavalos têm sua força na boca >
Iher, seus dentes como de ledo. 9Tém na cauda. Suas caudas parecem serpi n
couracas como de ferro. O barulho de tes com cabeças, e com elas ferem 1
suas asas é como o fragor de muitos car­ resto dos homens que nâo morreram p. «
ros de cavalos correndopara a batalha. essas pragas, nâo se arrependeram rln\
10Tém caudas como de escorpiáo, como obras de suas mâos: nâo deixaram .1.
ferróes, e na cauda poder para causar adorar os demonios e todos os ídolos
daño aos homens por cinco meses. n Seu de ouro, prata e bronze, pedra e mu
rei é o anjo do Abismo, que em hebrai­ deira, que nâo vêem nem ouvem n<m
co se cham a A baddon e em grego Apo- andam. 21Nâo se arrependeram de su r
llyon. n O primeiro ai passou; atengáo, homicidios, de suas feitiçarias, de sua
pois a seguir chega o segundo. fornicaçâo, de seus roubos.
130 sexto anjo deu um toque de trom-
beta: escutei uma voz que safa dos qua- O pequeño rolo — ]Vi outro
tro chifres do altar de ouro que está di­ jo poderoso descendo do céii
ante de Deus 14e dizia ao sexto anjo que envolto numa nuvem, com o arco-iri-.

agáo seletiva (Ex 10,12-15) e limitada no 9.13 O altar de Ex 30,1-3. Como se o


tempo. O tormento que produzem é mais altar, ou alguém em cima dele, falasse.
grave que a morte (cf. Jó 3,21). O escor­ 9.14 O Eufrates é a última fronteira da
piáo se associa à serpente em Eclo 39,30s. terra santa: Gn 15,18; Dt 1,7 etc.
A Morte com seu título “Destruígao” ou 9.15 No momento exato determinado
Perdigáo dirige o exército fatídico (em Is por Deus (SI 75,3), mobilizaráo um exér
13 e J1 2 é Yhwh quem chefia o exército). cito fabuloso, como em Ez 38-39. Sao
9,6 O contràrio do pacto com a Morte cavalos que pela boca abrasam (cf. SI 11,6;
para livrar-se (Is 28,15; Sb 1,26). Em tal Is 34,9-10; ou o Leviatá de Jó 41,11-13),
situagáo, a morte é mais desejável que a com a cauda envenenam. Apesar da ma-
vida: ver Jó 3,21; Jr 8,3. tanga, os homens nao se corrigem (Am 4,6
9,7-8 A figura humana sugere que sao 11) de sua idolatria insensata (SI 115,4-7;
seres inteligentes; a coroa denota autori- 135,15-17).
dade, a cabeleira, excelencia (cf. 2Sm 9.20 Segundo a descrigáo de SI 115,4-7
14,26, de Absaláo); tudo é aproximado, e 135,15.
“como”. 9.21 Alusáo a preceitos do decálogo.
9,11 Contra Pr 30,27, esses gafanhotos
tém um rei. “Perdigáo” é sinònimo de Xeol 10,1 -11 Interrompendo o ritmo das
em textos sapienciais (Pr 15,11; 27,20); trombetas e com grande aparato dramáti­
aparece personificada em Jó 28,22. co se introduz um “livrinho”. Se o livro
727 APOCA LI PSE

.»iiii, .1 , .ilii 1..1; seu rosto com o o sol, de Deus, como anunciou a seus servos,
i,i,(p ........as i orno colunas de fogo. 2T i- os profetas.
i, i Hi uno uní livrinho aberto. Apoiou 8A voz celeste que eu tinha ouvido
>,m iIh, iio no mar e o esquerdo em me dirigiu novamente a palavra: Vai,
«cim I i i i i i , V' gritou com voz potente, pega o livrinho aberto da máo do anjo
............ . mu leáo. Quando gritou, fa- postado sobre o mar e a terra firme.
jgirtn......... su a voz os sete trovoes. 9Dirigi-me ao anjo e lhe pedi que me
I , in,l,, os scte trovoes falaram, eu me
i i entregasse o livrinho. Ele me disse: To­
ti**lni i i screver. Mas ouvi urna voz ma e come-o, pois na boca te será doce
.......... 111h■me dizia: Conserva em se- como mel e amargo no estómago. 10To-
gi, ,l,i i* que disseram os sete trovoes, e mei o livrinho da máo do anjo e o comi:
......... si revas. 50 anjo que vi postado na boca era doce como mel; mas quan­
•i.iu, n mar e a térra ergueu a direita do o engoli senti o estómago amargo. n E
(hiiii o i cu (’e jurou por aquele que vive me dizem: Tens de profetizar novamen­
|*i% scculos dos séculos, que criou o te contra povos, nacóes, línguas e reis.
,*ni ludo o que ele contém, a térra e
ni,l,i o que ela contém, o mar e tudo o As duas testem unhas — 1Entre -
,|in t ic contém: nao há mais tempo;
ititaiido soar o toque de trom beta do
n garam-me um canijo semelhan-
te a urna vara e me ordenaram: Levan­
, linio anjo, se cumprirá o plano secreto ta-te e mede o templo de Deus, o altar

,,ii mío dos sete selos era o AT interpreta- ramento mais solene (cf. Dt 32,40; Gn
,l.i | >i Cristo glorificado, o presente livri- 14,22), anunciando que o fim é iminente.
tiltil lala da etapa que precederá o julga- 10.1 Esse anjo é extraordinàrio por seus
11n nli) final; náo está selado. A imagem atributos visuais: a nuvem e as colunas de
,1,1 Itvro vem de Ez 2,8-9 e 3,1-3. É preci- fogo como no caminho pelo deserto, o ar­
II i innc-lo e assimilá-lo; tem sabor doce, co-iris, que Deus estende (Eclo 43,1 ls).
i unió palavra de Deus (cf. Jr 15,16), é 10.2 Apoiar um pé sobre o mar signifi­
mu,irgo pelas ameagas que contém. O li- ca dominio também sobre o elemento lí­
viii ingerido confere a missáo de profeti- quido.
/ni (liz 3,1-11) e dá autoridade sobre povos 10.3 Como leáo: em relagáo com a ati-
t u-is (Jr 1,10). Profetizar é dar testemunho vidade profètica (Am 3,8).
tlti parte de Deus: o autor profeta se des­ 10.4 Se náo escreve, terá que selá-lo na
di ihrará em duas testemunhas coletivas, memoria.
pura a etapa anterior ao julgamento. Afun- 10.5 O gesto de iurar como em Dn 12,7;
i,iti) do livrinho é provocar e garantir o tes- Dt 32,40.
ir niunho cristáo, que é a nova profecía (cf. 10.6 Quer dizer, o prazo já náo retarda
Me 13,11). (cf. Ez 7).
( 'orno o sétimo toque de trombeta fica 10,11 Compare-se com a voca^áo de
adiado até 11,15, esta secjáo reclama um Jeremías (Jr 1,4-10).
espado notável para apresentar algo muito
importante que deve acontecer antes do fim. 11,1 -14 Mas resta a etapa crítica do tes­
Antes de receber e devorar o livrinho, es- temunho profètico. A atividade profètica
cutou os sete trovoes (SI 29), que agora tém há de continuar até que chegue o fim, du­
voz articulada (cf. Ex 20,18-19; Jo 12,29) rante esta etapa na qual as realidades sáo
para responder ao grito do anjo e explicar bivalentes ou ambiguas, porque os cristáos
como será o final. Joáo o escuta e com- vivem no meio de pagáos. O recinto sa­
preende, mas náo pode escrevé-lo nem re- grado é contiguo ao profano ou profana­
velá-lo antes que chegue o momento de cum- do; a cidade onde morreu o Senhor se cha­
prir-se (Dn 8,26). Intervém como mediador ma Sodoma. O autor afirma a ambigüidade
um anjo magnífico: radiante, solar, de fogo, e tenta a distin<jáo.
de voz possante, capaz de abranger mar e Crise é confrontado e separadlo: os
Ierra detendo-se em ambos. Pronuncia o ju- campos se delimitam cada vez mais. A luta
APOCALIPSE 728
e os que nele adoram. 2Exclui da m edi­ quiserem. 7Quando term inan m • m u
da o átrio extem o do templo, porque é tem unho,aferaquesobedoA bi m o l í . |
entregue aos pagaos, que pisotearáo a declarará guerra, as derrotará < ai u,
cidade santa por quarenta e dois meses. tará. 8Seus cadáveres ficaráo e leiiilp
3Enviarei minhas duas testemunhas que, dos na rúa da grande cidade que n </ tf
vestidas de paño de saco, profetizaráo nom e sim bólico de Sodom a i I ni
por mil, duzentos e sessenta dias. 4Sáo (onde o seu Senhor foi crucili >i i
as duas oliveiras e as duas lámpadas que 9Durante trés dias e meio, gente i li li I
estao diante do Senhor do mundo. Se versos povos, ragas, línguas e n a . |
alguém procura causar-lhes daño, lan- vigiaráo seus cadáveres e nao pruiinii I
qaráo pela boca um fogo que consumirá rao que as sepultem. lüOs habitanli •. <li<
seus inim igos. Assim deverá m orrer terra se alegraráo por sua derrota ■ i
quem tentar fazer-lhes mal. 6Elas tém festejaráo enviando presentes uns auf
poder para fechar o céu, de modo que outros, pois aqueles dois profetas ai ni
nao chova enquanto estiverem profeti­ mentavam os habitantes da terra. 11l'.i
zando, e poder sobre as águas para trans- sados tres dias e meio, o sopro de ni i
form á-las em sangue, e poder sobre a de Deus penetrou neles, e se puseiam
térra para feri-la com pragas quando de pé. Os que viram isso ficaram tonni

é aberta: de um lado, a denuncia que pre­ anos (Dn 7,25; 12,7). Embora sejam pm
ga a conversáo: tal é o testemunho. De fetas, acumulam as fungóes real e sacer
outro lado, a perseguiçâo até a morte (Jr dotal, como as duas oliveiras e as duas lfun
11,21; SI 35,4). Há urna zona de asilo se­ padas (Zc 4,3.11-14, um só candelabro)
guro (v. 1) para os adoradores de Deus Enquanto durar seu ministério, sua pala
(1 Rs 19,18; SI 27,5; 61,5); outra zona fica vra será fogo que consumirá os rebelde-.
à mercé dos pagaos (SI 79; Lm 1,10). (Jr 23,29; Eelo 48,1; Le 9,54).
11,1-2 O vidente, que já assimilou o li- “Vestidas de paño de saco”: em gesto
vrinho, deve tomar parte ativa na visáo: de luto e penitencia (Jn 3,6-8). “Quando
nao como o modelo ¡mediato de Ez 40,3, quiserem": inclusive com maior poder que
onde o profeta é mero espectador, mas se­ Elias e Moisés.
gundo outros textos em que o profeta é 11.7 Ouando concluir seu ministério, a
protagonista (Ez 37 e 43). Templo, altar e “fera”, agente do poder da Morte, as dei
atrios representam comunidades humanas, rotará;aparentemente. Porqué? Matando-
cristáos (cf. ICor 3,16; Ef 2,21) e pagaos as por causa do testemunho, as incorpo­
(náo-judeus convertidos e penitentes). A ran) á paixáo do Senhor, pelo que obteráo
duraçào equivale a très anos e meio, a a ressurreigáo e ascensáo (v. 11). A fera
metade de um setenario; como o espaço, parece inspirada em Dn 7.
também o tempo é medido. “Excluí da 11.8 A cidade que as matou e matou
medida”: o grego quebra a coeréncia do Cristo merece o nome de Sodoma, a de
medir e emprega a expressáo forte “lan- pravada (cf. Is 1,10), ou Egito, o opressor.
ça-o fora” (freqüente em Jeremías para 11,9-10 Só meia semana, e jazeráo seus
designar o exilio). “Pisoteada”: Le 21,24; cadáveres insepultos, expostos á cagada
Is 63,18. (cf. Is 14,19; Tb 2,18-19), enquanto a po­
11,3-6 As duas testemunhas tomam em puladlo e o mundo festejaráo sua derrota
suas atividades traços de Moisés e de Elias aparente.
(Ex 7,17; IRs 17,1). Duas testemunhas é 11,11-12 Sua ressurreigáo segue o es­
o mínimo que a legislaçâo exige (Dt 19, quema de Ez 37,10 na visáo dos ossos, até
15): mas os dois representam a comuni- pór-se de pé. Sua ascensáo assemelha-se
dade em sua funçâo profètica e martirial; á de Elias (2Rs 2,11), com um toque de At
“o espirito de profecía” é o testemunho de 1 adaptado. A inesperada glorificagáo dos
Jesús (Ap 19,10); nao se identificam com mártires provoca o terror dos culpados, o
personagens individuáis. O tempo do mi- reconhecimento a contragosto da gloria de
nistério está truncado: só a metade de sete Deus (cf. Ez 39,21; SI 102,16; 2Mc 9,12).
729 APOCAUPSE

in* I i. iim ' i •Miv 11.1111 unía potente 17dizendo: Nós te damos grabas, Se­
i i •|>i. Un . 1I1/ 1.1 Nubi para cà. nhor, Deus Todo-poderoso, aquele que
•».ti. hi........... umita nuvcm, enquanto é e era, porque assumiste o poder su­
itii i..i.ni, - iilliav a n i p a r a e l e s . premo e o reinado. l8Os pagaos se en­
■'ii. i uni..... . lu m>1>1ove io imi gran­ furecerán!, mas sobreveio tua cólera, a
fi ............. ............li i ima parte da cida- hora de julgares os mortos e dares o
i i i.. .......... . .i te mil pessoas mor­ premio aos teus servos, aos profetas,
i i . .. ....... i. 11. iiiiilu <>s restantes se aos santos, aos que respeitam teu nome,
•i i. .i ii uni i uiilrssaram a glòria do pequeños e grandes; a hora de destruí-
.......... ......... . 1'< > segundo ai passou; res os que destroem a térra.
. |.. i In jm li ij'.i i o lerceiro.
A m u lh e r e o d ra g á o — 19Abriu-se no
» - ri Iin .i (m u llid a lsO sétimo anjo céu o templo de Deus e apareceu no
i. .. m u . i-ii11M- ile trombeta: vozes po- templo a arca de sua alianza. Houve
. ni. n uaiam no céu: Chegou ao relámpagos, estampidos, trovóes, um
MuniiI-1 ii n inailo ile nosso Senhor e de terremoto e forte chuva de pedras.
. ii M. Ma1,, e reinará pelos séculos dos
■iili i . )■. vinte e quatro anciáos sen- 'Um grande sinal apareceu no
i ni.. i ni m u s tronos diante de Deus céu: urna mulher vestida do sol,
. ni un ile brujos e adoraram a Deus, a lúa sob os pés e na cabera uma coroa

\ ir., rnsao se assemelha à de Jesus (At 1) ativa, agressiva. Os inimigos de Deus saos
. i .In personagem humano de Dn 7,13, os destruidores da terra, que é criaqáo de
......de I lias (2Rs 2,11). Deus; ou, segundo o equivalente hebraico,
11,1 STambém a terra se contagia de ter­ os que corrompem ou pervertem o mun­
mi . rsl remece num terremoto clàssico (Ez do. Combina uma fórmula freqüente so­
ih I•>, Is 24,18-20). “Confessar a glòria” bre os profetas e outra do SI 115,13.
ii io significa necessariamente conversào; 11,19 Discute-se a colocagáo deste
11. ii li- ser o reconhecimento do réu confes- versículo, a) Como encerramento da se-
'iii (ef. Js 7,19). gáo precedente: com o reinado de Deus se
11,15-18 Por firn, depois da etapa das inaugura a alianga com seu povo. b) Como
irslemunhas, soa a sétima trombeta e che­ abertura: o novo ciclo de eventos se abre
ca o firn: reinado de Deus e julgamento com a revelagáo da nova alianga. O tem­
linai. É um ato unitàrio cuja articulaqào plo celeste é o próprio céu (21,22).
i mnológica pode variar. A lògica ordena- Para entender este versículo, devem-se
i ia assim: assalto presungoso de urna coa- recordar dois dados: a presenga da arca da
lizào internacional (SI 2,2; Ez 38; cf. Is alianza no templo de Salomao (1 Rs 8,1.6)
8,9-10), derrota (SI 48,5-6; 76,6-7), o jui­ e a lenda contada em 2Mc 2,4-8. Segundo
camente de prèmio e castigo (Is 65,8-16) esta, Jeremías escondeu a arca numa gru­
segundo a lei do taliào; o reinado. Na ta do monte Nebo, e anunciou: Este lugar
escatologia de Is 24—27 descobrimos a se- permanecerá incógnito até que Deus rea­
guinte ordem: terremoto (24,18-20), jul­ lize a reuniáo do seu povo, mostrando-se
gamento e reinado (24,21-23). misericordioso. Entáo o Senhor mostrará
Santos ou consagrados è designalo co­ de novo estes objetos, e aparecerá a glo­
muni dos cristàos; eles mesmos sào “teus ria do Senhor. Se o autor de Ap conheceu
servos, os profetas” (Zc 1,6) pela funqào e explorou essa lenda, o v. torna-se inteli-
profètica partilhada de dar testemunho; gível como comego solene: a teofania ilu­
eles mesmos ainda sào os que “respeitam mina o cenário.
teu nome”, fòrmula menos freqiiente (SI
61,6). “Pequeños e grandes” inclui a tota- 12,1 -18 Personagens. Primeiro a mu­
lidade (SI 115,13). lher em dores de parto. Os antecedentes
11,18 A còlerà dos pagaos pode proce­ bíblicos sao muitos, porque é a comuni-
der de SI 2,2 ou de SI 98,1 grego; è còlerà dade de Israel em seu aspecto fecundo, a
APOCALIPSE 730 Iti’
de doze estrelas. : Estava gràvida e gri- 7Foi declarada guerra no cm i,
tava de dor no momento do parto. 3Apa- com seus anjos lutavam coni n •h i»
receu outro sinal no céu: um" enorme o dragao lutava ajudado por ■.i. *
dragào verm elho, com sete caberas e jos; 8mas nao vencia, e perdei.im 4
dez chifres e sete diademas nas cabegas. lugar no céu. 90 dragáo giganic i .
4Com a cauda arrastava um tercio dos pente primitiva, chamado DiaU. .
astros do céu e os arrem essava à terra. tanás, que enganava o mundo mi. .||L
O dragào estava diante da m ulher que foi arremessado na terra com n •. I.. n
dava à luz, disposto a devorar a crianza seus anjos. 10Escutei no céu um.i vm
assim que nascesse. 5Ela deu à luz um potente que dizia: Chegou a vil.n i |
filho homem, que apascentará todas as poder e o reinado do nosso Deu¡ 4
nacòes com vara de ferro. O filho foi ar­ autoridade de seu M essias; pois Ion ■
rebatado para Deus e para o seu trono. pulso aquele que acusavanossos ii 11■>.
6A m ulher fugiu para o deserto, onde aquele que os acusava dia e noiu .limi
tinha um lugar preparado por Deus para te do nosso Deus. "E les o derrolaiMni
sustentà-la por mil, duzentos e sessen- com o sangue do Cordeiro e com o | ... ■
ta dias. prio testem unho, pois desprezai.im .

matriarca ideal em confronto com os pa­ do céu” (Dn 8,10). Nao casam bem as . 1.1
triarcas. O texto básico se lé em Is 66,7- caberas da ameaga com os dez chifr. .1.
14, porque dá á luz “um varáo” e um “po- poderio; sao coisas de Dn 7,7.
vo”: o Messias e a nova comunidade. O Vencedor na luta é o filho. E o Mes'.i.i
aspecto crítico do parto é proposto por Os comoprova a citado de SI 2,9. Acitara. >.I.
13,13, ao passo que a dor e a alegria da SI 2,7 em At 13,33 mostra que o nasciniin
maternidade se mencionam em Jo 16,20- to coincide com a ressurreido (e ascens.i.
22. A mulher é celeste por seus atributos SI 110,1), para reeeber de fato o poder ri .1
astrais: mais que a Jerusalém de Is 60, O dragáo-Xeol tentou devorá-lo na paix.m
melhor que a noiva de Ct 6,10. Revestida mas Deus o “arrebatou”, como a Henoe ou
de luz solar, como o Senhor (SI 104,2); a a Elias (Gn 5,24; 2Rs 2). Tratando-se .1.
lúa com otase semelhante a lima góndola, urna projegáo celeste esquemática, o pío
pisada ou sustentando; urna nova conste­ cesso se concentra em dois momentos.
la d o a coroa, talvez a dos astros que 12,1 Vejamos como se realiza e se desen
correspondem as doze tribos. Os autores a rola a alianza. O céu é aqui, antes de tudo,
identificam em tres planos: a Sinagoga ou um gigantesco painel onde se projeta unin
comunidade de Israel da qual nasce o Mes­ cena, que é parábola-resumo do que há di
sias, a Igreja que gera o Messias em cada suceder na térra e explicad0 de seu senti
eristáo (cf. G1 4,19), e Maria. Esta última do transcendente. O céu é ademais o lugai
é chamada mulher em Jo 2,4, é mulher c imaginado da divindade. “Sinais” sao as
máe junto a cruz (Jo 19,26). cenas que tcm significado codificado. Vci
A ela se opóe a mulher que cavalga a o convite de Isaías a Acaz (Is 7,11), ofere
fera, vestida de púrgUra e ornada de jóias, cendo um sinal “no céu ou no abismo”.
prostituta adornada qíie embriaga seus se- 12,4 Segundo Dn 8,10.
quazes: cap. 17. 12,6 A fuga pode recordar o SI 55,7-9; é
Antagonista é o dragáo. Dn 7-8 propor­ como a saída dos israelitas do Egito (Ex
ciona a pauta para esse capítulo e o seguin- 12,40-42), e por isso pode significar a sa­
te. O dragáo é no AT o império agressor, Egi- ída da Igreja do judaismo ou do paganis­
to, Babilonia (Jr 51,34; Is 51,9-10; Ez 29 e mo. O relato continua no v. 13, após um
32), que encarna na historia o poder mítico interludio complementar.
hostil (cf. Is 14,29). Gn 3,10 o apresenta 12,7-12 O dragáo e seu exército tinham
como serpente sedutora, em hostilidade per- tido um “lugar no céu”. Eram poderes cós­
pétua com a mulher e sua descendencia. Por micos ou políticos adorados como divinda-
ora aparece no painel celeste acusando seu des e por este artificio regedores da histo­
poder nefasto contra os eleitos, “os astros ria. A confissáo do único Deus verdadeiro,
■ I 31 APOCALIPSE

lid« itti ..... n i 1 l’or isso lestejai, céus, agua como um rio atrás da mulher, para
, 1» .111• ni li . 11.il>■I;iis. Ai da terra c do arrastá-la na correnteza. 16Mas a térra
l(t • • 1 l'iii.|in ilt-si'cu até vós o Diabo, ajudou a mulher, abrindo a boca e beben-
titli'i' i*I«111<ii sabor i|iic Ilio sobra poli- do o rio que o dragáo lanqara pela boca.
i n 170 dragáo, enfurecido com a mulher,
'i illuni In ii dragáo viu que fora arre- partiu para guerrear contra o resto de seus
Mt*—i-1' ■n i li na, perseguili a mulher descendentes, os que cumprem o precei-
,,, li. , il.ulii a luz o menino. 14A
i i to de Deus e conservam o testemunho
Mmlii'i lui.un dadas as duas asas da de Jesús. 18E se deteve á beira-mar.
«uni i |M|Miilc, para que voasse ao seu
In,. .......... Ir se rio, onde será sustentada As d u a s feras (Dn 7) — 'Vi sair
.ut..........liiis anos e meio ano, longe da do mar urna fera com dez chi-
•e»I•>nti 1 A serpente langou da boca fres e sete caberas; nos chifres dez dia-

.tt< a.i ,/ (.Micm-como-Deus, os desmas- serem dois, poderiam ser colocados diante
iii.in . | >iiv>>ii de seus privilegios (cf. SI
das duas testemunhas. A pauta de Dn 7 se
n ' I II) deixa ver com mais detalhe. O dragáo co­
I ni ,ii.i audacia insensata o dragáo-dia-
meta a atuar por seus agentes delegados:
urna fera marinha e outra terrestre subde­
lhi . lu i'uii ,i arvorar-se em fiscal acusador
legada, urna estátua animada que tem de
i., i iiiii I leus (cf. Jó 1-2; Zc 3,1). Mas o
M, i,i. n derrotou, viu-o cair do céu (Le ser adorada e urna marca de dedicacáo e
|ii |i¡) A morte de Cristo e dos mártiresreconhecimento. Sáo poderes políticos ab­
solutos, com suas ideologías, divinizados,
i ii n.i n .ilidade urna vitória sobre Sata-
n.i i|iit- c celebrada com aclamaçôes no empenhados em impor sua soberanía como
.. h M.is Satanás trasladou seu poder à rivais de Deus. Sáo figuras emblemáticas.
No passado tinham sido Babilonia (Is 14)
i. n , i . tmilra os que ficam, enfurecido e
...... pressa. Este é o tempo da Igreja. A com seu imperador e sua estátua (Dn 2-3),
mullid” c agora a Igreja, que torna a dar
depois os impérios “ferozes” sucessivos
(Dn 7—8). No tempo do autor, é a Roma
■i lu/ o Cristo nos cristáos (cf. G1 4,19).
I imperial, com o culto ao imperador divi­
Ouatro nomes e um qualificativo
nizado, perseguidora violenta dos cristáos.
Imi ti o poder hostil: Dragáo gigante = Ser-
No decurso da historia, irá tomando no-
Itrille primitiva (Gn 3) = Satanás (rival) =
mes novos, com suas novas estátuas e mar­
I m h I h i (acusador); sua tática e sua força
.....sistem no “enganar”, porque é inimi- cas. Em resumo, a fera parodia a figura de
iin da verdade (Jo 8,44). Deus e do Cordeiro: recebe poder do dra­
12,11 É significativo o paralelismo dogáo, tem um trono, sara de uma ferida, exi­
irsiemunho” e do “sangue do Cordeiro”. ge adoragáo, grita “quem como...?”
12,13-18 Continua a hostilidade do dra­ Alguns agentes exibem feridas misterio­
gan contra a mulher na terra (Gn 3,15). Comsamente curadas, quer dizer, derrotas am-
plamente ressarcidas; outros realizam obras
"usas de águia” (Ex 19,4) a mulher se refu­
gia no deserto: como Moisés, Davi, Elias, portentosas, convincentes (Dt 13,2); alar-
mu salmista (SI 55,7-9), durante a metade deiam infundir a vida ao inerte, como de­
de sete anos, alimentada com um novo miurgos que remedam a Deus (Gn 2,7). Sua
maná (cf. Jo 6). O dragáo envia, como agen-blasfemia consiste em apresentar-se como
le seu, as “águas torrenciais” (SI 18,5; 32,6;
deuses (Ez 28,9; Is 48,8.10). Com bajula-
In 2,4), que a terra engole (cf. Nm 16,30- qóes, enganos e ameagas pretendem subme-
12). Doravante o dragáo lutará contra o “res-
ter todos, e negam os direitos civis a quem
lo da descendencia” da mulher (Gn 3,15). nao se curva. Mas os cristáos, “registrados
12,18 O dragáo se detém na fronteira no livro da vida” especial, o de um morto
da Ierra e do mar. O anjo poderoso pisava que está vivo, resistiráo com sua fé “perse­
io mesmo tempo a terra e o mar (10,2). verante". Os que se submetem sáo destina­
dos ao “cativeiro e á morte” (Jr 15,2).
13,1 -18 Entram em cena dois novos per- 13,1 Sai do “mar” (Dn 7,3), que é o ele­
si magens, que atuaráo até o cap. 20. Por mento rebelde e hostil onde se tinha deti-
APOCALIPSE 732

demas, e ñas cabeqas títulos blasfemos. habitantes da térra, cujos nom. .


2A fera da visáo parecía um leopardo, estáo registrados desde o prim i|'> 1
com patas como de urso e boca como m undo no livro da vida do ( 'unli ii
de leáo. O dragáo lhe delegou seu po­ degolado. 9Quem tem ouvidos, i . m>
der, seu trono e grande autoridade. 3Uma 10O destinado ao cativeiro ira « it< •
de suas caberas parecía ferida m ortal­ o destinado á espada, pela espad........
mente, porém a ferida mortal foi cura­ rerá. Aquí estáo a perseveram i i >O
da. O mundo inteiro seguía adm irado dos santos.
a fera e adorava o dragáo que deu auto­ 11 Vi subir da térra outra fera, com <l>>i
ridade á fera; 4e adoravam a fera, dizen- chifres como cordeiro, e que falav.i. .i
do: Quem se com para á fera, quem po- mo um dragáo. 12Ela exercia toda .i tu
derá lutar contra ela? 5Foi-lhe dada urna toridade da primeira fera na ........... .
boca insolente e blasfem a, deram -lhe déla, e obrigava todos os habitante* ti»
autoridade para agir durante quarenta térra a adorar a primeira fera, cuj:i l<i >
e dois meses. 6Abriu a boca blasfem an­ da mortal fora curada. 13Ela rcah/it
do contra Deus, blasfem ando o nome grandes sinais: faz cair raios do o-ti ti ■
dele, sua m orada e os que habitam no térra em presenqa dos h o m en s.141■11^■i
céu. 7Perm itiram -lhe fazer guerra con­ na os habitantes da térra com os simili
tra os santos e vencé-los; foi-lhe dada que lhe permitem fazer na present í .1.
autoridade sobre toda raga, povo, lín- fera. Manda os habitantes da térra 1a
gua e nagáo. 8Váo adorá-la todos os bricar uma imagem da fera ferida pi ln

do o dragáo (12,18). Os dez chífres po- 13,8 À expressáo tradicional “o livro iln
dem representar uma totalidade de poder vida” (Ex 32,32; SI 69,28) acrescenta m
ou uma série de poderes; algo semelhante “do Cordeiro”, como se fosse ele quem
as sete cabegas; é uma réplica do dragáo leva o registro. “Desde o principio iln
(12,3). “Títulos blasfemos” é o título di­ mundo”: ou previstos todos de antemím,
vino que se arrogam: ver 17,3. Algum co­ ou começando pelos primeiros homens o
mentarista percebeu uma alusáo velada: da continuando ao longo da historia.
fera a Roma, do mar ao Mediterráneo, 13,10 O texto citado de Jeremías 15,?
Mare nostrum. diz que a sentença passa a ser executada,
13.2 A fera sintetiza as quatro de Daniel porque já náo é tempo de intercessáo.
(Dn 7,4-6). O dragáo é o de 12,9, poder 13,11-12 Asegunda fera é de categoría
supremo do reino hostil transcendente. inferior: em cabega, chifres e aspecto; so
Nomeia-a plenipotenciaria: inclusive cede- sobressai em falar como um dragáo. Atua
lhe o trono (que o Faraó nao cede a José, “na presença” ou como representante da
Gn 4 1,40). Compare-se com Ap 2,28; 3,21. outra; e sua funçào é a de um falso profe­
13.3 Parodia diabólica de Jesús Cristo, ta, como o descrito em Dt 13. Sua finali
com pretensóes de suplantá-lo. Levando dade é promover o culto da outra fera;
em conta lendas correntes da época, é pro- provável alusáo ao culto imperial, que pri
vável que se refira a Ñero. meiro foi de Roma e mais tarde do impe­
13.4 “Quem como a fera?” remeda a ex- rador. No detalhe da ferida mortal curada
pressáo “Quem como Deus?” (= M i-ka-’el, alguns véem uma alusáo à lenda de um
Ex 15,11; SI 88,6; cf. Is 46,9). Ver 2Ts 2,4. “Ñero redivivo” que retornaría como im­
13.5 “Insolente”: SI 12,5. Um tempo li­ perador.
mitado, a metade de sete anos; igual ao 13.13 Como se contrôlasse os meteoros:
dragáo (12,6-14). assim o fizeram Elias e Eliseu (IRs 18,24-
13.6 A “morada” é a tenda, o templo ce­ 39; 2Rs 1,10-12); porque eram profetas
leste; os que o habitam sáo a corte de Deus. auténticos do Senhor a quem obedecem os
13.7 “Foi-lhe dada” (por Deus, passivo raios (Jó 38,35). Sinais enganosos: anun­
teológico) equivale a permitir; porque Deus, ciados em Dt 13,2; Mt 24,24.
e nao o dragáo, tem o controle supremo. 13.14 O pormenor da estátua, inspirado
Faz guerra, como o dragáo (12,17). em Dn 2-3, aludiría também ao culto do
I |. 733 APOCALIPSE

. . iinil i viva. l5Permitiram-lhe gravado na fronte. 2Ouvi um barulho


i»!..... il> iiiu na imagem da fera, de no céu: era como barulho de águas tor-
■ I
i h i h • | • .1 imagem da fera falasse e
i i renciais, como barulho de trovoada, o
ll#*» " un n n i os que nao adorassem a barulho que ouvi era como de citaristas
ihm'h ni il.i lera. "'A todos, pequeños e que tocavam suas cíta.as. 3Cantam um
, - n i . I . n i iis e pobres, Iivres e escra- cántico novo diante do trono, diante dos
Hi. 11 111H iccebam urna marca na máo quatro seres vivos e dos andaos. Nin-
«n> ii.i i ni n.i Ironte. l7Assim, aquele que guém pode aprender o cántico, exceto
»«.i li > ii .i marca com o nome da fera os cento e quarenta e quatro mil resga-
......... i os Humeros de seu nome, nao tados da térra. 4Sáo os que náo se conta­
|iinli i l i m p i a r nem vender. 18A qui é minaran! com mulheres e se conservam
,.u t u i.ilcnto! O perspicaz calcule o virgens. Eles acomp niham o Cordeiro
mi........ da lera; é o núm ero de urna aonde for. Foram resgatados da huma-
i" . 1,1 e equivale a 666. nidade como prim icias para Deus e para
o Cordeiro. % m sua boca náo houve
<>s salvos — 'Vi o Cordeiro que mentira: sáo íntegros.
U eslava de pé no monte Siáo e
........ le cento e quarenta e quatro mil A h o ra do ju lg a m e n to — 6Vi outro
.111■ ii.i/iam seu nome e o nome do Pai anjo voando no zénite do céu levando

terra”, porque já pertencem ao céu e, can­


iiii|ii imlorcom suas múltiplas estátuas: Sb tando, participam ativamente da sua li­
I I.Ki I analisa o tema. turgia (SI 144,9).
11.15 Compare-se com SI 115 sobre a Náo se contaminaram com idolatria (cf.
mudez das estátuas idolátricas, e com a 2Cor 11,1-4 para este sentido de “vir-
i mui de Jeremías. O dado encaixa ñas prá- gem”). Ou entáo guardaram continéncia
lli ns mágicas e também em embustes da preparando-se para a batalha (lSm 21,6).
i'|mea. Sáo primicias escolhidas (Tg 1,18), sáo a
13.16 É urna espécie de tatuagem de comunidade que anunciou Sf 3,13.
Identificado, como as que se praticavam 14.1 O “monte Siáo” é a capital do rei
i nlao com funqáo social ou religiosa, (SI 48,2-3) ou o monte da confluencia uni­
i 'orno o oposto do cap. 7 e de Ez 9; Is 44,5. versal (Is 2,1-5).
A palavra grega escolhida costumava de- 14.2 E intéressante que o rumor ou es-
•iignar o selo imperial. Retorna no livro até trondo das águas lhe soe como música de
n cap. 20. cordas.
13,18 O “talento” dos comentaristas tem 14,4 “Acompanham” ou seguem: cf. Jo
sido posto á prova neste número enigmá- 12,26. A “mentira” seria em concreto a
I ico. É sabido que em hebraico e grego as idolatria (Jr 3,23; 13,25).
letras servem de algarismos, pelo que um 14,6 Do zénite, centro supremo do céu,
nome pode ser transposto numa cifra. Mas sua mensagem atinge toda a superficie ter­
lambém é sabido que com os números restre. Antes do julgamento, o evangelho
podem-se fazer múltiplas operagóes a ser­ faz um último apelo a todos os povos para
vido da fantasía. A opiniáo mais corrente que se convertam ao Deus verdadeiro (Ap
por ora o identifica com o imperador Do- 11,18; cf. Ecl 12,13). Eboa noticia, conso­
miciano (81-96) ou com Ñero (54-68), ou ladora e exigente. O evangelho se chama
com Domiciano no papel de “Ñero redi­ eterno porque é o mesmo para todas as
vivo”. geraçôes até a última: outros pensam qn
é “eterno” por pertencer à esfera da con
14,1-5 Formam grupo á parte os salvos, sumaçâo celeste.
companheiros de destino do Cordeiro. 14,6-20 Numa seqiiéncia apertada, o
Também eles trazem urna marca (Ez 9,4), autor sintetiza várias cenas do julgamento
o nome de Cristo c de seu Pai (3,12; 22,4) escatológico, simultáneas ou sucessivas, al-
recebido no batismo. Seu número é de urna gumas das quais desenvolverá mais adian-
totalidade (7,3-4). Sáo os “resgatados da te. Intervém très anjos, urna figura huma-
APOCALIPSE 734
o evangelho eterno, para anunciá-lo aos será atormentado com fogo >■ <n*,.!«
que habitam na térra, a toda nagáo, raga, em presenta dos santos anjos i-«I*. ■ ■
língua e povo. 7Dizia com voz potente: deiro. n A fum aga do tormento >i. .
Respeitai a Deus e dai-lhe gloria, por­ pelos séculos dos séculos. Náo i<111. i. ■
que chegou a hora do seu julgam ento. canso nem de dia nem de noili- <>* <|n>
Adorai aquele que fez o céu e a térra, o adoram a fera e sua imagem, os <|ii< k
m ar e os mananciais. cebem a m arca do seu nome. 1 \>|ui
8Um segundo anjo o acompanhava, está a constáncia dos santos, qu< olí
dizendo: Caiu, caiu a grande Babilonia, servam os mandam entos de Deir. i
aquela que em briagava todas as nagoes mantém fiéis a Jesús! 13Ouvi unía nt<t
com o vinho furioso de sua fomicagáo. celeste que dizia: Felizes os que mm
9Um terceiro anjo os acompanhava, rem fiéis ao Senhor. Sim — diz o i •.••pm
dizendo em altas vozes: A quele que to — descansaráo de suas fadigas, p i
adorar a fera ou sua imagem, aquele que suas obras os acompanham.
aceitar sua marca na fronte ou na máo, 14Vi urna nuvem branca, e sentada u»
10beberá o vinho da cólera de Deus der­ nuvem urna figura humana, com inim
ramado sem mistura na taga de sua ira; coroa de ouro na cabega e urna Ion ,

na e outros très anjos. Segundo o seguinte de Deus” corresponde ao vinho com qm


esquema: Babilonia embriagava e seduzia os povon
— Um anjo proclama um evangelho que “Na presenga dos anjos e do Cordeiro"
exorta à conversâo cuja felicidade é para eles inacessível (i I
outro anjo anuncia a queda da Babilonia Le 16,23 e Sb 5,2).
outro anjo ameaça com o castigo 14.12 O versículo recorda mais urna viv
Intermèdio de chamado e audiçâo. que as visóes tém a fungáo de interpel.u
— Urna figura humana, coroada, apare­ os ouvintes.
ce com urna foice. 14.13 Em contraste, urna voz celeste
— Um anjo lhe ordena ceifar, e ele o anuncia a bem-aventuranga dos que s>
executa mantém “fiéis ao Senhor” (Jesús Cristo)
outro anjo se apresenta com urna foice até morrer. Enquanto os “fiéis” á fera náo
outro anjo lhe ordena vindimar, e ele o tém descanso (v. 11), estes “deseansani
executa. definitivamente (Sb 3,2-3; Hb 4,10; ver a
O esquema é coerente. oposigáo entre Is 57,21 “náo há paz para
14.7 O universo, normalmente “céu e os malvados” e 57,2 “para que entre na
terra”, divide-se aqui em quatro zonas: céu, paz”). As obras que realizaram como cris-
terra, mar oceano, mar subterráneo de água táos náo passam, mas se incorporam á pes-
doce que aflora nos mananciais (os velhos soa em seu destino final bem-aventurado
Apsu e Tiamat). Essa adoraçâo se contra- (compare-se com SI 49,18).
pôe à idolatria e ao culto imperial. 14,14-20 Ceifa e vindima sáo operagóes
14.8 Babilonia é a capital emblemática paralelas (J14,13-14). Também contrapos­
do dragáo, cuja queda se descreverá ou tas? Ceifa de bons e vindima de maus?
cantará mais adiante (17-18), oposta à Je- Quer dizer, a execugáo do julgamento fi­
rusalém celeste. O presente anúncio é ti­ nal. O segundo é claro: a vindima é urna
rado de Is 21,9, que se pode completar com versáo fantástica de Is 63,3.6. O primeiro
a cena de Jr 51,63-64, arremate dos caps. se apóia numa irregularidade do esquema:
50-51; para a embriaguez, ver Jr 51,7 e em lugar de um anjo, executa a ceifa urna
Hb 2,15-16. Babilonia podia entáo desig­ “figura humana”, sobre “urna nuvem bran­
nar Roma (lPd 5,13). ca” (Dn 7,13) com “coroa de ouro”: náo
14,9-11 Interpela cada membro da co- será Jesús Cristo colhendo os seus? Ver
munidade no tempo da crise. O castigo Me 4,29 e Mt 13,24-30. Uma dificuldade
recolhe vários motivos literários: o cálice séria contra essa interpretagáo é que um
(Jr 25,15, lugar clàssico; Ez 23,31-34; SI anjo dá a ordem a tal “figura humana”.
75,9), o fogo e enxofre (SI 11,6), a fuma- * Ou: mil e seiscentos estadios, número múl­
ça perpétua (Is 34,10). O “vinho da cólera tiplo de quatro, com valor de totalidade.
Al*C )( 'A l .1 P S I

fin 11 int m i" 1 ''.mu nutro anjo do tem- número de seu nome estavam junto ao
i»ii t í¡i 11>hi • ni .illa vu/, para aqucle que m ar transparente com as cítaras de
»M i ■ni ni" n.i imvein: Lança a foi- Deus. 3Eles cantam o càntico de M oi­
* t- •. il i | hir. clicgou a hora da ceifa, sés, o servo de Deus, e o cántico do Cor-
I . m i . i un da Ierra está bem madu- deiro: Grandes e admiráveis sáo tuas
jn ' \i|in li que eslava sentado na nu- obras, Senhor D eus T odo-poderoso;
iii l ni. un i luirc na terra e a terra foi justos e certos teus caminhos, Rei das
i r ii.nl i 1 '..nu nutro anjo dn templo do nagóes. 4Quem nao te respeitará, Se­
i . i imlii ni ele cum uma foice afiada. nhor, quem nao dará glo ria ao teu
"tj.il......... i anjo de junto do altar, aquele nome? Só tu és santo, e todas as nagóes
.......... 11 ■>l.t o logo, e disse em altas viráo adorar-te em tua presenta, por­
.... |>m .i ,ii|iiclc que tinha a foice afia- que tuas decisóes foram reveladas. De-
l t I mi i .i Inice afiada e colhe as uvas pois vi como se abria o templo, a tenda
i » i‘li 11 .■ ila Ierra, pois os cachos es- do testemunho no céu. 6Do templo saí-
Mn hiin lut us. '"'O anjo lançou a foice na ram os sete anjos das sete pragas, ves­
ii h .11 i ullirii a videira da terra e jogou tidos de linho puro resplandecente, a
i* h r un grande lagar da ira de Deus. cintura cingida com cintos de ouro.
Ti ii.mi u lagar fora da cidade, e o 7Um dos quatro seres vivos entregou
■hii> ih iiansbordou do lagar, e num raio aos sete anjos sete tagas de ouro cheias
i. n■/rulos quilómetros* atingiu a al- da ira do Deus que vive pelos séculos
Im i i l u Iicio dos cavalos. dos séculos.
80 templo se encheu de fu maca por cau­
As sete últimas pragas — ‘Vi sa da gloria e poder de Deus, e ninguém
nutro sinal no céu, grande e ad- podia entrar no templo até que se com-
mii.ivel: sete anjos que levam as sete pletassem as sete pragas dos sete anjos.
iiliimas pragas, nas quais se esgota a
lin ilc Deus. 2Vi uma espécie de mar As tagas da ira — JO uvi uma
liiinsparente m isturado com fogo. Os voz potente que saia do templo
■1111' vcnceram a fera, sua imagem e o e dizia aos sete anjos: Ide derramar pela

15 16 Sucede um novo setenário, de rá; quando passares pelo fogo, a chama


IH.ij’.is, que de certa forma repete ou reno- nao te abrasará” (Is 43,2). Pode haver uma
v.t os sete selos e as sete trombetas. Só que reminiscencia da passagem do mar Ver-
r o último setenário, no qual se está con- melho: os salvos se encontram na outra
■,limando o julgamento. Repetem-se as pra­ margem. O cántico de Moisés (Ex 15) pre­
xis na terra, no mar, nos rios e nos astros; ludia o do Cordeiro, o qual se povoa de
inencionam-se as trovas, o Eufrates e a reminiscencias (SI 11,2; 99; 102;Tb 13,7).
Icinpestade teofániea; o alcance desta vez 15,5 Continua a introdugáo. O vidente
nfio é limitado, mas universal. A introdu­ identifica o templo com a tenda “do teste­
cilo é solene, o sinal se projeta no mundo munho”, que na tradigáo hebraica é a “ten­
celeste, como antes os da mulher e do dra- da do encontro”, onde Deus marca encon­
güo. Antes de comegar o castigo, uns ver­ tró com Moisés e com o povo (Ex 33,7-11).
sículos apresentam os vencedores atuan- Faz eco à arca da alianza (11,18).
do na liturgia celeste. 15,6-8 Os sete anjos saem como os sete
personagens de Ez 9, só que vestidos to­
15, l Ver no capítulo de maldigóes a dos de linho sacerdotal, com cinturóes re­
ameaga de Lv 26,21 “multiplicarei por sete gios. As tagas: cf. Is 51,17.22; a fu maga:
meus golpes”. “Esgota-se”: expressáo cor­ IRs 8,10; a fumaga da cólera: SI 74,1; 80,5.
rente em Ezequiel: 5,13; 6,12; 20,21 etc.
15,2-4 O mar misturado com fogo re­ 16 , 1-20 A operagao de derramar as ta­
presenta a prova que os vencedores atra- gas se efetua com relativa rapidez. Repe-
vessaram: “quando cruzares as águas, eu tem-se alguns motivos dos setenários pre­
estarei contigo, a corrente nào te afoga- cedentes: sangue e fogo e nao eonversáo
APOCALIPSE 736

terra as sete tagas da ira de Deus. 2Saiu deram dando gloria a Deus. )<
o prim eiro e derramou sua taga na ter­ derramou sua taga sobre o trom >. I
ra: chagas malignas e graves acomete- seu reino ficou em trevas, e mon
ram os que levavam a marca da fera. língua de dor. "B lasfem aran! o
30 segundo derramou sua taga no mar: do céu por suas chagas e dores: 111
transformou-se em sangue como de um se arrependeram de suas agóes. • > i
morto, e morreram todos os seres vi­ to derramou sua taga sobre o (ii.u i'lil
vos do mar. 40 terceiro derramou sua Rio (o Eufrates): sua água secón -n .
taga sobre os rios e m ananciais, e se abrirpassagem ao sreisd o o rien n \| I
transformaram em sangue. 5Ouvi o anjo sair da boca do dragáo, da boca il.i l> ■
das aguas dizer: Justa é tua sentenza, ó e da boca do falso profeta, tres i pn,
Santo, que és e eras, 6porque derrama- tos ¡mundos como sapos. 14Süo u •
ram o sangue de santos e profetas: tu píritos de demonios que operam sin.iil 1
lhes darás sangue para beber, pois o e se dirigem aos reis do mundo u >r. u ■
m erecem. 7E ouvi o altar dizendo: Sim, únem para a batalha do grande du i-.
Senhor, Deus Todo-poderoso, tuas sen- Deus Todo-poderoso. 15Atengáo, |><u<
tengas sao justas e certas. sO quarto eu chego como ladráo! Feliz aquek <|in
derram ou sua taga no sol, e lhe perm i­ vigia e guarda suas vestes; assim n
tirán! abrasar os homens com fogo. l'Os terá de andar nu, mostrando suas m i. |
homens se abrasaram terrivelm ente e gonhas. l6Ele os reuniu num lugar i li.i
blasfemaram o nome de Deus, que con­ m ado em hebraico Harmagedon. <1
trola essas pragas; mas nao se arrepen- sétim o derramou sua taga pelo ar. 1 <

(cf. Am 4,6-12); amplifica-se a descrigáo 16,12-14 A mobilizagaogeral se inspii.i


do terremoto e anuncia-se urna batalha na visáo de Gog, Ez 38-39 e em Zc 14,1
decisiva. “Mobilizarei todas as naçôes... sairei pat n
O texto vai despertando recordagóes e lutar contra essas naçôes”. Só que ui|ii■
ecos do AT. Pragas do Egito: como chagas sao as forças do mal que a provocan!,
(Ex 9,10), sangue (Ex 7,17-21), trevas (Ex remedando a agâo de Deus. Em Ez W
10,21), tempestade (Ex 9), granizo (Ex 9, Deus diz a Gog: “eu os tirarei para a ba
24). Ou entáo de textos proféticos: a voz talha, tu te despertarás, te virào pensa
possante (Is 66,6), a ira derramada (Jr 10,25; mantos”; em Ez 39,2: “eu te levantarei tu <
Ez 7,8 par.), beber sangue (Is 49,26), nu­ norte remoto e te levarci...'' Em Ap o pro
dez (Is 20). Destacam-se dois temas: a cesso é assim: o trio dragao-fera-falso pro­
mobilizagáo geral e o grande terremoto. Ao feta (= segunda fera, 13,11-18) vomita um
enlagar essas pragas com as do Egito, dá a trio de espíritos demoníacos em figura de
entender que sao atos libertadores de Deus. ras ou sapos (cf. Ex 8,1-11), que incitam a
16,5-6 Neste livro, há anjos que contro­ urna coalizüo de reis. Eles pensam que é
lan! elementos e meteoros: 7,1; 14,18. O sua batalha e sua vitória, mas é “a batalh.i
castigo aplica urna espécie de lei do taliáo. do Deus Todo-poderoso”. O lugar da ba­
Derramaran! sangue: SI 79,3, beberào san­ talha final é um emblemático Harmagedon
gue. A sentenga é justa e responde à peti- ou monte de Meguido (cf. Jz 5,19; 2R.s
gáo dos assassinados, 6,10. 23,29); ou se imagina o desfiladeiro que
16,8-9 O fogo do sol abrasador: Eclo conduz à cidade, ou o monte é urna criaçâo
43,4; Deus retira sua protegáo (SI 121,6). fantástica, que fez sucesso na literatura.
“Dar gloria a Deus” nesse contexto equi­ 16,15 Este é um dos apartes que o autor
vale a reconhecer a pròpria culpa (cf. Js dirige a seus leitores (Mt 24,43). Lido de­
7,19). pois do v. 16, teria mais sentido. Andar nu
16,10 Sb 17 desenvolve com grande fan­ é grave huinilhagao (Is 20).
tasia a praga aterradora das trevas. Duas 16,17-21 A sétima taga antecipa em re­
vezes a resposta humana é blasfemar em sumo a condenagáo da capital imperial
vez de reconhecer e arrepender-se: assim satánica e seus satélites. Pelo efeito com­
agravam a culpa. binado de um colossal terremoto embaixo
737 A P ( X A l l l'S t

mttil i •, , 1.1 i.....i. '..mi unía voz poten- canats*. \ oni quem fornicaram os r e í s
8 Min 'iM'i A. .iImhi! IKIImivc relàm- do mundo, c om i o vinlio de sua for­
, ip . i iin|'i'liiM-Irovócs; houveum n ic a rio se cm bitagat un o s habitantes
.i tu ), h ih M i n i l i , conio jam ais houve do mundo. Transpoilou me em éxtase
Luli i|in h i Inuncus na terra, tao vio­ a um deserto. Ai vi urna m ullin ( aval-
liniti 1 1>i i. li tirinolo. '''A Grande Ci- gando urna fera de cor escaríate, eobetla
i.t | nini .. i ni lièsedesm oronaram de títulos blasfemos, com sete caberas
ii ii i.i. .l i . n.H.di s. Deus se lembrou e dez chifres. 4A mulher vestía púrpura
i li .t il. mi i i ,t le/ lieber a taga da ira e escaríate, adornada de ouro, pedras
h ......... i ,i "I ugiram todas as ilhas, preciosas e pérolas. Na máo erguia urna
, mi niii.it.mi montanhas. 21Granizo taqa de ouro cheia das obscenidades e
Mtu ini. . n i omo talentos caiu do céu impurezas de sua fo rn icad o . 5Na fron­
tu)...... Iimin'iis. ()s homens blasfema- te levava um título secreto: Babilonia,
Hin ■. .ni t i Deus pela praga de grani- a G rande, mae das prostitutas e das
ii. .......... ittna praga terrivel. obscenidades da térra. fiVi a mulher em­
briagada com o sangue dos santos e o
I HP ( ) julgam cnto da g ra n d e pros- sangue das testem unhas de Jesús. A
I / Ulula 'Um dos sete anjos que vista déla me enchi de estupor.
i...I. mi r. '.eie tagas aproximou-se de 70 anjo me disse: Do que te admi
iiiittt i me ilirigiu a palavra: Vem, vou ras? Vou te explicar o segredo da mu
i. hi.i .i m i a sentenza contra a grande lher e da fera que a sustenta, daquela
Iii.i .iiiul.t, entronizada entre múltiplos que tem sete cabegas e dez chifres. 8A

11 11, 1K- 20), e um granizo devastador em casos se refere á sedugáo do comércio ou


, uní Hitas e montanhas” sao pilares do do poder. A prostituido consiste aqui em
mni tu l o (cf. SI 65,7 e Eclo 43,23). Um ta- induzir com agrados á idolatría: “de seu
I, itlii pesa uns trinta quilos. vinho bebiam as nagóes e se perturbavam”
(Jr 51,7); ver também Hab 2,15; o poder
17 18 É curioso e significativo o pro- imperial seduz e corrompe vassalos e sú-
. i v,o regular que, por vontade do autor, ditos. Cidade de canais: Jr 51,13; SI 137,1.
i», ités personagens hostis seguem: urna Essa prostituta se contrapóe a esposa do
i lupa de poder, uma derrota ou revés, se Cordeiro, 21,9s.
trla/.em por um momento, até a derrota 17.2 *Ou: correntes caudalosas.
ilrUnitiva. Isso vale para o dragáo, a pri­ 17.3 O deserto como lugar desabitado,
me- ¡ra fera e o novo personagem destes morada de feras (Is 13,19-22; Jr 51,29.43).
ilois capítulos, que sao dedicados ao jul- A fera de Dn 7,8; Ap 13,1. Os títulos blas­
I'.miento, condenado, execucjáo e lamen­ femos: Dn 7,25.
tado da Grande Prostituta. E a Babilonia 17.4 Figura de Iuxo suntuoso (Jr 4,30),
histórica que arrasou Jerusalém, é a Roma com as cores imperiais, com as quais con­
do culto imperial e feroz perseguidora dos trastará o branco do cavalo e do cavaleiro
eristáos. E emblema de qualquer cidade vencedores. As pedras preciosas: Ez 28,13;
ou poder, de qualquer época, que se opóe a taga de ouro: Jr 51,7.
ao plano divino de salvaqáo por Jesús Cris­ 17.5 O nome é misterioso ou simbóli­
to. O nome de Babilonia atrai textos de Jr co, porque Babilonia é Roma; a Grande:
50-51; o canto fúnebre inspira-se mais em Dn 4,27. Mae ou chefe, matriarca; para a
Ez 26-27. Quando o autor procura descre- expressáo, ver Gn 4,21-22.
ver em chave a figura de Roma, quando 17.6 Embriagar-se de sangue: descreve
salta da fera aos chifres, sucedc-lhe o que energicamente a perseguigáo sádica e de-
sucedeu a Daniel, que se perdeu em ale­ sapiedada.
gorías intelectuais pouco convincentes. 17.7 O anjo intérprete de visdes é recur­
so do género.
17,1-2 “Prostituta”: para o título póde­ 17,8-9 Babilonia existiu e deixou de
se ver Is 23,16s e Na 3,4: em ambos os existir (Jr 51,64) e volta a existir com o
APOCALIPSE 738

fera que viste existiu e já nao existe, centou: Os canais que viste, onde c 1 1
porém subirá do A bism o para ser ani­ entronizada a prostituta, sao povos, muli >
quilada. Os habitantes da térra, cujos dóes, nagóes e línguas. IfiOs dez chiln
nomes nao estáo escritos desde o prin­ que viste e a fera detestaráo a prosi i111
cipio do m undo no livro da vida, fica- ta, iráo deixá-la arrasada e nua, com n i*i
ráo assombrados ao ver que a fera exis­ sua carne e a queimaráo. 17Porque Den»,
tiu e já nao existe e irá se apresentar. para executar seu designio, os mov< u,
9Aqui é preciso talento do perspicaz! harmonizando propósitos e submeten
As sete caberas sao sete colinas sobre do os reinos deles à fera, até que se cu 111
as quais está entronizada a mulher. Sao pram os planos de Deus. I8A mulher qm
também sete reis: 10cinco caíram, um viste é a grande capital, soberana d>’
está reinando, outro aínda nao chegou; reis do mundo.
quando vier, durará pouco. n A fera que
existia e já nao existe ocupa o oitavo Q ueda de B abilonia— 'Depoi
lugar, embora seja um dos sete, e será vi descerdo céu outro anjo, coni
destruido. 12Os dez chifres que viste sao grande autoridade, e a terra ficou ilumi
dez reis que ainda nao reinam; mas du­ nada com seu resplendor. 2Gritou com
rante urna hora partilharáo a autorida- voz potente: Caiu, caiu a Grande Ba
de com a fera. Tém um único propó­ bilònia! Tornou-se moradia de dernó
sito e submetem sua autoridade á fera. nios, abrigo de toda espécie de espiri
14Lutaráo contra o Cordeiro, porém o tos imundos, abrigo de toda espécie di
Cordeiro os derrotará, porque é Senhor aves impuras e nojentas, 3porque do vi
dos senhores e Rei dos reis, e os que ele nho furioso de sua fom icagáo beberam
chamou sao escolhidos e leáis. 15Acres- todas as nagóes, e os reis do mundo

nome de Roma. E repetirá esse ciclo na 17,12 Os dez reis nao representam per-
historia, saindo cada vez do abismo da sonagens históricos, mas a grande coali-
perversáo. As “sete colinas” identificam záo internacional que se prepara para o
Roma. Alguns véem nessa expressáo co­ assalto final, e a derrota (cf. Ez 38—39).
dificada urna alusáo á lenda de um Ñero Porque seráo derrotados pelo “Rei dos reis”.
redivivo que voltaria a reger o império de 17,14 Para o título: Dt 10,17; Dn 2,47;
Roma. Por outro lado, a expressáo ternaria SI 136,3.
“existiu-náo existe-voltará” soa a parodia 17,16-17 Os antigos aliados se tomaráo
do título divino de 1,4 e pode recordar o hostis, os servidores se transformarao em
esquema pascal de Jo 16,16: a fera, triste executores. Váo deixá-la nua, para a ver-
arremedo de Deus e de Cristo. gonha pública: Ez 16,37; Is 47.
17,10-11 Também nestes vv. tem-se
exercitado “o talento” dos comentaristas. 18 Inspirado em Ez 27-28 e com remi­
Sao estas as suas perguntas: o número sete niscencias de outros profetas, este capítulo
significa urna totalidade coletiva ou indi­ anuncia e canta a queda de Babilonia. Co-
ca figuras individuáis? No segundo caso, mega com o anúncio e continua com a sen-
com que reis romanos devem ser identifi­ tenga, vv. 1-8; seguem-se très lamentaçôes:
cados os sete? Quem é o sexto reinante? dos reis, w . 9-10, dos comerciantes, w . 11-
Quem é o oitavo? Nao se encontrou res- 17a, dos marinheiros, w . 17b-19; concluí
posta satisfatória. O oitavo é como urna com urna açâo simbólica e sua explicaçâo.
encamagáo da maldade, o grande agente 18,1-2 Unj anjo de esplendor celestial (Ez
de Satanás. O importante e claro, nesse 43,2) dá a noticia a todo o mundo, anteci-
artificio alusivo, é que todos se p5em de pando o que Is 21 reserva va para o final. A
acordo em lutar contra o Cordeiro. Os cris- capital orgulhosa era guarida de demonios
táos da época e de todos os tempos nao (Is 13,21; 34,11-14; Jr 50,39); pode referir­
devem espantar-se, antes, devem estar con­ se aos ídolos.
vencidos de que o Cordeiro é o verdadei- 18,3 A fornicadora do capítulo preceden­
ro senhor da historia. te, cf. Is 23,17. Detém-se nos aspectos ne-
ti <11 739 APOCALIPSE

i.... i.......ni i din cía, c os com erciantes arom áticas, objetos de m arfim , obje­
in I<IHII<I<I •.<- cnriqueceram com seu tos de m adeiras preciosas, de bronze,
Iii.h i ni Iumi 'Ouvi outra voz celeste ferro e m árm ore, 13canela e especia­
11h <11, i,i 1’iivo mcu, sai déla, para nao rías, perfum es, m irra e incensó, vinho
ni. .. uinplKcs de seus pecados e nao e óleo, flor de farinha e trigo, vacas e
...l i. i* I■ . m u s castigos. 5Porque seus ovelhas, cavalos, carros, escravas e
i...... i . .i amontoam até o céu, e o Se- escravos. u O lucro que cobiqavas fu-
<•)!• <i i< ni presentes seus crim es. 6Pa- giu de ti, perdeste teu refinam ento e
,( ii IIh i mu a mesma moeda, dai-lhe o esplendor, e nao voltarás a encontrá-los.
i'.i in | i t suasaqóes; a taga em que pre- 15Os comerciantes desses produtos, que
Imi11 *11 -.iias misturas, enchei-a o dobro se enriqueciam com ela, se manteráo
>.«in i ln. 'quanto foi seu fausto e seu ao longe por m edo de seus torm entos,
Iiiki. i la i Ihe em castigo e torm ento. choraráo e ficaráo de luto, 16dizendo:
I ii/ui .i si mesma: Tenho um trono de A i, ai da grande cidade, que se vestía
i.iinli.i, nao ficarei viúva nem sofrerei de linho, púrpura e escaríate, que se
l<mui,oes. Kl’or isso, num dia lhe chega- adornava com ouro, pedras preciosas
i.ti i M í a s pragas: matanga, luto e fome, e pérolas! 17Tanta riqueza arrasada
< n imcndiarao; porque o Senhor Deus num a hora.
<|ur a condena é poderoso. Todos os pilotos e navegadores, ma-
Tur cía os reis da térra que com ela rinheiros e trabalhadores do m ar fica­
Immcararn e se deram ao luxo chora- ráo longe e, ao verem a fumaqa do seu
i ai i c la rao luto, quando virem a fumaba incendio, 18gritaráo: Quem era como
11<i seii incendio, *°e de longe, por medo a grande cidade? I9Jogaráo pó na ca­
■lo seu torm ento, diráo: Ai, ai da gran­ b era, choraráo e ficaráo de luto, gri­
de cidade, Babilonia, a poderosa, pois tando: Ai, ai da grande cidade, de cuja
mima hora se cum priu tua sentenga! abundancia se enriqueciam todos os
"O s com erciantes da térra choraráo que navegam pelo mar, pois numa hora
r laráo luto por ela, porque ninguém foi arrasada! 20A legrai-vos por ela,
mais compra sua m ercadoria: 12ouro e céus, santos, apóstalos e profetas, por­
piala, pedras preciosas e pérolas, linho que, ao condená-la, Deus fez justiga
e púrpura, seda e escaríate, m adeiras para vós.

cativos do comércio imperial: luxo osten- 18.9 Comeqa a lam entado dos reis, co­
M voeenriquecim ento de alguns. OAT em merciantes e marinheiros, inspirada em Is
Heral nao olha com bons olhos a profissáo 23,1-2; Ez 26,16-18; 27,12-24.30-36.
ile com erciante, mas veja-se a avaliagao 18.10 Babilonia incendiada é como ou­
de Pr 31. tra Sodoma, ao passo que Jeremías a des-
18.4 Convite para sair: em sentido pro­ crevia submergida pelas águas.
prio (Jr 51,6-9) e em sentido metafórico 18,12-13 Compare-se com a grande enu­
para os cristaos (2Cor 6,17). Assim se li- m erado de Tiro (Ez 27,12-24). Encerran­
vraráo da cumplicidade e do castigo. do a lista, o comércio brutal de escravos,
18.5 Os pecados acumulados atingem o base desumana do luxo imperial.
limite do tolerável: cf. Gn 15,16. 18,14 Pode-se comparar com os ais de
18.6 Devolvei-lhe: segundo a lei do ta- Hab 2,6-13. O “lucro” da colheita com­
liáo, e até mesmo o dobro: SI 137,8; cf. Jr pleta, referida pelo termo grego.
16,18; Is 40,2; porque se excedeu na cruel- 18,20 O castigo do tirano opressor e
dade. Segundo 2Sm 12,4, o culpado deve impenitente é libertado de suas vítimas.
pagar o quàdruplo. E vice-versa, a libertario do inocente exi­
18.7 Inspirado diretamente em Is 47, que ge o castigo do culpado impenitente. Con­
apresenta Babilonia como matrona sober- denar é fazer justiga, é livrar. Urna aqño
ba e humilhada. digna de ser aclamada (Is 44,23; 49,13).
18.8 Correspondem à destruigao histó­ Essa alegría contrasta com o pranto das
rica de Jerusalém (2Rs 25). lam entares precedentes.
APOCALIPSE 740

21Depois, um anjo poderoso levantou Porque sentenciou a grande pro.iiim .


urna pedra com o urna roda de moinho que corrompeu o mundo com su r i. ..
e a arremessou ao mar, dizendo: Assim nicagóes, e pediu-lhe contas do s:ui|-n,
será arremessada com ímpeto Babilo­ dos servos dele. 3E repetiram: A lilm v
nia, a grande cidade, e nao será mais en­ A fumaga déla sobe pelos séculos . i-
contrada. 22Náo se ouvirá nela som de séculos. 4Os vinte e quatro anciáos i <i|
cítaras, cantores, flautistas e trombetas; quatro seres vivos se prostraram e a . i , .
nao haverá ai artesáos de nenhuma es- raram o Deus sentado no trono, c di
pécie; nao se ouvirá em ti o barulho do seram: Amém, aleluia!
moinho, 23nem brilhará em ti a luz da
lámpada, nem se ouvirá em ti a voz do O casam ento do C ordeiro — 5D<> in •
noivo e da noiva. Teus mercadores eram no saiu urna voz que dizia: Louvai n
os grandes da térra, com tuas feitiga- nosso Deus, todos os seus servos e fie i .
rias se extraviaram todas as nagoes, pequeños e grandes. 6E escutei um m
24nela foi descoberto o sangue de pro­ m or como de um a grande multidan.
fetas e santos e de todos os assassina- como barulho de águas torrenciais, co
dos no mundo. mo fragor de trovoes muito fortes: la
reina o Senhor, Deus nosso Todo-pode
'D epois, escutei no céu um ba­ roso. 7Vamos fazer-lhe festa alegre, dan
rulho com o de urna grande mul- do-lhe gloria, porque chegou o casamen
tidáo que dizia: Aleluia! Ao nosso Deus to do Cordeiro, e a noiva está pronta. !í
cabem a vitória, a gloria e o poder, 2por- a vestiram de linho puro resplandecenl<
que sao justas e certas suas sentencas. (o linho sao as boas obras dos santos).

18,21 Repete-se o rito simbólico de Jr 21 Derrota dos inimigos e suas conseqüén


51,63-64; depois do qual tudo emudece (Is cias. 20,1-10 O Cordeiro reina mil anos
24,8), em particular “a voz dos noivos” que com os seus. 20,11-15 Julgamento dos
expressa a alegría do amor e a fecundidade mortos. 21,1-8 A nova criagáo. 21,9-22,5
(Jr 16,9; 25,1); lampada e moinho evocam A nova Jerusalém: cidade e noiva.
a alegría e a paz da vida doméstica. 19,5-9 O símbolo matrimonial do Se­
18,24 O sangue derramado clama ao céu nhor (Yhwh) com Jerusalém (= comuni-
(Gn 4,10; Ez 24,7). dade) é freqüente no AT. Dois textos nos
interessam especialmente, porque cantam
19,1-4 Á lamen tagáo fúnebre faz eco, o casamento de um rei vencedor por amor:
numa liturgia celeste, a aclamagáo dos sal­ Is 62,1-9 e SI 45: este é o esquema que
vos. Com tragos de SI 29,1-2; 79,10; Is nosso autor segue. Mt 22,1 propóe a pará­
34,10; Dt 32,43; SI 47,9. “Contas do san­ bola de um “rei que celebrava o casamen­
gue”: responde ao próximo 18,24 e ao cla­ to de seu filho”; Le 14,15 chama bem-
mor dos assassinados de 6,10; ver SI 79,10. aventurados os convidados ao banquete do
19,5 Babilonia foi aniquilada por suas Reino.
culpas. Mas, quem foi o vencedor? Quan- Soa uma voz anònima que pronuncia em
do se deu a batalha? Que aconteceu com nome de Deus o invitatòrio de um hiño. A
os guerreiros e os mortos? Que sucederá introdugáo (w . 5-6) volta a tomar dados
depois? de Ez 1,24 e SI 115,13. Depois que o reí, o
Sem seguir a ordem cronológica, repe- Senhor Deus Todo-poderoso, sentou-se no
tindo e sobrepondo dados, o autor vai com­ trono, anuncia-se concisamente o casa­
pletar suas visoes em chave gloriosa. A mento (do Filho). Embora a noiva “esteja
ordem aproximada da disposigáo do ma­ preparada” e vestida (cf. Is 61,10), a ceri­
terial é a seguinte: 19,5—22,5 Sete visoes mònia fica em suspenso até o cap. 21. Em
da batalha e da vitória final: 19,5-10 Anun- substituigao, escutamos uma das sete bem-
cia-se o casamento do Cordeiro (com a aventurangas do livro, esta última dirigida
nova Jerusalém); 19,11-19 O Cordeiro aos convidados para o clàssico banquete.
cavaleiro e seu exército. A batalha. 19,20- As sete bem-aventurangas se léem em 1,3;
741 A P O C A L IP S E

I.......li me tlis.se: Escreve: Felizes os vado um nome que ninguém conhece,


...... icLulos para o casam ento do Cor­ exceto ele. 13Envolve-se num manto
ti ini I acrescentou: Sào palavras au- empapado de sangue. Seu nome é: Pa­
ipiiUi iis de Deus. 10Eu caí a seus pés lavra de Deus. 14As tropas celestes o
i in mluragào. Mas eie me disse: Nào o seguem cavalgando cavalos brancos,
S d i i servo corno t u e corno teus vestidas de linho de brancura resplan-
li inni is (|iie mantèm o testemunho de decente. 15De sua boca sai urna espada
I. ni'. A Deus deves adorar. (O teste- afiada para ferir as naqóes. Ele as apas-
iniiiilio de Jesus é o espirito profètico.) centará com vara de ferro e pisará o la­
gar do vinho da cólera da ira do Deus
I>i nvulciro vitorioso (1,14-16; 6,2) — Todo-poderoso. 16No manto e sobre a
"Vi o céu aberto, e ai um cavalo bran- coxa traz escrito um título: Reí dos reís
i o Suu cavaleiro se chama Fiel e Ve- e Senhor dos senhores.
iii/. .Insto no gov ern o e na guerra. 17Vi um anjo de pé sobre o sol, que
l 'Seus olhos sào cham as de fogo, na gritava a todas as aves que voam pelo
■iili(\-a tem muitos diademas. Tem gra- céu: Vinde, reuní-vos para o grande

I 1,13; 19,9; 20,6; 22,7; 22,14 (adensam- lhe dá. A “espada afiada” (Is 49,2; Ez
uc no final). 21,14-21 num cántico á espada) é a sen-
19,10 O breve episòdio transforma sig- tenga que pronuncia e que é eficaz; espa­
mlicativamente um detalhe de Dn 8,17. O da de execugáo. Lemos em Sb 18,15-16:
vidente caiu “espantado de brugos” diante “Tua palavra todo-poderosa langou-se
ilo unjo. O autor de Ap acrescenta o gesto como guerreiro inexorável... trazendo a
de “adoragáo”, que lhe serve para subli- espada afiada de tua ordem irrevogável”.
iihar que a visào inteira procede de Deus e A “vara” (ou cetro) de ferro” é a do Ungi­
c “autèntica” (diz Dn 8,26); nào parece do do Senhor (SI 2,9). “Pisar o lagar” (Is
eonter urna ponta polèmica contra a vene- 63,3) toma o mosto como imagem de san­
mgào dos anjos (CI 2,18). gue numa descrigáo violenta: “seu sangue
19.11-21 Deixando pendente o casa­ salpicou minhas vestes”. O título se lé em
mento, passa a descrever a guerra, da qual Dn 2,47.
so nos apresenta o exército vencedor e as A guerra desse parágrafo é transposigáo
eonseqiièncias da derrota. metafórica com a qual o autor quer evocar
19.11-16 A apresentagào do generai é a violencia da perseguigáo e a seguranga
quase um florilègio de frases do AT. O “céu da vitória: o capitáo já náo cavalga um
aberto” (Ez 1,1) vai mostrar urna visào. O humilde jumento (Mt 21,1-11). Essa co-
cavaleiro “Fiel, Veraz e Justo”: SI 45,5 diz lossal batalha de valores e projetos, trava-
“cavalga vitorioso pela verdade e pela jus- da no mais profundo dos homens e das
tiga”. “Justo no governo”: como o descre- sociedades, no cenário da historia, toma
ve o SI 72 e o anuncia o SI 98,13 “regerá o na superficie poética a figura de urna vitó­
universo com justiga”. Os “olhos como ria militar.
chamas de fogo” procedem do personagem 19,12 O nome que ninguém conhece
magnifico e impressionante de Dn 10,6. alude ao mistério transcendente da sua
O “manto empapado de sangue” (Is 63,3) pessoa.
é o do vencedor que volta da guerra e diz 19,17-21 A ordem náo é rigorosa, pois a
“eu que sentencio com justiga e sou pode­ mobilizagáo (SI 2,2; Zc 14,2) está pospos­
roso para salvar”. IJm séquito de seus ta. O anjo está “sobre o sol”, e daí convo­
fiéis o segue (compare-se com Is 13). ca as aves que voam pelo céu = ar, debai-
O cavaleiro é a mesma pessoa que a fi­ xo do sol. Diante do banquete “ditoso” do
gura do comedo, como mostram seus atri­ casamento, oferece-se outro festim maca­
butos partilhados: compare-se 3,14 com bro, tomado de Ez 39,17-20 (cf. Sf 1,7-8).
19,11; 1,14 com 19,12; 1,16 com 19,15; Os mortos nessa batalha nao recebem se­
17,14 com 19,16 e também 12,5 com pultura honrosa, mas servem de pasto as
19,15. “Palavra” é o nome que Jo 1,1.14 aves necrófagas.
APOCALIPSE 742

banquete de Deus. lí!Com ereis carne de O milenio — 'V i um an|o i


reis, carne de generáis, carne de pode­ descia do céu com a d i a v i >I*J
rosos, carne de cavalos com seus cava- Abismo e urna enorme correnti i l u i h
leiros, carne de livres e escravos, de 2Agarrou o dragáo, a serpente .........
pequeños e grandes. 19Vi que a fera e va, que é o Diabo e Satanás, o ......
os reis da térra com suas tropas se reu- rentou por mil a n o s3e o arremes:.<ni m
niam para lutar contra o cavaleiro e sua Abismo. Fechou e selou por fo n pn*
tropa. 2I,A fera caiu prisioneira, e com que nao extravie as na§óes, até qm .
ela o falso profeta que, realizando si- cumpram os mil anos. Depois, sei a -.ni
nais na presenqa déla, enganava os que to por breve tempo.
aceitavam a marca da fera e os que ado- Vi uns tronos, e sentados nelc.
ravam sua imagem. Os dois foram lan­ encarregados de julgar; e as alma . 1
zados vivos no fosso de fogo e enxofre que haviam sido decapitados por can-..i
ardente. 21Os outros foram executados do testem unho de Jesus e da palavi.i <l<
com a espada que sai da boca do cava­ Deus, os que nào adoraram a fera n< n
leiro. E todas as aves se fartaram com sua imagem, os que nao aceitaram su i
as carnes déla. m arca nem na fronte nem na máo. Vi

Outro resultado da vitória é a captura imaginativa, no estilo dos velhos profel.i


dos responsáveis principáis (falta por ora Outros pensam que se refere a urna era ili
o supremo): a fera (marinha) e o falso pro­ paz depois da era das perseguiqóes crum
feta (ou fera terrestre, cap. 13). Sao con­ tas; os mártires se associam agora ao rci
denados á morte (cf. Js 10,22-27) e exe­ nado do Messias.
cutados no suplicio, urna variante da Com sua morte e ressurreiQáo, Jesir
Geena. Ver Dn 7,11: “mataram a fera, a Cristo, que é o mais forte (Mt 12,29 par )
esquartejaram e langaram-na aofogo”; e derrotou Satanás (Le 10,18; 11,21 par.)
a grande pira de Is 30,33. Os que sao fiéis a Cristo reduzem o Diabo
á impotencia. Os mártires inclusive parti
20,1-10 Agora é a vez do principal res- cipam do julgamento que o condena. Os
ponsável, do dragáo com seus diversos fiéis a Cristo já participam da nova vida
nomes ou títulos: a serpente sedutora e do Senhor, já gozam da “primeira ressur-
venenosa, o Diabo caluniador, o Sata an­ re¡5 áo”, já reinam e oficiam como sacer­
tagonista. Mas aqui o autor realiza urna dotes com o Messias. Mil anos é o tempo
difícil operado, separando em segmentos da Igreja (Adao viveu só 930 anos, Gn 5,5),
temporais o que nós separaríamos em pla­ que é um dia de Deus (SI 90,4).
nos espaciais ou em “dimensóes”. Nós di- Ao mesmo tempo, o Diabo tem poder
zemos que o homem “no fundo, na raiz” é sobre os que se deixam seduzir (Gn 3; 2Cor
egoísta e por isso mau (símbolo espacial); 11,3) e prossegue sua batalha (Ap 12,17).
o hebraico diz que é mau “de nascenga” Mas também para o dragáo chegará a sua
(símbolo temporal). O autor diz que du­ hora final, sua derrota definitiva, seu cas­
rante mil anos o dragáo estará agrilhoado tigo com seus agentes.
e que depois terá liberdade de aqáo por um 2 0 , 1-2 A “chave” com que se abriu para
tempo (segmentos temporais simbólicos); dar saída aos monstros (9,ls), agora os
nós diríamos que num plano é impotente encarcera. “Serpente primitiva”: porque
e em outro plano é poderoso. Qualquer esteve presente já no paraíso (Gn 3,1-2).
intento de milenarismo fica sem apoio de Acorrentou-o: 2Pd 2,4.
antemáo (ver o jogo temporal de Dn 7,25- 2 0 . 3 Fechou e selou: em chave históri­
26). De resto, tudo se contempla numa vi- ca Js 10,18-19; em chave escatológica, Is
sáo celeste, de caráter parabólico. 24,22.
Autores antigos tomaram ao pé da letra 2 0 . 4 Os “tronos” ou assentos do tribu­
o milenio, e em tempos posteriores a idéia nal (Dn 7,9.22). As “almas” é um modo
fez apariqóes esporádicas. Alguns moder­ de dizer que estáo vivos (“as vidas dos
nos o tomam como profecía em linguagem mártires” = os mártires vivos).
h ■ 743 APOCALIPSE

,! i-iiii < c 111.it .un o>m u Mcssias por O ju lg a m e n to (14,14-20) — u Vi um


mil .... 1 1 mitins morios nao revi- trono grande e branco, e nele alguém
• i ....... i....... i (ussasscm os mil anos. sentado. De sua presenta fugiram a tér­
I i . , ii. .ni ii'nv.u> pr'iincira. (’Feliz e ra e o céu sem deixar rastro. 12Vi os
...i . . 111. ni | i.i 11 u ipa da ressurreigño mortos, grandes e pequeños, de pé dian­
! mi.. H i \ ni. ii le segunda nao terá po- te do trono. Abriram-se os livros, e abriu-
i i ..i.i. i |. mas scráo sacerdotes de se também o livro da vida. Os mortos
ti, M . ilii M i'.sias, e reinaráo com ele foram julgados por suas obras, segun­
mil .... I’.r.satlos os mil anos, solta- do o que estava escrito nos livros. 130
I I , iim i <l.i pusao, 8e sairá para ex- m ar devolveu seus mortos. Morte e Ha­
11.1 i ii ,i . n.H.oi-s nas quatro partes do des devolveram seus mortos, e cada um
....... i., i Magog. Irá reuni-los pa- foi julgado segundo suas obras. ,4Mor-
, i . i. ii illi.i. inumcráveis com o a areia te e Hades foram arrem essados ao fos­
i - ni ii A\.mi.aiao sobre a superficie so de fogo (esta é a morte segunda, o
i i i n i . . n i aiao a fortaleza dos san- fosso de fogo). l5Quem nao estiver ins­
. . amada. Caiu um raio do crito no livro da vida-será arremessado
.......... . misumiu. l(lO Diabo que os ao fosso de fogo.
- n, ni u i luí arremessado ao fosso de
i i ....... yolic, com a fera e o falso pro- Novo céu e nova té rra — 'Vi um
1.1 i . i.iu atorm entados dia e noite céu novo e urna térra nova. O pri-
i • I., .i 111os (los séculos. meiro céu e a primeira térra desapare-

.'II '...Iiii a icssurreigáo consulte-se Jo 20.11 “Alguém sentado”: poderia ser o


..... . m ontexto. O livro fala da scgun- Mcssias, segundo At 10,42; 17,31; 2Cor
l . ni. ni. , n.i. i de urna segunda ressurreigào. 5,10 etc.; é mais provável que seja Deus,
\ •.( finida morte é a que frustra segundo Mt 18,35; Rm 14,10; a nao ser
i. Iiiiiii\ .miente o destino à imortalidade. que prefiramos a fórmula de Rm 2,16 “por
, Hi nlnlrs”, como Ex 19,6 enuncia e Is meio de Jesús Cristo, Deus julgará”. “Céu
i. i i. unnici.i 1 sta é a quinta bem-aven- e térra” sao as testemunhas notaríais clás-
.......... di i livro. sicas de Deus (Dt 32,1; Is 1,2; SI 50,4):
.'(I H No original (Ez 38), Gog é o rei e aquí se retiram e deixam só o juiz, que cria­
i I i| ..|. .ni territòrio; ver porém Gn 10,2; rá outros novos (21,1).
ti i '..I 20.12 Há uns livros nos quais se regis­
/(l.'i "l'crcorrerá a vastidào da terra tra a conduta, boa ou má, e há um livro da
, ,'/i,/instando populagóes que nao sao vida (Ex 32,32; Ap 3,5) que registra os que
■n,r. (II.ib 1,7). “Os Santos ou consagra- alcangaráo seu destino á imortalidade. O
i.. io Altissimo” é o título que Daniel dá julgamento se faz segundo as obras (Pr
.... i.i ivi i (l)n 7,23-27), no contexto do jul- 24,12; Jo 5,28-29).
i......tu e da aniquilado da quarta fera. 20.13 O mar devolve seus mortos: sao
i li,ima a cidade “a Amada” ou “a Predi- os náufragos e afogados, nao sepultados
l ii ili 11,15; 12,7; SI 87). No título reapa- em térra; ou entáo segue a representado
............imbolo matrimonial já anunciado. de um mar subterráneo confinante com o
I . | iivialmente significativo Sf 3,17- Xeol (cf. Jn 2,3.7).
1 |...i(|iie junta vitória, reinado e amor: 20.14 O Hades é o reino ou lugar dos
i 1 '.. nlnir é dentro de ti um soldado vito- mortos, a Morte é seu senhor supremo (cf.
i/.mi i/iic exulta e se alegra contigo, re­ SI 49,15-16). A Morte é, segundo Paulo,
tí, .i ,ui,lo seu amor". O raio: 2Rs 1,10. “o último inimigo” (ICor 15,26). Será con­
.’0 1115 Chega o julgamento final dos denado ao fogo. Segundo Hb 2,14, “o Dia­
minio'., inspiradoem Dn 7,10para os livros bo tinha dominio sobre a morte”.
.1.. |nl|'..miento,em Dn 12,2 paraocompa-
.......... dos mortos. O autor acreseenta, 21,1 Ficou desimpedido o espago para
.1. .na colheita, outros detalhes interessan- o novo universo, a nova criadlo, e para
i. mi enigmáticos. celebrar o casamento do Cordeiro. O uni-
APOCALIPSE 744

ceram, o mar já nao existe. 2Vi a cidade cial da vida. 70 vencedor terá tud. >n>m
santa, a nova Jerusalém, descendo do em heraneja. Eu serei o seu Den i , U
céu, de junto de Deus, preparada como será meu filho. 8Ao contràrio, os <.m n|
noiva que se apronta para o noivo. des e infiéis, os depravados e assan n '
3Ouvi urna voz potente que saía do tro­ nos, os fornicadores e feiticein>v >tl
no: Eis a morada de Deus entre os ho- idólatras e mentirosos de toda espei i ||
mens: habitará com eles; eles seráo seus teráo sua parte no fosso de fogo c c n.
povos, e o próprio Deus estará com eles. xofre ardente (que é a morte según.1 11
Enxugará as lágrim as de seus olhos.
Já nao haverá morte nem luto nem cla­ A nova Jerusalém (Is 54,1 ls; 60,10 I:
mor nem dor. Tudo o que é antigo pas- Ez 40-48; Tb 13,17s)— 9Aproxim< -1 *
sou. 5A quele que estava sentado no tro­ um dos sete anjos que tinham as s e l.
no disse: Eis que renovo o universo. E ta^as cheias das últimas pragas, e rn>
acrescentou: Escreve, estas minhas pa- disse: Vem, vou te m ostrar a noiva >
lavras sao verdadeiras e fidedignas. 6E esposa do Cordeiro.
me disse: A cabou. Eu sou o alfa e o °Transportou-me em éxtase a unía
ómega, o principio e o fim. Ao sedento grande e elevada m ontanha, e me mus
darei de beber gratuitamente do manan- trou a cidade santa, Jerusalém, que des

verso é descrito com traços conjugados: “principio e fim” (1,8), o alfabeto inteiro
auséncia de males, presença de bens. A de tudo quanto se possa nomear (Is 44,6,
noiva é Jerusalém, quer dizer, mulher e 48,12). “Dá a beber de graga” (Is 55,1): só
cidade, formosa e feliz. O autor dedica exige que tenham sede do manancial da
mais espaço para descrevê-la como cida­ vida (Jo 7,37; cf. Jr 2,13; Ez 47).
de, mas o leitor nâo há de perder de vista 21.7 Combina apertadamente duas me
o contexto conjugal do amor (que ressoa- tades, deixando que ressoem por harmonía
rá com força no final). O antecedente de as outras duas tácitas: Eu serei seu Deus
Is 40-66 é significativo, porque o texto (e seu Pai), ele será meu filho (e meu povo);
combina e sintetiza sem dificuldade am­ restrito no caso do reí (SI 2,7; 89,27-28).
bos os aspectos: p. ex. em 49,14-26 se fala O tema da heranga, frequente no AT, se le
de esposa, màe e escombros; em 54,1-10 também no NT: ICor 15,50; lPd 1,3-5.
o diálogo amoroso menciona “o espaço da 21.8 Este v. se enquadraria melhor no
tenda”; no capítulo 60, Jerusalém é ma­ final do cap. 20; mas veja-se 22,15. Sus-
trona e cidade etc. peitamos urna distragáo do copista; a nao
O novo universo anunciado: ver Is 65,17 ser que se trate de um sentimento como o
e 66,22 com seus contextos: o humano pre­ que prorrompe no final do SI 104.
domina sobre o cósmico; com outras pala-
vras, o centro é a nova humanidade. O mar 21 ,9 -2 2 ,5 Descrigáo da noiva-cidade:
que desaparece é o océano primordial, caó­ inspirada em grande parte na última segáo
tico e rebelde (SI 74,13-14; 93,3-4 par.). de Ezequiel 40-48.
21.2 A cidade é a noiva ornada que se 21.9 Este v. é muito importante. Avisa-
anuncia em 19,7 (cf. Is 52,1; 61,10). “Des­ nos que a minuciosa e fantástica descri­
ee”, porque a noiva é tradicionalmente con- b o da cidade é a visáo da noiva, a “espo­
duzida ao noivo que a espera (cf. SI 45). sa do Cordeiro” (Jo 3,29). Esse dado nao
21.3 Pelo amor do Cordeiro à nova Je­ se le em Ezequiel. Nao faltam no Càntico
rusalém, Deus habita entre os homens, e dos Cánticos imagens da amada como ci­
os homens com ele (Lv 26,11-12 par.). dade: “bela como Tersa, formosa como
21.4 Nem morte nem lágrimas: como se Jerusalém” (6,4); “teu pescogo é a torre
anuncia na escatologia de Is 25,8 (também de Davi” (4,4); “sou urna muralha, e meus
Is 65,19 e 35,10 no canto à alegría). seios sao torres” (8,10).
21.5 A renovaçào: 2Cor 5,17. 21.10 Ezequiel é conduzido à cidade que
21.6 O resto, a historia trabálhosa e agi­ está sobre a montanha (Ez 40,2-3); nosso au­
tada, passou e acabou. Abrangendo-a in- tor, do alto de urna montanha, a contempla
teira, historia e criaçâo, está aquele que é descendo do céu, porque é criaqáo de Deus.
Il 745 A P O C A L IP S E

1« .1... ih . .le juntode Deus, "resplan- mo de crisólito, o oitavo de berilo, o


■I.. i ni) i uni a gloria de Deus. Brilha- nono de topázio, o décimo de crisó-
- éi ......... |icdia preciosa, corno jaspe praso, o décimo primeiro de turquesa,
ii i lluni 1 l'inha m uralha grande e o décim o segundo de am etista. 2IAs
ili i • uni (In/e portas e doze anjos nas doze portas sao doze pérolas, cada por­
............. j’.ravados os nomes das doze ta urna única pérola. As rúas da cidade
min. il. I .i.icl. l;,Ao oriente, très por­ pavimentadas de ouro puro, límpido co­
li in n.nle, Irès portas; ao sul, très m o cristal. 22Náo vi nela nenhum tem ­
(...il i .in ocidente, très portas. 14A plo, porque o Senhor Deus Todo-pode­
...... illia d.i cidade tem doze pedras de roso e o Cordeiro sao o seu templo. 23A
ili.......-, (|iie trazem os nomes dos doze cidade nao precisa que o sol a ilumine
.I . ii.liis do Cordeiro. 15Aquele que nem a lúa, porque a gloria de Deus a
i il r i 11 imigo tinha urna cana de ouro ilum ina, e sua lámpada é o Cordeiro.
|. ii i iiicilu, a firn de medir a cidade, as 24Á sua luz caminharáo as nacoes, e os
........ i- a muralha. 16A cidade tem um reis ao seu esplendor. 25Suas portas nao
n i. 1.1.11 |iiadrangular, largura e compri­ se fecharáo de dia. A i nao haverá noite.
mi ni.. i)Miais. l7Mediu a cidade com a 26Iráo trazer-lhe a riqueza e o fausto das
. .um ilo/c mi! estàdios: com prim ente, nagoes. 27Nada de profano nela entra­
I <ic 111.i c altura iguais. M ediu a m ura­ rá, nem depravados nem mentirosos;
li.,i . . iilo c quarenta e quatro còvados, entraráo somente os inscritos no livro
ii<i im-dilla humana que o anjo usava, da vida do Cordeiro.
"’i i inaici ial da muralha era de jaspe, a
. illude de ouro puro, limpido corno cris- 'E le me mostrou um rio de água
i il '■'< )-. alicerces da muralha da cida- viva, brilhante como cristal, que
.1. i .i.io adornados com pedras precio- brotava do trono de Deus e do Cordei­
i . ( ) prim eiro alicerce de jaspe, o ro. 2No meio da pra§a e nas margens
. l imilo de safira, o terceiro de calce­ do rio cresce a árvore da vida, que dá
li..... o quarto de esmeralda, 20o quin- fruto doze vezes, cada mes urna colhei-
i . i il. ('mix, o sexto de com alina, o séti- ta, e suas folhas sao medicináis para as

.’I I I Nao tem resplendor pròprio, mas 21,22-23 Acidade nao necessita de tem­
.. i. i che da glòria de Deus (cf. Br 5,1-4; plo, porque a enche a presenga de Deus e
'< in Ì.I8). de Jesús Cristo (cf. Jo 2,19-21). Tampouco
.’ I l .’-2 1 Parece interessar muito ao Bu­ precisa de “luz de lámpada” (cf. Ex 25,31-
rnì ,i muralha da cidade, com suas portas 30). Nem da luz dos dois luzeiros da cria-
il / IH,30-35) e alicerces, d isp o s ilo e gáo, pois será como a Jerusalém de Is 60,1-
m in i iais (Is 54,11-12), suas dimensòes 3.19-20: “nao terás mais o sol como luz
II 10,3-5). A cidade é um cubo perfeito do dia, nem o claráo da lúa te iluminará,
. . mil e duzentos km de lado. Estra­ porque o Senhor será a tua luz perpetua
nili. projeto de urbanistica! Mas é preciso 21,24 Cumpre-se perfeitamente a pro­
.. •.miar queocamarim do tempio (Sancta fecía de Is 2,5 e 60,11 sobre o monte.
■ nu tnrum) era um cubo perfeito de uns 21.26 O tesouro das nagóes: como em
i. inelros de lado e revestido de ouro SI 72,10-11, ao rei ideal; cf. Is 60.
IH1111 () cubo é considerado urna forma 21.27 Podem-se recordar as liturgias de
|n i leila, e a cidade é a Sancta sanctorum entrada (SI 15 e 24).
. c i r s i o . Nela impera o nùmero doze, de
11 il I. is e apóstolos (recordem-se os 144 mil 22,1-5 Diz o SI 36,10: “Porque em ti
.lo cap. 7): doze mil estàdios de lado, 144 está a fonte viva e tua luz nos faz ver a
( I x 12) cóvados a espessura da mura- luz”. E o que recolhem estes vv., embora
lli.i, doze pedras preciosas, que recordam com o risco de reincidir no motivo da luz.
c. do peitoral do sumo sacerdote (Ex A imagem do rio se inspira em Ez 47,1 -
te -21); doze anjos custodiam os aces- 12, sem descartar J1 4,18 nem Zc 14,8. Só
(cf. Gn 3,24). que as árvores ribeirinhas de Ezequiel se
A P O C A L IP S E 746

nagóes. 3A i nào haverá nada de m aldi­ ves adorar. 10E acrescentou: Nao piiitj
to. N ela se encontrará o trono de Deus des em segredo as palavras proli in u
e do Cordeiro. Seus servos o adorarào deste livro, pois o seu prazo està | m n t
4e verno seu rosto e trarao seu nome na mo. "Q ue o malvado continue em m,
fronte. 5A i nào haverá noite. Nào lhes maldade e o impuro em sua impim /a, h
farà falta a luz da làmpada nem a luz honrado em sua honradez e o saniti in
do sol, porque o Senhor Deus os ilumi­ sua pròpria santidade. 12Eu chegai i i I..
na, e reinaráo pelos séculos dos séculos. go com o pagamento, para dar a cada iun
o que suas obras merecem. 13Eu son ..
V inda de C risto — 6Ele me disse: Es­ alfa e o omega, o primeiro e o ùltimo, n
tas palavras sào verdadeiras e fidedig­ principio e o firn. '4Felizes os que lav.nn
nas. O Senhor, o Deus dos espiritos pro- suas vestes, pois terào à sua disposigli
féticos, enviou seu anjo para mostrar a a árvore da vida, e entrarào na cidiuli
seus servos o que deve acontecer em pelas portas. 15Ficaráo fora os sodomii.r,
breve. 7Eis que chego logo. Feliz aquele feiticeiros, fornicadores, assassinos, ido
que guarda as palavras proféticas deste latras, os que amam e praticam a meni n i
livro. I6Eu, Jesus, enviei meu anjo com ev,«
8Eu sou Joào, que ouviu e viu essas testemunho para vós a respeito das igrc
co isas. Ao escutar e ver, prostrei-me aos jas. Eu sou o rebento da linhagem de
pés do anjo que me mostrava isso, a firn Davi, o brilhante astro da manhà.
de adorà-lo. 9Mas eie me disse: Nào o 170 espirito e a noiva dizem: Vem!
fagas! Eu sou servo como tu e teus ir- Aquele que escuta diga: Vem! Quem tivci
màos, qs profetas, e os que guardam as sede venha, quem quiser receberà gra
palavras deste livro. E a Deus que de- tuitamente água de v id a .18— Admoesto

reduziram a urna única “árvore da vida” lo de 19,9-10. Na inferior predomina um


do paraíso recuperado (Gn 2,9). Sao ne- diálogo amoroso que prolonga o tema da
cessárias folhas medicináis nesse paraíso? noiva. Seja-me permitido separar as duas
22,4-5 “Veráo seu rosto”: o grande dese- linhas no comentário.
jo negado a Moisés (Ex 33,20), esperado pe­ Sobre o livro. As palavras estáo garan­
lo orante (SI 11,7; 17,15), prometido nu- tidas (19,9; 21,5). Épalavra profètica (1,1)
ma bem-aventuranga (Mt 5,8) e em 1Jo 3,2. mediada por um anjo, que representa mui-
“Nao haverá noite”, porque após os mil anos tos, é enviado pelo Deus dos “espíritos”
comegou o “dia único” (Zc 14,7). Todos os (Nm 27,16) proféticos (ICor 12,10; 14,32).
cidadáos reinaráo junto com o Senhor. 22,8-10 Joáo é o autor do livro e pode
22,6-20 Excetuando a saudagáo final, garantir que a origem deste nào é angélica,
dirigida aos destinatários do livro (1,3), o mas divina (cf. 19,10); escreveu como tes-
que resta se apresenta como um trancado temunha de tudo quanto viu e ouviu (cf. lJo
de dois temas, para nós desconcertante. 1,1-3). Ao contràrio de Daniel, nào deve
Um tema secundário se refere ao caráter selaro livro: os selos tinham sido rompidos
do livro e como deve ser tratado: ficaria (5,1-5) e o “livrinho” estava aberto (10,2).
bem como apéndice antes da saudagáo fi­ 22,16a O livro contém o testemunho de
nal. O outro tema é de suma importancia e Jesús (1,1; 5,5). O “rebento de Davi” é o
se refere á parusia ou vinda de Jesús Cris­ Messias, descendente legítimo e definiti­
to. E a mensagem final da esperanza, em vo (Is 11,1). “Astro da manhá”: possível
chave de amor e nostalgia. Gostaríamos alusào à profecía de Balaáo, lida em cha­
de separar os dois fios guiados por sua cor ve messiànica (Nm 24,17).
táo diferente. Nós o faremos primeiro num 22,18-19 Portanto, que ninguém ouse
esquema: acrescentar nem tirar nada do livro (Dt 4,2;
6 8-10 16a 18-19 13,1). Aos contraventores será aplicada a
7 11-15 16b-17 20 pena do taliáo.
Na linha superior há palavras de um Diálogo do amor. Vamos tomar como
anjo, de Jesús, de Joáo (o autor); é parale- referencia dois textos: a parábola de Mt
|l <i 747 APOCALIPSE

IM lini >ni' i ih i |t.iI i ' i .r. p i o l c l i c a s d e s - gao na árvore da vida e na cidade santa,
I» li i n Si iiI|Mm in ,ii u m m i a i n l g u m a que säo descritas neste livro.
i . . t .. I ii ii Un H m .i < i i i . i i . i a s p r a g a s 20A quele que testem unha tudo isso
M'iiiii iii -li 11vi *i l’Se a l g u c m tirar a l ­ diz: Sim, venho logo. Amém. Vem, Se­
pi ni im ■i il I <1.1 . | i . il. i vias p i o l c l i c a s d e s ­ nhor Jesus. 21A graqa do Senhor Jesus
ìi li i n I ii ii lli< I n . u à s u a p a r t i c i p a - esteja com todos vos. Amém.

S, I-13, em que dez virgens devem aguar­ “chego” responde a noiva movida pelo
dar o esposo: “Chega o noivo, sai a recebé- Espirito, que é amor: “vem”. Os que for-
ln!” O outro é a fórmula repetida quatro mam a comunidade pronunciam o unísso-
vr/.cs no livro de Jeremías, “a voz do es­ no “vem”. O esposo, a “testemunha” do
poso, a voz da esposa” (7,34; 16,9; 25,10; livro, responde “sim, venho”. E todos re-
13,11) e recolhida em Ap 18,23. petem simplesmente, apaixonadamente,
A noiva estava preparada (19,7; 21,9) e “Vem, senhor Jesús”. Ressoam no fundo
o noivo anuncia “chego logo” (v. 7). Que versículos do Cántico dos Cánticos: “Vem
os homens persistam em sua conduta (v. do Líbano... aproxima-te, entra... já estou
11), como anunciava Daniel (Dn 12,10), vindo” (Ct 4,8.16; 5,1). Assim termina o
pois ele chega em breve (v. 12) para retri­ Apocalipse e a nossa Biblia: com “a voz
buir (recordem-se os dois grupos de dez do esposo, a voz da esposa”, como come-
virgens). Misturam-se algumas apresenta- gou com a voz jubilosa do esposo (Gn
§óes (cf. Is 44,6 e 11,1), já usadas no livro 2,23), a voz que Joáo Batista escutou com
(1,3; 2,28; 7,14). Ao anúncio do noivo alegría (Jo 3,29).
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