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REVISTA DOS PETROLEIROS PR E SC 3

EDITORIAL

Há 15 anos um acidente de grande pro- sequelas nos trabalhadores que ficaram ex- “falha humana e descumprimento de procedi-
porção manchava de preto os rios Barigui e postos aos agentes químicos do petróleo, pois mentos operacionais.” Uma postura covarde.
Iguaçu e também a imagem da Petrobrás. atuaram na limpeza sem qualificação e equi- O relatório de uma comissão mista instaura-
Tudo o que o governo neoliberal de Fernando pamentos de proteção adequados. da pelo CREA-PR apontou as reais causas do
Henrique Cardoso semeou em relação à em- Uma sucessão de falhas em equipamen- vazamento e descartou totalmente a alegação
presa dava seus amargos frutos. O vazamento tos e situações de emergência aconteceram dos gestores.
de petróleo de um duto que liga o Terminal simultaneamente e tardaram a detecção do Esta edição especial da Revista dos
de São Francisco do Sul à Repar deixou a vazamento. O efetivo de trabalhadores ex- Petroleiros investigou o acidente a partir de
sociedade perplexa. Foram quatro milhões de tremamente reduzido também foi apontado pesquisas e entrevistas com trabalhadores en-
litros de óleo cru rio abaixo, a uma distância como causa. Porém, a direção da Petrobras volvidos naquele episódio. O motivo desta pu-
de aproximadamente 100 km até a última bar- empurrou para os trabalhadores o desenca- blicação, para além de ser uma descomemo-
reira de contenção. dear de sua política de gestão em manuten- ração daquela tragédia, é elucidar a história e
As consequências à fauna e a flora da ção, segurança e meio ambiente. À mídia, a alertar que um acidente não é fruto do acaso,
região foram devastadoras, assim como as empresa afirmou que o acidente ocorreu por mas um evento socialmente construído.
O caminho do petróleo
5 ÍNDICE
15 anos do maior acidente ambiental do Paraná
6
Falhas e sobrecarga de trabalho atrasaram a detecção do vazamento 10
Punições
12
Entrevista - Juracir Francisco da Silva
13
Falta de efetivo, terceirização e sucateamento
16
Redução do efetivo e acidentes
18
A Petrobrás (brax) nos tempos de FHC
20
Lembrar e lutar para nunca mais acontecer 22

EXPEDIENTE
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memoriam), Faissal Bark, Fernando Antonio de Melo, Fernando José Vieira, Jessé Souza de Melo, Jordano Marcio Zanarti, José Sultowski,
Leomar Setti, Luciano Zanetti, Luiz Antonio dos Santos, Manoel Mendes, Marcio Ricardo Marinho, Maria de Lourdes Lozano Granero e
Silva, Mario Alberto Dal Zot, Michael Bertier, Miguel Saif, Natálio Laurindo Roncada, Oilson Lopes, Rafael Palenske Andrade, Rodrigo
Carneiro Pellegrini, Rodrigo Midiero Mansor, Roni Anderson Barbosa, Rosane Carvalho Dias, Rui Dalcion Rocha Rossetim, Silvaney
Bernardi, Tiago Scmidt Olivetti, Uriel de Oliveira, Valton Witikowski
REVISTA DOS PETROLEIROS PR E SC
5

O caminho do petróleo

O vazamento do dia 16 de julho de 2000 ocorreu


durante a operação de transferência de petróleo do
Terminal de São Francisco do Sul, litoral norte de
Santa Catarina, para a Refinaria de Araucária, região
metropolitana de Curitiba. O petróleo é transferido de navios petroleiros
em um sistema composto por uma monobóia de
recebimento (construída na década de 70), distante a
aproximadamente 11,5 km da costa.

Dessa monobóia o petróleo é enviado aos tranques do Terminal


Transpetro de São Francisco do Sul (Tefran) por meio de dois
oleodutos submarinos, sendo então bombeado, também por
dutos, para a Estação Intermediária de Itararé, posto de recalque
localizado no pé da Serra do Mar, no município de Guaratuba-PR.

Daquela estação, é conduzido para a Repar (65 km de distância),


localizada em Araucária-PR, passando antes por Tijucas do Sul-
PR (próximo à Represa da Vossoroca e afluentes) e São José dos
Pinhais, áreas de mananciais de abastecimento público.

A extensão do Os diâmetros dos


Oleoduto Santa Existem oito dutos são de 30”
Catarina – Paraná válvulas de A vazão é de (trecho terrestre) e
(Ospar) é de cerca bloqueio ao cerca de 34” (trecho submerso
de 120 km longo do trajeto 35 mil m3³/dia da monobóia até o
Tefran)
6 DESASTRE

15 ANOS DO MAIOR
acidente ambiental do Paraná
16 de julho de 2000, domingo. O que seria um dia tranquilo aca-
bou por se tornar em uma data marcada pela tragédia. No início da
tarde daquele dia, um vazamento de proporções gigantescas derra-
mou óleo que seria refinado na Refinaria Presidente Getúlio Vargas
(Repar), em Araucária.

No total, quatro milhões de litros


de petróleo cru vazaram de um duto do
OSPAR (Oleoduto Santa Catarina – Pa-
raná) e contaminavam a bacia do Arroio
Saldanha e os rios Barigui e Iguaçu. O
derramamento foi equivalente a pouco
mais de 25 mil barris ou 115 piscinas
grandes (capacidade de 35 mil litros).
O óleo percorreu uma distância de apro-
ximadamente 100 quilômetros da refi-
naria.

~ 25 MIL TRABALHADORES
= BARRIS ATUARAM NA
LIMPEZA DOS RIOS

SEM
ATENDIMENTO
MÉDICO

REFEIÇÕES
ÀS BEIRAS
DOS RIOS
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O episódio caracterizou-se como Nos dias posteriores à tragédia da cos de segurança. Muitos passavam mal
o maior desastre ambiental do Paraná Repar, o cenário era tenebroso. A man- durante o trabalho e não tinham atendi-
e um dos maiores da história da Pe- cha negra chegava a cobrir todo o lei- mento médico adequado. As refeições
trobrás e do Brasil, juntamente com os to dos rios em determinados pontos. A eram feitas às beiras dos rios, sem condi-
acidentes do afundamento da Platafor- fauna e a flora local foram devastadas. ções mínimas de higiene.
ma P-36 (15/03/2001) e do vazamento Levantamento do Instituto Ambiental Quantificar as vítimas e as con-
de 1,3 milhão de litros de óleo combus- do Paraná (IAP) apontou que de cada sequências do desastre, seja na fauna,
tível nas águas da Baía de Guanabara oito animais retirados pelas equipes de flora ou nos humanos, é impossível; po-
(18/01/2000), ambos no Rio de Janeiro. resgate, apenas um sobrevivia. rém, dois casos mostraram as condições
Essa série de sinistros, perfeitamente O vazamento evidenciou o despre- insalubres do trabalho em contato dire-
evitáveis, deixou evidente o sucatea- paro da empresa no atendimento a aci- to com hidrocarbonetos. José Marcon-
mento que a Petrobrás sofreu ao longo dentes de grandes proporções. Centenas des da Luz atuou na limpeza dos rios e
do período dos governos neoliberais de de trabalhadores foram recrutados para apresentou uma série de enfermidades
Fernando Henrique Cardoso, cuja in- atuar na limpeza dos rios sem exames após o fato. O Sindipetro Paraná e San-
tenção era privatizar a estatal admissionais, sem qualquer tipo de ca- ta Catarina auxiliou o trabalhador com
petrolífera. pacitação e, pior ainda, sem equipa- ajuda de custo e assessoria jurídica na
mentos bási- ação movida contra a empresa terceiri-
zada e a Petrobrás. Infelizmente, Mar-

4 MILHÕES
DE LITROS
VAZADOS

8
DE
CADA ANIMAIS
APENAS

1 SOBREVIVIA
8 XXXXXXXXX

condes não viveu o suficiente para que de doenças relacionadas ao contato do acidente. De acordo com a gestão da
a Justiça fosse feita. Faleceu no dia com o óleo. Recentemente, a Justiça refinaria da época, a Comissão de Sindi-
30 de outubro de 2010 devido às do- reconheceu o nexo-causal no caso de cância interna concluiu que o vazamento
enças desenvolvidas naquele trabalho. Juracir e a Petrobrás foi condenada a foi “decorrente da ruptura da junta de ex-
Outra vítima emblemática foi Juracir pagar uma indenização vitalícia, em pansão localizada a jusante de uma das
Francisco da Silva, que demonstrou ação movida com o apoio do Sindicato válvulas do sistema de controle de fluxo
complicações de saúde enquanto ain- e sua assessoria jurídica. na área do ‘scraper trap’’, e, ainda, que o
da estava empregado na contenção e A postura da empresa foi vexatória “acidente foi produzido por falha huma-
remoção do petróleo nos rios. Poucos em todos os aspectos. Desde o tratamen- na”, e que a “extensão do vazamento foi
dias depois, ficou paraplégico de for- to aos terceirizados que atuaram na lim- decorrente da inobservância de procedi-
ma permanente e apresenta uma série peza do óleo até a versão sobre as causas mentos operacionais”.
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O relatório da Comissão Mista do de equipamento, quando salta aos olhos getação, mamíferos, aves, peixes e an-
CREA (Conselho Regional de Engenha- que há um processo de falhas e/ou fra- fíbios do local, assim como a qualidade
ria, Arquitetura e Agronomia do Estado gilidades estruturais e organizacionais, do solo e do ar, serviram de subsídio à
Paraná) nomeada para analisar o acidente o que inclui as decisões gerenciais, que condenação da Petrobrás. “Da leitura da
na Repar/Petrobrás contestou a versão da explicam não somente este acidente, mas, prova pericial realizada, extrai-se que o
empresa. Diz um trecho do documento: com efeito, todos os demais ocorridos na petróleo derramado sofreu evaporação e,
“o que se observa, na verdade, com base Petrobrás nos últimos anos”. na verdade, até hoje evapora, causando
em toda documentação coletada, é que a Atualmente, passados 15 anos do poluição do ar e possíveis danos à saúde
empresa pretende, mais uma vez, explicar acidente, as consequências ainda são dos seres vivos”, diz a parte da sentença
evento de tal magnitude como mera con- percebidas. As perícias requisitadas pela que impôs à Petrobrás uma multa bilio-
sequência de erro humano e falha pontual Justiça para avaliar as condições da ve- nária em decorrência do vazamento.
10 XXXXXXXXX
EMERGÊNCIAS

FALHAS E SOBRECARGA
atrasaram a detecção do vazamento
Uma série de ocorrências aliadas ao fa- de emergências que aconteciam na uni- pressão e vazão do produto na chegada à
tor complicador da implantação do modelo dade industrial: um gerador havia parado, refinaria, não estava funcionando há cinco
de trabalho em multifunção resultou na de- ocorria contaminação por gás sulfídrico dias. A junta de expansão que rompeu e
mora em detectar o vazamento que ocasio- na Casa de Força (Cafor) e a paralisação causou o vazamento já havia sido identifi-
nou a maior tragédia ambiental do Paraná. da unidade de desasfaltação. cada como um ponto frágil na linha.
Por decisão gerencial da época, não Para prejudicar ainda mais a detec- Quando os petroleiros da Repar per-
havia mais um operador responsável pela ção do vazamento, o sistema operacional ceberam o vazamento e acionaram o botão
área de óleo cru. Apenas uma pessoa no de computadores da refinaria registrou de emergência, a válvula catraca não fun-
painel de controle acompanhava de 30 a cinco quedas no fatídico 16 de julho de cionou e o óleo continuou derramando. Os
50 operações simultâneas de transferên- 2000. Porém, as falhas não estavam res- trabalhadores tiveram que telefonar para o
cia. Concomitantemente, no momento tritas aos computadores. O sistema de Terminal Transpetro de São Francisco do
do vazamento o efetivo da Repar estava proteção do duto, composto por sensores Sul (Tefran) para pedir a interrupção do
empenhado no atendimento de uma série que comunicam ao painel as condições de bombeamento.

UM DIA TUMULTUADO

16/07/2000

Ocorreu a primeira das três emergências registradas Contaminação da sala de controle do SETUT (Utili-
no SETUT (Utilidades) naquele turno: o combustível dades) por H2S vazado na Ultrafértil (hoje Fafen-PR)
utilizado na queima das caldeiras - em função dos pro- e que ali entrou pelo sistema de pressurização. Para
blemas no SEDASF (U-2500) - , deveria ser substituído não desmaiar, os três operadores em serviço foram
automaticamente via SDCD por outro combustível. obrigados a recorrer às máscaras de oxigênio e abrir
Porém, a tão propalada (à época) “automação” não todas as portas e janelas por cerca de 30 minutos. Como
funcionou, exigindo a intervenção manual dos operado- não havia médico de plantão na refinaria nos finais de
res para reacender as caldeiras, o que impediu a parada semana e fora do horário administrativo, os primeiros
geral da refinaria. socorros foram prestados pela técnica de enfermagem.
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Nove dias após o acidente, o Institu- Tourinho, admitiu publicamente que as con-
to Ambiental do Paraná (IAP) interditou o dições críticas de segurança nas unidades da
oleoduto, o que reduziu a carga de proces- Petrobrás era “fruto da falta de investimen-
samento na refinaria. Para desespero dos tos na Petrobrás nos últimos anos”. Cada vez
gestores da Repar naquele tempo, o próprio mais a alegação da empresa de que houve
ministro de Minas e Energia, Rodolpho falha humana caia por terra.

Foi constatado
o vazamento
de petróleo,
Apesar dos esforços dos poucos operadores em segurar a unidade, Aconteceu um (trip” iniciado por
mais uma “cavitação” da MB-2520 (bomba que apresentava proble- (queda) da GV 5602, volta das 13h40.
ma há 3 anos) provocou uma parada emergencial do SEDASF (U- uma das caldeiras da
2500). Três operadores que estavam de folga foram convocados para Cafor, provocada por
que a parada acontecesse com a segurança possível. Como sempre, problemas na turbina
tais emergências geraram estresse e muita correria, além de ter envol- do soprador.
vido outros setores, principalmente o Transferência e Estocagem (TE),
responsável pelo fornecimento dos produtos adequados à lavagem dos
equipamentos e tanques para os produtos não especificados.
12 XXXXXXXXX
AUTORITARISMO

PUNIÇÕES
Direção da Petrobrás jogou a o projeto de privatização da empresa e trabalhadores, sendo dois operadores da
culpa do acidente nas costas implantaram uma política de descaso Repar e um engenheiro e um supervisor/
dos trabalhadores e tentou
total com a segurança nas unidades. Os operador do Terminal de São Francisco
limpar suas mãos sujas
diversos vazamentos registrados naque- do Sul, além de outras oito punições.
com 4 milhões de litros de
petróleo. Não colou. le tempo ocasionavam danos ao meio As retaliações não pararam por aí.
ambiente, mas também manchavam O gerente-geral Eduardo Valente, que
a imagem da estatal, dando mais assumiu o cargo poucos meses antes
munição para os entusiastas entre- do acidente, perdeu o posto. O mesmo
guistas do patrimônio nacional. aconteceu com diversos chefes de seto-
A Petrobras que a categoria e a res.
nação almejavam era uma empresa pú- Segundo relato de petroleiros que
blica forte, preocupada com a socieda- trabalhavam na Repar quando houve o
de, o meio ambiente e a segurança dos vazamento, os primeiros vinte dias após
Reconhecer que o vazamento nos trabalhadores. Ao contrário, o governo o acidente foram os piores. A direção da
rios Barigui e Iguaçu foi causado por FHC e a direção da empresa preten- Petrobrás tratava todos como culpados. O
uma política de sucateamento das insta- diam acelerar a entrega da empresa à clima era de terror na unidade industrial.
lações e precarização das relações de tra- iniciativa privada. Ao invés de reco- O constrangimento também partiu
balho nunca passou pela cabeça dos ges- nhecer a falta de seriedade na política de parte da sociedade, pois algumas se-
tores que estavam à frente da empresa. gerencial de segurança, a direção da manas antes do acidente da Repar ocor-
A Comissão Interna criada para apurar companhia optou por jogar a culpa nos reu o vazamento na Bahia de Guanabara.
os fatos, da qual o Sindipetro Paraná e trabalhadores. Ao público pareceu que a Petrobrás não
Santa Catarina foi impedido de partici- Como forma de retaliação ao aci- era uma empresa confiável com relação
par, apontou a falha humana como única dente causado pela própria gestão, a à gestão de meio ambiente. A imagem da
causa do grave acidente. direção da Petrobras jogou a culpa nos categoria e da empresa foi prejudicada
A direção e as gerências da Pe- trabalhadores e anunciou no dia 02 de pelos desastres ambientais causados da
trobras à época estavam alinhadas com agosto de 2000 a demissão de quatro política de gestão neoliberal.
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Para amenizar o sofrimento

Se você ouvisse apenas a voz tranquila, com fala


pausada, de Juracir Francisco da Silva, não
poderia imaginar que é de um homem que tanto
sofreu nos últimos 15 anos. Paraplégico e com
várias sequelas devido à contaminação durante
os serviços de limpeza dos quatro milhões de
litros de petróleo que vazaram de um duto da
Repar para os rios Barigui e Iguaçu, Juracir
leva uma vida com muitas dificuldades.
14 ENTREVISTA

O Sindipetro Paraná e Santa


Catarina e a categoria petroleira
sempre foram sensíveis à causa
deste trabalhador. Auxílio mensal,
ajuda nas despesas com remédios
e o apoio com a assessoria jurídi-
ca foram as formas encontradas
para ajudar o companheiro. Re-
centemente veio uma boa notícia, a
Petrobrás foi condenada em última
instância a pagar indenização e
pensão mensal a Juracir. Conheça
um pouco dessa história contada
por ele mesmo.

RP – Como aconteceu o recrutamen- casa e voltava lá no dia seguinte do mesmo mesmo no nome (pausa por alguns ins-
to para trabalhar na limpeza dos jeito. Outra coisa era o que a gente comia tantes), tylenol! Aí a gente continuava
rios? ali. Não tinha nem como lavar a mão, sem trabalhando. Uma coisa que eu lembro
JURACIR - Não lembro direito. Uma das higiene nenhuma. Eles traziam marmitas e é que sentia muita dor no corpo, na ca-
coisas que aconteceram comigo é a falha da a gente tinha que comer ali na beira daquele beça e vomitava bastante. Hoje eu não
memória. Por exemplo, eu converso com rio todo contaminado de petróleo. posso sentir nem o cheiro daqueles ve-
você agora, se passar por mim na rua daqui nenos que a gente passa dentro de casa.
a pouco eu vou embora e você vai achar RP – Qual empresa lhe contratou
que eu te ignorei, mas a verdade é que eu e quanto tempo você trabalhou na RP – Com você sentiu seu qua-
não lembro, principalmente de fisionomias limpeza dos rios? dro de saúde agravar?
e nomes. Isso me confunde, porque às ve- JURACIR - A empresa que me contratou JURACIR - Depois de trabalhar todos
zes eu lembro do nome, mas não recordo foi a Arauserv e lá trabalhei por... (Jura- aqueles dias naquela situação, eu pas-
do rosto da pessoa e vice-versa. cir franze as sobrancelhas em um esforço sei muito mal durante uma noite toda
para tentar lembrar, mas recorre a esposa, e reclamei no dia seguinte no trabalho
RP – Você lembra ao menos das con- que responde: 9 dias). Acho que foi isso que estava passando mal. Um dia de-
dições de trabalho? mesmo, 9 dias. pois a empresa me demitiu. Naquele
JURACIR - O que mais comentam dentro dia eu já nem aguentava parar em pé.
de casa e eu tenho um pouco de lembrança RP – Quais foram os primeiros sin- Fui para casa, deitei na cama e quando
é da maneira como trabalhávamos. O que tomas e como era o atendimento mé- acordei no dia seguinte não conseguia
a gente usava era a roupa do corpo, calça dico no local? mais andar. Sabe quando você está dei-
jeans, camiseta e blusa, porque era uma JURACIR - Comecei a passar mal lá na tado por muito tempo aí você levanta?
época de frio. Nada de equipamento de pro- beira do rio, mas não tinha pessoal especí- Então, eu tentei levantar só que não su-
teção; eu nem sabia o que era isso. A gente fico da saúde lá para ajudar a gente. O que bia. Fiquei paraplégico e de lá para cá
vinha com aquela roupa suja de óleo para faziam era dar aquele remédio, como era só piorou. Hoje eu dependo de sonda
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de alívio. Como estou obeso, eu tomo um o que eles conhecem, vão te responder a condição. Isso a Petrobrás não vai me
remédio para não ter que ir muitas vezes ao mesma coisa. devolver.
banheiro. Depois de um tempo, tomo outro
remédio para poder ir ao banheiro. Perdi a RP – Qual o sentimento com a deci- RP – A ajuda solidária dos petrolei-
audição do ouvido direito e um pouco da são final favorável na Justiça? ros e do Sindipetro foi válida?
audição do esquerdo, mas eu uso um apare- JURACIR - Agora, com o fim da ação, a JURACIR - Eu sempre digo que se não fos-
lho. A visão do olho direito também ficou sensação não é nem da recompensa, mas se esse sindicato, a categoria petroleira e esses
bem prejudicada, só enxergo alguns poucos de Justiça. De você saber que foi feito sindicalistas que aqui trabalham, a família do
metros a minha frente. justiça daquilo que fizeram com você. Juracir não existia mais, o Juracir não existia
Na verdade eu espero que isso não acon- mais! Graças ao esforço deles, a batalha de-
RP – Como foi sua condição de vida teça com mais ninguém. Porque assim, les, o companheirismo, sabe? Eu me sinto
desde o acidente? uma coisa é você me dar uma tapinha nas gente quando eu venho aqui, porque aqui eu
JURACIR - Desde que eu trabalhei na costas e dizer “Juracir, pagaram todos os sou bem tratado. Se não fosse essas pessoas
limpeza do rio minha vida tem sido mui- seus direitos”. Agora, outra coisa é você acho que a gente não existia mais. Como uma
to sofrida. Muitas vezes eu via meus fi- viver com o preconceito das pessoas pelo pessoa na minha situação iria cuidar de quatro
lhos precisarem de um calçado ou de um resto da sua vida. Ser cadeirante hoje em filhos e uma esposa? Não tinha como.
material escolar e não podia comprar. dia é aguentar os outros te olhando, co-
Vê-los quererem passear e não poder mentando sobre você. Aconteceu várias RP – O que você quer para o futuro?
proporcionar aquilo, sabe. Até comigo vezes em Foz do Iguaçu, as pessoas pa- JURACIR - Eu quero ver meus filhos
mesmo, muitas vezes a minha cadeira rarem do lado meu lado e disserem “para se formarem, eu quero que eles estudem.
quebrava e eu não tinha como consertá-la. de comer que aí você consegue andar”. Façam bons cursos, se profissionalizem.
Cheguei a ficar quatros meses com ela Eu simplesmente ia embora; vai falar o Que possam passear e se divertir um pou-
estragada. Eu respondo sem medo. Se eu que para uma pessoa dessas? Uma das quinho, porque nesses quinze anos foi
pudesse voltar no passado, nunca topa- coisas mais difíceis é lidar com o precon- praticamente só agonia. Então agora eu
ria aquele serviço. Porque, assim, você ceito. Nenhum dinheiro no mundo paga quero que eles tenham pelo menos um
ter a sua saúde e poder andar é tudo. isso. Não tem juiz, promotor ou qualquer pouco de liberdade e um pouco de felici-
Hoje eu não posso fazer nada. Eu passei um que seja. Isso eu vou carregar para o dade. Para mim, eu já fiquei super feliz, e
quinze anos preso por um crime que eu resto da minha vida. vou carregar essa felicidade para o resto
não cometi. Porque é só dentro de casa. Tem algo que eu não costumo contar, da vida, por saber que no meu caso foi
Eu moro em Foz do Iguaçu há quase 10 mas o acidente de trabalho não atin- feito justiça. Essa é a minha felicidade.
anos, mas eu não conheço nada além giu apenas a minha saúde. Chegou até Não tem nada no mundo que possa me dar
de hospitais e postos de saúde. Se você a minha família. Um dos meus entes mais prazer do que eu estou sentindo ago-
chegar para os meus filhos e perguntar queridos se afastou por causa da minha ra, que é saber que foi reconhecido isso.

“Depois de trabalhar todos aqueles dias naquela situação, eu passei


muito mal durante uma noite toda e reclamei no dia seguinte no tra-
balho que estava passando mal. Um dia depois a empresa me demi-
tiu. Fui para casa, deitei na cama e quando acordei no dia seguinte
não conseguia mais andar”.
16 ENTREVISTA
COMISSÃO MISTA CREA

FALTA DE EFETIVO,
terceirização e sucateamento:
o tripé da desgraça
entre as causas do acidente
Uma Comissão Mista nomeada mou atenção para ações de gestão da
pra analisar o vazamento foi instaurada empresa que contribuíram para que o
pelo Conselho Regional de Engenharia e acidente acontecesse, todas ligadas
Arquitetura do Paraná (CREA-PR). Vá- ao processo de precarização e 10 ANOS
rias entidades e instituições participaram sucateamento que a Petrobrás
das investigações das causas, tais como estava sujeita. REDUÇÃO DE 48%
o Sindipetro PR e SC, UFPR, PUC-PR, Sin- A começar pelo efeti- DO EFETIVO
diquímica-PR, Sindicato dos Engenhei- vo, o relatório afirmou que “a
ros, Instituto de Engenharia do Paraná, diminuição acentuada, nos últimos
entre outros. dez anos (1990 – 2000), do número de
Para além das causas estruturais operadores por unidade, que mesmo em
apontadas, o relatório da Comissão cha- condições normais de operação passam
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a executar um número maior de tarefas na Petrobrás e são frequentes os pro-


e funções, o que prejudica a qualidade blemas trabalhistas de toda
do trabalho e causa aumento do grau de ordem”.
risco; se comparados os dados de 1990 Somam-se ain- EXTINÇÃO DE
OPERAÇÃO
(349 por turno) e julho de 2000 (180 da aos principais aos POSTOS DE MANUTENÇÃO E
por turno), observa-se uma redução de agentes causadores TRABALHO SEGURANÇA
48%”. do acidente, segundo
As investigações constataram que o relatório do CREA-PR,
a extinção de postos de trabalho, justifi- a precarização das atividades de manuten-
cados pela implantação de sistemas su- ção como forma de se antecipar e corrigir
postamente “automatizados”, provocou problemas.
a eliminação de uma série de atividades O documento contra-
de verificação, sendo mais atingidas as ria a versão da empre-
PRECARIZAÇÃO
áreas de operação, manutenção e segu- sa de que a principal GERADA
DAS CONDIÇÕES
rança industrial. causa teria sido falha PELA
DE TRABALHO TERCEIRIZAÇÃO
A precarização das condições de humana e inobser-
trabalho geradas pela terceirização vância de procedimen-
também foi apontada como causa do tos operacionais ao trazer
acidente. “a terceirização da mão-de-o- como primeira recomendação a anulação
bra caracterizada pela alta rotatividade de todas as punições aplicadas ao quadro
que impossibilita o treinamento ade- funcional em decorrência do
quado e a acumulação da experiência desastre ambiental.
profissional que capacita para atuar em A investigação PRECARIZAÇÃO
DAS ATIVIDADES FALTA DE
uma planta de petróleo, como ocorre não deixa dúvidas INVESTIMENTOS
com os trabalhadores fixos da empresa que o vazamento se- DE MANUTENÇÃO
(ainda que, mesmo pra os seus próprios ria totalmente evitável
empregados, a Petrobrás tenha rebai- acaso a estatal não estives-
xado seus níveis de treinamento). Fato se sob um processo de sucateamento
ilustrativo é que os terceirizados são os para concretizar o plano de privatiza-
mais atingidos por acidentes e mortes ção do governo à época.
18 XXXXXXXXX
PRECARIZAÇÃO

O MAIOR
ACIDENTE
AMBIENTAL
REDUÇÃO DO
DO PARANÁ
EFETIVO
e acidentes
4º MAIOR DA
A ocorrência de graves acidentes na Petrobrás está
INDÚSTRIA diretamente ligada à redução do efetivo. Não há
DO coincidência, um acidente é um evento socialmente
PETRÓLEO construído.
- ÁGUA DOCE.

No início dos anos 90, a Petrobrás foi aparecendo aos poucos, com aci-
impôs um programa de redução do efe- dentes de pequeno e médio porte acon-
tivo com a justificativa da automação tecendo rotineiramente.
48% MENOS
industrial, o que na prática não aconte- A direção da companhia ignorava os
TRABALHADORES ceu. Houve apenas a troca de hardwa- avisos e uma série de acidentes de gigan-
re para controle do sistema analógico tescas proporções aconteceu. O primeiro
para o digital, e não de equipamentos foi na Refinaria de Duque de Caxias, em
físicos de campo. A empresa também 18 de janeiro de 2000, onde um duto que
aderiu a fatídica técnica de adminis- a ligava ao terminal Ilha d’Água, na Ilha
tração chamada downsizing, que prega do Governador, se rompeu e provocou
demissões, achatamento da estrutura um vazamento de 1,3 milhão de litros de
organizacional, redução de custos e ra- óleo nas águas da Baía de Guanabara. A
cionalização. Na indústria do petróleo, mancha se espalhou por 40 km² e con-
o downsizing parece mais com uma re- taminou grande parte do ecossistema de
ceita da tragédia, o que de fato ocorreu mangues no entorno.
alguns anos mais tarde. O segundo foi o vazamento nos
A política de redução de efetivo rios Barigui e Iguaçu, considerado o
da década de 90 foi tão intensa que maior acidente ambiental já registra-
enxugou 48% do quadro funcional da do no estado do Paraná, o maior da
Petrobrás. Paralelo à diminuição de empresa até então e o 4º maior na his-
postos de trabalho, ocorreu o sucate- tória da indústria do petróleo em ter-
amento da empresa, que implicou na mos de contaminação de água doce.
falta de investimentos em manutenção, A série de graves acidentes ter-
treinamento e segurança. O resultado minou com o afundamento da P-36 e
REVISTA DOS PETROLEIROS PR E SC 19

a morte de 11 petroleiros. A tragédia duzido devido ao Plano de Incentivo RETOMADA


aconteceu na madrugada do dia 15 de à Demissão Voluntária (PIDV) e às INSUFICIENTE DO
março de 2001. Ocorreram duas ex- transferências para outras unidades. EFETIVO
plosões em uma das colunas da plata- A partir de 2002 as coisas come-
forma, a primeira às 0h22m e a segun- FHC E O DOWNSIZING çaram a mudar. O número do efetivo
da às 0h39m. Depois das explosões, a A política de redução do efetivo registrou aumento gradual a cada ano,
plataforma tombou em 16 graus, devi- da Petrobras começou no primeiro go- partindo dos 40 mil de 2002 e chegan-
do ao bombeio de água do mar para o verno de Fernando Henrique Cardoso, do aos 86 mil em 2014. Percebe-se que
seu interior, o que causou o alagamen- em 1994, e se estendeu pelos seus dois o efetivo da companhia da década de
to que levou ao naufrágio. mandatos à frente do Governo Fede- 90 foi recuperado, entretanto, os ní-
Os grandes acidentes legitimaram ral. Naquele ano, a estatal contava com veis de produção atuais são imensa-
ainda mais a pauta do movimento sin- pouco mais de 50 mil trabalhadores pró- mente maiores. Em 1994 a Petrobrás
dical petroleiros pela recomposição prios. Em 2001, último ano do governo produzia cerca de 500 mil barris/dia.
do efetivo na Petrobrás e a partir do neoliberal, o efetivo foi diminuído para Já em 2014 a produção diária superou
ano 2000 foram incluídas cláusulas 32.809 empregados. O saldo do downsi- os 2,5 milhões de barris. Mesmo que
nos Acordos Coletivos de Trabalho zing de FHC foi que entre 1994 e 2004 se considere o avanço tecnológico, o
(ACTs) que previam a implantação ocorreram 46 acidentes com petróleo e efetivo atual está muito longe de ser
de fórum corporativo de discussão de derivados no país, 25 apenas nos anos de suficiente para os atuais patamares de
quadro funcional. 2000 e 2001. produção.
A primeira que teve seu efetivo
debatido foi a Refinaria de Capua-
va (Recap), no município paulista de
Mauá. Na Repar, o processo de dis-
cussão se estende desde o ACT de
2004/2005, quando se definiu como
a próxima unidade que passaria pelo
estudo do efetivo. De lá para cá, mui-
to se foi debatido e ocorreram muitas
mobilizações da
categoria. Hou-
ve algumas pou-
cas contratações em
2004, mas mesmo com a
capacidade de produção da refinaria
quase dobrada, devido às obras de am-
pliação da unidade que terminaram em
2012, o efetivo permaneceu estagnado
e nos últimos meses foi ainda mais re-
20 XXXXXXXXX
NEOLIBERALISMO

A PETROBRÁS(BRAX)
nos tempos de FHC
Quando aconteceu o vazamento na Logo no início do primeiro man- Mesmo assim, os tucanos passaram
Repar, a Petrobrás passava por um pro- dato do presidente tucano, a resistência oito anos no poder tentando, de todas as
cesso de sucateamento para manchar a dos petroleiros impediu que a Petro- formas, privatizar a nossa maior empresa,
imagem da estatal perante opinião pú- brás tivesse o mesmo destino. A amea- a Petrobras, criada em 1953 na esteira da
blica com o objetivo de facilitar o pro- ça de privatização e o descumprimento campanha nacionalista “O petróleo é nos-
cesso de privatização. O plano neoliberal de acordos trabalhistas firmados pelo so”. As ações de FHC no poder mostram
do governo Fernando Henrique Cardoso governo de Itamar Franco causaram a a gana do tucanato pelo ideário privatista.
caminhava a passos largos e empresas maior greve da história da categoria. Em 1994, ainda como ministro da Fazen-
como a Companhia Vale do Rio Doce Os petroleiros paralisaram as atividades da de Itamar Franco, ele manipulou a es-
e o Sistema Telebrás foram negociadas durante 32 dias, entre maio e junho de trutura de preços dos derivados de petró-
a preços muito abaixo do real valor de 1995, e salvaram a estatal petrolífera da leo de forma que, nos últimos seis meses
mercado. sanha neoliberal de FHC. que antecederam a implantação do Plano
Real, a Petrobras teve aumentos de com-
bustíveis 8% abaixo da inflação, enquan-
PRIVATIZAÇÕES ENTRE 1994 E 2002 to que as distribuidoras tiveram aumentos

55
32% acima da inflação. Com isso, houve

70
NACIONAIS ESTADUAIS
uma transferência do faturamento da Pe-
trobras para o cartel das distribuidoras,
cerca de US$ 3 bilhões anuais. Já como
presidente, FHC pressionou a Petrobras
para que ela assumisse os custos da cons-
trução do gasoduto Brasil-Bolívia,
obra que beneficiava a Enron e a
Repsol, donas das reservas de gás
boliviano.
Ocorre que a taxa de retorno do
gasoduto era 10% ao ano e o custo
financeiro, 12%, mas a Petrobras foi
obrigada a desviar recursos da Bacia
de Campos – com taxa de retorno de
80% – para investir naquele empre-
endimento. A empresa também
teve que assinar uma cláusula
que a obrigava a pagar pelo
gás boliviano mesmo que não
o comprasse. Com isso, pagou
REVISTA DOS PETROLEIROS PR E SC 21

por cerca de 10 milhões de metros cúbicos com a ineficiência das estatais. O discurso A venda das estatais foi parte de um
sem ter conseguido vendê-los. da ineficiência das estatais era a justifica- processo de privatização selvagem do Es-
Em 1998 o governo federal impediu tiva para a transferência de empresas alta- tado. Não foi uma venda, mas sim uma
a Petrobrás de obter empréstimos no exte- mente lucrativas para mão privadas. Apesar doação. E o mais grave: os prejuízos se
rior de emitir debêntures para a obtenção de contratar uma empresa, a Und SC Ltda, agigantam ainda mais quando, além do
de recursos para novos investimentos. Ao para fazer a nova logomarca, sem licitação desvendamento dos aspectos mais ime-
mesmo tempo, FHC criou o Repetro (re- (a lei de 1997 o permitia), ao custo de R$ diatos e nebulosos das privatizações, con-
gime aduaneiro especial), isenção fiscal 700.000,00 à época, a Petrobras continuou sideram-se os aspectos estratégicos, que
às empresas estrangeiras que importam sendo Petrobras. Cabe ainda salientar que explicam a valorização monumental de
equipamentos de pesquisa e lavra de pe- o custo total do processo de transição ficou muitas destas empresas desde que foram
tróleo, sem a devida contrapartida para orçado em 50 milhões de reais. desestatizadas. Foram privatizadas em-
as empresas nacionais. Com isso, cinco Por fim, dois graves acidentes, am- presas federais do setor siderúrgico (8),
mil empresas brasileiras fornecedoras de bos no ano 2000, simbolizam o que era a petroquímico (27), fertilizantes (5), elétri-
equipamentos para a Petrobras quebra- Petrobrás do nefasto governo FHC: o nau- co (3), ferroviário (7), mineração (2), por-
ram, provocando desemprego e perda de frágio da plataforma P-36, com 11 mortes tos (7), bancos (4), telecomunicações (sis-
tecnologia nacional. e prejuízos de US$ 2 bilhões, e o vaza- tema Telebrás), e outros (5). Nos Estados
Em 2000, o então presidente da Petro- mento dos 4 milhões de litros de óleo cru foram vendidas empresas e participações
bras, Henri Philippe Reichstul, levou Pelé nos rios Barigui e Iguaçu, com prejuízo minoritárias do setor elétrico (30), ferro-
a Nova York para o lançamento de ações em multas no valor de R$ 1,4 bilhão. viário (1), financeiro (8), gás (5), seguros
da Petrobras na Bolsa de Valores de Wall (1), transporte (4), telecomunicações (3),
Street. O governo vendeu, então, 20% do PRIVATIZAÇÕES ENTRE saneamento (3).
capital total da estatal e, posteriormente, 1994 E 2002 Aloysio Biondi, em seu livro “O
mais 16%, pelo valor total de US$ 5 bi- 70 empresas federais privatizadas e Brasil privatizado”, denuncia ainda outras
lhões. No mesmo ano, os tucanos privatiza- outras 55 estaduais também negociadas perdas do Estado brasileiro no processo
ram a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) com a iniciativa privada. Este é o quadro de privatização. Segundo suas pesqui-
por meio de troca de ativos com a Repsol sintético das privatizações na era FHC, sas, o governo investiu US$ 28 bilhões
argentina, do grupo Santander, braço do incluindo aí também as privatizações re- nas estatais nos anos que antecederam
Royal Scotland Bank Co. Nessa transação, alizadas no governo de Itamar Franco, no as privatizações; foram US$ 16 bilhões
a Petrobras deu ativos no valor de US$ 500 qual os tucanos tiveram uma ampla hege- de dívidas não transferidas; e mais US$
milhões e recebeu ativos no valor de US$ monia. Somadas, as privatizações fede- 2 bilhões ficaram em caixa nas empresas
500 milhões. Soma zero? Não, porque os rais e estaduais, arrecadaram US$ 87,477 privatizadas. Esses dados comprovam, de
ativos da estatal brasileira eram avaliados bilhões, e transferiram dívidas de US$ fato, que as privatizações não passaram
em US$ 2 bilhões e os que ela recebeu pas- 18,076 bilhões, numa arrecadação total de de uma doação do patrimônio público ao
saram a valer US$ 170 milhões, em razão US$ 105,553 bilhões. setor privado.
da crise financeira da Argentina.
Mas a coisa não para por aí. No final O governo investiu US$ 28 bilhões nas estatais
do ano 2000, Reischtul anunciou para o ano
seguinte a mudança do nome da Petrobras nos anos que antecederam as privatizações;
para Petrobrax, com o objetivo de facilitar
o processo de internacionalização da em- foram US$ 16 bilhões de dívidas não transferidas;
presa. Justificava o ato explicando que a
terminação bras, no nome, a identificava
e mais US$ 2 bilhões ficaram em caixa.
22 RESISTÊNCIA
XXXXXXXXX

LEMBRAR E LUTAR
para nunca
mais acontecer
Passados 15 anos dos maiores acidentes da história da Petrobrás, muita
coisa mudou. A partir de 2002, com a troca de governo, a companhia
tomou o caminho do crescimento. Os investimentos na empresa trouxeram
resultados rápidos. Os níveis de produção aumentaram e a empresa quebra
sucessivos recordes cotidianamente.

No entanto, o ritmo de produção não O plano prevê que entre 2015 e 2019 damentais “a redução do endividamento e a
foi acompanhado por uma ampliação equi- a carteira de investimentos terá redução de geração de valor para os acionistas”.
valente do quadro de funcionários próprios. 37% em relação ao planejamento anterior e Redução de investimentos, priorização
Se por um lado os acidentes de grandes pro- priorizará projetos de exploração e produção do lucro aos acionistas, venda de ativos e re-
porções deixaram de acontecer, por outro os (E&P) de petróleo no Brasil, com ênfase tração da empresa. A história parece se repetir
trabalhadores seguem em risco constante. De no pré-sal. Do total (US$ 130,3 bilhões), e os efeitos já são conhecidos. Por isso, lem-
2001 até agora, 230 petroleiros, entre pró- 83% serão destinados à área de Exploração brar dos fatos que envolveram a Petrobrás há
prios e terceirizados, morreram em acidentes e Produção. O setor de abastecimento rece- pouco mais de uma década é importante para
de trabalho, mas, apesar disso, poucos foram berá 10% dos recursos previstos e o de gás não repetir os erros do passado. O momento
os avanços nas questões de saúde e seguran- e energia 5%. As demais áreas terão apenas que a empresa atravessa recoloca a categoria
ça. A lógica do lucro a qualquer custo preva- 2% do orçamento. A própria Petrobrás di- em alerta e conclama à luta em defesa da Pe-
lece e os gestores da empresa parecem não vulgou que o plano tem como objetivos fun- trobrás e do Brasil.
entender que a vida está acima de qualquer
indicador econômico.
Programas como o PROCOP (Progra-
ma de Otimização de Custos Operacionais)
O PASSADO
restringem investimentos nas áreas de ma-
FANTASMAS D
do que nunca
mais presentes
nutenção, saúde e segurança. O resultado é a
sensação de insegurança, tanto com pesso-
a à risca pelos
as, quanto em relação às instalações, meio mento da Petrobrás foi seguid
A cartilha da política de sucatea Nos anos que
ambiente e comunidades nos entornos das s da Rep ar dur ante o gov ern o Fernando Henrique Cardoso.
gestore gerente geral da
los Cosenza ocupava o cargo de
unidades da Petrobrás. precederam o acidente, José Car fraia” como gerente
tinha João Ricardo Barusso “La
A situação tende a se agravar com o refinaria. Ao seu lado, Cosenza
de produção. com manutenção
novo Plano de Gestão e Negócios da em- enz a apl icou as orienta çõe s de reduzir ao máximo os custos
Cos neoliberal. Para sua
ilidade de um verdadeiro gestor
presa, aprovado pelo Conselho de Adminis- e segurança na Repar com a hab ra pessoa. Poucos
es estouraram nas mãos de out
tração em junho deste ano. Trata-se de uma sorte, o desencadear de suas açõ o Valente Moreira
ses apó s ass um ir a ger ênc ia geral da refinaria, Luis Eduard
me menos de um
ameaça clara à sobrevivência da empresa lidar com o vaz am ento nos rios Barigui e Iguaçu. Em pouco
teve que
retirado do cargo.
como estatal, na medida em que prevê cortes mês após a tragédia, Valente foi pava o cargo
sentou há poucos meses, mas ocu
de US$ 89 bilhões de dólares em investimen- Passados 15 anos, Cosenza se apo iro nos tempos de
Petrobrás. Lafraia, seu fiel escude
de diretor de Abastecimento da e geral da Repar.
tos e despesas, além da venda de ativos de
me nto da refi naria, assum iu recentemente o cargo de gerent
sucatea , Meio Ambiente,
gerência executiva de Segurança
patrimônio da ordem de US$ 57 bilhões. Valente, por sua vez, ocupa a
Eficiência Energética e Saúde.
DOCUMENTÁRIO SOBRE A GREVE HISTÓRICA DE 1995
realização

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