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Mudanças nos papéis ocupacionais de mães,

Investigación
pais e cuidadores após o nascimento de uma
criança com deficiência
Cambios en los roles ocupacionales de madres, padres y cuidadores
después del nacimiento de un niño o niña con discapacidad

Changes in the occupational roles of parents and


caregivers after the birth of a child with a disability

Dyuly de Freitas Pereira1


Daniela Tonús2

Recibido: 25 de junio 2021 • Enviado para modificación: 31 de agosto 2021 • Aceptado: 1 de diciembre 2021
De Freitas Pereira, D. y Tonús, D. (2022). Mudanças nos papéis ocupacionais de mães, pais e cuidadores
após o nascimento de uma criança com deficiência. Revista Ocupación Humana, 22(1), 12-27. https://doi.
org/10.25214/25907816.1145

RESUMO
O nascimento de uma criança com deficiência transforma o cotidiano de uma família, alte-
rando os papéis ocupacionais desempenhados. O objetivo do estudo foi identificar alterações
nos papéis ocupacionais de mães, pais e cuidadores após o nascimento de uma criança com
deficiência. Foi uma abordagem quantitativa e qualitativa. A coleta de dados foi realizada por
meio da Lista de Identificação dos Papéis Ocupacionais e de uma entrevista semiestruturada.
Os resultados foram analisados com estatística descritiva e análise de conteúdo. Participaram do
estudo dez mães, pais e cuidadores de alunos de uma Escola e Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais da região central do estado do Rio Grande do Sul – Brasil. Foi possível constatar
que pode haver influência no desempenho dos papéis ocupacionais a partir do nascimento
de uma criança com deficiência, destacando uma perda de 70% e 60%, respectivamente, nos
papéis de estudante e trabalhador, bem como a aquisição de um novo papel, o de cuidador. As
famílias estabeleceram, no decorrer do tempo, estratégias para adaptação e reestruturação na
dinâmica familiar. O resgate de papéis ocupacionais ou aquisição de novos papéis é um impor-
tante caminho para intervenções junto a essa população.

1
Terapeuta ocupacional. Estudiante de posgrado en Desorden del Espectro Autista, Child Behavior
Institute of Miami. Santa Maria, Brasil. dyuly.freitas@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-9303-6149
2
Terapeuta ocupacional. Especialista en Salud Colectiva. Magíster en Rehabilitación e Inclusión. Doctora
en Educación. Docente, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, Brasil. dtonus@hotmail.com
.........https://orcid.org/0000-0001-9924-2891

12 Revista Ocupación Humana • Vol. 22 No. 1 • 2022 • ISSN-e 2590-7816


PALAVRAS-CHAVE
acontecimentos que mudam a vida, parentalidade, cuidadores, crianças com deficiência,
Terapia Ocupacional

RESUMEN
El nacimiento de un hijo o hija con discapacidad transforma la vida diaria de una familia, cambiando
los roles ocupacionales que las personas desempeñan. El objetivo del estudio fue identificar cambios
en los roles ocupacionales de madres, padres y cuidadores, después del nacimiento de un niño o
niña con discapacidad. El enfoque fue cuantitativo y cualitativo. La recolección de datos se realizó
mediante la Lista de Identificación de Roles Ocupacionales y una entrevista semiestructurada. Para el
análisis se utilizaron estadística descriptiva y análisis de contenido. Participaron diez madres, padres
y cuidadores de estudiantes de una Escuela y Asociación de Padres y Amigos de los Excepcionales de
la región central del estado de Rio Grande do Sul, Brasil. El nacimiento de un niño o niña con disca-
pacidad puede influir en el desempeño de roles ocupacionales. Se destaca una disminución del 70%
y 60%, respectivamente, en los roles de estudiante y trabajador/a, considerados por la totalidad de
participantes como muy importantes en su vida diaria. A lo largo del tiempo, las familias han estable-
cido estrategias de adaptación y reestructuración en la dinámica familiar. La recuperación o adqui-
sición de roles ocupacionales es un camino importante para las intervenciones con esta población.

PALABRAS CLAVE
acontecimientos que cambian la vida, responsabilidad parental, cuidadores, niños con disca-
pacidad, Terapia Ocupacional

ABSTRACT
The birth of a child with a disability transforms the daily life of a family, changing the occupa-
tional roles performed. The study aimed to identify possible changes in the occupational roles of
parents and caregivers after the birth of a child with a disability. The approach was quantitative
and qualitative. Data collection took place using the Role Checklist and a semi-structured in-
terview. Descriptive statistics and content analysis were used for the analyses. Ten parents and
caregivers of students from a School and Association of Parents and Friends of the Exceptional in
the central region of Rio Grande do Sul, Brazil, participated in the study. The birth of a child with
a disability may influence the performance of occupational roles, highlighting a 70% and 60%
decrease in the roles of student and worker, respectively. All participants considered these to be
very important in their daily lives. Over time, families have established adaptation and localiza-
tion strategies in the family dynamics. Rescuing occupational roles or acquiring new ones is an
important path for intervention with this population.

KEY WORDS
life changing events, parenting, caregivers, disabled children, Occupational Therapy

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Introdução

Desde o início do período gestacional, significativas, principalmente quanto ao


os familiares constroem um somatório papel de trabalhador e estudante.
de expectativas, sonhos e desejos em
relação à criança. No entanto, quando Deste modo, o objetivo do presente
nasce uma criança com deficiência a fa- estudo foi identificar e compreender se,
mília enfrenta uma nova realidade, po- a partir do nascimento de uma criança
dendo acarretar luto pelo bebê idealiza- com deficiência, ocorreram mudanças
do (Santos et al., 2007). De acordo com nos papéis ocupacionais de mães, pais
os mesmos autores, algumas expecta- e cuidadores de alunos matriculados
tivas, sonhos e desejos se perdem e o na Associação de Pais e Amigos dos Ex-
impacto do nascimento de uma criança cepcionais, bem como apresentar como
com deficiência é indefinível, pois cada estas mudanças influenciaram no coti-
família terá um enfrentamento diferen- diano, na saúde e na qualidade de vida
te diante da nova realidade. Em muitos dessa população. A contribuição deste
casos, o impacto causado pela notícia estudo convoca a uma reflexão acerca
de um filho com deficiência provoca da sobrecarga de mães, pais ou cuidado-
modificações na rotina, no ambiente, res diante do nascimento de uma criança
no contexto social e financeiro, bem com deficiência, mais especificamente,
como alterações relacionadas aos pa- quanto à importância e ao cuidado que
péis ocupacionais. Para Hilman & Cha- profissionais de saúde, em especial te-
pparo (1995), os papéis ocupacionais se rapeutas ocupacionais, devem ter dian-
referem aos padrões de trabalho, lazer, te do perfil ocupacional destes sujeitos.
descanso associados à cultura e aos mo- Nesse sentido, é necessário analisar o
delos sociais de cada contexto. cotidiano, os desejos, as expectativas,
os sonhos desses pais, mães ou cuida-
Tanto a Terapia Ocupacional, quanto dores, levando em consideração que
a Ciência Ocupacional, compreendem houve uma ruptura dos ideais de vida
os sujeitos como seres ocupacionais. antes desejados, em virtude dos cuida-
Através disso, buscam analisar como dos especiais que a dinâmica familiar
cada um deles percebe as suas ocu- agora apresenta. Abdicar das atividades
pações, e como estas influenciam no des- remuneradas, das relações sociais, entre
envolvimento, na adaptação, na saúde e outras atividades relevantes no cotidia-
na qualidade de vida (Cruz & Emmel, no de mães, pais ou cuidadores, impacta
2013). Entende-se que os papéis ocupa- demasiadamente a qualidade de vida e
cionais influenciam diretamente o dia a os níveis de estresse. Dessa forma, acre-
dia e que, no decorrer da vida, podem dita-se que o estudo aponta uma deman-
se modificar e sofrer rupturas. Os estudos da necessária, que se caracteriza pela
de Barrozo et al. (2015), Behar (2018) e análise ocupacional desses sujeitos e por
Polezi (2021) apontam que, após o nas- um olhar sensível às possibilidades de
cimento de crianças com deficiência, os retomada de alguns papéis ocupacionais
papéis ocupacionais sofrem alterações a partir da reorganização das rotinas.

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Metodologia A coleta de dados consistiu primei-
ramente na aplicação da Lista de Iden-
Trata-se de um estudo com uma abor- tificação de Papéis Ocupacionais, sendo
dagem qualitativa e quantitativa, visando esta uma autoavaliação baseada no Mo-
proporcionar a integração e a discussão delo da Ocupação Humana, desenvol-
conjunta, indo além das limitações de vido primeiramente por Oakley, Kielho-
uma única abordagem (Creswell, 2010). fner, Barris e Reichler em 1986, sendo
Assim, os dados quantitativos foram co- traduzido para português e validado por
letados a partir do instrumento denomi- Júnia Cordeiro por meio da sua disser-
nado Lista de Identificação dos Papéis tação de mestrado (Cordeiro, 2005; Cor-
Ocupacionais (LIPO), que busca enten- deiro et al., 2007).
der qual a percepção do indivíduo acer-
ca dos papéis ao longo da vida (passado, O instrumento foi dividido em duas
presente e futuro), bem como o grau de partes, em que a primeira avaliou os dez
importância que atribuem a cada um de- principais papéis ocupacionais como:
les. A abordagem qualitativa ocorreu por estudante, trabalhador, voluntário, cui-
meio de um roteiro de entrevista semies- dador, serviço doméstico, amigo, mem-
truturada, que buscou compreender, de bro da família, participante em organi-
forma mais detalhada, aspectos relacio- zações, religioso, passatempo/amador e
nados ao tema do estudo. a alternativa “outros”, caso o indivíduo
não contemplasse os papéis existentes.
A pesquisa foi desenvolvida em uma Todos os papéis foram avaliados tam-
escola especial, localizada em uma bém de acordo com o tempo: passado
cidade da região central do Rio Gran- (considerado anterior ao nascimento do
de do Sul, Brasil. Foram considerados filho(a) com deficiência), presente (atual)
como critérios de inclusão para o estu- e futuro (que desejasse realizar poste-
do mães, pais e cuidadores de crianças riormente). Na segunda parte, os dez
e adolescentes, regularmente matricula- papéis ocupacionais foram analisados
dos na escola, que possuíam a idade mí- de acordo com sua importância (Cordei-
nima de dois e máxima de quinze anos. ro, 2005). Os dados quantitativos foram
A amostra foi por conveniência. analisados estatisticamente através do
programa Microsoft Excel (versão 16.0) e
A coleta de dados se deu no perío- foram calculados em forma de frequên-
do de dezembro de 2020 a janeiro de cias absoluta e relativa com valores inse-
2021. Os pais, as mães e os cuidadores, ridos, além disso foram apresentados por
que atenderam ao critério de inclusão, meio de tabelas e gráficos.
foram contatados e informados sobre
objetivo do estudo, e assim, de acordo Realizou-se também uma entrevista
com a disponibilidade e a aceitação de semiestruturada com perguntas aber-
cada um dos participantes, a coleta foi tas elaboradas pela primeira autora.
agendada individualmente. Em deco- Esta, procurou estimular o depoimento
rrência do agravamento da pandemia de livre das pessoas participantes, desen-
COVID-19, a pesquisa teve um número volvendo perguntas sobre as possíveis
limitado de participantes, sendo ao todo mudanças que ocorreram no cotidiano
des pessoas. após a chegada do filho com deficiên-
cia, bem como os desafios e as per-

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cepções. O instrumento e as entrevistas versidade Federal de Santa Maria, sob
foram realizados concomitantemente e parecer nº 4.263.794, homologado em
tiveram duração média de 30 minutos. 08 de setembro de 2020.

Os dados qualitativos foram aprecia-


dos com base na análise de conteúdo
proposta por Bardin (2011), que consiste Resultados e discussão
em uma análise sistemática e em etapas.
Após a realização das entrevistas, os da- Participaram do estudo dez pessoas,
dos foram transcritos, analisados e discu- das quais a maioria eram do sexo femini-
tidos entre as autoras deste estudo. Foram no (n=9; 90%), não aposentado (a) (n=9;
identificados, nos excertos das pessoas 90%). A média de idade foi de 41,8, va-
participantes, conceitos significativos de riando de 26 a 65 anos, dos quais, (n=7;
acordo com o objetivo do estudo. Des- 70%) eram casadas e (n=3; 30%) soltei-
se modo, os dados foram codificados ras. Dentre os participantes, 80% eram
de acordo com a similaridade, gerando mães, 10% pais e 10% cuidadores.
pré-categorias e, posteriormente, após
nova análise, foram criadas categorias. Na figura 1, são apresentados os pa-
Assim, duas categorias foram destaca- péis ocupacionais obtidos por meio da
das e denominadas como: Aprendendo Lista de Identificação dos Papéis Ocu-
a compreender a deficiência: do luto a pacionais e como são desempenhados
aceitação; A importância dos papéis ocu- segundo os tempos passado, presente e
pacionais: rupturas e descobertas. futuro. A categoria outros foi excluída do
gráfico, pois não apresentou demanda
nas entrevistas.

Aspectos éticos Os dez papéis ocupacionais listados


foram analisados de acordo com os crité-
Para garantir a confidencialidade e a rios adotados e descritos na metodologia.
ética, utilizou-se a codificação F (nº), a Destaca-se que o papel de estudante foi
fim de buscar, primeiramente, conver- citado por 70% das pessoas participantes
gências entre as pessoas participantes, como um papel desempenhado no pas-
portanto a letra F evidenciada é referen- sado, e para 30%, além de já terem exer-
te à inicial da palavra “Familiar”, pois cido esse papel no passado, há o desejo
todas se enquadram nesse perfil. Os de retomá-lo no futuro.
respectivos números, de 1 a 10, foram
estabelecidos de acordo com a ordem No papel de trabalhador, 40% das
de realização das entrevistas. Em um pessoas participantes realizam este papel
primeiro momento, as pessoas partici- no presente, 58% desempenharam no
pantes foram informadas sobre o uso de passado e pretendem recuperá-lo no fu-
gravadores e o sigilo das informações, turo. Ainda, apenas 10% nunca foram tra-
assim como ocorreu a leitura do Ter- balhadoras e não desejam ser no futuro.
mo de Consentimento Livre Esclarecido
(TCLE), reforçando a cada participan- O papel de cuidador obteve uma
te seus direitos. O estudo foi aprovado grande percentagem entre as pessoas
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Uni- participantes, pois trata-se de um papel

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Figura 1. Desempenho nos papéis ocupacionais entre participantes do estudo

Fonte: elaboração própria.

que realizaram no passado, realizam no pessoas entrevistadas relataram que não


presente e pretendem realizar no futuro realizaram este papel no passado, mas
(70%). São poucas as que não desem- realizam no presente e pretendem con-
penham este papel no presente, apenas tinuar no futuro. Uma percentagem de
10% não haviam desempenhado este pa- 44,45% relatou desempenhar no passa-
pel no passado, mas realizam no presen- do, desempenhar no presente e preten-
te e pretendem realizar no futuro. der desempenhar no futuro. E 44,45%
realizam no presente e têm o desejo de
Referente ao papel ocupacional de continuar no futuro.
serviço doméstico, a maioria (80%) das
pessoas participantes do estudo respon- Ao observar individualmente os resul-
deu que desempenhou no passado, des- tados, é notável que todos os papéis ocu-
empenha no presente e pretende prosse- pacionais apresentaram diminuição nas
guir no futuro. porcentagens relacionando o passado e o
presente. Este dado indica que, de alguma
Ainda, no papel de amigo, 60% das maneira, a rotina dessas pessoas sofreu
pessoas entrevistadas realizam este pa- impactos diante dos papéis desempenha-
pel no presente, realizaram no passado dos. Dentre estes, os que mais sinalizaram
e têm o desejo de continuar no futuro. quedas foram o de trabalhador e o de
Ademais, 30% responderam que no pre- estudante, sendo os mesmos assinalados
sente não realizam, mas que já realiza- pelas entrevistadas com maior desejo de
ram no passado e pretendem retomá-lo retomada ou continuidade no futuro. Esse
no futuro. indicativo tem relação com o nascimento
dos filhos e as transformações advindas da
Em relação ao papel ocupacional de nova realidade vivenciada.
membro de família, apenas 11,2% das

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Na tabela 1, apresentam-se os dados tário, cuidador, serviço doméstico, ami-
referentes à segunda parte da Lista de go, membro da família e passatempo/
Identificação dos Papéis Ocupacionais, amador também aparecem com o grau
que avalia o grau de importância atribuí- de muita importância para a maioria das
do a cada papel. entrevistadas. Observa-se também que
consideraram o papel de participante em
Os dados referentes à tabela 2 de- organizações com alguma importância.
monstram que todas as pessoas partici- Quanto ao papel atribuído à religião, os
pantes dão maior importância aos papéis resultados indicam que 50% o conside-
de cuidador e de membro de família. Os ram muito importante e 50% atribuem
papéis de estudante, trabalhador, volun- alguma importância.

Tabela 1. Importância dos papéis ocupacionais para participantes do estudo

n: frequência absoluta.

Fonte: elaboração própria.

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Aprendendo a compreender a Ser mãe, para mim, foi tipo um resga-
deficiência: do luto a aceitação te, pois quando tu é mãe, e acho que
principalmente mãe de uma criança
O nascimento de um filho é um dos com deficiência, tu sente muita coi-
momentos mais importantes e marcan- sa, sentimento que nunca havia sen-
tes na vida da família. Segundo Iaco- tido antes. No início, aceitar a defi-
nelli (2013), o bebê idealizado consti- ciência não foi fácil, mas depois que
tuiu-se de uma imaginação interna de compreendi, eu aprendi muita coisa
cada sujeito e do discurso social que também e aprendo até hoje. (F9)
o rodeia. Além disso, a chegada de um
bebê acarreta mudanças significativas Com base nesse depoimento, po-
quanto aos hábitos, às rotinas, aos valo- de-se compreender que esse momento
res, às crenças, bem como ao ambiente. é permeado por diversos sentimentos e
Diante disso, entende-se que as pessoas emoções, passando primeiramente pelo
participantes tenham, de alguma forma, sofrimento e pela incompreensão da si-
alterado sua rotina após o nascimento tuação vivida, em seguida, vivenciando
da criança, envolvendo, portanto, mu- o luto pela perda do filho idealizado e,
danças de papéis ocupacionais na ma- posteriormente, a aceitação da nova rea-
neira de organização das atividades e lidade. Ainda assim, os pais e a rede fa-
das ocupações dos membros da família. miliar compreendem como um processo,
São alterações quanto aos valores e às que exige a busca de alternativas para a
crenças que, com a chegada de um bebê, adaptação ao novo contexto de vida.
muitas vezes passam a ser repensados.
Além disso, destacam-se mudanças nas Foi uma grande mudança, desde
atividades de lazer antes desempenha- o nascimento, até o diagnóstico
das. Observa-se que, as pessoas partici- dele, mas sempre busquei o mel-
pantes, por terem uma criança com defi- hor. Eu não sabia muito bem como
ciência, relatam mudanças significativas lidar, isso me afetou muito, ficava
na forma como percebem a vida de uma com medo. (F6)
maneira geral, demonstrando maior
empatia com o próximo. De las Heras As mudanças relacionadas aos pa-
(2015) destaca que os contextos são péis ocupacionais não se referem ape-
parte da ocupação, visto que, a partir nas às rupturas, mas também à aqui-
dos acontecimentos vivenciados social- sição de novos papéis, como o de
mente e culturalmente, associados aos cuidador (Barrozo et al., 2015). De
fatores pessoais, pode-se compreender a acordo com os dados apresentados na
participação de cada sujeito diante das Lista de Papéis Ocupacionais, obser-
atividades de rotina. Para Barrozo et al. vou-se que os papéis ocupacionais de
(2015), ocorrem diversas mudanças na cuidador e membro de família mantive-
vida pessoal e cotidiana dos pais e dos ram-se com alta percentagem de parti-
cuidadores, relacionadas ao nascimento cipação no decorrer do tempo.
e ao cuidado de pessoas com deficiên-
cia, sendo um exemplo a compreensão Eu sou cuidadora, todos os dias, não
e o comportamento social de cada fa- tem hora, sou eu quem cuido, ele
mília. Esse dado se confirma no relato precisa de muitos cuidados e cuidar
a seguir: dele é o que mais demanda do meu

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tempo. É praticamente vinte e qua- na-se volição. A volição consiste em
tro horas por dia, pois tem que estar pensamentos e sentimentos que geram
sempre de olho, e eu sou a única prazer, valorização, fazendo com que
que fica somente em casa, não es- as pessoas se sintam competentes (For-
tou trabalhando, então é tudo comi- syth & Kielhofner, 2003). Nesse senti-
go, cuidar dele, da casa... (F4) do, destaca-se que as pessoas partici-
pantes do estudo demonstram falta de
Dados similares a esses foram en- motivação, desejo ou volição no mo-
contrados na pesquisa de Parreira et al. mento de vida atual, porém, com uma
(2013), em que o papel de membro de expectativa em retomar experiências e
família apresentou grande importân- sentimentos que lhe causem prazer.
cia para a vida cotidiana dos sujeitos
entrevistados, sendo considerado um O Modelo da Ocupação Humana
elemento de apoio social, que favorece ressalta constructos fundamentais, como
o empoderamento e os auxilia no en- a motivação, a habituação, os valores, a
frentamento da nova realidade. Ainda, causação pessoal, bem como compreen-
de acordo com os dados obtidos nessa de os papéis inseridos nesse contexto,
pesquisa, o papel de passatempo/ama- em que os hábitos, costumes e interesses
dor diminuiu em relação ao passado, se interligam. Dessa forma, são cons-
tendo em vista que muitos participan- truídos padrões de comportamento, em
tes relataram não possuírem tempo que ações são desempenhadas no meio
para realizar atividades de lazer, porém social e cultural de acordo com o que
pretendem recuperá-la no futuro. é esperado diante do papel ocupacio-
nal (Forsyth & Kielhofner, 2013). Sendo
No início, eu abri mão de quase tudo assim, o estudo ressalta que, a partir da
na minha vida, meu trabalho, minha nova realidade enfrentada pelos pais,
vida social, meu lazer… Agora estou, houve a aquisição de novos hábitos, va-
aos poucos, planejando recuperar. lores, crenças e, consequentemente, pa-
Por exemplo, mês que vem eu vou péis ocupacionais. De modo geral, o pre-
começar a ir na academia, que era sente estudo identificou mudanças nos
meu passatempo, era onde eu me papéis ocupacionais dos sujeitos entre-
conectava comigo mesma, acredito vistados relacionadas com o nascimen-
que isso já é um avanço. (F9) to do filho, principalmente no que diz
respeito à dinâmica familiar, aquisição
O papel de passatempo/amador foi de novos papéis, como o de cuidador;
considerado por 90% das pessoas par- abdicação de papéis, como estudante e
ticipantes como de muita importância, trabalhador; bem como diminuição das
destacando o desejo de retomar/iniciar atividades de lazer e do papel de amigo,
esse papel no futuro. Envolver-se em alertando, portanto, para a necessidade
ocupações e papéis que ofereçam lazer de cuidado e atenção diante da saúde
pode ser uma estratégia de enfrenta- emocional e física destes sujeitos que,
mento, assim como é importante para além da sobrecarga gerada pela nova
a qualidade de vida dos sujeitos. Para o realidade, precisaram abandonar, tem-
Modelo da Ocupação Humana, quan- porariamente ou definitivamente, ocu-
do existe a possibilidade de escolha e pações importantes para qualidade de
interpretação do que se faz, denomi- vida e autoestima (ou autoeficácia).

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A importância dos papéis dado indica que os acontecimentos ge-
ocupacionais: rupturas e rados a partir de uma demanda social,
descobertas de saúde ou familiar, podem interferir
nos papéis desempenhados. Por conta
As ocupações são compreendidas da nova realidade, muitos pais, princi-
como um modo ativo do sujeito inter- palmente a figura materna, que compõe
vir no mundo e, assim, ativamente, es- 90% dos entrevistados desta pesquisa,
tar consigo e com os outros (Hocking, veem-se impossibilitados de conciliar
2011). Além disso, as ocupações são a rotina de cuidados com o emprego e
influenciadas pelo tempo, lugar e pe- acabam por abdicar deste, para se de-
las condições sociais e econômicas de dicar integralmente aos filhos, como no
cada sujeito. Acredita-se que os papéis relato a seguir:
ocupacionais estejam diretamente liga-
dos às ocupações. O trabalho foi uma das principais
coisas que precisei abrir mão e me
De acordo com os dados dessa pes- faz muita falta, não somente pelo
quisa, o papel de trabalhador se desta- lado financeiro, mas também porque
ca como um dos mais comprometidos, eu gostava de ter meu dinheiro, gos-
apresentando uma queda significati- tava do meu trabalho e colegas. (F7)
va no presente, visto que apenas 40%
das pessoas participantes mantiveram Para Cruz & Emmel (2013), a influên-
o papel de trabalhador após o nasci- cia do gênero levanta uma questão im-
mento do filho, e 58% têm o desejo de portante sobre os papéis ocupacionais,
retomar esse papel, sendo considerado principalmente em relação ao papel de
por 90% dos entrevistados como mui- cuidador, que indica diferenças entre
to importante. Conforme De las Heras homens e mulheres, podendo estar rela-
(2015), existe uma relação muito estre- cionada às questões culturais e sociais.
ita entre os processos de participação Além da renúncia ao papel de trabalha-
e a mudança ocupacional, em que os dor, os resultados obtidos indicam um
componentes ocupacionais pessoais e declínio nos papéis de amigos e estu-
do ambiente contribuem para a parti- dantes, que deixaram de ser exercidos
cipação nas ocupações. Este estudo quando comparados ao passado, mas
demonstra que o papel do trabalhador obtêm um índice significativo de pre-
sofreu mudanças após o nascimento de tensão para o futuro. Cabe destacar que
um bebê com deficiência, pois, a partir a faixa etária das pessoas participantes
desse acontecimento, as demandas do variou entre 26 e 65 anos, sendo con-
ambiente em que essas famílias vivem siderada uma fase ainda produtiva da
precisaram ser repensadas para que maior parte da população. Isso se reflete
houvesse um cuidado integral. nos 60% que destacam o papel de estu-
dante com muita importância.
Assim, outro processo ocupacional
relevante passa a ser reconhecido – que Estudar, trabalhar e se envolver em
é o da emergência, ou seja, a partici- atividades sociais são ocupações que
pação espontânea em ocupações, que, acarretam reconhecimento, valorização,
no caso deste estudo, está caracteri- sentimento de autoeficácia e autoesti-
zada como o papel de cuidador. Esse ma, influenciando, portanto, na saúde

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mental e emocional. Guerra et al. (2015) mentos com seus filhos, diminuindo
ressaltam que os cuidados aos filhos com a frequência das atividades de lazer e
deficiência em tempo integral podem ge- uma maior seletividade quanto à escol-
rar um distanciamento da identidade de ha aos lugares que os levam, afetando
uma mulher que assume exclusivamente a manutenção de papéis que envolvem
o papel de mãe para que o filho tenha um as relações sociais. A rotina de qualquer
cuidado e um desenvolvimento melhor. mãe, pai ou cuidador de crianças (sejam
elas com deficiência ou não) acarreta
Com a aquisição do papel materno/ transformações. Contudo, para aqueles
paterno, surgem novas demandas na ro- que têm crianças com deficiência, a ro-
tina dos indivíduos, sendo assim, quan- tina de cuidados se torna mais intensa,
do questionados sobre as mudanças nos além da dificuldade de frequentar es-
papéis ocupacionais, todas as pessoas paços acessíveis aos seus filhos ou ain-
participantes relataram que têm relação da uma escola infantil que os receba da
com a participação social. O papel de maneira como merecem e necessitam.
amigo foi mencionado pela maioria das
pessoas. 90% relatam ser um papel mui- Minha vida social mudou, eu saía, vi-
to importante. Os estudos de Estanieski & sitava as pessoas, as pessoas me visi-
Guarany (2015) e Polezi (2021) demons- tavam, e desde que o G. chegou, eu
tram que o papel de amigo deixou de ser precisei ajustar tudo à rotina dele, eu
exercido devido à demanda de cuidados precisei entender, respeitar e ajustar de
especiais pelos filhos, destacando que acordo com o que ele se sente melhor.
não existe um tempo na rotina familiar Ele não consegue ficar muito tempo
para a realização de atividades sociais. longe de mim, o que dificulta a volta
Os cuidados requerem mais assistência, das minhas atividades de lazer, mas aos
supervisão e, portanto, mais envolvimen- poucos vamos conseguindo. (F10)
to nestas ocupações por parte dos cuida-
dores e, consequentemente, estes aban- Segundo Barbosa & Fernandes
donam atividades prazerosas, como estar (2009), o círculo de vida social da fa-
entre amigos, viajar, participar de festas, mília com uma criança com deficiên-
entre outros momentos de lazer e de in- cia geralmente é suprimido de manei-
teração social. ra que os pais, mães e cuidadores, por
muitas vezes, abdiquem de momentos
Eu senti muita falta da minha vida de lazer, de participação social e auto-
social, eu tinha muitos amigos, eu cuidado para atender as demandas de
saía, eu vivia mais, eu dançava, eu cuidado ao filho. Das pessoas entre-
ia a festas, frequentava clubes, e vistadas, 100% consideraram o papel
quando o R. nasceu, eu não conse- de cuidador como muito importante,
gui fazer mais nada disso e eu senti sendo que 70% já realizaram esse pa-
muita falta. Ali eu percebi que era pel no passado, realizam no presente
muito importante para mim minha e pretendem realizar no futuro. Ain-
vida social, até hoje, depois de nove da, oito dos dez sujeitos entrevistados
anos, me faz muita falta. (F7) relataram que, além de tornarem-se
mães/pais, realizam a função de cui-
Os discursos ressaltam que, com a dador principal.
nova rotina, os sujeitos priorizam mo-

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Nesse sentido, constata-se que as Apesar da sobrecarga de cuidados, as
mudanças na rotina, bem como nas re- participantes do estudo demonstraram
lações interpessoais entre os membros modos de enfrentamento, se adaptando
da família, são inevitáveis. Entretanto, ao processo de ter uma pessoa com de-
conforme os dados deste estudo, quan- ficiência na família, e considerando tal
do mães, pais e cuidadores abdicam de processo um período de aprendizagem.
suas atividades de trabalho, relações
sociais, lazer, existe um evidente des- Me tornar mãe do R. me fortaleceu,
conforto e desejo em retomá-los, visto aprendi a ser uma mãe melhor, tan-
que são papéis que fazem falta no co- to para meu filho mais novo quanto
tidiano. É imprescindível que não haja para o meu filho mais velho, aprendi
naturalização dessas rupturas, uma vez a ter mais empatia, passei a olhar as
que, ao tornar-se cuidador de uma pes- pessoas e o mundo de uma forma
soa com deficiência, existe uma sobre- diferente. (F4)
carga e uma diminuição de atividades
que estimulam o bem-estar e lazer, o Destaca-se que, quanto às relações
que pode ocasionar prejuízos na qua- sociais, cinco participantes relataram
lidade de vida e adoecimento. Para o a troca de experiências de vida com
Modelo da Ocupação Humana, sempre outros pais e cuidadores como algo
existe uma inter-relação no que tange relevante, sendo considerada uma es-
a como as pessoas se sentem estimu- tratégia que ajudou na adaptação de si-
ladas e motivadas para desempenhar tuações vivenciadas no cotidiano. Esse
suas atividades ou ocupações (volição), contato, de certa forma, gera tranquili-
e como estão realizando essa ação ao dade, pois os indivíduos percebem que
longo do tempo repetidamente (habi- outros também vivenciam experiências
tuação). A cada momento em que as semelhantes a sua.
ocupações são realizadas novamente,
elas podem se alterar quanto à forma O nascimento do D. foi uma apren-
como são percebidas as capacidades dizagem, uma nova forma de amar. A
de desempenho. Essas situações são melhor coisa que aconteceu na min-
desenvolvidas em um contexto físico, ha vida... Tu aprende a amar também
cultural, financeiro, facilitando ou di- o filho do outro, eu conheci pessoas
ficultando o engajamento ocupacional incríveis, que pude compartilhar ex-
(Taylor, 2017). periências e que me ajudou a perce-
ber que tudo é aprendizado. (F9 )
Eu tive depressão. No início foi muito
difícil, mas agora eu estou bem. Eu co- Desta maneira, percebe-se a impor-
mecei a fazer tipo uma caixinha orga- tância do estabelecimento de uma rede
nizadora na minha vida, e comecei a mínima de suporte social para que o
separar, me dei conta que eu sou mãe cuidador possa realizar, além das ativi-
da E., do G., sou esposa, sou filha e dades destinadas ao cuidado, atividades
sou mulher também, então eu preci- e estratégias para que o seu autocuidado,
sava também me colocar como prio- entretenimento e lazer sejam mantidos.
ridade. (F5)
A pesquisa ainda identificou, através
da Lista de papéis ocupacionais e da en-

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trevista, dados que destacam inicialmente indivíduos de se transformarem e de
a busca dos familiares pela compreensão transformar a realidade em que vivem,
acerca da deficiência, considerando esse além de oferecer condição de encontrar,
um processo de aprendizagem. em si mesmo e ao redor de si, todos os
elementos que lhe permitem criar essa
O que mudou bastante para mim, capacidade de superação.
foi a questão de enxergar as pessoas
com deficiência, antes me lembro A gente aprende muito com as
de chamar as pessoas de “doentin- crianças com deficiência. Hoje eu
has”, e achar que tudo bem. Hoje eu me tornei um ser humano melhor,
percebi que estava errado, aprendi eu aprendi a valorizar muitas coisas
muito e ainda estou aprendendo, e valorizar as pessoas, hoje eu dou
hoje sei que é uma deficiência, que muito mais valor a tudo, devido aos
faz parte dela... A sociedade muitas ensinamentos que meu filho me
vezes trata as pessoas com deficiên- trouxe. (F6)
cia de outra maneira, então eu mu-
dei totalmente meus pensamentos. Diante do exposto, pode-se observar
Hoje em dia, busco sempre estar in- o quanto o nascimento de uma criança
formado e passar informação a ou- com deficiência representa um univer-
tras pessoas. (F2) so de desafios e mudanças no cotidiano
da família. Sendo assim, destaca-se a
Ainda, identificaram-se semelhanças importância do terapeuta ocupacional,
entre as falas das pessoas participantes, visto ser o profissional apto a analisar
assim como expressões que indicam o perfil e a identidade ocupacional, o
realizações, desejos e mudanças, ou contexto de vida e a relevância de cada
seja, expectativas em relação ao futuro. ocupação.

Ela precisa da nossa ajuda com cer- Dessa forma, o profissional poderá
teza, mas a gente precisa sempre atuar na reorganização do cotidiano dos
investir nela, fazê-la ficar mais in- pais, mães e cuidadores, resgatando a
dependente ainda, então eu nunca realização de atividades significativas
vou deixar de fazer nada em função abdicadas, advindas do cuidado ao filho,
das limitações dela, e também vou além da organização da rotina, escuta e
sempre incentivar ela a tentar, mes- acolhimento. Para Polatajko et al. (2013),
mo com as dificuldades. (F1) deve existir equilíbrio entre as ocupações
e as demandas internas. Assim, desta-
Percebe-se então que as fases de ne- ca-se que, quando existe um desequilí-
gação e luto, identificadas inicialmente, brio destas, pode haver impacto na ro-
cedem lugar para uma fase de aceitação tina, gerando desarmonia, problemas de
e de reorganização. A percepção de pos- saúde física e emocional, bem como dis-
sibilidades mantém a esperança nos pais, função ocupacional. Identificou-se que
mães e cuidadores, que demonstram (a as alterações na rotina se caracterizam
partir de suas falas) expectativas e idea- por um processo de adaptação, desen-
lizações. Segundo Ferreira et al. (2012), volvido conforme a capacidade de resi-
a resiliência é uma ferramenta de trans- liência de cada rede familiar.
formação humana, pois dá o poder aos

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Por fim, destaca-se que apesar dos cotidiano, sendo necessária a reestrutu-
problemas que perpassam a questão da ração familiar, redefinição de papéis e
deficiência na família, os familiares rea- criação de novas possibilidades.
giram às adversidades, adaptaram-se às
alterações e encararam essa realidade Como desafio encontrado para ela-
com persistência, solidariedade, criativi- boração deste estudo, revela-se a es-
dade e, principalmente, amor. cassez de produções da Terapia Ocupa-
cional voltadas para a temática, sendo
necessário o desenvolvimento de mais
estudos acerca desse tema. Além disso,
o número de participantes foi limitado,
Considerações finais devido ao enfrentamento da pandemia
de COVID-19, que dificultou o acesso e
Com base neste estudo, foi possível o contato com as famílias.
observar que, após o nascimento da
criança com deficiência, as famílias en- Por fim, se faz necessário que seja
trevistadas apresentaram alterações no ampliada a percepção dos profissionais
desempenho de seus papéis ocupacio- da saúde acerca das alterações encon-
nais. Dentre esses papéis, destacam-se tradas no âmbito familiar após o nasci-
os de trabalhador, amigo e estudante. mento de uma criança com deficiência,
Além disso, nota-se que os familiares ti- possibilitando a compreensão da reali-
veram seu dia a dia, suas tarefas e seus dade que os cerca. Acredita-se que este
papéis modificados por um tempo que estudo possa contribuir com as famí-
varia de acordo com a realidade de cada lias de crianças com deficiência, assim
núcleo familiar, devido aos cuidados como poderá subsidiar futuras pesquisas
necessários à criança, o que acarretou de intervenção do terapeuta ocupacio-
queda de atividades de autocuidado, nal, buscando ampliar o cotidiano, além
lazer, alterações quanto à volição, à ha- de recuperar o desempenho ocupacio-
bituação, aos valores, às crenças e aos nal e os papéis ocupacionais, estimulan-
hábitos. Diante da identificação de que do o resgate de cada indivíduo.
houve uma diminuição na participação
de papéis desempenhados para o tempo
presente, considera-se a necessidade de
readaptação desses sujeitos e do incen-
tivo à participação em papéis ocupacio-
nais – que são considerados importantes
no cotidiano dos entrevistados.

Os papéis ocupacionais de cuida-


dor e de serviços domésticos mantive-
ram-se durante todos os períodos, sendo
citados como os principais papéis rea-
lizados no dia a dia. As pessoas entre-
vistadas desenvolveram estratégias (que
não foram contempladas neste estudo),
para se adaptarem às mudanças no seu

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