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JFEVEREIRO 2023 17ª EDIÇÃO

R E V I S T A

Lobby, 2ª instância, cassinos:


novo Congresso herda projetos
com discussões “eternas”

Brasil quer financiar Marcel Van Hattem


gasoduto na Argentina Secos e molhados: sobre
enquanto “desperdiça” o papel de oposição
gás do pré-sal inerente à imprensa
Índice
Editorial: Rodrigo Pacheco na Presidência do
03
Senado

Marcel van Hattem: secos e molhados, sobre o


09
papel de oposição inerente à imprensa

Diogo Schelp: o Pacote de Democracia pode se


18
tornar o Pacote da Censura

Lobby, 2ª instância, cassinos: novo Congresso


28
herda projetos com discussões “eternas”

Brasil quer financiar gasoduto na Argentina


38
enquanto “desperdiça” gás do pré-sal

Onde estão os George Soros de direita? 49

Carne artificial: no futuro seremos obrigados a


60
comê-la?

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Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, cumprimenta Rodrigo


Pacheco pela reeleição.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

| Editorial

Rodrigo Pacheco na Presidência


do Senado
Como já ressaltamos, a independência do
Congresso é uma condição necessária para que o
Legislativo possa atuar da forma como se
espera: com liberdade para legislar e analisar
projetos em favor do país. Nesse sentido,
havíamos pontuado que a melhor escolha para o

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Senado seria um candidato que refletisse a


composição da casa, majoritariamente
conservadora, e não um aliado do Executivo.
Mas os senadores acabaram escolhendo,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que obteve 49
votos contra 32 recebidos por Rogério Marinho
(PL-RN). Eduardo Girão (Podemos-CE)
renunciou à sua candidatura pouco antes da
votação, declarando apoio a Marinho.

Pacheco era o nome de preferência de Lula –


que, inclusive, usou o velho toma-lá-dá-cá
para conquistar mais votos para o aliado. Dias
antes da eleição, o Planalto passou a negociar
cargos do segundo e terceiro escalão do
Executivo nos estados, como superintendências
e estatais, para quem votasse em Pacheco. Não
há dúvida de que Lula cobrará esse apoio num
futuro próximo e vai tentar pressionar o Senado
a atender suas demandas.

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Que Rodrigo Pacheco, escolhido


pela maioria dos senadores como
presidente do Senado, possa ter a
hombridade necessária para
desempenhar bem o seu papel.

Ainda assim, como presidente do Senado – e do


Congresso – pela segunda vez, espera-se que
Pacheco possa finalmente perceber a gravidade
do momento em que vivemos e dos perigos da
falta de independência entre os Três Poderes.
Uma sinalização positiva nesse sentido foi o
discurso de Pacheco pouco antes da votação, ao
dizer que “não abre mão” da independência do
Legislativo. Mesmo sem citar diretamente o
apoio a uma possível CPI para investigar
eventuais abusos do Judiciário – algo que
julgamos ser fundamental – o senador mineiro
também indicou que pode colocar em discussão
temas como a fixação de um mandato para

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ministros do Supremo Tribunal Federal e regras


para decisões monocráticas da Corte. Até então,
essas eram pautas defendidas apenas pelos
senadores da oposição, como Rogério Marinho.

Pacheco disse “reconhecer reclamações" sobre


o Judiciário e que é preciso “cumprir o nosso
papel” e exercer “o poder de legislar”. E
convidou os senadores a “legislar para colocar
limite aos Poderes”. “Se há um problema nos
pedidos de vista do STF e aos tribunais
superiores, legislemos para isso. Se há um
problema de incompetência do STF, legislemos
para isso”, afirmou.

Embora sejam apenas palavras, elas dão a


entender que ao menos Pacheco reconhece que
os excessos na atuação do Judiciário é um tema
de interesse dos senadores. Mesmo sendo um
aliado de Lula e até do Judiciário – o ministro do

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STF, Alexandre de Moraes, foi um apoiador


informal da candidatura de Pacheco à
Presidência do Senado – espera-se que um
político com a experiência e atuação equilibrada
como Pacheco tenha a sensibilidade necessária
para ouvir as demandas da população e dos
demais senadores.

Sabemos que ao presidente do Senado cabe ditar


o ritmo de atuação da casa, podendo acelerar a
discussão de temas e projetos, atrasá-los ou
mesmo engavetá-los. Ainda assim, não se trata
de uma atuação isolada: ele é o presidente do
Senado e não pode dar-se ao luxo de legislar
apenas para si ou seus aliados. Senadores da
oposição já adiantaram que vão manter a pres-
são para que o Senado siga uma posição de
independência em relação ao Planalto, além de
cobrarem que a casa volte a ter protagonismo
dentro dos debates do poder Legislativo.

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Como o próprio Pacheco disse após ser eleito,


não há espaço para que o Senado seja subser-
viente com a Presidência da República ou com o
Supremo Tribunal Federal. “Um Senado que se
subjuga ao Executivo é um Senado covarde, e
nós não permitiremos que isso aconteça”,
afirmou. Que Rodrigo Pacheco, escolhido pela
maioria dos senadores como presidente do
Senado, possa ter a hombridade necessária para
colocar as próprias palavras em prática e
desempenhar bem o seu papel, sem colocar os
interesses do país em segundo plano, com
autonomia, independência e consciência de seu
papel.

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Marcel van Hattem

Foto: Bigstock

Secos e molhados: sobre o papel


de oposição inerente à
imprensa
Primeiro de fevereiro de 2023: primeiro dia de
um novo mandato como deputado federal na
Câmara dos Deputados e, feliz coincidência, dia
da publicação do meu primeiro artigo na Gazeta

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do Povo. Começo, portanto, agradecendo à


Gazeta pelo convite que me foi feito para ocupar
este espaço para debater o presente e o futuro
do nosso país. Detalhe relevantíssimo: com
total liberdade. “O senhor poderá nos enviar
semanalmente a coluna, cujo tema o senhor
poderá definir livremente e cujo conteúdo não
sofrerá nenhuma interferência editorial”: assim
me foi feito o convite por Jônatas Dias Lima,
editor de opinião desta Gazeta.

Tal observação feita pelo editor deveria ser


completamente trivial, talvez até mesmo
expletiva. No entanto, decidi incluí-la no meu
artigo inaugural. Por quê?

Porque, com honrosas exceções dentre as quais


esta Gazeta, infelizmente grande parte dos
meios de comunicação brasileiro tem,
nitidamente, receio de publicar opiniões com

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potencial de desagradar determinados


poderosos ou, pior ainda, nutre alianças
espúrias com quem está no poder. Quando
observo tais comportamentos na mídia,
lembro-me da frase do saudoso ensaísta e
também jornalista Millôr Fernandes: "Imprensa
é oposição. O resto é armazém de secos e
molhados".

Imprensa é oposição a discursos e práticas que


infrinjam o legal, o constitucional, o moral, o
ético. Imprensa é oposição em defesa de
princípios e valores sem os quais a vida em
sociedade não é possível. Imprensa é oposição à
tirania do mais forte em defesa do Império das
Leis e da Constituição. O resto, como já dizia o
poeta, não é imprensa: é sua própria corrupção.
Como porém evitar a degeneração da atividade
jornalística e sua deformação a ponto de
torná-la algo que não é, nem deveria ser?

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Os desafios que ora vivemos no Brasil


impõem-nos essa desconfortável, mas
necessária pergunta. Quando vemos órgãos
judiciais, que deveriam garantir justamente a
segurança jurídica e o fiel cumprimento da
Constituição, desrespeitando liberdades e
garantias individuais; censurando, ilegal e
inconstitucionalmente sem o devido processo
legal, até mesmo jornalistas, é preciso se
perguntar com firmeza: onde está a solução?

Imprensa é oposição a discursos e


práticas que infrinjam o legal, o
constitucional, o moral, o ético.
Imprensa é oposição em defesa de
princípios e valores sem os quais a
vida em sociedade não é possível.

É claro que a coragem daqueles que se opõem ao


arbítrio e que se recusam a se calar diante das

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ameaças diretas ou veladas é fundamental, mas


não é suficiente. Em outras palavras: a defesa e
abertura incondicional à liberdade de expressão
e de imprensa que esta Gazeta, por exemplo, dá
a seus colaboradores e jornalistas são essenciais
para navegarmos as revoltosas águas até
contornarmos o terrível cabo que avistamos e
assim mantermos a perspectiva de boa
esperança. Mas apenas esperar a tempestade
passar, obviamente, não é o suficiente pois o
risco de naufrágio é iminente.

O arbítrio e o autoritarismo se agigantam no


silêncio e na omissão, atitudes indesculpáveis
para quem tem como principal ferramenta de
trabalho a própria voz e como principal local de
atuação a tribuna parlamentar. O Congresso
Nacional precisa se reerguer da condição
submissa em que hoje se encontra, vassalo dos
Poderes Executivo e Judiciário, para

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posicionar-se nos limites do que são suas


verdadeiras atribuições constitucionais: legislar
e fiscalizar. É no Congresso que está a solução.

A usurpação pelo Poder Judiciário, em particular


do Supremo Tribunal Federal (STF), do poder de
legislar do Congresso Nacional, vem ocorrendo
gradativamente ao longo das últimas décadas
até chegar ao cúmulo de um único ministro da
Corte, monocraticamente, possuir o poder de
desfazer com sua caneta uma decisão colegiada
de 513 deputados e 81 senadores. A inibição de
parlamentares em fiscalizar os demais poderes,
seja por viciada relação de conchavos nada
republicanos com o Poder Executivo, seja em
virtude do foro privilegiado e do temor em ser
julgado pelo Poder Judiciário, é por sua vez
incompatível com a democracia, com o Estado
de Direito e a sadia divisão de poderes. É
incompatível com a própria natureza da

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representação parlamentar, que decorre do


empréstimo, periodicamente renovado por
meio do sufrágio universal, da soberania
popular a deputados e senadores que
representam na sua pluralidade o que pensa a
nação. O governo de plantão não possui essa
condição, uma vez que não representa a
pluralidade mas a maioria; muito menos a tem o
Poder Judiciário, cujos membros não são eleitos
no nosso país.

Cabe ao Congresso a responsabilidade principal


por restabelecer a correta independência e
harmonia entre os Poderes. Esta convicção
precisa nortear a atuação de deputados e
senadores ao longo dos próximos quatro anos:
não é um Presidente da República nem um Juiz
quem decide o que é democracia e quais são as
liberdades fundamentais no Brasil. Foi por meio
do Parlamento que tais valores foram inscritos

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na Constituição da forma como o foram, e é


principalmente ao Congresso que cabe
recuperar a democracia, as liberdades e o Estado
de Direito no país.

É pela disseminação desta consciência coletiva


dentre meus colegas parlamentares que atuarei
ao longo do mandato que se inicia hoje. Nada é
mais importante e prioritário para o Brasil do
que o reerguimento do seu Parlamento como
protagonista da democracia. As decisões que
deputados e senadores vierem a tomar ao longo
dos próximos dias e meses gerarão as
consequências sentidas na sociedade nos
próximos anos e décadas.

Que tais decisões sejam, nesse novo mandato,


na direção de mais liberdade (inclusive de
imprensa, expressão e opinião) e de
fortalecimento da democracia e do Estado de

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Direito. Enquanto isso, que se sintam


parabenizados aqueles que, como corajosa
resistência, não se calam diante de desmandos,
bem como aqueles que, mesmo diante de altos
custos de toda sorte (pessoais, políticos ou
empresariais), optam por seguir defendendo os
princípios éticos que norteiam suas atividades -
como é o caso da Gazeta do Povo -, em lugar de
se degenerarem a ponto de se tornarem meros
armazéns de secos e molhados.

Autor: Marcel van Hattem é deputado federal em segundo mandato pelo


NOVO-RS, possui bacharelado em Relações Internacionais e
especialização em Direito, Economia e Democracia Constitucional,
ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É mestre
em Ciência Política pela Universidade de Leiden; em Jornalismo, Mídia e
Globalização pelas Universidades de Aarhus/Dinamarca e de Amsterdã -
Holanda. Marcel é egresso do Programa de Liderança Política, Social e
Empresarial da Georgetown University em Washington, D.C., Estados
Unidos. Na Câmara dos Deputados, Marcel é presidente da Frente
Parlamentar pelo Livre Mercado.

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Diogo Schelp

O ministro da Justiça, Flávio Dino| Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O Pacote de Democracia pode se


tornar o Pacote da Censura
Já disse antes e repito: a sociedade precisa ficar
atenta para que as medidas adotadas para
defender a democracia não ultrapassem os
limites da própria democracia, justificando a
normalização da censura, do desrespeito ao

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devido processo legal e da arbitrariedade


judicial. Essa necessária atenção agora precisa
se voltar para o conjunto de medidas para inibir
impulsos golpistas que vem sendo chamado
pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, de Pacote
da Democracia.

As propostas foram apresentadas a Lula na


semana passada e algumas delas devem ser
encaminhadas ao Congresso Nacional nos
próximos dias.

E se o atual ou um futuro governo


resolverem usar a Guarda Nacional
para oprimir manifestações
legítimas?

O pacote inclui uma PEC (Proposta de Emenda à


Constituição) para a criar uma Guarda Nacional,
cuja finalidade seria proteger os prédios
públicos de Brasília e atuar em operações

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especiais nas fronteiras e em terras indígenas e


de conservação; um projeto de lei para
endurecer as penas para crimes contra o Estado
Democrático de Direito e de Terrorismo,
incluindo penas específicas para quem atenta
contra a vida dos presidentes da República, do
Senado, da Câmara e do STF; um projeto de lei
para facilitar o arresto de bens de financiadores
de atos contra a democracia; e uma Medida
Provisória (MP) para coibir postagens de cunho
golpista na internet.

Há indícios fortes de que as forças de segurança


do Distrito Federal e o Exército falharam (por
comissão ou omissão, ainda se está
investigando) em suas obrigações, permitindo
que ocorressem as cenas de vandalismo do
último dia 8 de janeiro na invasão das sedes dos
Três Poderes por manifestantes que almejavam

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um golpe de Estado para depor o presidente


Lula.

Flávio Dino quer que as empresas


digitais, o que inclui as mídias
sociais, sejam responsáveis por
filtrar os conteúdos golpistas.

Mas não está claro que a criação de uma nova


força, no caso a Guarda Nacional, é realmente
necessária e justifica o custo adicional que isso
certamente trará aos cofres públicos.

O governo petista sente que, por não ter


controle total sobre o Exército e sobre a Polícia
Militar do DF, não está imune a outros episódios
semelhantes. Por isso quer ter uma força
específica sob seu comando direto. Mas isso
também pode ser temerário, a depender das
circunstâncias. E se o atual ou um futuro
governo resolverem usar a Guarda Nacional

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para oprimir manifestações legítimas ou para


atividades de repressão que extrapolam sua
jurisdição?

Os dois anteprojetos que visam a endurecer as


penas e o bloqueio de bens para quem pratica ou
financia crimes contra o Estado Democrático de
Direito são menos controversos, pois
basicamente tornam mais rígidas as punições
para quem se aventura em tentativas golpistas,
o que já está tipificado em lei. No que se refere à
Lei Antiterrorismo, porém, de nada adianta
aumentar as penas se o texto continuar
excluindo a motivação política da definição de
terrorismo.

O mais preocupante no tal Pacote da


Democracia, porém, é o plano de editar uma
medida provisória para impedir a disseminação
de conteúdo golpista na internet, ou seja,

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mensagens que incitem crimes contra as


instituições democráticas, conforme previsto
nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.

No que se refere à Lei


Antiterrorismo, de nada adianta
aumentar as penas se o texto
continuar excluindo a motivação
política da definição de terrorismo.

Flávio Dino quer que as empresas digitais, o que


inclui as mídias sociais, sejam responsáveis por
filtrar os conteúdos golpistas, além de serem
obrigadas a respeitar um prazo de apenas duas
horas para remover postagens por
determinação judicial.

Essas medidas são perigosas, pois podem levar


à institucionalização da censura. Obrigam
empresas que controlam Facebook, Twitter,
Instagram, TikTok, entre outras, a criar equipes

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ou algoritmos dedicados à subjetiva missão de


decidir quais conteúdos são ou não ameaças ao
Estado Democrático de Direito. Além disso, essa
parte do Pacote da Democracia proposto por
Dino coloca nas mãos dos juízes um
instrumento sumário de censura a posteriori
que não dá chance de defesa aos autores das
postagens.

Mais dia, menos dia, críticas


legítimas ao governo ou a membros
do Três Poderes serão interpretadas
como ataques às instituições
democráticas.

Além dos riscos embutidos na medida em si,


causa estranheza a forma como o Ministério da
Justiça pretende colocar isso em prática: por
meio de Medida Provisória, e não de um Projeto
de Lei. O correto seria submeter uma ideia tão

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polêmica, com potencial para violar o direito


constitucional à liberdade de expressão, para
ser discutida com profundidade no Congresso
— por exemplo, incluindo o cerne da proposta
na Lei das Fake News, que já está em tramitação
na Câmara dos Deputados.

Ao defender que a questão seja discutida no


Legislativo, não estou dizendo que ela deve ser
aprovada, apenas que algo dessa gravidade não
pode ser implantado com uma simples canetada
presidencial.

Em 2017, a Venezuela aprovou (por meios


inconstitucionais, diga-se de passagem) a Lei
contra o Ódio, que na superfície também se
propunha a cumprir um objetivo nobre, no caso
"desarmar" as "vozes da violência, do
terrorismo e do crime", nas palavras do
procurador-geral Tarek Saab. Na prática,

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porém, a lei serviu para silenciar críticas de


caráter político e para reprimir a imprensa e a
oposição.

Um levantamento feito pela Reuters em 2020


com mais de 40 prisões que haviam sido feitas
com base na Lei contra o Ódio revelou que
todas, absolutamente todas, eram punições a
cidadãos que haviam criticado o ditador Nicolás
Maduro ou outros figurões do chavismo.

Um dos que foram punidos com base na tal lei


era um ex-vereador que havia criticado o
prefeito de uma cidade venezuelana por ter feito
pouco ou nada para conter a pandemia de
covid-19. O prefeito recorreu à procuradoria
para que o seu opositor fosse denunciado e
preso por crime de ódio, no que foi prontamente
atendido.

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É por situações semelhantes a essa que o Pacote


da Democracia pode se tornar o Pacote da
Censura. Mais dia, menos dia, críticas legítimas
ao governo ou a membros do Três Poderes serão
interpretadas como ataques às instituições
democráticas.

Autor: Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista


Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em
quase duas dezenas de países e é coautor dos livros
"Correspondente de Guerra" (Editora Contexto), finalista do
Prêmio Jabuti 2017, e "No Teto do Mundo" (Editora Leya)..

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Manifestante protesta contra os jogos de azar, em audiência na Câmara em


2016. | Foto: Agência Câmara

Lobby, 2ª instância, cassinos:


novo Congresso herda projetos
com discussões “eternas”
Por Olavo Soares

A atual legislatura do Congresso Nacional, que


teve na renovação uma de suas principais
características, se encerra sem que deputados e
senadores conseguissem concluir o debate de
alguns temas que tramitam há anos – ou em

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alguns casos, décadas – na Câmara e no Senado.


A finalização das discussões e a apreciação
desses assuntos no plenário agora é um dos
desafios dos parlamentares que assumiram seus
mandatos no dia 1º de fevereiro.

A lista de projetos que aguardam conclusão


inclui a regulamentação do lobby, a prisão de
condenados em segunda instância, a legalização
de cassinos e outros jogos de azar, e as reformas
tributária e administrativa.

Regulamentação do lobby

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou


no fim de novembro o projeto de lei que
regulamenta o lobby no Brasil, depois de anos
de discussão – a proposta inicial foi
apresentada em 2007. Mas como a tramitação
foi lenta, não sobrou tempo na atual legislatura
para que o assunto fosse debatido no Senado –

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para onde o projeto foi remetido após a


aprovação na Câmara.

O lobby é praticado por grupos de interesse que


procuram deputados e senadores para
defenderem seus pontos de vista na discussão
de projetos de lei. Congressistas favoráveis à
regulamentação dizem que a normatização dará
transparência ao processo, com a identificação
dos lobistas e um estímulo para que os atos se
deem "na superfície", e não de forma
escondida.

Legalização dos jogos de azar

O projeto que regulamenta os jogos de azar foi


apresentado no Congresso há mais de três
décadas – mais precisamente, em 1991. De
autoria do ex-deputado Renato Vianna
(PMDB-SC), foi aprovado pela Câmara em
fevereiro de 2022. Na versão final, a proposta

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legaliza cassinos, bingos, jogo do bicho e sites


de aposta esportiva. Após a aprovação dos
deputados, o projeto foi remetido ao Senado,
onde não passou por tramitações significativas
desde então.

A proposta costuma reunir dois grandes grupos.


Os favoráveis à iniciativa dizem que a
legalização dos jogos pode contribuir com a
arrecadação de impostos e o incremento do
turismo. Já os adversários dizem que cassinos,
por exemplo, são utilizados para lavagem de
dinheiro; e que os jogos de azar podem
estimular o vício.

Essa divisão ocorreu dentro da base de apoio do


governo Jair Bolsonaro: a ala "liberal" defendia
a aprovação da proposta, enquanto a bancada
evangélica, corrente importante de apoio ao
ex-presidente, se opôs. O próprio Bolsonaro

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disse que vetaria a proposição se houvesse a


aprovação do Congresso.

Reforma tributária

O governo Bolsonaro fracassou na tentativa de


aprovar a reforma tributária, apesar de todos os
esforços do ex-ministro da Economia, Paulo
Guedes. O conjunto de propostas, porém, não
encontrou o consenso necessário para
aprovação no Congresso.

Agora, o ministro da Fazenda, Fernando


Haddad, diz que pretende aprovar uma reforma
tributária ainda no primeiro semestre de 2023.
Haddad afirmou mais de uma vez que
reformular o sistema de impostos do país é uma
prioridade para o governo Luiz Inácio Lula da
Silva, a fim de corrigir injustiças e aumentar a
arrecadação federal.

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A reforma pode sair via projetos que já estão


tramitando no Congresso desde 2019. Um deles
é de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly
(Podemos-PR), que não foi reeleito em outubro.
Outro tem a assinatura formal do deputado
reeleito Baleia Rossi (MDB-SP), mas foi
formulado pelo economista Bernard Appy,
recém-nomeado secretário especial da reforma
tributária do governo Lula.

Reforma administrativa e "supersalários"

A reforma administrativa é outro projeto que


não saiu do papel durante a atual legislatura. A
proposta previa um novo modelo de serviço
público que retire privilégios e reestruture
carreiras. Mas encontrou forte resistência ao
longo de sua tramitação, em especial de
corporações de servidores públicos.

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Já o projeto que coíbe os "supersalários" no


funcionalismo público conseguiu ser aprovado
na Câmara. Mas está travado no Senado desde
2021. A proposta tem raros opositores públicos,
mas ainda assim não desfruta de apoio efetivo
para garantir sua aprovação.

Homeschooling

A educação domiciliar (ou homeschooling) é


discutida pelo Congresso desde pelo menos
2012, quando uma proposta sobre o tema foi
apresentada pelo deputado Lincoln Portela
(PL-MG). O assunto ganhou força após a eleição
de 2018, já que o tema é defendido por grande
parte dos apoiadores do ex-presidente Jair
Bolsonaro.

Em 2022, um projeto sobre homeschooling foi


aprovado na Câmara. A proposta foi remetida ao
Senado e está sob avaliação da Casa desde o

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meio do ano. Mas senadores admitem que o


tema divide opiniões e deve ter dificuldades
para ser aprovado.

Prisão em segunda instância

A prisão de condenados em segunda instância


judicial ganhou força no Congresso em 2019,
quando Lula foi solto após o Supremo Tribunal
Federal (STF) rever seu entendimento sobre o
tema. Na ocasião, deputados e senadores
apresentarem uma série de projetos sobre o
assunto. As iniciativas sugeriam mudar o
Código de Processo Penal ou a Constituição para
alterar o conceito de trânsito em julgado
(quando não há mais a possibilidade de recurso
judicial) – e, assim, garantir o encarceramento
dos condenados em duas instâncias.

A chegada da pandemia da Covid-19, porém,


mudou o foco do Congresso no início de 2020.

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Desde então, a prisão em segunda instância saiu


do radar de prioridades. O assunto recebeu
holofotes em dezembro de 2021, após a
comissão especial sobre o projeto pautar sua
votação. Mas recuou após uma manobra que
trocou os integrantes do colegiado. A proposta
pode recuperar espaço agora com a chegada ao
Congresso de membros da chamada "bancada
da Lava Jato", como o senador eleito Sergio
Moro (União Brasil-PR) e o futuro deputado
Deltan Dallagnol (Podemos-PR).

Escolha de ministros do STF e fim do mandato


vitalício

Outra proposta que acabou influenciada pela


pandemia foi a de rever o processo de escolha de
ministros do STF e o estabelecimento de um
prazo para seus mandatos.

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A ideia havia sido colocada pelo então


presidente do Senado Davi Alcolumbre (União
Brasil-AP) como uma das prioridades do
Congresso para 2020. Uma proposta em
discussão fixava em dez anos o mandato dos
ministros do STF e determinava que a escolha
não mais seria livre do presidente da República,
e sim partiria de uma lista tríplice. Mas a crise
sanitária da Covid-19 mudou as prioridades. E a
proposição acabou não avançando, inclusive
após a pandemia ter se enfraquecido.

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Por falta de estrutura de escoamento, país reinjeta nos poços boa parte do gás
natural que é extraído.| Foto: Marcelo Alves Vieira/Agência Petrobras

Brasil quer financiar gasoduto na


Argentina enquanto “desperdiça”
gás do pré-sal
Por Célio Yano

Para além dos riscos financeiros e da discussão


sobre o viés ideológico na tomada de decisões, o
anúncio da intenção do governo federal de financi-
ar a construção de um gasoduto na Argentina para

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o escoamento do insumo ao mercado brasileiro


expõe uma contradição, segundo especialistas.

Embora o empreendimento possa de fato beneficiar


o Brasil com uma alternativa à importação do com-
bustível boliviano, o investimento poderia ser mais
vantajoso para o país caso fosse direcionado à
infraestrutura de transporte de gás em território
nacional.

Hoje quase três quartos do gás natural produzido


no Brasil vêm da exploração da camada do pré-sal,
por meio de plataformas offshore. Praticamente
metade do que é extraído, no entanto, acaba
reinjetado justamente por falta de estrutura para
escoamento.

De acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás


Natural e Biocombustíveis (ANP), em média 2,07
bilhões de metros cúbicos, o equivalente a 49,6%
de toda a produção brasileira do combustível,

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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foram devolvidos aos poços mensalmente em 2022.


A média mundial de reinjeção de gás natural é da
ordem de 20%.

A redução pela metade do volume de gás reinjetado


viabilizaria investimentos da ordem de R$ 98
bilhões em novos projetos das indústrias química,
petroquímica e de fertilizantes, que utilizam o
composto de hidrocarbonetos como
matéria-prima, segundo a Coalizão pela
Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima.

A entidade, que reúne representantes desses


setores e da indústria de gás natural, calcula que o
montante permitiria um aumento de R$ 402
bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
nominal, além de gerar 2,8 milhões de novos
empregos, aumentar em R$ 54 bilhões a massa
salarial e ampliar em R$ 9 bilhões a arrecadação do
Estado por meio de impostos. Na semana passada,

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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os dados foram apresentados ao ministro de Minas


e Energia, Alexandre Silveira, segundo reportou a
revista especializada Megawhatt.

"O Brasil é um país que tem a rede de gasodutos


muito ruim, com poucos quilômetros de vias de
transporte se comparado a outros países, inclusive
à própria Argentina", diz Pedro Rodrigues, sócio e
diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura
(CBIE), consultoria do setor de energia.

Segundo o CBIE, a malha dutoviária do Brasil para


transporte de gás natural tem cerca de 9,5 mil
quilômetros, enquanto a Argentina tem 16 mil
quilômetros de dutos para o combustível, embora
seu território corresponda a um terço do brasileiro.
"Então será que a prioridade de investimento do
BNDES deveria ser o gasoduto da Argentina? Será
que não há outras infraestruturas no Brasil para se
investir primeiro?", questiona Rodrigues.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Ele ressalta que, além das rotas de escoamento da


produção offshore, o país poderia investir em uma
rede para interiorização do combustível. "Hoje só
2% da população brasileira tem acesso a gás
natural residencial, enquanto 98% das pessoas
ainda utilizam somente o botijão de gás", diz.

A lei que privatizou a Eletrobras prevê a construção


de cinco novos gasodutos de transporte de gás
natural com o objetivo de interiorizar o acesso ao
insumo e anteder à demanda de novas termelétri-
cas. Os projetos incluídos no Plano Indicativo de
Gasodutos de Transporte (PIG) da Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) somam mil quilômetros
de extensão, ao custo de R$ 20,5 bilhões.

BNDES deve financiar R$ 4,2 bilhões para


construção de gasoduto argentino

As obras da primeira etapa da construção do


gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina, estão em

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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andamento desde 2021 e consumiram até agora o


investimento de 180 bilhões de pesos, o equivalente
a R$ 4,9 bilhões na cotação atual.

Em dezembro passado, o governo argentino


anunciou que o BNDES financiaria US$ 689
milhões (cerca de R$ 3,49 bilhões na cotação atual)
para a construção da segunda etapa do gasoduto,
conforme noticiou a imprensa local.

Segundo informou esta semana o jornal O Estado


de S.Paulo, no entanto, o valor deve chegar a US$
820 milhões (R$ 4,16 bihões). Detalhes como
sistema de taxas, prazos e garantias devem ser
tratados em uma viagem do ministro da Economia
argentino, Sergio Massa, ao Brasil no início de
fevereiro.

O segundo trecho do gasoduto permitira o


escoamento do gás extraído da reserva de Vaca
Muerta, na bacia de Neuquén, na Patagônia, até a

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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fronteira com o Brasil. O BNDES entraria com


recursos para financiar a fabricação de tubos por
uma empresa brasileira, que participaria de uma
licitação para a obra.

Mais de um terço do gás natural consumido no


Brasil é importado

Enquanto reinjeta praticamente metade do gás


natural que é extraído dos campos do pré-sal, o
Brasil importou, em média, 24,79 milhões de
metros cúbicos do combustível por dia em 2022,
segundo dados do Boletim de Acompanhamento da
Indústria de Gás Natural, do Ministério de Minas e
Energia, atualizados até outubro. O volume
corresponde a 34,2% de toda a oferta do insumo no
país no período (72,45 milhões de metros cúbicos).

Do total importado, 69,6% foi proveniente da


Bolívia, enquanto o restante é importado na forma
de Gás Natural Liquefeito (GNL) de países como

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Estados Unidos, Reino Unido, Nigéria, Angola,


Argentina, Singapura, Catar, Trinidad e Tobago e
Suíça. Nesse estado, o insumo é transportado em
navios e precisa passar por um processo de
regaseificação para ser utilizado.

A maior parte da demanda do produto (60,6%) é


para utilização em refinarias, fábricas de fertili-
zantes e uso do gás como matéria-prima industrial.
Cerca de 23% é consumido por termelétricas, para
geração de energia, e outros 9,2% como combustí-
vel automotivo. O uso doméstico corresponde a
apenas 2,1% da demanda do gás natural.

"Quando a gente fala de oferta de gás natural,


qualquer oferta que o Brasil tenha de um produto
mais barato é benéfica. Aumentar a oferta de gás,
do ponto de vista do mercado, é bom", diz Pedro
Rodrigues, do CBIE. "Mas o projeto tem algumas
interrogações que a gente tem de fazer."

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Além da contradição de se investir em um gasoduto


argentino em meio a um cenário de escassez de
estrutura de transporte de gás no Brasil, há questi-
onamentos em relação ao impacto socioambiental
do empreendimento, que contrariariam o compro-
misso do atual governo brasileiro em relação à
defesa do meio ambiente e dos povos originários.

Comunidades do povo indígena Mapuche e peque-


nos agricultores que habitam a região de Vaca
Muerta estariam entre as populações mais afeta-
das, segundo a organização não-governamental
350.org, que critica o anúncio do governo.

Segundo a entidade, a província de


Neuquén,embora seja um centro da exploração de
petróleo e gás na Argentina, continua a ser uma das
mais pobres e endividadas do país. "Nos
municípios onde o fracking é extraído, há milhares
de famílias sem acesso, inclusive, ao próprio gás

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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obtido na região, que dependem de lenha para


aquecer suas casas", diz nota da organização.

A reserva de Vaca Muerta é uma formação


geológica rica no chamado shale gas, ou gás de
xisto, um tipo de rocha com aspecto folheado que
abrigar os combustíveis fósseis em frestas. O
processo para extração de gás desse tipo de
formação é conhecido como "fracking" (de
"hydraulic fracturing"), porque exige o
fraturamento do solo e a inserção de água e outros
compostos para liberação dos hidrocarbonetos.

A técnica é criticada por ambientalistas por ser


considerada danosa ao meio ambiente e à saúde da
população que vive nos arredores dos campos de
exploração. Diversos países proíbem o
procedimento, que não é regulamentado no Brasil.

Rodrigues, do CBIE, diz que avanços tecnológicos


permitiram mitigar seus riscos ambientais. "O que

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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existe nesse aspecto é essa incongruência: no Brasil


a gente tem shale gas, só que por questões
ambientais a gente não explora esse potencial. Mas
importamos gás dos Estados Unidos que é de shale
e estamos ajudando a construir um duto para trazer
esse gás."

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Bilionário George Soros, fundador da Open Society Foundations.| Foto:


Divulgação/Open Society

Onde estão os George Soros de


direita?
Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

Em 2021, a Open Society Foundations, do megabi-


lionário George Soros, despejou R$ 107 milhões em
ongs brasileiras – nenhuma delas com princípios
que possam ser considerados de direita. Como
mostrou a Gazeta do Povo, a lista de beneficiados
inclui organizações que defendem o

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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desencarceramento de presos, a pauta LGBT e a


legalização das drogas.

A entidade criada por George Soros não é a única.


Embora com um orçamento menor do que a Open
Society, outras organizações internacionais
poderosas agem de forma parecida: a Fundação
Ford e a Oak Foundation, por exemplo, distribuem
centenas de milhões de dólares anualmente ao
redor do globo, inclusive no Brasil.

Pelas leis brasileiras, o recebimento dos recursos


não é proibido. Mas a falta de transparência sobre a
fonte dos recursos e o volume significativo de
dólares enviado a ongs que não sobreviveriam sem
esses aportes criam um problema grave: a
distorção do debate público em um país no qual
causas defendidas pela Open Society, como a defesa
do aborto e das drogas, nunca foram populares.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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O protagonismo da Open Society e de organizações


similares também provoca um questionamento:
onde estão os George Soros de direita? A resposta
curta é: eles não existem.

Diferença conceitual

Não necessariamente os ultrarricos com tendências


progressistas são mais caridosos que os seus
contrapartes de direita. A diferença é o destino dos
recursos. A esquerda contemporânea, que por vezes
se intitula “liberal” e (pelo menos no Ocidente)
deixou para trás o marxismo ortodoxo, tem uma
visão internacionalista. A direita é mais nacionalis-
ta. Por isso, em vez de esquerda x direita, talvez
seja mais apropriado falar em um confronto entre
nacional e global.

George Soros, a Fundação Ford e a Fundação Oak


atuam globalmente. Isso porque os progressistas
acreditam que algumas causas (os direitos LGBT,

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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por exemplo) devem ser promovidas em todos os


países. Já a grande maioria dos grupos que se
identificam como conservadores prioriza o local.
Faz sentido: um dos pilares do conservadorismo é o
apreço pelas tradições específicas, acompanhada
de uma rejeição pela homogeneidade global.

Nos EUA, caridade com foco local

Nos EUA, por exemplo, não faltam doadores para


organizações de direita. A Heritage Foundation,
principal centro de pesquisas conservador do país,
teve em 2021 um orçamento de US$ 82 milhões.
Nenhum centavo saiu dos cofres públicos. O valor
foi inteiramente bancado por doadores privados.

Também nos Estados Unidos, os irmãos


americanos Charles e David Koch, que juntos têm
um patrimônio de mais de US$ 100 bilhões, são
conhecidos por financiarem organizações e
candidatos de direita. Eles mantêm o Stand

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Together, uma fundação que distribui recursos a


organizações não-governamentais de forma
semelhante à Open Society de George Soros. Mas a
diferença é que os irmãos Koch priorizam o
treinamento de jovens líderes com o propósito de
defender a causa da liberdade.

Os irmãos Koch, entretanto, também defendem a


legalização das drogas e a redução do encarcera-
mento, além de apoiarem a remoção das barreiras à
imigração. Ou seja: se por um lado eles apoiam
causas caras aos liberais e conservadores, como o
livre mercado e a liberdade de expressão, por outro
eles parecem se alinhar aos progressistas. Por isso,
eles podem ser mais adequadamente classificados
como libertários do que como conservadores.

Outro grande financiador de movimentos de


direita, este sim conservador, é David Green,
fundador das lojas Hobby Lobby, que vendem

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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objetos para o lar. Dono de uma fortuna de US$ 14


bilhões, ele ajudou a criar o Museu da Bíblia, um
prédio moderno no centro da capital americana que
se propõe a apresentar o Livro Sagrado de uma
forma interativa. Ele também financia faculdades
cristãs e entidades que defendem a liberdade
religiosa, cada vez mais ameaçada nos Estados
Unidos por causa da radicalização do movimento
LGBT. Green financia ainda um programa que leva
universitários americanos para conhecer Israel.

Entre os grandes empresários americanos que se


notabilizaram por contribuir para causas à direita
também estão Steve Forbes, fundador da revista
Forbes, e a família Cathy, dona da cadeia de
fast-food Chick-fil-A.

Todos eles têm algo em comum: o foco de suas


doações são os Estados Unidos. Não há registro de
David Green financiando projetos na América

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Latina ou na África, por exemplo. Por isso, não é


possível descrevê-lo como um "George Soros de
direita".

No Brasil, falta estratégia e visão de longo prazo

No Brasil, existem exemplos semelhantes aos dos


americanos: Salim Mattar, dono da Localiza, e
Helio Beltrão, fundador do Instituto Mises, ajudam
a financiar organizações de perfil liberal ou
conservador. O mesmo vale para Alexandre
Ostrowiecki e Renato Feder, donos da Multilaser.

Mas nenhum desses empresários à direita tem um


poder de fogo comparável ao de George Soros,
tampouco atua de forma estruturada para financiar
organizações que se alinhem com sua visão
política. Geralmente, as doações são feitas na
condição de cidadãos privados, e não por meio de
fundações com estrutura própria.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Para Giuliano Miotto, presidente do Instituto


Liberdade e Justiça, ainda falta visão de longo prazo
aos empresários. “Muitos empresários brasileiros
que investem dinheiro em candidatos a cargos
políticos ainda não conseguiram entender a
importância de se investir em projetos focados no
médio e longo prazos, ou para a formação de massa
crítica pensante”, diz ele.

Ainda segundo Miotto, a alocação dos recursos não


favorece o surgimento de novas organizações de
direita. "Os poucos recursos que são investidos em
ideias conservadoras ou liberais acabam fluindo
para o financiamento de meia dúzia de institutos
que já possuem uma estrutura maior ou, o que é
pior, para campanhas de candidatos políticos com
esses discursos ou para influenciadores com
centenas de milhares de seguidores", afirma.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Exceção à regra, Atlas Network tem poder de fogo


reduzido

Apesar de o próprio caráter das ideias


conservadoras impedir que haja um “George Soros
de direita”, que distribua recursos globalmente,
existe uma organização que se aproxima
ligeiramente da Open Society: a Atlas Network.

Criada pelo empresário britânico Antony Fisher em


1981, a entidade com sede em Washington mantém
uma extensa rede de parceiros ao redor do planeta.
Mas as doações são bem mais modestas do que as
de George Soros (geralmente, na casa das dezenas
de milhares de dólares). A diferença de escala é
enorme: em 2020, o orçamento total da Atlas para
2020 foi de US$ 12,9 milhões. No mesmo ano, a
Open Society gastou US$ 1,3 bilhão.

A Atlas afirma que a sua missão é "aumentar a


prosperidade global ao fortalecer uma rede de

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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organizações parceiras independentes que


promovem a liberdade individual e são
comprometidas em identificar e remover barreiras
ao florescimento humano".

No Brasil, a entidade ajudou a financiar organiza-


ções como o MBL e o Students for Liberty Brasil.

Projeto de lei anti-Soros

Uma das críticas a Soros é o fato de sua atuação


desequilibrar o debate sobre temas importantes em
países nos quais atua. Isso acontece no Brasil, onde
entidades financiadas pelo bilionário ocupam um
espaço desproporcional na discussão sobre
políticas públicas. Por outro lado, como impedir
que isso aconteça sem violar os direitos de
organizações não-governamentais?

No ano passado, o então deputado Paulo Eduardo


Martins (PSC-PR) apresentou um projeto de lei que

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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tenta dar mais transparência nesse quesito. O PL


736/2022 propõe que ongs sejam obrigadas a
prestar contas semestralmente de tudo o que foi
recebido de fora do Brasil. O texto também cria um
cadastro de todas as ongs brasileiras financiadas
com recursos estrangeiros.

“Não queremos isolar o Brasil das boas iniciativas


internacionais, mas queremos proteger o nosso
país de interesses internacionais. Por isso é
fundamental que o brasileiro conheça quem
financia os bravos militantes que defendem o
direito de assassinar bebês ou instrumentalizar
indígenas”, afirmou Martins à Gazeta do Povo.

A proposta, entretanto, não avançou na Câmara até


agora.

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Enquanto tentam resolver o desafio da escalabilidade do produto, as empresas


planejam convencer o mercado consumidor de que a carne artificial é mais
ecológica e ética do que a tradicional| Foto: Bigstock

Carne artificial: no futuro


seremos obrigados a comê-la?
Por Bruna Komarchesqui

Desde que o consumo de carne passou a ser


considerado o vilão das mudanças climáticas, o
prato do consumidor tem se tornado um dos
campos de batalha mais acirrados do planeta.
Longe de ser uma questão de liberdade individual,
como defendem os conservadores, para os

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progressistas “comer menos carne é um ato


político”, como argumenta o Greenpeace. O debate
promete se intensificar nos próximos anos, com a
ascensão da carne produzida em laboratório,
novidade que deve chegar a alguns restaurantes
americanos ainda em 2023 e aos mercados até
2028. Enquanto tentam resolver o desafio da
escalabilidade do produto, as empresas planejam
convencer o mercado consumidor de que a carne
artificial é mais ecológica e ética do que a
tradicional. Com o ativismo alimentar simpático à
ideia, em um futuro não tão distante seremos
obrigados a comer carne cultivada no lugar de
carne natural?

Como não envolve o abate de animais, apenas a


coleta de células para replicação dos tecidos em
laboratório, a carne cultivada aparece como uma
alternativa de alimentação mais “ética” para quem
não come proteína animal por razões morais. O fato

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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de o processo ocorrer em um recipiente de aço, e


não em um pasto aberto, também chama a atenção
de quem está preocupado com o impacto
ambiental. A Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que a
pecuária é responsável por 14,5% das emissões
mundiais de gases de efeito estufa.

“A carne cultivada pode ser uma solução


promissora porque permite que os consumidores
continuem comendo carne e, ao mesmo tempo,
compensam os encargos ambientais da produção
em massa de carne”, defende Janet Tomiyama, do
Departamento de Psicologia da Universidade da
Califórnia, e outros colegas pesquisadores, em um
estudo sobre a percepção do público acerca da
carne artificial. Os autores concordam que os
humanos são evolutivamente predispostos a
desconfiar de alimentos desconhecidos e defendem
que as barreiras à aceitação pelo consumidor

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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“exigirão diferentes abordagens – algumas


resolvidas pela ciência e tecnologia, outras pela
educação e outras ainda por políticas”.

Jan Dutkiewicz, pós-doutor em ciência política pela


Universidade Johns Hopkins, concorda que não é
mais preciso escolher entre ser sustentável e comer
hambúrguer: a solução “está nas startups de ‘carne
limpa’ do Vale do Silício”. “A agricultura celular,
por sua vez, usa células-tronco de animais para
cultivar carne em um ambiente de laboratório que é
geneticamente análogo à carne de animais
abatidos. A startup Memphis Meats já produziu
almôndegas indistinguíveis das reais. Em
comparação com a carne convencional, a carne
limpa gera 96% menos emissões de GEE [gases de
efeito estufa] e usa 99% menos terra e até 96%
menos água”, comenta.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Dutkiewicz defende a rápida regulamentação e


investimentos públicos na nova tecnologia, que
ainda tem os desafios de reduzir custos e aumentar
a produção, para ser uma alternativa à carne real.

Autor do livro “Como evitar um desastre


climático”, o fundador da Microsoft, Bill Gates,
defende que “os países ricos devem mudar
totalmente para a carne sintética” em vista da
saúde planetária. “Eu não acho que os 80 países
mais pobres vão comer carne sintética. Acho que
todos os países ricos deveriam mudar para carne
bovina 100% sintética. Você pode se acostumar
com a diferença de sabor, e a alegação é que eles
vão torná-lo ainda melhor com o tempo”, afirma,
defendendo desde incentivos à mudança de
comportamento do consumidor até o uso da
“regulamentação para mudar totalmente a
demanda”.

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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Até o momento, apenas Singapura tem aprovação


para a venda de carne artificial no varejo. Em
novembro, a FDA, agência federal do Departamento
de Saúde dos Estados Unidos, disse que um peito de
frango cultivado em laboratório pela UPSIDE
Foods, com sede na Califórnia, era seguro para
consumo humano. A empresa ainda aguarda
inspeção do Departamento de Agricultura e a
aprovação de seus rótulos, para seguir com os
planos de distribuição nos próximos cinco anos.

Temores de coerção

A defesa da carne cultivada como alternativa à


proteína animal tradicional aparece em um
contexto de guerra cultural intensa, aumentando
temores de que a solução seja imposta à população,
tão logo se torne viável economicamente.

Rumores sobre planos governamentais de banir o


consumo de carne cresceram nos Estados Unidos

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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em 2021, com o Green New Deal, de Biden. “O plano


climático de Joe Biden inclui cortar 90% da carne
vermelha de nossas dietas até 2030. Eles querem
nos limitar a cerca de quatro quilos por ano. Por
que Joe não fica fora da minha cozinha?”,
protestou na ocasião a deputada republicana
Lauren Boebert, do Colorado.

De acordo com a imprensa americana, no entanto,


a notícia de que Biden pretendia limitar a
alimentação dos cidadãos surgiu do cruzamento
equivocado das propostas climáticas do governo
com um trabalho acadêmico feito em 2020, na
Universidade de Michigan, que estimava possíveis
impactos de mudanças hipotéticas na dieta dos
americanos.

“Não, hambúrgueres, costeletas e bifes não serão


proibidos, mas com toda a probabilidade serão
racionados, ainda que pelo preço e não pela lei. A

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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perspectiva de que taxas de gases de efeito estufa


cada vez mais onerosas – e inegavelmente
regressivas – possam ser impostas à carne está
longe de ser remota”, pondera Andrew Stuttaford,
editor da revista conservadora National Review.

Para o analista, é bom que cientistas possam


“desenvolver carne alternativa nutritiva, de custo
competitivo e saborosa à base de plantas ou
cultivada em laboratório”, mas isso apenas deveria
ampliar “a escolha do consumidor”. “A bem-vinda
disponibilidade de uma gama crescente de
alternativas (eu as experimentaria) não deve se
tornar um caminho para a proibição ou taxação
penal da carne ‘real’, um prazer que beneficiou
nossa espécie por milhões de anos”, defende
Stuttaford.

A coerção, seja por meio de leis proibitivas ou de


taxação (o que tornaria, por exemplo, a carne real

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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uma alternativa possível apenas para os ricos), é


um dos pontos do ativismo alimentar duramente
criticado por conservadores. “Quando um
conservador é vegano, ele simplesmente não come
carne. Quando um progressista é vegano, ele não
quer que VOCÊ coma carne”, argumenta Dan
Lakey, fazendeiro do estado americano de Idaho.

Guerra à carne

De acordo com uma reportagem da agência de


notícias Associated Press, o consumo de carne
passou para o centro da guerra cultural americana,
juntamente com “aborto, controle de armas e
direitos dos transgêneros”. Enquanto a deputada
democrata de Nova York Alexandria Ocasio-Cortez
defende um esboço ambiental que aponta a
necessidade da redução na produção de gado, a
senadora republicana Joni Ernst, de Iowa,
apresentou, em abril de 2021, um projeto de lei para

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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impedir agências federais de estabelecer políticas


proibindo servir carne aos funcionários em
determinados dias da semana. Para ela, as
“segundas-feiras sem carne” são uma “guerra à
carne” como outras já travadas anteriormente,
contra o Natal, por exemplo.

Na Europa, ativistas também têm declarado guerra


à carne e a quem a consome. Em setembro do ano
passado, a filial alemã de um grupo de direitos dos
animais chamado Peta defendeu que homens que
comem carne (o que seria um “sinal de
masculinidade tóxica”) deveriam ser proibidos de
fazer sexo e se reproduzirem, para “salvar o
planeta”. “Agora há comprovação científica de que
a masculinidade tóxica também prejudica o clima.
Portanto, um pesado imposto sobre a carne, de 41%
para os homens, seria apropriado. Uma proibição
de sexo ou procriação para todos os homens que
comem carne também seria importante neste

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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contexto”, disse Daniel Cox, líder da Peta


Alemanha.

No mês seguinte, o Comitê de Participação Cidadã e


Petições Públicas do Parlamento Escocês prometeu
considerar uma petição sobre a proibição de carne
em todo o país, entre 2023 e 2040. O pedido foi
apresentado por Roger Green, da Vote With Your
Fork [Vote com seu garfo], uma campanha que luta
por um mundo sem carne no futuro. Segundo
Green, um membro do Parlamento “concordou
amplamente com o conteúdo e a proposta” e outro
estava de acordo com alguns pontos, mas ainda não
convencido de que a proibição de carne seria viável.

Na mesma época, a cidade de Haarlem, na Holanda,


anunciou que vai ser a primeira do mundo a banir
anúncios de carne em espaços públicos a partir de
2024, em decorrência do impacto climático da
proteína animal. "Proibir propaganda por motivos

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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de origem política é quase ditatorial", disse o


vereador Joey Rademaker, do partido de direita
BVNL, que classificou a medida como uma violação
da liberdade empresarial, possivelmente fatal para
suinocultores. “As autoridades estão indo longe
demais ao dizer às pessoas o que é melhor para
elas", afirmou a Organização Central do Setor de
Carnes à rede BBC.

Sinalização de virtude

Nos últimos anos, relatórios climáticos têm


apontado a proteína bovina como o alimento que
mais contribui para emissões de gases de efeito
estufa e desmatamentos em regiões como
Amazônia e Cerrado. Isso porque o gás carbônico e
o metano são emitidos na pecuária em três
momentos: no desmatamento de áreas usadas para
pasto, na erosão do solo da pastagem e no processo
de fermentação gástrica dos bovinos. Embora

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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estudiosos apontem boas práticas no campo como


saídas importantes para reduzir os impactos da
atividade econômica, há opiniões mais radicais,
que defendem a eliminação completa do consumo
de carne para conter o aquecimento.

“De longe, a coisa mais importante que você pode


fazer é surpreendentemente simples: você pode
parar de comer carne”, disparava um artigo na
imprensa americana em 2016, quando o tema
começou a ganhar mais espaço, baseado em dados
divulgados uma década antes pela FAO.

Em 2018, a We Work, gigante do coworking que


opera em cerca de 38 países, resolveu banir a carne
de eventos corporativos e das refeições de seus 6
mil funcionários. A proibição abrange carne
vermelha, aves e suínos, com o objetivo de “deixar
um mundo melhor para as gerações futuras”.
“Novas pesquisas indicam que evitar a carne é uma

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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das maiores coisas que um indivíduo pode fazer


para reduzir seu impacto ambiental pessoal –
ainda mais do que mudar para um carro híbrido”,
disse o cofundador da empresa, Miguel McKelvey,
em comunicado.

O analista financeiro Felix Salmon definiu a medida


como “paternalismo arrogante” por parte do
bilionário, “cuja pegada de carbono pessoal está
certamente entre os 0,1% dos cidadãos globais”
[um estudo mostra que o 1% mais rico do mundo
emite mais que o dobro de carbono que metade da
população mais pobre]. “Haveria maneiras muito
mais fáceis e eficazes de reduzir a pegada de
carbono da empresa. E embora a política
certamente economize uma certa quantia de
dinheiro, duvido que essa seja a motivação
principal. Em vez disso, este é um estudo de caso
perfeito em sinalização de virtude. Chame isso de
vegetarianismo performático: essa é uma política

Gazeta do Povo Revista – Ed.17 Fevereiro/2023


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que ganhará aplausos de McKelvey e status social


entre os bilionários woke [lacradores] de Powder
Mountain [maior estação de esqui dos EUA,
bastante frequentada por milionários], ao custo de
enormes dores de cabeça de RH e ressentimento
generalizado dos funcionários”, criticou.

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PARA SE APROFUNDAR

● Editorial: Um penduricalho institucionalizado


para o Ministério Público

● Lúcio Vaz: Viagens de Lira custaram R$ 4,8


milhões em 2022. Você pagou a conta

● Governista ou de oposição a Lula? Como será o


novo Congresso

● Governo quer mudar impostos sobre o consumo.


O que reforma pode fazer pela economia

● Governo Lula abre espaço para linguagem neutra;


entenda por que isso é um erro

● Aras se manifesta a favor de retirar os campos


“mãe” e “pai” de registros de nascimento

● General americano alerta que EUA podem entrar


em guerra com a China em 2025

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