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________ Conferência no XI Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e

Documentação. João Pessoa, janeiro de 1982.


ESCOLAR, H. El lector, la lectura, la comunicación. Madri: Anaba, 1972.

FITTIPALDI, M. e outros. A crise não é de livros. Folhetim, n 214, Folha


de São Paulo, 22/2/1981.
FREIRE, P. Conferência de Abertura do III Congresso de Leitura do Brasil
(3 COLE) — Campinas, Unicamp, novembro de 1981.
GADOTTI, M. O Mobral: a pedagogia do colonizador a serviço da domina-
ção cultural. In Educação e poder .— Introdução à pedagogia do
conflito. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.
HOLLANDA, C.B. I love Cuba. Pasquim, n 666, 1/4/1982. LEITURA COMO PROCESSO INFERENCIAL
MACCOBY, E. Efeitos da televisão sobre as crianças. In Panorama da NUM UNIVERSO CULTURAL-COGNITIVO'
Comunicação Coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
MARQUES DE MELO, J. Presença do jornal na escola: iniciação ao
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Luiz Antônio Marcuschi2
Vozes, 1981.
_______ . Subdesenvolvimento, urbanização e comunicação. Petrópolis:
Vozes, 1976. Experiência comum a todos nós na vida diária é a constatação
McMURTRIE, D.C. O livro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkiam, 1969. de grande diversidade entre as compreensões apresentadas nas ver-
sões de um mesmo texto. Embora trivial, esta observação é inquie -
MEDINA, C.A. de. A função social do livro na atual realidade brasileira. tante e coloca sérias questões não só para a Lingüística, como também
Rio de Janeiro: Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências para a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia e outras ciências. Meu
Sociais, 1975. Mimeo. objetivo, neste estudo, é investigar algumas das razões dessa diVer-
MILANESI, L. O paraíso via Embratel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. sidade tomando a leitura como processo inferencial.
PETERSON, T. e outros. Os meios de comunicação e a sociedade moderna.
Ao propor a leitura como processo inferencial, estou isolando
Rio de Janeiro: Edições GRD, 1969.
apenas um aspecto no conjunto de uma série de atividades cognitivas
realizadas durante a leitura. Pois a leitura adulta é uma atividade que
envolve elaborações semânticas, pragmáticas, lógicas e culturais,

1 Leitura: Teoria e Prática, n° 5, ano 4. Porto Alegre: ALB/Mercado Aberto,


junho de 1985. Publicado originalmente nos Anais do I Encontro
Interdisciplinar de Leitura. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 1984,
pp. 21-44.
2. Depto de Letras-Universidade Federal de Pernambuco-UFPe.

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entre outras. Depende de uma série de fatores lingüísticos e extralin-
güísticos, sendo algo muito mais complexo que a decifração de um conhecimentos armazenam-se era_u/lidanes,
suposto "sentido literal". tais como "festa de Natal", "casa", "automóvel". Estes repre-
sentariam modelos lexicais estabilizados com um feixe de
Quanto à noção de leitura, partilho da posição de Goodman
propriedades sem uma ordem hierárquica ou lógica, mas bem definidos.
(1967), que critica a tese de que a leitura seja um processo preciso
Seriam responsáveis por certas recuperações automáticas de vazios
que envolve uma percepção exata, detalhada e seqüencial, com
no texto, como no seguinte caso:
identificação de letras, sílabas, palavras, estruturas sintáticas, propo-
sições e outras coisas mais. Na verdade, a leitura é um processo de
— I) O carro deu urna freada brusca. Os pneus chiaram.
seleção que se dá como um jogo com avanço de predições, recuos
Todos sabemos que entre os dois enunciados pressupomos
para correções, não se faz linearmente, progride em pequenos blocos
ou fatias e não produz compreensões definitivas. Trata-se de um ato (inserimos) automaticamente um outro:
1') Um carro tem pneus.
de interação comunicativa que se desenvolve entre o leitor e o autor,
com base no texto, não se podendo prever com segurança os resulta - E com isto garantimos a coerência daquele texto 1.
dos. Mesmo os textos mais simples podem oferecer as "compreensõ-
es" mais inesperadas.
Deixando de lado urna enorme quantidade de aspectos teóri- Para outros autores como Schank e Abelson (1977), os conhe-
cos e técnicos importantes, tentarei mostrar em que medida o contexto cimentos não são redes lexicais, mas sim conceituais, por eles deno-
sociocultural, os conhecimentos_cle--nwnde iências e ar s minadas de scripts, que representariam seqüências especializadas de
crenças individuais influenciam na organização das i.nferênciak-du- acontecimentos, eventos ou estados, sem se prenderem a itens lexi-
rante a leitura. Como lembra Spiro (1980), apesar de pouco saber- cais. Assim, num texto como:
mos a respeito do problema da compreensão de textos, já emerge
como fundamental um consenso, ou seja, que os conhecimentos 2) O carro que João dirigia bateu num poste. Quando a
individuais afetam decisivamente a compreensão, de modo que o ambulância chegou, transportou-o para x.
sentido não reside no texto. Assim, embora o texto permaneça como
o ponto de partida para a sua compreensão, ele só se tornará uma
unidade de sentido na interação com o leitor. Não é difícil avançar o preenchimento de x como sendo
Um aspecto importante a ser considerado como instrumento "hospital" ou "pronto-socorro", em virtude da dependência concei-
de trabalho na compreensão de texto é a memória. Muitos são os tual existente, e não devido aos conhecimentos lexicais como tal.
modelos teóricos hoje disponíveis na Psicologia Cognitiva, nas pes-
Outra teoria muito conhecida é a dos es uemas de van Dijk
quisas da Inteligência Artificial, na Lingüística de Texto e outras
(1980) entre outros. Os esquemas são unidades de nível mais alto
áreas, que tentam explicar como os conhecimentos individuais se
que os anteriores, organizam seqüências de eventos como no caso
organizam na memória. Para uns, como Minsky (1975), que é repre-
de histórias ou narrativas em que são ativadas macrocategorias tais
sentativo das investigações no campo da Inteligência Artificial, os
como "personagem", "ação", "intriga", "solução", "conclusão"

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permite que se consiga resumir textos, ordená-los de forma diversa e sua elaboração para o
do original, memorizá-los e reproduzi-los. processamento cognitivo quanto das informações e compreensão
Não interessa aqui aprofundar a questão nem discutir se estas textual.
teorias são adequadas ou não. Brown e Yule (1983), por exemplo, É um fato que na vida diária as conclusões conscientes (infe-
fazem severas críticas a tais teorias cognitivas, mostrando que na rências conscientes) são em muito menor número que as inconscientes
maioria dos casos estes modelos têm aplicação limitada a dois ou três (cf. Johnson-Laird e Wason, 1977, p. 341). Nem sempre conseguimos
enunciados, nem servem a textos maiores. Seja como for, o certo é justificar por que concluímos certas coisas nem sempre sabemos
que a memória não é um repositório caótico de coisas e sim um como combinamos ou transformamos elementos significantes em
instrumento estruturado e estruturante, com grande dinamismo e novas informações proposicionais, ou seja, nem sempre sabemos por
capaz de se reorganizar a todo momento. É, pois, com base neste pano que inferimos aquilo que acabamos de dizer. Em muitos casos, certas
de fundo e admitindo que a~ria forma um conjunto dinâmico compreensões de texto devem-se a problemas de organização do
de conhecimentos que_funeimam comp . hipóteses de trabalho a próprio texto, tais como a ambigüidade, excesso de pronominaliza-
serem ativadas pelo input textual que prosseguirei neste estudo. ção, que dificultam a recuperação de referentes e produzem desarti-
culações no próprio texto. Mas este é um problema fácil de se
De resto, não creio que haja razões sérias para se duvidar que os
conhecimentos individuais pré-existentes, sejam quais forem, ativam identificar e sanar, de modo que não deve desviar-nos de nosso ponto
--
de vista. Quanto a isto remeto aos estudos de Kato (1982) e Perini
durante a leitura determinados esquemas, frames, scripts, modelos ou
(1982).
cenários que determinam, nos indivíduo c -
mente diferentes para o mesmo texto (cf. Spiro, 1980). Quando enfatizo Em relação ao texto, tomo-o como uma unidade lingüística
que a memória é dinâmica e o indivíduo é capaz de rever seus esquemas, numa ocorrência comunicativa. Ele não é simplesmente uma soma
refazer suas hipóteses e reorientar a compreensão, isto significa que a de sentenças coesas e coerentes, pois estes não são fatores sempre
estabilidade dos esquemas é apenas uma hipótese. No entanto, há um necessários ou suficientes. O texto é urna espécie de estímulo inter-
limite além do qual certas expectativas não entram, formando isto uma mediário entre o autor e o leitor, ambos com conhecimentos de
grande restrição, resistência ou rejeição de eventos ou sentidos. Assim, mundo e sistemas de referência próprios. Resultado de estratégias e
por exemplo, se eu nesta exposição me levantasse e iniciasse a cantar o operações que controlam e regulam unidades morfológicas, lexicais,
Hino Nacional, alguns seriam assaltados por sérias dúvidas a respeito de sintáticas e sentidos numa ocorrência comunicativa, o texto submete-
minha saúde mental, outros me tornariam por um fanático ou veriam em se a estabilizadores internos e externos para formar uma unidade de
mim um exibicionista. sentido.
Partindo da conhecida noção de contexto de situação, quero, Num texto, há muito mais de implícito, de modo que um leitor
neste momento, introduzir uma outra, ou seja, a de contexto cogniti- competente deverá, em primeira instância, captar as intenções do
vo, da qual derivo o princípio de contextualização cognitiva, que será autor, partindo do input lingüístico. Contudo, não poderá fazê-lo sem
invocado para explicar a interferência e natureza da produtividade do situar-se em seu especial mundo de referência composto por seus
pólo de conhecimentos individuais no processo de compreensão. pré-conhecimentos, crenças e atitudes. Por outro lado, as expressões I
Com contexto cognitivo entendo o horizonte sócio-psíquico-cultural ingüísticas podem ter forças ilocucionais que não correspondem ao
do indivíduo, a partir do qual se dá a organização tanto das percepções

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seu sentido dicionarizado, exigindo do leitor que componha o sentido Quanto à noção de inferência, preliminarmente, tomo-a como
a partir do contexto de enunciação. É isto que leva um leitor a uma operação cognitiva que permite ao leitor construir novas propo-
caracterizar, por exemplo, o texto de Rubem Braga citado mais sições a partir de outras já dadas. Mas as proposições dadas e as
adiante como uma sátira social, ou uma crítica à administração pú - inferidas devem manter relações passíveis de identificação. Contudo,
blica. Na verdade, como este tipo de inferência situada no contexto é conveniente salientar desde logo que não estou preocupado com a
de enunciação e no contexto cognitivo é o predominante na com - verdade ou falsidade das inferências, nem com os processos dedutivo
preensão de texto, não é de todo descabido postular-se que a noção ou indutivo de modo especial, pois, como se verá logo adiante, estes
de inferência, em relação ao discurso, é um conceito pragmático (cf. são de longe suplantados por relações analógicas e inferências prag-
Brown e Yule, 1983). máticas fora de qualquer cânone rigorosamente lógico e mesmo assim
Isto coloca graves dilemas ao autor de textos, que se vê sempre explicáveis e até cabíveis.
na dificuldade de saber o que pode ou não supor em seus leitores Um dos maiores responsáveis por operações cognitivas na
como conhecido. Ele deve calcular como organizar suas intenções e leitura de um texto é o rincí de economia lingüística a que os
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informações para não correr o risco de ser mal-entendido até no
textos se submetem. O texto, em geral, é formado com uma série de
essencial. Segundo a conhecida proposta de Grice (1975), o princípio lacunas que vão sendo preenchidas por elos de ligação inseridos
geral a que todos estão submetidos é o da cooperação. O princípio automaticamente como pressuposições ou relações organizadas por
de cooperação e as máximas coversacionais resultam numa promis- redes lexicais e conceituais, como no exemplo 1, citado no início.
sora teoria pragmática do funcionamento intencional do discurso e Seguindo sugestão de Brown e Yule (1983: 257), considero
podem ser usados com grande proveito no caso do processo inferen- que a restauração ou recuperação desses elos perdidos não são
cial. Mas há muitas formas de se cooperar e nem todas são evidentes, propriamente inferências e sim preenchimentos automáticos de lacu-
pois muitas exigem mecanismos interpretativos (inferenciais) bastante nas, com a finalidade de tornar explícito o que está implícito seman-
complexos. ticamente na imanência de relações entre proposições ou itens
lexicais. Nesse processo automático entram relações estereotípicás
Por tudo isto, um leitor, para atingir a significação de um texto,
baseadas na rede cognitiva conceituai não idiossincrática mas subja-
deve fazer algo mais do que simplesmente estabelecer referentes. c e n t e
Deve determinar as intenções do autor, achando-lhes a força ilocu- cente ao sistema semântico_da língua. Reservo, portanto, o termo
cional. É neste sentido que afirmo que as inferências têm um papel inferência apenas para os casos em que as relações estabelecidas vão
fundamental na compreensão de textos. O nde oblema é que o além do condicionamento lingüístico puro e simples. Os elementos
uso não literal da linouao.em_p_ó_dc redundar em fabo,&2j.lài- _que inseríveis ou recuperáveis por simples operação automática formam
ocasionam inferências distorcidas Qu_não pele, Não e este o que poderíamos dizer a coerência interna do texto.
.
porém o caso das chamadas inferências não-autorizadas (Clark, No caso de inferência o produto pode variar grandemente de
1977) às quais retornarei mais adiante. É por isso que as ironias, as indivíduo para indivíduo, uma vez que elas não ativam apenas as
metáforas ou os discursos ambíguos nem todos se submetem aos relações entre os conhecimentos lexicais. O universo em que tais
mesmos processos e princípios inferenciais: inferências se situam é o contexto cognitivo formado pelos pré-co-
nhecimentos do indivíduo, pelas suas crenças, as circunstâncias em

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IML

que o texto é lido e os e classifica as


conhecimentos das leis inferências como
do discurso. Tudo isto processos de referência
irá ter uma grande direta, referência
parcela de indireta por associação,
responsabilidade na referência indireta por
produção da caracterização, além de
"compreensão" relações temporais.
evidenciada. Distingue ainda entre
Antes de entrar inferências autorizadas
na análise das (quando o leitor infere
operações realizadas algo pretendido pelo
nos processos autor) e não-
inferenciais na leitura autorizadas (quando o
de textos, julgo leitor infere algo não
importante apresentar pretendido pelo autor).
uma classificação O grande problema
desta classificação é
geral, mesmo que
que toma textos muito
provisória, dos tipos de
pequenos e adota uma
inferência a serem
semântica
considerados. Gostaria
unidimensional, em que
ainda de lembrar que já
as regras conversacio-
existem várias
nais por exemplo tem
propostas de
papel pouco claro.
classificação de
inferência, entre as No caso de
quais destaco apenas Warren et aI. (1979), a
duas: a de Clark classificação é mais
(1977) e a de Warren ampla e foi montada
et al. (1979). para esclarecer os
processos inferenciais
Para sua
que se dão em pequenas
classificação das
histórias ou narrativas.
inferências, Clark
O esquema propõe três
(1977) baseia-se em
tipos de inferências:
breves textos formados
(a) inferências lógicas;
por pares de sentenças
(b) inferências objetivas e
informacionais e c) intratextuais; por outro,
inferências avaliativas, trata-se de uma
cada uma com subtipos. proposta testada apenas
O problema dessa em textos narrativos
classificação é que se
muito curtos.
baseia em respostas
que se poderiam dar a Sem deixar de
certas perguntas assumir tudo o que há
objetivas. Assim, às de aproveitável nos
respostas a por quê? e modelos anteriores,
corno? teríamos proponho três grupos de
inferências lógicas; às inferências textuais com
respostas a onde?, o vários subtipos. Não
são todos precisos nem
quê?, quando?,
claros; minha intenção
quanto? teríamos
fundamental é
inferências
fornecer um modelo
informacionais, sendo
que dê conta dos
que as inferências
processos seguidos na
avaliativas proviriam
organização de todo e
dos conhecimentos
qualquer tipo de
gerais do leitor. Para
reprodução de texto
cada um destes tipos
(compreensão,
Warren et aI. (1979)
interpretação,
propõem uma "hipótese
parafraseamento etc.)
de relevância", que
identificando o
permitiria observar a
processo inferencial
consistência, a
seguido.
determinação, a
redundância e outros
aspectos. Por um lado, ES
este modelo prende-se Q
demasiado ao sentido UE
explícito do texto M
com busca de A
relações GE
RA
L
DA
S
IN
FE
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103
R s
Ê e
N x
CI p
e
A r
S i
e
(A)INFERÊNCIASLÓGICAS n
4-- baseadas sobretudo nas c
relações lógicas e submetidas i
aos a
valores-verdade na relação entre i
as proposições s
avaliativas
conhecimentos, experiências,
(B)INFERÊNCIASPRAGMÁTICO -
crenças, ideologias
CULTURAIS çc,gnitivo-culturais
— por oxioto_gias
identificação individuais
referencial

generalização O primeiro
grupo de inferências
é provavelmente o
mais usado de urna

forma geral na vida
dedutiv
as diária. Via de regra,
inputtextual e este tipo de inferência
também no
conhecimento não é explicitado nas
— reproduções de textos
porque são mais
relações semânticas
— por
óbvios os seus
analogia resultados. Os
— por problemas mais graves
composiçõesou
nestes casos surgem
—decomposições
sempre com as
(ClINFERÊNCIAS
PRAGMÁTICO CULTURAIS
-
relações entre
enunciados quantifica-
c
o dos. Quanto a este
n aspecto remeto ao
v
estudo de Geis e
e
n Zwicky (1971) e Perini
c (1981), que analisam
i o caso das inferências
o
n sugeridas, ou
a
i

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