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O misterioso indivíduo responde vagamente a Lied, o que dá a entender que não é a sua

intenção lhe dar as respostas que procura.


Susumu fita o rapaz desaparecido, associando o seu rosto ao da fotografia no relatório. É
claramente Lied, o único sobrevivente do homicídio duplo que acabara de confirmar com a
sua “visão”.
— Você é...!
Lied vira a cabeça para Susumu. Não demorou para perceber de quem ele se tratava,
ou do que procurava.
— Vejo que tem várias perguntas a me fazer — a repentina abordagem de Lied
sobressalta Susumu — Eu irei responder, mas agora… espera até eu terminar aqui.
O olhar guerreiro de Lied desperta à medida que fita intensamente o inimigo. Susumu
gira a cabeça à medida que relembra as imagens daquela tarde: a casa ardendo; os pais dele
no seu suspiro final e Lied sendo alvejado pelo assassino.
Susumu dá um passo para a frente e esboça um sorriso no rosto. Não iria deixar algo
semelhante acontecer novamente.
— Eu não quero esperar muito tempo.
E assim a dupla confronta o mesmo suspeito. Lied entende que é intenção de Susumu
lhe ajudar, uma ajuda à qual ficaria indiferente.
— Faça como quiser.
O homem de olhos lilás claros seguia com atenção a conversa deles. A conclusão que
os dois tiraram o surpreendeu ligeiramente, ainda que a sua faceta desengraçada não reflita.
— Você já deve ter percebido, certo? Não é nossa intenção que você morra.
A intervenção direcionada a Lied captou a atenção imediata dos adolescentes.
— Se assim fosse, então você não estaria vivo neste momento, pois também teria
morrido naquele dia, não é verdade?
O argumento era irrefutável, dado que Lied fora claramente poupado naquele dia
pelo sujeito chamado Zechariah, ao contrário dos seus pais...
— Então... — dizia Susumu antes de ser interrompido por Lied.
— Então... o que é que vocês querem? Por que motivo é que me deixaram vivo? A
mim... e apenas a mim?
— Motivo, hã…
O homem levantou-se dos degraus onde se sentava. Ergueu o olhar perante eles,
tendo como foco principal Lied.
— O destino é reservado... para aqueles que forem escolhidos. E você é...
Fez-se uma pausa durante um instante.
À semelhança do que ocorreu antes, quando se “teletransportou” para dentro da casa,
o homem voltou a se deslocar a uma velocidade sobre-humana, posicionando-se na frente
de Lied. Os dois olhares se cruzaram.
— …um dos escolhidos.
Naquele momento Susumu foi capaz de pressentir as intenções hostis do inimigo,
que tinha Lied como principal alvo. Fez uso num ápice da sua pistola, acreditando por
instantes que o tinha naturalmente alvejado dada a pouca distância que havia entre eles.
Contudo, não foi esse o caso. O indivíduo de casaco preto desviou-se da bala num
movimento indescritível aos olhos humanos. Logo depois, e antes que Susumu pudesse
notar, o homem tinha sumido.
“Para onde é que ele foi?!”, pensava.
Lied parecia estar intacto, mas estranhamente não se movia. Permanecia ali, imóvel.
— Oi! O que é que se passa?! Diz algo!
Susumu bem tentava “acordá-lo”, mas em vão. Lied não apresentava sinais de vida.
Assim como o seu pai o havia ensinado a fazer em momentos críticos, o detetive
respirou fundo e analisou a situação para assim tomar o melhor próximo passo.
O inimigo tinha desaparecido subitamente e Lied estava mesmo à sua frente, apesar
de estar num estado imobilizado. Sim, o alvo em primeiro lugar de Susumu, quem ele esteve
sempre procurando, era Lied, o rapaz desaparecido. E como tal era com ele que se devia
preocupar.
Não sabia se o homem iria retornar, e para garantir a proteção de Lied é melhor pedir
reforços.

...

A espaçosa e negra dimensão. A cesta no meio com a maçã.


— Este lugar é... dos meus sonhos...! — Lied olhava em volta, reconhecendo
naturalmente aquele local.
Um cenário que presenciara diversas vezes durante os seus sonhos, majoritariamente
tenebrosos.
— Mas por quê? Eu não estou sonhando neste exato momento...
— Isso é porque este lugar não é algo criado pelos teus devaneios. Ele existe de fato.
Quem falava era o sujeito que até há pouco tempo confrontava Lied e Susumu. E
agora lá estava ele, dentro daquele espaço que só Lied supostamente conseguia entrar.

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— Você...! Como?!
Ao que tudo indica, o homem tinha conseguido penetrar uma barreira que ia muito
além da física. Usando métodos inexplicáveis, ele era cada vez mais um mistério.
— Esse espaço é... a sua “alma”. A parte física do espírito.
— Alma? Espírito?
Aquela explicação fazia pouco ou nenhum sentido para Lied, que ainda se perguntava
como ele tinha conseguido entrar ali.
— Em outras palavras, a sua consciência. A sua própria mente.
— A minha... mente...?
O indivíduo começou a caminhar vagarosamente até à cesta.
— O que é que está pensando em fazer?!
Antes que ele pudesse colocar a mão na maçã, esta começou a reluzir. De imediato,
pequenas raízes pontiagudas começaram a crescer da cesta.
Ao notar a reação imediata, o homem entendeu... que não lhe era permitido tocar
nela. Perante a ameaça, preferiu não seguir em frente com a sua ação. Voltou-se para Lied.
— Como eu esperava, parece que... não sou bem-vindo aqui.

...

5 minutos se passaram. Susumu fora informado que o seu pai estava ocupado com
outros assuntos, motivo pelo qual não podia vir imediatamente para aqui. Dito isto, os
reforços foram garantidos e isso é que importa.
O homem ressurge de repente. Assim como ele, também Lied regressa e desperta de
seu “transe”.
“V-Voltaram!”, pensava Susumu.
O detetive não entendia a situação. Não só Lied havia começado a se mover
novamente, como o indivíduo também retornara. Mas... de onde exatamente?
— Ei! Está bem?! — Susumu pergunta a Lied.
O sujeito misterioso fitava-os agora da escadaria. Sirenes de carros da polícia
começaram a se fazer ouvir – os reforços requisitados por Susumu estavam prestes a chegar.
“Cá estão eles!”, pensava Susumu, não tirando o olhar da situação atual.
Lied deu um passo em frente.
— Quem… e o que… é você?
— O nome é... Varius. Sobre o que sou… sim…

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O homem, que também já tinha sentido a aproximação dos terceiros, finaliza:
— …um dos escolhidos.
Após dizer isto desapareceu... sem deixar rastos. Os reforços chegaram, infelizmente,
relativamente tarde.
Lied seria levado sob custódia. Antes de abandonar a casa, Susumu notou a bala do
seu tiro perfurada na parede. Ela não tinha mesmo acertado no alvo...

...

Final da tarde. O sol fechava-se à medida que os alunos restantes da escola local de
Ganeden iam-se deslocando para casa.
Os cães ladravam, os pássaros cantavam, os gatos miavam. E no edifício da Câmara
Municipal, numa sala fechada pouco utilizada pelos seus funcionários, um grupo de
escolhidos reúne-se.
Cada um deles sem exceção tem um papel nesta história para cumprir... pois assim o
destino ditou.
— Oi, não havia mesmo um lugar mais agradável para termos as nossas reuniões? É
que esta sala está cheia de pó! Não tem graça nenhuma! — um tom de voz acriançado.
— Se está insatisfeito, então vai procurar um lugar novo. Ah, por que é que ele
também teve de vir? Só vai nos atrapalhar — responde um tom de voz feminino e aborrecido.
— Eu vou o quê?! Diz isso mais uma vez!!
— Vá, vá, vocês dois, acalmem-se — tenta acalmar um tom de voz masculino e
grosso.
— Aaaaaaah, quanto barulho! CALEM-SE TODOS! — exalta-se um tom de voz
masculino e ordinário.
A porta da sala abre-se no meio de tanta comoção, revelando um novo rosto.
— Oh, Varius. E então, como é que correu? A tua “missão de reconhecimento”.
O homem com a voz mais grossa pergunta ao recém-chegado, um sorriso no rosto.
— Oi! Por quê tanta demora?! — o rabugento queixa-se.

— Confirmei a existência da “Maçã de Adão”, porém, como imaginávamos, é


intocável, pelo menos no momento.
Varius, de 24 anos, relata ao mesmo tempo que ignora as queixas do outro colega.

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— Entendo. Então é assim mesmo. — o dono da voz grossa, Zechariah de 36 anos,
não se revela surpreso com o desfecho.
Varius desloca-se para o canto superior esquerdo da longa mesa de madeira, onde se
senta e se junta ao resto dos seus companheiros.
Finalmente, todos os cinco estavam reunidos. O mesmo padrão de cores das vestes
de cada um, amarelo e preto, causava uma impressão agradável.
— Tch. Intocável? Não pode afirmar isso sem realmente tentar! — o danado Martyr
de 25 anos, não consegue aceitar a conclusão.
Geralmente bastante fácil de se irritar, Martyr tem mais um dos seus “ataques”. Ele
põe-se de pé e dá a volta para o outro canto da mesa. Aí, coloca-se inteiramente em cima
dela.
— A maçã está bem à nossa frente. É perfeitamente tocável!
Martyr tentava convencer os seus colegas, nunca ocultando a sua própria ganância,
que vinha ao de cima sem mesmo ele perceber.
Core, de 16 anos, não consegue deixar de ficar incomodada com a atitude dele,
principalmente porque se encontra pisando o livro dela.
Por ser uma moça muito serena e reservada, Core não se irrita com essas
ocasionalidades. Não deixa de ficar por vezes descontente, ainda que nunca demonstrando
esse descontentamento.
— Hum... está pisando no livro.
— Bahahahahaha! Isso, pisa mais nele! — o endiabrado Nemo, de 12 anos,
incentivava.
— Cala-te, criança estúpida.
— Criança?! Como se fosses muito mais velha do que eu! Daqui a quatro anos terei
a mesma idade que tu! Hahahaha!
Nemo tentava replicar com a sua lógica distorcida… Core suspira, não querendo
acreditar na burrice daquele ser.
— Que idiota.
Zechariah, que devia estar a meio de uma conversa entre os adultos do grupo, desvia-
se dela para intervir na discussão entre eles.
— Ouve, Nemo: quando você for quatro anos mais velho, a Core também será
quatro anos mais velha. No fim, você será sempre mais novo do que ela. É assim que
funciona.
— Eh? EEEEEEH?!

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Esta informação entristece Nemo. Uma revelação que abateria o rapaz até o final do
capítulo.
— Silêncio! Ei, Zechariah, não fuja da conversa! — Martyr estava cada vez mais
maldisposto.
Oportunamente, Core consegue arrancar o livro da sola do calçado de Martyr. Ela o
limpa e imediatamente retoma a leitura.
Zechariah volta a atenção novamente para o assunto que eles discutiam.
— Não há o que fazer por agora, Martyr. Não é só a questão da obstrução dentro do
Lied, o líder também nos disse para aguardar pelo desenvolvimento do espírito dele. E aí é
que entra o nosso trabalho atual: alimentar esse crescimento. É só nisso que devemos nos
focar por agora.
Varius atentava, não acrescentando nada ao depoimento de Zechariah.
A realidade enfurece, mas Martyr tem de aceitá-la, pois foi essa a ordem do líder, a
qual deve seguir... O loiro, menos tenso, desce tranquilamente da mesa e, ao invés de
regressar ao seu assento, abandona a sala.
Ninguém diz nada, o silêncio predominando. A única passível reação foi a de Varius,
que fixamente continuou a olhar para Martyr.
Martyr fecha a porta e encosta-se a ela. Ergue levemente a cabeça - um convicto
sorriso traiçoeiro. Uma sede de sangue inabalável contida despertava.
Por um momento a íris dos seus olhos adotou uma forma demoníaca, condizendo
com a expressão na face. Exatamente como... se fosse de uma cobra.

O destino já escolheu os seus escolhidos.


E agora, neste preciso momento, cada escolhido traça o seu reservado caminho. A que cada rumo leva, isso é
algo que só o tempo dirá.
Mas uma coisa é certa: esse tempo... já se começou a passar.

[FIM DO CAPÍTULO]

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