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29/08/2023, 12:34 “O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementa…

Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

59 | 2023
Número 59
Um século de recenseamentos no Brasil (1920-2020)

“O Censo é a Infraestrutura
Informacional do País”: O Censo
de 2020 e as Controvérsias
Tecnopolíticas de sua
Implementação
« Le recensement est l’infrastructure informationnelle du pays » : le recensement de 2020 et les controverses
techno-politiques de sa mise en œuvre »1

“The Census is the Information Infrastructure of the Country”: The 2020 Census and the Techno-Political
Controversies of Its Implementation

Moisés Kopper
https://doi.org/10.4000/confins.51641

Résumés
Português Français English
Explora-se as controvérsias tecnopolíticas da execução do censo populacional de 2020 no Brasil.
Através de entrevistas e pesquisa documental, mapeia-se as disputas tecnomorais e
transformações sociotécnicas de dois dispositivos censitários: o questionário e o orçamento. Isso
permite captar a emergência de uma forma de ativismo encabeçada pela mobilização de experts.
Conclui-se pensando o censo como infraestrutura informacional que inscreve, imagina e
estabiliza ideais de futuridade via números.

Cet article explore les controverses techno-politiques liées à la mise en œuvre du recensement de
2020 au Brésil. Des entretiens et des recherches documentaires ont permis de cartographier les
débats techno-moraux et les transformations sociotechniques de deux de ses dispositifs : le
questionnaire et le budget. Cet abord a permis de mettre en évidence l’émergence d’une forme
d’activisme portée par la mobilisation des experts. Le texte conclut en interprétant le
recensement comme une infrastructure informationnelle qui inscrit, imagine et stabilise des
idéaux pour le futur au moyen des chiffres.

This article explores the techno-political controversies related to the implementation of the 2020
census in Brazil. Through interviews and documentary research, I have mapped the techno-moral

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debates and the socio-technical transformations of two of its devices: the questionnaire and the
budget. This approach allowed to highlight the emergence of a form of activism carried by the
mobilization of experts. The text concludes by interpreting the census as an informational
infrastructure that inscribes, imagines and stabilizes ideals for the future through numbers.

Entrées d’index
Index de mots-clés : recensement, statistiques publiques, techno-politique, questionnaire,
budget, Brésil, XXIe siècle
Index by keywords: population census, public statistics, techno-politics, questionnaire, budget,
Brazil, 21st century
Index géographique : Brasil
Índice de palavras-chaves: censo populacional, estatísticas públicas, tecnopolítica,
questionário, orçamento, Brasil, século XXI

Texte intégral

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Crédits : biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?
view=detalhes&id=428226
1 Em uma de suas primeiras aparições públicas como “Superministro” da Economia,
em fevereiro de 2019, o economista Paulo Guedes sugeriu que o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) deveria vender dois dos prédios sob sua jurisdição na
cidade do Rio de Janeiro para cobrir os gastos de implementação do censo populacional
de 20202. O Chicago Boy3 havia recém sido investido com a missão de desenhar uma
agenda ambiciosa de privatizações, cortes de despesas e subsídios, e desregulação fiscal
que ajudaria a nova administração de Jair Bolsonaro a atingir a utopia neoliberal de um
Estado reduzido.
2 “Falta dinheiro para o censo, mas o Presidente fica de frente para o Pão de Açúcar, a
Diretoria fica no Centro e a turma da ralação fica aqui (no Maracanã). Devia todo
mundo estar junto em um prédio só. Ou quem sabe a gente vende os prédios e bota
dinheiro para complementar para fazer o censo bem-feito. Esse é um desafio. (…) Tem
que acabar com o privilégio e acabar com a vista para o mar do Presidente”4.
3 O IBGE é um dos mais antigos e respeitados Institutos Nacionais de Estatísticas do
mundo. Alguns de seus membros e ex-presidentes conquistaram significativa
notoriedade internacional, tendo recentemente presidido a Comissão de Estatísticas
das Nações Unidas e ocupado a presidência do Instituto Internacional de Estatísticas.
Com uma história que remonta a 1936, quando o então Presidente Getúlio Vargas
centralizou a produção de informação territorial, cartográfica, ambiental e estatística, o
IBGE passou a implementar um Sistema Nacional Estatístico robusto ancorado no
censo populacional que é realizado a cada dez anos desde 1872 e cuja edição de 2010,
totalmente digital, se tornou modelo a ser replicado em outros países latino-americanos
e africanos (Bianchini 2011, Senra 2006, 2009).
4 Apesar dessas inovações, o IBGE entrou na nova administração de Bolsonaro
acumulando incertezas institucionais e orçamentárias. Reformas estruturais e
normativas em “uma direção modernizante muito sólida” vinham ocorrendo desde pelo
menos a década de 1990, quando a instituição já enfrentava “muitas dificuldades
orçamentárias,” um descolamento com o “imaginário de todo o Brasil sobre o IBGE,” e

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“greves muito longas junto ao movimento sindical” (Besserman apud Senra et al. 2016:
301; Schwartzman apud Senra 2009: 450). Entre essas mudanças—que se
consolidaram no contexto de abertura econômica, enxugamento do estado e
privatizações típicos do neoliberalismo daquele momento—estava a adoção de
princípios de New Public Management como uma “cultura de consciência de custos”, a
manutenção de uma “rede de aliados externos” e a promoção de “uma consciência de
serviços” que cultivasse “os interesses e as preocupações de seus clientes” (Senra 2009:
420). Essas estratégias bem refletem o quadro de descentralização estrutural,
desfinanciamento, precarização do quadro de funcionários e downsizing institucional
de um regime estatístico neoliberal que se instaurou em diversos Institutos Nacionais
de Estatística no contexto da globalização a partir da década de 1980, e contra o qual
aqueles (ex-)presidentes buscaram, justamente, se impor ao implementarem fóruns de
consultas públicas, regimes de boas práticas e fomento à transparência dos dados junto
à sociedade (Beaud 2010).
5 No seu discurso inaugural como Presidente empossada naquela mesma manhã de
fevereiro de 2019, a economista Susana Guerra mencionou algumas das consequências
de longo prazo desses reajustes, entre as quais os cortes de verbas sistemáticos, o
número cada vez menor de funcionários concursados e permanentes, e a dependência
cada vez maior de recenseadores e operadores de campo com contratos temporários e
precários5. Guedes concluiria sua fala reafirmando que “o censo é importante. Mas
vamos tentar simplificar. O censo de países ricos tem dez perguntas. O brasileiro tem
150 perguntas. Sejamos espartanos e façamos o essencial. (…) Ninguém tem bala de
prata. Não existe Superministro.”
6 O discurso de Guedes é ilustrativo em vários aspectos. Com suas aproximações
inexatas (em relação, por exemplo, ao número de perguntas de outros censos nacionais)
e generalizações descontextualizadas, ele contém elementos do desdém pela ciência que
se tornaria a marca do governo Bolsonaro durante a gestão da pandemia (Camargo et
al. 2021). Ainda mais importante, porém, ele dá o tom para como questões de
austeridade fiscal e desregulação orçamentária se tornariam indissociavelmente
conectadas ao desenho científico da infraestrutura informacional central do censo: o
questionário. Se bem controvérsias em torno do orçamento e do questionário sejam
elementos-chave de qualquer operação censitária—e se inscrevam em rotinas técnicas
que antecedem, em anos, sua implementação—, o discurso de Guedes introduz uma
nova ordem de justificação (Boltanski e Thévenot 2006) nesse debate, marcada pela
passagem da arena técnica à arena político-midiática. Em sua visão, um dispositivo
mais simplificado, com menos questões e maior velocidade de aplicação, lançaria as
bases para uma nova forma—mais eficiente e menos custosa—de conhecer a sociedade
brasileira e criar políticas públicas focalizadas.
7 Este artigo é uma incursão qualitativa sobre a produção tecnopolítica do censo
populacional enquanto infraestrutura informacional do país. Especificamente, mapeia-
se as controvérsias sociotécnicas de dois artefatos infraestruturais—o questionário e o
orçamento do censo de 2020.6 Empiricamente, prioriza-se o marco temporal da
politização desse debate, que corresponde aos primeiros anos da gestão Bolsonaro,
quando controvérsias técnicas inerentes a operações censitárias latu sensu se chocaram
com novos modelos de gestão populista e conservadora dos dados que desencadearam
debates públicos efervescentes sobre a produção de números oficiais, o papel de
políticas baseadas em evidência, e o surgimento de novos ativismos de dados no país.
8 Mapear “les controverses scientifiques et surtout toutes celles qui ont débordé les
limites du monde statistique pour devenir publiques” (Beaud 2014:41) não apenas é
possível como também desejável, uma vez que ilustra a co-produção das estatísticas
simultaneamente como ferramenta de governo e de prova (Desrosières 1998). Como
atestam outros casos documentados pela literatura internacional recente,7 em contextos
políticos orientados pela “mobilisation populiste du monde ordinaire” (Beaud 2014:47),
a lógica do estado e da política interage de modo complexo com maquinarias
estatísticas (Beaud 2012, Aragão e Linsi 2020), recolocando questões sobre o papel das
evidências e das tecnologias de coleção e mensuração no mundo contemporâneo.
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9 Ao historicizar as negociações, disputas e transformações técnicas que emergiram em


torno desses dispositivos, o artigo capta ainda a emergência de uma forma de ativismo
encabeçada pela mobilização de especialistas. Diferentemente das cosmologias de
conhecimento, justiça e datificação que surgem em regimes de extração de dados no Sul
Global (Milan & Velden 2016), o ativismo de elites intelectuais se organiza em torno da
demanda pela produção de informação quantificada de cima-para-baixo por
organismos centralizados de estatística pública. Tal perspectiva também difere da chave
analítica do “statactivism” proposto por Bruno e Didier (2013, 2021) pois aqui os
“números, medidas, e indicadores” não são usados como “forma de denunciação e
crítica” (Bruno et al. 2014, 199), mas sua simples existência e produção é vista como
fundamental para atingir-se objetivos estratégicos de desenvolvimento nacional. Ao
circularem por comissões legais, fóruns de mídia social, e noticiários da grande mídia,
esses intelectuais públicos expandem seus domínios de influência, tornando visíveis
suas imagens de progresso sociotécnico, utopias de completude estatística e justiça
numérica.
10 Mapeando as controvérsias onde quer que elas aconteçam, (Latour 2007)—out-in-
the-world e para fora de “centros de calculação” acadêmicos convencionais (Latour
1987)—o artigo observa a produção de informação quantificada como um processo
multidimensional que engloba as ferramentas e experiências de produzir, difundir, e
conviver com números como forma de exercer pertencimento social, criar identidade e
agir no mundo. Ao traçarmos essas composições flexíveis de ação mais-que-humana,
começamos a perceber o censo como uma forma de infraestrutura tecnopolítica na qual
—e através da qual—ideais de futuridade são inscritos, imaginados e estabilizados. É
assim que podemos entender a expressão que serve de título ao artigo, proferida por
um de meus interlocutores, segundo o qual censos são “a infraestrutura informacional
do país.”
11 A pesquisa mais ampla da qual este artigo é parte faz uso de arquivos oficiais do
IBGE, materiais documentais (postagens textuais, fotografias e vídeos) coletados em
redes sociais, veículos midiáticos e sociedades acadêmicas, assim como dezenas de
entrevistas em profundidade conduzidas com economistas, demógrafos, sociólogos,
antropólogos, trabalhadores temporários do IBGE, representantes de seu sindicato, e
funcionários técnicos e ex-presidentes do Instituto que produziram engajamentos
públicos durante o período de politização das controvérsias censitárias (2018-2020).8
Este artigo privilegia entrevistas realizadas com dois ex-Presidentes, um ex-Diretor de
Pesquisas, e a Presidente do Sindicato de trabalhadores do IBGE em razão de que esses
agentes lideraram, por dentro do IBGE, a transição das controvérsias científicas às
controvérsias políticas sobre os cortes no orçamento e no questionário e são, portanto,
cruciais para o entendimento de novas formas políticas associadas ao ativismo das
elites técnicas. Observar o censo tomar forma através dos processos sociomateriais e
disputas de sentido internas ao seu funcionamento permite que avancemos em sua
conceituação para além de um dispositivo de representação e governo biopolítico da
sociedade. Na conclusão, discutir-se-á as implicações dessa etnografia que privilegia os
pensamentos fugazes, as realidades incompletas e as figuras alternativas de soberania
de dados que os números—e seus efeitos—evocam.

Cortando o Questionário: Da Técnica à Participação


Social
12 O questionário do censo populacional brasileiro é um artefato histórico co-produzido
e em constante evolução. Por um lado, ele é influenciado por histórias nacionais
complexas de identificação e population-making. Tal dimensão fica evidente em
estudos clássicos que tomam o censo como ponto de ancoragem dialético da história
sociopolítica de categorias de classificação, tanto refletindo clivagens que atravessam a
sociedade como reforçando e às vezes criando novas categorias de apreensão da
realidade (Anderson 2015, Loveman 2009, Camargo 2015). Para o caso brasileiro,
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Camargo ilustra esse ponto ao examinar, documentalmente, os “serviços litúrgicos”


bem como as escolhas metodológicas e práticas “que levaram à construção de uma
utopia estatística” no Brasil imperial (2018, 414). O sociólogo toma o censo de 1872
como um “laboratório político e cognitivo” (425), o que ajuda a vislumbrar como esses
procedimentos produziram uma visão de população simultaneamente hierarquizada e
homogênea.
13 Por outro lado, o questionário do censo também é resultado de convenções técnicas e
decisões tomadas ao nível de organizações transnacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), e a Organização das Nações Unidas
(ONU), que estabelecem guias de boas práticas e instrumentos regulatórios, como por
exemplo o Data Quality Assessment Framework, que funcionam normatizando e
estandardizando protocolos de produção de dados com fins de permitir comparações
longitudinais e transversais entre países. Durante seus quarenta anos de trabalho no
IBGE, primeiramente como Diretor de Estatísticas Econômicas (1995-2014), em
seguida Diretor de Pesquisas (2014-2017), e por fim Presidente do Instituto (2017-
2019), Roberto Olinto também operou como consultor do FMI e membro do Advisory
Expert Group on National Accounts da ONU. Olinto é formado em engenharia de
sistemas pela PUCRJ e possui mestrado e doutorado pela UFRJ em engenharia de
produção. “Esse negócio de sistemas era matemática, era métodos de otimização; eu
odiava estatística,” confessou em nossa entrevista em 2021. Inspirado por discussões
foucaultianas sobre filosofia da ciência recém-chegadas da Europa na década de 1970,
Olinto desenvolveu um interesse pela qualidade dos números. Em nossa conversa, ele
explicou que as estruturas internacionais protegem o especialista na geração de
estatísticas públicas.
14 “É uma questão de medida mais que de técnica estatística. (…) A produção das contas
nacionais, do PIB, essas coisas, elas não são uma questão de estatísticas ou modelagem
matemática. É claro que elas têm um aspecto técnico, uma estrutura matemática com
erro embutido, intervalo de confiança, essa coisa toda. (...) Mas quando você tem que
tomar decisões pra calcular, vamos dizer, as contas do país, sem ter todas as
informações, como é que eu provo que a minha decisão é uma decisão baseada em
qualidade? (…) É um processo que você vai arbitrando decisões dentro de um frame
maior, que tem muita flexibilidade. (…) Se você não tomar decisões, você não fecha
aquele número” [grifos meus].
15 No desenho de um censo populacional, então, o questionário é a infraestrutura
central através da qual planejadores pretendem minimizar os riscos de informações
incompletas. Assim como os burocratas de estado se baseiam na produção de papel e
parafernália para performar um senso de presença do estado (Hull 2012, Gupta 2012),
assim também o questionário do censo é uma materialidade privilegiada para
instanciar o sonho da informação total. Em Making it Count, por exemplo, Arunabh
Ghosh (2020) documenta os esforços do governo chinês em produzir infraestruturas de
contagem que permitissem reconstruir a sociedade e a economia por meio do
planejamento socialista. Ele mostra como os estatísticos chineses da metade do século
XX descartaram tecnologias de sampleamento aleatório (Desrosières 1998), então em
voga internacionalmente, para apostar na utopia da enumeração completa, realizada
por meio de um vasto sistema de relatórios periódicos que cobriam todos os setores da
economia.
16 Como relatado por Olinto e outros interlocutores de pesquisa, as conversas
acadêmicas e técnicas sobre o que é incluído e excluído do questionário geralmente
ocorrem ao longo dos anos entre os censos. Elas incluem debates sobre quais tipos de
perguntas—e maneiras de perguntar—funcionam melhor, quais novos temas devem ser
expandidos ou retraídos, e qual deveria ser a extensão ideal de tal ferramenta. Como
mostra Mara Loveman para o caso das estatísticas etnorraciais (2021), esses debates
foram sendo gradualmente abertos ao longo das últimas décadas. Eles agora envolvem
diálogos com grupos da sociedade civil por meio de consultas públicas, workshops com
usuários de dados e o trabalho de uma Comissão Consultiva de especialistas censitários.
Todo esse aparato de comunicação é apresentado como um processo democrático,
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transparente e participativo que envolve a criação de uma comunidade de dados em que


números e estatísticas circulam como linguagem comum.
17 Em conversas com estatísticos com assento na Comissão Consultiva deste censo, sou
lembrado de que mudanças na estrutura e conteúdo do questionário, por menores que
sejam, desencadeiam uma rotina minuciosa de intrincados recálculos, mudanças nos
algoritmos de amostragem, e reformulações na codificação do software utilizado para
distribuição do questionário nos Dispositivos Móveis de Coleta9. Mesmo assim, cada
novo censo produz novos ciclos de controvérsias entre aqueles interessados em reduzir
seu tamanho para ganhar em acuidade e aqueles interessados em expandir o número de
quesitos à revelia da cobertura10.
18 “Essas discussões são um enorme brainstorming. Você tem que juntar todos os
interessados, todos os interesses do país. Um país como o Brasil tem grupos
defendendo a introdução de questões sobre autismo, quilombolas, populações
indígenas... Isso tudo são grandes reuniões, grandes seminários técnicos. (…) É uma
discussão que você vai ter que ouvir, e ouve muita besteira, ouve muita coisa que você
fica chateado que você sabe que não vai poder atender. Você tem que ir convencendo as
pessoas e vai desagradando uns, agradando outros, mas tem que fazer um questionário
que seja descritivo da realidade do país, que não é uma Bélgica, nem uma França, nem
uma Holanda, muito menos uma Suécia, é um país complicado. Então significa que o
teu questionário é um questionário Brasil. (...) Então ele é maior, necessariamente, e
mais complexo.”
19 “O censo é uma infraestrutura informacional do país,” R. Pereira11 refletiu em nossa
conversa em 2021. Cientista social por uma grande universidade pública do Rio de
Janeiro e pós-graduado em comunicação, Pereira exerceu uma das principais
coordenações de pesquisa na gestão de Olinto e foi um dos arquitetos da versão inicial
do questionário. Para ele, um censo não existe isoladamente, mas é um nódulo fulcral
em uma paisagem de censos em movimento, em que um serve de infraestrutura para o
outro.
20 “O censo é o resultado da produção de outro censo, ele é a base que permite setorizar
o país, o território. Ele é o dado a partir do qual outros institutos vão poder amostrar
suas pesquisas. É dali que vai sair PNAD contínua, as pesquisas eleitorais sobre a nossa
democracia, é dali que a gente vai ter a visão toda da geografia. Esse aspecto de
infraestrutura informacional e do valor do IBGE ainda é pouco difundido no Estado
brasileiro e na sociedade como um todo. O país precisa entender como o Instituto
agrega valor ao país.”
21 Pereira também discorreu sobre o processo participativo inicial de um censo. “Nossa
discussão inicial em 2016 foi: que modelo de censo queremos?,” argumentou o
sociólogo. Comissões internas ao IBGE foram então criadas com o objetivo de avaliar os
resultados de 2010, apurar as sugestões de usuários de dados e considerar as
possibilidades de uso de registros administrativos para obtenção de certos dados para
além do censo. O questionário que resultou desses debates foi então levado a campo
para duas sessões de testagem—as provas piloto—em que foram avaliados o
funcionamento e fluxo de implementação do dispositivo. Pereira explicou que foi
somente após esse longo crivo técnico que questões foram re-arranjadas, modificadas
ou excluídas do questionário, seguindo critérios de eficiência e funcionamento.
22 Wasmália Bivar, ex-Presidente do IBGE entre 2011 e 2016, explicou em nossa
entrevista em 2021 que, em sua gestão à frente do Instituto, foi criado o Comitê de
Estatísticas Sociais, com o objetivo de reunir diferentes Ministérios que produziam suas
próprias bases de dados—como o do Trabalho, Desenvolvimento Social, Saúde,
Educação e Previdência—para construir uma documentação padronizada que pudesse
garantir a integração de dados públicos por meio de um aparato normativo comum.
Esse processo foi descrito pela economista como dialógico e processual, e fundamental
para a articulação de um Sistema Estatístico Nacional capaz de, no longo prazo, criar
espaço para o uso integrado de registros administrativos.
23 Bivar também deu mais detalhes sobre o ciclo “natural” de produção de dados em um
instituto de estatísticas oficiais como o IBGE, calcado, de um lado, nos princípios
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estabelecidos pela ONU, e de outro no fundamento da continuidade e relevância dos


dados produzidos.
24 “Os técnicos do IBGE sempre tiveram acostumados com o processo de desenho de
uma pesquisa em que você ouve as demandas. Você testa questões que você já sabe que
não vão dar muito certo no campo, mas algumas delas são politicamente muito
fortalecidas, e aí você precisa fazer o teste para mostrar o quanto não se aplica esse tipo
de levantamento a esse tipo de tema, esse tipo de questão.”
25 Parte desse ciclo significa administrar a tensão entre recursos cada vez mais escassos,
de um lado, e o aumento da demanda por informação da sociedade civil, por outro.
26 “Essa pressão é contínua, é permanente, faz parte da dinâmica da sociedade que vai
se transformando e vai criando novas exigências de informação, que é completamente
justificável. Você tá o tempo todo pensando em como reduzir custos e sem deixar de
atender suas demandas. O usuário é soberano nesse sentido, porque o usuário é a
sociedade, então ele é absolutamente soberano.”
27 Apesar das promessas desses dispositivos, o Comitê de Estatísticas Sociais seria
eliminado por decreto em 2019 pela nova gestão do IBGE. Hoje, os resquícios desse
esforço estão reunidos e enterrados em uma subpágina no site do IBGE12 e funcionam
como evidência material das utopias de completude informacional nutridas por seus
idealizadores. Como veremos na próxima seção, a nova administração também alteraria
significativamente as dinâmicas de produção das estatísticas públicas no país.

Cortando o Questionário: A Política por Meios Técnicos


28 Segundo Olinto, o processo técnico e dialógico de elaboração do questionário foi
interrompido em 2019, com a chegada da nova Presidente do IBGE. Quando aceitou o
convite do Ministro Guedes para o cargo, Susana Guerra13 era uma economista
relativamente jovem com passagens por Harvard e MIT e que havia trabalhado por
alguns anos no BM. “Quando ela chega—uma completa neófita, amiga da filha do
Ministro—ela foi convencida por um grupo pequeno de pessoas que o questionário
precisava ser reduzido,” Olinto revelou. Ele descreveu sua chegada como o momento
em que debates se deslocaram de um foro científico e “natural”—com diferentes grupos
defendendo seus interesses em termos técnicos—para um foro político.
29 O tamanho do questionário estaria no centro das disputas de poder doravante
travadas entre dois grupos de ex-Presidentes do IBGE: de um lado, aqueles mais
antigos, como Simon Schwartzman e Sérgio Besserman, e de outro, aqueles mais
recentes, entre os quais o próprio Olinto, Paulo Rabello de Castro e Wasmália Bivar.
Como vimos na seção anterior, na origem desse processo de politização encontram-se
utopias de completude estatística amplamente compartilhadas por ambos os grupos em
disputa, uma vez que, até aquele momento, esses ex-presidentes não haviam
expressado divergências técnicas em termos políticos por intermédio da grande mídia—
como viria a ser o caso a partir de então14. Com efeito, as gestões de Schwartzman e
Besserman procuraram criar dispositivos institucionais capazes de salvaguardar a
autonomia do IBGE que, como vimos, inserem-se no contexto do New Public
Management, como a adoção de um sistema consultivo com a participação dos usuários
de dados, as novas estratégias de relações públicas e comunicação jornalística com a
sociedade, e a instauração de condições técnicas, tecnológicas e institucionais capazes
de promover, simultaneamente, transparência informacional e uso consciente dos
recursos (Senra 2009). Tais mecanismos viriam a ser decisivos na mobilização pública
em prol do censo pelo outro grupo de ex-Presidentes, pois criariam os canais de
comunicação e os subsídios técnicos necessários ao debate público e ulterior
desdobramento tecno-político da controvérsia.
30 Este artigo mapeia o percurso do grupo de ex-Presidentes mais recentes, apoiados
pelas reivindicações e lideranças do Sindicato de trabalhadores do IBGE, na medida em
que ele inaugura um novo conjunto de táticas de militância por informação completa
que transcende os espaços letrados da democracia representativa até então ocupados

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por (ex-)Presidentes da instituição no afã de comunicar-se com a sociedade, como


colunas jornalísticas, cartas abertas, e entrevistas concedidas a meios da imprensa
hegemônicos. Ao utilizarem-se de arrojadas intervenções em redes sociais, campanhas
publicitárias com depoimentos de atores televisivos famosos, debates públicos com
não-especialistas, panfletagens, e audiências no Congresso e Senado, esses atores—e
vários outros envolvidos nas controvérsias tecnopolíticas do censo, cuja atuação escapa
aos limites físicos deste artigo—abrem novas arenas para a construção dos sentidos e
limites das estatísticas públicas no Brasil contemporâneo.15
31 Quando Susana Guerra decidiu reabrir a busca por um questionário menor e mais
eficiente, ela consultou alguns membros da Comissão Consultiva ao mesmo tempo em
que costurou o apoio político de Guedes e, como já vimos, de ex-presidentes do IBGE.
Sua nova postura passou a ser divulgada através de comunicados à imprensa e
editoriais de jornais como OGlobo, que defendiam a construção de um novo
questionário com a assistência técnica de órgãos como o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), bem como o uso de protocolos de coleta de
dados alternativos, como registros administrativos e entrevistas censitárias pela
internet e por telefone16.
32 “Tudo, tudo foi questionado,” comentou Pereira. “Foi questionado se a amostragem
do Censo devia ser aquela, foi articulado a vinda de representantes do BM para
questionar a amostragem do IBGE, falando que 10 mil amostras davam resultado para
o Brasil.” Pereira participou de audiências no Senado e na Câmara dos Deputados, em
que explicou como a natureza federativa do Brasil—com União, estados e municípios—
tem impactos sobre o processo de amostragem com vistas a garantir as
responsabilidades constitucionais de representatividade dos entes federados. “Então vir
falar que dá resultado para amostragem com 10 mil amostras tá pensando num
resultado Brasil, e olhe lá. O IBGE vem construindo esse processo de amostragem desde
o censo de 60.”
33 Pereira deixou claro que mudanças técnicas visando o aprimoramento da informação
coletada através dos quesitos do questionário fazem parte do processo orgânico de
atualização de um censo. “A questão é a forma como se busca mudar e representar uma
inovação. Primeiro, é um erro inovar a um ano do censo. A inovação tem que ser
testada.” Em segundo lugar, acrescentou Wasmália Bivar, tal processo obliterou os
canais tradicionais de discussão das mudanças necessárias a serem implementadas no
questionário:
34 “Quando entrou a gestão da Susana Guerra, eles estavam numa versão do
questionário que ainda não era definitiva. Ainda ia ter muito debate em cima daquele
questionário, o que fica, o que sai. Mas ela interrompeu e só tinha um propósito que é,
vamos reduzir o questionário para reduzir custos. Eu acho isso legítimo (...), só que
você não faz isso sem discussão, sem debate, entendeu? Sem um debate principalmente
com os usuários, com a equipe técnica. No IBGE, cada um tá lá na sua caixinha
trabalhando nas suas pesquisas, todo o período não-censitário. Quando chega a hora do
censo, essas pessoas vêm com tudo que elas acumularam de conhecimento temático
sobre aquele assunto, sobre quem são as pessoas que tão demandando informações e o
quanto ele julgou que essas pessoas precisam ser ouvidas. Eles vêm com um monte de
informação, e obviamente alguém no final tem que bater o martelo, mas a primeira
ação é ouvir.”
35 Olinto explicou que isso mudou a relação de forças dentro do IBGE. “Ela não aceita a
posição do Diretor e exonera o Diretor de Pesquisas, que era uma pessoa que tava
envolvida com o projeto desde o início, e o Diretor de Informática. Ela coloca no lugar
pessoas que tavam muito mais interessadas em ficar nos seus postos do que ter um
censo de qualidade.” Olinto também reportou que, após “a questão técnica virar uma
questão política,” debates sobre o tamanho do questionário se tornaram
inexoravelmente vinculados a posições ideológicas sustentadas por ambas as partes,
sem deixar espaço para discussões sobre a viabilidade e desejabilidade dos cortes e
inovações de última hora.

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36 Pereira narrou em detalhes o processo de sua exoneração da Diretoria de Pesquisas,


em maio de 2019. “Eu fui comunicado, efetivamente, no dia 6. No dia 7, o novo Diretor
Geral ocupou. Fez reuniões e no dia 27 já teve um novo questionário apresentado.” O
substituto de Pereira—e atual presidente do IBGE—, o demógrafo Eduardo Rios Neto,
já participava da Comissão Consultiva do censo e, segundo Pereira, tinha conhecimento
do questionário. “Mas ele chamou uma reunião para explicar a alteração que foi feita,
não é uma reunião para [consultar], é um comunicado, né.” Vários pedidos voluntários
de exoneração de gerências e coordenações afetadas pelas mudanças no questionário se
seguiram ao evento, incluindo-se a Coordenação de População e Indicadores Sociais.
Bivar contrasta a prática da nova administração ao que foi feito no processo
preparatório do censo 2010, período em que era Diretora de Pesquisas. “A gente
debatia no auditório da Firjan, com 200 instituições presentes. ‘Olha, a gente tá tirando
essa questão por causa disso e ta colocando essa aqui por causa disso, entendeu?’ E
enfrentava as críticas.”
37 Wasmália questionou também a lógica de que um questionário mais enxuto
implicaria em economia de custos significativa e proporcional à perda da informação
trazida pela ausência das questões. Para ela, é preciso determinar, inicialmente, em que
medida o corte de questões afeta o fluxo do questionário na aplicação. “Porque se você
mantém um fluxo principal e a maioria das pessoas continua não respondendo àquelas
perguntas, e as que você tirou eram perguntas sobre os domicílios e não sobre a pessoa,
então o tempo que você reduziu é muito pequeno.” Além disso, ela continuou, cerca de
75% do custo da operação censitária envolve “você colocar o entrevistador capacitado,
com todos os equipamentos e material na porta do domicílio. Depois o tempo de
entrevista tem impacto sim sobre os custos, mas só se você realmente agilizar o
processo e o entrevistador conseguir fazer 30 questionários por dia ao invés de 20, por
exemplo.” Segundo a ex-Presidente, tal reflexão em profundidade sobre os ganhos reais
dos cortes foi obliterada em favor do debate politizado sobre a iminência dos cortes, por
meio da imprensa.
38 “Ficou uma espécie de Fla-Flu muito desagradável; não teve um debate de
profundidade porque foi um debate através da imprensa. Acabou sendo um fenômeno
midiático essa coisa das posições divergentes em relação ao censo. (...) Aí fica
parecendo que é uma questão muito política e não técnica, quando ela continua sendo
uma questão técnica.”
Avaliando Impactos: O quesito ‘migração interna’
39 Os impactos da remoção de questões cruciais—como é o caso do quesito sobre
migração interna—foram discutidos por Olinto no contexto do Fundo de Participação
dos Municípios. Para além de perdas na possibilidade de comparar fluxos migratórios
longitudinalmente (Cunha, 2012), segundo o ex-presidente, saber detalhes absolutos (e
não apenas amostrais) sobre os deslocamentos internos ao país (como êxodo rural, por
exemplo, mas também deslocamentos causados pela pandemia) seria fundamental
“porque, com menos informação, você vai passar a estimar—e aí entram os estatísticos
—a população anual por município e vai usar mais matemática; usar mais estatística
significa que o que você vai dizer vai ter erro associado àquilo.” Na narrativa de Olinto,
o problema não era que as estimativas estatísticas produziam erros padrão, mas que
tais estimativas da acuidade da predição colocavam as bases para a judicialização das
estatísticas públicas.
40 “A partir do momento em que você tem um erro na estimativa municipal, o prefeito
vai entrar na Justiça se ele perder o Fundo de Participação [do seu município]. Um
presidente do IBGE recebe por ano em torno de 150 a 200 prefeitos reclamando da
população. E vêm com Senador, Deputado. Você é... ou provocado ou seduzido.”
41 Pereira acrescentou que isso traz implicações técnico-legais importantes para o
IBGE, uma vez que em 2013 o Senado alterou a lei de distribuição do Fundo de
Participação dos Estados, aumentando o peso que a informação da estimativa de
população passaria a ter na distribuição de recursos aos municípios.
42 “Nós havíamos decidido em 2016 passar essa questão do questionário da amostra
para o básico (...) para evitar possibilidades de questionamento por qualquer ente
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federado a partir de variação amostral da componente migração. (...) Nós precisávamos


de um dado mais robusto (...) pra que a gente não crie insegurança jurídica na próxima
década. Nós estamos falando de [um fundo de] R$ 100 bilhões. Então se o
questionamento dos municípios representar 1% desse valor, é um questionamento de
R$ 1 bilhão. Então essa era a lógica técnica, administrativa e federativa que tava
colocada e isso foi retirado [do questionário básico].”
43 Em situações de litígio, prefeitos esperam que o IBGE reconte sua população, o que
seria impossível segundo Olinto, pois a população de um país é um número fixo: para
que um município “ganhe” residentes, outro precisaria “perder” residentes em igual
proporção. Ao remover a única questão capaz de mensurar tal fluxo, Olinto
argumentou, “eles criaram uma forma de judicializar o problema”17. Pereira explicou
que fez apresentações no Senado e na Confederação Nacional de Municípios, falando do
problema federativo que isso poderia causar, para além das questões demográficas e
estatísticas envolvidas. “Ou a União vai suprir todas as perdas, ou algum município vai
pagar pelos outros, vai ratear. Então qualquer decisão sobre atividades de produção da
informação que o IBGE faz precisa ter como horizonte de avaliação o impacto
federativo que aquela decisão pode ter.” Esses problemas, Pereira sinalizou, “o país vai
se defrontar [com eles] ao longo da década, fruto de intervenções que foram feitas em
pouco tempo. (...) Então é nesse sentido que eu chamo a produção do IBGE de uma
infraestrutura informacional do país.”

Defendendo o Censo: A Realpolitik


44 Ao deslocarmo-nos de arbítrios técnicos para discussões politizadas sobre a
infraestrutura informacional de um censo, o questionário, outro ator se torna central: o
orçamento. O IBGE se tornou uma fundação federal de direito público em 1967, o que
lhe empresta poderes administrativos autônomos, mas também o torna dependente da
alocação pública de dinheiro para funcionar. Ao longo do trabalho de campo ouvi
queixas de vários ex-Presidentes e funcionários sobre a insuficiência, ao longo de
décadas, dos recursos repassados pela União para sua operação e implementação de
surveys. Pereira, por exemplo, apontou que, “como os recursos são sempre disputados,
eles não estão garantidos politicamente.” Como consequência, pesquisas importantes
deixaram de ser realizadas, como a Contagem Populacional, em 201518, ou então foram
drasticamente reformuladas devido à ausência de recursos, como o Censo Agropecuário
de 2017. “O que tá na origem do problema é a forma como é garantido o recurso para a
produção de informação no Brasil. Em alguns momentos há uma mobilização da
sociedade pra isso, em outros não.”
45 Por conta desse problema, uma das capacidades aprendidas no decorrer do exercício
da Presidência é a negociação e discussão do Orçamento com o Ministro do
Planejamento e, mais recentemente, o da Economia. Visitas aos gabinetes desses
políticos, bem como de Deputados e Senadores, encarregados da aprovação do
Orçamento Anual da União, se tornaram parte importante do trabalho rotineiro de
lideranças do IBGE, apesar do fato de que a execução do censo é exigida por lei federal.
Olinto explicou:
46 “Você tem duas duas batalhas no Censo, a batalha com o ministro— e, normalmente,
com problemas fiscais, essa é uma batalha complicada—, sofri isso na pele. Só se fez o
Censo Agropecuário com uma Emenda Parlamentar; não teve orçamento. E, depois,
você vai pro Congresso. Então tem que ter essa expertise. Então primeira coisa: pra
fazer um Censo, você tem que ter expertise de negociar o Orçamento.”
47 Após ter o orçamento inicial cortado de R$ 500 milhões para R$ 200 milhões pelo
governo em 2018, os líderes do IBGE precisaram encontrar um caminho para se
mobilizar por fundos adicionais diante do Congresso. “Nós tínhamos um assessor
parlamentar que vivia em Brasília; uma Frente Parlamentar da Estatística, de
Deputados Federais,” que havia sido criada durante a gestão de Paulo Rabello de
Castro, em 2016, quando ele conseguiu arrecadar R$ 975 milhões por meio de Emendas

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Parlamentares para a implementação do Censo Agropecuário. O lobby de Olinto com a


Frente Parlamentar Mista da Geografia, Estatística e Meio Agroambiental (GEMA)
trouxe outros R$ 150 milhões (R$150 milhões a menos que o demandado), dando ao
IBGE recursos limitados, mas suficientes para investir (durante o ano anterior à coleta
de dados censitários) em infraestrutura e equipamento que serviriam à instituição até o
próximo censo populacional, em 2030.
48 “Quando eu era presidente, eu aprendi com o meu antecessor que a gente tinha
assessor parlamentar em Brasília pra conversar com Deputado e Senador pra mostrar
como é que o IBGE é importante o tempo inteiro. Eu tinha que ir lá no Congresso e
levar livrinho pra Deputado, fazer exposição; botava o mapa do Brasil na entrada do
Senado, um mapa enorme que tem em acrílico. Aí chamava a Frente Parlamentar. É
duro fazer isso, mas tem que fazer.”
49 A crítica de Olinto à gestão de Susana Guerra se estendia ao seu manejo das questões
políticas e de comunicação que em última instância teriam impedido a realização do
censo populacional em 2020. Sua ausência do Congresso teria eclipsado conversas
importantes, dissolvido os assessores parlamentares e encerrado contatos políticos.
Sem aplicar a pressão necessária no Congresso, o censo demográfico de 2020 acabou
por não ser incluído no Orçamento Anual de 2021 por uma combinação de
“incompetências e abandonos:”
50 “O Bolsonaro não precisou fazer nada [para atrapalhar o censo]. A coisa tava tão
esculhambada, (…) com um ministro fraco, a presidência do IBGE fraca, o governo
desinteressado, um Congresso completamente… atabalhoado e corporativo, e uma
sensação coletiva de que tudo já tava resolvido, quando de fato não estava. (…) O
Relator [do Orçamento] fez o papel dele; talvez ele até fosse transferir todo o dinheiro,
mas não tinha ninguém lá pra falar do censo.”

Defendendo o Censo: O Ativismo do Sindicato


51 A sucessiva história de cortes orçamentários que afetou o IBGE ao longo da década
de 2010—incluindo-se a postergação do censo agropecuário de 2015 para 2017 e a não-
realização da contagem populacional em 2015—chamaram a atenção de um grupo de
funcionários sindicalizados da instituição. Pressagiando dificuldades orçamentárias
para a realização do censo logo após a eleição de Bolsonaro, que já havia dado
declarações públicas questionando a validade, acuidade e metodologia do IBGE19, em
2018 C. Santos20 encabeçou uma chapa vitoriosa que tentou, num primeiro momento,
“conversar com a categoria sobre a importância da gente começar a defender o censo,
em termos de orçamento e de lembrar a sociedade da importância do censo.” Santos é
formada em Direito e possui mestrado em sociologia por duas importantes
universidades públicas do Rio de Janeiro. À época de nossa conversa, integrava a
Coordenação de População e Indicadores Sociais, onde trabalhava com indicadores de
Pessoas com Deficiência, gênero, juventude, mercado de trabalho e educação.
52 Em junho de 2019, o Sindicato dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) lançou a
campanha “Todos em Defesa do Censo” na Associação Brasileira de Imprensa, com a
participação de mais de quatrocentos convidados, entre ex-Presidentes do IBGE, do
IPEA e da Fundação João Pinheiro. O evento pontuaria, oficialmente, a entrada de
técnicos da instituição nos debates. “Mas a gente começou fazendo panfletagem aqui no
Centro do Rio,” salientou Santos. A campanha, que inicialmente visava mobilizar a
sociedade para pressionar o poder público e garantir os recursos para a realização do
censo, rapidamente tomou dimensões nacionais.
53 “Logo no início da campanha, a gente conseguiu o apoio do Drauzio Varella, que
gravou um vídeo que viralizou. E aí, então, tinham pessoas que passaram a acompanhar
o debate da questão dos dados. E pra gente ali foi um momento de...caramba, né, o
Drauzio Varella gravou um vídeo com o roteiro que a gente fez, então é uma figura
popular. Naquele momento a gente conseguiu ampliar nossas redes sociais. (...) Pra um

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tema técnico a gente conseguiu alcançar uma repercussão pra fora da bolha acadêmica
e a gente começou a ser chamado pra um monte de coisa.”
54 De fato, a página de Facebook do grupo21, com mais de 25 mil seguidores, conta a
história de mobilização desses funcionários e o apoio de diversas entidades da
sociedade civil e personalidades famosas, como atores da Rede Globo, que se engajaram
“em defesa” da realização do censo em diversos momentos da negociação política de
2019, 2020 e 2021. A entidade também passou a se mobilizar ativamente em debates
técnicos, como, por exemplo, em relação aos cortes do questionário propostos pela nova
administração de Susana Guerra, bem como ao modo pouco dialógico que, como vimos,
teria marcado o processo. Santos explicou que “esse novo período do IBGE virou uma
caixa preta. Não tem nenhuma comunicação das Direções com o Sindicato. Todos os
ofícios que a gente mandou desde 2019, quando a Susana Guerra tomou posse, nenhum
foi respondido.” Como consequência, o Sindicato pautou audiências públicas na
Comissão do Idoso da Câmara dos Deputados e na Comissão de Direitos Humanos do
Senado para demandar explicações da Presidente do IBGE quanto aos cortes do
questionário. O Sindicato também moveu ações judiciais para garantir seu direito de
receber clarificações quanto ao andamento técnico das questões pertinentes à
implementação do censo. À medida que o movimento ganhava forma, representantes
do Sindicato foram chamados a participarem em audiências nas Assembleias
Legislativas de estados como Santa Catarina, Espírito Santo e Bahia, que criaram seus
próprios fóruns locais para estabelecer parâmetros tecnopolíticos de defesa do censo.
55 A mobilização da ASSIBGE foi amplificada por meio de alianças com representantes
da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e funcionários de alto escalão
do IBGE, incluindo-se cinco ex-presidentes, o que permitiu que a Associação
estruturasse um discurso tecnicamente embasado nesse campo de embates. “A gente
baseou todo nosso discurso nas previsões que o IBGE vinha fazendo desde 2019,”
Santos argumentou. “A gente teve muita participação de técnicos da casa; dos
demógrafos, que tinham mais experiência na realização de censos; pessoas que estão no
IBGE há muito mais tempo que nós, que já fizeram outros censos, que sabem a
implicação de você tirar um tema do [questionário] básico para a amostra.” Por meio
dessas redes, a campanha lançou, em agosto de 2019, uma carta de ex-presidentes, com
as assinaturas de Eduardo Nunes, Roberto Olinto, Wasmália Bivar, Paulo Rabello de
Castro e Edson Nunes, “defendendo a integridade orçamentária, metodológica e de
conteúdo do censo.” Já em setembro, o grupo realizou um evento internacional no Rio
de Janeiro que trouxe especialistas e ex-Diretores de Institutos de Estatística do
Equador, Chile e Argentina para argumentarem “que mudanças de última hora no
censo não são bem-vindas; interferências políticas externas no Instituto de Estatística
não são bem-vindas.” O evento culminaria no lançamento de uma coletânea de artigos,
já em 2020, contendo as transcrições editadas das falas desses intelectuais, bem como
de uma breve apresentação por Santos sobre o histórico de mobilização da entidade
(Botelho 2020). “A gente resolveu lançar o livro como mais uma forma de registrar todo
esse processo. O que eu sempre falo, ainda que tudo dê errado, que o Censo dê errado e
que falte coisa, ou que não tenha Censo, a gente vai registrar que houve luta, houve
quem estivesse dizendo que não tava certo.”
56 Apesar de todo o esforço, Santos avaliou com ambivalência os efeitos gerados pela
mobilização entre a sociedade civil. Por um lado, a campanha repercutiu massivamente
entre usuários de dados, acadêmicos, associações profissionais e meios de
comunicação. “Houve momentos que a gente foi super procurado. A gente precisou até
ter uma assessoria de imprensa profissional porque não dava, só a gente, responder. A
gente participou do Jornal Nacional mais de uma vez; GloboNews mais de uma vez.”
Porém Santos duvidou que “alguém no bar” já tivesse debatido tais questões. “As
pessoas viram isso em algum momento, só não sei se elas entenderam,” concluiu. Para a
funcionária e sindicalista, apenas uma campanha publicitária bem-feita poderia
aumentar os níveis de interesse e participação do cidadão médio na mobilização por um
censo de qualidade.

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Conclusão: A tecnopolítica do ativismo experto


57 Após várias reduções no questionário, uma pandemia desgovernada, a exclusão do
censo do Orçamento Anual de 2021, a consequente renúncia de Susana Guerra em abril
de 2021 diante da impossibilidade fiscal de realização do censo naquele ano, e
recorrentes intervenções da Suprema Corte Federal ordenando sua implementação, o
orçamento para o censo foi finalmente aprovado pelo Congresso para 2022. No
momento em que este artigo é revisado, em junho de 2022, as cadeias de treinamento
estão sendo realizadas nas unidades estaduais e a previsão é de que a coleta de dados,
com duração de três meses, se inicie em agosto.
58 Olinto entrou com pedido de aposentadoria do IBGE apenas cinco meses após ser
substituído na Presidência da Instituição por Susana Guerra, em 2019. Hoje em dia, ele
reside em uma cidade próxima de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde passa três dias
por semana, intercalados com suas atividades como consultor. Ele não descartou a
possibilidade de retornar ao IBGE, dadas condições institucionais adequadas, para
reconstruir seu sonho de um Sistema Estatístico Nacional integrado e capaz de colocar
em prática os melhores standards internacionais de qualidade de dados. Bivar, após se
aposentar do IBGE, tornou-se colaboradora docente da ENCE, a Escola Nacional de
Ciências Estatísticas do IBGE, fundada em 1953 e que atualmente forma mestres e
doutores nas áreas de população, território e estatísticas públicas. E Pereira encontra-se
atualmente licenciado do IBGE para realização de seu doutorado em planejamento
urbano, combinando ciência da informação, sociologia e geografia para entender
questões de exclusão habitacional.
59 Quando da nossa conversa, Olinto enxergava com ceticismo a possibilidade de o
IBGE realizar um censo de qualidade em 2022. Ao passo em que concordava com o
adiamento inicial do censo para 2021 por questões sanitárias—já que a realização de um
censo no auge da pandemia teria sido “catastrófico” em termos da qualidade dos dados
coletados—a realização de qualquer censo durante a administração de Bolsonaro terá,
inevitavelmente também, seus limites de qualidade. Isso porque qualquer censo
precisa, como condição para ser bem-sucedido, envolver a população por meio de
campanhas publicitárias bem articuladas, que promovam a conscientização sobre a
importância do censo como ferramenta para a democracia e o reconhecimento, e
aumentem a predisposição da população em participar da coleta de dados.
60 “O Censo é um exercício de cidadania, mas esse exercício da cidadania se dá
exatamente a partir do momento que você inclui as pessoas via propaganda, que você
diz pra pessoa, ‘cara, você é importante, você existe e o Estado precisa da tua
informação,’ e aí as pessoas se incluem. Se você fizer uma coisa morna, depois de uma
pandemia... não tem uma família que não tem um morto nesse país, praticamente.
Então as pessoas não vão responder, pelo menos não pra esse governo.”
61 Pereira, de igual modo, apostava no censo como instrumento crucial de unificação
social e política do país. “Se há um projeto que pode servir de consertação nacional, é
esse. Porque todos podem se ver a partir do censo. Precisa ter uma lei do censo. Precisa
garantir.” Ele também sugeria que as chances de uma boa coleta de dados residem na
capacidade de as campanhas de comunicação criarem uma conexão direta com o
cidadão, capaz de ultrapassar as disputas e usos políticos do levantamento. “Precisa ser
nessa linha, ‘o censo é o Brasil.’ As pessoas têm que se ver no censo. A comunicação tem
que ser direta, impossibilitando a disputa pelo censo. Comunicar dessa forma é
entender que a proatividade em responder é um ganho e uma economia pro Brasil.”
62 Finalmente, Bivar lamentava a ideologização e midiatização do debate técnico e
orçamentário do censo. “Esse debate foi muito ruim. Porque a gente acabou não
conseguindo fazer a discussão que precisava ser feita. Como é que vai ser? (...) Para que
a gente pudesse entender como nós vamos nos preparar para a próxima década. Mas no
lugar disso ficou um Fla-Flu na imprensa.” Bivar também considerava que essas
controvérsias terminariam por obscurecer a noção de que a produção de informação
oficial é um “bem público inestimável.”

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63 Como vimos através das lentes desses operadores, o censo é visto como a
infraestrutura informacional do país. Ele tem o potencial de tornar visível padrões
amplos de desigualdade socioeconômica e de mudanças demográficas por meio da
tradução de grandes números e séries históricas longitudinais. Entretanto, ao
observarmos a tecnopolítica da sua constituição, somos deparados com uma fotografia
bem menos estabilizada e nítida dessa infraestrutura (Beaud 2014).
64 Ao ser desenhado e realizado, o censo coloca em marcha sua própria infraestrutura
de produção, gestão e circulação de informações, redes e expertises—não apenas
técnicas, mas também políticas, sociais e econômicas. Ao focarmos na composição
sociotécnica de seu dispositivo central, o questionário, joga-se luz sobre a história
profunda de alianças contingentes e disputas tecnopolíticas que em última instância
formatam os modos pelos quais nós pensamos, medimos e contamos a diferença.
Talvez ainda mais importante, nós nos damos conta de que os valores quantificados que
atribuímos a essas diferenças são na verdade tentativas de estabilizar o fluxo de
controvérsias políticas disputadas em termos técnicos.
65 Como argumentado por Antina von Schnitzler (2016) para o caso de medidores pré-
pagos de água no contexto pós-apartheid da África do Sul, conflitos em torno da
instanciação de estatísticas públicas—o fundamento informacional de um país—expõem
as formas tecnopolíticas através das quais a democracia toma forma. Por meio da
realpolitik de negociações de bastidor, os imponderáveis de alianças transnacionais, e
dos ativismos de dados de especialistas—incluindo-se os operadores e usuários do
censo—podemos apreender os sustentáculos concretos e materiais dos números como
indexadores de cidadania. Desta perspectiva, o censo carrega pouca semelhança com a
forma como ele é retratado pela literatura convencional, como um instrumento de
governança total que conta corpos através de aferições estatísticas (Desrosières 1998,
Thorvaldsen 2018) e os transforma na substância de uma identidade nacional unificada
(Appadurai 1993, Scott 1998). Ao contrário, minha pesquisa em andamento tem
mostrado que o censo pode ser mais bem descrito como a atualização de múltiplas
forças alinhadas apenas parcial e intermitentemente por meio do trabalho tecnopolítico
desses especialistas como stakeholders ativos na produção de dados. Uma abordagem
etnográfica desses processos de census-making, portanto, pode privilegiar as práticas
experimentais com tecnologia, política e pertencimento que dados quantificados
evocam em sociedades informacionais pós-coloniais como a brasileira.

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89 Loveman, Mara. 2009. "The Race to Progress: Census Taking and Nation Making in
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90 ———. 2021. A política de um cenário de dados transformado: estatísticas
etnorraciais no Brasil em uma perspectiva comparativa regional. Sociologias 23 (56),
110-53.
91 Milan, Stefania & Lonneke van der Velden. 2016. "The Alternative Epistemologies of
Data Activism." Digital Culture & Society 2 (2), 57-74.
92 Scott, James C.. 1998. Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the
Human Condition Have Failed. New Haven & London: Yale University Press.
93 Senra, Nelson de Castro (ed.). 2006. História das estatísticas brasileiras:
Estatísticas organizadas (c.1936-c.1972). Vol. 3. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
94 ——— (ed.). 2009. História das estatísticas brasileiras: Estatísticas formalizadas
(c.1972-2002). Vol. 4. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
95 Senra, Nelson de Castro, Fonseca, Silvia, & Millions, Teresa (eds.). 2016. O Desafio
de Retratar o País: Entrevistas com os Presidentes do IBGE no Período de 1985 a
2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
96 Thorvaldsen, Gunnar. 2017. Censuses and Census Takers: A Global History. New
York & London: Routledge.
https://journals.openedition.org/confins/51641 15/17
29/08/2023, 12:34 “O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementa…

97 Von Schnitzler, Antina. 2016. Democracy’s Infrastructure: Techno-Politics & Protest


after Apartheid. Princeton: Princeton University Press.

Notes
1 Cet article est la traduction d'un texte paru dans la revue Brésil(s), qui a publié en français dans
son numéro 23 le dossier "Un siècle de recensements au Brésil (1920-2020)", les mêmes articles
que ceux qui sont publiés, en portugais, dans ce numéro 59 de Confins : Moisés Kopper, « « Le
recensement est l’infrastructure informationnelle du pays » : le recensement de 2020 et les
controverses techno-politiques de sa mise en œuvre », Brésil(s) 23 | 2023, URL :
http://journals.openedition.org/bresils/14425 ; DOI : https://doi.org/10.4000/bresils.14425
2 Este artigo faz parte do projeto Starting Grant “InfoCitizen” que recebe financiamento do
Conselho Europeu de Pesquisa (ERC) no âmbito do programa de pesquisa e inovação Horizon
Europe da União Europeia (Convênio de concessão nº 101076030). O artigo foi escrito como
parte do projeto Future-Data na Universidade livre de Bruxelas, Bélgica, que projeto recebeu
financiamento do European Union Horizon 2020 research and innovation programme sob o
Marie Skłodowska Curie grant agreement nº 801505. Uma versão preliminar foi apresentada na
XVI Reunião da Brazilian Studies Association (Brasa). Sou grato a Claudia Fonseca por seus
comentários atentos.
3 Chicago Boy é o termo pelo qual são conhecidos os latino-americanos egressos do
Departamento de Economia da Universidade de Chicago que lá se graduaram durante os anos
1970 e 1980 e que ajudaram a implementar, em seus países de origem, reformas econômicas de
caráter neoliberal (Klüger 2017: 415).
4 Disponível: https://oglobo.globo.com/economia/guedes-quer-vender-predio-do-ibge-para-
fazer-censo-sugere-simplificar-pesquisa-23473491 . Acessado: 17.02.2022.
5 Vários interlocutores de pesquisa apontam para este problema, que está na origem da falta de
quadros técnicos capazes de permanecer por tempo suficiente na instituição para garantir a
implementação de pesquisas domiciliares de qualidade.
6 O censo de 2020 foi adiado por duas vezes, primeiramente para 2021 e em seguida para 2022,
ano de sua implementação. Ainda assim, refiro-me a 2020 por ser este o ano inicialmente
concebido na série histórica para a realização do censo e, também, para preservar o sentido
histórico das controvérsias aqui documentadas, já que a perspectiva de um adiamento viria a se
concretizar apenas com o advento da pandemia, em 2020.
7 Veja-se, a esse respeito, a crise de representação pública dos dados oficiais causada pela
abolição da obrigação de responder ao questionário amostral do censo canadense de 2011, que foi
substituído por uma pesquisa voluntária com 30% da população. Essas mudanças ocorreram
durante o governo de Stephen Harper (Partido Conservador Canadense) e objetivaram preservar
as liberdades e privacidades individuais (Beaud 2014, 2016).
8 Cabe lembrar, aqui, que bifurcações ideológicas importantes em torno de nova reformulação do
questionário e do adiamento do censo se estabeleceram entre esses intelectuais durante a fase
seguinte dessas controvérsias, que chamo de “judicialização” e que surge com o advento da
pandemia e a intervenção do Supremo Tribunal Federal para garantir a realização do censo.
Embora a visão dos intelectuais que nalgum momento se retiraram do front de debates públicos
e/ou se expressaram a favor do adiamento não seja o foco deste artigo, a pesquisa em andamento
procura captar essas clivagens para mapear o quadro mais amplo de posicionamentos
tecnopolíticos da controvérsia.
9 Os DMCs são equipamentos portáteis com geolocalização embutida usados por recenseadores
para o registro e armazenamento de informações coletadas em campo.
10 Para um olhar sobre a perspectiva que defendia um questionário sucinto e eficiente para o
censo 2020, ver o texto da demógrafa Susana Cavenaghi:
https://www.scribd.com/document/408169248/Por-um-Censo-Demografico-de-qualidade-em-
2020. Acessado: 15.03.2022.
11 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
12 Disponível: https://ces.ibge.gov.br . Acessado: 15.03.2022.
13 Guerra foi contatada diversas vezes para a realização de entrevista para esta pesquisa, porém
até o momento da redação deste artigo não se havia obtido retorno para a realização da mesma.
14 Veja-se, sobre isso, as intervenções públicas de sete ex-presidentes, em julho de 2019, através
de carta aberta sustentando que a redução do questionário não implicaria “perda irreparável de
séries históricas sobre diferentes características da população” uma vez que “o questionário do
Censo brasileiro tem sido diferente a cada década, e não se pode pretender que ele fique
congelado no tempo”
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/07/29/internas_economia,788071/grupo-
liderado-por-bacha-defende-corte-nos-questionarios-do-censo.shtml . Acessado em: 10.07.2022.

https://journals.openedition.org/confins/51641 16/17
29/08/2023, 12:34 “O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementa…
15 Entendo, neste ponto, que minha relativa facilidade de acesso às figuras de cúpula que
encabeçariam a defesa de um questionário mais longo também reflete a tentativa desses atores de
ampliarem o repertório dos instrumentos de comunicação com a sociedade, fazendo seu discurso
circular em espaços menos hegemônicos e tradicionalmente menos afeitos ao discurso estatístico,
como, neste caso, o universo acadêmico da antropologia. Até o momento da redação deste artigo,
não havia obtido a mesma facilidade para realizar entrevistas com os presidentes mais antigos da
instituição.
16 Ver, por exemplo: https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/bid-colabora-com-o-
censo.html . Acessado: 15.03.2022.
17 Para um olhar acadêmico sobre as potencialidades abertas pelos dados censitários de migração
interna, consultar Cunha (2005).
18 A Contagem Populacional está prevista para ocorrer nos anos terminados em 0 e 5 e serve de
complemento ao censo para ajudar no cálculo da estimação da população.
19 Em novembro de 2018, por exemplo, o então presidente eleito criticou a metodologia de
cálculo do desemprego adotada pelo IBGE. Disponível:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/bolsonaro-usa-informacoes-incorretas-ao-
criticar-indicador-de-desemprego-no-pais.shtml . Acessado: 15.03.2022.
20 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
21 Disponível: https://www.facebook.com/EmDefesaDoCenso/ . Acessado: 15.03.2022.

Pour citer cet article


Référence électronique
Moisés Kopper, « “O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as
Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementação », Confins [En ligne], 59 | 2023, mis en ligne
le 04 juillet 2023, consulté le 29 août 2023. URL : http://journals.openedition.org/confins/51641 ;
DOI : https://doi.org/10.4000/confins.51641

Auteur
Moisés Kopper
Institute of Development Policy, Université d’Anvers. ORCID : https://orcid.org/0000-0003-0327-
7681.

Droits d’auteur

Creative Commons - Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les Mêmes
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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/

https://journals.openedition.org/confins/51641 17/17

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