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Uma introdução aos

fundamentos da
matemática
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tavares, Rodrigo Prado


Uma introdução aos fundamentos da matemática

/ Rodrigo Prado Tavares. -- Recife, PE :

Ed. do Autor, 2023.

Bibliografia.

ISBN 978-65-00-79250-8

1. Lógica simbólica e mastemática 2. Matemática

I. Título.

23-170462 CDD-510
Índices para catálogo sistemático:
1. Matemática 510
Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253
Sumário

Prefácio i

1 Lógica e conjuntos 1
1.1 Proposições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Conectivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Tabelas verdade para conectivos compostos . . . 10
1.4 Tautologias, contradições e contingências . . . . . 13
1.5 Equivalência e implicação lógicas . . . . . . . . . 15
1.6 Regras de inferência e axiomas lógicos . . . . . . 21
1.7 Quantificadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.8 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.9 Axiomas da teoria de conjuntos . . . . . . . . . . 36
1.10 Conjunto vazio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.11 Operações entre conjuntos . . . . . . . . . . . . . 44

2 Relações e funções 50
2.1 Relações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

3
SUMÁRIO 4

2.2 Mais sobre relações . . . . . . . . . . . . . . . . . 61


2.3 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.4 Mais sobre funções . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

3 Cardinalidade 76
3.1 Números cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
3.2 Operações com cardinais . . . . . . . . . . . . . . 88
3.3 Axiomas de Peano . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

4 Outras espécies de número 103


4.1 Números inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.2 Números racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
4.3 Números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
4.4 Números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . 130

5 Números ordinais 134


5.1 Relações de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
5.2 Operações com ordinais . . . . . . . . . . . . . . 139

6 Números surreais 149


6.1 Definição de número . . . . . . . . . . . . . . . . 149
6.2 Os números surreais formam um corpo . . . . . . 158

A A axiomática ZFC 162


Prefácio

Como diz o título, este livro pretende ser uma introdução aos
fundamentos da matemática. Damos em detalhe a matéria de ló-
gica e teoria de conjuntos sem adotarmos uma teoria axiomática
particular, fazemos tudo na teoria “ingênua” que acreditamos ser
mais fácil de ser entendida (entretanto no apêndice mostramos
a axiomática ZFC). Depois disso temos a construção dos núme-
ros inteiros, racionais, reais e complexos (admitindo que o leitor
já conhece esses números da escola e já sabe fazer cálculos com
eles), uma introdução aos números ordinais e por último uma in-
trodução aos números surreais, que são construídos usando uma
generalização dos cortes de Dedekind e incluem de uma vez só
todos os números anteriormente estudados.

Rodrigo Prado Tavares

i
Capítulo 1

Lógica e conjuntos

A teoria de conjuntos é uma forma de fundamentar de toda a


matemática de hoje, por isso não se pode dizer que se entende
bem a matemática sem saber como se dá essa fundamentação.
Por outro lado a lógica é tanto a ciência milenar da boa argu-
mentação como a linguagem utilizada para expressar as verdades
matemáticas. O estudo desse capítulo vai lançar uma base para
o nosso objetivo que é prover uma introdução aos fundamentos
da matemática.

1.1 Proposições
As entidades elementares da lógica são as proposições . Uma
proposição é uma sentença para a qual tenha sentido dizer se

1
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 2

esta é verdadeira ou falsa. Por exemplo ‘A grama é verde’ e


‘2 + 2 = 5’ são proposições, sendo a primeira um exemplo de
proposição verdadeira e a segunda um exemplo de proposição
falsa.

Toda proposição tem um valor verdade, que pode ser ver-


dadeiro (V), ou falso (F). Na lógica tradicional queremos que
toda proposição tenha um e somente um desses valores, por isso
enunciamos os seguintes princípios.

Princípio da não contradição. Nenhuma proposição pode ser


ao mesmo tempo verdadeira e falsa.
Princípio do terceiro excluído. Nenhuma proposição pode
ser nem verdadeira nem falsa.

O primeiro princípio elimina a possibilidade de uma proposi-


ção possuir os dois valores ao mesmo tempo e o segundo elimina
o caso de um valor “neutro”, nem verdadeiro nem falso.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 3

A linguagem comum nos fornece muitos exemplos de propo-


sições, podemos combinar proposições com palavras que modifi-
cam seu sentido. Por exemplo, a frase ‘Camões não escreveu os
lusíadas’ é uma proposição, falsa nesse caso, já que a proposi-
ção ‘Camões escreveu os lusíadas’ é verdadeira. A relação dessa
primeira proposição com a segunda é que esta é a negação da
segunda.

Na lógica representamos proposições genéricas por letras la-


tinas minúsculas. Assim a toda proposição p fica associada uma
outra, chamada de negação de p, cujo valor depende do valor de
p. Assim iniciamos outro assunto que são os conectivos.

1.2 Conectivos
Um conectivo é uma maneira de gerar proposições a partir de
proposições que já existem. Dependendo de quantas proposi-
ções o conectivo usa ele recebe um nome:

Unário se usa uma proposição

Binário se usa duas proposições

Ternário se usa três proposições

Quaternário se usa quatro


CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 4

E assim por diante.

Em toda a lógica só precisamos considerar conectivos uná-


rios e binários, pois os de ordem superior podem ser construídos
a partir desses (na verdade também não precisamos de unários,
pois esses podem ser gerados pelos binários, mas isso é um as-
sunto que não trataremos aqui). Proposições que já existem
e não são geradas por conectivos são chamadas de proposições
atômicas.

O primeiro conectivo que vamos usar é a negação , é um


conectivo unário, ele toma a proposição p e transforma na pro-
posição que representaremos como ∼ p (leia “não p”), cujo valor
verdade depende do valor verdade de p. Se p é V então ∼ p é
F, e se p é F ∼ p é V. Representamos essa situação na tabela
abaixo, chamada de tabela verdade desse conectivo.

p ∼p
V F
F V
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 5

Considere por exemplo as seguintes proposições:

p: 2 + 2 = 5
q: Camões escreveu Os lusíadas
r: A grama é vermelha

A proposição p tem o valor lógico F, logo ∼ p tem valor V.


Já a proposição q tem o valor lógico V, logo a sua negação ∼ q
é F, perceba que em português ∼ q corresponderia à proposição
‘Camões não escreveu Os lusíadas’. Já a negação da proposição
r tem valor V, pois r é F. Perceba que em português a negação
de r é apenas ‘a grama não é vermelha’, ‘a grama é azul’ seria
por exemplo uma outra proposição

Outro conectivo que vamos usar é a conjunção, esse é um


conectivo binário. Ele toma as proposições p e q e leva na pro-
posição p ∧ q (leia “p e q”), que chamamos de conjunção de p e
q. O valor da conjunção depende do valor das proposições que
o formam: Só é verdadeiro se ambas as proposições que a for-
mam são verdadeiras. Por causa disso temos a seguinte tabela
verdade.

p q p∧q
V V V
V F F
F V F
F F F
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 6

Assim a conjunção é falsa quando pelo menos uma das pro-


posições que a compõem é falsa. Perceba que agora a tabela
verdade tem quatro linhas, pois são quatro possibilidades de
valor para proposições quaisquer p e q. Considere os seguintes
exemplos.

p: A lua orbita em volta da terra

q: 2 é um número primo
r: A grama é rosa

Temos que p ∧ q é V, p ∧ r é F, q ∧ r é F.

Vamos agora falar de outro conectivo binário, a disjunção.


Ele toma as proposições p e q e leva na proposição p ∨ q (leia “p
ou q”) que chamamos de disjunção de p e q. O valor da disjunção
depende do valor das proposições que a formam: A disjunção é
verdadeira exatamente quando pelo menos uma das proposições
que a formam é verdadeira. Assim temos a seguinte tabela ver-
dade.

p q p∨q
V V V
V F V
F V V
F F F

Assim a disjunção é falsa somente quando ambas as proposi-


ções que a compõem são falsas. Considere os exemplos abaixo.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 7

p: A grama é verde
q: 9 é número primo
r: 1 > 5

Temos que p ∨ q é V, p ∨ r é V, q ∨ r é F. Perceba que em


português p ∨ q é a proposição “A grama é verde ou 9 é um
número primo”.

O “ou” aqui usado é no sentido inclusivo e não exclusivo. O


português não faz distinção entre os dois sentidos e usa a mesma
palavra, no caso “ou”, em ambos os casos.

O ou inclusivo é quando pelo menos uma das duas coisas


acontece (não havendo problema se ocorrer as duas), exemplo:
“Carlos é médico ou professor” significa que ele é pelo menos
uma dessas duas coisas, podendo ser as duas. Agora se usás-
semos o “ou” no sentido exclusivo, então se dissermos “Carlos é
médico ou professor” significa que ele é obrigatoriamente uma
dessas coisas e não a outra. Na língua latina por exemplo há
duas palavras distintas para esses casos, não deixando margem
para dúvida. O ou exclusivo na lógica é um outro conectivo.

Queremos agora introduzir um conectivo que modele a re-


lação de causa e efeito. Mas para isso precisamos explicar a
diferença entre um conectivo extensional e um não-extensional.
Dizemos que um conectivo é extensional se o valor verdade da
proposição que ele gera só depende dos valores das proposições
que o formam e de mais nada. Os conectivos que mostramos
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 8

até agora são todos extensionais.

Um exemplo de um conectivo não-extensional é o conectivo


binário ‘porque’. Exemplo: “A lua é um satélite da terra porque
a lua orbita em volta da terra”, é uma proposição verdadeira e
as duas proposições que o compõem são verdadeiras. Agora “A
lua é um satélite da terra porque a grama é verde” é uma propo-
sição falsa mesmo sendo as suas duas componentes verdadeiras.
Assim o conectivo ‘porque’ é não extensional, seu valor depende
não só do valor das proposições que o compõem mas de algo a
mais.

Esse “algo a mais” serve para a filosofia mas não para a ló-
gica. Na lógica tradicional só consideramos conectivos extensi-
onais, assim criamos o conectivo binário de implicação. Ele
toma as proposições p e q e leva na proposição p → q (leia “se
p então q”), que chamamos de condicional de p e q. Como que-
remos que o conectivo seja extensional temos a seguinte tabela
verdade.

p q p→q
V V V
V F F
F V V
F F V

Assim a condicional é falsa somente se a primeira proposi-


ção for verdadeira e a segunda falsa. Esse conectivo expressa a
relação de causa e efeito, quando dizemos p → q dizemos infor-
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 9

malmente que p é a “causa” de q, mas como ele é extensional ele


inclui mais casos. Por exemplo ‘se a grama é roxa então a lua
é um satélite da terra’ é uma proposição verdadeira pelo nosso
conectivo pois a primeira proposição é falsa e a segunda ver-
dadeira, mesmo que as duas proposições não tenham nenhuma
relação de causa e efeito. É o preço a se pagar para permanecer-
mos na lógica dedutiva e não misturarmos lógica com filosofia.

A primeira proposição de uma condicional recebe o nome de


antecedente e a segunda de consequente. Além disso quando
temos p → q dizemos que p é condição suficiente para q, e que
q é condição necessária para p.

A bicondicional é o conectivo binário que toma as propo-


sições p e q e leva na proposição p ↔ q (leia “p se e somente
se q”). A bicondicional é verdadeira somente quando as duas
proposições tem o mesmo valor verdade.

p q p↔q
V V V
V F F
F V F
F F V

O ‘se e somente se’ deve ser interpretado como uma impli-


cação que “vai e volta”, pois sempre que se tivermos p ↔ q isso
seria o mesmo que p implicar q e q implicar p ao mesmo tempo.

O último conectivo que vamos ver é o ou exclusivo que


CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 10

já mencionamos antes. Ele é o conectivo binário que toma as


proposições p e q e leva na proposição p ⊻ q (leia “ou p ou q”).
Ele é verdadeiro somente quando as proposições que o formam
tem valor verdade diferentes. Temos portanto a seguinte tabela
verdade.

p q p⊻q
V V F
V F V
F V V
F F F

De posse desses conectivos podemos criar muitas proposições


diferentes a partir das proposições atômicas, e ainda criar muitos
outros conectivos.

1.3 Tabelas verdade para conectivos com-


postos
Dados os conectivos unários e binários que já temos podemos
criar conectivos de ordem superior, por exemplo: p ∧ q → r.
Mas aqui temos um problema de leitura, a composição desse
jeito está ambígua, pois p ∧ q → r pode ser ‘p e q implica r’ ou
a conjunção de p com q → r. Para resolver isso usamos símbo-
los auxiliares chamados parênteses. Os parênteses marcam qual
proposição deve ser feita primeiro, assim (p ∧ q) → r é ‘p e q
implica r’, e p ∧ (q → r) é a conjunção de p com q → r. Mais
tarde iremos mencionar a eliminação de parênteses, mas por en-
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 11

quanto todas as proposições são formadas da seguinte maneira:

Se p e q já são proposições então:


1 (∼ p) é uma proposição
2 (p ∧ q), (p ∨ q), (p → q), (p ↔ q), (p ⊻ q) são proposições.
3 Todas as proposições são formadas apenas pelos passos acima.
Assim por exemplo. Se p, q e r já são proposições então
(∼ ((p ∧ q) → (∼ r))) é uma proposição composta. Se enca-
rarmos p, q e r como proposições quaisquer temos definido um
conectivo ternário. Vamos montar a tabela verdade desse co-
nectivo.

p q r ((∼ (p ∧ q)) → (∼ r))))


V V V ?
V V F ?
V F V ?
V F F ?
F V V ?
F V F ?
F F V ?
F F F ?

Perceba que agora são oito linhas pois é um conectivo ter-


nário, usa três proposições assim são oito as possibilidades de
valores V ou F. Para preencher os valores verdade finais corre-
tamente temos de fazer passo a passo começando dos parênteses
mais “internos” aos mais “externos”.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 12

p q r (∼ r) (p ∧ q) ((p ∧ q) → (∼ r)) (∼ ((p ∧ q) → (∼ r)))


V V V F V F V
V V F V V V F
V F V F F V F
V F F V F V F
F V V F F V F
F V F V F V F
F F V F F V F
F F F V F V F

Primeiro determinamos o valor da negação de r depois da


conjunção de p e q depois da condicional se p e q então não r
depois da negação de se p e q então não r. Assim a tabela ver-
dade final desse conectivo é:

p q r (∼ (p ∧ q) → (∼ r))
V V V V
V V F F
V F V F
V F F F
F V V F
F V F F
F F V F
F F F F

Defina você mesmo mais conectivos de ordem superior a


dois, basta combinar conectivos já existentes. Outra questão
interessante é usar um raciocínio combinatório para determinar
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 13

quantos conectivos extensionais diferentes de uma determinada


aridade são possíveis.

Exercícios
1. Diga se as proposições abaixo são verdadeiras ou falsas.

A grama é verde. A terra é plana.


5 é um número primo. A água tem cheiro.

2. Construa a tabela verdade dos seguintes conectivos com-


postos.

(p ∨ q) ∨ (∼ q) p → (∼ q)
(p ∧ q) → p (∼ p) ⊻ q

3. Quantos são os possíveis conectivos binários extensionais?


Escreva a tabela verdade de cada um deles. Já para co-
nectivos ternários quantos extensionais são possíveis? (não
precisa fazer a tabela verdade de todos eles!)

1.4 Tautologias, contradições e contin-


gências
Uma proposição composta que tem sempre o valor V não im-
porta os valores de suas entradas se chama uma tautologia.
Exemplo: (((p → q) ∧ (q → r)) → (q → r)). Se construirmos a
tabela verdade (faça cada passo) vamos ter:
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 14

p q r (((p → q) ∧ (q → r)) → (q → r))


V V V V
V V F V
V F V V
V F F V
F V V V
F V F V
F F V V
F F F V

Uma proposição composta que tem sempre o valor F não


importa os valores de suas entradas se chama uma contradi-
ção. Exemplo: (p∧ ∼ (p)) (faça a tabela passo a passo, perceba
que agora é um conectivo unário, a tabela verdade só tem duas
linhas). Construindo a tabela verdade temos:

p (p ∧ (∼ p))
V F
F F

Uma proposição composta que não é uma tautologia nem


uma contradição é chamada uma contingência. Assim uma
proposição composta é uma contingência se na sua tabela ver-
dade para algum a entrada aparece o valor V e para outra en-
trada aparece o valor F. Um exemplo de contingência é a propo-
sição composta da seção anterior: (∼ (p ∧ q) → (∼ r)). Vamos
repetir sua tabela verdade.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 15

p q r (∼ (p ∧ q) → (∼ r))
V V V V
V V F F
V F V F
V F F F
F V V F
F V F F
F F V F
F F F F

1.5 Equivalência e implicação lógicas


Dadas duas proposições compostas que usam o mesmo número
de entradas dizemos que elas são equivalentes quando para as
mesmas entradas de valores verdades das componentes obtêm-se
sempre o mesmo valor para a proposição composta. Por exem-
plo: (p → q) é equivalente a ((∼ p) ∨ q). Observe as tabelas
verdade.

p q (p → q) ((∼ p) ∨ q)
V V V V
V F F F
F V V V
F F V V

Para as mesmas entradas de valor verdade resulta o mesmo


resultado do valor da proposição composta.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 16

Fato. Dua proposições P e Q são equivalentes se e somente se


a proposição bicondicional P ↔ Q é tautológica.
Demonstração. Suponha que P e Q tem os mesmos valores para
as mesmas entradas, então P ↔ Q tem sempre o valor V, ou
seja é tautológica. Reciprocamente suponha que P ↔ Q é tau-
tológica, isso significa que ela só assume valores V, o que só é
possível se para alguma entrada de valores em P e Q os valor
verdade sejam ambos F ou ambos V, assim P e Q são equiva-
lentes.
Quando P e Q são proposições equivalentes escrevemos P ⇔
Q. Aqui estamos usando letras maiúsculas como meta-variáveis
para quaisquer proposições, atômicas ou compostas. Perceba
que ⇔ não é um conectivo, é apenas um símbolo que indica
uma relação entre duas proposições.

Da mesma forma dizemos uma proposição P implica logi-


camente a proposição Q quando a implicação P → Q é tautoló-
gica. Exemplo: ((∼ p) ∧ (p ∨ q)) implica q (faça como exercício a
tabela verdade). Quando P implica Q escrevemos P ⇒ Q. No-
vamente esse símbolo não é um conectivo, ele apenas expressa
uma relação entre duas proposições.

Abaixo segue uma lista de equivalências importantes.

Identidade P ⇔ (P ∧ P )
P ⇔ (P ∨ P )
Comutatividade (P ∧ Q) ⇔ (Q ∧ P )
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 17

(P ∨ Q) ⇔ (Q ∨ P )
Associatividade ((P ∧ Q) ∧ R) ⇔ (P ∧ (Q ∧ R))
((P ∨ Q) ∨ R) ⇔ (P ∨ (Q ∨ R))

Distributividade (P ∧ (Q ∨ R)) ⇔ ((P ∧ Q) ∨ (P ∧ R))


(P ∨ (Q ∧ R)) ⇔ ((P ∨ Q) ∧ (P ∨ R))
Leis de DeMorgan (∼ (P ∧ Q)) ⇔ ((∼ P ) ∨ (∼ Q))
(∼ (P ∨ Q)) ⇔ ((∼ P ) ∧ (∼ Q))

Condicional (P → Q) ⇔ ((∼ P ) ∨ Q)
Contra-positiva (P → Q) ⇔ ((∼ Q) → (∼ P ))
Bicondicional (P ↔ Q) ⇔ ((P → Q) ∧ (Q → P ))
Dupla negação P ⇔ (∼ (∼ P ))

Tente compreender a razão de cada uma dessas equivalên-


cias. A identidade mostra que a conjunção ou disjunção de uma
proposição com ela mesma é basicamente ela mesma. A comu-
tatividade mostra que a ordem das proposições numa conjunção
ou numa disjunção não importa. A associatividade também é
outra propriedade da disjunção e da conjunção.

A distributividade mostra que uma conjunção de uma pro-


posição com uma disjunção é equivalente a uma disjunção de
duas conjunções. A outra distributividade mostra que a disjun-
ção de uma proposição com uma conjunção é equivalente a uma
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 18

disjunção de duas conjunções.

As leis de DeMorgan são de fundamental importância. A


primeira diz que a negação de uma conjunção é a disjunção de
duas negações, pois para uma conjunção ser falsa pelo menos
uma das proposições precisa ser falsa. A segunda diz que a ne-
gação de uma disjunção é uma conjunção de negações, pois para
uma disjunção ser falsa as duas proposições precisam ser falsas.

A condicional mostra que podemos definir a implicação ma-


terial a partir a negação e da disjunção. Já a contra-positiva
mostra que se uma proposição implica outra então a negação
dessa outra implica a negação dessa (e vice versa), por exemplo,
‘se chove então a terra se molha’ equivale logicamente a ‘se a
terra não está molhada então não choveu’.

A bicondicional mostra como definir a bicondicional pela im-


plicação e conjunção. A dupla negação é uma propriedade fun-
damental da lógica clássica.

Vamos agora dar alguns exemplos de implicações importan-


tes que não são equivalências, o leitor é convidado a demonstrar
cada uma delas caso queira (montando a tabela verdade), mas
isso no fim das contas não será tão importante para o objetivo
desse curso.

Modus ponens (P ∧ (P → Q)) ⇒ Q


Modus tollens ((∼ Q) ∧ (P → Q)) ⇒ (∼ P )
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 19

Adição P ⇒ (P ∨ Q)
Q ⇒ (P ∨ Q)
Simplificação (P ∧ Q) ⇒ P
(P ∧ Q) ⇒ Q
Implicação (P ↔ Q) ⇒ (P → Q)
(P ↔ Q) ⇒ (Q → P )

Vamos agora fazer um comentário sobre a eliminação de pa-


rênteses. Trata-se de pequenas convenções em que podemos eli-
minar parênteses para facilitar tanto a leitura como a escrita das
proposições. Primeiramente convencionamos que numa proposi-
ção composta o par de parênteses mais externo pode ser sempre
omitido. Assim por exemplo (P → ((∼ P )∨Q)) pode ser escrita
como P → ((∼ P ) ∨ Q). A segunda convenção é que podemos
eliminar os parênteses de uma negação quando seu escopo é
uma única proposição. Assim P → ((∼ P ) ∨ Q) pode ser escrita
P → (∼ P ∨ Q). Por último convencionamos que para toda
repetição de conectivo binário iremos adotar a associação pela
esquerda. Assim P ∧ Q ∧ R significa (P ∧ Q) ∧ R e P → Q → R
significa (P → Q) → R. Se quisermos associar de outra ma-
neira não podemos omitir parênteses. Embora alguns autores
usem ainda mais convenções para eliminar parênteses (como de-
finir prioridade de alguns conectivos sobre outros) aqui não será
necessário fazer isso, essas convenções acima são as únicas que
vamos adotar.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 20

Exercícios
1. Prove cada uma das equivalências da lista de equivalên-
cias importantes mostrando por uma tabela verdade que
a bicondicional é tautológica.
2. Mostre que a implicação de adição P ⇒ (P ∨ Q) NÃO é
uma equivalência, ou seja dê exemplos de proposições p
e q em que vale p → (p ∨ q) mas não vale a implicação
(p ∨ q) → p.
3. Prove que as proposições compostas abaixo são todas tau-
tologias, sendo p, q e r proposições quaisquer, montando
as tabelas-verdade.

p → (q → p)
(p → (q → r)) → ((p → q) → (p → r))
(∼ p → ∼ q) → (q → p)
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 21

1.6 Regras de inferência e axiomas ló-


gicos
Regras de inferência são regras que determinam a validade de
certas proposições a partir de outras que já sabemos o valor ver-
dade. Dada uma sequência de proposições chamadas premissas
obtemos mediante um argumento ou regra de inferência
uma conclusão. Uma regra de inferência funciona assim: se
cada uma das premissas é verdadeira a sentença que está em-
baixo do traço (a conclusão) é verdadeira. As principais regras
de inferência que adotaremos são as seguintes.

Modus Ponens

P →Q
P
Q

Essa é a regra fundamental e mais importante da lógica. Ela


diz que se soubermos que uma implicação é verdadeira e que
a proposição antecedente é verdadeira podemos concluir que a
proposição consequente é verdadeira. Tente entender porque
isso acontece levando em conta quais as possibilidades de va-
lor para o consequente sabendo que implicação é verdadeira.
Perceba que essa regra se aplica quando soubermos que a impli-
cação vale sem sabermos antes o valor-verdade da consequente.
Isso é importante porque se já soubermos que o consequente é
verdadeiro não precisamos usar essa regra de jeito nenhum. Um
exemplo informal de argumento com essa regra:
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 22

Se chove então a terra estará molhada


Chove
A terra estará molhada

Modus Tollens

P →Q
∼Q
∼P

Essa é uma variação sutil da regra de modus ponens na si-


tuação em que o consequente é falso (portanto a sua negação
verdadeira), nesse caso a lógica estabelece que podemos con-
cluir a falsidade da antecedente.

Se chove então a terra estará molhada


A terra não está molhada
Não choveu
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 23

Silogismo disjuntivo

P ∨Q
∼P
Q

Nesse caso se soubermos que uma disjunção é verdadeira e


uma das proposições é falsa então a outra tem que ser verda-
deira.

Juninho é flamenguista ou Juninho é vascaíno


Juninho não é flamenguista
Juninho é vascaíno

Silogismo hipotético

P →Q
Q→R
P →R
Essa também é uma das regras de inferência mais importan-
tes. Ela afirma o fato de que a implicação é transitiva. Para
ilustrá-la observe o exemplo.

Se chove então a terra estará molhada


Se a terra estiver molhada então as plantas se deleitam
Se chove então as plantas se deleitam
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 24

Adição conjuntiva

P
Q
P ∧Q

É simplesmente o fato de podermos juntar duas proposições


verdadeiras numa conjunção. Essas proposições podem inclu-
sive não ter a menor conexão entre si.

Juninho é flamenguista
7 é um número primo
Juninho é flamenguista e 7 é um número primo

Simplificação conjuntiva

P ∧Q
P

Com essa regra fazemos o contrário da anterior, de uma con-


junção concluímos a validade de uma das proposições que a com-
põem.

Juninho é flamenguista e 7 é um número primo


Juninho é flamenguista
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 25

Adição disjuntiva

P
P ∨Q

Essa regra pode parecer um tanto desnecessária mas ela de


fato aparece em algumas demonstrações matemáticas, ela diz
que se uma proposição é verdadeira então a disjunção dela com
qualquer outra é verdadeira, não importa nem mesmo o valor-
verdade desta.

Juninho é flamenguista
Juninho é flamenguista ou raiz de 2 é racional

Simplificação disjuntiva

P ∨Q
P∨ ∼ Q
P

Essa regra de inferência é menos óbvia. Ela diz que se sou-


bermos que a disjunção de P e Q é verdadeira e a de P e da
negação de Q também, isso significa que P tem que ser verda-
deira (caso contrário as duas disjunções seriam falsas).

Eu sou médico ou sou professor


Eu sou médico ou não sou professor
Eu sou médico
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 26

Na verdade nem seria necessário termos tantas regras de in-


ferência assim, só com a regra de modus ponens poderíamos de-
duzir todas as outras, mas do ponto de vista didático é melhor
aprender esses vários argumentos de forma separada, pois eles
são usados geralmente assim. Ninguém usa por exemplo a regra
de modus ponens para deduzir a regra do silogismo hipotético
quando se está diante de ter que demonstrar uma proposição na
prática.

Para aplicar porém nossas regras de inferência precisamos


de um “estoque” de proposições iniciais consideradas verdadei-
ras, essas proposições são chamadas de axiomas da lógica, a
palavra axioma em grego significa “ao que tudo indica”, assim
mesmo que não demonstremos os axiomas, ao que tudo indica
eles são verdadeiros.

Temos como axiomas uma lista de três esquemas axiomáti-


cos, se tornam axiomas quando substituímos as “variáveis” P ,
Q e R por quaisquer proposições.

(1) P → (Q → P )
(2) (P → (Q → R)) → ((P → Q) → (P → R))
(3) (∼ P → ∼ Q) → (Q → P )

Assim por exemplo, se p e q são proposições já existentes


então a proposição ∼ p → (q →∼ p) é considerada verdadeira
a priori e sem discussão, ou seja é um axioma, pois é um caso
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 27

particular de (1) substituindo P por ∼ p e Q por q.

Uma curiosidade é um sistema de axiomas lógicos que usa


um único axioma (ou esquema axiomático), para isso considere
o conectivo de “negação conjunta” definido como (P | Q) para
abreviar (∼ P ) ∧ (∼ Q), temos então o seguinte axioma do qual
deduzimos todas as outras proposições verdadeiras.

(((P | Q) | R) | (P | ((P | R) | P ))) ↔ R

Esse é o chamado axioma de Wolfram e é o menor (que usa


menos símbolos) axioma possível que sozinho fundamenta toda
a lógica proposicional.

Exercícios
1. Suponha que uma contradição é considerada verdadeira,
mostre que isso faz com que qualquer proposição possa ser
deduzida verdadeira (use a regra de modus ponens colo-
cando a contradição no lugar de P e a proposição qualquer
no lugar de Q, observe que as duas premissas da regra de
modus ponens serão verdadeiras, daí poderemos obter sua
conclusão que é Q).
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 28

1.7 Quantificadores
Um predicado ou uma sentença aberta é uma frase que de-
pende de uma ou mais variáveis, estas são símbolos que não se
referem a um objeto específico, mas sim a um objeto genérico
e não determinado. Por exemplo “x é verde’, “y + z = 5”, ou
“Fulano escreveu Os Lusíadas” são sentenças abertas, a variável
da primeira é x, as da segunda são y e z e da terceira fulano.

Sentenças abertas não são proposições porque não tem sen-


tido dizer se são verdadeiras ou falsas, elas se tornam porém
proposições com a introdução de quantificadores. São dois
os quantificadores, o existencial para algum ∃ e o universal
para todo ∀. Os dois podem ser vistos como um tipo especial de
conectivo, com a diferença que não atuam em proposições mas
sim em sentenças abertas. O primeiro expressa a ideia de que
alguma coisa no universo de discurso satisfaz a sentença aberta,
e o segundo de que qualquer coisa do universo de discurso satis-
faz a sentença aberta.

Para usar um conectivo precisamos dizer qual variável esta-


mos quantificando, isso porque uma sentença aberta pode ter
mais de uma variável e às vezes só queremos quantificar uma. A
maneira de representar isso é escrever o conectivo depois vírgula,
depois o nome da variável e só depois a proposição, assim ‘∃x, x
é verde’ é uma proposição, essa é uma proposição verdadeira
ou falsa dependendo do universo de discurso que estivermos a
considerar.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 29

Esse conceito de universo de discurso precisa ser discutido.


Quando se estuda algo usando a lógica é preciso delimitar o
universo no qual os objetos podem variar, eles serão os objetos
permitidos para serem substituídos no lugar das variáveis numa
sentença aberta. Não é prático que o universo de discurso seja
o universo literal, o conjunto de todas as coisas, pois se estamos
a estudar números naturais por exemplo e dizemos ‘todo x é
par ou ímpar’ não queremos ter que ficar especificando todo o
tempo que x é um número natural. Se o universo de discurso
fosse tudo quase toda proposição que envolve o conectivo ‘para
todo’ seria falsa, pois sempre é possível aumentar o universo do
discurso criando objetos (mesmo que imaginários) que não sa-
tisfaçam a proposição

Voltando ao exemplo a proposição ‘∃x, x é verde’ está a afir-


mar que existe pelo menos um elemento do universo de discurso
que possui a propriedade “ser verde”. Agora a proposição ‘∀x, x
é verde’ está a afirmar que TODOS os objetos do universo de
discurso satisfazem o predicado “ser verde”.

Predicados genéricos são representados por letras maiúscu-


las com as variáveis dentro do parênteses, como por exemplo:
P (x), Q(y), S(x, y, z). Quando uma variável está quantificada
dizemos que ela é uma variável ligada, se ainda houver variáveis
que não são ligadas dizemos que elas são livres. Uma sentença
aberta só se torna uma proposição quando todas as variáveis
são ligadas, enquanto tivermos variáveis livres ainda temos uma
sentença aberta.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 30

Assim por exemplo uma frase como ∃x, Q(x, y) não é uma
proposição, mas ∃y, ∃x, Q(x, y) e ∀y, ∃x, Q(x, y) são proposições,
perceba que mesmo que os quantificadores sejam os mesmos o
quantificador de cada variável é escrito em separado.

Quando temos uma sentença aberta quantificada temos uma


proposição, assim podemos aplicar os conectivos nela também.
Temos então as seguintes equivalências importantes na negação
dos quantificadores.

(∼ ∀x, P (x)) ⇔ (∃x, ∼ P (x))


(∼ ∃x, P (x)) ⇔ (∀x, ∼ P (x))

Ou seja para que ser falso que todo x tem a propriedade


P deve existir um x que não tem a propriedade P , e para ser
falso que existe um x com a propriedade P devemos ter que para
todo x, x não tem a propriedade P . Temos também as seguintes
equivalências cuja interpretação deixamos para você mesmo.

∀x, ∀y, P (x, y) ⇔ ∀y, ∀x, P (x, y)


∃x, ∃y, P (x, y) ⇔ ∃y, ∃x, P (x, y)
∀x, P (x) ∧ ∀x, Q(x) ⇔ ∀x, (P (x) ∧ Q(x))
∀x, P (x) ∨ ∀x, Q(x) ⇔ ∀x, (P (x) ∨ Q(x))

∃x, P (x) ∧ ∃x, Q(x) ⇔ ∃x, (P (x) ∧ Q(x))


∃x, P (x) ∨ ∃x, Q(x) ⇔ ∃x, (P (x) ∨ Q(x))
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 31

Para os quantificadores também temos duas regras de infe-


rência.
Regra da instanciação. Se ∀x, P (x) é verdadeira podemos
inferir P (c), onde c é qualquer objeto do universo de discurso.

Regra da generalização. Se P (c) é verdadeira para qualquer


c do universo de discurso que for substituído em P (x) então
podemos inferir ∀x, P (x).
A primeira regra é que se tivermos obtido a priori a vali-
dade de uma quantificação universal da variável x no universo
de discurso obtemos a validade da proposição onde a variável
for substituída por qualquer objeto do universo de discurso. A
segunda regra é que se pudermos verificar que uma sentença
aberta gera uma proposição válida para qualquer objeto de dis-
curso que seja substituído nessa sentença aberta isso nos dá a
validade da quantificação universal dessa sentença.

Exercícios
1. Decida se as proposições abaixo envolvendo quantificado-
res são verdadeiras ou falsas.

Existe um planeta habitado por humanos.


Todas as flores são cor de rosa.
Todo carioca é brasileiro.
Todo brasileiro é carioca.
Todo homem é mortal.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 32

2. Obtenha a negação de cada uma das proposições do item


anterior.
3. Qual a negação da proposição ‘toda cobra é verde ou ve-
nenosa’ ?

4. Qual a negação da proposição ‘todo menino é bonito e


inteligente’ ?
5. Qual a negação de ‘existe número par e primo’ ?
6. Qual a negação de ‘existe algum homem que é médico ou
professor’ ?
7. Qual item abaixo apresenta uma sentença aberta?

A Porto Alegre é capital da região sul com surto de sa-


rampo ou catapora.
B Alguma cidade da região sul do Brasil está com surto
de sarampo.
C Antônio é o engenheiro responsável pelo projeto de re-
forma do posto de saúde do município de Gramado.
D Carlos e Antônio são os farmacêuticos responsáveis pela
organização do estoque na farmácia do posto de saúde
do município de Gramado.
E Gramado tem cobertura total de vacinação de sarampo.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 33

1.8 Conjuntos
Iremos agora começar a fundamentar a matemática. Para isso
vamos usar o que já sabemos sobre lógica e formar proposições,
entretanto essas proposições vão envolver o conceito intuitivo de
conjunto, é um conceito primitivo, o que significa que por mais
que possamos exemplificar o que um conjunto é não podemos
definir ele formalmente (existe a possibilidade de definir a no-
ção de conjunto a partir de alguma outra ideia, mas nesse caso
apenas trocamos o conceito primitivo por outro, escolhemos os
conjuntos como primitivos pela sua simplicidade e por razões
culturais e históricas). A partir disso definimos conceitos não
primitivos, que nada mais são do que abreviação de situações
específicas que se repetem nas proposições matemáticas e não
conceitos novos ou originais.

Intuitivamente um conjunto é uma coleção de objetos vista


como um objeto distinto. Os objetos do conjunto são chamados
de seus elementos. Num conjunto não estamos considerando a
ordem dos elementos nem eventuais repetições. Quando x é um
elemento do conjunto A escrevemos x ∈ A (lê-se: “x pertence
a A”). A relação ∈ é chamada de relação de pertinência e deve
ser encarada como um conceito primitivo.

Uma afirmação de que um elemento pertence a um conjunto


é uma proposição, quando alguns dos termos é variável temos
uma sentença aberta que pode virar proposição através de um
quantificador. A negação da proposição x ∈ A é pelas nossas
regras ∼ (x ∈ A), mas é costume abreviar isso como x ∈ / A
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 34

(lê-se: “x não pertence a A”), a relação ∈/ não é uma relação


primitiva diferente da relação ∈, no máximo podemos dizer que
é uma relação derivada.
Exemplo. Seja A o conjunto dos países da América do sul,
o Brasil é um elemento desse conjunto, portanto escrevemos
Brasil ∈ A, por outro lado a Áustria não é um elemento desse
conjunto, por isso escrevemos Áustria ∈
/ A.
Admitimos também como relação primitiva a igualdade. Se
x e y são nomes da mesma entidade escrevemos x = y (lê-se: “x
é igual a y”), isso novamente é uma proposição, a negação dessa
proposição é abreviada como x ̸= y (lê-se: “x é diferente de y”).
Perceba que toda coisa é igual a si mesma e não é igual a mais
nenhuma outra. Assim temos os três axiomas básicos da relação
de igualdade.

Propriedade reflexiva. ∀A, A = A.


Propriedade simétrica. ∀A, ∀B, A = B → B = A.
Propriedade transitiva. ∀A, ∀B, ∀C, (A = B ∧ B = C) →
A = C.

Esses axiomas devem ser adicionados na nossa lista junto


com os axiomas lógicos. Eles são válidos não importa qual seja
o universo de discurso. Outra propriedade óbvia mas também
importante é a da substituição em uma igualdade, ela se ex-
pressa como dois axiomas.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 35

Regras de substituição. ∀A, ∀B, ∀C, ((A = B ∧ B ∈ C) →


A ∈ C)
∀A, ∀B, ∀C, ((A = B ∧ C ∈ B) → C ∈ A).
Existem duas formas principais de se representar conjuntos.
A primeira se chama representação por extensão e consiste
em escrever os nomes de todos os elementos do conjunto entre
chaves, separados por vírgula.
Exemplo. Seja o conjunto {a, b, c}, estamos dizendo que os
elementos do conjunto são a, b e c e mais nenhum.
Agora tome o conjunto dos habitantes do Rio de Janeiro,
na prática não podemos representar esse conjunto por exten-
são. Entretanto ele não deixa de estar bem determinado, pois
sabemos exatamente quais são seus elementos. Assim usamos
uma representação por intensão. A representação é a seguinte:
{x tal que P (x)} ou ainda {x | P (x)} (‘|’ se lê “tal que”) onde
P (x) é o predicado “x é habitante do Rio de Janeiro”.

Vamos agora comparar os conjuntos de acordo com os seus


elementos. Para isso vamos definir um conceito não primitivo.
Definição 1. Dados os conjuntos A e B dizemos que A está
contido em B, e escrevemos A ⊂ B, quando ∀x, x ∈ A → x ∈ B.
Em outras palavras, A está contido em B quando todo ele-
mento que pertence a A também pertence obrigatoriamente a
B, assim podemos imaginar que o conjunto A está “dentro” do
conjunto B. Dizemos nesse caso que A está contido em B, ou
que A é um subconjunto de B, ou ainda que A é uma parte de B.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 36

Quando A não está em contido em B escrevemos A ̸⊂ B, para


que isso ocorra é necessário e suficiente que exista um elemento
x ∈ A tal que x ∈/ B.
Exemplo. Sejam A = {a, b, c} e B = {a, b, c, d}. A está contido
em B, pois todo elemento que está em A também está em B.
Por outro lado B ̸⊂ A, pois o elemento d pertence a B mas
não pertence a A. Sejam B o conjunto dos brasileiros e C o
conjunto dos cariocas. C ⊂ B, pois todo carioca certamente
também é brasileiro. Mas observe que a “volta” B ⊂ C não é
válida exatamente porque existem brasileiros além daqueles que
são cariocas.
A continência possui as seguintes propriedades.

Propriedade reflexiva: ∀A, A ⊂ A.


Propriedade transitiva: ∀A, ∀B, ∀C, ((A ⊂ B ∧ B ⊂ C) → A ⊂
C).

Todo conjunto é subconjunto de si mesmo, e se A é parte


de B e B é parte de C, A é parte de C. A validade dessas
propriedades decorre diretamente da definição de continência e
de nossas regras de inferência.

1.9 Axiomas da teoria de conjuntos


Se tivermos para dois conjuntos A e B que A ⊂ B e B ⊂ A
isso significa que todo elemento de A é elemento de B e todo
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 37

elemento de B é elemento de A, o que significa que A e B pos-


suem exatamente os mesmos elementos. O axioma mais básico
de todas as teorias de conjuntos estabelece que esse é um critério
para determinar quando dois conjuntos são iguais.

Axioma da extensionalidade. Dois conjuntos A e B são


iguais se e somente se A ⊂ B ∧ B ⊂ A.
Em outras palavras, dados os conjuntos A e B temos que
A = B se e somente se A ⊂ B e B ⊂ A. Se imaginarmos que
conjuntos são “caixas” então o que o princípio da extensionali-
dade quer dizer é que duas caixas são identificadas exatamente
quando tem o mesmo conteúdo (essa analogia de caixas será útil
ainda depois). Essa afirmação deve ser adicionada a nossa lista
de axiomas, mas os axiomas anteriores eram da lógica ou da ló-
gica com igualdade, esse axioma da extensionalidade faz menção
à pertinência, por isso é um axioma da teoria de conjuntos. O
outro axioma da teoria de conjuntos “ingênua” seria o seguinte:
Axioma da compreensão (falso). Para toda propriedade P (x)
existe o conjunto do elementos que têm exatamente essa propri-
edade {x | P (x)}

Isso porque para falarmos de conjuntos precisamos saber que


eles existem, e como conjuntos são definidos por propriedades
nada mais natural que todos eles existam, ou seja toda propri-
edade defina um conjunto.

O problema é que esse axioma é falso pois podemos derivar


rapidamente uma contradição dele que é o paradoxo de Russell
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 38

(e também existem outros paradoxos mais elaborados que não


trataremos aqui agora). O paradoxo de Russell é o seguinte:
existem conjuntos que pertencem a si mesmos, o conjunto de
todos os conjuntos, o conjunto dos não-cavalos, etc. . . E existem
conjuntos que não pertencem a si mesmos, como o conjunto de
todas as pessoas, ou conjunto dos número primos e outros.

Vamos chamar de anômalos os conjuntos que pertencem a si


mesmos, ou seja, o conjunto de todos os conjuntos anômalos é
{x | x ∈ x}, e vamos chamar de normais os conjuntos que não
pertencem a si mesmos, ou seja o conjunto de todos os conjuntos
normais é {x | x ∈/ x}. A pergunta é: o conjunto dos conjuntos
normais é normal ou anômalo? Se ele for normal ele não per-
tence a si mesmo, logo falta algum normal nele o que não pode
pois ele é o conjunto de todos os normais. Digamos que ele seja
anômalo, ele pertence a si mesmo e é anômalo o que não pode
pois seus elementos são só os conjuntos normais. Temos então
uma situação em que uma proposição atômica implica sua ne-
gação, isso é o que chamamos uma contradição lógica.

Uma contradição desse tipo é algo inaceitável na nossa lógica


porque pelas regras de inferência podemos usar uma contradi-
ção para concluir a validade de QUALQUER proposição, assim
nenhuma teoria matemática com essa característica teria qual-
quer utilidade.

Essa descoberta de paradoxos acabou gerando portanto uma


grande crise no programa de fundamentar toda a matemática
com um sistema que nunca resultasse em contradição e que
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 39

pudesse demonstrar tudo que seja formulado nesse sistema, o


chamado programa de Hilbert, proposto por David Hilbert no
congresso internacional de matemática de Paris de 1900. A te-
oria “ingênua” criada por Georg Cantor onde toda propriedade
define um conjunto não satisfaz esse requisito. Precisamos de
outro fundamento seguro para a matemática.

Bertrand Russell fez isso no seu famoso Principia Mathema-


tica, publicado em 1910, onde ele cria a teoria dos tipos, não
vamos discutir os detalhes e problemas técnicos dessa teoria,
mas ela é na verdade uma teoria que nega os conjuntos tendo
como conceito fundamental de fato as funções proposicionais, os
conjuntos se tornam apenas “ficções lógicas” e dizer e demons-
trar coisas simples se torna desnecessariamente complicado.

Precisava-se então de uma solução mais simples e prática.


Zermelo fez isso em 1908 e Fraenkel corrigiu os axiomas em
1922, dando origem a teoria ZF, Zermelo Fraenkel. Tornou-se
depois necessário para os propósitos matemáticos adicionar mais
um axioma, o famoso axioma da escolha (choice em Inglês) for-
mando a teoria ZFC (Zermelo Fraenkel Choice).

Porém Kurt Gödel em 1931 pôs um fim trágico ao programa


de Hilbert. Para entender o que ele descobriu vamos chamar de
consistente uma teoria que não se contradiz, ou seja a aplicação
de suas regras de inferência a partir dos axiomas nunca torna
uma contradição lógica válida, chamamos de inconsistente se ela
se contradiz, e completa se ela provar todas as proposições que
podem ser escritas nela, ou seja é capaz de dizer pela aplicação
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 40

dos axiomas e das regras de inferência se qualquer proposição


é verdadeira ou falsa, e chamamos de incompleta se isso não
acontece. Os dois teoremas que Gödel descobriu são:
Primeiro teorema de incompletude. Toda teoria que con-
tenha a aritmética se for consistente é incompleta.
Ou seja se uma tal teoria for consistente há sentenças dentro
da teoria que não podem ser provadas pelos axiomas, e se essas
proposições forem adicionadas como axiomas surgem novas pro-
posições que não são demonstráveis. Isso significa que já não dá
para ter consistência e completude ao mesmo tempo.
Segundo teorema de incompletude. Toda teoria que conte-
nha a aritmética não pode mostrar por si mesma que é consis-
tente.
Isso significa que para uma teoria dessas ser consistente o
máximo que podemos fazer é confiar que outra teoria é consis-
tente e construir um “modelo” da primeira teoria dentro dela,
isso resulta num descenso infinito, que é justamente o que se
queria evitar.

A demonstração dos teoremas de Gödel é uma tanto compli-


cada e será omitida aqui (o leitor pode encontrar uma boa refe-
rência em [4]). É importante ressaltar que para que os teoremas
sejam válidos a teoria em questão deve ser capaz de expressar
a aritmética, isso é fundamental, senão não é possível fazer a
construção das proposições que não podem ser demonstradas (o
teorema de Gödel é mais um truque que explora auto-referências
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 41

da teoria aritmética). Isso significa que o teorema da incomple-


tude NÃO vale para todos os sistemas, existem sistemas que
de fato são completos e consistentes. Mesmo assim não ser ca-
paz de expressar a aritmética é uma limitação que não pode ser
remediada porque grande parte da matemática depende direta-
mente da aritmética, assim o programa de Hilbert não pode ser
conseguido dessa forma.

Outra coisa é que esse teorema costuma ser muito citado


(de maneira errônea e inadequada) como se fosse uma limitação
fundamental de todo o pensamento humano, quando na verdade
é só uma limitação da lógica formal. Existem raciocínios meta-
matemáticos ou sintéticos, além da lógica, que podem provar a
consistência de teorias. A existência do espaço que vemos por
exemplo pode ser encarada como uma prova sintética da consis-
tência da geometria (e por consequência de toda a matemática),
mas isso é uma questão de filosofia e não de lógica ou matemá-
tica.

Do ponto de vista da matemática precisamos apenas de axi-


omas sobre conjuntos que não se contradigam, ainda que não
possamos provar tal coisa dentro da própria matemática. Então
foram inventadas várias teorias axiomáticas de conjuntos, em
cada uma delas se adota o axioma da extensionalidade e em vez
do inteiro esquema de compreensão, axiomas que garantam ape-
nas a existência dos conjuntos necessários à matemática. Até
agora esse processo não resultou em contradição e pode ser feito
de mais de uma maneira inclusive. Temos a teoria ZFC, NBG,
NF, NFU, a teoria de conjuntos positiva, e ainda um monte de
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 42

outras teorias não tão importantes quanto essas. Tudo isso se


estuda num curso mais avançado de teoria de conjuntos.

Como este livro é apenas uma introdução não vamos dar


os axiomas de alguma teoria particular no texto principal, va-
mos apenas admitir que existem todos os conjuntos que vamos
usar, vamos fazer isso de um modo que pode ser formalizado
inclusive em mais de uma teoria de conjuntos das que são exis-
tentes (entretanto no apêndice vamos mostrar como funcionam
as axiomáticas ZFC e NFU).

1.10 Conjunto vazio


Seja P (x) a propriedade “x é uma pessoa que nasceu antes do
seu aniversário”, ou Q(x) “x foi um rei dos Estados Unidos da
América”. Não existe universo de discurso onde tais proprieda-
des são verdadeiras, elas representam conjuntos sem elementos,
dizemos que se tratam de conjuntos vazios. Vamos admitir
que conjuntos vazios existem. Podemos então provar o seguinte.
Proposição 1. Se X é vazio X está contido em qualquer outro
conjunto.

Demonstração. Seja A um conjunto qualquer, X não vai estar


contido em A se for falso que ∀x, x ∈ X → x ∈ A, ou seja
se ∃x, x ∈ X → x ∈ / A, mas x ∈ X é impossível pois um
conjunto vazio não tem elementos, assim devemos concluir que
vale ∀x, x ∈ X → x ∈ A para todo A, disso não resulta nenhuma
contradição lógica.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 43

Para entender isso melhor imagine que os conjuntos são cai-


xas e que o conjunto vazio é uma caixa vazia. Um conjunto
está contido no outro quando tudo que tem nele tem no ou-
tro. Assim, por exemplo, a caixa com uma bolinha verde e uma
vermelha está contida na caixa com uma bolinha verde, uma
vermelha e uma azul. Imagine agora a caixa vazia, que repre-
senta o conjunto vazio, tudo que tem nela (vácuo) tem também
em qualquer outra, assim a caixa vazia está contida em qualquer
outra. Disso podemos concluir outra proposição.
Proposição 2. Todos os conjuntos vazios são iguais.

Demonstração. Suponha que X e Y são vazios, logo X ⊂ Y e


também Y ⊂ X, pela adição conjuntiva X ⊂ Y ∧ Y ⊂ X, pelo
axioma da extensionalidade vamos concluir então X = Y .
Por isso existe um único conjunto vazio, representado pela
letra especial ∅ (às vezes também se representa o vazio usando
o símbolo { }).

Exercícios
1. Verdadeiro ou falso?

∅ = {∅} ∅ ̸⊂ {a, b, c} ∅ ∈ {∅, {∅}}


∅ ∈ {∅} {a, b, ∅} ⊂ {a, b, c, d} {∅} ⊂ {∅, {∅}}
∅ ⊂ {∅} {a} ⊂ {a, b, c, ∅} ∅ ∈ {a, {∅}}
∅∈∅ ∅∈ / {∅, a, b, c} {∅} ∈ {a, b, {∅}}
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 44

1.11 Operações entre conjuntos


O que faremos no nosso estudo a partir de agora é ver como
podemos formar novos conjuntos a partir de conjuntos que já
conhecemos. Uma das coisas com que podemos conseguir isso é
pela operação de união.

Sejam A e B dois conjuntos quaisquer, a união de A e B é


formada pelos elementos que pertencem a A ou a B. Representa-
mos esse conjunto por A∪B (lê-se “A união B”). Representando
por intensão temos: A ∪ B = {x | x ∈ A ∨ x ∈ B}.
Exemplo. Sejam os conjuntos F = {1, 2, 3} e G = {1, 2, a, b, c},
temos então que F ∪ G = {1, 2, 3, a, b, c}.
Dados dois conjuntos podemos sempre formar sua união. Ve-
jamos então algumas propriedades dessa operação.

Idempotência: A ∪ A = A para todo A.

Associatividade: (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) para todos A, B


e C.
Comutatividade: A ∪ B = B ∪ A quaisquer que sejam A e B.
Elemento neutro: A ∪ ∅ = A para todo A.

Verifique você mesmo a veracidade de cada uma dessas pro-


priedades usando a definição de união e nossas regras de infe-
rência.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 45

Uma outra maneira de formar novos conjuntos é pela inter-


cessão. A intercessão de A e B é formada por todos os elemen-
tos que pertencem a A e a B ao mesmo tempo. Representamos
esse conjunto por A ∩ B (lê-se “A intercessão B”). Represen-
tando por intensão temos: A ∩ B = {x | x ∈ A ∧ x ∈ B}.

Exemplo. Sejam os conjuntos A = {w, r, j} e B = {w, u, p, 6, j},


temos então que A ∩ B = {w, j}.
Também é sempre possível formar a intercessão e a interces-
são possui as seguintes propriedades importantes:

Idempotência: A ∩ A = A para todo A.


Associatividade: (A ∩ B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C) para todos A, B
e C.
Comutatividade: A ∩ B = B ∩ A para todos A e B.
Elemento absorvente: A ∩ ∅ = ∅ para todo A.

Verifique você mesmo a validade de cada uma dessas pro-


priedades. Perceba que as três primeiras são idênticas às pro-
priedades da união e a última é o “contrário” da propriedade
análoga da união.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 46

Observe que pode acontecer que A e B não sejam vazios e sua


intercessão seja vazia, nesse caso é porque esses dois conjuntos
não têm elementos em comum. Por exemplo {a, b} ∩ {c, d} = ∅,
porque nenhum elemento está nos dois conjuntos ao mesmo
tempo. Assim o conjunto intercessão é vazio. Quando isso acon-
tece dizemos que os dois conjuntos são disjuntos.

Se tivermos uma sequência de uniões e intercessões para


efetuar não podemos fazer em qualquer ordem, pois a o re-
sultado não será o mesmo (a associatividade se perde). Por
exemplo, A = {1, 2}, B = {3, 4} e C = {4} podemos efetuar
A ∪ B ∩ C fazendo primeiro a união ou primeiro a intercessão.
Fazendo primeiro a união temos que: A ∪ B = {1, 2, 3, 4} e
portanto A ∪ B ∩ C = {4}. Por outro lado se fizermos pri-
meiro a intercessão temos que B ∩ C = {4} e teremos portanto
A ∪ B ∩ C = {1, 2, 4}.

Convencionamos então que se tivermos uma sequência de


uniões e intercessões para efetuar o certo é fazer da esquerda
para a direita na ordem em que aparecem (isso é uma conven-
ção totalmente arbitrária que serve apenas para facilitar a es-
crita, nada impediria de convencionar a mesma coisa pelo lado
oposto). Se quisermos indicar outra ordem devemos colocar o
que deve ser efetuado primeiro entre parênteses. Voltando ao
exemplo teremos que: A ∪ B ∩ C = {4} e A ∪ (B ∩ C) = {1, 2, 4}.
As operações dentro dos parênteses sempre devem ser feitas pri-
meiro.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 47

Uma outra operação entre conjuntos é a diferença.

A diferença de A e B é o conjunto dos elementos que perten-


cem a A mas não pertencem a B. Representando por intensão:
A − B = {x | x ∈ A ∧ x ∈
/ B}.

Exemplo. Seja A = {a, b, c, d, e} e B = {a, b, 1, 2} temos que


A − B = {c, d, e}.
Observe que a diferença de A e B “arranca” os elementos
comuns de A e B do conjunto A. Perceba também que na defi-
nição da diferença a ordem importa, A − B não é em geral igual
a B − A, logo a diferença não é uma operação comutativa. Fica
como desafio o leitor encontrar um exemplo que mostre que a
diferença também não é uma operação associativa.

Temos que A−A = ∅ para todo A, e de modo geral A−B =


∅ se e somente se A ⊂ B.

Também no caso em que A e B são disjuntos todos os ele-


mentos de A não pertencem a B e vice-versa, portanto teremos
que A − B = A e B − A = B.

Também é fácil mostrar que A − B = A − (A ∩ B) qualquer


que sejam os conjuntos A e B.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 48

Dado um conjunto X ele tem vários subconjuntos, o con-


junto de todos os subconjuntos de X é chamado conjunto das
partes de X e representado por P(X). Temos que a definição
por intensão é: P(X) = {x | x ⊂ X}.

Observe que dado o conjunto A ele tem pelo menos dois sub-
conjuntos, o vazio, pois ∅ está contido em qualquer conjunto, e o
próprio A pois A ⊂ A. No caso dele ser vazio os dois coincidem,
assim ele só terá um subconjunto.
Exemplo. Seja A = {1, 2}, temos que P(A) = {∅, {1}, {2}, A}.

Temos a seguinte proposição.


Proposição 3. A ⊂ B se e somente se P(A) ⊂ P(B) para
quaisquer conjuntos A e B.
Demonstração. Suponha que A ⊂ B e seja X ∈ P(A), logo X ⊂
A mas A ⊂ B, assim X ⊂ B, ou seja X ∈ P(B), isso mostra
que P(A) ⊂ P(B). Reciprocamente suponha que tenhamos
P(A) ⊂ P(B), como A ∈ P(A) logo teremos A ∈ P(B), ou seja,
A ⊂ B.

Exercícios
1. Dê exemplo de conjuntos A,B e C tais que: A e B são dis-
juntos, B e C são disjuntos, mas A e C não são disjuntos,
provando assim que “ser disjunto” não é uma propriedade
transitiva.
CAPÍTULO 1. LÓGICA E CONJUNTOS 49

2. Efetue as operações com conjuntos


{a, b, c, d} ∪ {e, f, g, h} =
{a, j, r, e, m, k} ∩ {m, b, g, r, j, e} =
{1, 2, 3, 4} ∩ ∅ =
{3, ♡} ∪ {⋆} ∪ {3, ♡, ⋆} ∪ {3, ♡} =
{1, 2, ⋆, ∅} ∩ {1, 2, 3, 4, ∅} =
{a, b, ⋆} ∪ {a, b, c, d} ∩ ∅ =
{3, ♡, ⋆} ∪ ({1, 2, 3, 4} ∩ {∅}) =
∅∪∅=
∅∩∅=
{x | x é torcedor do Botafogo}∪{x | x é torcedor do Botafogo} =
{a, b, c} ∪ ({c, d} ∩ {d, e, f }) =
{a, b, c} ∪ {c, d} ∩ {d, e, f } =
{1, 2, ⋆, ∅} ∪ {1, 2, 3, 4, ∅} =
3. Dê exemplo de três conjuntos dois a dois disjuntos.
4. Calcule as diferenças:
{a, b, c, d} − {a, b} {a, ∅} − {a, ∅} {b.c.d} − {a, b, c}
∅ − {1, 2, 3} {a, b, c, d} − ∅ {1, 2, 3, a} − {1, a, 5, 7}
{a, b, c} − {1, 2, 3} {a, b, c, d} − {∅} {a, c} − {a, b, c}
5. Calcule o conjunto das partes dos seguintes conjuntos:
{1, 2, 3}, {X, Y }, {∅, {∅}}.
6. Qual deve ser x para que os conjuntos {1, 1, x, 2} e {3, 2, 2, 1}
sejam iguais?
Capítulo 2

Relações e funções

As funções são o objeto mais importante da matemática e de


todas as suas aplicações, muito mais do que números. Elas ser-
vem por exemplo para modelar fenômenos da natureza e muitas
outras situações em todas as ciências. Por outro lado funções
são na verdade um tipo especial de relação. Relações são obje-
tos interessantes por si mesmos e são também importantes na
matemática. Nesse capítulo vamos lançar a base do estudo das
relações e funções.

2.1 Relações
Intuitivamente as coisas do universo podem ter “propriedades”
ou “relações”. Uma propriedade é uma coisa que um indivíduo

50
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 51

“tem”, por exemplo ‘a grama é verde’, verde é uma propriedade


da grama. Matematicamente essa propriedade pode ser repre-
sentada por um conjunto, o conjunto de todas as coisas “verdes”.

Já uma relação é uma coisa que um objeto “tem” ou não com


outros. Exemplos: x é pai de y, x torce para o time y, o nú-
mero x é menor ou igual que o número y. Para modelar relações
precisamos do conceito de par ordenado. Um par ordenado
dos elementos a e b pode ser geralmente definido numa teoria
de conjuntos como sendo {{a}, {a, b}}, mas para nossos pro-
pósitos vamos considerá-lo um conceito primitivo (no apêndice
explicamos como o par ordenado é definido na axiomática ZFC).

Representamos então o par ordenado de coordenadas a e b


como (a, b). Dados dois pares ordenados (a, b) e (c, d), (a, b) =
(c, d) se e somente se a = c ∧ b = d. Perceba que o par ordenado
não é para nós um conjunto, é algum objeto do qual só sabemos
que possui as coordenadas. Perceba também que podemos ter
o par de um objeto e ele próprio como (a, a), é um par legítimo
com as duas coordenadas iguais. Temos então.
Definição 2. Uma relação é um conjunto de pares ordenados.
Porque o que realmente interessa para a matemática é saber
qual elemento se relaciona com qual. Considere a seguinte rela-
ção: {(1, 3), (3, 5), (1, 5)}. Essa relação associa 1 com 3, 3 com 5,
e 1 com 5. Quando o nome de uma relação é R escrevemos xRy
para dizer que (x, y) ∈ R, assim se R = {(1, 3), (3, 5), (1, 5)},
1R3, 1R5, 5 ∼ R1, escrevemos ∼ R para indicar que os obje-
tos não tem a relação R entre si. Perceba que essa relação é
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 52

a relação ‘o número x é menor que o número y’, “restrita” ao


conjunto {1, 3, 5}. Perceba também que numa relação a ordem
importa, no exemplo que demos 1 se relaciona com 5, mas 5 não
se relaciona com 1, por isso que para relações precisamos usar
pares ordenados em vez de conjuntos.

Outro exemplo: Sejam M o conjunto de todos os homens e


P o conjunto de todas as pessoas. Vamos criar a relação p de M
em P , que faz cada pai corresponder aos seus filhos. Assim ela
será o conjunto de todos os pares onde a primeira coordenada
é o pai da pessoa da segunda. Representando por intensão fica:
p = {x | x = (fulano, ciclano) e fulano é pai de ciclano}. O con-
junto vazio é uma relação, pois para ele não ser um conjunto de
pares ordenados deveria existir um elemento pertencente a ele
que não é um par ordenado o que é impossível, assim ∅ pode
ser interpretado como uma relação impossível, como por exem-
plo a relação das pessoas do sexo masculino com as pessoas de
quem eles são mãe. Dados dois conjuntos A e B o conjunto de
todos os pares com primeira coordenada em A e segunda em B
é chamado de produto cartesiano de A e B e representado
como A × B. Perceba que como os pares são ordenados A × B
não é em geral igual a B × A. Também é prático representar
relações por diagramas. Nesse desenho abaixo por exemplo as
setas representam os pares, o conjunto de onde partem as setas
é chamado o domínio da relação, e o conjunto que recebe as
setas o contradomínio da relação. Olhando para esse desenho
podemos ver que a relação R é igual a {(a, 1), (e, 1), (i, 4), (u, 2)}.
Você mesmo pode inventar vários exemplos de relações.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 53

A união do domínio e do contradomínio de uma relação é


chamado de campo da relação. Vejamos agora os quatro tipos
de que uma relação pode ser.

Dizemos que uma relação é de muitos-para-um quando


não existe elemento do domínio relacionado com mais de um
elemento do contradomínio. Em outras palavras, nenhum ele-
mento do domínio está associado com mais de um do contra-
domínio. Em linguagem um pouco mais simbólica podemos ex-
pressar essa condição da seguinte forma: Se xRy e xRz, então
y = z. Exemplo: A relação “filho” no conjunto dos homens é
de muitos-para-um porque nenhum filho tem dois pais, embora
vários filhos possam ser do mesmo pai. Assim se soubermos que
João é filho do Agente 08 e que João é filho de Ariosvaldo então
sabemos que o Agente 08 é igual a Ariosvaldo.

Observe nos desenhos exemplos de relações de muitos-para-


um. (Uma observação: Os pontos pretos do diagrama represen-
tam elementos diferentes quaisquer. O desenho é apenas uma
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 54

ilustração para facilitar o nosso raciocínio). Para que uma rela-


ção não seja de muitos-para-um só precisa existir um elemento
do domínio relacionado com dois elementos diferentes. Assim
por exemplo para que a relação “sobrinho” não seja de muitos-
para-um só é preciso que exista uma pessoa que seja sobrinho
de duas diferentes (tenha mais de um tio), o que certamente
acontece. Veja no desenho um exemplo de uma relação que não
é de muitos-para-um.

Note que existe um elemento do domínio que tem mais de


CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 55

um elemento relacionado no contradomínio, por isso ela não é


de muitos-para-um.

Dizemos que uma relação é um-para-muitos quando não


existe elemento do contradomínio que tenha mais de um ele-
mento do domínio relatado com ele. Em linguagem simbólica:
Se xRz e yRz, então x = y. Exemplo: A relação “pai”. Se
x é pai de João, e y é pai de João somos obrigados a concluir
que x = y, embora ele possa ter ainda outros filhos. Veja os
exemplos dos desenhos:

Para que uma relação não seja de um-para-muitos é preciso


que exista pelo menos um elemento do contradomínio que tenha
mais de um relacionado com ele. Assim a relação “tio” não é de
um-para-muitos porque deve existir pelo menos uma pessoa que
tenha dois tios. Veja no desenho adiante um exemplo de relação
que não é de um-para-muitos:
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 56

Perceba que existe um elemento do contradomínio que tem


mais de um elemento do domínio relacionado por ela. Uma
relação pode ser ainda nem de um-para-muitos nem de muitos-
para-um. O próprio desenho acima é um exemplo disso. Um
outro exemplo pode ser a relação “amigo de”. Existe pelo menos
uma pessoa que é amiga de pelo menos duas e também existe
pelo menos uma pessoa tal que pelo menos duas sejam amigas
dela (deve existir). Relações assim não precisam de nomencla-
tura especial.

Por último observemos que nada impede que uma relação


seja ao mesmo tempo de muitos-para-um e de um-para-muitos.
Para que isso aconteça não podemos ter um elemento do domí-
nio com dois relacionados e também não pode existir alguém
do contradomínio que tenha dois relatados por ele. Assim essas
relações serão como as dos desenhos abaixo:

Essas relações são chamadas de relações de um-para-um


porque todo elemento do domínio estará relacionado com um
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 57

único do contradomínio e vice-versa. Isso se existir algum par


na relação, porque ela também pode ser a relação vazia, que
também é de um-para-um por vacuidade.

Dado o par ordenado (a, b) definimos seu par inverso como


sendo o par (b, a). Dada uma relação R chamamos de relação
inversa de R a relação obtida invertendo todos os pares de R.
Representamos a inversa da relação como R−1 . Perceba que se
R é uma relação de A em B então R−1 é uma relação de B em A.
Temos por exemplo que R = {(a, 1), (b, 2), (c, 3)} é uma relação
de A = {a, b, c} em B = {1, 2, 3} e R−1 = {(1, a), (2, b), (3, c)}
é uma relação de B em A. Observe que (R−1 )−1 = R, quer
dizer, a inversa da inversa de uma relação é ela própria. Temos
também os seguintes fatos:

A inversa de uma relação de muitos-para-um é de um-para-


muitos.

Porque se não há elementos do domínio relacionado com mais


de um do contradomínio, então quando invertermos não haverá
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 58

elementos do contradomínio relacionados com mais de um do


domínio.

A inversa de uma relação de um-para-muitos é de muitos-


para-um.

Porque se não há elementos do contradomínio relatados com


mais de um do domínio, então quando invertermos não haverá
elementos do domínio relacionados com mais de um do contra-
domínio.

A inversa de uma relação de um-para-um é de um-para-um.

Porque ela continuará sendo de muitos-para-um e de um-


para-muitos ao mesmo tempo.

A inversa de uma relação comum é comum.

Porque ela continuará não sendo nem de um-para-muitos


nem de muitos-para-um. De fato, haverá um elemento do do-
mínio relacionado com pelo menos dois, e um elemento do con-
tradomínio relacionado por pelo menos dois.

Exercícios
1. Sejam A = {a, b, c, d} e B = {1, 2, 3}. Dê um exemplo
de uma relação de A em B de cada um dos quatro tipos
(represente por um desenho).
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 59

2. Classifique as relações abaixo como: muitos-para-um, um-


para-muitos, um-para-um, ou comuns.
x é avô de y
x é mais alto que y
x torce pro time y
x é mãe de y
x é casado com y
x é compatriota de y
x é da mesma altura que y
x vive no planeta de y
x é igual a y
3. As relações abaixo estão escritas na forma de conjuntos
de pares. Classifique cada uma delas como no exercício
anterior e depois determine sua inversa.
A = {(a, f ), (t, y), (m, m), (o, l), (t, l)}
C = {(dó, c), (ré, d), (mi, e), (fá, f ), (sol, g), (lá, a), (si, b)}
E = {(cabra, cachorro), (vaca, leão), (1, 2), (raposa, formiga)}
F = {(Maria, José), (Maria, João), (Maria, Pedro)}
G = {(♡, f ), (d, 3), (1, 2)}
L = {(norte, a), (sul, b), (leste, c), (oeste, d), (oeste, e)}
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 60

4. Verifique em cada item abaixo a qual dos quatro tipos a


relação total de A em B pertence (a relação total de A em
B é o inteiro conjunto A × B).
A = {primavera, verão, outono, inverno} e B = {a}
A = {1} e B = {gato, leão, tigre}
A = {mi, sol, si, ré} e B = {fá, lá, dó}
A = {a} e B = {b}
5. Calcule os seguintes produtos cartesianos:

{1, 2, 3} × {a, b} ∅ × {1, 2, 3, 4}


{mi, sol, si, ré} × {a, b, c} {e, i, π} × {1, 2}

6. Mostre que A × B = ∅ se e somente se A = ∅ e B = ∅.


7. Dados os conjuntos A = {0, 1, 4, 5, 9, 10} e B = {0, 2, 3, 4, 5, 8}.
Se F é uma relação de A em B, que se define por b = a + 2
para a ∈ A e b ∈ B descreva a relação F .

8. Dados os conjuntos A = {3, 4, 6}, B = {1, 2} e C =


{3, 6, 9, 12} determine o conjunto (C − A) × B.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 61

2.2 Mais sobre relações


Determinadas relações definidas podem ter propriedades inte-
ressantes que nos ajudam a estudá-las. Vejamos.

Um relação se diz reflexiva quando xRx para todo x em


seu campo. Isso quer dizer que todo objeto nessa relação se
relaciona consigo próprio. Um exemplo de relação reflexiva é
a relação ‘x tem a mesma altura que y’ no conjunto de todas
as pessoas e um exemplo de uma relação não reflexiva é ‘x é
de cor diferente de y’. Perceba que só é necessário que exista
um objeto não relacionado consigo mesmo para a relação deixar
de ser reflexiva, porém quando acontece de todos não estarem
relacionados consigo mesmo a relação recebe o nome de irrefle-
xiva, um exemplo é ‘x é mais alto que y’ no conjunto de todas
as pessoas.

Uma relação se diz simétrica quando xRy implica yRx,


para todos x e y em seu campo. Isso significa que se um ele-
mento se relaciona com outro então esse se relaciona com ele.
Por exemplo a relação ‘x torce para o mesmo time que y’ é simé-
trica e a relação ‘x não torce para o mesmo time que y’ também.
As relações ‘ser igual’ e ‘ser diferente’ são ambas simétricas mas
só a primeira é reflexiva também.

Uma relação se diz transitiva quando o seguinte fenômeno


acontece: se um elemento se relaciona com um segundo, e o se-
gundo tem a mesma relação com um terceiro, então o primeiro
tem a mesma relação com o terceiro. Por exemplo se uma pessoa
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 62

tem a mesma altura que outra e essa tem a mesma altura que
outra então primeira tem mesma altura que a terceira, então
ter a mesma altura é uma relação transitiva, a relação de não
ter a mesma altura é um exemplo de relação que não é transitiva.

Cada uma dessas três propriedades de uma relação é inde-


pendente, uma relação pode ter uma sem necessariamente ter
as outras, mas quando elas tem as três a o mesmo tempo isso é
algo muito importante em matemática e a relação se chama uma
relação de equivalência. A classe de equivalência de um
elemento para uma relação de equivalência é o conjunto de todos
os elementos que têm aquela relação com ele. Pode-se mostrar
que cada elemento pertence a uma única classe de equivalência,
e que duas classes de equivalência são duas a duas disjuntas. Ou
seja, as classes de equivalência formam uma partição do campo
da relação, ou seja dividem o campo em conjuntos disjuntos cuja
união é todo o campo da relação.

Classes de equivalência são importantes porque permitem


usar uma técnica de definição chamada de definição por abstra-
ção. O exemplo da definição de vetor ou de vetor livre ilustra
bem esse ponto.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 63

Intuitivamente um vetor é uma entidade com módulo, dire-


ção e sentido. Segmentos orientados também possuem módulo,
direção e sentido, mas não é certo dizer que um vetor é um tal
segmento, pois o vetor não “está” num dado lugar no espaço
e o segmento orientado sim, ou seja, possui uma posição. O
que podemos notar é que vários segmentos orientados em posi-
ções diferentes, desde que tenham os mesmos módulo direção e
sentido “representam” o mesmo vetor, ou seja estão na mesma
classe de equivalência pela relação de possuir o mesmo módulo
direção e sentido.

Queremos abstrair a propriedade que todos os segmentos


orientados de mesmo módulo direção e sentido têm em comum
e chamá-la de vetor representado por esses segmentos. Em vez
de usar uma vaga noção intensional para essa propriedade a
identificamos com sua extensão, ou seja o vetor determinado
por um segmento orientado é conjunto de todos os segmentos
orientados que tem mesmo módulo direção e sentido que ele, ou
seja é a classe de equivalência de um segmento orientado pela
relação de equivalência de possuir a mesma direção, módulo e
sentido. Várias outras noções matemáticas podem ser definidas
usando as mesmas considerações.

Exercícios
1. Seja C o conjunto de todos os carros, mostre que a relação
‘x tem a mesma cor que y’ nesse conjunto é uma relação
de equivalência. O que seria a classe de equivalência de
um carro?
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 64

2.3 Funções
Vejamos agora o tipo de relação mais importante para a mate-
mática.
Definição 3. Uma função de A em B é uma relação de muitos-
para-um com domínio A e imagem contida em B.
Exemplo: A relação entre os produtos de um supermercado
e seu preço. Esta é uma relação de muitos-para-um (nenhum
produto tem dois preços), e seu domínio é o conjunto de todos
os produtos (não se pode ter produtos sem preço).

O conceito de função é relativo pois depende não só dos pares


da relação mas também do domínio em que ela é tomada, assim
não faz sentido perguntar se uma dada relação é uma função
mas sim perguntar se em um dado domínio uma relação é ou
não uma função.

Nos exemplos do desenho: f não é função de A em B porque


é de muitos-para-um mas não é definida em todo o conjunto
A. Já a relação g é função porque é de muitos-para-um e seu
domínio é A. A relação h não é função porque não é de muitos-
para-um, embora tenha domínio todo o A. A relação i não é
função porque não é de muitos-para-um nem seu domínio é A.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 65

Vejamos agora a notação. Se chamarmos uma função de


A em B de f , devemos escrever f : A → B (lê-se “f de A
em B”) para especificar qual é o domínio e o contradomínio da
função f (nada impede que eles possam ser o mesmo conjunto).
Dado um elemento x pertencente ao domínio de f , chamamos o
elemento do contradomínio a qual ele é relacionado pela função
de imagem do elemento x por f e o representamos em símbolos
por f (x) (lê-se “f de x”). Geralmente para determinarmos uma
função basta dizer qual o domínio e o contradomínio e dar uma
regra que permita determinar f (x) para todo x do domínio (isso
é praticamente o mesmo que dar uma definição por intensão para
o conjunto que é a função).
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 66

Exemplo. Seja N o conjunto das notas musicais e A o conjunto


das letras do alfabeto, uma função de N em A pode ser dada
pela regra f (x) = primeira letra do nome de x, assim temos por
exemplo que: f (dó) = d, f (ré) = r, f (mi) = m, e assim por
diante.

Uma função não precisa necessariamente relacionar todos os


elementos do seu contradomínio, podem sobrar elementos que
não são imagem de ninguém do domínio. Por isso o conjunto
dos elementos do contradomínio que são imagem de alguém é
chamado de conjunto imagem da função f . Representa-se esse
conjunto como Im(f ) (lê-se “imagem de f ”). Note que esse con-
junto sempre está contido no contradomínio da função.

O conjunto imagem de uma função é simplesmente o con-


junto dos elementos que são “alcançados” pela função. Perceba
que no exemplo do desenho a segunda função g “alcançou” seu
contradomínio inteiro, ou seja, sua imagem é igual ao seu con-
tradomínio, quando isso acontece com uma função ela recebe
um nome especial.
Definição 4. Uma função f : A → B é chamada de sobrejetora
quando Im(f ) = B.

Ou seja, não existe elemento do contradomínio que não é


imagem de alguém, a função “alcança” o contradomínio inteiro.

Uma função é uma relação de muitos-para-um, assim ne-


nhum elemento tem duas imagens, embora dois elementos di-
ferentes possam ter a mesma imagem (no caso do exemplo do
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 67

preço, nenhum produto tem dois preços embora dois produtos


diferentes possam eventualmente custar o mesmo valor). Pode
acontecer porém que nenhum elemento do contradomínio é ima-
gem de dois diferentes. Quando isso ocorre a função também
recebe um nome especial.
Definição 5. Uma função f é chamada de injetora quando
f (x) = f (y) implica que x = y.
Em outras palavras: Nenhum elemento do contradomínio é
imagem de mais de um elemento do domínio. Assim uma função
é injetora quando ela também é uma relação de um-para-muitos
(e como consequência de um-para-um).

Podemos ter funções que não são nem sobrejetoras nem inje-
toras, nesse caso elas não recebem nenhum nome especial. Inte-
ressantes porém são as funções que são injetoras e sobrejetoras
ao mesmo tempo. Essas funções são chamadas de funções bi-
jetoras. Uma função bijetora é uma relação de um-para-um
que “alcança” todos os elementos do seu contradomínio. Uma
função bijetora com domínio no conjunto A e contradomínio no
conjunto B é chamada também uma bijeção entre esses dois
conjuntos.

Mais uma definição no estudo de funções são os conceitos de


imagem direta e inversa. Dada uma função f : A → B e X um
subconjunto de A, definimos a imagem direta de f em relação
a X e representamos por f [A], o subconjunto de B das imagens
de elementos de X.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 68

Já a imagem inversa pela função f de um subconjunto


Y de B, representado por f −1 [Y ], é o subconjunto de A dos
elementos de A que tem imagem por f pertencente a Y .

Note que às vezes a imagem inversa de um subconjunto do


contradomínio pode ser vazio, basta que a função não seja so-
brejetora e assim exista um elemento de B que não é imagem de
nenhum elemento em A. Neste livro vamos usar o conceito de
imagem direta para demonstrar um teorema importante sobre
números cardinais.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 69

Vejamos por último um detalhe curioso. Sabemos que a


relação vazia é de um-para-um, assim ela também é de muitos-
para-um. Será que ela é uma função? Depende do domínio e
do contradomínio que considerarmos. Para ser uma função ela
precisa ser definida em todo o domínio, devemos considerar en-
tão quatro casos possíveis:

1- O domínio e o contradomínio não são vazios.

Nesse caso a função não está definida em todo o domínio


porque todos os elementos do domínio sobram. Não é função.

2- O domínio não é vazio e o contradomínio é.

Também não é função, pois todos os elementos do domínio


não tem imagem e portanto ela não está definida em todo o do-
mínio.

3- O domínio é vazio e o contradomínio não.

Não existem elementos do domínio sem imagem, assim a fun-


ção vazia é por vacuidade definida em todo o domínio, então é
função. Assim a relação vazia é nesse caso uma função. Como
a relação vazia é também de um-para-um logo ela é uma função
injetora. Mas ela não é sobrejetora pois não “atinge” nenhum
elemento do contradomínio (todos eles sobram).
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 70

4- O domínio e o contradomínio são vazios.

Não existe elemento do domínio sem imagem, então ela está


definida em todo o domínio e portanto é uma função. Como
ela é uma relação de um-para-um ela é injetora. Mas a imagem
dela (∅) é igual ao contradomínio (∅), portanto ela também
é sobrejetora. Assim a relação vazia do vazio pro vazio é uma
bijeção.

Exercícios
1. Seja A o conjunto dos habitantes da sua casa e F o con-
junto das letras do alfabeto.
- Determine a função f : A → F que leva cada pessoa na
primeira letra do seu nome.
- Determine o conjunto imagem de f , Im(f ).
- Determine se f é uma função sobrejetora, injetora, bije-
tora ou nenhuma dessas coisas.
- Determine se a imagem inversa do subconjunto {a, b, c}
de F é vazio ou não.
2. Seja P o conjunto de todas as pessoas e seja H o conjunto
de todos os homens. Por que a relação que leva uma pessoa
nos seus avôs não é uma função?
3. Seja B o conjunto de todos os brasileiros e T o conjunto
dos times brasileiros de futebol e relacionemos cada pessoa
com o time que ela torce. Essa relação é uma função?
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 71

4. Seja P o conjunto de todas as pessoas e m a relação de


P em P que leva cada pessoa em sua mãe. Por que essa
relação é uma função? Dê exemplos de elementos que
pertencem e de elementos que não pertencem a Im(m).
Você pertence a Im(m)? Gostaria de pertencer?

5. Mostre que f é uma função injetora se e somente se para


todos a e b de seu domínio se a ̸= b então f (a) ̸= f (b).
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 72

2.4 Mais sobre funções


Sejam A e B conjuntos não vazios quaisquer e um elemento
b ∈ B fixado. Definimos a função constante-b de A em B
como sendo a função que leva cada elemento de A em b, ou:
f (x) = b para todo x ∈ A. Seja A um conjunto qualquer e
consideremos a função de A em A que leva cada de elemento de
A em si mesmo, ou: f (x) = x para todo x ∈ A. Essa função é
chamada de função identidade do conjunto A, a representa-
mos por IA , quando o conjunto A estiver subentendido podemos
representar a função identidade desse conjunto apenas por I. A
função identidade de qualquer conjunto é evidentemente uma
bijeção de A no próprio A, assim todo conjunto tem pelo menos
uma bijeção consigo mesmo. No caso especial de A ser o con-
junto vazio, a função identidade em A é a função vazia, pois ela
satisfaz a condição f (x) = x por vacuidade.

Quase sempre a relação inversa de uma função não será uma


função porque será uma relação de um-para-muitos e não de
muitos-para-um. Exceto no caso em que a função seja uma re-
lação de um-para-um, ou seja, seja bijetora. Assim toda função
bijetora de A em B possui uma função inversa de B em A, que
é simplesmente a sua relação inversa. Representamos então por
f −1 a função inversa da função f . Evidentemente a função in-
versa de uma função bijetora também é bijetora.

A função identidade num conjunto qualquer leva cada ele-


mento somente nele mesmo, assim sua relação inversa também
leva cada elemento somente nele mesmo. Quer dizer, elas duas
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 73

vão ter o mesmo domínio, o mesmo contradomínio, e terão os


mesmos pares, assim serão a mesma função. Portanto a inversa
da função identidade é ela mesma, em outras palavras: I −1 = I.
Também é fácil ver que a inversa da inversa de uma função é
aquela própria função. Em outras palavras: (f −1 )−1 = f qual-
quer que seja a função f .

Vejamos agora uma operação muito importante entre fun-


ções que é a composição. Dadas as funções f : A → B e
g : B → C definimos a função composta de f com g, e re-
presentamos como g ◦ f : A → C (lê-se “g bola f ”), a função
que leva cada elemento de A ao elemento de C que é a imagem
por g do elemento de B que a função f leva esse elemento de A.
Mais precisamente, g ◦ f (x) = g(f (x)) para todo x.

Fazer a composta de f com g consiste em aplicar primeiro


a f depois a g, quer dizer, calculamos f (x) depois calculamos
g(f (x)), por isso a composta de f com g se representa ao con-
trário como g ◦ f . Atente bem a isso porque na composição de
funções a ordem importa, ou seja, a composição de funções não
é comutativa. Antes de pensar que essa notação é estranha e
está ao contrário note que o problema vem do fato de represen-
tarmos a imagem de um elemento a pela função f como f (a)
em vez de (a)f . Mudar a notação seria até interessante mas não
é tão simples mudar notações que já são padrão.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 74

A composição de funções possui porém a propriedade asso-


ciativa, quer dizer, dadas as funções f : A → B, g : B → C e
h : C → D temos que as funções compostas h ◦ (g ◦ f ) : A → D
e (h ◦ g) ◦ f : A → D são sempre iguais.

Em outras palavras: Se tivermos que aplicar f com g e de-


pois aplicar h, isso é o mesmo que aplicar f com g aplicada com
h. De fato, vamos ter que para qualquer x e quaisquer funções
f : A → B, g : B → C e h : C → D vale que (h ◦ g) ◦ f (x) =
h ◦ g(f (x)) = h(g(f (x))) = h(g ◦ f (x)) = h ◦ (g ◦ f )(x). Por
causa da propriedade associativa, ao representarmos a composta
de várias funções não se precisa usar parênteses. Por exemplo,
a função h ◦ (g ◦ f ) é representada apenas como h ◦ g ◦ f . Temos
também os seguintes fatos importantes:

(*) A composta de duas funções injetoras é injetora.

Pois se por exemplo g e f são injetoras isso significa que


g(x) = g(y) implica x = y, assim g(f (x)) = g(f (y)) implicará
que f (x) = f (y), e como f é injetora isso vai implicar que x = y,
quer dizer g ◦ f é uma função injetora.

(*) A composta de duas funções sobrejetoras é sobrejetora

Pois se f e g “alcançam” todo o seu contradomínio, todo ele-


mento do contradomínio de g terá pelo menos um elemento no
domínio de g ◦f do qual ele é imagem, assim Im(g ◦f ) é igual ao
seu contradomínio. Segue desses fatos que a composta de duas
bijeções é ainda uma bijeção.
CAPÍTULO 2. RELAÇÕES E FUNÇÕES 75

Exercícios
1. Verdadeiro ou falso?
- A composta de duas funções constantes é uma função
constante.
- Existe uma função constante bijetora.
- A função impossível é sempre injetora.
- A função impossível é sempre sobrejetora.
- A composta de duas funções injetoras é sempre sobreje-
tora.
2. Dê exemplos de três funções sobrejetoras diferentes de A =
{1, 2, 3} em B = {3, ♡}.
3. Dê exemplos de três funções injetoras diferentes de A =
{a, b} em B = {dó, ré, mi}.
4. Dê exemplos de três bijeções diferentes de A = {a, b, c} e
B = {1, 2, 3}.
5. Determine todas as bijeções diferentes de A = {1, 2} e
B = {a, b} (Dica: São apenas duas).
6. Determine todas as bijeções diferentes de {1, 2, 3} em si
mesmo (Dica: São 6).
7. O que acontece quando se faz a composta de uma função
bijetora por sua inversa? Faça alguns exemplos e veja o
que você descobre.
Capítulo 3

Cardinalidade

Nesse capítulo veremos um conceito muito importante na teoria


de conjuntos que é a noção de cardinalidade. Ela vai permitir
comparar conjuntos pelo “tamanho”. Vamos ver que mesmo en-
tre conjuntos infinitos existem muitas cardinalidades possíveis,
assim não existe apenas um infinito, mas sim vários.

3.1 Números cardinais


Todo conjunto possui uma propriedade intrínseca chamada seu
número de elementos ou número cardinal, que depois ve-
remos que não só os chamados números naturais que são cardi-
nais. Para começar a teoria dos cardinais precisamos considerar
o seguinte ponto: É mais fácil saber que dois conjuntos tem o

76
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 77

mesmo número do que saber exatamente qual número é esse.

Por exemplo: Não precisamos saber quantos maridos exis-


tem para saber que esse número é o mesmo que o número de
esposas (nada de poligamia ou poliandria). Sabemos isso porque
a relação entre marido e esposa é uma função bijetora. Assim
dois conjuntos tem o mesmo número de elementos quando existe
uma bijeção entre eles. Isso servirá para nós de teste para saber
que eles tem o mesmo número. Dois conjuntos tem o mesmo nú-
mero de elementos se e somente se existir uma bijeção entre eles.

Dado um número cardinal podem existir vários conjuntos


que tem ele por número de elementos. Um representante de
um número cardinal é um conjunto escolhido que tem aquele
número de elementos. Dois conjuntos são equivalentes em
quantidade quando eles são representantes do mesmo número
cardinal. A relação de dois conjuntos serem equivalentes em
quantidade possui as seguintes propriedades.

(1) Reflexiva - Todo conjunto é equivalente a si mesmo.

Porque já vimos que a função identidade em qualquer con-


junto é bijetora.

(2) Simétrica - Se A é equivalente a B então B é equivalente


a A.

Porque se f : A → B é bijetora então sua inversa f −1 : B →


A é bijetora.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 78

(3) Transitiva - Se A é equivalente a B e B é equivalente a


C então A é equivalente a C.

Porque já vimos que se f : A → B é bijetora e g : B → C é


bijetora então a função composta g ◦ f : A → C também é uma
função bijetora.

Isso faz com que tenhamos que definir o que seja exatamente
um número cardinal, e a melhor resposta é dizer que o número
cardinal de um conjunto é o conjunto de todos os conjuntos que
são equivalentes em quantidade a ele, assim o número 3 seria o
conjuntos de todos os “trios”, enquanto o 2 seria o de todos os
“ ‘pares”, o 1 é o conjunto do todos os conjuntos unitários e 0 é
especial, pois só o vazio tem 0 elementos, assim 0 é o conjunto
que contém o vazio {∅}. Usamos aqui a definição por abstra-
ção, conforme ilustramos na definição de vetor livre. Dado um
conjunto A representamos seu cardinal como |A|.

Essa definição é perfeita e completa, entretanto existe uma


objeção que é o fato da teoria principal de conjuntos axiomá-
tica ZFC (existe mais de uma como comentamos) não permitir
essa definição dentro dela, mas não vamos aceitar essa objeção
aqui pois existem teorias de conjuntos consistentes que permi-
tem essa definição, como a teoria NFU. Como dissemos, neste
trabalho não estamos interessados em adotar uma teoria de con-
juntos particular.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 79

Mas se essa definição não pode em ZFC como fica? ZFC


escolhe um conjunto especial de cada cardinalidade para ser o
cardinal. É como definir o metro: 1 metro pode ser a classe de
todos os comprimentos que tem 1 metro, ou pode ser uma barra
de platina num museu e uma coisa mede 1 metro quando tem o
mesmo tamanho que ela.

Vejamos agora como comparar o tamanho de dois números


cardinais.
Definição 6. Dizemos que o cardinal de um conjunto A é me-
nor ou igual que o cardinal de um conjunto B quando existe
uma função injetora de A em B.
Essa relação não muda se mudarmos os representantes A e
B, pois: Imagine que A0 e B0 são também representantes dos
cardinais de A e B respectivamente e que existe uma função
injetora f de A em B. Então associamos cada elemento de A0
a um de A por uma bijeção que chamaremos de p (porque eles
são equivalentes em tamanho) e fazemos a mesma coisa entre
B0 e B chamando essa bijeção de q.

Assim levamos cada elemento de A0 a um de B0 através da


função composta q ◦ f ◦ p, mas como essas funções são todas in-
jetoras a composta também será injetora. Assim, o cardinal de
A0 será pela nossa definição menor ou igual que o cardinal de B0 .

Para determinarmos portanto se um número cardinal é me-


nor ou igual que um outro, simplesmente escolhemos dois repre-
sentantes quaisquer desses cardinais e verificamos se existe uma
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 80

função injetora entre eles. Como isso não depende dos repre-
sentantes escolhidos trata-se de uma relação entre os números
cardinais e não entre os conjuntos. Dizemos também por de-
finição que o cardinal de A é maior ou igual que o cardinal
de B quando o cardinal de B é menor ou igual ao cardinal de
A. Isso é simplesmente o contrário de ser menor ou igual, assim
essa relação também não muda se mudarmos o representante
particular escolhido. Quando o número cardinal X é menor ou
igual ao número cardinal Y escrevemos em símbolos X ≤ Y .
Quando X é maior ou igual a Y escrevemos em símbolos X ≥ Y
. Vejamos agora algumas propriedades de ≤ (que também va-
lem para ≥).

(1) Propriedade reflexiva - X ≤ X para todo cardinal X.

Tomando um conjunto A como representante de X podemos


ver que a função identidade de A em A, por exemplo, é injetora.

(2) Propriedade transitiva - Se X ≤ Y e Y ≤ Z então X ≤ Z.

Sejam A, B e C representantes de X, Y e Z respectivamente,


e sejam f : A → B e g : B → C funções injetoras. Vimos que
por f e g serem injetoras a composta g ◦ f : A → C também
é injetora, assim existe uma função injetora dum representante
de X num de Z.

E agora vamos provar a propriedade mais importante de to-


das que é a anti-simetria. Mas para isso precisamos de um lema.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 81

Lema. Se C ⊂ A e |A| ≤ |C| então A e C têm o mesmo


cardinal.
Demonstração. Seja f : A → C uma função injetora e considere
a seguinte sequência: A0 = A − C, A1 = f [A0 ], A2 = f [A1 ], . . . ,
An+1 = f [An ]. Como C ⊂ A e f é uma função de C em A todas
essas imagens diretas são subconjuntos de A. Podemos S então
tomar a união de todos eles que vamos representar por An .
Definamos agora uma S função ϕ : A → C da seguinte maneira:
ϕ(a) = a se a ∈ An e ϕ(a) = f (a) se a ∈ An . Vamos
S
/
mostrar que essa função é uma bijeção de A em C. Primeiro
mostremos que ela é injetora, para isso sejam a e b elementos
de AScom a ̸= b. S Temos quatro casos a considerar. Primeiro, se
a∈ / An e b ∈ / AS n então ϕ(a)S= a e ϕ(b) = b, logo Sϕ(a) ̸=
ϕ(b). Agora seS a ∈ / An e b ∈ An daí ϕ(a) = a ∈ / S An e
ϕ(b) = Sf (b) ∈ An , logo ϕ(a) ̸= ϕ(b). O caso em que a ∈ S An
e b ∈/ S An é análogo ao anterior. Por último, se a ∈ An
e b ∈ An então ϕ(a) = f (a) e ϕ(b) = f (b), mas como f é
injetora f (a) ̸= f (b), assim ϕ(a) ̸= ϕ(b). Vamos agora
S mostrar
que essa função éSsobrejetora. Seja c ∈ C, se c ∈ / An então
ϕ(c) = c. Se c ∈ An , como c ∈ / A0 = A − C então c ∈ Ai
S
para algum i maior ou igual a 1, assim c ∈ Ai = f [Ai−1 ] logo
existe b ∈ Ai−1 tal que c = f (b) = ϕ(b), assim qualquer elemento
de C é imagem de algum elemento de A por ϕ, logo ϕ é também
sobrejetora portanto é uma bijeção. Logo A e C possuem o
mesmo cardinal.
Teorema de Cantor-Schröeder-Bernstein. |A| = |B| se so-
mente se |A| ≤ |B| e |B| ≤ |A|, para quaisquer números cardi-
nais |A| e |B| .
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 82

Demonstração. Sejam f : A → B e g : B → A duas funções


injetoras. Logo B é equivalente a Im(g) que é um subconjunto
de A, daí g ◦ f é uma função injetora de A em Im(g), portanto
|A| ≤ |Im(g)| e Im(g) ⊂ A, logo lema temos |A| = |Im(g)|, mas
como |B| = |Im(g)| temos |A| = |B|.

Dizemos que o cardinal de A é estritamente menor que o


cardinal de B quando ele é menor ou igual ao cardinal de B mas
não é igual. Assim deve existir uma função injetora de A em B
mas não pode existir uma função injetora de B em A. Exemplo:
O cardinal de {1, 2, 3} é estritamente menor que o cardinal de
{a, b, c, d, e}. De maneira análoga dizemos que o cardinal de A
é estritamente maior que o cardinal de B quando ele é maior
ou igual que o cardinal de B mas não é igual. Para representar
as relações de estritamente menor e estritamente maior usare-
mos os símbolos: ‘<’ e ‘>’ respectivamente. Para essas relações
valem as propriedades abaixo:

(1) Propriedade Irreflexiva.

X < X para todo cardinal X.

(2) Propriedade transitiva.

Se X < Y e Y < Z então X < Z para todos os números


cardinais X,Y e Z.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 83

(3) Tricotomia.

Dados dois cardinais X e Y , ou X < Y ou Y < X ou X = Y .

Essa propriedade da tricotomia é intuitivamente óbvia, mas


não pode ser provada nem desprovada pelos axiomas que temos
até agora. Na verdade essa afirmação é consequência de um axi-
oma da teoria de conjuntos chamado axioma da escolha. Não
vamos discutir agora o axioma da escolha, assim vamos tomar
a propriedade da tricotomia de cardinais como mais um axioma.

Vejamos agora exemplos concretos de números cardinais.


Vamos dar o nome de 0 (zero) ao número cardinal do conjunto
vazio. Como o vazio só tem bijeção com o vazio (a função va-
zia) o único conjunto que tem 0 elementos é ele próprio o vazio.
Logo o único representante do 0 é ∅. Por outro lado vimos que a
função vazia do vazio num conjunto qualquer é sempre injetora,
isso justifica então que: 0 é menor ou igual que qualquer número
cardinal. Com isso chegamos em outra conclusão: Não existe
cardinal estritamente menor que 0. Porque se um cardinal é
menor ou igual que 0 então como 0 é menor ou igual a ele, eles
serão iguais, assim ele não pode ser estritamente menor que 0.

Queremos estudar os outros números que conhecemos, mas


para isso precisamos da ideia de sucessor, que precisa da ideia de
conjunto unitário. Conjunto unitário é um conjunto que só tem
um único elemento. Mas será que podemos definir essa ideia
sem apelar para o número um que é justamente o que queremos
definir em seguida? Podemos.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 84

Um conjunto A é chamado de unitário se satisfaz as seguin-


tes condições:

(*) A ̸= ∅

(**) Se x ∈ A e y ∈ A então x = y, quaisquer que sejam x e y.

Se ele não é vazio e quaisquer elementos dele são iguais entre


si, é porque ele só tem um único elemento. A propriedade de
não ser vazio é importante por que senão o vazio também seria
um conjunto unitário (porque os elementos do vazio são todos
iguais entre si!). Podemos então agora definir a ideia importante
de sucessor.
Definição 7. Seja X um número cardinal. O sucessor de X,
representado por s(X), é o número cardinal do conjunto obtido
pela união de um representante de X com um conjunto unitário
disjunto com aquele representante.
Exemplo: Seja X o cardinal do conjunto {a, b, c}. Então
s(X) é o cardinal do conjunto {a, b, c} ∪ {⋆} onde, ⋆ ∈
/ {a, b, c}.

Dizemos “o sucessor” porque por essa definição o sucessor de


um cardinal é um só. Não depende do representante escolhido
nem do conjunto unitário escolhido (contanto que esse seja dis-
junto do representante). Para justificar esse fato vamos pegar
dois representantes diferentes do mesmo número e uni-los cada
um com um unitário disjunto dele. Veremos que esses dois “su-
cessores” obtidos tem o mesmo número. Pois se já existe uma
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 85

bijeção entre eles podemos estender a bijeção por simplesmente


relacionar o elemento do unitário com o elemento do outro uni-
tário, e como os elementos dos unitários não estão nos repre-
sentantes, essa relação continua sendo uma bijeção, assim esses
dois “sucessores” irão representar o mesmo número cardinal.

Observemos agora o seguinte: Todo número cardinal é menor


ou igual que seu sucessor. De fato. A união com um elemento a
mais não muda o fato de que existirá uma função injetora entre
o representante do número e o do seu sucessor. Então para um
número ter a chance de ser o sucessor de outro esse outro deve
ser menor ou igual que ele.

Será então que existe um número que tenha 0 como suces-


sor? Se existir esse número deverá ser menor ou igual a zero,
mas como 0 é menor ou igual a ele (por ser assim com qualquer
número), esse número só poderia ser o zero. Apenas poderia,
porque na verdade não é. 0 não é igual ao seu sucessor, porque
se unirmos o vazio com um unitário obtemos o mesmo unitário.
Assim s(0) é o número de elementos de todos os conjuntos uni-
tários. Mas não existe nenhuma função de um unitário no vazio,
assim não pode existir nenhuma função injetora, logo s(0) ̸= 0.
Portanto 0 ̸= s(0). E com isso concluímos que: 0 não é sucessor
de nenhum número, como seria de se esperar.

Chamaremos então de 1 (um) o sucessor de 0, 1 = s(0).


O número 1 é portanto a quantidade de elementos de qualquer
conjunto unitário. Se tomarmos o sucessor de 1 veremos que esse
também é estritamente maior que 1, e se fizermos o sucessor
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 86

do sucessor de 1 veremos a mesma coisa, e assim por diante.


Isso nem sempre porém irá acontecer com todos os números
cardinais, veremos adiante que existem cardinais especiais que
são iguais ao seu sucessor. Por isso os cardinais em que isso
acontece merecem ser chamados de um nome especial.
Definição 8. O conjunto N dos números naturais é o menor
conjunto formado pelo 0 e por todos os seus sucessores de seus
elementos, ou seja, todos os números obtidos de 0 apenas pela
aplicação do sucessor.
O que caracteriza os naturais é que todo natural é sempre
estritamente menor que seu sucessor, assim ele nunca é igual
ao seu sucessor, mas como a propriedade de ser estritamente
menor é transitiva isso significa que nenhum desses sucessores é
igual a um dos anteriores. E como 0 não é sucessor de nenhum
número essa “cadeia” jamais volta ao ponto de origem, portanto
se estende “indefinidamente”. Precisamos exigir que os naturais
sejam o menor conjunto com essa propriedade porque podem
existir outros conjuntos, maiores, que contém objetos que não
são naturais, e que também contém o sucessor de cada objeto
que pertença a ele.

Nem todos os números cardinais são porém naturais, o car-


dinal do conjunto de todos os naturais, por exemplo, não é um
número natural, pois como vimos a cadeia de sucessores conti-
nua indefinidamente. Um cardinal que não é natural é chamado
de transfinito e os conjuntos que são representantes desses nú-
meros são chamados de conjuntos infinitos.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 87

O número cardinal do próprio conjunto N é o primeiro e


mais importante exemplo de cardinal transfinito e é represen-
tado como ℵ0 (lê-se “álefe zero”). Para um conjunto ter ℵ0 como
número de elementos precisa existir uma bijeção entre ele e o
conjunto N dos números naturais. Assim por exemplo, o con-
junto dos números naturais menos o 0 tem ℵ0 elementos, pois
a relação que leva cada natural no seu sucessor é uma bijeção
entre esses conjuntos (verifique). O conjunto dos números “pa-
res” também tem ℵ0 elementos, pois a relação entre um natural
e seu “dobro” é uma bijeção.

Esse é um fato que caracteriza os conjuntos infinitos: O fato


de poderem possuir o mesmo número de elementos de um sub-
conjunto próprio de si mesmo, ou seja, ter uma bijeção com
uma parte própria (“menor”) de si mesmo, isso evidentemente
nunca acontece com conjuntos finitos, que tem um número de
elementos natural. Muita gente não gosta dessa conclusão pois
ela parece violar o princípio filosófico de que o “todo” é sem-
pre “maior” que suas “partes”. O que podemos dizer é que esse
princípio só é válido para alguns significados de ‘todo’, ‘maior’ e
‘parte’, e no caso dos significados que demos envolvendo cardi-
nais transfinitos ele não se aplica, o que não impede entretanto
que ele possa ser válido em diversos outros contextos. Com isso
em mente podemos entender a seguinte proposição.
Proposição 4. O sucessor de ℵ0 é ele mesmo.
Demonstração. Vamos tomar como representante de ℵ0 o con-
junto dos naturais e unir com {⋆} onde ⋆ ∈ / N. Obtemos assim
o conjunto S = {⋆, 0, 1, . . .} e o cardinal de S será o sucessor
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 88

de ℵ0 . Podemos agora facilmente criar uma bijeção entre S e N


levando ⋆ em 0, 0 em 1, e de modo geral n em s(n). Com isso
mostramos que os cardinais de S e N são iguais.
A princípio se poderia pensar que todo conjunto infinito tem
o mesmo número cardinal que o conjunto N. Mas isso não
é verdade. Existem conjuntos infinitos cujo cardinal é estri-
tamente maior que ℵ0 , esses conjuntos são chamados de não-
enumeráveis. O que acontece com esses conjuntos é que eles
são infinitos mas não existe nenhuma bijeção, ou nenhum “ca-
samento”, entre eles e o conjunto dos naturais, o que significa
que o cardinal desses conjuntos é maior que o de N. Na verdade
o matemático Georg Cantor, criador da teoria de conjuntos, foi
o primeiro a mostrar que para todo cardinal transfinito existe
um cardinal estritamente maior que ele. Em outras palavras:
Existem infinitos tipos de infinito!

3.2 Operações com cardinais


A fim de darmos exemplos de conjuntos não enumeráveis preci-
samos antes definir diversas operações entre números cardinais
que são a soma, a multiplicação e a potenciação (a potencia-
ção é justamente o que vai nos permitir descobrir os conjuntos
não enumeráveis). Isso será feito de tal modo que no caso de
cardinais naturais essas operações correspondem exatamente às
operações que estudamos na escola primária, só o comporta-
mento dos conjuntos infinitos que será diferente do que o leitor
provavelmente já conhece.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 89

Definição 9. Dados dois números cardinais X e Y , definimos


a soma de X e Y , e representamos como X + Y , o número
cardinal da união de dois representantes disjuntos de X e Y .
Exemplo: Seja X o cardinal de A = {a, b, c} e Y o cardi-
nal de B = {1, 2, 3, 4}, então X + Y é o cardinal do conjunto
{a, b, c, 1, 2, 3, 4}.

É importante sempre tomarmos representantes disjuntos, pois


se eles não forem disjuntos o número de elementos da união não
será o número que queremos que seja a soma. Por exemplo, a
união de {a, b}, que tem 2 elementos, com {a, b, c}, que tem 3
elementos, tem 3 elementos embora a soma de 2 e 3 deva ser
5. Assim ao realizar uma adição devemos sempre tomar repre-
sentantes disjuntos. No caso dos representantes escolhidos para
os números serem disjuntos a soma não vai depender dos repre-
sentantes particulares escolhidos, assim trata-se de fato de uma
operação entre os números cardinais e não entre os represen-
tantes. Vejamos agora como a soma também pode ser aplicada
a cardinais transfinitos. Por exemplo: Digamos que queiramos
somar ℵ0 com 3. Vamos pegar o conjunto dos números natu-
rais para representar ℵ0 e {a, b, c} para representar o número 3.
Como esses representantes são disjuntos temos que ℵ0 + 3 será o
cardinal de {a, b, c} ∪ N = {a, b, c, 0, 1, 2, . . .}. Observando esse
conjunto podemos notar que seu número cardinal é ℵ0 , pois po-
demos criar uma bijeção entre esse conjunto e N, basta que por
exemplo a imagem de 0 seja a, a de 1 seja b, a de 2 seja c, e a
partir daí a imagem de n seja n − 3. Assim concluímos que vale
ℵ0 + 3 = ℵ0 .
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 90

Na verdade o raciocínio não muda em nada se trocarmos o


3 por outro número natural, só vai mudar a definição da bijeção
embora siga basicamente a mesma ideia. Logo podemos concluir
que ℵ0 somado com qualquer número natural é ℵ0 .

Digamos agora que queremos somar ℵ0 com ℵ0 . Temos que


tomar dois representantes disjuntos desse número. Assim um
deles pode ser N e o outro N × {⋆}, esse segundo conjunto é
o conjunto de todos os pares formados por naturais e ⋆ e é
claramente um conjunto com ℵ0 elementos, além do mais ele e N
são disjuntos. A união desse conjunto com N tem ℵ0 elementos,
como se pode ver na bijeção do desenho abaixo. Assim podemos
concluir desse exemplo que ℵ0 + ℵ0 = ℵ0 .

Vejamos agora algumas propriedades da soma de números


cardinais.

Como A ∪ B = B ∪ A para quaisquer conjuntos A e B, te-


mos que X + Y = Y + X para quaisquer números cardinais X e
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 91

Y . Isso permite mostrar que a soma de números cardinais é co-


mutativa, ou seja, mudando-se a ordem não se muda o resultado.

Também pelo fato de que (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) para


todos A, B e C, temos então que para quaisquer números car-
dinais X, Y e Z vale: (X + Y ) + Z = X + (Y + Z), ou seja,
uma soma de três números cardinais pode ser feita em qualquer
ordem que o resultado não muda. Essa propriedade é chamada
de propriedade associativa.

O conjunto vazio, que tem 0 elementos, tem a seguinte pro-


priedade: A ∪ ∅ = ∅ ∪ A = A para qualquer conjunto A. Logo
temos que: X + 0 = 0 + X = X para todo número cardinal
X, ou: Se somarmos 0 com qualquer outro número em qualquer
ordem, o resultado é aquele número. Quando uma operação tem
um elemento com essa propriedade dizemos que esse elemento
é um elemento neutro para aquela operação. O zero é o ele-
mento neutro da soma de cardinais e é na verdade único. De
fato, suponhamos que existisse um outro neutro da soma que
chamaremos de ♡ e tentemos somar ♡ com 0.

Como ♡ é neutro então 0 + ♡ = 0. Mas 0 também é neu-


tro então 0 + ♡ = ♡. Assim concluímos pelas propriedades da
igualdade que 0 = ♡. Ou seja, se existissem dois neutros eles
seriam iguais, assim só pode existir um único neutro.

Uma outra propriedade importante da soma é a seguinte:

A soma de dois números naturais é um número natural.


CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 92

Esse com certeza é um fato óbvio, mas precisamos justificar


matematicamente. Para isso imagine o seguinte: Para somar
dois números naturais devemos tomar dois representantes dis-
juntos deles e fazer a união. Podemos pegar então o segundo
conjunto da soma e parti-lo em um número finito de unitários.
Todos esses unitários são disjuntos com o primeiro conjunto da
soma, pois o conjunto que foi partido já era. Assim podemos ir
unindo o primeiro conjunto com cada unitário, transformando
a soma em várias aplicações seguidas da função sucessor. Mas
como sabemos por definição que o sucessor de um natural é sem-
pre um natural, nesse processo sempre iremos obter um cardinal
natural. Na escola primária o fato de que a soma de dois núme-
ros naturais é um número natural é chamada de propriedade do
fechamento da operação de soma.

Vamos estudar agora a operação de multiplicação entre nú-


meros cardinais. Vejamos primeiramente a definição geral de
produto.
Definição 10. Dados dois números cardinais X e Y , definimos
o produto de X e Y , e representamos por X · Y , o número
cardinal do produto cartesiano de dois representantes quaisquer
de X e Y .
Exemplo: Seja X o cardinal de A = {a, b, c} e Y o cardinal
de B = {1, 2}, então X · Y é o número cardinal do conjunto
{(a, 1), (a, 2), (b, 1), (b, 2), (c, 1), (c, 2)}.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 93

Essa é de fato uma ótima definição de multiplicação que cor-


responde exatamente ao que esperamos nos números naturais e
que não depende dos representantes escolhidos. Vejamos então
algumas propriedades da multiplicação cardinal.

Como existe uma bijeção óbvia entre A × B e B × A pode-


mos concluir que a multiplicação cardinal no fim é comutativa, e
como existe uma bijeção óbvia entre (A × B) × C e A × (B × C),
no fim a multiplicação cardinal é associativa.

O cardinal 1 é o neutro da multiplicação cardinal, porque o


produto cartesiano de um unitário por um conjunto possui uma
bijeção óbvia com esse conjunto.

Vamos estudar agora a operação de exponenciação cardinal,


e ela que nos vai dar exemplos de conjuntos não enumeráveis.

Vamos usar o caso finito para generalizar para o caso infinito.


Suponhamos que temos um conjunto finito P com p elementos e
outro conjunto finito A com x elementos, vamos nos perguntar
quantas funções existem de P em A. Como são finitos trata-
se de um jogo combinatório de setas, pois cada elementos de
A pode ser associado a um dos p elementos de P , o segundo
elemento de A vai ser levado p vezes, no fim do raciocínio com-
binatório teremos xp elementos.

Assim usamos a notação AB para o conjunto das funções


de B em A, e também para o expoente dos cardinais, assim
mesmo que os conjuntos sejam infinitos vamos definir uma nova
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 94

operação de exponenciação cardinal onde X Y é o conjunto das


funções de um conjunto de cardinal Y num conjunto de cardinal
X.

Vamos então explorar NN , o conjunto das funções dos natu-


rais nos naturais. Uma função dessas se chama uma sequência.
Para simplificar a notação de uma sequência omitimos os índices
do domínio e escrevemos as imagens entre parênteses, sabendo
quais são os pontos do domínio pela ordem, assim a função iden-
tidade de N em N que seria {(0, 0), (1, 1), (2, 2), . . .} é represen-
tada apenas como (0, 1, 2, 3, 4, . . .), já a sequência f (x) = 0 se x
é par e f (x) = 1 se x é ímpar é (0, 1, 0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .).

Vamos mostrar agora o resultado descoberto por Cantor que


fundou a teoria de conjuntos: o cardinal de NN é estritamente
maior que ℵ0 . Suponha que as sequências de naturais fossem
enumeráveis, então teríamos uma sequência de sequências tal
como a abaixo:

0 → (8, 7, 6, 4, 5, 8, 9, 7, 6, . . .)
1 → (0, 1, 2, 8, 5, 8, 1, 0, 1, . . .)
2 → (1, 0, 1, 0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .)
3 → (3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 7, 2, . . .)
...

Afirmamos que existe uma sequência diferente de todas essas


o que faz com que a sequência de sequências não seja sobreje-
tora, logo ℵ0 < |NN |. Para isso criamos nossa sequência da
seguinte maneira: como o primeiro termo da primeira sequência
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 95

é 8 escolhemos um número diferente, 5, daí no segundo termo da


segunda sequência escolhemos um termo diferente, no terceiro
termo da terceira sequência escolhemos um termo diferente, e
assim por diante obtemos uma sequência diferente de todas as
outras. Esse é o chamado método da diagonal de Cantor.

Fica provado então que existe um infinito maior que o dos


naturais. Mas Cantor foi mais além, ele mostrou que dado qual-
quer conjunto A o conjunto das partes de A tem cardinal es-
tritamente maior que o de A, logo existem infinitos cardinais
transfinitos pois podemos aplicar isso várias vezes. Vejamos
esse teorema.
Proposição 5 (Cantor). Para todo conjunto A temos que vale
|A| < P(A).
Demonstração. Primeiro note que existe uma injeção de A em
P(A) que leva cada elemento em seu unitário. Assim |A| ≤
|P(A)|, resta mostrar que não existe uma função sobrejetora de
A em P(A). Note que dada uma função de A em P(A) ela leva
um elemento x de A num subconjunto de A, assim faz sentido
perguntar se x ∈ f (x), considere então o subconjunto de B de A,
B = {x | x ∈ A ∧ x ∈/ f (x)}, suponha que f é sobrejetora, existe
z ∈ A tal que f (z) = B, mas se z ∈ B então como f (z) = B
então z ∈
/ B, por outro lado se z ∈/ B então z satisfaz a definição
de B, daí z ∈ B. Em todo caso temos uma contradição, logo f
não pode ser sobrejetora.
Assim temos que o cardinal de P(N) é maior que o cardinal
de N. Esse cardinal é chamado de c, a cardinalidade do contí-
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 96

nuo. Isso porque esse cardinal é o mesmo cardinal dos números


reais, conforme veremos depois. Esse cardinal também é igual
a 2ℵ0 , conforme se pode mostrar. Obtendo o conjunto das par-
tes de um conjunto com cardinalidade c obtemos um cardinal
ainda maior. Repetindo esse processo obtemos uma infinidade
de cardinais transfinitos, cada um maior que o anterior.

Um problema que incomodou Cantor porém foi o de se exis-


tem cardinalidades intermediárias entre ℵ0 e 2ℵ0 = c. A negação
dessa afirmação é chamada de hipótese do contínuo. Cantor ten-
tou demonstrar a hipótese do contínuo durante toda sua vida
mas em vão. Finalmente em 1963, Paul Cohen, usando a técnica
de forcing, mostrou que a hipótese do contínuo é uma afirmação
independente dos axiomas das principais teorias de conjuntos.
Não pode ser provada nem desprovada dentro dessas teorias, o
que está de acordo com o teorema de Gödel de que se uma te-
oria de conjuntos é consistente então existem proposições que
não são provadas nem desprovadas nessa teoria.

Vamos então destacar algumas propriedades da exponencia-


ção cardinal.

X 0 = 1 para todo cardinal X

Note que esse cardinal é o cardinal de todas as funções do


vazio em X, não é zero porque existe uma tal função, é a função
vazia. É a única, por isso esse número é igual a 1. Note que
em particular 00 = 1, pois existe uma única função do vazio no
vazio que é a função vazia.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 97

1X = 1 para todo cardinal X.

Pois esse é o cardinal do conjunto de todas as funções de


X num conjunto unitário. Repare que só existe uma única tal
função, pois todos os elementos de X vão no único elemento do
unitário.

A potenciação de cardinais não é comutativa. Pois por exem-


plo 31 = 3 enquanto 13 = 1. Também não é associativa pois
3
2(2 ) = 256 não é igual a (22 )3 que é 43 = 64. Assim convencio-
namos que numa expressão com mais de um expoente ao mesmo
tempo primeiro se resolvem os expoentes da direita para a es-
querda.

Vamos agora comentar brevemente sobre as operações de


subtração e divisão que o leitor aprendeu na escola. Essas não
são operações pois não estão definidas para qualquer par de
cardinais, dizemos que elas são operações parciais. Não se pode
subtrair de um número natural um número maior que ele e nem
sempre o quociente de dois naturais é um natural. Já no caso de
cardinais transfinitos a subtração e a divisão não têm sentido,
pois elas podem ter vários resultados possíveis de acordo com os
representantes que escolhemos para os cardinais. Vamos admi-
tir aqui que o leitor sabe subtrair e dividir naturais quando isso
é possível e também que o leitor conhece as principais proprie-
dades dessas operações.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 98

Exercícios
1. O objetivo desse exercício é mostrar que o cardinal de 2X é
igual ao cardinal de P(X). Para isso mostre que para cada
subconjunto de A de X fica associada uma única função
X → {0, 1} onde f (x) = 0 se x ∈/ A e f (x) = 1 se x ∈ A.
2. Prove a distributividade da multiplicação cardinal em re-
lação à adição. Ou seja prove que A·(B +C) = A·B +A·C
para todos os cardinais A, B e C.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 99

3.3 Axiomas de Peano


No final do século XIX, um pouco antes de Cantor inventar a
teoria de conjuntos, o matemático italiano Giuseppe Peano en-
controu uma lista de cinco axiomas que fundamentam toda a
teoria aritmética. Anteriormente, com a geometria analítica de
Descartes e a arimetização da análise de Weierstrass, a mate-
mática inteira já havia sido reduzida à aritmética. Assim os
axiomas de Peano são na verdade axiomas para toda a mate-
mática, já que toda a matemática pode ser definida a partir da
aritmética. Porém com a teoria de conjuntos algo ainda melhor
aconteceu: os axiomas de Peano dos números naturais são todos
definíveis dentro da teoria de conjuntos, o que significa que toda
a matemática pode ser reduzida à teoria de conjuntos. Como
já estamos estudando a teoria de conjuntos vamos nessa seção
mostrar como os axiomas de Peano podem ser implementados
nessa teoria. Assim vamos primeiro dizer quais são os axiomas
de Peano.

(1) 0 é um número natural.


(2) Todo número natural tem um sucessor.
(3) Dois números naturais não tem o mesmo sucessor.
(4) 0 não é sucessor de nenhum número.
(5) Se uma propriedade pertence a 0, e cada vez que ela per-
tence a um número natural ela pertence ao sucessor desse
número, então essa propriedade pertence a todos os nú-
meros naturais.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 100

Com esses cinco simples axiomas se desenvolve toda a arit-


mética e por conseguinte toda a matemática. É de se destacar
o axioma (5) conhecido como princípio da indução. Ele é uma
técnica de demonstração que serve para mostrar a maioria das
proposições sobre números naturais.

Agora vejamos como se interpreta esses cinco axiomas na te-


oria de conjuntos. O axioma (1) é trivial diante da definição de
número. O (2) sai naturalmente da definição de sucessor. O (3)
pode ser provado facilmente se na teoria de conjuntos o número
de elementos da classe de todos os conjuntos for infinito. O (4) é
uma proposição muito simples. Já o axioma (5) se torna não um
teorema, mas a própria definição dos números naturais, de fato,
os números naturais foram definidos como sendo justamente os
números cardinais em que o princípio da indução se aplica.

Assim os axiomas de Peano estão interpretados na teoria


de conjuntos. Perceba que a teoria de conjuntos vai além dos
axiomas de Peano, pois além dos cardinais naturais existem os
cardinais transfinitos de qual tratamos brevemente na seção an-
terior. Mas os números cardinais não são os únicos tipos de
número que surgem em matemática. Devemos considerar ainda
números inteiros, racionais, reais e complexos. Felizmente eles
podem ser todos definidos a partir dos números naturais, que é
o que faremos no próximo capítulo.

Mas antes de encerrar este capítulo é bom ilustrar o método


de demonstração por indução que advém do quinto axioma de
Peano. O método é usado quando queremos provar uma pro-
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 101

priedade de todos os números naturais, para isso mostramos


primeiro que ela vale para o 0. Esse é o chamado caso base da
indução. Depois mostramos uma implicação, que é chamada de
passo indutivo, de que se ela vale para n qualquer então ela vale
para o sucessor de n. Isso vai fazer com que a propriedade valha
para todos os números naturais, pois ela vale para o 0, se ela
vale para o 0 vale para o sucessor de 0 que é 1, se vale para 1
vale para o sucessor de 1 que é 2, e assim por diante.

Vamos como exemplo usar indução para mostrar que cada


natural é diferente do seu sucessor, ou seja, n ̸= s(n) para todo n
natural. Para isso mostramos primeiro o caso base, ou seja que
0 ̸= s(0). Isso já foi provado em uma seção anterior. Daí resta
mostrar o passo indutivo, ou seja que se a propriedade desejada
vale para um natural então ela vale para o seu sucessor. Ou seja,
devemos provar a implicação n ̸= s(n) então s(n) ̸= s(s(n)) para
um n arbitrário. Com isso invocamos o axioma (5) e mostramos
que essa propriedade vale para todos os naturais. Para mostrar
isso note que se x = y então s(x) = s(y) pois cada natural
tem um único sucessor, daí se x ̸= y então s(x) ̸= s(y) pelo
axioma que diz que dois naturais diferentes não têm o mesmo
sucessor. Daí se n ̸= s(n) então s(n) ̸= s(s(n)) o que prova
o passo indutivo. Logo pelo axioma da indução isso vale para
todos os números naturais.
CAPÍTULO 3. CARDINALIDADE 102

Exercícios
1. Prove usando o método da indução que a soma dos núme-
ros de 1 a n, 1 + 2 + 3 + . . . + n é igual a n·(n+1)
2 . (Dica:
faça o caso base. Depois suponha que a propriedade vale
para n, some n + 1 = s(n) a ambos os lados da igual-
dade. Aqui estamos admitindo que o leitor sabe trabalhar
expressões numéricas com frações, o que será o tema do
próximo capítulo).
Capítulo 4

Outras espécies de
número

Os números cardinais não são os únicos tipos de números que


aparecem na matemática. Muitas vezes precisamo considerar
outros tipos de números, “extensões” da ideia de número por
assim dizer. Neste capítulo vamos ver esses conceitos e como
eles podem ser definidos a partir dos números cardinais naturais.

4.1 Números inteiros


Imagine as seguintes situações: Diana possui um saldo bancário
de 300 reais, ela toma um empréstimo de 500, quanto fica seu
saldo? Num dia frio a temperatura era de 10 graus mas caiu

103
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 104

mais ainda 15 graus, quanto fica a temperatura no termôme-


tro? Situações desse tipo são tratadas usando um novo tipo de
número que são os números inteiros que o leitor conhece da
escola primária.

Os números inteiros são muito parecidos com os números na-


turais com a diferença de que podem ser negativos ou positivos.
Como o leitor provavelmente conhece os números inteiros e sabe
fazer cálculos com eles vamos nos concentrar em como definir
tais números a partir dos números naturais.

Um número inteiro é um saldo. Mas o que seria um saldo?


Um saldo positivo de fato corresponde a uma quantidade po-
sitiva, mas um saldo negativo não. Não existe conjunto com
−2 elementos por exemplo. Um pouco de reflexão mostra que
um saldo não é uma quantidade mas antes uma relação entre
quantidades. Assim um saldo de +3 é a relação entre uma quan-
tidade e uma outra quantidade 3 unidades menor, enquanto que
um saldo de -3 é a relação inversa, ou seja, uma relação entre
uma quantidade e outra quantidade 3 unidades maior. Isso é a
pista para definirmos os números inteiros.

Definição 11. Dado um número natural n definimos +n como


sendo a relação entre x + n e x enquanto −n é a relação entre
x e x + n.
O conjunto dos números inteiros Z é definido como {x | x =
+n ∨ x = −n} onde n é qualquer número natural. Assim os
inteiros são os números positivos e negativos. Zero é o único
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 105

positivo e negativo ao mesmo tempo.

Perceba que por essa definição cada inteiro é uma relação.


+3 é a relação {(3, 0), (4, 1), (5, 2), . . .}, já o -2 é exatamente a re-
lação {(0, 2), (1, 3), (2, 4), . . .}, ou seja +3 é relação de “ser maior
por 3” enquanto -2 é a relação de “ser menor por 2". Já o zero é
a relação de “ser maior por 0”, ou seja {(0, 0), (1, 1), (2, 2), . . .},
a função identidade dos naturais nos naturais.

Perceba que a cada natural fica associado um inteiro posi-


tivo, mas não são a mesma coisa. Um natural é uma quantidade
enquanto que um inteiro é um saldo. Assim é errado dizer como
se diz na escola que os naturais são um subconjunto dos inteiros.
O máximo que podemos dizer é que os naturais se “parecem”
com o conjunto dos inteiros positivos. Em termos de álgebra
dizemos que eles são isomorfos, mas esse é um conceito que não
vamos ver agora.

Bom. Até aqui definimos os números inteiros, mas só isso


não basta, precisamos saber fazer contas com esses números, as-
sim precisamos definir as operações usuais de números inteiros
que são a adição e a multiplicação. Para isso vamos chamar
cada par que aparece num número inteiro de representante da-
quele número. Dois pares (a, b) e (c, d) representam o mesmo
inteiro se e somente se a + d = b + c. Dado um par de naturais
(a, b) representamos o inteiro que ele representa como [(a, b)].
O oposto de um inteiro é sua relação inversa, se o inteiro é x
seu oposto é representado como −x. Essa notação vai facilitar
a definição de soma e produto.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 106

Definição 12. Dado dois inteiros [(a, b)] e [(c, d)] definimos a
soma [(a, b)] + [(c, d)] como [(a + c, b + d)].
Para que essa definição seja uma operação entre números in-
teiros temos de mostrar que ela não depende dos representantes
escolhidos. Suponha então que [(a, b)] = [(x, y)] e que [(c, d)] =
[(z, w)] devemos mostrar que [(a+c, b+d)] = [(x+z, y+w)], para
que isso aconteça devemos ter (a+c)+(y +w) = (b+d)+(x+z)
mas temos que como [(a, b)] = [(x, y)] então a + y = b + x, do
mesmo modo como [(c, d)] = [(z, w)] temos c + w = d + z,
somamos então essas igualdades membro a membro obtemos
(a + y) + (c + w) = (b + x) + (d + z), pela associatividade e co-
mutatividade da adição de naturais essa igualdade é justamente
(a + c) + (y + w) = (b + d) + (x + z), onde queríamos chegar.
Assim temos uma operação de soma bem definida entre os nú-
meros inteiros que não depende dos representantes particulares
escolhidos.

Não vamos provar aqui com muito detalhe as propriedades


dessa operação, mas vamos listá-las abaixo.

As propriedades da adição de inteiros são as seguintes:

Comutativa- x + y = y + x para todos inteiros x e y.


Associativa- (x + y) + z = x + (y + z) para todos inteiros x, y
e z.
Elemento neutro x + 0 = 0 + x = x para todo inteiro x.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 107

Existência de inverso x + (−x) = (−x) + x = 0 para todo


inteiro x.

A outra operação que precisamos definir é a multiplicação.


Definição 13. Dado dois números inteiros [(a, b)] e [(c, d)] de-
finimos o produto [(a, b)] · [(c, d)] como [(a · c + b · c, a · d + b · c)].
É um exercício para o leitor mostrar que essa operação não
depende da escolha dos representantes. Você terá que usar a
propriedade distributiva da multiplicação de naturais em relação
à adição de naturais. Vamos listar abaixo as propriedades da
operação de multiplicação.

Comutativa- x · y = y · x para todos inteiros x e y.


Associativa- (x · y) · z = x + (y + z) para todos inteiros x, y e
z.
Elemento neutro- x · 1 = 1 · x = x para todo inteiro x.
Elemento absorvente- x · 0 = 0 · x = 0 para todo inteiro x.
Distributividade em relação à adição- x · (y + z) = x · y +
x · z para todos inteiros x, y e z.
Integridade- Se x · y = 0 então x = 0 ou y = 0.

Essa última propriedade de integridade permite provar a im-


portante lei do cancelamento. Se x · y = z · y e y ̸= 0 então x = z
(prove como exercício). Vamos admitir que o leitor conhece to-
das essas propriedades dos inteiros inclusive a “regra dos sinais”
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 108

em que positivo vezes negativo é negativo, positivo vezes positivo


é positivo, e negativo vezes negativo é positivo. Nos exercícios
desta seção o leitor deverá lembrar dessas regras aprendidas na
escola.

Resta uma última coisa: definir a noção de ordem para os


números inteiros, assim como definimos para os números natu-
rais. Isso porque como os inteiros são diferentes dos naturais
é de se esperar que a definição de ordem entre eles seja dife-
rente. Ainda mais porque a ordem dos inteiros é uma extensão
da ordem dos naturais. Se a ordem dos naturais é uma cadeia
discreta com início e sem fim, a ordem dos inteiros é uma ordem
discreta sem início e sem fim.
Definição 14. Dados os inteiros [(a, b)] e [(c, d)] dizemos que
[(a, b)] < [(c, d)] quando a + d < b + c.
Fica como exercício mostrar que essa definição não depende
dos representantes particulares escolhidos. Lembrando que essa
ordem é a ordem no qual os negativos vem todos antes dos po-
sitivos, . . . , −3, −2, −1, 0, +1, +2, +3, . . .

Também representamos a relação inversa de < (menor que)


como > (maior que). E temos também as relações derivadas
≤ e ≥, dizemos que x ≤ y quando x < y ou x = y, e x ≥ y
quando y ≤ x. Vamos enunciar também sem provar as principais
propriedades da ordem dos inteiros.
Irreflexiva- Não ocorre x < x para nenhum inteiro x.
Assimétrica- Ss x < y então não ocorre y < x.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 109

Tricotomia- Dados x e y inteiros então ou x < y ou y < x ou


x = y.
Transitividade- Se x < y e y < z então x < z para todos x, y
e z.
Monotonicidade para adição- Se x < y então x + z < y + z
para todos inteiros x, y e z.
Monotonicidade para multiplicação- Se x < y e z > 0 en-
tão x · z < y · z e se x < y e z < 0 então x · z > y · z para
todos x, y e z.

Exercícios
1. Lembrando da escola primária sabemos que a multiplica-
ção e a divisão têm prioridade sobre a adição e a subtração
numa “expressão numérica”, resolva as expressões abaixo
efetuando todas as contas e reduzindo-as a um único nú-
mero (aqui estamos usando a notação de parênteses col-
chetes e chaves).

27 : 3 − 8 : (2 + 2) 26 : 13 − (5 + 3)
128 : 4 · 5 + 12 16 : 4 − 25 : 5
48 + (2 · 15) : 3 (1 + 3 · 3) : 5 + 1
(20 + 7) : 9 − 4 · 2 10 + (4 − 1) − 9
5−5·1+3 2·2·2+2
(−40) · 2 + 7 · 3 (4 · 4 + 4) : 4
4−4:4+7 7 · (14 + 5) + 3
3 · {5 · [8 + (10 − 6 : 3)] − 20} 5 + [8 + (7 − 3 · 2)]
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 110

2. O objetivo deste exercício é lembrar a noção de “divisibi-


lidade” de inteiros. Dizemos que a divide b e escrevemos
a | b quando existe c tal que b = a · c. Determine quais
afirmações abaixo são verdadeiras e quais são falsas.

2 | 20 3 | −7 5|2 10 | 34
9 | 19 −4 | 20 8 | 70 3 | 10
−6 | 12 3 | 23 5 | −25 10 | −30
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 111

4.2 Números racionais


Os números naturais e os inteiros não são suficientes para a
nossa vida prática. Números naturais servem para contagem,
inteiros para saldos, mas para medidas precisamos de um novo
tipo de número que são os números racionais.

Informalmente um número racional é uma fração. Mas o


que é uma fração? Um par de números inteiros representa uma
fração, mas não de maneira única. Dois pares de números intei-
ros diferentes podem representar o mesmo número fracionário.
Como o leitor deve saber da escola 12 = 24 = 63 = . . . e assim por
diante (aqui estamos representando o par de inteiros (a, b) como
b . Também é importante notar que o segundo elemento de um
a

tal par não pode ser 0, pois não existe fração com denominador
0). Note que duas frações ab e dc representam o mesmo número
fracionário quando a · d = b · c como números inteiros, sendo
b ̸= 0 e d ̸= 0. Escrevemos nesse caso ab = dc .

Vamos mostrar que essa é uma relação de equivalência e


usar novamente a definição por abstração. Primeiro note que
toda fração ab possui essa relação consigo mesma, pois temos
que a · b = b · a. Isso mostra a propriedade reflexiva. Suponha
agora que ab possua essa relação com dc , ou seja que a · d = b · c.
Isso é mesmo que c · b = d · a, pelas propriedades da igualdade e
da multiplicação de inteiros. Assim concluímos que dc = ab . Isso
mostra a propriedade simétrica.

Suponha agora que a


b = c
d e c
d = f,
e
isso significa que
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 112

a · d = b · c e c · f = d · e. Temos dois casos então a considerar,


c = 0 e c ̸= 0. No caso c = 0 isso dá a · d = 0 = 0 · d e cancelando
d, pois d ̸= 0 vem a = 0. De maneira análoga d · e = c · f = 0 daí
cancelando d temos e = 0 daí ab = 0b = f0 = fe assim o temos que
b = f . No caso c ̸= 0 multiplicamos as equações a · d = b · c e
a e

c·f = d·e membro a membro obtendo (a·f )·(c·d) = (b·e)·(c·d).


Mas como c ̸= 0 e d ̸= 0 então c · d ̸= 0, assim podemos cancelar
c · d obtendo a · f = b · e, ou seja ab = fe . Isso mostra a proprie-
dade transitiva.

Assim dada uma fração, definimos o número racional que


ela representa como a classe de todas as frações que possuem
essa relação com ela. Esse é mais um exemplo de definição por
abstração. Temos então.
Definição 15. Q = {x | x = a
b onde a ∈ Z ∧ b ∈ Z ∧ b ̸= 0}.
Perceba que assim como o conjunto dos naturais não está
contido nos inteiros, os inteiros também não estão contidos nos
racionais, pois eles foram construídos de maneira muito dife-
rente. O máximo que podemos dizer é que existe um subcon-
junto dos racionais muito “parecido” com os inteiros que é o
conjunto dos racionais cuja fração tem denominador 1.

Assim como fizemos com inteiros temos de definir as opera-


ções de adição e multiplicação de racionais.
Definição 16. Dados dois racionais a
b e c
d definimos a sua
soma como sendo o racional a·d+b·c
b·d .
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 113

Fico como um tedioso exercício mostrar que essa definição


não depende dos representantes escolhidos. Também vamos
enunciar sem prova as propriedades mais importantes da adi-
ção de racionais.

Comutativa- x + y = y + x para todos racionais x e y.


Associativa- (x + y) + z = x + (y + z) para todos racionais x,
y e z.
Elemento neutro x + 0 = 0 + x = x para todo racional x.
Existência de inverso x + (−x) = (−x) + x = 0 para todo
racional x.

Outra operação que precisamos definir é a multiplicação.


Definição 17. Dados dois racionais a
b e c
d definimos o seu
b·d .
produto como sendo o racional a·c
Outra vez vamos omitir a prova de que essa definição não de-
pende dos representantes particulares escolhidos. Vamos enun-
ciar sem provar as propriedades da multiplicação de racionais.

Comutativa- x · y = y · x para todos racionais x e y.


Associativa- (x · y) · z = x + (y + z) para todos racionais x, y
e z.
Elemento neutro- x · 1 = 1 · x = x para todo racional x.
Existência de inverso multiplicativo- Para todo racional di-
ferente de zero ab , existe ab (pois a ̸= 0) onde ab · ab = 11 .
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 114

Elemento absorvente- x · 0 = 0 · x = 0 para todo racional x.


Distributividade em relação à adição- x · (y + z) = x · y +
x · z para todos racionais x, y e z.

Perceba que agora nos racionais cada número não nulo pos-
sui um inverso multiplicativo, ou seja um número que multipli-
cado por ele resulta no neutro da multiplicação que é 1. Para
isso basta multiplicar uma fração pela sua fração inversa ou
recíproca. Isso não acontece nos inteiros onde apenas 1 e −1
possuem inverso multiplicativo.

Por último devemos falar da ordem dos números racionais.


Definição 18. Dizemos que a
b < c
d quando a · d < b · c.
Diferente das ordens dos naturais e inteiros que são discre-
tas, a ordem dos racionais é densa, ou seja, entre dois racionais
existe sempre outro racional. Pois se ab < dc então ab < a+c
c+d < d .
c

Vamos então listar as propriedades da ordem de números


racionais.

Irreflexiva- Não ocorre x < x para nenhum racional x.


Assimétrica- Se x < y então não ocorre y < x.
Tricotomia- Dados x e y racionais então ou x < y ou y < x
ou x = y.
Transitividade- Se x < y e y < z então x < z para todos x, y
e z.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 115

Monotonicidade para adição- Se x < y então x + z < y + z


para todos racionais x, y e z.
Monotonicidade para multiplicação- Se x < y e z > 0 en-
tão x · z < y · z e se x < y e z < 0 então x · z > y · z para
todos x, y e z.

Além disso diremos que um racional ab é positivo quando a · b


é um inteiro positivo, ou seja, quando a e b possuem o mesmo
sinal.

Uma nota sobre a prática matemática. Sabemos que os nú-


meros inteiros não são naturais e que os inteiros não são raci-
onais, mas esses conjuntos estão contidos em conjuntos “pare-
cidos” com eles. Assim na prática representamos o inteiro +x
como x e o racional a1 como a. O que estamos fazendo é “identi-
ficar” um número natural ou um número inteiro com o inteiro ou
racional o qual ele se “parece”. Isso não causa nenhum problema
de entendimento em resolver equações e expressões numéricas.
Admitimos (a menos que seja dito em contrário) que elas estão
sendo resolvidas no “maior” conjunto que torna suas contas pos-
síveis. Já que nos naturais nem sempre a subtração existe e nos
inteiros nem sempre a divisão existe.

Exercícios
1. Mostre que a “equação do primeiro grau” a · x + b = 0 na
incógnita x possui uma única solução racional dada por
a .
x = −b
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 116

2. Prove a lei do “cancelamento” ou seja se x | a e x | b então


b = b:x .
a a:x

3. Resolva as seguintes expressões numéricas:

1 1 1
2 + 3 · 5

( 52 − 13 ) · 1
2 + 7
7

1 5 3
4 · 2 : 4

[ 25 · ( 21 − 34 )] : ( 12 · 12 )
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 117

4.3 Números reais


Já sabemos que para contar usamos os números naturais, para
representar saldos usamos os números inteiros, e para medir
usamos os números racionais. Será então que esses números são
suficientes para a matemática? Os gregos antigos achavam que
sim. Tanto que foi um choque quando um membro da escola de
Pitágoras descobriu que existe um comprimento em geometria
que não é um número racional. A crise foi tão grande que diz a
lenda que esse homem foi executado!

Vamos ver então o que ele descobriu. Segundo o teorema de


Pitágoras a hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos √1
mede um número que elevado ao quadrado dá 2, ou seja 2.
Será que esse número é racional? Se for ele será igual a fração
q , vamos supor que essa fração já está na forma simplificada,
p

ou seja p e q não são divisíveis pelo mesmo número inteiro. Isso


será crucial para o argumento.

Vamos então supor que pq = 2, temos então que ( pq )2 = 2,
pelas propriedades da multiplicação de frações isso é o mesmo
2
que pq2 = 2. Mas isso é equivalente a p2 = 2 · q 2 . Com isso
podemos chegar na seguinte conclusão: O quadrado de p é um
número par, pois é o dobro de alguma coisa. Mas isso implica
que o próprio p é par pois se p fosse ímpar seu quadrado seria
ímpar. Daí p = 2 · k para algum k natural. Substituímos o
valor de p na igualdade p2 = 2 · q 2 obtendo (2 · k)2 = 2 · q 2
daí 4 · k 2 = 2 · q 2 , dividindo os dois membros por 2 obtemos
2 · k 2 = q 2 . Mas espere, isso significa que o quadrado de q tam-
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 118

bém é par, e daí q também é par, o que é um absurdo pois p


também é par e já tínhamos suposto que p e q não eram divisí-
veis pelo mesmo número. O que podemos concluir √ então dessa
contradição? Ora a contradição veio de supor que
√ 2 era uma
fração, daí concluímos que não importa o que 2 seja ele defi-
nitivamente não é uma fração.

Isso significa que se 2 é uma medida ele é um novo tipo
de número. Podemos mostrar que existem muitos exemplos de
comprimentos em geometria que não são racionais. Eles são
exemplos de um novo tipo de número que são os números reais,
esses incluem uma cópia “parecida” dos racionais mas também
incluem novos números, que são chamados números irracio-
nais. Mas então o que pode ser um número real?

Existe mais de uma maneira interessante de definir os núme-


ros reais, são mais de uma dezena de definições! O que interessa
nessa definições é que os números definidos satisfaçam as pro-
priedades da ordem e das operações de reais, que a menos de
“isomorfismo” são únicas. Isso quer dizer que a única coisa que
muda nessas definições é a natureza particular dos elementos
definidos e não a maneira que esses elementos se “comportam”.
Neste livro vamos utilizar a definição dos reais através de cortes
de Dedekind. Essa maneira de definir os reais será depois por
nós generalizada.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 119

A ideia do que chamamos um corte de Dedekind é uma par-


tição dos racionais em dois conjuntos L e R tal que nenhum
elemento do primeiro é maior ou igual a um elemento do se-
gundo, a união dos dois é o inteiro conjunto dos racionais, e
o primeiro conjunto não tem elemento máximo. Representa-
mos o par de conjuntos em tal situação como (L, R). A ideia é
que cada número real vai corresponder a um corte, assim vamos
identificar e dizer que o número real É o corte em questão. Com
isso podemos definir operações e ordem entre cortes de modo
que elas satisfaçam todas as propriedades esperadas para os nú-
meros reais.

Vejamos alguns exemplos de cortes. A cada racional q temos


o corte L = {x | x ∈ Q ∧ x < q} e R = {x | x ∈ Q ∧ q ≤ x},
de fato nenhum elemento de L é maior ou igual que um de R, a
união dos dois é todo Q e L não tem elemento máximo, embora
R tenha um elemento mínimo. Mas isso não é problema para
a definição, o segundo conjunto pode ter elemento mínimo ou
não. Observe que como definiremos números reais como sendo
cortes, cada racional está associado a um corte que é o deste
exemplo, assim os racionais são muito “parecidos” com esse sub-
conjunto do conjunto de todos os cortes. Assim dizemos que os
reais contém uma cópia isomórfica de Q.

Considere agora o seguinte corte: L = {x | x ∈ Q ∧ (x2 <


2 ∨ x < 0} e R = {x | x ∈ Q ∧ (x2 ≥ 2 ∧ x > 0}. Pode-se mostrar
que nesse corte L não tem elemento máximo, como é exigido
pela definição, mas também R não tem elemento mínimo. A
ideia é que esse corte não corresponde a nenhum racional, assim
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 120

se dizemos que cortes são números esse é um número que não


corresponde a nenhum racional, é portanto um novo tipo de
número, que chamaremos de número irracional. Todo corte
em que o segundo conjunto não tem elemento mínimo é um
número irracional. Eles correspondem a “buracos” na ordem
dos racionais. Vamos então definir o conjunto dos reais.
Definição 19. O conjunto R dos números reais é definido como
sendo o conjunto de todos os cortes do conjunto dos números
racionais.

Assim os reais incluem os cortes racionais e irracionais. Trata-


se de uma união disjunta, ou seja, nenhum número é racional e
irracional ao mesmo tempo. Vamos então definir as operações
de adição e multiplicação e a ordem dos reais.
Definição 20. Dados dois cortes (A, B) e (C, D) a soma (A, B)+
(C, D) é o corte (X, Y ) onde X é o conjunto dos racionais da
forma a + c onde a ∈ A e c ∈ C e Y é o conjunto dos racionais
da forma b + d onde b ∈ B e d ∈ D.
Vamos provar que com essa definição (X, Y ) é de fato um
corte. Para isso note que pela monotonicidade da adição ne-
nhum elemento de X tem chance de ser maior ou igual que um
de Y pois a < c e b < d para todos a ∈ A, b ∈ B, c ∈ C, d ∈ D
racionais, assim a+c < b+d para todos esses racionais. A união
de X com Y é todo o Q pois A ⊂ X e B ⊂ Y e a união de A e
B é Q, daí Q ⊂ X ∪ Y .
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 121

Por último temos que verificar que X não tem elemento má-
ximo, mas nem A nem C tem elementos máximos, assim dado
a + c em X sabemos que a ∈ A e c ∈ C, pegando um elemento
de A maior que a, digamos a′ , a′ + c é maior que a + c, logo X
não pode ter elemento máximo.

Vamos agora definir o oposto de um número real para a


adição. Esse é um outro número que somado com esse real dá
o neutro da adição que é o 0. Temos a existência de opostos
em todos os conjuntos Z, Q, e R. Somente nos naturais essa
propriedade não vale. Vamos representar como −X o conjunto
de todos os opostos de elementos de X, ou seja o conjunto dos
−x onde x ∈ X.
Definição 21. Dado o corte (A, B) definimos seu oposto −(A, B)
como sendo o corte (−B, −A)
Fica como exercício mostrar que esse conjunto é um corte.
Perceba que se somarmos (A, B) com (−B, −A) obtemos o corte
(P, Q) onde P = {x | x ∈ Q ∧ x < 0} e Q = {x | x ∈ Q ∧ x ≥ 0},
ou seja o elemento neutro da adição de reais.

Vamos enunciar então sem demonstração as propriedades da


adição de reais.

Comutativa- x + y = y + x para todos reais x e y.


Associativa- (x + y) + z = x + (y + z) para todos reais x, y e
z.
Elemento neutro x + 0 = 0 + x = x para todo real x.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 122

Existência de inverso x + (−x) = (−x) + x = 0 para todo


real x.
Temos agora que definir a multiplicação. Para facilitar temos
as seguintes definições.
Definição 22. Um corte (A, B) é dito positivo se 0 ∈ A e
dizemos que o corte é negativo se ∃x < 0, x ∈ B.
No caso de um corte não ser negativo nem positivo ele é o
corte que representa 0. Dizemos que um corte é não negativo
se ele é positivo ou 0.
Definição 23 (Multiplicação não negativa). Dados os cortes
(A, B) e (C, D) não negativos definimos o produto (A, B)·(C, D)
como sendo o corte (X, Y ) tal que X é o conjunto de todos os
produtos a · c onde a ∈ A, c ∈ C e pelo menos um dos números
a ou c é não negativo, e Y é o conjunto de todos os produtos
b · d onde b ∈ B e d ∈ D.
Note este exemplo para entender porque a definição de X é
mais complicada. Sejam (A, B) e (C, D) dois cortes que repre-
sentam 1. Temos que −2 ∈ A, −2 ∈ C mas não queremos que
(−2) · (−2) pertença a X.
Definição 24 (Multiplicação geral). Se (A, B) é negativo e
(C, D) é positivo então (A, B) · (C, D) = −(−(A, B) · (C, D)).
Se (A, B) é positivo e (C, D) é negativo então (A, B) · (C, D) =
−((A, B) · −(C, D)). Se (A, B) é negativo e (C, D) é negativo
então (A, B) · (C, D) = (−(A, B) · −(C, D)). Se (A, B) é o corte
0 e então (A, B) · (C, D) = (A, B) e se (C, D) é o corte 0 então
(A, B) · (C, D) = (C, D).
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 123

Depois dessa definição complicada vamos enunciar sem prova


as propriedades da multiplicação.

Comutativa- x · y = y · x para todos reais x e y.


Associativa- (x · y) · z = x + (y + z) para todos reais x, y e z.
Elemento neutro- x · 1 = 1 · x = x para todo real x.
Existência de inverso multiplicativo- Para todo real dife-
rente de zero x, existe x1 onde x · x1 = 1.
Elemento absorvente- x · 0 = 0 · x = 0 para todo real x.
Distributividade em relação à adição- x · (y + z) = x · y +
x · z para todos reais x, y e z.

Em termos de álgebra dizemos que R é um corpo. Mais não


é só isso, R é um corpo ordenado, arquimediano e completo. Os
números reais são, a menos de “isomorfismo”, a única estrutura
de corpo ordenado arquimediano completo. Resta então definir
a ordem.
Definição 25. Dizemos que o real x é menor que o real y, e
representamos x < y, quando y − x é positivo.
Temos as seguintes propriedades da ordem.

Tricotomia- Dados dois reais a e b então ou a < b ou b < a ou


a = b.
Transitividade- Se a < b e b < c então a < c para todos reais
a, b e c.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 124

Monotonicidade para a adição- Se a < b então a+c < b+c


para todos reais a, b e c.
Monotonicidade para multiplicação- Se a < b e c > 0 en-
tão a · c < b · c e se a < b e c < 0 então a · c > b · c para
todos reais a, b e c.
Propriedade arquimediana- Para todos a e b, com a > 0
existe um número inteiro positivo n tal que n · a > b.
Densidade dos racionais- Para todos a e b existe um número
racional p tal que a < p < b.

Para enunciar a última e mais importante propriedade de


completude precisamos das seguintes definições.
Definição 26. Um número real x é chamado de cota superior
de um conjunto de reais S se x ≥ s para todo s ∈ S.
Definição 27. Um número real x é chamado de supremo de
um conjunto de reais S se x é uma cota superior de S e x ≤ y
para todo cota superior de S.
Ou seja, x é o supremo de um conjunto quando é a menor
cota superior desse conjunto. Podemos então enunciar.

Completude da ordem- Todo subconjunto S de R que pos-


sui uma cota superior possui um supremo que é um ele-
mento de R.

Para provar isso suponha que S é um subconjunto de reais


que possui cota superior, ou seja S é limitado superiormente.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 125

Definamos o seguinte corte (A, B): tome um elemento s ∈ S


então A é o conjunto de todos os racionais x tais que x < s e B
é o conjunto de todos os racionais da forma x + y onde z < x
para todo z ∈ S e y > 0. É um tedioso exercício mostrar que
esse conjunto é um corte e que é o supremo de S.

Essa propriedade de completude R é exclusiva dos reais.


A ordem do conjunto dos racionais não possui essa proprie-
dade. Podemos mostrar por exemplo que em Q o conjunto
{x | x ∈ Q ∧ x2√< 2} não possui supremo pois o supremo desse
conjunto seria 2 que já mostramos que não é um número ra-
cional.

Vamos agora mostrar que dado um real positivo x e um na-


tural n existe um único número real y que multiplicado por ele
mesmo n vezes
√ dá x. Ou seja y é uma raiz n-ésima de x, escre-
vemos y = n x ou y n = x. Vamos admitir que o leitor conhece
a expansão de uma potência no binômio de Newton

Primeiro note a unicidade, pois se y1 e y2 são diferentes,


digamos y1 < y2 , então y1n < y2n . Considere agora o conjunto E
dos reais positivos t tais que tn < x. Tomando t = 1+x x
temos
que 0 < t < 1, logo tn ≤ t < x e assim E não é vazio. Seja
t0 = 1 + x, então t > t0 implica tn ≥ t > x, então t ∈ / E e
portanto t0 é uma cota superior de E. Seja y o supremo de E,
ele existe em virtude da completude dos reais. Suponha então
x−y n
que y n < x, escolha um h entre 0 e 1 tal que h < (1+y)n −y n , pela

expansão do binômio de Newton, e lembrando que h é menor


CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 126

que 1, vamos ter:

     
n n−1 n −2 2 n n
(y + h)n = y n + y h+ y h + ... + h
1 2 n
     
n n−1 n −2 n
≤ y n + h[ y + y + ... + ]=
1 2 n

y n + h[(1 + y)n − y n ] < y n + (x − y n ) = x

Assim y + h ∈ E contrariando o fato de y ser cota superior


de E. Suponha então que yn n > x. Escolhamos k, 0 < k < 1 tal
y −x
que k < y e ainda k < (1+y)n −y n . Então para t ≥ y − k temos

   
n n n n−1
n n n−2 2
t ≥ (y − k) = y − y k+ y k =
1 2

     
n n−1 n n−2 n n−1
y n − k[ y − y k + . . . − (−1)n k ]≥
1 2 n
     
n n n−1 n −2 n
y − k[ y + y + ... + ]=
1 2 n

y n − k[(1 + y)n − y n ] > y n − (y n − x) = x


CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 127

Assim y − k é uma cota superior de E contradizendo o fato


de que y é o supremo de E. Como provamos que y n não pode
ser menor nem maior que x, então y n = x.

Estamos analisando até agora conjuntos de inteiros, racionais


e reais mas não prestamos atenção ainda a um detalhe: qual
a cardinalidade desses conjuntos? A princípio pode-se pensar
que o cardinal dos inteiros é maior que o dos naturais pois eles
incluem também os negativos. Mas isso é falso. O cardinal dos
inteiros é igual a dos naturais, ou seja, é ℵ0 , para isso considere
a seguinte bijeção entre N e Z.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 128

Agora pense nos números racionais. Eles possuem uma or-


dem densa em que entre dois racionais existem infinitos outros
racionais. Assim parece que o cardinal dos racionais é maior que
ℵ0 . Mas isso também não é verdade. Por incrível que pareça os
racionais também são enumeráveis, como se pode ver contando
os racionais de acordo com o seguinte desenho.

Mas agora pensemos no cardinal dos reais. Será que ele


também é enumerável? A resposta é NÃO. Por incrível que
pareça o cardinal dos reais é estritamente maior que o dos na-
turais, isso significa que existem mais reais do que naturais.
Para mostrar isso observe que o cardinal dos reais é pelo menos
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 129

|P(Q)| = 2ℵ0 > ℵ0 , já que os cortes são subconjuntos de Q.


Pode-se mostrar que o cardinal dos reais é exatamente 2ℵ0 que
é representado às vezes como c, o cardinal do contínuo.

Exercícios
1. Prove que de fato a adição de cortes que definimos é co-
mutativa e associativa.
2. Use a propriedade distributiva da multiplicação em relação
à adição e subtração para determinar os seguintes “produ-
tos notáveis”:

(a + b)2
(a − b)2
(a + b) · (a − b)

3. Mostre que a soma de um irracional com um racional é


irracional (Dica: use o fato de que a soma de dois racionais
é racional)
4. Existem dois números irracionais cuja soma é racional?

5. Efetue as operações de frações abaixo.

1 2 2 1 7 2
2 + 3 3 − 2 5 · 3
1 2 2 1 7 2
2 : 3 3 · 2 5 − 3
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 130

4.4 Números complexos


Já vimos que raízes de índice par de reais negativos não exis-
tem. Como o leitor deve saber porém existe uma extensão dos
números reais em que essas raízes existem, trata-se dos núme-
ros complexos. Eles surgem do estudo de equações algébricas
polinomiais. Pode-se mostrar que nos números complexos todo
polinômio com coeficientes complexos possui pelo menos uma
raiz. Esse é o conteúdo do famoso teorema fundamental da ál-
gebra. Antes de definir formalmente os complexos vamos nos
lembrar como eles surgem.

Sabemos que a raiz quadrada de um número negativo


√ não
é um número real. Assim não existe por exemplo −1 nos re-
ais. Porém vamos “fingir” que essa raiz existe
√ e chamá-la de um
número imaginário, assim vamos denotar −1 de i e chamá-la
unidade imaginária.

Podemos notar que qualquer raiz quadrada de número ne-


gativo
√ pode ser obtida
√ sepnós temos i.pConsidere
√ por exemplo
−4, temos que −4 = (−1) · 4 = (−1) · 4 = i · 2 = 2i.
Não precisamos adicionar outros números “imaginários” além de
i, podemos mostrar que só com ele todas as raízes de números
negativos existem, inclusive raízes quartas, sextas e assim por
diante. Temos que os números múltiplos de i são chamados ima-
ginários puros, daí a soma de um imaginário puro com um real
dá o que chamamos um número complexo (essa denominação
é infeliz, já que os complexos não são mais complexos de fato
que os reais) temos então que um número complexo é um nú-
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 131

mero da forma a + bi onde a e b são reais.

A soma de números complexos é bem simples. dados a + bi e


c + di então (a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i. A multiplica-
ção é mais interessante. Para efetuar (a + bi) · (c + di) usamos a
distributividade da multiplicação e o fato de que i2 = −1, obte-
mos (a+bi)·(c+di) = ac+adi+bci+bdi2 = (ac−bd)+(ad+bc)i.

Já vimos que para os objetos matemáticos não importa a


natureza com que sejam definidos mas sim as propriedades que
eles satisfazem. Assim vamos dar uma definição de números
complexos.
Definição 28. Definimos o conjunto C dos números complexos
como sendo o conjunto de pares de reais tal que a soma de (a, b)
e (c, d) é (a, b)+(c, d) = (a+c, b+d) e o produto é (a, b)·(c, d) =
(ac − bd, ad + bc).

Assim o que importa para os números complexos é como


as operações são calculadas. Os números complexos da forma
(a, 0) para a real são uma “cópia” dos números reais, assim R está
incluído em C. Todo complexo (a, b) se particiona em (a, 0) +
(0, b) · (0, 1), chamamos por um abuso de notação (a, 0) de a,
(0, b) de b e (0, 1) de i, assim todo complexo é da forma a + bi
para a e b reais.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 132

Os complexos assim como os reais e racionais formam um


corpo, um problema porém surge se tentarmos fazer dos com-
plexos um corpo ordenado. Não é possível definir em C uma
ordem compatível com as operações de adição e multiplicação,
isso porque uma das propriedades da ordem é que se a < b então
b − a > 0, assim se por exemplo 2i < 3i então 3i − 2i = i > 0
então i > 0 daí i é positivo logo seu quadrado deve ser positivo,
mas i2 = −1 que certamente não é positivo. Assim as proprie-
dades da adição e multiplicação de complexos são as seguintes:
Associatividade da adição- a + (b + c) = (a + b) + c
Comutatividade da adição- a + b = b + a
Existência de elemento neutro da adição- a + 0 = a
Existência de simétricos para a adição- a + (−a) = 0
Associatividade da multiplicação- a · (b · c) = (a · b) · c
Comutatividade da multiplicação- a · b = b · a
Existência de elemento neutro da multiplicação- a · 1 =
1·a=a
Distributividade da multiplicação em relação à adição-
a · (b + c) = (a · b) + (a · c)
Existência de elemento inverso na multiplicação- a·a−1 =
a−1 · a = 1
A demonstração de que os complexos formam um corpo al-
gebricamente fechado fica para um curso de álgebra.
CAPÍTULO 4. OUTRAS ESPÉCIES DE NÚMERO 133

Exercícios
1. Mostre que os números complexos podem ser representa-
dos em vez de por uma reta numérica mas sim a um plano
da geometria analítica em que dado a + bi ele é levado no
ponto do plano de coordenadas (a, b).
2. Ponha os números complexos abaixo na forma a + bi.

1−i
(1 + i)2 1+i
(2 + 3i) · (2 − 2i) (−i)3
Capítulo 5

Números ordinais

Neste capítulo veremos uma espécie de número bem diferente


dos anteriores que são os números ordinais. Eles são funda-
mentais num estudo mais aprofundado da teoria de conjuntos.
Os números ordinais em vez de medirem quantidades, saldos,
ou comprimentos medem a maneira que certos conjuntos estão
ordenados. Vamos começar então vendo o conceito de relações
de ordem.

5.1 Relações de ordem


Já vimos num capítulo anterior um importante conceito que são
as relações de equivalência, Agora vamos ver mais um tipo de
relação extremamente importante que são as relações de ordem.

134
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 135

Definição 29. Dizemos que uma relação R é uma ordem parcial


quando ela possuir as seguintes propriedades:
Reflexividade xRx para todo x.

Anti-simetria Se xRy e yRx então x = y para todos x e y.


Transitividade Se xRy e yRz então xRz para todos x, y e z.
Ao invés de usar letras representamos uma ordem parcial ge-
nérica como ≤. Um exemplo de ordem parcial é se tomarmos
o conjunto das partes de um conjunto A e considerarmos como
ordem a relação de inclusão ⊂. De fato x ⊂ x para todo x, se
x ⊂ y e y ⊂ x então x = y, e se x ⊂ y e y ⊂ z então x ⊂ z, para
todos x, y e z.

Dizemos que uma ordem parcial é total quando ela satisfaz


a seguinte propriedade adicional.

Dados x e y no domínio de ≤ então x ≤ y ou y ≤ x.

A inclusão é um exemplo de ordem parcial que não é total,


pois dados dois subconjuntos x e y de um conjunto nem sem-
pre um está contido no outro, pode acontecer deles serem não
comparáveis, ou seja, nem x ⊂ y nem y ⊂ x. Um exemplo de
ordem total é a relação de ordem dos números cardinais. Outros
exemplos são as relações de ordem de inteiros, racionais e reais.

Temos que numa relação de ordem alguns elementos do do-


mínio podem ter propriedades especiais, vamos classificá-las.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 136

Definição 30. Um elemento m do domínio de uma ordem par-


cial se diz máximo quando x ≤ m para todo x no domínio.
Definição 31. Um elemento m do domínio de uma ordem par-
cial se diz maximal quando não existe x do domínio tal que
m ≤ x.
Definição 32. Um elemento m do domínio de uma ordem par-
cial se diz mínimo quando m ≤ x para todo x no domínio.
Definição 33. Um elemento m do domínio de uma ordem par-
cial se diz minimal quando não existe x do domínio tal que
x ≤ m.
Numa ordem total elementos máximo e maximal coincidem,
assim como mínimo e minimal. Temos então a seguinte definição
fundamental para estudarmos números ordinais.

Definição 34. Uma relação de ordem parcial se diz uma boa or-
dem quando para todo subconjunto não vazio do domínio possui
elemento mínimo.
Prove como exercício que toda boa ordem é automaticamente
total.

Temos que discutir agora a similaridade de relações.


Definição 35. Duas relações R e S se dizem similares quando
existe uma bijeção f entre seus campos tal que xRy se e somente
se f (x)Sf (y).
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 137

Duas relações similares são a “mesma” exceto pelos nomes


dos termos que nelas figuram. Como exemplo considere a rela-
ção {(1, 3), (1, 5), (3, 5)} e a relação {(a, b), (a, c), (b, c)}, temos
que se levarmos 1 em a, 3 em b e 5 em c isso define uma simila-
ridade dessas relações.
Proposição 6. A similaridade de relações é uma relação de
equivalência.
Demonstração. Toda relação R é similar a si mesma, basta con-
siderar a função identidade. Se R é similar a S por uma bijeção
f entre seus campos, considerando f −1 concluímos que S é si-
milar a R. Levando em conta que a composição de bijeções é
uma bijeção podemos mostrar facilmente que a similaridade é
transitiva.
Vamos aqui usar novamente a definição por abstração.
Definição 36. O número-relação de uma relação R é o con-
junto de todas as relações similares a R.
Os números-relação identificam o “tipo” das relações. Uma
outra nomenclatura para os números-relação é “tipos de isomor-
fismo”. Entre os tipos de isomorfismo alguns serão de maior
interesse para nós.
Definição 37. O número-relação de uma boa ordem se diz um
número ordinal.
Como exemplo considere as relações {(1, 3), (1, 5), (3, 5)} e
{(a, b), (a, c), (b, c)} elas são boas ordens, portanto seu número-
relação é um ordinal, chamamos esse ordinal de 3, é o número
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 138

ordinal da única boa ordem possível num conjunto de três ele-


mentos. Perceba que não é a mesma coisa que o número cardinal
3, de fato os dois tem uma definição bem diferente. Mas acon-
tece que a cada cardinal finito n existe um ordinal que também
chamaremos de n que representa a única boa ordem possível
num conjunto com n elementos.

Agora considere o próprio conjunto dos números naturais.


Ele possui uma ordem que é uma boa ordem, a ordem natural
dos números. Assim ele possui um número ordinal que é cha-
mado de ω, o primeiro ordinal infinito.

Mas o que acontece se mudarmos um pouco essa ordem ti-


rando o zero do início e colocando no fim, como abaixo.

1 < 2 < 3 < ... < 0

Temos uma boa ordem assim ele também possui um ordinal,


porém essa ordem não é similar a ordem dos naturais pois tem
elemento máximo, assim trata-se de um novo ordinal, chamamos
esse ordinal de ω + 1. Podemos colocar dois elementos no fim
da ordem dos naturais obtendo assim ω + 2 e assim por diante.
Por isso vamos inciar um novo assunto que são operações com
ordinais.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 139

5.2 Operações com ordinais


A primeira operação é a adição.
Definição 38. Sejam A e B dois conjuntos bem ordenados, a
soma dos ordinais de A e B é a ordem em A unido com B em
que a ordem em A e B é respeitada e todo elemento de A é
menor que todo elemento de B.
Assim a soma é apenas a “junção” de duas ordens. Essa soma
ordinal possui propriedades interessantes diferentes da operação
de soma de cardinais. Primeiro observe que soma ordinal não é
comutativa.

Por exemplo ω + 1 é o ordinal da ordem 1 < 2 < 3 < . . . < 0


que é diferente de ω, entretanto 1 + ω é o ordinal da seguinte
ordem.
⋆ < 0 < 1 < 2 < 3 < 4 < ...
Onde ⋆ é um objeto qualquer. Note que essa ordem é similar
a ordem dos naturais, portanto seu número ordinal é ω, assim
1 + ω = ω enquanto ω + 1 ̸= ω, assim a soma ordinal não é
comutativa.

De modo geral n + ω = ω para todo ordinal finito n, en-


quanto que ω + n é um ordinal diferente.

Uma coisa que pode-se provar porém é que a soma ordinal


possui a propriedade associativa.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 140

Vamos então agora tentar somar ω com ω, para isso ajun-


tamos duas ordens de conjuntos de cardinalidade igual a de N,
como por exemplo os conjuntos dos pares e dos ímpares. Obte-
mos a seguinte ordem:

0 < 2 < 4 < 6 < ...1 < 3 < 5 < 7...

Esse ordinal é chamado de ω + ω e é diferente de ω + n para


todo n, esse ordinal é “maior” que ω + n para todo n, isso nos
leva à definição de ordem dos ordinais. Mas para isso precisamos
definir um conceito antes.

Definição 39. Um segmento inicial de um conjunto bem orde-


nado S é um subconjunto S0 de S com a propriedade de que se
x ∈ S0 e y ≤ x então y ∈ S0 .
O conjunto {x | x ≤ a} com a ∈ S é chamado o segmento
inicial determinado por a para a boa ordem de S.

Definição 40. Dados os ordinais α e β dizemos que α ≤ β


quando para todos R ∈ A e S ∈ B, temos que R é similar a
um segmento inicial de S. Dizemos α < β quando α ≤ β mas
α ̸= β.

Essa definição não depende dos representantes particulares


escolhidos para os números ordinais (prove), e portanto é uma
ordem entre os ordinais.
Proposição 7. A relação ≤ no conjunto de todos os ordinais é
uma boa ordem.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 141

Demonstração. É fácil mostrar que é uma relação reflexiva, anti-


simétrica e transitiva. Seja A um conjunto não vazio de números
ordinais, considere uma boa ordem R de domínio W em A. Con-
sidere o conjunto X dos elementos a ∈ W tais que o segmento
inicial determinado por a pertence a um ordinal em A. Se X é
vazio então todo ordinal menor que o ordinal de R não está em
A, logo R é o menor elemento de A. Se X não é vazio ele possui
um menor elemento b, e o ordinal a qual pertence o segmento
inicial determinado por b é o menor elemento de A.
Assim o conjunto de todos os ordinais é bem ordenado e pos-
sui um ordinal que chamamos de Ω. Podemos mostrar que todo
segmento de ordinais pela ordem dos ordinais possui um número
ordinal maior que qualquer ordinal nesse segmento. Agora o
conjunto de todos os ordinais e bem ordenado e possui um nú-
mero ordinal Ω, além, do mais ele é um segmento de ordinais,
assim Ω < Ω, um paradoxo!

Esse paradoxo é conhecido como paradoxo de Burali-Forti.


Ele só acontece na teoria de conjuntos “ingênua” que estamos
adotando. Nas teorias axiomáticas como ZFC e NF ele é re-
solvido. Em ZFC ele é resolvido proibindo-se criar o conjunto
de todos os ordinais, pois pelos axiomas de ZFC esse conjunto
não existe. Em NF e similares esse conjunto existe, mas o que
acontece é que para ordinais muito grandes o segmento de or-
dinais possui um ordinal que não é maior que os ordinais desse
segmento.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 142

Vejamos agora outra operação entre ordinais que é a multi-


plicação.
Definição 41. Dados α e β ordinais com representantes R e S,
α · β é definido como o ordinal do conjunto Dom(R) × Dom(S)
ordenado pela ordem anti-lexicográfica.
Aqui Dom(R) representa o domínio de R. A ordem anti-
lexicográfica é uma ordem induzida no produto cartesiano con-
trária à ordem lexicográfica ou alfabética. Compare as segundas
coordenadas por S, se der igual compare as primeiras coordena-
das por R. É uma boa ordem num conjunto de pares ordenados
(respeitando as ordens que já existem nos fatores).

Podemos mostrar que ω + ω = ω · 2 enquanto que 2 · ω = ω,


assim a multiplicação ordinal não é comutativa, é porém asso-
ciativa.

Temos então a seguinte “hierarquia” de números ordinais:


0 < 1 < 2 < ... < ω < ω + 1 < ω + 2 < ... < ω + ω <
ω + ω + 1 < . . .. Temos que ω + ω = ω · 2, podemos prosseguir
tomando ω ·2+1, ω ·2+2, . . . , ω ·2+ω = ω ·3, prosseguindo mais
ainda podemos obter ω · ω. Ainda mais podemos ter ω · ω · ω
que é na verdade ω 3 . Assim podemos definir a exponenciação
ordinal.

A definição é que αn é o produto de n fatores α, assim para


ordinais finitos o conceito está claramente definido. Para expo-
entes infinitos tomamos o “limite"quando o expoente se apro-
xima do infinito, ou seja o menor ordinal maior que todos os
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 143

ordinais da sequência αn .

Temos então a seguinte hierarquia de ordinais representada


em espiral.

ω ...
Podemos prosseguir ainda mais e obter ω ω , ou seja, infi-
nito elevado a infinito infinitas vezes, esse ordinal é chamado de
ϵ0 e possui a propriedade de que ϵ0 = ω ϵ0 .

Mas perceba que todos esses ordinais representam ordens em


conjuntos enumeráveis (podemos mostrar facilmente que exis-
tem bijeções entre seus domínios e N). O que seria um número
ordinal de um conjunto com cardinalidade dos reais por exem-
plo? Para isso temos que responder primeiro se esses conjuntos
podem ser bem ordenados.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 144

Pois bem, como já dissemos antes quando falamos da compa-


rabilidade de cardinais, existe um axioma da teoria de conjuntos
que é o axioma da escolha, ele equivale logicamente a que todo
conjunto possa ser bem ordenado, inclusive os conjuntos de car-
dinalidade maior ou igual que a dos reais.

Agora é então a hora adequada de discutirmos esse axioma.


O axioma da escolha é uma afirmação sobre podermos fazer
escolhas de elementos em determinados conjuntos que surpreen-
dentemente é equivalente logicamente a muitos princípios ma-
temáticos importantes. O axioma já era usado de forma não
percebida em alguns raciocínios matemáticos antes de ser ex-
presso pela primeira vez por Zermelo, quando este criou a teoria
de conjuntos ZFC. O axioma da escolha afirma o seguinte: Su-
ponha que temos uma família infinita de conjuntos não vazios
e dois a dois disjuntos, então é possível escolher um elemento
de cada um desses conjunto e juntá-los para formar um novo
conjunto. Parece uma afirmação razoável não é? Embora não
possa ser provado nem desprovado pelos axiomas das principais
teorias de conjuntos parece um princípio auto-evidente, como
todo axioma deve ser.

Perceba que se a família de conjuntos for finita o axioma não


é necessário pois podemos provar por indução que o processo de
escolha termina, também se os conjuntos tiverem alguma estru-
tura adicional às vezes se dispensa esse axioma, por exemplo se
cada conjunto é um conjunto limitado superiormente de núme-
ros reais podemos escolher sempre o supremo desses conjuntos.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 145

O seguinte exemplo intuitivo, inventado por Bertrand Rus-


sell, ajuda a ilustrar esse ponto: ‘Imagine que temos uma famí-
lia de infinitos pares de sapatos e nos propomos a escolher um
de cada par, nesse caso resolvemos o problema escolhendo por
exemplo sempre os pés direitos, já se os pares são formados por
meias idênticas, sem nenhuma diferença imaginável, precisamos
do axioma da escolha’.

Assim o axioma da escolha é um princípio que diz que existe


determinado conjunto sem dar uma definição explícita de que
conjunto seria esse, trata-se assim de uma afirmação não cons-
trutiva, inaceitável para escolas de matemática “construtivistas”.
Só que a polêmica do axioma da escolha não reside só nisso. Se
esse axioma for adotado resultados estranhos e contra-intuitivos
podem ser obtidos.

Por exemplo, se o axioma da escolha for válido então é possí-


vel encontrar conjuntos do espaço euclideano sem medida (uma
medida é uma certa função que associa a cada subconjunto de
um certo espaço uma magnitude real, isso se estuda em teoria
da medida). Até aí nada de mais. O problema é que isso pode
ser usado para mostrar que dada uma esfera no espaço tridimen-
sional é possível parti-la num número finito de pedaços e aplicar
rotações e translações a esses pedaços e obter duas esferas de
mesmo volume que a original! Esse é o conteúdo do “paradoxo”
de Banach Tarski, que foi criado com o objetivo de ser um argu-
mento contra o axioma da escolha. No fim não é um paradoxo
lógico propriamente dito mas é um resultado contra-intuitivo e
indesejado.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 146

Muitos resultados em matemática são dramaticamente equi-


valentes ao axioma da escolha, isso faz com que eles não possam
ser obtidos se o axioma da escolha não for admitido na teo-
ria. Um desses resultados é o teorema de Zermelo de que todo
conjunto pode ser bem ordenado (veremos isso melhor adiante),
mas também inclui: existência de bases em espaços vetoriais,
comparabilidade de cardinais, teorema de Tychonoff em topolo-
gia, existência de fecho algébrico para todo corpo, lema de Zorn,
existência de ultrafiltros livres, e assim por diante.

Assim adotar a negação do axioma da escolha numa teoria


permite evitar resultados indesejados e a não construtibilidade
desse axioma, mas mutila grande parte da matemática (para
piorar a negação do axioma da escolha também leva a resulta-
dos contra-intuitivos, como poder-se dividir um quadrado em
mais partes do que pontos, assim a matemática sem a escolha
também sofre de resultados indesejados). Assim grande parte
dos matemáticos aceita o axima da escolha, mas fazem a res-
salva de lembrar quando um resultado particular precisou do
axioma da escolha para ser provado, assim o axioma da esco-
lha é visto mais como uma hipótese de trabalho do que como
um resultado verdadeiro. Isso porque o axioma da escolha é
independente dos axiomas das principais teorias de conjuntos,
assim ele pode ser adotado como axioma ou não (isso está de
acordo com o teorema da incompletude de Gödel que diz que
tais afirmações devem aparecer em qualquer teoria que suporte
a arimética, como a teoria de conjuntos o faz).
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 147

A maneira de mostrar isso é criar um modelo da teoria em


que vale o axioma da escolha e um outro modelo em que ele não
vale, assim isso estabelece que os axiomas da teoria não podem
provar o axioma da escolha. Gödel construiu um modelo de
ZF em que o axioma da escolha é válido em 1938, e finalmente
Cohen, com a técnica de forcing, mostrou em 1963 um modelo
em que o axioma da escolha é falso, o que fez com que ele rece-
besse sua merecida medalha Fields.

Mas aqui o que nos interessa é o teorema da boa ordem que


diz que todo conjunto pode ser bem ordenado. Esse princípio é
equivalente ao axioma da escolha. Um lado da equivalência é fá-
cil mostrar, se todo conjunto puder ser bem ordenado então vale
o axioma da escolha. De fato, dada uma família de conjuntos
dois a dois disjuntos não vazios se cada conjunto puder ser bem
ordenando basta escolher o mínimo de cada conjunto, assim te-
mos um procedimento de realizar a escolha, mesmo quando a
família de conjuntos for infinita.

A implicação recíproca é um tanto complicada pois envolve


algo que não estudamos aqui que é a indução transfinita, assim
vamos pedir ao leitor que aceite esse resultado sem demonstra-
ção (como referência onde encontrar a prova citamos [1]). O que
importa é que, voltando a discussão que inciamos antes de fa-
lar de escolha, é que um conjunto de cardinalidade do contínuo
pode ser bem ordenado. Assim podemos pensar no conjunto
não enumerável de todas as sequências de números naturais, o
menor ordinal possível nesse conjunto é chamado de ω1 e é maior
que todos os ordinais de conjuntos enumeráveis.
CAPÍTULO 5. NÚMEROS ORDINAIS 148

Esse é justamente o ordinal de todos os tipos de ordem de


conjuntos enumeráveis, já que os ordinais são bem ordenados.
Assim o número ordinal da ordem dos ordinais de conjuntos enu-
meráveis é ω1 . Esse é o ordinal da nossa “espiral” de ordinais.
Se a hipótese do contínuo for verdadeira (ou seja , a afirmação
de que não existem cardinais intermediários entre ℵ0 e c) então
a cardinalidade de qualquer conjunto ordenado com ordinal ω1
é c, ou seja a cardinalidade dos números reais, isso mostra que
podemos bem ordenar os reais numa ordem de tipo ω1 .

Podemos então tomar ω1 e prosseguir obtendo ω1 +1, ω1 +2,


. . . , ω1 + ω, ω1 + ω + 1, . . . , ω1 + ω · 2, . . . , ω1 + ω 2 , . . . , ω1 + ω ω ,
. . . , ω1 + ϵ0 , . . . , ω1 + ω1 = ω1 · 2, ω1 · 2 + 1, . . .

Todos esse ordinais são em conjuntos de cardinalidade c, to-


mando o menor ordinal maior que todos esse ordinais obtemos
ω2 , que é um ordinal absurdamente grande, e podemos prosse-
guir ainda mais. Na teoria ZFC não existe o maior ordinal, já
nas teorias NF e NFU existe o maior ordinal de todos, que é
chamado de Ω. Esse ordinal é o tipo de ordem de conjuntos de
cardinalidade absurdamente grande, como o conjunto de todas
as coisas, ou conjunto universal, que existe em NF e NFU mas
não em ZFC.

Exercícios
1. Mostre que (ω + 1) · 2 ̸= ω · 2 + 1 · 2.
2. Mostre que (ω · 2)2 ̸= ω 2 · 22 .
Capítulo 6

Números surreais

Chegamos agora na parte mais interessante do nosso livro que é


quando usaremos a generalização dos cortes de Dedekind para
definir um conjunto numérico muito especial. Ele vai incluir
numa só tacada todos os números que estudamos nos capítulos
anteriores e mais ainda novos números muito diferentes como
infinitos e infinitesimais.

6.1 Definição de número


Vamos generalizar o corte de Dedekind. Temos as seguintes
definições.

Definição 42. Dados L e R conjuntos de números então o par


{L | R} de conjuntos de números é um número quando nenhum

149
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 150

elemento de L é maior ou igual que um de R. Todos os números


são construídos dessa maneira.
Representamos como xL o elemento tipico de L, e como xR
o elemento típico de R. O número x é escrito como {xL | xR }.
Também escrevemos x = {a, b, c, . . . | d, e, f, . . .} para indicar
que x = {L | R} e a, b, c, . . . são os elementos típicos de L e d,
e, f , . . . são os elementos típicos de R.
Definição 43. Dizemos que um número x é maior ou igual que
y e escrevemos x ≥ y quando não ocorre y ≥ xR nem y L ≥ x.
Escrevemos x ≤ y quando y ≥ x. Também escrevemos x ≱ y
quando não ocorre x ≥ y e x ≰ y quando não ocorre x ≤ y.
A igualdade que vamos usar entre números não vai ser a
igualdade estrita, mas sim uma relação de equivalência.
Definição 44. Dizemos que x = y quando x ≥ y e y ≥ x.
Escrevemos x > y quando x ≥ y e y ≱ x. Escrevemos x < y
quando y > x.
A ideia dessa definição é que xL < x < xR para todo número
x. Vamos passar agora direto para a definição das operações de
adição, negação e multiplicação.

Definição 45. x + y = {xL + y, x + y L | xR + y, x + y R }.


−x = {−xR | −xL }
xy = {xL y + xy L − xL y L , xR y + xy R − xR y R |
xL y + xy R − xL y R , xR y + xy L − xR y L }
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 151

Todas essas definições são recursivas, no sentido de que preci-


samos dos elementos definidos anteriormente para implementá-
las. Mas o leitor deve estar se perguntando, como podemos
começar essa definição se não temos ainda nenhum número? A
resposta é que nós temos um conjunto de números. Trata-se do
conjunto vazio. De fato para ∅ não ser um conjunto de núme-
ros deveria existir um elemento dele que não é número o que é
impossível.

Assim colocamos L = R = ∅ e obtemos o número que vamos


representar como {|}. Esse número será chamado de 0. Mas te-
mos que verificar se de fato 0 é um número. E é, pois nenhuma
desigualdade da forma 0L ≥ 0R pode ocorrer pois o vazio não
tem elementos!

Será que 0 ≥ 0? Sim, pois não podemos ter nenhuma de-


sigualdade da forma 0R ≤ 0 ou 0 ≤ 0L . Então pela definição
temos que 0 = 0. Também podemos ver pelas definições que
−0 = 0 + 0 = 0 pois não temos nenhum número das formas
−0R , −0L , 0L + 0, 0 + 0L , 0R + 0 ou 0 + 0R . Podemos observar
também que x0 = 0 para todo x, pois em cada um dos termos
de xy há uma menção a y L ou a y R , assim quando y = 0 a
expressão para xy se reduz a {|} = 0.

Agora que já temos um número temos à nossa disposição


dois conjuntos de números, a saber ∅ e {0}. Podemos usar eles
no lugar de L e R e obtemos: {|}, {0 |}, {| 0}, e {0 | 0}, mas
como já vimos que 0 ≥ 0 então {0 | 0} não é um número, assim
ganhamos apenas mais dois novos números que vamos chamar
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 152

1 = {0 |} e −1 = {| 0}. Note que −1 é um caso da definição de


negação.

Será que 0 ≥ 1? Para isso acontecer deve não deve existir 0R


com 0R ≤ 1 (não há) ou 1L com 0 ≤ 1L (que há, pois 1L = 0).
Assim não temos que 0 ≥ 1. Será então que 1 ≥ 0? Isso acontece
exceto se existir 1R tal que ‘´. . . ” ou 0L tal que “. . . ", o que não
acontece não importa o que “. . . ” seja. Assim temos que 1 ≥ 0
e 1 > 0. Por simetria temos que −1 < 0, também podemos
checar que temos −1 < 1. Será então que −1 ≥ 1 isso acontece
exceto se existe (−1)R ≤ 1, o que existe pois (−1)R = 0, assim
não temos −1 ≥ 1. Agora será que 1 ≥ −1 isso acontece exceto
se houver 1R com . . . ou (−1)L com . . . , mas não há. Assim
1 ≥ −1 e 1 > −1 como poderíamos esperar. Deixamos para o
leitor a tarefa de mostrar que 1 ≥ 1.

Agora que temos três números, −1, 0, e 1 temos os seguintes


conjuntos de números para usar no lugar de L e R:

{}, {−1}, {0}, {1}, {−1, 0}, {−1, 1}, {0, 1}, {−1, 0, 1}

Entretanto a restrição de que nenhum elemento de L seja


maior ou igual que um de R nos limita às seguintes possibilida-
des:

{| R}, {L |}, {−1 | 0}, {−1 | 0, 1}, {−1 | 1}, {0 | 1},


{−1, 0 | 1}

Vamos ter que {1 |} > 1 e 0 < {0 | 1} < 1, assim vamos


CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 153

chamar esses números de {1 |} = 2 e {0 | 1} = 21 . Teremos


então {| −1} = −2 e {−1 | 0} = − 12 pela definição de negação.

Antes de justificar esses nomes vamos pensar em outras pos-


sibilidades. Por exemplo, o que seria o número x = {0, 1 |}?
Primeiro note que 0 < x e 1 < x, assim vamos apostar que para
esse número x se tenha x = {0, 1 |} = {1 |} = 2. Será que
x ≥ 2? Isso acontece exceto se existe algum xR ≤ 2 (não há) ou
x é menor ou igual a algum 2L , que também não há pois o único
2L é 1 e temos que x > 1, temos então que x ≥ 2. Será que
2 ≥ x? Isso acontece exceto se algum 2R . . . (não há nenhum)
ou 2 é menor ou igual que algum xL , que são 0 e 1. Assim 2 ≥ x
e portanto x = 2.

Usando argumentos semelhantes temos todas as seguintes


igualdades:

−2 = {| −1} = {| −1, 0} = {| −1, 1} = {| −1, 0, 1}


−1 = {| 0} = {| 0, 1}

− 12 = {−1 | 0} = {−1 | 0, 1}
0 = {|} = {−1 |} = {| 1} = {−1 | 1}
1
2 = {0 | 1} = {−1, 0 | 1}

1 = {0 |} = {−1, 0 |}
2 = {1 |} = {0, 1 |} = {−1, 1 |} = {−1, 0, 1 |}
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 154

Podemos generalizar o argumento e mostrar que o número


X = {y, xL | xR } obtido adicionando uma entrada y a esquerda
de x é igual a x. Será que X ≥ x? Sim, exceto se houver al-
gum X R ≤ x (não há pois X R é igual a xR ), ou algum xL com
X ≤ xL (não há pois todo xL é um X L ). Será que x ≥ X?
Sim, exceto se houver algum xR ≤ X (não há pois todo xR é
um X R ), ou se x é menor ou igual que algum X L , o que não
acontece pois y ≤ x e todo outro X L é um xL . Assim X = x.
Esse argumento mostra que se y ≱ x nós podemos adicionar y
na esquerda de x sem alterar x. Isso justifica todas as igualda-
des que demos acima.

Não é difícil checar as desigualdades:

−2 < −1 < − 21 < 0 < 1


2 <1<2

Note que pela definição 1 + 1 = {0 + 1, 1 + 0 |} = {1 |} = 2.


Isso justifica o nome desse número.

De maneira geral como xL + 0 = xL e xR + 0 = x0 temos que


x + 0 = {xL + 0 | xR + 0} = {xL | xR } = x. De maneira aná-
loga 0 + x = x. Isso mostra que 0 é o elemento neutro da adição.

É mais difícil e deixamos para o leitor a tarefa de mostrar


que 12 + 12 = 1, que justifica o nome desse número.

Avançando mais um “dia” temos os seguintes números e seus


negativos:
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 155

0 < {0 | 12 } < 1
2 < { 12 | 1} < 1 < {1 | 2} < 2 < {2 |}

Note que 1 + 1 + 1 = {0 + 1 + 1, 1 + 0 + 1, 1 + 1 + 0 |} = {2 |}
justificando o nome desse número como 3. Deixamos para o
leitor a tarefa de mostrar que {0 | 21 } = 41 , { 12 | 1} = 34 ,
{1 | 2} = 32 = 1 12 .

Podemos notar um padrão de criação de novos números con-


forme avançamos os “dias”. Note que não temos apenas dias fi-
nitos, podemos avançar com todos os ordinais que conhecemos,
obtemos então a seguinte árvore.
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 156

No dia ω o maior número positivo criado é {0, 1, 2, 3, . . . |},


que possui outras representações como {1, 2, 4, 8, 16, . . . |} ou
ainda { todos os números 2mn |}.

Já o menor negativo criado vai ser −ω = {| 0, −1, −2, −3, . . .}.


E o menor positivo será {0 | 1, 21 , 14 , 18 . . .}, que surpreendente-
mente é ω1 .

No entanto também temos que:

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
4 < 4 + 16 < 4 + 16 + 64 < ... < 3 < 2 − 8 < 2

Assim esperamos que o número { 14 , 14 + 16 1 1 1


, 4 + 16 1
+ 64 ,... |
1 1
2, 2 − 8 , . . .} = x seja 3 , e de fato podemos mostrar que x +
1 1

x + x = 1. Em particular todos os números definidos por cor-


tes de Dedekind de racionais são criados no dia ω, assim nosso
conjunto numérico inclui√ não só ordinais finitos mas também
números reais como 2 e π.

Depois do número ω, temos o número {0, 1, 2, . . . ω |} = ω+1,


mas também temos o número {0, 1, 2, . . . | ω} = x, ele satisfaz
n < x < ω para todo n inteiro, ou seja, trata-se de um nú-
mero infinito, porém menor que o “menor” ordinal infinito ω.
Somando 1 a x obtemos {1, 2, 3, . . . , x | ω + 1} = y, mas como
x < ω e ω + 1 ≰ ω, então vemos que y = ω. Assim x + 1 = ω e
x = ω − 1.

De maneira análoga obtemos:


CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 157

ω − 2 = {0, 1, 2, . . . | ω − 1}

ω − n = {0, 1, 2, . . . | ω − 1, ω − 2, . . . , ω − (n − 1)}

O próximo número a considerar é {0, 1, 2, . . . | ω, ω − 1, ω −


2, . . .} = {n | ω − n} que o leitor pode verificar que é ω2 . E
podemos definir ω3 , ω4 , ω8 e assim obtemos mais ainda o número
{0, 1, 2, . . . | ω, ω2 , ω4 , ω8 , . . .}, que é uma raiz quadrada de ω.

Outros exercícios são:

2ω , ω, ω2 .
1 1
{0 | ω} = { ω1 | 1, 12 , 14 , . . .} = 2
{0 | 1 1 1
ω , 2ω , 4ω } = 1

Perceba que o conjunto numérico que definimos é muito rico.


Ele inclui
√ todos os reais,√os ordinais e ainda números bizarros
1
como 3 ω, ω ω , ω + π, ω − 1 e assim por diante. Esses nú-
meros foram definidos originalmente por Conway em [3], porém
foi Knuth quem deu a feliz denominação a esses números de
números surreais. Na próxima seção veremos que os surreais
formam um corpo, assim como os racionais e reais, e que num
certo sentido esse é “maior” e mais completo corpo que existe.
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 158

6.2 Os números surreais formam um corpo


Primeiro vamos mostrar que a ordem que definimos possui a
propriedade transitiva.
Proposição 8. Se x ≥ y e y ≥ z então x ≥ z.
Demonstração. Já que x ≥ y não podemos ter xR ≤ y e por in-
dução não podemos ter xR ≤ z. De modo análogo não podemos
ter x ≤ z L , assim vamos ter que x ≥ z.
Temos agora as propriedades da soma de surreais.
Proposição 9. Temos que são válidas:
(1) x + 0 = x
(2) x + y = y + x
(3) (x + y) + z = x + (y + z)
Demonstração. (1) x + 0 = {xL + 0 | xR + 0} = {xL | xR } = x.
(2) x + y = {xL + y, x + y L | xR + y, x + y R } = {y + xL , y L + x |
y + xR , y R + x = y + x. (3) (x + y) + z = {(x + y L ) + z, (x +
y) + z L | . . .} = {(xL + y) + z, (x + y L ) + z, (x + y) + z L | . . .} =
{xL + (y + z), x + (y L + z), x + (y + z L ) | . . .} = x + (y + z).
Em cada caso acima a identidade do meio segue da hipótese
de indução. Vejamos agora as propriedades da negação.
Proposição 10. Temos que são válidas:
(1) −(x + y) = (−x) + (−y)
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 159

(2) −(−x) = x
(3) x + (−x) = 0
Demonstração. Diretamente da definição.

Vejamos agora a monotonicidade da adição em relação à or-


dem.
Proposição 11. Temos que y ≥ z se e somente se x+y ≥ x+z.
Demonstração. Se x + y ≥ x + z não podemos ter x + y R ≤ x + z
ou x + y ≤ x + z L então por indução não podemos ter y R ≤ z
ou y ≤ z L assim y ≥ z. Agora supondo x + y ≱ x + z teremos
um dos seguintes casos: x + R + y ≤ x + z, x + y R ≤ x + z,
x + y ≤ xL + z, x + y ≤ x + z L , e supondo y ≥ z deduzimos um
dos seguintes casos: xR + z ≤ x + z, y R ≤ z, x + y ≤ xL + y,
z ≤ z L , ou seja, indutivamente temos uma contradição.

Vejamos agora as propriedades da multiplicação.


CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 160

Proposição 12. Para todos x, y e z temos:


(1) x0 = 0
(2) x1 = x
(3) xy = yx
(4) (−x)y = x(−y) = −xy
(5) (x + y)z = xz + yz
(6) (xy)z = x(yz)
Demonstração. Vamos provar (5), as outras igualdades são pro-
vadas de maneira semelhante. Temos que (x+y)z = {(x+y)L z+
(x + y)z L − (x + y)L z L . . . | . . .} = {(xL + y)z + (x + y)z L − (xL +
y)z L , (x+y L )z+(x+y)z L −(x+y L )z L , . . . | . . .} = {(xL z+xz L −
xL z L ) + yz, xz + (y L z + yz L − y L z L ), . . . | . . .} = xz + yz.
Por último daremos aqui apenas a forma do inverso multipli-
cativo de um número x, vamos chamar ele de y (a prova de que
xy = 1 pode ser encontrada em [4]). É uma definição indutiva
no sentido de que supomos que os inversos de xL e xR já foram
encontrados.
R L L R
1+(xL −x)y L 1+(xR −x)y R
y = {0, 1+(x xR−x)y , 1+(x x−x)y
L | xL
, xR
}

Os nossos números já possuem uma estrutura muito rica,


mas não há nesses números raízes de números negativos, assim
como nos números reais. Para admitir tais raízes fazemos da
mesma maneira que fizemos com números reais e definimos o
CAPÍTULO 6. NÚMEROS SURREAIS 161

conjunto dos números da forma x + yi onde i2 = −1, obtemos


assim o corpo dos números sur-complexos. Assim como os
complexos esse corpo é algebricamente fechado.

Terminamos assim nossa introdução bem básica aos surreais.


Mais detalhes sobre eles e a noção mais geral de jogo podem
ser encontradas em [3].
Apêndice A

A axiomática ZFC

Neste apêndice vamos resumir como seria uma axiomática for-


mal da teoria de conjuntos. Vamos mostrar aqui a axiomática
ZFC, que é a mais usada e mais importante, embora existam
outras. Para o leitor interessado nas axiomáticas NFU e NF
citamos [6].

Antes de mais nada precisamos especificar a linguagem com


que falaremos sobre conjuntos e elementos. Vamos usar a lin-
guagem da lógica. Primeiro temos à disposição uma coleção
infinita de variáveis, que são pronomes, ou seja, se referem a
conjuntos ou elementos genéricos. As variáveis são representa-
das por letras latinas, como x, y, z, A, B, etc. . . Essas variáveis
podem ser combinadas com nossos dois predicados primitivos,
que são a igualdade (=) e a pertinência (∈).

162
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 163

Uma sentença atômica é uma sentença que tem uma das


seguintes formas possíveis: ‘x = y’ ou ‘x ∈ y’, onde x e y são va-
riáveis. Vamos considerar que sentenças atômicas são sentenças
abertas que podemos combinar através de quantificadores para
as variáveis, formando proposições, que são combinadas usando
os conectivos lógicos. Essa é a linguagem básica para falar de
conjuntos e elementos.

Formando essas proposições podemos obter outras usando


as regras de inferência do capítulo 1. Entretanto precisamos de
proposições válidas a priori para começar, vamos adotar então os
axiomas lógicos do capítulo 1 e os axiomas da igualdade. Esses
formam o arcabouço lógico da nossa teoria, mas para fazer teo-
ria de conjuntos precisamos de outros axiomas, que mencionem
a pertinência, esses axiomas são os axiomas da teoria de con-
juntos ZFC. Perceba que formalmente esses axiomas deveriam
ser escritos usando apenas os símbolos lógicos e conectivos, en-
tretanto vamos escrevê-los usando frases da língua comum. Isso
não causará problemas pois o leitor pode como exercício reescre-
ver os axiomas de forma puramente simbólica. Escrever somente
em símbolos é o correto, mas sacrifica um pouco a clareza e o
entendimento do texto, já que o leitor precisaria traduzir os sím-
bolos para entender o que uma proposição ou axioma quer dizer.

O primeiro axioma de ZFC é o mais básico da maioria das


teorias de conjuntos, que é o axioma da extensionalidade. Exis-
tem teoria de conjuntos intensionais mas estas não são populares
para a prática matemática. Vamos então enunciar o primeiro
axioma de ZFC.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 164

Axioma da extensionalidade. Para todos A e B, se para


todo x, x ∈ A se e somente se x ∈ B, então A = B.
Esse axioma afirma que se duas coisas têm exatamente os
mesmos elementos elas são iguais, a implicação recíproca (se
duas coisas são iguais então possuem os mesmos elementos) pode
ser obtida dos axiomas lógicos, portanto não precisa ser postu-
lada. Mas é importante frisar que se trata de uma bicondicional,
ou seja, duas coisas são iguais se e somente se possuem os mes-
mos elementos. Isso significa que para conjuntos só interessa
a extensão e não a forma particular com que essa extensão foi
obtida.

Um ponto que precisamos frisar é que na teoria ZFC onto-


logicamente só existe um tipo de objeto: conjuntos. Trata-se
assim de uma teoria de conjuntos “pura”. Todos os elementos
que aparecem em conjuntos são também conjuntos. Não exis-
tem “urelementos”, ou seja, elementos que podem ser elementos
de conjuntos mas eles mesmos não têm elementos e não são con-
juntos. Em ZFC o único objeto sem elementos será também um
conjunto, o conjunto vazio. E pelos axiomas poderemos provar
que o vazio é único com essa propriedade. Poderíamos enfra-
quecer o axioma da extensionalidade e permitir a existência de
urelementos, e isso é feito para alguns propósitos, mas aí se trata
da teoria ZFA (Zermelo Fraenkel com átomos) e não de ZFC.
NF (New Foundations) também é uma teoria pura como ZFC,
mas existe NFU (New Foundations with Urelements) que é a
versão de NF com urelementos.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 165

O axioma da extensionalidade é um critério que permite


identificar dois conjuntos, mas não sabemos ainda da existência
de nenhum conjunto, por isso precisamos de axiomas que afir-
mem a existência de conjuntos.

Lembrando que a teoria ingênua afirma que todos os conjun-


tos existem, ou seja, qualquer propriedade define um conjunto.
Mas esse axioma é falso devido ao problema dos paradoxos. As-
sim ZFC adota uma versão sutilmente modificada desse axioma,
que ao invés de compreensão se chama agora separação. Vamos
então enunciar.
Axioma da separação. Dado um conjunto A e uma proprie-
dade P , existe o conjunto de todos os elementos de A que satis-
fazem a propriedade P .
Usando um pouco de símbolos podemos dizer que dada uma
propriedade P existe o conjunto {x | x ∈ A ∧ P (x)} que repre-
sentamos como {x ∈ A | P (x)}.

Perceba a sutil diferença para a compreensão. Em vez de


existir o conjunto definido por qualquer propriedade existe o
subconjunto de A onde os elementos satisfazem qualquer propri-
edade. Assim os elementos precisam pertencer a um conjunto
já existente anteriormente na teoria. Isso impede que exista o
conjunto de todos os conjuntos, pois se existisse esse conjunto,
que chamaremos de V , poderíamos usar separação para a pro-
priedade x ∈/ x obter {x ∈ V | x ∈/ x} que seria o conjunto de
todos os conjuntos que não pertencem a si mesmos, o conjunto
do paradoxo de Russell.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 166

Mais geralmente podemos provar que em ZFC para todo con-


junto A existe um elemento que não pertence a A. Para isso seja
A um conjunto e defina por separação B = {x ∈ A | x ∈ / x}.
Afirmamos que B ∈ / A. Para isso note que vale a seguinte bi-
condicional: B ∈ B ↔ B ∈ A ∧ B ∈ / B, pois B pertence a B
se e somente se B satisfaz a definição de B. Agora se B ∈ A
essa bicondicional se resume (pela simplificação conjuntiva) a
B ∈ B ↔ B ∈ / B, que é uma contradição lógica. Assim não
podemos ter B ∈ A, assim obrigatoriamente B ∈ / A, o que não
causa nenhuma contradição. O que fizemos foi dado um con-
junto A construímos um elemento que não pertence a A, isso
também mostra que não existe o conjunto de todos os conjun-
tos, pois se ele existisse nenhum elemento poderia não pertencer
a ele.

Podemos usar a separação para criar conjuntos, mas precisa-


ríamos de algum conjunto para começar e até agora não temos
nenhum conjunto pré-existente na teoria. Por isso vamos intro-
duzir novos axiomas.
Axioma do vazio. Existe o conjunto {x | x ̸= x}.
Com esse axioma temos pelo menos um conjunto para apli-
car separação, mas não tem muita graça pois qualquer proprie-
dade aplicada na separação ao vazio dá o conjunto vazio apenas.
Ademais o vazio está contido em todos os conjuntos e todos os
vazios são iguais, assim existe um único vazio representado pelo
símbolo ∅. A definição de continência em ZFC é a mesma que
demos no capítulo 1 e a demonstração dessas propriedades do
vazio é a mesma.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 167

Com isso para construir mais conjuntos precisamos de mais


axiomas. Enunciamos portanto:
Axioma do par. Dados os conjuntos A e B quaisquer existe
o conjunto {x | x = A ∨ x = B}.

Com esse axioma e com o conjunto vazio que já temos pode-


mos obter o conjunto {x | x = ∅∨x = ∅} = {x | x = ∅} = {∅}.
Como ∅ ̸= {∅} agora já temos dois conjuntos distintos e pode-
mos aplicar o axioma do par novamente para eles dois e obter o
conjunto {∅, {∅}}. Só que aplicando separação a esse conjunto
não vamos obter nenhum conjunto novo além dos que já temos.
Além do mais aplicando o axioma do par várias vezes só obte-
mos conjuntos com dois elementos, assim para obter conjuntos
com qualquer número finito de elementos precisamos de mais
axiomas. Uma coisa útil que podemos fazer com o axioma do
par porém é obter o unitário de um elemento A, basta fazer o
par {A, A} = {A}. Mas vamos para nosso próximo axioma.
Axioma das partes. Para todo conjunto A existe o conjunto
dos subconjuntos de A, ou seja, o conjunto {x | x ⊂ A}.
Aplicando esse axioma a ∅, {∅} não obtemos nada de novo.
Porém se o aplicarmos ao conjunto {∅, {∅}} obtemos o con-
junto {∅, {∅}, {{∅}}, {∅, {∅}}}, e podemos aplicar mais uma
vez e mais uma vez obtendo muitos conjunto diferentes cada vez
maiores. Se for preciso podemos aplicar separação a esses con-
juntos e obtemos muito mais subconjuntos deles que satisfazem
uma propriedade dada. Dessa forma obtemos muitos conjuntos
mas há um detalhe: todos eles vão ser finitos.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 168

A existência de um conjunto infinito não pode ser provada


com os axiomas que temos até aqui. Por isso precisamos de no-
vos axiomas, mas antes do axioma do infinito precisamos enun-
ciar o axioma da união.

Axioma da união. Dado um conjunto A existe o conjunto dos


elementosSque pertencem a algum elemento de A, ou seja, o
conjunto A = {x | ∃a ∈ A, x ∈ a}.
Essa união é um pouco diferente da união que estudamos
neste livro. Neste livro estudamos a união de dois conjuntos.
O que o axioma afirma que existe é a união de uma família
de conjuntos, que pode possuir mais de um elemento ou até
mesmo infinitos elementos quando provarmos que conjuntos in-
finitos existem.
S Por exemplo, dado A = {{a, b}, {c, d, e}, {e, f }}
temos que A = {a, b, c, d, e, f }. Assim para obter a união de
dois conjuntos que conhecemos, A ∪ B, podemos usar o axioma
do
S par e obter {A, B} depois usar o axioma da união e obter
{A, B} que representamos apenas como A ∪ B.

A intercessão de uma família de conjuntos não vazia pode


ser definida por separação sem precisar de um axioma adicio-
nal. Dado A não vazio
T dado um elemento c ∈ A fixado definimos
a intercessão por A = {x ∈ c | ∀a ∈ A, x ∈Ta}. Por exemplo,
se temos A = {{1, 2, 8}, {2, 8}, {4, 8}} então A = {8}.

A diferença de conjuntos também não precisa de um axioma


adicional e pode ser definida por separação. Definimos A − B
como sendo o conjunto {x ∈ A | x ∈ / B}.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 169

Podemos agora enunciar o axioma que nos permitirá criar


conjuntos infinitos. Mas antes temos a seguinte definição:
Definição. O sucessor de um conjunto A é o conjunto A∪{A},
que representamos como S(A).

Ou seja, é a união do A com o unitário que contém A. Co-


meçando do conjunto vazio temos que: S(∅) = {∅}, S(S(∅)) =
{∅, {∅}}, S(S(S(∅))) = {∅, {∅}, {∅, {∅}}}. Esses conjuntos
serão importantes em nossa teoria pois a partir deles modelamos
os naturais e também os ordinais. Podemos então enunciar:

Axioma do infinito. Existe um conjunto a qual o vazio per-


tence e o sucessor de todo elemento desse conjunto pertence a
esse conjunto.
Observe que esse conjunto é não vazio, pois o vazio pertence
a esse conjunto, além do mais o sucessor de todo elemento dele
pertence a ela, logo é um conjunto infinito, pois o sucessor de
um conjunto é sempre diferente deste.

Um conjunto é chamado de indutivo quando satisfaz a pro-


priedade de conter o vazio e conter o sucessor de cada elemento
dele. O que o axioma do infinito afirma é que existe pelo menos
um conjunto indutivo, assim podemos formar a intercessão de
todos os conjunto indutivos. Esse conjunto é chamado de N e é
o conjunto dos números naturais.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 170

Um número natural em ZFC não é uma classe de equiva-


lência de conjuntos equivalentes em quantidade, em vez disso
um número n em ZFC é um representante particular escolhido
da classe de equivalência e dizemos que um número tem n ele-
mentos quando possui uma bijeção com n. É como definir o
metro como sendo uma barra particular guardada num museu
que mede 1 metro, e uma coisa mede um metro quando é simi-
lar a essa barra. Assim em ZFC definimos cada natural n como
sendo o conjunto dos naturais menores ou iguais a n.

Assim 0 é o conjunto vazio, pois não existe número menor


que 0. Já o 1 é o conjunto que contém o 0, ou seja, o sucessor
de 0, já o 2 é o sucessor de 1, o conjunto que contém 0 e 1. O
3 é o conjunto que contém 0, 1 e 2, e assim por diante. Temos
então:

0=∅

1 = {∅} = {0}

2 = {∅, {∅}} = {0, 1}

3 = {∅, {∅}, {∅, {∅}}} = {0, 1, 2}


...
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 171

Para poder definir relações e funções e definir por exemplo


a ordem entre números naturais precisamos do conceito de par
ordenado. Quando estudamos a teoria ingênua o par ordenado
era um conceito primitivo, aqui porém vamos definir ele em ter-
mos de conjuntos. De resto as definições de relação, função,
relação de equivalência, relação de ordem, e todas as definições
e construções associadas são feitas da mesma maneira que no
capítulo 2 e no capítulo 5. vamos discutir então o par ordenado.

Queremos definir um conjunto (x, y) em função das duas co-


ordenadas x e y de modo que dado dois conjuntos desses com
coordenadas quaisquer são iguais então a primeira coordenada
de um é exatamente a primeira coordenada do outro e a segunda
coordenada é exatamente a segunda coordenada do outro. Ou
seja, (a, b) = (c, d) se e somente se a = c e b = d.

O par definido pelo axioma do par não serve, pois se definir-


mos (x, y) = {x, y}, então se x ̸= y o par (x, y) é igual ao par
(y, x), pois como conjuntos eles são iguais.

Vamos então tentar definir (x, y) como {x, {y}}. Parece que
agora levamos em conta a ordem, pois a segunda coordenada
está distinguida. Porém essa definição também falha, pois se
(x, y) = {x, {y}} então os pares ({∅}, {∅}) e ({{∅}}, ∅) serão
iguais mesmo suas coordenadas sendo diferentes, pois teremos
que ({∅}, {∅}) = {{∅}, {{∅}}} e ({{∅}}, ∅) = {{{∅}}, {∅}},
que são iguais como conjuntos, pois num conjunto a ordem dos
elementos não interessa.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 172

A primeira definição bem-sucedida de par ordenado foi dada


por Wiener em 1914, era a seguinte: (x, y) = {{{x}, ∅}, {{y}}}.
Entretanto Kuratowski deu uma definição mais simples em 1921
e essa é que é usada até hoje.

Definição. Dados os conjuntos x e y definimos o par ordenado


de primeira coordenada x e segunda coordenada y como sendo
o conjunto (x, y) = {{x}, {x, y}}.
Resta agora provar que esse par funciona, ou seja, devemos
mostrar que (a, b) = (c, d) se e somente se a = c e b = d. Uma
direção é imediata. Se a = c e b = d então pelos axiomas lógicos
e de igualdade (a, b) = (c, d). Resta mostrar então a recíproca,
ou seja, se (a, b) = (c, d) então a = c e b = d. Suponha então
que {{a}, {a, b}} = {{c}, {c, d}}. Então para o elemento {a}
temos duas opções, ou {a} = {c} (daí a = c), ou {a} = {c, d};
No caso {a} = {c} temos ainda dois casos, a = b ou a ̸= b.
Caso {a} = {c} e a = b então a = b = c = d, logo a = c e
b = d. Já no caso {a} = {c} e a ̸= b então {a, b} ≠ {c}, logo isso
obriga {a, b} = {c, d} mas b ̸= c pois a = c, logo b = d, assim
a = c e b = d, como queríamos demonstrar. Resta então o caso
em que {a} = {c, d}, nesse caso c = d pois ambos são iguais
a a, assim {{c}, {c, d}} = {{d}} temos então {{a}, {a, b}} =
{{c}, {c, d}} = {{d}}, isso implica a = b = c = d, ou seja a = c
e b = d, como queríamos demonstrar. Com esse par definimos
uma relação como um conjunto de pares ordenados, e todas as
definições e construções dos capítulos 1 e 5 funcionam da mesma
maneira, portanto não vamos repeti-las aqui.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 173

Com tudo isso podemos agora definir os números ordinais.


Em ZFC os ordinais são definidos antes dos cardinais, pois em
ZFC a definição de cardinal como uma classe de equivalência
não funciona, pois essa classe de equivalência deveria ser sobre
o conjunto de todos os conjuntos, que sabemos não existir em
ZFC. Assim a definição de cardinal vai envolver necessariamente
os ordinais. Voltaremos a esse assunto depois.

Os ordinais finitos são definidos como sendo os números na-


turais que definimos a pouco, ou seja o natural n é o conjunto
de todos os naturais menores que n. O sucessor de cada nú-
mero natural é o sucessor que também foi definido a pouco, ou
seja, o conjunto unido com o unitário que contém ele. Porém o
conjunto N, que vamos chamar também de ω, será identificado
como o primeiro ordinal infinito. De modo geral um ordinal α é
definido como o conjunto dos ordinais menores que α. Com esse
ordinal podemos tomar seu sucessor da mesma maneira obtendo
o ordinal ω + 1, ou seja S(ω) = ω ∪ {ω} = {0, 1, 2, 3, . . . , ω}.

Podemos prosseguir obtendo S(S(ω)) = S(ω) ∪ {S(ω)} =


{0, 1, 2, . . . , ω, ω + 1} = ω + 2. Prosseguindo temos que o menor
ordinal maior que todos os ordinais da forma ω+n para n natural
é ω · 2 = ω + ω = {0, 1, 2, . . . , ω, ω + 1, ω + 2, . . .}. Podemos obter
mais ainda:

ω · 2 + 1 = ω + ω + 1 = {0, 1, 2, . . . , ω, ω + 1, ω + 2, . . . , ω + ω}
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 174

ω·3=ω+ω+ω =

= {0, 1, 2, . . . , ω, ω + 1, ω + 2, . . . , ω · 2, ω · 2 + 1, . . .}

E indo ainda mais longe podemos obter:

ω·ω = {0, 1, 2, . . . , ω, ω+1, . . . , ω·2, ω·2+1, . . . , ω·3, . . . , ω·4, . . .}

Todos esse conjuntos se comportam de forma parecida com


os números naturais, todos eles são bem ordenados para a re-
lação < definida como a < b quando a ∈ b, ou seja, esses con-
juntos são bem ordenados pela pertinência e além do mais são
transitivos, ou seja, todo elemento desses conjuntos é também
subconjunto deles, ou seja a é transitivo quando b ∈ a implica
b ⊂ a. Assim podemos dar a nossa definição geral de número
ordinal.
Definição. Um conjunto é chamado um número ordinal quando
é transitivo e bem ordenado pela pertinência.
Cada conjunto desses está a representar uma classe de equi-
valência de similaridade de boas ordens. Assim como na defi-
nição de metro escolhemos um representante particular de cada
classe para ser o número ordinal em questão, isso porque as
classes de equivalência deveriam ser no conjunto de todos os
conjuntos bem ordenados, que é grande demais para existir na
teoria de conjuntos ZFC.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 175

Entretanto para provar que todo conjunto bem ordenado


é isomorfo a um único número ordinal precisamos de mais um
axioma adicional. Esse axioma é um princípio que afirma a exis-
tência de certos conjuntos assim como o axioma da separação.
Ele será chamado de axioma da substituição. Para enunciá-lo
considere uma propriedade em duas variáveis P (x, y) que é uma
relação de muitos-para-um, ou seja, para cada valor de x existe
no máximo um único valor de y relacionado com x por essa pro-
priedade. O axioma da substituição afirma que se tomarmos
a imagem de um conjunto por essa relação obtemos ainda um
conjunto. Temos então.
Axioma da substituição. Dada uma propriedade P (x, y) em
duas variáveis de muitos-pra-um então para todo conjunto A
existe um conjunto B tal que para todo x ∈ A existe y ∈ B tal
que P (x, y) é satisfeita.
Seja F a operação definida pela propriedade P (x, y), ou seja
F (x) denota o único y para o qual P (x, y) é satisfeita. O axi-
oma da substituição afirma que para todo conjunto A existe
um conjunto B tal que para todo x ∈ A, temos F (x) ∈ B.
Entretanto B pode ser um conjunto ainda maior, ou seja, ter
elementos que não são da forma F (x), entretanto aplicando o
axioma da separação vamos ter que existe o seguinte conjunto:
{y ∈ B | y = F (x) para algum x ∈ A}. Esse conjunto é a ima-
gem de A por F , e é denotado por F [A] = {F (x) | x ∈ A}.

Com esse axioma podemos mostrar que todo conjunto bem


ordenado é isomorfo a um único número ordinal. Não daremos
porém a prova disso aqui, o leitor interessado pode consultar [7].
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 176

Vejamos agora qual o subterfúgio que ZFC usa para definir


números cardinais na impossibilidade de termos um número car-
dinal como uma classe de equivalência.

Para cardinais finitos podemos definir cada número ordinal


natural como sendo o número cardinal em questão, pois para
cada conjunto finito n existe um único ordinal associado e esse
ordinal tem n elementos. Entretanto para conjuntos infinitos
existem muitos ordinais com a mesma cardinalidade, por exem-
plo, ω, ω + 1, ω + 2, ω · 2, . . . todos eles tem a cardinalidade dos
números naturais, pois podemos mostrar facilmente que existem
bijeções entre esses conjuntos e N.

Então para cardinais não enumeráveis podemos escolher um


ordinal como representante canônico daquele cardinal simples-
mente tomando o menor ordinal que tem aquela cardinalidade.
Isso sugere a seguinte definição:
Definição. Um número ordinal α é chamado um ordinal inicial
se não existe bijeção entre ele e qualquer ordinal β tal que β < α.
Temos que cada natural é um ordinal inicial, ω é um ordinal
inicial, mas por exemplo ω + 1 não é inicial, pois existe um bi-
jeção entre ele e ω, da mesma forma não são iniciais ω + 2, ω · 2,
ω · ω, ω ω . Porém os ordinais “limites” ω1 , ω2 , ωα são iniciais
para todo α.

Podemos então provar o seguinte resultado:


APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 177

Teorema. Cada conjunto bem ordenado X é equivalente em


quantidade a um único ordinal inicial.
Demonstração. Já sabemos que X com sua ordem é similar a
algum número ordinal α, segue que X possui uma bijeção com
esse ordinal. Assim o conjunto dos ordinais a quais X é equi-
valente em quantidade é não vazio e como os ordinais são bem
ordenados ele possui um menor elemento, seja então α0 o menor
ordinal equivalente em quantidade a X. Afirmamos que esse or-
dinal é inicial. De fato, se fosse |α0 | = |β| para algum β < α0
isso implicaria |X| = |β| contrariando que α0 é o menor ordinal
equivalente em quantidade a X. Vamos então provar a unici-
dade. Se α0 e α1 s´ ao inciais com α0 ̸= α1 , pois nesse caso
um seria menor que o outro, digamos α0 < α1 e daí |α0 | = |α1 |
violaria o fato de que α1 é inicial. Isso prova a unicidade do
ordinal inicial equivalente em quantidade a X.
Podemos então dar a seguinte definição:
Definição. Dado um conjunto X bem ordenado definimos seu
número cardinal como sendo o único ordinal inicial equivalente
em quantidade a X. Em particular dois conjuntos bem ordena-
dos são equivalentes em quantidade quando possuem o mesmo
número cardinal.
Essa é uma ótima definição de número cardinal, mas há um
detalhe: ele só se aplica a conjuntos que podem ser bem or-
denados. Pelos nosso axiomas não podemos provar que todo
conjunto pode ser bem ordenado. Entretanto como já explica-
mos no capítulo 5 existe um axioma da teoria de conjuntos que
é o axioma da escolha.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 178

O axioma da escolha é equivalente a todo conjunto poder ser


bem ordenado, assim vamos adotar esse axioma e assim com ele
todo conjunto poderá ser bem ordenado, portanto todo conjunto
possuirá um número cardinal. Temos então:

Axioma da escolha. Dado um conjunto P de conjuntos não


vazios dois a dois disjuntos existe um conjunto que conte´m
exatamente um elemento de cada elemento de P .
Com isso podemos provar todas as consequências da escolha
em nossa teoria, inclusive que todo conjunto pode ser bem or-
denado. Não vamos objetar ao uso desse axioma como fazem
alguns matemáticos “construtivistas” ou outros.

Cada ordinal ωα é um ordinal inicial portanto é também um


número cardinal. Para representar esse número vamos usar a
notação ℵα , assim ℵ0 = ω mas ainda temos ℵ1 que é o menor
cardinal maior que ℵ0 , depois ℵ2 , ℵ3 , ℵω e ainda cardinais cada
vez maiores, sem chegarmos num cardinal máximo, pois um car-
dinal máximo seria o cardinal do conjunto de todos os conjuntos
que não existe em nossa teoria.

Para terminar de expor a axiomática ZFC só precisamos de


mais um último axioma, o chamado axioma da regularidade. Ele
é um axioma que afirma que conjuntos de determinada forma
não existem. Esse conjuntos podem existir se esse axioma não
for adotado, entretanto em todas as construções matemáticas
tradicionais conjuntos que o axioma da regularidade exclui não
aparecem.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 179

Assim o axioma da regularidade não prejudica a prática ma-


temática, e ainda mais, ele tem consequências importantes na
metamatemática da teoria de conjuntos, pois com ele podemos
formar a hierarquia cumulativa dos conjuntos, onde cada con-
juntos pertence a um rank determinado, e isso ajuda a mostrar
que certas afirmações são independentes da teoria ZFC, como
por exemplo a hipótese do contínuo.

Note que até agora temos descritos vários conjuntos, e sabe-


mos que o conjunto de todos os conjuntos não existe. Se esse
conjunto existisse ele pertenceria a si mesmo, ou seja, se cha-
marmos ele de V teríamos V ∈ V . Mas a pergunta é: será que
existe um outro conjunto X, menor que o universo, legítimo em
nossa teoria tal que X ∈ X. De modo mais geral: será que não
temos cadeias da forma X1 ∈ X2 ∈ . . . ∈ Xn ∈ X1 ? Ou ainda
descensos infinitos da forma . . . ∈ Xn ∈ Xn−1 ∈ . . . ∈ X2 ∈ X1 ?

O que o axioma da regularidade afirma tem como consequên-


cia que tais situações não acontecem, ou seja, não existem con-
juntos que satisfazem tais condições. Vamos então enunciar.
Axioma da regularidade. Todo conjunto não vazio X possui
um elemento disjunto de si mesmo. Ou seja, para todo X ̸= ∅
existe y ∈ X tal que y ∩ X = ∅.
Com esse axioma podemos excluir da teoria conjuntos que
pertençam a si mesmos.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 180

Para observar isso vamos aplicar o axioma da regularidade


ao unitário que contém A, ou seja {A}. Pelo axioma ele deve
ter um elemento disjunto de si mesmo, assim esse elemento é o
próprio A, e então A ∩ {A} = ∅ e portanto não podemos ter
A ∈ A, pois senão A pertenceria a A ∩ {A}.

Podemos ver também que não existe descenso infinito da


forma . . . ∈ Xn ∈ Xn−1 ∈ . . . ∈ X2 ∈ X1 . Pois suponha que
existe uma sequência assim, ou seja, uma função X(n) para
n ∈ ω tal que X(n + 1) ∈ X(x) para cada n, então pelo axi-
oma da substituição a imagem dessa função seria um conjunto
Y , Y é não vazio e Y ∩ X(n) ̸= ∅ para cada X(n) ∈ Y , já que
X(n + 1) ∈ Y ∩ X(n), o que contradiz o axioma da regularidade,
pois Y deveria ter um elemento disjunto de si mesmo.

Também não existem “ciclos” de pertinência da forma X1 ∈


X2 ∈ . . . ∈ Xn ∈ X1 pois com tal ciclo teríamos um descenso
infinito . . . Xn−1 ∈ Xn ∈ X1 ∈ X2 ∈ . . . ∈ Xn ∈ X1 .

Com isso terminamos a exposição da axiomática ZFC. Pode-


mos usar essa axiomática para fazer as definições e construções
que demos no capítulo 4 praticamente da mesma maneira que
foi feito, com poucas adaptações. Assim podemos construir os
inteiros, racionais, reais, complexos e assim construímos prati-
camente toda a matemática. Mesmo assuntos mais avançados
de matemática como, álgebra, topologia, etc. . . podem ser todas
fundamentadas com a teoria de conjuntos, em particular a teo-
ria ZFC.
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 181

Um problema que surge porém é que certas construções não


podem ser feitas em ZFC, como a teoria das categorias e a teoria
dos números surreais, que vimos neste livro, pois estas teorias
precisam de conjuntos “enormes” que em ZFC não existem.

Assim precisamos de outros fundamentos para essas constru-


ções. Podemos por exemplo estender ZFC incluindo um novo
tipo de objeto que são as classes próprias. Essas são coleções
que são muito grandes para serem conjuntos de ZFC, assim elas
não podem pertencer a outras classes ou conjuntos. Assim temos
como fazer isso de pelo duas maneiras, temos a teoria NBG (Von
Neumann Bernays Gödel), que é uma extensão conservativa de
ZFC, ou seja, é uma teoria maior, com mais teoremas e objetos,
mas que não prova nenhum novo teorema sobre a linguagem
original de ZFC. Já a teoria KM (Kelley Morse) também adi-
ciona as classes próprias mas é uma extensão não-conservativa,
ou seja, prova mais teoremas sobre a linguagem de ZFC que a
própria teoria ZFC.

Outra opção é usar as teorias da família NF, como NF e


NFU. Há alguns problemas porém. Ainda não se sabe se NF é
consistente se ZFC o for, ou seja, ainda não foi dada uma prova
de consistência relativa para NF. O mais dramático porém é que
NF prova a negação do axioma da escolha, o que faz com que
seja uma teoria “dura” de se trabalhar. Existem formas mais
fracas de escolha que podem ser consistentes com NF, como o
axioma da escolha enumerável ou o axioma das escolhas depen-
dentes. Isso não é problema porém se adotarmos a teoria NFU
que é a versão de NF com urelementos. NFU foi provada consis-
APÊNDICE A. A AXIOMÁTICA ZFC 182

tente em relação a ZFC por Jensen em 1969, e ainda mais NFU


é consistente com o axioma da escolha, o que faz com que seja
uma teoria adequada para fundamentar a matemática, e ainda
mais NFU é de uma certa maneira mais intuitiva que ZFC, o
que faz com que seja uma teoria agradável de se trabalhar, onde
existe o conjunto de todas as coisas, os números cardinais e or-
dinais como classes de equivalência, e também outros conjuntos
“enormes” como o conjunto de todas as estruturas algébricas
ou o conjunto de todas as topologias, e também a categoria de
todos os conjuntos ou até mesmo a categoria de todas as cate-
gorias.

Mais uma opção interessante é abandonar os conjuntos como


fundamento da matemática e trabalhar na teoria dos tipos de
homotopia, HoTT. É uma teoria recente que ainda está em de-
senvolvimento. Um aspecto interessante dessa teoria é que ela
facilita a criação de provadores automáticos de teoremas por
computadores. Esses são softwares que podem verificar se a
prova de um teorema está correta ou até mesmo indicar provas
de teoremas novos, tudo sendo feito pelo computador, cabendo
ao homem apenas interpretar os resultados. Para o leitor inte-
ressado indicamos o site https://homotopytypetheory.org.
Referências
Bibliográficas

[1] Eric Schenter, Handbook of analysis and its foundations.


[2] Roethel, Weisntein, Logic, sets, and numbers.Wadsworth
Pub Co; 3rd edition 1983.
[3] Conway, On numbers and games, AK Peters; 2nd Revised
ed. 2000.
[4] Ernest Nagel, James R. Newman, Godel’s Proof. New York
University Press; Revised ed. 2008.
[5] Rudin, Principles of mathematical analysis. McGraw-Hill
book company. 1953.
[6] Rodrigo P. Tavares, Teoria elementar de conjuntos NFU.
[7] Karel Hrbacek, Thomas Jech, Introduction to set theory,
third edition, 1999.

183
Índice Remissivo

adição, 19 axioma de Wolfram, 27


adição conjuntiva, 24 axioma do infinito, 169
adição de racionais, 112 axioma do par, 167
adição disjuntiva, 25 axioma do vazio, 166
adição ordinal, 139 axiomas de Peano, 99
antecedente, 9 axiomas lógicos, 26
arimetização da análise, 99
associatividade, 17 bicondicional, 9, 17
axioma da escolha, 83, 144, 177 bijeção, 67
axioma da escolha enumerável, boa ordem, 136
181
axioma da extensionalidade, 164 campo, 53
axioma da regularidade, 179 cardinal do contínuo, 129
axioma da separação, 165 cardinal transfinito, 86
axioma da substituição, 175 caso base, 101
axioma da união, 168 classe de equivalência, 62
axioma das escolhas dependen- classes próprias, 181
tes, 181 composição de funções, 73
axioma das partes, 167 compreensão, 37
comutatividade, 16

184
ÍNDICE REMISSIVO 185

condicional, 8, 17 definição por abstração, 62, 78


conectivo, 3 diagonal de Cantor, 95
conectivo binário, 3 diferença, 47
conectivo extensional, 7 disjunção, 6
conectivo quaternário, 3 distributividade, 17
conectivo ternário, 3 domínio, 52
conectivo unário, 3 dupla negação, 17
conjunto, 33
conjunto das partes, 48 elemento, 33
conjunto indutivo, 169 elemento maximal, 136
conjunto unitário, 83 elemento minimal, 136
conjunto vazio, 42 elemento máximo, 136
conjuntos disjuntos, 46 elemento mínimo, 136
conjuntos transitivos, 174 equivalente em quantidade, 77
conjunção, 5 equivalência lógica, 15
consequente, 9 esquema axiomático, 26
contingência, 14 estritamente maior, 82
continência, 35 estritamente menor, 82
contra-positiva, 17 exponenciação ordinal, 142
contradição, 14 extensionalidade, 37
contradomínio, 52 extensão, 35
coordenadas, 51
corpo ordenado arquimediano fechamento, 92
completo, 123 fração, 111
corte oposto, 121 função, 64
corte positivo, 122 função bijetora, 67
cortes de Dedekind, 118, 149 função constante, 72
cota superior, 124 função identidade, 72
função injetora, 67
ÍNDICE REMISSIVO 186

função inversa, 72 multiplicação geral, 122


função sobrejetora, 66 multiplicação não negativa, 122
função vazia, 72 multiplicação ordinal, 142

hipótese do contínuo, 96 negação, 3, 4


New Foundations, 164
identidade, 16 New Foundations with Urele-
igualdade, 34 ments, 164
imagem da função, 66 não-enumerável, 88
imagem direta, 67 número cardinal, 76, 177
imagem do elemento, 65 número complexo, 130
imagem inversa, 68 número imaginário, 130
imaginário puro, 130 número ordinal, 137, 174
implicação, 8, 19 número relação, 137
implicação lógica, 16 número surreal, 149
intensão, 35 números complexos, 130
intercessão, 45 números inteiros, 104
inverso multiplicativo, 114 números irracionais, 118
isomorfismo, 105 números naturais, 86
números ordinais, 134
Kelley Morse, 181
números racionais, 111
lei do cancelamento, 107 números reais, 118, 120
leis de DeMorgan, 17
ordem de inteiros, 108
maior ou igual, 80 ordem densa, 114
menor ou igual, 79 ordem parcial, 135
modus ponens, 18, 21 ordem total, 135
modus tollens, 18, 22 ordinal inicial, 176
muitos-para-um, 53 ou exclusivo, 9
ÍNDICE REMISSIVO 187

par inverso, 57 raiz n-ésima, 125


par ordenado, 51, 171, 172 regra da generalização, 31
paradoxo de Burali-Forti, 141 regra da instanciação, 31
paradoxo de Russell, 38 regra de inferência, 21
partição, 62 regra dos sinais, 107
parênteses, 10, 46 regras de substituição, 35
passo indutivo, 101 relação, 51
pertinência, 33 relação de equivalência, 62
predicado, 28 relação inversa, 57
princípio da indução, 100 relação irreflexiva, 61
princípio da não contradição, 2 relação reflexiva, 61
princípio do terceiro excluído, relação simétrica, 61
2 relação transitiva, 61
produto cardinal, 92 relações similares, 136
produto cartesiano, 52
produto de inteiros, 107 segmento inicial, 140
produto de racionais, 113 segmento orientado, 63
programa de Hilbert, 39 sentença aberta, 28
proposição, 1 sentença atômica, 163
proposições, 1 silogismo disjuntivo, 23
proposições atômicas, 4 silogismo hipotético, 23
propriedade reflexiva, 34 simplificação, 19
propriedade simétrica, 34 simplificação conjuntiva, 24
propriedade transitiva, 34 simplificação disjuntiva, 25
soma cardinal, 89
quantificador, 28 soma de inteiros, 106
quantificador existencial, 28 sucessor cardinal, 84
quantificador universal, 28 supremo, 124
quantificadores, 28 sur-complexos, 161
ÍNDICE REMISSIVO 188

tabela verdade, 4
tautologia, 13
teorema de Cantor-Schröeder-
Bernstein, 81
teoremas de incompletude, 40
teoria dos tipos, 39
teoria dos tipos de homotopia,
182

um, 85
um-para-muitos, 55
um-para-um, 56
universo de discurso, 29
união, 44
urelementos, 164

valor verdade, 2
variáveis, 28, 162
variável ligada, 29
variável livre, 29
vetor, 63
Von Neumann Bernays Gödel,
181

Zermelo Fraenkel, 39
Zermelo Fraenkel Choice, 39,
163
zero, 83

álefe zero, 87

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