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Notas de

Análise Complexa

Ricardo Mamede
Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências e Tecnologia
Universidade de Coimbra
2021
ÍNDICE

1 Números Complexos 1
1.1 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 A forma polar dos complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 Subconjuntos de C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Sucessões e Séries Numéricas 11


2.1 Sucessões de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.3 Critérios de convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Séries de Fourier 35

4 Funções Analíticas 45
4.1 Funções complexas e continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2 Diferenciabilidade e condições de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . 52
4.3 Funções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

5 Integração de Funções Complexas 67


5.1 Integração de funções complexas de variável real . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.2 Integrais de caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
5.3 Teorema de Cauchy-Goursat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
5.4 Fórmulas integrais de Cauchy e suas consequências . . . . . . . . . . . . . . 77

6 Séries de Potências 81
6.1 Série de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
6.2 Série de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

3
7 Resíduos 95
7.1 Teorema dos Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
7.2 Classificação das singularidades isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

8 Material Extra 109


8.1 Princípio do Módulo Máximo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
8.2 Princípio do Argumento e Teorema de Rouché . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

Bibliografia 117
CAPÍTULO 1
NÚMEROS COMPLEXOS

1.1 O corpo dos números complexos


Um par (G, ?), constituído por um conjunto não vazio G e por uma operação binária
? : G × G −→ G, diz-se um grupo se satisfaz as seguintes propriedades:

1. Associatividade: para quaisquer a, b, c ∈ G,

(a ? b) ? c = a ? (b ? c).

2. Existência de elemento neutro: existe e ∈ G tal que para todo o a ∈ G,

a ? e = e ? a = a.

3. Existência de inverso: para todo o a ∈ G existe a0 ∈ G tal que

a ? a0 = a0 ? a = e.

Um grupo (G, ?) diz-se abeliano ou comutativo se para quaisquer a, b ∈ G, se verifica

a ? b = b ? a.

Exemplos familiares de grupos abelianos incluem (Z, +), os números inteiros sob a adi-
ção usual; (R, +), os números reais sob a adição usual; (Rn , +), o conjuntos dos n-úplos
de números reais sob a adição vetorial; ou (R \ {0}, ·), os números reais não nulos sob a
multiplicação. Como exemplo de um grupo não abeliano temos o grupo das matrizes não
singulares.

1
Capítulo 1

Um corpo (K, +, ·) é constituído por um conjunto não vazio K e duas operações binárias
+ e · em K, designadas resp. por adição e multiplicação, tais que (K, +) e (K\{0}, ·) são gru-
pos abelianos, onde 0 denota o elemento neutro da adição, e a multiplicação é distributiva
em relação à adição: para quaisquer a, b, c ∈ K,

a · (b + c) = (a · b) + (a · c).

O conjunto dos números reais R munido da adição e multiplicação usuais (R, +, ·) é um


corpo. Alem disso é um corpo ordenado mediante a relação de ordem usual entre números
reais. Isto significa que existe uma relação < definida em R tal que:

1. Se x, y ∈ R, então exatamente uma das condições x < y, y < x e x = y é verdadeira.

2. Somas e produtos de números positivos (i.e. > 0) são igualmente positivos.

Consideremos o conjunto R2 = {(a, b) : a, b ∈ R} dos pares ordenados, munido das


seguintes operações:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)
(a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

Estas operações são comutativas, associativas e a multiplicação é distributiva relativamente à


adição. Além disso, os pares (0, 0) e (1, 0) são os elementos neutros da adição e multiplicação,
respetivamente. Deste modo, (R2 , +, ·) é um corpo que se designa por corpo dos números
complexos e se denota por C.
O subconjunto {(a, 0) : a ∈ R} de C identifica-se com o conjunto dos reais R através da
bijecção (a, 0) → a. Denotando então o par (a, 0) com o real a e o par (0, 1) com a letra i,
obtemos a representação algébrica dos números complexos

(a, b) = (a, 0) + (0, 1) · (b, 0) = a + bi.

O símbolo i é a unidade imaginária. Notemos que i2 = −1. Se z = a + bi ∈ C, chamamos


a a a parte real de z e escrevemos a = Re(z). Chamamos a b a parte imaginária de z e
escrevemos b = Im(z). Quando Re(z) = 0 o número complexo z diz-se um imaginário puro.
Notemos que sendo C um corpo, a multiplicação é comutativa, pelo que podemos também
escrever (a, b) = a + ib.
Ao contrário do que ocorre com os números reais, em C não existe qualquer relação de
ordem compatível com as operações. De facto, notemos que se supusermos i > 0 ou −i > 0,
seremos forçados a concluir que −1 = ii > 0. Mas também temos 1 = 12 > 0. Logo,
obtemos 1 > 0 e 1 < 0. Portanto, não faz sentido usar os símbolos < ou ≤ entre números
complexos a menos que se trate de números reais.

2
Capítulo 1

Calculando as sucessivas potências de expoente natural im da unidade imaginária, obtêm-


se os valores i, −1, −i, 1, consoante os restos da divisão de m ∈ N por 4 seja 1, 2, 3 ou 0:




 1, r=0


i, r=1
in = i4k+r = (i4 )k ir = ir = .


 −1, r = 2


−i, r = 3


O módulo do número z = a + bi é o número real não negativo |z| = a2 + b 2 , e o
conjugado de z é número z = a − bi.
Proposição 1.1
Sejam z e w números complexos. Então:

1. z + z = 2Re(z) e z − z = 2iIm(z).

2. z = z se e só se Im(z) = 0 se e só se z ∈ R.

3. z = z.
z z
4. z ± w = z ± w, zw = z w e, se w 6= 0, = .
w w
5. zz = |z|2 = (Re(z))2 + (Im(z))2 .

6. |z| = 0 se e só se z = 0.
1 z
7. Se z 6= 0, z −1 = = 2.
z |z|
z |z|
8. |zw| = |z||w| e = se w 6= 0.
w |w|
9. ||z| − |w|| ≤ |z ± w| ≤ |z| + |w|.

Demonstração. Vamos provar apenas a propriedade 9. As restantes ficam a cargo do leitor.


Começamos pela desigualdade |z + w| ≤ |z| + |w|, conhecida por desigualdade triangular.
Da definição de módulo de um número complexo resulta

−|z| ≤Re(z) ≤ |z|


−|z| ≤Im(z) ≤ |z|. (1.1)

3
Capítulo 1

Pelas propriedades 5, 4 e 1, podemos escrever

|z + w|2 = (z + w)(z + w)
= zz + (zw + zw) + ww
= |z|2 + zw + zw + |w|2


= |z|2 + 2Re(zw) + |w|2

Usando agora (1.1) obtemos

|z + w|2 ≤ |z|2 + 2|zw| + |w|2 = |z|2 + 2|z||w| + |w|2 = (|z| + |w|)2

donde segue a desigualdade triangular. Uma vez que | − w| = |w|, obtemos igualmente

|z − w| = |z + (−w)| ≤ |z| + | − w| = |z| + |w|.

Da desigualdade triangular resulta ainda

|z| = |(z − w) + w| ≤ |z − w| + |w|,

ou equivalentemente,
|z| − |w| ≤ |z − w|.

Analogamente,
|w| − |z| ≤ |z − w|,

donde se conclui que


||z| − |w|| ≤ |z − w|.

A mesma estimativa pode ser aplicada a |z + w|, obtendo-se igualmente

||z| − |w|| ≤ |z + w|.

A desigualdade triangular pode ser estendida para somas com um número arbitrário de
parcelas
|z1 + z2 + · · · + zn | ≤ |z1 | + |z2 | + · · · + |zn |.

Ocorre igualdade se e só se a razão entre dois quaisquer números não nulos for positiva.
Se k e n são inteiros positivos tais que mdc(k, n) = 1, definimos ainda
 k
−k 1 k  n1
z = , z n = zk .
z

4
Capítulo 1

1.2 A forma polar dos complexos


Uma vez que o conjunto dos números complexos coincide com o conjuntos dos pontos do
plano, um número complexo z = a + bi pode ser identificado com o ponto (a, b) no plano
cartesiano, que vulgarmente se designa por afixo de z. Neste caso, é usual designar o plano
cartesiano por plano complexo ou plano de Argand.
Podemos ainda identificar o número z com o vetor com inicio na origem (0, 0) e ponto

final o afixo (a, b). O comprimento de z é a distância de z à origem, i.e., é |z| = a2 + b2 .
Nesta representação, o módulo |z − w| representa a distância de z a w.

y y

z z+w
z
w
x x

Figura 1.1: Interpretação gráfica do conjugado e da soma de complexos

A interpretação geométrica da adição de vetores já nos é familiar, uma vez que corres-
ponde à adição de vetores no plano. Para termos uma visualização geometrica da multipli-
cação vamos introduzir um sistema de coordenadas polares no plano do seguinte modo.
Se z 6= 0 então z/|z| está situado algures sobre o circulo unitário e, portanto, existe um
ângulo θ tal que z/|z| = cos(θ) + i sin(θ). Podemos então escrever z na forma polar

z = |z|(cos(θ) + i sin(θ))

onde θ é designado por argumento de z e denotado por arg(z). É importante ter presente
que arg(z) NÃO é univocamente determinado por z; adicionando qualquer múltiplo de
2π a θ dá origem a outro valor para arg(z), igualmente válido. Quando nos referimos
‘ao’ argumento de um número complexo, queremos dizer um de entre os infinitos possíveis
valores do argumento. Portanto,

arg(z) = {θ ∈ R : z = |z|(cos(θ) + i sin(θ))}.

Ao (único) argumento de z pertencente ao intervalo ] − π, π], chamamos argumento prin-


cipal de z e representamo-lo por Arg(z). Uma outra ambiguidade é relativa ao número 0,

5
Capítulo 1

pois não definimos qualquer argumento para este número, sendo vulgar considerar qualquer
real como um argumento válido para 0.
É frequente utilizar-se as formas abreviadas

z = rcis(θ) = reiθ ,

onde r = |z| e cis(θ) = cos(θ)+i sin(θ) = eiθ . Esta última igualdade designa-se por fórmula
de Euler e será justificada mais à frente.

z = reiθ
r sin(θ)
r

θ
x
r cos(θ)

Figura 1.2: Forma polar de um número complexo

Designando por θ um valor do argumento de z = a + bi e sendo r = |z|, obtemos


Re(z) = r cos(θ)
Im(z) = r sin(θ).

Portanto, o argumento de z 6= 0 é determinado pelas equações

Re(z) Im(z)
cos(θ) = e sin(θ) = .
r r

Exemplo 1.1. O argumento do número complexo z = i é o conjunto

π
arg(i) = {2kπ + , k ∈ Z},
2

e o seu argumento principal é Arg(i) = π2 . Tem-se portanto i = cis(π/2).

6
Capítulo 1

Proposição 1.2: Multiplicação e divisão de complexos na forma polar

Sejam z = r1 cis(θ1 ) e w = r2 cis(θ2 ) números complexos. Então:

1. zw = r1 r2 cis(θ1 + θ2 ).

2. z = r1 cis(−θ1 ).

1 1
3. = cis(−θ1 ).
z r1
z r1
4. = cis(θ1 − θ2 ).
w r2

5. (z)n = r1n cis(nθ1 ), n ∈ Z - Fórmula de De Moivre.

Demonstração. Usando as fórmulas trigonométricas da adição do seno e do cosseno, obtemos

zw = r1 (cos(θ1 ) + i sin(θ1 ))r2 (cos(θ2 ) + i sin(θ2 ))


= (r1 r2 )(cos(θ1 + θ2 ) + i sin(θ1 + θ2 ))
= (r1 r2 )cis(θ1 + θ2 ).

A propriedade 2 resulta das definições e a 3 segue de 2 e da igualdade 1/z = z/|z|2 . A


propriedade 4 resulta de 1 e de 3 e a última propriedade obtém-se por indução sobre n.

Concluímos que se multiplicam número complexos multiplicando os respetivos módulos


e somando os argumentos. Em particular, multiplicar um número complexo z por outro
com módulo 1 é equivalente a rodar z por um ângulo igual ao do argumento do segundo
número. Notemos que apesar de arg(z1 z2 ) = arg(z1 ) + arg(z2 ), em geral

Arg(z1 z2 ) 6= Arg(z1 ) + Arg(z2 ),

como se pode comprovar fazendo z1 = −1 = cis(π) e z2 = 5i = 5cis( π2 ). O argumento


principal de z1 z2 = 5cis(− π2 ) é Arg(z1 z2 ) = − π2 , mas Arg(z1 ) + Arg(z2 ) = π + π2 .

A fórmula de De Moivre pode ser usada para determinar as raízes índice n (n ∈ N) de


um número complexo. Seja z 6= 0 um número complexo. Dizemos que w é a n-ésima raiz
de z se wn = z, onde n é um inteiro positivo.
Dois números complexos escritos na forma polar são iguais se e só se têm o mesmo
módulo e os argumentos diferem entre si num múltiplo de 2π. Assim, se w = |w|cis(φ) e

7
Capítulo 1

z = |z|cis(θ), são tais que wn = z, temos



|w|n = |z|
wn = z se e só se
nφ = θ + 2kπ, com k ∈ Z

|w| = p
n
|z|
se e só se .
φ = θ+2kπ , k = 0, 1, . . . , n − 1
n

Para cada k = 0, 1, . . . , n − 1, obtemos n raízes distintas, todas com o mesmo módulo n |z|
p

mas com diferentes argumentos. Devido à periodicidade do seno e do cosseno, para k ≥ n


obtemos as mesmas raízes, visto que se k = n + m, com m = 0, 1, . . . , n − 1, obtemos
θ + 2(n + m)π θ + 2mπ
φ= = + 2π
n n
e    
θ + 2mπ θ + 2mπ
sin(φ) = sin , cos(φ) = cos .
n n
Recapitulando, as raízes de índice n de z 6= 0 são
 
p
n θ + 2kπ
wk = |z|cis , k = 0, 1, . . . , n − 1,
n
ou seja,

n
z = z 1/n = {w0 , w1 , . . . , wn−1 }.
Geometricamente, as raízes de índice n de um número complexo z 6= 0 estão situadas
sobre a circunferência de centro na origem e raio n |z|. Além disso, a diferença entre os
p

argumentos de duas raízes consecutivas é .
n
Em particular, a raiz quadrada de um número complexo z = rcis(θ) 6= 0 tem dois
√ √
valores, w1 = rcis(θ/2) e w2 = rcis(θ/2 + π). Na forma algébrica, temos w1 = x + yi e
w2 = −x − yi. Se z 6= 0 é real negativo, temos x = 0. No caso de x 6= 0, as raízes de z não
são imaginárias puras, pelo que uma das raízes tem parte real positiva e a outra negativa.
Vamos designar por ramo principal da raiz quadrada complexa àquela que atribui à raiz
quadrada de um número complexo o valor x + yi, com x > 0, ou então x = 0 e y ≥ 0.

1.3 Subconjuntos de C
Seja z0 = x0 +y0 i ∈ C. Como |z −z0 | = (x − x0 )2 + (y − y0 )2 é a distância entre z = x+yi
p

e z0 , os números complexos z que satisfazem a equação

|z − z0 | = ρ, ρ > 0,

pertencem à circunferência de centro z0 e raio ρ.

8
Capítulo 1

Exemplo 1.2. 1. |z| = 1 representa a circunferência de centro 0 e raio 1.

2. |z − 1 + 3i| = 5 ⇔ |z − (1 − 3i)| = 5 representa a circunferência de centro (1, −3) e


raio 5.
Em coordenadas polares, a circunferência de centro na origem e raio ρ > 0 pode ser
escrita como
{ρcis(θ), 0 ≤ θ ≤ 2π} = {z : |z| = ρ}.
Adicionando o número z0 à expressão anterior, obtemos uma expressão para a circunferência
de centro z0 e raio ρ:
{z0 + ρcis(θ), 0 ≤ θ ≤ 2π}.

Definição 1.1. Seja z0 ∈ C e r > 0. A bola aberta de centro z0 e raio r é o conjunto

B(z0 , r) = {z : |z − z0 | < r}.

Também se chama vizinhança de z0 à bola aberta B(z0 , r). A bola fechada de centro z0
e raio r é o conjunto
B(z0 , r) = {z : |z − z0 | ≤ r}.

Definição 1.2. Dizemos que S ⊆ C é um subconjunto aberto se qualquer ponto z ∈ S


possui uma bola aberta contida em S, ou seja,

∀z ∈ S∃r > 0 : B(z, r) ⊆ A.

Exemplo 1.3. O conjunto S = {z ∈ C : Re(z) > 1} é aberto. De facto, dado z = a + bi ∈ S


com a > 1, tomemos r = a − 1 e notemos que B(z, r) ⊆ S. Ou seja, qualquer ponto de S
possui uma vizinhança contida em S, logo S é aberto.

Exemplo 1.4. O conjunto S = {z ∈ C : Re(z) ≥ 1} não é aberto, pois qualquer vizinhança


de z = 1 possui pontos que não estão em S.

Exemplo 1.5. A bola aberta B(z0 , r) é um conjunto aberto, mas a bola fechada B(z0 , r) não
é um conjunto aberto. Já o conjunto C \ B(z0 , r) é aberto.

Definição 1.3. Um ponto z0 diz-se um ponto de acumulação de S ⊆ C se qualquer bola


aberta centrada em z0 possui pontos de S diferentes de z0 , isto é, se

S ∩ (B(z0 , r) \ {z0 }) 6= ∅

para todo o r > 0.

9
Capítulo 1

Definição 1.4. Sejam z, w ∈ C. O segmento de reta que une os pontos z e w é o conjunto

[z, w] = {(1 − t)z + tw : 0 ≤ t ≤ 1}.

Dados z1 , z2 , . . . , zn ∈ C, a linha poligonal [z1 , z2 , . . . , zn ] é o conjunto

[z1 , z2 , . . . , zn ] = [z1 , z2 ] ∪ [z2 , z3 ] ∪ · · · ∪ [zn−1 , zn ].

Definição 1.5. Um conjunto S ⊆ C diz-se conexo se, quaisquer que sejam z, w ∈ S, existir
uma curva contínua totalmente contida em S, que une z a w. Chamamos região a qualquer
subconjunto de C aberto e conexo.

Exemplo 1.6. A bola aberta B(z0 , r) (bem como a bola fechada B(z0 , r)) é um conjunto
conexo.
Nota 1.1. Se S ⊆ C é aberto e conexo, então quaisquer que sejam z, w ∈ S, existe uma
linha poligonal composta por segmentos horizontais e verticais, totalmente contida em S,
que une z a w.

Definição 1.6. Um conjunto S ⊆ C diz-se limitado se existir r > 0 tal que

S ⊆ {z : |z| < r} = B(0, r).

10
CAPÍTULO 2
SUCESSÕES E SÉRIES NUMÉRICAS

2.1 Sucessões de números complexos


Definição 2.1. Uma sucessão de números complexos é uma sequência (ordenada)
infinita
z1 , z2 , . . . , zn , . . .
de números complexos (também consideramos sucessões que começam num inteiro k ≥ 1).
Formalmente, uma sucessão é uma função z : N → C na variável independente n ∈ N e
tomando valores em C. Ao termo zn chamamos termo geral da sucessão e denotamos a
sucessão z1 , z2 , . . . por (zn ).
Se zn ∈ R para todo o n ≥ 1, dizemos que (zn ) é uma sucessão de números reais.
A sucessão (zn ) diz-se limitada se existir um número real M ∈ R tal que

|zn | ≤ M, ∀n ∈ N.

Ou seja, (zn ) é limitada se todos os seus termos estão contidos na bola fechada B(0, M ).
in
Por exemplo, a sucessão de termo geral zn = n é limitada pois para todo o número
2
natural n ∈ N temos
in 1
n
= n ≤ 1.
2 2
Portanto, todos os termos de (zn ) estão contidos na bola B(0, 1).

Definição 2.2. Uma sucessão (zn ) tem limite ` ∈ C, e escrevemos

lim zn = ` ou zn → `

se para qualquer ε > 0 existe um nε ∈ N tal que |zn − `| < ε para n > nε .

11
Capítulo 2

Se existir um número complexo ` nestas condições dizemos que a sucessão converge;


caso contrário diremos que a sucessão diverge.

Portanto, a sucessão (zn ) é convergente se pudermos tornar os seus termos zn tão perto
de ` quanto quisermos ao fazermos n suficientemente grande. Temos zn → ` se e só se
|zn − `| → 0. A desigualdade |zn − `| < ε significa que a partir de nε todos os termos da
sucessão estão contidos na bola B(`, ε). O significado geométrico desta definição pode ser
visto na figura 2.1.

z2
z3 •

zn •
• `
z1 zε •• •• ε
• • •

Figura 2.1: Convergência de uma sucessão complexa

Exemplo 2.1. A sucessão (in /n) converge para 0. Seja ε > 0. Então,

in 1
−0 = <ε
n n

sempre que n > 1/ε. Podemos tomar nε > 1/ε.


Exemplo 2.2. Consideremos a sucessão de termos geral zn = (n + 2i)/n. Então zn → 1. Se
ε > 0, temos
n + 2i 2i 2
−1 = = <ε
n n n
sempre que n > 2/ε. Podemos tomar nε > 2/ε.
É fácil constatar que a convergência e o limite de uma sucessão não se alteram se a ela
retirarmos ou acrescentarmos um número finito de termos. Tal como no caso real, o limite
de uma sucessão complexa, quando existe, é único.
Teorema 2.1
O limite de uma sucessão convergente é único.

Demonstração. Suponhamos que zn → `1 e zn → `2 . Então, dado ε > 0 existem n1 , n2 ∈ N


tais que
ε
|zn − `1 | < , para n > n1
2
12
Capítulo 2

e
ε
|zn − `2 | < , para n > n2 .
2
Seja nε = max{n1 , n2 }. Então, para n ≥ nε temos
ε ε
|`1 − `2 | = |(`1 − zn ) + (zn − `2 )| ≤ |zn − `1 | + |zn − `2 | < + = ε.
2 2
Ou seja, |`1 − `2 | é uma constante positiva menor do que qualquer ε > 0, logo `1 = `2 .

Teorema 2.2
Uma sucessão convergente é limitada.

Demonstração. Suponhamos que zn → `. Então existe nε ∈ C tal que |zn − `| < 1 para
n > nε . Assim,
|zn | = |zn − ` + `| ≤ |zn − `| + |`| < 1 + |`|.

Seja M = max{|z1 |, |z2 |, . . . , |zε |, 1 + |`|}. Então, |zn | ≤ M para qualquer n ∈ N.

O reciproco do resultado anterior não é verdadeiro, ou seja, uma sucessão limitada não
é, necessariamente, convergente.

Exemplo 2.3. A sucessão de termo geral zn = (−1)n é limitada, com |zn | ≤ 1 para todo o
n ∈ N. Vamos mostrar que esta sucessão não é convergente. Seja ` um número complexo e
notemos que para todo o n ∈ N, temos |zn+1 − zn | = 2. Assim, podemos escrever

2 = |zn+1 − zn | = |(zn+1 − `) + (` − zn )| ≤ |zn+1 − `| + |zn − `|.

Isto significa que para todo o n ∈ N, pelo menos uma das duas desigualdades |zn+1 − `| ≥ 1
e |zn − `| ≥ 1 se verifica. Portanto, a condição para a convergência não se verifica para
ε = 1, pelo que (zn ) é divergente.

Teorema 2.3: Álgebra dos limites

Sejam (zn ) e (wn ) duas sucessões convergentes para z e w, resp. Então:

1. lim(zn ± wn ) = z ± w,

2. lim(zn wn ) = zw,
 
zn z
3. lim = se w 6= 0.
wn w

13
Capítulo 2

Demonstração. 1. Seja ε > 0. Então, existem n1 , n2 ∈ N tais que


ε
|zn − z| < , para n > n1
2
e
ε
|wn − z| < , para n > n2 .
2
Com n0 = max{n1 , n2 }, temos que para qualquer n > n0 ,
ε ε
|(zn ± wn ) − (z ± w)| = |(zn − z) ± (wn − w)| ≤ |zn − z| + |wn − w| < + = ε.
2 2
Logo zn ± wn → z ± w.

2. Como zn → z, existe n1 ∈ N tal que

|zn − z| < 1 para n > n1 ,

pelo que
|zn | < |z| + 1 para n > n1 .

Por outro lado, dado ε > 0 existem n2 , n3 ∈ N tais que


ε
|zn − z| < , para n > n2
2(|w| + 1)
e
ε
|wn − w| < , para n > n3 .
2(|z| + 1)
Seja n0 = max{n1 , n2 , n3 }. Para n > n0 temos

|zn wn − zw| = |zn wn − zn w + zn w − zw|


= |zn (wn − w) + (zn − z)w|
≤ |zn ||wn − w| + |w||zn − z|
ε ε
< + = ε.
2 2
Mostrámos assim que zn wn → zw.

3. Vamos começar por mostrar que 1/wn → 1/w. Como w 6= 0 e wn → w, existe n1 ∈ N


tal que para n > n1 todos os termos zn da sucessão estão dentro da bola de centro w e raio
|w|/2, ou seja,
|w|
|wn − w| < para n > n1 .
2
Isto significa que
|w|
|wn | > para n > n1 .
2
14
Capítulo 2

Por outro lado, dado ε > 0 existe n2 ∈ N tal que


|w|2 ε
|wn − w| < para n > n2 .
2
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Para n > n0 temos
1 1 |wn − w| 2|wn − w|
− = ≤ < ε.
wn w |wn ||w| |w|2
Assim, 1/wn → 1/w e pela alínea 2. concluímos que zn /wn = zn (1/wn ) → z/w.

Definição 2.3. Dizemos que a sucessão (zn ) diverge para ∞, e escrevemos zn → ∞, se para
qualquer M > 0 existe n0 ∈ N tal que |zn | > M sempre que n > n0 .

Exemplo 2.4. A sucessão de termo geral zn = (2i)n satisfaz zn → ∞ pois qualquer que seja
o real M > 0 temos
|(2i)n | = 2n > M
sempre que n > log2 M .
É consequência das definições que zn → ∞ se e só se 1/zn → 0.

Definição 2.4. Chamamos subsucessão da sucessão (zn ) a qualquer sequência infinita obtida
a partir de (zn ) por eliminação de alguns termos.

Proposição 2.4

1. Se a sucessão (zn ) converge para ` ∈ C, então qualquer subsucessão de (zn ) tem


limite `.

2. Sejam (un ) e (vn ) subsucessões da sucessão (zn ) que contêm todos os termos
desta. Se (un ) e (vn ) têm o mesmo limite ` então (zn ) também tem limite `.

Demonstração. A propriedade 1. resulta das definições de limite e de subsucessão.


Quanto a 2., consideremos ε > 0. Então, existem n1 , n2 ∈ N tais que

|un − `| < ε para n > n1

e
|vn − `| < ε para n > n2 .
Fazendo n0 = max{n1 , n2 }, temos que se n > n0 então

|un − `| < ε e |vn − `| < ε.

Como o conjunto dos termos de (zn ) é a união do conjunto dos termos de (un ) e de (vn ),
obtemos |zn − `| < ε, ou seja, zn → `.

15
Capítulo 2

Exemplo 2.5. O resultado anterior fornece uma nova prova de que a sucessão de termo
geral (−1)n é divergente, pois as suas subsucessões dos termos pares ((−1)2n ) e dos termos
ímpares ((−1)2n+1 ) têm limites 1 e -1, resp.

As sucessões reais são particularmente interessantes devido ao corpo dos números reais
ser ordenado. Este facto permite obter resultados que só se aplicam às sucessões reais.
Vamos de seguida relembrar alguns resultados sobre convergência de sucessões reais que
necessitaremos mais adiante.

Sucessões de números reais


Teorema 2.5: Sucessões enquadradas

ejam (an ), (bn ) e (cn ) sucessões de números reais tais que

1. an ≤ bn ≤ cn , para todo o n;

2. an e cn são convergentes com igual limite `.

Então bn é convergente e lim bn = `.

Demonstração. Como an → ` e cn → `, temos cn − an → 0. Isto significa que dado ε > 0


existem n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|cn − an | < para n > n1
2
e
ε
|an − `| < para n > n2 .
2
Seja n0 = max{n1 , n2 }. Então, para n > n0 temos

|bn − `| ≤ |bn − an | + |an − `| ≤ |cn − an | + |an − `| < ε.

Portanto, bn → `.

Exemplo 2.6. Utilizando o teorema das sucessões enquadradas é fácil verificar que
n!
lim = 0.
nn
De facto, temos  
n! 1 · 2···n 1 23 n 1
0≤ n = = ··· ≤ .
n n · n···n n nn n n
Como lim 0 = lim 1/n = 0 temos o resultado.

16
Capítulo 2

Definição 2.5. Seja (an )n∈N uma sucessão de números reais.

• Se an ≤ an+1 para todo o n ∈ N, isto é, se

a1 ≤ a2 ≤ a3 ≤ · · · ≤ an ≤ · · ·

então (an ) diz-se crescente.

• Se an ≥ an+1 para todo o n ∈ N, isto é, se

a1 ≥ a2 ≥ a3 ≥ · · · ≥ an ≥ · · ·

então (an ) diz-se decrescente.

Uma sucessão que seja decrescente ou crescente diz-se monótona.

Como vimos atrás, nem toda a sucessão limitada é convergente. No entanto, temos o
seguinte resultado:
Proposição 2.6
Toda a sucessão real monótona e limitada é convergente.

Demonstração. Suponhamos que (an ) é uma sucessão crescente (o caso decrescente é aná-
logo) e limitada. Seja ` o supremo do conjunto

{an : n ∈ N}.

Vamos mostrar que an → `. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que ` − ε < an0 ≤ `. Como (an ) é
crescente, temos ` − ε < an0 ≤ an ≤ ` < ` + ε para todo o n > n0 , pelo que |an − `| < ε.

Exemplo 2.7. Vamos utilizar o resultado anterior para estudar o comportamento da sucessão
(rn ), com r um número real fixo.
Quando r > 1, temos rn+1 − rn = rn (r − 1) > 0, pelo que (rn ) é crescente. Além disso,
escrevendo r = 1 + h e utilizando o binómio de Newton, podemos escrever

n(n − 1) 2
rn = (1 + h)n = 1 + nh + h + ···
2
e, como todas as parcelas são positivas,

rn > 1 + nh.

Uma vez que lim 1 + nh = +∞, também lim rn = +∞.


Quando r = 1 obtemos a sucessão constante rn = 1n = 1 convergente para 1.

17
Capítulo 2

Se 0 < r < 1, temos rn+1 − rn = rn (r − 1) < 0 pelo que (rn ) é decrescente. Além disso,
temos 0 < rn < r1 para todo o n. Portanto, a sucessão (rn ) é monótona e limitada, logo
convergente. Seja ` = lim rn . Então 0 = ` − ` = lim rn+1 − rn = lim rn (r − 1) = `(r − 1), o
que implica que ` = 0.
Quando r = 0 obtemos a sucessão constante rn = 0n = 0 convergente para 0.
Finalmente, se r < 0, temos r1 < 0, r2 > 0, r3 < 0, . . ., pelo que (rn ) não é monótona.
Além disso, podemos escrever
rn = (−1)n (−r)n .
Se −1 < r < 0, lim(−r)n = 0, donde lim rn = 0. Se r = −1 obtemos a sucessão divergente
(−1)n e se r < −1, de (rn ) podemos extrair duas subsucessões

a1 , a3 , a5 , . . . → −∞

e
a2 , a4 , a6 , . . . → +∞,
pelo que (rn ) é divergente.
Temos, portanto,

+∞,

 se r > 1

se r = 1

1,
lim rn = .


 0, se − 1 < r < 1

não existe, se r ≤ −1

Dado um número real a 6= 0, facilmente obtemos





 +∞, se r>1

se

a,
n
r=1
lim ar = .


 0, se −1<r <1

não existe, se

r ≤ −1

Uma sucessão da forma (arn ) diz-se uma progressão geométrica de razão r. Cada termo
é obtido do anterior por multiplicação pelo número r, chamado razão.
Exemplo 2.8. A sucessão (an ), onde para cada n ∈ N,
 n
1
an = 1 + ,
n
é convergente. De facto, pode provar-se que esta sucessão é monótona e limitada. Ao seu
limite chamamos e (número de Euler):
 n
1
lim 1 + = e ≈ 2, 718281828459 · · ·
n

18
Capítulo 2

Recordando que para uma função real de variável real f se tem

lim f (x) = ` ⇔ ∀ε > 0∃M > 0 : x ∈ Df e x ≥ M ⇒ |f (x) − `| < ε,


x→+∞

podemos concluir que a diferença entre esta e a definição de limite de uma sucessão está
unicamente no domínio onde as funções estão definidas. Como N está contido em R podemos
facilmente estabelecer o seguinte resultado:
Proposição 2.7

Seja f : [1, +∞[→ R uma função real de variável real e seja ` ∈ R. Se lim f (x) = `
x→+∞
então a sucessão de números reais (f (n)) também converge para `.

Este resultado pode ser usado para calcular limites de sucessões reais efetuando a sua
extensão a uma função de R em R onde temos outros instrumentos para calcular limites.
 
ln n
Exemplo 2.9. Se quisermos calcular o limite da sucessão , podemos considerar a
n
ln(x)
função f (x) = definida em R+ e calcular o seu limite quando x tende para +∞.
x
Como se trata de um limite indeterminado, podemos utilizar a regra de L’Hôpital para
mostrar que
ln(x)
lim = 0.
x→+∞ x

ln n
Pelo teorema anterior, segue que lim = 0.
n

Testes de convergência
Vamos agora usar as propriedades das sucessões reais para estudar sucessões complexas.
Proposição 2.8

Seja (zn ) uma sucessão de números complexos.

1. lim zn = z se e só se lim Re(zn ) = Re(z) e lim Im(zn ) = Im(z).

2. zn → 0 se e só se |zn | → 0.

3. Se zn → z então |zn | → |z|.

Demonstração. 1. Notemos que

0 ≤ |Re(zn ) − Re(z)|, |Im(zn ) − Im(z)| ≤ |(Re(zn ) − Re(z)) + i(Im(zn ) − Im(z))| = |zn − z|.

Assim, se |zn − z| → 0, também |Re(zn ) − Re(z)| → 0 e |Im(zn ) − Im(z)| → 0.

19
Capítulo 2

Reciprocamente, suponhamos que |Re(zn ) − Re(z)| → 0 e |Im(zn ) − Im(z)| → 0. Pela


desigualdade triangular podemos escrever

0 ≤ |zn − z| ≤ |Re(zn ) − Re(z)| + |Im(zn ) − Im(z)| ≤ 0,

isto é, |zn − z| → 0.
A propriedade 2. é consequência da definição.
3. Temos zn → z se e só se |zn − z| → 0. Como

0 ≤ ||zn | − |z|| ≤ |zn − z|,

concluímos que também ||zn | − |z|| → 0, ou seja, |zn | → |z|.


in
Exemplo 2.10. A sucessão de termo geral zn = converge para 0 uma vez que
n
in 1
= → 0.
n n
3 + ni 2 1
Exemplo 2.11. Mostremos que a sucessão de termo geral zn = converge para + i.
n + 2ni 5 5
Para tal, comecemos por escrever zn na forma algébrica
2n2 + 3n −6n + n2
zn = +i .
5n2 5n2
O resultado é consequência dos limites
2n2 + 3n 2 −6n + n2 1
lim = e lim = .
5n2 5 5n2 5
Exemplo 2.12. Seja z ∈ C, fixo, e consideremos a sucessão (z n ). É claro que se |z| < 1,
então z n → 0 visto que |z n | = |z|n → 0. É fácil verificar que 1n → 1 e que se |z| = 1, z 6= 1,
z n não tem limite pois neste caso z n = cis(nθ), com θ 6= 0, e a sucessão real cos(nθ) diverge.
Além disso, como a sucessão de números reais |z|n é divergente para |z| > 1, pela alínea (3)
da proposição anterior concluímos que z n é divergente. Ou seja,

(z n ) é convergente se e só se |z| < 1 ou z = 1.

Proposição 2.9

Se zn → 0 e (wn ) é limitada então zn wn → 0.

Demonstração. Sendo (wn ) uma sucessão limitada, existe M > 0 tal que |wn | < M para
todo o n ∈ N. Além disso, dado ε > 0 existe nε ∈ N tal que |zn | < ε/M para n > n0 . Assim,
para n > n0 temos
0 < |zn wn | < ε.
Ou seja, zn wn → 0.

20
Capítulo 2

2.2 Séries de números complexos


Definição 2.6. Seja (zn ) uma sucessão de números complexos. Chama-se série numérica
de termo geral zn à expressão

X
z1 + z2 + · · · + zn + · · · = zn .
n=1

A sucessão (sn ) definida por sn = z1 + z2 + · · · + zn para todo o n ∈ N chama-se a sucessão



das somas parciais da série zn . Se a sucessão (sn ) for convergente e lim sn = s, então
P
n=1

a série zn é dita convergente e escrevemos
P
n=1


X
zn = s.
n=1

O número s diz-se a soma da série. Caso contrário, a série diz-se divergente.

Exemplo 2.13. Chama-se série geométrica a uma série da forma



X
rz n = r + rz + rz 2 + · · · + rz n−1 + · · · ,
n=0

onde r, z ∈ C. Se r 6= 0 e z 6= 1 (razão), o termo geral da sucessão das somas parciais desta


série pode escrever-se na forma
1 − zn
sn = r + rz + rz 2 + · · · + rz n−1 = r . (2.1)
1−z
Usando o resultado do exemplo 2.12 podemos concluir que a sucessão (sn ) é convergente se
e só se |z| < 1 e neste caso

zn
 
1 r
lim sn = lim r − = .
1−z 1−z 1−z

X
Portanto, se r =
6 0, a série geométrica rz n é convergente se e só se |z| < 1 e, neste caso,
n=0
a sua soma é ∞
X r
rz n = . (2.2)
n=0
1−z
Por outras palavras, a soma de uma série geométrica convergente é dada por
primeiro termo
.
1 − razão

21
Capítulo 2

Exemplo 2.14. Chama-se série telescópica ou série de Mengoli a uma série da forma

X
(zn − zn+p ) ,
n=1

onde (zn ) é uma sucessão de números complexos. Quando p = 1, a sua n-ésima soma parcial
pode ser escrita como
n
X
sn = (zk − zk+1 )
k=1

= (z1 − z2 ) + (z2 − z3 ) + · · · + (zn − zn+1 )


= z1 − zn+1 .

Assim, a série converge se e só se a sucessão (zn ) converge e, nesse caso, a sua soma é
z1 − lim zn .
Exemplo 2.15. A série harmónica

X 1
n=1
n
é divergente. De facto, consideremos a subsucessão (s2n ) da sucessão das somas parciais
(sn ) e notemos que
1
s21 = 1 +
2    
1 1 1 1 1 1 2
s22 = 1 + + + >1+ + + =1+
2 3 4 2 4 4 2
   
1 1 1 1 1 1 1
s23 = 1 + + + + + + +
2 3 4 5 6 7 8
   
1 1 1 1 1 1 1
>1+ + + + + + +
2 4 4 8 8 8 8
3
=1+
2
..
.
n
s2n > 1 +
2
Portanto, (sn ) possui uma subsucessão ilimitada, pelo que (sn ) não é convergente. Concluí-se
então que a série harmónica é divergente.
Uma vez que a noção de convergência de uma série está ligada à noção de limite da
sucessão das somas parciais, obtemos o seguinte resultado.
Proposição 2.10

A natureza (convergência ou divergência) de uma série não se altera se retirarmos,


eliminarmos ou alterarmos um número finito dos seus termos.

22
Capítulo 2

∞ ∞
Demonstração. Sejam zn e wn duas séries de números complexos e suponhamos que
P P
n=1 n=1
existe uma ordem n0 tal que zn = wn para todo o n > n0 . Ou seja, as duas séries diferem
apenas nos primeiros n0 termos. Vamos mostrar que neste caso as séries têm a mesma
∞ ∞
natureza. Sejam (sn ) e (tn ) as sucessões das somas parciais de zn e wn , respetivamente.
P P
n=1 n=1
Então, para cada n > n0 ,

sn = z1 + · · · + zn0 + zn0 +1 + · · · + zn = sn0 + zn0 +1 + · · · + zn


| {z }
s n0

e
tn = w1 + · · · + wn0 + wn0 +1 + · · · + wn = tn0 + wn0 +1 + · · · + wn .
| {z }
tn0

Como zn = wn para n > n0 , temos

sn − tn = sn0 − tn0 = c,

para alguma constante c ∈ C. Segue que sn = tn + c e, portanto, a sucessão (sn ) converge


se e só se a sucessão (tn ) converge.

Note-se, no entanto, que se se retirarmos, eliminarmos ou alterarmos um número finito


dos termos de uma série convergente, a série resultante converge mas não necessariamente
∞ ∞
para a soma da série original. Por exemplo, se k ∈ N e zn = s então série zn também
P P
n=1 n=k

é convergente mas tem soma
P
zn = s − (z1 + · · · + zk−1 ).
n=k

Proposição 2.11: Álgebra das séries


∞ ∞
Sejam zn e wn duas séries convergentes com somas s e t, respectivamente. Então,
P P
n=1 n=1
dado c ∈ C,
∞ ∞
1. (zn + wn ) e czn são ambas convergentes;
P P
n=1 n=1

∞ ∞
2. a soma de (zn + wn ) é s + t e a soma de czn é cs.
P P
n=1 n=1

Demonstração. As propriedades são consequência da álgebra dos limites de sucessões com-


plexas.

Cololário 2.12
∞ ∞ ∞
Se zn é convergente e wn é divergente, então a série (zn + wn ) é divergente.
P P P
n=1 n=1 n=1

23
Capítulo 2


Demonstração. Se (zn + wn ) fosse convergente, então pelo teorema anterior também a
P
n=1
série

X ∞
X ∞
X
wn = (zn + wn ) − zn
n=1 n=1 n=1

seria convergente, o que é um absurdo.

Outro resultado que segue imediatamente da noção de limite é o seguinte:


Teorema 2.13: Convergência de séries complexas vs séries reais

série de números complexos zn converge se e só se as séries de números reais
P
n=1
∞ ∞
Re(zn ) e Im(zn ) convergem e, nesse caso,
P P
n=1 n=1


X ∞
X ∞
X
zn = Re(zn ) + i Im(zn ).
n=1 n=1 n=1

2.3 Critérios de convergência


Teorema 2.14: Condição necessária de convergência

Se a série zn é convergente, então lim zn = 0.
P
n=1

Demonstração. Seja (sn ) a sucessão das somas parciais associada à série. Considerando
tn = sn−1 , podemos considerar a sucessão (tn ) como uma subsucessão de (sn ) e, como tal,
convergente para o mesmo limite. Assim, lim zn = lim sn − tn = 0.

A uma série associamos duas sucessões: a sucessão (sn ) das somas parciais associada à

série e a sucessão (zn ) dos seus termos. Se zn for convergente, a sua soma é s = lim sn
P
n=1
e lim zn = 0. O recíproco deste teorema é falso: se lim zn = 0 não podemos concluir que a
∞ ∞
X 1 1
série zn converge. De facto, a série diverge e lim = 0.
P
n=1 n=1
n n

Cololário 2.15: Teste para a divergência



Se lim an 6= 0, então a série an é divergente.
P
n=1

24
Capítulo 2

∞ ∞∞
X X X ni
Exemplo 2.16. As séries (−1) , ni e
n
são divergentes, pois os seus termos
n=1 n=1 n=1
n+1
gerais não convergem para zero.

Séries reais
Vamos seguidamente analisar o caso particular das séries de números reais. Como veremos
mais adiante, as séries de números reais terão um papel importante no estudo da natureza
de uma série complexa.
Teorema 2.16: Teste de comparação
∞ ∞
Sejam an e bn duas séries de números reais tais que 0 ≤ an ≤ bn , para todo o
P P
n=1 n=1
n ≥ n0 . Então,
∞ ∞
1. se bn é convergente, então an é também convergente;
P P
n=1 n=1

∞ ∞
2. se an é divergente, então bn é também divergente.
P P
n=1 n=1

Demonstração. Como 1. e 2. são equivalentes, provaremos apenas a condição 1. Sejam (sn )


∞ ∞
e (tn ) as sucessões das somas parciais de an e de bn = t, resp. Como ambas as séries
P P
n=1 n=1
têm termos positivos, as sucessões (sn ) e (tn ) são crescentes. Além disso, tn → t, pelo que
tn ≤ t. Como an ≤ bn para todo o n ∈ N, temos sn ≤ tn para todo o n ∈ N, logo também
sn ≤ t para todo o n ∈ N. Isto significa que a sucessão (sn ) é crescente e limitada, logo
convergente.


X 1
Exemplo 2.17. A série é convergente, uma vez que
n=1
2n +1

1 1
0≤ ≤
2n + 1 2n


X 1
e a série converge pois é uma série geométrica de razão 0 < 1
2
< 1.
n=1
2n

25
Capítulo 2

Teorema 2.17: Teste de comparação do limite


∞ ∞ an
Sejam an e bn duas séries de termos não-negativos. Se ` = lim ∈ R+ ∪
P P
n=1 n=1 bn
{0, +∞}, então:

1. Se ` ∈ R+ , isto é, não é zero nem +∞, então as séries têm a mesma natureza.
∞ ∞
2. Se ` = 0 e bn converge, então an converge.
P P
n=1 n=1

∞ ∞
3. Se ` = +∞ e bn diverge, então an diverge.
P P
n=1 n=1

Demonstração. 1. Sejam m e M números reais positivos tais que m < ` < M . Como
lim an /bn = `, existe n0 ∈ N tal que para n > n0 se tem
an
m< < M,
bn

ou de forma equivalente,
mbn < an < M bn .
∞ ∞
Se bn converge, também M bn converge e, pelo o teste de comparação, também a série
P P
n=1 n=1
∞ ∞ ∞
an converge. Por outro lado, se bn diverge, também mbn diverge e mais uma vez
P P P
n=1 n=1 n=1

pelo o teste de comparação, concluímos que a série an diverge.
P
n=1
an an
2. Se lim= 0 então dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que para n > n0 temos 0 < < ε,
bn bn

ou de forma equivalente, 0 < an < εbn . Se bn converge, o mesmo se passa com a série
P
n=1
∞ ∞
εbn e, pelo teste de comparação, an converge.
P P
n=1 n=1
an
3. Finalmente, se lim = +∞ então dado M > 0 existe n0 ∈ N tal que para n > n0
bn
an
temos 0 < M < , ou seja, 0 < M bn < an . Mais uma vez o teste de comparação diz-nos
bn
∞ ∞
que se bn diverge também a série an diverge.
P P
n=1 n=1


X 1
Exemplo 2.18. A série é convergente. De facto,
n=1
2n −1

1
2n −1 2n
lim 1 = lim = 1 ∈ R+
2n
2n − 1

26
Capítulo 2


e a série 1
é geométrica de razão 0 < 1
< 1, logo convergente. Pelo teste de comparação
P
2n 2
n=1
do limite, obtemos o resultado.
Teorema 2.18: Critério do integral

Seja f : [1, +∞) → R uma função contínua, não negativa e decrescente. Então o
R +∞ ∞
integral impróprio 1 f (x)dx e a série f (n) têm a mesma natureza.
P
n=1

Demonstração. Consideremos a área limitada pelo eixo dos xx’s e o gráfico da função f (x)
entre 1 e n. Particionamos o intervalo [1, n] em subintervalos de comprimento 1 e tomamos o
valor da função f no extremo direito de cada intervalo (cf. figura abaixo). Este procedimento
define retângulos de área ai := f (i), para i = 2, . . . , n, cuja soma das áreas satisfaz
Z n
a2 + a3 + · · · + an ≤ f (x)dx. (2.3)
1

y = f (x)
a2 a3 a4 a5 an x
1 2 3 4 5 · · · n

Z +∞
Se o integral f (x)dx é convergente, então da desigualdade (2.3) segue que
1

n
X Z n Z +∞
ai ≤ f (x)dx ≤ f (x)dx.
i=2 1 1

Portanto,
n
X Z +∞
s n = a1 + ai ≤ a1 + f (x)dx = M,
i=2 1

para algum M ∈ R. Isto significa que a sucessão das somas parciais (sn ) da série f (n) é
P
n=1
limitada. Como esta sucessão é claramente crescente, podemos concluir que (sn ) é conver-

gente, i.e., a série f (n) é convergente.
P
n=1 Z +∞
Suponhamos agora que o integral f (x)dx é divergente. Como f (x) ≥ 0 temos
Rn 1
1
f (x)dx → +∞ quando n → +∞. De forma análoga ao caso anterior (cf figura abaixo),

27
Capítulo 2

podemos concluir que


Z n
f (x)dx ≤ a1 + a2 + · · · + an−1 = sn−1 . (2.4)
1

y = f (x)
a1 a2 a3 a4 an−1 x
1 2 3 4 5 ··· n


A desigualdade (2.4) significa que sn → +∞, pelo que a série f (n) diverge.
P
n=1

X 1
Exemplo 2.19. Dado p ∈ R designamos por série-p ou série de Dirichlet a série p
.
n=1
n
Vamos utilizar os critérios anteriores para estudar a natureza desta série.
Se p < 0 então lim 1/np = ∞ e se p = 0 então lim 1/np = 1. Em ambos os casos
lim 1/np 6= 0, pelo que o teste para a divergência permite concluir que a série-p correspon-
dente diverge.
Se p > 0 a função f (x) = 1/xpZ é contínua, decrescente e positiva no intervalo [1, +∞[.
+∞
Uma vez que o integral impróprio f (x)dx converge se p > 1 e diverge se p ≤ 1, o teste
1
do integral diz-nos que a série-p converge para p > 1 e diverge se 0 < p ≤ 1.
Resumindo, a série-p

X 1
p
converge para p > 1 e diverge para p ≤ 1.
n=1
n

Vamos de seguida analisar séries reais cujos termos não são necessariamente positivos.
Designaremos estas séries por séries de termos de sinal não definido. De entre estas, existem
umas especiais chamadas séries alternadas.

X ∞
X
Definição 2.7. Uma série da forma (−1) bn ou
n
(−1)n−1 bn , onde bn ∈ R+ para todo
n=1 n=1
o n, chama-se série alternada.

Teorema 2.19: Critério de Leibniz


Se a sucessão de termos reais positivos (bn ) é decrescente e tal que lim bn = 0, então

a série alternada (−1)n−1 bn é convergente.
P
n=1

28
Capítulo 2


Demonstração. Consideremos a sucessão das somas parciais (sn ) da série (−1)n bn . Uma
P
n=1
vez que bn > 0 e que (bn ) é decrescente, não é difícil verificar que
s1 ≥ s3 ≥ s5 ≥ · · · ≥ s2n−1 ≥ s2n ≥ · · · ≥ s6 ≥ s4 ≥ s2 .
Concluímos que a subsucessão dos termos ímpares (s2n−1 ) é decrescente e limitada inferi-
ormente por s2 , enquanto que a subsucessão dos termos pares (s2n ) é crescente e limitada
superiormente por s1 . Portanto, ambas as subsucessões são convergentes. Além disso
s2n−1 − s2n = b2n → 0,
pelo que ambas as subsucessões têm o mesmo limite. Concluímos assim que (sn ) é conver-
gente.

X 1
Exemplo 2.20. A série alternada (−1)n−1 é convergente pois (bn ) = (1/n) é uma suces-
n=1
n
são decrescente, isto é, bn ≥ bn+1 para todo o n ≥ 1 e lim bn = 0. Esta série designa-se por
série harmónica alternada.

X 2n
Exemplo 2.21. O critério de Leibniz não pode ser aplicado à série alternada (−1)n−1
n=1
3n − 1
2n 2
pois o limite lim = 6= 0. No entanto, é fácil verificar que as subsucessões dos ter-
3n − 1 3
mos pares e dos termos ímpares têm limites diferentes, donde se conclui que não existe o
2n
limite do termo geral (−1)n−1 . Assim, pelo teste para a divergência, a série dada é
3n − 1
divergente.
Podemos usar uma soma parcial sn de uma série convergente para estimar a sua soma
s. No entanto, o grau de precisão desta estimativa pode ser difícil de obter, o que torna a
estimativa pouco eficiente. O erro que se comete ao aproximar s usando sn é a diferença
Rn = s − sn . No caso das séries alternadas, é possível controlar o erro cometido nesta
aproximação.
Teorema 2.20: Estimativa do erro para séries alternadas

Seja (−1)n−1 bn uma série alternada convergente com soma s satisfazendo as hipó-
P
n=1
teses do critério de Leibniz. Se (sn ) é a sucessão das somas parciais da série, então

|Rn | = |s − sn | ≤ bn+1 .

Demonstração. Segue da prova do critério de Leibniz que a soma s se situa entre quaisquer
dois termos consecutivos sn e sn+1 da sucessão das somas parciais. Portanto,
|s − sn | ≤ |sn+1 − sn | = bn+1 .

29
Capítulo 2


X (−1)n
Exemplo 2.22. A série alternada é convergente, pois satisfaz as condições do
n! n=0
critério de Leibniz. Se aproximarmos a sua soma usando os primeiros 7 termos da série
obtemos
1 1 1 1 1 1 1
s ≈ s6 = − + − + − + ≈ 0.368056.
0! 1! 2! 3! 4! 5! 6!
O erro que se comete nesta aproximação é menor do que o módulo do primeiro termo
desprezado:
1
R ≤ b7 = = 0.0002.
7!
Como o erro é menor do que 0.0002, a estimativa s ≈ 0.368056 tem pelo menos 3 casas
decimais corretas.

Séries complexas

Dada uma série de números complexos zn podemos considerar a série de números reais
P
n=1


X
|zn | = |z1 | + |z2 | + · · · + |zn | + · · ·
n=1

cujos termos são os valores absolutos dos termos da série original.



Definição 2.8. Uma série zn é dita absolutamente convergente se a série dos valores
P
n=1

absolutos |zn | for convergente.
P
n=1

O teorema seguinte mostra que uma série absolutamente convergente é também conver-
gente. Isto significa que podemos usar critérios de convergência de séries reais para analisar
séries complexas.
Teorema 2.21
∞ ∞
Se a série zn é absolutamente convergente, então a série zn é convergente e
P P
n=1 n=1


X ∞
X
zn ≤ |zn |.
n=1 n=1

Demonstração. Vamos provar em primeiro lugar que a convergência absoluta implica con-

vergência para séries de números reais. Seja então an uma série de números reais ab-
P
n=1
solutamente convergente e notemos que 0 ≤ an + |an | ≤ 2|an |, para todo o n ≥ 1. Como

30
Capítulo 2

∞ ∞
por hipótese |an | converge, também a série 2|an | converge e, pelo teste de comparação
P P
n=1 n=1

para série de termos positivos, podemos concluir que a série an + |an | também converge.
P
n=1

Mas então an converge, pois podemos expressar esta série como a soma de duas séries
P
n=1
convergentes

X ∞
X ∞
X
an = (an + |an |) − |an |.
n=1 n=1 n=1


X
Seja agora zn uma série absolutamente convergente. Então, como |Re(zn )| ≤ |zn | e
n=1
|Im(zn )| ≤ |zn | o critério de comparação para séries de termos positivos permite concluir
∞ ∞ ∞
que as séries |Re(zn )| e |Im(zn )| são convergentes. Ou seja, as séries reais
P P P
Re(zn )
n=1 n=1 n=1

e Im(zn ) são absolutamente convergentes logo, pelo que vimos atrás, são também con-
P
n=1

vergentes, o que implica a convergência da série zn .
P
n=1
∞ ∞
Designemos por (sn ) e por (s0n ) as sucessões das somas parciais das séries zn e
P P
|zn |.
n=1 n=1
Pela desigualdade triangular podemos escrever

|sn | := |z1 + z2 + · · · + zn | ≤ |z1 | + |z2 | + · · · + |zn | = s0n .

∞ ∞
Assim, obtemos lim |sn | ≤ lim s0n , ou seja,
P P
zn ≤ |zn |.
n=1 n=1

Portanto, convergência absoluta implica convergência. No entanto, o reciproco não é


válido, isto é, a convergência de uma série não significa que esta é também absolutamente
convergente. Por exemplo, a série harmónica alternada é convergente mas não é absoluta-
mente convergente.

Definição 2.9. Uma série é dita simplesmente convergente se for convergente mas não
absolutamente convergente.

31
Capítulo 2

Teorema 2.22: Critério da razão ou d’Alembert


∞ |zn+1 |
Seja zn uma série de números complexos tal que lim = ` ∈ R+ ∪ {0, +∞}.
P
n=1 |zn |

1. Se ` < 1 a série zn é absolutamente convergente.
P
n=1


2. Se ` > 1 ou ` = +∞ a série zn é divergente.
P
n=1

3. Se ` = 1 nenhuma conclusão pode ser retirada sobre a convergência ou diver-



gência da série zn .
P
n=1

Demonstração. 1. Suponhamos que ` < 1. Seja L ∈ R tal que ` < L < 1. Então, existe
n0 ∈ N tal que
zn+1
<L para n > n0 .
zn


Daqui segue que |zn | < |zn0 |Ln para n > n0 . Como a série |zn0 |Ln é convergente, pois é
P
n=1
uma série geométrica de razão 0 < L < 1, pelo teste de comparação concluímos que a série

|zn | é também convergente.
P
n=1
2. Se ` > 1 ou ` = +∞, então existe n0 ∈ N tal que

zn+1
>1 para n > n0 .
zn

Isto significa que |zn+1 | > |zn | para n > n0 e, portanto, lim |zn | =
6 0. Logo lim zn 6= 0 e pelo

teste para a divergência concluímos que a série zn é divergente.
P
n=1

X
3. A série-p 1/n2 é absolutamente convergente e satisfaz lim |zn+1 /zn | = 1, enquanto
n=1

X
que a série harmónica 1/n é divergente mas também satisfaz lim |zn+1 /zn | = 1. Portanto,
n=1
se ` = 1 o teste da razão é inconclusivo.

32
Capítulo 2

Teorema 2.23: Critério da raiz ou de Cauchy



eja zn uma série de números complexos tal que lim
p
|zn | = ` ∈ R+ ∪ {0, +∞}.
P n

n=1


1. Se ` < 1 a série zn é absolutamente convergente.
P
n=1


2. Se ` > 1 ou ` = +∞ a série zn é divergente.
P
n=1

3. Se ` = 1 nenhuma conclusão pode ser retirada sobre a convergência ou diver-



gência da série zn .
P
n=1

Demonstração. 1. Se ` < 1 seja L ∈ R tal que ` < L < 1. Então, existe n0 ∈ N tal que

para n > n0 ,
p
n
|zn | = |zn |1/n < L

ou ainda,
|zn | < Ln para n > n0 .
∞ ∞
Como a série geométrica Ln converge, pelo teste de comparação a série |zn | também
P P
n=1 n=1
converge.
2. Se ` > 1 ou ` = +∞, então existe n0 ∈ N tal que

para n > n0 .
p
n
|zn | = |zn |1/n > 1

Isto significa que |zn | > 1n = 1 para n > n0 e, portanto, lim |zn | =
6 0. Logo lim zn 6= 0 e pelo

teste para a divergência concluímos que a série zn é divergente.
P
n=1

X ∞
X
3. A série-p 1/n é absolutamente convergente enquanto que a série harmónica
2
1/n
n=1 n=1
é divergente, mas em cada um destes casos temos ` = lim n |zn | = 1.
p

33
Capítulo 2

34
CAPÍTULO 3
SÉRIES DE FOURIER

Séries de Fourier são ferramentas importantes para representar funções periódicas. Devem
o seu nome a Jean-Baptiste Joseph Fourier, que as utilizou para solucionar um problema
relacionado com a condução do calor numa placa de metal.
Definição 3.1. Uma função f : R → R é dita periódica de período L ∈ R se

f (x + L) = f (x), para todo o x ∈ R.

Claro que se L é um período da função f , então também kL é um período de f , para


todo o k ∈ Z, uma vez que

f (x + kL) = f (x + (k − 1)L + L) = f (x + (k − 1)L) = · · · = f (x), se k ∈ Z+

e
f (x − L) = f (x − L + L) = f (x).
Portanto, sem perda de generalidade podemos considerar apenas períodos positivos. O
intervalo de regularidade de f é qualquer intervalo de comprimento L. Na maior parte dos
casos, vamos considerar os intervalos de regularidade [− L2 , L2 ].
Definição 3.2. Chamamos período fundamental de uma função periódica ao menor dos
períodos positivos. Vamos, no entanto, daqui em diante chamar apenas período ao período
fundamental.
Exemplo 3.1. As funções sin(x) e cos(x) são periódicas com período 2π.
Exemplo 3.2. Para cada n ∈ N e cada L ∈ R \ {0}, fixos, as funções definidas por f (x) =
 nπx   nπx  2L
sin e g(x) = cos são periódicas com período T = , pois
L L n
  
nπ 2L  nπx   nπx 
f (x + T ) = sin x+ = sin + 2π = sin = f (x)
L n L L

35
Capítulo 3

e analogamente g(x + T ) = g(x).

Definição 3.3. Uma função f diz-se seccionalmente contínua no intervalo [−L, L] se


tiver neste intervalo apenas um número finito de descontinuidades, todas de primeira espécie.
Isto é, se f tem um número finito de descontinuidade em a1 , a2 , . . . , an , para algum n ≥ 0,
com
−L = a0 < a1 < a2 < · · · < an < an+1 = L,
é contínua em ]ai , ai+1 [, i = 0, 1, . . . , n, e existem os limites laterais

f (a+
i ) := lim+ f (x) e f (a−
i ) := lim− f (x).
x→ai x→ai

Claro que se f é contínua em xi então f (x+


i ) = f (xi ). Sabemos ainda da análise real

que uma função seccionalmente contínua em [−L, L] é integrável neste intervalo.

Definição 3.4. Seja f uma função seccionalmente contínua no intervalo [−L, L]. Então a
série de Fourier de f é a série de funções

a0 X   nπx   nπx 
+ an cos + bn sin ,
2 n=1
L L

onde os coeficientes de Fourier são dados por


1 L 1 L
Z  nπx  Z  nπx 
an = f (x) cos dx e bn = f (x) sin dx.
L −L L L −L L

A presença do factor 1/2 na parcela a0 serve para tornar a fórmula para os coeficientes an
válida para todo o n ≥ 0. Note-se ainda que nesta definição não é dito que f (x) é a soma da
sua série de Fourier. Apenas se diz que associada a uma qualquer função f seccionalmente
contínua no intervalo [−L, L], existe uma certa série chamada série de Fourier. Coloca-se
então a questão de saber qual a relação entre f e a sua série de Fourier. A resposta a esta
questão é dada no próximo teorema.
Antes, porém, vamos mostrar como deduzir as fórmulas para os coeficientes de Fourier,
começando com uma função f periódica de período 2π, que supomos coincidir com a sua
série de Fourier no intervalo [−π, π]:

a0 X
f (x) = + (an cos(nx) + bn sin(nx)), −π ≤ x ≤ π.
2 n=1

Integrando termo a termo, obtemos


Z π Z π ∞  Z π Z π 
a0 X
f (x)dx = dx + an cos(nx)dx + bn sin(nx)dx . (3.1)
−π −π 2 n=1 −π −π

36
Capítulo 3

Uma vez que Z π Z π


cos(nx)dx = sin(nx)dx = 0,
−π −π
segue que Z π
1
a0 = f (x)dx.
π −π

Multiplicando a equação (3.1) por cos(mx), m ≥ 1, obtemos


Z π
f (x) cos(mx)dx =
−π
 
Z π ∞ Z π Z π
a0 X  
= cos(mx)dx + an cos(nx) cos(mx)dx + bn sin(nx) cos(mx)dx.
2 −π

−π −π
| {z } n=1 | {z }
=0 =0

Atendendo a que 
Z π π, n = m
cos(nx) cos(mx)dx = ,
−π 0, n 6= m

obtemos então Z π
1
am = f (x) cos(mx)dx, m ≥ 1.
π −π

Analogamente, multiplicando a equação (3.1) por sin(mx), m ≥ 1, obtemos


1 π
Z
bm = f (x) sin(mx)dx, m ≥ 1.
π −π
Se a função f tem período diferente de 2π, podemos obter a sua série de Fourier fazendo
uma mudança de variável. Suponhamos então que f é uma função seccionalmente contínua
πx
em [−L, L] com período 2L, isto é, f (x + 2L) = f (x) para todo o x. Fazendo t = e
L
 
Lt
f (x) ≡ f = g(t),
π
então a função g é seccionalmente contínua em [π, π], tem período 2π e x = ±L corresponde
a t = ±π. Pelo caso anterior, a série de Fourier de g é então

a0 X
+ (an cos(nt) + bn sin(nt)) ,
2 n=1

onde Z π Z π
1 1
an = g(t) cos(nt)dt, bn = g(t) sin(nt)dt.
π −π π −π
πx
Substituindo a variável t = nestas fórmulas, obtemos os coeficientes dados na definição
L
3.4.

37
Capítulo 3

Exemplo 3.3. Consideremos a função definida em [−π, π] por



0, −π ≤ x < 0
f (x) = .
1, 0 ≤ x < π

Os coeficientes de Fourier de f são dados por

1 π 1 π
Z Z
a0 = f (x)dx = 1dx = 1,
π −π π 0

1 π 1 π
Z Z 
1 sin(nx)
an = f (x) cos(nx)dx = cos(nx)dx = = 0, para n ≥ 1,
π −π π 0 π n 0
e

n par
Z π Z π π 
0,

1 1 1 − cos(nx)
bn = f (x) sin(nx)dx = sin(nx)dx = = .
π −π π 0 π n 0
 2 , n ímpar

A série de Fourier de f é, então


a0
+ a1 cos(x) + a2 cos(2x) + · · · + b1 sin(x) + b2 sin(2x) + b3 sin(3x) + · · ·
2

1 X 2
= + sin(2k − 1)x.
2 n=1 π(2k − 1)

Teorema 3.1: Convergência da série de Fourier


Seja f uma função periódica de período 2L. Se f e f 0 forem seccionalmente contínuas
no intervalo [−L, L], então a série de Fourier de f é convergente em R e a sua soma,
em cada ponto x, é igual à média aritmética dos limites laterais de f ,

f (x+ ) + f (x− )
.
2

As condições requeridas neste teorema para a convergência da série de Fourier são conhe-
cidas como condições de Dirichlet. Notemos que se f é contínua em x, então f (x+ ) = f (x− )
f (x+ ) + f (x− )
e = f (x), ou seja, a série de Fourier converge para f (x) nos pontos de
2
continuidade da função f .
Exemplo 3.4. Consideremos novamente a função f periódica de período 2π definida no
intervalo [−π, π] por 
0, −π ≤ x < 0
f (x) = .
1, 0 ≤ x < π

38
Capítulo 3

É fácil verificar que tanto f como a sua derivada são seccionalmente contínuas no intervalo
[−π, π]. A função f é contínua no ponto x = 1 e descontínua em x = 0, onde tem uma
descontinuidade de primeira espécie. Assim, a sua série de Fourier, que determinámos no
f (0+ ) + f (0− )
exemplo 3.3, converge para f (1) = 1 no ponto x = 1, e converge para =
2
0+1 1
= no ponto x = 0.
2 2
Uma propriedade que pode ser útil quando se pretende obter a série de Fourier de uma
função é a linearidade, que se estabelece de seguida.
Proposição 3.2

Se f (x) = `g(x) + mh(x), onde g(x) e h(x) são funções periódicas de período 2L
e seccionalmente contínuas em [−L, L]. Então os coeficientes de Fourier de f (x) no
intervalo [−L, L], são a soma dos coeficientes de Fourier das funções g(x) e h(x) em
[−L, L], multiplicados por ` e m, respetivamente.

Demonstração. É claro que f (x) é periódica de período 2L e seccionalmente contínua em


[−L, L]. Se as séries de Fourier de g(x) e h(x) em em [−L, L] são

a0 X  nπx   nπx 
g(x) = + an cos + bn sin
2 n=1
L L
e ∞
α0 X  nπx   nπx 
h(x) = + αn cos + βn sin
2 n=1
L L
então os coeficientes An e Bn de Fourier de f (x) em [−L, L] são dados por:
1 L 1 L
Z  nπx  Z  nπx 
An = f (x) cos dx = (`g(x) + mh(x)) cos dx
L −L L L −L L
` L m L
Z  nπx  Z  nπx 
= g(x) cos dx + h(x) cos dx
L −L L L −L L
= `an + mαm ,

para todo o n ≥ 0, e de forma análoga obtemos Bn = `bn + mβn para n ≥ 1.

Se f é uma função par em [−L, L], isto é, se f (−x) = f (x) para todo o x ∈ [−L, L],
então Z L Z L
f (x)dx = 2 f (x)dx.
−L 0
Se f é uma função ímpar em [−L, L], isto é, se f (−x) = −f (x) para todo o x ∈ [−L, L],
então Z L
f (x)dx = 0.
−L

39
Capítulo 3

Além disso, o produto de duas funções pares ou de duas funções ímpares é uma função
par, enquanto que o produto de uma função par por uma função ímpar é uma função ímpar.
Daqui segue que se f é uma função par no intervalo [−π, π], então os coeficientes de Fourier
bn são nulos para n ≥ 1, enquanto que se f é uma função ímpar em [−π, π], então os
coeficientes de Fourier an são nulos para n ≥ 0.
Proposição 3.3
1. Seja f uma função periódica de período 2L, par e seccionalmente contínua em
[−L, L]. Então a série de Fourier de f é a série de cossenos

a0 X  nπx 
+ an cos ,
2 n=1
L

2 L
Z  nπx 
com an = f (x) cos dx para n ≥ 0.
L 0 L
2. Seja f uma função periódica de período 2L, ímpar e seccionalmente contínua em
[−L, L]. Então a série de Fourier de f é a série de senos

X  nπx 
bn sin ,
n=1
L
Z L
2  nπx 
com bn = f (x) sin dx para n ≥ 0.
L 0 L

Exemplo 3.5. Determinemos a série de Fourier da função definida por f (x) = |x|, para
−1 ≤ x ≤ 1, e f (x + 2) = f (x) para todo o x. O gráfico desta função está indicado em
baixo.

x
-2 -1 1 2

Tanto a função f como a sua derivada são seccionalmente contínuas no intervalo [−1, 1].
Além disso, notemos que f é uma função par. Determinemos então os coeficientes an de
Fourier de f , com L = 1:
Z 1 Z 0 Z 1
1
a0 = f (x)dx = (−x)dx + xdx = 1,
1 −1 −1 0

40
Capítulo 3

e para n ≥ 1, temos

se n é par
Z 1 0,
2
an = f (x) cos(nπx)dx = (cos(nπ) − 1) = .
−1 n2 π 2  −4
, se n é ímpar
n2 π 2

Assim, a série de Fourier de f é dada por



1 X 4
− cos((2k − 1)πx).
2 n=1 (2k − 1)2 π 2
Por fim, e uma vez que a função f é contínua, podemos escrever

1 X 4
f (x) = − cos((2k − 1)πx), para todo o x.
2 n=1 (2k − 1)2 π 2
As séries de Fourier podem ser usadas para determinar a soma de algumas séries nu-
méricas. Por exemplo, no caso anterior, para x = 0 a série de Fourier vale f (0) = 0.
Assim,

1 X 4
0= − cos(0),
2 n=1 (2k − 1)2 π 2
ou seja,

π2 X 1
= .
8 n=1
(2k − 1)2 π 2

Nos exemplos anteriores, a função analisada estava definida num certo intervalo simétrico
em relação à origem, sendo depois prolongada por periodicidade a toda a reta real. Se
tivermos uma função definida apenas num certo intervalo [0, L] e estivermos interessados
em obter um desenvolvimento em série de Fourier desta função temos a liberdade de definir
o período e a paridade do prolongamento desta função ao intervalo [−L, L]. Deste modo,
podemos obter várias séries para representar a função no intervalo [0, L].
Exemplo 3.6. Consideremos a função f : [0, π) → R definida por f (x) = x e suponhamos
que estamos interessados em obter uma série de Fourier de f (x) em senos. Deveremos
então pensar em efetuar um prolongamento ímpar da função f , como por exemplo a função
fe(x) = x se −π ≤ x < π e fe(x + 2π) = fe(x) para todo o x ∈ R, cujo gráfico representamos
em baixo:
y

x
−2π −π π 2π
−π

41
Capítulo 3

Neste caso, a série de Fourier da função fe(x) é dada por



X (−1)n−1
Fe(x) = 2 sin(nx). (3.2)
n=1
n

e temos Fe(x) = f (x) para todo o x ∈ (0, π), pois fe(x) é contínua neste intervalo.
Por outro lado, se estivermos interessados em obter uma série de Fourier de cossenos
da função f (x), devemos considerar um prolongamento par de f (x), como por exemplo a
função fb(x) definida por

x, se 0 ≤ x < π
f (x) =
b ,
−x, se − π ≤ x < 0

com fb(x + 2π) = fb(x) para todo o x ∈ R, cujo gráfico representamos em baixo:

x
−2π −π π 2π

Neste caso, a série de Fourier da função fb(x) é dada por



π X −4
Fb(x) = + cos((2n − 1)x). (3.3)
2 n=1 (2n − 1)2 π

e temos Fb(x) = f (x) para todo o x ∈ (0, π), pois fb(x) é contínua neste intervalo.
Portanto, as séries de Fourier (3.2) e (3.3), embora diferentes, representam a mesma
função f (x) no intervalo (0, π). Neste intervalo, as séries são iguais entre si e têm como
soma f (x).

Uma função que não seja par nem ímpar, pode ser representada pela soma de uma função
par com uma função ímpar, como veremos de seguida. Seja f (x) uma função que não é par
nem ímpar e suponhamos que
f (x) = g(x) + h(x), (3.4)
com g(x) uma função par e h(x) uma função ímpar. Então,

f (−x) = g(−x) + h(−x) = g(x) − h(x). (3.5)

Somando as equações (3.4) e (3.5), obtemos


1
g(x) = (f (x) + f (−x)) ,
2
42
Capítulo 3

enquanto que subtraindo as equações (3.4) e (3.5), obtemos

1
h(x) = (f (x) − f (−x)) .
2

Concluímos assim que

1 1
f (x) = (f (x) + f (−x)) + (f (x) − f (−x))
|2 {z } |2 {z }
g(x) par h(x) ímpar

é a soma de uma função par com uma função ímpar.


Assim, se f (x) = g(x) + h(x), com g(x) a parte par de f (x) e h(x) a parte ímpar de
f (x), os coeficientes de Fourier de f no intervalo [−L, L] são:

1 L
Z  nπx 
an = f (x) cos dx
L −L L
1 L 1 L
Z  nπx  Z  nπx 
= g(x) cos dx + h(x) cos dx
L −L L L −L L
1 L
Z  nπx 
= g(x) cos dx
L −L L

e, analogamente, temos
Z L
1  nπx 
bn = h(x) sin dx.
L −L L

Ou seja, os coeficientes de Fourier de f (x) são determinados pela parte par de f (x) e os
coeficientes bn são determinados pela parte ímpar de f (x).

Uma alternativa à forma trigonométrica da série de Fourier que vimos em cima é a sua
forma complexa, que passamos a deduzir. Consideremos então a série Fourier de uma função
f : R → R:

a0 X   nπx   nπx 
f (x) = + an cos + bn sin . (3.6)
2 n=1
L L

Usando a fórmula de Euler eit = cos(t) + i sin(t), obtemos as fórmulas (ver secção 4.3)
para o seno e cosseno reais:

eit + e−it eit − e−it


cos(t) = e sin(t) = .
2 2i
43
Capítulo 3

Assim, podemos reescrever a série de Fourier como


∞   i nπx nπx   i nπx nπx 
a0 X e L + e−i L e L − e−i L
(3.6) = + an + bn
2 n=1
2 2i
∞ ∞
a0 X an − ibn i nπx X an + ibn −i nπx
+ e L + e L
2 n=1
2 n=1
2

nπx nπx
X
= c0 + cn ei L + c−n e−i L ,
n=1

onde Z L
a0 1
c0 = = f (x)dx,
2 2L −L
Z L Z L
an − ibn 1   nπx   nπx  1 nπx
cn = = f (x) cos − i sin dx = f (x)e−i L dx
2 2L −L L L 2L −L
e
Z L Z L
an + ibn 1   nπx   nπx  1 nπx
c−n = = f (x) cos + i sin dx = f (x)ei L dx
2 2L −L L L 2L −L

Resumindo, temos:

Definição 3.5. Seja f : R → R uma função periódica de período 2L. Chama-se forma
complexa da série de Fourier de f à série
+∞
nπx
X
cn ei L ,
n=−∞

Z L
1 nπx
onde cn = f (x)e−i L dx.
2L −L

44
CAPÍTULO 4

FUNÇÕES ANALÍTICAS

4.1 Funções complexas e continuidade


Uma função complexa de variável complexa é uma correspondência

f : A −→ C,

onde A ⊆ C. O conjunto A é o domínio da função f e o conjunto f (A) = {f (z) : z ∈ A}


é designado por contradomínio ou imagem de f . Quando não se explicita o domínio de
uma função f supõe-se que este é o maior conjunto de números complexos onde a função f
está definida. No caso particular de A ⊆ R, dizemos f é uma função complexa de variável
real. Uma função real de variável real é uma função com valores reais e cujo domínio é um
subconjunto de R. Como R ⊆ C, toda a função real é também uma função complexa.
Exemplo 4.1. A expressão z + z1 pode ser determinada para qualquer z ∈ C \ {0}, pelo que
define uma função complexa de domínio Df = C \ {0}.
Exemplos de funções complexas incluem

1. Polinónios: dados números complexos a0 , a1 , . . . , an , com an 6= 0, dizemos que a


função
p(z) = an z n + · · · + a1 z + a0

é um polinómio de grau n.

2. Funções racionais: Se p(z) e q(z) são dois polinómios, chamamos função racional a
toda a função da forma
p(z)
r(z) = .
q(z)

45
Capítulo 4

3. Função argumento principal: Arg : C \ {0} →] − π, π] que a cada complexo não


nulo z faz corresponder o número Arg(z).

Uma vez que um número complexo z pode ser escrito na forma algébrica z = x + iy,
toda a função complexa f : A ⊆ C → C pode ser expressa em termos da sua parte real e
parte imaginária
f (z) = u(z) + iv(z),
com u(z), v(z) ∈ R. Denotamos usualmente Ref (z) e Imf (z) por u e v, resp. Como tanto
u como v dependem da variável complexa x + iy, que pode ser identificada com o seu afixo,
estas funções podem também ser vistas como funções reais de duas variáveis reais e f pode
escrever-se na forma
f (z) = u(x, y) + iv(x, y).
Assim, toda a função complexa f pode ser encarada como uma função de R2 em R2 :

f : A ⊆ R2 → R2
(x, y) 7→ (u(x, y), v(x, y))

Um instrumento útil no estudo das propriedades de uma função real f : D ⊆ R → R


é o seu gráfico {(x, f (x)) : x ∈ D}. Uma definição análoga pode ser dada para funções
complexas. No entanto, se w = f (z) é uma função complexa, o conjunto de pontos (z, f (z))
pertence a um espaço de dimensão 4, tornando a sua visualização bastante mais difícil.
Uma alternativa consiste em representar geometricamente uma função complexa w = f (z)
explicitando pares de pontos correspondentes z = x + iy e f (z) = u + iv em dois planos
separadamente. No exemplo seguinte ilustramos esta representação.
Exemplo 4.2. Consideremos a função f : C → C definida no ponto z = x + iy por
p
f (z) = x2 + y 2 − iy,

cujas partes real e imaginária são, respetivamente,


p
u(x, y) = x2 + y 2 e v(x, y) = −y.

Vamos analisar a imagem por f da circunferência de centro na origem e raio c > 0,

x 2 + y 2 = c2 .

Para cada ponto z = x + iy desta circunferência, temos


p
u(x, y) = x2 + y 2 = c e v(x, y) = −y,

com −c ≤ y ≤ c. Segue-se que f transforma circunferências x2 + y 2 = c2 em segmentos


[c − ci, c + ci], para c > 0:

46
Capítulo 4

y v

ci
f

c x c u

−ci

Uma vez que o domínio C da função f pode ser coberto por circunferências x2 + y 2 = c2 ,
com c > 0, concluímos que o contradomínio de f é dado por

f (C) = {(u, v) : u ≥ 0 e − u ≤ v ≤ u},

cuja representação geométrica é dada abaixo:


v

u
0

Definição 4.1. Seja f : A → C uma função complexa e seja z0 um ponto de acumulação


de A. Dizemos que o limite de f quando z tende para z0 é o número complexo w, e
escreve-se
lim f (z) = w
z→z0

se a distância de f (z) a w puder ser tornada tão pequena quanto se queira desde que se
tome z suficientemente próximo de z0 , ou seja, se

∀ε > 0∃δ > 0 : z ∈ A, 0 < |z − z0 | < δ ⇒ |f (z) − w| < ε.

Note-se que o ponto z0 pode não pertencer ao domínio da função f . No entanto, é


essencial que z0 seja um ponto de acumulação de A, pois de outro modo existiria δ > 0 sem
que B(z0 , δ) \ {z0 } possuísse qualquer ponto de A. Neste caso, a condição |f (z) − w| < 
seria trivialmente válida para todo o complexo w.

47
Capítulo 4

Exemplo 4.3. Mostremos que


lim |z| = |w|.
z→w

Para tal, fixemos ε > 0. Pretendemos mostrar a existência de δ > 0 tal que se z ∈ B(w, δ) \
{w} = {z : 0 < |z − w| < δ}, então ||z| − |w|| < ε. Ora uma vez que ||z| − |w|| ≤ |z − w|,
basta tomar δ := ε, pois

|z − w| < ε ⇒ ||z| − |w|| ≤ |z − w| ≤ δ = ε.

De forma semelhante se pode mostrar que lim z = w, lim Re(z) = Re(w) e que lim Im(z) =
z→w z→w z→w
Im(w).
Teorema 4.1
O limite de uma função complexa, quando existe, é único.

Demonstração. Suponhamos que existem números complexos w0 , w1 tais que

lim f (z) = w0 e lim f (z) = w1 .


z→z0 z→z0

Então, dado ε > 0 existem δ0 , δ1 > 0 tais que

0 < |z − z0 | < δ0 ⇒ |f (z) − w0 | < ε/2

e
0 < |z − z0 | < δ1 ⇒ |f (z) − w1 | < ε/2.
Tomando δ = min{δ1 , δ2 } vem

|w0 − w1 | ≤ |f (z) − w0 | + |f (z) − w1 | < ε,

donde se conclui que w0 = w1 .

Uma vez que podemos considerar uma função complexa como uma função de R2 em
R2 , podemos exprimir o limite de uma função complexa como a soma dos limites de duas
funções reais.
Teorema 4.2
Sejam f (z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função complexa de domínio A e z0 = x0 + iy0
um ponto de acumulação de A. Então,

lim f (z) = u0 + iv0


z→z0

se e só se
lim u(x, y) = u0 e lim v(x, y) = v0 .
(x,y)→(x0 ,y0 ) (x,y)→(x0 ,y0 )

48
Capítulo 4

Demonstração. Suponhamos que lim f (z) = u0 + iv0 . Então, dado ε > 0 existe δ > 0 tal
z→z0
que para todo o z ∈ A tal que 0 < |z − z0 | < δ se tem |f (z) − (u0 + iv0 )| < ε, isto é,

|(u(x, y) + iv(x, y)) − (u0 + iv0 )| < ε.

Daqui segue que


|u(x, y) − u0 | < ε e |v(x, y) − v0 | < ε.

Como |z − z0 | denota a distância de (x, y) a (x0 , y0 ) em R2 , concluímos que

lim u(x, y) = u0 e lim v(x, y) = v0 .


(x,y)→(x0 ,y0 ) (x,y)→(x0 ,y0 )

Reciprocamente, dado ε > 0, existem δ0 , δ1 > 0 tais que

0 < ||(x, y) − (x0 , y0 )|| < δ0 ⇒ |u(x, y) − u0 | < ε/2

e
0 < ||(x, y) − (x0 , y0 )|| < δ1 ⇒ |v(x, y) − v0 | < ε/2.

Tomando δ = min{δ0 , δ1 } temos que sempre que 0 < ||(x, y) − (x0 , y0 )|| < δ temos

|(u(x, y) + iv(x, y)) − (u0 + iv0 )| = |u(x, y) − u0 + i(v(x, y) − v0 )|


≤ |u(x, y) − u0 | + |(v(x, y) − v0 )|
ε ε
< + = ε,
2 2
como pretendido.

Exemplo 4.4. Seja f (z) = z 2 + i. Fazendo z = x + yi, temos f (z) = u(x, y) + v(x, y)i, com
u(x, y) = x2 − y 2 e v(x, y) = 2xy + 1. Uma vez que

lim u(x, y) = 0 e lim v(x, y) = 3


(x,y)→(1,1) (x,y)→(1,1)

obtemos lim f (z) = 3i.


z→1+i

O próximo teorema estabelece propriedades algébricas dos limites de funções. A prova


destas propriedades pode ser feita diretamente usando a definição de limite, de forma se-
melhante ao que foi feito para sucessões. No entanto, tendo em conta o Teorema 4.1 estas
propriedades seguem de forma imediata das propriedades análogas para funções reais de
duas variáveis reais.

49
Capítulo 4

Proposição 4.3: Álgebra dos limites


Sejam f e g funções complexas com domínio A e seja z0 um ponto de acumulação de
A. Se f e g têm limites w0 e w1 quando z → z0 , então:

1. f (z) + g(z) tem limite w0 + w1 quando z → z0 .

2. f (z)g(z) tem limite w0 w1 quando z → z0 .

3. 1/f (z) tem limite 1/w0 quando z → z0 , desde que w0 6= 0.

É notória a semelhança entre as definições de limite de funções complexas e de funções


reais. Existe, no entanto, uma diferença importante: enquanto que no caso das funções reais
temos lim f (x) = ` se e só se lim− f (x) = ` e lim+ f (x) = `, no caso das funções complexas
x→x0 x→x0 x→x0
não há direções privilegiadas. Portanto, devemos ter lim f (z) = w independentemente da
z→z0
forma como z se aproxima de z0 . Este facto pode ser utilizado como um critério para a não
existência de um limite.
Proposição 4.4

Se lim f (z) = `1 , quando z se aproxima de z0 segundo uma curva, e lim f (z) = `2 ,


z→z0 z→z0
`1 6= `2 , quando z se aproxima de z0 segundo uma outra curva, então não existe
lim f (z).
z→z0

Exemplo 4.5. Utilizemos o critério anterior para mostrar que não existe o limite
z
lim .
z→0 z

Para tal, façamos z tender para a origem ao longo do eixo real, isto é, z = x + 0i → 0.
Para estes pontos temos
z x + yi x
lim = lim = lim = 1.
z→0 z y=0,x→0 x − yi x→0 x

Fazendo agora z tender para a origem ao longo do eixo imaginário, isto é, z = 0 + yi → 0,


obtemos
z x + yi yi
lim = lim = lim = −1.
z→0 z x=0,y→0 x − yi y→0 −yi
z
Concluímos assim que lim não existe.
z→0 z

Por vezes é conveniente extender as noções de limite de uma função de modo a incluir o
"ponto no infinito"da seguinte forma:

• lim f (z) = w0 ⇔ dado ε > 0 existe M > 0 tal que |z| > M ⇒ |f (z) − w0 | < ε.
z→∞

50
Capítulo 4

• lim f (z) = ∞ ⇔ dado R > 0 existe δ > 0 tal que 0 < |z − z0 | < δ ⇒ |f (z)| > R.
z→z0

• lim f (z) = ∞ ⇔ dado R > 0 existe M > 0 tal que |z| > M ⇒ |f (z)| > R.
z→∞

O próximo teorema estabelece algumas propriedades úteis quando se analisam limites


que envolvem o ponto no infinito. As provas destes resultados seguem de forma imediata
das definições.
Teorema 4.5
Sejam z0 e w0 números complexos. Então:
1
lim f (z) = ∞ se e só se lim =0
z→z0 z→z0 f (z)

e  
1
lim f (z) = w0 se e só se lim f = w0 .
z→∞ z→0 z

Exemplo 4.6. Temos


iz − 2 z+1
lim =∞ uma vez que lim =0
z→−1 z+1 z→−1 iz − 2
e
2z + i (2/z) + i 2 + iz
lim =2 uma vez que lim = lim = 2.
z→∞ z + 1 z→0 (1/z) + 1 z→0 1 + z

Definição 4.2. A função complexa f : A → C é contínua em z0 ∈ C se z0 ∈ A e


lim f (z) = f (z0 ), iso é, se o limite existe e é igual a f (z0 ).
z→z0

Como consequência da álgebra dos limites para funções complexas, obtemos o seguinte
resultado.
Proposição 4.6
Se f e g são funções contínuas em z0 ∈ C, então também são contínuas em z0 as
funções f + g, f g e 1/f (esta última desde que f (z0 ) 6= 0).

É claro que a função constante f (z) = c e a função identidade f (z) = z são contínuas
para todo o z ∈ C (basta tomar δ = ε na definição). Combinando estes factos com o
resultado anterior concluímos que qualquer polinómio é uma função contínua para todo o
z ∈ C. Além disso, qualquer função racional p(z)/q(z) é contínua em todos os pontos z ∈ C,
excepto possivelmente nas raízes de q(z).
Uma vez que o limite, quando z tende para z0 , de uma função f (z) é w se e só se o
limite das suas partes reais e imaginárias é Re(w) e Im(w), respectivamente, obtemos ainda
o seguinte resultado.

51
Capítulo 4

Proposição 4.7

Suponhamos que f (x + yi) = u(x, y) + iv(x, y). Então f é contínua em x + iy se e só


se u e v são contínuas em (x, y).

O próximo teorema mostra que se uma função contínua é não nula num ponto, então
existe uma vizinhança desse ponto onde a função é diferente de zero.
Teorema 4.8
Se uma função f (z) é contínua e não nula no ponto z0 , então f (z) 6= 0 numa vizinhança
de z0 .

|f (z0 )|
Demonstração. Seja  = > 0. A continuidade de f (z) no ponto z0 diz-nos que existe
2
um δ > 0 tal que
|f (z0 )|
|f (z) − f (z0 )| < se |z − z0 | < δ.
2
Portanto, se existisse um ponto z na vizinhança |z − z0 | < δ tal que f (z) = 0, obteríamos a
contradição
|f (z0 )|
|f (z) − f (z0 )| = |f (z0 )| < .
2

4.2 Diferenciabilidade e condições de Cauchy-Riemann


Definição 4.3. Seja f : A → C uma função complexa, com A aberto. Dizemos que f é
diferenciável em z0 ∈ A se existir o limite
f (z0 + h) − f (z0 )
lim , (h ∈ C).
h→0 h
A este limite chamamos a derivada de f em z0 , que se denota por f 0 (z0 ). Dizemos que f
é diferenciável em A se for diferenciável em todos os pontos de A.

Fazendo h = z − z0 na definição de derivada de f em z0 , obtemos

f (z0 + h) − f (z0 ) f (z) − f (z0 )


f 0 (z0 ) = lim = lim .
h→0 h z→z0 z − z0
Definição 4.4. Uma função f diz-se analítica num ponto z0 se f é diferenciável em todos
os pontos de alguma vizinhança de z0 . Se f é diferenciável em todos os pontos de um
conjunto aberto A, dizemos que a função é analítica em A. Uma função analítica em C
também se diz inteira.

As regras familiares da derivação de funções reais de variável real são também válidas
no caso complexo.

52
Capítulo 4

Proposição 4.9
Se f e g são funções diferenciáveis em z, então:

1. f + g é diferenciável em z e (f (z) + g(z))0 = f 0 (z) + g 0 (z).

2. f g é diferenciável em z e (f (z)g(z))0 = f 0 (z)g(z) + f (z)g 0 (z).


 0
f (z)
3. f /g é diferenciável em z (desde que g(z) 6= 0) e =
g(z)
f 0 (z)g(z) − f (z)g 0 (z)
.
(g(z))2

Demonstração. Os detalhes da prova seguem da álgebra dos limites e são semelhantes ao


caso real.

A regra da cadeia também se verifica no caso complexo.


Proposição 4.10: Regra da cadeia

Se f é diferenciável em z e g é diferenciável em f (z), então g ◦f também é diferenciável


em z e
(g ◦ f )0 (z) = g 0 (f (z)) · f 0 (z).

Demonstração. A prova resulta da definição de derivada e é análoga ao caso real.

A função identidade f (z) = z e a função constante g(z) = c são diferenciáveis para todo
o z ∈ C, com f 0 (z) = 1 e g 0 (z) = 0. Como um polinómio p(z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + · · · + an z n
pode ser construído usando estas funções e combinações das alíneas da proposição anterior,
concluímos que p(z) é diferenciável para todo o z ∈ C. Segue que qualquer função racional
p(z)/q(z) é diferenciável em todos os pontos de C, excepto nos zero de q(z).

Proposição 4.11
Se f é diferenciável em z0 , então f é contínua em z0 .

f (z) − f (z0 )
Demonstração. Por hipótese, os limites lim e lim (z − z0 ) existem e são f 0 (z0 )
z→z0 z − z0 z→z0
e 0, respectivamente. Portanto,

f (z) − f (z0 )
lim (f (z) − f (z0 )) = lim (z − z0 ) = f 0 (z0 ) · 0 = 0,
z→z0 z→z0 z − z0

ou seja, lim f (z) = f (z0 ) e f é contínua em z0 .


z→z0

53
Capítulo 4

O recíproco deste resultado é falso, como se pode verificar com a função f (z) = Re(z).
Já vimos que esta função é contínua em C, mas não possui derivada em nenhum ponto, pois
dado z ∈ C, temos
f (z + h) − f (z)
lim = 1,
h→0 h
quando h = x + i0 → 0 tende para a origem ao longo do eixo real, e

f (z + h) − f (z)
lim = 0,
h→0 h
quando h = 0 + iy → 0 tende para a origem ao longo do eixo imaginário.

No caso particular das funções complexas de variável real

f : A ⊆ R → C,

temos
f (x + h) − f (x)
f 0 (x) = lim (h ∈ R)
h→0 h
Ref (x + h) − Ref (x) Imf (x + h) − Imf (x)
= lim +i
h→0 h h
0 0
= (Ref ) (x) + i(Imf ) (x).

Exemplo 4.7. Vamos usar o resultado anterior para mostrar que para qualquer número
0
complexo c ∈ C se tem (ect ) = cect . Para cada t ∈ R, temos
0
eit = (cos(t) + i sin(t))0
= (cos(t))0 + i(sin(t))0
= − sin(t) + i cos(t)
 
1
= i − sin(t) + cos(t)
i
= i(cos(t) + i sin(t))
= ieit .

Por fim, se c = a + bi, então


0 0
ect = e(a+ib)t = (eat eibt )0
= aeat eibt + eat ibeibt
= (a + bi)e(a+ib)t
= cect .

54
Capítulo 4

Proposição 4.12: Regra de L’Hôpital

Sejam f e g funções complexas diferenciáveis numa vizinhança de z0 tais que f (z0 ) =


g(z0 ) = 0 e g 0 (z0 ) 6= 0. Então,

f (z) f 0 (z0 )
lim = 0 .
z→z0 g(z) g (z0 )

Demonstração. Uma vez que f (z0 ) = g(z0 ) = 0 podemos escrever

f (z)−f (z0 )
f (z) z−z0 f 0 (z0 )
lim = lim g(z)−g(z = ,
z→z0 g(z) z→z0 0) g 0 (z0 )
z−z0

pois g(z0 ) 6= 0.

z 2 − 3z
Como aplicação da regra de L’Hôpital, calculemos o limite lim . Fazendo f (z) =
z→0 2z
z − 3z e g(z) = 2z, temos f (0) = g(0) = 0 e g (0) = 2 6= 0. Portanto,
2 0

d
z 2 − 3z dz
(z 2 − 3z) 2z − 3 −3
lim = lim d = lim = .
z→0 2z z→0
dz
(2z) z→0 2 2

O próximo resultado indica que se uma função f (z) = u(x, y) + iv(x, y) é diferenciá-
vel num ponto z, então satisfaz um par de equações designadas por equações de Cauchy-
Riemann.
Teorema 4.13: Condições de Cauchy-Riemann

Seja f (z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função complexa diferenciável em z = x + yi.


Então, existem as derivadas parciais de u e v em (x, y) e satisfazem as condições de
Cauchy-Riemann
∂u ∂v ∂u ∂v
= e =− .
∂x ∂y ∂y ∂x

Demonstração. Se f é diferenciável em z = x + yi, então existe o limite

f (z + h) − f (z)
lim = f 0 (z). (4.1)
h→0 h
Escrevendo h = h1 + ih2 , temos

u(x + h1 , y + h2 ) + iv(x + h1 , y + h2 ) − u(x, y) − iv(x, y)


(4.1) = lim .
h1 +ih2 →0 h1 + ih2

55
Capítulo 4

Este limite é independente da forma como h se aproxima da origem. Façamos então h tender
para a origem ao longo eixo real, ou seja, com h2 = 0. Obtemos assim
u(x + h1 , y) + iv(x + h1 , y) − u(x, y) − iv(x, y)
f 0 (z) = lim
h1 →0 h1
u(x + h1 , y) − u(x, y) v(x + h1 , y) − v(x, y)
= lim + i lim
h1 →0 h1 h1 →0 h1
∂u ∂v
= (x, y) + i (x, y). (4.2)
∂x ∂x
Fazendo agora h tender para a origem ao longo do eixo imaginário, ou seja, com h1 = 0,
obtemos
u(x, y + h2 ) + iv(x, y + h2 ) − u(x, y) − iv(x, y)
f 0 (z) = lim
h2 →0 ih2
u(x, y + h2 ) − u(x, y) v(x, y + h2 ) − v(x, y)
= lim + i lim
h2 →0 ih2 h2 →0 ih2
1 ∂u ∂v
= (x, y) + (x, y)
i ∂y ∂y
∂v ∂u
= (x, y) − i (x, y). (4.3)
∂y ∂y
De (4.1) e (4.2) vem
∂u ∂v ∂v ∂u
f 0 (z) = (x, y) + i (x, y) = (x, y) − i (x, y),
∂x ∂x ∂y ∂y
pelo que
∂u ∂v ∂u ∂v
= e =− .
∂x ∂y ∂y ∂x

O facto de as condições de Cauchy-Riemann se verificarem num ponto z não significa


que a função seja diferenciável nesse ponto. Estas condições informam-nos sobre o compor-
tamento do limite quando h → 0 segundo o eixo real e segundo o eixo imaginário, mas não
nos informam sobre o que ocorre segundo outras direções, logo não nos indicam se a função é
diferenciável. No entanto, se f não satisfaz estas condições num certo ponto, podemos con-
cluir que f não é diferenciável nesse ponto. As condições de Cauchy-Riemann constituem,
portanto, uma condição necessária mas não suficiente para f ser diferenciável num ponto.
Quando a função é diferenciável estas condições dão-nos um método de derivar funções em
que não é possível usar as regras de derivação.
Exemplo 4.8. Seja f (z) = x + 4yi. Apesar de contínua, esta função não é diferenciável em
nenhum ponto uma vez que com u(x, y) = x e v(x, y) = 4y, temos
∂u ∂v
= 1 6= =4
∂x ∂y

56
Capítulo 4

Exemplo 4.9. Seja f (z) = 2x2 + y + i(y 2 − x) e definamos u(x, y) = 2x2 + y e v(x, y) = y 2 − x.
Então
∂u ∂v
= 4x = −1
∂x ∂x
∂u ∂v
=1 = 2y,
∂y ∂y
e as condições de Cauchy-Riemann são satisfeitas apenas na recta 4x = 2y, ou seja, na recta
y = 2x. Fora desta recta a função não é diferenciável.

Pode acontecer que uma função satisfaça as condições de Cauchy-Riemann em z mas


não seja diferenciável em z. No entanto, acrescentando mais algumas condições às condições
de Cauchy-Riemann podemos garantir a diferenciabilidade da função em z.
Teorema 4.14: Condição suficiente de diferenciabilidade
Seja f (z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função complexa. Se as quatro derivadas parciais
de u e v forem contínuas numa vizinhança de (x, y) e satisfazem as condições de
Cauchy-Riemann em (x, y), então f é diferenciável em (x, y) e

∂u ∂v ∂v ∂u
f 0 (z) = (x, y) + i (x, y) = (x, y) − i (x, y).
∂x ∂x ∂y ∂y

Demonstração. Omitida.

Exemplo 4.10. Consideremos novamente a função f (z) = 2x2 + y + i(y 2 − x) analisada no


exemplo 4.9. Vimos que esta função satisfaz as condições de Cauchy-Riemann sobre a recta
{(x, 2x) : x ∈ R}. Além disso, as derivadas parciais de u e v são funções contínuas em
qualquer ponto de C. Portanto, f é diferenciável nesta recta e
∂u ∂v
f 0 (z) = (x, 2x) + i (x, 2x) = 4x − i.
∂x ∂x
Vamos de seguida descrever algumas consequências do teorema anterior. Antes, porém,
relembremos alguns resultados de Análise Real. Seja f : I → R uma função real de variável
real diferenciável em I ⊆ R. Se I é um intervalo e f 0 (x) = 0 em I, então f é constante em
I. No entanto, se I não for um intervalo não podemos concluir que f seja constante em I,
como se pode comprovar com a função

2, x ∈ (0, 1)
f (x) = .
3, x ∈ (3, 4)

Temos f 0 (x) = 0 para todo o x ∈ (0, 1) ∪ (3, 4), mas f não é constante. A função f é apenas
constante nos intervalos (0, 1) e (3, 4).

57
Capítulo 4

Para funções f : I ⊆ R2 → R reais de duas variáveis reais, pode provar-se que se as


derivadas parciais se anulam
∂f ∂f
(x, y) = (x, y) = 0
∂x ∂y
para todos os pontos de I, então f é constante em todo o segmento de recta vertical e
horizontal contido em I.
Teorema 4.15
Seja f : A → C uma função complexa com A aberto e conexo. Se f 0 (z) = 0 em A
então f é uma função constante em A.

Demonstração. Sendo f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), temos

∂u ∂v
f 0 (z) = (x, y) + (x, y)i = 0 + 0i
∂x ∂x
∂v ∂u
= (x, y) − (x, y)i = 0 − 0i.
∂y ∂y

Portanto, as derivadas de u e v anulam-se em A, pelo que podemos concluir que u e v são


funções constantes em todo o segmento de recta vertical e horizontal contido em A. Como
f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), também f é constante em todo o segmento de recta vertical
e horizontal contido em A.
Sejam então z e w elementos de A. Como A é aberto e conexo, existe um caminho
composto por segmentos horizontais e verticais, totalmente contido em A, que une z a w.
Denotemos esses segmentos por

[z, z1 ], [z1 , z2 ], . . . , [zn , w].

Temos então f (z) = f (z1 ) = f (z2 ) = · · · = f (zn ) = f (w), ou seja, f é constante no conjunto
A.

Cololário 4.16
Seja f : A ⊆ C → C uma função complexa com A aberto e conexo. Se f é diferenciável
e Ref (z) é constante em A, então f é constante em A.

Demonstração. Sendo f (x+iy) = u(x, y)+iv(x, y), temos u(x, y) = k para todo o x+yi ∈ A.
Assim, as derivadas parciais de u anulam-se em A. Pelas condições de Cauchy-Riemann,
também as derivadas parciais de v se anulam em A. Assim, podemos concluir que f 0 (z) = 0
e, pelo teorema anterior, f é constante em A.

58
Capítulo 4

4.3 Funções elementares


Definição 4.5 (A exponencial complexa). Dado z = x + iy, definimos a exponencial de
z como sendo o número complexo

ez = ex (cos(y) + i sin(y)) = ex cos(y) + iex sin(y).

Uma das razões pelas quais é natural designar esta função por exponencial reside no
facto de esta generalizar a exponencial real: se z = x + i0 é real,

ex+i0 = ex (cos(0) + i sin(0)) = ex .

Pelas equações de Cauchy-Riemann, é fácil verificar que ez é uma função inteira e que a sua
derivada é dada por (ez )0 = ez .
O módulo, argumento e o conjugado de ez são igualmente fáceis de determinar a partir
da definição. Escrevendo ez na forma polar

ez = ex (cos(y) + i sin(y)) = r(cos(θ) + i sin(θ)),

temos r = ex e θ = y + 2nπ, para n = 0, ±1, ±2, . . . Como r é o módulo e θ o argumento de


ez , temos
|ez | = ex e arg(ez ) = {y + 2nπ, n = 0, ±1, ±2, . . .}.

Uma vez que ex > 0 para todo o x ∈ R, segue que |ez | > 0 para todo o z ∈ C, donde se
conclui que ez 6= 0 para todo o z ∈ C. No entanto a exponencial complexa pode tomar
valores negativos. Por exemplo, eπi = −1. Como a função seno real é ímpar e a função
cosseno real é par, temos ainda

ez = ex cos(y) − iex sin(y) = ex cos(−y) + iex sin(−y) = ex−iy = ez .

Proposição 4.17
Se z1 e z2 são números complexos, então

1. e0 = 1

2. ez1 ez2 = ez1 +z2


e z1
3. z2 = ez1 −z2
e
4. (ez1 )n = enz1 para n = 0, ±1, ±2, . . .

59
Capítulo 4

Demonstração. A propriedade 1. é consequência da exponencial complexa generalizar a


exponencial real e a propriedade 4 segue da fórmula de De Moivre. Se z1 = x1 + iy1 e
z2 = x2 + iy2 , temos

ez1 ez2 = (ex1 cos(y1 ) + i sin(y1 )) (ex2 cos(y2 ) + i sin(y2 ))


= ex1 +x2 (cos(y1 ) cos(y2 ) − sin(y1 ) sin(y2 )) + iex1 +x2 (sin(y1 ) cos(y2 ) + cos(y1 ) sin(y2 ))
= ex1 +x2 cos(y1 + y2 ) + iex1 +x2 sin(y1 + y2 )
= ez1 +z2 .

Relativamente a 3, podemos escrever


e z1 cos(y1 ) + i sin(y1 ) (cos(y1 ) + i sin(y1 ))(cos(y2 ) − i sin(y2 ))
z
= ex1 −x2 = ex1 −x2
e 2 cos(y2 ) + i sin(y2 ) (cos(y2 ) + i sin(y2 ))(cos(y2 ) − i sin(y2 ))
= ex1 −x2 (cos(y1 ) cos(y2 ) + sin(y1 ) sin(y2 )) + i(sin(y1 ) cos(y2 ) − cos(y1 ) sin(y2 )
= ex1 −x2 cos(y1 − y2 ) + i sin(y1 − y2 )
= ez1 −z2 .

Finalmente a propriedade 4 é consequência da fórmula de De Moivre:

(ez1 )n = (ex1 cis(y1 ))n = (ex1 )n cis(ny1 ) = enx1 cis(ny1 ) = enx+iny = enz .

A diferença mais surpreendente entre as exponenciais real e complexa e real reside na


periodicidade de desta última. Como as funções seno e cosseno reais são periódicas de
período 2π, pelo definição de exponencial complexa temos

ez+2πi = ez e2πi = ez .

Ou seja, a exponencial complexa ez é uma função periódica de período 2πi.


Fixemos a ∈ R. Então, ea+iy = ea eiy , com y a variar em R, representa a circunferência de
centro na origem e raio ea . Ou seja, a exponencial complexa transforma as rectas verticais
x = a, a ∈ R em circunferências centradas na origem e raio ea > 0. Como a exponencial
complexa é periódica de período 2πi, ela transforma a banda

{z ∈ C : −π < Im(z) ≤ π} = {z = x + iθ ∈ C : −π < θ ≤ π, x ∈ R},

chamada região fundamental da exponencial complexa, no conjunto

{ex eiθ , −π < θ ≤ π, x ∈ R} = C \ {0}.

Em particular, concluímos que o contradomínio da exponencial complexa é C \ {0}.

60
Capítulo 4

O logaritmo complexo

Fixemos um complexo z 6= 0. Se ew = z, então

|ew | = eRe(w) = |z| e arg(ew ) = Im(w) = arg(z).

Ou seja,
ew = z ⇒ w = ln |z| + iarg(z), (4.4)
com ln |z| o logaritmo real de |z|. Como há um número infinito de argumentos de z, (4.4)
origina um número infinito de soluções da equação ew = z.

Definição 4.6. Seja z ∈ C \ {0}. Então a função definida por

log(z) = ln |z| + iarg(z)

é designada por logaritmo complexo de z.

Portanto, cada número complexo z 6= 0 tem uma infinidade de logaritmos, todos com
parte real ln |z|, e diferindo uns dos outros por múltiplos de 2πi. Ou seja, se z = reiθ , temos

log(z) = ln(r) + i(θ + 2nπ), n = 0, ±1, ±2, · · ·

As seguintes propriedades do logaritmo complexo seguem da definição e das propriedades


análogas satisfeitas pelo logaritmo real.
Proposição 4.18
Se z1 , z2 são números complexos não nulos e n ∈ N, então

1. log(z1 z2 ) = log(z1 ) + log(z2 ).

2. log( zz12 ) = log(z1 ) − log(z2 ).

3. log(z1n ) = nlog(z1 ).

Quando na expressão do logaritmo complexo se toma o argumento principal de z obtém-


se o chamado logaritmo principal de z.

Definição 4.7. Seja z ∈ C \ {0}. A função definida por

Log(z) = ln |z| + iArg(z)

é designada por logaritmo principal de z.

Proposição 4.19
O logaritmo principal é a função inversa da exponencial complexa quando restrita ao
seu domínio fundamental.

61
Capítulo 4

Demonstração. Por definição temos eLog(z) = z, para todo o z 6= 0. Seja então z = x + iy,
com −π < y ≤ π. Como |ez | = ex e Arg(ez ) = y, podemos escrever

Log(ez ) = ln(ex ) + iy = x + iy = z,

ou seja, Log(ez ) = z se −π < Im(z) ≤ π.

A igualdade eLog(z) = z verifica-se para todo o número complexo não nulo, mas já a
igualdade Log(ez ) = z só se verifica se z pertence à região fundamental da exponencial. Por
exemplo, 1 + 32 πi não está nesta região e
 3   3  π 3
Log e1+ 2 πi = ln e + iArg e 2 πi = 1 − i 6= 1 + πi.
2 2
Notemos ainda que o logaritmo principal generaliza o logaritmo real: se x ∈ R+ então

Log(x) = ln |x| + iArg(x) = ln(x).

Analisemos de seguida a diferenciabilidade do logaritmo principal. É claro que Log(z)


não é contínua em z = 0 pois não está definida neste ponto. É também descontínua no
semi-eixo negativo real, pois se x ∈ R− , o limite lim Log(z) não existe:
z→x

lim Log(z) = lim ln |z| + iArg(z) = ln |z| + iπ,


z→x y→0
z=x+yi,y>0 z=x+yi,y>0

enquanto que

lim Log(z) = lim ln |z| + iArg(z) = ln |z| − iπ.


z→x y→0
z=x+yi,y<0 z=x+yi,y<0

Portanto, Log(z) é descontínua em R− 0 . Consideremos então z0 um elemento do conjunto


{z : |z| > 0 e − π < arg(z) < π} e calculemos o limite
Log(z) − Log(z0 )
lim . (4.5)
z→z0 z − z0
Para tal façamos a mudança de variável Log(z) = w, notando que quando z → z0 , temos
w → w0 = Log(z0 ). Usando a regra de L’Hôpital, obtemos
1
w − w0 1 1
(4.5) = lim w = lim w = w0 = ,
w→w0 e − ew0 w→w0 e e z0
ou seja,
1
(Log(z))0 = para todo o z ∈ {z : |z| > 0 e − π < arg(z) < π}.
z
Em particular, Log(z) é contínua neste intervalo.

62
Capítulo 4

Potências de expoente complexo


Na secção 1.2 analisámos potências da forma z n e z 1/n para n inteiro e n ≥ 2, resp. Vamos
agora considerar potências da forma z w , onde w é um número complexo arbitrário, usando
a igualdade z = elog(z) que, como vimos em cima, é válida para qualquer z 6= 0. Assim, se
n
n ∈ Z, por 4 da proposição 4.3 podemos escrever z n = elog(z) = enlog(z) . Vamos usar esta
fórmula para definir z w para qualquer w ∈ C.

Definição 4.8. Se w ∈ C e z 6= 0, então a potência complexa z w é definida por

z w = ewlog(z) .

Da definição e das propriedades (4.3) da exponencial complexa obtemos a seguinte pro-


posição.
Proposição 4.20
Se w1 e w2 são números complexos não nulos, então

1. z w1 z w2 = z w1 +w2
z w1
2. = z w1 −w2
z w2
3. (z w1 )n = z nw1 para n = 0, ±1, ±2, · · ·

Em geral, a expressão z w origina um conjunto infinito de valores devido ao logaritmo que


aparece na sua fórmula. No entanto, a expressão z n é univocamente determinada quando n
é um inteiro:
z n = enlog(z) = en(ln |z|+iarg(z)) = enln|z| enarg(z)i .
Se θ = Arg(z), então arg(z) = θ + 2kπ, com k ∈ Z e, portanto,

enarg(z)i = en(θ+2kπ)i = enθi e2nkπi .

Mas como en2kπi = cos(n2kπ) + i sin(n2kπ) = cos(0) + i sin(0) = 1, podemos então escrever

z n = enln|z| enArg(z)i .

Portanto, quando n ∈ Z, a expressão z n tem um só valor: z n = enLog(z) = |z|n enArg(z)i .


Em geral, no entanto, z w representa um conjunto infinito de valores. Podemos fazer
corresponder a z w um único valor usando o logaritmo principal Log(z) no lugar de log(z)
na definição de z w . A esta função chamamos valor principal de z w .

Definição 4.9. Se w ∈ C e z 6= 0, então o valor principal da potência complexa z w é


definida por
z w = ewLog(z) .

63
Capítulo 4

A função valor principal de z w não é contínua em todo o plano complexo pois a função
logaritmo principal não é contínua em todo o plano. No entanto, como a exponencial
complexa é contínua em C e Log(z) é contínua no conjunto {z : |z| > 0, −π < Arg(z) < π},
segue que z w é contínua neste conjunto. Além disso, neste conjunto podemos usar a regra
da cadeia para obter a derivada da função valor principal de z w :
0 w
(z w )0 = ewLog(z) = ewLog(z) (wLog(z))0 = ewLog(z) = wz w−1 .
z

Funções trigonométricas complexas


Se x ∈ R, segue da definição 4.5 que

eix = cos(x) + i sin(x) e e−ix = cos(x) − i sin(x). (4.6)

Adicionando estas duas equações e simplificando, obtemos uma expressão para a função
cosseno real à custa da exponencial complexa:
eix + e−ix
cos(x) = . (4.7)
2
De forma semelhante, subtraindo as duas equações em (4.6) obtemos uma expressão para a
função seno real à custa da exponencial complexa:
eix − e−ix
sin(x) = . (4.8)
2i
Estas formulas para o seno e para o cosseno reais podem ser usadas para definirmos as
funções seno e cosseno complexos.

Definição 4.10. As funções seno complexo e cosseno complexo são definidas por
eiz − e−iz eiz + e−iz
sin(z) = e cos(z) =
2i 2
para todo o z ∈ C.

As equações (4.7) e (4.8) mostram que o seno e cosseno complexos generalizam as funções
seno e cosseno reais. Tal como no caso real podemos definir a tangente, cotangente, secante
e cossecante complexas:
sin(z) cos(z) 1 1
tan(z) = , cot(z) = , sec(z) = e csc(z) = .
cos(z) sin(z) cos(z) sin(z)

É imediato constatar que o seno e o cosseno complexos são funções inteiras, pois são
combinações lineares da exponencial complexa. Além disso, usando a regra da derivada da
exponencial, temos
(sin(z))0 = cos(z) e (cos(z))0 = − sin(z).

64
Capítulo 4

A maioria das identidades satisfeitas pelas funções trigonométricas reais são também válidas
para as funções trigonométricas complexas. Listamos na próxima proposição algumas das
mais úteis.
Proposição 4.21
Se z e w são números complexos, então

1. sin(−z) = − sin(z) e cos(−z) = cos(z)

2. cos2 (z) + sin2 (z) = 1

3. sin(z ± w) = sin(z) cos(w) ± cos(z) sin(w)

4. cos(z ± w) = cos(z) cos(w) ∓ sin(z) sin(w)

Demonstração. Fazemos apenas a prova de 2. As restantes provam-se de forma semelhante.


1
cos2 (z) + sin2 (z) = −(eiz − e−iz )2 + (eiz + e−iz )2

4
1  2iz
−e + 2eiz e−iz − e−2iz + e2iz + eiz e−iz + e−2iz

=
4
1
= (2 + 2) = 1.
4
A forma como a prova da identidade sin2 (z) + cos2 (z) = 1 foi apresentada em cima pode
ser facilmente aplicada na prova das restantes identidades. No entanto, podemos usar o
Teorema 4.15 para apresentar uma prova mais elegante. Se f (z) = cos2 (z) + sin2 (z), então
f 0 (z) = 0 para todo o ponto z ∈ C. Segue-se que f (z) é constante, pelo que f (z) = f (0) = 1.
Por fim, analisemos a periodicidade do seno e do cosseno complexos. Como a exponencial
complexa é periódica de período 2πi temos ez+2πi = ez para todo o z ∈ C. Substituindo z
por iz nesta equação obtemos eiz+2πi = ei(z+2π) = eiz . Ou seja, eiz é periódica com período
2π. De forma análoga podemos mostrar que e−iz também é periódica de período 2π. Daqui
segue facilmente que

sin(z + 2π) = sin(z) e cos(z + 2π) = cos(z)

para todo o z ∈ C. Ou seja, o seno e o cosseno complexos são funções periódicas com
período 2π.

Funções hiperbólicas complexas


As funções seno hiperbólico real e cosseno hiperbólico real são definidas por
ex − e−x ex + e−x
sinh(x) = e cosh(x) =
2 2
65
Capítulo 4

para x ∈ R. Definimos o seno hiperbólico complexo e o cosseno hiperbólico complexo de


forma análoga usando a exponencial complexa.

Definição 4.11. As funções seno hiperbólico complexo e cosseno hiperbólico com-


plexo são definidas por

ez − e−z ez + e−z
sinh(z) = e cosh(z) =
2 2
para todo o z ∈ C.

No caso real não é clara a relação existente entre o seno e o cosseno hiperbólico e as
funções seno e cosseno ordinárias. No entanto, no caso complexo esta relação é imediata,
uma vez que se x ∈ R, então

ei(ix) − e−i(ix) ex − e−x


sin(ix) = =i = i sinh(x)
2i 2
e
ei(ix) + e−i(ix) ex + e−x
cos(ix) = = = cosh(x).
2 2
O seno e o cosseno hiperbólico complexos são funções inteiras e verificam

(sinh(z))0 = cosh(z) e (cosh(z)(z))0 = sinh(z).

66
CAPÍTULO 5

INTEGRAÇÃO DE FUNÇÕES COMPLEXAS

5.1 Integração de funções complexas de variável real


O conceito de integral de uma função complexa de variável real definida num intervalo
[a, b] ⊆ R é uma generalização imediata do integral real. Seja

f (t) = Ref (t) + iImf (t)

uma função complexa de variável real contínua em [a, b]. Chama-se integral de f em [a, b],
Rb
e representa-se por a f (t)dt, ao número complexo

Z b Z b Z b
f (t)dt := Ref (t)dt + i Imf (t)dt.
a a a

Como estamos a supor a continuidade de f no intervalo [a, b], o mesmo se passa com as
funções reais de variável real Ref (t) e Imf (t), pelo que o integral de f em [a, b] existe e é
finito. Notemos ainda que

Z b  Z b Z b  Z b
Re f (t)dt = Ref (t)dt e Im f (t)dt = Imf (x)dt.
a a a a

Z b Z b
É também fácil verificar que f (t)dt = f (t)dt. A partir dos resultados standard da
a a
integração real, obtemos as seguintes propriedades.

67
Capítulo 5

Proposição 5.1

Sejam f, g : [a, b] → C funções complexas de variável real contínuas em [a, b]. Então:
Z b Z b Z b
1. f (t) + g(t)dt = f (t)dt + g(t)dt.
a a a
Z b Z b
2. αf (t)dt = α f (t)dt, para qualquer α ∈ C.
a a
Z b Z c Z b
3. Se a ≤ c ≤ b, então f (t)dt = f (t)dt + f (t)dt.
a a c
Z b
4. Se F for uma primitiva de f , então f (t)dt = F (b) − F (a).
a

As duas primeiras propriedades da proposição anterior dizem-nos que o integral é uma


aplicação linear do espaço vetorial das funções complexas de variável real para os números
complexos.

Exemplo 5.1. A função −ieit é uma primitiva de eit para t ∈ R. Assim, pela proposição
anterior, temos

Z π/4
√ √ !
it π/4 2 2
eit dt = −ie = −ieiπ/4 + i =
 
0
+ 1− i.
0 2 2

A propriedade seguinte é útil para estimar o valor de um integral de uma função complexa
de variável real.

Proposição 5.2

Seja f : [a, b] → R uma função complexa de variável real contínua em [a, b]. Então
Z b Z b
f (t)dt ≤ |f (t)| dt
a a

Z b
Demonstração. A desigualdade é claramente válida se f (t)dt = 0. Suponhamos então
a

68
Capítulo 5

Z b Z b
que f (t)dt = re com r > 0. Então

f (t)dt = r e podemos escrever
a a
Z b Z b
1
r = iθ f (t)dt =e−iθ f (t)dt
e
aZ b a
 Z b
−iθ
Re e−iθ f (t) dt

= Re e f (t)dt =
a a
Z b Z b
≤ e−iθ f (t) dt = e−iθ |f (t)| dt
a a
Z b
= |f (t)| dt.
a

5.2 Integrais de caminho


Definição 5.1. Uma curva em A ⊆ C é uma função contínua

γ : [a, b] ⊆ R → A
.
t 7→ γ(t)

A γ(a) chamamos origem e a γ(b) extremidade da curva. Se γ(a) = γ(b), dizemos que a
curva é fechada. Ao conjunto tr(γ) := {γ(t) : t ∈ [a, b]} chamamos traço de γ. A equação
z = γ(t), t ∈ [a, b], diz-se uma parametrização da curva.

Exemplo 5.2. Consideremos as curvas

γ1 : [0, 2π] →C γ1 (t) = eit ,


γ2 : [0, 2π] →C γ2 (t) = e2it .

Notemos que γ1 (0) = γ1 (2π) = γ2 (0) = γ2 (2π) = 1 e que o traço de ambas as curvas é a
circunferência unitária {z ∈ C : |z| = 1}. No entanto, as curvas são diferentes. A curva γ1
descreve a circunferência percorrendo-o no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio uma
vez, enquanto que γ2 descreve a mesma circunferência, no mesmo sentido, mas percorrendo-a
duas vezes. Portanto, o traço de uma curva não a define completamente.

Exemplo 5.3. Outra curva importante é o segmento de reta que une os pontos z e w no
plano complexo. Uma parametrização é dada por γ(t) = tw + (1 − t)z, para t ∈ [0, 1].

Se nada for dito em contrário, usaremos os símbolos C(u, r) e [z, w] para designar as
parametrizações u + reit , para 0 ≤ t ≤ 2π, e tw + (1 − t)z, para 0 ≤ t ≤ 1, da circunferência
de centro u ∈ C e raio r > 0, e do segmento de reta [z, w], resp.

69
Capítulo 5

Definição 5.2. Uma curva γ : [a, b] → C diz-se simples se não se autointerseta, exceto
possivelmente nas extremidades, i.e., γ(t1 ) = γ(t2 ) apenas se t1 = t2 ou {t1 , t2 } = {a, b}.
Se γ 0 (t) é contínua e não nula em ]a, b[, a curva diz-se regular. A curva γ diz-se seccio-
nalmente regular ou um caminho se existirem t0 = a < t1 < · · · < tn = b tais que γ é
regular em cada um dos intervalos [tk−1 , tk ], k = 1, . . . , n.
O sentido de uma curva não fechada γ : [a, b] → C é definido como a direção corres-
pondente ao incremento dos valores do parâmetro t. A curva −γ : [a, b] → C definida por
−γ(t) = γ(a+b−t) e designada por curva oposta, tem o mesmo traço de γ, mas descreve-o
no sentido oposto.
O sentido positivo de uma curva simples fechada é definido como correspondente ao
sentido contrário dos ponteiros do relógio. A direcção oposta ao sentido positivo diz-se o
sentido negativo da curva.
Dado uma curva γ : [a, b] → A consideremos uma bijecção crescente ψ : [c, d] → [a, b].
Então γ ◦ ψ : [c, d] → A é uma curva em A com a mesma origem, extremidade, traço e
sentido da curva γ. Dizemos que γ ◦ ψ é obtido de γ por mudança de parâmetro.
Nota 5.1. Sendo [a, b] um qualquer intervalo, a função ψ : [0, 1] → [a, b] definida por ψ(t) =
(1 − t)a + bt é uma bijecção crescente. Através desta bijecção podemos considerar qualquer
caminho, por mudança de parâmetro, definido no intervalo [0, 1], ou em qualquer outro
intervalo.

Consideremos duas curvas γ1 e γ2 definidas por


γ1 : [a, b] → C e γ1 : [b, c] → C,
e tais que γ1 (b) = γ2 (b), isto é, a extremidade de γ1 coincide com a origem de γ2 . Então,
podemos definir a sua soma
γ1 + γ2 : [a, c] → C
γ (t),
1 se t ∈ [a, b]
t 7→ .
γ2 (t), se t ∈ [b, c]
Definição 5.3. O comprimento de um caminho C é dado pelo integral
Z b
L(γ) = |γ 0 (t)| dt,
a

onde z = γ(t), t ∈ [a, b], é uma qualquer parametrização de C.


Notemos que efetuando a mudança de variável t = ψ(s), com ψ : [c, d] → [a, b] uma
bijecção crescente, obtemos dt = ψ 0 (s)ds e então
Z d Z d
L(γ) = 0 0
|γ (ψ(s))| ψ (s)ds = (γ ◦ ψ)0 (s) ds.
c c
Ou seja, o comprimento de uma curva não depende da parametrização usada.

70
Capítulo 5

Exemplo 5.4. O caminho γ(t) = re2it , 0 ≤ t ≤ 2π, tem comprimento comp(γ) = 4πr, pois
Z 2π Z 2π
2it
L(γ) = 2rie dt = 2rdt = 4πr.
0 0

Definição 5.4 (Integral de caminho). Seja f : A → C uma função contínua, com A ⊆ C,


e seja γ : [a, b] → A um caminho em A. Define-se o integral de f ao longo de γ como sendo
o número complexo Z Z b
f (z)dz = f (γ(t))γ 0 (t)dt.
γ a

Notemos que para o integral existir, a função f tem de estar definida no traço de γ e,
para o cálculo desse integral, só interessam os valores de f nessa conjunto. Notemos ainda
que o integral do segundo membro é o integral de uma função complexa de variável real, já
tratado na secção anterior. É fácil verificar que o integral não depende da parametrização
considerada. Se ψ : [c, d] → [a, b] é uma bijecção crescente então, efetuando a mudança de
variável t = ψ(s), temos dt = ψ 0 (s)ds e
Z Z b Z d
0
f (z)dz = f (γ(t))γ (t)dt = f (γ(ψ(s)))γ 0 (ψ(s))ψ 0 (s)ds
γ a c
Z d Z
0
= f (γ ◦ ψ(s))(γ ◦ ψ) (s)ds = f (z)dz.
c γ◦ψ

O integral de uma função complexa ao longo de caminhos generaliza o integral de funções


de variável real em intervalos, pois γ(t) = t, a ≤ t ≤ b, é uma parametrização para o intervalo
[a, b] e então
Z Z b
f (z)dz = f (t)dt.
γ a

As seguintes propriedades seguem facilmente das definições e da proposição 5.1.


Proposição 5.3
Sejam f, g funções complexas contínuas no conjunto A ⊆ C, α ∈ C e γ, γ1 dois
caminhos em A tais que a extremidade de γ coincide com a origem de γ1 . Então:
Z Z Z
1. f (z) + g(z)dz = f (z)dz + g(z)dz.
γ γ γ

Z Z
2. αf (z)dz = α f (z)dz.
γ γ

Z Z Z Z Z
3. f (z)dz = f (z)dz + f (z)dz e f (z)dz = − f (z)dz.
γ+γ1 γ γ1 −γ γ

71
Capítulo 5

Se f : A ⊆ C → C é uma função contínua e é a derivada de uma função analítica F (z)


em A, diremos que F é uma primitiva ou antiderivada de f em A.
Teorema 5.4: Teorema Fundamental do Cálculo
Sejam f uma função contínua definida em A ⊆ C e γ : [a, b] → A um caminho em A.
Se F é uma primitiva de f em A, então
Z
f (z)dz = F (γ(b)) − F (γ(a)).
γ

Demonstração. Comecemos por notar que se F é uma primitiva de f em A, então a função


F ◦ γ é uma primitiva de (f ◦ γ)γ 0 em A. Assim,
Z Z b
f (z)dz = f (γ(t))γ 0 (t)dt = [F ◦ γ(t)]ba = F (γ(b)) − F (γ(a)).
γ a

Em particular, se f possui uma primitiva em A e C é um caminho fechado contido em


A, então Z
f (z)dz = 0.
C

Z
1
Exemplo 5.5. O integral k
dz = 0 para k 6= 1, pois C(u, r) é um caminho
C(u,r) (z − u)
(z − u)−k+1 1
fechado e é uma primitiva de . Notemos no entanto que
−k + 1 (z − u)k
Z Z 2π Z 2π
1 1 it
dz = ire dt = idt = 2πi.
C(u,r) z − u 0 u + reit − u 0

Temos assim, que 


0 se k 6= 1
Z
1
dz = .
C(u,r) (z − u)k 2πi se k = 1

Terminamos esta secção com uma estimativa para o valor do integral de uma função
complexa ao longo de um caminho, obtida como consequência da proposição 5.2.
Proposição 5.5: Desigualdade M L

Sejam f uma função contínua definida em A ⊆ C e γ : [a, b] → A um caminho em A.


Então Z
f (z)dz ≤ M L(γ),
γ

onde M = max{|f (z)| : z ∈ tr(γ)}.

72
Capítulo 5

Demonstração. Comecemos por notar que o número real M existe pois estamos a assumir
que f (γ(t)) é uma função contínua no intervalo fechado [a, b]. Assim, pela definição de
integral de caminho e pela proposição 5.2, podemos escrever
Z Z b
f (z)dz ≤ |f (γ(t))γ 0 (t)|dt
γ a
Z b
≤ M |γ 0 (t)|dt
a
Z b
=M |γ 0 (t)|dt
a

= M L(γ).

5.3 Teorema de Cauchy-Goursat


O teorema de Jordan diz que uma curva γ simples fechada, orientada positivamente, divide
o plano complexo em dois conjuntos disjuntos: um interior à curva, limitado e denotado
por int(γ), e o outro exterior, ilimitado e denotado por ext(γ). A prova deste resultado é
não-trivial e não será apresentada aqui.
Uma região D ⊆ C diz-se simplesmente conexa se o interior de qualquer curva po-
ligonal simples e fechada em D estiver contido em D. Por outras palavras, uma região
simplesmente conexa não tem partes separadas e não tem "buracos". Uma região que não
seja simplesmente conexa diz-se multiplamente conexa.
O teorema de Cauchy, também conhecido como teorema de Cauchy-Goursat, é um dos
resultados fundamentais da Análise Complexa. Este resultado estabelece que o integral de
uma função analítica numa região simplesmente conexa, ao longo de um caminho fechado
contido nessa região, é zero. Foi obtido por Cauchy em 1825 com a condição de f 0 ser
contínua. Em 1883 Goursat apresentou uma prova para o teorema de Cauchy que não
requere a continuidade de f 0 . Esta versão modificada do teorema de Cauchy é hoje conhecida
como teorema de Cauchy-Goursat.
Teorema 5.6: Teorema de Cauchy-Goursat
Seja f uma função analítica numa região D simplesmente conexa e seja γ um caminho
fechado contido em D. Então, Z
f (z)dz = 0.
γ

Demonstração. Veja-se [2] ou [6].

73
Capítulo 5

Como o interior de um caminho simples γ é uma região simplesmente conexa, segue do


teorema de Cauchy-Goursat que se f é uma função analítica em todos os pontos da união
de tr(γ) com o seu interior, então Z
f (z)dz = 0.
γ

Podemos assim concluir que o integral de uma função que seja diferenciável em todo o plano
complexo se anula qualquer que seja o caminho simples fechado γ. Em particular,
Z Z Z Z
z
e dz = sin(z)dz = cos(z)dz = p(z)dz = 0,
γ γ γ γ

onde p(z) é um qualquer polinómio.


z 5 + 2z + 3
Exemplo 5.6. A função racional f (z) = 2 é diferenciável em C \ {1 − i, 1 + i}, pois
z − 2z + 2
estes números anulam o denominador de f (z). Assim,
Z
f (z)dz = 0,
C(0,1)

pois os pontos 1 − i e 1 + i estão fora da circunferência de centro 0 e raio 1.

Proposição 5.7: Independência do caminho


Seja f uma função analítica numa região D simplesmente conexa. Se γ1 e γ2 são
caminhos em D com a mesma origem e extremidade, então
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ2

Demonstração. Consideremos o caminho fechado γ1 + (−γ2 ) e notemos que este caminho


pode não ser simples. Faremos a demonstração apenas para o caso em que este caminho é
simples, embora o resultado seja verdadeiro se não for simples. Como f é analítica em tr(γ)
e no seu interior, segue do teorema da Cauchy-Goursat que
Z Z Z
0= f (z)dz = f (z)dz − f (z)dz.
γ1 +(−γ2 ) γ1 γ2

Z Z
Ou seja, f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ2

Definição 5.5. Um ponto z0 ∈ C diz-se uma singularidade da função f se f não possui de-
rivada em z0 . O ponto z0 diz-se uma singularidade isolada de f se z0 é uma singularidade
de f e f é analítica em algum conjunto {z ∈ C : 0 < |z − z0 | < r}, com r ∈ R+ .

74
Capítulo 5

Proposição 5.8: Teorema da deformação do caminho


Sejam γ1 e γ2 caminhos simples fechados numa região D, com a mesma orientação,
e tais que tr(γ2 ) está contido no interior de γ1 . Se f é uma função analítica em
tr(γ1 ) ∪ tr(γ2 ) e no conjunto compreendido entre os dois caminhos, então
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ2

Demonstração. Sejam a e b a origem (e extremidade) de γ1 e γ2 , respectivamente. Con-


sideremos um caminho γ unindo o ponto a ao ponto b, e totalmente contido entre γ1 e
γ2 :

γ1
γ γ2
a b

Consideremos então o caminho fechado γ e = γ1 + γ + (−γ2 ) + (−γ). Como f é analítica


no interior de γ
e, temos
Z Z Z Z Z
0 = f (z)dz = f (z)dz + f (z)dz + f (z)dz + f (z)dz
γ
e γ1 γ −γ2 −γ
Z Z Z Z
= f (z)dz + f (z)dz − f (z)dz − f (z)dz
γ1 γ γ2 γ
Z Z
= f (z)dz − f (z)dz.
γ1 γ2
Z Z
Ou seja, f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ2

O resultado anterior é conhecido como o teorema da deformação do caminho pois pode-


mos pensar em γ2 como uma deformação contínua do caminho γ1 . Notemos que se f não
tem singularidades dentro de γ1 então o caminho γ1 pode ser deformado até ao caminho
constante e, nesse caso, o integral anula-se.
Exemplo 5.7. Seja γ um caminho fechado cuja imagem é o quadrado com vértices ±3 ± 3i.
Como a função z−i
1
tem apenas uma singularidade no ponto i, podemos escrever
Z Z
1 1
dz = dz = 2πi,
γ z −i C(i,1) z − i

pois 1
z−i
não possui singularidades entre γ e C(i, 1), ou seja, é diferenciável neste conjunto.

75
Capítulo 5

O próximo resultado permite-nos calcular integrais ao longo de caminhos fechados dentro


dos quais a função integranda possui um número finito de singularidades.
Teorema 5.9: Teorema de Cauchy-Goursat para regiões multiplamente conexas
Seja f uma função definida numa região D e seja γ um caminho fechado simples
contido em D, orientado positivamente. Se as singularidades de f dentro de γ são
z1 , . . . , zp , então
Z p Z
X
f (z)dz = f (z)dz,
γ k=1 C(zk ,r)

para r > 0 tal que as p circunferências estão contidas no interior de γ e são disjuntas
duas a duas.

Demonstração. A prova segue os mesmos passos da demonstração do teorema da deformação


do caminho.

Z
1
Exemplo 5.8. Calculemos o valor do integral dz. Uma vez que z 2 + 1 = (z +
C(0,4) z2 +1
1
i)(z − i), a função f (z) = 2 dz tem singularidades nos pontos ±i, os quais se encontram
z +1
dentro da circunferência C(0, 4). Assim, podemos escrever
Z Z Z
1 1 1
2
dz = 2
dz + dz.
C(0,4) z +1 C(i,1) z +1 C(−i,1) z2 +1

Relativamente ao primeiro integral do segundo membro da igualdade anterior, temos

−i/2
Z Z Z
1 1 i/2
dz = dz = + dz
C(i,1) z2 + 1 C(i,1) (z − i)(z + i) C(i,1) z − i z+i
−i
Z Z
1 i 1
= dz + dz
2 C(i,1) z − i 2 C(i,1) z + i
−i
= 2πi + 0,
2
1
visto que a função não tem singularidades dentro da circunferência C(i, 1). Analoga-
z+i
mente se conclui que Z
1 i
2
dz = 2πi,
C(−i,1) z + 1 2
pelo que Z
1
dz = 0.
C(0,4) z2 +1

76
Capítulo 5

5.4 Fórmulas integrais de Cauchy e suas consequências


O próximo resultado estabelece o valor de uma função f num ponto z em função dum
integral ao longo de um caminho. Pode também ser usado para calcular o valor do integral
de um quociente f (z)/(z −z0 ) com uma singularidade isolada em z0 ao longo de um caminho
que contenha o ponto z0 .
Teorema 5.10: Fórmula integral de Cauchy
Suponhamos que f é uma função analítica numa região simplesmente conexa D e
que γ é um caminho simples e fechado em D, orientado positivamente. Então, para
qualquer z0 ∈ int(γ), temos
Z
1 f (z)
f (z0 ) = dz.
2πi γ z − z0

Demonstração. Pelo teorema da deformação do caminho, podemos escrever


Z Z
f (z) f (z)
dz = dz,
γ z − z0 C(z0 ,r) z − z0

onde r > 0 é tal que a circunferência C(z0 , r) se encontra no interior de γ. Assim,


f (z0 ) − f (z0 ) + f (z)
Z Z
f (z)
dz = dz
C(z0 ,r) z − z0 C(z0 ,r) z − z0
f (z) − f (z0 )
Z Z
1
= f (z0 ) dz + dz. (5.1)
C(z0 ,r) z − z0 C(z0 ,r) z − z0
Pelo exemplo 5.5, sabemos que
Z
1
dz = 2πi,
C(z0 ,r) z − z0
logo (5.1) torna-se
f (z) − f (z0 )
Z Z
f (z)
dz = f (z0 )2πi + dz. (5.2)
C(z0 ,r) z − z0 C(z0 ,r) z − z0
Como f é contínua em z0 , para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que |f (z) − f (z0 )| < ε sempre
que |z − z0 | < δ. Em particular, se escolhermos o raio da circunferência C(z0 , r) como sendo
r < δ, pela desigualdade M L obtemos
f (z) − f (z0 )
Z
ε
dz ≤ 2πr = 2πε.
C(z0 ,r) z − z0 r
Como ε é arbitrário, segue que o integral anterior é zero e, portanto,
Z
f (z)
dz = f (z0 )2πi.
C(z0 ,r) z − z0

77
Capítulo 5

ez
Z
Exemplo 5.9. Consideremos o integral dz. Uma vez que a exponencial complexa
C(0,1) z
não tem singularidades dentro de C(0, 1), temos

ez
Z
dz = e0 2πi = 2πi.
C(0,1) z

Teorema 5.11: Fórmula integral de Cauchy para derivadas


Suponhamos que f é uma função analítica numa região simplesmente conexa D e
que γ é um caminho simples e fechado em D, orientado positivamente. Então f tem
derivada de todas as ordens em D e, para quaisquer n ∈ N e z0 ∈ int(γ), temos
Z
(n) n! f (z)
f (z0 ) = dz.
2πi γ (z − z0 )n+1

Demonstração. Veja-se [2].

Exemplo 5.10. Consideremos o integral


Z
z+1
dz.
C(0,1) z4
+ 2iz 3

A função integranda tem singularidades nos pontos 0 e −2i, pois z 4 − 2iz 3 = z 3 (z + 2i), mas
apenas o ponto 0 se situa no interior da circunferência C(0, 1). Assim, podemos escrever
Z Z z+1
z+1 z+2i
dz = dz,
C(0,1) z 4 + 2iz 3 C(0,1) z3

onde a função g(z) = z+2iz+1


não tem singularidades no interior de C(0, 1). Uma vez que
g (0) = (2i)3 , obtemos então
00 2−4i

2 − 4i
Z
z+1 2πi 00
dz = g (0) = πi .
C(0,1) z 4 + 2iz 3 2! (2i)3

Segue do teorema anterior que uma função analítica numa região D admite nessa região
derivadas de todas as ordens.
Cololário 5.12
Se f (z) é uma função analítica na região D, então todas as suas derivada
f 0 (z), f 00 (z), . . . , f (n) (z), . . . existem e são analíticas em D.

Analisamos de seguida mais algumas das mais importantes consequências das fórmulas
integrais de Cauchy.

78
Capítulo 5

Teorema 5.13: Desigualdade de Cauchy


Suponhamos que f é analítica numa região simplesmente conexa D e que a circunfe-
rência C(z0 , r) está contida em D. Se |f (z)| ≤ M para todo o z ∈ C(z0 , r), então

n!M
f (n) (z0 ) ≤ para todo o n ≥ 0.
rn

Demonstração. Por hipótese, para z sobre a circunferência C(z0 , r) temos

f (z) |f (z)| M
n+1
= n+1 ≤ n+1 .
(z − z0 ) r r

Usando a fórmula integral de Cauchy para derivadas e a desigualdade M L, obtemos


Z
(n) n! f (z) n! M n!M
f (z0 ) = dz ≤ 2πr = .
2π C(z0 ,r) (z − z0 )n+1 2π rn+1 rn

Teorema 5.14: Teorema de Liouville


As únicas funções inteiras e limitadas são as funções constantes.

Demonstração. Suponhamos que f é uma função inteira e limitada. Então, existe M > 0
tal que |f (z)| ≤ M para todo o z ∈ C. Tomemos uma circunferência centrada no ponto
z0 com raio r > 0. A desigualdade de Cauchy diz-nos que |f 0 (z0 )| ≤ M/r. Uma vez que
podemos tomar r tão grande quanto queiramos, podemos concluir que f 0 (z0 ) = 0 para todos
os pontos z0 ∈ C. Pelo teorema 4.15, a função f é constante em C.

Estamos agora em condições de enunciar e provar o Teorema Fundamental da Álgebra.


Teorema 5.15: Teorema fundamental da álgebra

Qualquer polinómio não constante p(z) tem pelo menos uma raiz em C.

Demonstração. Suponhamos que o polinómio p(z) = a0 +a1 z +a2 z 2 +· · ·+an z n , com an 6= 0


e n ≥ 1, não tem raízes em C. Então, a função f (z) = 1/p(z) é inteira. Escrevendo

p(z) = z n a0 /z n + a1 /z n−1 + · · · + an−1 /z + an ,




segue-se que
p(z)
lim = an .
|z|→+∞ z n

79
Capítulo 5

Portanto, |p(z)/z n | ≥ |an |/2 para |z| suficientemente grande, digamos |z| ≥ R. Assim,
1 2 2
|f (z)| = ≤ n ≤ n
|p(z)| |z| |an | R |an |

para |z| ≥ R, ou seja, |f (z)| é limitada para |z| ≥ R. Além disso a função |f (z)| é contínua,
logo limitada no disco fechado |z| ≤ R. Concluímos assim que f é limitada em todo o plano
C. Pelo Teorema de Liouville, segue que f é constante, e portanto também p é constante.
Como este facto contradiz a nossa suposição, concluímos que p tem pelo menos uma raiz
em C.

Numa linguagem mais algébrica, o teorema anterior é por vezes enunciado afirmando
que o corpo dos números complexos é algebricamente fechado. O resultado seguinte é uma
consequência imediata deste teorema e, por vezes, também chamado Teorema Fundamental
da Álgebra.
Cololário 5.16
Se p(z) é um polinómio de grau n > 0, então existem n números complexos
z1 , z2 , . . . , zn (não necessariamente todos distintos) e um número complexo c 6= 0
tal que
p(z) = c(z − z1 )(z − z2 ) · · · (z − zn ).

Demonstração. Pelo Teorema Fundamental da Álgebra, o polinómio p(z) possui uma raiz,
digamos z1 . Usando divisão de polinómios, podemos escrever

p(z) = (z − z1 )p1 (z),

para um certo polinómio p1 (z) de grau n − 1. Se n = 1 então p1 (z) é uma constante e o


resultado está provado. Caso contrário, repetimos o argumento para o polinómio p1 (z): este
polinómio possui uma raiz, digamos z2 , e então podemos escrever p(z) = (z−z1 )(z−z2 )p2 (z),
com p2 (z) um polinómio de grau n − 2. Continuando este procedimento obtemos o resultado
pretendido.

80
CAPÍTULO 6
SÉRIES DE POTÊNCIAS

Definição 6.1. Sejam z0 ∈ C e (an ) uma sucessão de números complexos. Uma série de
potências de z − z0 com coeficientes a0 , a1 , . . ., é uma série da forma

X
an (z − z0 )n = a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · ·
n=0

Esta série diz-se centrada em z0 e este ponto designa-se por centro da série. Convencio-
namos definir (z − z0 )0 = 1 mesmo quando z = z0 .

Uma série de potência é apenas um exemplo de uma série de números complexos, onde
o termo geral é da forma an (z − z0 )n . Notemos que a convergência da série depende do
valor de z. Se a série converge para todo o z ∈ D ⊆ C, então a série define uma função no
conjunto D.
X∞
Exemplo 6.1. A série geométrica z n é uma série de potências centrada em z0 = 0, e
n=1
1
coincide com a função f (z) = no disco |z| < 1. Fora deste disco a série diverge.
1−z
∞ n
X z
Exemplo 6.2. Já a série converge absolutamente para todo o z ∈ C. Podemos
n=0
n!
confirma-lo aplicando o teste da razão:
z n+1 n! |z|
lim n
= lim = 0.
(n + 1)! z n+1
Como este limite é inferior a 1, a série é absolutamente convergente em C e, portanto, define
uma função em C.
Uma série de potências de z −z0 converge, pelo menos, no ponto z0 . O proximo resultado
descreve os possíveis casos de convergência de uma série de potências.

81
Capítulo 6

Teorema 6.1

Dada uma série de potências an (z − z0 )n , três situações podem ocorrer:
P
n=0

1. A série converge apenas para z = z0 .

2. A série converge para qualquer z ∈ C.

3. Existe um R > 0 tal que a série converge absolutamente se |z −z0 | < R e diverge
se |z − z0 | > R.


X ∞
X
Demonstração. É suficiente mostrar que se an (z1 − z0 ) converge, então
n
an (z − z0 )n
n=0 n=0
converge absolutamente para todo o z tal que |z − z0 | < |z1 − z0 |. Suponhamos então que
X∞
an (z1 − z0 )n converge e que z satisfaz |z − z0 | < |z1 − z0 |. Pela condição necessária de
n=0
convergência, sabemos que an (z1 − z0 )n → 0. Portanto, existe M > 0 tal que

|an (z1 − z0 )n | < M para todo o n ≥ 0.

Mas então
|z − z0 |n
|an (z − z0 )n | = |an (z1 − z0 )n | · < M bn ,
|z1 − z0 |n

|z − z0 | X
onde b = < 1. Como M bn é uma série geométrica (real) convergente, concluímos
|z1 − z0 | n=0
X∞
pelo teste de comparação que a série an (z − z0 )n é convergente.
n=0

Ao número real R chama-se raio de convergência da série e estende-se a definição


dizendo que R = 0 na situação (1) e R = ∞ na situação (2). No caso R > 0, nada se pode
dizer em geral sobre a natureza da série sobre os pontos da circunferência |z − z0 | = R. A
bola aberta {z ∈ C : |z − z0 | < R} chama-se disco de convergência da série. Neste disco,
X∞
a série define uma função f (z) = an (z − z0 )n , para z ∈ D
n=0

No caso de séries de potências de números reais, quando R > 0 o disco de convergência


|x − x0 | < R reduz-se ao intervalo ]x0 − R, x0 + R[. A convergência nos extremos deste
intervalo tem de ser verificada diretamente.

82
Capítulo 6

Proposição 6.2

X
Suponhamos que a série de potências an (z − z0 )n tem raio de convergência R > 0 e
n=0
seja D o seu disco de convergência. Consideremos ainda a função f : D → C definida
por

X
f (z) = an (z − z0 )n .
n=0

Então:

1. A função f é analítica em D e

! ∞ ∞
d X X d  X
f 0 (z) = an (z − z0 )n = an (z − z0 )n = nan (z − z0 )n−1 .
dz n=0 n=0
dz n=1

Consequentemente, f tem derivadas de todas as ordens e, para todo o k ∈ N


tem-se f (k) (z0 ) = k!ak .

2. Para qualquer caminho γ contido em D, tem-se


Z ∞
Z X ∞
X Z
n
f (z)dz = an (z − z0 ) dz = an (z − z0 )n dz.
γ γ n=0 n=0 γ

3. A derivação termo a termo e integração termo a termo conservam o raio de


convergência.

Demonstração. Veja-se [6].

Portanto, uma série de potências deriva-se e integra-se termo a termo, e a série resultante
mantém o raio de convergência. Note-se que, no caso de séries de potências reais, o caminho
γ da alínea 2 da proposição anterior reduz-se a um intervalo [a, b] contido no disco de
convergência (ele próprio um intervalo) da série.

1 X
Exemplo 6.3. Uma vez que = z n , para |z| < 1, temos
1−z n=0

 0 ∞
!0 ∞ ∞
1 1 X
n
X
n 0
X
= = z = (z ) = nz n−1
(1 − z)2 1−z n=0 n=0 n=1

para |z| < 1.



1 X
Exemplo 6.4. Vamos usar mais uma vez a representação = z n , para |z| < 1, para
1−z n=0

83
Capítulo 6

obter uma representação em série de potências de centro z0 = 0 da função

f (z) = Log(1 − z).



1 X
Notemos que f (z) = −
0
= z n . Integrando termo a termo esta igualdade, obtemos
1−z n=0

∞ ∞ Z ∞
z n+1
Z X X X
n
f (z) = − z dz = − z n dz = − + c,
n=0 n=0 n=0
n + 1

para |z| < 1, onde c é a constante de integração. Como f (0) = Log(1) = 0, temos c = 0, ou
seja

X z n+1
Log(1 − z) = −
n=0
n+1
para |z| < 1.

6.1 Série de Taylor


Se uma função se puder escrever como a soma de uma série de potências numa certa região,
as operações de derivação e integração tornam-se muito simples, pois como vimos na propo-
sição 6.2, uma série de potências pode ser derivada ou integrada termo a termo. Além disso,
a série fornece uma aproximação da função por polinómios. Vamos nesta secção analisar em
que circunstâncias uma função pode ser representada por uma série de potências. Notamos
que neste contexto há diferenças importantes entre funções reais e funções complexas. Apre-
sentaremos os resultados para funções complexas, analisando o caso real à parte sempre que
existirem diferenças no comportamento das funções.

X
Seja f a função soma da série de potências an (z − z0 )n definida no interior do seu
n=0
disco de convergência D = |z − z0 | < R, com R > 0. Vimos no ponto 1 da proposição 6.2
que a função f admite derivadas de qualquer ordem em D e

f (n) (z0 )
an = .
n!
Deste resultado concluí-se que uma função f não pode ser a soma de duas séries de
potências de z − z0 diferentes com raio de convergência não nulo, pois da igualdade

X ∞
X
n
f (z) = an (z − z0 ) = bn (z − z0 )n
n=0 n=0

obtemos
f (n) (z0 )
an = b n = , para todo o n ≥ 0.
n!
84
Capítulo 6

Definição 6.2 (Série de Taylor). Seja f uma função analítica no disco |z − z0 | < R. A
série de Taylor de f centrada em z0 é a série de potências dada por

X f (n) (z0 )
(z − z0 )n .
n=0
n!

No caso particular z0 = 0 dá-se o nome de série de Maclaurin de f à série



X f (n) (z0 )
zn.
n=0
n!

O termo geral da sucessão das somas parciais


n
X f (k) (z0 )
sn (z) = (z − z0 )k
k=0
k!

chama-se polinómio de Taylor de grau n de f no ponto z0 .

Dada uma qualquer função com derivadas de qualquer ordem em z0 , podemos sempre
construir a sua série de Taylor. Coloca-se então a questão de saber qual a relação entre
a função f e a sua série de Taylor. No teorema seguinte, prova-se que no caso de funções
complexas, uma função analítica num disco é aí representada pela sua série de Taylor.
Veremos adiante que o caso de funções reais é muito diferente.
Teorema 6.3: Teorema de Taylor
Seja f uma função analítica em D ⊆ C e seja z0 ∈ D. Então

X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n
n=0
n!

para z no maior disco aberto centrado em z0 e contido em D.

Demonstração. O disco D é o interior da bola definida por |z − z0 | < R, com R igual


à distância de z0 à singularidade de f mais próxima de z0 . Consideremos um circulo C1
centrado em z0 e com raio ρ < R. Se z é um qualquer ponto no interior de C1 , então pela
Fórmula integral de Cauchy podemos escrever
Z
1 f (ζ)
f (z) = dζ.
2πi C1 ζ −z

Seja |z − z0 | = r. Então, se ζ é um ponto no circulo C1 temos r = |z − z0 | < |ζ − z0 | = ρ e

85
Capítulo 6

podemos escrever
 
1 1 1  1
= =  
ζ − z (ζ − z0 ) − (z − z0 ) ζ − z0 1 − z−z0
ζ−z0
∞  n ∞
X (z − z0 )n
1 X z − z0
= =
ζ − z n=0 ζ − z0 n=0
(ζ − z0 )n+1
N −1 ∞
X (z − z0 )n X (z − z0 )n
= +
n=0
(ζ − z0 )n+1 n=N (ζ − z0 )n+1
N −1
X (z − z0 )n (z − z0 )N
= + .
n=0
(ζ − z0 )n+1 (ζ − z)(ζ − z0 )N

Multiplicando esta última igualdade por f (ζ) e integrando ambos os membros ao longo de
C1 , obtemos:
Z N −1 Z Z
f (ζ) X f (ζ) f (ζ)
dζ = (z − z0 )n
n+1
dζ + (z − z0 )N
N
dζ. (6.1)
C1 ζ −z n=0 C1 (ζ − z0 ) C1 (ζ − z)(ζ − z0 )

Pela Fórmula integral de Cauchy para derivadas, temos

f (n) (z0 )
Z
f (ζ)
n+1
dζ = 2πi para n ≥ 0,
C1 (ζ − z0 ) n!

pelo que, após multiplicação por 1/(2πi), podemos escrever a equação (6.1) como
N −1
X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n + ξN (z − z0 ), (6.2)
n=0
n!

onde
(z − z0 )N
Z
f (ζ)
ξN (z − z0 ) = · dζ.
2πi C1 (ζ − z)(ζ − z0 )N
Portanto, obtemos o resultado pretendido se mostrarmos que

lim ξN (z − z0 ) = 0.
N →∞

Para tal, notemos que se ζ é um ponto do circulo C1 , então

|ζ − z| = |(ζ − z0 ) − (z − z0 )| ≥ ||ζ − z0 | − |z − z0 || = ρ − r.

Assim, se M é o valor máximo de |f (ζ)| em C1 , pela desigualdade M L temos


 N
rN M Mρ r
|ξN (z − z0 )| ≤ · N
· 2πρ = · .
2π (ρ − r)ρ (ρ − r) ρ
Uma vez que r/ρ < 1, concluímos que lim ξN (z − z0 ) = 0.
N →∞

86
Capítulo 6

O teorema de Taylor diz-nos que se soubermos os valores f (z0 ), f 0 (z0 ), f 00 (z0 ), . . . (apenas
no ponto z0 ), conhecemos o valor de f (z) em qualquer ponto do disco de convergência da
sua série de Taylor. O raio de convergência da série de Taylor de uma função f pode ser
obtido aplicando o teste da razão à série dos módulos. No entanto, pelo resultado anterior,
temos que o raio de convergência é igual à distância do centro z0 da série à singularidade
de f mais próxima de z0 .
Exemplo 6.5. A exponencial complexa ez é uma função inteira e todas as suas derivadas em
torno do ponto 0 são iguais a 1, pelo que a série de Maclaurin desta função em torno da
origem é dada por
∞ n
X z
z
e = para todo o z ∈ C.
n=0
n!
É igualmente fácil verificar que para todo o z ∈ C,
∞ 2k+1 ∞ 2k
n z n z
X X
sin z = (−1) e cos z = (−1)
n=0
(2k + 1)! n=0
(2k)!
1
Exemplo 6.6. Determinemos a série de Taylor da função f (z) = em torno do ponto
2z − 3
z0 = 2. Podemos usar a fórmula para os coeficientes da série de Taylor para determinar

X f (n) (2)
(z − 2)n . Um método alternativo, menos fastidioso, consiste em escrever f como
n=0
n!
uma série geométrica e usar o resultado do exemplo 6.1. Notemos que
1 1 1
f (z) = =
2z − 3 2 z − 32
1 1
=
2 (z − 2) + 21
1
=
2(z − 2) + 1
1
=
1 − (−2(z − 2))
X∞ ∞
X
n
= (−2(z − 2)) = (−2)n (z − 2)n .
n=0 n=0

Esta série converge absolutamente para z tal que |2(z − 2)| < 1, ou seja, para |z − 2| < 1/2,
pelo que o seu raio de convergência é r = 1/2. Tendo em conta a unicidade da representação
de uma função pela sua série de Taylor, temos que

X
f (z) = (−2)n (z − 2)n
n=0
1
no disco de convergência D = {z ∈ C : |z − 2| < }. Notemos que o raio de convergência
2
r = 1/2 é igual à distância entre o centro z0 = 2 da série e a única singularidade z = 3/2
da função f .

87
Capítulo 6

Exemplo 6.7. Neste exemplo vamos determinar a série de Taylor de centro z0 = 2 da função
−2
g(z) = . Comecemos por notar que esta função tem uma única singularidade no
(2z − 3)2
ponto z = 3/2, logo o Teorema de Taylor diz-nos que a série de Taylor de g(z) em torno do
ponto z0 = 2 é válida no disco

D = {z ∈ C : |z − 2| < 1/2}.

Para obtermos a série de Taylor, notemos que g(z) = f 0 (z), onde f (z) é a função que
considerámos no Exemplo 6.6. Portanto, podemos escrever


!0
X
0 n n
g(z) = f (z) = (−2) (z − 2))
n=0

X
= (−2)n ((z − 2)n )0
n=0

X
= n(−2)n (z − 2)n−1 ,
n=1

para todo o ponto z ∈ D.

Multiplicação e divisão de séries de Taylor


É fácil concluir que se f (z) e g(z) são funções analíticas com séries de Taylor

X ∞
X
f (z) = an (z − z0 ) n
e g(z) = bn (z − z0 )n (6.3)
n=0 n=0

para |z − z0 | < R, então a série de Taylor da sua soma em torno do ponto z0 é dada por

X
f (z) + g(z) = (an + bn )(z − z0 )n
n=0

para |z − z0 | < R.
1
Exemplo 6.8. Consideremos a função f (z) = + ez . Uma vez que as séries de Taylor de
1−z
1
e de ez de centro z0 = 0 têm raios de convergência R = 1 e R = ∞, respetivamente,
1−z
temos que
∞ ∞ n
1 z
X
n
X z
f (z) = +e = z +
1−z n=0 n=0
n!
∞  
X 1
= 1+ zn,
n=0
n!

para |z| < 1.

88
Capítulo 6

O produto f (z)g(z) das somas das séries definidas em (6.3) é uma função analítica em
|z − z0 | < R e, portanto, possui uma representação em série de Taylor neste disco. Para a
obtermos temos de usar o produto de Cauchy de duas séries:

X
f (z)g(z) = cn (z − z0 )n ,
n=0

n
X
onde para cada n ≥ 0 o coeficiente cn é dado por cn = ak bn−k . Notemos que este
k=0
procedimento é o que obtemos se multiplicarmos as duas séries termo a termo, tal como
fazemos com polinómios.
Exemplo 6.9. Temos:
∞ n
! ∞
!
ez X z X
= · zn
1−z n!
 n=0 2
n=0
z3

z
+ · · · · 1 + z + z2 + z3 + · · ·

= 1+z+ +
2 6
   
1 2 1 1
= 1 + (1 + 1)z + +1+1 z + + + 1 + 1 z3 + · · ·
2 6 2
5 8
= 1 + 2z + z 2 + z 3 + · · ·
2 3
para todo o |z| < 1.
Exemplo 6.10. Como

X (−1)n 2n+1 z3 z5 z7
sin(z) = z =z− + − + ···
n=0
(2n + 1)! 3! 5! 7!

para todo o z ∈ C, temos

z3 z5 z7 z3 z5 z7
   
2
sin (z) = z − + − + ··· · z − + − + ···
3! 5! 7! 3! 5! 7!
     
2 1 1 4 1 1 1 6 1 1 1 1
=z − + z + + + z − + + + z8 + · · ·
6 6 120 36 120 5040 720 720 5040
1 2 1 8
= z2 − z4 + z6 − z + ···
3 45 315
Continuemos a considerar f (z) e g(z) como as somas das séries (6.3) e suponhamos que
g(z) 6= 0 para |z − z0 | < R. Como o quociente f (z)/g(z) é analítica no disco |z − z0 | < R,
possui uma representação em série de Taylor neste disco:

f (z) X
= dn (z − z0 )n ,
g(z) n=0

89
Capítulo 6

onde os coeficientes dn podem ser obtidos derivando sucessivamente a função f (z)/g(z) e


calculando os valores das derivadas no ponto z = z0 . Estes valores podem também ser
obtidos efetuando a divisão termo a termo da série f (z) pela série g(z) (tal como fazemos
com polinómios).

Exemplo 6.11. Vamos determinar os primeiros termos da série de Taylor de centro z0 = 0


da função
z
f (z) = .
sin(z)
Sabemos que

X (−1)n 2n+1 z3 z5 z7
sin(z) = z =z− + − + ···
n=0
(2n + 1)! 3! 5! 7!

z3 z5 z7
para todo o z ∈ C. Efetuando a divisão termo a termo de z por z − + − + ···,
3! 5! 7!
obtemos
z3 z5 z7
   
1 2 7 4
z= z− + − + ··· · 1 + z + z + ··· .
3! 5! 7! 6 300
Portanto,
z 1 7 4
f (z) = = 1 + z2 + z + ···
sin(z) 6 360
Este desenvolvimento é válido no disco |z| < π uma vez que ±π são as singularidades de
f (z) mais próximas do ponto z0 = 0.

O teorema de Taylor no caso de funções reais


A afirmação do Teorema de Taylor é falsa no contexto das funções reais de variável real. Uma
função de variável real f , mesmo indefinidamente diferenciável, não tem necessariamente
uma representação em série de Taylor convergente. Por exemplo, a função

e−1/x2 , se x 6= 0
f (x) =
0, se x = 0

satisfaz f (n) (0) = 0 para todo o n ≥ 0, pelo que a sua série de Taylor é a série nula
0 + 0x + 0x2 + · · · = 0. Portanto, f não coincide com a sua série de Taylor em nenhuma
vizinhança de 0.
No entanto, pela unicidade da representação de uma função pela sua série de Taylor,

X
conclui-se que se f for a soma de uma série de potências an (x − x0 )n numa vizinhança
n=0
de x0 , então essa é a sua série de Taylor.

90
Capítulo 6

Proposição 6.4: Fórmula de Taylor com resto de Lagrange

Seja f :]a, b[→ R uma função que admite derivadas contínuas em ]a, b[ até à ordem
n + 1 e seja x0 ∈]a, b[. Então para qualquer x ∈]a, b[, existe c estritamente entre x e
x0 tal que

f 00 (x0 ) f (n) (x0 )


f (x) = f (x0 ) + f 0 (x0 )(x − x0 ) + (x − x0 )2 + · · · + (x − x0 )n + rn (f, x0 ),
2! n!
onde
f (n+1) (c)
rn (f, x0 ) = (x − x0 )n+1 .
(n + 1)!
A rn (f, x0 ) chama-se resto de Lagrange da Fórmula de Taylor de ordem n, e o poli-
nómio P( f, x0 ) = f (x) − rn (x) designa-se por polinómio de Taylor de f de grau n no
ponto x0 .

Notemos que a sucessão das somas parciais da série de Taylor de uma função f em torno
de x0 é dada por sn = Pn (f, x0 ). Assim, a série de Taylor de f converge para f (x) se e só
se lim rn (f, x0 ) = lim(f (x) − Pn (f, x0 )) = 0.

6.2 Série de Laurent

Se f tem uma singularidade no ponto z0 então não pode ser expandida em série de potências
centrada em z0 . No entanto, se z0 for uma singularidade isolada, é possível representá-la
por uma série envolvendo potências positivas e negativas de z − z0 . Por exemplo, a função
1
f (z) = tem singularidades nos pontos 0 e 1, pelo que não possui série de Taylor
z(1 − z)
de centro z0 = 0, mas podemos escrever

∞ ∞
1 1 1 X n X n−1 1
f (z) = · = · z = z = + z + z2 + z3 + · · ·
z (1 − z) z n=0 n=0
z

Esta série é absolutamente convergente para 0 < |z| < 1.

91
Capítulo 6

Teorema 6.5: Teorema de Laurent


Seja f uma função diferenciável numa coroa circular D = {z : r < |z − z0 | < R}, com
0 ≤ r < R e R > 0 ou R = +∞. Então, nessa coroa circular tem-se
∞ ∞
X 1 X
f (z) = a−n n
+ an (z − z0 )n ,
n=1
(z − z0 ) n=0

onde Z
1 f (w)
an = dw
2πi γ (w − z0 )n+1
para n = 0, ±1, ±2, . . . e γ um caminho simples fechado, orientado positivamente,
contido em D e contendo z0 no seu interior.

Demonstração. Veja-se [5].

Definição 6.3. À série definida no teorema de Laurent chama-se série de Laurent de f


de centro z0 . A primeira parte desta série, formada pelas potências negativas de z − z0 ,
designa-se por parte principal e a segunda, formada pelas potências não-negativas de
z − z0 , chama-se parte analítica.

A parte analítica da série de Laurent de f de centro z0 converge no interior do disco


|z − z0 | = R, enquanto que a parte principal converge no exterior do disco |z − z0 | = r.
Notemos ainda que os coeficientes da série de Laurent de centro z0 , e portanto a própria série
de Laurent, são univocamente determinados por f e pela coroa r < |z − z0 | < R. Portanto,
tal como nas séries de Taylor, a representação de uma função em série de Laurent na coroa
r < |z − z0 | < R é única. Além disso, se f é diferenciável em todo o disco |z − z0 | < R,
então a−n = 0, para n ≥ 1 e
f (n) (z0 )
an = ,
n!
para n = 0, 1, 2, . . . Ou seja, neste caso a série de Laurent reduz-se à série de Taylor. Se,
no entanto, f não é analítica no ponto z0 , mas é analítica em todos os restantes pontos do
disco |z − z0 | < R, então o raio r pode ser escolhido de forma arbitrariamente pequena.
Neste caso, a representação em série de Laurent de f de centro z0 é válida na coroa circular
1
0 < |z − z0 | < R. Notamos que o coeficiente a−1 de nesta série satisfaz a igualdade
Z z − z0
1 f (z)
a−1 = dz, ou seja,
2πi γ (z − z0 )0
Z
2πia−1 = f (z)dz.
γ

92
Capítulo 6

∞ n
X z
Exemplo 6.12. Uma vez que e = z
para todo o z ∈ C, obtemos o desenvolvimento em
n=0
n!
série de Laurent

1
X 1
e = z
n
n=0
z n!

para todo o 0 < |z| < ∞.

sin(z)
Exemplo 6.13. Para determinarmos a série de Laurent de f (z) = de centro z0 = 0,
z2
expandimos sin(z) em série de Taylor:
∞ ∞
1 1 X (−1)n 2n+1 X (−1)n 2n−1
f (z) = 2 sin(z) = 2 · z = z
z z n=0 (2n + 1)! n=0
(2n + 1)!
1 z z3
= − + + ···
z 3! 5!
válida para 0 < |z| < ∞.

1
Exemplo 6.14. A função f (z) = é analítica em C \ {1, 2}. Podemos usar a
(z − 1)(z − 2)
série geométrica para expandir a função f em série de Laurent de centro z0 = 1 ou z0 = 2
do seguinte modo:

1 1 −1 X
f (z) = = · = − (z − 1)n−1 ,
(z − 1)(z − 2) (z − 1) 1 − (z − 1) n=0

para 0 < |z − 1| < 1, e



1 1 −1 X
f (z) = = · = (−1)n+1 (z − 2)n−1 ,
(z − 2)(z − 1) (z − 2) 1 − (−(z − 2)) n=0

para 0 < |z − 2| < 1.


Podemos igualmente expandir f em série de Laurent válida em regiões diferentes. Por
exemplo, f tem três séries de Laurent centradas no ponto 0, válidas nos seguintes domínios:

(i) |z| < 1, (ii) 1 < |z| < 2, (iii) |z| > 2.

No caso (i) temos que se |z| < 1 então também |z| < 2 e podemos escrever
∞ ∞ ∞  
1 1 1 1 X 1  z n X n X 1
f (z) = − =− + = − + z = 1 − n+1 z n ,
z−2 z−1 2(1 − z/2) 1 − z n=0
2 2 n=0 n=0
2

que é a série de Taylor de f no disco |z| < 1, i.e. a série de Laurent não tem parte principal.

93
Capítulo 6

No caso (ii), temos que se 1 < |z| < 2 então |z/2| < 1 e |1/z| < 1, e podemos escrever
∞ ∞  n
1 1 1 1 X 1  z n 1 X 1
f (z) = − =− − = − −
z−2 z−1 2(1 − z/2) z(1 − 1/z) n=0 2 2 z n=0 z
∞ ∞
X 1 X 1
= − − zn.
n=1
z n n=0 2n+1

Finalmente, no caso (iii) se |z| > 2, então |2/z| < 1 e |1/z| < 1 e podemos escrever
∞  n ∞  n
1 1 1 1 X1 2 1X 1
f (z) = − = − = −
z−2 z−1 z(1 − 2/z) z(1 − 1/z) n=0 z z z n=0 z
∞  
X 1 1
= n+1
−1 n
.
n=1
2 z

Neste caso, a série de Laurent não tem parte analítica.

94
CAPÍTULO 7

RESÍDUOS

O Teorema de Cauchy-Gorsat diz que se uma função é analítica em todos os pontos de


um caminho simples e fechado C, bem como no seu interior, então o valor do integral
dessa função ao longo de C é zero. Se, no entanto, a função tiver um número finito de
singularidades no interior de C, existe um número, chamado resíduo, associado a cada uma
das singularidades, que contribui para o valor do integral. É este número que vamos analisar
neste capítulo.

7.1 Teorema dos Resíduos


Recordemos (definição 5.5) que um ponto z0 é uma singularidade isolada de uma função f
se f não tem derivada no ponto z0 mas é analítica nalguma coroa 0 < |z − z0 | < r.

Definição 7.1. Nas condições do teorema de Laurent, se r = 0, isto é, se z0 é uma singula-


1
ridade isolada de f , o coeficiente a−1 de na série de Laurent de f chama-se resíduo
z − z0
de f em z0 e denota-se por Res(f, z0 ). Temos assim,
Z
2πiRes(f, z0 ) = f (z)dz,
γ

ou seja, o valor do integral de f ao longo da curva γ é obtido multiplicando o resíduo de f


no ponto z0 por 2πi.

O próximo resultado, conhecido como teorema dos resíduos, é consequência do Teorema


de Cauchy-Goursat para regiões multiplamente conexas (Teorema 5.9).

95
Capítulo 7

Teorema 7.1: Teorema dos Resíduos


Seja D uma região simplesmente conexa e seja γ um caminho simples fechado contido
em D, orientado positivamente. Se f é uma função analítica em D exceto em n
singularidades isoladas z1 , . . . , zn , pertencentes ao interior de γ, então
Z n
X
f (z)dz = 2πi Res(f, zk )
γ k=1

Exemplo 7.1. Usemos o teorema dos resíduos para calcular o integral


Z
1
dz.
C(0,2) z(1 − z)
1
Comecemos por notar que a função f (z) = tem singularidades nos pontos z = 0
z(1 − z)
e z = 1, ambos dentro da circunferência C(0, 2). Calculemos então os resíduos Res(f, 0) e
Res(f, 1). Temos
∞ ∞
1 1 1 X n X n−1 1
f (z) = = z = z = + 1 + z + z2 + · · ·
z1−z z n=0 n=0
z
para todo o 0 < |z| < 1, pelo que Res(f, 0) = 1. Relativamente ao ponto 1, temos

1 1 1 1 1 X
f (z) = = = (−(z − 1))n
1−zz+1−1 1 − z 1 − (−(z − 1)) 1 − z n=0

X −1
= (−1)n+1 (z − 1)n−1 = + 1 − (z − 1) + (z − 1)2 + · · ·
n=0
z − 1
para 0 < |z − 1| < 1, pelo que Res(f, 1) = −1. Assim,
Z
1
dz = 2πi (Res(f, 0) + Res(f, 1)) = 0.
C(0,2) z(1 − z)

Exemplo 7.2. Consideremos o integral


Z  
2 1
z sin dz.
C(0,1) z
Como a função integranda é analítica em todo o plano exceto no ponto z = 0, possui
representação em série de Laurent válida na coroa 0 < |z| < ∞ e o valor do integral é 2πi
vezes o resíduo da função integranda no ponto z = 0. Para calcular o resíduo, usamos a
série de Taylor da função sin(z) no ponto z = 0:

(−1)n 2n+1
 
2 1 2
X 1 1 1 1 1 1
z sin =z · z = z − · + · 3 − · 5 + ···
z n=0
(2n + 1)! 3! z 5! z 7! z
O coeficiente de 1/z é o resíduo pretendido, pelo que
Z    
2 1 1 πi
z sin dz = 2πi − =− .
C(0,1) z 3! 3

96
Capítulo 7

7.2 Classificação das singularidades isoladas


Vamos classificar as singularidades isoladas de uma função f usando a parte principal da
representação em série de Laurent de f . Em alguns casos, esta classificação vai permitir-nos
obter o resíduo sem recurso à série de Laurent.
Começamos por examinar os zeros de uma função, uma noção que está intimamente
ligada às singularidades de uma função.

Definição 7.2. Seja f uma função analítica numa vizinhança de z0 . Dizemos que z0 é um
zero de ordem m de f se

f (z0 ) = f 0 (z0 ) = · · · = f (m−1) (z0 ) = 0 e f (m) (z0 ) 6= 0.

Um zero de ordem 1 também se chama um zero simples.

Portanto, z0 é um zero de ordem m da função f se m é a ordem da primeira derivada


de f que não se anula no ponto z0 (com f (0) (z0 ) = f (z0 )). O próximo resultado segue de
forma simples da definição de zero de ordem m de uma função e estabelece um critério para
determinar a ordem de um zero.
Proposição 7.2
Seja f uma função analítica numa vizinhança de z0 . Então, z0 é um zero de ordem m
de f se e só se numa vizinhança de z0 for possível escrever

f (z) = (z − z0 )m φ(z),

com φ analítica em z0 e φ(z0 ) 6= 0.

Demonstração. Se z0 é um zero de ordem m de f , então a série de Taylor de f de centro z0


é da forma
+∞
X
f (z) = an (z − z0 )n = am (z − z0 )m + am+1 (z − z0 )m+1 + am+2 (z − z0 )m+2 + · · ·
n=m

= (z − z0 )m am + am+1 (z − z0 )1 + am+1 (z − z0 )2 + · · · (7.1)




onde am = f (m) (z0 )/m! 6= 0. A série do membro direito da equação (7.1) é uma série de
Taylor de centro z0 que converge nos pontos em que a função f converge, pelo que define
uma função φ(z) analítica em z0 e tal que φ(z0 ) = am 6= 0. Reciprocamente, se f se escreve
na forma (7.1), então tem um zero de ordem m no ponto z0 pois a primeira derivada que
não se anula em z0 é a derivada de ordem m.

97
Capítulo 7

Exemplo 7.3. O ponto z = 0 é um zero de ordem 3 da função f (z) = z − sin(z) uma vez que

f (z) = z − sin(z) e f (0) = 0,


f 0 (z) = 1 − cos(z) e f 0 (0) = 0,
f 00 (z) = sin(z) e f 00 (0) = 0,
f 000 (z) = cos(z) e f 000 (0) = 1 6= 0.

Portanto, existe uma função φ(z) analítica no ponto 0 com φ(0) 6= 0 tal que

f (z) = z − sin(z) = z 3 φ(z).

Uma consequência simples da proposição anterior é o seguinte resultado que afirma que
os zeros de uma função analítica não-constante são isolados.
Cololário 7.3
Se f é uma função analítica tal que f (z0 ) = 0, então ou f é constantemente igual a
zero numa vizinhança de z0 ou existe uma coroa circular 0 < |z − z0 | < R onde f não
tem zeros.


X
Demonstração. Consideremos a série de Taylor an (z − z0 )n de f de centro z0 , onde
n=0
an = f (z0 )/n!. Então, pelo Teorema de Taylor, esta série converge num disco de centro
(n)

z0 . Se todos os coeficientes an são nulos, a função f é constantemente igual a zero nesta


vizinhança de z0 . Caso contrário, seja m ≥ 1 o menor inteiro para o qual am 6= 0. Então, de
acordo com a definição de ordem de um zero, o ponto z0 é um zero de ordem m de f . Assim,
pela proposição anterior, podemos escrever f (z) = (z − z0 )m φ(z)(z), com φ(z) analítica e
não nula no ponto z0 . Em particular, φ é contínua em z0 e φ(z0 ) 6= 0 pelo que podemos usar
o Teorema 4.8 para concluir que existe um disco |z − z0 | < R onde φ é não-nula. Segue-se
que a função f não tem zeros na coroa circular 0 < |z − z0 | < R.

Recorde que um subconjunto M ⊆ D diz-se discreto em D não possui pontos de acumu-


lação em D.
Cololário 7.4: Teorema da Identidade
Seja D ⊆ C um domínio e sejam f e g funções analíticas em D. Se f e g coincidem
num subconjunto não-discreto (e.g. um segmento de reta, uma curva ou um disco)
M ⊆ D, então f e g coincidem em D.

Demonstração. A função h(z) = f (z) − g(z) é analítica em D e uma vez que f e g coin-
cidem em M , os zeros de h não são isolados. Pelo corolário anterior, concluímos que h é
constantemente nula em D, ou seja f (z) = g(z) para todo o z ∈ D.

98
Capítulo 7

O Teorema da Identidade diz-nos que o comportamento de uma função analítica num


pequeno segmento de reta determina o comportamento da função em todo o plano complexo.
Por exemplo, consideremos as funções f (z) = ez e g(z) = ez̄ , para z ∈ C. Estas funções
coincidem no conjunto não-discreto R ⊆ C. Por outro lado, temos

eiπ/2 = i e e iπ/2 = −i,

pelo que f 6= g. Como f é uma função inteira, o Teorema da Identidade implica que g não
é analítica.
Vejamos outro exemplo da aplicação do Teorema da Identidade. Suponhamos que f é
uma função analítica no disco de centro na origem e raio 1 tal que f (1/n) = 0 para todo
o n ≥ 1. Então f coincide com a função nula no conjunto M = {1/n : n ≥ 1}. É fácil
de verificar que este conjunto não é discreto uma vez que o ponto z = 0 é um ponto de
acumulação de M . Segue-se do Teorema da Identidade que f = 0.

Voltamos agora a nossa atenção para as singularidades isoladas de uma função f . Sabe-
mos que se z0 é uma singularidade isolada de f , então a sua série de Laurent é
+∞ ∞
X 1 X
f (z) = a−n n
+ an (z − z0 )n (7.2)
n=1
(z − z0 ) n=0

para todo o z numa coroa circular 0 < |z − z0 | < R. Vamos classificar z0 numa de três
categorias.

Definição 7.3. Suponhamos que z0 é uma singularidade isolada da função f e seja (7.2) a
sua série de Laurent em 0 < |z − z0 | < R. Então:

1. Se an = 0 para todo o n < 0, dizemos que z0 é uma singularidade removível ou


aparente de f .

2. Se a−m 6= 0 para certo inteiro positivo m e an = 0 para todo n < −m, dizemos que
z0 é um polo de ordem m de f . Quando m = 1 também dizemos que z0 é um polo
simples de f .

3. Se an 6= 0 para um número infinito de valores negativos de n, dizemos que z0 é uma


singularidade essencial de f .

Vamos de seguida analisar separadamente cada um destes três tipos de singularidades


isoladas, começando pelas singularidades removíveis. Se z0 é uma singularidade remo-
vível de f , então a sua série de Laurent toma a forma

f (z) = a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · · (0 < |z − z0 | < R) (7.3)

99
Capítulo 7

ou seja, a série de Laurent é uma série de Taylor e, portanto, neste caso

Res(f, z0 ) = 0.

Segue-se que, com a exceção do ponto z0 , a função f (z) é igual à função f˜(z), definida por

f (z) se z 6= z
0
˜
f (z) = ,
a0 se z = z0

que é analítica em z0 e cuja série de Taylor é a série no membro direito da equação (7.3),
válida no disco |z − z0 | < R. Ou seja, a única causa da singularidade é a função f (z)
não estar definida, ou ser definida de forma “irregular"no ponto z0 . Podemos então remo-
ver a singularidade definindo f em z0 por f (z0 ) = a0 = lim f (z). Notemos ainda que
z→z0
sendo f˜(z) analítica no ponto z0 , esta função é obviamente limitada numa vizinhança de z0 .
Estabelecemos assim o seguinte lema.
Lema 7.5
Se f tem uma singularidade removível no ponto z0 , então:

1. f (z) é limitada numa coroa circular 0 < |z − z0 | < R.

2. O limite lim f (z) existe (é finito).


z→z0

3. f (z) pode ser definida em z0 de forma a que a nova função seja analítica em z0 .

Reciprocamente, se f é analítica e limitada numa coroa circular 0 < |z − z0 | < R, então


a singularidade z0 é removível, como veremos no lema seguinte.
Lema 7.6: Teorema de Riemann
Suponhamos que a função f (z) é analítica e limitada numa coroa circular 0 < |z−z0 | <
r. Se f (z) não é analítica em z0 , então este ponto é uma singularidade removível de
f (z).

Demonstração. Suponhamos que f (z) não é analítica no ponto z0 . Então, z0 é uma singu-
laridade isolada de f e f pode ser representada pela série de Laurent
∞ ∞
X a−n X
f (z) = + an (z − z0 )n
n=1
(z − z0 )n n=0

na coroa circular 0 < |z − z0 | < r. Se C denota a circunferência de centro z0 e raio ρ, com


ρ < r, orientada positivamente, então pelo Teorema de Laurent temos que
Z
1 f (z)
a−n = dz,
2πi C (z − z0 )−n+1

100
Capítulo 7

para n = 1, 2, . . . Como f é limitada na coroa 0 < |z − z0 | < r, existe M > 0 tal que

|f (z)| < M

para 0 < |z − z0 | < r. Usando a desigualdade M L, segue-se que


1 M
|a−n | ≤ · −n+1 · 2πρ = M ρn ,
2π ρ
para n = 1, 2, . . .. Como ρ pode ser tomado arbitrariamente pequeno e os coeficientes a−n
são constantes, concluímos que a−n = 0 para n = 1, 2, . . .. Ou seja, z0 é uma singularidade
removível de f .

Exemplo 7.4. Uma vez que o ponto 0 é um zero simples da função sin(z), podemos escrever
sin(z) = zφ(z), com φ diferenciável em C e φ(0) 6= 0. Podemos então concluir que a função
sin(z) zφ(z)
f (z) = = = φ(z), (0 < |z| < +∞)
z z
tem uma singularidade removível no ponto 0. Definindo f (0) = 1 a função f torna-se inteira.

Consideremos agora o caso em que z0 é um polo de ordem m de f . Neste caso, a série


de Laurent de f tem a forma
a−m a−1
f (z) = f (z) = m
+ ··· + + a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 ) + · · · (7.4)
(z − z0 ) z − z0
com a−m 6= 0, para todo o z numa coroa circular 0 < |z − z0 | < R.
z
Exemplo 7.5. O número 0 é um polo simples de 2 , pois a sua série de Laurent de centro 0
z
é
z 1
2
= , para 0 < |z| < +∞.
z z

ez
Exemplo 7.6. O número 0 é um polo de ordem 2 de , pois
z2

ez 1 X zn 1 1 1 z
2
= · = 2 + + + + ··· , para 0 < |z| < +∞.
z z n=0 n! z z 2! 3!

sin(z)
Exemplo 7.7. O número 0 não é um polo de , pois a parte principal da sua série de
z
Laurent em torno de z0 = 0
∞ ∞
sin(z) 1 X z 2n+1 X z 2n z2 z4
f (z) = = · (−1)n = (−1)n =1− + − ···
z z n=0 (2n + 1)! n=0 (2n + 1)! 3! 5!

(0 < |z| < +∞) tem todos os coeficientes nulos. Neste caso, 0 é uma singularidade removível
e definindo f (0) = 1 a função f torna-se inteira.

101
Capítulo 7

O próximo resultado estabelece um critério para uma singularidade isolada de f ser um


polo de ordem m.
Proposição 7.7
O número z0 é um polo de ordem m de f se e só se numa vizinhança de z0 for possível
escrever
g(z)
f (z) =
(z − z0 )m
com g uma função analítica em z0 tal que g(z0 ) 6= 0.

Demonstração. Se z0 é um polo de ordem m de f , podemos escrever


a−m a−1
f (z) = m
+ ··· + + a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 ) + · · ·
(z − z0 ) z − z0
para todo o z ∈ B(z0 , r) \ {z0 } com a−m 6= 0. Multiplicando ambos os membros desta
expressão por (z − z0 )m , obtemos

X
(z − z0 )m f (z) = a−m + a−m+1 (z − z0 ) + · · · + a−1 (z − z0 )m−1 + an (z − z0 )n+m , (7.5)
n=0
| {z }
g(z)

com g diferenciável em B(z0 , r) e tal que g(z0 ) = a−m 6= 0. A implicação recíproca é agora
imediata.

Cololário 7.8
Se f tem um polo de ordem m no ponto z0 , então

lim (z − z0 )` f (z) = +∞
z→z0

para todo o inteiro ` < m e a função (z − z0 )m f (z) tem uma singularidade removível
no ponto z0 . Em particular, lim f (z) = +∞.
z→z0

Demonstração. Se z0 é um polo de ordem m de f , então de acordo com a equação (7.5),


segue-se que z0 é um zero de ordem m da função (z − z0 )m f (z) e

lim (z − z0 )m f (z) = a−m 6= 0.


z→z0

Portanto, para qualquer inteiro ` < m temos:


1
lim (z − z0 )` f (z) = lim (z − z0 )m f (z) = +∞,
z→z0 z→z0 (z − z0 )m−`
uma vez que lim (z − z0 )m−` = 0 e a−m 6= 0.
z→z0

102
Capítulo 7

Cololário 7.9
Sejam g e h duas funções analíticas numa vizinhança de z0 tais que h tem um zero de
ordem m em z0 e g(z0 ) 6= 0. Então,

g(z)
f (z) =
h(z)

tem um polo de ordem m em z0 .

Demonstração. Basta notar que podemos escrever h(z) = (z − z0 )m φ(z), com φ analítica
numa vizinhança de z0 e φ(z0 ) 6= 0. Assim,
g(z)
g(z) g(z) φ(z)
f (z) = = m
= ,
h(z) (z − z0 ) φ(z) (z − z0 )m
g(z) g(z0 )
com analítica numa vizinhança de z0 e 6= 0.
φ(z) φ(z0 )

Exemplo 7.8. Seja


1
f (z) = .
sin(z)
A função sin(z) tem zeros nos pontos kπ, k ∈ Z. Se z0 é um destes pontos, temos sin(z0 ) = 0
e cos(z0 ) 6= 0. Portanto, a função sin(z) tem um zero simples no ponto z0 . Pelo corolário
anterior, f tem um polo simples em z0 .

Exemplo 7.9. Consideremos agora a função


ez − 1
f (z) = .
z3
O ponto 0 é zero simples de ez − 1, pelo que podemos escrever ez − 1 = zφ(z), com φ(0) 6= 0.
Portanto,
zφ(z) φ(z)
f (z) = 3
= 2 ,
z z
com φ(0) 6= 0. Pelo corolário anterior, 0 é um polo de ordem 2 de f .
Podemos agora deduzir fórmulas para o cálculo de resíduos de uma função em polos.
Teorema 7.10
Seja f uma função analítica num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 uma singularidade
isolada de f . Se f tem um polo simples em z0 , então

Res(f, z0 ) = lim (z − z0 )f (z).


z→z0

103
Capítulo 7

Demonstração. Se z0 é polo simples de f podemos escrever


a−1
f (z) = + a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · · ,
z − z0
com a−1 6= 0. Daqui segue que

lim (z − z0 )f (z) = a−1 .


z→z0

De forma alternativa, podemos calcular o resíduo num polo simples da seguinte forma:
Cololário 7.11
Sejam g e h funções analíticas numa vizinhança de z0 tais que h tem um zero simples
g(z)
em z0 e g(z0 ) 6= 0. Então, a função f (z) = tem um polo simples em z0 e
h(z)

g(z0 )
Res(f (z), z0 ) = .
h0 (z0 )

Demonstração. Pelo teorema anterior, temos

g(z) g(z) g(z0 )


Res(f (z), z0 ) = lim (z − z0 ) = lim h(z) = 0 .
z→z0 h(z) z→z0 h (z0 )
z−z0

Relativamente a polos de ordem m > 1 temos o seguinte critério:

Teorema 7.12
Seja f uma função analítica num conjunto aberto A ⊆ C e seja z0 uma singularidade
isolada de f . Se f tem um polo de ordem m em z0 , então

1 dm−1
Res(f, z0 ) = lim m−1 (z − z0 )m f (z).
(m − 1)! 0 dz
z→z

Demonstração. Se z0 é polo de ordem m de f podemos escrever


a−m a−1
f (z) = + · · · + + a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · · ,
(z − z0 )m z − z0

com a−m 6= 0, ou ainda,

(z − z0 )m f (z) = a−m + · · · + a−1 (z − z0 )m−1 + a0 (z − z0 )m + a1 (z − z0 )m+1 + a2 (z − z0 )m+2 + · · ·

104
Capítulo 7

Derivando esta igualdade m − 1 vezes vem:


dm−1
m−1
(z − z0 )m f (z) = (m − 1)!a−1 + m!(z − z0 )a0 + · · ·
dz
Tomando limites obtemos
dm−1
lim (z − z0 )m f (z) = (m − 1)!a−1 .
z→z0 dz m−1

Exemplo 7.10. A função


ez
f (z) =
z(z − 1)3
ez
tem um polo de ordem 3 no ponto 1 pois não se anula em 1. Neste ponto, temos
z
1 d2 3 1 d2 e z e
Res(f, 1) = lim 2 (z − z0 ) f (z) = lim 2 = .
2! z→1 dz 2! z→1 dz z 2
Assim, Z
f (z)dz = 2πiRes(f, 1) = πie
C(1,1/2)

pois o ponto 1 é a única singularidade de f dentro da circunferência C(1, 1/2).

Exemplo 7.11. Calculemos o integral


Z
1
dz.
C(0,5) sin(z)
1
Como vimos no exemplo 7.8, a função tem polos simples nos pontos kπ, k ∈ Z.
sin(z)
Destes, apenas os pontos −π, 0, π estão dentro da circunferência C(0, 5). Temos
 
1 1 1
Res ,0 = 0
= = 1,
sin(z) (sin(z)) |z=0 cos(0)
 
1 1 1
Res ,π = = = −1,
sin(z) (sin(z))0 |z=π cos(π)
 
1 1 1
Res , −π = 0
= = −1,
sin(z) (sin(z)) |z=−π cos(−π)
pelo que Z
1
dz = 2πi(1 − 1 − 1) = −2πi.
C(0,5) sin(z)

Analisemos por fim as singularidades essenciais. Neste caso, a parte principal de f


possui um número infinito de coeficientes não nulos.

105
Capítulo 7

Exemplo 7.12. A função e1/z tem uma singularidade essencial no ponto 0, pois

1/z
X 1 1 1 1
e = n
= ··· + 3
+ 2
+ + 1.
n=0
z n! 3!z 2!z z

O próximo teorema mostra que perto de uma singularidade essencial, uma função assume
valores arbitrariamente próximos de qualquer número complexo.
Teorema 7.13: Teorema de Casorati-Weierstrass
Suponhamos que z0 é uma singularidade essencial de uma função f (z) e seja w0 um
número complexo. Então, para qualquer  > 0, a desigualdade

|f (z) − w0 | < , (7.6)

é satisfeita nalgum ponto z de uma coroa circular 0 < |z − z0 | < δ.

Demonstração. A prova vai ser feita por contradição. Como z0 é uma singularidade isolada
de f , existe uma coroa circular 0 < |z − z0 | < δ onde f é analítica. Suponhamos que
a condição (7.6) não se verifica para qualquer ponto z. Então, |f (z) − w0 | ≥  quando
0 < |z − z0 | < δ e, portanto, a função
1
g(z) =
f (z) − w0

é analítica e limitada em 0 < |z − z0 | < δ. Pelo Teorema de Riemann (Lema 7.6), z0 é uma
singularidade removível de g(z). Estendendo a função g ao ponto z0 de forma adequada,
temos que g é analítica no interior do disco |z − z0 | < δ.
Se g(z0 ) 6= 0, a função f (z) pode ser escrita como
1
f (z) = + w0 (7.7)
g(z)

para 0 < |z − z0 | < δ, e é analítica no ponto z0 quando definimos


1
f (z0 ) = + w0 .
g(z0 )

Mas isto significa que z0 é uma singularidade removível de f , não uma singularidade essen-
cial, e temos uma contradição.
Se g(z0 ) = 0, então z0 deve ser um zero de ordem finita m de g, pois g não é identicamente
0 em |z − z0 | < δ. Tendo em conta a equação (7.7), então f tem um polo de ordem m no
ponto z0 e mais uma vez chegamos a uma contradição.

106
Capítulo 7

Exemplo 7.13. O ponto z = 0 é uma singularidade isolada da função f (z) = e1/z . Vamos
analisar o limite o comportamento de f quando z → 0.
Para z = x ∈ R, x 6= 0, temos

lim e1/x = +∞ e lim = 0.


x→0+ x→0−

Se, por exemplo, z = iy, com y ∈ R \ {0}, então

f (iy) = e1/(iy) = e−i/y

pertence à circunferência de centro 0 e raio 1 e, portanto, o limite limy→0 e1/(iy) não existe.
Concluímos que nas proximidades da origem, a função f não é limitada nem tende para ∞.

Terminamos esta secção com um sumário das diferentes caracterizações que obtivemos
para os três tipos de singularidades isoladas de uma função.
Teorema 7.14
Suponhamos que z0 é uma singularidade isolada de f . Então:

1. z0 é uma singularidade removível sse |f | é limitada numa vizinhança de z0 sse o


limite lim f (z) existe sse f pode ser definida no ponto z0 de forma a que f seja
z→z0
analítica em z0 .

2. z0 é um polo sse lim |f (z)| = +∞ sse podemos escrever f (z) = g(z)/(z − z0 )m


z→z0
para certo inteiro m > 0 e certa função g analítica e não nula em z0 .

3. z0 é uma singularidade essencial sse |f | não é limitada nem tende para infinito
quando z → z0 .

107
Capítulo 7

108
CAPÍTULO 8
MATERIAL EXTRA

A matéria que consta neste capítulo não faz parte do conteúdo programático de Análise
Matemática III, sendo portanto de leitura facultativa. A sua inclusão e discussão neste
texto justifica-se pela sua importância e utilidade na resolução de um grande número de
problemas.

8.1 Princípio do Módulo Máximo


Vamos agora analisar o princípio do módulo máximo que afirma que se f (z) é uma função
analítica e não constante definida numa região R, então |f (z)| não possui máximos locais
no interior de R e o máximo absoluto de |f (z)| ocorre na fronteira de R.
Para provarmos este resultado, começamos pelo seguinte resultado, que diz que f (z0 ) é
a “média aritmética” dos valores de f (z) num círculo.
Teorema 8.1: Teorema do valor médio de Gauss
Suponhamos que f (z) é analítica no disco fechado |z − z0 | ≤ r. Então,
Z 2π
1
f (z0 ) = f (z0 + reiθ )dθ.
2π 0

Demonstração. Se C é a fronteira do disco |z − z0 | ≤ r, então podemos parametrizar C


como
γ(t) = z0 + reiθ , com 0 ≤ θ ≤ 2π.

Então, γ 0 (t) = ireiθ e pela Fórmula Integral de Cauchy, temos


2π 2π
f (z0 + reiθ ) iθ
Z Z Z
1 f (z) 1 1
f (z0 ) = dz = iθ
ire dθ = f (z0 + reiθ )dθ.
2πi C z − z0 2πi 0 re 2π 0

109
Capítulo 8

Podemos agora enunciar e provar o Princípio do Módulo Máximo.


Teorema 8.2: Princípio do Módulo Máximo

Suponhamos que f (z) é analítica numa região D e seja z0 um ponto de D. Então:

1. Se |f (z)| tem um máximo local em z0 , então f é constante numa vizinhança de


z0 .

2. Se D é limitado e conexo e f (z) é contínua em D e na sua fronteira, então ou


f (z) é constante ou o máximo absoluto de |f (z)| ocorre apenas na fronteira de
D.

Demonstração. 1. Se z0 é um máximo local de |f (z)|, então para um disco suficientemente


pequeno D = {z : |z − z0 | ≤ r}, temos |f (z)| ≤ |f (z0 )| para todo o z ∈ D. Então, usando
o Teorema do Valor Médio de Gauss, obtemos:
Z 2π
1
|f (z0 )| = f (z0 + reiθ )dθ
2π 0
Z 2π
1
≤ f (z0 + reiθ ) dθ
2π 0
Z 2π
1
≤ |f (z0 )| dθ
2π 0
= |f (z0 )|,

para cada círculo C : |z − z0 | = r0 , com r0 ≤ r. Como os termos iniciais e finais da expressão


anterior são ambos |f (z0 )|, segue-se que todos os termos são iguais. Em particular,
Z
1
|f (z0 )| − f (z0 + reiθ ) dθ = 0.
2π C

Uma vez que a função integranda |f (z0 )| − f (z0 + reiθ ) é não-nula, este integral implica
que
|f (z0 )| = f (z0 + reiθ ) para 0 ≤ θ ≤ 2π.

Portanto, |f (z)| = |f (z0 )| para cada z no círculo |z − z0 | = r0 . Como r0 ≤ r é arbitrário,


segue-se que |f (z)| = |f (z0 )| para todos os pontos de D. Isto significa que |f (z)| é constante
em D.
2. Sendo D limitado e f (z) contínua em D e na sua fronteira, sabemos que |f (z)| tem
um máximo absoluto nesta região. A parte 1. garante que este máximo não é atingido no
interior de D, a não ser que f (z) seja constante. Portanto, o máximo absoluto tem de ser
atingido na fronteira de D.

110
Capítulo 8

Exemplo 8.1. Seja D = {z = x + iy : 0 ≤ x, y ≤ 1} o quadrado unitário. Então, o máximo


de
ex+iy = ex

no quadrado D é atingido quando x = 1 e 0 ≤ y ≤ 1 é arbitrário, pontos da fronteira de D.


z + 1/2
Exemplo 8.2. A função f (z) = é analítica no disco |z| ≤ 1. Quando |z| = 1, temos
z/2 + 1
z z̄ = 1 e podemos escrever

z + 1/2 1 z + 1/2
|f (z)| = = = 1.
z/2 + z z̄ |z| 1/2 + z̄

Portanto, pelo Princípio do Módulo Máximo, temos que |f (z)| < 1 se |z| < 1.

8.2 Princípio do Argumento e Teorema de Rouché


Suponhamos que f (z) é uma função não-constante analítica no ponto z0 com f (z0 ) = 0.
Então, existe uma função φ(z) analítica em z0 com φ(z0 ) 6= 0 e tal que

f (z) = (z − z0 )m φ(z),

para certo inteiro positivo m. Em particular, a função φ(z) é contínua em z0 e, portanto,


existe uma vizinhança D de z0 tal que φ(z) 6= 0 para z ∈ D. Concluímos assim que os zeros
de funções analíticas não-constantes são isolados. Além disso,

f 0 (z) = m(z − z0 )m−1 φ(z) + (z − z0 )m φ0 (z) = (z − z0 )m−1 (mφ(z) + (z − z0 )φ0 (z)) ,

pelo que f 0 tem um zero de ordem m − 1 no ponto z0 e

f 0 (z) m φ0 (z)
= + .
f (z) z − z0 φ(z)

Ou seja, f 0 (z)/f (z) tem um polo de ordem 1 com resíduo m no ponto z0 . Pelo Teorema dos
resíduos, Z 0
1 f (z)
dz = m,
2πi C f (z)
onde C é a fronteira da vizinhança D e m é a ordem do zero z0 de f .
Suponhamos agora que f (z) é analítica no interior e no traço dum caminho simples
e fechado C, sem zeros em C. Então, f (z) tem no máximo um número finito de zeros
no interior de C, digamos z1 , z2 , . . . , zn , de ordens m1 , m2 , . . . , mn . Neste caso, podemos
escrever
f (z) = (z − z1 )m1 (z − z2 )m2 · · · (z − zn )mn φ(z),

111
Capítulo 8

com φ(z) analítica e não nula no interior de C. Temos então,


n
f 0 (z) X mj φ0 (z)
= + .
f (z) j=1
z − zj φ(z)

Integrando esta função temos:


n
f 0 (z)
Z Z X Z 0
1 1 mj 1 φ (z)
dz = dz + dz.
2πi C f (z) 2πi C j=1 z − zj 2πi C φ(z)

Uma vez que a função φ0 (z)/φ(z) é analítica no interior e no traço de C, o Teorema de


Cauchy-Goursat permite concluir que

φ0 (z)
Z
dz = 0.
C φ(z)

Além disso, o Teorema dos Resíduos diz-nos que


Z
mj
dz = 2πimj
C z − zj

para cada j = 1, . . . , n. Temos então que


n
f 0 (z)
Z
1 X
dz = mj .
2πi C f (z) j=1

Provámos assim o seguinte teorema:


Teorema 8.3
Se f é uma função analítica no traço e no interior de um caminho simples e fechado
C, sem zeros em C, então Z 0
1 f (z)
dz = N,
2πi C f (z)
onde N é o número de zeros de f (z) no interior de C (cada zero é contado de acordo
com a sua ordem).

A expressão
f 0 (z)
Z
1
dz
2πi C f (z)
pode ser vista como uma função de contagem do número de zeros de f (z) no interior de C,
onde um zero de ordem m é contado m vezes. Este argumento pode ser generalizado da
seguinte forma:

112
Capítulo 8

Teorema 8.4: Princípio do Argumento


Seja f uma função analítica no traço e no interior de um caminho simples e fechado
C, exceto num número finito de polo, e tal que f (z) 6= 0 para z sobre C. Então,
Z 0
1 f (z)
dz = N − P,
2πi C f (z)

onde N é o número de zeros (cada zero é contado de acordo com a sua ordem) e P
é o número de polos (cada polo é contado de acordo com a sua ordem) de f (z) no
interior de C .

Demonstração. Suponhamos que z1 , z2 , . . . , zn são os zeros de f com ordens m1 , m2 , . . . , mn ,


e w1 , w2 , . . . , wk são os polos de f com ordens β1 , β2 , . . . , βk , dentro de C. Então, f (z) pode
ser escrita como
(z − z1 )m1 · · · (z − zn )mn
f (z) = φ(z),
(z − w1 )β1 · · · (z − wn )βk
onde φ(z) é analítica sem zeros ou polos no interior de C. Temos
n k
f 0 (z) X mj X βj φ0 (z)
= − + .
f (z) j=1
z − zj j=1
z − wj φ(z)

Integrando esta expressão usando o teorema dos Resíduos, obtemos


n k
f 0 (z)
Z
1 X X
dz = mj − βj = N − P.
2πi C f (z) j=1 j=1

Exemplo 8.3. Vamos usar o Princípio do Argumento para calcular o integral

1 − 1/z 2
Z
dz.
C(0,2) 1 + 1/z

1 z2 + 1
A função f (z) = 1 + = tem um polo simples em z = 0 e dois zeros simples nos
z z
1
pontos z = i e z = −i. Uma vez que f 0 (z) = 1 − 2 , o Princípio do Argumento diz-nos que
z
f 0 (z) 1 − 1/z 2
Z Z
dz = dz = 2πi(2 − 1) = 2πi.
C(0,2) f (z) C(0,2) 1 + 1/z

Vamos analisar o Principio do Argumento do ponto de vista geométrico. Suponhamos


que a função f (z) está nas condições do Princípio do Argumento. Como f (z) não se anula
na curva C, a imagem f (C) de C por meio de f (z) não passa pela origem do plano das

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Capítulo 8

imagens. Como a origem não pertence a f (C), é possível encontrar um ramo da função
logaritmo
log f (z) = ln |f (z)| + iargf (z)
tal que f (C) esteja contida no domínio de analiticidade do logaritmo. Assim,
Z 0 Z
f (z) d
dz = (log f (z)) dz = ln |f (z)| C + iargf (z) C .
C f (z) C dz

Como a curva C é fechada, pelo Teorema Fundamental do Cálculo temos ln |f (z)| C


= 0,
pelo que Z 0
f (z)
dz = iargf (z) C . (8.1)
C f (z)
No entanto, f (C) não é necessariamente uma curva simples, podendo intersectar-se várias
vezes. Se w0 for o ponto inicial de f (C) e φ0 for um dos seus argumentos, então se z for um
ponto de C, o argumento de w = f (z) varia continuamente, partindo de φ0 , à medida que
w descreve a curva f (C) através da função w = f (z), seguindo a orientação estabelecida.
Quando w regressa ao ponto w0 , o seu argumento assume um valor particular de arg(w0 ),
que denotaremos por φ1 . Portanto, a variação total de arg(w) quando w descreve a curva
f (C) uma vez na direção estabelecida é φ1 − φ0 . Este número denota-se por

∆C argf (z) = φ1 − φ0 .

O valor de ∆C argf (z) é um múltiplo de 2π e o inteiro


1
∆C argf (z)

indica o número de voltas que que a curva dá em torno da origem.
Tendo em conta a equação (8.1) e o Princípio do Argumento, concluímos que
Z 0
f (z)
dz = i∆C argf (z)
C f (z)

e, portanto,
1
∆C argf (z) = N − P,

onde N é o número de zeros (cada zero é contado de acordo com a sua ordem) e P é o
número de polos (cada polo é contado de acordo com a sua ordem) de f (z) no interior de
C . Esta última fórmula justifica o nome do Princípio do Argumento.

Teorema 8.5: Teorema de Rouché


Sejam f (z) e g(z) duas funções analíticas no traço e no interior de um caminho simples
e fechado C, com |g(z)| < |f (z)| para todo o z em C. Então, as funções f e f (z)+g(z)
têm o mesmo número de zeros no interior de C

114
Capítulo 8

Demonstração. Uma vez que |g(z)| < |f (z) em C, temos que

|f (z)| > 0 e |f (z) + g(z)| ≥ |f (z)| − |g(z)| > 0

para todo o z em C. Logo, f (z) e f (z) + g(z) são analíticas no traço e no interior de C e
não têm zeros em C. Segue-se que Pf = 0 e Pf +g = 0, onde Pf e Pf +g são os polos de f e
f + g no interior de C, respetivamente. Escrevendo

f (z) + g(z) = f (z) (1 + g(z)/f (z)) =: f (z)φ(z),

temos
(f + g)(z)0 = f 0 (z) (1 + g(z)/f (z)) + f (z) (1 + g(z)/f (z))0

donde se segue que

(f + g)(z)0 f 0 (z) (1 + g(z)/f (z))0 f 0 (z) φ0 (z)


= + = +
(f + g)(z) f (z) (1 + g(z)/f (z)) f (z) φ(z)

Sejam Nf e Nf +g são os zeros de f e f + g no interior de C, respetivamente. Pelo Princípio


do Argumento,

(f + g)(z)0 f 0 (z)
Z Z 0
1 1 φ (z)
Nf +g − Nf = − dz = dz. (8.2)
2πi C (f + g)(z) f (z) 2πi C φ(z)

Como |g(z)/f (z)| < 1 em C, os valores de φ(z) estão dentro do disco |w − 1| < 1 para todo
o z em C. Como a origem não pertence ao disco |w − 1| < 1, temos

φ0 (z) d
= Log (φ(z))
φ(z) dz

e, portanto, o integral no membro direito da igualdade (8.2) é igual a zero. Ou seja, Nf +g =


Nf .

O Teorema de Rouché pode ser útil para localizar regiões do plano onde uma função
analítica tem zeros.
Exemplo 8.4. Vamos usar o Teorema de Rouché para determinar o número de raízes do
polinómio
p(z) = z 4 − 4z 2 + 2

na coroa circular 1 < |z| < 3. Sejam C1 = C(0, 1) e C2 = C(0, 3). Sejam f (z) = z 4 − 4z 2 e
g(z) = 2. Temos p(z) = f (z) + g(z) e os zeros de f são z = 0 de ordem 2, z = 2 e z = −2.
Além disso, sobre C1 , temos

|f (z)| = |z 4 − 4z 2 | ≥ |z|4 − 4|z|2 = |1 − 4| = 3 > 2 = |g(z)|.

115
Capítulo 8

Assim, pelo Teorema de Rouché, o número de zeros de p(z) no interior de C1 é igual ao


número de zeros de f no interior de C1 . Como f (z) tem dois zeros no interior de C1
(contando multiplicidades), o polinómio p(z) tem duas raízes no interior de C1 .
Sobre a cincunfêrencia C2 , temos

|f (z)| = |z 4 − 4z 2 | ≥ |z|4 − 4|z|2 = |33 − 4 · 32 | = 45 > 2 = |g(z)|.

Portanto, o número de zeros de p(z) no interior de C2 é igual ao número de zeros de f no


interior de C2 . Ou seja, p(z) tem quatro raízes no interior de C2 .
Ou seja, p(z) tem duas raízes no disco |z| < 1 e duas raizes na coroa circular 1 < |z| < 3.
Exemplo 8.5. O Teorema de Rouché pode ser usado para dar uma nova demonstração do
Teorema Fundamental da Álgebra. Dado p(z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + · · · + an z n , com an 6= 0,
um polinómio de grau n (n ≥ 1), seja f (z) = an z n e g(z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + · · · + an−1 z n−1 .
Dado um ponto z no circulo |z| = R, com R > 1, temos

|f (z)| = |an |Rn

e, pela desigualdade triangular,

|g(z)| ≤ |a0 | + |a1 |R + · · · + |an−1 |Rn−1 .

Portanto, como R > 1, temos

|g(z)| ≤ |a0 |Rn−1 + |a1 |Rn−1 + · · · + |an−1 |Rn−1

e segue-se que
|g(z)| |a0 | + |a1 | + · · · + |an−1 |
≤ <1
|f (z)| |an |R
se o número R > 1 também satisfizer
|a0 | + |a1 | + · · · + |an−1 |
R> . (8.3)
|an |

Portanto, temos |f (z)| > |g(z)| quando R > 1 satisfaz a desigualdade (8.3). O Teorema de
Rouché diz-nos que f (z) e f (z) + g(z) = p(z) têm o mesmo número de zeros no interior de
|z| < R. Concluímos assim que p(z) tem exatamente n zeros, contando multiplicidades no
interior do disco |z| < R.

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BIBLIOGRAFIA

[1] Carlos Sarrico, Análise Matemática Leituras e Exercícios (Sucessões e séries de funções.
Convergência pontual e uniforme.), Gradiva, Colecção Trajectos Ciência, 1997.

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[3] Glyn James Pearson, Advanced Modern Engineering Mathematics ( capítulo 4 Séries de
Fourier, secções 4.1, 4.2), Prentice Hall, Third edition, 2004.

[4] James Stewart, Cálculo (volume II, Capítulo 11 Sucessões e séries), Editora Thomson,
5 edição, 2006.

[5] James W. Brown e Ruel V. Churchill, Complex Variables and Applications, 8th edition.
McGraw-Hill Higher Education (2009).

[6] Natália Bebiano da Providência, Análise Complexa com aplicações e laboratórios de


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