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CRENTE FICA DOENTE?

Augustus Nicodemus

Creio em milagres. Creio que Deus cura hoje em resposta às orações de seu povo.
Durante meu ministério pastoral, tenho orado por pessoas doentes que ficaram boas.
Contudo, apesar de todas as orações, pedidos e súplicas que os crentes fazem a Deus
quando ficam doentes, é um fato inegável que muitos continuam doentes e eventualmente,
chegam a morrer acometidos de doenças e males terminais.
Uma breve consulta feita à Capelania Hospitalar de grandes hospitais de algumas capitais
do nosso país revela que há números elevados de evangélicos hospitalizados por todos os
tipos de doença que acometem as pessoas em geral. A proporção de evangélicos nos
hospitais acompanha a proporção de evangélicos no país. As doenças não fazem
distinção religiosa.
Para muitos evangélicos, os crentes só adoecem e não são curados porque lhes falta fé
em Deus. Todavia, apesar do ensino popular que a fé nos cura de todas as enfermidades,
os hospitais e clínicas especializadas estão cheias de evangélicos de todas as
denominações – tradicionais, pentecostais e neopentecostais –, sofrendo dos mais
diversos tipos de males. Será que poderemos dizer que todos eles – sem exceção – estão
ali porque pecaram contra Deus, ficaram vulneráveis aos demônios e não têm fé suficiente
para conseguir a cura?
É nesse ponto que muitos evangélicos que adoeceram, ou que têm parentes e amigos
evangélicos que adoeceram, entram numa crise de fé. Muitos, decepcionados com a sua
falta de melhora, ou com a morte de outros crentes fiéis, passam a não crer mais em nada
e abandonam as suas igrejas e o próprio Evangelho. Outros permanecem, mas marcados
pela dúvida e incerteza. Eu gostaria de mostrar nesse mural, todavia, que mesmo homens
de fé podem ficar doentes, conforme a Bíblia e a História nos ensinam.
1. Há diversos exemplos na Bíblia de homens de fé que adoeceram.
Ao lermos a Bíblia como um todo, verificamos que homens de Deus, cheios de fé, ficaram
doentes e até morreram dessas enfermidades. Um deles foi o próprio profeta Eliseu. A
Bíblia diz que ele padeceu de uma enfermidade que finalmente o levou a morte: “Estando
Eliseu padecendo da enfermidade de que havia de morrer” (2Re 13.14). Outro, foi
Timóteo. Paulo recomendou-lhe um remédio caseiro por causa de problemas estomacais e
enfermidades freqüentes: “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho,
por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades” (1Tm 5.23). Ao final do
seu ministério, Paulo registra a doença de um amigo que ele mesmo não conseguiu curar:
“Erasto ficou em Corinto. Quanto a Trófimo, deixei-o doente em Mileto” (2Tm 4.20).
O próprio Paulo padecia do que chamou de “espinho na carne”. Apesar de suas orações e
súplicas, Deus não o atendeu, e o apóstolo continuou a padecer desse mal (2Co 12.7-9).
Alguns acham que se tratava da mesma enfermidade da qual Paulo padeceu quanto
esteve entre os Gálatas: “a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo,
não me revelastes desprezo nem desgosto” (Gl 4.14). Alguns acham que era uma doença
nos olhos, pois logo em seguida Paulo diz: “dou testemunho de que, se possível fora,
teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gl 4.15). Também podemos mencionar
Epafrodito, que ficou gravemente doente quando visitou o apóstolo Paulo: “[Epafrodito]
estava angustiado porque ouvistes que adoeceu. Com efeito, adoeceu mortalmente; Deus,
porém, se compadeceu dele e não somente dele, mas também de mim, para que eu não
tivesse tristeza sobre tristeza” (Fp 2.26-27).
Temos ainda o caso de Jó, que mesmo sendo justo, fiel e temente a Deus, foi afligido
durante vários meses por uma enfermidade, que a Bíblia descreve como sendo infligida
por Satanás com permissão de Deus: “Então, saiu Satanás da presença do Senhor e feriu
a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó, sentado em
cinza, tomou um caco para com ele raspar-se” (Jó 2.7-8). O grande servo de Deus, Isaque,
sofria da vista quando envelheceu, a ponto de não saber distinguir entre Jacó e Esaú:
“Tendo-se envelhecido Isaque e já não podendo ver, porque os olhos se lhe enfraqueciam”
(Gn 27.1). Esses e outros exemplos poderiam ser citados para mostrar que homens de
Deus, fiéis e santos, foram vitimados por doenças e enfermidades.
2. O mesmo ocorre na História da Igreja.
Nem mesmo cristãos de destaque na história da Igreja escaparam das doenças e dos
males. João Calvino era um homem acometido com freqüência de várias enfermidades.
Mesmo aqueles que passaram a vida toda defendendo a cura pela fé também sofreram
com as doenças. Alguns dos mais famosos acabaram morrendo de doenças e
enfermidades. Um deles foi Edward Irving, chamado o pai do movimento carismático.
Pregador brilhante, Irving acreditava que Deus estava restaurando na terra os dons
apostólicos, inclusive o da cura divina. Ainda jovem, contraiu uma doença fatal
(pneumonia). Morreu doente, sozinho, frustrado e decepcionado com Deus.
Um outro caso conhecido é o de Adoniran Gordon, um dos principais líderes do movimento
de cura pela fé do século passado. Gordon morreu de bronquite, apesar da sua fé e da fé
de seus amigos. A. B. Simpson, outro líder do movimento da cura pela fé, morreu de
paralisia e arteriosclerose. Mais recentemente, morreu John Wimber, vitimado por um
câncer de garganta. Wimber foi o fundador da igreja Vineyard Fellowship (“A Comunhão
da Vinha ou Videira”) e do movimento moderno de “sinais e prodígios”. Ele, à semelhança
de Gordon e Simpson, acreditava que pela fé em Cristo, o crente jamais ficaria doente.
Líderes do movimento de cura pela fé no Brasil também têm ficado doentes. Não poucos
deles usam óculos, para corrigir defeitos na vista e até têm defeito físico nas mãos.
O meu ponto aqui é que cristãos verdadeiros, pessoas de fé, eventualmente adoeceram e
morreram de enfermidades, conforme a Bíblia e a História claramente demonstram. O
significado disso é múltiplo, desde o conceito de que as doenças nem sempre
representam falta de fé até o fato de que Deus se reserva o direito soberano de curar
quem ele quiser.
Escrevo estas coisas, não para desanimar alguém de orar pedindo a sua cura - eu mesmo
oro assim, quando encontro a doença em mim ou nos outros. Mas para consolar aqueles
que oraram e pediram e a cura nunca veio e talvez nunca venha.

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