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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

J E A N C L A U D E B E R N AR D E T

rasil em tempo
de cinem
nsaio sobre o cinem a brasileiro d e 958 a 966

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

Copyright O 2007 by Jean-Claud e Bernardet


Sumário
I edição: Civilização Brasileira, 1967, coleçãoBiblioteca Básica de Cinema, Alex Via ny org.)

Agradecemos a Carlos Diegues, Luiz Carlos Barreto, Márcia Pereira dos Santos, Marina
Person, Paloma Rocha, Paulo César Saraceni, Rex Schindler e Ruy Guerra pela cessão
dos direitos das imagens exibidas neste livro.

Capa
João Baptista da Costa Aguiar
sobre foto do filme
Deus e o Diabo na Terra do Sol

fndices
Luciano Marchiori
Preparação
Mirtes Leal
Revisão
Cecíiia Ramos
Ana Maria Barbosa

ota introdutória ..................................................................


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Câmara Bras ileira do Livro, sp, Brasil)
C IP )
exto de orelha da l dição...................................................
refácio da l dição
Bernardet. Jean Claude, 1936-
Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro
de 1958 a 1966 Jean Claude Bernardet.-São Paulo: Companhia
das Letras, 2W7 NTRODUÇÃO

Bibliografia.
A classe média. Cultura consumível
i s s ~ 78-85-359-1017-9
Herança .................................................................................
Brasil 2. Cinema
1. Cinema
cinematográfica i Título.
Brasil História 3. Critica
entalidade importadora

07-2016 CDD-791.430981 À PROCURA DA R E A L I D A D E


fndices para catilogo sistemático:
1. Brasil : Cinema Hist6ria 791.430981 Cinc o vezes avela ...................................................................

2. Cinema brasileiro História 791.430981


Bate-papo com Leon Hirszman

i20071 MARGINALISMO
Todos os direitos desta edição reservados a
A grande feira .........................................................................
EDITORA SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 Crianças, cangaceiros e outros


04532-002-São Paulo P
Aspirações do marginal
Telefone l i ) 3707-3500
Fax 1 1 ) 3707-3501
www companhiadasletras com br

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IÁLOGO COM OS D I R I G E N T E S 65 PÊNDICES


93
pagad or de promessas 66 Termos técnicos empregados 95
Sol sobre a lam a 69 ibliografia 99
Barravento política de cúpula 73 Filmografia 2 1

s IMP SSES D MBIGUI D DE 82 Índice onomástico 211

Bahia de Todos os Santos 88 Índice de filmes 22

Gaúcho 92

Antônio das Mortes 94

HOR E A VEZ D CL SSE MÉDI

presença do passado
O grande momento
A falecida
Porto das Caixas
mitologia de Khouri
Noite vazia
ipolaridade
Sexo abjeçao e anarquia
Canalha e m crise
ão Paulo Sociedade Anô nim a
Marasmo e cores
O desafio
erspectivas

FORM S 64

ialogo e fotografia 72

natureza 75

Filmes abertos 77

força da personagem 79

osfácio 85

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Nota introdutória

o principal o seguinte: eu tive esse contato entre 6 e 65 e


depois praticamente não o vi. Larguei o cinema em 70até 80 e era
aí março, por aí, fevereirode 85, quando o Cabra tinha acabado
dois meses de estrear, eu tava embarcando de avião evi o Mais aiu
uma crítica dele, e eu, no avião, fui ler essa crítica. uma crítica
extraordinária, não porque fala bem. Há críticas que falam bem, e
você fala: Eu me enganei . Se esse cara gosta desse filme dessa
forma, eu me enganei. Isso comum, porque o humanismo, por-
que não sei o que e tal e tal e tal. Não se trata de ser uma crítica que
elogiosa, uma crítica que foi de longe eu falo das críticas que
foram feitas no calor da hora, não falo do que veio depois. E que
de uma pessoa que você vê que viu o filme trinta vezes, e que pen-
sou duzentas horas sobre isso e que aí o problema da crítica que
te interessa,e que muito rara. um crítico que diz aquiloquevocê
fez sem saber que tinha feito. Em que sentido? Tudo que você faz
em cinema, ou em tudo que seja, algo que tá aquém e além da
consciência. Então coisas que estão no filme, mas que, e que não
foram por acaso, e eu e Escore1 discutimos as coisas que íamos

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botar, mas que aquil o fazia sistema a gente não tinha essa noção. E antes de fazer o Cabra, uns dez anos... 75,76, que eu tava em televi-
ele mostrava que aqui lo é o sistema. Eu falo, para lembra r, tópicos são e. pretendia voltar mas não sabia como, digamos que uma
principais: sistema da repetição, sistema do último e etc. E coisas espécie de coisa imantada, que eu lia e me provocava todo o
essas que foram pensadas e que nenh um crítico de cinema fala, tempo era o que o Jean-Clau de escrevia nos anos 70 e 80. Basica-
porque os críticos de cinema falam em paráfrases que pra quê? mente sobre documentário, mas não só. Então tirando esse início

Entendeu? É muit o difícil falar de filmes que você viu ou nã o viu. do Brasil em tempo de cinema,que realmente hoje é um livro que é
O Jean-Claudeconsegue falar de filmes que você não viu e te int e- muito mais arqueológico,porque realmente é uma n oção de classe
ressar, o que é raríssimo. Inclusive, o último plano do filme, que média que de Sófocles até hoje, tud o é classe média mas ao
nenhum crítico falou, né que o filme não termina em um triun- mesmo tempo que é um livro que, como tudo, é bem pensado,
falismo e termina embaixo. E ele tem então toda uma parte da crí- apesar desse problema de estar deslocado no te mpo hoje. E eu li
tica a isso que é extraordinária, porque isso aí é exatamente o que esse livro na época, mas enfim, eu tava quase largando o cinema e
eu pensava em fazer e que ninguém falou. Enfim, aprendi muito tal, mas no período então que eu pensava em fazer o Cabra eu me
com essa crítica,e como n unca me comuniquei com o crítico para alimentei, é como se eu fizesse eu estou forçando um pouco a
dizer que gostei, acheilegal,achei ótimo eu não fiz,devia ter feito, barra, porque você às vezes faz o filme pros amigos, faz pra você,

porque daí eu teria, nos meus anos de ostracismo posteriores,tal- você não sabe o que é o público, então eu fiz o Cabra um pouco d o
vez pensado melhor em conversar mais com ele. jeito que eu fiz em resposta as questões que o Jean-Claude colo-
Na verdade, nos encontramos du as ou três vezes nesses tipos cava. E a partir de uma crítica minha, que tambémvinha u m pouco
de deba te que a gente não fala as coisascomo deve, e eu até lamento, dele, mas não com a rigidez que ele tinh a, de o que o Cinema Novo
porque o Cabra tem 21 anos, né, 22,21 anos... e como eu disse, eu fazia com os pobres e etc. etc.etc., e eu achava que não era isso, que
lamento a penas que eu fiz, que eu voltei afazer cinema quinze anos tinha que sair disso.Então de certa forma a crítica delecorrespon-
depois, e eu tive dele reticências, e eu tô sempre curioso de o q ue deu ao fa to de que eu fiz o filme um pouc o para ele.E isso não estou
são essasreticências, acho que é um mi stério que fica aí. Mas euvo u dizendo porque é uma h omenagem a ele, estou dizendo porque é
ter um debate com ele inclusive dia 5 se tudo correr bem, sobre verdade.
entrevista,para além da entrevista, onde eujá sei que vamos discu-
tir posições opostas, e que talvez a gente chegue a um acordo e tal- Eduardo Coutinho
vez não. Mas enfim, é outro assunto.
Fora disso, mais im porta nte, que ele não sabe, porque eu [Fala extraída da mesa redonda Homenagem a Jean-Claude
nunca disse a ele, nem da crítica, falei da crítica porque é uma crí- Bernardet: o documentário brasileiro como objeto , realizada
tica maravilhosa, eu acho que a crítica dele tá a altura do filme, durante o 1 Q estival Internacional de Documentários Tudo
que é difícil. Como eu t enho em alta conta esse filme, porque eu já Verdade, em 28 de març o de 2006.1
gosto dele em terceira pessoa. Eu acho que isso é o máximo q ue você
pode dizer de uma crítica, ele responde ao desafio do filme. Enfim,

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exto de orelha dal dição

rasil em tempo de cinema

tto Maria arpeaux

Eis o primeiro livro que pretende esgotar o assunto Cinema


Novo Brasileiroem sua totalidade. Isto não quer dizer que a biblio-
grafia existente sobre o tema não seja rica. Apenas esparsa. As
resistências que o Cinema Novo encontra no Brasil pela concor-
rência da importação de sonhos e ilusões pré-fabricadas no estran-
geiro pela incompreensão de grande parte do público pela hosti-
lidade aberta ou dissimulada de críticos e ast but not least a
consciênciaviva das suas próprias falhas e erros tudo isso faz com
que os criadores do Cinema Novo Brasileiro também costumem
todos eles escrever sobre o Cinema Novo Brasileiro defendendo
suas idéias explicando suas intenções e projetos denunciando os
inimigos e o inimigo e esclarecendo o caminho a seguir. Uma
bibliografia compreensiva dessas manifestações publicadas em
revistas especializadase gerais e na imprensa diária á daria quase
um livro. Em vez disso o leitor do presente volume tem nas mãos
o próprio livro sobre nosso Cinema Novo assim como já existem
tant os livros necessários sobre a nova literat ura brasileira. E o
momento propício: o momento em que a nova arte cinemato-

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gráfica brasileira afirma e confirma sua posição dentro do pano- do gosto dos brasileiros por uma massa enorme de produtos
rama da arte cinematográfica no m undo. importa dos de péssima qua1idade.A luta contra esse negócio abo-
A literatura brasileira moderna já está, através de traduções e minável tem de ser travada no campo econômico. Mas também já
críticas, relativamente bem conhecida no exterior. Podemos estar começou a batalha no terreno estético e ideológico.
satisfeitos. Mas as vitórias alcançadas no estrangeiro pelo nosso Chegou-se ao cúmulo de deixar de imp orta r e apresentar cer-

cinema deveriam inspirar-nos satisfação maior. No caso da litera- tas fitas francesas e italianas de alta qualidade artística porque os
tura, vemos projetado no m und o aquilo que apreciamostant o em donos d o negócio, julgando conforme sua própria ignorância e
casa. Mas os filmes brasileiros vencem lá fora, não por causa, mas falta de cultura, consideram-nas impróprias para o imaturo
apesar de sua situação aqui dentro. Aqui, entre nós, a realização e público brasileiro. Alimentam nossas massas com os produtos de
apresentação de uma nova fita brasileira ainda é um aconteci- usinas de fabricação de sonhos vulgares. O Cinema Novo Brasi-
mento, porque relativamente raro. número dessas fitas não é tão leiro lhes opõe a revelação de realidades.
grande como deveria ser num país de dimensões continentais; e o Num momento de crise da língua cria o Cinema Novo Bra-
público ainda não as compreende e aprecia como merecem. sileiro uma linguagem nova para dar expressão a um realismo crí-
Conhecem-se, sim, os nomes: Alex Viany e Anselmo Duarte, tico da situação nacional e revelação de uma poesia até agora

Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade, José Renato Pereira e escondida. Essa síntese de poesia e de crítica engajada é a nova arte
Lima Barreto, Mário Fiorani e Nélson Pereira dos Santos, Paulo cinematográfica brasileira, manifestação do mesmo idealismo
César Saraceni e Roberto Santos e Walter Hugo Khouri e os nomes combativo que hoje se insurge contra a infame opressão estran-
dos seus roteiristas fotógrafos, dos seus atores e atrizes. Mas ao geira e contra os apoios dessa opressão dentro do país. livro de
elogio das suas qualidades artísticas nem sempre correspondem a Bernardet serve para torna r esse idealismo consciente, para clari-
compreensão das suas intenções, total ou parcialmente realizadas ficá-lo para nos deixar ver, no longínquo fim do caminho, o
is o assunto principal do presente livro - nem o urgente- reflexo luminoso da liberdade futura.
mente necessário sucesso material, nem a apreciação sóbria do seu
admirável,dir-se-ia heróico, idealismo na luta contra dificuldades
enormes.
A história do Cinema Novo Brasileironão poderá ser escrita
sem a análise prévia das condições materiais em que nasceu. Basta
ver apágina Espetácu1osde Hoje em qualquer jornal de qualquer
dia para saber que essas condições são outras que as das atividades
literárias, teatrais, artísticas e musicais entre nós. A área Cinema ,
no Brasil,ainda pertence, praticamente, aos importadores de mer-
cadorias estrangeiras, entre as quais são raras omo em toda a
parte s obras artísticas. Assistimos passivamente destruição

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refácio da 1 edição

Paulo milio Salles Gom es

Jean-ClaudeBernardet hoje um escritor brasileiro em ponto


de bala para seu país e seu tempo há poucos anos era um jovem
esteta europeu bastante contemplativo e um t anto melancólico.
metamorfose foi provocada pelo Brasil e pelo cinema brasileiro.
Com alguma imaginação e alguns recursos era bom ser jovem
no Brasil de Juscelino e João Goulart. Foi nessa época de otimismo
que Jean-Claudese desviou da órbita cultural européia e tornou-s e
brasileiro. Os filmes que então se fabricavam eram ruins mas esti-
mulantes: foi esse cinema que fisgou Jean-Claude e o enredou.
Meia dúzia de anos de bom Brasil somados a meia dúzia de fil-
mes brasileiros serviram de i ntrod ução aos poucos meses que
Jean-Claude passou na Universidade de Brasília. Ele sua mulher
Lucila Ribeiro Bernardet Nélson Pereira dos Santos e eu próprio
estávamos lá a fim de dar forma e vida ao curso de cinema que o
professor Pompeu de Sousa havia criado como parte integrante da
futura Faculdade de Comunicação de Massas. Todos nós quería-
mos ensinar Cinema Brasileiro o que não era possível pois o cur-
rículo previa várias outras disciplinas. Jean-Claude conformou-se

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em dar aulas sobre filme documental mas ao mesmo tempo esco-


lheu o filme brasileiro contemporâneo para tema de sua tese de
mestrado. trabalho estava nas vésperas da defesa quand o ocor-
reram os fatos que culminaram na destruição da antiga Universi-
dade de Brasília como agora se diz.
é
A tese escrita em Brasília o núcleo deste livro.A ampliação e
o aprofundamento da experiência intelectual e humana do autor
assim como o enriquecimento do cinema nacional permitiram-
lhe perspectivas e prolongamentos novos. Contudo o filão perma-
nece o mesmo e longe ainda de ter sido esgotado.
A principal descoberta de Jean-Claude Bernardet nasceu de
duas deliberações: encarar o moderno cinema brasileiro como um
todo orgânico e procurar a mais variada associação com o tempo
nacional correspondente. resultado foi a revelação da existência Este livro quase um a autobiografia dedicado a

de intrincados e indiscutíveis liames entre os filmes nacionais e a Antôni o das Mortes.


classe média brasileira. Analisando es truturas fílmicas e sociais
refletindo sobre ideologia e política aplicando-se psicologia das
personagens das fitas ou de seus autores Jean-Claudeestápresente
de corpo inteiro mergulhado até o pescoço nos filmes e na socie-
dade. Adverte o autor que nos encontramos diante de uma quase
autobiografia; devemos a isso não só o estilo mas algumas das
mais consistentes revelações da tese.
Apesar de não haver no livro julgamento artístico das fitas
estabeleceu-se uma harmoniosa hierarquia: as fitas mais belas
foram as que melhor se prestaram interpretação social.Não acre-
dito em generalizações mas desta vez aconteceu: um livro impreg-
nado de preocupações sociais contém a melhor crítica da produ -
ção brasileira recente e a mais aguda discussão dos temas centrais
de nossa estética cinematográfica.

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Introdução

Este ensaio não um catálogo come ntad o dos filmes brasi-


leiros produzidos de 1958 a 1966. Pretend e ser uma descrição e
na medida do possível uma interpreta ção da atitude cultural
exteriorizada conscientemente ou não no conjun to dos filmes
brasileiros realizados nestes últimos nove ou dez anos. Não se
adot ou sistematicamente o critério cronológico nem o da clas-
sificação por gêneros ou por diretores nem o da divisão entre
produções comerciais e culturais ou d e esquerda e de direita.
Tentou-se encarar o cinema brasileiro como um todo orgânico

resultante de um trabalho coletivo. O projeto pretensioso


pois abordand o uma matéria que está sendo elaborada exige
um r ecuo histó rico impossível; conheceremos a significação do
cinema que fazemos só quan do sou bermos e m que ele vai dar e
quando pudermos elaborar uma visão do conjun to cultural e
social em que se integra. Isso hoje impossível pois estamos jus-
tamente criando esse conjunto cultural e social. Por ou tro lado
tal projeto modesto já que reconhece seus limites: tentativa
apenas de ver claro naquilo que vem sendo feito para saber em

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que ponto estamos e quais as perspectivas que nos são abertas.


Ainda que seja um tr abal ho de reflexão, não se coloca num nível
superior ao das obras qu e aborda. Situa-se no mesmo nível; O Brasil tem estruturas que comprovadamente não mais
situa-se pelo menos pretende) dentro daluta; é uma tentativa de correspondem a suas necessidades e as exigências de seu povo; por
esclarecimento, um esforço para enxergar melhor, não um livro out ro lado, o povo não consegue modificá-las; a evolução social é
conflituada e cada fracasso torna mais agudas e gritantes as con-
de história, nem uma at ribui ção de prêmios aos bons filmes e tradições.
reprovação aos maus.
Este ensaio repousa mais na intuiçã o e na vontade de esclare- A classe que no Brasil inteiro vem, há décadas, se desenvol-
cer a situação em que estarnos mergulhados do que mesmo n um vendo e se estruturando, fazendo sentir cada vez mais sua presença,
trabalho sistemático de crítica e sociologia. Inicialmente, porque é a classe média, principalmente a urbana. ela que fazfuncionar o

a matéria, ainda que densa, é pouca. Atualmente, os diretores bra- Brasil: são os médios e pequenos industriais e comerciantes; são os
sileiros são um pequeno número; os filmes produzidos desde engenheiros, técnicos, administradores, advogados, médicos, eco-
958 são poucos. Isso faz com que determinados elementos nomistas, professores, arquitetos, artistas etc.; são aqueles que
devam ser detectados nu m único filme,visto que as sementes lan- vivem de e fazem viver as grandes indústrias e comércios; são os

çadas não puderam ser aproveitadas e desenvolvidas pelo próprio universitários, os funcionários públicos, o operariado qualificado.
diretor ou por o utros em filmes posteriores, o que não ocorreria Mas não é a classe dirigente do país. Ela é dominada por cúpulas
se o cinema brasileiro estivesse economicame nte mais sólido. representantes do capital, o que suscita inúmeras contradições em
análise encontra-se assim sobremaneira dificultada. O utr o obs- seu desenvolvimento e em sua afirmação.
táculo provém do fato d e que os filmes ainda não conseguem a classe média a responsável pelo movimento cultural bra-
comunicar-se plenamente com o público e a crítica, o qu e não sileiro. Não há grupos aristocráticos ou da grande burguesia que
facilita a avaliação do peso que pode ter na sociedade brasileira o possam sequer manter uma f orma qualquer de parnasianismo.
cinema que se está fazendo. Tal fenômeno é realmente grave,por- Quant o as classes que trabalham com as mãos, operários e campo-
que um filme só se completa quand o passa a ter uma vida dentro neses, ainda lhes faltam consistência e bases suficientes para elabo-
do público a que se destina. Outro empecilho é a escassez de meios rar uma cultura qu e não seja folclórica. Pode acontecer que ele-
para quem quer estudar cinema no Brasil: a falta de equipamento mentos das classesoperária ou camponesa se tornem artistas, mas
adequado; a não-disponi bilidade de cópias para a elaboração são sempre indivíduos isolados, cuja produção é logo consumida
deste trabalho, nã o consegui ver alguns fdmes, como, por exem- pela classe média, qual passam a se dirigir e pela qual são absor-
plo, Esse mundo é meu); a inexistência de centros de estudos cine- vidos. Todos os valores culturais, todas as obras, da música popu-
matográficos dignos desse nome etc. Tudo isso conduz obrigato- lar arquitetura, são atualmente produzidas pela classe média. A
riamente a pesquisas superficiais. produção e o consumo cultural nestes últimos anos têm aumen-
tado vertiginosamente: nota-se esse fenômeno tanto no estudo
histórico, sociológicoe econômico da realidade brasileira,quanto

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em arquitetura, literatura, música, artes plásticas, teatro e cinema. suas mãos. Ela uma criação e uma serva do capital. O essencial de
A produção edi torial, o número de exposições, de espetáculos tea- sua vida, suas possibilidades de desenvolvimento manifestam-se
trais ou de filmes aumenta m, apesar de as pessoas ou firmas que nas fábricas, nos escritórios, nas lojas, onde os indivíd uos são ape-
produzem se debaterem em geral com dificuldades financeiras nas peças de um mecanismo que ihes escapatotalmen te. Avida fora
sérias. Os dois principais cent ros são São Paulo e Rio de Janeiro, da fábrica, do escritório ou da loja torna-se marginal, um inter-
mas o fenômeno de âmbito nacional, pois outras capitais são
valo, um momento de espera; um vazio que, a medida que a classe
também focosvivos. Esse fenômeno reflexo do processo de estru- média aumenta, tem de ser preenchido de modo sempre mais agra-
turação que se está verificand o com a classe média. dável,assim como devem ser valorizados marcos exteriores e liso n-
Evidentemente, as contradições com que se debate a classe jeadores de seu desenvolvimento. Para povoar o espaço que perma-
média, sua extensão, sua vitalidade e suas fraquezas se refletem nece entre a saída e a volta ao local de trabalho, a classe média
nessa produção cultural, marcada principalmente pelo fato de que precisa criar objetos que confirmem seu crescimento, sua força ou
seus consumidores não têm consciência de sua situação, de seus ilusão de força, que afirmem seu bom gosto, considerado como
reais interesses e problemas a resolver, pois consciência social e prova de superioridad e. Aldemir Martins desenha pratos; nossos
interesses podem não coincidir. Assim, ao lado de sérias pesquisas melhores artistas plásticos pintam os motivos dos estampados da

sociológicas e do interesse público que despertam cada vez mais, Rhodia; os tecidos e os lustres de My Fair ady encantam platéias.
cada vez mais também são bem acolhidos autores que praticam No cinema, esse espírito encarnado por Jean Manzon, cujas fitas
um verismo m oralista. Ao lado do realismo crítico, coexistem são financiadas por grandes firmas agrícolas e principalmente
divertimento de alcova e formas surrealistasde 1920 quando não industriais; os temas reduzem-se a dois: quantidade e qualidade.
românticas do século passado. Fala-seem toneladas de cana ou aço produzidas por min uto ou por
Tudo isso caracteriza mais a formação de um mercado cultu- hora ou por dia (não tem importância, pois o público não tem
ral do que a criação de formas culturais próprias. Grande parte da ponto de referência); para construir tal objeto, foi usado tanto
produção teatral, literária o u cinematográfica obedece as mesmas cimento quanto seria necessário para construir um edifício de
regras que o desenvolvi mento do mercado de luxo: a arte decora- duzentos andares; fala-se dos admiráveis trabalhad ores e admirá-
tiva, a proliferação dos espelhos, de vermelho e dourado e de tape- veis técnicos .A sso adiciona-se um pouco de poesia e muitas cores:
tes espessos nos saguões dos cinemas, o requinte progressivo da os colheiteiros de café exibem chapéus multicolores; o poliestireno
vida de boate, a melhoria da moda, a publicação de livros de culi- incolor torna- se vermelho nas mãos de Manzon; as platéias ficam
nária considerada como uma bela arte, o impulso do turismo, o embevecidas diante das orquídeas e dos papagaios encontrados
aumento do número dos clubes de campo. Tais fenômenos têm a numa favela sobre o Amazonas esculpem, naapart e aquática da
mesma raiz, resultam da mesma evolução social. a rainha desse cidade de Manaus .A Indiana, num curta-metragem épico sobre o
mercado a televisão. Planalto Piratining a, faz o histórico dessa sinfonia do trabalho
que o desenvolvimento da classe média condicionado por que a vida paulista desdeAnchieta até as vitrinas da casa de moda
suas relações de trabalho e por capitais quen ão se encontram em Rosita. Como não sentir-se forte e seguro de si depois disso?

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Se os exemplos que o cinema brasileiro oferece dessa menta- espetáculo musical de grande repercussão promovido pela
lidade se restringem aos pseudodocumentários financiados por Empresa Diogo Pacheco, encontramos os mesmos temas: quali-
empresas eapouco s filmes de ficção,como morte comanda ocan- dade e quantidade detrabalho. Para executar esse espetáculo de ex-
gaço e Lampião, rei do cangaço, não é porque os cineastas preten- trema dificuldade , musicalmente dificilimo , foi exigido umut ra-
dam não se deixar contaminar. porque, devido obstrução com balho intenso . Enfrentaram as dificuldades , não poupara m

que se defronta na distribuição e concorrênci a dos filmes estran- ensaios para conseguir a melhor execução possível . Os inst ru-
geiros, o cinema não chegou a se impor definitivam ente como mentistas foram escolhidos entre o que havia de melhor em São
mercadoria. O teatro, obrigatoriamente feito no Brasil por brasi- Paulo [ I para provar a o público que possuímos instrumentistas
leiros, e de custo inferior ao d o cinema, á existe como mercadoria de qualidade ; foram selecionados atores tais que ninguém nos
e encontra empresários, como Oscar Ornstein, que dão peça o pareceu melhor ; quanto excelente cantor a, não havia nin-
tratamento que recebe a pasta dental: adequação ao gosto do guém melhor . Não se pouparam esforços para realizar um espe-
maior número, publicidade, sorteios de meias ou perfumes nas táculo a altura da platéia, que não deixou de encontrar no palco um
vesperais. Enfim, a peça é tratada como um produto a consumir e reflexo digno dela. Se insistimos na citação desse texto sem impor-
o empresário faz o necessário para que seja consumida. E, natural- tância e que chega a ser caricatura1 de tão enfático, é porque gira

mente, grande parte do teatro b rasileiro apresenta aqueles valores inteiramente em torno da quantidade e da qualidade como valo-
suscetíveis de agradar uma platéia classe média: comédias leves res em si, constituindo manifestação significativada mentalidad e
em que a atriz mu da de vestido em cada cena e exterioriza se u classe média. De fato, maior e melhor são duas palavras ocas e
talento através de gestos de salão; interpretação, direção, cenogra- superfici ais que revelam uma fuga da reali dade e com as quais a
fia que obriguem o espectador a reconhecer que realmente, é classe média mascara seus problemas. Uma cultura que tem como
muito bem-feito .Essa mesma mental idade, aliás, á existe,como é critério apenas a qualidade é uma cultura morta, ainda mais
normal, numa grande parte do meio cinematográfico brasileiro: quando de boa qualidade se torna sinôn imo de consumível. Eis a
muita gente pensa q ue se deve fazer filmes em que se gastem mui - cultura que a maior part e da classe média brasileira culta se mos-
tos milhões e que sejam de boa qualidade ; foi, parece, o pensa- tra atualmente apta a produzir e a consumir.
mento do produtor de Societyem baby-doll. Só que esses cineastas Justamente porque a classe média se compor ta cegamente,
estão por en quant o sem sorte, pois, para que esse cinema vença, é aspir ando mais a uma vida e a valores que imagina serem os das
indispensável antes de mais nada que se considere o filme como classes superiores, desviando-se assim de seus próprios proble-
produ to a consumi r e que se faça o necessáriopara qu e seja consu- mas, a criação é pouca e fraca que não contradiz a afirmação
mido. O cinema brasileiro ainda não tem seu Oscar Ornstein, mas acima, segundo a qual o desenvolvimento cultural é grande, prin-
é provável que ele não demore muito a aparecer, e então o público cipalmente em quantidade, ainda que muito inferior ao necessá-
terá um cinema que lhe dará um satisfató rio reflexode si próprio, rio, mas também em qualidade. No meio dessa gente toda que
apresentando -lhe qualidade e quantidade. anda as apalpadelas, que opta por valores opostos a seus interesses,
Na introdução, de uma página e meia, do programa de um encontramos uma camada progressista disposta aprocurar rumos

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para a afirmação de sua classe. Ela se manifesta tanto nos meios de fitas estrangeiras,com os quais estão comprometidos os exibi-
industriais como nos culturais e artísticos. Os valores que se dores. As poucas leis favoráveis ao cinema brasileiro, além de
esforçapor criar, as idéias que emite, as formas que tenta elaborar muit o precárias, não são respeitadas; os poderes públicos nã o têm
encontram, no conjunt o da classe telespectadora (expressão pra- força para fazê-las cumprir. Todos os organismo s oficiais criados
ticamente sinônima de classe média), uma violenta oposição. de para trat ar de assuntos cinematográficos resultaram em pratica-
um aspecto dos trabalhos dessa vanguarda cultural que tentarei mente nada. Sozinho, o produtor brasileiro não tem condições
dar conta ao esboçar uma interpretação do cinema brasileiro de mínimas de concorrer. A conseqüência,na prática , para o cineasta,
1958 a 1966. é estar reduzido a mud ar de profissão, ou a fazer cinema na base do

heroísmo, ou a produzir obras comerciais. E continuará a ser essa


até que consigamos conquistar pelo menos 51% do mercado
HER NÇ nacional para o prod uto nacional.
Por isso, a história da produção cinematográficano Brasil não
I
Do gr upo de cineastas que, com seus filmes, pretende partici- se apresenta como uma linha reta, mas como uma série de surtos
par da e refletir a luta que se trava para a afirmação de sua classe, em vários pontos d o país, brutalmente interrompidos. Sãoos cha-

quais são os antecedentes cin ematográf icos? Em que estado se mados ciclos, de cinco ou seis filmes quando muito; é Campinas,
encontra o cinema brasileiro e qual a situação cultur al de um Recife, Cataguases,aVera Cruz. Continua atualmente a euforia do
jovem brasileiro que preten de dedicar-se à produção cinemato- Cinema Novo, que será mais um desses surtos, candidato ao cemi-
gráfica? tério dos ciclos, se, desta vez, não c onsegu irmos conquistar o mer-
Quanto situação econômica, ruim, do cinema brasileiro, a cado nacional. Os produtores independentes geralmente morrem
primeira coisa a observar é que ela é a mesma que sempre foi. O de mo rte instantânea. Luís Carlos Barreto, que conseguiu montar
filme nacional, sob todos os pretextos, encontrava uma resistência uma estrutur a de produção, é caso notoriamen te excepcional.
compacta einvencívelentre o s distribuidores, amarrados queesta- Diretores como Nélson Pereira dos Santos ou Walter Hugo Khou-
vam ao monopólio estrange iro, que avassalava com seus produt os ri, que conseguiram, em dez anos, dirigir cinco ou seis filmes, são

o mercado brasileiro, de pont a a ponta : essas palavras de Hum - casos únicos. extensa a caravana de diretores, técnicos, atores
berto Mauro ' soam como se fossem de hoje. Entretanto , elas se que, após a estréia, desapareceram do mund o cinematográfico, ou
referem a acontecimentos anteriores a 1930:o fracasso da prod u- passaram para a televisão, ou para o cinema publicitário.
ção cinematográfica de Mauro. Esse o estado do cinema brasi- Muitos fizeram filmes base de fórmulas estrangeiras,prin-
leiro. Essa má situação eco nômica decorre da invasão de nosso cipalmente norte-americanas, como o western ou o policial, pois
mercado pela pro dução estrangeira, favorecida pelo conjun to da pensou-se ingenuamente (e muitos continuam pensando) que
legislação brasileira; o lucro é muito maior para os distribuidores bastava adotar fórmulas de sucessopara que os filmes se pagassem,
sem perceber que essas fitas estrang eiras pagavam-se por ter sua
i Citadas por ~~XVI Introdução ao cinema brasileiro 1959.
NY
m
disposição uma estr utura de distribuição.

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Mas a tônica da história do cinema brasileiro o caso isolado, função do dinamismo, dos problemas e das lutas do Brasil. Essa
o filme isolado. Encontramos, cá e lá, bons e importantes filmes, ausência de tradição em hipótese alguma significa que o jovem
como Ganga bruta Humberto Mauro, 1933),mas não encontra- brasileiro se encontra numa situação inferior, ou mais simples, ou
mos, no cinema brasileiro, a construção e o desenvolvimento de mais complicada, que a do italiano. Trata-se de duas situações
uma obra contínua. Tudo isso representa muitos esforços edesgas- essencialmente diferentes, só. Não aliás situação exclusiva do
tes de energias, que se traduzem, no cotidiano, pela inacreditável brasileiro: a de qualquer jovem que venha a trabalhar no cinema
agressividade que rege as relações entre os indivíduos do meio e em muitos outros setores) em qualquer país sul-americano ou
cinematográfico.Por isso a história humana do cinema brasileiro africano, que até agora tenha sido colonizado ou que tenha tido
um museu de personalidades amarguradas e frustradas. Assim, uma soberania quase que apenas formal.
não foi possível, culturalmente, desenvolver uma cinematografia,
dar prosseguimento a uma temática, criar estilos. Cada filme
representa uma experiência que não frutificou. As experiências, MENT LID DE IMPORT DOR

tanto técnicas quant o de produção o u de expressão,em vez de se


acumularem e enriquecerem, deperecem, e cada diretor tem de jovem italiano que realiza um filme dirige-se a um público

começar mais ou menos do zero. que á teve longo contato com o cinema italiano, que dentro dele tem
Assim sendo, a realidade brasileira não tem existência cine- as suas preferências, e que já se viu na tela. Esse cinema também
matográfica. Décadas de cinema possibilitaram aos países que têm expressãodo público. jovem brasileiro, ao contrário, vai dirigir-se
uma produção sólida trabalhar sobre sua realidade e transpô-la a um público que não conhece cinema brasileiro. Não o conhece
para a tela. No caso, por exemplo, da Itália, o homem, seu meio e porque quase não existia;e os poucos filmes que existiam raramente
sua problemática foram elaborados numa multiplicidade de chegaram até ele. Para o público brasileiro, cinema cinema estran-
aspectospor diretores, dialoguistas, otógrafos,músicos etc., o que geiro. natural que o público, estando constantemente em contato
criou no cinema uma Itália rica e diversificada. jovem italiano com filmes estrangeiros e nunca nacionais, tenha contraído certos
que se prepara para fazer cinema tem atrás de si toda uma tradição hábitos. Durante longo tempo, para amplos setores do público bra-

que pode aproveitar, ou contra a qual pode se revoltar, mas que, em sileiro, cinema restringiu-se a cinema norte-americano, e este sem-
ambos os casos, representa uma prévia elaboração e interpretação pre cercado de grande publicidade; se eventualmente se exibisse um
da realidade sobre a qual vai trabalhar. jovem brasileiro não tem filme brasileiro que não fosse chanchada), o público não encon-
nada disso. Deve descobrir e tratar não só a problemática da socie- trava aquilo que estava acostumado a ver nos w st rns policiais ou
dade brasileira, mas até a maneira de andar, de falar, a cor d o céu, comédias vindas dos EUA cinema, por definição, era importado.
do mar, da mata, o ambiente das cidades e do campo, no que, aliás, Mas não só o cinema era importado: importava-se udo, até palito e
poderá e deverá aproveitar as experiências estrangeiras. Isso não manteiga. Brasil era fundamentalmente um país exportador de
I
basta, pois, sehá alguns anos teria sido suficiente uma descrição da matérias-primas e importador de produtos manufaturados. As
população brasileira, hoje indispensável que isso seja feito em decisões, principalmente políticas e econômicas, mas também cul-

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turais, de um país exportador de matérias-primas, são obrigatoria- que está acontecendo na tela ele ou aspectos dele, suas esperan-
mente reflexas.Para a opinião pública, qualquer produto que supu- ças, inquietações, pensamentos, modos de vida, deformados ou
sesse uma certa elaboração tinha de ser estrangeiro, quanto mais o não. Essa interpretação, consciente ou inconscientemente, ele não
cinema. O mesmo se dava com as elites, que, tentando superar sua pode deixar de aceitar ou rejeitar. Esse compromisso diante de um
condição de elitesde um país atrasado,procuravam imitar a metró- filme nacional, do espectador para com sua própria realidade,
pole. As elites intelectuais, como que vexadas por pertencer a um uma situação a qual não se pode furtar. Pode recusá-la, o que já
país desprovido de tradição cultural e nutridas por ciências e artes representa uma tomada negativa de posição diante da realidade
vindas de países mais cultos, só nessas reconheciam a autêntica que sua: a reação mais corrente hoje em dia. Isso não significa
marca de cultura. Os produtos culturais brasileiros não eram nega- que qualquer filme nacional leve o público a descoberta de novos
dos: simplesmente, para elas, não chegavam a existir. anga bruta, aspectos de sua realidade. A produção nacional pode m uito bem
em 1933,passa to talme nte desapercebido, chamando exclusiva- ter como finalidade e efeito afastar o público de sua realidade.
mente a atenção de uns poucos amadores. Aliás, o que amiúde se verifica. Mas, inclusive nesse último caso,
ausência de tratamento cinematográfico da realidade bra- o filme nacional refere-se,direta o u indiretamente, a realidade em
sileira, aliada a mentalidade importadora, tem um o utr o efeito. que vive o público. Entretanto, devemos reconhecer que o público
Um cinema nacional para o público uma experiência única, pois brasileiro desconhece ais experiências. Se omitirmos alguns raros
visto com olhos bem diferentes daqueles com que visto o casos isolados, só a chanchada possibilitou, de modo prolongado,
cinema estrangeiro. A produção estrangeira de rotina não passa, esse tipo de experiência. Experiência mais que limitada. Assim, o
para a platéia, de divertimento. Filmes mais ambiciosos oferecem- público não tem o hábito de ver-se na tela, e as identificações que
se aos amadores de arte como objetos que solicitam um bom fun- pode fazer com personagens e situações nunca são baseadas em
cionamento de sua sensibilidade e de seu gosto. Raros são os casos elementos de sua realidade, de seu comportamento, de sua vida, de
em que o fdme estrangeiro mobiliza grandes setoresdo público de sua sociedade etc. tarefa do cinema brasileiro, e das mais urgen-
vários grupos sociais,e atinge o espectador no conjunto de sua pes- tes, conquistar o público. Essa experiência, esse diálogo do público
soa. O filme nacional tem outr o efeito. Ele oriundo da própria com um cinema que o expresse, fundamental para a constituição

realidade social, humana, geográfica etc.em que vive o espectador; de qualquer cinematografia, pois um filme não tão-somente o
um reflexo, uma interpretação dessa realidade boa ou má, cons- trabalho do autor e sua equipe: também aquilo que dele vai assi-
ciente ou não, isso out ro problema). Em decorrência, o filme milar o público, e como vai assimilar. Para que um filme exista
nacional tem sobre o público um poder de impacto que o estran- como obra, tão importante a participação do público como a do
geiro não costuma ter. á quase sempre num filme nacional, inde- autor. Sem a colaboração do público, a obra fica aleijada. Por isso,
pendentemente de sua qualidade, uma provocação que não pode a conquista do mercado pelo cinema brasileiro não exclusiva-
deixar de exigir uma reação do público. Tal reação não resulta mente assunto comercial: também assunto cultural artístico.
somente de uma provocação estética pode sê-10 também), porque No setor da crítica cinematográfica, o fenômeno quase o
o filme nacional implica o conjunto do espectador,porque aquilo mesmo. Os críticos pertencem a essa eliteque só via cultura em pro-

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duções estrangeiras as quais na maioria dos casos exigiam deles produção brasileira tudo é vão. Essa é a condição sine qua non para
apenas um juízo acertado. próp rio objeto do trabalho profissio- que o cine ma possa existir como a rte e como negócio.
nal do crítico era desvinculado de sua realidade. E como acontece
com o público ainda que num plano diferente o cinema nacional
provoca o crítico de m odo mais global. Diante de um filme estran- Esse estado de alienação existindo em to dos os níveis d esde
geiro o crítico tem em geral a responsabilidade de ser um bo m crí- a produção e o equipamento até a distribuição e a arte é a herança
tico nada m ais; dian te de um filme nacional tem a responsabili- do jovem brasileiro que chega ao cinema. Outrossim esse jovem
dade de um hom em que participa ativamente da elaboração de encon tra um a situação particularmente fascinante. No Brasil
uma cultura. A atitude d o crítico diante do cinema de seu país é processa-se a Revolução Industrial que atinge profu ndam ente
obrigatoria mente combativa e sua responsabilidade é direta não todo s os aspectos da vida no país. Surtos de cinema pisódicos
só diante dos filmes mas também diante da realidade abordada com o o baiano ou ainda vigorosos com o o carioca ão reflexos
diante do p úblico e dos cineastas. Essa experiência em faltado a crí- dessa evolução. Uma realidade violenta e agressiva que nã o se
tica brasileira q ue se limitou a ado tar uma atitud e contemplativa deixa ignorar vem solicitar constantemente o cineasta. Grandes
de amador de arte e que em decorrência chegou frequentemente partes do público que ainda há pouco tinha o olhar voltado para a

a atacar co m argum entos irracionais o cinema brasileiro pois esse cultu ra estrangeira tom am consciência da cultura brasileira. No
ameaça os valores vigentes na torre de marfim. N ão se deve deduzir meio cinematográfico o movim ento de desalienação é rápido
daí que o conh ecimen to e o estudo d e filmes estrangeiros são secun- tanto da parte dos autores técnicos e atores quan to da parte das
dários; são ao contrár io fundamenta is mas numa perspectiva dife- entidades d e classe cujas posições são cada vez mais eficientes e
rente da de quand o o cinema brasileiro não existia. mesm o se coerentes como também é o caso das instituições culturais dos
verifica com o cineclubismo que se alimenta de cinema estrangeiro cineclubes das universidades e da crítica.
e portanto criou uma estru tura para divulgar a matéria artística Esse cinema feito por cineastas oriundo s de u ma classe média
que lhe apresenta esse cinema; teria sido levado a se constituir dife- que tem possibilidades de afirmação e de solidificação e que simul-
rentemente se não tivesse tido com o cinema com q ue trabalha taneam ente se solapa a si própria esse cinema sem tradição e que

uma relação que se estiola num a estética formalista. nasce num país subdesenvolvido em m eio a conflitos violentos
A situação brasileira em relação a cinema é um típico exem- país cuja estrutura range de alto a baixo e em q ue as palavras impe
plo de alienação. A atividade cinematográfica no Brasil n o plano rialismo e nacionalismo são pronunciad as por todos e recobrem
comercial e cultural tem sido no sen tido de afastar-se de nós pró- idéias e fatos dos mais diversos e contraditórios país em qu e as mas-
prios. A realidade brasileira só limitada e esporadica mente rece- sas populares começam a ter certa força de pressão - esse cinem a
beu tratamento cinematográfico. público não pôde entrar em como é Quais os rumo s que tom a? Que formas cria? Que realidade
contato com o cinema brasileiro e só entrando em diálogo com o focaliza?Que forçasapóia ou combate? Eis as perguntas a que se deve
público e dando continuidade a seu trabalho os cineastas poderão responder ou seja:qual é o hom em que nos apresenta o cinema bra-
construir uma cinematografia. Sem o mercado a disposição da sileiro que quer para onde vai? É a pergunta fundamental.

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deserto de um a família de camponeses de hoje. Noron ha descreve


A procu ra d a realidade um ciclo econômico primitivo: os hom ens plantam algodão e,
qua ndo passa o temp o do plantio, as mulheres fazem cerâmica, e
trocam-se esses produtos, n uma feira longínq ua, contra gêneros
de primeira necessidade. o ciclo econôm ico que fornece ao filme

sua estrutura. documentário, portanto, não se limita a mostrar


flagrantes de uma vida atrasada, mas pretende ap resentar o meca-
nismo dessa vida. Logo, trata-se de u ma fita que está no cam inho
do realismo. Noronha ultrapassa poeticam ente a exposição de um
mecanism o econômico. Ele tem a intuição do deserto: a terra seca
a personagem principal da fita; a farinha branca, q ue serve de ali-
mento, da mesma natureza que a terra; a lama, terra misturada
com u m pou co de água, uma festa; aliás, as seqüências de cerâ-
mica estão entre as melhores. docum ento enriquecido pela

Durante a primeira Convenção da Crítica Cinematográfica, compr eensão íntima das condições de vida: nenhum a necessidade
promo vida em São Paulo pela Cinemateca Brasileira em 1960,Lin- de apresentar em primeiro plano rostos burilados para mo strar o
duar te Noronh a, de João Pessoa, repórter de Cruzeiro, apresen- hom em; planos m édios, ciclo econômico primitivo, terra seca são
tou um filme de cerca de vinte minutos, penosamente produzido mais eloqüentes. Noronha respeita a realidade tal como a encon-
com a colaboração de instituições de João Pessoa, Recife e Rio de tra: tud o foi filmado in loco e tal co mo existe hoje; a música foi
Janeiro Instituto Joaq uim Nabuco, Secretaria da Educação da tocada p or músicos locais e gravada in loco. No en tanto , e isso tam-
Prefeitura de J oão Pessoa, Associação do s Críticos Cinem atográfi- bém era da maior importância, Noronha não tímido diante da
cos da Paraíba e Instituto Nacional de C inema Educativo), e que realidade: não receia torná- la mais compreensível através de um
provocou violentas polêmicas, repetidas quand o a fita foi reapre- esquema abstrato, ou evocar com home ns atuais um aconteci-
sentada na Homenagem ao Cinema Brasileiro que inaugurou as men to do século passado, ou distorcer um pouco o ritmo d e uma
manifestações cinematográficas da Bienal de São Paulo de 1961: música. Embora preocupado em realizar um trabalho de cunh o
Aruanda. Vindo das lonjuras da Paraíba, Linduarte Noro nha dava sociológico e antropológico antes de mais nad a, Noronha fez tam-
um a resposta das mais violentas as perguntas: que deve dizer o bém um filme poético em tor no de u ma libertação, a fuga dos
cinema brasileiro? Como fazer cinema sem equipamento, sem escravos e a criação de Palmares, acontecim ento que seria várias
dinheiro, sem circuito de exibição?Tais eram as perguntas que su r- vezes retomado: o filme de Carlos Diegues, Ganga Zumba 1963),
giam de norte a sul do país. os espetáculos teatrais Arena conta Zu mbi e Liberdade, liberdade
Aruanda docum enta a fuga dos escravos e a instalação de u m 1965 ), a canção de Carlos Lira e Vinicius de M orais, Aruanda,
quilombo na serra do Talhado. A fuga evocada pela andança no tam bém elegerão Palmares como símbolo, discutível, da liber-

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dade. Esse símbolo de liberdade não ressaltado no filme, mas o cas; alguns paulistas tentaram de uns an os para cá sistematizar esse
espectador não deixa de pensar no episódio histórico. Simultanea- tipo de p roduç ão), e as deficiências técnicas expressariam nosso
mente docum ento e interpretação da realidade, a fita apresenta subdesenvolvimento (nad a de fazer cinem a para festivais).Contra
um péssimo nível técnico: as vezes o material foi escasso para a esse mito, Roberto Santos foi um dos raros cineastas a se manifes-
montage m; a fotografia, ora insuficientemente, ora excessiva- tar. E deve-se dizer que tais deficiências tiveram f unção dram ática
me nte exposta, oferece chocantes contrastes de luz; a faixa sonora exclusivamente em Aruanda
apresenta defeitos. Mas não entende mos tais falhas como sen do Difícil fazer chegar uma fita naciona l de longa-m etragem a
defeitos: uma realidade subdesenvolvida filmada de u m mo do um circuito comercial; impossível, uma de curta-metragem.
subdesenvolvido. Devido a suas deficiências écnicas, Aruanda foi Então, esse cinema não se dirigiria, por enquanto, a salas comer-
as vezes qualificado de primitivo. Ora, não nada disso. O prim i- ciais, mas atingiria o público por intermé dio dos cineclubes, dos
tivismo se caracteriza mais pela ingenuidade de visão e do m odo centros populares de cultura , das associações de classe e de bairro.
de reprodução da realidade, e não implica uma técnica deficiente e A solução era criar um circuito paralelo: foi iniciado, mas nunca
simples. Se há algum prim itivismo na fita, esse não deve ser encon- chegou a se organizar. As confrontações de Aruanda com o público
trado nas deficiências écnicas ou narrativas, mas em algumas ten- foram das mais elucidativas, mas não soubem os entendê-las. A

tativas de virtuosismo: fotografia bonita, câm ara baixa e figuras euforia provocada pelo filme, mais acentuada em São Paulo que no
em contraluz. Esse e o utros filmes brasileiros foram chamados de Rio, não foi além de um círculo de pessoas diretame nte interessa-
primitivos porque se quis encon trar uma desculpa artística ta nto das pela criação (pensava-se em criação, a partir d o nada ) de um a
para a temática quanto para a técnica, uma desculpa por parte da cultura adequada a evolução do Brasil. Mas nem um público de
cultura e rudita e idealista. No caso, a insuficiência técnica torn ou- cinemateca conseguiu entusiasmar-se m uito. Qua ndo projetada,
se poderoso fator dramático e dotou a fita de grande agressividade. em sessão especial dedicada ao cinema brasileiro, n um liceu fre-
Aruanda a melho r prova da validade, para o B rasil, das idéias que que ntad o pelos filhos da alta e da média burg uesia paulistana, a fita
prega Glauber Rocha: um trabalho feito fora dos monum entais não foi com preend ida: viu-se uma fita malfeita e aborrecida, ape-
estúdios (que resultam nu m cinema industrial e falso), nada de sar de uma linda música, e a dom inante d o debate que sucedeu a

equipam ento pesado, de rebatedores de luz, de refletores, um projeção foi: Por que mostrar semp re a miséria? Brasil não
corpo-a-corpo com um a realidade que nada venha a deformar, apena s isso . A alta e a média burguesia não queriam entender a
uma câmara na m ão e um a idéia na cabeça, apenas. O que fazer? fita, e daí? As coisas se fariam co m o u sem elas. Seria melhor que
Aruanda o dizia. Com o fazer?Também o dizia.A euforia era justi- entendessem, pois assim pagariam entradas. Muito poucos perce-
ficada: para fazer cinem a, não se teria de esperar qu e as condições beram , naquela época (1962/63), que se a burguesia, principal-
favoráveis viessem; bastaria arrancar um dinheirinho de institui- mente a m édia, não entendia ou não queria entender o cinema que
ções culturais (muito s dos docum entários mais significativos se fazia, era problema da burguesia, mas també m do cinema. E tal-
dessa época nasceriam, a margem da produção cinematográfica vez, ainda agora, 1967 p o uco s en t en d am. Qu a n d o Aruanda foi
propriamente dita, de verbas de instituições extracinematográfi- projetada no S indicato da C onstrução Civil de São Paulo, cujos

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mem bros são em grande maioria nordestinos, foi bem acolhida. mã o rompe brutalme nte com toda uma tradição cinematográfica,
Espectadores se levantaram, entusiasmados, para dizer que era ou cu ja Revisão crítica do cinema brasileiro 1963) arrasa ou elogia
preciso mostrar essa fita a todo m undo , aos que participavam das arbitr ariam ente filmes e diretores brasileiros. Tal radicalismo,
atividades do sindicato, e aos outros tam bém . A fita tampouc o fora característico da época, ajudou imensam ente a evolução das idéias
entendida. O entusiasmo foi exclusivamente m otivado pelas cinematográficas no B rasil. Esse tam bém foi o principal papel de
seqüências da cerâmica, por apresentarem técnicas que nã o são Cinco vezes fave la.
desenvolvidas no Sul. O que a fita pretendia dizer não fora c om u- A importância d o filme começa pela produção. N ão se trata
nicado; tal manifestação era tam bém uma indicação sobre o tipo apenas de um a produção feita fora do sistema corrente, por inter-
de cinema que poderia atingir o público que mais importava aos méd io de instituição cultural extracinematográfica. Com o pode-
cineastas. Mas, isso, nós o entendem os muito superficialmente e, ria o cinema refletir uma realidade e assum ir posições que não fos-
no fundo , não demos im portância a esse tipo de compreensão. sem do interesse das instituições pro dutoras? Os filmes teriam de
Tudo seria entendido bem mais tarde. Por enquanto, fazia-se um submeter-se as limitações naturais impostas por instituições que
cinema que não tinha público. Esse fenômeno não isolado: não represen tam a cultura oficial, e dificilmente pode riam adota r a
apenas o cinema qu e não chegava ao grande público; era todo um perspectiva social dos trabalhadores, a quem escapa o controle da

movimento cultural e político. cultura brasileira. Um cinema socialme nte válido só poderia ser
produzido por entidades de classe ou o utras qu e se encaixassem na
mesma perspectiva, como seria o caso, pensava-se, das entidades
IN O VEZES F VEL estu dan tis. Assim, Cinco vezes favela poderia ter sido o início de
um a produção que escapasse aos canais da cultura oficial. Outras
Ou tra resposta foi dada po r Cinco vezes favela, produ zido tentativas omo aquela feita pelo C P C de São Paulo no Sindicato
pelo Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudan- da Co nstru ção Civil e liderada po r Maurice C apovilla, que chegou
tes Rio) em 1961162, e constituído por cinco filmes de curta - a completar as filmagens de um docu me ntário sobre a vida dos
me tragem : Um favelado, de M arcos Faria s, Escola de Sam ba Alegria pedreiros e serventes em São Paulo ão vingaram.

de Viver, de C arlos Diegues, Zé da Cachorra, de Miguel Borges, O P pretendia, por meio de peças de teatro, filmes ou outras
Couro de gato, de Joaquim Pedro de A ndrade, e Pedreira de São atividades,levar a u m público popu lar informaç ões sobre sua con-
Diogo, de Leon Hirszman. Filme ruim, uma das experiências, de dição social, salientando que as más condições de vida decorrem
todos os pon tos d e vista, mais reveladoras do cinem a brasileiro, de um a estrutura social dominada pela burguesia. Tarefa de cons-
I
pela atitude excessiva que presidiu a sua realização. Aliás, diga-se cientização: deve-se ir além da de scrição e da análise da realidade,
de passagem qu e o excesso, o radicalismo, teve sua função didática a fim de levar o público a atuar; a situação não m udará se ele não
na evolução d o cinem a brasileiro, pois agitava e provocava debates agir para transformá-la e só ele pode ser o mo tor dessa transforma-
entre pessoas que posições mais equilibradas teriam deix ado indi- ção. Trata-se de politizar o público. Essa militância a finalidade de
ferentes: esse foi um d os papéis de Glauber Rocha, cuja câmara-n a- Cinco vezes favela: o ladrão da favela não ladrã o porque n ão

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queira trabalhar, mas porque não encontra serviço e precisa uma solução: ela é dada. O espectador absolutamente não é solici-
comer; é a sociedade que faz o ladrão U m avelado). Se o favelado tado a participar da obra; a única coisa que se exige dele é que sente
não tem onde dormir, é porque até os barracos da favelapertencem em sua poltrona e olhe para a tela, nada mais. E só lhe resta uma
a um rico proprietário que dispõe de seus bens a seu bel-prazer Zé alternativa: negar o filme ou entusiasmar-se com ele. O espectador
da C achorra). Se o favelado preocupa-se mais em organizar as fes- encontra-se diante de um circuito fechado: a realidade só se abre
tas da escola de samba do que em participar da vida sindical para para um único problema, que está apresentado esquematica-
alterar a sociedade, u do ficará na mesma Escola de Samba Alegria mente; o problema tem uma única solução positiva, que também
de Viver). está apresentada esquematicamente a situação piora ainda
Portanto, conscientemente, jovens diretores (salvo Joaquim quando a solução é tão discutível como no caso de Escola de Samba
Pedro, que fizera Couro degato anteriormente) resolvem fazerfitas Alegria de Viver. O filme fecha-se sobre si próprio, e o espectador,
que politizem o público. Todos iniciam seu filme com uma deter-
limitando sua participação a aceitar ou recusar, fica de fora.
minada visão da sociedade já esquematizada em problemas que
Tais posições evoluíram violentamente desde então, levando
provêm mais da leitura de livros de sociologia que de um contato
os autores de Cinco vezes favela a posições antagônicas as assumi-
direto com a realidade que iriam filmar: a fave1a.A~stórias foram
das naquele filme. Longe de pensar que o problema consciência-
elaboradas para ilustrar idéias preconcebidas sobre a realidade,
que ficou assim escravizada, esmagada por esquemas abstratos. alienação deva ser resolvido pela própria personagem, Leon Hirsz-
man acha hoje que o melhor, para atuar sobre o público, é deixar a
Não se deixa realidade a menor possibilidade de ser mais rica,
personagem alienada e levar tal alienação a um clímax. Diz Glau-
mais complexa que o esquema exposto; a realidade não dá margem
ber Rocha: Foi Leon quem me falou que a melhor forma de cau-
a nenhuma interpretação além do problema colocado, e chega a
sar impacto para a desalienação era deixar as personagens naquele
dar a impressão de ter sido inventada especialmente para o b om
funcionamento da demonstração. uma espécie de realidade grau de alienação e evoluir com elas até o patético, um patético que
asséptica que permite uma compreensão e uma i nterpretação provocaria um impacto tremendo, e por esse impacto criaria uma
única: a do problema enunciado. Além disso, o problema tende a rebelião contra aquele estado de coisas, contra a alienação das per-
sonagen~ .~assimilação da dram aturgia de Bertolt Brecht não
ser apresentado junto com sua solução: o favelado de Escola de está alheia a evolução dessas idéias.
Samba Alegria de Vivertoma consciência de sua alienação e troca o
samba pelo sindicato. O resultado dessa estrutura dramática sim- Além do Rio de Janeiro, parece qu e Cinco vezes favela não
plista não era um convite a politização,mas sim a passividade. Pois encontrou exibição comercial. Quando apresentado, conseguiu
o espectador não tem de fazer o esforçode extrair um problema da comunicar-se apenas com um público, ~rinci palm ent estudantil,
realidade apresentada no filme: o problema está enunciado de que já estava pront o para aceitá-lo. Funcionou um pouco como
modo tão categórico que não admite discussão; e, se se quisesse um desafio estudantil ou como episódio festivo de um comício.
discuti-lo, a realidade do filme não forneceria elementos para
tanto. O espectador tampouco tem de fazer esforço para imaginar 2 N o livro Deus e o Diabo na terra do sol, 1965.

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8/15/2019 Mas é um filme que não enc ontrou seu público e isso não some Brasil
nte Em Tempo de Cinema -tava-se
Jean-Claude
que oBernardet
filme corria o risco de torna r-se um a tarefa de enco-
por falta de distribuição com ercial. menda realizada friamente como um trabalho escolar ficando o
bom que Cinco vezes avela tenha sido feito e que tenha sido autor d e fora de sua obra. Os filmes poderiam ter um conteúdo
feito assim porque po ssibilitou experimentar um a série de ten- consciente que seria um a tomada de posição ante a realidade bra-
dências. Em tor no d o filme discutia-se se o cinem a devia ou não sileira m as essa realidade nunca seria atingida em profundida de
apresentar soluções se era viável colocar um problema a um o que forçosamente viria a prejudicar o pode r de comu nicação das
público e não a pont ar-lh e a solução. Discutia-se se se devia form u- obras. Tais problemas foram hoje ultrap assados na prática tend o
lar mensagens explícitas ou ao contr ário se ater mais análise certos diretores conseguido uma síntese entre vontade de expres-
deixando ao público a liberdade de formular por si próprio os pro- são pessoal e tomada de posição diante d a sociedade brasileira.
blemas. Preocupações infantis que no en tanto se justificam pela A prime ira vez que entre vi a possibilidade de realizar-se essa
necessidade de uma comunicação imediata com o público de um a síntese foi num a conversa com u m dos autores de Cinco vezes
ação urgente e que tamb ém refletem atitudes que ultrapassam o favela. Conhecia pouco naquela época a Leon Hirszm an. Falando
âmb ito do cinema. Discutia-se se o autor devia abdicar totalmente sobre o filme de Naguissa Oxim a Taiio no H acaba Bosch e Goya
de suas inquietações pessoais renunciar a fazer uma obra q ue o percebi o qua nto Hirszman era ligado idéia de destruição de
expressasse como artista para dedicar-se a filmes sobre a realidade definhamento o qua nto era seduzido por processos de desintegra-
exterior acrificar o artista ao líder social. ção do homem o que contrastava com a imagem de si próprio que
Hirszman apresentava em público: um compo rtamento dos mais
racionais e equilibrados guiado po r exclusivas motivações políti-
BATE PAPO COM LEON HIRSZMAN cas. Hirszman co ntou-me dois argum entos que teria o m aior inte-
resse em filmar. Um deles dizia respeito ao traba lho nas m inas de
Esse último er a um problem a dos mais graves não apenas Criciúma cidade branca: o trabalho provoca no mineiro ao cabo
porq ue algumas pessoas sentiam-se coibidas por um princíp io de poucos anos uma doença pulmonar morta l e contagiosa;
assim: um tal sacrifício equivaleria em parte a u m suicídio. Em dis- qua nd o se considera que o mineiro não está mais em condições de
cussões acaloradas reivindicavam alguns a liberdade de fazer fil- trabalhar na mina é devolvido a superfície e tem de procurar o utro
mes sobre taxide rmia se assim o quisessem: recebiam a acusação serviço. No enta nto não há ou tro serviço e ele não tem alternativa
de burgueses deterministas por pensarem que não podiam fazer senão voltar a mina; existem minas especiais para esse efeito em
filmes sem recorrer a sua sensibilidade individual. Os roteiros só que só trabalham h omens condenados: o único meio que esses tra-
deveriam ser filmados após ampla discussão coletiva a fim de qu e balhador es encon tram para sobreviver e alimentar suas famílias é
não distorcessem a realidade e os aspectos pessoais não se sobre- morr er aos poucos. O ou tro a rgum ento referia-se a algas em
pusessem a uma visão crítica da sociedade brasileira: que m não decomposição encontráveis no fundo de alguns pântanos da Ama-
quisesse submeter-se a essa medid a não passava de mísero indivi- zônia. Tais algas raras n o mu nd o e utilizadas para fazer determi-
dualista; e Paulo César Saraceni escoiceava de indignação. Obj e- nado remédio são compradas caro por laboratórios norte-ameri-

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
canos; homens mergulham para apanhá-las, muitos não voltam;
frequen temen te, os que voltam são assaltados e as vezes assassina-
arginalismo
dos por ladrões que se apoderam do s frutos do mergulho e se
encarregam da venda aos laboratórios. No entanto, nessa região
em que as possibilidades de trabalho são escassas, seduz idos pelo
alto valor das algas, á sempre candidatos ao mergulho, o qual não
traz riqueza e resulta em geral na m orte; mais uma vez, em sua ten-
tativa de viver, o home m encontra a morte. Esses argumentos ofe-
reciam a Hirszman simultanea mente a possibilidade d e realizar
filmes sobre seus demônios pessoais tentativa de viver que resulta
num a degradação david a e na m orte, os ambientes fechados, a pri-
são, a caverna) e sobre u ma realidade subdesenvolvida, sobre a
exploração do hom em, sobre o imperialismo. As duas perspectivas
se enriqueceriam mutuam ente; esses temas possibilitariam uma
evolução individual do a utor e um a captação sensível e intuitiva, Se, par a ab ord ar esses problem as, Cinco vezes favela foi esco-
como que por dentro, do h ome m, de sua situação social, da paisa- lhido como bode expiatório, não é por ser ele o único filme que os
gem etc. O resultado dependeria evidentemente de como seriam coloca: são problemas de todo o cinem a brasileiro, mas essa fita
realizados ais filmes,mas os argume ntos ofereciam possibilidades os c oloca de mod o quase ca ricato. Cinco vezesfavela é uma fase do
de evolução que o realismo a la Cinco vezes favela im ped ia. Leo n cinema brasileiro visto pelo microscópio. quase o símbolo da
Hirszm an já c onseguira esboçar d e mod o sugestivo esse impasse, crise cultural brasileira que cineastas, poetas, romancistas, hom ens
da luta pela sobrevivência que leva a morte , em Pedreira de São de teatro, artistas plásticos tenta m resolver pelo populism o, que é
Diogo, pois a favela era con struíd a sobre a pe dreira. O trabalho a a manifestação cultural do presente m omento social e político do
sobrevivência) consistia em extrair as pedras q ue sustentavam os Brasil.
barracos.
Os fatos demons traram que a fraca e idealizada burguesia
nacionalista não tinha condiçõe s de promo ver o desenvolvimento
do Brasil; seus compromissos com o capital estrangeiro e seu
receio de que a ma ssa, cuja pressão se acentuava, viesse a adqu irir
uma força que não mais pudesse controlar, limitavam sua ação.
Por outr o lado, necessitava do apoio popular e praticava um a apa -
rente política liberal que possibilitava a ascensão da massa. Entre
esses dois fogos assa e burgues ia - os artistas não tinham
alternativa: só podiam escolher a massa, tanto m ais que a resolu-

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
çáo de alguns dos problemas d o povo, como a elevação do po der todo s aqueles que adotam a perspectiva social da classe operária.
aquisitivo e a conseqüente ampliação do mercado interno, viria a Desde que n ão se precise em que consista essa adoção de perspec-
fortalecer a burguesia indu strial. Portanto , existia a possibilidade tiva, o pequen o-bu rguês está encaixado. A classe média vai ao
de falar ao povo, de resolver os problemas d o povo, de dar c ultur a povo. Patern alisticamente, artistas, estudantes, cepecistas vão
ao povo, nu m sentid o que viesse a favorecer a burguesia. Isso, no fazer cultur a para o povo. Qua ndo se fala em cultura popular,
entan to, seria por dem ais perigoso se não se tomassem as devidas acentua-se a necessidade de pôr a cultu ra a serviço do povo Em
precauções, e a burguesia nacionalista vai forjar um conceito de sum a, deixa-se clara a separação entre um a cultu ra desligada do
povo que resolva todas as dúvidas e que será integralmente encam - povo [...I e outra q ue se volta pa ra ele : assim expressa Ferreira
pado pelo cinem a brasileiro. Quem épovo no Brasil?RespondeNel- Gullar,j como tantos o utros, essa atitude; algumas páginas depois,
son Werneck Sodré: odos os grupos sociais empenhados na solução nu ma tentativa de corrigir a evidente contrad ição, acrescenta,
objetiva das tarefas do desenvolvimento progressista e revolucio- como tantos outros: não apenas produzindo obras para ela [a
nário do país. Eliminam-se do povo a burguesia representante dos massa] como procurando trabalhar c o m ela (os grifos são de FG),
capitais estrangeiros e os latifundiários; integram-se os oper ários, o qu e não altera em profundidade a atitud e fundamental e só vem
os camponeses e a parte d a alta, média e pequena burguesia que é exteriorizar u ma m á consciência que qu er esconder-se. Esse sis-
desvinculada do imperia lismo e que se outorga a função de líder. tema da cultura para é excelente porq ue, ao mesm o tem po que
Eliminam-se também , no mesmo ato mágico, os conflitos entre a possibilita uma elevação,mais teórica qu e real, do nível cultural d o
burguesia indu strial nacionalista e os trabalhadores u rbano s e povo, permite qu e se difunda a penas aquilo que interessa difundir,
rurais. A burguesia indus trial é tabu, e o s cineastas brasileiros ou seja, o qu e interessa a pequen a burguesia e grande, que con-
tom arão os devidos cuidados para qu e ela não seja posta em qu es- trola in tegralmen te a primeira. Assim, vemos qu e, por exemplo, as
tão nos filmes, e para qu e tampou co apareçam os operários, que questões de apontar o u não soluções aos problemas colocados, ou
não pod eriam d eixar de ser relacionados com a burguesia, tu do isso formular mensagens explícitas, não eram realmente questões de
sem ferir a orientação política dos líderes de esquerda. dram aturg ia, mas antes manifestações de uma a titud e paternalista
Outrossim , quem faz arte no Brasil são setores de uma classe cuja finalidade é controlar a massa.

média que não conseguiu elaborar para o país um projeto de evo- E, paternalisticamente, o cin ema brasileiro vai tratar d os pro-
lução econômica e social. um a classe marginal em relação a bur- blemas d o povo. Proletários sem defeitos, camponeses esfom eados
guesia e ao proletariado e campesinato , e ela não tem força para e injustiçados, hediondos latifundiários e devassos burgueses
questionar esse marginalism o. A vanguarda da classe média, por invadem a tela: a classe média foi ao povo. O fenôm eno n ão é novo,
interméd io de seus artistas, vai tentar enco ntrar raízes, adot ando écíclico: ocorre sempre q ue a pequen a burguesia, marginalizada,
perspectivas populares, assimilando e reelaborando aspectos da não pode mais confiar integralmente numa burguesia sem pers-
cultura pop ular e folclórica. Era um terreno fértil para o desenvol- pectiva. Vamireh Chacon comenta: Nos últimos tempos surgiu
vimento da tese conf orm e a qual são proletários não apen as aque-
les, operários ou campo neses, que são assalariados, mas inclusive 3 Cultura posta e m questão escrito em 1963. Os grifos são meus

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8/15/2019 Brasil
uma nova tendência: um a ida aopovo, quase nos moldes dos popu - Em Tempo de Cinema - resi,
Jean-Claude Bernardet
1962) serão am bientados na favela; os franceses: a favela abri-
listas russos do fim do século passado, como Lavrov . ~ rom ân- gará os amores míticos de Orfeu do Carnaval (Marcel Camus,
ticos franceses se ent usia sma ram com esses operários poetas. baseado em peça de Vinicius de M orais, 1959), e L homme de Rio
Alexandre Du mas, L amartine , Alfred de Vigny, George San d os re- (Phil ippe de Broca, 1964) não d eixará de fazer uma visitinha
cebem em seus salões, e George Sand chega a escrever ao pedr eiro favela; o charme de crianças faveladas tamb ém seduzirá o sueco
Charles Poncy: Você pod e vir a ser o maior poeta da França ... I Sucksdorf: Fábula e m Copacabana. Favelada também a italiana
Dur ante alguns tempos, ficar-se-á de joelhos diante do operário, Claudia Cardinale de Una rosaper tutti. A favela é tanto um palco
que se torna um a personagem im portante e nova na vida econô- para o te atro de revista de Orfeu do Carnaval como para os montes
mica,política e cultural do país : há pou co a muda r nessas palavras de lixo de U m avelado. O festival de cinem a amad or lançado pelo
d e B en ig no C a ~ é r è s , a~ra adaptá-las situação brasileira. Jornal d o Brasil em 1965 mostra que a favela continu a sendo, para
Um povo sem operários, uma burguesia sem burgueses os jovens qu e se iniciam no cinema, u m local predileto, como tes-
industriais, um a classe média cata de raízes e que quer represen- t e m u n h a m Escravos de Jó (Xavier de Oliveira, 19 65), Infância
tar na tela seu marginalism o, m as sem se colocar problema s a si (Antô nio Calmon, 1965), Garoto d e calçada (Carlos Frederico
própria e sem revelar sua má consciência: isso dá um cinema cu jo Rodrigues, 1965) etc.
A esses marginais opõem-se outros: os grã-finos. Assim
herói principal será o lum pemp roletariado. A favela será a melhor com o os primeiros são geralmente bons e, se perturbam a ordem
frente de batalha: o favelado é um marginal social, é um pária,
acusa a sociedade vigente através de sua indigência, e po rtan to nã o ou atacam a propriedade, sua condição social justifica tu do
obriga a encarar abertam ente problemas de lutas operárias. Proli- precisam comer U m avelado, O assalto ao trem pagador) - os
feram (term o extremamente relativo: não significa que haja m ui- ou tros são definitivamente ma us. As representações da alta bur -
tos filmes, mas qu e sejam relativamente numerosos; devido ao guesia são em geral deliciosos quadros primitivos. Os cineastas
que reco nstruíram os am bientes grã-finos nada sabem sobre eles,
fraco desenvolvimento do cinema brasileiro, as tendências devem
e isso, aliado necessidade de uma apresentaç ão crítica, resulta
ser detectadas através de uma q uanti dade insuficiente de filmes;
em bonecos que têm ora uma cara má e fechada, ora o riso do
proliferam, po rta nto ) os filmes de favela. Além de Cinco vezes
favela e de inúm eros filmes de curta-metragem, citemos os amores cinismo e da libertinagem; vivem em ambientes acintosamen te
ricos e de m au gosto; são cercados por quadros abstratos, livros
do mocinho cansado Gimba (Flávio Rangel, 196 3), os cúm plices
franceses, comprida s piteiras, uísque e mulh eres fáceis, carros
de O assalto ao tre m pagador (Roberto Farias, 1962),os marginais
conversíveis cheios de louras. O grileiro de é da Cachorra é
baianos de A gran de feira (Roberto Pires, 1962) ou, também , Os
encontrado em seu living-room pelos favelados, que vêm recla-
mendigos (Flávio Migliaccio, 1962).Se argentino s filmam n o Bra-
ma r a respeito de seu barraco, com um a mu lher seminua, em
sil, os conflitos políticos e religiosos de Pedro e Paulo (AngelAccia-
compan hia de seu filho, cuja amant e també m está seminua, e o
4 História das idéias socialistas n o Brasil, 1965.
filho pergun ta ao pai se sabe a que hora volta a mãe. Um filme de
5. Histoire de éducation populaire, 1964. esquerda que vai buscar sua concepção da alta burguesia em Nel-

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8/15/2019 son Rodrigues. Trata-se de expor os grã-finos a depreciação Brasil Em Tempo de Cinema - Pires, tamb ém
Jean-Claude provém da pequena burguesia. Pois bem, nessa crô-
Bernardet
pública. Essa visão ingênua e nada realista do g rã-finism o resulta nica da cidade (a imagem final do filme, o elevador Lacerda, um
da exclusiva imaginação do s autore s e não esconde a secreta aspi- símbo lo que se refere não a feira, mas sim ao conju nto da cidade),
ração, que permanece viva em qualquer g rupo pequeno-burguês, o pequeno-b urguês, o comerciante, o profissional liberal sum iram
de, um dia, alcançar esse nível de vida. Com um gosto um pouco comp letamente, a não ser que essa camad a seja representada por
mais sóbrio, mas na mesma linha, esse o retrato da alta sociedade um cronista social que, em breve aparição, tem um comporta-
que encontramo s nos filmes de Walter Hugo Khouri, ou em O men to estúpido contra u m feirante e busca a proteção da polícia
assalto ao trem pagador morte em três tempos (Fernando Cam- -já que se deve excluir o marid o da grã-fina entediada, pois,
pos, 1965), Encontro com a morte (do português Artur Duarte, embora advogado, representa no filme a alta sociedade. Sobram
1965), Os vencidos (Glau ro Couto, 1964) ou... M as, evidente- apenas os grã-finos (qu e não são introduzido s pela ação da fita,
mente, atrás dessa sátira epidérmica, a burguesia perman ece mas por intermédio de um a mu lher entediada da alta sociedade
intacta, sem um arranhão. que tem relações amorosas com um marinheiro), a presença d o
imperialism o por interm édio dos reservatórios da Esso cuja marca
dom ina a feira, e os marginais da feira. Embo ra se realize um tra-
GR N D E F E IR balho real na feira, pois há com ércio, esse tam bém não aparece, e a
representação d o povo está a cargo de vadios, ladrões, mendigos,
Mas, entre esses dois extremos, entre o favelado e o grã-fino prostitutas, assassinos,que giram em torno de um ladrão generoso
decadente: nada. Tal vontade de om itir a classe média, os com er- e anarquista, Chico Diabo.
ciantes, os trabalhado res, fica patente em Agra nde feira. Os feiran- A fita socialmente polêmica: além de abo rdar a estru tura
tes de Água de Meninos são ameaçados de despejo por uma geral da sociedade brasileira, toca nu ma série de assuntos: condi-
empresa imobiliária que pretende lotear o terreno; os m oradores ção da mu lher, demagogia eleitoral, política petrolífera (até para a
da feira permanente lutam para conservar o terreno. A fita apre- grã-fina, o petróleo nos so), cita de leve o racismo, a revolução
senta-se como um a crôn ica da cidade de Salvador. Glauber Roch a, cubana e os mau-mau , sendo o mais importante de todos o pro-
blema da ação: pela violência ou por via sindical? O problema
onica
prodsem
utorpreconceitos
executivo,diz-nos que a fitaL'pretende
da província er [ I uma
, e o crítico baiano Orlacrô-
ndo agudo, mas afastado. Chico Diabo, a personagem masculina mais
Sena fala de um afresco brechtiano d a sociedade baiana e brasi- sedutora e que goza da simpatia dos autores e dos espectadores
leira . O desenv olvimento d a cidade deve-se ao comércio e ao (principalmente graças personalidade de seu intérprete,Antônio
petróleo; nos últimos anos tem-se desenvolvido o movimento do Pitanga), pretende tocar fogo nos tanques da Esso, destruindo
porto, a rede bancária, o grande e o pequeno comércio. Gran de tan to a Esso quan to a feira: sua revolta. Não encon tra quem con-
parte da atividade sindical e da luta popular deve-se aos portuár ios corde com essa decisão irracional, mas quase alcançará seu obje-
e aos operários d a Petrobra s. O produ tor e roteirista da fita, Rex tivo; só no último momento que Maria (Luísa Ma ranhã o), sua
Schindler, um profissional liberal, médico. O diretor, Roberto amante, conseguirá jogar n o m ar as bananas d e dinamite, mas a

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8/15/2019 explosão a mata; o povo revolta-secontra Chico, tenta enforcá-lo, Brasil Em Tempo de Cinema marinheiro,
- Jean-Claudede não conseguir se fixar, de procurar sempre outras
Bernardet

chega a polícia; por essas e outras, Chico pegará trinta anos de bandas, de chegar no início do filme e ir embora no fim, o apro-
cadeia. A revolta de Chico acabou n um crime; matou Maria; é xima de uma personagem característicade um outro movimento
ameaçado de morte pelos companheiros, que, juntamente com cinematográfico.O marinheiro, o barco, a viagem representam a
seus criadores, o abandonam a polícia. A ação violenta, além de impossível ilusão do realismopoético anterior a Guerra Mundial:
tendenciosamente colocada, pois Chico não tem nem lógica, nem também era um populismo, uma expressão de marginalismo de
perspectiva, nem liderança, é sumariamente condenada. Então, é um setor da sociedade francesa;só que esses cineastas procuravam
de se esperar que os autores prefiram a ação sindical,pacífica e por deliberadamente a fuga. Já me acostumei a vagar de porto em
via legal. Mas o líder sindical é uma personagem esporádica, sem porto ouWEuunca fui homem de me furar em lugar nenhumnsão
consistência,que nunca chega a se afirmar e que se perde na mul- frases que poderiam ser pronunciadas por personagens de Marcel
tidão das figuras secundárias; encontramo-lo no filme em alguns Carné. Em realidade, Rôni não é incapaz de interessar-sepela sorte
bate-papos e nunca em ação. Sua fala revela que os autores igno- dos feirantes: declara repetidamente estar preocupado com a
ram o que possa ser um líder sindical eo assimilama um estudante situação e chega a participar ativamente de um comício promo-
de direito com tendências esquerdizantes. Basta citar a frase: Co- vido por algum candidato a deputado estadual;no entanto, man-
mo vai esse individualismo ferrenho?': que anuncia sua entrada tém-se afastado dos representantes dos dois pólos políticos da
num bar da feira de Água de Meninos.Vale dizer que a perspectiva feira: o anarquista e o líder sindical. O interesse de Rôni pela situa-
sindical é omitida. Aliás, no filme seguinte dos mesmos produto- ção não o leva a agir, nem a se integrar na comunidade, nem a sair
res, roteirista e diretor, Tocaia no asfalto 1962), a mudança da de seu papel de espectador. E, para caracterizar sua atitude, diz: Se
sociedade por via pacífica está a cargo de um jovem deputado esta- essa gente fosse fazer uma revolução aqui mesmo, eu ficava . Essa
dual idealista e recém-egresso da Faculdade de Direito, que pre- frase revela sua incapacidade de agir e a facilidade que há em dei-
tende opor uma Comissão Parlamentar de Inquérito a politicagem xar os outros fazerem aquilo que a gente não quer, não sabe ou não
e violência dos latifundiários. Portanto, fica claro que os autores pode fazer. Essa frase é ainda mais reveladora se se considerar que
sentem os desequilíbrios da sociedade brasileira mas não sabem Rôni, como os autores do filme, encontra-se entre a alta sociedade
é
identificá-los,sentem
diante da ação. que precisam agir mas ficam desorientados ee odepovo:
Mariasimultaneamente
da Feira. Isso em amante
absolutodanão
grã-fina Ely que
significa (Helena
RôniInês)
seja
Essa análise do anarquista (condenado) e do líder sindical em A grande feira o símbolo da classe média, mas que a persona-
(sem significação) coloca em primeiro plano uma personagem gem tem na estrutura dramática da fita a mesma posição que a
que, sem ser secundária, tem um papel paralelo ação e que nie classemédia na estrutura da sociedade.Dotado Rôni de uma cons-
parece ser o verdadeiro e único embaixador da classe média: o ciência crítica de sua situaçãoe de sua atitude, eria adquirido nova
marinheiro Rôni, dito o Sueco (Geraldo de1Rey). O fato de ele ser dimensão e se tornado uma personagem da maior importância
para o cinema brasileiro. Tal como está, representa pouco mais que
6 Do livro A grande feira 1962. uma leve intuição dos autores. No entanto, de jeito nenhum se

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8/15/2019 deve subestimar a impo rtância dessa fita de 1962, pois, emboraBrasil Em atitud e eclética
Tempo de Cinema - Jean-Claude de nem
Bernardet tanto a terra, nem tanto ao mar', de hosti-
desorientada, é um a fita de protesto, mesmo q ue se limite a apre- lidade aos extremismos : O s vencidos é a perfeita ilustração desse
sentar o problema da Esso que paira sobre a cidade como u m sím- comportamento.
bolo. grande feira não representa uma fuga em relação proble- Do marginalismo de A grand e feira ao mais completo con-
mática social. Se os verdadeiros problemas são eliminad os, isso se formis mo de Os vencidos há um passo apenas. Ao não querer
deve evidentemente a Rex Schindler e Roberto Pires, mas também encarar o s problemas pela frente, ao se comp razer na represe nta-
a toda um a conju ntura social de que os autores se fizeram os porta- ção de seu marginalismo, o cineasta é levado a fazer filmes que se
vozes pouco lúcidos. O filme está bem longe do cinem a revolucio- omite m e aceita a situação vigente, opondo- se somente aquilo a
nário que o entusiasmo de alguns (deve-se excetuar o crítico que se opunha o governo que estava no poder quan do os filmes
baiano W álter da Silveira e o cineasta Alex Viany) quis ver em A foram feitos. Tal situação poder á modificar-se q uan do for possí-
grande feira quan do de sua apresentação. vel abordar o proletariado, o cam pesinato atual, a burguesia
Outr a fita, essa ruim e desprezível, que manifesta u ma ten- industrial dita nacionalista e a pequena burguesia. Enqu anto
dência idêntica, é O s vencidos. Um grã-fino daqueles (Jorge Dór ia), esses grupos sociais permanecerem fora d o alcance do cinema, os
também oriund o das peças de Nelson Rodrigues, homossexual e filmes brasileiros não aborda rão os reais problemas d o país.
enlouqu ecido pelo dinh eiro e pelo luxo, quer despejar pescadores Populismo e marginalismo não dat am de hoje n o cinema brasi-
que construíram seus barracos num a praia qu e lhe pertence, e leiro; já estavam p resentes antes da revolução d e 1930. O m ora -
recusa um entendimen to com o advogado que os pescadores lhe lismo de José Medin a, por exemplo, operava ora nos círculos da
enviam. Além disso, uma mu lher de pescador, grávida, está pas- alta sociedade paulistana, em Exemplo regenerador (l918/21),ora,
sando mal. Precisa ser trans porta da a o hospital. Não há ônibu s. ó em Fragmentos da vida (1929), entre vagabundos que viviam de
o carro do grã-fino. Entre os dois grupos, a amante do gr ã-fino expedientes, tendo sido sum ariamente elim inado o pedreiro que
(Anick Malvil) serve de hífen: apaixona-se por um b elo e meigo aparecia no início do filme.
pescador (Breno Melo). Os dois vão tentar obter o carro. Não con-
seguem. Um pescador, a qu em olhos amendoados e focos de luz de

baixo para cima dã o um a máscara diabólica, quer resolver o caso C R I A N Ç A S C A N G A C E IR O S E O U T R O S


na marra ; chega a um co rpo-a-corpo com o grã-fino, e, com a bên-
ção da natureza que intervém sob forma de uma tem pestade, Essa mesma von tade de expressar o margin alismo levou o
ambos morre m. Os dois extremos foram condenados; sobram os cineasta a procurá-lo em ou tras fontes, motivo pelo qual as
intermediários: o burguês que aceitaria colaborar com g rupos crianças invadira m a tela. Na sociedade dos adu ltos, a criança é
sociais inferiores, resolvendo alguns problemas, e o pescador que marginal. Não é responsável pelo estado em que se encontr a a
nada q uer da burguesia a nã o ser a resolução desses mesm os pro- sociedade. objeto, e não sujeito. E, o que é importante, embora
blemas, que em nada alteram nem a condição do burguês nem a do sofra os problem as sociais, não te m consciência deles e não agirá
pescador. Paul Singer diz que a pequena burguesia assume um a para resolvê-los. Finalmente, a criança, um d ia, virará adu lto e

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8/15/2019 poderá agir, fazer o que não está sendo feito hoje: nota d e espe- Brasil Em Tempo de Cinema -com esse sentido,
Jean-Claude principalmente em Porto das Caixas Paulo
Bernardet
rança em relação a sociedade futura. Assim que o meni no fave- César Saraceni) e falecida Leon Hirszman).
lado, alva inocência e maio r vítima, o delfim do cinema nacio- Outros marginais que não poderiam deixar de seduzir os
nal. Enquanto os Meninos d o Tietê Maurice Capovilla, 1963) cineastas são os cangaceiros e os beatos nordestino s, personagens
fazem o aprendizado da vida com brinquedos mortais, o piegas de u m dos filmes mais importantes, Deus e o Diabo na terra do sol,
Men ino d a calça branca Sérgio Ricardo, 1963) vê seu sonh o n o com o de uma série de filmes comerciais, geralmente tecnicolori-
mesmo dia realizado e desmanchado, os meninos de Couro de dos, produzido s e realizados por cineastas do Sul do Brasil. Cite-
gato Joaqu im Pedro, 1961 ) caçam gatos e os entregam , inclusive mos, entre outros, as superproduções de Osvaldo M assaini, A
quand o por eles se apaixonam, para que se façam tambor ins com mort e coman da o cangaço Carlos Coimbra, 1960) e Lampiã o, rei do
sua pele para os festejos carnavalescos, e o saborosíssimo anar- cangaço Carlos Coimbra, 1963))ou os mais modestos Três cabras
quismo bufiuelesco de Moleques de rua Álvaro G uimarães, de Lampião Aurélio Teixeira, 1962) ou Nordeste sangrento Wil-
1960) rejeita tant o a alta sociedad e qua nto a favela, a Igreja e o son Silva, 1962);o cangaceiro também assunto de documentário
trabalhador pobre, hu milde e hum ilhado. Tais fitas são de curta- em Memó ria do cangaço Paulo Gil Soares, 1965). A personagem
metragem, mas a criança favelada, embora não tenha constituído não recente no cinema brasileiro: já aparece em filmes pernam -
assunto para filmes de longa-metragem realizados po r brasilei- bucanos de 1925127 Filhosem mãe e Sangue de irmão) ,num mo-
ros nos últimos anos, tem seu papel de destaque em alguns; serve, mento em que o cangaceirismo ainda não era fenômeno d o pas-
por exemplo, de pontos de interrogação na introdu ção e na con- sado. Nesses filmes, o cangaceiro parece ter papel se cundário, mas
clusão de Gimba, enquanto introduz a palavra inferno em Vidas já personagem central num filme de ficção de longa-me tragem,
secas. Foi sem dúvid a o Rio 40graus de Nélson Pereira dos Santos Lampião, fera do Nordeste, realizado na Bahia em 1930, antes da
que lançou em 1955 o tema da criança favelada no cinema brasi- morte de Lampião. É no entanto, Lima Barreto, com cangaceiro
leiro: os engraxates favelados, ora tristes, ora alegres, era m o ver- 1953 )) ilme de aventuras realizado no interior d o estado de São
dadeiro centro dessa sociedade múltipla retratada pelo filme, Paulo, quem inaugura o ciclo e delineia os principais traços que
bem como sua vítima indefesa. Embora tu do indique q ue nestes ficarão caracterizando o cangaceiro no cinema comercial. Numa

últimos tempos da ecriança


foi personagem vememperd
destaque endo
1965 prestígio,
no festival de assim
cinemam esmo
a ma- visão romantizada
camponês, da história,
que, paravingar uma oofensa
cangaceiro
praticadaem
porgeral filho de
um proprie-
dor do Jornal do Brasil: Escravos de Jó, Infância e Garoto de cal- tário d e terra o u pela polícia, se torna b andido: passa a viver de vio-
çada. O Menino de engenho olha espantado o mun do ruind o em lência; agregam-se a ele outros que, p or motivos similares, não
torn o dele, e a última pessoa com quem o Marcelo de desafio se podem continuar a aceitar as condições de vida que são as do cam-
encontra no fim do filme uma menina pobre e suja. Embora ponês nordestino.
menos que a criança, a mulher tam bém está a margem de uma cangaceiro um revoltado contra a organização social da
sociedade masculina. Para expressar o marginalismo, tem sido região em que vive; a margem da sociedade, passa a atacá-la. Mas
menos utilizada que a criança, mas tem aparecido algumas vezes sua revolta anárquica: ela visa destruir, eventualmente proteger

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8/15/2019 os camponeses desamp arados, mas nada propõe. fanatismo, que
Brasil Em Tempo de Cinema - atmosferavagamente
Jean-Claude Bernardet mística, on de
paira o destino , o cangaceiro
congrega muito mais gente que o cangaceirismo, em a mesma ori- Quelé do Pajeú pura h onra e coragem; após umas cenas eróticas
gem: campon eses insatisfeitos seguem o beato cujas profecias com u ma niulher sedenta de sexo , um as cenas de violência em
anunciam u m m un do de fartura e de justiça m ediante o sofri- que Quelémata a sangue-frio ou corta um pedaço de lombo num
men to terreno. Trata-se também de uma revolta desorganizada: boi vivo, l gentilmente se subm ete ao inquér ito de um policial,
não se tem consciência de que há um a revolta contra u m d etermi- também mit o gentil, tudo isso com o maior desprezo pelo mais
nado estado de coisas e também não se propõe mudar coisa elementarrealismo. Entre o am or e o cangaço (Aurélio Teixeira,
alguma. A solução enco ntrad a para essa revolta inconsciente a 1965) sintrtiza maravilhosamente toda a problemática do ciclo do
alienação na violência ou n o misticismo histérico, que sempre cangaço. Joviano (Gerald o de1 Rey) qu er casar e tra balhar, viver
representam uma alternativa para a vida de cam ponês semi- tranqüila thonradamente no sítio adquirido pelo árduo trabalho
escravo. do pai, mais nada.Vira cangaceiro por que um coronel m ata seu pai
Fanáticos e cangaceiros oferecem portan to um material de para apodrrar-se do sítio. Mas bate a saudade da noiva e daquela
primeira qualidade para um cinema que quer representar o mar - vida que staprontavaparaviver, e Jov iano volta ao sítio. Após peri-
ginalismo desde que eliminadas suas implicações sociais. Com - pécias, consegue pôr o sítio em orde m, casar, e lhe nasce um filho:
pletamen te desligado de sua significação social, o cangaceiro o sob a prottção dos cangaceiros, Joviano um peq ueno prop rietá-
bandido de honra, cujo sadismo se reveste de romantism o, e que rio e um ]ai de fam ília feliz e realizado. E morrem os extremos: o
tem seus momento s de poesia ao luar. Além da violência e da poderosoioronel e o terrível chefe do ba ndo de cangaceiros. Mar-
hon ra, imp orta n o cangaceiro cinematográfico que ele não se fixe, ginalismorebeldia nconsciente contra a situação social,violência
não ten ha pouso certo e sua vida seja uma anda nça; ele vai de aven- sem matizes políticos, dignidade rom ântica e moralism o, tud o
tura em aventura. Em Três cabras de Lampiã o o u Quelé d o Pajeú isso em relação a um f enôm eno já passado, sem com prom isso com
(Lima Barreto, roteiro, 1965), em torno da marcha (o u do pas- o presentr: natural que o cangaceiro tenha oferecido ao grande
seio) pelo Nordeste que se organiza m os episódio s do filme. público pssibilidades de identificação. A revista O Cruzeiro
A violência, o cavalo, os grandes descam pados e a falta de tr a- (númerode 2 1/811965)expressa o qu e certam ente fez o sucesso do

dição cinematográfica no Brasil: mais nada era preciso para tra ns- filme de cangaceiros junto ao gran de público: se, por um lado, o
forma r em filial do western norte-am ericano o filme de cangaceiro, cangaço ..I encarnou a rebeldia do hom em d o campo contra
que Salvyano Cavalcanti de Paiva chama de nordestern Após aqueles que lhe imp unh am condições su b-hu man as de vida [...I
cruentos espancamentos, tortura, rios de sangue, indivíduo atado por outralado,a história do cangaço um a história aparteda His-
a um cavalo e arrastado no chão (o ilme de cangaceiro se compraz tória do Brasil (os grifos são meu s). Será necessário esperar Deus
numa violência não raro gratu ita), após amores eróticos ou e o Diabora terra d o sol para ter u ma visão m ais realista do canga-
românticos, o cangaceiro ruim morre, enq uan to o bom deixa o ceiro e dobeato.
cangaço e vai a igreja: essa a conclu são de Três cabras d e Lampião Paraexpressar marginalismo, recorreu-se a outro s grupos
O último roteiro de Lima Barreto característico d o gênero: num a sociais: oiamponês está fora d o circu ito da evolução social e atra-

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vessa o sertão em direção ao Sul em Seara vermelha (Alberto uma casinha, põe cortinas nas janelas e com pra panelas. A reação
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
d Aversa, 1963 ).Vladimir Herzog encontrou um dos mais mar- de Tião Medonho, que compra um a geladeira, tem o m esmo sen-
cantes símbolos de marginalismo n o docume ntário M a r i m b á s tido. É uma tentativa de integrar-se nas n ormas da sociedade. Mas
(1963),os quais não sã o pescadores, mas vivem da pesca; dão um a a polícia desmantelará qualquer tentativa feita no sentido de um
mã o aos pescadores na praia, e em troca rece bem un s peixes. estabelecimento pequ eno-bu rguês, pois ladrões, malandros, fave-
lados não pertencem a classe a qual esse estabelecimento é facul-
tado. Em Selva trágica a reação da personagem não é tão precisa:
trata-se de uma fuga para um fu turo desconhecido num outro
país. Se não enc ontramos aí tentativa de m onta r uma casa, o
Marginalidade, dignidade romântica e mora lismo reapare- mesm o tipo de aspiração se revela: o ladrão q uer casar com uma
cem na personagem central dos filmes de Roberto Farias, que tem moça virgem; um capataz, ao deflorar a moça, aniquila as aspira-
entretanto um a característica nova: ele não se sente bem na pele de ções éticas do rapaz, pois o casame nto nunca m ais poderá ser um
marginal e luta desesperadam ente para integrar-se na sociedade. verdadeiro casamento. Aí a sociedade esmaga uma possibilidade
Essa luta para a integração representa u m ch oque com a sociedade, de realização no plano de uma m oral média tradicional. resul-
pois essa é antes de mais nada um mecanismo feito para esmagá- tado é o m esmo nos três casos: os guardiões da sociedade matam o
10. favelado Tião Me donh o (EliezerGom es) em assalto ao trem indivíduo marginal qu e tentou integrar-se.
pagador 1962),privado d o con forto que a sociedade oferece a seus Em O assalto ao tre m pagador a personagem tenta também
mem bros mais abastados, rouba e enfrenta em seguida a polícia, uma outra reação. A malta dos bandidos favelados é dirigida por
sistema de proteção da sociedade. ladrão de mate (Reginaldo Grilo (Reginaldo Farias), um indivíduo que não pertence a favela,
Farias) de Selva trágica (1964) é apanhado e escravizado, como que aspira viver nos moldes da alta burguesia, cuja ama nte é u ma
todos os outros trabalhadores, pela Com panhia. maland ro grã-fina carioca. Grilo tem portanto um pé na favela e um pé no
(Reginaldo Farias) de Cidade ameaçada (1960) é um objeto nas grã-finismo; quan do o s favelados percebem que G rilo os engana e
mãos da sociedade: a imprensa faz dele um temível bandido e ele se aproveita deles,eles o matam . uma reação violenta, que é u ma
não tem outra solução senão assumir o papel que lhe é imposto. tentativa de libertação. Roberto Farias mata Grilo também porque
Roberto Fariasvê de mo do u m ta nto esquemático as relações entre as aspirações dele não se dirigem a classe méd ia, mas sim a alta
esse indivíduo e a sociedade, ch egand o a recorrer, em Selva trágica sociedade.
I
aos piores chavões do realismo socialista. Nos filmes de Rob erto marginal está na impossibilidade de concretizar seu sonho
Farias, esse indivíduo n ão aceita a opressão social nem o papel que de integração, e Roberto Farias tenta superar o impasse da pe rso-
a sociedade lhe imp õe e reage pela ação. A reação consiste em geral nagem trans forman do-a em herói. Essa heroização resulta tam -
em tentar constituir, por meio s ilegais, um lar razoave lmente con - bém da simplificação da relação indivíduo-sociedade, ficando um
fortável e em en contra r um equilíbrio sentime ntal e familiar. totalmente bo m e a outra má; e resulta da necessidade de identifica-
Longe da cidade, a noiva do m alandro de Cidade ameaçada aluga ção do diretor e do público com o m arginal de aspiração pequeno-

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burguesa em choque com a sociedade. Essa heroização faz do mar-
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ginal um indivíduo de alto padrão moral: ele é corajoso,honrado,
iálogo com os dirigentes
Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

generoso. um homem forte, modelo de masculinidade. O ladrão


de Selva trágica chega a um momento de comunicação com seu
mais imediato inimigo, um capataz (Mauríci o do Vale), justa-
mente porque eles se encontram no plano do ideal masculino. O
marginal heroizado não pode senão morrer n o fim do filme, e sua
morte é a extinção de uma força da natureza. Tião Medonho ar -
ranca o curativo que lhe cobre o peito e seu grande corpo preto,
agitado por uma respiração sincopada, expira. O ladrão de mate,
baleado num descampado, morre com toda a ênfase que exige a
circunstância.

Tais filmes mostram as chagas da sociedade brasileira: o povo


é explorado, não tem condições mínimas de vida; se o país evolui,
o povo não toma conhecimento dessa evolução. Aparentemente,
são filmes feitos para o povo, mostrando-lhe sua situação e inci-
tando-o a reação.
Essa intenção era utópica: os filmes não conseguiram travar
diálogo com o público almejado, sto é com os grupos sociais cujos
problemas se focalizavam na tela. Se os filmes não conseguiram
esse diálogo é porque não apresentavam realmente o povo e seus
problemas, mas antes encarnações da situação social, das dificul-
dades e hesitações da pequena burguesia, e também porque os fil-
mes sedirigiam, de fato, aos dirigentes do país. com estes últimos
que os filmes pretendiam dialogar, sendo o povo assunto do diá-
logo. aos dirigentes que se apontam as favelas e as condições sub-
human as de vida. Aqueles também são homens Isso não pode
continuar Senhores governantes,façam alguma coisa
Glauber Rocha opôs-se a essa orientação. A idéia talvez mais
importante de sua evisão crítica do cin em a brasileiroé que os filmes

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brasileiros não devem denunciar o povo as classes dirigentes,mas sim vador, o padre Olavo (Dionísio Azevedo) impede Zé do Burro
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
denunciar o povo ao próprio povo. Por enquanto, apenasuma idéia. (Leonardo Vilar) de cumprir sua promessa junto a santa Bárbara,
Um dos recursos de que se vale amiúde o documentário é por ter sido feita num terreiro de candomblé. Zé é representante do
característico dessa atitude e consiste em confrontar uma determi- povo, enquanto o padre, com a colaboração de um bispo e de um
nada realidade com as teses oficiais existentes a respeito, a fim de delegado de polícia, representa a autoridade constituída. Esta é
sugerir que estas são obsoletas, não evoluíram com a realidade e pre- intransigente e impede o povo de realizar suas v0ntades.A impos-
cisam atualizar-se. Leon Hirszman inicia Maioria absoluta (1964) sibilidade de diálogo entre o sino da igreja e o berimbau cria uma
entrevistando algumas pessoas marcadamente burguesas, cujos tensão que se resolve com a m orte de Zé, que é colocado na cruz
depoimentos justificam, sem nunca alcançar o nó do problema, a com a qual a massa arrombará a porta da igreja. A situação pode-
impossibilidade de deixar votar os analfabetos; a continuação d o ria ter recebido um tratamento ligeiramente irônico, conforme a
filme desmoraliza essas idéias: os burgueses precisam pôr-se em dia interpretação de Sábato Magaldi, mas é no filme, levada seria-
com a realidade. Encontramos o mesmo recurso na primeira parte mente, e até de um modo um ta nto enfático.A morte de é é um
de Memória do cangaço, quando o professor Estácio de Lima expõe catalisador, possibilitando que o povo se una e recorra a força para
que ser ou não cangaceiro é problema de glândulas. A idéia parece- obter o que quer. O povo évitorioso. O padre é derrotado. Talvitó-
nos tão esdrúxula que não era necessário acrescentar coisa alguma ria consiste em ter Zé do Burro ingressado na Igreja; após essa
para desmoralizá-la. Mas onde o recurso é mais sensível,pois chega vitória, o povo passa a participar da vida da Igreja. Para que tal
a constituir a própria estrutura do filme, é em Artigo 4 (José acontecimento possa ser considerado vitória, é necessário que o
Eduardo M. de Oliveira, 1964), em que vistas de uma favela são povo, no filme, reconheça avalidade da Igreja; que ele aceite a Igreja
acompanhadas,na faixa sonora, pela leitura de fragmentosdoartigo tal como é e considere solução de seusproblemas o fato de partici-
141da Constituição Brasileira, o qual afirma a igualdade de direitos par dela. evidente que a participação popular modificará, lenta-
entre os homens e recomenda que haja escolas para todas as crian- mente e por dentro, a Igreja. Não é menos evidente que outras
ças, que o povo tenha participação no luc ro das empresas etc. O soluções possam existir: que o povo queira colocar-seno lugar dos
filme limita-se a denunciar o não-cumprimento do referido artigo e dirigentes da Igreja;que o povo não reconheça a Igreja e queira des-
reclama sua aplicação,e assim se dirige sobretudo aqueles que cria- truí -la, ou erguer, paralelamente a ela, sua própria Igreja. Nada
ram o artigo 141 e não o aplicaram, pois, para os favelados,pouco disso acontece: a Igreja e seus dirigentes são reconhecidos;solicita-
importa que exista ou deixe de existir o bondoso artigo. se simplesmente a eles que integrem o povo.
Opagador depromessasé um apólogo: basta substituir a Igreja
pelo governo e teremos um ret rato da linha política que certos
O P G DOR DE PROMESS S setores da esquerdavinham a dotando na época em que o filme foi
realizado continuam adotando. O governo e os dirigentes são
Essa é a atitude assumida pelo filme que mais sucesso oficial
obteve: Opagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962).Em Sal- 7 Panoram a do teatro brasileiro 1962.

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aceitos, e a esquerda solicita-lhes que integrem um pouco mais o senão pedir-lhes que façam seu trabalho, senão denunciar o povo
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povo na vida do país; é considerado vitória um alto dirigente con- a classe dirigente? importante que se diga: escolher essa perspec-
ceder entrevista ou oferecer algum cargo administrativo a um ele- tiva ou aquela sugerida por Glauber Rocha quase independe dos
mento reconhecidamente de esquerda. O pagador de promessas cineastas a situação geral do país que comanda.
ilustra essa linha política que foi qualificada de reboquismo: pres-
siona-se o pai para que ampare os desprotegidos. Estes podem
insistir para obter algo do pai, podem eventualmente sugerir deta- SOL SOBRE L M

lhes ou alterar pormenores da atuação política do pai, mas aceitam


os princípios básicos que determinam a orientação geral do pai e Com Sol sobrea lama ,AlexViany transforma em programa de
não lhe contrapõem nenhuma outra. extremamente discutível ação o final de Maioria absoluta. falsidade social de Agrande eira
que a vitória final seja mais do povo que da Igreja em Opagador de ficou patente para João Palma Neto, um dos participantes dos
promessas. Que o povo, por exemplo, destrua a Igreja, seria uma acontecimentos abordados na fita, que resolveu realizar uma
solução idealista o desfecho do filme é o que melhor reflete a réplica. Sol sobre a lam a não altera substancialmente o panorama
realidade, não há dúvida. Mas o filme seria muito mais incisivo se, de Água de Meninos apresentado por grande eira, mas a questão
em vez de encerrar-se com uma pretensavitória, mostrasse o quão da ação é mais amplamente exposta e discutida. A situação é a
ilusória é essa vitória e tentasse colocar em questão a linha política seguinte: grandes burgueses da cidade de Salvador querem elimi-
que ela supõe. nar a feira, e para isso uma draga fecha o ancoradouro, impedindo
Na mesma perspectiva, e de maneira mais clara ainda, situa- o abastecimento. Os feirantes querem lutar em prol da reabertura
se Maioria absoluta, que documenta o analfabetismoe a miséria, o do ancoradouro, e dois líderes apresentam táticas diferentes. Um
abandono total em que vivem os camponeses nordestinos. O deles, um açougueiro Roberto Ferreira), propõe uma ação vio-
filme, admirável, é brutal e seco, e se dirige o narrador da fita lenta de massa, que consistiria em o povo apoderar-se da draga. O
que o diz queles para quem os camponeses miseráveise anal- outro líder, Valente Geraldo de1 Rey), que dirige um depósito de
fabetos produzem alimentos. Trata-se de chamar-nos a atenção, a materiais de construção, é favorável, não a uma ação de massa, mas
nós que comemos, sobre a situação dos camponeses. última sim a démarches que seriam feitas junto aos grandes da cidade, as
seqüênciado filme introduz umavista aérea do Congresso em Bra- autoridades locais eaos deputados federais, e a uma grande campa-
sília, a faixa sonora reproduz um vozerio que sugere a disputa vã nha na imprensa. Ou seja: Valente é favorável a uma ação que con-
em que se esfalfam os governantes sem tomar conhecimento dos sista em trabalho junto aos poderes constituídos, pressionando-os
reais problemas que assolam o país. De repente, um grito: Atenção e eventualmente jogando-os uns contra os outros, a fim de obter as
Silêncio de expectativa. E voltamos ao Nordeste. Assim, em tom medidas desejadas, tudo isso dentro da legalidade. a típica ação
grave esevero,o filme desafia os dirigentes para que solucionem os sindical que espera das autoridades constituídas ediante soli-
problemas apresentados, mas para isso é necessário reconhecê-los citações e pressões solução de seus problemas. Os líderes
como aqueles de quem deve ou pode vir a solução. O que é isso afrontam-se numa reunião do sindicato o açougueiro consegue

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a adesão popular. Da traição de um habitante da feira, mau e ingênuo, como aquela revelada pela canção que acomp anha o
8/15/2019 tarado Brasil
ujo comp ortamento só se explica através de sua mal- Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
enterro do lídervencido e que diz que um líder morto é uma estrela
dade individual - resulta o fracasso do ataque à draga: a polícia a mais no céu. Outro indício da compreensão idealista dos aconte-
espera o povo e atira nele. Depois desse malogro, Valente passa a cimentos é a ausência de motivações para certas ações. Assim
ação,com Cr 600.000 arranjados pelos feirantes. Tem um encon- como a traição deve-se a um comportamento individual, o ataque
tro infrutífero com o magnata que quer fechar o ancoradouro, a draga deve-se fundamentalmente a forte liderança do açou-

mas, graças à campanha jornalística, consegue a compreensão de gueiro, sem que se leve em consideração a situação efetiva dos
deputados e sobretudo do prefeito da cidade, que condiciona sua comerciantes da feira: não há indícios de que o bloqueio econô-
permanência no cargo a vitória dos feirantes. Finalmente, sem mico repercuta na feira. Nada indica que o movimento da feira
movimento de massa, Valente é vitorioso: a draga sai, o ancora- tenha diminuído, que estoques estejam se esgotando, que gêneros
douro é reaberto, a feira retoma seu rit mo normal. Lá onde a ação alimentícios frescos estejam faltando, que compradores procurem
popular fracassou, a ação legal junto a autoridades constituídas outras fontes, que fornecedores entem outras vias de escoamento.
obteve sucesso. Donde se conclui que, para resolver os problemas bloqueio, que é o núcleo da luta e da ação dramática do filme,
do povo, este, em vez de agir diretamente, deve solicitar às autori- torna-se um dado abstrato.
dades as soluções; e, de fato, as autoridades, embora haja sempre Out ro sintoma da posição idealista assumida pela fita é a per-
algumas intolerantes, resolvem os problemas. a vitória do rebo- sonagem de Valente. Tudo o diferencia dos outros moradores da
quismo. estabelecera não-atuação popular como programa para feira. Seu comportamento, seus gestos, sua fala, seu modo de ves-
o povo. elevar ao nível de programa popular a tática governista tir, sua ponderação o assemelham mais a um advogado de passa-
que desde Getúlio Vargas consiste em esvaziar a possível evolução gem pela feira que a um feirante. Tal falta de integração acentua-se
política do povo. depois do fracasso da ação popular e antes de os feirantes lhe ofe-
Os autores do filme sentiram certamente o quão pouco pro- recerem dinheiro, quando Valente resolve fechar o depósito e dei-
gressista era sua tese e tentaram uma síntese: depois do fracasso da xar a feira. Ele é o único a ter tal reação, que o assemelha muito ao
ação popular e antes de começar a pressionar as autoridades, Rôni de grande eira Tudo faz dele um elemento da classe média,
Valente manda uma carta ao líder vencido para explicar-lhe que, intermediário e ntre o povo e a burguesia. Ele é a única personagem
no fundo, os dois têm razão: sem a agitação de massa, os métodos da fita que tem tal posição intermediária: é em realidade, graças a
por via legal de pouc o valeriam. Acontece, porém, qu e Valente ação legal de um indivíduo classe média junto a burguesia que são
vence por seus métodos e sem participação da massa (q ue selimita resolvidos os problemas do povo.
a fornecer o dinheiro: pelo visto, o ataque a draga não teve reper- Não tenho absoluta certeza de que as posições assumidas pela
cussão), e que, diante de tal fato, uma síntese exclusivamente ver- fita sejam da inteira responsabilidade de Alex Viany (roteirista e
bal é por demais tímida e idealista. provavelmente o mesmo mal- diret or) e Miguel Torres (roteiri sta), pois o filme foi tritur ado e
estar diante da tese proposta e o desejo de equilibrar as duas remodelado pelo produtor depois de acabado, e não conheço a
posições que levaram os autores a outras posições de um idealismo montagem original. De qualquer modo, Alex Viany reconhece

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hoje que houve falhas graves na análise dos acontecimentos,e por
8/15/2019 isso se responsabiliza.A proximidade dos acontecimentos, o coBrasil
n- Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
tato direto com muitos de seus protagonistas, um arg umento já O problema do pai, do reboquismo, coloca o problema d o
pronto e parcial (que é da autoria da pessoa que teve na realidade líder. Acho que nenhum filme o colocou de modo tão agudo
o papel devalente) impediram os roteiristasde ter uma compreen- qua nto Barravento.Glauber Rocha filmou Barravento na Bahia em
são mais dialética dos fatos. Essa compreen são veio durante as fil-
1959,mas o mon tou somente em 1961, sto é depois da apresenta-
magens e a montagem (diz AlexViany: Já durant e as filmagens,eu ção de grande eira. Embora participante do movimento ida ao
fiquei consciente de que fazia uma obra reacionária, anti-sindical
povo, ligado ao populismo e ao marginalismo, Barravento abria
e antioperária ); mas a fita era visceralmente, estrutura lmente
perspectivas novas para o cinema brasileiro, e isso não apenas por-
falsa, e só um longo e impossível período de refilmagens poderia
que surgia, com toda a evidência, um grande talento.
ter alt erado sua significação básica. De qualquer modo, Solsobre a
Barravento apresenta uma com unidade de pescadores ( o
lama, como é se enquad ra perfeitamente no panorama do cinema
Buraquinho),e o que d e imediato diferencia o filme da maioria do s
brasileiro, pois está inteiramente de acordo com a significação
anteriores citados é que, embora essa comunidade esteja a margem
geral da principal tendência desse cinema, eValente integra-se per-
da evolução do país, as personagens apresentadas não são margi-
feitamente na galeria das personagens intermediárias entre o povo
e a burguesia. nais dentro da comunidade: todas têm sua função; os homens tra-
balham na pesca, enquanto as mulheres se dedicam aos trabalhos
O empenh o com que se pro põe a ação liderada por Valente é
domésticos ou a religião. E isso era uma total novidade q uan do
tão radical que constitui praticamente uma alienação numa tática
Barravento apareceu. Uma exceção: a personagem princ ipal, Fir-
em que se alienaram as esquerdas duran te anos e anos. Por ou tro
lado, o radicalismo d o filme a favor de uma ação legal e contra mino (Antônio Pitanga), motor do conflito, do barravento social

uma ação popular leva com clareza suas propostas a um ponto que subverterá a vida da comunidade. Os pescadores trabalham

que, de tão absurdo, já pr enuncia uma tomad a de consciência. com uma rede cujo aluguel representa mais ou menos 90% da

Declarações recentes de AlexViany mostram, de fato, qu e as p osi- pesca. Quase nada sobra para a população de Buraquinho. Além
ções assumidas no filme fora m ultrapassadas. Em vez de malhado disso, a rede está velha e esburacada, o peixe foge, os pescadores
superficialmente, o filme deveria ter sido d iscutido mais aber ta- pleiteiam uma nova. O propriet ário, insatisfeito com o rendi-
mente, pois condensa toda uma tática errada, premissas socioló- mento d e sua rede, tira-a dos pescadores, quevoltam a trabalhar de
gicas falsas e idealistas que caracterizam um longo período da jangada e tarrafa. Aruã (Aldo Teixeira) acha que se deveria resolver
vida da sociedade brasilei ra. Solsobrea lama pode ser considerado a situação no peito, mas sua cega obediência ao Mestre (Lídio
um dos mais significativostestemunhos d e toda uma política que Silva) o impede de agir por conta própria. O Mestre luta para qu e
fracassou. a comunidade não se modifique, e espera que as soluçõesvenham
não dos homen s, mas sim de Iemanjá, prote tora de Aruã. volta a
jangada será a possibilidade de provar que Aruã é de fato protegido

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pela deusa do mar a quem deve dedicar suavida. Todo o povo acre- dores, tem experiências desconhecidasdos moradores do vilarejo,
8/15/2019 dita na situação privilegiada de Aruã. Brasil Em Tempo de Cinema - teve
Jean-Claude Bernardet
encrencas com a polícia. Firmino
conseguiu evoluir porque se
Firmino deixara a aldeia havia um certo tempo; fora para a subtraiu a comunidade. Na cidade, era certamente um marginal,
cidade grande, onde aprendera novas idéias, e onde amigos seus viveu mais de descarregar navios de contrabando que de trabalho
acreditam que as coisas mudarão, que dias melhores hão de vir, regular. Cabe acrescentar que esse papel da cidade não novo. Já
pensamentos esses que não deixaram de provocar conflitos com a tradicional na cultura brasileira a cidade aparecer como uma fonte
polícia.No início do filme, Firmino volta a aldeia e sua atuação será de idéias perturbadoras e renovadoras, quer seja enviando para o
no sentido de quebrar o statu quo de quebrar o mito de Aruã e de interior indivíduos portadores dessas idéias que serão no campo
levar os homens a resolver por si próprios os seus problemas, em consideradas subversivas, quer seja chamando a si pessoas que
vez de esperar soluções divinas. Paradoxalmente,a primeira tenta- aspiram a uma vida melhor. A cidade já tem esse papel em Graci-
tiva de Firmino consistirá em fazer uma macumba contra Aruã, a liano Ramos. Na cidade sujeitos exaltadoscomeçavam a espalhar
fim de que pereça no mar. Fracasso. A segunda tentativa será um que SãoBernardo era um ninho de reacionários ; com seus discur-
ato anárquico, parecido com o de Chico Diabo em grand e feira sos e folhetos, empestam as capitais normalista s preocupadas
depois de os pescadores terem remendado a rede, já que não con- com a questão social . Madalena, mulher do dono de São Ber-
seguiram uma nova, Firmino rasga-a a fim de impedir compro- nardo, uma citadina que, na fazenda, escondida do marido, vai
missos, meias soluções;precisa colocar os homens ao pé da parede tendo suas conversas sobre o socialismo, o que faz embirrar seu
e levá-los a soluções fortes e decisivas, a se encarregarem de seu Paulo Honório. E o Luís da Silva de Angústia vai tentar vencer a
destino. Finalmente, Firmino consegue quebrar, com a ajuda de vida abandonando o campo pela cidade.
sua amante, Cota (LuísaMaranhão), a virgindade de Aruã, exigida Assim, no início do filme, Firmino volta a Buraquinho, surge
por Iemanjá; simultaneamente, Firmino manda ao mar, quando por detrás das pedras e vai se constituir no elemento perturbador
uma tempestade sevem formando, um homem que Aruã não con- da aldeia; ele vai atrapalhar; por seu intermédio, as idéias e a evo-
seguirá salvar: Aruã está desmistificado.Aruã um homem como lução urbana vão contaminar a vida estagnada dos pescadores.
os outros e Iemanjá não trará solução alguma aos problemas dos Essa tarefa,ele a realizará só, contra todos. Firmino um indivíduo
pescadores: estes terão de encontrar e fazer vigorar suas próprias isolado; a única pessoa com quem se dá é Cota, que se suicidará
soluções.Aruã deixa a aldeia: vai para a cidade, adqui rirá novas após ter quebrado o tabu sexual de Aruã. Firmino sente seu isola-
idéias,trabalhará, voltará dentro de dois anos com uma rede nova, mento e gostaria de integrar-se: Eu também sou irmão . que se
e então casará com uma filha de Iemanjá, Maína (Luci Carvalho). dá em relação as pessoas ocorre também em relação aos lugares: a
Quem Firmino, esse líder da oposição, e qual seu papel? Buraquinho, Firmino já não pertence mais, pois sua atual perso-
Firmino viveu em Buraquinho até ir para a cidade e, quando volta, nalidade foi formada na cidade; mas tampouco pertence a cidade,
outr o homem, um elemento estranho a comunidade. Suasidéias pois sente a necessidadede participar da evolução de Buraquinho.
são outras, não se veste como os pescadores, sua exuberância no Disso,uma primeira conclusão fica clara: os fatores que vão alterar
falar e no gesticular contrasta com o comportam ento dos pesca- a vida da comunidade não são oriundo s dessa mesma comuni-

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dade. Sãofatores extern0s.A pessoa que vai alterar a vida da comu- indivíduo que não oriundo da comunidade e que se integra mal
8/15/2019 nidade não provém dessa comunidade. Firmino não avanguarda Brasil Em Tempo de Cinema -nela. DepoisBernardet
Jean-Claude da desmistificação, Firmino entrega a liderança a
da comunidade: um indivíduo que, pessoalmente, resolveu agir Aruã: É Aruã que vocês devem seguir . Então, qual será a atitude
sobre o povo, que quer transmitir sua experiência pessoal. Poder- do novo líder? Resolve substituir os meios divinos pelos humanos .
se-ia imaginar que, por meio dessa ação, ele venha a integrar-se, a Tem um breve encontro com o povo, em que afirma que só acre-
fazer realmente parte da comunidade, a liderá-la. Nada disso.Após dita na força do remo e em mais nada. Decide ir para a cidade tra-
a desmistificação de Aruã, enqua nto três das quatro personagens balhar, a fim de comprar uma rede e voltar dentro de dois anos.
principais são encaminhadas pelo diretor (Cota suicida-se, Aruá Essa decisão, que tomou sozinho, ele a comunica apenas a sua
vai para a cidade e casará com Maína quando voltar), Firmino não futura noiva (e, por intermédio dela, aos espectadores), mas não
encaminhado: a personagem fica em suspenso. O último plano lhe parece necessário informar os colegas, quanto menos discutir
em que aparece, demorado plano de grande conjunto, mostra-o a com eles; ou seja,Aruá rompeu as ligações religiosasque ti nha com
afastar-se lentamente da aldeia, sozinho, se perdendo por trás das a comunidade, mas não criou outras. No fundo, seu primeiro ato,
pedras beira-mar. Firmino um meteorólito, e não a expressão após ter se tornado líder progressista da comunidade, foi afastar-
das aspirações ou potencialidades da comunidade que pretende se dela. Outrossim, do ponto de vista da eficácia da ação,essa deci-
liderar. Por outro lado, Firmino age sobre a comunidade apenas na são irracional: a rede seria mais rapidamente comprada, por-
medida em que esta vê em Aruã sua mais fiel expressão.Querer tanto a solução mais próxima, se várias pessoas fossem trabalhar
desmistificar Aruá querer m udar a vida de todos. De fato, o único na cidade para adquiri-la. No entanto, a decisão deAruã não pro-
moment o em que Firmino vai agir sobre a massa no início do priamente individualista,pois diz a Maína: Nós temos que resol-
filme: um grupo ouve sua pregação e, em seguida, vão todos, Fir- ver a nossa vida e a de todo mundo''. No fim do filme, Aruã afasta-
mino a frente, tomar uma cachaça. Fora disso, Firmino não atuará se da aldeia pelo caminho pelo qual chegara Firmino, e a última
diretamente junto a massa. Na prática, sobre Aruá isoladamente imagem a de um farol: símbolo da liderança e do isolamento.
que Firmino age. E, realmente, se a ação de Firmino conseguiu Mais uma vez, trata-se de um indivíduo que resolve solucionar
algum resultado, este foi mudança de Aruã. sozinho o problema de todos. A liderança não provoca uma inte-
Aruá, em quem se concretiza toda a superstiçãoe a estagnação gração nem resulta dela: o líder e a massa vivem em compartimen-
da aldeia,também um indivíduo solitário e isolado.Não pode ter tos estanques, embora o primeiro pretenda estar na perspectiva da
mulher e fica na praia qu ando os homens se reúnem. Além disso, coletividade.
desde o início do filme,não está plenamente convencido dos pode- Toda a estrutura do filme reflete essa situação líder-massa: a
res de Iemanjá: não fosse a total obediência que deve ao Mestre, ação desenrola-sefundamentalmente entre as quatro personagens
resolveria diferentemente o problema da rede. Ele, encarnação da principais, o ritmo em geral rápido, o diálogo tem uma função
religiosidade da comunidade , não pertenceu sempre a Buraqui- primordial, os atores, profissionais ou não, interpretam seus
nho: foi o Mestre quem o trouxe da cidade, quando ele era ainda papéis. A massa constituída pelos pescadores e pelas mulheres
criança. Mais uma vez encontramos num cargo público chave um que se encarregam da macumba, que aparecem em planos pratica-

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mente documentários: não participam da ação do filme, e nós os Barravento exprime perfeitamente a situação da pequena burgue-
8/15/2019
vemos a fazer sossegadamente suas tarefas cotidianas na vida real.
Brasil Em sia que, nasBernardet
Tempo de Cinema - Jean-Claude palavras de Francisco Weffort, 'só pode aparecer,
A montagem lenta e osplanos de natureza ocupam muito tempo. manifestar-se como classe, no momento mesmo em que aparece
Entre o nervosismo de Antônio Pitanga (F irmin o) e a lentidão como massa devotada a um chefe .As análises feitas por esse soció-
majestosa dos pescadores, o contrast e total. A última cena de logo sobre Adhemar de Barros e Jânio Quadros são perfeitamente
massa apresenta as sacerdotisas de Iemanjá efetuando um ritual aplicáveis, guardadas as devidas proporções, a Firmino ou Aruã.
religioso. Assim fica a massa após a desmistificação de Aruã. Esse comportamento popular encont ra uma de suas raízes no
Nenhum indício de modificação.Um momento, um dos melhores governo Getúlio Vargas, pois, conforme Luciano Martiw9 o
do filme,que expressa pateticamente essa separação íder-massa, Estado-Protetor via de regra tendi a a absorver as reivindicações
quando os pescadores remendam a rede: Firmino, em termos vio- antes que elas o condenassem e pudessem, assim, expressar-se de
lentíssimos, investe contra eles; tem-se a impressão de duas séries uma forma politicamente organizada . A atuação de Firmino e,
de planos que foram feitos em lugares e momentos diferentes,pla- depois da desmistificação, a de Aruã, bem longe de representar
nos que pertencem a duas realidades fílmicas diferentes. Os pesca- uma evolução política popular, contribuem para um esvazia-
dores não reagem a investida, nem levantam os olhos. Firmino, mento político do povo. Firmino e Aruã têm papel do Estado-
vituperando, aparece em dois primeiros planos: a personagem Protetor que, prevenindo as reivindicações populares, as impede
filmada contra o céu, o que a isola, abstraindo-a do lugar em que a de tomar uma forma organizada e política, evitando que o povo se
ação se desenrola, esses planos vêm como que interromp er a torne centro de decisão.
montagem lenta dos planos dos pescadores remendando. Fica importância fundamental de Barravento na história do
nítido que se trata de uma ação de fora para dentro. A violência de cinema brasileiro vem do fato de que o primeiro filme con-
Antônio Pitanga válida para ele e para os espectadores;não ecoa tinu a sendo um dos raros ue captou aspectos essenciais da
naqueles a quem se dirige. atual sociedadebrasileira; um filme cuja estrutura transpõe para o
O enredo de Barravento uma questão política, e trata-se de plano da arte uma das estruturas da sociedade em que ele se insere.
uma política de cúpula. Se tanta importância foi dada as persona- Tenho a certeza de que Glauber Rocha, ao fazer o roteiro, a filma-
gens de Firmino e Aruã porque sua estrutura e as relações que
mantêm, n o filme, com a comunidade, são equivalentes a estru- gem e a montagem desse filme, não percebeu o quão profunda-
mente seu trabalho expressava a sociedade brasileira. E por isso
tura de um comportamento fundamental na vida política brasi-
que o filme não apresenta nenhu m p onto de vista crítico sobre
leira, independentemente das ideologias, da direita ou da esquer-
esse fenômeno. Antes pelo contrário, Glauber Rocha viu con-
da: o populismo. O povo, proletariado e pequena burguesia, sem
tinua provavelmente vendo, ao realizar Deus e o Diabo na terra do
força para delinear uma ação própria e agir com um comporta-
sol m revolucionário em Firmino. Esse fato mostra que pode
mento autônomo, entrega-se a um líder de quem espera as pala-
vras de ordem e as soluções; o líder, em torno do qual se aglome- 8 Política d e massas 1963.
ram át omos sociais, os indivíduos, ad quire feição carismática. 9 Aspectosp olíticos da revoluçáo brasileira 1965.

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haver contradições bastante profundas entr e a estrutura de uma dade revoltada. Essa escolha feita no nível das possibilidades,

8/15/2019 obra e o conteúdo que conscientemente o autor quis pôr nela. Brasil Em Tempo de Cinema -mais místicas que políticas, da comunidade. Embora reconstitui-
Jean-Claude Bernardet
Mas não i mporta: o filme,embora feito aos trancos e barran- ção histórica, Ganga Zumba tinha um significado atual que era,
cos Glauber Rocha pegou a direção quan do as filmagens já no m omento político brasileiro, uma aspiração idealista, pura-
tinha m sido iniciadas por ou tro diretor, Luís Paulino dos Santos, e mente teórica e utópica.
então remodelou o roteiro), uma das mais extraordinárias intui-

ções que um cineast a brasileiro já teve. Um filme como Maioria


absoluta enquadra-se no comportamento populista; Opagador de
promessasapenas reflete esse comportamento, sem que este chegue
a constituir a própria estrutura da obra, como o caso em Barra-
vento. Com Barravento, o cinema já não apresenta apenas proble-
mas epidérmicos, embor a graves, da sociedade brasileira, mas
atinge estruturas profundas. Falta ainda adquirir uma consciência
crítica dessas estruturas.
Um filme destoa completamente d o conjunto d o cinema
brasileiro: Ganga Zumba, rei dos Palmares Carlos Diegues, 1963).
O único filme brasileiro em que os problemas de um povo revol-
tado não são resolvidos por um líder que entabula conversações
entre os interessados e os dirigentes, nem por um líder que n ão
pertence comunidade, nem pela integração dessa comun idade
nas instituições legais e oficiais, Ganga Zumba.O Rei dos Palma-
res Antô nio Pitanga) vive a vida de todos os escravos, tão mal-
visto pelo capataz como qualquer out ro escravo; Palmares uma
ruptura com o mun do colonial dos fazendeiros, uma outra
organização.socia1 que se for ma, paralela a primeira, mas sem
enten dimen to, nem conchavo, nem conciliação com os fazendei-
ros. verdade que os escravos acreditavam que uma espécie de
predestinação recaía sobre determinada pessoa para fazer dele o
rei, e que o rei não se imp ôs por seus traços pessoais ou valentia.
Mas isso não tem a menor importância. o contrário: o que
importa que o líder egresso da comunidade e escolhido por
seus semelhantes para dirigir a vida da recém-formada comuni-

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vida emotiva dos filhos. Portanto, essa família não se caracteriza
s impasses da ambigüidade como tipicamente sertaneja.A sso deve-se acrescentarque, embo-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
ra possam ser nordestinos, ostipos dos atores não são especialmen-
te característicos do Nordeste, sobretudo Fabiano Átila Iório).
Por sua organização, relações internas e divisão de trabalho, essa
família pode ser tanto sertaneja como da classemédia de qualquer
centro urbano; pode ser até mais classe média que sertaneja. A
estrutura do filme não condicionada pela ação das personagens,
mas sim pela natureza: a seca e a chuva que vão decidir do início,
do meio e do fim do filme. Expulsa pela seca de seu lugar de ori-
gem, a família caminha pelo sertão a procura de trabalho e de
meios de subsistência.Graças a chegada da estação chuvosa, ficará
uma temporada numa fazenda;com avolta da seca,continuará sua
andança. Fabiano e os seus vivem num mundo onde não agem,
Rôni, o marinheiro de grande feira, Valente, de Sol sobre a mas são agidos. Analfabetos, seus pertences são reduzidos a uns
lama, Firmino e Aruã e suas relações com a massa não são senão trapos e uns instrumentos de cozinha.Sua ação reduzida a obten-
primeiríssimos passos na descrição da situação do homem na ção de meios de sobrevivência imediata. Essa luta primária leva-os
sociedade brasileira. Abrem picadas; o desbravamento está ainda a recorrer a extremos, como seja comer um louro de estimação.
por fazer. Passo fundamental na conquista da representação do Mas o louro, que nem falava, era inútil. Inútil e supérfluo tudo o
homem brasileiro na tela o fdme de Nélson Pereira dos Santos, que não serve para a imediata sobrevivência. futuro, também
Vidas secas, verdadeiro tratado sobre a situação social e moral do inútil e supérfluo, não existe. Dificilmente comunicam-se entre si;
homem no Brasil. suas relações, frequentemente, não ultrapassam uma mera coinci-
Fabiano ainda não existecomo homem, como gente; ele um dência ou uma relação pouco acima do nível animal. A comunica-
esforço para existir, e o filme uma dolorosa meditação sobre as ção pode também tornar-se rapidamente agressiva. O falar raro
possibilidades de vir a ser homem no Brasil. Fabiano chefe de e não estabelece diálogo, mas sim um desabafo individual. No
uma família constituída como qualquer famíliaburguesa normal- entanto, não são desprovidos de consciência,e nisto que se dife-
mente organizada: um pai, uma mãe, duas crianças, um cachorri- renciam do reino vegetal e animal. Embora não tenham condições
nho e um papagai0.A~ riançasbrincam com o cão de estimação e de ser gente,sabem que não são gente e aspiram a sê-10;o porta-voz
imitam o pai em seus afazeres cotidianos, sendo este último o dessa aspiração a mãe, Sinhá Vitória Maria Ribeiro). Ser gente
modelo eo iniciador das criançasnavida. pai trabalha no campo define-se inicialmente pela negativa, por oposição ao reino ani-
e traz o dinheiro para o lar; em casa, ele faz os trabalhos mais peno- mal: ser gente não dormir como os bichos, dormir em cama de
sos. mãe cabem os trabalhos domésticos, bem como cuidar da couro. Mas sua aspiração vai além, eles sabem que a cultura con-

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quista do homem: ser gente também ter uns livros e ter escola tos que a Constituição concede ao homem, mas pretende também
para as crianças. E na cidade grande que tal aspiração pode con- diminuí-10 fisicamente. Fabiano não se revolta. Tem, vez ou ou tra ,
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cretizar-se. pelo irrompimento da consciência, que lhes permite um gesto, uma palavra, logo reprimido.
não coincidir com sua situação objetiva, que Nélson Pereira dos Mas Nélson Pereira dos Santos não pretende esmagar sua
Santos situa humanamente a vida vegetativa de suas personagens. personagem debaixo do servilismo. O que representam exata-
Esse núcleo familial assim definido vai ser confrontado com mente para Fabiano essas tentativas de reação? Trata-se de uma
os principais elementos constitutivos da sociedade. O trabal ho defesa quase animal? Ele entende a polícia e o fazendeiro como
consiste em cuidar da propriedade alheia: Fabiano vaqueiro de entende a seca? Tem consciência de seus direitos e de suas vonta-
um fazendeiro. Esse trabalho primitivo: faz-se, além do cavalo, des? Sente-se insuficientemente forte para reagir, em relação aos
com um equipamento míni mo que se limita a proteger o corpo inimigos? Ou tem medo? São perguntas a q ue o filme não res-
humano; o resto trat ado direto com a matéria bruta. O fazen- ponde, mas permanece em Fabiano uma espécie de núcleo de dig-
deiro o explorador que resolve a seu bel-prazer qual a remunera- nidade, que se manifesta quando a humilhação infligida pelo sol-
ção que cabe ao vaqueiro. Fabiano tenta discutir, mas logo se curva. dado se torna excessiva. Até um certo ponto, Fabiano fica passivo.
Fabiano tenta vender carne de um animal seu: fiscaisda prefeitura Além, demais: reage, embora essa reação fique sem consequên-
o impedem, já que não pagou os devidos impostos. Fabiano não cias, pelo menos no plano da ação. Essa dignidade fazia parte,
sabia,vai embora com sua carne. A religião um ritual mecânico quand o foi feito o filme, do vocabulário oficialdo então governa-
que deixa os homens em sua solidão: Fabiano quase não consegue dor Miguel Arraes: uma ordem de coisas [ I incompatível com a
entrar na igreja, de que não vemos a parte interior, e logo sai. A dignidade humana ; adquiri r as liberdades mínimas essenciais
polícia a arbitrariedade. Longe de ser um elemento de ordem, ela dignidade do homem . E Fabiano utilizado por esse governador
provoca a situação que lhe permitirá intervir. Fabiano tenta não como símbolo do homem fabricado pelo Nordeste.
reagir e curvar-se;só reage quando a humilhação grande demais: ida s secas enquadrava-se assim perfeitamente na política
a cadeia. A cultura , quando erudita, reservada ao fazendeiro, oficial. Esse núcleo de dignidade colocado em situação duas vezes
cuja filha tem aulas deviolino: isso faz parte de sua condição social. no filme. As duas cenas ocorrem fora da aldeia, são uma resposta
Quand o popular, a cultura também reservada ao fazendeiro: aos dirigentes. Saindo da aldeia, no c aminh o de casa, Fabiano
enquanto se realiza o espetáculo folclórico do bumba-meu-boi, encon tra os cangaceiros, com um d os quais esteve na cadeia. A
que praticamente dedicado ao fazendeiro, Fabiano está na estrada se bifurca, os cangaceiros vão seguindo um caminho, Sinhá
cadeia. Fazendeiro, fiscais, igreja, polícia são poderes localizados Vitória e as crianças á enveredaram pelo out ro; Fabiano, no cavalo
na aldeia perto da qual moram Fabiano e sua família. Na aldeia, que lhe emprestara um cangaceiro, e olhando pa ra a espingarda,
Fabiano completamente espoliado:é-lhe retirado o fruto de seu hesita na encruzilhada: continuar ou revoltar-se?Fabiano toma o
trabalho, o direito de dispor de seus escassos bens; é-lhe retirado rumo de casa. Essa cena se desenvolverá mais tarde: Fabiano,
até o folclore e, na cena com o soldado, é-lhe retirado mesmo o di- armado de um facão, depara com o soldado provocador, perdido
reito de existir. A sociedade não se satisfaz em tirar todos os direi- no mato. Nesse encontro de homem para homem, de inimigo para

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filme faz uma pausa, durante a qual o circunstancial e o emotivo
inimigo, de novo Fabiano hesita, e o soldado t em medo. Nada
acontece, mas uma porta aberta para o futuro. O filme não vai desviam a tensão a ida da família a aldeia, a morte da cadela), o
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além dessa expectativa. tom esse.
Anteriormente, o filme apontara, em forma de ligeira e A caracterização da família de Fabiano, a confrontação da
comovida sátira, um terceiro caminho além da aceitação e da personagem com o leque dos principais poderes da sociedade,as
revolta): a estação chuvosa possibilita uma leve melhora do nível saídas apontadas, a síntese dramática colocam Vid as secas num
de vida e a família se dirige a aldeia, para a festa, com roupas e sapa- alto nível de abstração. Assim, o fdme deixa o sertão para colocar-
tos novos, que foram comprados em detrimento de coisas mais se num nível mais geral. Fabiano deixa praticamente de ser um ho-
urgentes. Não conseguem andar com seus sapatos apertados, eles mem particular, com problemas específicos, para tornar-se o
cuja vida se passa, grande parte, em andar. Seria a saída pequeno- homem brasileiro esmagado pela sociedade e colocado diante dos
burguesa. possíveis caminhos que se lhe oferecem. Ele tanto o sertanejo
Nessa auscultação das relações entre o homem e a sociedade, quant o o pequeno-burguês citadino, e talvez mais o segundo que
Nélson Pereira dos Santos extremamente lacônico. Tudo abor- o primeiro. Isso não quer dizer que Nélson Pereira dos Santos
dado com grande poder de síntese; a direção oscila entre a rápida tenha utilizado o drama nordestino para fins seus, desprezando
sugestão do bumba-meu-boi representado diante do fazendeiro e seu tema. Mas o que selecionou do tema, deixando de lado aquilo
a condensação dramática da provocação do soldado em que ape- que Leon Hirszman selecionou para seu documentário Maioria
nas os momentos fortes são conservados. Em geral, o filme visa a absoluta possibilitou-lhe atingir um nível de abstração em que
não dar nada além da estrutura de uma situação e, desse pont o de Fabiano não apenas sertanejo, mas qualquer um de nós que, no
vista, a cena, entre outras, de Fabiano na encruzilhada exemplar. campo ou na cidade, estamos cerceados pelos poderes esmagado-
geografia do lugar, a disposiçãoem triângulo dos grupos huma - res da sociedade e vemos nossas possibilidades de realização e de
nos abiano com o rifle-cangaceiro-família raduzem as progresso truncadas. Fabiano tanto aqueles que são esmagados
possibilidades de Fabiano, suas hesitações, e chegam,pela depura- no sertão como aquelesque são esmagados nas favelas, nos subúr-
ção, a ter a função de um signo que ultrapassa a personagem para bios, nos apartamentos quarto-quitin ete dos centros urbanos.
referir a ambigüidade de todo um grupo humano . a mesma Para chegar a esse resultado, era necessário que o autor do filme
orientação que levou o diretor a não mostrar a parte i nterna da fosse um homem da cidade. Na estrita perspectiva de quem vive o
igreja: bastava confrontar Fabiano com a fachada,fazê-lo entrar e drama do Nordeste, bem provável que a urgência de determina-
sair para que o essencial fosse estruturado. E essa mesma orien- dos problemas imediatos não tivesse permi tido tal abstração.
tação que fez com que a miséria ocupasse no filme um papel redu- Aliás, como pensar que homens da cidade pudessem identificar-se
zido. á miséria e indignidade em Vidas secas mas elas,compara- com uma perspectiva de camponês, como pensar que, nas cidades,
das a sujeira, as doenças, aos barracos imundos e parcialmente o sucesso de campanhas pró-reforma agrária resultasse mais de
destruídos, à subnutrição do Nordeste de um Maioria absoluta um problema rural que de uma situação propriamente urbana?Tal
têm u m caráter quase higiênico. Além das raras vezes em que o sucesso provém certamente do interesse que alguns setores da bur-

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guesia industrial têm na reforma agrária e na projeção de certos Tônio não se enquadra em nenhum esquema social preesta-
problemas urbanos. Vidas secas um filme urbano a respeito do belecido. Por incompatibilidade, deixou a família,constituída pela
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campo, e sua validade vem de seu elevado grau de abstração. O avó e pela mãe pretas; a mãe fora abandonada pelo marido branco.
filme foi qualificado como naturalista e, depois do aparecimento No entanto, Tônio sente saudades, vai visitá-lasvez ou outra, mas
de Deus e oDiabo na terra do sol, os admiradores deste último pas- não sabe por que faz isso, repelido e vai embora. Odeia o pai, de
saram, com incompreensão, a ver em Vidas secas quase um docu- quem pretende vingar-sepor ter abandonado a mãe, mas revolta-
mentário, quando ele representa o mais alto grau de abstração se quando lhe dizem que não tem pai. Sente-se atraído por uma
atingido entre nós pelo cinema. bela e sensual prostituta Arassari de Oliveira), a quem não desa-
grada, mas tem relações sexuaiscom uma estrangeira Lola Brah),
a quem não suporta. Vive de roubos, mas para ajudar os amigos.
B HI D E T O D O S OS S NTOS Mora com marginais, na praia, mas toma refeições numa pensão
onde se hospedam portuários. Os portuários estão empenhados
Com Vidas secas, nítido que estamos nos aproximando cada numa greve: com eles sesolidariza,mas não adere causa.Pretende
vez mais de um cinema que se prepara para abordar problemas da deixar o Nordeste e ir para o Sul,mas fica em Salvador.Tônio um
cidade ou, mais exatamente, a consciência e a situação do home m indivíduo cheio de contradições, nada há que faça inteiramente,
entenda-se o homem classe média) na cidade. O Fabiano sertanejo deixa tudo pela metade: incapaz de abandonar Salvador e inca-
anuncia para breve o Fabiano carioca ou paulista. O marco mais paz de parar de pensar em viajar; incapaz de dormir com a pros-
adiantado que en contramos nessa direção, entre os filmes ainda tituta, de abandonar a estrangeira;de abandonar completamente
ambientados no Nordeste, Deus e o Diabo na terra dosol, que mais a família ou de passar a viver com ela; de não se interessar pelos gre-
se aproxima do drama pequeno-burguês. Aesse drama já nos refe- vistas ou de se ligarprofundamente a eles.Masamaior de suas con-
rimos, não em termos de drama porque essa colocação de Glau- tradições, essa absolutamente insolúvel, Tônio a encontra em seu
ber Rocha; mas já vimos que Rôni Agrande eira) oscila entre dois próp rio físico: nem preto, nem branco, mulato. Branco para os
pólos, não conseguindo fixar-se, nem agir. Mas, á antes de Agrande pretos, preto para os brancos. Tônio só. As contradições encon-
feira, em 1960, o paulista Trigueirinho Neto colocara o problema tradas num Rôni estão em Tônio interiorizadas, abrangendo
em termos mais radicais: Bahia de Todos osSantos, realizado em Sal- todos os setores de sua vida e impossibilitando qualquer tipo de
vador, um dos primeiros filmes da época do rash baiano de 1959162. realização, por mais precária que seja. Rôni capaz de passar um
Tônio Jurandi r Pimentel) não como Rôni: ele não oscila entre dia com a grã-fina, que vai abandonar logo em seguida,mas esse
dois pólos, a contradição está dent ro dele. Ambientado na cidade um dia de felicidade; o mesmo se dá com Maria da Feira: os
de Salvador durante o Estado Novo, Bahia de Todos os Santos des- momentos passados na cama realizam o prazer. Tônio também se
creve,tendo como eixo o marginal Tônio, a vida de marginais e de encontra entre duas mulheres que lembram bastante o dueto de A
portuários, seu trabalho, suas lutas reivindicatórias, seus choques grande feira: com a prostituta, poderia realizar-se sexualmente,
com a polícia, sua vida sentimental, seus problemas pessoais. mas não dorme com ela; dorme com a estrangeira,mas o sexo não

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lhe dá prazer. De Rôni a Tônio, embora este seja cronologicamente arcar com suasresponsabilidades oreformatório está tão cheio de
anterior ao primeiro, há um grande progresso na constituição de adolescentes inadaptados que não cabe mais nenhum). Com essa
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
uma personagem contraditória, ambígua, e que, como Rôni, só parte da sociedade,não se deve colaborar.
que de um modo mais aprofundado, expressa a ambigüidade da Há, por outro lado, em Bahia de Todos os Santos personagens
classe média. que, cont ra essa sociedade, estão empenhadas em defender seus
Mas Trigueirinho Neto não levou as últimas conseqüências as direitos: com elas também não se deve colaborar. Como elas são os
contradições de sua personagem. Como Tônio, ficou no meio do oprimidos, pode-se ajudá-las por motivos humanos, não políti-
caminho. Primeiro, porque o enfraqueceu ao dar-lhe frequente- cos. luta reivindicatória cheira a comunismo e tão má quanto
mente um comportamento neurótico, autodestruidor, e suas con- o outro lado. Então Trigueirinho Neto podia optar entre o anar-
tradições, sobretud o em relação as duas mulheres, parecem não quismo e a moral. Preferiu a segunda. Nem a direita, nem a esquer-
raro inibições. Segundo, porque, no fim do filme, Tônio encontra da, nem a burguesia, nem o povo: no meio, conservando sua
uma espécie de equilíbrio, que o mais falso e arbitrário que se pureza moral e as mãos limpas, o único compromisso aceitável
possa imaginar. Ele tem um amigo marginal Geraldo de1 Rey) com a moral.
cuja noiva está grávida; e o amigo, não tendo dinheiro para casar, Trigueirinho Neto quer que a sociedade mude, pois insus-
rouba uma carteira. Tônio, o ladrão,obriga-o a ogar fora a carteira tentável que fique como está, mas seu antiburguesismo primário
e exorta-oa ter uma vida limpa edigna. essa aconclusãodo autor: não leva a coisa alguma a não ser reforçar a moral burguesa. Ele
respeito a regras éticas fundamentais. teria provavelmente superado esse moralismo atravancador se
Trigueirinho Neto tem uma raiva profunda e dolorosa, mal tivesse conti nuado a dedicar-se ao cinema. Após esse longa-
tingida de ironia, d a burguesia, ou melhor, dos grupos sociais pau- metragem de estréia,realizou um documentá rio de curta-m etra-
listanos recém-egressos dos plantios de café e que, a seu ver, se gem, seu último filme até o presente momento, para o Serviço de
empenham grotescamente em alcançar uma vida digna do requin- Documentação da Universidade de São Paulo: Apelo 1961), que
te e da cultura da tr adicional burguesia européia. Satirizar essa trata da vegetação no Brasil, ilus trando a tese segundo a qual a
burguesia era um dos principais motivos que o teriam levado a pobreza vegetal provém mais da pobreza do solo q ue da falta de
adaptar para o cinema o romance de Mário de Andrade, Amar água, e tomand o violentament e posição contra o desfloresta-
verbo intransitivo projeto em que pensou seriamente por esse mento e as queimadas. Nesse filme didático, aparece uma singu-
motivo também, outros, depois dele, namorariam o mesmo pro- lar personagem: o estud ante Airto n Garcia). O filme inicia-se
jeto). Essa raiva associa-se a uma outra, mais antiga e mais vio- com o estudant e folheando pranchas de um livro. Essa será a
lenta, da família, e atinge qualquer organização social. Tudo isso única atividade da personagem: olhar. Olha o desflorestamento,
está perfeitamente sensível no filme, no repúdio de Tônio pela olha as queimadas, a miséria. Nada diz, nada faz. Seu rosto fica
família, no comportamento antipático da estrangeira, n o trata- impassível, seu corpanzil, inerte. Tem uma única reação: fecha um
mento dado a polícia e ao exército estadonovista para o qual povo pun ho de reprovação ou de indignação) diante de uma quei-
e perturbador são sinônimos , na impossibilidade da sociedade de mada. Essa atitude contrasta com a violência da montagem, os

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cortes bruscos, os choques entre som e imagem. Essa testemunha vendidos. As práticas místicas em torno do boi respondem as prá-
neutra, que não se liga a realidade a sua volta e que parece ser o ticas não menos místicas em torno dos fuzis.
8/15/2019 desenvolvimento das contradições que levaram Tônio a inação Brasil
e Em Tempo de Cinema - Jean-Claude
GaúchoBernardet
oda solta, não está integrado em grupo algum,
a esterilidade, poderia ter sido um primeiro passo para ultrapas- nem a polícia, nem os camponeses, nem o dono do armazém
sar as posições de Bahia de Todos os Santos, pois tudo parece indi- tem inicialmente uma atividade moral expressa em conversas.
car que a transformação do estudant e em estátua ou leva a um Tenta convencer um soldado de que manter a ordem, quando isso

impasse que só um impulso novo poderá romper, ou leva ao ani- significa proteger armazéns cheios contra esfomeados, inviável.
quilamento. O silêncio mantido por Trigueirinho Neto desde Essas conversas,motivadas pela situação proposta pelo filme, não
Apelo talvez não se deva apenas as dificuldades de produção cine- decorrem de nem levam a ação alguma, mas conduzem a uma ati-
matográfica no Brasil. tude apenas verbal.Quando o soldado pergunta: O que você quer
que a gente faça?", Gaúcho responde: "Pelo menos, tomar vergo-
nha na cara".O apodrecimento das cebolas aumenta a tensão psi-
cológica de Gaúcho,cujas palavras se tor nam mais agressivas anto
contra os soldados como contra os camponeses ( O boi santo não
Ao aniquilamento, também, levam as próprias contradições de nada"). Numa atitude mais beatnik do que out ra coisa, levado
do Gaúcho de Os fuzis (Rui Guerra, 1 9 6 5 . Como o Rôni de A por uma certa exasperação e sem querer afrontar a situação, Gaú-
grande eira, Gaúcho está de passagem em Milagres: seu caminhão cho alheia-se da situação bebendo e praticando a ironia ("Viva os
quebrou, ele aguarda uma peça que lhe permitirá prosseguir a via- defensoresda lei "). Sempre sem ação nova, a situação inicial pro-
gem. enredo do filme desenvolve-senessetempo de espera. Gaú- posta pelo filme atinge sua contradição máxima quando os cami-
cho, eventualmente dono de um caminhão, dedica-se ao trans- nhões carregados estão deixando a cidade e entr a no bar um
porte de cargas; naquela viagem, carrega alimentos, cebolas, que homem levando nos braços seu filho morto de fome. Gaúcho ins-
apodrecerão durant e a espera. Sobre ele pouco se sabe, a não ser tiga o homem a uma reação, sem conseguir demovê-lo de sua pas-
que pertenceu a t ropa, qu e deixou por motivos que sugere: não sividade. Bêbado e enlouquecido pela inércia do homem, aqui
gostava de ser mandado e não aceitava o trabalho dos soldados, representante do povo, Gaúcho, num acesso de fúria incontrolada,
que manter a ordem, o que significa sistematicamente atirar quase histérica, atira contra os caminhões e logo morto pelos sol-
sobre camponeses esfomeados para proteger os bens dos ricos. A dados. Sua herança: uma dúvida na cabeça do soldado com quem
situação de Milagres quando chega Gaúcho: uma seca prolongada costumava conversar.
deixa esfomeada toda uma população, cuja reação se limita a prá- posição de Gaúcho puram ente ética e verbal: não propõe
ticas místicas em torno do boi santo para que Deus lhe mande a nem leva a nenhum tipo de ação, nem para si, nem para os outros.
chuva; os soldados ocupam a cidade para proteger um armazém Embora sua inquietação seja provocada pelos esfomeados, sua
contra eventuais distúrbios provocados pela fome, até chegarem principal preocupação relativa aos soldados: sem serem donos
os caminhões que deverão levar os víveres para o lugar onde serão dos armazéns, sem que port anto se beneficiem das vantagens

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decorrentes, eles os defendem contra quem precisa comer; moral- O afastamento da realidade pela alienação coletiva já era um
mente, é indefensável.Tal atitude angustiada, sem perspectiva de dos temas de Barravento, em que os pescadores procuram soluções
8/15/2019 ação, leva Gaúcho a se fechar sobre si e a estourar numa açãoBrasil Em Tempo de Cinema religiosas paraBernardet
- Jean-Claude problemas concretos.Deus e o Diabo amplia o filme
incontrolada e desesperada. Gaúcho é semelhante ao intelectual precedente: não só passa de uma religião predomi nantemente
que sem saber onde se encaixar na realidade, sem saber como agir, africana a uma religião predominantemente cristã, como também
um belo dia, para se desrecalcar, ança uma bomba caseira numa capta as duas atitudes principais q ue marcaram, até há alguns

repartição pública. Ele não é fundamentalmente diferente de anos, a revolta nordestina, e que podem ser simbolizadas pelas
Rôni: ele é angustiado (Rôni não chegava a sentir angústia), ele figuras de Antônio Conselheiro e Lampião. Esses dois momentos
sabe formular melhor sua inquietação e, principal diferença, essa da revolta não trarão progresso algum para Manuel, a não ser
inquietação o impede, contrariamente a Rôni, de seguir viagem, e libertá-lo de sua alienação e permitir que ele enfrente a realidade e
o impele para uma ação violenta, que só não é inconseqüente por- procure soluções objetivas. Aí intervém Antônio das Mortes.
que o leva a seu próprio aniquilam ento. No cinema brasileiro, a filme é dividido em duas partes (fanatismo e cangaço),
morte de uma personagem como Gaúcho é excepcional. com uma introdução e um epílogo. Cada parte é dominada por
uma personagem que condensa em si as principais características
do t ipo de revolta (o beato, o cangaceiro) e que não aparece na
out ra parte . Só não respeitam essa divisão o cego, cantador que
está fora do enredo e puxa o fio narrativo, podendo ter o papel de
A personagem contraditória atinge dimensões trágicas com men eur de jeu quando leva Manuel a Corisco; o vaqueiro e sua
Antônio das Mortes (Maurício dovale) em Deus e o Diabo na terra mulher, Rosa (Ioná Magalhães);e Antônio das Mortes, sendo que
do sol (Glauber Rocha, 1 9 6 4 . Se o Fabiano de Vid as secas, em vez este e Manuel seguem duas linhas paralelas que atravessam o
de curvar-se dian te d o fazendeiro, se revoltasse e o matasse, filme tod o u melhor, Antônio das Mortes condiciona seu
Manuel (Geraldo de1 Rey), o vaqueiro de Deus o Diabo poderia comportamento pelo de Manuel é pelo menos o que ele diz e o
ser seu prolongamento. Manuel mata o patrão que o rouba. Sua que Glauber Rocha confirma).
revolta o levará a associar-se inicialmente ao beato Sebastião As duas experiênciasde Manuel são interrompidas por Antô-
(LídioSilva),em seguida ao cangaceiro Corisco (Othon Bastos). O nio das Mortes;é ele que põe fim à estória do Monte Santo,matando
primeiro mome nto da revolta é um misticismo violento,que pro- os fanáticos, embora o beato já tivesse sido morto por Rosa (mas
mete ao sertanejo um país imaginário em que o deserto vira mar e depois ele se atribuirá esse assassinato); e é ele que põe fim à aven-
correm rios de leite. O segundo momento é umaviolência mística, tura do cangaço,matando Corisco. Eliminando as fontes de aliena-
a cega destruição. Nos dois casos, rata-se de uma revolta alienada, ção, dá a Manuel a possibilidade de agir racionalmente. Essa ação só
em que o vaqueiro não afronta seus problemas, mas é desviado poderá ser a guerra, uma guerra que será a aplicação de meios
deles por atitudes delirantes , que canalizam sua necessidade de humanos para a resolução de problemas humanos. Uma grande
mudar a sociedade e sua agressividade. guerra sem a cegueira de Deus e do Diabo. E, pra que essa guerra

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venha logo, eu, que já matei Sebastião, vou mat ar Corisco , diz transformar-se em ser predestinado. Cumprirá sua função, que ele
Antônio das Mortes. No entanto, essa atitude não é mono1ítica;An- julga histórica, mas não lhe compete decidir sobre essa função nem
8/15/2019 tônio não age desse modo como um revolucionário dedicado Brasil
a Em Tempo de Cinema apreciá-la:
- Jean-ClaudeFui condenado neste destino e tenho de cumprir: sem
Bernardet
causa: para matar fanáticos e cangaceiros, é pago por aqueles que pena e pensamento . Antônio livra-se de suas responsabilidades
oprimem o vaqueiro. Ele é um sicário, é vendido ao inimigo. por via metafísica. Mas nem por isso está quite: não se livrará de
Essa situação apresenta elementos antagônicos: se ele mata a sua má consciência andando com remorso , diz a canção do

soldo do inimigo, não pode ser pelo bem do povo; se é pelo bem do filme. Sua função acelerar o curso da história e precipitar o ad-
povo, não pode ser obedecendo ao inimigo. Antônio das Mortes é vento dessa guerra, que será a guerra de Manuel vitorioso. Poder-
essa contradição. Não é que ele viva essa contradição, que ela seja se-ia pensar que, através dessa ação, ele se integrasse no movi-
um dos momentos de sua vida: ela constitui seu próprio ser.A per- mento guerreiro, se ligasse a Manuel. Não. Ele é e fica solitário. Ele
sonagem de Antônio reduz-se a essa contradição. Quando Antô- é apenas uma contradição e está maculado pelos contatos com o

nio das Mortes, antes de matar Corisco, anda em ziguezague para inimigo. Ele é e fica solitário. Ele dá a Manuel a possibilidade de
escapar as balas, a direção concretiza com grande força a contradi- fazer a guerra, mas não é a guerra dele. Nada sendo, ele sendo mera
ção da personagem. contradição, a guerra nada pode ser para ele. O tratamento dado a
Não pode haver melhor ilustração do bastardo sartriano que Maurício do Vale no papel a exteriorização do conflito: uma

Antônio das Mortes: o Hufo de Les ma ins sales está filiado ao par- longa capa, ao envolver-lhe o corpo volumoso, dissimula seus ges-
tido comunista, mas não está integrado nele porque não consegue tos; um chapéu de abas largas sombreia seu r0sto.A parte mais viva
desprender-sede sua condição de burguês, e não está integrado na de seu corpo são os olhos. Anda sempre só, enquan to deveria, se
burguesia, que o rejeita porque pertence a esse partido. A estrutura quisesse ser verossímil, estar acomp anhado p or jagunços; é que
das duas personagens é extremamenteparecida.Antônio das Mor- Antônio das Mortes solitário, não pertence a grupo algum, nem
tes não consegue enfrentar essa contradição, quanto menos resol- aos proprietários de terra, nem a Igreja, nem ao povo revoltado,
vê-la. Ela pode ser dialética para a sociedade,mas não o é para ele. nem aos camponeses,e é um indivíduo sem semelhantes.Não que
Ele tenta simultaneamente eliminá-la e sublimá-la. Para eliminá- não haja outros Antônios das Mortes, mas inclusive com os outros
la, Antônio quer transformar-se em mistério. Ele é o incompreen- não sente afinidades. Antônio jura em dez igrejas sem santo
sível, não é nem isto nem aquilo, ele a contradição enigmática, e padroeiro .
sua consciência está tão pouco clara que num quero que ninguém Antônio das Mortes não se sente avont ade consigopróprio; é
entenda nada de minha pessoa . Sua pessoa é tão contraditória, possível que o próprio autor não se sentisse a vontade com a per-
pois ele é e não é que nem nome pode ter. Qual é a sua graça? ,per- sonagem. Glauber Rocha teve muitas dificuldades com ela, antes e
gunta o cego, e ele responde: Num conhece pela voz?''. Antônio duran te as filmagens:a personagem não respeitava o roteiro, e foi
das Mortes não pode ser nomeado.1° Para sublimá-la, ele tentará improvisada durante as filmagens (uma das modificações subs-
tanciais introduzidas é que Antônio era originalmente acompa-
10 iálogos extraídos do livro Deus eo Diabo na terr do sol 1965. nhado p or soldados). No modo mesmo de apresentar a persona-

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gem na tela,sente-se um certo mal-estar,vez ou outra, do diretor e tos já conhecidos: Rôni (A grande feira ), Valente (Sol sobre a 48/116
do mon tador em relação a ela, quando Antônio, por exemplo,atira lama), Firmino (Barravento), Tônio (Bahia de Todos os Santos)
sobre os fanáticos: planos filmados com a câmara hor izonta le são seus ancestrai s e, como ele, os bastardos do cinema brasileiro.
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
outros idênticos mas filmados com a câmara inclinada são monta- Antônio está entre dois pólos, não se integrando em nenhum ; é
dos num ritmo que sugere o tiroteio. Trata-sede um recurso pobre solitário; não se realiza; enquanto as outra s personagens são enca-
e ostensivo,e é a únicavez que a tesoura do montador intervém tão minhadas no fim do filme, ele não o é; desaparece. Ele dá as possi -
bilidades de realizar a guerra; a guerra é problema dos outros.
evidentemente, interrompendo o a tor em sua gesticulação. Esse
momento isola Antônio do resto d o filme. De fato, os planos lon- Tudo isso, já o vimos em seus ancestrais. Mas, nele, esses elemen-
gos deixam em geral aos atores uma grande amplidão do movi- tos aparecem depurados, nítidos; nenh um o utr o elemento vem
mento. Por que Glauber Rocha sentiu a necessidade, naquele obscurecê-los. E, sobretu do, ele afirma o que os outros deixavam
momento, de picar Antônio das Mortes e não encontrou um em suspenso e apenas estava implícito neles: ele deve desaparecer
recurso mais integrado no conj unto do filme para expressar-se? ou, mais ex atamente, deve eliminar-se. Mas é também dotado de
Antônio das Mortes obteve uma grand e repercussão pública, uma dimensão que faltava aos outros: a má consciência. Assim
não apenas entre a intelectualidade;foi certamentejulgado apto a reencontramos em Antônio das Mortes aquilo qu e vimos na aná-
seduzir o grande público, pois Glauber Rocha recebeu um convite lise de A grande feira: a estrutura da situação social da classe

para fazer uma novela de televisão que teria Antôni o das Mortes média, tratando-se desta vez, nitidamente, de sua parte progres-
como personagem principal. A ntônio recebeu os qualificativos sista. Ligada às classes dirigentes pelo dinhe iro q ue estas lhe for-
mais grandiloquentes: ele se reveste de um determinismo quase necem, pretende colocar-se na perspectiv a do povo. Essa situação,
didático , ascende nstantaneamente a uma situação clássica , é a sem perspectiva própria, faz com que ela não consiga constituir-
personagem da Necessidade , é um instrumento eficiente da His- se realmente em classe, mas seja atomizada. EAnt ônio das Mortes
tória . Esse tom é uma constante; outra é que tais grandes palavras tem essa má consciência de que fala Marx. Essa má consciência
não são explicadas. Nos omb ros de Antônio das Mortesvão se acu- não é outra que a de Glauber Rocha, que a minh a, que a de todos
mulando palavras enigmáticas que deixam intacto seu mistério. O nós, ou melhor, de cada um de nós. E é por isso, parece-me, que
próprio Glauber Rocha encontra dificuldades em falar de Antô- Antônio das Mortes tem taman ho poder de sedução, e por isso
nio. Diz que o filme é uma fábula, só pára para ser realista em An- resiste tanto à interpretação. Porque interpretar Antônio é nos
tônio das Mortes . Dependendo d o sentido da palavra realista, ou analisarmos a nós próprios.
todo o filme é realista, ou a ação solitária de Antônio não o é. Diz, O cinema brasileiro nunca chegara a esse ponto. De A
por outro lado,que Antônio também está numa zona mitológica , grande feira e Cinco vezesfavela, em q ue a classe média se escon-
ou então queL'ele mítico e não é mítico . Indiscut ivelmente,Antô- dia de si própria para escapar a sua má consciência e a seus pro-
nio das Mortes resiste interpretação, não apenas do cantador blemas, até Deus e oDiabo na terra do sol, o cinema brasil eiro per-
cego, mas também nossa. correu todo o caminho necessário para que enfim não possamos
Encontramos em Antônio das Mortes uma série de elemen- mais deixar de nos examinarmos a nós próprios, de nos interro-

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garmos sobre nossa situação social, sobre a validade de nossa dere seu papel restrito a uma primeira fase. Por que não pensar que
atuação e sobre nossa responsabilidade social e política. Antônio a própria guerra destrui rá forçosamente o beato e o cangaceiro?
8/15/2019 das Mortes encerra uma fase do cinema brasileiro e inaugu ra Em
Brasil Tempo de Cinema -Por que não pensar
Jean-Claude que, se o próprio Manuel não for capaz de eli-
Bernardet
uma nova: qual é o papel da classe média no Brasil?E esse cinema minar beato e cangaceiro,isto é de superar suas duas revoltas alie-
será predominan tement e urbano. Até Antônio das Mortes, tive- nadas, tampouco será capaz de fazer a guerra, ou seja, de tornar sua
mos a época em que o cinema conquistou uma maneira d e pôr na revolta uma revolução? Não foi Manuel que eliminou suas aliena-

tela as contradições da pequena burguesia, e nessa época nosso ções, foi um terceiro, o que não significa que Manuel deixou de ser
cinema pode ter nos dado a impressão de que a classe média pro- alienado.Manuel, depois de ter matado o latifundiário, comporta-
gressista era possuidora de soluções para os problemas do Brasil: se praticamente como um ser inerte, que se deixa guiar pelo beato
agora, depois de Antônio das Mortes, vamos examinar esse pro- e pelo cangaceiro; quem afirma que, após a mo rte de Corisco,
blema e, se formos honestos, o que descobriremos não será obri- Manuel passe da inércia à ação? Muito provavelmente, Manuel
gatoriamente a nosso favor. procurará agarrar-se a uma nova possibilidade, a uma nova ilusão
Gustavo Dahl diz que, com o advento do cinema urbano, os de saída. E, nesse caso, quem dará a Manuel essa nova ilusão de
fdmes serão diferentes. Mas vai haver uma grande surpresa. As pes- saída?O próprio Antônio das Mortes? governo federal?O papel
soas que reprovam o cinema brasileiro por só pensar em favela e social que Antônio das Mortes se atribui e transforma em destino
Nordeste verão que as coisas ficarão efetivamente muito mais cla- não será uma mistificação?Aí está, a meu ver, nesta mistificação, a
ras quando ditas na cidade [ I Os filmes falarão de gente como verdadeira e essencialcontradição de Antônio, embora esse papel
elas, que se verão na tela. E não é bom se ver na tela [ I Estes filmes, político seja apresentado no filme como coerente e até pré-revolu-
elesvãoter de engolir . Não, Gustavo,depois de Antônio das Mor- cionário, o que Glauber Rocha confirma após a realização do
tes não podemos continuar a nos enganar a nós próprios; se for- filme: Antônio das Mortes é realmente uma personagem defla-
mos honestos, não apenas eles, mas nós também daremos pinotes. gradora, uma personagempré-revolucionária .Mas, por que con-
Em Deus eo Diabo na terra do sol, Antônio das Mortes tem, em siderar que Manuel, o povo,é incapaz de livrar-se de sua alienação?
si, uma dimensão trágica, pois é impossibilitado de realizar-se em Na primeira parte do filme, Rosa, mulher de Manuel, quer que se
seu mundo e a própria lógica de seu destino só lhe permite encon- abandone o fanatismo e que se volte a uma ação mais humana,
trar na morte sua realização ( e morrer de vez ); mas tem no filme concreta e racional: por que não ter desenvolvido essa função de
um papel político positivo, á que torna possível a guerra de Rosa, mostrado sua vitória, seu fracasso, ou a inanidade de suas
Manuel. Mas, por que pensar que a morte d o beato e do cangaceiro pretensões?Por que não ter desenvolvido o embrião de revolta de
permitirá a Manuel fazer a guerra?Antônio continua a pensar com Manuel contra Corisco? Por que cons iderar que cabe a Antônio
os vícios de Firmino (e Glauber Rocha também, ao que parece), das Mortes, à classe média, livrar Manuel de sua alienação?Pensar
que pretendia dar ao povo sua revolução, embora Antônio consi- que a classe média possa fazer toda a revolução popular, isso seria
forte demais, e pareceria até anti-hi stórico; ao povo compete
li Vitória do Cinema Novo 1965. Os grifos são meus. encontrar suas próprias soluções; soluções aprontadas pela classe

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média seriam eivadas de erros burgueses. Mas pensar que o povo
hor e vez d classe médi
possa fazer toda a sua revolução inclusivelivrar-se de sua aliena-
ção não isso não. Então qual seria o papel da classe média pro-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
gressista?Ligar-se grande burguesia? Olhar as moscas?Essa con-
tradição Deus e o Diabo não a aborda. Nada indica que o cinema
depois de Antônio das Mortes não mostre que a perspectiva que ele

pretende ab rir par a Manuel seja em realidade uma perspectiva


para elepróprio Antônio das Mortes.

Depois de Antônio das Mortes vem um cinema preponde-

rantemente urbano que já está bastante adiantado. Já nos depara-


mos com a cidade não apenas em filmes ambientados em cidades
io em O assalto ao tre m pagador e Cinc o vezes favela; Salvador
em Bahia de Todos os Santos gran de feira e Sol sobre a lama; São
Paulo em Cidade ameaçada - mas inclusive em Barravento e
Vidassecas onde a cidade é apresentada como a solução ou a espe-
rança. Sinhá Vitória espera que nu ma grande cidade seus filhos
possam deixar de ser bichos; Firmino traz da cidade as idéias novas
e é lá que Aruã vai buscá-las. Falar em cinema urbano é por demais
vago. Os seis primeiros filmes que acabamos de citar são urbanos.
No entanto não são incluídos neste capítulo porque suas persona-
gens foram escolhidas entre marginais de um ou outro extremo
social e por terem escamoteado a classe média embora expressas-
sem seus problemas. O atual cinema urbano trata claramente da
classe média: é a primeira tentativa consciente. Entre os filmesque
vimos até agora e estes não há modificação radical pois o cinema
de ambientação rural não fez senão exprimir problemas da classe

média. A mudança consiste no fato de que o corpo-a-corpo


http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardetvai Barreto) alude a Vargas, Rebelião em Vila Rica Renato e Geraldo 51/116
começar. Os primeiros roundssão São Paulo S.A Luiz Sergio Per-
Santos Pereira) ambienta-se no Estado Novo e Joaquim Pedro de
son, 1965)e O desafio Paulo César Saraceni, 1965). Andrade focaliza insistentemente um retrato de Vargas na casa de
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
Garrincha. E ambém Carlos Diegues faz uma breve referência ico-
nográfica a Getúlio Vargas em A grande cidade. Bahia de Todos os
PR ES EN Ç DO P SS DO
Santosnão só se refere expressamenteavargas, como também quer

Ao aproximar-se da classe média, o cinema também se apro- ser um retrato da ditadura. Vargas foi abordado mais diretamente
em pelo menos dois filmes documentários: Getúlio Vargas, sangue
xima da atualidade. Há verdade, uns filmes que se ambientam e glória de um povo Alfredo Palácios, 1956), e o de Jorge Ileli, de
nos dias atuais, como Barravento, Cinco vezesfavela, A grandefeira 1963, que continua inédito.
ou Sol sobre a lama. A grande maioria, porém, preferiu o passado, No cinema de ficção, não há a menor dúvida de que essa pro-
a começar pelos filmes de cangaceiros, tendo o cangaço desapare- cura dos anos 1938-41 evelauma indisfarçável tentativa de buscar
cido antes da 11Guerra Mundial. E nisso está um dos fatores de seu abrigo atrás do escudo do passado.Não se trata de um problema de
sucesso. O grande público podia aceitar uma identificação com censura, pois esses filmes foram realizados nu m clima de quase
esses bandidos, esses marginais honrados e violentos porque sua total liberdade, mas sim de um adiamento na abordagem dos pro-
situação histórica era uma imunidade contra qualquer tentativa blemas que deve encarar atual mente a classe média. Quand o se
de encarar problemas atuais. A eventual intuição de problemas aborda o presente, a fronteira entre cultura e política não nítida.
aqueles que justificam o sucesso do filme de cangaceiros ra Obras que abordam o passado podem entrar de chofre no domí-
neutralizada. nio da cultura. Não se trata, aliás, de receio individual dos cineas-
O fenômeno velho e ocorre também com o teatro: cinema tas, mas sim de um movimento geral do cinema brasileiro. O recuo
ou teatro social só têm sucesso de público quando ambientados no no passado também permite uma visão global de certos fenôme-
passado, quando os problemas apresentados pela obra já foram nos e uma compreensão de seu mecanismo, e possibilita que se
resolvidos pela história e não podem contagiar o presente. Não recorra a uma certa elaboraçãoprévia, por mais precária que seja,
são, no entanto, somente esses filmes de intenções comerciais que dessa matéria histórica; por isso, uma certa tranqüilidade estética
escolheram o passado; são também os filmes mais participantes de era possível: tudo isso teria sido prat icament e impossível ao se
diretores mais enfronhados em sua época, como por exemplo abordar o presente, que teria levado a polêmicas.
Vidas secase Deus e oDiabo. Este passado não qualquer um: são Mas esse não provavelmente o motivo mais determinante.
os primeiros anos do Estado Novo. Todos os filmes que se situam Vargas, morto há mais de dez anos, continua pesando sobre o Bra-
na época da morte de Lampião, como Deus e o Diabo, desenvol- sil. Ainda um nome popular revistas como O Cruzeiro fazem
vem-se implicitamente p or volta de 1938.Vidassecassitua-seespe- reportagens periódicas sobre ele) e as conseqüências de sua polí-
cificamente nos anos de 1940-41,sem fazer referências explícitas tica populista ue procurava impedir, satisfazendo reivindica-
ao governo ou a Getúlio Vargas, enquanto primeira missa Lima ções trabalhistas, as atitudes políticas de um povo que começava a

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fazer sentir sua presença- repercutem até hoje. Por outro lado, se algumas: Leon Hirszman e Marcos Farias pretenderam realizar 52/116
historiadores e sociólogos tentaram estudar esse período, eles são um Engenhoda Galiléia,Eduardo Coutinho chegou a iniciar Cabra
poucos, e o assunto tampouco foi abordado pela arte, pela litera- marcado para morrer, cujas filmagens foram brut alment e inter-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
tura ou pelo teatro. Sendo assunto passado mas ainda virgem e rompidas em abril de 1964;tais projetos, excepcionais no quadro
com repercussões profundas até hoje, nada mais natural que do cinema brasileiro, não vingaram. Quando esses cineastas qui-
cineastas quisessem enfrentá-lo, tanto mais que passaram sua seram afrontar o presente, não conseguiram realizar suas fitas.

infância numa época em quevargas , opaid os pobres ("e a mãe dos Com o u sem Vargas, houve afastamento d o presente e recuo
ricos em compensação", diz o samba), encontrava-se em todas as até o passado. Uma atitude clara de recusa do presente encontra-se
bocas, critério do bem e do mal, da verdade e da mentira. Assim num debate que foi feito em torno de Deus e o Diabo. filme fora
mesmo, o cinema pouco disse sobre Vargas: o assunto continua inicialmente pensado com uma terceira parte: "A terceira rebeldia
praticamente virgem. é o mar, que não
está no filme, que está acontecendo por aí: são os
Apesar de toda a enxurrada de filmes rurais, o sertão de hoje camponeses".Com esseepisódio,a fita teria ficado enorme, e Glau-
foi deixado de lado. No momento em que Vidas secasou Seara ver- ber Rocha tem razão, de um ponto de vista dramático e estético,ao
melha foram realizados, não há dúvida de que os Fabianos conti- dizer que "a solução encontrada é mais sintética, mais violenta".
nuavam existindo, que os nordestinos continuavam emigrando, Mas tal argumento não justifica que o filme não tenha sido cons-

mas era também a época das Ligas Camponesas, da sindicalização truído em função da terceira rebeldia. E um aparteante explica que
maciça no campo, das invasões de terra, da implantação do salário a terceira parte, que mostraria "o grau de consciência presente do
mínimo nas fazendas: o cinema de ficção não tomou conheci- sertanejo",foi justamente eliminada, poisL'não ra necessária,teria
mento da situação sertaneja pós-Vidas secasou pós- Deus e o Diabo. um efeito tautológico". Pois não teria nenhum efeito tautológico,
Filme sobre a sindicalização rural, houve pelo menos um: foi o não sendo o presente mera dedução do passado. que há é reso-
documentário dirigido por Carlos Alberto de Sousa Barros e lução de não abordar o presente, ede deixá-lo nas mãos dos outros,
financiado em 1963pelo governo federal: é o único que se conhece assim como os pescadores de Buraquinho deixam sua vida nas
Aliás, pode-se dizer que todas as forças populares ou burguesas mãos de Firmino e Aruã, assim como a guerra de Manuel deve ser
que de um modo ou de out ro estavam se movimentando, pro- dada por Antônio das Mortes. reboquismo. Ainda conseqüência
cura de modificaçõesda sociedade,não aparecem em filmes de fic- de Vargas.
ção: além das lutas no campo, também foram eliminadas as lutas O cinema que trata da classe média urbana é um cinema dos
sindicais de operários ou portuários, de intelectuais e estudantes, dias atuais. Existem por enqua nto poucos filmes, mas já se vêm
bem como de setores mais avançadosda Igreja, detendo-se sempre delineando algumas tendências: a vida de subúrbio, a pequena
o cinema nos representantes de uma Igreja estratificada. Um classe média em via de proletarização, que está apodrecendo em
cinema efetivamente popular não poderia ter deixado de lado tais sua inércia e suas neuroses (por exemplo, falecida, de Leon Hirsz-
assuntos; um cinema classe média podia. man, ou o roteiro não filmado de Paulo César Saraceni, baseado no
Intenções de abordar o momento presente no campo, houve caso damfera a Penha'', Desafio, que não é o roteiro do filme homô-

nimo realizado pelo mesmo diretor), e o subúrbio carioca o


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morte em três tempos (Fernando Campos, 1963),embora não ven- 53/116
ambiente ideal;quanto a classe média na vida industrial e comer- cendo o concurso de Miss Brasil, casa com um milionário e passa
cial da cidade, inerte e moída pela grande burguesia, São Paulo a viver na sociedade rica, ociosa e neurótica do Rio, e acaba assas-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - sinada.
Jean-Claude Bernardet
A moça (Irma Álvarez) de Encontro com a morte (Artur
que oferece o ambiente mais significativo e mais problemático,
sendo São Paulo S. A o primeiro e por ora único filme crítico sobre Duarte, 1965), maltratada em São Paulo pelo marido para quem
esse tema; a intelectualidade, cujo papel tão impor tant e e tão cozinha com amor,abandona momentaneamente o lar e encontra
ambíguo na evolução brasileira,também se torna personagem, e o na alta sociedadecariocaum homem que lhe compra um casaco de
Rio será o terreno mais propício: O desafio. Em geral, apresenta-se pele, e acaba assassinada. assassino (Reginaldo Farias) e a pros-
uma classe média apática, vivendo num completo marasmo. tituta (Virgínia Lago) de Mortepara um covarde(Diego Santillan)
Se a cidade um fenômeno recente no cinema brasileiro de sonham com um futuro tranqüilo num quarto-cozinha-banheiro;
intenções críticas, já serviu de pano de fundo a alguns filmes reali- mais tarde poderão cultivar rosas e desejam ir a bailes freqüenta-
zados por volta de 1930. José Medina (Fragmentos da vida, 1929), dos pelas famílias; ele assassinado e ela se prostitui com a morte
Rodolfo Rex Lustig e Adalberto Kemeny (São Paulo, sinfonia da n alma. Não se trata senão de uma o utra modalidade da chan-
metrópole, 1929)cantaram o desenvolvimento urbanístico de São chada, que encontrava na ascensão social, via casamento ou con-
Paulo. Depois, a cidade ficou praticamente reduzida ao ambiente cursos vários, um de seus temas prediletos. Aspirações frustradas.

das comédias
fenômeno musicaisporque,
importante e carnavalescas, das chanchadas
bem ou mal, cariocas,
a cidade já começava Ao lado
encontram desses,
seus outros filmes
predecessores apresentam
nas crônicas visõesPereira
de Nélson críticas
dose
a receber um tratamen to cinematográfico, certos tipos vinham Santos, Rio40graus(1955)e RioZona Norte(1957),eem Ogrande
sendo elaborados, um certo modo de falar passava para a tela; a momento, de Roberto Santos.
chanchada não apresentava ponto de vista crítico sobre a cidade,
mas revelava, as vezes ironicamente, certos traços da vida coti-
diana. Hoje a cidade volta a tona. GR NDE M O M NTO

Ao lado de filmes críticos, uma série de dramalhões ou poli-


ciais escolhem São Paulo ou Rio para ambientar seus crimes: Este último filme ambienta-se n o Brás, bairro paulistano
Crime no Sacopã (Roberto Pires, 1963), O quinto poder (Alberto onde vivem proletários e pequena classe média. As personagens
Pieralisi, 1963),ou co-produções como Noites quentesde Copaca- trabalham em geral por conta própria: um mecânico, um fotó-
bana. Esses,comerciais odos, atingindo melhor ou pior nível arte- grafo, ou são funcionários. O enredo desenvolve-senum só dia, o
sanal, quase todos apresentam a classe média. Socialmente mal do casamento do herói (GianfrancescoGuarnieri), e confronta o
caracterizada, ela se decompõe em Crime de amor (Rex Endsleigh, ritual do casamento erno e vestido, fotografia, festa para os
1965).A mudança de classe e o ninho quentinho com geladeira e amigos, viagem de núpcias, táxi até a estação om os meios de
amor, como em toda a história d o cinema, continuam sendo os vida dessa gente. Embora o casamento seja modesto, embora essa
grandes temas de filmes comerciais: a moça (Irma Álvarez) de A gente trabalhe, não á dinheiro que baste para pagar o casamento.

filme é uma corrida atrás do dinheiro, culminando com a venda


http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Apesar dessa reserva, Ogrande momento não só é o filme mais 54/116
da bicicleta do herói, o que representa um atentado tanto ao indi- importante do surto de produção independente verificado em São
víduo como ao ser social, pois a bicicleta era meio de trabalho e Paulo nos anos 1957-58,como é também um marco na filmogra-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
meio de divertimento, quase parte integrante do homem. Por- fia brasileira.Isso porque, enqua nto nascia o surto do cangaço e do
tanto, para submeter-se ao ritual estabelecido pela sociedade, o Nordeste, O grande moment o preocupava-se com a vida urbana,
homem tem de sacrificar-se. não com a intenção de apenas retratá-la, mas sim de analisá-la;

Até aí Roberto Santos é claro. Depois, torna-se um tanto porque, na cidade, não escolhia marginais, mas pessoas que repre-
ambíguo, pois reivindica para todo m undo o direito de vestir um sentam a maioria absoluta na cidade; porque fazia do dinheiro o
terno novo no dia do casamento. motor do enredo; e finalmente porque era uma comédia, comédia
lastimável que um indivíduo integrado na sociedade não triste, com momentos graves e líricos, mas com cenas cômicas e até
possa cumprir as recomendações dessa mesma sociedade. Mas burlescas, próximas ao tom da chanchada. A própria estrutura do
não se chega a pôr claramente em dúvida o ritual a que se subme- filme il e um obstáculos interpõem-se entre a personagem e o
tem os noivos,embora ele não faça parte integrante do casamento. alvo em muito de comédia. Tudo isso animado por um sadio
se coloca a questão de saber se o ritual vale o sacrifício da bici- otimismo e uma ternura paternal para com a luta, os esforços des-
cleta, se vale a pena respeitar o ritual, Parece-me que a sociedade é ses jovens inabalavelmente decididos a casar.

culpada por não fornecer a seus membros meios adequados de grande momen to era um filme adiantado para sua época.
vida, mas que as personagens podem também ser responsabiliza- Ficou isolado. Era um ponto de partida magnífico para um cinema
das por tentarem obedecer ao ritual. filme é construído de tal urbano; lançavatemas, personagens,ambientes que poderiam ter-
modo que fica clara a opressão do dinheiro, e, com boa vontade, o se desenvolvido,mas os cineastas não estavam aptos ainda a afron-
espectador talvez chegue a colocar em dúvida o ritual social. Mas tar a cidade. classemédia devia ser atingidavia Antônio das Mor-
isso não é muito fácil porque as personagens, principalmente o tes. o próprio Roberto Santos, embora seja tão empenhado em
rapaz, sãotratadas com imensa simpatia, e,para colocar em dúvida fazer cinema quanto suas personagens em casar, não teve outra
o ritual, era necessário dar pelo menos uma olhadela um pouco oportunidade de filmar até hora e vezdeAugus toMatraga 1965).
crítica sobre o comportamento dos noivos. Sem esse olhar, o filme
é uma quase aceitação desse modo de vida. Por isso, tem-se a
impressão de que Roberto Santos parou no meio do caminho, e F LECID

hoje prolongaria sem dúvida seu raciocínio muito mais longe e


mais impiedosa e sarcasticamente. Finalmente, os noivos chegam Avida da classe média que Leon Hirszman mostra nos subúr-
atrasados à estação e não têm dinheiro para comprar outras passa- bios cariocas, em A falecida 1965), bem diferente. Nada de ale-
gens: otimistas, voltam para a cidade, vão enfrentar a vida. Nesse gria, nada de forçade vontade. marasmo, a estagnação, a decom-
otimismo, há uma aceitação de não poder cumprir o ritual até o posição das coisas e das pessoas, a impotência. A falecida baseado
fim; devemos nos satisfazer com aquilo que é da gente mesma. em peça de Nelson Rodrigues, é a história de uma alienação. Zul-

mira (Fer nanda Montenegro) deseja morrer e um processo de


http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet parte da classe média do país, em conseqüência das contradições 55/116
auto-sugestão eva-a à morte.Vive em função de um enterr o digno que já vimos e do processo acelerado de prol etarização em que se
dos mais ricos, que a redimirá. Está inteiramente cortada da vida encontra. Carlos Dunshee de Abranches queixa-se: Um membro
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
real, e oscila,em sua mor bidez, en tre práticas religiosas ou supers- da classe média podia ganhar, por seu tr abalho, cerca de quinze
ticiosas e a agência funerária que prepara seu caixão. Isso se desen- vezes mais que a remuneração auferida n o mais baixo nível da
rola num ambiente deprimente, que a fita, filmada em locais natu- escalasocial. Em poucos anos, essa diferença de remunera ção que

rais, sugere com força: o marido, incapaz de perceber a situa ção da dita o padrão de vida reduziu-se para me nos de três vezes .A situa-
mulher, está desempregado e procura um bico, sendo o futebol sua ção do profissional liberal das mais instáveis, pois, apesar de
válvula de escape; a mãe vive ouvindo radionovelas; os objet os da todos os serviços que presta ao país, continua Abranches, ele re-
casa são tristes e degradados; nas ruas, as paredes estão estragadas; cebe do Poder Público no Brasil um tratamento tal que, dir-se-ia,
chove.As coisas e as pessoas, todas decadentes. fotografia cinza, tem por objetivo eliminar os profissionais liberais Entre nós, o
os planos demorados traduzem o ritmo arrastado desse mundo característico da profissão liberal é a insegura n~a .'~falecida
que se vai aos pedaços. A interpretação de Fernanda Mo ntenegro, sugeri ria perfeitamente essa degradaç ão enta da classemédia, esse
consciente e teatral, ao se opor ao naturalismo das o utras interpre- resvalo para um nível de vida baixo, essa diminuição de suas pos-
tações (excetoa de Nelson Xavier, como agente funer ário, que des- sibilidades,não fosse a segunda parte d o filme, em que um retros-

toa) e à mediocridade do meio, valoriza tanto a alienação quanto pecto dá a explicação do comport amento de Zulmira: tudo isso
essa decomposição.Para essa vida, uma solução que é uma aliena- porque fora adúltera e apanhada em flagrante por uma vizinha. O
ção coletiva: o futebol. filme então resvala para uma psicanálise de folhetim, perdendo-se
Diga-se de passagem que recentemente o futebol vem sendo todas as implicações da primeira parte. Tem-se a impressão de
apresentado cada vez mais como uma alienação coletiva: se Rio 40 encontrar na primeira parte Leon Hirszman, enquanto a segunda
graus mostrava o jogo com o uma festa popula r, Garri ncha, alegria é de Nelson Rodrigues. Nessa primeira parte, reconhece-se de fato
dopovo (Joaq uim Pedro de Andrade, 1962) e Subterrâneos dofute- um aspecto da temática de Hirszma n ma vida que existe em
bol (Maurice Capovilla, 1965),dois documentários, vêem no fute- função da morte-, mas as explicações de Hirszman nunca pode-
bol uma manifestação histérica que aliena o povo. Qua nto a alie- riam limitar-se a um adultério.

nação de Zulmira, é tanto mais valorizada que até o momento de a tentativa de descrever o mesmo ambien te suburbano,
sua morte faltam-nos informações para comp reender o seu com- medíocre e neurótico que fracassou em Crime de amor.Mas sobre
portamen to; além disso, o tempo no filme é tão curt o que torna o tema desse filme, a fera da Penha , Paulo César Saraceni conse-
inverossímil a evolução psicofisiológica que a leva a morte; assim, gue estrutur ar o roteiro de Desafio, que também é a história de uma
a alienação, a vontade de morrer apresentam-se como u m fenô- alienação.Vida degradada: enquanto Hirszman estrutura uma ce-
meno em si naquele meio degradado. na em tor no de um indivíduo com do r de barriga, que aguarda
falecida poderia ser um esplêndido retrato da vida su bur-
bana carioca e excelente evocação do marasmo em que vive grande 12 Vitória da classe média 1965.

para entrar no banheiro, sendo o ruído da descarga o sinal de alívio,


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uma personagem, mas de um grupo sociale de uma atividadepro- 56/116
Saraceni introduz sua personagem principal, Valquíria, no mo- fissional:o circo. Após algumas fotografias que sugerem o tempo
mento em que está cortando as unhas dos pés. Personagens mo- áureo do circo, é-nos apresentado um medíocre espetáculo de
8/15/2019 fando, sem saída, sem perspectiva, empurram, de frustraçãoBrasil
em Em Tempo de Cinema - circo,
Jean-Claude Bernardet
pessoas que continuam trabalhando, mas sem recursos indi-
frustração, sua vida até o dia da morte. Valquíria, frustrado seu viduais e sociais,para manter sua atividade num nível digno, velhos
amor, frustrada sua maternidade, brinca com um revólver e com que exibem lembranças inúteis etc. Como no filme de Hirszman e

um terço no meio de sua ruína, e mata uma menina. no roteiro de Saraceni, nsiste-se em alguns detalhes degradantes: a
Embora com a mesma significação geral que falecida, o lona rasgada, o lamaçal da rua de acesso ao circo. Finalmente, des-
roteiro de Saraceni vai mais longe: a decomposição da vida atinge truído o circo, ficam uns resíduos humanos, homens que dão espe-
a estrutura do roteiro, feito exclusivamente de momentos mortos, táculos na rua, semiloucos, que, na maior solidão,se tornam obje-
de pedaços de ação, de fragmentos de conversa. O roteiro decom- tos de zombaria dos transeuntes ou fazem apelos místicos que
põe-se em sequências curtas que pouco colaboram para a evolu- ninguém ouve. O roteiro não deixa de lembrar um pouco a técnica
ção do enredo e são praticamente descrições de estados imóveis.As de Saraceni em Desafio-roteiro: nenhuma parte do flm e apresen-
resoluções são tomadas pelas personagens entre as sequências. Se tada em um bloco só, tudo fragmentado, partido. O espetáculo
Saraceni elimina as cenas de decisão porque não há propria- circense recortado em pedacinhos,as entrevistassão interrompi-

mente resolução, nem decisão. Estamos num nível muito próximo das a cada instante. Os fragmentos são ligados entre si por idéias ou
a vida vegetativa. As personagens vão sendo levadas independen- alusões, como numa conversa solta, que desenhe arabescos elegan-
temente de sua vontade, não contra sua vontade, pois essa vontade tes e aristocráticos,o que dá ao filme uma certa superioridade sobre
quase inexistente. E no meio desses detritos, ecos apagados lem- seu assunto. A própria matéria transmitida de modo atomizado,
bram a existência, á fora, de um mundo problemático: uma ins- um tanto esfarrapado e requintado), assim como se diluem algu-
crição,contra o parlamentarismo, em parte apagada, numa parede; mas das palavras dos entrevistados no bur burinho da rua.
a voz de Alziro Zarur no rádio; um jornal rasgado apresentando Através da decadência da aristocracia rural do Nordeste,
uma vista geral da cidade. nessa mesma perspectiva,embora sem a morbidez dos filmes pre-
Essa temática, que poderíamos chamar d o definhame nto, cedentes, que me parece enquadrar-se Menino de engenho Válter
parece normal agora que o cinema vai se aproximando da classe Lima Júnior, 1965). O pequeno mund o do Engenho Santa Rosa,
média. As hesitações, a falta de objetividade,a incapacidade de agir cercado pela usina que inelutavelmente mais cedo ou mais tarde o
que percebemos nas personagens divididas entre dois pólos, absorverá, está em decomposição. O que resta da família do Santa
encontram na alienação e no marasmo de Zulmira e Valquíria um Rosa: um passado brilhante ligado ao imperador, uma terra cuja
de seus prolongamentos naturais. Tudo indica que essa virá a ser maior glória que nela o sol se levante e se ponha. A usina ameaça
uma das linhas mestras da temática do cinema brasileiro. Num o engenho; o trem, o carro de boi; o carro, a carroça. O velho Hum-
outro gênero, Arnaldo Jabor, com circo 1965), ambém se fdia a berto Mauro abordou também o tema da substituição do engenho
essa tendência. Nesse documentário, não se trata da decadência de pela usina num filme lírico de alguns minutos, Engenhos e usinas,

em que se encara com uma nostálgica resignação o fim do tradi- mediocridade e a estagnação de que pretende livrar-se, odo gesto
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cional engenho. Os membros da família do Santa Rosa perderam ou palavra do marido aumentam seu nojo. uma idéia fixa em
sua vitalidade, são futuros cadáveres;atores duros movimentam- nível patológico, que um arsenal de símbolos ligados a fatalidadee
8/15/2019 já Em Tempo de Cinema - ao
se, hieráticos, diante de paredes brancas. Os grupos que formamBrasil erotismoBernardet
Jean-Claude faz resvalar vez ou outra para o dramalhão. A pretensa
sãofotografiaspara álbum de família.Aindavivos, á pertencem ao revolta da mulher deixa de ser realmente uma revolta desde que ela
passado. Uma montagem impiedosa interrompe as personagens não submete sua idéia a crítica, pois, para libertar-se do marido,
no meio de sua ação, os atores no meio de suas evoluções: cortes que, acidentado, não consegue andar, era desnecessáriomatá-1o.A
secos julgam sem remissão as personagens. a morte domina esse situação colocada no início do filme não evolui, permanecendo
mundo: a morte da mãe do menino de engenho, de uma amiga idêntica a si própria até o fim; o desenlace não traz nenhuma novi-
dele, de um carneiro de estimação. Aessa gente decadente contra- dade, já que estava implícito nos dados da situação. A ação já aca-
põe-se o menino, inicialmente inquietado pela presença da morte, bou antes mesmo de começar. Compreende-se que a violência do
mas cheio de vitalidade, pele morena, carnudo, olhos grandes e gesto de matar, independentemente de sua necessidade objetiva,
quentes. Antes de mais nada, ele um olhar, um espectador que possa ter uma função libertadora. Mas será que ao deixar a cidade-
não participa. Aos poucos vai se libertando da morte; a descoberta zinha, só, após o crime, a mulher libertou-se mesmo? muito pro-
do sexo inicia uma nova etapa em que descobrirá a vida por conta vável que no cinema brasileiro essa seja a primeira estória de uma

própria.
futuro. Essao sugestão
momentodaem que deixadura
decadência, o Santa
semRosa para um outro
ser agressiva, sensí- alienação caracterizada.
Tal alienação vivida numa cidade que conheceu outrora
vel sem ser piegas, abre-se portanto sobre o futuro. uma certa prosperidade. Mas, hoje, a fábrica está parada e invadida
pela vegetação;do convento, sobram ruínas. Os trens passam, não
param, e o trabalho do marido limita-se a agitar uma inútil ban-
P RT D S C IX S deira vermelha. Um parque de diversões, vazio; uma venda, vazia,
poucas garrafas; uma feira, medíocre e sem entusiasmo. Se há uma
Mas o tema da decadência e da alienação já fora lançado há vida um pouco mais ativa,a de um adolescenteexcitado, um fogo
alguns anos por Paulo César Saraceni com Porto das Caixas 1 9 6 3 ) . de palha que não tardará a apagar-se. Um comício? uma ruína de
Numa cidade do interior, completamente estagnada,uma mulher comício, não há força reivindicatória, não se sabe nem o que rei-
Irma Álvarez) resolve matar o marido que a oprime. Não que- vindicar, e slogans referentes a reforma agrária misturam-se com
rendo fazê-lo sozinha, procura ajuda de seu amante, que hesita; cachaça. Não há força alguma nem na cidade,nem dentro das per-
procura ajuda de um soldado, de um barbeiro: negam-se. Afinal,o sonagens, que possa vir a alterar a ordem das coisas, a decadência
amante dispõe-se matar, fraqueja no último momento; ela que geral. Por isso que a ação acaba antes do início do filme, pois
mata o marido. Todo o tempo, nisso que ela pensa. Qualquer nenhum elemento novo pode vir alterá-la. O roteiro, os planos
homem um cúmplice possível, qualquer objeto cortante, uma demorados, os lentos movimentos de câmara valorizam a imobi-
arma possível. Todo objeto da casa ou da paisagem lhe lembram a lidade um tanto hipnótica das personagens e tendem a dar mais

importância aos objetos inanimados que a vida. Avida estagnou e anunciava o cinema ambienta do no subúrb io carioca. Saraceni
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o homem não é mais importante que a matéria inanimada. Antes não teve intenções de retratar uma cidade do interior: os elemen-
pelo contrário: até, em sua alienação, o homem torna-se matéria tos selecionados dessa cidade só o foram em função d o drama.
8/15/2019 inanimada. A personagem principal, vivendo de uma idéia fixa e Em
Brasil Tempo de Cinema - Apesar de sua
Jean-Claude ambientação, udo caracteriza o filme como se refe-
Bernardet
incapaz de programar sua vida, é uma mulher que vai assassi rindo classemédia.
nar-o-marido, assim como uma mesa é uma mesa. sol, a paisa- A atmosfera de Porto das Caixas, a ambientação em cidade do
gem, as ruínas, o chão, uma árvore, uma parede caiada, uma toalha
ou um espaço vazio são tão personagens quant o as personagens interior, o ritmo lento, a fotografia esbranquiçada certamente não
são uma inovação no cinema brasileiro. até possível que a temá-
propriamente ditas. Uma fotografia (Mário Carneiro) esbranqui- tica do filme tampouco o seja. Desconheço Limite, que Mário Pei-
çada, superexposta, esmaga essa água morta. A música repete xoto realizou no Rio em 1930,mas, através de algumas fotografias,
obsessivamente seus dois temas. Falta pouco para que a natureza, trechos de roteiro e certas declarações, pode-se imaginar algumas
a vegetação, a pedra se tornem soberanos e o homem não passe de afinidades entre os dois filmes. Certas ruas de Limite, umaaárvore
uma longínqua lembrança. A vida agoniza. completamente seca e desgalhada , ruína com plantas nascendo
Antes de Porto das Caixas, Saraceni fizera uma tentativa de dentre as pedras , arcada em ruínas , campo vazio visto de lon-
expressar a decadência de uma vila com o filme documentário ge'', paredes nuas; o valor dos objetos, a cesta, a máquina de cos-

Arraial do Cabo (1959). A instalação de uma indústria química, tura, a tesoura, representando uma vida monótona e mesquinha
que despeja seu lixo no mar, mata os peixes, o que elimina aos pou- que a mulher recusa; o marido, um miserável , arriado no chão;
cos os pescadores, obrigados assim a se afastarem cada vez mais da tud o isso que se encontra em Limite também poderia caracterizar
aldeia para trabalhar. Embora, no fim do filme, pescadores e ope- a ambientação de Porto das Caixas. roteiro indica uma monta-
rários confraternizem, a impressão que se guarda desse filme bas- gem lenta. Para esse ambiente interiorano, Edgar Brasil deve ter
tante ambíguo é uma visão desfavorável da indústria e, sobretudo, feito uma fotografia esbranquiçada, do tipo de branco que se
o discurso de um bêbado semilouco falando para ninguém. encontra hoje no cinema brasileiro, embora mais sedoso, como
grande público não gostou de Porto das Caixas em aquele que conseguiu para algumas fitas de Humberto Mauro.
podia gostar desse filme lento e vazio a maioria da intelectua- Mas não é apenas plasticamente que as duas fitas são parecidas.
lidade tampouco; o comício principalmente chocou. Não podia Essa mulher de Limite, que repudia um marido nojento e que
ser de outro modo numa época em que a senhaera a palavra desen- rejeita sua vida de costureira do interior, é possivelmente irmã da
volvimento. No entanto, Porto das Caixasabria para o cinema bra- assassina de Porto das Caixas. Limite não conta apenas a vida de
sileiro um caminho que agora está sendo trilhado. Se houve pes- uma personagem, mas de três, de que se diz que são três vidas
soas que puderam ter dúvidas quanto ao fato de Caixas expressar arruinadas, e a solução,fracassada, que encontram não é uma ten-
um aspecto fundamental d a sociedadebrasileira, a alienação,hoje tativa de revolta, mas de fuga.
já se deixou de ter dúvidas a esse respeito. Embora não fosse um
filme urbano, tinha como temática a alienação da classe média e 13. Os trechos entre aspas são extraídos do roteiro de Limite

possível que, em parte, Limite e Porto das Caixastenham afi- de paixões exacerbadas, se entredevoram, se destroem; os mais
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet pervertidos, os corruptos, são condenados; para os bons, os ino- 59/116
nidades quanto a inspiração. mais possível que as motivações
principais das duas fitas sejam bastante diferentes, o que, todavia, centes, os puros, ainda sobra uma esperança, desde que se afastem
8/15/2019 não impediria uma filiação de forma e conteúdo. Na época, OtávioBrasil Em Tempo de Cinema
dos pervertidos, protejam sua pureza e se entreguem a grande mãe
- Jean-Claude Bernardet
de Faria foi caloroso defensor de Limite; atualmente, se vê com natureza. Típica temática romântica que encon tra em ilha
generosidade o conjunto d o Cinema Novo, Porto das Caixas que 1963) sua melhor expressão.
ilha segue o esquema dos filmes anteriores: um grupo de
merece sua preferência;14esse fato também viria confirmar possí- pessoas acha-seisolado do resto do mundo, sem poder tomar suas
veis afinidades entre as duas fitas. Não gratuitamente que se quer
estabelecer tal filiação. Já vimos que certos aspectos importantes referências no mundo exterior; o ar rarefaz-se, as paixões exacer-
do atual cinema brasileiro, como o populismo, o marginalismo de bam-se, os homens entram num processo de destruição e de auto-
cima e o de baixo, encontravam-se muito provavelmente esboça- destruição. No fim do filme, só restam mortos e vivos que não
dos no cinema que se fazia por volta de 1930.Filiar Porto das Caixas valem muito mais do que os mortos, que são mortos por dentro.
a Limiteseria encontrar mais uma relação entre o cinema de hoje e Esse esquema tem um sentido metafórico: o isolamento repre-
o de há mais de trinta anos. Não se deve esquecer que 1930 o ano senta a condição humana determinada pelo absurdo em que nin-
de uma revolução promovida pela burguesia industrial. Ir além guém se comunica. Sobre esse esquema, enxertada, em ilha

dessas insinuações seria arriscar muito cinema daquela época como nos outros filmes, uma mitologia que tem suas fontes em
continua praticamente desconhecido - mas há provavelmente autores como Edgar Allan Poe e Baudelaire. Essa mitologia parece
pesquisas frutíferas a fazer nesse sentido. ser dominada pelo tema do tesouro escondido. tesouro que apa-
rece em ilha sob a forma de riquezas abandonadas por piratas do
século XVIII apresentava-se em Fronteiras do inferno sob a forma de
MITOLOGI DE K OURI
um diamante que um garimpeiro roubava e, em Na garganta do
diabo, sob a forma de um cofre que um velho escondia para que os
Com seu sexto e principal filme, Noite vazia 1965), Walter soldados não o roubassem.
Hugo Khouri também focaliza aspectos da vida urbana. Nã o o Parece que nos filmes de Khouri a idéia de tesour o esteja

subúrbio, mas São Paulo, a vida noturn a da gra nde metrópol e. ligada a um momento e um lugar onde a imobilidade e a calma
Khouri diretor há mais de dezanos; desde 1954,quando realizou total oferecem uma possibilidade de realização, longe das desor-
Ogigante depedra,vem fazendo um filme a cada dois anos mais ou dens e das dificuldades do mundo. O hom em esforçar-se-ia por
menos, em que elaborou uma temática idealista: num mu ndo em atingir esse ideal sem nunca o conseguir. Seu fracasso sempre
que a água o critério do bom, da verdade, da pureza, o aconche- completo. Quand o deixa a busca, vã, está irremediavelmenteven-
gante ventre materno, um pequeno grupo de indivíduos isolados, cido. Até ilha, Khouri não conseguira expressar tão bem sua
mitologia. As concavidades da ilha rochosa,que guardam o tesouro,
14 Conforme artigo publicado em Cader nos Brasileiros são inacessíveis. Os homens mais temerários encontram a morte

durante a procura. Os outros desistem.De qualquer modo, a ação onde o conde também é o meneur dejeu. Uma montagem contra-
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dos homens é vã. Note-se que essa busca não é ocasional, sendo põe às vezes uma cena entre as personagens com planos dos peixes 60/116
cercada por Khouri de todo um ritual, de uma espécie de nobreza batendo inutilmente no vidro para se encontrarem. Quanto às
8/15/2019
especial, que tem até seus brasões bandeiras, signos...), como Brasil
nos Em Tempo de Cinema
personagens, o fracassoé flagrante,pois estas, como os peixes, inte-
- Jean-Claude Bernardet
romances de cavalaria. gram o sistema de signos furos e estáticos. Assim como o gato é o
Out ro elemento fundamental da mitologia de Khouri é o destino, os peixes a incomunicabilidade, as personagens são alegó-
gato. Em ilha há até dois gatos. O primeiro, preto, é deixado em ricas: César é o sadismo, Cora, o amor puro e romântico etc. As
casa para que não corram risco algum os peixes que serão levados personagens não vivem, são futadas em seu significado abstrato e
no aquário d uran te o passeio. Cuidado inútil, pois o primeiro manipuladas pelo diretor como objetos. Se até agora temos visto
encontro que se dá na ilha é justamente com um gato, alegoria do uma classe média que não conseguia expressar suas contradições
destino. O gato quer atacar os peixes do aquário; o conde, que con- mas lutava para isso, aqui vemos uma classe média que implicita-
seguiu com dificuldade esse casal de peixes,atira no gato, mas não mente aceitatais contradições, ransforma-as em princípios meta-
acerta. Entretanto, nas duas vezes, o gato estava perto o conde é físicose, angustiada e romântica, põe-se a sonhar.
bom atirador. H á aí algum fenômeno ilógico, alguma influência Antes de ilha, Khouri não obtivera sucesso de público.
sobrenatural. No fim do filme, os sobreviventes deixam a ilha e o Conseguira somente despertar o interesse da crítica. ilha, pelo

conde esquece o aquário. Então, o gato apodera-se dos peixes e contrário, torn ou-se u m dos maiores sucessos de bilheteria do
volta a sua morada, nada menos do que a caverna que guarda o cinema brasileiro, pelo menos em São Paulo. Esse sucesso justi-
tesouro tão ambicionado pelos homens. Assim,Khouri, alegorica- fica-se pelo fato de que, por um lado, temos o espetáculo de uma
mente, faz o destino apoderar-se das criaturas e destruí-las. alta burguesia endinheirada a que nenhum luxo, extravagância,
O aquário também não é novo nos filmes de Khouri. Em excesso é proibido; po r outro lado, essa gente é apresentada como
Fronteiras do inferno viam-se cobras mortas conservadas em sendo farr ista, depravada, decadente; fica assim satisfeito um
vidros cheios de formol, e Luigi Picchi era fotografado em pri - público classe média que vê na tela manifestações de uma vida a
meiro plano atrás desses vidros, como o é em ilha, atrás do aquá- que aspira; e a apresentação desfavorável das pessoas que a levam
rio. Mas, em ilha, o aquário é a própria alegoria do filme. Os pei- compensa de um certo modo a insatisfação que poderia provir d o

xes encontram-se isolados de seu meio natural, qu e é a água nível inferior de vida do espectador. Em ilha, mora-se em pala-
corrente, e deve parecer abs urdo conservar peixes num aquári o cete, possui-se iate, uísque corre que nem água. Desde Estranho en-
quando há tanta água doce e salgada ao redor. Esse absurdo é gri- contro, Khouri contempla os copos de uísque q ue os burgueses se
fado pelo plano em que vemos o aquário tendo o mar como pano dão ao luxo de quebrar em seus momentos de raiva esse mesmo
de fundo. Do mesmo modo, as personagens do filme são extraídas gesto também seduziu o Abílio Pereira de Almeida de Santa Marta
artificialmente de seu meio. Mais ainda: os dois peixes são separa- Fabril S/A .
dos por um vidro, que o conde só tira quando a excitação sexual é
suficientementeintensa. o mesmo jogo que se desenrola na ilha,

NOIT V ZI mulheres nuas. Símbolo de voyeurisme esses olhos do presidente


http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Kennedy que entram numa montagem rápida com o rosto do per- 61/116
A farra e o esbanjamento de dinheiro prosseguem em Noite vertido e solitário Mario Benvenuti olhando a paz amorosa do
vazia. Neste último filme Khouri não dá tanta importância aBrasil
sua Em casal Norma Benguel-Gabriele Tinti.
8/15/2019 Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
mitologia ao sistema de signo. Reencontramos o pequeno grupo de No entanto nesse seu primeiro filme realmente urbano
indivíduos solados dividido em personagensdefinitivamenteper- Khouri demonstra sensibilidade em relação ao ambiente da
cidade. As personagens existem nas ruas de São Paulo: o vazio com
vertidas enrijecidas no vício corruptas e em personagens que que se depara o homem de negócios depois de fechar o escritório
ainda não foram tota lmente conquistadas pela corrupção cuja
pureza sensibilidade espontaneidade representam uma possibili- leva-o a preferir a companhia da esposa a daquelas meninas que
dade de salvação;a caverna tornou-se uma garçonnière a água puri- ainda não são prostitutas e esperam encontrar na galeria Califór-
ficadora aparece sob a forma da chuva que na sacada cai sobre o nia um alívio para o orçamento mensal. á também na galeria
corpo nu das personagens no moment o da verdade; na cena da Califórnia o u na avenida São Luís meninos que se aproximam
banheira o meio aquático dá ensejo ao despertar de um amor autên- com espanto dos trint a e que nada têm a fazer de noite senão cul-
tico desvinculado da corrupção; o nostálgico levantar da câmara tuar doloridos complexos. E o que fazem os neuróticos do filme
no fim do filme sobre a copa frondosa de uma das poucas árvores não representa exagero algum em relação ao qu e ocorre em deter-

que sobram entre os prédios está alembrar uma natureza perdida e minados apartamentos do centro da cidade.Também verdadeiro
a sempre presente possibilidade de salvação por meio do panteísmo. o papel do dinheiro em Noite vazia. Para afirmar-se Mario Benve-
Fora essas poucas alusões que contrariamente aos trabalhos ante- nuti precisa tanto do exibicionismo sexual quanto do monetário.
riores não invadem o filme a mitologia desempenha um papel dis- Tem dinheiro compra seu amigo e sua amante que para ele se
creto. O sexo que mereceu dessa vez os cuidados de Khouri. tornam objetos. com um maço de notas jogado na cama entre
O sexo não estava ausente dos outros filmes mas era tímido Norma Benguel e Gabriele Tinti que ele pretende destruir a har-
velado. Dessa vez Khouri desinibiu-se. Noite vaziadá a impressão monia momentânea dos dois namorados. E a fim de conservar o
de ser a concretizaçãodaqueles sonhos de adolescentes que ainda monolitismo das personagens os puros ficam a margem do cir-
não descobriram o sexo alheio. á simultaneamente uma exalta- cuito do dinheiro manejado exclusivamente pelos pervertidos.

ção impaciente e cerebral e uma degradaçãodo sexo.Troca de p ar- Muito dinheiro entra em jogo nesse filme mas não apenas
ceiros projeção de filmes pornográficos lesbianismo tud o isso por intermédio do dinheiro que Khouri torna presente a impor-
num verdadeiro delírio de voyeur. Voyeurssão as personagens em tância da quantidade na vida urbana e industrial. Como inúmeras
relação a si próprias e aos filmes pornográficos e também o dire- obras modernas Noite vaziatemum pouco o aspecto deum inven-
tor e os espectadores em relação as personagens.Atitude de voyeur tário; todo mun do vem fazer uma reza no altar cultural da socie-
tem a câmara que se esconde atrás de uma estante ou das grades de dade reificada; não por nada que Robbe-Grillet eria apreciado o
uma cama para focalizar as personagens. Objetos de voyeur o filme.Contam-se notas na tela exibe-sefartura no café-da-manhã
espelho em cima da cama e ao lado da banheira e os quadros de mas são principalmente as mulheres os objetos do inventário:

Odete Lara é a 368%a vida de Mario Benvenuti; além das duas angustiada de Mario Benvenuti: são os clímax psicológicos dessas
principais, nove mulheres desfilam no filme, isso sem computar as
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet duas personagens; lembrança infantil de Norma Benguel, chuva 62/116
inúmeras que, sob forma de bonecas, esculturas,fotografias,pin- e bolos na frigideira, corresponde o pesadelo de Odete Lara; e os
turas, filmes ou pedras de gelo, aparecem aqui e ali, o que culmina exemplos são numerosos. Quanto aos dois homens, suas relações
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
com a própria quantificaçáo do erotismo representada por foto- são idênticas as que ligam as duas mulheres. Assim, as quatro per-
grafias de um templo hindu. Sob o signo da quantidade encontra- sonagens são simétricasconforme um eixo vertical e um eixo hori-
se também o enredo: acumulam-se as tentativas de encontrar algo zontal. Essa dicotomia fortemente acentuada n o filme, e que se
suscetível de divertir as quatro personagens entediadas. Infeliz- encaixa provavelmente na perspectiva do voyeurisme faz de Noite
mente, esse aspecto do filme, que, embora não apresentando novi- vazia um jogo de espelhos.
dade, me parece importante para o cinema brasileiro,não chega a possível que tal dicotomia levante um problema interes-
adquirir toda a significação que poderia ter: a puerilidade com que sante. Embora não tenha ainda havido referência específica a
frequentemente é introduzido o dinheiro no filme,a preocupação esquemas dicotômicos, estes foram implicitamente sugeridos
tenaz em manter o quarteto de personagens em sua perspectiva pelas personagens que se encontravam entre dois pólos. Rôni, por
metafísica no tom salvaçáo/danaçáo,o tratamento pornográfico e exemplo, em seu vaivém entre a alta burguesia e o lumpemprole-
comercial do sexo impedem a quantidade e o voyeurisme de ex- tariado, entre suas duas amantes que pertencem a esses dois pólos
pressar a reificaçáo e um alheamento davida, e chegam quase a tor- sociais, representa de certo modo um eixo de simetria entre os dois
nar Noite vazia um filme feito para chocar o público dos domin- extremos sociais.Éválido perguntar se essa situação entre dois pó-
gos e os censores. los, fundamental para numerosas personagens para o conjunto
da temática do cinema brasileiro, não poderia atingir, não apenas
personagens, mas também a própria estrutura dos filmes.
BIPOL RID DE Não há muitos filmesque respondam ao apelo.Num ou nou-
tro, poderemos encontrar recursos desse tipo, bastante significati-
Outro elemento a notar no filme,e que também é prejudicado vos, em Os vencidos em que, como num jogo de espelhos, o pesca-
por sua pretensa carga metafísica, é a simetria entre os dois casais. dor extremista responde ao grande burguês extremista, e a gentil

oposição
casais entre ecasais
românticos puros pervertidos,
percorre todacondenados a nãoEnquan-
a obra de Khouri. amar, e burguesa ao gentil
morrem fazem eco pescador; em que
aos centristas os extremistas
conciliadores radicais que
que permanecem
to o casal Norma Benguel-Gabriele Tinti ainda é puro, não toca em em vida. Mas é principalmente Deus e o Diabo n a terra do sol que
dinheiro, o casal Odete Lara-Mario Benvenuti é pervertido e nos oferece uma estrutura simétrica óbvia. As duas fases da revolta
manipula dinheiro; em cima da cama do primeiro casal, um qua- de Manuel são sugeridas, de um modo maniqueísta, por Deus e
dro representa duas meninas no estilo de Marie Laurencin; em pelo Diabo, pelo Bem e pelo Mal, entre os quais Antônio das Mor-
cima da cama do segundo casal,carnudas mulheres nuas vão ao ba- tes vê uma relação dialética: Pra melhorar por bem tem de des-
nho; o sono calmo e carinhoso de Gabriele Tinti opõe-se a solidão tru ir por mal (frase suprimida na versão final do filme). Essas

duas fases da revolta tem estrutu ras praticamente iguais: ao episú-


dio do fanatismo violento dom inado pelo beato corresponde a
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violência mística dominada pelo cangaceiro, 2 cena da capela em
q u e culmina aação do beato çorrespandea cen d fazenda em que
8/15/2019 Brasil Em
culmina a a@o d o cangaceiro as duas únicas cenas d e interiores Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

referentes o fanatismo e ao cangaceirismo). cena de Antônio


das Mortes c o m o padre e o fazendeiro, ençsavada na primeira
parte, corresponde a cena de h t n i o com o cego, ençravada na
sewnda parte. Quer dizer que há u m jogo de correspondências e
de simetrias, nã o total, m s relativamente complexo.
Correspondincias e simetrias nso são novidade, e 6ss
encontramos anto na poesia simbolistaco mo na somkdia de bou-
Iward ou n o teatro épico ou n a sabedoria popular. N o entanto, o
fato d e haver um icotomia tão acentuada em dois filmes como
grrinclr-first~:toni e hl.l,iria da eira Geraldo de Rey e tuis;i
Noite vazia e a s e o Diabo postos por tantos motivos ideolbgi-
Maran h áo ).
cos e formais, torna li ito perguntar se essa simetria n ã o seria o
reflexo, n o nível da estrutura independentemente dos enredos,
dos conteúdos, das posições ideológicas), da situação daquelas
personagens que vimos divididas entre dois pblos, çituaqão essa
em quelocalizarnos a expressão das hesitações,da incapacidade da
classe media hra deir a. Ou melhor, se a classe média em pro-
jeto prbprio, vinculando-se, por motives diversos, anto i burgue-
sia quan to ao povo- não expressaria essa bipolaridade através de
estruturas simttricas. E u ma pergunta. É cedo demais para respon-
me
der afirmativa ou negativamente. mas parece ser u ma linha de
pesquisa v álida.

SEXO ABJEÇÃO E A N A R Q U P A

Insistir sobre sexo não particular a Walter Hugo Khouri: é


toda uma corrente do cinema brasileiro, que se explica por 6bvios g r a t ~ i i e j r i r n oni grá-fina GcralJo del Rey Iclcna Ines .

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

~ i d ~ i ews: abiano r i i i l ~ iirici


I
s .

Barravento A r u l Aldo Teixeira .

Barravento Firminn Antbnio a n i ~ a i o .

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

ol st l rr i rr nitr 2 Gilcriie tieraldu rlcl liey .

s fuzis o esespero de aú ch o Atila Iório .

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

urrts Uinl ri t rr r rrri rio sriJ ~ l n t n r a M o r i ~ sMa uri c i o o Vale).

desafio: Marcelo motivos comerciais e sensacionalistas, mas tarnb6m por motivos


(Oduvaldo Viana Filho). sociológfcos Glauber Rocha tem certamente razão q u a n d o ve
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numa pornografia que se esbalda uma forma de anarquia estéril e
impotente. Trata-se de uma exploração paroxistica d o sexo que,
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema sem recorrer Bernardet
- Jean-Claude a desfiles de superbetdades ou nus artísticas mani-
festa, por parte dos diretores e roteiristas um exibicionismo que
chega s raias d o histerismo. Encontramos um coito tremido em
Seara vermelha; prostitutas de urinol na mão, alem de um abrir de
braguilha antes e de u m fechar depois do ato sexual em O wopeiro
(Aécio de Andrade, 1964 . A sin do aventureiro (José Mojica Ma-
rins, 1959 em tambim suas peculiaridades, com u m a mulher
que tira a calcinha quando o h o me m j4 está em cima dela; Oscafa-
jestes (Rui Guerra, 1962) tem coitos de vhrios tipos e uma sequen-
cia dedicada a Norma Benguel nua O fenômeno não passaria de
um elemento naturai da produção comercial numa sociedade em
q u e a pornografia é organizada e comercializada, se esses filmes
fossem da mesm categoria. M a s são diferentes em intenções e
sesul tadoç: A sina do awntureirok de péssima qualidade com fina-
lidades estritamente comerciais, enquanto Os cafajestes ou Noite
vazia ainda que de resultados discutíveis, são obras de intelectuais
inquietos.
A esse tratamento dado ao sexo relaciona-se o u tro sinal de
revolta anárquica: a abjeção. Apresentando ao m u n d o { burgue-
sia) uma imagem degradada dele mesmo pensa-se condena-lo,

rejeitá-lo. Em realidade, essa degradaqão revela mais autodesprezo


do que v o n t a d e de atuar sobre o mundo. A ação dessa atitude sobre
o público está limitada, pois ele aceita não sem prazer a imagem de
um mundo aviltado. Essa atitude encontra um perfeito exemplo
no plano final d o filme de Alberto d'Aversa, Seara vermelha: uma
moça sacrificada pela sociedade cospe sobre a platéia. Ta1 atitude,
Grnnde cidnde:
ludisrno de Ca unga
(AntBnio SampaioJ. i5. LJrna estétic da fome : 1965

ainda que numericam ente rara no cinema brasileiro, não deixa de mais o laborioso vômito público dos valores consagrados: a bom ba
ser significativade um certo tipo de comportamento, de um deter- atôm ica tem as costas largas, pois serve de pretexto a essa mostra
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minado m al-estar desorientado. A impotência na ação, ou porque de putrefação pretensamente apocalíptica a que chegou um certo
grupo social. Burgueses enriquecidos com portam -se como impe-
não se saiba ou porque não se possa agir, pode levar a uma louca
8/15/2019 vontad e de xingar. Brasil Em Tempo de Cinema -radores roma
Jean-Claude nos aos
Bernardet quais o dinheiro dá todo poder sobre os

Sexo desenfreado e abjeção, ambientados na pequena e alta outros. Os valores não passam de uma frágil camada de verniz, que

burguesia, essas são as principais características da obra teatral de esconde, mom entaneamente, a podridão. A gangrena atinge essa

Nelson Rodrigues que cham aram a atenção dos produtores cine- sociedade pelo sexo e contam ina os gru pos sociais que vivem a seu
matográficos. Nelson Rodrigues nunc a fez cinema, mas teve várias lado ou , mais exatamente, a classe média qu e serve a burguesia e se

peças (e um romance, Me u destino pecar filmadas: O Boca de humilha a seus pés. Nelson Rodrigues afirma qu e a população bra-

Ouro (Nélson Pereira dos Santos, 1962))Bonitinha mas ordinária sileira é composta por esses indivíduos servis, a que o dinheiro de
J . . de Carvalho, 1963), Asfalto selvagem J . B. Tanko, 1964), O
seus donos tirou qualquer forma de dignidade. Desfecho: um

beijo (Flávio Tam bellini, 1964))A falecida. Além disso, Eduardo


escravo-classe média e a professora-prostituta form am um casal-
Coutinho, co-roteirista d e A falecida, fez um roteiro baseado na zinho rom ântico que escolhe a dignidade e rejeita o dinheiro e o

série de crônicas intitulada A vida como ela é. E foi filmada a c onti- mu ndo em que o homem só é solidário no câncer ; isto é só no
mal, na doença, n o vício, na deca dência, os homens são irmãos.
nuação de Asfalto selvagem, Engraçadinha depois dos trinta. Glau- Essa cloaca erigida em metafísica resulta em: Creio que o hom em
ber Rocha quase adaptou tamb ém uma peça de Nelson Rodrigues.
em todos os quadrantes é um caso perdido, um ser trágico, que
Basta esta lista para indicar que Nelson Rodrigues é u m r a r o
ama e m orre, vivendo entre essas duas limitações. A meu ver, nada
sucesso no cinema. Escapam ao espírito de Nelson Rodrigues: A
diminuirá a angústia humana. Mesmo transform ando todos nós
falecida em sua primeira parte; com o frio O Boca de Ouro, Nélson
em Rockefeller,cada um com 88 iates, cinq üen ta amantes, casas
Pereira dos Santos adaptou um a peça do dramaturg o mas não quis
na Riviera, não sairemos de nosso inferno, continuaremos m íseras
sujar as próprias mãos; em O beijo, ao adaptar Beijo no asfalto,Tam -
criaturas . Crer que essa angústia possa ser eliminad a é digno de um
bellini elim inou o qu e de m ais válido havia na peça, a imprensa
simplório ou de um canalha ; e A sociedade verdadeira, a autên-
sensacionalista, conservando apenas o sexo, a que d eu u ma forma
tica comunidade hum ana, é extra-social':
do gênero expressionista norte-americano. Estamos em pleno c onformismo: deixemos que os ricos
Nelson Rodrigues no c inem a significa: sexo,virgindad e, estu-
pro, ninfoman ia, pederastia, lesbianismo, prostituição, moça apa - fiquem ricos, já sofrem bastante com sua angústia, e voltemo-nos

rentemente ingênua e ncome nda curra sob m edida, professora para a com unidade extra-social. Se Nelson R odrigues, aliás, tivesse

primária dedicada revela-se prostituta, político que engravida a uma compreensão m ais realista e m enos metafísica e moralista de

filha baseia sua camp anha na m oralidade, sogro pederasta com seu escravo-classemédia, poderia c hegar a conclusões mais incisi-
ciúme d o genro, grã-fino oferece curra com o espetáculo a seus vas. Qua nto ao retrato de um a alta burguesia degradada, não
amigos, mais tuíste e uísque, m ais piscinas e apartam entos de luxo, repercute p orque as personagens são falsas e não há análise do

grupo social. Nelson R odrigues talvez tenha tido a intenção d e fus- conclusão de que não adianta bancar o herói e de que, no fundo, vai
tigar o burguês ignóbil: enveredei por um caminho que pode me dizer mais ou menos a mesma coisa com o utras palavras. O jorna-
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levar a qualquer destino, men os ao êxito estou fazendo um tea- lista, após ter afirmado que nã o escreveriaoutra reportagem, tran -
tro d esagradável, peças desagradáveis... .Engano : após reticências sige. Con forme suas próprias palavras, não passa de um intelec-
8/15/2019 Brasil Em
iniciais, a burgue sia fez o sucesso de Nelson Rodrigues; os ingre- Tempo de Cinema -tualóide metido
Jean-Claude a besta':
Bernardet Encontra u m m eio-term o que satisfará
dientes de Bonitinha mas ordinária são justamente os alimen tos todo m undo : dirá mais ou menos o que quer (talvez menos do qu e
mais), e ficará em paz com suas preocupações sociais, permane-
prediletos do maso quism o de uma burguesia que gosta de receber cerá no emprego e não chocará a sociedade que representa a
bofetadas na cara; ela observa, com um prazer mal disfarçado de
ironia, o lixo que o a utor despeja sobre ela. Mas quem justifica a revista. É a conciliação. Quan do a noiva percebe sua atitude, ela
adaptação cinematográfica das peças de Nelson Rodrigues não é a tenta colocar o problema de modo um pouco mais claro: O

alta burguesia, e sim a classe média, que en contra na tela aquele i mpor t ant e é toma r um a decisão , e ele resolve sum ariame nte a
luxo, abundân cia, esbanjamento que acredita serem característi- situação: Você está exagerando tudo, como se uma reportagem
cas de umav ida a que aspira; e,por o utro lado, a xingação a que são fosse o troço m ais importante do m undo''. Tudo isso se dá entre
submetidos os privilegiados compensa uma eventual frustração. qua tro paredes, nunca o jornalista é visto em contato nem com o
Boa maneira de ma nter cada u m em seu lugar e evitar qualquer objeto de sua reportagem , nem co m a revista, e, quand o olha pela
janela, desfoca-se a paisagem da cidade . Está enclausurad o. A per-
alteração do statu quo.
sonagem d o jornalista, compo sta em 1963, á coloca personagens
e temas im portante s que se desenvolveriam mais tarde, nos filmes
C N LH EM CRISE
de 1964-65.Embora esquemático e nem de todo inteligível, Cana
lha e m crise é um filme de certo mo do precursor: a censura o inter-
Dessa classe média que serve de apoio a metafísica de Walter ditou duran te vários anos, prejudicando os debates que teria sus-
Hugo Khouri e q ue tem sido contaminada pelo dinheiro de seus citado.
dono s a ponto d e perder sua dignidade, o que leva Nelson Rodri-
gues a uma posição c onform ista, Miguel Borges esboçara um
retrato crítico em 1963, com Canalha e m crise. Uma das persona-
gens centrais do filme é um jornalista, encarregad o pela revista
onde trabalha de escrever uma repo rtagem sobre as atividades de São Paulo S. A (Luiz Sergio Person, 1965) é um dos primei-
um grupo de m arginais. A reportagem é recusada por ser violenta ros filmes que colocaram co m agu dez o problema da classe média.
demais. A revista pede um texto mais suave. Mas são justamente O filme am bienta-se em São Paulo, entre 1957 e 1960,n o m o m e n -
aquelas idéias que ele queria transmitir, e não outras. E mbora to da euforia desenvolvimentista provocada pela instalação no
ameaçado de perder o emp rego se não entregar outra reportagem estado de São Paulo de indústrias automob ilísticas estrangeiras.
satisfatória, ele não consegu e escrever até conseguir. Chega a Person, de mo do m uito significativo, não escolheu como perso-

nagens os empresários dessa indústria, mas sim pessoas que ap ro- nhu ma ; namora Luciana (Eva Wilm a), moça encontrad a num
veitaram o boom, mo ntan do peque nas fábricas que vivem na curs o de inglês, com q uem se casa. Se Carlos torna -se gerente da
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dependência da grande indústria. Os donos dessas pequenas firma de Arturo, não é porq ue o queira: as circunstâncias são tais
fábricas, que surgem da no ite para o dia, desenvolvem-se e enri- que acaba nesse posto, mas sem o menor gosto especial nem pelo
8/15/2019 quecem às custas da inflação (o dinheiro é substituído peloBrasil
cré- Em Tempo de Cinema -cargo, nem pela
Jean-Claude firma.
Bernardet No entanto, dese mpenh a eficientemente
dito) e de m anobras m ais ou m enos desonestas. Uma primeira suas funções.
característica dessa classe média q ue euforicamente enche os bol- Com o tantos rapazes em São Paulo, Carlos tentou, fazendo
sos está em que o desenvolvimento industrial não resulta dela, um rápido curso técnico e aprendendo inglês, tornar-se apto a
mas ela aproveita o desenvolvimento com o fim exclusivo de enri- encontrar serviço numa cidade predominantemente industrial,
quecer: está na total dependência d a grande indús tria, pela qual é que podia absorver mão-d e-obra especializada; sendo-lh e favorá-
condicionada, obrigando-se a obedecer-lhe cegamente pon to por vel a sorte, conseguiu evoluir,mel hora ndo seu salário e seu nível de
ponto. Representa essa situação o italiano Arturo (O telo Zelloni), vida. Mas sem se perguntar a que o leva essa carreira. Se não qu is
que vai c onstruir sua fábrica pe rto da Volkswagen, da Willys etc. ser aquilo que é tampouc o quis ser outra coisa. Nem quis, nem dei-
Quais sã o os seus objetivos? Ampliar sem pre mais sua fábrica e xou de querer coisa alguma. Carlos poderia dizer exatame nte o que
elevar seu nível de vida. Mais nada. O teto de Arturo um c arro já fora dito por um a outra personagem, Joã o Ternura, classificado

n o r t e- am er i can o q u e d ê n a v i st a, u m escr i t ó r i o d ig n o d e u m por seu própri o criador, Aníbal Machado, com o pequeno-burguês:
grande em presário, fazer publicidade, ter um ap artam ento na Pertenço a uma espécie aborrecida que não escolhi': D eixou-se
ci d ade e u m a casa d e cam p o , ter am an t es b o n i tas; b o m p ai d e levar pelos acontecimentos e fez um a carreira que representa u ma
família, satisfaz-lhe as necessidades sem , por isso, dar-lhe atençã o evolução típica de boa parte da classe média paulista. Se não esco-
demais. Figura simpática e dinâmica. Arturo, para chegar a seus lheu sua vida profissional, tamb ém p raticame nte nã o escolheu
fins, nã o hesita em ad otar atitudes servis, como as que tom a para sua vida pessoal. Casar ele quis, não pela noiva, nem pelo casa-
vender sua s peças àVolkswagen, e em se aproveitar de todo mu n- men to. Levado pela solidão, freque ntou Luciana, moça casa-
do, seja sua am ante, seja seu gerente ou seus operários, os quais doura , e acabou preso na engrenagem familiar. Mas também não
são entregues se m defesa a exploração. resistiu. A evolução é normal e não requ er escolha especial por

Nesse meio vive Carlos (Va lmor Chagas), personagem prin- parte d o interessado: tendo sua vida profissional mais ou m enos
cipal d a fita. Quem é? Trabalha nu m escritório. Após um curso de fixada, podendo assegurar o aluguel de um apartam ento inicial-
desenho industrial, havendo ampla procura de mão-de-obra, men te pequeno, o paulista classe média, de 25 30 anos, casa;
entrou para a seção de controle davolkswagen, a qual ajuda Arturo assim é o ritual.
a vender peças inadequadas, razão por que acaba sendo demitido. Luciana é ambiciosa e vê em Arturo o modelo a q ue Carlos
Pede auxílio a Arturo, que lhe oferece um emprego em sua fábrica, deverá obedecer. Carlos, casado e gerente, está na pele de qu em vai
da q ua l chega a ser gerente. Simultaneamente, Carlos tem várias com prar um a casa de campo. Vive na inteira dependência de fato-
aman tes, mas não consegue estabelecer relações sólidas com n e- res que não escolheu. Aumentando seu desinteresse por sua vida

profissional e familiar, nu m gesto de violência, inútil porqu e não dinheiro tem um papel relevante. Não só o dinheiro está presente
destrói nem prop õe seja lá o que for, tentará rompe r, em vão, com em filigrana o te mpo todo, mas frequenteme nte determina a situa-
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essa vida. Não sa bendo o que deseja, sabendo apenas que não quer ção das pessoas: porque Arturo não quer emprestar dinheiro a 71/116
aquilo qu e vive, acabará se ndo reabsorv ido pela vida inútil. Carlos que este aceita o emprego; porque Carlos ganha razoavel-
8/15/2019
Assim, Person coloca sua personagem nu ma posição ambígua: Brasil Em
mente qu e se casa; cobran do comissões a Arturo que Carlos con-
Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
entregue aquela sociedade, mas não se aliena totalmente; ainda segue pô-lo mome ntaneam ente em xeque; porque Luciana
capaz de reagir contra. capaz de perceber a medio cridade de r eceb e d i n h ei r o d o p ai q u e ela t en t a, i g n o r an d o a v o n t ad e d o
Arturo, Luciana e Ana. Sua consciência,porém, não vai até perm itir- marido, associar-se a Arturo; porque precisa pagar contas no fim
lhe a compreensão do q ue lhe acontece. Mas, enquan to Arturo e do mês que Ana trabalha; é o dinheiro qu e provoca um a briga entre
Luciana estão integrados nessa sociedade e limitam suas aspirações Carlos e Ana; Hilda não se dá com a sogra porque esta pensa que
a um a questão de nível de vida, nela Carlos não se integra. ela casou por dinheiro. dinheir o o rneneur de eu.
mesmo se dá com H ilda (Ana Esmeralda) e Ana (Darlene Em relação a Antônio das Mortes, Carlos um passo a frente:
Glória), dois excelentes retratos. Ana, como Carlos, não tem pro- a oscilação entre dois pólos sociais, que caracteriza a galeria das
jeto. Passando por várias camas, consagra seu tempo a te ntar subir mais significativas personagens do cinema brasileiro, desapare-
na vida, pondo s ua plástica e seu charme a serviço da publicidade ceu; essa ambigüid ade havia de resolver-se a med ida qu e os cineas-
automobilística. resto do temp o, procu ra divertimento. Sua ale- tas se aproximassem da problemática da classe média. A oscilação,
gria nã o esconde um a ce rta inquietação, e suas relações com C ar- todavia, não se resolveu por um a escolha consciente. Justam ente,
10s têm um quê d e neuróticas, são um vaivém estéril para os dois. não houve escolha, não houve elaboração de u m projeto. Carlos
Não está satisfeita com sua vida e não tenta outr a por estar com levado no camin ho aberto pela grand e burguesia. No entan to,
medo. H ilda, de condições financeiras mais elevadas, está na sendo Carlos uma personagem dr amatu rgicam ente fraca, Antô-
mesma situação: vida a esmo. Mas já está num processo neurótico nio das Mortes permanece com a última palavra. Mas, como Car-
avançado, que se encerrará com o suicídio. A arte, a literatura , a 10s um a personagem que não escolhe e vive na dependência de
busca do absoluto, o narcisismo, o aviltamento de si própria (de- fatores exteriores que nã o controla e não tenta controlar, tais fato-
clara sentir prazer e m fingir que trabalha nu m hote l de rendez- res acabam prevalecendo sobre a personagem. Torna-se entã o ver-

vous), o cuidado e m nã o mistura r sua vida vivida e medíocre com dadeira personagem principal d o filme a cidade de São Paulo na
a vida ideal a que almeja ( Carlos, você não e nunc a será me u époc a do rush automobilístico.
amante , porque ele não digno disso), nada alivia sua tensão A personagem, que era o elemento dom inado r do cinema
con tínua , nem satisfaz sua real angústia, que se manifesta pelo brasileiro (inclusive em Vidas secas),perde força e prestígio em São
desejo de amar intensame nte. Nada desarm ará sua alienação. Paulo S.A., evolução essa que certam ente não marcará o conjunto,
Suas relações com Carlos não levam a coisa alguma, nem para ela, mas pelo menos um a grande parte d o futuro do cinema brasileiro.
nem para ele. A impossibilidade de Carlos escolher, o fato de ele não se pro por
Nesse vazio huma no, nesse desenvolvimento ind ustria l, o alvo algum, provoca sua a tomização. Até agora os filmes brasilei-

ros têm respeitado a ordem cronológica, seguindo a dinâmica da dos pais d e Luciana, os fiscais do Ministério d o Trabalho, operá-
narração e da evolução das personagens, isso pelo meno s no qu e rios, uma louca, um jardineiro, uma mendiga, um motorista de
diz respeito ao cinem a de nível cultural de uns ano s para cá. O
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet cam inhão , um delegado, um recepcionista de hotel etc.; TV , i- 72/116
retrospecto raram ente utilizado; referências ao passado são fei- nem a, revistas, futebol, pregações na rua, m archa cívica. São Paulo
tas apenas nos diálogos. O retrospecto de A falecida caso excep- eufór ico exibe-se. Seu passado está definitivamen te enterrad o:
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
cional, mas nem por isso o espectador encontra dificuldade em que m teria acred itado fosse o Brasil capaz de constr uir carros; o
restabelecer a ordem cronológica. Como Carlos movido do exte- café pertence ao passado; hoje os filhos não respeitam mais os pais
rior, sem dinâm ica próp ria, ele não controla o en redo d o filme, e do porto de areia nada sobra. Hoje São Paulo a máquina que
esfacela-se, e a ordem cronológ ica subvertida. Todo São Paulo puxa o Brasil. Do interior do estado, de outros estados, de outra s
S. A. (salvo as seqüências finais) um retrospecto no interior do nações, gente vem tentar a sorte em São Paulo, operários n ordesti-
qual o tem po tratad o acronologicamente. Se o espectador conse- nos, uma mineira que pretend e ingressar na TV , talianos, alemães.
gue perceber em linh as gerais a evolução cronológica da vida d e São Pa ulo S. A. um carrossel, um tu rbilhão agitadíssimo e baru -
Carlos, nos porme nore s não possível. Na primeira parte do filme, lhento. Tudo isso sem finalidade, nada leva a nada. Nas ruas, as pes-
sobretudo, o temp o caótico, a evolução temporal substituída soas estão apressadas e de cara ama rrada . primeira reação sair
por u ma sucessão de fragmen tos de ação cuja apresentação no s dá de São Paulo. O divertimento den tro da cid ade já não satisfaz, o
um a impressão de sim ultaneísmo . Em sua falta de perspectiva pró- jeito fugir e a fuga um dos temas centrais do filme: por não
pria, Carlos assediado por suas lembranças, geralmente provoca- terem perspectivas próprias, as personagens são esmagadas por
das por acontecimentos ou sugestões presentes, sem qu e um a São Paulo; nada tendo a o por a esse esmagamen to, as personagens
orde m precisa lhes possa ser dada. Antes ou depois, não faz dife- fogem. Esse trem, caminhão , lambreta, lancha, ônibus, os quatro
rença. Embora n ão levand o essa técnica a suas últimas consequên- carros utilizados pelas personagens são possibilidades de escapar.
cias e, talvez, não send o sempre de um a total felicidade, o roteir o Fuga, a casa de campo, o domin go na praia, o apartamento em São
de São Paulo S.A. parece-me um a evolução importante n uma d ra- Vicente, baile ou banh o n a represa; o desejo de Ana de viver com o
maturgia que visa expressar conscientemente a não-escolha de nu m filme mexicano; a procura do amo r absoluto por Hilda, que
uma personag em e, através dela, de uma classe social. após o casam ento mor a fora de São Paulo, e finalmente se mata. E

Com o Carlos não se impõe, quem se imporá São Paulo, cujo a revolta de Carlos, que não aceita mais São Paulo, mas que nada
dinamism o dará fita seu ritmo. Os fragmentos vão desfilar veloz- tem a propo r nem para que lutar, reduz-se a uma fuga mom entâ-
mente a nossa frente. A câmara não pára. São Paulo despeja diante nea e fracassada. Sua fuga resolve-se num a belíssima cena: embo ra
de nós tu do aquilo qu e tem a oferecer. A fita toma então um muito possuindo um carro seu, Carlos foge com um carro roubado; um
nítido aspecto de inventário (qu e já adivinhávamos em Noite ataque do s mais primários, quase visceral, contra aquilo qu e o
vazia) com efeito cumulativo: duas fábricas, onze músicas, quat ro esmaga. Rouba o carro num estacionamento onde se encontram
bailes, nove veículos etc.; desfilam apartam entos, casas, bares, milhares de carros contidos em filas, frente a frente'', no meio dos
boates; multiplicam -se as personagens secundárias: os acomoda- quais Carlos está isolado; esse plano adquire assim um valor sim-

bólico e irônico: Carlos perdido no meio de e por justamente Duília, sua primeira nam orada, o único acontecimento válido de
aquilo que ele constrói, esmagado pela quantidade e pela pro du- sua vida. A personagem principal de Um ramo para Luísa Paulo
ção em série, rouba o que fabrica. O plano condensa toda a situa-
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Porto) um jornalista que amo u uma prostituta, que teve uma 73/116
ção de Carlos e sua impotência. aman te grã-fina reencon tramos aqui um esquema já familiar, a
Do p onto de vista da temá tica, São Paulo S. A d a m ai o r personagem entre dois pólos sociais: burguesa e prostituta eram
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
importâ ncia para o cinem a brasileiro. Seu aspecto mais relevante também as mulheres entre as quais evoluíam o Rôni de A grande
não a apresentação da solidão e da neurose na metrópole esma- feira e o Tô nio de B ahia de Todos os Santos), mas não c onsegu iu
gadora: a denúnc ia da classe média como visceralmente vincu- estabelecer relações dura dour as. O ornalista deixa escapar a moça
lada a grande burguesia, de que m depende sua sobrevivência e a que o filme apresenta c omo se ndo a solução para sua vida senti-
quem se associa na exploração do proletariad o; a denún cia dessa mental: trata-se de uma colega da redação do jornal, moça d o
massa atomizada, sem perspectiva, sem proposta, unicam ente mes mo meio social que ele. Mas ele se confessa incapaz de de cidir,
preocupada em elevar seu nível de vida e portanto inteiramente de resolver alguma coisa a respeito d e si e de sua vida. O filme
mercê da burguesia que a condiciona. Totalmente indefeso, Carlos começa depois da morte da prostituta e inteiramente construído
tem os braços abertos para o fascismo. base de retrospectos. O jornalista rem emora ou conta sua vida a
um colega de bebedeira. Trata-se do fenô meno que verificamos
acima: quanto menos válida a vida presente, meno s resistente e
MARASMO E CORES dinâm ico o presente e mais fracas as personagens, m ais estas ten-
dem a dissolver-se; o passado pesa s obre o presente e o invade. A
Esse marasm o, essa falta de escolha que, através de Carlos, personag em não vive do presente, não se dirige para o futu ro e
encontramos na classe média, essa alienação de que morre a Zul- dentro dela estagna um passado morto.
mira de A falecida, essa putrefação q ue deco mpõe a Valquíria de significativoque ultimamente esteja aumentando a percen-
Desafio-roteiro,não são apenas apanágio de um cinema que adota tagem de filmes que recorrem ao retrospecto. Se, vez ou outra , o
uma posição crítica diante da realidade, mas já se tornara m tem á- retrospecto apenas um recurso narrativo que cria uma espécie de
tica corrente num cinema que pretende ser antes divertimento que suspense, a m aioria das vezes ele corresponde a um com porta-
me nto psicológico da personagem, como o caso em Um ramo
reflexão sobre a realidade. Personagens frac assadas e desalentadas,
cujavida está sen do ou foi inútil, enc ontra mos em Viagem aosseios pa ra Luísa ou e m Viagem aos seios de Duília, no qual o passa do não
de Duília Carlos Hugo Christensen, 1964 ou Um ram opa ra Luísa só irrompe na vida oca do funcionário público, mas se torna até o
J. B. Tanko, 1965 . O Zé Ma ria Rodo lfo Mayer) de Viagem aos própr io alvo dessa vida. Outr o elemento que nos traz Um ramo
seios de Duília um m odesto funcio nário público, solteiro, tímid o para Luísa a importância quantitativa da fala, que resulta da
e acanhado, sem dificuldades financeiras, que, uma vez aposen- mesma característica. D iminuin do a força do presente, inexis-
tado, percebe que nada ad iantou ter passado quarenta anos a tindo dina mismo nas personagens, não se descortinando pers-
remexer papéis, e vai procura de sua infância, quan do encontrou pectivas, a ação fraqueja e cede lugar fala. E provável que o cinema

brasileiro nunca tenha sido tão prolixo como agora. tal pon to luta: Procura-se uma rosa Jece Valadão, 1965 . Lino e Rosa Leo-
que o bar, a boate ou, principalmente, o botequim carioca torna- na rdo vila r e Teresa Raquel), dois pomb os classe média, ele mecâ-
ram-se lugares de encontro obrigatórios, em que a principal per-
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet nico, ela professora primária. Trabalham bas tante; querem m elho- 74/116
sonagem m asculina se queixa, junto aos colegas, da vida, narra rar de posição: ser professora já é um grande passo; ele faz um
seus fracassos ou desabafa. curso para conserto de televisão. Ela que r uma geladeira e um anel:
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ambém revelador que a profissão da personagem principal a primeira, objeto linha branca q ue integra a pessoa nos prazeres
de Um ra mo para Luísa seja o jornalismo: o jornalista tem cont ato da sociedade de consumo; o segundo, orname nto inútil e caro,
com m uita gente de meios sociaisvários, mexe com assu ntos diver- marca indisfarçável do nível social que se atingiu. Mas nada de
sos, mas em geral fica flutua ndo e ntre essas pessoas e esses assun- geladeira nem de anel. dinhe iro não dá para coisa alguma. O
tos sem integrar-se realmente é pelo menos a imagem que se tem médico receita superalimentação. Moram no subúrbio, todo dia
comum ente do jornalista); ele é um pouco uma roda solta. O jor- esmagados no trem superlotado. É uma constante humilhação. O
nalista, protagon ista de vários filmes recentes Can alha em crise, vidro que separa a vitrina da rua deixa-os fora do mundo. uma
beijo, Society em baby-d oll, O desafio, Terra em transe), passou a frustraçã o social e individual que g era a raiva.
aparecer com freqüência no cinema brasileiro. sintomático que Procura-se uma rosa expressa, em um nível corriqueiro e mes-
elementos dessa ordem a pareçam em Um ramo para Luísa, pois se quinh o, o amarg or de um baixo poder aquisitivo, e o expressa tal
trata antes de mais nada d e um filme que pretende uma explora- com o o ressentem cada vez mais extensos setores da população
ção sensacionalista do sexo. Tudo nele é superficial; de jornalista, a urbana: é, para L ino e Rosa, uma ofensa vivida no nível do grupo
personagem só tem o rótulo; a prostituta respeita os clichês mais familial, sem visão de conju nto da sociedade, com total ign orância
banais da vítima social digna e que que r redimir-se; e a câmara das implicações políticas. E, como as personagens, os autores d o
limita-se a périplos vários em t orn o de uma cama. Mas, nesse filme filme ficam na problemática da geladeira, sem ver o que há atrá s.
vulgar e comercial, encontramos alguns dos elementos que carac- Para sair dessa situação, já que a sociedade não corresp onde a suas
terizam també m um filme da importância de O desafio, conf ir- aspirações de a scensão social, Lino pratica um ato ilegal, rouba: é
man do assim o que pude mos sentir antes: o cinema crítico e o o mo mento em que o filme poderia ampliar sua problemática, é o
comercial têm uma evolução paralela; divergem fundamental- mom ento em que se torna ape nas um filme policial mal coorde-
nado. Mas ele expressa a raiva da classe média, humilhada por seu
mente q uanto aos pontos de vista, mas os temas, os problemas, as baixo poder aqu isitivo,num nível que pode perfeitamente ser assi-
personagens e algumas características formais o retrospecto, a
fala, o botequ im) são sem elhantes. milado e aceito por um grande público que rejeita filmes que foca-
cinema de inten ções comerciais nem sem pre se curva a esse lizam o mesmo estado de coisas num plano mais amplo e crítico.
marasm o, e reivindica acrimo niosame nte o nível de vida, esses O que não foi Procura-se uma rosa poderia ter sido um filme
objetos todos que um a sociedade deve proporcionar a quem nela que não chegou a ser produzido, inspirado em três contos de
e para ela trabalha, mais aind a qua ndo essa sociedade valoriza Depois do sol, de Inácio de Loiola. O que interessava a Roberto San-
tanto seus produtos que torna o consumo um a necessidade abso- tos, Sergio Person e Maurice Capovilla era justamente o problema

da ascensão social, a procura de um pode r aquisitivo maior e de a vida carioca: paisagem luxuriante, praia, mulheres lindas, fute-
melhor pad rão de vida. Com o os meios norm ais não satisfazem bol, vida notu rna agitada, a simpatia e a despreocup ação das pes-
essa aspiração, recorre-se a meios margina is e individuais, boxe
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet ou soas, o lirismo que sempre vem dar u m toque român tico vida, 75/116
prostituição. E os três diretores pretendiam enfocar de mo do crí- um a certa segurança financeira, apartam entos atapetados e deco-
tico o processo, levando ao fracasso as personagens que se isolam rados com objetos de mau g osto que aparen tam luxo e, principal-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
de seu meio para resolver seus problemas sozinhas e apenas para si. men te, a total inexistência de quaisquer problem as de ord em p olí-
Já que os meios norm ais não d ão, a estrutura dentro da q ual vive a tica: a classe média vai bem. Tudo isso, apresenta do em cores, com
classe média estoura, e apela-se para expedientes que vão do bis- efeitos de luz e música, dá-no s uma imagem risonha da classe
cate ao boxe, a prostituição ou ao roubo. essa mesma estrutura média. Crônica da cidade amad a pode ser o filme protótipo de u m
que procuram João Batista de Andrade e Francisco Ram alho no cinema oficialpara o Brasil de hoje, tanto m ais que qu em ajuda um
livro de M acedo Dantas, João classe médi a que eles pensam ada p- cego a atravessar a rua um oficial.
tar para o cinema: o pequeno fun cionário público não consegue Os interessados numa visão não problemática da classe
alimentar esposa e filhos com sua remuneração ; seu trabalho vai média pod erão preferir Society e m baby-do11 Luís Carlos Maciel e
assumindo um a posição marginal, enquanto os bicos se tornam Waldemar Lima, 1965).Os autores pretenderam fazer uma comé-
sua principal fon te de renda. Sua vida torna-se u ma corrida atrás dia que lembrasse a velha chanchada da A tlântida, mas uma chan-
do bico. O bico ou o roubo viram m eios normais de vida. J á que as chada crítica. Ficaram na pretensão. A idéia louvável: utilizar
estruturas normais não funcionam mais, o q ue era transgressão formas que com provadam ente atingissem o público para aproxi-
adquire foro de normalidade. Isso do po nto de vista de uma classe má-lo d e determinados problemas. Na realidade, Society e m baby-
média em via de proletarização e que não quer ver além de sua do11 apenas uma chanchada; só que, em vez de apresentar-se com
segurança financeira imediata. o tom popularesco tradicional, um a chanchada sofisticada.
O reverso da medalha a apresentação cor-de-rosa de um a Vedetes de rád io e V foram substituídas por atores de teatro, e
classe média sem p roblem as, sorr iden te e satisfeita: Crônica da um a personagem jornalista) dirige-se diretamente ao público
cidade amada Carlos Hugo Christensen, 1965). Filme de contos, para c omentar a ação, toque brech tiano e culto. Mas a aparência
apresenta, com um a escapada para a grande burguesia e ou tra para geral não m udo u m uito e a temática a mesma: ascensão de classe.
a favela, algumas dificuldade s da classe média. São fund am enta l- Duas esposas Ioná Magalhães e Natália Timberg) sentem-se des-
men te duas: o trabalho na repartição, na agência de turism o, na locadas no meio de suas famílias, cuja vida m und ana não acom pa-
reunião de negócios mo nóto no e vivido como uma frustração; nham . Trata-se de duas mulheres oriund as do M éier,bairro pop u-
trabalhar equivale a um parêntese na vida de gente. Por outro lado, lar da zona norte do Rio, que desposaram h ome ns em boa situação
o homem casado com uma esposa nem sempre bonita e geral- econômica repentinamen te transfo rmado s em milionários. As
mente chata e autoritária, e tem de subm eter-se a imposições fami- mulheres não conseguiam adap tar-se a vida de grã-finas. Num
liares que lhe tolhem a liberdade. Mas eis dois pequenino s proble- plano para reconquistar seus maridos, passam a agir como grã-
mas de bem pouca impo rtância diante das facilidades que oferece finas, dão-se muito bem com a nova vida e recuperam os maridos.

Se houve alguma tentativa de desmistificação da mitologia da melancólicos incentivos a reação psicológica. filme extre ma-
ascensão de classe, público nã o percebeu, pois o filme foi recor- men te dialogado; poder-se-ia dizer que com posto por uma série
dista de bilheteria. de conversas que reproduzem essas conversas de ba r q ue a juven-
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tude intelectual mantém interminavelmente sobre assuntos polí-
ticos, estéticos ou pessoais. Desse pont o de vista, o filme quase
8/15/2019 DES FIO Brasil Em Tempo de Cinema - um
Jean-Claude Bernardet
psicodrama. No entanto, através do uso abunda nte do diálogo,
desafio não pre tende realme nte disc utir idéias, mas antes carac-
desafio, de Paulo César Saraceni, a fita que vai mais a fun do terizar um certo estado, e, se não insinuar críticas, pelo men os
na análise do mara smo da classe média, e um gra nde ponto de sugerir perplexidades a nte tal estado. Pois, se as personagens tant o
interrogação. A fita am bienta-se logo depois dos acontecim entos falam, não que tenham m uita coisa a dizer, pois justamente nada
militares de abril de 1964, e a personagem central, Marcelo Od u- têm a dizer senão expressar sua desorientação; que elas são domi-
valdo Viana Filho), um jornalista. Marcelo, sem ter tido um a nadas pelas palavras. Para essas personagens q ue não agem , não
atuação política específica, deve ter vivido intensa men te a ond a fazem nada, a palavra simultaneamente uma form a de reação e
desenvolvime ntista do início dos anos 60, deve ter acr editado ple- de alienação.
namente na renovação do país e na força d o chamado m ovimento O diálogo assim uma forma de ritual; quase inteiramente
de esquerda, que nã o tinha bases e foi desbaratado em 1964.Após comp osto com frases feitas, com clichês: ele resulta intencional-
a mudança de regime, grande parte da esquerda e da intelectuali- mente naquilo que foi chamado de receituário das inépcias da
dade brasileira, que se nutria mais de mitos e esperanças que de u m esquerda. Por o utro lado, a palavra extravasa o plano d o diálogo:
real programa político e social, entrou num a fase de marasmo, o livro que Marcelo não consegue escrever, o rádio q ue informa. E
encontrou-s e sem perspectiva, sem saber que ru m o tomar, e a chega a tornar- se objeto na cenografia on de vive Marcelo: o tre-
palavra mais usada pa ra carac terizar seu estado psicológico e suas cho grifado do livro de Clarice Lispector, o cartaz de Liberdade,
hesitações foi certame nte perplexidade. liberdadenum muro da cidade e, no qua rto do rapaz, o livro A inva-
esse o estado q ue analisa Saraceni, tanto no plano da vida são da América Latina, um exem plar da revista C ahiers du Cinéma .
sentimental de Marcelo com o no plano das idéias e da ação. No As idéias não são princípios de ação; elas atolam-se em palavras
tocante a ação, o qu e se verifica a inação: não só a censura limita
faladas ou escritas, em representações gráficas, em citações.
muito a possibilidade de agir e falar, mas projetos que estavam em No plano da crítica das idéias, o filme tem u m de seus melho-
andamento e que poderiam eventualmente ter prosseguimento, res mom entos na apresentação do espetáculo Opinião, de inegável
como o livro que M arcelo escrevia, interrompem-se, nã o apenas qualidade artística, e que representou por un s tempo s uma ilusão
por falta de ânimo, mas p orque tais projetos nada m ais significam de reação a nova situação, e de comunicaçã o com o grande público
na nova conjuntura e també m porque não se tem idéia de quais os para tra nsmitir-lhe a insatisfação que se deve sentir diante da
projetos adequados ao novo estado de coisas. O m esm o ocorre no situação brasileira. Marcelo contem pla o espetáculo sem reação,
plano das idéias. Os diálogos são uma troca de perguntas o u de nada que indiqu e aprovação ou rejeição, e sua impassibilidade

coloca em dúvida toda uma linha de ação que foi e a de uma se. Desse fenômeno decorre u m out ro q ue se podia prever: Ada
esquerda que se conven cionou ch amar de festiva. No plano senti- não caricata. A personagem tratada com carinho e simpatia,
mental, Marcelo rom pe com Ada (Isabela),sua amante, esposa de emb ora se sinta que o direto r a desaprova. Ada talvez a prim eira
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um rico industrial (Sérgio Brito). Depois de abril de 1964, o esfa- grã-fina a ser considerada com o pessoa, e pela prime ira vez um tal
celamento de u ma série de valores tira inclusive de elemento s da papel confiado a uma atriz cujo com porta men to condizente
8/15/2019 vida íntim a seu significado e sua razão de ser,e Marcelo não encBrasil
on- Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet natural que a medid a q ue a classe média vá
com a personagem.
tra mais motivo nem força para prosseguir essas relações amo ro- encar ando de frente seus problema s, em vez de disfarçá-los ou
sas. Por ou tro lado, abril de 1964 repercutiu em Ada de m odo di- mistificá-los, as representações da alta burg uesia sejam mais rea-
verso, porque ela pertence a u m m eio diferente do de Marcelo (seu listas e mais sérias. Assim com o H elena Inês (A grand e feira,
marido dirige uma fábrica de 2500 operários). assalto ao trem pagador) foi a grã-fina por excelência da época
Embora Ada sinta-se deslocada em seu meio, não encon tre ingên ua e caricata, Isabela a grã-fina de um a fase crítica. A
nele a vitalidade q ue a seduz em seus amigos de esquerda , só mesma evolução se dá com o marid o de Ada, embora alguns cli-
pode sentir-se remotamente atingida pelo novo regime e tenta chês ainda pesem sobre a personagem; e a ambientação d a casa
convencer Marcelo a não c ortar as relações com ela, usando uma revela o mesmo progresso. Daí decorre tamb ém que o burguês
série de argumentos que tornam a mudança de regime um acon- não mais visto apenas em seus momentos de lazer, mas também
tecimento lastimável mas casual que não deve atingir as coisas em seu escritório, em sua fábrica, em co ntato com seus emprega-
fundam entais da vida, os sentimentos, os valores dur adour os, o dos e operários. Uma m elhor com preensão da classe média faz
amor. Marcelo rom perá co m ela, e Ada não tom ará a resolução entrar no cinema a burguesia industrial qu e até São Paulo e
categórica de ficar com o marid o e permanecer em seu meio, mas desafio estava au sente.
o que ela acaba fazendo. Ada e sua relação com Marcelo são u m Para com unica r a situação, Saraceni vale-se essencialmente
fenômeno fundamental porque introduzem no cinema brasi- da movimentação da câmara. Sem dúvida, nunca houve no
leiro algo que até agora não chegara a existir,ou seja,a luta de classe. cinema brasileiro uma câmara tão criadora quanto a de Lufti e
O rom pim ento M arcelo-Ada afirma que essas personagens são Cosulich nesse filme, inteiramen te feito de câmara na m ão. Ou a
marcadas por seu m eio e que en tre esses meios não há acordo câmara pára, extática, a contemplar um a personagem imobili-
zada, que nã o consegue viver, ou, mais freq uentemen te, fica em
possível. A ilusão do bo m entend imento entre classes opostas planos longos, perscrutando as personagens, girando em torn o,
passou; a mudança de governo extinguiu uma ilusão eufórica e
esclareceu a situação. Vivemos nu m tempo de guerra , diz a can- aproxim ando-se o u afastando-se delas, como a investigar os moti-
ção final do filme. vos da passividade. Nessa investigação, Saraceni foi ajuda do pela
desafio abre assim, juntam ente com São Paulo S. A., um a experiência de cinem a-verdade q ue fez com Integração racial,
nova perspectiva para a compreensão da sociedade brasileira no ond e a câmara procurava captar as pessoas, respeitando seu ritm o
cinem a. A ilusão da aliança burguesia nacionalista-classe média- próprio. a mesma impressão que se tem em desafio, ond e tud o
proletariado pertence ao passado. A classe média tem d e definir- ocorre co mo se o ator não representasse para a câmara , mas como

se a câmara documentasse u m ator-person agem. A câmara desas- parte do autor, o estado em que a personagem se encon tra já foi
sossegada, nq uieta, nervosa, também está a procura de um a saída, ultrapassado. O pró prio ato de realizar esse filme é uma superação.
e vai e vem e bate n o vidro como peixe no aquário. A câmara segue Assistir e com preend er desafio pode ser também, para o
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as personagens nas longas e tortuosas perspectivas que prop orcio- espectador, um mom ento de tomada de consciência do marasmo,
nam salas, portas, corredores e escadas, ransfo rman do a cenogra- pode contribuir para a superação. Não resta dúvida de qu e desa-
8/15/2019 fia em labirinto, mas as vezes essas personagens perplexas e inBrasil
ati- Em Tempo de Cinema - fio dirige-seBernardet
Jean-Claude a quem tenha os elementos para com preender Mar-
vas não têm suficiente força para reter o tempo todo a câmara, e celo. Ou tro elem ento positivo é a significação implícita da rup tura
esta então segue sozinha seu passeio, prolongando o impu lso ini- entr e Marcelo e Ada.
cial, e voltando e m seguida a procura da personagem perdida. Ou tro filme sintomático dessa evolução é V i r a m u n d o (Ge-
Toda a perplexidade e o m arasmo do filme está na câm ara, cujo raldo Sarno, 1965). docu men tário se consagrou principal-
papel não é apenas o de mostrar, mas de criar: é ela própria, um a mente a problemas rurais e, até este, não havia docum entário
das personagens d o drama. sério sobre a sociedade industria l. Em Viramundo Geraldo Sarno
Embora Marcelo tenha de certo modo evoluído durante o analisa a integração do imigrante nordestino na sociedade in-
filme, o final não é abe rtur a para ele. Nelson (Luís Linhares), inte- dustrial de São Paulo. O tratam ento dad o ao assunto possibilita a
lectual frustrado, envelhecido, cínico, provável representante da análise de aspectos da sociedade industrial em termos de classe,
chamada geração de 45, tenta atrair M arcelo para seu mu nd o vis- apresentando operários e em presários dentro das relações traba-
coso. Ele é a decadência consentida, a renúncia cultivada, a degra- lhistas, e vemos uns e outros e m seu local de trabalho. Pode pare-
dação física e mental. Marcelo recusa a propo sta de Nelson e sai cer pueril valorizar um filme pelo simples fato de apresentar u m
andando a procura de u m fu turo incerto, enquan to se ouve: É u m problema de classe, mas, para o c inem a brasileiro, que, condicio-
temp o de guerra , e a última frase é Mas essa terra , eu nã o verei'', nado pelo populismo, eliminou tais relações, o burguês de desa-
ou seja, um a expressão de desalento que se refere as palavras finais fio ou o empresário de V i r a m u n d o representam um a evolução e
de Deus e o Diabo na terra do sol ( A terra é do homem, não é de uma compreensão mais realista da sociedade brasileira. Mais
Deus nem do Diabo ). No entanto, o filme não é derrotista; ao con- tarde talvez se verifique que a apariçã o da burgu esia ind ustrial se
trário. Embora Marcelo seja um a personagem relativamente auto - dá num mo men to em que a política populista e o líder carismá-
tico não são m ais possíveis no Brasil, num mo men to de transição
biográfica e a síntese de u ma série de jovens intelectuais, pode ndo em que o país está mud ando suas estrutura s , por isso, foram
ser considerado como u m pro tótipo, não se cria uma identificação
entre o espectador e ele. Seu com portam ento, suas reações, suas necessárias as muda nças de ab ril de 1964 para que essa evolução
idéias, seu vocabulário são tão conhecidos e familiares (e não ape - se desse no cinem a.
nas para um público brasileiro), que Marcelo funciona como um O ro teiro de Glauber Rocha, Terra e m transe é também um
reflexo que possibilita um distanciamento crítico em relação a nós trabalho qu e resulta de uma med itação sobre o movimento socio-
próp rios e até a rejeição daquilo que ele representa. A lucidez com político desbaratado em abril de 1964, ampliada, ao que parece,
que se expõe na tela a problemática d e Marcelo indica que, por para um a visão geral da política n o m un do subdesenvolvido la-

t i n o - am er i ca n o . W u m p aís i mag i n ár i o , co n f r on t am- se u m precisamos proc urar os motivos. A tal análise do comportam ento
demagogo fascista e um político reformista que pretende um a político da classe média, o cinema brasileiro teria chegado mais
renovação social sem revolução, sem romp er com o statu quo, p o r cedo ou mais tarde; São Paulo S. A. inteiramente escrito antes de
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vias legais e conchavos. Entr e eles evolui um jovem político, o jor- abril de 1964, já analisa a classe média e já implic itam ente um
nalista Paulo Martin s, que quer levar o reformista a assumir atit u- filme sobre o movim ento militar. Mas este, por colocar claramente
8/15/2019 Brasil Em
des firmes, mas vencido por politicagem, entendimentos, conci- Tempo de Cinema - um a série deBernardet
Jean-Claude problemas, acelerou a evolução da temática d o cine-
liações e capitais estrangeiros; e ele próprio, apesar d e suas atitudes ma brasileiro. E aí, hoje, justame nte reside u m possível impasse do
e sua pureza, pertence ao m eio dos políticos corruptos o u im po- cinema brasileiro tal como vem evoluindo.
tentes. O roteiro um a visão crítica dos últimos tempos que ante-
cederam abril de 1964,que não só ataca os políticos com o tamb ém
PERSPECTIV S
o jovem que, com todo o seu ardor e honestidade, foi na onda d os
outros e se colocou no fun do num a posição antipopular, e ataca
principalmente a noção de povo que vigorava no antigo regime e São Paulo S. A. O desafio e Terra e m transe são reações dos
era toda macu lada de peleguismo. Terra e m transe, mais uma con- cineastas que tentam elucidar os acontecim entos do s anos 1963 e
denação moral do que uma análise sociológica, foi escrito com 1964. Passada essa reação, lícito pergu ntar qu e cam inhos estão
ódio, com raiva, obra de q uem foi mistificado e se mistificou, fun- sendo apo ntados. Colocam-se evidentes problemas de censura, o
dou esperanças sólidas em ilusões, e acorda. A personagem que que criará dificuldades a u m cinema que começou a desenvolver-

parece ser a mais importa nte a do ovem político que, mais desen- se nu m clima de total liberdade de expressão.
O cinema brasileiro quer analisar a classe média, que hoje
volvido, será não só um prolongamento de Firmino Barravento)
assu nto dos mais divulgados nos círculos oficiais. Uns acham que,
e de Antônio das M ortes De us e o Diabo na terra do sol), co mo
com a mudança de abril, a classe média conquistou o poder;
poderá ser tamb ém um a revisão crítica da atitude política deste
outros , que ela foi traída. Em seu nom e, faz-se mui ta demagogia.
último.
Justamentepor isso,o atual govern o prefere evitar que se discutam
O desafio e Terra e m transe são dois trabalhos diretamente
os problemas da classe média, seu com portam ento político, suas
provocados pela reviravolta de abril de 1964 e que não ass ume m a
perspectivas, tanto mais qu anto essa discussão inclui obrigatoria-
posição fácil de estar co ntra o novo regime, a favor do antigo. Pro- me nte considerações gerais sobre a evolução do país e o conjunt o
cura-se antes analisar o passado, insistindo mu ito na inconsistên-
de sua população. Donde se conclui que um choque entre o go-
cia das bases em que se apoiava toda uma política, e esse fato já
verno e os filmes brasileiros natural: não só a censura torna-se um
uma proc ura de caminhos. Fomos enganados e nos enganamos:
órgão mais forte e mais a rbitrário, como tam bém ela se multiplica;
cada unidade administrativa, por m enor que seja, cada entidade
16 Este livro foi escrito antes do lançam ento d e Terra em transe; seu autor teve
apenas a oportunidade de ler um dos roteiros preparados por Glauber Rocha, privada passa a ter o direito de praticar a censura que bem enten-
que, como se sabe, muito improvisou no momen to da filmagem. der em qualquer obra que seja. Quem não quiser ser atrapalhado

que siga a orientação de Crônica da cidade amada em cuja pri- frente. desse ponto de vista que o assunto tratado: ontem a luta,
meiraimagemvemos um militar ajudar um cego aatravessar a rua, hoje a contemplação e a nostalgia. Nesse filme do qual são perso-
o u a d e História de u m crápula JeceValadão, 19 65). Esse filme nagens objetos, estátuas e colinas desertas e silenciosas, não há
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet hom ens; só aparecem no final, imobilizados em sua m ediocridade 80/116
reduz a política d o antigo regime a um a questão de corrupç ão,
dando po rtanto inteira razão ordem policial e militar que eli- em fotografias fixas. O am biente profu ndam ente m elancólico
8/15/2019 mina o dep utad o Talavera e encarrega um generoso policial de Brasil
sal- Em criado por esse filme impregna-se na gente com o a umidade. E
Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
var a honra da moça abando nada grávida por ele. domina o filme o cuidado deliberado de fazer uma obra de arte
A censura obviam ente um grave obstáculo, e a tarefa requintada ; intenção do autor que o filme se apresente como um
mínim a de qualquer indivíduo lutar contra ela em favor da liber- obj et o que i medi atament e se enquadr a nu ma cul t ur a de bom
dad e de expressão. No entan to, ela não o pior obstáculo. Pode gosto, numa cultura de luxo.
frear um movim ento intelectual, pode impedir sua divulgação, O mesmo f enômeno se dá com H u m b e rt o M a u ro David
mas dificilmente po derá aniqu ilá-lo se ele for sólido e tiver bases Neves), filme muito bo nito, em que o ho mem forte e lutador cede
reais. Obstáculo muito maior o marasm o político, econô mico, lugar ao velho senhor cansado que hoje Mauro. Neves apresenta
social em qu e se afunda o país, a mediocridade e o imobilismo, que Mau ro filman do delicadamente pássaros, e adota, para descrevê-
podem lentam ente minar o movimen to intelectual. Esse o maior 10, a mesm a delicadeza a que rec orre o velho cineasta para filmar
perigo. Que as dúvidas, as contradições, o impasse angustiado d e seus pássaros. Desprende-se desse filme elegante um a impressão
Marcelo, não sendo mais fecun dado pela evolução social do país, de final, de cansaço, de calma tristeza. Guarda-se a mesma impres-
esmoreça, transformando-se nu m desespero apático, eventual- são de um cur t a- met r agem que abor da u m assunt o compl et a-
mente n um ceticismo castrador. men te diferente: Universidade em crise filme semi-amador de
Receio que sin tomas de u ma atitude desse tipo possam ser Renato Tapajós sobre a greve estudantil da Universidade de São
encon trados na leva de filmes de curta-me tragem produzidos e m Paulo em 1965. Esse filme, pouco d ocum entário, com o mérito d e
1966.O filme m ais saliente dessa produ ção Em busca do ouro em apresen tar fotografias da ocupação policial da Universidade, cer-
que Gustavo Dahl descreve a epopéia do ouro: a busca e o trata - tamente até agora o único filme brasileiro qu e teve essa coragem.
men to do o uro, o enriquecim ento de Vila Rica, a luta contra Por- Mas os estudantes são retratados co mo apáticos, corpos relaxados,
mãos entre as pernas, gestos hesitantes, cabelos de m oças, orado-
tugal, a Inconfidência, a repressão ao aborda r esse ponto, o trata- res que não são ouvidos, uma c âmara de m ovimentos inseguros.
mento dado a violência irônico e o espectador não deixa de ver
uma alusão aos dias atuais). Dessa epopéia, que sobra hoje? Nada, Os planos longos que sempre se repetem nu ma m ontagem sinfô -
senão cicatrizes na terra, ma rcas das antigas galerias, e lindíssimos, nica sugerem a apatia de u m g rupo de indivíduos que parece sem
mas frios e inúteis objetos de m useus. Acâmara passeia lentamente rum os, e o realizador do filme mostra-se tam bém apático, embora
diante desses objetos, contemplando-o s imperturbável. uma angustiad o diante dessa apatia. O m esm o pode ser dito do filme
câmara cujos mo vimen tos são elegantes mas gélidos, que n ão se seguinte de Tapajós, U mpor cento 1966),que se propõe aparente-
deixa alterar pelas coisas hum anas que even tualmente estão a sua men te discutir o p roblema d o vestibular e a falta de vagas para os

candidatos, e resulta num a espécie de triste litania em to rno da sassem a transpor a realidade brasileira ao plano d o fantástico, não
mediocridade dos vestibulandos (com alguns bons retratos im - para m itificá-la, mas para levar suas contradiç ões, sua violência e
pressionistas de adolescentes) e da ineficiência na abordag em d os conseqüências ao absurdo, pois só o absu rdo e a violência poderão
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problemas. E outros filmes manifestam simultaneamente a dar conta da realidade absurda e violenta que vivemos. fantás- 81/116
mesma preocupação e m ser cinematograficamente elegantes, e a tico como explosão libertadora as no plano do realismo.
mesma melancolia: Lima Barreto (Júlio Bressane), que se limita prime iro filme que poderá realizar-se nesse tom Terra em
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
a uma evolução de u m Rio de Janeiro início de século e parece transe. Mas essa tendência já está presente nos dois filmes anterio-
esquecer que, se Lima Barreto foi um home m doe nte e rejeitado res de Glauber Rocha; em Barravento, no papel da natureza, por
pela sociedade, tam bém foi um g rand e escritor; Heitor dos Praze- exemplo; em Deus e o Diabo na terra do sol, impregnava quase tod o
res, em qu e Antônio C arlos Fontour a, sem perceptíveis intenções o filme: o ritual da m orte no Monte Santo, a dupla personalidade
polêmicas, omite H eitor dos Prazeres pintando; R ubem Biafora, de Corisco, o sa que da fazenda, a m úsica d e Villa-Lobos, o gosto
em M ario Gruber, apresenta como um a vaidade humana as preo- pela violência e o grandiloquente já e stão no cam inho do fantás-
cupações sociais do pintor e sua tentativa de fundir arte, demônios tico. Mas prenúncios dessa tendência podem ser adivinhados em
pessoais e ideologia social; Djanira e Parati (Pedro Rovai) o elo- outr os filmes, principalmente no gosto pelo espetáculo, ou m e-
gio de um rico passado desaparecido e a saudade que fica. De todos lhor, qua ndo os cineastas se valem d o espetáculo ostensivo para
esses filmes, cujos autore s são na m aioria jovens que realizam seu salientar mais seus propósitos ou para distanciar os espectadores
primeiro curta-me tragem, e qu e são inspirados em personalida- das personagens e das situações. Um dos filmes que mais delibera-
des da cultura brasileira ou e m m ome ntos da história do B rasil, dam ente recorrera m a esse processo Sol sobre a lama, de Alex
ema nam a mesma passividade, infinita melancolia, quase gosto de Viany. Uma série de recursos artificiais faz com que o espec tador
renúncia. Talvez a pergunt a seja violenta, mas ela impõe-se : será assista não a estória que conta o filme, mas sim a um espetáculo
isso o prenúncio d e um cinema fascista? baseado nessa estória. Por exemplo: a primeira imagem do filme
Uma outra tendência que parece delinear-se infinitamente mostra coqueiros num estilo intermediário entre a folhinha de
mais estimulante e poderia ser qualificada de realismo fantástico empó rio e a fotografia de filmes comerciais de propa ganda, e se
ou realismo poético revolucionário , conforme a expressão de choca com a seqüência seguinte, artificialmente iluminada de ver-
Glauber Rocha, que, mais um a vez e mais um a vez em função d e melho; cores berrantes, sobretudo o vermelho, dominarão to do o
seus próprios filmes, aponta o cam inho. Que filmes, que estilos, filme, em que aparecerão também contrastantes trechos em preto-
que m odos de expressão virão encobrir essas três palavras? Não e-branco; a movimentação da câ mara, em sua incansável ginástica
possível sabê-lo agora. Uma certa ideologia e um certo progr ama de ca rrinhos , panorâmicas, zoom, deverá elevar os gritos, as corre-
de ação fracassaram, e permanec em e agravam-se os problemas rias, os movim entos de m assa a um nível épico; as talhas dourad as
que os motivaram. Nessa situação, o cinema que se inspirou nessa da igreja de São Francisco serão acompan hadas por ritmos de ori-
ideologia e nesse programa não p ode deixar de sentir-se também gem africana, enqu anto o altar dedicado a deuses afro-cristãos terá
em parte fracassado. com o se diante desse fato os cineastas pas- uma música sacra erudita . Essa tentativa de espetáculo, porém ,

resultou n um m alabarism o porque a forma ficou exterior, não i


Em realidade, poderemos, n um ou noutro filme secundário,
penetrando o tratamento dado as personagens nem a estrutura das verificar a perm anência dessa personagem oscilante entre dois
situações. Mas aí está, sem dú vida, um dos mo men tos desse espe- pólos e incapaz d e escolher, e que passa incólu me pela ação do
táculo cinematográfico tenden te ao fantástico que o cinema brasi-
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet filme. Só que ela se encon tra n um total estado d e degradação. Tal 82/116
leiro procura. como a mocinha (Anick Malvil) de Essa gatinha é m i n h a (Jece
Mais recentem ente, Carlos Diegues alcança melhore s resulta- Valadão, 1966): tendo sido sorteada para participar, no m esmo
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dos, nesse sentido, com Agrande cidade 1966).Para con tar as aven- horário, de dois programas de rivais, um de bossa-nova, outro
V

turas e desventuras
ele transformou de Luzia
o Rio e seusnutrês
de Janeiro m amigos chegados de elonge''
palco. Personagens situa-, de iê-iê-iê, ela não consegue escolher, foge, mas de repente nã o tem
mais de escolher, pois, para aquela noite, os dois programas fu ndi-
ções têm o esquematismo e o sabor de u ma certa literatura estratifi- ram-se n um só e as estrofes da canção serão cantada s alternada-
cada, cordel ou qu adrinho s, que fixa de modo quase caricatura1 me nte e m estilo bossa-nova e iê-iê-iê. A conciliação satisfaz a gre-
diversos tipos de inadaptação d o imigrante nordestino n a grande gos e troianos. Ou, então, Ponciano (Alberto Ruschel) em Riacho
cidade. Jasão (Leonardo Vilar) é o malandro que transportou para a de sangue (Fern ando de Barros, 1966): assume n o início do filme
favela aviolência do cangaceiro; Inácio (Jo elBarcelos),ao contrário, um a posição de justiceiro ao defender cam poneses atacados pelos
é passivo, justifica sua inércia e sua infelicidade acusan do a Re pú- capangas d o coronel; liga-se a duas m ulheres: a filha d o coronel e
blica que substituiu o bo m tem po d o imperador; Luzia (Anecy um a enérgica camponesa. Arma-se u m conflito entre o coronel de
Rocha) ama o malandro, é empregada de um a família rica e mo rre um lado e os cangaceiros e os fanáticos de ou tro, e Ponciano limita-
num a quarta-feira de cinzas. A quarta personagem é Calunga (An- se a uma a tuação exclusivamente verbal, entabulan do conversa-
tônio Pitanga), chave do filme. Seu papel é o de um meneur de eu ções com os g rupos rebeldes para convencê-los a lutar. Na ho ra da
espécie de mestre de ogo: orien ta as personagens, arm a situações e briga, por motivos nã o explícitos, ele se recolhe; acabada a luta,
come nta a ação, mas sem p articipar diretam ente dela, sem ligar-se a deixa a cidade e segue seu camin ho levando consigo o único so bre-
coisa alguma, permanecend o nu m plano superior, colocando-se vivente: um a criancinha. Ponciano é um a personagem decrépita e
numa posição marginal em relação à ação, embo ra ele próprio imi- ridícula que, emb ora centro de u ma ação, fica totalmente passiva e
grante nord estino. Após ter feito as honras da cidade para o s espec- reduzida a u m papel palavroso. Deixando d e lado a carência de
tadores, ele é o cicerone de Luzia e serve sobretudo de po mb o- imaginação com que foram tratados tanto a gatinha como Pon-
correio entre a moç a e Jasão. Tudo isso é feito numa fantasia ciano, ocorre que essa personagem, qu e em 1958-60 abria perspec-
coreográfica: pulos e risos; é a maneira de ele apode rar-se da cidade. tiva para o cinem a brasileiro, está em 1966 esgotada, decadente:
Nesse mestre de jogo, deve-se certamente ver um a m etam or- nada mais tem a oferecer; deve ser superada. Justamen te um do s
fose daquela personagem a que já me referi: o marinh eiro de A meios de superá-la, sem que se percam, e ao contrár io se enrique-
grande feira por exemplo. Aquela personagem-pêndu lo não é çam ,algu mas de suas características,é sem dúvida o mestre de ogo.
mais possível, e o mestre de jogo é uma m aneira de preservar o Luís Carlos Maciel sentiu o interesse dessa personagem , pois
marginalismo, a não-inserção na ação do filme. é esse o papel q ue de u ao cronista social (Ítalo Rossi) de Society em

baby-doll que ficou convencional e medíocre mas já começava a introduçã o que ambienta o filme num a cidade grande as pessoas
dar um a nova versão do marginal n o cinema brasileiro. Carlos de gravata de quem se poderia pensar q ue constituiriam o centro
Diegues deu a personagem uma outra dimensão quando esta por do filme saem de cena e a ação fica restrita a imigrantes nordesti-
descuido transm ite moça um recado do malandro d iante
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet de nos favelados. No entanto como o filme quase inteiramente feito 83/116
um a terceira pessoa a qual involun tariam ente veiculará o recado na rua constantemente essas pessoas reaparecem n o fundo dos
possibilitando assim a polícia localizar Jasão. Calunga que sem quadros atrás das personagens de ficção. E como as filmagens não
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querer entrega Jasão a polícia: nem c omo correio ele serve. Isso se pode m deixar de chamar a atenção dos transeuntes o ato de filmar

dá no capítulo do filme que em por título precisamente o nom e da torna-se sempre extremam ente presente; o espectador nunca tem
personagem. Não sem uma certa brutalidade Carlos Diegues tira a impressão d e assistir a algo de real mas sim a u m artifício. A ação
Calunga de seu fácil papel de mestre d e jogo e o comprom ete. Não do filme sempre tem espectadores na rua; a ação realmente uma
possível ficar margem dos acontecimentos; queiramos ou não ficção as personagens são realmente atores e o espectador q ue está
estamos envolvidos. Mas Calunga logo se recupera e após um na sala como que um espectador em segundo grau. Essas pessoas
mom ento de desvario coreográfico faz uma m ímica da ação do fil a quem sob ram uns poucos segundos diários de vida tornam-se
me e principalmente da mo rte de Jasão por quem responsável. O no filme contempladores espectadores passivos do dra ma dos
que enriquece mais a inda o marginalismo e o fracasso de Calunga imigrantes; um tratamento novo n o quadro do cinema brasi-
o pan o de fund o sobre o qual se desenvolve sua vida: o medo. A leiro q ue Carlos Diegues dá a classe média. efeito acentua-se
instabilidade a insegurança dessas personagens geram um estado quan do a ação se torna menos cotidiana; por exemplo na morte de
permanente de medo. Luzia oda penetrada por um m edo que não Jasão e Luzia: os espectadores da rua não estão presenciando um
arrefece seu desejo de viver pergunta a todos se també m n ão têm assassinato mas sim uma filmagem que um divertimento a mais
medo como qu e para se certificar de que não está ela própria nu m qu e têm a oferecer as ruas cariocas. Para mim aí reside o aspecto
estado anormal. E Calunga responde que assim mesmo que o mais au dacios o da realização de Carlos Diegues: esses espectado-
medo o ambiente natural dentro do qual se vive que sem medo res passivos transformam a cidade do Rio de Janeiro num palco no
não há vida. O medo subjacente a toda a jovialidade do filme qual Calunga maneja a ação que torna totalmente artificial.
apontad o por Carlos Diegues como um dos componen tes princi- Essa característica do filme resulta natura lmen te da opção
pais da vida urba na. feita pelo diretor mas també m das condições de filmagem e pro-
Calunga ab re o filme e coloca o espectador n um a falsa pista. dução. difícil saber quais foram os fatores mais determinantes.
Com o um praticante de cinema-verdade vai pergunta ndo as pes- Mas parece que Carlos Diegues ficou n o meio do ca minho. Esses
soas que encontra na ru a sobre sua vida e chega a conclusão de que espectadores de rua embo ra constantemente presentes ainda não
poucos s egund os diários s obra m a essas pessoas para viver. Essa o são suficientemente. A concepção do filme audaciosa mas sua
gente que atravessa apressada e de rosto tenso o centro d o Rio de realização as vezes tímida. Faltou provavelmente a Diegues um a
Janeiro veste ter no e gravata pessoal de escritório f uncion ário maior espontaneidade para aproveitar du rante as filmagens essas
público representante d e firmas comerciais. Oco rre que após essa aglomerações fortuitas que se formavam diante da câmara. A fil-

magem da m orte revela essa timidez: antes de atingir Anecy Rocha, macérrimos, desempregados, que se tornaram feras, não falam
interpretando Luzia morrendo, a câmara passa diante de um des- mais, não sabem m ais comunicar-se, e a simples visão de uma pele
ses grupos , mas passa rápida, quase furtiva, e se detém longam ente cor-de-rosa desperta neles uma agressividade incontrolável e
na atriz, enquan to, a m eu ver, teria sido desejável que o s especta-
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feroz. Vários método s são estudados para s anar a situação: en- 84/116
dores passivos e ocasionais tivessem quase tanta presença qu ant o quant o estudantes propõem que se tente mais uma vez o diálogo,
a atriz. outro s estão favoráveis ao uso da força. Mas, qua ndo os canhõ es
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Jean-Claude
entrar emBernardet
funcionamento, um cientista descobre um gás que
A encenação (a palavra tem toda a sua força de mise-en-scène)
e a montagem dão ao filme a forma de u m mosaico em que se jun- tem por efeito tornar os gaseados amáveis e amantes do trabalho.
tam elementos díspares, o que aum enta a impressão de espetáculo. Gaseiam-se os mons tros, a situação volta a normalidade, e o pro-
São principalmente motivos inseridos no filme sem que estejam dut o maravilhoso usado em âmbito nacional.
diretamente relacionados com a ação, e que compõem o pano de Mas, por enquan to, ainda não existem filmes representantes
fund o da cidade, tais como longos planos de soldados e tanques dessa tendência, e isso provavelmente o que motivou o grande
numa estrada, umavelha que canta diante de manequins que estão sucesso obt ido por meia-noite levarei sua alma (Jo sé Mojica
numa vitrina, uma banca em qu e folhetos nordestinos misturam - Marins, 1965 entre intelectuais, principalm ente cineastas, e o
se aestórias sobre GetúlioVargas,um quadrinho do Super-Homem, gran de público. Zé do Caixão um revoltado cujo principal rela-
um medalhão representando alguma dama imperial. A faixa cionamento com o m undo o sadismo. um revoltado raivoso e
sonora obedece ao mesm o tratamento: batidas de morr o, bossa- primário, que bebe a pinga de uma macum ba e come vorazmente
nova, iê-iê-iê, cravo etc., e, claro,Villa-Lobos. O filme assim adqu i- uma coxa de galinha diante de um a procissão num a sexta-feira
re um aspecto de justaposição de elementos,vulgarizada pela pop- santa. Mojica um cineasta primitivo (n o sentido em que se fala
art, o que salientado pelos cortes bruscos da montagem. Disso em pintor primitivo), que se entrega inteiramente: seu filme um
tud o resulta um filme qu e não tem aparência realista; antes apre- jato de libertação. Suas frustrações (lam enta não ter filhos perto de
senta-se como um espetáculo. uma estátua representando uma m ulher nua) e seu sadismo (po r
Essa tendência ao espetáculo como tal não ainda uma form a jogo, corta dois dedos de um cara com um a garrafa quebrada)
de rea1ismo poético revolucionário , mas provavelmente um a de atingem o paroxismo. Quando Zé do Caixão deixa de man ter essas
suas aproximações possíveis. Dever-se-á ir m uito mais longe, e as relações com o m undo, forças superiores apoderam-se de sua
sementes de um realismo fantástico grandioso estão amadure- alma, na maior alucinação da personagem.
cendo há anos. Já estavam presentes num projeto sobre B rasília
que Álvaro Guimarães não chegou a realizar. Jornais do Sul noti-
ciam que Brasília está isolada, cercada por mo nstros ; ninguém
mais entra ou sai da capital do país. Um jornalista finalm ente con-
segue averiguar e constata que de fato a cidade está envolvida por
um anel de mons tros qu e não são senão os favelados esfomeados,

soltinha u m tema e um enred o de extraordinária força, prejudi-


ormas cada por uma linguagem rebuscada e hermética. Se o público não
respondia a o apelo do jovem c inema brasileiro, seria porque a
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platéia não estava preparada para recebê-lo , por falta de maior 85/116
gabarito intelectual e de formação estética mais apurada . Não se
percebia que esse fenômeno nã o passava de uma conseqüência de
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema -uma
Jean-Claude
situaçãoBernardet
mais ampla.
Valorizaram-se, então, filmes como
Stella de Cacoyannis, por ser um melodram a popularesco q ue
fazia apelo a canção sen timental e a situações lacrimogêneas, mas
que tran smi tia, através dessa forma novelesca, uma forte aspiração
a liberdade.
Pensava-se na chanchada. Certo, a chanchad a era o que de
mais odioso se pudesse imaginar em m atéria de baixa exploração
do público; tinha, porém, público, e continua tendo. Oscarito,
A gestação de Antônio das Mortes, o aparecimento de Carlos Gran de Otelo e Cia. faziam nos cinemas, e agora na T V, s delícias
e Marcelo, a lenta elaboração de enredos e de personagens cujas de um grande público classe média. Certo, Mazzaropi tem um a
estruturas possam ter um valor equivalente a certas estruturas da visão reacionária d o caipira paulista, mas são a seus filmes que o
sociedade brasileira são a elaboração não apenas de uma temática, público paulista vai assistir. E propunha-s e Mazzaropi como tema
mas tamb ém de um a form a que expresse a problemática brasileira. de meditação aqueles que queriam comunicar-se com o público.
Encon traremo s problemas form ais semelhantes aos já colocados Tais debates podem hoje parecer grotescos, e não se pode negar
por personagens e enredos, a começar pela questão d o popular. que fora m em grande parte estéreis, mas refletiam u m problema
Popular, o cinem a brasileiro deveria sê-10 por vários aspectos: mu ito real e mu ito m aior: a classe média, seu projeto para a socie-
deveria tratar de assuntos d o povo e comunicar-se não apenas com dade brasileira, também não podia ter cultura própr ia nem projeto
uma elite cultural, mas com o grande púb lico. Abstrata e utopica- estético; a classe média, sem força para encarar n o cinem a sua pró -
mente, debatia-se se um conte údo novo acarretaria, inevitavel- pria debilidade, não podia formular um projeto estético para dar
mente, formas novas, o que levaria a uma longa fase de experimen- form a a algo que ela escondia. Éramos c omo Antô nio das Mortes:
tação d urante a qual a linguagem do cinema brasileiro não seria somo s incompreensíveis, nosso n ome não deve ser pronunciado;
entendida pelo grande púbico; o u se era possível rechear com co n- fazemos cinema sobre e para os outros , como Antônio prepara a
teúdo novo formas antigas já aceitas e comp reendidas pelo gran de guerra para M anuel, colocando-se entre parênteses. Mas, como esse
público. cinema, aparentemente referente e dedicado ao povo, de fato falava
A questão foi frequenteme nte colocada em termos exclusivos da desorientação da classe média (daquela qu e tinha a intuição dessa
de linguagem. Disse-se por exemplo que Deus e O Diabo na terra do desorientação) e levava ao equacionam ento de seus problemas, não

constitui surpresa que nem a classe média, que em sua esmag adora O can tor popu lar passa a ser figura de destaque em alguns fil-
maioria qu er ignorar sua situação, nem o povo fossem seduzidos mes: versifica e vende a e stória d e Zé do Burro, Rosa e Bonitão em
pelo cinema que se vinha fazendo e que se vem fazendo. O pagador de promessas. o próprio Cuíca de Santo Amaro que
Não quero justificar, com um a explicação dessa ord em , as
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet introduz e encerra a estória de grande feira dando ao enredo um 86/116
dificuldades de distribuição e exibição encontradas pelo cinem a tom de narrativa popular; aliás desejava-se que as personagens do
brasileiro: qualque r filme, inclusive sem nenh uma repercussão filme tivessem algo de estilizado que lembrasse a simplicidade psi-
8/15/2019 Brasil Em
pública, desde que explore normalm ente o m ercado cinematográ- Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
cológica dos heróis da literatura de cordel, e para o filme se fez
fico brasileiro, poderia cobrir suas despesas. Todavia, a cisão entre um folheto publicitário em verso, respeitando em tu do os tradi-
cinema e público n ão facilita a distribuição comercial, pois imp ede cionais folhetos nordestinos. A mesma intenção de dar ao filme um
que os filmes brasileiros possam ser considerados como pro duto s tom de narrativa popular transparece em Mandacaru vermelho
de consumo. (Nélson Pereira dos Santos, 1961 . Qua nto a Deus e o Diabo as
O surgimento de um Antônio das Mortes mostra que o estrofes de estilo e ritmo p opular p ont uam a ação, possibilitando a
cinema brasileiro está alcançand o a meta da fase que atravessa: a passagem de uma p arte para outr a e come ntand o as personagens.
problemática da classe média; e, paralelamente, nu m mesmo Nesse filme, como em Agrande eira nesse mo do d e usar a literatura
movim ento e esforço, enco ntra cada vez mais formas adequ adas a popular , Brecht estava presente no espírito do s realizadores. Mas
sua expressão. Mas, até agora, o problema foi catar formas. Com apenas Deus e o Diabo conseguiu assimilar plenamente esses recur-
exceção de alguns cineastas que escolheram suas formas n o reper - sos, que nos outro s filmestinham sempre algo de artificial e exótico.
tório do cinema do tal chamad o de universal (parodiando Mário Na música, o fenôm eno extrema mente sensível. Os filmes
de Andrade), as formas só podiam ser populares: a classe média pode m valer-se de música, pur a, não tratada: ela usada, com
progressista qu er inserir-se na perspectiva popular e o cinema letras e harmonia, de modo documental, em Barravento nas cenas
quer dirigir-se ao povo. O No rdeste forneceu algumas dessas for- de macu mba, danças e pesca, e também tem um papel dramático.
mas: tem uma trad ição musical e literária que não pode ria deixar Em Deus e o Diabo Sérgio Ricardo utiliza fielmente a harmo nia
de ser aproveitada. O cinema nunca chegou a fazer um João Boa popular que, associada a música er udita de Villa-Lobos, passa a
Morte Cabra marc ado para morrer e m que u m poe ta e rudito, constituir um conjunto sólido, dan do ao filme um aspecto de
Ferreira Gullar, aban don ando a linha concretista, adot a integral- ópera. M as, geralmente, a bossa-nova qu e recorrem os cineastas:
mente ( ou plagia) uma form a de literatura de cordel para com u- Antônio Carlos Jobim compõe a m úsica de Orfe u do carnaval de
nicar um conteúdo d e renovação social. Mas o patrimô nio nordes- Porto das Caixas; Carlos Lira, de Gimba e episódios de Cinco vezes
tino foi bastante aproveitado. o prolongamento de uma atitude favela. O espetáculo populista O p i n i ã o saúda o casamento: O
que tem mais de quarenta anos. Mário de Andrade já queria, sem Cinem a Novo ajudou m uito a música popular brasileira . Nada
nenh uma intransigênc ia, que a música brasileira encontrasse pro- mais natural se, conform e José Ramos Tinho rão, a bossa-nova tem
positadamente suas formas no populário, e a música eru dita de uma origem similar a do cinema: a bossa-nova nasce como decor-
Villa-Lobos deve muito ao folclore. rência do fenômeno de entusiasmo qu e levou a classe média a pro-

curar nos mo rros a fonte da vitalidade de uma cultura que não escolhido, com certa arbitrariedad e, porque ainda hoje sua obra
encontra exemplo em seu próprio meio . continua praticam ente desconh ecida. Liga-se seu nom e a outros da
Entre a constatação de que um filme é popular por ser cultura nacional raciliano Ram os, Heitor Villa-Lobos, Carlos
baseado em problemas que dizem respeito ao povo, de que ele se
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Dru mm ond de Andrade, JorgeAmado da cultura internacio- 87/116
vale de form as populares, e a conclusão de que ele é popular, ou nal. A propósito de Deus e o Diabo cita-se Brecht, Bunuel, Camus,
seja, destinado a ser com preendido po r um público popular, é u m Kurosawa, Eisenstein, John Ford, G enet, God ard, Horá cio, Kierke-
8/15/2019 passo só, e uma confusão mu ito grande se estabelece. Em Brasil Em Tempo de Cinema - gaard,
de bate Jean-Claude Bernardet
Platão, Sartre, Shakespeare,Visconti, o western e a tragédia
realizado em torno de Deus e o Diabo a palavra popular reveste-se grega, num delírio similar ao de Glaube r Rocha ao tentar, em Revi-
de todos os significados: o filme é popular porque é o ascenso são crítica do cin ema brasileiro integrar Humb erto Mauro a cultura
popu lar que o possibilitou ; em sua legitimidade , é absoluta- universal. Quer-se atingir a cultura universal pela força dos pulsos.
mente popular , porque seu tem a,o fanatismo, é produto d o povo Aquela frase do de putado Evaldo Pinto, de que o cinema bra-
do Nordeste num a fase de subdesenvolvimento ; é popular por- sileiro não é mais uma atividade divorciada das demais atividades
que está inscrito na perspectiva do público popular ; porque sua culturais de nível mais alto d o país, é uma verdade absoluta. Assim,
estrutura é desalienante e é estruturad0 em função de uma platéia o Cinem a Novo conseguiu transform ar o cinema brasileiro, ou
popular ; é popular porque o cineasta vai buscar sua expressão na melhor, deu ao cinema brasileiro essa categoria de manifestação,
chamada sabedoria popular . Por um efeito de auto-sugestão, de expressão de nossa cultura , diz Nélson Pereira dos Santos;'
repetindo suficientemente determinada palavra, a gente chega a se Paulo César Saraceni é ainda m ais claro: A ligação dos cineastas
convencer de sua veracidade. Poderemos repetir tanto quan to qui- com os romancistas, longe de torna r o cinema literário, acaba com
sermos a palavra popular. Deus e o Diabo e o cinema brasileiro não todo complexo de inferioridade qu e o cinema tinha para com
se torna rão mais populare s por isso. Dizer que Deus e o Diabo é outras artes .
filme popular é idealismo e mistificação.
Poder-se-ia pensar que que m está tão em penhad o em fazer Apela-se para Graciliano Ramos, Guim arães Rosa, Jorge
cinema popular pouco se importa com a cultura oficial. Mas o Amado, Carlos D rum mo nd, Jorge Andrade, José Lins do Rego.
cineasta brasileiro preocupa-se bastante com a cultura oficial. Cabe ressaltar que se as vezes a adaptação de obra literária n ão
Enquanto o cinem a era domina do por fazedores de filmes, com er-
ciantes ou artesãos bem-intencionados, a questão não se colocava. passa do aproveitamento de um título conhecido do público ou de
u m e n r ed o já pronto, freque ntemente, diretores e roteiristas
Qu ando o cinem a percebe que pode vir a ser uma força cultural, entra m nu m verdadeiro diálogo com o texto literário. o que se dá
inquietações surgem em relação a seu pedigree. Ele vai eleger um pai, com Vida s secas A hora e vez de Augusto Matraga Menino de enge-
pois o atual cinema brasileiro está praticamente sem antecedentes.
nho que são obras de criação cinematográfica baseada num a rea-
As possibilidades de escolha são poucas: Humberto Mauro foi o
i8. Debate em pré-estréia , 1964.
17 Um equívoco de Opinião , 1964. 19. Citado por Otávio de Faria em Porto das Caixas e o Cinema Novo''.

lidade concreta e n um a realidade literária. Nesses casos, não há essa vontade de erguer-se ao nível mais alto de que fala Nélson
empobrecimento d o rabalho cinematográfico. Outrossim, o apa- Pereira dos Santos entraria em contradição com a outra aspiração.
recimento quase que simultâneo de Vidassecase Deus e o Diabo na Essa categoria, essas outras artes são a cultura oficial, amplamente
terra do sol deixou bem claro o entrosamento d o cinema com o aceita pela burguesia. Tal cultura, em bora fre quentem ente de ins-
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melhor de nossa c ultura. Fatos culturais, esses filmes o são porqu e piração popular, justamente de uso privado da burguesia, a cul-
suas estruturas refletem estruturas da sociedade brasileira, e po r- tura de boa qualidade para o consum o de elite da classe média, e o
8/15/2019 Brasil
que não são cópias da realidade: seu realismo provém de um a Em Tempo de Cinema -povo
Jean-Claude Bernardet
encontra-se fora do circuito em que circula. O cinema brasi-
inteira reelaboração da realidade, óbvia em Deus e o Diabo, que se leiro teve e tem a intenção de torn ar-se no bre. E, mais uma vez,
coloca nu m plano quase alegórico, mas não m enos sensível, encontramos o cinema brasileiro oscilando entre dois pólos: cul-
embora mais discreta, em Vid as secas. Ainda que a fita tenha um tura popular e cultura oficial.
aspecto e inclusiveum sabor documentário, nada nela docu me n- Mas evidentemente na cultura burguesa e não na popular
tário. Por outro lado, essas fitas opõem-se frontalmente. O asce- que, pela temática e pela forma , se inscreve o cinema brasileiro. Se,
tismo, o rigor clássico de Vida ssecas contrasta com a exuberância por volta de 1960 as obras resultam frequentemente de um projeto
barroca de Deus e o Diabo, que se relaciona com a obra de Guim a- político consciente, nem sem pre lúcido, e os cineastas colocam
rães Rosa. Deus e o Diabo filia-se a uma linha cultural em que todas as suas intenções no nível do co nteúdo, aos poucos, por um
encontramos Os sertões de Euclides da Cunha , Seara verm elha de processo d e sedimentação, grande parte do significado deixou de
Jorge Amado D e u se o Diabo exprime muito mais ultrapassa ser tão consciente e passou para a estrutura . Rôni, Firmino, Tônio,
livro de Jorge Amado do que o filme baseado n o roma nce), Antônio das Mortes representam um processo de sedimentação e,
Fanáticos e cangaceiros de Rui Facó, cuja tese se assemelha do o que de maior importância, esse processo não se dá apenas em
filme, a música de Villa-Lobos, mas com Guimarães Rosa que relação obra de um diretor, mas em relação a um conjunto de di-
tem as m aiores afinidades. Como Guimarães, Glauber Rocha pa rte retores, ao cinema com o obra coletiva. Se seus autores podiam (ou
de um m aterial selecionado na tradição popular e reelabora em pensavam poder) explicar em termos claros o com portame nto das
matéria erudita, faz do sertão o mund o, coloca sua personagem personagens de Cinco vezes favela, já Glauber Rocha não mais
principal entre do is pólos antagônicos; poder-se-ia até percebe r consegue explicar Antônio das Mortes em sua totalidade. Isso por-
afinidades entre o uso da elipse narrativa em Grande sertão: vere- que, parece-me, o cinema brasileiro já expressão de uma coletivi-
d a s e em Deus e o Diabo, assim com o certas semelhanças literárias dade. Antônio das M ortes tem sobre p arte da sociedade brasileira
entre os diálogos do filme e o estilo de Guimarães Rosa. Se ver- um efeito de catarse que um Firmino não conseguia ter. Essa
dade que, na literatura, o ascetismo de G raciliano Ramos e o bar- catarse independ e de posições ideológicas: tanto um Alex Viany
roco de Guima rães Rosa represe ntam dois pólos característicos da como u m Moniz Viana reconhecem em Antônio uma persona-
cultura brasileira, Vidas secas e Deus e o Diabo deram a o cinema as gem fundamental. O mesmo processo de sedimentação produz-se
feições principais da cultura que a burguesia brasileira elaborou. simultaneamente em relação a forma. Primeiro falava-se em pro-
Se o cinema brasileiro tivesse aspirado a ser de fato po pular, curar racionalmente uma forma para o cinema brasileiro. Hoje, o

cinema, ndepende ntemente das obras individuais de cada diretor, Fabiano. Mas essa solução també m realista e estética: o sertanejo
apresenta formas que n ão resultam apenas de uma procura delibe- fala pouco e a rarefação da com unicação verbal corresponde ao
rada, mas que já são fruto de u m trabalho coletivo dos cineastas nível prim ário e m que vivem essas personagens condicionadas
que expressa parte d a sociedade brasileira. pelo essencial. Outra solução rica e original, de c unh o expressivo e
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estético, a apresentada por Deus e o Diabo em q ue se conjugam,
por u m lado, a laconicidade da introdução antes do início da
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - revolta) e a existente
Jean-Claude Bernardet dura nte to do o filme entre M anuel e Rosa, e,

por outro lado, o delírio verbal correspondente à alienação Ma -


Essa conquista de uma fo rma brasileira sensível na evolução nuel sonhan do com um futuro feliz, as declamações do beato e do
do diálogo, processando-se em duas frentes. Tem-se de substituir cangaceiro) e o canto que acompanha e comenta a ação.O cinema-
o diálogo redigido enfaticamen te na estrita obediência as gramá - verdade, gravando entrevistas, respeitando a expressão, o vocabu-
ticas portugue sas por u ma fala que não só respeite o uso efetivo do lário, o ritm o da fala cotidiana, será um gran de auxílio para a con-
português no Brasil,como tam bém o elabore numa form a expres- quista d e um d iálogo brasileiro. A abundânc ia de diálogo em
siva. Enquan to só agora o cinema brasileiro vem ab ando nand o o desafio já revela a aquisição de uma fala espontânea, para o que
uso do pro nom e enclítico, há décadas que a poesia trabalha com contribuiu o cinema-verdade; um fenô meno estético que ex-
uma linguagem coloquial. A outr a frente a acústica. Co mo as pressa um a realidade social.
salas foram construídas para a projeção de filmes estrangeiros em Ou tro aspecto dessa busca de um a forma brasileira a foto-
que o espectador lê o diálogo e não precisa ouvi-lo, bastan do u m grafia. Os fotógrafos e iluminadore s da Vera Cruz utilizaram um
vago rumo r, a acústica sempre foi neglicenciada. Além de lut ar claro-escuro rebuscado, uma luz trabalhada pelo rebatedor, pelo
para a reforma das salas, para a obtenção de u m equipame nto e de refletor e pelos filtros. Era a única escola de fotografia do Brasil e
técnicos que lhes possibilite dar tratam ento expressivo ao som , os continua tendo seus adeptos num Walter Hugo K houri ou n um
cineastas devem, com os m eios de que disp õem, fazer com q ue os Flávio Tambellini. Embora não se possa rejeitar sistematicamente
diálogos sejam ouvidos. P ortan to há sim ultaneamen te questões esse tipo d e fotografia, deve-se reconhecer que nã o está apto a
técnicas e estéticas. expressar a luz brasileira. cangaceiro produção da Vera Cruz,
Se existem ainda diálogos enfáticos, como em beijo se aqui fotografada por Chick Fowle, obtém efeitos de luz que nada têm a
ou ali, num A alecida o u n u m São Paulo S. A., há restos de diálog os ver com a luz que envolvia os cangaceiros. Dur ante as filmagens de
que cheiram a pena do escritor, esses dois últimos filmes conse- Barravento Glauber Rocha briga com Toni Rabatoni e, diz a lenda,
guem um diálogo coloquial, e já se realizam filmes que enc ontra m chega a jogar no ma r os instru men tos de esculpir a luz. Pois a luz
soluções exemplares. Um deles Vid as secas. Sendo praticamente brasileira não esculpida, não valoriza os objetos, nem as cores; ela
mudo, o problema técnico men or e, as vezes, não impo rta que achata, queima. A procura dessa luz era tanto mais imperiosa por -
não se entendam todas as palavras, antes pelo contrár io, como que o ambiente corrente do cinema era o Nordeste e a esmagadora
ocorre nos dois monó logos superpostos de Sinhá Vitória e de percentagem das filmagens se fazia ao ar livre.

Mas não se trata de reproduzir fielmente aluz do sertão: é pre- N TUREZ

ciso uma elaboração que chegue a um a interp retação da luz, vale


dizer a uma interpretação do hom em. A luz branca, ofuscante, Tal preocupação com a luz não provém da ar bitrária vontade
obtida por José Rosa e Luís Carlos Barreto para Vida s secas foi um de ter uma luz específica para o cinema brasileiro. um elem ento
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet funda men tal porque a maioria do s brasileiros não vive em algo 90/116
verdadeiro manifesto d o fotógrafo brasileiro.Valdemar Lima qua-
lifica de luz dura a luz que conseguiu para Deus e o Diabo. Essa luz que se possa chamar de casa. Viver nu ma casa adequ adam ente
construída Bernardet
e equipada supõe um a integração na sociedade. Ora,
8/15/2019 dura é o branco, bran co ach atado e mate; a fotografia brasileira é Em
Brasil Tempo de Cinema - Jean-Claude

queim ada, superexpo sta, esbranqu içada. E, se houver nuvens n o justamente as principais personagens do cine ma brasileiro não são
integradas na sociedade. Os Fabiano s, os Manuéis são por ela
céu, que sejam eliminadas da fotografia. a guerra aos labo rató-
explorados e rejeitados. o home m aband onado, e seu ambiente
rios, para os quais os matizes nunca são suficientes para o b om
não é uma construção de alvenaria, mas sim a própria natureza.
renom e de seus estabelecimentos. essa luz que esmaga Manu el
Acrescente-se a isso que as cenografias feitas em estúdio, além d e
carregando sua pedra em Deus e o Diabo que esmaga Fabiano. a
em geral serem de m á qu alidade, não satisfazem as exigências de
luz de Guim arães Rosa: A luz assassinava demais .20Não ap enas
realismo e caíram em descrédito quase no m un do inteiro; que fil-
no sertão que a fotografia é branca: a luz de Porto das Caix as (fotó-
mar em exterior ou em am bientes naturais é muito mais barato, e
grafo: Mário Carneiro) també m é inóspita. Qualquer sombreado,
esse foi um fator determinan te. Deve-se acrescentar que as filma-
acinzentado, quaisquer matizes representam uma pausa, um alí- gens em exterior são, desde os anos 20 uma tradição do cinema
vio. Com o será a fotografia dos filmes urbanos, não sei. A luz brasileiro, o que se deve a obstáculos técnicos e econômicos, mas
suburbana de A falecida é de u m cinza pobre e deslavado, tão tamb ém a intenções expressivas. Hu mbe rto M auro co nta as difi-
mon ótono quanto a vida das personagens e, nas ruas do Rio, é crua culdades de iluminação que tinha ao filmar em interiores, mas não
e esmaga. A fotografia esbranquiçada não é totalmente nova no esconde sua paixão pela natureza. O s fatores econômicos e técni-
cinema brasileiro: Edgar Brasil já procurava, para os filmes de cos não teriam sido suficientes se filmar em exterio r não corres-
Hum berto Mauro e Mário Peixoto, o branco. Mas era um b ranco pondesse a um a necessidade de expressão. Isso é tão verdade que
matizado, leitoso e brilhante , que não tinh a a agressividade do os filmes ambien tados no N ordeste (a vida rural tamb ém justifica
branco de hoje. Esse bran co agressivo não é propriedad e d o Brasil: o ex terior) e em favelas são os que têm a mais alta percentagem d e
vamos enc ontrá- lo nas paisagens rochosas e semidesérticas da exteriores; já os filmes que focalizam a classe média na cidade são
Grécia de Electra (Cacoya nnis) e da Sicília de Salvatore Giuliano obrigado s a recorrer m ais aos interiores. Nos filmes rurais, a casa,
(Francesco Rosi). o interior, é um lugar privilegiado, o lugar que justifica um a foto-
grafia sombreada, como que úm ida em relação a fotografia agres-
sivamente branca. A vida organiza-se em Vid as secas a partir d o
mom ento em que Fabiano encontra uma casa; sem casa, a vida é
20 Grande sertão: veredas. andança. Fora vivem os cangaceiros, fora an dam os imigrantes.

Mas quem valoriza ao máxim o as relações interior-exterior ticos. No filme, odos os elementos naturais são altamente valoriza-
Glauber Rocha. Em Barravento e Deus e o Diabo o ambiente dos dos: a terra, a vegetação, as pedras, a luz, a ampla paisagem do mi-
hom ens a natureza, mar ou caatinga. O interior, raro, torna-se nada pelo Monte Santo,oven to que se mistura música devilla-Lo-
assim um lugar excepcional. Em Barravento o lugar do inumano. bos. Esse telurismo, essa vontade de abarcar o dr am a dos home ns e
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Os únicos interiores são as cenas de macum ba e o velório dirigido da natureza encontra-se em todos os níveis da ob ra de Glauber 91/116
pelo Mestre já desa creditado. o lugar da magia, da religião, da- Rocha: a ação realista e alegórica; a música erud ita mistura-se
quilo que entrava a liberdade e a razão do homem . Já em Deus e o popular; as personagens expressam -se pela fala e pelo canto, pelo
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

Diabo o uso do interior um pouco mais complexo. Antes da re- gesto e pela dança. T udo isso, que já era sensível em Barravento (a
volta de Manuel, o interior um lugar humano , mais hum ano que gesticulação de Antônio P itanga chega às vezes a coreografia),
o exterior: Manuel e Rosa moem a ma ndioca e sonham com uma torna-se em Deus e o Diabo uma integração de todas as artes para a
vida melhor. Depois da revolta, o interior (apenas três cenas) o elaboração de um espetáculo épico. Essa vontade totalizadora
lugar do clímax; a maior violência do beato ( o assassinato da atinge um a expressão física com os movim entos circulares, quer os
criança na capela) e d o cangaceiro ( o saque da fazenda) estoura em atores girem sobre si próprios, que r a câmara faça panorâmicas o u
lugares fechados. em lugar fechado que nos apresen tado Antô- envolva as personagens em círculos fechados. Essas características
nio das Mortes. A personagem de Glauber Rocha vive seu dram a na são próprias de Glauber Rocha, mas a natureza com o ambiente dos
solidão de um descam pado, seja o mar, seja o sertão. Firmino co n- homens caracteriza grande parte do cinema brasileiro.
tra o céu, Corisco filmado em câmara alta girando sobre a terra,
Sebastião domin ando o M onte Santo. Os pescadores de Barravento
vivem quase nus, até a manifestação social da vestimenta foi elimi- FILMES BERTOS

nada (s ó Firmino, que vem da cidade, inteiramente vestido) e há


entre eles e a natureza uma espécie de osmose, que o próprio título Ou tra característica formal que se repete n o cinema brasileiro
do filme sugere, pois se refere tanto a u m fenôme no social quanto a ausência de conclusão, o filme que acaba sobre um a expectativa.
natural. Longos planos de mar po ntuam a ação da personagem, que O filme apresenta problemas que ultrapassam as personagens e
está frequentemente como qu e ameaçada de diluir-se num lirismo atinge m toda a sociedade. As personagens n ão resolvem e nã o
panteísta. Inesperadam ente, a natureza torna-se violenta e parece pode m resolver tais problema s; logo, o filme coloca em conclusão:
responder a Firmino q uand o este faz a macumba, e zanga-se no sui- qu e vai ser dessa gente? Os problem as serão resolvidos ou nã o? Tal
cídio de Cota, após o desvirginamento de Aruã; o mar m ima a nar- atitude de indagação també m se liga ao fato de que os filmes em
ração da velha contando uma ira de Iemanjá. A natureza quase geral apresentam os problemas populares aos dirigentes e não
personalizada e não deixa de intervir qua ndo julga necessário. esperam d o povo a solução. A ação de A grande eira completa-se e
menos participante em Deus e o Diabo tornando-se simplesmente se o filme fica em aberto graças ao comen tário do cantador: a
o palco do drama. Mas assim mesmo uma tempestade não deixa de grande feira continua; o mes mo oco rre com Sol sobre a lama: Mas
levantar-se quand o Antônio das Mortes decide exterminar os faná- a luta continua , diz Valente.

Recurso as vezes usado o primeiro pla no final: qual será o tativa de significar que o filme não acabou e que todo s os problemas
futuro do menino favelado cujo rosto um pon to de interrogação ficam para resolver terminar o filme como se iniciou: o que Flá-
no fim de Meninos do Tietê Que reserva a vida a Tônio no fim de vio Range1 faz em Gimba ou Geraldo S arno em Viramundo que se
Bahia de Todos os Santos? Recurso mais forte a ida a march a a abre e se encerra com a chegada dos norde stinos a São Paulo. Mas o
corrida. Para on de? Para um futuro ou um lugar desconhecido
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet filme que mais dá a noção de ciclo fechad o Vidas secas: a estrutur a 92/116
onde poderão ser resolvidos os problemas ou para viver exata-
do filme obedece ao suceder das estações acaba com o começou:
mente os mesmos problemas? a marcha final dos camponeses em Fabiano e sua família expulsos pela seca andand o. Fecha-se o cír-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
Maioria absoluta: a vida dessa gente continua e a tua tamb ém. a culo e se o filme fica em aberto porque sobre os últimos planos se
ida de Aruã para a cidade em Barravento; último plano d a perso- superpõ em palavras de esperança de Sinhá Vitória.
nagem: Aruã afasta-se lentame nte. a mulher de Porto das Caixas Será que esse final tão característico da ideologia do cinem a
que se afasta nos trilhos: que vai fazer de sua vida? Libertou-se brasileiro se modificará a medida que se penetre mais lucida-
mesmo? a viúva de Tião Medonho e seus dois filhos que andam men te na problemática da classe média? Seria audacioso dem ais
na ruela da favela após o saque de sua casa no fim de assalto ao afirma r qu e se São Paulo S. A. tivesse sido feito há alguns an os atrás
trem pagador: para que destino? a corrida estafante do garoto no a trajetória de Carlos não se encerraria com sua volta a cidade mas
fim de Gimba: para G imba a ação acabou pois ele mo rreu mas as que deixand o-se o filme mais aberto se passaria diretamente da
circunstâncias que criaram G imba continuam e será o garoto ele saída da cidade para os planos documen tários finais? Quan to a A
também um bandido vítima das condições sociais? a corrida de falecida não só Zulmira morre como seu marid o se sente psicolo-
Manuel n o fim de Deus e o Diabo: atingirá o m ar que o d iretor no s gicamente acabado e esmagado pelo tumulto da massa; e tam-
apresenta? Sem valer-se de tais recursos Walter Hugo K hour i bém M atraga morre.
indica claramente no fim de Noite vazia que nada foi solucionado
e que muito provável que tudo continue como antes; e para Car-
los qu e volta a São Paulo após sua explosão tam bém provável FORÇ D PERSON GEM
que tudo fique na mesma. o trem que leva embora o menino de
engenho: do trem já em m ovimento um último olhar sobre o Esse final aberto e dinâm ico emb ora conserv ando seu signi-
Santa Rosa agonizan do o prelúdio de um futu ro desconhecido. ficado principal matiza-se diferentem ente em cada filme. quase
Marcelo resolverá suas contradiçõ es? A marcha final de desafio contem plativo e m Bahia de Todos os Santos; um a violência física
leva a personagem para um futuro ativo ou para a permanência de em Deus e o Diabo. Em Porto das Caixas aban don amo s a persona-
um presente que estagna? gem que de costas se afasta da câmara parada e a imobilidade do
As vezes alguns planos doc ume ntário s desligados da ação aparelho comunica angústia e certa impotência enquan to em G im-
assimilam essa personagem de futuro incerto a um conjunto social: ba ao acompanhar em carrinho lateral bastante de perto o garoto
Men inos do Tietê São Paulo S. A. ou as arquibancadas repletas de que corre a câmara em sua impossib ilidade de desligar-se dele
um estádio de futebol em A falecida. que melho r resolve essa ten - tom a insistentemente posição a seu favor.

Mas a personagem principal não m orre n o final do filme, os interior dessas personagens para dissecar suas dúvidas, sua cons-
obstáculos encontrados não são suficientes para matar uma perso- ciência, suas alienações.Vemos sempre a ação dessas personagens
nagem que sempre en contr a energias para pelo meno s sobreviver. no seio da coletividade. A forte estru tura dessas personagens lhes
Com a morte de Zé do Burro, pagador de promessas representa possibilita serem de imed iato identificadas com o tipos sociais.
uma exceção (exceção também é o final com uma uposta
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Fabiano e Manuel condensam em si uma série de características 93/116
vitória e não com um a expectativa). Há evidentemente, filmes em pertencentes a um grande conjunto social. Manuel não é apenas
que a personagem m orre, mas trata-se quase sempre de dra ma- u m vaqueiro: é uma visão global do nordestino, é uma persona-
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
lhões, mais preocupados em respeitar certas regras dramá ticas gem típica, em que o social pred om ina sobr e o individual. Glauber
acadêmicas do que em procurar um human ismo brasileiro. Mor- Rocha é perfeitamente consciente desse fenô me no quand o diz que
rem tam bém as personag ens centrais dos filmes de Roberto Farias: Manuel e Rosa constituem um a família normal com a qual os
exigências do herói. espectadores se identificarão facilmente. Essa afirmação é contes-
Essa personagem que sobrevive é quase sem pre jovem, as tável apenas porque Manuel e Rosa não são um a família tão nor-
vezes adolescente (Fabiano, que ap arenta un s 35 anos, é uma das mal e porq ue a identificação é mais fácil com An tônio das Mo rtes,
personagens principais de aparência mais velha no recente cine ma e é desejável que seja assim. Tal afirmação seria mais válida par a
brasileiro), e nem sempre é o motor da ação, como em Vi da secas; Vida s secas em q ue a família de Fabiano é de fato normal e em que
e inclusive quando o é como nos filmes de Glauber Rocha, há fre- a eliminação do cotidiano, do circunstancial, levada, parece-me,
quentemente um a tendência para que a ação seja iniciada e encer- aos limites do possível dentro de um a ob ra de aparên cia realista (ir
rada por forças exteriores ao grupo social no m eio d o qual se além da fronteira atingida por N élson Pereira dos Santos seria um
desenrola o filme: apesar de Rosa ter ma tado o b eato, é Antônio das pulo para a alegoria), permite a passagem quase imediata de
Mortes que põe um ponto final a aventura do Monte Santo, como Fabiano não só para o camponês nordestino mas principalmente
a do cangaço. Assim m esmo, a personag em é forte, o conjunto do para o ho mem que vive determinada s condições sociais, da obra
filme gira em torno dela, seu compo rtamento é claro, sua psicolo- particular para o geral.
gia é facilmente identificável. Entendemos a personagem sobre- A solidez da personagem no cinema brasileiro, que o diferen-
tudo através de sua ação ou d e suas reações ao mu nd o exterior que cia nitidamente d o europeu, em qu e a personagem se eclipsa, é a
se traduzem em gestos e ação. Não se procura mergulh ar nas pro- expressão da ideologia nacionalista que vigorava quan do da reali-
fundezas abissais da psicologia ou da psicanálise. A person agem é zação desses filmes.Não só o Brasil precisa transform ar-se e desen-
apanhada no nível do consciente, nunca nos perdem os nos labirin- volver-se, como tam bém transform ação e desenvolvimento devem
tos do subconsciente ou do inconsciente. resultar da decisão dos homen s. essa tônica ideológica, reação
Isso permanece verdadeiro até quan do as personagens n ão natural n um país dependente cujos centros de decisão se encon-
são totalmente lúcidas. Temos justificados motiv os para du vidar tra m fora de suas fronteiras, que salienta Michel Debrun ao dizer
do grau de consciência de Fabiano, sabemos que Man uel vive duas que, para os ideólogos bra sile iro s, ~ esenvolvimento não deve ser
alienações: no entan to, nunca os diretores nos faz em p enetrar n o dirigido do exterior e deve manifestar um projeto da coletividade

ou de seus intérpretes qualificados , e que a noção de projeto - dificuldade de escolher. Carlos de São Paulo S. A. ainda uma per-
expressa bastante bem o futurism o e o voluntarisrno do naciona- sonagem relativame nte forte. Mas sua impossibilidade não só de
lismo brasileiro, a certeza de que a com unidade pode e deve dar idealizar, quan to mais de realizar um projeto mpossibilidade
uma direção radicalmente nova a seu destino se seus membros res- essa que a nossa até de reconhecer seus problemas e os da
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet
ponsáveis assim resolverem . Penso que esse voluntarismo foi o sociedade em que vive e de saber o que deseja, levará, bastante 94/116
provável, a personagens que tenderã o a diluir-s e e, eventualmente,
suporte mais sólido da personagem, a garantia de sua força.
A esse voluntarismo , que uma das facetas do populismo, ao a parecimento do subconsciente.
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
deve-se a valorização d o indivíduo, da personagem isolada (Fa- Já temos em A falecida uma personagem inteiramente domi-
biano, Manuel, embora representantes de um grande conjunto nada pelo subconsciente. No meio de um mu ndo urba no que a
social,são personagens s ós), e também a ausência de massa, o que personagem não entende e não controla, esta tenderá a atomizar-
pelo menos estranho nu m cinema que se quer popular; o comício, se. E, mais frequentem ente, as personagens poderão mor rer no fim
a manifestação de m assa, a aglomeração de pessoas em tor no de dos filmes. Trata-se, claro, de um a tendên cia provável, e as reali-
uma idéia política ou de uma ação conjunta praticamente inexis- zações concretas não deixarão de depende r das atitudes assumidas
tente: Opagador depromessas (massa que se reuniu em tor no de Zé pelos diretores diante da situação social. Prenún cio dessa previsí-
do Burro e o leva para den tro da igreja) e Sol sobrea lam a (ataque a vel dissolução da personagem sólida, já o encontramos em São
draga) são exceções, e sozinho que Manuel corre em direção a sua Paulo S. A. não em Carlos, mas na importância assumida no filme

eventual revolução anuncia da por Antônio das Mortes. Em co ntra- pelo objeto, pela série, pela quantidade, pela fragmentação do
partida, a massa apresentada em aglomerações que fazem parte roteiro e pelo retrospecto.
integrante da vida social e que não tê m m atizes políticos, motivo Assim, embora aspirando a ser popular p or sua temática e
pelo qual encontramos co m tamanha freqüência, no docu mentá- pelo público que desejava alcançar, o recente cinem a brasileiro,
rio e tam bém no filme de ficção, feiras,estações, estádios. tanto o cinema de idéias como o artesanal e comercial, foi popular
Mas como, nesse pont o particular, a ideologia do nac iona- apenas na medida em que se inspirou em problemas e formas

lismo voluntarista está divorciada da realidade, o s uporte virá a populares. Mas o que fez foi elabora r temática e forma q ue expres-
falhar e a personagem não pod erá deixar de modificar-se e de sam a problemática da classe média. De Cinco vezes favela até A
falecida São Paulo S. A. e O desafio passando por Deus e o Diabo na
enfraquecer-se. Isso por u m lado. Por outro, se os Manuéis foram
até agora as personagens centrais dos filmes, eles serão substituí- terra do sol divisor de águas do atual cin ema brasileiro, elaborou -
se em alguns anos uma temática que vai de uma alienação na qual
dos pelos Antônio s das Mortes. Então, as personagens se alterarão
a classe pretendia ilusoriam ente identificar-se ao povo, a uma pos-
forçosamente, porque a unilateralidade de um Manuel ou de um
sibilidade concreta de afrontar os problemas dessa classe.
Fabiano sucederá a am bigüidade, a contradição, a hesitação, a
Dois caminhos parecem atualmente abertos. Dando prosse-
21 Nationalisme et politiques u développement au Brésil , 1964 Os grifos guimento a A falecida exteriorizaremos a alienação da classe
são meus. média, penetraremos nos m eandros de suas contradições expostas

nu m nível individual e psicológico. São Paulo S A e O desafio Posfácio


abrem-nos um a perspectiva mais fecunda: trata-se de um corpo-
a-cor po com a situação da classe média, não apenas de manifestar
a falta de perspectiva, as contradições e hesitações, sua depe ndên -
João láudio Jorge Renato 7
cia em relação a burguesia, como também apontar precisamente
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 95/116
como se manifesta tal situação e o qu e a motiva.
Carlos Augusto Calil
Por seu conteúdo, po r suas personagens, por seu estilo,por ter
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
escolhido o passado, por sua identificação com a cultur a oficial, o
cinema feito nos últimos anos no Brasil um cinema tipicamente
de classe, que visou equacionar a problemática da classe média e
enco ntrar para ela um a saída e, ao fazer isso, á começo u a criar-lhe
um a tradição cultu ral no cam po cinematográfico. Essa parece ser
a mais válida tradição c ultura l e crítica que a classe média possa
atualmente elaborar. Isso foi feito com a cobertura da ideologia
oficial promovid a pelos governos que se sucederam d e 1956 a Quan do surgiu, num efervescente 1967, Brasil e m tempo de
1964. Essa foi a preoc upaç ão exclusiva de nosso cinema. Pensar cinema provocou grand e barulho. O seu felicíssimo título prom e-
que foi popular um a ilusão.Hoje, esse cinema encontra-se diante tia sintonia com o novo, com a vanguard a, artística e política, na
de quatro problemas fundamen tais: levar adiante a temática da perspectiva de um ho rizonte d e conquistas certeiras para a inteli-
classe média; enfrentar n o plano policial e cultural os novos rum os gência brasileira que havia abraçado o cinema.
tomado s pela sociedade brasileira; resolver o problem a d o público Vinha muito bem embalado, na editora de pon ta Civilização
sendo um cinema classe média, não sensibiliza o povo, e sendo um Brasileira),com capa caprichada Mar ius Bern), prefácio do maior
cinema crítico, a classe média o rejeita, o que faz com qu e esteja crítico de cinema Paulo Emílio), orelha de um gr ande crítico lite-
atualmente cortado d o público); encontrar uma estabilidade eco- rário Otto Maria Carpeaux), além do mais estrangeiro como o
nômica, sendo esse item u m problema em si e sendo também rela- próp rio autor , um jovem francês de trinta anos. Não poderia apre-
cionado com o item anterior. Este livro teve a pretensão de contri - sentar m elhores avalistas: o mestre, em q ue mirava seu futuro, e o
buir para desmascarar uma ilusão, não apenas cinematográfica: o grand e crítico estrangeiro que havia logrado assimilar-se a alta
cinema brasileiro não um cinema popular; o cinema de uma cultura brasileira.
classe média que proc ura seu camin ho político, social, cultural e Jean-Claude Bernardet debutava no estilo consagrado na
cinematográfico. época p elos jovens intele ctuais ingleses, os angry youngmen Radi-
São Paulo-B rasília, 1965166 cais, de esquerd a, sem papas na língua, dispostos a botar a louça
para quebrar.
Curiosam ente, e ao con trário d os colegas ingleses, o alvo de

sua crítica não era o establishment, mas o trabalho de sua própria Para o público brasileiro, cinema é cinema estrangeiro , cons-
geração, ainda incipiente, mas n ão menos ambicioso. tatava desconsolado o autor. Parecia então legítimo que a im posi-
Rara a audácia do jovem: análise a seco das obras e do co n- ção do cinem a brasileiro fosse compre endida c om o um fator inevi-
texto, inseparáveis na cartilha do scholar em formação. Operaçã o tável de descolonização cultural, na esteira de u m luminoso artigo
feita sem anestesia, a crítica na lata, sem recuo histórico, um salto de Paulo Emílio, Uma situação colonial? , publicado em 1960
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mortal sem rede de segurança. Para Jean-Claude, no enta nto, a conquista do mercado não
O intelectual tem erári o valia-se de intuiçãon e vontade para pode ser apenas institucional; é tarefa das mais urgentes, do
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
cinema brasileiro, conquistar o público. [ I Sem a colaboração do
defender uma tese universitária: a de q ue o cinema brasileiro era
uma manifestação oriu nda d a classe média e a ela destinada. Arte público a ob ra fica aleijada. Por isso, a conquista do mer cado pelo
de classe. Esse truísm o, que hoje n ão choc a, na época suscitava forte cinem a brasileiro não exclusivamente assunto comercial: é tam-
reação entre os cineastas e artistas que sinceramente dedicavam o bém assu nto cultural artístico . Essa posição, hoje ainda relevante
melhor de si numa arte revolucionária, que deveria falar em n ome pela sua originalidade, deixava transparec er u m preconceito inte-
do povo ao próprio povo. Doce ilusão que alimentou a fantasia de lectual predominante na época: a desvalorização dos filmes
muito jovem idealista. Para Jean-C laude,o cinema brasileiro ainda comerciais. Críticos e cineastas ignoravam chanch ada, Mazzaropi,
não dava ao público um satisfatório reflexo de si próprio . cangaceiro, ébrio; filme de sucesso era concessão ao gosto
Ou tra característica original do texto era sua subjetividade popular, isto é, vulgar.

assumid a, quase uma autobiografia . A crítica social que entã o se Um dos temas m ais caros ao livro é o da ausência d e tradição
praticava não permitia a emergê ncia do pessoal, deveria ser obje- de representaç ão do país no cinem a brasileiro: a realidade brasi-
tiva . Esse aspecto certame nte atraiu a atenção do guru P aulo Emí- leira não tem existência cinematográfica . E assim cada filme se
lio, que viu o autor presente de corpo inteiro na sua obra. E de esgota em si mesmo, corresponde a uma experiência que não fru-
fato pungente ac ompa nhar a maneira como o jovem francês se tificou . A conseqüência disso foi a proliferaçã o dos ressentimen -
apropria d o país a partir dos filmes e, nesse movim ento, o com - tos entre os cineastas em geral, não impo rta se bem ou m alsucedi-
preende e se torna voluntariamente brasileiro, sem jamais perder a dos, pois todos, sem exceção, de algum mod o pagaram um alto
visada crítica. preço a marginalização de sua profissão.
O texto é marcado pela ideologia dominante na époc a, segundo postu ra d o crítico oscila ao longo d o livro. Ele começa na
a qual o cinema brasileiro estava impedido de disputar o mercado posição do professor as voltas com a dem onstra ção de sua tese:
interno, pois este era ocu pado pelo cinema estrangeiro. Consciê n- tudo precisa conformar-se a ela. Se necessário, remonta certa
cia advinda da recente falência da C ompa nhia Cinematográfica seqüência de A grande cidade. A presunção de autor o estimula
Vera Cru z. Nesse quad ro, o inimigo é o comerciante, distribuidor igualme nte a pontificar co mo deveria ser o final de O pagador de
estrangeiro ou exibidor nacional, a serviço d o filme estrangeiro. promessas, o filme seria mu ito m ais incisivo se... . Na sua análise,
Essa visão ainda hoje sustenta a política protecionista praticada utiliza in distintam ente filmes e roteiros ou projetos de filmes e
pelo poder público. trata- os n o mes mo nível, desde que o efeito lhe seja favorável.

Em paralelo, como um a melodia em contra ponto, vimos dentes criaram o Cinema Marginal, acentuando a opção. Mas já
irromper o agudo crítico de cinema, as páginas 77 e 78 na análise era o fim da linha. E Macunaíma surgia em 1969 para apontar o
de Barravento. Preso a leitura d a obra (close reading), dem onstr a futuro: o encontro de um cinema culturalmente responsável com
do po nto de vista exclusivamente formal, pela análise do e nqua- o público, por intermédio da identificação com a form a chan-
dramen to e da montagem , que a ação provém de fora para den- chada, até entã o execrada.
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 97/116
tro''. Abandona a fantasia totalizante, o discurso generalista que Para chegar nesse estágio, o cam inho foi tortuoso. A solida-
tende ao abstrato, para reter os traços concretos do objeto de sua riedade humanista substituíra a política, e paternalisticamente o
8/15/2019 análise. Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
A atitude do crítico diante do cinema de seu país obrigato-
cinem a brasileiro vai tratar dos problemas do povo''. Sua estratégia
foi estabelecer a mediação de personagens de transição (re presen -
riamente combativa, e sua responsabilidade direta, não só diante tantes da classe média) entre o povo e a burguesia. Antônio das
dos filmes, mas també m diante da realidade abordada, diante do Morte s (D eus eo Diabo), Carlos (São Paulo S. A.), Marcelo (O desa-
público e dos cineastas. Profissão de fé. fio) são portador es de má consciência de classe.
Paulo Emílio, que se mpre desconfiou da sociologia na a rte, A transferência d os valores afetivos de adesão social e polí-
afirm ou no prefácio: não acredito em generalizações . Soava tica a classe explorada se dá por sedimentação , grande parte do
como uma maldição a ser superada. Outr a sentença do mestre significado [ I passou para a estrutura . Somente qua ndo ad-
marcou igualmente Jean-Claude. Proferida num a palestra a um quire form a, a intenção expressa no conteúdo se realiza. A ideolo-

público leigo, afirmava co m decidido esp írito de provocação que o gia, no cinema brasileiro, obra coletiva inconsciente, emerge
o cinema não ex iste, existem os filmes . de u m processo. Leitor de Lukács, Jean-Claude procura nas estru-
Visto de hoje, com o confortável recuo de quaren ta anos, o turas dos filmes valor equivalente a certas estruturas da sociedade
livro revela-se sismógrafo das candentes questões que divid iam a brasileira.
arte, a política, o com porta men to individual e social. Discutia-se Tal ênfase leva a natura l inferência de q ue o cinem a teria
se o auto r devia abdicar totalmente de suas inquietações pessoais, exclusividade de representação de classe na cultura brasileira, o
renunciar a fazer uma obra que o expressasse como artista, para que certamente não corresponde nem a expectativa nem a reali-
dedicar-se a filmes sobre a realidade exterior acrificar o artista dade prática do teatro ou da música popular, cuja principal man i-
ao líder social. Retrato do artista Leon Hirszman qua ndo jovem. festação foi a bossa nova, realização bem -sucedid a da classe média
Na impossibilidade de representar-se com o classe média, e para seu cons umo, inclusive internac ional.
desconhecendo a realidade do operário, os cineastas caíram na Com coragem, cujo excesso beira a temeridade, o autor
armadilha do marginalismo, que contaminou outras experiên- enfrenta uma questão-chave, recorrente entre nós: o perigo d o ofi-
cias: Seja ma rgina l, seja herói'', mistificava Hélio Oiticic a. Esse cialismo na cultura. E, mais uma vez, encontramos o cinema bra-
marginalismo era amplo o suficiente para abrigar artistas, crian- sileiro oscilando entre dois pólos: cultura popular e cultura ofi-
ças, desbundado s, bandidos romantizados. Q uando o C inema cial. Com admiração, mas sem reverência, reconhece que Vidas
Novo tornou-se corrente dom inante, alguns desgarrados e dissi- secas e nquadra va-se perfeitame nte na política oficial . O autor

implacável via no c inema culturalista, que então se esboçava nos Com seu ímp eto generoso e polêmico, Brasil em tempo de
curtas-metragen s acadêmico s de David Neves, Gustavo Dahl e cinema causou um im pacto considerável na geração que atingia a
Júlio Bressane, o prenúnc io de um cinema fascista? .Esse exagero adolescência em m eados dos ano s 60. A promessa d o seu título
injustificado lhe custou m uita hostilidade desnecessária. arrastou m uito jovem ambicioso para o cam po d o cinema, onde se
Já se disse que o Cinema Novo era herdeiro do mod ernismo. travava a batalha decisiva de um a a rte brasileira renovadora.
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Como este, incorreu no oficialismo, que Jean-Claude chamou em Para Jean-Claud e,em 1967 o cinema brasileiro encontrava-se 98/116
seu livro de diálogo com os dirigentes . Már io de And rade, diante de quatro problemas fund amentais: levar adiante a temá-
Oswald de Andra de, Tarsila, Dr um mo nd, Por tinari, Villa-Lobos,
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema tica da classe média;
- Jean-Claude enfrentar no
Bernardet plano policial e cultural os novos
Glauber Rocha, Joaquim Pedro, Leon Hirszman, os grandes de rumo s tomado s pela sociedade [leia-se enfrentar a dita dura ];
seus respectivos mo vim entos circulavam na esfera do poder. No resolver o problema do público; enco ntrar u ma estabilidade eco-
Brasil, constata-se certa promiscuidad e, impensável em out ras nômica''. Desses mandam entos, só um foi de fato resolvido. E pela
sociedades, entre p oder e prestígio artístico e intelectual. história: o fim da ditadu ra militar.
Obras da imaturid ade, mas de grande potência transforma- Com todos os excessos de obr a de juventude, e apesar da
dora, Revisão crítica do cinema brasileiro, de Glauber Rocha camisa-de-força ideológica,Brasil em tempo de cinema m antém- se
(1963), e Brasil em tempo de cinema (1967) guardam semelhanças de pé com a mesma estridência, passados quar enta anos. Livro de
e simetrias para além d os excessos deológicos.Os livros têm am bi- escritor, sua fluência á prefigurava a carreira fu tura d o seu descon-
ção revolucionária, apresentam certo voluntarismo militante,
acentuado viés pessoal, advogam u ma radicalidade com bativa, certante auto r, que se desdobra ria em m últiplos perfis: crítico de
cinema , romancista, roteirista, ator, diretor, criador de jogos, pro-
repetem os mesm os equívocos com relação ao tabu Limite- uma fessor, imoralista. As perguntas que o seu livro en tão form ulou
compreensível incompreensão - que ambos os autores não ainda não foram respondidas.
tinha m visto.
No seu livro, Jean-Clau de aponta , com razão, a arbitrariedade Janeiro de 2 7

da escolha do patrono do Cinema Novo: um delírio de Glauber


Rocha ao tentar, em Revisão crítica do cinema brasileiro, integ rar
Hum berto M auro na cultura universal. Quer-se atingir a cultura

universal pela força dos pulsos . Somente um f rancesinho imp er-


tinente poderia perceber o álibi provinciano. Mas Jean-Claud e não
hostil ao baiano d e quem espera a afirmação de uma tendência
promissora: o realismo poético revolucionário . Na análise de
Barravento,o aut or reconhece a força desestabilizadora da con tra-
dição glauberiana, mas está ainda bloqueado para registrar o
poder perturbador do seu erotismo.

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

ermos técnicos empregados

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8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

O produtoré quem financia ou arranja financiamento para a


realização d e u m filme. Considera-se independente a produção que

não feita por uma comp anhia especializada na produçã o cine-


matográfica mas por particulares que em geral emp enha m di-
nheiro p ara a realização de um ú nico filme por vez. O exibidor
quem apresenta o filme em salas de projeção comerciais. O distri
buidor o intermed iário entre o p rodu tor e o exibidor. As salas
comerciais formam o circuito comercial; o circuito paralelo seria
constituído p or salas de projeção nã o comerciais. O cineclube tem
por finalidade a divulgação da cultura cinematográfica e não um

organism o comercial. A cinemateca em relação ao cinema o que


a biblioteca en i relação aos livros.
Os filmes podem ser de curta metragem: até meia hora; de
média metragem; o u d e longa metragem: m a is d e u m a h o r a e m
geral uma hora e quarenta.
O roteiro o texto qu e serve de base para as filmagens: des-
creve todos os planos na ordem teoricamen te definitiva contém os

diálogos e indicações relativas faixa sonora, que se compõe , além men os o corte, ou seja, a passagem por justaposição de um plano
dos diálogos, dos ruído s e da música. para outro.
Qualifica-se de filrnica a realidade natu ral escolhida para ser A seqüência uma parte do filme que constitui em si uma uni-
filmada, ou a artificial elaboração para ser filmada. dade de ação. A cena um fragmento de ação que se passa num só
O diretoré quem transforma o roteiro em imagens.A tendên- lugar.
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cia brasileira que o diretor tamb ém seja autor do roteiro, parti- O retrospecto a introdu ção no tempo presente de uma ação
cipe da produção, da m ontage m, de todas as fases do filme, tor- passada.
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet
nando-se assim realmente o au tor d o filme. Cinema-verdade uma forma de docum entário ou even-
Qua ndo a câm ara está alta, filma de cima para baixo; quan do tualme nte d e ficção) em qu e se recorre a entrevistas filmadas e
baixa, filma de baixo para cima. gravadas.
A câmara tem dois movimentos fundamentais: o carrinho a
câmara e seu pé movime ntam-se sem que haja mudança de ângulo
entre um e outro; o carrin ho pode ser para a frente, para trás, para
a esquerda ou a direita, para cima o u para baixo, lateral) e a pano-
râmica o pé permanece imóvel enquanto a câmara se movi-
men ta). Os dois movimentos p odem conjugar-se. Quand o a câ-

mara está na mão, o cinegrafista pode im primir-lhe qualque r


movimento.
O plano um a imagem obtida por um só acionamento do
motor da câmara. A profundidade do plano avaliada pela relação
dimensional existente entre a figura huma na e a cenografia ou pai-
sagem. Essa profun didade pode variar: desde o plano de grande
conjunto, o hom em quase que desaparece n o ambiente, até o
grande plano, um rosto ocup a toda a superfície da tela.
A fotografia pod e ser mais ou m enos exposta: quan to mais ela
exposta, mais branc a fica; qua nto menos exposta, mais escura
fica.Pode-se fotografar com luz artificial qua nd ose filma em estú-
dioou de noite), ou c om luz natural; nesse caso,para orientar aluz,
podem ser usados rebatedores, superfícies brancas o u prateada s. A
preparação da luz o trabal ho do iluminador.
A montagem ou edição) a ordenação, um após o outro, dos
planos; pode ser feita de m odo a que o espectador sinta mais ou

Bibliografia
i

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Sousa narração: Ítalo Rossi p.: Sérgio Montagna, Joaq uim Pedro d e Andrade,
Geraldo Markan.
Artigo 4 São Paulo, 1964,c.m. d., r.,p.: José Eduardo Marques de Oliveira ,
com a colaboração do Grupo de Estudos Fílmicos e de Ana Maria Pimentel c.:
João Ronseiro mont.: Benedito Araújo locução: Dina Sfat, Antero de Oliveira,
Paulo José de Sousa.

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RuelkerVieira a. d.: Vladimir Carva lho e JoãoRam iro Me10 S: M. Cardoso p.: Ins- vedo c.: Toni Rabatoni m.: Gabriel Migliori mont.: Maria G uadalu pe e.: Reginaldo
tituto Joa quim Nabuco de Pesquisas Sociais Recife), N C E Rio), Associação dos Farias, Eva Wilma, Jardel Filho, Pedro Paulo Hathay er, Ana Maria Na buco, Dio-
Críticos Cinematográficos da Paraíba. nísio Azevedo, Milton Gonçalves p.: José Antônio Orsini e Cinematográfica
Asfalto selvagem Rio, 196 4,l.m. d., r.: J. B. Tanko a.: do roman ce h om ôni mo Inconfidência.
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verde e.: JeceValadã o,VeraViana ,Maria He lena Dias, Ambrósio Fregolente, Jorge Sermet e.: F lávio Migliaccio, Isabela; Zé da Cachorra: d., r.: Miguel Borges c.: Jiri
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8/15/2019 em estóriac.:d Amleto
e Luís Carlos Brasil Em Tempo de Cinema -10s
Jean-Claude Bernardet
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U sai e.: com
Eliézer a colaboração
Gomes , Luísa Maderanh
Alinor
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degato : d., r.: Joaqu im Pedro de An drade c.: M ário C arneiro m.: Carlos Lira e.:
Reginaldo Farias, Rute de Sousa, Gran de Otelo, Dirce Migliaccio, Ambrósio Fre- Paulinho, Cláudio Corrêa e Castro, Riva Nimitz, He nrique Cksar, Napoleão
golente, Gracinda Freire p.: Herbe rt Richers. Mu niz Freire; Pedreira de Süo Diogo: d., r.: Leon H irsz ma n c.: Ozen Serm et e.:
Bahi a de Todos os San tosS ão Pau lo, 196 1,1.m. d., r., p.: Trigue irinho Neto c.:
Glauce Roch a, Sadi Cabral, Francisco de Assis.
Guglielmo Lombardo m : ntônio Bento da C unha mont.: Maria Guad alupe e.:
Circo, O Rio, 1965, m.m. d., r.: Arnaldo Jabor c.: Afonso H enriqu es Beato
Jurandir Pimente1,A rassary de Oliveira, Geraldo de1Rey, Sadi Cabral, Lola Brah,
mont.: Carlos Dieg ues S.direto.: Carlos Artu r Liuzi p.: Itama rati, INCE Patrimô-
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Beijo, O Rio, 196 5,l m. d.: Flávio Tambellini a.: baseado na peça de Nelson e.: Beyla Genauer, Carlos Alberto, Joana Fomm , Carm en Klainberg, Renato
Rodrigues, Beijo no asfalto r.: Flávio Tambellini, Glauro Co uto, Gerald o Gabriel
diál.: Nelson Rodrigues c.: Toni Rabatoni, Amleto Daissé, Alberto Atili mont.: Murce, Zenir Pereira, Maria Pompeu, H ugo Carvana, Elídio Nascimento, Rosân-
Maria Gu adalupe e.: Reginaldo F arias, Neli M artins, Xandó Batista, Ambrósio gela Maldona do, Arm ando Nas cimento p.: Lina Filmes.
Fregolente, Jorge Dória, Eliézer Gomes p.: Flávio Tambellini e Cia. Serrador. CrimenoSa copãRio, 196 3,l m . d., mont.: Roberto Pires a.: UbiratanL emos
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hom ônim a de Nelson Rodrigues c.: Amleto Daissé m.: Remo Usai e.: JeceValadão, Mario Benvenutip.: Gilberto Perrone e Jarbas Barbosa.
Odete Lara, Daniel Filho,Maria Lúcia Mon teirop.: Jarbas Barbosae Gilberto Pe r- Crônica da cidade ama da Rio, 1965,1.m. d., r.: Carlos Hugo C hristensen a.:
rone. baseado em crônicas de Paulo Mendes Cam pos Aparição, Aventura carioca,
Bonitinha mas ord inária Rio, 19 63,1.m. d.: J. P. de Carvalho a,, r.: JeceVala- Receita de domingo), Carlos Dru mm ond de Andrade O ndio, Luzia),Dinah Sil-
dão da peça homônima de Nelson Rodrigues c.: Amleto Daissé m.: Carlos Lira veira de Queirós O homem q ue se evadiu, A morena e O lo uro), Fernando
mont.: Rafael Justo Valverde e.: Jece Valadão, Odete Lara, Ambrósio Fregolente, Sabino Iniciada a peleja), Orígenes Lessa Mal-en tendido) e Paulo Rodrigues
AndréV illon, Lia Rossi, Mon ah D elacy p.: Jec eValadão e Magnus Filme. Um pobre morreu) diál.: Millôr Fernandes c.: Ozep Sermet m.: Lírio Panicalli
Cafajestes, Os Rio, 1962,1.m. d.: Rui G uerra r.: M iguel Torres e Rui Guerra mont.: Valdemar Noya e.: Ana di Prado, Procóp io Ferreira, Magalhães Graça,
c.: Toni Rabato ni m.: Luís Bonfá e.: Jece Valadão , No rma Benguel, Dani el Filho , Siwa, Hamilton Ferreira, Germa no Filho, José Carlos Corrê a, Lúcio Pereira, Ceci1
Luci Carvalho, Glauce Rocha p.: JeceValadão. Thiré, Vagareza, Armando Nascimento, Ambrósio Fregolente, Jaime Costa,
Cana lha em criseRio, 1963 ,1.m. d., r.: Miguel Borges c., cin.: Hans Betei m.: Janira Santiago, Artur Sem edo, Márcia de Windsor, Marivalda, Lita Palácios,
Mário Rocha m ont.: Saul Lachtermacher e.: Flávio Migliaccio, Teresa Raquel, Mário de Lucena, Gran de Otelo, Adalberto Silva, Sérgio de Oliveira, Oscarito,
Maria Glady s,Valdir Ono fre p.: Tabajara Filmes. Liana Duval, Ismália Pena,Osvaldo Lousada, Duarte de Mo rais,Milton Carneiro,

Jardel Filho narração: Paulo Autran p.: Carlos Hugo Christensen Paulo Serrano Atila Iório Nelson Xavier Maria Gladys Leonides Bayer Ivan Cândido Paulo
Art Filmes. César H ugo Carvana Maurício Loiola Rui Polanah Joel Barcelos o povo de
Desafio O Rio 19 65 1.m. d. r.: Paulo César Saraceni c.: Guido Cosulich Milagres Tartaruga e Nova Itarana p.: Jarbas Barbosalcopacabana Filmes.
cin.: Dib Lufti m.: Moza rt evilla -Lo bos mont.: Ismar Po rto e.: Isabela Oduv aldo Ganga Zumba rei dosPalma resRio 1963 1.m. d. r.: Carlos Diegues a.: bas.
Viana Filho Sérgio Brito Luís Linhares Gianina Singulani Joel Barcelos Hugo rom. h omôn imo de Joáo Felício dos Santos c.: Fernando Duarte m.: M oacir San-
Camana Maria Bethânia João do Vale Zé Keti M arilu Fiorani Renato C. Cou to tos mont.: Ismar Porto e.: Eliézer Gomes Luísa Maranh áo A ntônio P itanga Jorge
Filho p.: Sérgio Saraceni Imago. Coutinho Léa Garcia Teresa Raquel p.: Jarbas Barbosa.
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Deus e o Diabo na terra do sol Rio 1964 1.m. d. a. r. diál.: Glauber Rocha Garoto de calçada Rio 1965 c.m. d. r. mont.: Carlos Frederico Rodrigues
c.: Valdemar Lima m.: Hei tor Villa-Lobos Canções compostas e interpret adas po r c : Renato Neum an m.: Carlos Frederico Rodrigues e Edmund o Souto e.: Luís
8/15/2019 Sérgio Ricardo sobre temas populares d o Nordeste mont.: Glauber Rocha Rafael Brasil Em Tempo de Cinema -Henrique
Jean-Claude Bernardet
Osvaldo Pitágoras Antônio Carlos Soares Xavier de Oliveira Gilberto
Jus to Valverde e.: Ger ald o de1 Rey Ioná M agalhães Ot hon Bas tos Lídio Silva Santeiro JoséAlberto Lopes.
Maurício d o Vale Sôn ia dos Humild es p.: Glauber Rocha e Jarbas Barbosa Luís Garrincha alegria dopovo Rio 1962 1.m. d. r.: Joaquim Pedro d e h d r a d e
Augusto Mendes. c.: Már io Carneiro David Neves mont.: Nelo Melip.: Luís Carlos Barreto.
Em busca do ouro Rio 1965 c .m. d. r.: Gustavo Dahl c.: Pedro de M orais Gimba São Paulo 1963 1.m. d.: Flávio Range1 a.: da peça ho mônim a d e
comentário musical: Bach Scarlatti A lbinoni Lobo de Mesquita Orejo n e Aparí- Gianfrancesco Guarnieri r.: Roberto Santos c.: Mário Carneiro m.: Carlos Lira
cio a.d. e c.: Joá o Farias Parreiras H orta narrador: Paulo José p.: Setor de cinema mont.: Nelo Meli e.: Milton Mo rais Graci nda Freire Osvaldo Lousada p.: Osvaldo
do Dep artamento d o Patrim ônio Histórico e Artístico Nacional e da Divisão Cul- da Palma.
tural d o Ministério das Relações Exteriores. Grande cidade A Rio 196 6 l m. d. r.: Carlos Diegues c.: Fernando D uarte
Encontro com a morte Rio 1965 1.m. d. r.: Artur Dua rte c.: Aurélio Rodri- mont.: Gustavo Dahl e.: Leon ardo Vila r hec y Rocha Antônio Pitanga Joel Bar-
gues m.: Jaime Mendes e.: Irma Alvarez Rosita Tomás Lopes O rlando Vilar Már - celos Hugo Carvana.
cia Rocha Fernan do Pereira R odolfo Arena Arnald o Montei J oáo Ângelo Grandefeira A Salvador 1962 1.m. d. r.: Roberto Pires a.: RexSchindler c.:
Labanca d.p.: Adem ar Gonzaga p.: Carioca Filmes. Hélio Silva e.: Geraldo de1 Rey Helena Inês Luísa Maranhão Antônio Pitanga
Engenhos e usinas Rio 1955 c.m. d.: Hum bert o Mauro c.: Luís Mau ro r.m.: Milton Gaúcho Roberto Ferreirap.: Rex Schindler Braga Neto.
José Mauro arranjo: Aldo T aranto conjunto vocal: Os Cariocas p : I N C E Grande momento OSã o Paulo 1958 1.m . d. a.: Rober to Santos r.: R. San-
Entre o amor e o cangaço Rio 1965 1 m. d. r.: Aurélio Teixeira c.: Rodolfo tos No rber to Nath c.: Hélio Silva m.: Alexandre Gnatalli e.: Gianfrancesco Gu ar-
Neder m.: Catulo d e Paula mont.: Rafael Justo Valverde e.: G eraldo de1 Rey Mil- nieri Miria m Pércia Pa ulo Goulart Vera Gertel p.: Nélson Pereira dos Santos.
ton Ribeiro Rejane Medeiros Jofre Soares p.: Jarbas Barbosa. He ~tord os razeresRio 1966 c.m. d. r.: Antônio Carlos Fontoura Afonso
c :

Escola de Sam ba Alegria d e Viverv. Cinco vezesfavela. Beato m. e narrafão: Heitor do s Prazeres mont.: Rui Guerra eVera Barreto Leite.
Escravos de Jó Rio 1965 c.m. d. r.: Xavier de Oliveira c.: cin.: Edson Batista História de um crápula Rio 1965 1.m. d. p : Jece Valadão a.: baseado e m
m.: Geni Marcondesp.: Xavier e Denoy de Oliveira. históri a de Maria Inês Souto de Almeida r.: Jece Valadáo Vítor L ima c.: Rodolfo
Falecida A Rio 196 5 l m. d.: Leon Hirszman a.: da peça homôn ima d e Nel- Neder m.: Joã o Negrão m ont.: Rafael Jus toValverde e.: Jece Valadã o Vera Vian a
son Rodrigues r.: Leon Hirszman e Eduardo Co utinh o m.: Radamés Gnatalli Sônia Dutra José Lewgoy Jorge Dória Ioná Meireles M ário Lago Milton Rodri-
sobre um tema de Nelson Cavaquinho e.: Fernanda Montenegro Ivan Cândido gues Cláudio Cavalcanti Rafael Almeida Esmeralda Barros Arnélia Simone p.:
Paulo Gracindo Nelson Xavier Vanda Lacerda p.: Produções Cinematográficas Magnus Filmes.
Meta. Hum berto Mauro Rio 1966 c.m. d. r.: David E. Neves.
Favelado Um v. Cinco vezesfavela. Ilha São Paulo 196 3 l m. d. a. r.: Walter Hugo Khou ri c.: Rudolf Icsey e
Fuzis Os Rio 1965 l.m. d. r.: Rui Guerra a.: Rui Gue rra e Miguel Torres c.: George Pffister m.: Rogério Duprat mont.: Máximo Barro e.: Luigi Picchi Eva
Ricardo Aronovich cen.: Calazans Neto mont.: Rui Guerra Raimu ndo H igino Wilma Liris Castellani José Mau ro de Vasconcelos M ário Benvenuti E lisabeth
a.d.: Rui Polanah e Ceci1 Thiré coord. m. e tema: M oacir Santo s arte: Ziraldo e.: Hartm an Francisco Negráo p.: Kamera Filmes.

i
Integração racial Rio, 1964,c.m. d. r.: Paulo César Saraceni c.: David Neves Alberto R uschel, Aurora D uarte, Milton Ribeiro, Rute de Sousa, Liris Castellani
mont.: Gustavo Dahl S. direto: Arnaldo Jabor p.: Itamarati, Patrimônio Histórico. p.: Aurora Du arte Produções Cinematográficas.
Lampião rei do cangaçosã o Paulo, 196 3,l m. d. r.: Carlos Coimb ra e.: Leo- Morte e m três tempos A Rio, 1963,1.m. d. r.: Fernando Campos a.: de um
i conto d e Luís Lopes Coelho c.: Mário Carneiro m.: Aloísio de O liveira e.: Irma
nardoVilar,Vanja Orico p.: Osvaldo M assaini.
Lima Barreto Rio, 1966,c.m. d. r.: Júlio Bressane. Álvarez, Joseph Guerreiro, Osvaldo Loureiro, Milton Rodriguesp.: Álvaro Ferraz
Maioria absoluta Rio, 1964,c.m. d. p.: Leon Hirszman c.: Luís Carlos Salda- de Abreu.
nha mont.: Nélson Pereira dos Santos comentário e narração: Ferreira Gullar s. Morte para u m covarde/Rosaspara un a mujer São Paulo, 1965,l.m . d. r.:
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 106/116
direto: Arnaldo Jabor. Diego Santillan, adaptação brasileira de O rígenes Lessa e Vítor Lima c.: Oscar
Mandacaru vermelho Rio, 1961,1.m. d. r.: Nélson Pereira do s Santos c.: Melli cen.: Darci E vangelista m.: Anatole Pietri mont.: Rafael Justo Valverde e
8/15/2019 Hélio Silva e.: Jurema Pena, Sôn ia Pereira, Luís Paulino do s Santos, MiguelBrasil
Tor- Em Tempo de Cinema -Lúcia Erita e.: Reginald
Jean-Claude o Farias, Virgínia Lago, Alfredo M urphy , Leonides Bayer,
Bernardet
res, Nélson Pereira dos Santos. Mário Lozano, Jacinto Herrera, Paulo Copacabana p.: Charlo Argentina) e Her-
Marimbás Rio, 1963 , c.m. d.: Vladimir Herzog r.: Vladimir Herzog, Lucila bert Richers B rasil).
Ribeiro, Shauli Isaac c.: Dib Lufti mont.: Lucila Ribeiro. Noite vazia São Paulo, 1964,l m. d. r.: diál.: Walter Hugo Kho uri c.: Rudolf
Mário GruberSão Paulo, 1966,c.m. d. r.: Rubem Biafora c.: Rudolf Icsey m.: Icsey m.: Rogério D uprat mont.: Mauro Alice e.: Norm a Benguel, Odete Lara,
Rogério D uprat a.d.: Benedito Araújo e Sílvio Campos d.p.: José Eduardo Mar- Mario Benvenuti, Gabriele Tinti p.: Kamera Filmes.
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Memória do cangaço Rio, 19 65, c.m. d. r.: Paulo Gil Soares c.: Afonso Hen- Cherques r.: Wilson Silva, Ismar Porto diál.: Francisco Per eira da Silva c.: Edgar
riques Beato mont.: João Ramiro Me10 p. executivo: Edgardo Pallero p.: Thomas Eichhorn m.: Remo Usai mont.: Glauco Mirko L aurelli e.: Irma Álvarez, Paulo
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Mendigos
Ângelo R ivas m.: Rio,Bonfá
Luís 1962,e.:1.m. d. r.: Flávio M igliaccio c.: Afonso Viana e
Vanja Orico, Fábio Sabag, Osvaldo Loureiro, peça homônima de Dias Gomes c.: Chick Fowle m.: Gabriel M igliori mont.: Car-
Eduard o Coutinho , Oduvaldo Viana Filho, Renato Consorte, Rui Guerra, Dirce 10s Coimbr a e.: Leonardo Vilar, Glória Menezes, Dionísio de Azevedo, Nor ma
Migliaccio,Carlos E stêvão, Ceci1Thiré, Leon Hirszman p.: João Elias Produçõ es Benguel, Geraldo de1 Rey, Roberto Ferreira, Ot hon Bastos, Antônio Pitanga p.:
e São Jos é Filmes. Osvaldo M assaini.
Men ino da calça branca ORio, 1963,c.m. d. r. m. p.: Sérgio Ricardo c.: Dib Pedreira de São Diogo v. Cinco vezes avela.
Lufti mont.: Nélson Pereira dos Santos. Porto das Caixas Rio, 1963,1.m. d. r.: Paulo César Saraceni a.: Lúcio Car-
Menino de engenho Rio, 1965,1.m. d. r.: Walter Lima Júnio r a. baseado na doso c.: Mário Carneiro m.: Antônio Carlos Jobim mont.: Nelo Meli e.: IrmaÁlva-
obra d e José Lins do Rego c.: Reinaldo Barros m . Villa-Lobos e Alberto Nep omu - rez, Reginaldo Farias, Paulo Padilha, Sérgio Sanz, Margarida Rey p.: Elísio de
ceno mont.: João R amiro Me10 e.: Gera ldo de1 Rey, Savio Rolim, Anecy Ro cha, Sousa Freitas, Equipe Pr odutora Cinematográfica.
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ter Lima Júnio r e Glauber Ro cha. I


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Meninos do Tietê São Paulo, 1963, c.m. d.: Maurice C apovilla a : Vítor Margarida Cardoso, Dionisio Azevedo, Cavalheiro Lima, Lima Barreto, Galileu
Cun ha Rego, Maurice Capovilla c : Halley B.Veloso m.: Joáozinho da Gom éiap.: Garcia p.: Camp os Elísios C inematográfica.
Vítor Cunha Rego. Procura-se uma rosa Rio, 1965, 1.m. d.: Jece Valadão a.: baseado na peça
Moleques de rua Salvado r, 1960, c.m. d. r.: Álvaro Guimarães c.: Valdemar hom ônim a de Pedro Bloch r.: Vítor L ima, JeceValadão c.: José Rosa mont.: Rafael
Lima m.: Caetano Veloso p.: Glauber Rocha. JustoValverde e.: Leonar do Vilar,Teresa Raqu el, Milton Gonça lves,Osvaldo Lou-
Morte comanda o cangaço A São Paulo, 1960 ,l m. d.: Carlos Coimbra a.: sada, Jorge Dóriap.: M agnus Filmes.
Walter Guimarães M ota diál.: Francisco Pereira d a Silva c.: Toni Rabatoni e.: Quintopoder ORio, 1963,l m d.: Alberto Pieralisi a. r.: Carlos Pedregal c.:

Ozen Sermet m.: Remo Usai mon .: Ismar Porto e.: Eva Wilma, Osvaldo Loureiro, Terra em tra nseRio 1967,1.m. d. r.: Glauber Rocha c.: Luís Carlos Barreto,
Orland o Vilar p.: Pedregral Filmes. Dib Lufti m.: Sérgio Ricardo mont.: Eduard o Escore1 e.: Jardel Filho, Glauce
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Glória, Paulo Porto, Sônia Dutra. Tocaia no asfalto Salvador, 1962,1.m. d. r.: Roberto Pires a.: Rex Schindler
Rebelião e m ila Rica Rio, 1958,1.m. d. a : Geraldo e Renato Santos Pereira c.: Hélio Silva m.: Remo Usai e.: Agildo Ribeiro, Arassari de Oliveira, Adriano Lis-
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http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Três cabras de La mpião São Paulo, 1962, 1.m. d.: Aurélio Teixeira a r.: 107/116
Riacho de sanguesão Paulo, 1966 d Fernando de Barros r.: Walter G. Mota MiguelTorres e Aurélio Teixeira c.: Hélio Silva m.: Catulo de Paula e.: Auré lio Tei-
c.: OzenSermet (Eastmancolor) cen.: Apoio Monteiro m.: Guerra Peixe mont.: xeira, Milton R ibeiro, Gracinda Freire, Miguel Torres, Catulo d e Paula, Luci Car-
8/15/2019 Glauco Mirko Laurelli e.: Alberto Ru schel, Gilda Medeiros , Turibio Ruiz, Jacque-
Brasil Em Tempo de Cinema valho p.: AurélioBernardet
- Jean-Claude Teixeira Produçõe s Cinematográficas.
line Myrna, M aurício dov ale, José Policena, José Pimentel, Ivan de Sousa, Caval- Tropeiro O Rio, 1964,1.m. d.: Aécio Andrade c.: Valdemar Lima m.: Remo
canti Borges, Leonildo Martins, Sérgio Warnowski p.: Aurora Duarte e Massao Usai e.: Osaná Rocha, Mozart Cintra p.: Pampulha P rodutora Cinematográfica.
Ohno. Vencidos Os Rio, 1964, 1.m. d. a r.: Glauro Couto diál.: Miguel Torres,
São Paulo S. A São Paulo, 1965 , 1.m. d. a r. diál.: Luiz Sergio Person c.: Glauro Couto e João Bethencourt c.: Ozen Serm et e Toni Rabatoni m.: Remo Usai
Ricardo Aronovich m.: Cláudio Petraglia mont.: Glauco Mirko Laurelli e.: Valmor e.: Jorge Dória , Anick Malvil, Breno Me lo, Eliézer Gomes.
Chagas, Eva Wilma, Otelo Zelloni, Ana Esm eralda, Darlene Glória p.: Renato Viag em aos seios de Duília Rio, 1964,l m d.: Carlos Hugo Christensen a :
MagalhãesGouveia, Sòcine. do conto h omônim o de Aníbal Machado diál.: Orígenes Lessa c.: Aníbal Gonza-
Seara vermelha São Paulo, 1963,1.m. d.: Alberto d Aversa a.: do romance lez Paz m.: Lírio Panicalli mont.: Nelo Meli e.: Rodolfo Mayer, Natália Timberg,
homônimo de Jorge Amado r. diál.: Alberto d Aversa e Jorge Amado c.: Osvaldo Lousa da, Lúcia Magna p.: Serrano Produções Cinematográficas.
Vidas secas Rio, 1963,1.m. d. r.: Nélson Pereira dos Santos a.: do romance
Guglielmo Lombardi
Cabral, Ma rgarida
m.:
Cardo so,Moacir Santos
Ivanilde
mont.:
Alves, NelsonGlauco
Xavier,Mirko LaureUi e.: Sadi
Ester Melinger,Jurema hom ônim o de Graciliano Ramos c.: José Rosa, Luís Carlos Barreto mont.: Rafael
Penap.: Proa Filmes. Justo Valverde e.: Átila Iório, Maria Ribe iro, Jofre Soares p.: Luís Carlos Barreto,
Selva trágica Rio, 196 3,l m. d. r.: Roberto Farias a.: do ivro homônim o de Herbert Richers.
Viramundo São Paulo, 1965, c.m. d.: Geraldo Sarno c.: Thomas Farkas m.:
Hernani Donato c.: José Rosa m.: Luís Bonfá e.: Reginaldo Farias, Maurício do
Cae tano Veloso letras: José Carlos Capinam mont.: Sílvio Rinaldi, Luís Elias,
Vale, JoãoÂngelo Labanca, Rejane Med eiros, Aurélio Teixeirap.: Herb ert R ichers.
Roberto Santos pesquisas: Octavio Ianni, Geraldo Sarno p.: Thomas Farkas.
Sina do aventureiro A São Paulo, 1959, 1.m. d. r.: José Mojica Marins c.:
Zé da Cachorra v. Cinco vezes avela.
Honório Marins m.: Eni Balu e.: Acacio de L ima, Shirley Alves, Augusto Pereira
p.: Indústria Cinematográfica Apoio.
Society e m baby-do11 Rio, 1965,1.m. d.: Luís Carlos Macie1,Valdemar Lima
a : da peça homô nima de Henrique Pongetti e.: ftalo Rossi, Ioná Magalhã es, Natá-

lia Timberg, Sérgio Brito, André Villon, Ceci1Thiré p.: Luís Augusto M endes.
Sol sobre a lama Salvador, 1962,1.m. d.: AlexViany a.: João Palma Neto r.:
AlexViany e Miguel Torres c.: Rui Santos e.: Gera ldo de1 Rey, Gessy Gesse, Glauc e
Rocha, Teresa Raquel, Jure ma Pena, Oth on Bastos, Antônio Pitanga p.: João
Palma Neto, Álvaro Queirós.
Subterrâneos d o futebol São Paulo, 1965, c.m. d. r.: Maurice Capovilla c.:
Thomas Farkas e Armando B arreto mont.: Luís Elias, Roberto Santo s p.: Thomas
Farkas.

Índice onomástico

http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 108/116
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

Abranches Carlos Dunshee de 113 Andrad e Oswald de 190


Abreu Álvaro Ferraz de 207 Aparício 204
Acciaresi Angel 50 Araújo Benedito 201 206
Aiberto Carlos 203 Araújo Paulo 208
Albinoni 204 Arena Rodolfo 204 206
Alice Mauro 207 Aronovich. Ricardo. 204 208
Almeida Abílio Pereira de 123 Arraes Miguel 85
Almeida Maria Inês Souto de 205 Assis Francisco de 203
Almeida Rafael 205
Atili Alberto 202
Alvarez Irma 204 207
Autran Paulo 204 209
Alves Ivanilde 208
Azevedo Alinor 202 203 208
Alves Shirley 208
Azevedo Dionísio 67 203 207
Amado Jorge 169 170 208
Anchieta Padre José de 25
Andrad e Aécio de 129 Bach Johann Sebastian 204
Andrade Carlos Drum mond de 169 Ba u3Eni 208

190 203 Barbosa Jarbas 202 203 204 205


Andra de João Batista de 144 Barcelos Jaime 208
Andrade Joaquim Pedro de 14 40 Barcelos Joel 158 204 205
105 112 201 203 205 Barreto Afonso Lima 14 59 60 104
Andrade Jorge 169 156 206 207
Andrade Mário de 90 166 190 Barreto Armando 208

Barreto, Luís Carlos, 29,174,2 02,205 , Cacérks, Benigno, 50 Coimbra, Carlos, 59,206,207 Dumas, Alexandre, 50
209 Cacoyannis, Michael, 165,174 Cond e, José,208 Duprat, Rogério, 205,206,207
Barro, Máximo, 205 Calazans Neto, 204 Consorte, Renato, 206 Dusek, Jiri, 203
Barros, Ademar de, 79 Calmon, Antônio, 5 1 Copacabana, Paulo, 207 Dutra, Sônia, 205,208
Barros, Carlos Alberto de Sousa, 106 Campiglia, Oscar G., 201 Corrêa e Castro, Cláudio, 203 Duval, Liana, 203

Barros, Esmeralda, 205 Campos, Fernando, 52,109,207 Corrêa, José Carlos, 203
Barros, Fernando de, 159,208 Campos, Jaci, 207 Costa, Jaime, 203 Eichhorn , Edgar, 207

http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet
Barros, Reinaldo, 206 Campos, Paulo Mendes, 203 Cosulich, Guido, 149,204 Eisenstein, Sérguei, 169 109/116
Bastos, Otho n, 94,204,207,208 Campos, Sílvio, 206 Coutinho, Eduardo, 1 , 107,130,204, Elias, João, 206
206 Elias, Luís, 208,209
Batista, Edson, 204 Camus, Albert, 169
Endsleigh, Rex, 108,2 03
8/15/2019 Batista,Xandó, 202,208 Camus, Marcel, 5 1 Brasil Em Tempo de Cinema - Coutinho,
Jean-Claude Bernardet
Jorge, 205
Cout o Filho, Renato C., 204 Erita, Lúcia, 207
Baudelaire, Pierre Charles, 121 Cândido, Ivan, 204,205
Couto, Glauro, 52,202,209 Escorel,Eduardo,9,2 09
Bayer, Leonides,205,20 7 Capinam, José Carlos, 209
Esmeralda, Ana, 1 36,208
Beato, Afonso Henriques, 203, 205, Capovilia, Maurice, 41, 58, 112, 143, Cuíca de Santo Amaro, 167
Estêvão, Carlos, 203,206
206 206,208 Cunha, Antônio Bento da, 202
Evangelista,Darci, 207
Becker,Rosemari e von, 201 Cardinale, Claudia, 51
Benguel, Normas, 125, 126, 127, 129, Cardoso, M., 202 D aversa, Alberto, 62,129,2 08
Facó, Rui, 170
202,207 Cardoso, Margarida, 206,207,208 Dahl, Gustavo, 100,154,190,204,205,
nL
Faria, Celso, 208
Benvenuti, Mário, 125,1 26, 127,203, Cariocas, Os, 204 UU

Faria, Otávio de, 120,169


205,207 Carné, Marcel, 55 Dahl, Maria Lúcia, 206
Farias, Marcos, 40,107,20 3
Bernardet, Lucila Ribeiro, 17, 206 Carneiro, Mário, 118, 174, 201, 203, Daissé,Amleto,202 Farias, Reginaldo,62,63, 109,20 2,203,
Betel, Hans, 202 205,207 Daniel Filho, 202
207,208
Bethânia, Maria, 204 Carneiro, Milton, 203 Dantas, Macedo, 144
Farias, Roberto, 50, 62, 63, 180, 202,
Bethencourt, João, 209 Carvalho, J.P. de, 130,202 De Broca, Philippe, 51
203,208
Biáfora, Rubem, 206 Carvalho, Luci, 74,202,2 09 Debru n, Michel, 181
Farkas, Thomas, 206,208,20 9
Bloch, Pedro, 207 Carvalho, Vladimir, 202 De1 Rey, Geraldos, 54, 61, 69, 90,94,
Fernandes. Millôr. 203
Bonfá, Luís, 202,206,208 Carvana, Hugo, 203,204,205 202,204,205,206,207,208,209
Ferreira, Hamilton, 203
Borges,Cavalcanti,208 Castellani, Líris, 205,20 7 Delacy, Monah, 202
Ferreira, Procópio, 203
Borges, Miguel, 40,132,202,203 Cavalcanti, Cláudio, 205 Dias, Maria Helena, 202 Ferreira, Roberto, 69,205,207
Bosch, Hyeronimus, 45 Cavaquinho, Nelson, 204 Diegues, Carlos, 37,40 ,80 , 105, 158, Figueiró, Lueli, 207
Braga Neto, 205 César, Henrique, 2 03 140,161,203,205 Fiorani, Marilu, 204
Brah, Lola, 89,2 02 César, Paulo, 205 Donato, Hern ani, 208 Fomm, Joana, 203
Brasil, Edgar, 119,174 Chacon, Vamireh, 49 Dória, Jorges, 56,202, 203,205, 207, Fontoura, Antônio Carlos, 156,205
Brecht, Bertolt, 43,167,16 9 Chagas,Valmor, 134,208 209 Ford, John, 169
Bressane, Júlio, 156,1 90,206 Cherques, Sanin, 207 Douri an, Frida, 203 Fowle,Henry C., 173,207
Brito, Sérgio, 148,204,20 8 Christensen, Carlos Hugo, 140, 144, Duarte, Anselmo, 14,66,207 Fregolente, Ambrósios, 202 ,203
Bufiuel, Luis, 169 203,204,209 Duarte,Artur, 52,109,204 Freire, Gracinda, 202,20 5,209
Cintra, Mozart, 209 Duarte, Aurora, 207,208 Freire, Napoleão Muniz, 203
Cabral, Sadi,202,20 3,208 Coelho , Luís Lopes, 207 Duarte, Fernando, 205 Freitas, Elísio de Sousa. 207

Gabriel Geraldo 202 Henrique Luís 205 Lachtermacher Saul 202 Magalhães Ioná 95 145 204 208
Garcia Airton 9 1 201 Herrera Jacinto 207 Lago Mário 205 Magna Lúcia 209
Garcia Galileu 207 Herzog Vladimir 62 206 Lago Virgínia 109 207 Maia Valdir 207
Garcia Léa 205 Higino Raimundo 204 Lamartine Alphonse MarieLouisde 50 Maldonado Rosângela 203
Gaúcho Milton 205 Hirszman Leon 40 43 45 46 59 66 Lara Odete 126 127 202 207 Malvil Anick 56 159 209
Genauer Beyla 203 87 107 111 113 188 190 203 204 Laurelli Glauco Mirko 207 208 Manzon Jean 25
Genet Jean 169 206 Lavrov 50 Maranhão Luísa 53 74 202 205
Germano Filho 203 Horácio 169
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Leão Danuza 209 110/116
Marcondes Geni 204
Gertel Vera 205 Horta João Farias Parreiras 204 Leite Vera Barreto 205 Mariano Filho José 207
Gesse Gessy 208 Humildes Sônia dos 204
Gladys Maria 202 205 Lemos Ubiratã 203
Lessa Orígenes 203 207 209 Marins Honório 208
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet Marins José Mojica 129 163 201 208
Glória Darlene 136 208 Ianni Octavio 209
Lewgoy José 205 209 Marivalda 203
Gnatalli Alexandre 205 Icsey Rudolf 205 206 207
Lima Jr. Walter 206 Markan. Ger aldo. 201
Gnatalli Radamés 204 Ileli Jorge 105
Lima Acacio de 208 Martins Aldemir 25
Godard Jean-Luc 169 Inês Helena 55 149 205
Lima Antônio Cavalheiro 207
Goméia Joãozinho da 206 ~ório tila 83 205 209 Martins Luciano 79
Lima Estácio de 66
Gomes Alfredo Dias 207 Isaac Shauli 206 Martins Neli 202
Lima Valdemar 174 204 206 208 209
Gomes Eliezer 62 Isabela 148 149 203 204 Marx Karl 99
Lima Vítor 205 207
Gomes Paulo Emílio Salles 17 185 Massaini Osvaldo 59 206 207
Linhares Luís 150 204
186 187 188 Jabor Arnaldo 114 203 206 Mauro Humberto 30 115 119 155
Lira Carlos 37 167 202 203 205
Gonçalves Milton 203 207 Jardel Filhov Jercolis Filho J ardel 9
r 168 169 174 175 190 204 205
Gonzaga Ademar 204 Jercolis Filho Jardel 203 204 209 Lisboa Adriano 203 209 Mauro José 204
Jesus José Flores de Keti Zé 9 Lispector Clarice 147
Goulart João 17 v r
Mauro Luís 204
Liuzi Carlos Artur 203
Goulart Paulo 205 207 Jobim Antônio Carlos 167 207 Mayer Rodolfo 140 209
José Paulo Sousa Paulo Joséde 9 Loiola Inácio de 143
Gouveia Renato Magalhães 208 v r
Mazzaropi Amácio 165 187
Loiola Maurício 205
Goya y Lucientes Francisc o de 45 Medeiros Gilda 208
Kemeny Adalberto 108 Lombardi. Guelielmo. 208
Graça Magalhães 203 Medeiros Rejane 204 208
Graça Maria da 203 Kennedy John E 125 Lombardi Ugo 208
Loues. Iosé Alberto 205 Medina José 57 108
Gracindo Paulo 204 209 Keti Zé 204 .

Lopes Rosita Tomás 204 Meireles Ioná 205


Gruber Mário 206 Khouri Walter Hugo 14 29 52 120
Loureiro Osvaldo 206 207 208 Meli Nelo 205 207 209
Guadalupe Maria 202 203 121 122 123 124 125 126 128
Lousada Osvaldo 203 205 207 209 Melinger Ester 208
Guarnieri Camargo 208 132 173 178 205 207
Guarnieri Gianfrancesco 109 205 Kierkegaard Soren 169 Lozano Mário 207 Melli Oscar 207
Klainberg Carmen 203 Lucena Mário de 203 Melo Breno 56 209
Guerra Rui 92 129 202 204 205 206
Guerreiro Joseph 207 Kubitschek de Oliveira Juscelino 17 Lufti Dib 149 204 206 209 Melo Joã o Ramiro 202 206
Guimarães Avaro 58 162 206 Kurosawa Aquira 169 Lustig Rodolfo Rex 108 Mendes Jaime 204
Gullar Ferreira 49 166 206 Mendes LuísAugusto 204 208
Labanca João Ângelo 203 204 208 Machado Aníbal 135 209 Menezes Glória 207
Hartman Elisabeth 205 Lacerda Lair 207 Maciel Luís Carlos 145 159 208 Mesquita Lobo de 204
Hathayer Pedro Paulo 203 Lacerda Vanda 204 Magaldi Sábato 67 Migliaccio Dirce 202 206

Migliaccio Flávio 50 202 203 206 Oliveira José Eduardo Marq ues de Petraglia Cláudio 208 Ribeiro Lucila v r Bernardet Lucila
209 201 206 Pffister George 205 Ribeiro 9
Migliori Gabriel 203 207 Oliveira Sérg io de 203 Picchi Luigi 122 205 Ribeiro Maria 83 209
Miranda E da Rocha 203 Oliveira Xavier de 5 1 204 205 Pieralisi Alberto 108 207 Ribeiro Milton 204 207 209
Montagna Sérgio 201 Onofre Valdir 202 203 Pietri Anatole 207 Ricardo Sérgio 58 167 204 206 209
Monteiro Apoio 208 Orico Vanja 206 Pimentel Ana Maria 201 Richers Herbert 202 207 208 209
Monteiro Maria Lúcia 202 Ornstein Oscar 26 Pimentel José 208 Rinaldi Sílvio 209
Orsini JoséAntônio 203
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet
Montel Arnaldo 204 Pimentel Jurandir 88 202 Rivas Ângelo 206 111/116
Montenegro Fernanda 112 204 Oscarito 165 203 Pinto Evaldo 169 Robbe-Griiiet Alain 125
Morais Duarte de 203 Otelo Grande 165 202 203 Pires Roberto 50 52 56 108 203 205 Rocha Anecy 158 162 205 206
8/15/2019 Morais Milton 205 Oxima Naguissa 45 209
Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet Rocha Glauber 1 4 38 40 43 52 65
Morais Pedro de 204 Pitágoras Osvaldo 205 69 73 79 80 88 94 95 97 98 99
Morais Vinicius de 37 s 1 Pacheco Diogo 27 Pitanga Antônio 53 73 78 80 158 100 101 107 129 130 151 152
Mota Walter Guimarães 206 Padilha Paulo 207 177 202 205 206 207 208 209 156 157 169 170 171 173 176
Mozart Wolfga ng Amadeus 204 Paiva Salvyano Cavalcanti de 60 Platão 169 177 180 181 190 202 204 206
Murce Renato 203 Palácios Alfredo 105 Poe Edgar Allan 121 209
Murphy Alfredo 207 Palácios Lita 203 Polanah Rui 204 205 Rocha Glauce 202 203 208 209
Myrna Jacqueline 208 Pallero Edgardo 206 Policena José 208 Rocha Márcia 204
Palma Osvaldo da 205 Pompeu Maria 203 Rocha Mário 202 203
Nabuco Ana Maria 203 Panicalli Lírio 203 209 Poncy Charles 50 Rocha Osaná 209
Nascimento Abdias do 203 Paula Catulo de 204 209 Pongetti Henrique 208 Rodrigues Aurélio 204
Nascimento Armando 203 Paulinho 203 Porto Ismar 204 205 207 208 Rodrigues Carlos Frederico 51 205
Nascimento Elídio 203 Paz Aníbal Gonzalez 209 Porto Paulo 141 208 Rodrigues Milton 205 207
Nath Norberto 205 Pedregal Carlos 207 Prado Ana di 203 Rodrigues Nelson 51 56 111 113
Neder Rodolfo 203 204 205 Peixe César Guerra 208 Prazeres Heitor dos 156 205 130 131 132 202 204
Negrão Francisco 205 Peixoto Mário 119 174 Rodrigues Paulo 203
Negrão João 202 205 Pena Ismália 203 Quadros Jânio 79 Rolim Sávio 206
Nepomuceno Alberto 206 Pena Jurema 206 208 Queirós Álvaro 208 Ronseiro João 20 1
Neuman Renato 205 Pércia Miriam 205 Queiró s Dinah Silveira de 203 Rosa João Guimarães 169 170 174
Neves David 155 190 205 206 Pereira Augusto 208 Rosa José 174 207 208 209
Nimitz Riva 203 Pereira Fernando 204 Rabatoni Toni 173 202 203 206 209 Rosi Francesco 174
Noronha Linduarte 36 37 202 Pereira Geraldo Santos 105 Ramalho Francisco 144 Rossi Ítalo 159 201
Noya Valdemar 203 Pereira Lúcio 203 Ramos Graciliano 75 169 170 209 Rossi Lia 202
Pereira Renato Santos 208 Rangel Flávio 50 179 205 Rovai Pedro 156
Ohno Massao 208 Pereira Sônia 206 Raquel Teresa 14 3 202 205 207 208 Ruiz Turibio 208
Oliveira Aloísio de 207 Pereira Zenir 203 Rego José Lins do 169 206 Ruschel Alberto 159 207 208
Oliveira Antero de 20 1 Perrone Gilberto 202 203 Rego Vítor Cunha 206
Oliveira Arassari de 89 209 Person LuizSergio 104 133 136 143 Rey Margarida 207 Sabag Fábio 206
Oliveira Denoy de 204 208 Ribeiro Agildo 203 209 Sabino Fernando 203

Said Jirrah 203 Singer Paul 56 Vargas Getúlio 70 79 104 105 162 Villa-Lobos Heitor 157 162 166 167

Saldanha Luís Carlos 206 Singulani Gianina 204 Vasconcelos José Mau ro de 205 169 170 177 190
Sampaio Antônio v r Pitanga Antô- Siwa 203 Veloso Caetano 206 209 Villon André 202 208
nio 9 Soares Antônio Carlos 205 Veloso Halley B. 01 206 Visconti Luchino 169
Sand George 50 Soares Jofre 204 209 Viana Filho Oduvaldo 146 03 04
Santeiro Gilberto 205 Soares Paulo Gil 59 206 206
Warnowski Sérgio 208
Santiago Janira 203 Sodré Nelson Werneck 48 Viana Afonso 206
Weffort Francisco 79
Santillan Diego 109 207 Sousa Cláu dio Me10 e 201 Viana Antônio Moniz 17
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 112/116
Santos João Felício dos 205 Sousa Ivan de 208 Wilma Eva 135 203 205 208
Viana Vera 202 205
80 202 206 Sousa Jackson de 207 Windsor Márcia de 203
Santos Luís Paulino dos Sousa Paulo José de 201 Viany Alex 14 56 69 71 72 157 171
Santos Moacir 204 205 208 204
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude
208 Bernardet
Santos Nélson Pereira dos 14 17 29 Sousa R ute de 202 207
Vieira Ruelker 202 Xavier Nelson 112 204 208
58 82 84 85 86 87 109 130 167 Souto Edmundo 205
Vigny Alfred de 50
169 171 181 202 205 206 209 Sucksdorf Arne 5
Zarur Alziro 114
Vilar Leonardo 67 143 158 205 206
Santos Roberto 14 39 109 10 111
207 Zelioni Otelo 134 208
143 205 208 209 Tambellini Flávio 130 173 202
Vilar Orlando 204 208 Ziraldo. 204
Santos Rui 208 Tanko Josip B. 30 140 202 208
Sanz Sérgio 207 Tapajós Renato 155
Saraceni Paulo César 14 44 9 04 Taranto Aldo 204
107 13 16 46 69 201 204 Teixeira Aldo 73 202

206 207 Teixeira Aurélio 59 61 204 209


Saraceni Sérgio 204 Thiré Cecil 203 204 206 208
Sarno Geraldo 151 179 209 Timberg Natália 145 208 209
Sartre Jean-Paul 169 Tinhorão José Ramos 167
Scarlatti D omenico 204 Tinti Gabriele 125 126 207
Schindler Rex 52 56 202 205 209 Torres Miguel 71 202 204 206 208
Semedo Artur 203 209
Sena Orlando 52 Trigueirinho Neto José Hipólito 88
Sermet Ozen 203 208 209 90 91 92 201 202
Serrano Paulo 204 209
Sfat Dina 201 Usai Remos 202 203 207 208 209

Shakespeare William 169


Silva Adalberto 203 Vagareza 203
Silva Francisco Pereira da 206 207 Valadão Jece 143 54 159 202 205
Silva Hélio 205 206 209 207
Silva Lídio 73 94 204 Vale João do 204
Silva Wilson 59 207 Vale Maurício do 64 94 97 204 208
Silveira Wálter da 56 Valverde Rafael Justo 202 204 205
Simone Am élia 205 207 209

Índice de filmes

http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet 113/116
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

Além d osfilm es brasileiros mencion ados no texto, são registrados aqui- pelo títu-
lo original epelo que tiveram no Brasil- osfilm es estrangeiros citados pelo autor.
São igualmente registrados aqui- eassinalado s com um asterisco *) -os títulos

de algumas obras literárias tam bém citadas.

meia-noite levarei a sua alma, 201 104 152 157 167 173 176 177
Ama r, verbo intransitivo*, 90 178 188 190 202
Angústia*, 75 Beijo no asfalto*, 130
Apelo, 91 92 201 Boca de Ouro, 0 130 202
Arena conta Zumbi*, 37 Bonitinha m as ordinária, 130 132 202
Arraial do Cabo, 118 201
Artigo, 66 201 Cabra marcado para morrer, 107 166
Aruanda, 36 38 39 202 Cafajestes, Os, 129
Aruanda*, 37 Canalha e m crise, 132 133 142 202
Asfalto selvagem, 130 202 Cangaceiro, 0 59 173 187
Assalto ao trem pagador, 0 202 Cidade ameaçada, 62 103 203
Cinco vezes avela, 40 41 43 44 45 46
Bahia de Todos os Santos,88 9 1 92 99 47 50 99 103 104 167 171 183
103 105 141 178 179 202 203 204 207 209
Bandido Giuliano, O Salvatore Giu- Circo, O , 114
liano),174 Couro degato,42 58 203
Barravento, 73 78 79 80 95 99 103 Crime de amor, 108 113 203

Crime no Sacopã, 108,203 Ganga bruta, 30,32 Mandacaru vermelho, 167,206 Primeira missa, A, 104
Crônica da cidade amada, 144,145, Ganga Zumba, 37,80,81,205 Marimbas, 206 Procura-se u ma Rosa, 143,207
154,203 Garoto de calçada, 51,58,205 Mário Gruber, 206
Garrincha, alegria do povo, 112,205 Memóri a do cangaço, 59,66,206 Quelé do Pajeú, 60,61
Depois do sol*, 143 Getúlio Vargas, sangue e glória de u
Mendigos, Os, 50 Quintopoder, O, 08
Desafio roteiro), 107,113,115,140 povo, 105 Meni no da calça branca, O, 8,206
Desafio, 0 58 104 142 146 147 148 Gigante de pedra, 0 20
Meni no de engenho, 58,115,169 Ramopara Luísa, Um, 140,141,142
149,151,152,153,173,178,183, imb450,58,1677 78,179,205
http://slidepdf.com/reader/full/brasil-em-tempo-de-cinema-jean-claude-bernardet Menino s do Tietê, 58,178,206 Rebelião e m Vila Rica, 105,208 114/116
184.189.204 Grande cidade, A, 105,158,187 Meu destino épecar, 130 Riacho de sangue, 159,208
Minha querida dama (M y air lady),25 Rio 400,109,112
, , . . . . Rio, Zona Norte, 109
8/15/2019 104,141,149,158,167,177 Brasil Em Tempo de Cinema - Mitt Hem ar Copacabana
Jean-Claude Bernardet (Fábula em
152,157,170,183,204
Grande momento, 0,109,111 Copacabana),5 Rosa para tod os, Um a Una rosa per
Djanira e m Parati, 156
Grand e sertão: veredas*, 170,174 Moleques de rua, 58,206 tutti), 5
Mord in Rio (Noitesquentesde Copaca-
Electra (Electra) ,174
Heitor dos Prazeres, 156,205 bana), 108 Salvatore Giuliano O andido Giu-
Em busca do ouro, 154,204
História de u m crápula, 154,205 Morte coma nda o cangaço,A, 26,59 liano), 1 74
Encontro com a morte, 52,109,204
Homm e de Rio, L O omem do Rio), Morte e m três tempos, A, 52,109 Sangue de irmão, 59
Engenho da Galiléia*, 107 c
J Mortepara um covarde(Rosasparauna Santa Marta Fabril S/A*, 123
Engenhos e usinas, 115,204
Hora e vez de Augusto Matraga, A , 1 mujer), 109,207 SãoPauloS.A., 104,108,133,137,138,
Engraçadinha depois dos trinta, 130
69
A
My air lady (Minh aquerida dama), 25 139, 40, 48, 53,172,178,179,
Entre o am or e o cangaço, 61,204 Humberto Mauro, 155,205 183,184,189,208
Escola de Samba Alegria de Viver, 40,
Nagarganta do diabo, 121 São Paulo, sinfonia da metrópole, 108
42,43,203,204
Ilha,A, 121,122,123 Noite vazia, 120, 24, 25,126, 27, Seara vermelha, 62,106,129,170,208
Escravos de Jó , 5 ,58
Infância. 5 .58 Seara vermelha*, 170,208
128,129,138,178,207
Essagatinha é minha, 159 Integração racial, 149,206
Noitesquentesdecopacabana (Mor din Selva trágica, 62,63,64,208
Esse mun do meu, 22
Rio), 108 Sina do aventureiro, A, 208
Estranho encontro, 123 João Boa Morte*, 166
Exemplo regenerador, 57 Nordestesangrento, 59,207 Societyem baby-doll 26 142 145 159
João classe média* , 144
208
João Ternura*, 135
Fábula em Copacabana (M itt Hem ar Opinião*, 147,167,168 Solsobrea lama, 69,72,82,99,103,104,
Copacabana),51 Lamp ião, fera d o Nordeste, 59 Orfeu do carnaval (Orfeu negro),5 157,177,182,208

Falecida,A,59,111,112,113,114,130, Lampião, rei do cangaço, 26,59,206 Stella (Stella),165


138,140,172,174,178,179,183 Liberdade, liberdade*, 37,147 Pagador depromessas, 0,66,67,68,80,Subterrâneos do utebol 112,208

Fanáticos e cangaceiros*, 60,170 Lima Barreto, 156,206 167,180,182,187


Favelado, Um, 40,42,5 ,203 Limite, 119,120,190 Pedreira de São Diogo, 40,46,203,207 Taiio no Hacaba Túm ulo do sol), 45
Filho sem mãe, 59 Pedro e Paulo (P edroy Pablo), 50 Tempo em que Getúlio viveu, 0,105
Fragmentos da vida, 57,108 Main s sales, Les*, 96 Planalto Piratininga, 25 Terra e m transe, 142,151,152,153,157,
Fronteiras do inferno, 121,122 Maioria absoluta, 66,68,69,80,86,87, Porto dascaixas, 59,116,118,119,120, 209
Fuzis, Os, 2 178,206 167,169,174,178,179,207 Tocaia no asfalto, 54,209

Três cabras de Lampiã o, 59 60 209 Viagem aos seios de Duília, 140 14


egendas das fotos
Tropeiro, 0 129 209
Túm ulo do sol (Taiio no Hacaba), 45 Vida O m 0 é A*1 130
Vid as secas, 58 2 85 6 7 88 94
103 104 106 137 169 170 172
U m por cento, 155
174 175 179 181 189 209
Universidade em crise, 155 Viramundo, 151 179 209

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Vencidos, Os, 52 Zé da Cachorra, 40 42 5 203 209 115/116
8/15/2019 Brasil Em Tempo de Cinema - Jean-Claude Bernardet

grande eira: Rôni e Maria da Feira Geraldo de1Rey e Luísa Maranh ão)
Agrande eira: Rôni e a grã-fina Geraldo de1Rey e Helena Inês)
Barravento: Aruã Aldo Teixeira)
Barravento: Firmino Antônio Sampaio )
Vidassecar Fabiano Átila Iório)
Vidas secas: andando para um futuro desconhecido
Sol sobre a lam a: Valente Gera ldo de1 Rey)
Bahi a de T odos os Santos: perplexidade de Tônio Juran dirPimentel)
Os uzis: o desespero de Gaúcho Átila Iório )
Deus e o Diabo na terra do sol:Antônio das Mortes Maurício dovale)
São Paulo S. A.: Carlos Valmor Chagas)
O desafio: Marcelo Oduvald o Viana Filho)
Grande cidade: o ludismo de Calunga Antônio Sampaio)

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