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O
melhas, entrou na plantação de bananas, de
ruas simétricas e intermináveis, e o ar se fez
úmido e não se voltou a sentir a brisa do
mar. Um rolo de fumaça sufocante entrou
pela janela do vagão. No estreito caminho
paralelo à via férrea havia carros de boi cheios de cachos verdes. Do
outro lado do caminho, em inopinados espaços sem plantação, havia
escritórios com ventiladores elétricos, acampamentos de tijolos ver-
melhos e residências com cadeiras e mesinhas brancas nas varandas,
entre palmeiras e roseiras empoeiradas. Eram onze horas da manhã
e ainda não começara a fazer calor.
— É melhor levantar a vidraça — disse a mulher. — Seu cabelo
vai ficar cheio de carvão.
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O pároco suspirou.
— Nunca tentou fazê‑lo entrar para o bom caminho?
A mulher respondeu quando acabou de assinar.
— Era um homem muito bom.
O sacerdote olhou alternadamente a mulher e a menina e verificou
com uma espécie de piedoso espanto que não pareciam a ponto de
chorar. A mulher continuou inalterável:
— Eu lhe dizia que nunca roubasse nada que fizesse falta a alguém
para comer e ele me escutava. Entretanto, antes, quando lutava boxe,
passava até três dias na cama prostrado pelos golpes.
— Teve que arrancar todos os dentes — interveio a menina.
— Isso mesmo — confirmou a mulher. — Cada bocado que eu
comia nesse tempo tinha gosto dos murros que davam em meu filho
nos sábados à noite.
— A vontade de Deus é inescrutável — disse o padre.
Mas disse sem muita convicção, em parte porque a experiência
tornara‑o um pouco cético, e em parte devido ao calor. Reco-
mendou‑lhes que protegessem a cabeça para evitar a insolação.
Indicou‑lhes, bocejando e já quase completamente dormindo, como
deviam fazer para encontrar a sepultura de Carlos Centeno. Na volta
não precisavam bater. Deviam colocar a chave por baixo da porta, e
deixar ali mesmo, se tivessem, uma esmola para a Igreja. A mulher
ouviu as explicações com muita atenção, mas agradeceu sem sorrir.
Mesmo antes de abrir a porta da rua o padre viu que havia al-
guém olhando para dentro, com o nariz espremido contra a tela
metálica. Era um grupo de meninos. Quando a porta se abriu por
completo os meninos se dispersaram. A essa hora, normalmente,
não havia ninguém na rua. Agora não estavam apenas os meninos.
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