Você está na página 1de 3

4. A questão das escalas e a relação espaço-tempo e os processos de regionalização e periodização.

Falar em escalas espaço temporais implica reconhecer a análise conjunta e indissociável entre as dimensões
espacial/geográfica e temporal/histórica da realidade. Alguns geógrafos, principalmente, na ótica materialista
dialética, discutiram filosoficamente esta interação. Segundo, Haesbaert, podemos considerar que a
tridimensionalidade do espaço se agregaria a uma quarta dimensão, a do tempo.
Numa discussão sobre escala, importante salientar que na perspectiva dialética, espaço e tempo, embora
“determinados” pelo seu caráter mutável, são concomitantemente absolutos e relativos estáveis e dinâmicos
numa interação que para alguns autores chama-se relacional.
Se afirmamos que há uma escala regional, não podemos defini-la simplesmente pela delimitação física,
cartográfica, de um espaço passível de ser matematicamente medido. Para diferenciarmos a intepretação
geográfica da simples descrição cartográfica, devemos conceber um conteúdo, um caráter minimamente
conceitual (e não puramente descritivo) a esta escala – inserir, como veremos adiante, o caráter da dinâmica
(política, economia, cultural) que a região envolve, o que exclui a definição de limites estanques para a escala
regional e nos obriga a entender sua interação com outras escalas. Na história ocorre algo muito semelhante:
definir escalas de tempo pela simples dimensão física, mensurável, quantitativa, do tempo resultará numa
simples descrição cronológica dos fatos. Além desta escala cronológica, de um tempo linear quase absoluto,
temos também, e primordialmente, um tempo histórico que se expressa em ritmos diferenciados, complexos,
em escalas históricas, em que é impossível estabelecer limites estanques, exatos, e em que os fluxos são
resultado do entrecruzamento de tempos de diferente duração. Com isto, caem por terra as periodizações
tradicionais, precisas da história factual, e desdobram-se escalas que assumem a complexidade dos múltiplos
ritmos da temporalidade.
Lacoste (1988) foi o primeiro geógrafo a propor uma analise diferenciada da escala em Geografia. Pretendia
mostrar a importância da analise geografia, o que chamou de “espacialidade diferencial”, em diferentes níveis
para a compreensão de que é necessário múltiplas escalas para ‘resolver’ uma questão.
Já Lipietz, propõe determinados conceitos que têm muito a ver com aquilo que denominamos escala geográfica.
Sua preocupação com a dimensão espacial dos fenômenos econômicos e políticos é visível em suas obras.
A preocupação em delimitar geograficamente a questão/fenômeno que estudamos, atentando assim as
implicações que a definição de uma escala (concomitantemente cartográfica e geográfica) impõe, é um
elemento central e ao mesmo tempo bastante desprezado em nossas pesquisas.
Para Le Goff (1985), a problemática dos tempos logos e dos tempos breves consiste no “estudo de uma
sociedade histórica numa determinada área cultural, dentro de um determinado período – e insisto nestas
definições de nossos estudos, necessários numa altura em que cada vez se tem menos cuidado em delimitar
cronologicamente e geograficamente o assunto de que nos ocupamos, e em que a história comparativista passa
alegremente, por cima das fronteiras, mesmo as mais respeitáveis, colocando-se em vários níveis e diferentes
pontos de observação que permitem identificar diferentes ritmos de mudança”.
A proposta daqueles que se debruçaram sobre as escalas é que elas devem articular espacialidades distintas, não
podem partir da determinação de uns sobre outros porque não existem escalas a priori (escalas ontológicas,
existentes na realidade concreta). Primeiro porque a escala é uma construção do pesquisador, o mesmo escolhe
a espacialidade que é mais apropriada para análise do fenômeno; e segundo porque a reificação de uma escala a
priori é um erro analítico: se a contribuição das escalas é o entendimento que são construídas socialmente e não
são dados fixos, entender que uma determinada espacialidade sempre determina as demais é um cerceamento
intelectual, não um recurso de análise.
O trunfo das escalas como recurso metodológico é dispor delas interconectadas, intercaladas. O debate da
multiescalaridade contribui para pensar múltiplas espacialidades que podem influenciar um fenômeno, e não
restringir a análise do fenômeno a sempre as mesmas escalas (reificadas).
O debate da multiescalaridade contribui para pensar múltiplas espacialidades que podem influenciar um
fenômeno, e não restringir a análise do fenômeno a sempre as mesmas escalas (reificadas).
“A escala não é uma categoria pré-existente, apenas à espera para ser aplicada, mas sim um modo de
contextualizar concepções da realidade. Isso significa que diferentes escalas constituem e são constituídas
através de uma estrutura histórico-geográfica de interações sociais.” (MARSTON, 2004 apud MOORE, 2008).
Para aprofundar o debate escalar, é importante frisar que as escalas não são dados ontológicos, elas não existem
na realidade concreta. São recursos metodológicos que permitem a observação de uma ou mais espacialidades.
A escala geográfica considera a “extensão ou magnitude do espaço que se está levando em conta” (SOUZA,
2013:181), o que não quer dizer que a extensão do espaço exista enquanto um recorte previamente determinado,
os recortes são estabelecidos de acordo com o interesse dos atores que a ele se dirigem. Dessa forma, as escalas
são uma construção (não escolha) intelectual do pesquisador, de acordo com o fenômeno (ou os fatores que
influenciam o fenômeno) que ele observa. Escolher os recortes escalares é construir uma narrativa a partir da
análise da trama da realidade.
“...admitir que os fenômenos possuem um certo alcance espacial independente da consciência de quem os
percebe ou estuda não nos impede de aceitar que o pesquisador possa estabelecer, segundo critérios variados,
recortes espaciais que lhe permitam ou facilitem visualizar ou destacar determinados aspectos da realidade – e
vice versa.” (SOUZA, 2013: 182)

Trazendo para o contexto da regionalização. Na divisão mais simplista do que significa um processo de
regionalização, de identificação ou de construção de regiões, temos que regionalizar é encontrar partes num
conjunto ou num todo, o que pode se dar basicamente por duas vias: um agrupamento de partes menores em
parcelas mais amplas, mas menores que o todo (por exemplo: região como agrupamento de estados brasileiros -
o Sul, o Nordeste); uma divisão do conjunto, do todo, em partes menores (ex.: as regiões do mundo
estabelecidas a partir da divisão internacional do trabalho definida pelos centros do capitalismo). É claro que
são os critérios adotados para dividir ou agrupar, em termos de questões ou "fatores" fundamentais a serem
priorizados para indicar os limites regionais (sempre dinâmicos), que definem a qualidade da nossa
regionalização. Não se trata de um simples problema de método (para definir limites) mas de questões voltadas
mais para o "conteúdo" do que à "forma" da regionalização, considerando a complexidade da formação de
regiões, enquanto espaços relativamente específicos dentro de uma determinada escala de análise. Nesse
sentido muito genérico e simplificador da região como parte de um todo, múltiplas são as escalas em que é
possível regionalizar – podemos encontrar regiões desde a escala intra-urbana (como as zonas Sul e Norte
cariocas) até a escala mundial (como os velhos continentes da geografia tradicional). Assim, um bloco
internacional de poder poderia ser encarado como uma região à escala internacional. Haesbaert (1988)
restringiu bastante a amplitude sócio-geográfica do conceito de região, usarei adiante apenas a concepção de
bloco de poder. A importância dos métodos de regionalização por agrupamento ou por divisão acaba se
tornando maior quando os associamos à questão do todo e das partes, do geral e do particular. Priorizar o todo -
o que ocorre no processo de divisão, que vai do todo às partes - implica um método teóricodedutivo, enquanto
que priorizar a parte - no caso do agrupamento - leva a um método empírico-indutivo. Se quisermos de fato
assumir uma perspectiva dialética de conhecimento será imprescindível reconhecer, no mínimo, que ambos os
processos são limitados e que a realidade só pode ser entendida quando a reconhecemos numa dinâmica de mão
dupla (embora desigual): tanto do todo para a parte (ou, numa outra abordagem, do geral para o particular)
quanto da parte para o todo. Alguns racional-idealistas defenderiam a primeira perspectiva, enaltecendo o geral,
a teoria, e impondo-a sobre as especificidades, enquanto muitos materialistas empíricos tomariam por base a
segunda, priorizando a singularidade ou as particularidades no entendimento do mundo.

Construir as narrativas escalares na perspectiva da genealogia do fenômeno (busca pelos fatos que
possibilitaram a emergência do mesmo) é construir um sistema de contextos, uma análise em rede que desvenda
a trama de relações que torna possível um fenômeno – relações que operam no tempo e no espaço. O contexto
não está dado, é preciso buscar a trama, construir narrativas. A busca pelas conexões, determinações e
mediações de um fenômeno para explicar sua totalidade.

Você também pode gostar