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01-Os Cinco Na Ilha Do Tesouro
01-Os Cinco Na Ilha Do Tesouro
ENID BLYTON
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Índice
Capítulo 14 - PRISIONEIROS!
- Mãe, já sabe para onde vamos nas férias grandes? - Perguntou o Júlio,
à mesa do pequeno-almoço. - Podemos ir para Polseath, como é costume?
- Creio que não, - disse a mãe. - As casas já estão todas alugadas este
ano.
- Não! - exclamou a Ana. - Oh, mãe, é verdade? Não pode realmente vir
connosco nas férias? Costuma vir sempre.
- Bem, desta vez o pai quer que eu vá com ele à Escócia, - disse a mãe.
- Só nós os dois! E como já estão bastante crescidos para cuidarem de vocês
próprios, pensámos que achariam divertido passarem umas férias só os três.
Agora, como não podem ir para Polseath, não sei para onde os hei-de mandar.
Alberto era seu irmão, o tio dos jovens. Eles só o tinham visto uma vez e
haviam ficado um pouco atemorizados. Era um homem alto e com ar severo,
um cientista muito inteligente, que passava grande parte do tempo a estudar.
Vivia perto do mar, mas os jovens pouco mais sabiam acerca dele!
- Sim... e também têm uma filha, não é? - Disse a mãe dos jovens. -
Deixem-me ver ... como se chama ... já sei, Maria José! Que idade terá! Cerca
de onze anos, parece-me.
- Não me lembro muito bem, - disse o pai. - Mas tenho a certeza de que
é um sítio interessante. Vão gostar! Chama-se baía de Kirrin. A vossa tia Clara
viveu lá toda a vida e não sairia dali por nada.
- Ah, dizes sempre isso, para onde quer que vás! - observou o pai, rindo.
- Está bem. Vou telefonar agora, para saber se há possibilidade de irem.
- Muito bem, está tudo combinado. A vossa tia Clara ficou encantada
com a ideia. Diz que será muito bom para a Maria José ter companhia, porque
é uma rapariga muito solitária, que anda sempre sozinha fora de casa. E terá
muito gosto em tomar conta de vocês. Só precisam de ter cuidado para não
incomodar o tio Alberto. Tem muito trabalho e fica zangado quando
o perturbam.
- Que bom usar outra vez calças de ganga, - disse a Ana, rodopiando de
alegria. - Estou farta do uniforme da escola. Quero também vestir calções, ou
fato de banho, e ir com os rapazes tomar banho e trepar pelos montes.
- Bem, não falta muito para que o faças - disse a mãe, soltando uma
gargalhada. - Não se esqueçam de escolher os jogos e os livros que querem
levar, está bem? Não muitos, por favor, porque não terão muito espaço.
- Não, não fui, - respondeu a Ana, corando. - Gosto das minhas bonecas
e não conseguia escolher qual delas levar. Por isso, pensei em levar todas.
Isso não tem nada de cómico.
- Chegou finalmente o dia! Pensei que nunca mais chegava. Oh, não é
emocionante ir para férias?
- Oh, não! - exclamou a Ana. - De certeza que não consigo aguentar até
essa hora!
- Com sorte, por volta das seis horas, - disse o pai. - Quem quer agora
esticar um pouco as pernas? Ainda temos uma longa viagem à nossa frente.
- O mar deve estar por perto - disse o David. - Já lhe sinto o cheiro!
- Não é maravilhoso?
- Ali está! Aquela deve ser a baía de Kirrin! Olha, David! Não é linda, tão
azul?
- Claro que irás, - disse a mãe. - Agora, temos de procurar a casa da tia
Clara. Chama-se Casal Kirrin.
Não demoraram a chegar lá. Situava-se num penhasco que dava para a
baía e era uma casa muito antiga, bastante grande, construída em pedra
branca. Roseiras trepavam pela fachada, e o jardim estava cheio de flores.
- Eis o Casal Kirrin, - disse o pai, ao parar o carro. - Supõe-se que tem
cerca de trezentos anos! Então, onde está o Alberto? Olá, Clara!
2.
A PRIMA DESCONHECIDA
A tia dos jovens tinha estado à espera do carro. Saiu a correr pela velha
porta de madeira quando o automóvel parou em frente de casa. Os jovens
gostaram dela logo que a viram.
Os jovens pensaram que a Maria José devia ser uma rapariga muito
invulgar. Desejavam que ela aparecesse. No entanto, isso não aconteceu. De
repente, em vez dela, surgiu o tio Alberto. Era um homem com ar estranho,
muito alto, muito moreno e com uma grande testa sempre enrugada.
- Olá, Alberto! - disse o pai. - Há muito tempo que não te via. Espero que
as crianças não perturbem o teu trabalho.
- O Alberto está a trabalhar num livro muito difícil, - explicou a tia Clara. -
Mas arranjei um escritório só para ele no outro lado da casa. Por isso, acho
que não se sentirá incomodado.
- Voltou a sair, não sei para onde, - disse a tia Clara, aborrecida. - Disse-
lhe que tinha de ficar aqui para conhecer os primos.
- Ela precisa de um bom castigo, - disse o tio Alberto, sem que os jovens
percebessem se ele estava a brincar ou não. - Muito bem, meninos, espero que
passem aqui umas boas férias e que façam a Zé ter mais juízo!
Não havia quarto no Casal Kirrin para os pais passarem a noite. Por
isso, depois de um jantar rápido, saíram para pernoitar num hotel na cidade
mais próxima. Regressariam a Londres no dia seguinte, imediatamente após o
pequeno-almoço. Assim sendo, despediram-se dos filhos naquela noite. A
Maria José ainda não tinha aparecido.
- Gostava tanto que a Maria José chegasse, - disse a Ana para a tia. -
Queria conhecê-la.
- Ana, és uma idiota, - disse o David, zangado, após a tia ter saído do
quarto. - Sabes muito bem o que os adultos pensam quando nos vêem bocejar.
Ainda queria ir hoje à praia.
- Estou a pensar onde andará a Maria José, - disse a Ana, antes de dar
as boas-noites aos irmãos e ir para o seu quarto.
- É tão estranho... não esperar para nos conhecer... não vir jantar... e
ainda não ter chegado! E ela vai dormir no meu quarto... sabe-se lá a que
horas chegará!
- Oh! Está bem! - exclamou a Ana, pensando que a sua prima era muito
estranha. - Chamo-te como quiseres. Acho que Zé é um nome bonito. Nem
gosto muito de Maria José. E, realmente, pareces um rapaz.
- Não, claro que não - disse a Ana. - Gosto de vestidos bonitos e das
minhas bonecas e não poderia gostar se fosse rapaz.
- Não és lá muito bem-educada. Vais ver que os meus irmãos não te dão
importância nenhuma, se pensas que sabes mais do que os outros. Eles são
rapazes a sério, não a fingir, como tu.
- Se eles forem antipáticos comigo, sou eu que não lhes dou importância
nenhuma, - disse a Zé, saltando da cama. - Além disso, eu não queria que
vocês viessem para cá. Meterem-se na minha vida! Sou muito feliz sozinha.
Agora, tenho de aturar uma rapariga tonta que gosta de vestidos e bonecas, e
dois primos estúpidos!
A Ana pensou que as coisas tinham começado bastante mal. Não disse
mais nada e vestiu-se. Pôs uns calções cinzentos e uma camisola vermelha. A
Zé vestiu também calções, e uma camisola de rapaz. Mal ficaram prontas, os
rapazes bateram à porta.
- Ainda não estão prontas! A Maria José está aí! Maria José, sai daí para
te conhecermos.
A Zé abriu a porta com força e saiu com a cabeça bem erguida. Não deu
importância alguma aos dois rapazes, que ficaram completamente
surpreendidos. Desceu as escadas sem dizer palavra. Os outros três jovens
entreolharam-se.
O Júlio pôs o braço em volta dos ombros da Ana, que estava um pouco
triste.
Estavam todos com fome. O cheiro dos ovos com presunto era delicioso.
Desceram as escadas a correr e deram os bons-dias à tia. Esta acabara de pôr
o pequeno-almoço na mesa. O tio estava sentado à cabeceira, a ler o jornal.
Acenou com a cabeça para os jovens. Eles sentaram-se sem uma palavra,
interrogando-se se lhes seria permitido falar durante as refeições. Em casa,
falavam sempre, mas o tio Alberto parecia tão severo! A Zé estava também à
mesa, a pôr manteiga numa torrada. Olhava para os três jovens com ar mal-
humorado.
- Deixa de fazer essa cara, Zé, - disse-lhe a mãe. - Espero que já sejam
amigos. Poderão divertir-se juntos. Tens de levar os teus primos a ver a baía
esta manhã e mostrar-lhes os melhores sítios para tomarem banho.
A Ana observava a baía azul. À entrada da baía havia uma ilha rochosa,
onde se erguiam umas ruínas que pareciam de um velho castelo.
- É a ilha de Kirrin, - informou a Zé, com os olhos tão azuis como o mar,
quando se voltou para observar a ilha. - É um lugar maravilhoso. Se gostar de
vocês, talvez um dia vos leve até lá. Mas não prometo. A única maneira de ir à
ilha é de barco.
- É minha, - disse ela. - Pelo menos, um dia será minha! Será a minha
ilha e será o meu castelo!
3.
- Que queres dizer? - Perguntou o David, por fim. - A ilha de Kirrin não
pode ser tua. Estás a mentir.
O Júlio lembrou-se de que a tia Clara tinha dito que a Zé nunca mentia.
Coçou a cabeça e voltou a olhar para a Zé. Como era possível que estivesse a
falar verdade?
- Deve ser bonita - observou o David. - Por que dizes que é tua, Maria
José?
- Desculpa, - disse o David. - Foi sem querer que te chamei Maria José.
Queria dizer Zé.
- Diz lá, Zé, porque é que a ilha te pertence? - perguntou o Júlio, pondo
o braço sobre os ombros da prima mal humorada.
- Não faças isso. Ainda não sei se quero ser vossa amiga.
- Que estranho ninguém querer comprar uma ilha tão bonita! - disse o
David. - Eu comprava-a logo, se tivesse dinheiro.
- Oh, Maria José... quero dizer, Zé! - exclamou o David. - Acho que tens
sorte. É uma ilha tão bonita. Espero que fiquemos amigos e que nos leves lá
um dia. Nem imaginas como gostaríamos.
- Ninguém sabe, - disse a Zé. - Acho que foi roubado do navio. Claro
que andaram mergulhadores à procura, mas não encontraram ouro nenhum.
- O Tim é o meu maior amigo, - explicou a Zé. - Não consigo viver sem
ele. Mas os pais não gostam dele. Por isso, tenho de o manter em segredo.
Vou buscá-lo.
O Tim estava longe de ser um cão perfeito. Tinha uma forma estranha, a
cabeça muito grande, as orelhas demasiado espetadas, a cauda bastante
comprida, e não se conseguia perceber qual era a sua raça. Mas tratava-se de
um animal com tanta vivacidade, tão amistoso e tão engraçado, que os jovens
logo gostaram dele.
- Quem me dera ter um cão como este, - disse o Júlio, que gostava
muito de cães e sempre desejara ter um. - Oh, Zé, ele é fantástico. Não tens
orgulho nele?
- Gosto muito dele, - disse a Zé. - Encontrei-o nos campos quando era
ainda um cachorro, há um ano, e levei-o para casa. Ao princípio, a mãe gostou
dele, mas quando ficou mais crescido tornou-se impossível.
- Bem, não importa qual o castigo que recebi, - disse ela. - O pior foi
quando o meu pai decidiu que eu não podia ficar com o Tim. A minha mãe
concordou e disse que o Tim tinha de se ir embora. Chorei durante dias; e eu
nunca choro, porque os rapazes não choram e eu gosto de ser como os
rapazes.
Os jovens olharam para o Tim com grande respeito. Não sabiam que um
cão podia chorar.
- Não, não foi bem assim, - disse a Zé. - Ele é demasiado corajoso para
isso. Chorou com a sua voz: uivava, uivava e parecia tão infeliz que me partia o
coração. Foi então que percebi que não conseguia separar-me dele.
- Fui ter com o Alf, um pescador que eu conheço, - disse a Zé, - e pedi-
lhe para tomar conta do Tim, prometendo que lhe pagaria todo o dinheiro que
conseguisse juntar. Ele disse que sim. É por isso que nunca tenho dinheiro: é
todo para o Tim. Ele come muito. Não é verdade, Tim?
O Tim ladrou, parecendo dizer que sim, rebolou na areia e ficou de patas
no ar. O Júlio fez-lhe cócegas e festas.
- Não, obrigada. Ouviram o que acabei de dizer. Não tenho dinheiro para
gelados, por isso não posso partilhar os meus com vocês e não posso aceitar
os que me oferecem. Não se deve aceitar nada das outras pessoas quando
não se pode retribuir.
Fitou o Júlio com os seus olhos muito azuis, e o rapaz franziu a testa,
enquanto imaginava uma maneira de convencer a rapariga teimosa a aceitar o
gelado. Depois, sorriu e disse:
- Claro que prometemos, - afirmou o Júlio. - Mas acho que os teus pais
não se importariam, desde que o Tim não vivesse lá em casa. Então, gostas do
gelado?
- Vocês são simpáticos, - disse ela. - Afinal, estou contente por terem
vindo. Vamos arranjar um barco esta tarde e remar até ao outro lado da ilha
para vermos o navio afundado. De acordo?
4.
- A Zé vai levá-los! - disse ela. - Então, Zé, que se passa contigo. Nunca
lá levaste ninguém, apesar de eu te ter pedido imensas vezes!
- Bem, Zé, tenho de confessar que estou muito satisfeita por fazeres o
que o teu pai te disse, - começou a dizer a mãe da Zé, mas esta abanou a
cabeça.
- Não o faço por ser obrigada, - afirmou ela. - Só os levo porque quero.
Nunca levaria ninguém de quem não gostasse a ver o meu navio afundado,
nem que fosse a rainha de Inglaterra.
- Ainda bem que gostas dos teus primos. Espero que eles também
gostem de ti! - disse a mãe, rindo.
- Zé! Por que deste um pontapé na Ana, quando ela estava a dizer que
gostava de ti, - disse-lhe a mãe. - Sai já da mesa. Não admito esses modos.
- Oh, por favor, chame a Zé, - pediu a Ana. - Ela não me deu um
pontapé de propósito. Foi sem querer.
Os rapazes não lhe disseram nada. Sabiam que a Ana às vezes falava
demais, embora depois tentasse sempre remediar as situações. Pensaram que
era muito corajoso da parte dela ir à procura da Zé. A Zé estava deitada no
jardim por baixo de uma grande árvore. A Ana foi ter com ela.
A Zé sentou-se e disse:
- Tenho uma boa razão para não te levar a ver o navio afundado. Miúda
estúpida!
- Claro que ficava, - disse a Ana. - Mas não quero que eles percam esta
oportunidade por minha causa, mesmo que eu não possa ir.
A Ana foi a correr dizer aos irmãos que estava tudo resolvido; e,
passados quinze minutos, os quatro jovens dirigiam-se para a praia. Junto de
um barco, encontrava-se um jovem pescador de cara morena, com cerca de
catorze anos. O Tim estava com ele.
Disse aos outros para subirem para o barco. O Tim saltou também lá
para dentro, com a sua grande cauda a abanar de contentamento. A Zé
empurrou o barco para a zona de rebentação e depois saltou, sentou-se e
pegou nos remos. Remava muito bem, e o barco começou a deslizar na baía
azul.
- Ele é muito engraçado quando o mar está bravo, - disse a Zé, remando
com força. - Ladra como um doido para as ondas grandes e fica zangado
quando o molham. Mas nada muito bem.
- Se era! - disse o David, olhando para a ilha. - Achas que a tua mãe nos
deixava?
- Não sei, - respondeu a Zé. - Talvez. Por que não lhe pedem?
- Podemos ir à ilha esta tarde? - perguntou o Júlio.
- Há ventos muito fortes que vêm do mar, - explicou a Zé. - Deste lado,
pouco resta do castelo, a não ser montes de pedras. Há um pequeno cais
numa enseadazinha, mas é preciso conhecer o caminho para lá chegar.
- Então, por que não mergulhas? - disse a Zé. - Tens o fato de banho
vestido. Eu já mergulhei muitas vezes. Posso ir contigo, se quiseres, mas o
David tem de manter o barco neste sítio. Há uma corrente que o empurra para
o mar alto. David, tens de ir remando um pouco para que o barco fique no
mesmo sítio.
- Cheguei quase aos destroços do navio, - disse ela. - Está igual como
sempre, cheio de algas e coberto de lapas e outras coisas. Gostava de entrar
no navio, mas nunca tenho fôlego para lá chegar. Agora, mergulha tu, Júlio.
- Isso é impossível, - disse a Zé. - Já lhes disse que andaram por aqui
mergulhadores a sério e não encontraram nada. Que horas são? Acho que
vamos chegar tarde se não regressarmos já!
5.
VISITA À ILHA
- Não vou dizer a mais ninguém além de vocês, - afirmou a Zé. - Estou
sempre a arranjar sarilhos em casa. Talvez a culpa seja minha, mas já estou
farta disso. É que o meu pai não ganha muito dinheiro com os livros de ciência
que escreve, mas quer dar à minha mãe e a mim coisas que não pode
comprar. Por isso, anda sempre mal-humorado. Quer mandar-me para uma
boa escola, mas não tem dinheiro. Ainda bem, porque eu não quero ir para
uma escola longe daqui. Não aguentava separar-me do Tim.
- Não, não seria, - disse a Ana. - É tudo muito divertido. Acho que seria
bom para ti, Zé.
- Está bem, está bem, disse o Júlio, começando a rir. Caramba, ficas
mesmo furiosa, Zé! Sinceramente, até parece que os teus olhos deitam faíscas!
Esta observação fez a Zé rir, apesar de ela não querer. Era realmente
impossível ficar de mau humor com uma pessoa tão bem disposta como o
Júlio. Foram tomar banho no mar pela quinta vez naquela tarde. Depressa
começaram a chapinhar alegremente, e a Zé teve oportunidade de ajudar a
Ana a nadar. A rapariguinha não fazia os movimentos correctos, e a Zé sentiu-
se orgulhosa depois de a ensinar.
- Está bem! - disse o Júlio. - Não preciso de selos, mas não dizia que
não a um gelado. O David e a Ana podem ir para casa com a tua mãe e levar
as coisas. Vou dizer à tia Clara.
- Suponho que ela não quererá ir, - disse a tia. - No entanto, pergunta-
lhe.
- Ele está bem, - disse a Zé. - E nem imaginas como ficou contente
quando me viu! Deu um salto tão grande que me ia deitando ao chão! Olha,
outro gelado para mim. És muito generoso, Júlio. Tenho de retribuir de alguma
maneira. E se fôssemos à minha ilha amanhã?
- Penso que vai haver uma tempestade, disse a Zé, olhando para
sudoeste.
- Mas, Zé, por que dizes isso? - disse a Ana, impaciente. Olha para o
Sol, e quase não há nuvens no céu!
- Oh, Zé, será a maior decepção das nossas vidas se não formos hoje, -
disse a Ana, que não suportava decepções, nem grandes nem pequenas. - E,
além disso, acrescentou, astutamente, se ficarmos em casa, com medo da
tempestade, não poderemos estar com o Tim.
- Sim, é verdade, - disse a Zé. - Está bem, iremos. Mas, se houver uma
tempestade, lembra-te de que não podes comportar-te como uma criança.
Tens de fazer tudo para te divertires e não ficares assustada.
- Bom dia, "menino" Zé, - disse ele. Parecia tão estranho aos outros
jovens ouvi-lo chamar "menino" Zé à Maria José! - O Tim tem estado a ladrar
como um doido. Acho que ele sabia que o vinham buscar hoje.
A Zé remou durante todo o caminho até à ilha. O Tim, ora numa, ora
noutra extremidade do barco, ladrava quando as ondas se erguiam contra ele.
Os jovens viam que a ilha estava cada vez mais próxima. Parecia ainda mais
emocionante do que no outro dia.
- Por que trazes o barco tão para cima? - disse o Júlio, ao mesmo tempo
que a ajudava. - A maré está quase cheia, não está? De certeza que não
chega aqui ao cimo.
- É que mais ninguém vem aqui senão eu, - disse a Zé, - e não os
assusto. Tim! Tim, se fores atrás dos coelhos, zango-me contigo.
- Não, já tentei fazer isso, - disse ela. - Eles não vêm. Olhem para
aqueles tão pequeninos. Não são amorosos?
- Sim, vamos, - disse a Zé. - Olhem, a entrada era ali, por aquele grande
arco em ruínas.
- Tinha muralhas à volta, com duas torres, - disse a Zé. - Uma torre
quase desapareceu, como podem ver, mas a outra não está em tão mau
estado. As gralhas fazem lá os ninhos todos os anos. Quase a encheram de
raminhos.
- Parece ser o único quarto que está inteiro. Há mais aqui, mas uns não
têm telhado, outros estão sem paredes. Aquele quarto é o único onde se
poderia viver. O castelo tinha outro andar em cima, Zé?
Era verdade. Grandes silvas com amoras cresciam aqui e ali. Arbustos
de tojo penetravam nas fendas e nos recantos dos muros. As ervas selvagens
espalhavam-se por toda a parte como um manto.
6.
- Acho que temos de empurrar o barco ainda mais para cima, - disse a
Zé. - A tempestade vai ser muito forte. Às vezes, estas tempestades repentinas
de Verão são piores do que as do Inverno.
Ela e o Júlio correram para o outro lado da ilha, onde o barco tinha
ficado. E ainda bem que foram, porque grandes ondas estavam já a avançar
rapidamente na direcção do barco. Os dois jovens puxaram o barco para junto
dos penhascos, e a Zé amarrou-o a um forte arbusto que ali crescia. Chovia
torrencialmente. A Zé e o Júlio estavam encharcados.
- Vamos almoçar! - berrou o David, que estava cheio de fome como era
habitual. - Não podemos fazer mais nada enquanto a tempestade não parar.
No entanto, a Ana não quis ir sozinha. Tentava mostrar que não tinha
medo da tempestade, mas não conseguia sair daquele lugar confortável e
enfrentar a chuva e os trovões. O Tim parecia também não gostar da
tempestade. Estava sentado junto da Zé, com as orelhas espetadas, e rosnava
sempre que rebentava um trovão. Os jovens davam-lhe pedacinhos das
sanduíches, que ele devorava rapidamente, pois estava também com fome.
Cada um dos jovens tinha quatro biscoitos.
- Acho que vou dar os meus ao Tim, - disse a Zé. - Não trouxe nenhum
dos biscoitos dele, e parece que está cheio de fome.
"Não pode ser um navio", disse o Júlio para consigo, sentindo o coração
bater cada vez com mais força, enquanto se esforçava por ver melhor através
da chuva e dos salpicos das ondas. "No entanto, parece mesmo um navio.
Espero que não seja. Ninguém se salvaria num dia terrível como este!”
Continuou a olhar. A forma escura ficou novamente à vista e depois
desapareceu mais uma vez sob as águas. O Júlio decidiu ir contar aos outros.
Regressou a correr ao quarto iluminado pela fogueira.
- Zé! David! Está qualquer coisa estranha entre as rochas perto da ilha! -
gritou com toda a força. - Parece um navio e talvez seja. Vamos lá ver!
- Não tenhas medo, Ana, - disse o Júlio. - Agora, olhem. Hão-de ver uma
coisa muito estranha.
- Está ali preso, - disse o Júlio. - Agora não se moverá. Quando a maré
baixar, o navio ficará seguro em cima das rochas.
7.
- Espero que o navio ainda seja meu, agora que já não está afundado! -
disse ela. - Não sei se os destroços dos navios pertencem à rainha ou a outra
pessoa qualquer, como acontece com os tesouros perdidos. A verdade é que o
navio pertencia à minha família. Ninguém lhe dava importância quando estava
debaixo do mar. Acham que as pessoas ainda deixarão que ele seja meu,
agora que veio à superfície?
- Bem, então o melhor é irmos nós explorá-lo antes que alguém o faça! -
sugeriu o David, ansiosamente. - Ainda ninguém sabe que o navio está ali. Só
nós. Não podemos explorá-lo logo que as ondas baixarem?
- Espero que sim - disse a Zé. - Já vos disse que andaram aqui
mergulhadores a explorar o navio; mas, claro, é difícil procurar debaixo de
água. Podemos encontrar qualquer coisa que eles não tenham visto. Oh, isto
parece um sonho! Nem consigo acreditar que o meu velho navio saiu assim de
repente do fundo do mar!
Os jovens ficaram a olhar para o velho navio durante mais algum tempo
e, depois, deram novamente a volta à ilha. Não era muito grande, na verdade,
mas tratava-se de um local encantador, com a sua pequena costa rochosa, a
baía tranquila onde tinham deixado o barco, o castelo em ruínas, as gralhas
a voar em círculos e os coelhos a correr alegremente.
- Adoro esta ilha - disse a Ana. - É pequena, por isso sinto que estou
realmente numa ilha. Algumas são tão grandes que nem se percebe que são
ilhas. Por exemplo, a Grã-Bretanha é uma ilha, mas as pessoas que lá vivem
só sabem isso porque lhes dizem. Aqui, sinto que é mesmo uma ilha, porque
de qualquer sítio onde esteja consigo ver a outra extremidade. Gosto muito
desta ilha.
- Ainda bem que o navio ficou naquele sítio - disse o Júlio. - Ninguém o
vê daqui. Só será visto quando um barco sair para pescar. E chegaremos lá
antes de qualquer barco partir! Acho que devemos levantar-nos ao amanhecer.
Sabia que eles tinham pensado que ela ia dizer que a tempestade fizera
aparecer o velho navio, mas estavam enganados! Tinham-lhe dado pontapés
sem razão!
- O meu também foi sem querer, - disse o David. - Sim, tia Clara, foi um
espectáculo fantástico na ilha. As ondas invadiram aquela baiazinha, e tivemos
de empurrar o barco quase para cima dos penhascos.
- Não tive medo da tempestade, - disse a Ana. - Pelo menos não tive
tanto medo como o Ti...
- Idiota! - disse o Júlio para a Ana. - Quase que nos denunciaste duas
vezes!
Foram todos para a outra sala. O Júlio virou ruidosamente uma mesa de
pernas para o ar.
- Vamos fingir que esta mesa é um navio naufragado e que nós o vamos
explorar.
A porta da sala abriu-se de repente. Uma cara zangada, de sobrolho
franzido, olhou lá para dentro. Era o pai da Zé!
- Que barulho é este? - disse ele. - Zé! Viraste esta mesa ao contrário?
- O teu pai é muito severo, não é? - disse o Júlio. - Desculpa ter feito
tanto barulho. Foi sem pensar.
Essa perspectiva era terrível. A Ana foi buscar uma das suas bonecas
para brincar. Apesar de tudo, conseguira trazer várias. O Júlio pôs-se a ler um
livro. A Zé pegou num barquinho lindo que estava a esculpir num pedaço de
madeira. O David recostou-se numa cadeira e ficou a pensar no navio
naufragado. A chuva não parava de cair, mas todos esperavam que na manhã
seguinte estivesse bom tempo.
- Que achas que a minha mãe vai pensar se nos formos deitar a seguir
ao lanche? - disse a Zé. - Vai pensar que estamos doentes. Não, deitamo-nos
logo depois do jantar. Dizemos que ficámos cansados por remar muito, o que é
verdade, teremos a noite toda para dormir bem e estaremos frescos para a
nossa aventura amanhã de manhã. E é realmente uma aventura. Não há muita
gente que tenha a oportunidade de explorar um navio tão antigo e que esteve
tanto tempo no fundo do mar!
8.
EXPLORANDO O NAVIO
David acordou e sorriu para o Júlio. Foi invadido por uma sensação de
alegria. Esperava-os uma aventura. Saltou da cama e correu em silêncio para o
quarto das raparigas. Abriu a porta. Ambas dormiam profundamente. O David
abanou a Zé e deu uma leve palmada nas costas da Ana. Elas acordaram e
sentaram-se na cama.
O Tim ficou muito contente por ver a Zé chegar tão cedo. Dava saltos à
sua volta, fazendo-a quase tropeçar, enquanto corriam para se juntar aos
outros. Saltou para o barco logo que o viu e pôs-se à proa, com a língua
vermelha de fora e a cauda a abanar com toda a força.
- Até admira que ele ainda tenha cauda, - disse a Ana. - De tanto a
abanares, Tim, um dia ainda te salta a cauda.
Partiram para a ilha. Agora era fácil remar, porque o mar estava muito
calmo. Chegaram à ilha e remaram até ao outro lado.
- Bem, isto era o convés, - disse a Zé , - e ali era por onde os homens
subiam e desciam.
- Acho que era ali que as caixas com ouro eram guardadas, - disse o
Júlio.
Mas nada havia no porão, excepto água e peixes! Os jovens não podiam
descer, porque a água era muito profunda. Um ou dois barris flutuavam na
água, mas estavam abertos e vazios.
- Nada com interesse, a não ser a caixa, - disse o Júlio, enquanto lhe
pegava. - De qualquer maneira, o que houver aqui dentro deve estar estragado.
Mas podemos tentar abrir a caixa.
Ele e a Zé tentaram tudo para forçar a fechadura da velha caixa de
madeira. Na tampa, estavam gravadas as iniciais H. J. K.
9.
A CAIXA MISTERIOSA
- Já sei o que havemos de fazer, - disse a Ana, por fim. - Levamo-la para
o sótão e atiramo-la cá para baixo. Acho que assim se abrirá.
Como não parecia haver outra maneira de abrir a caixa, o Júlio levou-a
para o sótão e abriu uma janela. Os outros estavam em baixo, à espera. O
Júlio atirou a caixa pela janela com toda a força. Esta voou pelos ares e caiu
com grande estrondo nas lajes irregulares do pavimento.
- Que estão a fazer? - Gritou ele. - Estão a atirar coisas uns aos outros
pela janela? Que é isto no chão?
- É... é uma coisa que nos pertence, - disse o David, corando. - Muito
bem. Ficarei com ela, - disse o tio. - A incomodarem-me desta maneira! Dá-me
isso. Onde encontraram essa caixa?
Ninguém respondeu. O tio Alberto franziu tanto a testa que os óculos
quase lhe caíram.
- Bem, esta caixa pode conter alguma coisa importante, - disse o tio
Alberto, tirando-a das mãos do David. - Não têm o direito de andar a bisbilhotar
naquele velho navio.
- O navio é meu, - disse a Zé. - Por favor, pai, deixe-nos ficar com a
caixa. Acabámos de a abrir. Pensámos que podia ter... uma barra de ouro... ou
qualquer coisa assim!
- Oh, pai... por favor, deixe-nos ficar com a caixa - suplicou a Zé, quase
a chorar.
- Ouçam. Não vou aceitar isto. Haveremos de apanhar a caixa para ver
o que está lá dentro. Zé, tenho a certeza de que o teu pai não se vai preocupar
com o assunto, começará outra vez a escrever o livro dele e nunca mais
pensará na caixa. Quando tiver oportunidade, entro no escritório e vou buscá-
la, mesmo que receba um castigo se for descoberto!
- Óptimo, - disse a Zé. - Vamos ficar de vigia para ver se o meu pai sai
de casa.
- O teu pai nunca sai? - Perguntou à Zé, quando chegou a vez de ela
ficar a vigiar. - Acho que ele não tem uma vida muito saudável.
"Parece que está mesmo a dormir", pensou o rapaz. "E vejo ali a caixa,
atrás dele, em cima da mesa. Vou arriscar. Aposto que receberei uma grande
descompostura se for apanhado, mas tenho de tentar!”
- O teu pai estava a dormir, - disse ele à Zé. - Tim, acaba com essas
lambidelas! E eu entrei, Zé... e um pedaço da caixa caiu no chão... e ele
acordou!
- É o diário de bordo do teu tetravô, - disse ele. - Mal consigo ler esta
letra. É muito miudinha e esquisita.
- Talvez seja o mapa de algum lugar onde ele tinha de ir, - disse o Júlio.
- Oh, olhem para o pobre Tim! - disse a Zé. - Não consegue perceber o
que se passa. Tim! Querido Tim, está tudo bem, não deixámos de gostar de ti.
Oh, Tim, sabemos o segredo mais maravilhoso do mundo.
- O que vamos fazer à caixa? O pai da Zé vai dar pela falta dela, não é
verdade? Temos de voltar a pô-la no escritório.
- Não podemos tirar o mapa e ficar com ele? - disse o David. - Se ele
não viu o que a caixa tinha, não sabe que há um mapa. E de certeza que não
viu. As outras coisas não importam: só um velho diário e algumas cartas.
- Para não corrermos riscos, vamos fazer uma cópia do mapa, - disse o
Júlio. Depois, podemos devolver a caixa com o mapa verdadeiro.
- Vamos lá pôr a caixa! - disse ele. - Zé, talvez o teu pai ainda esteja a
dormir.
Mas não estava. Já tinha acordado. Por sorte, não dera pela falta da
caixa! À hora do lanche, quando o tio foi para a sala de jantar, o Júlio
aproveitou a ocasião. Arranjou uma desculpa, levantou-se da mesa e foi ao
escritório pôr a caixa no sítio de onde a tirara!
10.
A Zé estava furiosa.
- É o meu castelo! - gritou para a mãe. - É a minha ilha. A mãe disse que
era minha. Sabe bem que disse!
- Eu sei, Zé, - admitiu a mãe. - Mas tens de ser razoável. Não faz mal
nenhum que alguém desembarque na ilha ou fotografe o castelo.
Era verdade que a Zé não podia impedi-las. No entanto, isso não a fazia
sentir-se menos zangada. Os jovens estavam surpreendidos pelo interesse que
o navio tinha despertado, tornando a ilha de Kirrin também objecto de grande
atenção.
- Se querem assim tanto, podem ir, - disse o tio Alberto. - Tão cedo não
terão outra oportunidade de lá voltar. Fiquem sabendo que recebemos uma
oferta maravilhosa pela ilha de Kirrin! Há um homem que quer comprá-la,
reconstruir o castelo para fazer um hotel e transformar aquele sítio numa
estância de férias! Que acham disto!
- Não sejas palerma, Maria José. Sabes muito bem que a ilha não é tua.
Pertence à tua mãe, e é natural que ela a queira vender agora que tem uma
oportunidade. Precisamos muito desse dinheiro. Poderás ter muitas coisas
bonitas quando vendermos a ilha.
- Não quero coisas bonitas! - gritou a Zé. - O meu castelo e a minha ilha
são as coisas mais bonitas que posso ter. Mãe! Mãe! Disse-me que eram
meus. Sabe muito bem que disse! E eu acreditei.
- Minha querida, queria dizer que podias ficar com a ilha e o castelo para
brincares lá, quando eu julgava que não valiam nada, - disse a mãe, com ar
desgostoso. - Mas as coisas agora são diferentes. Ofereceram ao teu pai
bastante dinheiro pela ilha, muito mais do que podíamos imaginar. E não
estamos em condições de nos dar ao luxo de recusar.
- Chega, Maria José, - disse o pai, zangado. - A tua mãe seguiu o meu
conselho. Tu não passas de uma criança. A tua mãe só te disse aquilo para te
agradar. Mas sabes muito bem que te daremos o que quiseres com o dinheiro
que recebermos.
A rapariga deu meia volta e saiu da sala. Os outros sentiram pena dela.
Sabiam o que estava a sentir. Levava tudo tão a sério! O Júlio pensou que ela
não percebia muito bem os adultos. Não valia a pena discutir com os adultos.
Eles podiam fazer tudo o que queriam. Se queriam vender a ilha e o castelo da
Zé, podiam fazê-lo. Mas o que o tio Alberto não sabia era que talvez lá
houvesse um carregamento de lingotes de ouro! O Júlio olhou para o tio e
pensou se deveria avisá-lo. Decidiu que não. Ainda era possível que os quatro
jovens encontrassem o ouro!
- Quando é que vende a ilha, tio? - perguntou, tranquilamente.
"Claro que sabe", pensou o Júlio, enquanto saía da sala com o David e a
Ana. "Ele viu o mapa e chegou à mesma conclusão que nós: os lingotes estão
escondidos na ilha, e vai procurá-los! Não quer construir um hotel! Anda à
procura do tesouro! Imagino que ofereceu ao tio Alberto uma ninharia ridícula,
mas que o tio pensa que é extraordinária. Que situação horrível!”
Pôs o braço sobre os ombros da Zé. Desta vez, ela não o afastou.
Sentiu-se reconfortada. As lágrimas vieram-lhe aos olhos, muito contrariada,
tentou contê-las.
11.
- Alguma coisa para beber, - disse a Zé. - Não há água na ilha, acho que
existia um poço, há muitos anos, que descia abaixo do nível do mar e tinha
água doce. Mas nunca o encontrei.
- Para quê?
O Júlio escreveu.
Ao fim de meia hora, tinham uma lista bastante extensa. Todos estavam
contentes e entusiasmados. A Zé começava a recompor-se da sua fúria e do
seu desapontamento. Se estivesse sózinha, teria ficado a cismar no assunto,
sentindo-se ainda mais triste e furiosa. No entanto, os primos eram tão
sensatos e alegres que se tornava impossível permanecer de mau humor
durante muito tempo.
"Acho que eu seria muito mais simpática se não tivesse vivido sozinha
durante tanto tempo", pensou a Zé, enquanto observava o Júlio. "Falar das
coisas com as outras pessoas é uma grande ajuda. Deixam de parecer tão
más, tornam-se mais suportáveis e normais. Gosto muito dos meus três
primos. Gosto deles porque estão sempre a falar e a rir, e são muito alegres
e simpáticos. Quem me dera ser como eles. Eu sou aborrecida, teimosa e
tenho mau feitio. Não admira que o pai não goste de mim e me repreenda
tantas vezes. A mãe é amorosa, mas compreendo agora por que razão ela diz
que eu sou difícil. Sou diferente dos meus primos, é fácil compreendê-los, toda
a gente gosta deles. Estou contente por terem vindo. Estão a tornar-me mais
parecida com aquilo que eu gostava de ser.”
- Deve estar satisfeito por saber que vai estar connosco dois ou três
dias, - disse a Ana.
- Vesti uns calções lavados esta manhã, mas claro que me lembrei de
pôr o mapa no bolso. Aqui está!
No entanto, houve quem fosse mais rápido do que ela! O Tim tinha visto
o papel voar da mão do Júlio e ouvira e compreendera os gritos de desespero.
Deu um salto para a água e nadou corajosamente atrás do mapa. Nadava
muito bem, pois era forte e enérgico. Depressa apanhou o mapa com a boca e
nadou de regresso ao barco. Os jovens acharam que ele era simplesmente
maravilhoso! A Zé puxou-o para dentro do barco e tirou-lhe o mapa da boca.
- Acho que não aparecerá ninguém, - declarou a Zé. - O meu pai disse
que só daqui a uma semana assinaria o contrato da venda com aquele homem.
Até essa altura, a ilha não lhe pertence. Por isso, temos uma semana.
A Zé parecia não querer ficar a dormir junto da Ana, nem ser classificada
como uma rapariga. Mas a Ana não queria dormir sózinha num canto e olhou
com um ar tão suplicante para a Zé que esta sorriu e não pôs qualquer
objecção. A Ana pensou que a Zé estava a tornar-se cada vez mais simpática!
- Sim, - disse a Zé. - Acho que é isso. Nesse caso, parece que há duas
maneiras de descer para os subterrâneos. Uns degraus começam perto deste
quarto, os outros ficam por baixo da torre. E que será isto aqui, Júlio?
Apontou com o dedo para um círculo que aparecia não só na planta dos
subterrâneos, mas também na do piso térreo do castelo.
- Não sei o que será, - disse o Júlio, intrigado. - Ah, sim, já calculo o que
poderá ser! Disseste que havia um poço antigo em qualquer parte, não te
lembras? Bem, pode ser isso, acho eu. Teria de ser muito profundo e descer
abaixo do mar para ter água doce, por isso, talvez atravesse também
os subterrâneos. Não é emocionante?
O Tim ficou muito excitado com tudo aquilo. Não tinha a menor ideia do
que estavam a fazer, mas colaborava à sua maneira. Arranhava o pavimento
com as quatro patas, lançando terra e ervas pelo ar!
12.
DESCOBERTAS FANTÁSTICAS
- Afinal, parece que a entrada para os subterrâneos não fica por baixo
deste quarto, - disse o Júlio. - É decepcionante, mas, pensando bem, acho que
as escadas para os subterrâneos não podem começar aqui. Vamos medir o
mapa para ver se conseguimos perceber onde ficam exactamente as escadas.
Claro que as medidas podem não estar certas, e isso não nos ajuda nada. Mas
vale a pena tentar.
- Tim! Estás a ouvir!? Sai daí! - gritou a Zé. - Aqui não podes caçar os
coelhos! Sabes que não. És muito desobediente. Sai daí!
- O Tim entrou na toca! - disse ele. - Que estranho! Nunca ouvi dizer que
um cão pudesse entrar numa toca de coelho. Como havemos de o tirar de lá?
- Para começar, temos de cavar para tirar o arbusto, - disse a Zé, em
tom decidido. Se fosse preciso, ela escavaria toda a ilha de Kirrin para
encontrar o Tim! - Não podemos deixar o pobre Tim ali em baixo a ganir.
Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o salvar.
O arbusto era muito grande e espinhoso para poderem rastejar por baixo
dele. O Júlio sentiu-se satisfeito por terem trazido ferramentas de toda a
espécie. Foi buscar um pequeno machado. Serviria para cortar o tronco e os
ramos espinhosos do arbusto. Os jovens começaram a decepá-lo, e depressa
o arbusto ficou num estado lastimável.
No entanto, foi preciso bastante tempo para o destruir, pois era muito
espinhoso e forte. Quando já quase nada restava do arbusto, as mãos dos
jovens estavam cheias de arranhões. Podiam agora ver muito bem o buraco. O
Júlio acendeu a lanterna e apontou-a lá para dentro. Soltou um grito de
surpresa.
- Oh, não! - exclamou a Zé, em pânico. - Oh, Tim, Tim! Estás bem?
Só com o esforço de todos foi possível mover a laje. Por baixo havia
uma tampa de madeira muito apodrecida, que servira outrora para proteger o
poço. Estava tão apodrecida que cedera ao peso do Tim, abrindo-se um buraco
por onde ele caíra.
- Acho que é muito fundo para conseguirmos ouvir alguma coisa, - disse
o Júlio. - Mas onde estará o Tim?
Apontou a lanterna para baixo e ali estava o Tim! Muitos anos antes,
uma grande laje tinha caído para dentro do poço e ficara atravessada um
pouco abaixo da abertura. E era sobre essa velha laje que estava o Tim,
olhando para cima com os seus grandes olhos assustados. Não conseguia
perceber o que lhe tinha acontecido.
- Então, Tim! - Disse o David -, Não devias andar atrás dos coelhos, mas
acabaste por nos fazer um grande favor, porque encontraste o poço! Agora, só
temos de procurar por aqui para encontrar a entrada dos subterrâneos!
Correram todos para junto dela. O Júlio destapou a pedra com a pá. Era
verdade que tinha uma argola e só se põem argolas em pedras que têm de ser
movidas! Sem dúvida que era aquela pedra que cobria a entrada para os
subterrâneos!
Tentaram, um de cada vez, puxar pela argola de ferro, mas a pedra não
se moveu. Então, O Júlio atou uma corda à argola, e os quatro jovens puxaram
com toda a força. A pedra deslocou-se um pouco. Os jovens sentiram
perfeitamente que se movera.
No entanto, mesmo que sentissem falta de ar, nenhum teria dito nada.
Era tudo demasiado emocionante para se preocuparem com isso. As escadas
prolongavam-se até grande profundidade. Depois paravam. O Júlio desceu o
último degrau de pedra e moveu a lanterna em volta. Os seus olhos depararam
com um local muito estranho.
- Vamos, - disse o Júlio. - Talvez não haja tantos ecos mais para diante.
13.
NOS SUBTERRÂNEOS
Deixaram a enorme porta e tentaram voltar pelo mesmo caminho que ali
os conduzira. Mas os subterrâneos eram tão grandes e tão sinuosos que já não
sabiam como regressar. Tropeçavam em velhas barricas partidas, tábuas
apodrecidas, garrafas vazias e muitas outras coisas, enquanto tentavam
encontrar o caminho para o grande lanço de escadas escavadas na rocha.
- Isto é terrível! - disse o Júlio, por fim. - Não faço a mínima ideia onde
fica a entrada. Andamos de um compartimento para outro, de um corredor para
outro, e todos parecem exactamente iguais, escuros e misteriosos.
- Imaginem que temos de ficar aqui o resto das nossas vidas! - disse a
Ana, com ar sombrio.
- São seis e meia! Seis e meia! Não admira que esteja com fome. Não
lanchámos. Andámos horas à procura da entrada e depois lá em baixo nos
subterrâneos.
Foi divertido pôr a chaleira a ferver numa fogueira de ramos secos. Foi
delicioso sentir o calor do sol poente, enquanto comiam pão com queijo, bolo e
biscoitos. O Tim também teve uma boa refeição. Não gostara muito de estar
nos subterrâneos, andara sempre de cauda caída, sem se afastar dos quatro
jovens. Ficara também muito assustado com os ecos. Tinha ladrado uma vez,
parecendo-lhe então que os subterrâneos estavam cheios de outros cães,
todos a ladrarem mais alto do que ele. Depois disso, não se atrevera sequer a
ganir! No entanto, agora estava outra vez contente, a saborear os bocadinhos
de comida que os jovens lhe ofereciam e a dar lambidelas na Zé sempre que
podia. Já passava das oito horas quando acabaram de comer. O Júlio olhou
para os outros. O Sol descia no horizonte, e a tarde ia arrefecendo.
- Bem, não sei o que acham, - disse ele. - Mas a mim não me apetece
voltar hoje aos subterrâneos, nem sequer pensando que podíamos arrombar
aquela porta com o machado e abri-la! Estou cansado. Além disso, não me
agrada a ideia de nos perdermos nos subterrâneos à noite.
O Júlio teve uma ideia brilhante. Pegou num pedaço de giz branco que
trazia no bolso e voltou até junto das escadas, fazendo aí uma marca na
parede. Depois, começou a fazer marcas com giz ao longo dos corredores
escuros por onde passavam.
No entanto, o próprio David a tirou. Fez uma careta de dor e ficou muito
pálido.
- Eu vou com o David - disse a Ana. - Tu ficas aqui com a Zé. Não
precisamos de ir todos.
- Acho que já conseguimos abrir a porta, - disse ele, num tom de voz
emocionado. - Sai da frente, Tim. Agora, Zé, empurra!
- Zé! Os lingotes! São de ouro autêntico! Sei que não parecem de ouro,
mas são. Zé, está aqui uma pequena fortuna. E é tua! Por fim, encontrámos o
que procurávamos.
14.
PRISIONEIROS!
- Que se passa, Tim? - perguntou. - Com certeza que ele não rosnava
se fossem o David e a Ana.
- Mas que surpresa! - disse uma voz. - Vejam quem está aqui! Duas
crianças nos subterrâneos do meu castelo.
- Que estão a fazer aqui em baixo? Por quem estavam a chamar quando
gritaram "David" e "Ana", e disseram que tinham encontrado os lingotes? Que
lingotes?
- Jake! Anda ver isto!, - disse ele. - Tinhas razão. O ouro está realmente
aqui. E vai ser muito fácil levá-lo! Todo em lingotes! Caramba, isto é fantástico!
- Não passas de uma miúda. Pensas que nos impedes de obter o que
queremos? Vamos comprar esta ilha, assim como tudo o que nela existe, e
levaremos o ouro depois de assinarmos o contrato. E ainda que não
consigamos comprar a ilha, levaremos o ouro na mesma. É muito fácil trazer
aqui um navio e transferir os lingotes do barco para o navio. Verás que ficamos
com o ouro para nós.
- Não ficam! - disse a Zé, saindo pela porta. - Vou já para casa e
contarei ao meu pai tudo o que disseram.
- Minha querida menina, nem penses que vais para casa, - disse o
primeiro homem, empurrando a Zé para trás. - E, já agora, se não queres que
dê um tiro neste maldito cão, manda-o calar, está bem?
No entanto, o Tim sabia muito bem que havia ali um problema. Qualquer
coisa estava errada. Continuou a rosnar ameaçadoramente.
- Não escrevo, - disse a Zé, furiosa. - Não escrevo. Não podem obrigar-
me a fazer isso. Não vou chamar o David e a Ana para ficarem prisioneiros. E
não deixarei que fiquem com o meu ouro, exactamente agora que acabei de o
descobrir.
- Não posso! - disse a Zé, soluçando. - Não quero que o David e a Ana
fiquem aqui prisioneiros.
- Está bem. Então, vou matar o cão, - disse o homem, com frieza, ao
mesmo tempo que apontava o revólver para o pobre Tím.
- Vai ter com o David e a Ana, - disse a Zé. - Vai, Tim. Entrega o bilhete
ao David e à Ana.
O Tim não queria deixar a Zé, mas havia qualquer coisa de muito
urgente na voz dela. Lançou um último olhar à dona, deu-lhe uma lambidela na
mão e começou a correr pelo corredor. Já conhecia o caminho. Depois de subir
as escadas de pedra, saiu para o ar livre. Parou no velho pátio, a farejar.
Onde estavam o David e a Ana? Descobriu-lhes o rasto e seguiu-o a correr,
com o nariz rente ao chão. Depressa encontrou os dois jovens, que estavam
nas rochas. O David já se sentia melhor. A sua face quase parara de sangrar.
- David, ele tem qualquer coisa presa na coleira, - disse a Ana, ao ver o
papel. - É um bilhete. Devem ser eles a dizer para descermos. O Tim é tão
esperto que foi capaz de o trazer.
Maria José.”
- Oh, não sejas idiota, David, - disse a Ana. - O que poderia correr mal?
Vamos.
- Olha, - disse o David, num murmúrio. - Está mais alguém aqui. Aposto
que são os homens que querem comprar a ilha. De certeza que viram aquele
mapa velho e sabem que há ouro aqui. Devem ter encontrado a Zé e o Júlio, e
querem fechar-nos nos subterrâneos para poderem roubar o ouro à vontade.
Foi por isso que obrigaram a Zé a mandar um bilhete, mas ela assinou com um
nome que nunca usa, para nos avisar! Agora, temos de pensar muito bem. Que
vamos fazer?
15.
O cão ficara com eles por uns instantes, mas depois correu para a
entrada dos subterrâneos e desceu pelas escadas. Queria voltar para junto da
Zé, pois sabia que ela corria perigo. O David e a Ana viram-no desaparecer.
Sentiam-se protegidos quando ele estava presente e agora tinham pena de ele
se ter ido embora. Não sabiam realmente que fazer. Então, a Ana teve uma
ideia.
A Ana não queria, de forma alguma, entrar para dentro do poço, nem
que fosse para descer apenas alguns degraus. Mas o David puxou-a para que
se levantasse e levou-a apressadamente para o meio do pátio. Os homens
andavam à procura deles no outro lado do castelo. Só havia tempo para saltar
para dentro do poço.
- Está bem, - disse o Jake. - O que temos a fazer é levar o ouro o mais
depressa possível e garantir que os miúdos ficam presos até nos safarmos.
Depois já não teremos de nos preocupar com a compra da ilha. Afinal, foi só
para ficarmos com os lingotes que tivemos a ideia de comprar o castelo e a ilha
de Kirrin.
- Já podemos sair, Ana, - disse ele. - Não está frio aqui em baixo? Que
bom ir lá para fora apanhar sol!
A Ana olhou para onde ele apontava. Viu que os homens tinham
amontoado grandes lajes de pedra por cima da entrada para os subterrâneos.
O David e a Ana não conseguiriam tirá-las dali.
- David! Acho... acho que podemos descer pelo poço, não podemos? -
perguntou ela. - Há uma abertura na parede do poço que dá para os
subterrâneos. Não te lembras de que conseguimos lá enfiar a cabeça e olhar
cá para cima? Não podemos descer para além daquela pedra que está
atravessada no poço?
- Acho que tens razão, Ana, - concordou, por fim. - Talvez seja possível
passarmos pelo espaço entre a pedra e a parede do poço. Não sei até onde
chega a escada de ferro.
- Está bem, - retorquiu o David. - Eu tento, mas tu não. Não quero que
caias naquele poço. A escada pode estar partida a meio do caminho, pode
acontecer qualquer coisa. Ficas aqui em cima e eu vejo o que posso fazer.
- Cá vou eu! - disse ele, num tom de voz alegre. - Não te preocupes.
Correrá tudo bem.
- Sim, - gritou a Ana para dentro do poço, ouvindo a sua voz ecoar
profundamente. - Tem cuidado, David. Só espero que a escada chegue até aos
subterrâneos.
- Vou descer pela corda! - Gritou para a Ana. - Não te preocupes. Estou
bem. Cá vou eu!
Concluiu que já devia ter passado pela abertura que dava para os
subterrâneos. Voltou a subir um pouco pela corda e verificou que tinha razão. A
abertura estava mesmo por cima da sua cabeça. Subiu até ficar ao mesmo
nível e depois deu um impulso para o lado do poço onde estava a pequena
abertura. Conseguiu agarrar-se ao rebordo de tijolo e tentou enfiar-se pela
abertura para entrar nos subterrâneos.
Era difícil, mas conseguiu entrar, por fim, e pôs-se de pé com um suspiro
de alívio. Estava nos subterrâneos! Podia agora seguir as marcas de giz até ao
local onde estavam os lingotes e tinha a certeza de que era também aí que
estavam aprisionados a Zé e o Júlio! Apontou a lanterna para a parede. Sim, ali
estavam as marcas de giz. Óptimo! Enfiou a cabeça na abertura do poço e
gritou com toda a força:
- Felizmente que eles perceberam que não deviam vir cá abaixo - disse
a Zé. - Com certeza repararam que havia qualquer coisa estranha naquele
bilhete, quando viram que assinei Maria José, em vez de Zé. Que estarão eles
a fazer? Devem ter-se escondido.
- Espero que não sejam aqueles homens outra vez, - disse a Zé.
16.
UM PLANO ARRISCADO
- Bem, se eles nos deixaram o nosso barco, vamos para casa o mais
depressa possível, - disse a Zé. - Não quero brincadeiras com estes homens
que andam sempre de revólver na mão. Vamos! Subimos pelo poço e vamos
para o barco.
- Entretanto, não podemos sair da ilha para obter ajuda porque eles
levaram os nossos remos, - disse a Zé. - Nem sequer podemos fazer sinais
para um barco de pesca, porque agora não anda nenhum no mar. A maré não
está de feição. Parece que não podemos fazer nada senão esperar aqui
pacientemente até que os homens voltem e levem o meu ouro! E não podemos
detê-los.
- Acho que vai dar resultado, - afirmou. - Ouçam! Esperamos aqui com
paciência até que os homens voltem. Que irão eles fazer! Afastarão as pedras
da entrada dos subterrâneos e descerão pelas escadas. Seguirão para o sítio
onde nos deixaram, pensando que ainda lá estamos, e entrarão
no compartimento. E se um de nós estivesse escondido lá em baixo pronto
para os fechar no compartimento? Depois, poderíamos ir em busca de socorro
no barco a motor deles ou, se trouxessem os remos, no nosso barco.
A Ana achou que era uma ideia maravilhosa. Mas o David e a Zé não
estavam muito convencidos.
- Os homens não conhecem essa saída. Por isso, mesmo que fiquem
prisioneiros no compartimento, ficarão prisioneiros nos subterrâneos! Os
jovens reviram o plano e decidiram que era o melhor que conseguiam arranjar.
Então, a Zé disse que seria uma boa ideia comerem qualquer coisa. Agora que
a excitação dos últimos acontecimentos se desvanecera, sentiam-se todos
cheios de fome!
O Júlio rastejou por trás das rochas e espreitou para ver o que os
homens estavam a fazer. Tinha a certeza de que arrastavam as lajes de pedra
que haviam amontoado sobre a entrada dos subterrâneos, para evitar que o
David e a Ana fossem salvar os companheiros.
David ficou horrorizado. A porta estava a abrir-se! Deu meia volta e fugiu
pelo corredor escuro. Os homens apontaram as lanternas e viram-no. Foram
atrás dele a toda a velocidade. O David escapou-se para o poço. Felizmente, a
abertura era do lado oposto, e conseguiu esgueirar-se lá para dentro sem ser
visto à luz das lanternas. Mal acabara de entrar para dentro do poço quando os
três homens apareceram a correr. Nenhum deles imaginou que o fugitivo
estava escondido no poço por onde acabavam de passar. Na verdade, os
homens nem sabiam que existia ali um poço.
A tremer da cabeça aos pés, David começou a subir pela corda que
deixara suspensa no varão da escada de ferro. Desatou a corda quando
chegou à escada, pois pensou que os homens podiam descobrir o velho poço e
tentar subir por ali mais tarde. Não o poderiam fazer sem a corda. O rapaz
trepou rapidamente pela escada e chegou à laje de pedra que se encontrava
perto do cimo. Os outros jovens estavam ali à espera dele. Perceberam logo
pela cara do David que este não conseguira fazer o que tinham planeado.
Puxaram-no rapidamente para fora do poço.
- Agora estão a tentar sair pelo sítio que tapámos com pedras! - gritou a
Ana, de repente. - Depressa! Que havemos de fazer? Vão apanhar-nos!
Vira os três homens a correr para os rochedos que davam para a baía. A
Zé saltou do barco a motor e foi ter com os outros. Empurraram o barco para a
água, e a Zé começou imediatamente a remar com toda a energia.
- O barco de pesca que eles têm ali à espera é demasiado grande para
entrar na enseada, - disse a Zé, continuando a remar com toda a força. - Terão
de esperar até que alguém chegue lá outro barco. Devem estar furiosos!
- Ele pode usar um bote do navio e ir ver o que aconteceu - disse a Zé. -
Bem, não poderá fazer muito, além de levar os homens e alguns lingotes! Mas
duvido que se atrevam a tocar no ouro, agora que fugimos para contar o que se
passou!
O Júlio olhou para trás em direcção ao navio. Passado algum tempo, viu
que um pequeno barco estava a ser posto na água.
- Tens razão, - disse à Zé. - Estão com medo de que tenha acontecido
alguma coisa. Vão buscar os três homens. Que pena!
A Zé abanou a cabeça.
- Não, - disse ela. - Não podemos perder tempo. Temos de ir contar tudo
o que nos aconteceu. Eu prendo o Tim na cerca do jardim em frente de casa.
- Tia Clara, onde está o tio Alberto? Temos uma coisa importante para
lhe dizer!
- Tio, eles não vão assinar amanhã, - disse o Júlio. - Sabe por que razão
eles queriam comprar a ilha e o castelo? Não era para construírem um hotel,
nem nada parecido, mas sim porque sabiam que o ouro está lá escondido!
- Tia Clara, tia Clara, é tudo verdade! - Disse ela, entre soluços. - É
horrível o tio Alberto não acreditar em nós. Tia Clara, o homem tinha um
revólver... e prendeu o Júlio e a Zé nos subterrâneos. E o David teve de descer
pelo poço para os salvar. E a Zé destruiu o barco a motor dos homens para
eles não fugirem!
O tio Alberto escutava com o maior dos espantos. Nunca sentira grande
simpatia ou admiração por crianças. Pensava que eram barulhentas,
cansativas e patetas. No entanto, ao ouvir a história do Júlio, mudou
imediatamente de opinião quanto àqueles quatro jovens!
Os quatro jovens olharam para o tio Alberto sem responder. Não podiam
simplesmente dizer: "Primeiro, porque não acreditaria em nós. Segundo,
porque é muito mal-humorado e injusto, e temos medo de si. Terceiro, porque
não confiávamos que agisse da melhor maneira.”
- Alberto, bem sabes que assustas os miúdos. Por isso, não iriam ter
contigo. Mas agora que já contaram tudo, poderás tomar conta do assunto.
Eles não podem fazer mais nada. Deves telefonar para a Polícia e ouvir o que
eles têm a dizer acerca de tudo isto.
Deu uma palmadinha nas costas do Júlio. - Todos agiram muito bem, -
acrescentou. Depois, fez uma festa no cabelo encaracolado da Zé. - E também
me orgulho de ti, Zé!
Sorriu para o pai, que lhe correspondeu com outro sorriso. Os jovens
repararam que ele tinha uma expressão muito simpática quando sorria. Ele e a
Zé eram muito parecidos. Ambos tinham um ar desagradável e franziam a testa
quando estavam zangados, mas eram ambos simpáticos quando riam ou
sorriam!
- Olá, Tim, - disse a tia Clara, fazendo-lhe uma festa. - Vou arranjar-te
um belo jantar.
O Tim foi com ela para a cozinha. O Júlio sorriu para a Zé e disse:
- É, mas não sei o que dirá o pai quando vir o Tim outra vez cá em casa,
- respondeu a Zé, com ar preocupado.
- Não quero nada que não tenha já, - disse a Zé. - Mas há uma coisa,
pai, que desejava mais que tudo no mundo, e não custa um tostão.
- Então, irás tê-la, minha querida, - garantiu o pai, pondo o braço sobre
os ombros da Zé, para grande surpresa desta. - Diz o que é. Mesmo que custe
muito dinheiro, será tua.
Nesse preciso momento, ouviu-se um ruído de patas no corredor. Uma
cabeça enorme e felpuda espreitou pela porta e olhou para as pessoas que
estavam na sala. Claro que era o Tim! O tio Alberto fitou o cão com ar de
grande surpresa.
- Pai! O Tim é o que mais desejo no mundo, - disse a Zé. - Não imagina
como ele foi nosso amigo na ilha. Até queria atirar-se àqueles homens e lutar
com eles. Oh, pai, não quero mais nenhum presente. Só quero ficar com o Tim
aqui em casa. Agora já podemos comprar um canil para ele dormir. E farei
tudo para que ele não o incomode, prometo.
A Zé estava radiante por ficar com o Tim. Deu um abraço ao pai, uma
coisa que há muito tempo não fazia. Ele ficou surpreendido, mas bastante
satisfeito.
- Muito bem, muito bem, - disse ele. - Isto é tudo muito agradável. -
Escutem... Será já a Polícia?
- Não é uma valente rapariga, essa menina Maria José? - Disse ele. -
Fez um belo trabalho. Ninguém poderia sair daqui neste barco. Temos de o
rebocar para o porto.
A Polícia trouxe alguns dos lingotes de ouro para mostrar ao tio Alberto.
Tinham selado a porta do compartimento subterrâneo para que ninguém lá
entrasse até que o tio dos jovens fosse buscar o ouro. Tudo estava a ser feito
da melhor maneira, embora demasiado lentamente na opinião dos jovens!
Desejariam que os homens fossem apanhados e presos, e que a Polícia
trouxesse imediatamente todo o ouro!
- E pensar que detestei a ideia de vocês virem cá para casa! - Disse ela.
- Tencionava ser o mais antipática possível! Queria fazer tudo para que se
fossem embora! E agora a única coisa que me entristece é saber que irão
embora quando as férias acabarem. Depois de ter feito três amigos e de
termos passado por uma aventura como esta, ficarei outra vez sozinha.
Dantes nunca me sentia sozinha, mas agora vocês vão fazer-me muita falta.
- Podes ir para o mesmo colégio interno que eu, - sugeriu a Ana. - Gosto
muito de lá estar. E deixam-nos levar os nossos animais de estimação. Por
isso, o Tim também pode ir!
- A sério? - Disse a Zé, radiante. - Bem, então vou. Sempre disse que
não ia, mas agora vejo que é muito melhor ter companhia do que estar sempre
sozinha. E se posso levar o Tim, então é maravilhoso!
- É melhor irem agora para o vosso quarto, meninos, - disse a tia Clara,
aparecendo à porta. - Olhem para o David, a cair de sono! Bem, acho que
todos vão ter sonhos agradáveis, pois viveram uma aventura de que se podem
orgulhar. Zé, o Tim está debaixo da tua cama?
- Zé, estou muito contente por a ilha de Kirrin não ter sido vendida, -
disse a Ana, sonolenta. - Estou muito contente por ainda ser tua.
- Oh, Zé! Que bom! - Disse a Ana, encantada. - Os meus irmãos vão
ficar muito contentes! Sinto-me tão...
FIM
Data da Digitalização
Amadora, Fevereiro de 2002
Mistério e Aventura - 1
Abril Controljornal
Digitalização e Arranjo
Fátima Vieira Agostinho Costa
Os Cinco na Ilha do Tesouro
Enid Blyton
Abril Controljornal
Edipresse – 1996