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Artigo
Rotavírus A durante a pandemia de COVID-19 no Brasil,
2020-2022: surgimento do genótipo G6P[8]
Meylin Bautista Gutierrez, Rosane Maria Santos de Assis, Juliana da Silva Ribeiro de Andrade ,
Alexandre Madi Fialho e Tulio Machado Fumian *
Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz,
Rio de Janeiro 21040-900, Brasil; meylinbautistag@gmail.com (M.B.G.)
* Correspondência: tuliomf@ioc.fiocruz.br; Tel: +55-21-2562-1817
Resumo: O rotavírus A (RVA) continua sendo a principal causa de hospitalizações por gastroenterite aguda
(AGE) em crianças no mundo todo. Durante a pandemia da COVID-19, foi observada uma redução
na cobertura de vacinação no Brasil e em outros países, e alguns relatos demonstraram uma
redução nas notificações de EAG durante a pandemia. Este estudo tem como objetivo investigar a
diversidade e a prevalência de genótipos de RVA em crianças e adultos que apresentam sintomas de
EAG no Brasil durante a pandemia de COVID-19 entre 2020 e 2022. O RVA foi rastreado usando
RT-qPCR; em seguida, os genótipos G e P foram caracterizados usando RT-PCR multiplex em uma
etapa. Um total de 2.173 amostras foi investigado durante o período de três anos, e detectamos
RVA em 7,7% das amostras (n = 167), sendo 15,5% em 2020, 0,5% em 2021 e 13,8% em 2022.
Foi observada maior prevalência de RVA na região Nordeste (19,3%) em comparação com as
regiões Sudeste (6,1%) e Sul (5,5%). A faixa etária mais afetada foi a de crianças com idade entre 0
e 6 meses; no entanto, isso não foi estatisticamente significativo. A genotipagem e a análise
filogenética identificaram o surgimento do G6P[8] durante o período; além disso, ele foi detectado
em 10,6% das amostras em 2020 e em 83,5% em 2022. Em contraste, a prevalência de G3P[8], o
genótipo dominante anterior, diminuiu de 72,3% em 2020 para 11,3% em 2022. Também
identificamos cepas incomuns, como G3P[9] e G9P[4], que foram detectadas esporadicamente
Citações: Gutierrez, M.B.; de Assis, durante o período. Este é o primeiro relatório sobre a epidemiologia molecular e a vigilância do
R.M.S.; Andrade, J.d.S.R.d.; Fialho,
RVA durante o período pandêmico da COVID-19 no Brasil. Nosso estudo fornece evidências
A.M.; Fumian, T.M. Rotavirus A
sobre a importância de manter níveis altos e sustentáveis de cobertura vacinal para proteger contra
during the COVID-19 Pandemic in
a doença do VRA. Além disso, destaca a necessidade de manter a vigilância em nível nacional para
Brazil, 2020-2022: Emergence of
monitorar tendências e mudanças futuras na epidemiologia do AVD no Brasil.
G6P[8] Genotype. Viruses 2023, 15,
1619. https://doi.org/10.3390/
v15081619 Palavras-chave: Rotavírus A; gastroenterite aguda; vigilância epidemiológica; genotipagem;
genótipo incomum; pandemia de COVID-19; Brasil
Editor acadêmico: Ulrich
Desselberger
2. Materiais e métodos
2.1. População do estudo e coleta de fezes
Este estudo incluiu amostras de fezes de pacientes com EAG com atendimento
médico coletadas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022. A EAG foi definida
como o início súbito de diarreia (≥ três evacuações líquidas/semi-líquidas em 24 horas)
que pode ser acompanhada de febre, náusea, vômito ou dor abdominal.
As amostras de fezes foram sistematicamente enviadas ao Laboratório Regional de
Referência para Rotavírus (RRRL) por meio de locais sentinelas nos Laboratórios Centrais
dos Estados. O RRRL faz parte do programa nacional de vigilância do rotavírus,
supervisionado pela Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública do Ministério
da Saúde (MS).
uma rede hierárquica na qual as amostras são fornecidas por solicitações médicas em
hospitais e centros de saúde monitorados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Este estudo
foi realizado no âmbito do RRRL/MoH como parte de uma política federal de saúde
pública para a vigilância de AGE virais no Brasil. O consentimento informado do
paciente foi dispensado pelo Comitê de Ética da Fiocruz, e os dados dos pacientes foram
mantidos de forma anônima e segura.
As análises estatísticas foram realizadas com o software GraphPad Prism v9.5.1 (GraphPad
Software, San Diego, CA, EUA). Conforme apropriado, o teste U de Mann-Whitney,
qui-quadrado
Vírus 2023, 15, 1619 5 de 23
ou o teste de Fisher foram usados para avaliar diferenças significativas entre as taxas de detecção
de RVA, os anos de coleta de amostras e as faixas etárias, bem como para comparar a carga viral
de RVA de acordo com as diferentes faixas etárias. Um valor de p < 0,05 foi considerado
estatisticamente significativo.
3. Resultados
3.1. Epidemiologia do rotavírus A
Entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, testamos o RVA em um total de 2.173
amostras de fezes, recebidas de casos de EAG com atendimento médico. No geral, o
RVA foi detectado em 7,7% das amostras (n = 167): 15,5% (47/303) em 2020, 0,5%
(5/1035) em 2021 e 13,8%
(115/835) em 2022. O RVA foi detectado em 57,3% e 44,2% das amostras de machos e
fêmeas, respectivamente (p = 0,548). As taxas de detecção mensais variaram de 0,5% em
outubro de 2021 a 48,1% em setembro de 2020, sendo esta última a maior taxa de
detecção observada durante o período. Com relação à circulação anual, não observamos
uma sazonalidade acentuada. No entanto, durante o triênio, três picos de circulação do
RVA foram observados nos meses de setembro de 2020/2022 e novembro de 2022
(Figura 1).
Com relação à análise regional, foi observada uma prevalência maior de RVA na
região nordeste (19,3%) em comparação com as regiões sudeste e sul (6,1% e 5,5%,
respectivamente). As taxas de detecção de RVA foram mais altas em 2020 e 2022 nas regiões
Nordeste, Sudeste e Sul, em comparação com 2021 em todas as regiões. Além disso,
durante o período de três anos do estudo, os dois estados da região Sul (Santa Catarina e
Rio Grande do Sul) enviaram o maior número de amostras para análise e representaram
quase metade do número de amostras positivas para RVA, 46,7% (78/167). A Tabela 1
mostra uma análise detalhada da detecção de RVA por regiões e estados.
A maioria das amostras positivas para RVA era de crianças com menos de cinco
anos de idade, representando 64,1% (107/167). A faixa etária mais afetada foi a de
crianças com idade entre 0 e 6 meses; no entanto, a pontuação não foi estatisticamente
significativa (p = 0,3505). As outras taxas de detecção variaram de 6,6% no grupo de
crianças de >12 a 24 m de idade a 8,5% em crianças de >6 a 12 m de idade. Com relação
aos pacientes do grupo >60 m, composto por crianças mais velhas, adolescentes, adultos
e idosos (≥65 anos), o AVR foi detectado em 2,3% (20/846), 3,8% (32/846) e 0,9%
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Tabela 1. Número de amostras positivas para rotavírus por meio de vigilância laboratorial de acordo
com regiões, estados e faixas etárias no Brasil entre 2020 e 2022.
Figura 2. Distribuição dos genótipos de RVA entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022. O
número mensal de amostras de crianças e adultos diagnosticados com AGE é mostrado em cinza
(escala à direita). Os gráficos de barras mostram o número de genótipos de RVA (escala à
esquerda). Os gráficos de círculos mostram a porcentagem de genótipos de RVA por ano.
Figura 3. Distribuição da circulação de genótipos de RVA (%) entre diferentes faixas etárias de pacientes
com AGE durante o estudo de três anos.
4. Discussão
Nosso estudo de três anos fornece informações sobre a prevalência e a diversidade
de genótipos de RVA detectados em pacientes com EAG com atendimento médico
(crianças e adultos sintomáticos) coletados em oito estados de três regiões do Brasil durante a
pandemia da COVID-19. No geral, detectamos o RVA em 7,7% das amostras. Também
identificamos o surgimento e a predominância do genótipo G6P[8], especialmente no
segundo e terceiro anos do estudo. Estudos anteriores realizados nas regiões Norte e
Centro-Oeste do Brasil demonstraram
As taxas de detecção de AVD variaram de 24,2% a 33% durante 2011 e 2015, e de 9,9%
a 25,3% durante 2013 e 2017 [31-33]. Um estudo anterior do nosso grupo relatou uma
prevalência de AVD de 20,8% entre crianças de até 12 anos de idade, coletadas entre
2006 e 2017, com taxas de detecção anuais variando de 5% a 40% [34]. Mais
recentemente, demonstramos taxas de detecção de AVD de 10,5% e 13,5% no Brasil,
com amostras de 2018 e 2019, respectivamente [35]. As taxas de detecção de RVA mais
baixas observadas no presente estudo em comparação com outros realizados
anteriormente no Brasil provavelmente refletem a redução substancial nas notificações de
RVA durante a pandemia de COVID-19. Além disso, alguns desses estudos envolveram
apenas crianças hospitalizadas, que normalmente têm taxas mais altas de infecção por
RVA do que crianças mais velhas e adultos e pacientes tratados em ambientes
ambulatoriais. Semelhante a outros países, as intervenções não farmacêuticas
implementadas no Brasil para controlar a disseminação do SARS-CoV-2, como uso de
máscaras, desinfecção de superfícies, distanciamento social, higiene das mãos e fechamento de
escolas, ajudaram a conter outros agentes infecciosos, como o RVA [36]. De acordo com
nossos resultados, outros países também relataram uma menor circulação de RVA
durante a pandemia de COVID-19 em comparação com anos anteriores, como Austrália
[37], China [38,39], Finlândia [40], Japão [41] e EUA [42]. Um estudo realizado em
Hangzhou, na China, constatou que a taxa de detecção de RVA entre crianças com
sintomas de EAG diminuiu em 2020 em comparação com 2019 [39]. A taxa de
positividade do RVA em 2020 foi de 7,1%, o que é significativamente menor do que a
taxa de 14,4% observada em 2019 [39]. Da mesma forma, na Tailândia, o RVA foi
detectado em 11,9% das amostras de crianças hospitalizadas com EAG em 2019 e 2020 [43],
o que é semelhante à t a x a d e positividade do RVA observada em nosso estudo.
Um estudo realizado no Japão, de julho de 2014 a junho de 2020, relatou uma taxa
de detecção de RVA de 0% entre crianças com sintomas de EAG durante o período de
2019-2020 [41]. Os autores observaram que o número de amostras de fezes recebidas
durante esse período foi muito menor em comparação com outros períodos,
provavelmente devido às medidas de controle de infecção contra a COVID-19 no Japão
[41]. Da mesma forma, outro estudo na China relatou um declínio significativo na taxa de
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no Brasil demonstraram que o RVA circula durante todo o ano, com picos de detecção
nos meses de inverno/primavera (geralmente em setembro) [34,35,44]. No presente
estudo, o padrão de circulação do RVA provavelmente foi afetado pelos lockdowns e
pelas medidas de restrição adotadas durante a fase inicial da pandemia da COVID-19.
No segundo ano da pandemia da COVID-19, houve uma demanda crescente para
suspender as restrições [45]. Em muitos países, as restrições foram relaxadas e
levantaram preocupações sobre um possível aumento rápido de doenças infecciosas,
incluindo a ARV. Estudos de modelagem matemática sugerem que, se os padrões de
contato retornarem aos níveis pré-pandêmicos, a suscetibilidade da população às
infecções por RVA e norovírus provavelmente aumentará [46,47]. Durante nosso estudo,
a taxa de detecção de RVA diminuiu drasticamente em 2021 (0,5%) para uma taxa que
foi significativamente menor do que as taxas observadas em anos anteriores no Brasil
[34,35]. Nossos resultados estão de acordo com os relatórios da Finlândia, Noruega e
EUA [40,42,48], que mostraram que a detecção de RVA diminuiu rapidamente entre 2020 e
2021, quando as medidas de mitigação da COVID-19 estavam em vigor. Em 2022, detectamos
uma taxa de positividade de RVA de 13,8%, semelhante aos níveis pré-pandêmicos no Brasil, e
foram observadas taxas de detecção de RVA de 10,5% e 13,7% em 2018 e 2019,
respectivamente [35].
A vacina Rotarix™ foi introduzida no Brasil em março de 2006, resultando em uma redução
significativa na hospitalização infantil devido à EGA grave [49,50]. Apesar de um leve
declínio na cobertura vacinal no Brasil de 2016 (89%) para 2017 (85,1%), houve um aumento na
cobertura em 2018, atingindo 91,3% [19,51]. No entanto, desde então, tem havido uma
tendência de queda na cobertura da vacina contra o AVD. Em 2019, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) identificou a "hesitação em vacinar" como uma das 10
principais ameaças à saúde global (https://www.who.int/ news-room/spotlight/ten-threats-to-
global-health-in-2019, acessado em 28 de junho de 2023). Isso se refletiu na diminuição das
taxas de vacinação, inclusive para as vacinas RVA [19]. Durante a pandemia de COVID-
19, apesar das recomendações para manter os serviços de imunização ininterruptos,
houve uma redução na cobertura geral de vacinação em todo o mundo [17,18]. No Brasil,
de acordo com dados preliminares do Sistema de Informação do Programa Nacional de
Imunizações, a cobertura de vacinação contra a RVA foi de 73% em 2022, abaixo da
meta de 90% (http://pni.datasus.gov.br/perguntas_si_pni.asp, acessado em 29 de junho de
2023).
Com relação às faixas etárias, descobrimos que a maior prevalência de infecções por
RVA foi observada em crianças de 0 a 6 meses de idade em comparação com outras
faixas etárias. O aumento da suscetibilidade dos bebês nessa faixa etária é provavelmente
atribuído à baixa cobertura de vacinação contra o RVA durante a pandemia da COVID-
19. Em nosso estudo, observamos que menos da metade dos casos positivos para RVA
entre crianças menores de 5 anos de idade foram vacinados (23%, n = 40) com uma, duas
ou três doses de vacina.
Com relação à caracterização do genótipo do RVA, identificamos com sucesso os tipos G e
P em 98,2% das amostras positivas. As cepas G3P[8] predominaram em 2020 (72,3%),
sendo substituídas por G6P[8] em 2022. A análise filogenética dos genes VP7 e VP4
confirmou a caracterização das cepas brasileiras G3 pertencentes à linhagem IX, bem
como todas as sequências P[8] da linhagem III, que compreende cepas G3 semelhantes a
equinos. Após sua primeira identificação na Austrália em 2013 [52], as cepas G3P[8]
semelhantes a equinos (com constelações genéticas semelhantes a DS-1) se espalharam e se
tornaram endêmicas em todo o mundo. A maioria dos rotavírus G3 que surgiram
recentemente em muitos países possui segmentos de genoma RVA semelhantes ao DS-1 [33,53-
59]. No Brasil, as cepas G3P[8] do tipo equino foram as mais prevalentes e representaram 83,8%
em 2018 e 65,5% em 2019 entre as amostras genotipadas [35]. Outro estudo realizado por
nosso grupo identificou o genogrupo 2 da cepa G3P[8] (G8-P[8]-I2-R2-C2-M2-A2-N1-
T2-E2-H2) com um evento de rearranjo adicional no gene NSP2 (N1) de origem Wa-like
[60].
Em nosso estudo, as cepas G6P[8] incomuns surgiram em 2020 e se tornaram o
genótipo mais predominante em 2022. A análise filogenética do gene VP7 demonstrou que
as cepas G6 brasileiras se agruparam na linhagem I, que está associada à P[8]-III. Na
linhagem I, nossas cepas se agruparam com a homologia mais próxima das cepas da
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Bélgica, Bulgária, Alemanha e Brasil [61-64]. O gene VP4 das cepas brasileiras de P[8]
foi agrupado na linhagem III, com cepas da Hungria, Alemanha, Espanha, República
Dominicana e Brasil [33,53-55,65]. Anteriormente, nosso grupo relatou a detecção de
cepas G6P[8] em 13,8% das amostras de AGE
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5. Conclusões
Durante o período pandêmico da COVID-19, de 2020 a 2022, identificamos o RVA em 7,7%
das amostras obtidas de pacientes com atendimento médico que apresentavam sintomas
de EAG no Brasil. Em 2022, observamos o retorno aos níveis pré-pandêmicos da taxa de
positividade do RVA, bem como o surgimento do genótipo G6P[8], que substituiu o
genótipo dominante anterior, semelhante ao equino G3P[8]. A vigilância genômica do
RVA desempenha um papel crucial na identificação dos principais genótipos G e P que
circulam no Brasil, bem como na avaliação contínua de seu impacto no programa de
vacinação. Além disso, a cobertura reduzida da vacinação contra a AVD observada durante
a pandemia provavelmente resultou em um maior número de crianças suscetíveis.
Portanto, é necessário manter a vigilância em nível nacional para monitorar tendências e
mudanças futuras na epidemiologia do AMIU no Brasil.
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