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Um Castelo de Mentiras
Rodrigo de Toledo
Avelino F. Gomes Filho
12 de Outubro de 2020
Índice
I As mentiras do castelo 1
1 1o andar de mentiras: Escopo fixo 6
II Limpando o castelo 31
5 Transparência e Agilidade 34
6 Escopo flexível 45
Bibliografia 139
Parte I
As mentiras do castelo
O castelo
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vidas de trabalho para nada. É como se falássemos para
três pessoas que acabaram de sair da faculdade que tudo
o que eles farão até se aposentarem não servirá nunca
para ninguém. Se você já trabalhou em algo que nunca
foi usado, faça também as suas contas (multiplique o nú-
mero de pessoas pelo tempo) e veja o desperdício de vidas
humanas (muito mais doloroso do que falar de dinheiro
desperdiçado).
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mútua, pressões, práticas de autodefesa etc.
Aviso 1
Há dois anos temos apresentado os nove personagens do
castelo em conferências, workshops e treinamentos. Os
atendentes geram uma conexão imediata com as menti-
ras, reforçando a nossa crença de que há um padrão de
repetição em diferentes organizações. Aliás, parece ser
internacional, pois o mesmo aconteceu em diferentes paí-
ses (Brasil, EUA, México, França e Áustria).
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dência! Ou não.
Aviso 2
Cuidado para não culpar diretamente as pessoas!
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Capítulo 1
1o andar de mentiras:
Escopo fixo
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Figura 1.2: A primeira mentira do nosso castelo é o Rei
Jassei. Ele sabe exatamente o que quer. Ele fecha o
escopo do projeto e assume a paternidade ou maternidade
da solução. “Aqui quem manda sou eu”.
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consideram a inteligência coletiva, pessoas criando em
cima das sugestões uns dos outros (vide TED talk: “When
ideas have sex” [21]).
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Figura 1.3: Astrônomo Nadamuda é aquela mentira
em que a pessoa consegue prever com exatidão um ce-
nário futuro. Sendo assim, ele tem certeza de que nada
mudará nos próximos meses ou anos antes da entrega do
produto.
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situação atual como justificativa do que será feito, mas
que só estará pronto depois de um ano, como se o cenário
não fosse mudar nesse meio tempo. Acreditar nisso, ou
similarmente, acreditar que somos capazes de prever o
futuro, é a mentira representada por esse personagem.
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Nesse ponto entra a princesa Jaquê (Figura 1.4). “Já
que estamos fazendo isso, vamos aproveitar e fazer mais
aquilo e aquilo outro”. Quando alguém pergunta se a
lista de requisitos está completa, antes mesmo que o Rei
Jassei responda a princesa entra: “Papai, já que estamos
pedindo essas coisas, que tal mais esses penduricalhos”.
Com isso, vamos aumentando a quantidade de itens inú-
teis dentro do projeto. Conversaremos sobre possíveis
soluções para esse problema no Capítulo ??, ??.
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Figura 1.4: A Princesa Jaquê sempre quer tirar pro-
veito de uma janela de oportunidade. Uma vez que ela
ganhou a chance do projeto ser executado, ela pede um
monte de coisas antes que a janela se feche. Muitas das
coisas são irrelevantes, mas já que ganhou a oportuni-
dade, é melhor pedir, mesmo que aumente os pendurica-
lhos inúteis que vemos nos projetos por aí.
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Capítulo 2
2o andar de mentiras:
Estimativas de prazo e
custo
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Figura 2.2: O Mago Analista garante que é capaz de
fazer uma profunda análise em todo o trabalho antes de
consultar as pessoas que desenvolverão o projeto. Através
de uma série de modelos ele desenha um mundo perfeito,
porém irreal.
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malmente acentuada por um distanciamento no tempo.
O time acaba por ter um enorme esforço de interpreta-
ção desses artefatos sem a ajuda de quem os criou. No
Capítulo ??, ??, abordaremos algumas soluções para evi-
tarmos esse problema.
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Figura 2.3: Arquiteto Medetudo, acha que é capaz de
medir uma obra de arte com centímetros e um trabalho
intelectual criativo com homem-horas.
medido em horas.
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Uma previsão nesses casos só é honesta se for uma faixa
no tempo com distribuição de probabilidade. Ex.: 20%
de chance de estar pronto em 100 dias, 60% em 115 dias,
95% em 130 dias, etc. No Capítulo 11, Produtos mais
que projetos, trataremos sobre a nova visão que temos
que ter sobre o resultado do nosso trabalho.
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Figura 2.4: O Prometeus tem medo de ser pego de
surpresa. Se o time ou o analista disse que o projeto será
entregue em 8 meses, por via das dúvidas, ele insere uma
“gordurinha” no prazo e promete para 12 meses. Vai que
algo dá errado?
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bem que o escopo irá mudar. Outros sabem que estão
enganando, pois terão que dar prazos sobre um trabalho
criativo, como se ele fosse linear, igual ao de um trabalho
braçal. Há ainda aqueles que propositadamente incluem
uma “gordurinha” para não serem cobrados com muito
aperto. Muitas vezes o time que executará nem é o time
que faz a previsão. Como eles podem se comprometer
com um prazo que não foi dado por eles? Transparência
(Capítulo 5) é fundamental.
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Capítulo 3
3o andar de mentiras:
Estimativa de valor
R Retornoestimado
ROIestimado = = (3.1)
I Custoestimado
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Figura 3.1: No terceiro andar de mentira, há apenas um
morador: o Masvalia. Ele fará de tudo para que o pro-
jeto entre no portfólio do próximo ano. Para isso, se
necessário, ele “estimará” um retorno absurdo do pro-
jeto dele, mesmo que seja algo totalmente irreal. É uma
mentira fácil de fazer, porém com um impacto terrível.
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Demos o nome de Masvalia (Figura 3.1) para o único
morador deste andar. Muitas vezes ele é o cara de negócio
que estava esperando na fila de projetos há um tempo.
Ele não quer perder essa oportunidade, nem que para isso
tenha que colocar alguns zeros a mais. “Retorno de 10
milhões não é suficiente para entrar no portfólio? Então
vamos dizer que o Retorno esperado é de 10 bilhões!”
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Capítulo 4
4o andar de mentiras:
Acompanhamento de
projetos
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Figura 4.2: O Equilibrista com as cores verde, ama-
relo e vermelho quer mostrar o andamento dos projetos
para o Comitê real, discutindo a mentira da mentira da
mentira.
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brista, também presente na Figura 4.2 (muitas vezes o
Project Management Office - PMO da empresa) passa a
fazer malabarismo para mostrar esses avanços de crono-
grama.
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Figura 4.3: A mentira Verde Melancia acontece porque
mesmo que o projeto esteja no vermelho, ele é apresen-
tado com uma casca de verde, afinal, todos querem fugir
da pressão de estar fora do prazo.
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Parte II
Limpando o castelo
Limpando o castelo
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Capítulo 5
Transparência e
Agilidade
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5.1 Ciclos curtos
Quando o time inicia o projeto e só volta a apresentar os
resultados após um ano de trabalho, é provável que esteja
de frente para uma catástrofe. Primeiro porque o cliente
acumulou um ano de expectativa sobre um produto ou
serviço, segundo porque o esforço do time provavelmente
foi direcionado em um sentido errado feito em uma visão
que está desatualizada há um ano. Pouca iteração acaba
tornando qualquer interpretação excessivamente ambígua
[20].
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mais importante que a soberba de querer acertar de pri-
meira.
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d’água em um lago. Os problemas são as imperfeições
no fundo do lago. Quanto maior a lâmina d’água, menos
vamos enxergar os problemas. Porém, quanto menor for
a lâmina d’água, mais as pedras do fundo do lago vão
aparecer. Assim acontece quando reduzimos o ciclo de
entrega. Quanto menor o ciclo (ou maior frequência),
mais os problemas irão aparecer. Essa transparência é o
primeiro passo da melhoria contínua.
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tamos tratando de bits, 0 ou 1. Mesmo em obra civil,
há cenários onde pode haver entregas de valor durante
a construção. Por exemplo, ao construir um condomí-
nio, entregar casa a casa é melhor do que por etapas de
construção (todo o terreno, todas as paredes, por último
todos os telhados); ou entregar uma estrada quilômetro
a quilômetro pronto, ao invés de toda a terraplanagem,
depois toda a brita, depois asfalto e depois a tinta de
tudo.
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Figura 5.2: A fronteira até onde vai a agilidade conti-
nua se expandindo por causa desses dois vetores. Cada
vez mais temos desafiado áreas longe do digital a usa-
rem métodos ágeis (RH, Financeiro, Auditoria, Jurídico
etc.). Ao mesmo tempo, cada vez mais há negócios mi-
grando do mundo físico para o mundo digital, a chamada
transformação digital.
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5.3 Transparência para geração
de melhoria
Claro que a transparência inclui expor também outras
coisas além dos problemas: propósito de negócio claro,
acordos internos de times, métricas etc. Também es-
tamos falando em parar de mentir, a final de contas,
o propósito deste livro é derrubar o castelo de menti-
ras. Porém, o que estamos reforçando é que a verdadeira
transparência acontece quando colocamos o bode na sala
(Figura 5.3). Por isso, que todos os métodos ágeis estão
calcados na ideia de melhoria contínua.
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Figura 5.3: “Bote o bode na sala!” É uma expressão
usada para dizer que não devemos esconder o problema,
mas colocá-lo bem exposto, para que ao incomodar nos
force a falar sobre ele. Tal como se colocássemos um
bode na nossa sala de jantar, inevitavelmente o espaço,
aparência e odor nos fariam ter que falar sobre o bode!
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Como ser transparente?
Uma vez expostos os problemas, quem irá resolvê-los? As
pessoas!
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Figura 5.4: Quadro físico mapeando o fluxo de valor de
um time.
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Capítulo 6
Escopo flexível
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Figura 6.2: Triângulo de Ferro Tradicional: Escopo,
prazo e custo fixados.
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começando por um degrau intermediário entre o escopo
fixo e a flexibilidade máxima: a inversão do triângulo de
ferro.
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Figura 6.3: Triângulo de Ferro Invertido
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6.2 Planejamento contínuo
O primeiro andar do castelo de mentiras só será desfeito
se as empresas abraçarem a flexibilidade do escopo. A
motivação primária está no fato de que não sabemos pre-
ver todas as necessidades ao longo do caminho. Além
disso, o mundo muda, os concorrentes se mexem, as leis
se alteram, a tecnologia avança, etc. Queremos evitar a
mentira do Astrônomo Nadamuda. Especificar tudo no
início é um contrassenso, num mundo onde a complexi-
dade e a volatilidade são cada vez mais latentes. Isso é
o chamado mundo VUCA: Volatility, Uncertainty, Com-
plexity, and Ambiguity (volátil, incerto, complexo e am-
bíguo) [4].
Analogia do horizonte
Vamos explicar aqui a analogia do horizonte criada por
Rafael Sabbagh [23]. Observe a Figura 6.4, imagine que
você é aquele gestor que está olhando para a rua na cidade
de São Francisco. Se alguém pedir para você descrever
tudo o que você está vendo no primeiro quarteirão, é
possível dar bastante detalhes. Por exemplo: quantos
andares em cada prédio; quantas janelas por andar; se
há uma escada na frente; quantos degraus; se houver um
carro, pode-se descrever cor, modelo e até placa. Mas se
te pedirem para descrever do 2o ao 4o quarteirão sem sair
daquela posição? Ainda é possível dar detalhes: total de
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Figura 6.4: Analogia do horizonte. Nível de detalha-
mento é menor quanto mais longe no tempo.
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do início ao fim (sem sair daquela posição), das três, pelo
menos uma:
• ou você está se enganando;
• ou você está sendo enganado;
• ou você está enganando alguém;
porque não dá para descrever a rua inteira no mesmo
nível de detalhe do primeiro quarteirão!
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aquilo que estava com detalhamento intermediário, po-
derá ser melhor descrito; até finalmente selecionarmos as
próximas coisas a serem feitas para então detalharmos
tecnicamente.
O detalhamento de um planejamento
deve ser inversamente proporcional
à distância no tempo.
Rodrigo de Toledo
53
6.3 Valor Contínuo
Ao permitir a flexibilidade do escopo, combatemos direta-
mente as mentiras do primeiro andar. Porém, nos livrar
desses personagens mentirosos para sermos mais since-
ros uns com os outros é apenas uma das vantagens. Há
uma motivação enorme relativa ao valor do que estamos
entregando. Seguem três impactos de valor:
1. A antecipação do valor a ser entregue.
2. É possível adaptar o escopo às mudanças externas,
tais como mercado, concorrentes, alteração do per-
fil do consumidor, etc;
3. Os aprendizados no caminho permitem descobrir
mais sobre onde está o maior valor;
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Figura 6.5: Curva de entrega de valor. Quando há ciclos
curtos, escopo flexível e priorização, a curva de valor é
muito acentuada no início.
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explore essa veia. Isso é consequência do fato que a cada
passo dado na construção de um produto, aprendemos
mais sobre ele e podemos explorar onde há verdadeiro
valor.
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triângulo de ferro (Seção 6.1). Mas atenção, flexibilizar o
escopo não significa especificar tudo detalhado e depois
alterar, mas ao mesmo tempo, também não é para não
especificar nada. É exatamente entre esses dois pontos,
tal como na analogia do horizonte. A seguir, veremos que
podem existir diferentes níveis de flexibilização.
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6.4 Níveis de Flexibilização
Há diversos modelos de contrato que tratam sobre a de-
finição do escopo. Estamos falando de contrato não ape-
nas entre duas empresas, mas também acordos entre área
de negócio e de execução. Vimos um desses modelos na
Seção 6.1.
Flexibilização Contexto
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Figura 6.6: Níveis de Flexibilização
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Capítulo 7
Foco no problema e
não na solução
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realizadas produziam um resultado baixíssimo e que não
compensavam o investimento. Quando perguntávamos
para as pessoas quais os problemas que o projeto resolvia,
elas não sabiam. O foco era unicamente em entregar o
escopo da solução que havia sido levantado há dez anos.
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mento do serviço de investimento era “fundamental” de-
terminar todos os perfis de investidores possíveis.
63
Em ambientes saudáveis, compreende-se que a ideia
não foi elaborada por uma única pessoa. Na verdade, ela
é a composição de várias ideias vindas de várias pessoas e
ninguém pode assumir sozinho a autoria dela. Conforme
escrito por Bernardo de Chartres (?-1160) e aperfeiçoado
por Isaac Newton (1643 - 1727): “Se eu vi mais longe, foi
por estar sobre ombros de gigantes”.
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• permite a flexibilidade do escopo (vide Capítulo 6,
Escopo flexível);
• o problema existe;
65
• compensa solucioná-lo;
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necessário criar métricas para validarmos se o problema
está sendo solucionado ou não. Após isso, a ideia torna-se
produto e com ele obtemos feedback através de métricas.
Agora é possível concluir se a solução foi capaz de resol-
ver o problema ou não. O importante é que esse processo
sempre gere aprendizado.
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zar a execução do serviço. A reclamação mais comum era:
“O sistema não encontra o meu endereço”. Se focasse na
solução apenas, provavelmente esse órgão tentaria criar
formas melhores de informar endereços. Todavia eles já
praticavam o LDD e sabiam que essa era a consequência
do problema e não a causa. Após pesquisas na base de
dados para melhor compreender a causa raiz, descobriu-
se que as pessoas informavam o município como Rio de
Janeiro, porém ao colocar o logradouro, informavam ruas
e avenidas de outros municípios. Utilizando o LDD tive-
mos:
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dizado. A partir desse ponto, todo serviço que é oferecido
pelo órgão utiliza o rótulo cidade ao invés de município.
User-centered Design
Os problemas que o LDD trata tem seu foco no consu-
midor final, a pessoa que sofre o problema. Coisas como
aumentar a receita, aumentar a satisfação são metas do
negócio, consequência de resolvermos bem o problema
do cliente. Uma dica importante é: conheça seu cliente e
entenda as dores que ele tem. Se não fizer isso, provavel-
mente serão criadas excelentes soluções que não atendem
às necessidades do cliente (Veja o Seção 10.2, Está na
hora de acompanhar a eficácia).
Tanque de Decantação
Uma forma de estruturar o LDD é utilizando o Tanque de
Decantação [1]. Ele é um canvas conforme demonstrado
na Figura 7.2
69
Figura 7.2: Quadro do Tanque de Decantação
70
Perceba que há relações de causa e efeito entre todos
os itens do Tanque é essencial. Temos um propósito que
nos leva a problemas que devemos resolver que por sua
vez devem ser avaliados com métricas e as possíveis solu-
ções devem impactar a métrica que por sua vez informam
se estão resolvendo o problema e portanto nos ajudando
a cumprir o nosso propósito. O Tanque de decantação se
tornou uma ferramenta muito útil para a etapa de pro-
duct discovery. Ela se distingue de outras técnicas (como
Design Thinking ou Lean Inception) por trazer a discus-
são das métricas antes mesmo da discussão das ideias.
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Figura 7.3: Adesivo da K21: Ame o problema, não a
solução!
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Parte III
Derrubando o Castelo
Derrubando o castelo
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Parte IV
124
Bibliografia
140
[13] J. D. C. Little. A proof for the queuing formula: L
= $λ$w. Oper.Res., 9(3) : 383 − −387, June1961.
141
[21] M. Ridley. When ideas have sex, 2010. Disponível
em: https://www.ted.com/talks/matt_ridley_
when_ideas_have_sex.
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