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Emilio Gennari

Na corda bamba
da ... crise
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Ao reproduzir ... cite a fonte.

Índice:

Introdução. 03

1. O mundo das mercadorias. 04

2. A nossa força de trabalho é uma mercadoria? 05

3. Ganância? Cobiça? Ou... é a fria lógica do capital? 09

4. Com a palavra: os neoliberais. 11

5. Botando as máquinas pra funcionar. 13

6. Crise: os sintomas e a doença. 17

7. As saídas da burguesia diante da crise. 20

8. A montanha russa da economia capitalista. 22

9. O carrinho da montanha russa tem freios? 25

10. A intervenção do Estado na economia. 29

11. Quem diz onde o Estado tem que gastar o dinheiro dos impostos? 32

12. E os trabalhadores? 35

Anexo: As Bolsas de Valores e a crise. 38

Bibliografia. 41
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Introdução.

Volta e meia, a realidade nos deixa assustados. A violência toma conta das cidades enquanto a
fome senta-se à mesa de um número cada vez maior de famílias. Os preços sobem, mas os salários são
reajustados abaixo do aumento do custo de vida. Vontade de trabalhar não falta, o problema é saber
aonde com tanta empresa demitindo e fechando as portas. O desemprego cresce e alimenta o temor de
mais uma rodada de arrocho salarial.
Com menos dinheiro no bolso, o jeito é reduzir ainda mais as compras da família na tentativa de
esticar o salário até o dia do pagamento. Como muitos deixam de comprar, as lojas vendem menos e
deixam de fazer novas encomendas às indústrias. Estas, por sua vez, vão demitindo ainda mais gente e
piorando uma situação que já estava ruim.
Diante deste quadro, os trabalhadores e as trabalhadoras da nossa sociedade não têm dúvidas:
o nosso país está em crise.
Se o fato de passar necessidade já causa bastante sofrimento às nossas famílias, o que revolta
é perceber que tudo parece jogar contra a gente. Se a situação já está difícil, porque o governo e os
patrões não dão um bom aumento de salário? Será que eles não percebem que, com mais dinheiro pra
gastar, nós vamos poder comprar mais? Será que eles não enxergam que se todos comprassem mais,
eles mesmos iriam vender muito e teriam mais dinheiro para investir e criar novos empregos? Com um
número maior de pessoas empregadas, os salários iriam aumentar, e até um cego consegue ver que
isso seria bom para todos.
Parece tudo tão simples e tão lógico que até uma criança tem condições de entender. Se a
própria Rede Globo reconhece que no nosso país tem muita riqueza nas mãos de pouca gente, por que
os empresários não aproveitam para repartir o bolo e tirar todos nós do sufoco? É verdade que eles
ganhariam um pouco menos em cima de cada mercadoria, mas, ao venderem mais, os patrões
acabariam lucrando o mesmo tanto e nós trabalhadores poderíamos começar a viver como gente.
Mas tanto o governo quanto os empresários fazem justamente o contrário. No lugar de aumentar
o salário, o arrocham. Em vez de empregar... demitem. Poderiam, pelo menos, baratear os preços. Mas
não, de pouquinho em pouquinho, as mercadorias vão ficando mais caras e menos acessíveis. Jogam
fora a comida que poderia matar a fome de muita gente, ao mesmo tempo em que dizem se preocupar
com o bem do povo. Parece que tudo está virado do avesso.
Realmente não dá pra entender. Mas, quem será que tem razão? Nós ou eles? A resposta
esperada parece óbvia. Mesmo assim, convido você a percorrer comigo as páginas deste texto no qual
vou desvendar o funcionamento de algumas das engrenagens que movimentam a nossa sociedade.
Não vai ser fácil mergulhar nelas. Por isso, é bom que, desde já, você se arme de paciência, siga de
perto os meus passos e mantenha os olhos bem abertos. No terreno onde vamos pisar não faltam
arapucas e, quase sempre, as aparências enganam. Mas você vai ver que o esforço vai valer a pena,
pois cada passo, por pequeno que seja, vai nos ajudar a não alimentarmos falsas esperanças, a
conhecermos melhor a realidade e, sobretudo, a termos melhores condições para transformá-la.
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1. O mundo das mercadorias.

A sociedade em que vivemos se parece com um gigantesco hipermercado. Somos rodeados por
mercadorias que atendem às mais diversas necessidades. Suas cores, tamanhos e formas atraem os
nossos olhares e nos convidam a comprá-las. Parece tudo tão normal que dificilmente paramos pra
pensar no que elas escondem em si mesmas.
Por exemplo, você já se perguntou porque um par de sapatos vale mais do que um tijolo? Será
que é pelo fato do primeiro servir para caminhar com segurança e conforto enquanto o tijolo só pode ser
bem empregado na construção de uma casa?
Não, não é possível estabelecer o valor de uma mercadoria relacionando-a com a necessidade
que ela atende, mesmo porque entre caminhar com segurança e morar não seria fácil escolher o que é
mais importante. Isso depende de uma série de elementos que a cada momento nos fariam mudar de
opinião.
Mas, mesmo que o sapato e o tijolo tenham utilidades tão diversas, eles têm uma coisa em
comum que não aparece à primeira vista: são o resultado do trabalho humano. Vamos dar um pulo
numa olaria para ver isso mais de perto.
Lá no fundo, naquele terreno baldio, um grupo de trabalhadores retira a argila do solo, outros a
preparam e lhe dão a forma de tijolos. Há também os que colocam os tijolos para secarem ao sol e os
que se encarregam de empilhá-los e prepará-los para que seja carregados num caminhão e
encaminhados para a venda.
Enquanto a argila não é extraída e trabalhada pelos funcionários da olaria, ela não passa de um
barro qualquer, sem valor algum. Mas, a partir do momento em que alguém enfia a picareta na terra
transformando-a em matéria-prima para os tijolos, a argila começa a ter valor. Um valor que é dado a ela
pelo trabalho dos funcionários da olaria.
Voltando à nossa comparação, o tijolo vale menos de um par de sapatos porque a quantidade de
trabalho humano que foi necessária para produzi-lo é bem menor do que aquela que foi empregada na
confecção do sapato. Esta é também a razão pela qual, por exemplo, um carro de luxo, cheio de
parafernálias eletrônicas vale mais do que um carro popular. Apesar de atender à mesma necessidade,
o primeiro precisou de muito mais trabalho para ser montado.
Como? Você pergunta como é que se faz para medir a quantidade de trabalho? Bom, é simples.
O tempo é a unidade de medida do trabalho. Por isso, podemos dizer que quanto maior o tempo
necessário para a produção de uma determinada mercadoria, maior será também o seu valor.
Mas, cuidado porque a etiqueta que acompanha as mercadorias nas vitrines das lojas não traz o
valor, e sim o preço. Você acha que eles são a mesma coisa? Não. Há uma diferença entre os dois. No
que diz respeito ao valor, já vimos que ele é igual à quantidade de trabalho que foi necessária para a
produção da mercadoria. Mas acontece que na hora de vender as mercadorias, o capitalista vai se
defrontar com a concorrência e com a lei da oferta e da procura.
Você já se deparou com esta realidade toda vez que foi à feira comprar as frutas e as verduras
para a família. Lá os feirantes concorrem entre si para vender, por exemplo, um quilo de tomates. A
concorrência que se estabelece entre os vários donos das barracas altera os preços de seus produtos.
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Perto do fim da feira, para garantir a venda e não correr o risco de ver os tomates apodrecendo em seus
caminhões, todos eles baixam os preços na tentativa de vender o estoque e de garantir uma boa
margem de lucro.
Quanto maior for a concorrência, maior será a chance de termos preços baixos; e quanto menor
for o número de vendedores daquela mercadoria, mais o preço tenderá a ficar alto apesar de seu valor
permanecer inalterado. Mas além dos efeitos da concorrência, o preço do tomate depende da oferta, ou
seja, da época em que nos encontramos. Ele é mais baixo durante o período da safra, quando a oferta
de tomates é grande. Às vezes, ele cai até abaixo do valor, justamente porque tem tomate demais para
o mesmo número de pessoas que quer comer salada. Na entressafra acontece o contrário: tem mais
gente querendo comprar do que tomate disponível para a venda. Apesar de feio, o tomate está caro.
A relação entre o preço e o valor de uma mercadoria pode ser visualizada desta forma:

Preço:

Valor:

Enquanto o valor se mantém constante ao longo de um determinado período de tempo, o preço


sobe ou desce a depender da concorrência e da oferta/procura daquele produto. A longo prazo, porém,
o preço médio de uma mercadoria tende a ser igual ao seu valor.

2. A nossa força de trabalho é uma mercadoria?

Comprar e vender gente é algo que pertence a um passado distante, à época da escravidão. O
escravo era propriedade do senhor da casa grande, trabalhava para ele em troca de comida e
chicotadas e sua morte, fuga ou o simples envelhecimento representavam uma perda para o seu
proprietário. Com a Lei Áurea, esta realidade parecia ter chegado ao fim e, na nova era, o ser humano
iria abandonar para sempre sua condição de objeto para assumir a de pessoa livre das correntes da
escravidão.
Ninguém duvida de que, hoje, as coisas são diferentes. Os trabalhadores e as trabalhadoras da
nossa sociedade não carregam grilhões, ninguém é chicoteado no tronco, recebem em dinheiro pelo
trabalho realizado e podem até mudar de patrão caso encontrem alguém que pague melhor pelos seus
serviços. As evidências indicam que eles são livres.
Mas, de que liberdade estamos falando? Bom, da liberdade de escolher entre vender sua força
de trabalho ou... morrer de fome. É isso mesmo, para a maioria dos seres humanos da nossa sociedade
“ser livre” é justamente isso: achar alguém que compre sua capacidade de realizar determinadas tarefas
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pagando por ela o melhor preço possível. E... se a pessoa adoece? E... se um acidente tirar dela esta
possibilidade? Para o capitalista isso não é um problema, já que ele não compra o ser humano, mas tão
somente a sua capacidade de trabalhar.
Sim, você entendeu bem, para o patrão, o trabalhador é igual ao pneu: carecou... troca. Ele não
se preocupa em recauchutá-lo, mas somente em tirar dele o melhor de suas possibilidades de uso. Ou
seja, vai extrair de nossa força de trabalho tudo aquilo que ela pode dar e pagar pelo seu uso até que a
gente tenha boas condições para vendê-la. Depois ele faz conosco o que nós fazemos com um sapato
velho e furado: compensa mais jogar fora e comprar outro do que mandar consertar. Eu sei que isso
deixa qualquer um de queixo caído. Mas, não desanime que o caminho das descobertas ainda é longo.
Bom, se a nossa força de trabalho é uma mercadoria, como se calcula o seu valor? Da mesma
forma que a gente faz com outro produto qualquer: pela quantidade de trabalho necessária para a sua
produção e reprodução. Ou seja, pela soma dos valores das mercadorias que garantem que a nossa
capacidade de trabalhar seja reposta e possa se reproduzir. Estou falando da moradia, alimentação,
energia elétrica, água, vestuário, educação, transporte, lazer, remédios etc., necessários para a
sobrevivência de quem trabalha e para a de sua família.
É isso mesmo, além de reabastecer a máquina que vai vender sua força de trabalho no dia
seguinte, o capitalista está interessado que ela lhe dê filhos e filhas cuja capacidade de trabalhar esteja
pronta para ser explorada logo que o pai e a mãe fiquem desgastados a tal ponto que já não compensa
mantê-los no serviço. Esta “cesta básica” varia de região pra região, de acordo com o clima, os hábitos
alimentares e as necessidades que fazem parte do quotidiano das pessoas que nela vivem e trabalham.
Hoje em dia, o “justo” valor da força de trabalho gira em torno de uma média de 1800,00 Reais.
É bom que você saiba que este “justo” é sinônimo de “saia justa”, de “calça justa” e não de
justiça. Ou seja, trata-se de uma quantia que dá “apenas” para cobrir as reais necessidades da família
trabalhadora para que ela possa viver como gente e não fique chamando de “luxo” aqueles produtos
que considera supérfluos apenas porque o salário atual não pode comprá-los.
Se a força de trabalho tem valor, ela também tem preço: o salário. Este último sobe e desce de
acordo com a oferta, a procura e a concorrência. Quando o desemprego aumenta, o excesso de
trabalhadores disponíveis faz os salários caírem. O contrário acontece quando cresce a oferta de vagas
e, portanto, tem também menos gente disputando cada emprego.
Quem diria, tomates, tijolos, sapatos e... força de trabalho têm algo em comum: são mercadorias,
têm valor e preço. Assim como todos os produtos da loja têm uma etiqueta indicando o preço, o holerite
que está na sua carteira é a etiqueta que indica quanto está sendo paga a venda de sua capacidade de
trabalhar.
Você agora está se sentindo com cara de tomate ou de tijolo? Não se preocupe, a sua força de
trabalho não é uma mercadoria qualquer. Ela é especial não só porque à diferença das outras, que
aguardam na prateleira à espera dos compradores, ela vai de empresa em empresa à procura de quem
a queira comprar, mas sobretudo porque tem uma característica única: ela produz um valor maior do
que aquele que é necessário para a sua produção e reprodução. Ficou difícil? Vou te ajudar com um
exemplo.
Suponha que você está trabalhando numa fábrica de sapatos de luxo e recebe um salário
mensal de 1.800,00 Reais, 60,00 Reais por dia. Nas 8 horas em que você fica no pé da máquina a
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empresa pede uma produção média de 20 pares de sapatos cujo valor, de acordo com a nota fiscal, é
também de 60,00 Reais o par. Terminado o turno de trabalho, está na hora de fazer as contas da sua
produção.
Multiplicando o número de pares de sapatos pelo valor de cada par, temos que em 8 horas foi
produzido um valor total de 1.200,00 Reais.

20 pares de sapatos = 1.200,00 Reais

Para que isso fosse possível, você utilizou algo que não produziu, mas cujo valor o seu trabalho
repassou para o produto final. Estou falando dos meios de produção: prédio, máquinas, matérias-primas
e energia. É claro que, de tudo isso, você transferiu só a parte que corresponde a cada par de sapatos e
que, pelo que o chefe disse, gira em torno de um terço do seu valor final. A contas feitas, os 20 pares
que você fez incorporam 400,00 Reais que correspondem ao valor dos meios de produção utilizados.
Mas, pense bem. Se você não tivesse trabalhado, teriam sido produzidos os pares de sapatos
que você fez? É óbvio que não. Lembra que algumas páginas atrás te mostrei que só o trabalho cria
valor? Pois é. Isso significa que à exceção dos 400,00 Reais dos meios de produção, foi o seu trabalho
que criou os restantes 800,00 Reais que constituem o valor novo dos 20 pares de sapatos. Ou seja,
aquele valor final de 1.200,00 Reais deve ser dividido assim:

Meios de Produção R$ 400,00 Valor Novo que você criou R$ 800,00

Acontece, porém, que apesar de você hoje produzir um valor de 800,00 Reais, o salário que
corresponde a um dia de trabalho é de apenas... 60,00 Reais! Obviamente, é o seu patrão que vai ficar
com uma fatia de 740,00 Reais que é a diferença entre o valor que você criou e aquele que recebeu
como salário. Esta quantia, bem maior do que a sua, é chamada de Mais-Valia justamente porque o seu
trabalho produziu um valor bem maior do que ele vale (casa, comida, roupa, etc.) e pelo qual foi pago. A
tabela das contas vai ficar assim:

Valor Novo que você criou R$ 800,00

Meios de Produção R$ 400,00 Salário R$ 60,00 Mais-Valia R$ 740,00

Em outras palavras, o seu salário corresponde à parte do trabalho que você fez e que foi paga e
a Mais-Valia àquela fatia do trabalho que você fez... mas que não foi paga.
Como? Você quer saber em quanto tempo o seu trabalho já havia produzido um valor suficiente
para pagar o salário do dia? Isso é fácil. É só pegar os 800,00 Reais do valor novo que você criou e
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dividi-los pelas 8 horas do seu turno de trabalho. Feito! A cada 60 minutos você produziu um valor novo
de 100,00 Reais. Mas o “justo” valor de sua força de trabalho foi pago com um salário de 60,00 Reais.
Vamos visualizar esta conta:

1ª Hora 2ª Hora 3ª Hora 4ª Hora 5ª Hora 6ª Hora 7ª Hora 8ª Hora


R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00 R$ 100,00

R$60,00 R$ 740,00
Salário Mais-Valia

Isso significa que, depois de 36 minutos de trabalho, você já havia produzido o valor que
corresponde ao seu salário do dia. Nas 7 horas e 24 minutos restantes... você quer mesmo que eu o
diga? ... Bom.... você trabalhou de graça para o patrão. Eu sei que isso é revoltante, que de justiça aqui
não tem nada... mas é assim que as coisas funcionam na nossa sociedade. Vamos adiante.
Acontece que apesar de ser grande o tamanho da fatia do seu trabalho que não é pago pelo
patrão, este último procura sempre encontrar uma forma de aumentar a mais-valia. Ele pode fazer isso,
basicamente, através de quatro instrumentos:
1. Pagando salários bem inferiores aos 1.800,00 Reais que, como dizíamos, representam o “justo” valor
da força de trabalho.
2. Aumentando o ritmo de produção. Exigindo, por exemplo, que, no lugar dos 20 pares, você produza
22 ou 23 sem modernizar as máquinas com as quais você vai lidar.
3. Prolongando a sua jornada de trabalho com algumas horas extras. Mesmo que ele pague um pouco
mais pela hora trabalhada, a quantidade de valor que você vai acrescentar à mais-valia é bem maior
da merreca de adicional que vai receber.
4. Reduzindo o “justo” valor da força de trabalho. Se o dono da fábrica de sapatos e os patrões das
empresas que produzem as mercadorias necessárias para você repor e reproduzir a força de trabalho
automatizarem suas linhas de produção, a quantidade de trabalho necessária para produzir a “cesta
básica” vai cair. Ou seja, cada item da cesta vai ficar mais barato por ter sido produzido em menos
tempo e com menos gente. De conseqüência, o valor de sua força de trabalho vai diminuir, por
exemplo, para 1.200,00 Reais. Com este dinheiro você vai continuar comprando a mesma quantidade
de produtos que comprava antes. Nesta nova situação, o seu salário de 1.200,00 Reais ainda
corresponde ao justo valor da sua força de trabalho, mas é maior a fatia de Mais-Valia que vai ficar
com o patrão. Voltando ao exemplo da fábrica de sapatos, dos 800,00 Reais do valor novo que você
produziu, você vai ficar só com 40,00 e a Mais-Valia vai aumentar para 760,00 Reais. À diferença do
arrocho, vai conseguir comprar todas as mercadorias das quais você e a sua família precisam, mas o
seu patrão vai embolsar uma fatia maior do seu trabalho todos os dias.
Se já estava revoltado com a descoberta da mais-valia... isso deve soar como o fim da picada.
Mas, prepare-se! Novas descobertas nos aguardam nas próximas páginas. Talvez, antes é melhor você
tomar uma xícara de café ou de chá. É só para dar ânimo... ou para relaxar, você decide o que melhor.
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3. Ganância? Cobiça? Ou... a fria lógica do capital?

A revolta que você está sentindo diante do tamanho da exploração é mais do que justa. Mas, ao
contrário do que você está pensando, a extração da mais-valia não pode ser pura e simplesmente
atribuída à ganância do ser humano, ou à cobiça deste ou daquele capitalista. O que está em jogo não é
uma questão moral, e sim o mecanismo que faz a nossa sociedade funcionar e gerar ricos e pobres.
Neste sentido, é bom que, desde já, você perceba que em economia não há espaço para os
sentimentos. Já vimos que o capitalismo reduz o ser humano a um número, a sua força de trabalho a
uma mercadoria e a sociedade vive mergulhada num grande hipermercado onde “tudo” (sapatos, tijolos,
tomates, órgãos do corpo humano, etc.) pode ser comprado e vendido. A principal preocupação não é
atender às necessidades das pessoas e sim obter lucros cada vez maiores. Por isso, ao tentar aumentar
constantemente a quantidade de mais-valia, o patrão está apenas realizando a vocação do capital: a de
ser um valor que se valoriza. Vamos ver de perto como isso acontece.
Com certa quantidade de dinheiro, o capitalista manda construir um galpão, compra matérias-
primas, energia, máquinas e a força de trabalho necessária para operá-las. Em seguida, organiza um
processo de trabalho e graças ao suor de seus funcionários produz mercadorias que incorporam parte
do valor dos meios de produção, dos salários e da mais-valia produzida pelos operários. Enquanto está
esperando para ser vendida, a mercadoria é como uma mulher grávida: sabe-se que tem um filho na
barriga... mas ele ainda não nasceu. No caso da mercadoria, ela está grávida da mais-valia produzida
pelos trabalhadores e esta só vai nascer, ou seja, se realizar, na hora da venda. Vendida a produção, o
capitalista recupera a parte que corresponde aos meios de produção, aos salários e realiza, finalmente,
a mais-valia criada pelos trabalhadores. Graças ao trabalho não pago, ele tem agora mais dinheiro do
que tinha antes.
Mas a vocação do capital não é completa pelo fato do capitalista estar com os bolsos cheios de
dinheiro. Além de poder comprar do bom e do melhor, o capitalista vai agora reinvestir o dinheiro obtido
com a venda para repor os meios necessários para dar continuidade à produção e, porque não, para
ampliá-la e extrair uma quantidade ainda maior de mais-valia. Pensando bem, por que deveria se
contentar só em produzir a mesma quantidade de mercadorias deixando desocupado o dinheiro a mais
que lhe é proporcionado pela mais-valia? Sim, porque depois de comprar uma Ferrari para o aniversário
do filho, viajar, fretar um helicóptero para seus deslocamentos na cidade, construir uma nova mansão,
etc., ainda sobra bastante dinheiro. O jeito é investir os recursos num novo galpão para aumentar a
quantidade de mercadorias a serem produzidas (e, de conseqüência, de valor e mais-valia) ou,
aproveitar das novas descobertas da ciência e da tecnologia para produzir mais, em menos tempo e,
sobretudo, com menos gente. De fato, para o capitalista o importante não é apenas ganhar mais e sim
fazer com que a cada Real gasto em salário corresponda uma quantidade maior de Reais da mais-
valia.1

1
Quando falamos em capital, não estamos nos referindo apenas ao investimento do dinheiro na compra dos meios de
produção e da força de trabalho, ou ao processo produtivo. Capital é toda a relação que acabamos de descrever e que poderia
ser visualizada por esta fórmula: Dinheiro - Mercadoria (Meios de Produção + Força de trabalho) ... Processo de Trabalho ...
Mercadoria grávida de mais-valia - Dinheiro obtido através da venda - Nova fase de investimento. Cada passagem representa
um momento no qual o capital assume uma nova feição em seu processo de valorização.
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Para você ter uma idéia do que estamos falando, leve em consideração que, por exemplo, em
janeiro de 1992, a Sharp demorava, em média, 81 minutos para produzir uma televisão. Investindo em
novas tecnologias, em março de 1997, este tempo era reduzido a 19 minutos. 2 Assustado? Não? Bom,
então leia mais esta notícia. A Pirelli montou na Itália uma indústria de pneu de alto desempenho para
carros de luxo. Graças à utilização de robôs, o tempo médio para produzir este tipo de pneu caiu de seis
dias para 72 minutos. 3
Maravilhoso, não é? Sim, mas esta maravilha esconde um problema que analisaremos mais
adiante. Não, não é o fato de que muita gente vai ficar desempregada e sem ter o que comer. O
problema é que agora em cada mercadoria tem uma fatia muito menor do valor novo produzido pelo
trabalho vivo dos operários e das operárias que estão na linha de montagem, ao mesmo tempo em que
aumenta a parte que corresponde aos meios de produção. São aqueles 19 minutos do TV Sharp que
devem ser divididos entre salários e mais-valia e não mais os 81 do período anterior. A TV ficou mais
barata, será mais fácil vendê-la e transformar a mais-valia em dinheiro, mas esta vantagem traz consigo
um problema insolúvel: os gastos com as máquinas, o galpão, as matérias-primas e a energia
correspondem, proporcionalmente, a uma fatia maior do valor final do produto. No caso da Pirelli, então,
a redução é mais gritante e a desproporção entre meios de produção e valor novo chega a níveis
inimagináveis até pouco tempo atrás. Nós vamos visualizar melhor esta questão no capítulo 5º quando
vamos mexer com a taxa de lucro. O que nos interessa agora é saber quais são as condições que
garantem o funcionamento da produção capitalista.
A primeira delas é a existência da propriedade privada dos meios de produção. É ela que
garante aos capitalistas a possibilidade de apropriar-se daquela enorme quantidade de valor que os
operários e as operárias produzem, mas não recebem na forma de salário. E também é graças a esta
propriedade que um trabalhador surpreendido na saída do serviço com um parafuso no bolso é
chamado de “ladrão” e demitido por “justa causa”. Mas quando é o patrão a se apropriar de horas e mais
horas de mais-valia, isso é considerado como “justa remuneração do capital”. Sim, você tem razão, as
relações de propriedade viram o mundo de cabeça pra baixo: o que nós chamamos de exploração, os
empresários chamam de... justiça.
Para o capitalista, a propriedade privada dos meios de produção é algo tão importante que é a
primeira coisa que ele quer ver resolvida e consolidada como condição para montar o seu negócio. Veja
este exemplo extraído de uma reportagem. Em março de 1998, cientistas da NASA anunciavam ao
mundo a descoberta de gelo no fundo das crateras da lua. Para quem vive da venda de sua força de
trabalho, este anúncio parece de pouca importância. Mas para quem constrói sua riqueza com o suor
dos outros, ele significa a possibilidade de reduzir em 60 trilhões de Dólares o custo de uma base lunar
que permita a exploração das riquezas do nosso satélite. Ao comentar esta possibilidade, o jornal
escreve: “Mas ainda persistem algumas questões pendentes sobre a colonização da fronteira final. À
parte a tecnologia e as saudades de casa, uma das mais fundamentais é a questão legal. A quem
pertence a lua? Atualmente, todas as nações do globo estão submetidas à lei internacional do espaço -
porque concordaram como Tratado do Espaço Exterior, de 1967, que a criou. O tratado afirma que a lua
pertence a toda a humanidade. À primeira vista, isso torna difícil para organizações privadas explorar em

2
Dados publicados no jornal O Estado de São Paulo de 12/10/1997.
3
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 10/05/2000.
11
seu próprio proveito as riquezas minerais do nosso satélite. No entanto, diversos especialistas em direito
internacional acham que existem muitas brechas nesta legislação”.4
Em outras palavras, enquanto os casais de namorados trocam juras de amor diante da lua cheia,
os capitalistas se perguntam: quando é que vamos lotear esta maravilha para podermos começar a
montar o nosso negócio? Absurdo? Não, só a expressão da primeira preocupação dos empresários.
A segunda condição que garante o funcionamento da produção capitalista é a existência do
trabalho assalariado. Ou seja, a sociedade deve ter uma enorme maioria de pessoas que são obrigadas
a vender sua força de trabalho para poder sobreviver. Com a progressiva redução ou eliminação do
número de artesão e de pequenos proprietários agrícolas, os capitalistas não só conseguem obter a
força de trabalho que vai se empregar em suas empresas, como vão procurar manter sempre um bom
número de desempregados. Além de garantir uma reserva de trabalhadores e trabalhadoras pronta a
entrar em campo quando as energias dos atuais empregados já foram totalmente sugadas, esta força
de trabalho que excede a oferta de emprego é usada para pressionar e manter arrochados os salários.
Você mesmo já deve ter ouvido seu chefe dizer que “se não estiver contente, pode ir embora da firma ...
que a fila lá fora tá grande”. Ou seja, no sistema capitalista o desemprego não é um acidente, uma
situação imprevista ou indesejada. Ao contrário, para o capitalista um “bom” número de desempregados
é uma necessidade, uma benção que permite pagar menos e explorar mais.
A terceira e última condição, é que tudo o que é produzido deve ser vendido. Para entender esta
questão, vamos dar uma olhada no estoque de produtos acabados de uma fábrica. Está vendo todas
aquelas pilhas de mercadorias que esperam ansiosas o momento de serem carregadas num caminhão e
vendidas a uma loja qualquer ou a um grande supermercado? É isso mesmo, o galpão se parece com
uma gigantesca maternidade cheia de mulheres grávidas que aguardam a hora de dar à luz. O problema
é que se passar da hora o feto pode prejudicar a mãe e vai ser necessária uma cesariana. No caso das
mercadorias, a longa espera no galpão faz com que elas se desvalorizem e para não perder o feto o
jeito é fazer um corte na quantidade de mais-valia a ser realizada através da venda. Sim, uma bela
liquidação do estoque é justamente o que poderíamos chamar de uma cesariana das mercadorias.
Vai limpar tudo o que estava encalhado, é verdade, mas vai criar um problema do qual o
capitalista procura fugir: vender abaixo do valor. Ou seja, ao liquidar o estoque, o patrão realiza uma
quantidade de mais-valia menor do que aquela que está incorporada em cada mercadoria. Um exemplo
deste processo ocorre todos os anos com as montadoras de carros. O lançamento dos “novos” modelos,
muito pouco diferentes dos “velhos”, desvaloriza os automóveis já produzidos que terão que ser
vendidos às pressas na tentativa de recuperar a maior fatia possível da mais-valia neles contida.
Quem diria, a gravidez da mercadoria é tão complicada quanto a gestação de um ser humano.
Não pode passar da hora, senão vai criar problemas ao ciclo que leva a novos e mais amplos
investimentos para aumentar a produção de valor e mais-valia.

4. Com a palavra: os neoliberais.

4
Matéria traduzida da revista The Economist pela Gazeta Mercantil de 16/03/1998.
12
Nessa corrida frenética para produzir e acumular cada vez mais, temos a impressão de que é
necessário que alguém se decida a pôr ordem na casa, a orientar a produção, a dirigir os investidores
para aqueles setores que melhor podem vir a atender as necessidades da vida em sociedade. No fundo,
eu e você acreditamos que o ser humano é que deve ocupar o centro das atenções.
Para os economistas a serviço das classes dominantes, este nosso pensamento não passa de
uma grande ingenuidade, típica de sonhadores que não vivem com os pés no chão. Olhando para os
problemas sociais, os neoliberais dizem que estes se agravam justamente porque alguém interferiu no
funcionamento do livre mercado e que quanto menor for o número de regras e critérios que orientam a
produção, maior será a possibilidade dos indivíduos encontrarem sua chance de crescimento e
afirmação social. Soa estranho, mas vamos ouvir o que eles dizem.
Para a nossa sociedade andar direito, ela deve estar alicerçada na mais ampla liberdade. Não,
não se anime. Não estamos falando da liberdade de expressão e, muito menos, do fim da exploração
imposta aos trabalhadores pela necessidade deles conseguirem diariamente os meios que garantem a
sua sobrevivência. Os neoliberais se referem à liberdade de produzir e consumir o que cada um de nós
bem intende, desde que, obviamente, tenha dinheiro para isso.
Continuando com o raciocínio deles, o interesse pessoal é a força que move as engrenagens da
produção. Não fosse a busca do maior cifrão possível, não haveria progresso e as pessoas acabariam
se acomodando por falta de estímulo. Apesar disso, tudo parecer extremamente egoísta, eles garantem
que a soma dos interesses pessoais tem como resultado o bem comum. Ou seja, ainda que matar a
fome do povo não seja a primeira preocupação de um açougueiro, ele proporciona aos cidadãos a
possibilidade de comprar carne ao mesmo tempo em que alcança o seu objetivo principal: ter lucros
suficientes para, quem sabe, abrir outro açougue. O que orienta esta sua escolha é justamente a
possibilidade concreta de aumentar seus ganhos apostando neste tipo de comércio.
Quem vai dizer se ele fez ou não uma boa escolha, não é este ou aquele governante e sim o
próprio mercado. Um número excessivo de açougues vai aumentar a oferta de carne acima da procura
dos consumidores, os preços e os lucros vão cair e o resultado de uma acirrada concorrência será a
sobrevivência dos mais eficientes, daqueles que conseguem garantir carne de boa qualidade e a um
preço menor. Os demais vão fechar as portas.
Simples, não é? Sim, eu sei que você está achando que tem caroço neste angu, mas não
esqueça que eu só estou relatando o que eles dizem.
Os próprios neoliberais admitem a existência de problemas que o mercado, por si só, não
consegue resolver. Por exemplo, quem vai garantir que seja respeitada e mantida a ordem que garante
a produção capitalista? E se alguém se revoltar contra ela? Quem vai agir contra aqueles que nos
vendem um quilo que só tem 950 gramas? Construir uma usina hidroelétrica ou duplicar uma rodovia é
algo que exige muitos recursos. Será que a iniciativa privada vai querer apostar tanto dinheiro nestes
investimentos?
Bom, os próprios neoliberais admitem que estas tarefas “devem” ser assumidas pelo Estado.
Cabe a ele:
1. Criar todas as condições necessárias para que seja respeitada a propriedade privada, para que se
garanta a ordem interna e se defenda o país contra eventuais inimigos internos e externos.
2. Controlar a emissão de moeda e punir os falsificadores.
13
3. Criar institutos (como o INMETRO) que se encarreguem de averiguar pesos, medidas, qualidade dos
produtos, prazos de validade, etc. Outros que definam e zelem pelo cumprimento, por exemplo, das
regras que orientam a construção civil, a urbanística, a segurança dos edifícios, o crédito, a relação
de compra/venda das mercadorias (como o PROCON), etc.
4. Estabelecer formas de controlar os monopólios que produzem gêneros cujos preços, ao serem
aumentados, podem dar origem a uma situação de convulsão social. Suponha, por exemplo, que
uma família de portugueses seja a única proprietária de todas as padarias da cidade. Ao dobrar o
preço do pão, poderia gerar a revolta da população. Por se tratar de um bem de primeira
necessidade, a intervenção do Estado seria indispensável para levar as padarias a baixarem o valor
cobrado e afastar assim uma possível ameaça à ordem.
5. Criar programas de renda mínima para aliviar o sofrimento da população carente. Novamente, a
preocupação principal é com uma possível convulsão social, na medida em que a fome poderia levar
os pobres a saquear mercados e armazéns. Para evitar que isso ocorra, é melhor garantir aquela
cesta básica, aquela lata de leite em pó, aquele vale... qualquer coisa. É pouco, mas garante votos e
um grande sentimento de dívida de gratidão.
6. Oferecer pelo menos um mínimo de assistência médica, de previdência social, de socorro em caso de
acidentes, incêndios ou de catástrofes naturais (secas, enchentes, etc.).
7. Último, mas não menos importante, ajudar a reduzir o desemprego quando este atinge níveis tão
altos que chegam a ser uma ameaça à paz social. Neste caso, cabe ao Estado criar frentes de
trabalho ou até mesmo realizar investimentos em obras que demandam grandes contingentes de
trabalhadores e cujas características não atraem, de imediato, o interesse dos capitalistas. Estou
falando, por exemplo, da duplicação de uma rodovia, da construção de barragens, da implantação de
sistemas de telecomunicação, de saneamento básico, etc., cuja realização requer muito dinheiro, e
seu retorno é incerto ou a longo prazo.
Neste contexto, um bom governo não é aquele que vai zelar para manter a presença do Estado
nestes setores, e sim o que faz de tudo para que a iniciativa privada e a concorrência possam agir
livremente. Para os neoliberais, só elas podem garantir a eficiência, o progresso e uma significativa
melhora da vida em sociedade.
Mas, será que isso funciona mesmo? Será que a livre iniciativa e a concorrência, por si só, são
realmente capazes de resolver as crises que assolam o país, melhorar a distribuição da renda e garantir
o bem comum? É o que vamos analisar no próximo capítulo.

5. Botando as máquinas pra funcionar.

Para saber se os patrões e seus intelectuais têm razão, vamos girar as engrenagens da
produção e analisar os resultados. Você deve estar lembrado daquilo que dizíamos algumas páginas
atrás, no capítulo 3º, ao falarmos da fria lógica do sistema capitalista. Já esqueceu? Não? Bom, se for o
caso, é melhor você dar mais uma olhada, pois o que dizíamos naquela altura é de fundamental
importância para entender o que vamos afirmar agora.
14
Seguindo a lógica do capital, ao vender as mercadorias produzidas, o patrão se preocupa não só
em ter recursos para alimentar novamente o processo de trabalho, mas, sobretudo, em ampliar seu
investimento para extrair quantidades de valor e mais-valia ainda maiores e para aprofundar a
exploração da força de trabalho. Isso ocorre em qualquer setor da produção e nós vamos visualizar este
processo numa fábrica de cadeiras antes e depois de sua modernização tecnológica. Para facilitar o
entendimento dos conceitos, vamos usar números simples, partir do pressuposto que preço e valor
coincidem e eliminar todo tipo de interferência do mercado.
Num primeiro momento, a empresa produz 400 cadeiras graças ao trabalho de 100 operários
cujo salário é de 10,00 Reais por dia. O valor de cada cadeira na fábrica é também de 10,00 Reais.
Após alguns anos, a empresa vai modernizar a sua produção. O número de cadeiras sobre de
400 para 500, enquanto o de funcionários cai de 100 para 80. Ao produzir 100 cadeiras a mais nas
mesmas 8 horas, o valor de cada cadeira cai para 8,00 Reais. Sabendo que a lógica do sistema
capitalista está fazendo com que esta situação se repita em outras empresas do mesmo setor, a
passagem para a nova fase faz com que na produção desta mercadoria possamos constatar esta
situação: temos mais cadeiras, seu valor é menor e tem menos gente trabalhando. Até aqui a coisa está
fácil.
Mas a taxa de lucro... aumentou ou diminuiu? Sim, estou me referindo à relação entre o que foi
necessário gastar para produzir as cadeiras (meios de produção e salários) e a mais-valia obtida na
produção desta mercadoria. Em outras palavras, temos que saber se ao dividir a mais-valia pela soma
dos gastos com os meios de produção e os salários, o resultado final vai aumentar ou diminuir, pois é
assim que se calcula a taxa de lucro. Como? Você pergunta se o capitalista se importa com isso? É
claro que sim. Só o resultado desta pequena fórmula:

Mais-Valia
Taxa de Lucro =
Meios de Produção + Salários

lhe permite saber se “compensa” produzir cadeiras. De fato, como bom capitalista, ele não se contenta
simplesmente em ganhar dinheiro, ainda que seja muito. Ele precisa saber se o que ganhou com as
cadeiras é maior ou menor da quantia que receberia na forma de juros caso vendesse tudo e colocasse
o dinheiro no banco. O cálculo da taxa de lucro serve justamente para saber se valeu a pena, ou não,
investir na produção de cadeiras. O jeito é fazer as contas. Vamos analisar a fábrica antes de sua
modernização.

Antes da modernização:

- Emprega 100 operários.


- Cada operário recebe um salário diário de R$ 10,00
- A produção diária é de 400 cadeiras.
- Cada cadeira é vendida por R$ 10,00
15
Neste momento, o valor final das cadeiras produzidas em 8 horas de trabalho é de 4.000,00
Reais.

400 Cadeiras = 4.000,00 Reais

Desse total, 1.600,00 Reais correspondem aos gastos com os meios de produção transferidos às
cadeiras através do trabalho dos 100 operários que criaram um valor novo de 2.400,00 Reais e foram
remunerados através de um gasto com salários que somou 1.000,00 Reais. A diferença entre o valor
novo criado e o que foi pago é de 1.400,00 Reais. Trata-se da mais-valia a ser embolsada pelo patrão.

Valor Novo criado pelos 100 Operários R$ 2.400,00

Meios de Produção R$ 1.600,00 Salários R$ 1000,00 Mais-Valia R$ 1.400,00

Aplicando a fórmula que vimos antes, a taxa de lucro é dada pelo resultado desta conta 1.400,00
: 2.600,00 = 0,5385 = 53,85%. Ou seja, para cada Real aplicado na produção, o capitalista teve um
retorno de quase 54 centavos. Sabendo que ao aplicar o dinheiro no banco, hoje, daria em torno de
17%, o nosso patrão pode dizer satisfeito que se trata de uma “senhora” taxa de lucro. Agora se para
cada Real investido ele só ganhasse 16 centavos (ou seja, uma taxa de lucro de 16%)... isso seria
apresentado como um “prejuízo”, mesmo se tratando de um ganho de milhões de Reais. 5 Mas, por
enquanto, não é este o nosso caso. Porém, ao analisar a relação entre os gastos com os salários e a
mais-valia, o nosso capitalista percebe que cada Real pago aos funcionários gerou uma mais-valia de 1
Real e 40 centavos. Ou seja, a taxa de mais-valia, que mede a exploração do trabalho, ficou em 140%.
Como ele chegou a este número? Fácil:

Mais-Valia 1.400,00
Taxa de Mais Valia = = = 140%
Salário 1.000,00

Nas mesmas 8 horas, produzir mais e com menos gente é uma boa solução para baratear a
cadeira, facilitar a venda e melhorar a relação entre o salário e a mais-valia. O capitalista moderniza os
equipamentos e a nova situação da fábrica passa a ser:

5
Uma reportagem da Gazeta Mercantil de 27/04/1999, vai nos ajudar a entender melhor esta questão. Ao apresentar o balanço
de 1998, a BCP, empresa de telefonia celular, declarou ter tido um prejuízo de 131,9 milhões de Reais. A manchete dá a
impressão de que não só a BCP não ganhou nada, como teve que desembolsar uma pequena fortuna para manter seus
serviços. O corpo da matéria, porém, revelava que a receita da empresa havia alcançado 599,9 milhões de Reais, enquanto o
custo total de seus produtos e serviços havia ficado em 287,6 milhões de Reais, gerando um lucro bruto de 312,2 milhões de
Reais. Mas, então, por que a BCP anunciou que em 1998 ela sofreu um prejuízo? Simples. Naquele ano a taxa de juros
bancários chegou a atingir a marca dos 50%. Isso significa que se o valor do patrimônio da BCP tivesse sido aplicado no
banco, ela teria ganho, justamente, 131,9 milhões de Reais a mais. O balanço, portanto, só podia ser apresentado como
prejuízo, pois seu capital rendeu um valor inferior à taxa de lucro médio sinalizada pelos juros dos bancos.
16
Depois da modernização:

- Emprega 80 operários.
- Cada operário recebe um salário diário de R$ 10,00
- Por estar utilizando tecnologias mais avançadas, consegue
produzir 500 cadeiras por dia.
-
Este quadro pareceCada cadeira
trazer é vendida
só boas por Vamos
notícias. R$ 8,00fazer as contas. Nas mesmas 8 horas, o

valor das 500 cadeiras é de 4.000,00 Reais.

500 cadeiras = 4.000,00 Reais

Só que para produzir 100 cadeiras a mais foi necessária uma maior quantidade de matéria-prima
e, além dos custos com este item, aumentaram os gastos com as máquinas, pois o maquinário novo se
desvaloriza mais rapidamente. Ou seja, nesta nova fase, os meios de produção vão representar uma
fatia maior do valor total das cadeiras que, proporcionalmente, perfaz um total de 2.000,00 Reais.
Ao mesmo tempo, porém, você deve estar lembrado que é só o trabalho vivo dos operários que
cria o valor novo. Neste caso, temos 20 trabalhadores a menos e, de conseqüência, uma quantidade de
valor novo menor, de apenas 2.000,00 Reais. Por sua vez, o gasto com os salários cai para 800,00
Reais e a mais-valia atinge os 1.200,00 Reais.

Valor Novo criado pelos 80 Operários R$


2.000,00

Meios de Produção R$ 2.000,00 Salários R$ 800,00 Mais-Valia R$ 1.200,00

A boa notícia é que vai ficar mais fácil vender a cadeira e para cada 80 centavos pagos em
salários, a mais-valia foi de 1 Real e 20 centavos, ou seja, a taxa de mais-valia passou dos 140% da
fase anterior para os atuais 150%. Mas o patrão começa a dar sinais de preocupação, pois a taxa de
lucro em vez de aumentar... caiu. Acompanhe estas contas:

1.200,00
Taxa de lucro = = 1.200,00 : 2.800,00 = 0,4285 = 42,85%.
2.000,00 + 800,00

Ainda compensa produzir cadeiras? Sem dúvida. Mas, contrariando as expectativas, a taxa de
lucro não só não aumentou como “tende” a cair. É bom lembrar que este é o resultado da própria lógica
de funcionamento do sistema capitalista e não das leis de mercado. Ao ampliar a produção de valor e
mais-valia para aumentar a acumulação de capitais, a regra básica é de produzir mais, em menos tempo
e com um número menor de trabalhadores. Isso faz com que a parte do valor novo criado pelo trabalho
17
dos funcionários (que será dividida entre salários e mais-valia) represente uma fatia muito pequena em
relação ao valor final da mercadoria que vai incorporar uma porcentagem maior de gastos com os meios
de produção.
Se a esta realidade você acrescenta a concorrência dos outros capitalistas que produzem
cadeiras, não vai ser difícil entender que agora a briga vai esquentar. Pois, a queda da taxa de lucro vai
acirrar a disputa pelos compradores de cadeiras e acelerar os processos de modernização de todas as
empresas.
O resultado? Uma nova queda da taxa de lucro e um número ainda maior de mercadorias
disponíveis para a venda. Mas, se é verdade que a produção de todos os outros bens obedece à
mesma lógica, pouco a pouco, de tempos em tempos, o sistema capitalista vai apresentar sintomas que
se espalham para todos os setores da economia e preocupam os capitalistas: sobram mercadorias, o
valor e o preço caem, a taxa de lucro tende a cair... É a crise!!

6. Crise: os sintomas e a doença.

Parece incrível, ilógico e sem sentido, mas é a pura realidade. A crise não é de falta, e sim de
sobra. De tempos em tempos, o sistema conhece uma superprodução de mercadorias e de capitais. As
maternidades das fábricas (os estoques) estão abarrotadas de mercadorias grávidas de mais-valia e os
cofres das empresas cheios de dinheiro que não tem mais onde ser investido justamente porque agora
seria uma tolice ampliar a produção quando já tem produto acabado saindo pelo ladrão.
Como? Você acha que isso se deve ao fato de ter muita gente desempregada ou ganhando
pouco? Não, não esta a causa da crise; e nem ela ocorre porque todos já têm tudo como os meios de
comunicação procuram nos dar a entender quando dizem que “o mercado está saturado”. Temos esta
situação de excedentes justamente porque o mecanismo básico que move o sistema capitalista faz com
que a produção da riqueza seja o resultado de um trabalho coletivo, cooperador, de toda a sociedade,
ao mesmo tempo em que o capitalista se apropria de forma privada da maior parte desta riqueza que foi
produzida por todos.
Você deve estar lembrado que nas páginas anteriores demos os exemplos das fábricas de
sapatos e de cadeiras. Aí, nestas pequenas realidades, você pode constatar quanto acabamos de dizer.
Nelas há centenas de operários e operárias que com o seu trabalho vivo produzem um bolo de tamanho
gigantesco. Mas na hora de repartir esta riqueza que foi o fruto do seu suor, recebem uma fatia que mal
dá para se manter vivos e cuidar de suas famílias.
O permanecer da propriedade privada dos meios de produção, e das relações que ela constrói
ao seu redor, garantem que o que acontece na fábrica se repita em todos os setores da produção da
vida em sociedade e assegure ao capital parte das condições para a constante reprodução de sua
lógica de acumulação e exploração.
Para você entender melhor isso tudo, veja este exemplo tirado dos jornais. Você já ouviu falar do
Bill Gates? Sim, é ele mesmo, o dono da Microsoft, aquela dos programas para computador.
Considerado um dos homens mais ricos do mundo, no final de 1999, a sua fortuna era de 85 bilhões de
Dólares. Para você ter uma idéia do que isso significa, no mesmo ano, o trabalho de toda a população
18
de Portugal produziu uma quantidade de riqueza em bens e serviços (PIB) correspondentes a 84 bilhões
de Dólares. Ou seja, O Bill Gates sozinho acumulou uma fortuna maior da riqueza que um país inteiro
produziu ao longo de um ano. Na mesma reportagem da Gazeta Mercantil de 17/12/1999 que trazia
estes dados, o jornalista reconhecia que “é muito difícil dilapidar US$ 85 bilhões. (...) Se as ações
permanecerem inalteradas, ele (Bill Gates) poderia gastar US$ 4 milhões por dia pelo resto de sua vida
(supondo que ele chegue apenas aos 100 anos). Se perdessem 90% do seu valor, as ações que
pertencem a Gates ainda valeriam o suficiente para render-lhe US$ 14 milhões por mês pelos próximos
50 anos”. Detalhe: esta grana não está parada num cofre à espera das traças e sim é investida em
empresas que procuram fazer com que ela aumente ainda mais.
Diante deste quadro de crescente acumulação e investimento privado da riqueza produzida pelos
trabalhadores e trabalhadoras da nossa sociedade, não é difícil entender que a crise chegaria até
mesmo se o nosso governo procurasse implementar políticas de pleno emprego e de manutenção do
poder de compra dos salários. Historicamente, isso já aconteceu em países como a Alemanha. Não
podemos esquecer que, por exemplo, na crise econômica de 1974-75 o desemprego na Alemanha era
extremamente baixo (em torno de 1%), os salários eram elevados e os preços estavam caindo graças a
uma abundante oferta de produtos.
Em termos de taxa de lucro esta situação era uma verdadeira calamidade, pois além dos preços
em baixa, o salário elevado reduzia a mais-valia. A este processo que já estava em curso, se somou a
elevação dos preços do petróleo que aumentou os gastos com os meios de produção e diminuiu ainda
mais a já reduzida taxa de lucro. Neste caso, podemos dizer que a crise chegou justamente porque
quase todos os trabalhadores estavam empregados. Se quiser mais uma prova disso, no começo de
junho de 2000, as Bolsas de Valores dos Estados Unidos saudavam “eufóricas” o aumento do
desemprego naquele país como um fator que permitiria manter por mais tempo a taxa de lucro em níveis
satisfatórios.6
Em outras palavras, um elevado desemprego não é, por si só, a causa da crise. Ao arrochar de
forma brutal o salário dos trabalhadores ele permite um aumento desproporcional da mais-valia e,
portanto, da taxa de lucro e da acumulação capitalista que, ao aumentar a concentração da renda,
apenas acelera a corrida do sistema para a crise.
Se você acompanhou passo a passo o caminho que fomos percorrendo juntos, já deve ter
percebido que a crise revela toda a crueldade da produção capitalista enquanto produção de
mercadorias, ou seja, de algo que é produzido para ser vendido e proporcionar uma taxa de lucro
satisfatória. De fato, se a acumulação privada de capitais é o objetivo final da produção, o elemento que
a orienta não é um sentimento de solidariedade, de ajuda desinteressada, de atendimento às
necessidades da humanidade, e sim a possibilidade de obter a maior margem de lucro possível.
Quer ver? Então responda a esta pergunta: o que diz o dono da funerária ao saber que na
família dos vizinhos nasceu o primeiro filho? Força. Pense. Sim, já sei que está cansado, por isso vou
dar eu mesmo a resposta: “futuro freguês”. Não acredita? Então veja os dados desta matéria da Gazeta
Mercantil de 10/01/2000 que abre com a manchete “Funeral torna-se filão para as seguradoras”. A
jornalista escreve: “A oferta de seguro funeral está crescendo, e as opções tornando-se cada vez mais
sofisticadas. Além de escolher o caixão, o segurado pode optar pelo tipo de enterro, determinando o

6
Jornal Folha de São Paulo, 03/06/2000.
19
valor da cobertura - que pode incluir a compra do jazigo, ou até mesmo, no caso de planos diretos com
a funerária, a melhor coroa de flores, sons de violino durante a cerimônia ou até mesmo uma revoada de
pombos na hora do enterro. Uma estimativa do mercado de seguros mostra que cerca de 13 milhões de
brasileiros, cerca de 9% da população, possuem algum tipo de seguro ou plano de assistência funeral.
Apesar dos prêmios serem baratos (entre R$ 2 e R$ 10 mensais), o mercado potencial é ainda pouco
explorado”.
Quem diria, no capitalismo, até a morte... vira... negócio. Assustado? Não? Então veja mais esta
reportagem divulgada pelo mesmo jornal no dia 26/03/1999 que traz os comentários dos fabricantes de
armas aos bombardeios que os EUA estavam realizando em território iugoslavo durante a guerra do
Kosovo. O repórter da agência Reuters escreve: “O conflito na Iugoslávia dará às empresas de material
bélico dos Estados Unidos, em especial à Raytheon Co., a oportunidade de mostrar seus equipamentos
num palco globalizado. William Fiela, analista da firma Edward Jones, de Saint Louis, disse que «é bom
receber atenção internacional para o negócio, mas isso ainda não é suficiente para os resultados
financeiros. (...) Tudo depende realmente de quanto tempo o conflito vai durar. Será bom para os
resultados financeiros de curto prazo da Raytheon se a guerra se prolongar, dependendo pesadamente
dos mísseis cruise». A empresa admite que é cedo demais para saber que impacto o conflito terá sobre
as empresas”. Sim, é isso mesmo, num mundo em que tudo virou mercadoria, até a guerra se torna um
grande negócio. Ninguém se preocupa com a morte das pessoas, aliás, como se trata de uma parte da
maioria dos pobres... não é nem pra se preocupar... são muitos... se reproduzem com facilidade... e não
estão ameaçados de extinção.
Além disso, a crise evidencia uma outra contradição do sistema: a pobreza em meio à
abundância. Muita gente pensa que a fome senta à mesa de um número cada vez maior de famílias
justamente porque o aumento da população é bem superior à capacidade de produção de alimentos do
planeta. Errado! A fome persiste não porque é impossível produzir comida em quantidade suficiente
para todos, e sim porque esta produção obedece às leis do capital.
De acordo com as estimativas de um relatório do Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas
Alimentares dos EUA, se hoje fossem usados todos os recursos já existentes para elevar a
produtividade do solo e recuperar os terrenos inférteis, o planeta terra já teria condições de alimentar
uma população de 12 bilhões de pessoas (quase o dobro da atual) nos próximos 100 anos. 7
Por que isso não é feito? Porque no mundo capitalista, tanto a agricultura como a agropecuária,
são orientadas pela busca do lucro. Ainda que já existam condições materiais para atender a todas as
necessidades humanas, elas devem ser refreadas e até mesmo parte do produto terá que ser destruído
para garantir que os investimentos capitalistas gerem lucros satisfatórios.
Um exemplo vai ajudar você a entender melhor esta realidade. Todos os anos apodrecem ou são
destruídas toneladas de alimentos que fazem parte dos estoques do governo. Na safra os preços dos
produtos agrícolas despencam, pois a oferta é muito superior à procura. Pressionados pelas dívidas
com os bancos, os pequenos e médios produtores vendem logo toda a sua produção para os grandes
armazéns e atacadistas.
Após a formação desses estoques, porém, os preços continuam em níveis extremamente baixos
e ainda não proporcionam lucros satisfatórios. Para provocar sua elevação é necessário que na

7
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 22/09/1995.
20
economia intervenha um grande comprador que retire da circulação grandes quantidades destes
produtos: o governo. No processo de formação destes estoques, os preços voltam a subir num nível que
se coloca entre o mínimo da safra e o máximo da entressafra. Grandes atacadistas, cooperativas e
intermediários têm agora a possibilidade de realizar amplas margens de lucro. Para que isto se
concretize e perdure é fundamental que os estoques do governo não sejam vendidos, pois ao aumentar
a oferta provocariam uma nova queda dos preços.
A conseqüência dessa situação absurda do ponto de vista do atendimento das necessidades
humanas está no fato de que, para garantir os lucros dos capitalistas, o dinheiro público recolhido
através dos impostos é usado para a compra de alimentos que devem apodrecer nos armazéns do
governo e que só serão distribuídos caso o descontentamento e a fome ameacem levar a situações
incontroláveis de convulsão social.
Sim, eu sei como você deve estar se sentindo. Irritado, revoltado e doido pra achar uma saída.
Falando nisso, já pensou em como é que a burguesia sai da crise? Não? Então não feche este texto.
Apenas levante, dê uma espreguiçada e se prepare porque aí vêm elas...

7. As saídas da burguesia diante da crise.

Quando o problema é enfrentar o absurdo da pobreza em meio à abundância, para os


capitalistas o primeiro passo é simples: acabar com a abundância. No Brasil já vivenciamos inúmeras
situações deste tipo. A que marcou a história foi a chamada “crise do café” em 1929-30. O Brasil colhia
uma safra recorde, justamente num momento em que o capitalismo enfrentava uma crise mundial de
sérias proporções. O preço do café, principal produto de exportação, despencava no mercado
internacional. A saída adotada por Getúlio Vargas não foi distribuir o produto para os pobres e sim
mandar queimar mais de 14 milhões e meio de sacas (que haviam sido compradas e pagas aos
fazendeiros com o dinheiro dos impostos), arrancar parte dos pés de café já existentes e proibir o plantio
de outros. A questão central, como sempre, não era a necessidade do povo e sim a de recuperar o
preço do café para que este pudesse continuar garantindo altas taxas de lucro aos fazendeiros.
Mas você não ache que isso só aconteceu no passado ou que é coisa típica de país do 3º
mundo. Em 1973, por exemplo, na Comunidade Econômica Européia, diante de uma produção recorde
de maçãs, eram destruídas cerca de 250 mil toneladas deste produto. Em 1984, numa situação
parecida, a destruição superou as 500 mil toneladas. 8
Mas nem tudo pode ser destruído desta forma. Já pensou no que aconteceria se as montadoras
enterrassem carros para se desfazer das sobras? Sim, é isso mesmo, no dia seguinte estaria cheio de
pobres desenterrando os mesmos. Por isso, quando se trata de produtos industrializados, a abundância
é queimada reduzindo a produção e fechando um bom número de empresas. Quer ver? Ao falar da crise
que assolava a Coréia do Sul entre 1997-98, o jornal Gazeta Mercantil de 16/02/1998 comentava: “Já há
sinais de grande deterioração no ambiente empresarial. Em dezembro, 123 empresas, em média,
faliram diariamente - um aumento de 1000% em relação ao ano anterior”. Na época, a previsão era de

8
Dados publicados em Mandel E., (1990) pg. 117.
21
que, em 1998, fossem fechadas até 30 mil entre pequenas e médias empresas. Diante da sobra... a
ordem é queimar.
Agora, se as empresas fecham as portas ou têm parte de suas instalações desativadas, isso
significa que o desemprego vai aumentar e, de conseqüência, que os salários vão ser arrochados mais
uma vez. Parece contraditório, mas não é. Se você lembra da maneira pela qual se calcula a taxa de
lucro, o gasto com os salários é um dos elementos que dividem a mais-valia. Ou seja, quanto maiores
forem os ordenados dos trabalhadores, menor será a mais-valia e menor ainda vai ser a taxa de lucro.
Sim, você entendeu bem. Contratar mais gente ou aumentar os salários para desovar as sobras
são medidas suicidas do ponto de vista do capitalista, pois apressam a queda da taxa de lucro. Não é
por acaso que ao comentar a recuperação da economia mexicana depois da crise de 1995, o jornal
Gazeta Mercantil destacava: “Pilar da restauração mexicana foi um vigoroso arrocho salarial e um
elevado desemprego”.9 É isso mesmo. Não foi um arrocho qualquer. E sim um vigoroso arrocho. E
também não foi um pouco de desemprego a mais, e sim um elevado desemprego.
O jornal apresenta uma situação idêntica ao falar da crise da Indonésia (1997-98). Naquele país,
além de uma redução significativa do nível de emprego o governo congelou os salários mínimos de
forma a reduzir à metade a renda da população urbana da Indonésia. Você quer saber para quanto
foram os salários? É pra já. Os salários de cada uma das 27 províncias da Indonésia “variam entre
106.500 Rúpias (US$ 12,22) e 235.000 Rúpias (US$ 27,65) mensais”. O comentário de um diplomata
diante deste anúncio é ainda mais sugestivo: “De um ponto de vista puramente econômico, o
congelamento dos salários será visto como benéfico, porque os aumentos salariais superam os
aumentos da produtividade há alguns anos”. Isso apesar dele mesmo reconhecer que: “os salários
mínimos atuais não obedecem às exigências nutricionais mínimas do governo, de 2000 calorias diárias”
por pessoa. 10
Como é que a Indonésia vai resolver a situação de pobreza que se alastra pelo país? Simples:
matando os pobres de fome. Você acha que estou brincando? Seria bom se estivesse, mas uma matéria
do mesmo jornal, publicada em 03 de julho de 1998, informava que “95,8 milhões de pessoas, cerca de
48% da população Indonésia, estarão vivendo abaixo da linha da pobreza até o final deste ano”.
A crise não queima apenas fábricas, lavouras, lojas, bancos, mercadorias, etc., ela proporciona
uma verdadeira destruição de gente. Ao lado de tanta riqueza que está sendo destruída, existem
milhões de vidas humanas que, mergulhadas na miséria e no desespero, serão sacrificadas ao deus
capital.
Ao mesmo tempo em que isso ocorre, a crise deprecia o valor dos meios de produção cujos
preços tendem a se manter baixos por um período de tempo.
Bom, depois de todas estas mudanças está na hora de voltarmos a olhar como ficou a taxa de
lucro. Lembra dela? Mais-Valia dividida pela soma dos gastos com os meios de produção e os salários.
A queima dos estoques acabou com a baixa dos preços. O aumento do desemprego arrochou os
salários e aumentou a mais-valia na mesma proporção. Os gastos com os meios de produção caíram.
Logo: se o número que é pra ser dividido (o da mais-valia) cresce e o que vai dividi-lo cai (a soma dos
gastos com os salários e com os meios de produção), a taxa de lucro só pode ter aumentado. Festa!
Estamos saindo da crise. Vai começar uma nova fase de crescimento.
9
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 14/11/1997.
10
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 01/04/1998.
22
Mas, sem querer atrapalhar as comemorações... Posso? Que mal pergunte... Foi resolvida
aquela questão da tal da apropriação privada, capitalista, da riqueza produzida pelo conjunto dos
trabalhadores e trabalhadoras da sociedade? Não? Quer dizer, então, que é o mesmo mecanismo que
vai estar na base da nova fase de crescimento? Bom, então, deixa eu avisar logo você: estamos a
caminho da próxima crise!

8. A montanha russa da economia capitalista.

Se você me permite a comparação, o movimento da economia capitalista se parece muito com o


funcionamento de uma montanha russa. Na hora de subir, o carrinho vai devagar, dá pra curtir a
paisagem, até mesmo quem passa mal acha que, no fundo, não é tão ruim estar sentado nele. Mas, na
hora em que começa a descer... salve-se quem puder! É de uma vez. Dá um frio na barriga e quem não
está com o cinto de segurança bem amarrado vai voar pra fora do carrinho que, chegando lá em baixo a
toda velocidade, vai iniciar uma nova subida. Cheios de esperança de que o pior já passou, os
passageiros se confortam reciprocamente... até a próxima descida.
Da montanha russa, a economia capitalista assume este frenético subir e descer feito de sustos,
esperanças e... ilusões. Este movimento cíclico pode ser visualizado da seguinte forma:

Auge / Crise Auge / Crise

 
Crescimento 
Desaquecimento

 Crescimento

Recessão / Depressão 

Em grandes linhas, a fase de crescimento apresenta estas características:


 Pouco a pouco, todos os capitais disponíveis são investidos na produção, no comércio ou no setor de
serviços. Como a taxa de lucro está elevada, os capitalistas se apressam em aproveitar as
possibilidades de aumentar o seu capital.
 Os investimentos se multiplicam. Velhas empresas são modernizadas e novas são criadas. O
desemprego começa a cair e os salários dão sinais de melhora.
 A atividade econômica se expande. As empresas aumentam a produtividade acima de qualquer
patamar já alcançado em épocas anteriores. O fato da oferta ser, num primeiro momento, menor que
23
a procura, permite manter elevados os preços das mercadorias e dos serviços e garantir que a taxa
de lucro fique acima da taxa de juros paga pelos bancos aos que investem no mercado financeiro.

Mas, o que parecia sólido e duradouro, começa a apresentar os primeiros problemas. O sistema
vai se aproximando do seu nível máximo de crescimento chamado de auge ou crise:
 A oferta de mercadorias e serviços supera a procura. Os preços começam a cair.
 O emprego e os salários atingem o nível mais alto possível para aquele determinado país. A
diminuição da mais-valia associada ao aumento dos gastos com os meios de produção e com a folha
de pagamento corrói a taxa de lucro.
 Os índices da Bolsa de Valores mantêm-se em queda e seu comportamento aponta para uma maior
instabilidade da economia. 11
 A concorrência se acirra. A redução dos preços para tentar desovar os estoques faz a taxa de lucro
cair ainda mais. É a crise.

Quando o carrinho da montanha russa começa a descer, a economia entra em sua fase de
desaquecimento ou, se preferir, em recessão. Como já vimos nas páginas anteriores:
 Os excedentes são destruídos.
 Muitas empresas abrem falência. Outras reduzem drasticamente a sua produção.
 O desemprego e o arrocho salarial aumentam e, com eles, crescem a fome, a miséria, a violência e a
exclusão social que se encarregam de destruir um grande número de vidas humanas. A mais-valia
começa a recuperar fôlego.
 Até que o turbilhão da crise complete o ajuste entre a oferta e a procura, os preços das matérias-
primas e dos demais meios de produção se mantêm baixos.
Com a mais-valia em aumento e os gastos com salários e meios de produção em queda, a taxa
de lucro pode voltar a subir. Começa uma nova fase de crescimento... até a próxima crise.

Sim, eu sei que você já está cansado, mas a esta altura se fazem necessárias algumas
constatações. Para muitos dirigentes sindicais e partidários, a solução dos graves problemas sociais que
assolam o nosso país poderia acontecer se os capitalistas tivessem a boa vontade de reduzir os preços
de seus produtos e serviços, se houvesse uma melhor distribuição da renda nacional e os organismos
financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, estivessem realmente preocupados com as
necessidades dos mais pobres. Para isso, dizem, não é necessário mudar o sistema, é só fazer como se
faz no primeiro mundo: criar um amplo mercado interno e distribuir melhor a renda nacional.
Mais uma vez, as aparências enganam e o brilho do progresso oculta situações que estão se
tornando gritantes, mesmo no interior dos países mais desenvolvidos.
A idéia de vender mais barato para aumentar as vendas se revelou um desastre não só na
Europa, na América do Norte e na Ásia, como também no Brasil. Na euforia do Plano Real, não faltaram
padarias que vendiam pão pela metade do preço. Eram toneladas de farinha todos os dias ... milhares
de pães... resultado? Ao acertar as contas com a taxa de lucro tiveram que fechar as portas.

11
Em anexo, vou detalhar o funcionamento de uma bolsa de valores e falar da importância de entender o seu comportamento.
24
Mas você não ache que isso acontece só com os pequenos negócios. Em 1998, as companhias
aéreas baratearam, e muito, os preços de suas passagens. Os aviões saíam lotados. Havia listas de
espera para todos os vôos. Grandes expectativas em relação aos lucros, mas no final do ano chegou a
hora de analisar esta situação diante da fria lógica dos números. No caso da Rio-Sul, por exemplo, o
lucro líquido havia caído 83.6 % em relação ao total acumulado em 1997. Esta empresa aérea havia
lucrado 28 milhões e 800 mil Reais em 1997 com muito menos gente voando em suas aeronaves e com
as passagens sendo vendidas sem desconto. No ano seguinte, com os aviões a plena carga, o lucro
havia ficado em 4 milhões e 700 mil Reais. Repare que em 1998, a Rio-Sul teve um aumento no número
de passageiros da ordem de 54% e seu faturamento cresceu 25%. No mesmo período, porém, o custo
do vôo aumentou 38,3%. A combinação destes fatores é dada pelo próprio presidente da empresa,
Percy Rodrigues: “Quando você leva mais passageiros, aumentam os custos. Se não houver um
aumento correspondente da receita, a margem (de lucro) cai”.12 Em outras palavras, do ponto de vista
do capital, reduzir os preços para vender mais é burrice. Sobretudo quando os gastos com os meios de
produção e os salários aumentam ao mesmo tempo em que diminui a mais-valia realizada.
Em geral, qualquer patrão inteligente faz exatamente o contrário: moderniza a empresa para
baratear o valor de seus produtos e, ao fazer isso antes de seus concorrentes, consegue vendê-los bem
acima do seu valor, aumentando assim a taxa de lucro.
No que diz respeito à distribuição da renda, os dados da economia mundial mostram que há uma
crescente concentração de riquezas em poucas mãos mesmo quando a economia está em fase de
crescimento. Vamos aos números. De acordo com um relatório da ONU, a distância entre ricos e pobres
não pára de aumentar. Em 1966, os 20% mais pobres da população mundial participavam com 23% da
renda do planeta. Trinta anos depois, apesar do crescimento da produção e do comércio, esta fatia tinha
caído para 1,4%. Neste mesmo período, 1966-1996, os 20% mais ricos aumentavam sua participação
de 70% para 85% da renda mundial. 13
A situação não é diferente quando centramos nossa atenção na economia dos Estados Unidos
e, sobretudo, na fantástica fase de crescimento que percorreu, praticamente, toda a década de 90.
Somando os dados de um estudo do economista Arthur B. Kenickell do Federal Reserve (Banco Central
dos EUA) com os da revista Forbes sobre grandes fortunas, temos o seguinte resultado: em 1992, o 1%
dos mais ricos tinha em suas mãos 30,1% da riqueza dos Estados Unidos. Em 1998, esta mesma
parcela da população havia aumentado esta fatia para 35,6%. No mesmo período, a participação dos
90% mais pobres caía de 33% em 1992 para 30,5% em 1998. 14
Passando dos números para a realidade, estes dados apontam que nas subidas e descidas da
economia assistiremos sempre a uma maior concentração da riqueza nas mãos de pouca gente ao
mesmo tempo em que a exclusão social irá crescer nas mesmas proporções. Quer um exemplo? É pra
já.
A Itália é a 4ª maior economia da União Européia. Mas um relatório do EURISPES levanta o
tapete para mostrar a sujeira que se esconde debaixo dele. Em 1999, “a economia informal da Itália
gerou cerca de 530 trilhões de Liras (249,7 bilhões de Dólares), pouco abaixo de 30% do Produto
Interno Bruto oficial do país”. Sabe quem constituiu parte da força de trabalho desta economia informal?
12
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 20/04/1999.
13
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 17/07/1996.
14
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 14/06/2000.
25
Cerca de 300 mi crianças, 90% das quais é empregada em firmas que oferecem precárias condições de
segurança. 15 Como? Você achava que isso só acontecia no Brasil? Não, não se preocupe, não é um
privilégio nosso. Onde tem capitalismo, tem exploração e exclusão social.
Agora, vamos dar uma olhada a um organismo internacional que “ajuda” os países a saírem da
crise. Estamos falando do Fundo Monetário Internacional (FMI). A chegada de suas equipes de
economistas é chamada de “missão” e seus empréstimos ganham o título de “ajuda aos países
endividados”. Os termos usados levam a crer que, finalmente, alguém veio socorrer os pobres.
Errado! As políticas econômicas que o FMI impõe para receber os empréstimos têm três
elementos que estão sempre presentes: um arrocho salarial, um corte dos gastos públicos (educação,
saúde, moradia, etc.) e um controle rígido da moeda nacional. O resultado é invariavelmente o mesmo:
a recessão se aprofunda, se prolonga e a saída para uma nova fase e crescimento se torna mais difícil.
Mas, então, qual é o papel desta instituição? Simples: garantir as condições para que o país que recebe
seus empréstimos pague em dia o que deve aos investidores internacionais e tenha recursos suficientes
para que estes possam continuar a prosperar e a enviar ao primeiro mundo os lucros acumulados em
suas atividades no exterior. Na maior parte das vezes, o dinheiro dos empréstimos do FMI nem chega a
entrar na economia. Ele é logo repassado a esta corja de vampiros para saldar os compromissos
imediatos que o país tem com eles, aumentando assim as dívidas e a quantidade de juros e ser
remetida por parte de quem já foi vítima de suas presas.
Sim, é isso mesmo: a chegada do FMI piora a situação social da nação que recebe a sua ajuda.
Você acha que isso é sacanagem? Não, é a mesma lógica do capital funcionando agora a nível
internacional.

9. O carrinho da montanha russa tem freios?

Na tentativa de explicar de forma simples e resumida o caminho da economia capitalista rumo à


crise limpei o terreno de todos aqueles elementos que poderiam desviar a sua atenção e dificultar a
compreensão dos conceitos. Mas agora está na hora de darmos uma olhada aos freios que atrasam a
chegada do carrinho no topo da montanha russa. Ou seja, vamos estudar as forças que ao opor-se à
queda da taxa de lucro prolongam o período de crescimento, mas não conseguem impedir que o
sistema entre em crise.
Você lembra da fórmula que permite calcular a taxa de lucro? Sim? Só como lembrete, aí vai ela
mais uma vez: Taxa de lucro = Mais-Valia dividida pela soma dos gastos com os meios de produção e
com os salários. Para aumentá-la é necessário elevar a mais-valia e reduzir as demais despesas.
Olhando para a realidade, constatamos que os principais elementos que se contrapõem ao
caminhar da economia rumo à crise são:

 O prolongamento da jornada e a intensificação do ritmo de trabalho sem alterar a tecnologia já


empregada nas empresas. Ao aumentar a intensidade da exploração da força de trabalho, os

15
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 03/05/2000.
26
capitalistas conseguem aumentar o valor e a mais-valia produzidos pelos trabalhadores sem alterar a
relação entre os gastos com os meios de produção e o valor novo incorporado em cada mercadoria.
 O pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho e/ou um arrocho salarial
constante. Mesmo no primeiro mundo, o trabalho temporário tem sido um grande aliado dos patrões
na viabilização desta tarefa tão importante para o capital. Para temos uma idéia do que isso significa,
basta olhar o exemplo da United Parcel Service (UPS) que nos EUA é a maior empresa de entrega
direta de encomendas. Nela os temporários passaram de 42% do total da força de trabalho em 1986
para 60% do quadro de funcionários em 1996. Além de não terem acesso a benefícios e direitos
como férias remuneradas, aposentadoria e seguro saúde, os temporários ganham 9 Dólares por hora
para fazer o mesmo trabalho dos colegas efetivos que recebem 20 Dólares. É com base nesta
superexploração do trabalho que se explica o lucro líquido consolidado pela UPS em 1996: 1 bilhão e
150 milhões de Dólares.16
 O barateamento dos elementos que compõem os meios de produção através da produção em
série de robôs, computadores, máquinas ferramentas, galpões pré-moldados, matérias-primas em
geral etc. Por exemplo, entre 1982 e 1995 os preços dos robôs caíram de 30 a 40% em termos reais
reduzindo significativamente os custos de automatização das indústrias. 17 Ou, ainda, há uma
tendência das empresas reduzirem o número de componentes de seus produtos como forma de
encolher os gastos com as matérias-primas. O novo motor do carro Corolla, da Toyota dos EUA,
contém apenas 560 peças, quase 25% a menos do que as 741 do modelo anterior. Graças a este
recurso, o valor final deste automóvel foi reduzido em cerca de 1.000 Dólares. 18
 A terceirização da produção como forma de reduzir os gastos com os meios de produção e os
salários. Os projetos de “integração” de pequenos e médios produtores rurais às exigências das
agroindústrias são um bom exemplo disso. Na criação de aves, a agroindústria estabelece os
padrões de construção dos aviários, fornece os pintinhos, as vacinas, a ração, a assistência técnica
necessária e garante a recompra dos lotes de frangos prontos para o abate numa faixa de preços por
ela estabelecidos.
Ao produtor rural cabe arcar também com os custos de construção e manutenção tanto dos aviários
como dos equipamentos adicionais que se fazem necessários para proteger a saúde dos pintinhos, 19
com a depreciação do patrimônio, e com um trabalho intenso, de domingo a domingo, que envolverá
inclusive toda a sua família. Dessa forma, a agroindústria obtém várias vantagens:
 Reduz significativamente os investimentos em meios de produção já que transfere os custos da
criação dos frangos para o trabalhador integrado e limita-se a investir nas máquinas que irão
desmontá-los logo que estiverem prontos para o abate.
 Na crise, os primeiros capitais a serem destruídos são os dos pequenos produtores sem grandes
custos para a agroindústria que pode manter quase inalterado o seu patrimônio.
 A criação de frangos através de vários pequenos produtores integrados à empresa coloca-os
numa situação de desvantagem nas negociações relativas ao preço de compra das aves prontas

16
Os dados da UPS foram extraídos do texto de Carlos Santos “O que é bom para os EUA ...” publicado em Interação N.º 23,
dezembro de 1997, pg. 04.
17
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 21/06/1995.
18
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 31/10/1997.
19
É importante ressaltar que, por terem sido criados em laboratório, os pintinhos não têm resistências sequer em relação a
alterações climáticas - como frio, calor e chuva - que acabam atrasando o seu crescimento podendo até matá-los.
27
para o abate e submete-os a uma chantagem constante por parte da agroindústria. De fato, uma
vez realizados os investimentos necessários, o pequeno proprietário encontra-se freqüentemente
sem dinheiro e obrigado por contrato a vender a ela toda a sua produção.
 Feitas as contas, os preços pagos pela agroindústria cobrem menos de 50% do valor da força de
trabalho empregada pelo pequeno produtor e sua família. 20
 A fusão de grandes empresas que atuam no mesmo setor. Em vez de concorrerem entre si, duas
ou mais empresas somam seus patrimônios e reestruturam suas atividades. Aproveitando o que cada
uma delas tem de melhor, são fechadas as linhas de produção que não apresentam taxas de lucro
satisfatórias. Este processo tem sempre o mesmo resultado: redução do número de funcionários
empregados e de mercadorias produzidas, plena utilização dos equipamentos já existentes, aumento
da produtividade e da taxa de lucro. Dentro de alguns limites, podemos dizer que trata-se de uma
queima controlada de capital excedente que contribui para afastar, momentaneamente, o fantasma
da crise.

Mas isso não basta. Na luta para frear a queda da taxa de lucro, os capitalistas não abrem mão
de outros elementos tais como:

 A obsolescência programada. O nome é difícil, mas a realidade que ela representa pode ser
explicada sem grandes problemas. Olhe para a lâmpada que ilumina o quarto onde você está. Ela foi
feita para queimar após um determinado número de horas de uso obrigando você a comprar outra.
Sim, eu sei que já inventaram a lâmpada que não queima, mas por que deveriam produzi-la se,
depois de um certo tempo, seriam obrigados a fecharem a fábrica já que ninguém vai precisar
comprar outra para repor a que estragou? Você entende que isso só daria lucro no primeiro ano...
depois... não.
Às vezes, a obsolescência é dada pelas novas mercadorias que são criadas. A chegada dos
aparelhos de CD tornou obsoletas as “velhas” vitrolas que tocam discos de vinil. A vitrola ainda
funciona bem, mas como os novos lançamentos musicais são feitos só em CD... você é obrigado a
trocar de aparelho se quiser continuara ouvir o seu cantor preferido. Observe que a tecnologia
empregada na leitora de CD demanda também novos fornecedores de componentes eletrônicos e
uma rede de assistência técnica. Ou seja, a chegada da “nova” mercadoria, além de tornar obsoleta a
“velha”, cria novas possibilidades de investir os excedentes de capital.
 A criação de novas necessidades. Já percebeu que todo ano a moda muda? Sim? Sabe quem
decide o que está na moda? Claro, não é o consumidor e sim os empresários que ao fazer você se
sentir “fora de moda” te levam a comprar pelo menos algumas peças de roupa ainda que as que você
têm sirvam ainda muito bem para atender à necessidade de se vestir.
Às vezes, a necessidade pode não ser tão concreta quanto a compra de uma mercadoria que
garante status social. Em 1999, se espalhou o boato de que no dia 11 de agosto aconteceria o fim do
mundo. Muitas pessoas ficaram apavoradas. Na tentativa de saber como iria ser, apelaram para as
profecias do passado. Quem saiu ganhando? As editoras que entre janeiro e junho daquele ano

20
Estes dados foram resumidos do texto de Maria Cecília de Oliveira Iório “A integração agroindustrial: o sindicalismo ante uma
versão agrária da terceirização” publicado em: Martins Heloísa de Souza e Ramalho José Ricardo (Org.) Terceirização -
Diversidade e negociação no mundo do trabalho, Ed. Hucitec, São Paulo, 1994.
28
venderam mais de 100 mil exemplares dos livros de Nostradamus faturando 2 milhões e 600 mil
Reais.21 E o fim do mundo? Foi adiado para ninguém sabe quando. Melhor, talvez a próxima data
coincidirá com a necessidade das editoras se desfazerem de um eventual estoque encalhado de
livros esotéricos.
 A indústria do descartável. Você já reparou no que faz depois de ter tomado um cafezinho num
daqueles copinhos de plástico branco, descartável? É isso mesmo, você joga fora o copo. Mas,
algum tempo depois, ao querer tomar mais um café... você pega outro. Toda vez que você repete
estes gestos tem um capitalista rindo à toa, pois ele sabe que, mais cedo ou mais tarde, você voltará
a comprar de suas mercadorias.
 Fazer com que até as ações mais simples passem a gerar lucros privados. A nossa vida é muito
sedentária. Também, pudera, tem controle remoto para acionar a TV e o aparelho de CD, para limpar
o chão tem o Vaporetto, para lavar roupas a Brastemp, e tiramos o carro da garagem até mesmo
para comprar pão na padaria, pois dá sempre uma sensação de superioridade o fato de deixar os
vizinhos com inveja. Com o tempo deixamos de andar, de caminhar, de nos exercitar. O resultado? A
barriga... aqueles pneus aqui e aí... enfim, as banhas começam a estragar as curvas do corpo. A
solução seria simples: voltar a caminhar. Mas o capitalista tem uma idéia melhor: venha para a
academia de ginástica! Ou... compre uma esteira! É isso mesmo, continuamos fazendo o que
fazíamos... só que agora acionamos o controle remoto da TV enquanto andamos na esteira, ou
curtimos a preguiça no sofá sabendo que amanhã é dia de malhação. Reparou na façanha? O
capitalista transformou o simples ato de caminhar, que você pode fazer de graça, em academia,
esteira, etc., onde você vai pagar para gastar suas energias. Temos assim novas fontes de lucro e de
investimento daqueles capitais que poderiam ficar desempregados.
 A progressiva substituição de serviços públicos ou individuais por empresas prestadoras de
serviços ou por mercadorias. A realidade do dia a dia oferece muitos exemplos de como a saúde
pública é substituída por convênios médicos particulares, os consertos da casa, antes realizados por
trabalhadores autônomos, tendem a ser feitos por empresa que atuam nesta área, a lavadeira... cede
o lugar para a máquina de lavar, etc. Por este caminho, serviços que antes não geravam lucros ou
garantiam apenas as condições de sobrevivência de um certo número de pessoas que trabalhavam
por conta própria, passam agora a ser fonte de lucro e de acumulação de capitais.
 A abertura de relações comerciais com outros países aos quais torna-se possível vender os
excedentes de mercadorias produzidas.
 A diversificação dos investimentos. Investir todos os recursos num mesmo negócio pode não ser
uma boa opção. Se algo der errado, o capitalista corre o risco de ter que amargar com perdas muito
pesadas. O jeito, então, é investir em atividades diferentes para que, na média, seja possível manter
em níveis satisfatórios o retorno dos próprios investimentos. A chegada da crise vai atingir a taxa de
lucro, mas os prejuízos poderão ser menores na medida em que as perdas sofridas num setor serão
compensadas com os ganhos em outro.
 A manutenção de determinados níveis de preços através da formação de Cartéis. Temos um
Cartel quando um grupo de produtores que dominam fatias significativas do mercado acertam entre si
a quantidade, o preço e a qualidade de um determinado produto. É o caso, por exemplo, da OPEP

21
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 11/08/1999.
29
que reúne vários países exportadores de petróleo e, através de acordos internacionais, procura
controlar a produção desta matéria-prima e, de conseqüência, o seu preço no mercado internacional.

Todas estas artimanhas são importantes. Dão resultado. Ajudam a frear a queda da taxa de
lucro, mas, por si só, têm um efeito muito pequeno e limitado. Para que os freios sejam mais eficientes,
é imprescindível que o Estado intervenha na economia e garanta as condições necessárias à
acumulação de capitais. É o que vamos analisar a seguir.

10. A intervenção do Estado na economia.

Você já deve ter ouvido muita gente dizer que o Estado serve para promover o bem comum. Se
isso é verdade, por que são sempre os patrões a serem beneficiados enquanto os trabalhadores são
chamados só na hora de repartir os prejuízos? É isso mesmo, a aparente neutralidade do Estado
esconde que ele não passa de um conjunto de meios cujo funcionamento garante a dominação de uma
minoria de patrões sobre o conjunto da sociedade. Ao abrir o jornal, você vai perceber de que forma a
intervenção diária do Estado vai dar uma mãozinha aos empresários. Eu só vou levantar alguns dados
que ajudam a visualizar como isso acontece. Vamos conhecer os principais:

 Isenção de impostos, concessão de empréstimos de pai pra filho e de incentivos para a


implantação de novas empresas. Dessa forma, a iniciativa privada obtém uma redução
considerável dos gastos com os meios de produção. Talvez um dos casos mais gritantes da
atualidade é o Termo de Compromisso assinado entre o governo do Rio Grande do Sul e a General
Motors no primeiro trimestre de 1997. Entre as obrigações assumidas pelo governo riograndense,
destacamos:
 O empréstimo de 253 milhões de Reais para gastos de instalação que a GM devolverá a partir do
ano de 2002 com taxa de juros de 6% ao ano sem correção monetária.
 Um empréstimo de 265 milhões de Reais aos fornecedores de autopeças que se instalarão no
complexo automotivo.
 Durante os 15 primeiros anos de operação da montadora, o governo do RS proverá o
financiamento mensal do capital de giro da GM fixado em 9% do faturamento bruto da empresa
(cerca de 90 milhões de Reais/ano). Isto significa que, no final do período, a montadora terá
sacado diretamente do caixa do tesouro, ou abatido do pagamento do ICMS, uma quantia que se
aproxima de 1 bilhão e 350 milhões de Reais. A GM começará a devolver este empréstimo 10
anos após o início do seu funcionamento e terá mais 12 anos para completar seu pagamento sem
juros e sem correção monetária.
 Entre 2014 e 2022 o governo do RS compromete-se a restituir à GM, em Reais, o equivalente em
dólares à totalidade do investimento realizado em ativo fixo, perfazendo um total de 448 milhões
de Reais.
 Será financiado todo ICMS pago pela General Motors para a aquisição de máquinas e
equipamentos importados, mesmo com similar nacional.
30
 O governo do Estado compensará qualquer gasto que a montadora vier a ter em função de algum
tipo de alteração na legislação tributária estadual ou federal.
A instalação de toda a infra-estrutura necessária para o funcionamento da empresa, além da
construção e/ou modernização em área próxima ao porto de Rio Grande de um terminal de cargas
privativo da General Motors ficará, obviamente, por conta do governo do Estado. 22
Depois disso tudo, com certeza, não vamos ficar surpresos se a GM resolver pressionar o governo
para rolar ou até mesmo perdoar as suas dívidas. Quem já perdoou os empresários de outros
setores... pode fazer o mesmo com uma montadora.
 Concessão de subsídios para as mercadorias que se destinam à exportação. Sabendo que
parte da produção das empresas sediadas no Brasil não consegue vencer a concorrência com as
mercadorias de outros países, o Estado concede subsídios que permitem aos patrões reporem a
diferença entre o preço pelo qual vendem seus produtos no exterior e o que eles adotam no mercado
interno. Vamos a um exemplo. Suponha que uma mercadoria que no Brasil é vendida por 100 não
consegue competir no exterior com outras similares que são comercializadas por 80. Em muitos
casos, o empresário faz um acordo com o governo pelo qual ele vende seu produto por 75 e o Estado
repõe de alguma forma a diferença entre o preço cobrado aqui e aquele pelo qual a mercadoria é
vendida no mercado externo.
 A criação de barreiras alfandegárias. Para proteger a produção nacional da concorrência de
empresas estrangeiras, uma das medidas mais comuns é a cobrança de altos impostos sobre os
produtos importados. Dessa forma, a mercadoria trazida do exterior fica mais cara do que a similar
nacional dificultando sua comercialização.
 Concessão de linhas de crédito e financiamento para compra de bens duráveis. Com os salários
constantemente arrochados, a compra da casa própria, de um carro, ou até mesmo de uma geladeira
se tornaria difícil para não dizer impossível. Para amenizar esta ameaça, o governo estabelece linhas
de financiamento, regula os consórcios e outros sistemas de crédito ao consumidor.
 Salvar os capitalistas da falência ora assumindo os prejuízos de suas empresas, ora
concedendo empréstimos a fundo perdido. Entre as situações mais escandalosas, na segunda
metade da década de 90, assistimos à recuperação de diversos bancos através do PROER
(Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro) que deixou um
buraco nas contas públicas de quase 22 bilhões de Reais. Com este dinheiro, o Estado arcou com a
parte “podre” dos bancos Econômico, Nacional, Bamerindus, Mercantil de PE, Banorte, United e
Martinelli que, em seguida, tiveram sua parte boa comprada por outras grandes instituições
financeiras.
 A privatização das Estatais a preço de banana. A venda das empresas estatais serve para matar
vários coelhos com uma cajadada só. De um lado, os empresários encontram um terreno favorável
para investir seus excedentes de capital e, de outro, fazem um grande negócio ao comprar empresas
rentáveis usando títulos da dívida externa. Estes títulos são uma espécie de nota promissória que o
governo assinou em troca de um empréstimo em dinheiro junto ao sistema financeiro internacional.
Como os banqueiros já receberam juros que somam um valor muito maior daquele que estes títulos
trazem impresso (valor de face) e desconfiam que o Brasil não vai pagar o que deve, tentam vender

22
Dados publicados em Zero Horas, 18/04/1997.
31
estas promissórias com descontos que chegaram a superar a marca dos 50%. Sabendo disso, os
capitalistas compram os títulos da dívida no exterior pagando menos do que valem e, ao chegar no
Brasil, trocam este monte de papel por uma empresa que sabem vai dar lucro. Detalhe: na hora de
fazer a troca, o valor pago em Reais corresponde ao que os títulos trazem impresso em dólares, Ou
seja, os patrões compraram as promissórias pela metade do preço, mas o governo resgata as
mesmas pelo seu valor de face valorizando, e muito, o próprio dinheiro gasto pelos capitalistas.
Mas isso não é tudo. Por ocasião da venda da Usiminas, Celma, Cosinor, Álcalis o procurador Álvaro
Costa apontou várias irregularidades. Segundo ele o patrimônio dessas empresas havia sido avaliado
em 5 bilhões de Dólares e as mesmas foram privatizadas por apenas 1 bilhão e 583 milhões de
Dólares, sendo que 99,95% desse total teriam sido pagos com os papéis da dívida externa.
Depois de privatizadas nestas condições, os novos proprietários pleitearam, e obtiveram, do BNDES
financiamentos para sua modernização. É o caso, por exemplo, da Acesita que recebeu do próprio
BNDES 71 milhões e 800 mil Dólares, a juros subsidiados, para serem usados no seu programa de
reestruturação da empresa estimado em 145 milhões de Dólares. 23 Num passe de mágica, o dinheiro
a ser destinado para novos investimentos, que não existia quando a empresa era estatal, aparece
depois da sua privatização.
 Fazer com que se realizem no mercado financeiro os lucros que não são obtidos através da
produção e venda de mercadorias e serviços. Sim, você entendeu bem. Aos capitalistas não basta
explorar os trabalhadores no interior das empresas, eles querem meios para fazer engordar aquele
dinheiro que está nos bancos à espera de novos investimentos. No 1º trimestre de 1998, a
Companhia Siderúrgica Nacional registrou um lucro líquido de 132 milhões e 300 mil Reais. Desse
Total, 88 milhões e 700 mil Reais correspondem a receitas obtidas através da especulação financeira,
enquanto os restantes 43 milhões e 600 mil Reais vêm da produção e venda do aço. 24 Em outras
palavras, pouco menos de um terço dos lucros da CSN saíram do trabalho não pago dos seus
funcionários e os dois terços restantes do bolso dos contribuintes. De fato, as operações mais
rentáveis são aquelas que envolvem a compra/venda de títulos da dívida pública, cujos juros
consomem quase a metade do orçamento da União.
 A terceirização de alguns serviços prestados pelo Estado. Até pouco tempo atrás, por exemplo, a
cozinha da FEBEM (assistência ao menor do Estado de São Paulo) era gerida pelo Estado. Agora a
tarefa de preparar as refeições para os menores foi entregue à iniciativa privada. Ou seja, o trabalho
de preparar a comida que antes não gerava lucros para o setor privado, agora passou a ser realizado
por uma empresa prestadora de serviços que tem nele mais um caminho para aumentar a sua
acumulação ou para investir capitais que buscavam novas possibilidades de investimento.
 O desenvolvimento de pesquisas que interessam à iniciativa privada. Por exemplo, para a Metal
Leve, o custo para equipar um setor de avaliação de ruídos de motores girava em torno de 1 milhão
de Dólares. A empresa assinou um convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina que
levou à criação de novas técnicas que possibilitam a medição de ruídos nas próprias instalações da
universidade onde são realizados outros testes de motores. Para o uso de equipamentos e técnicos

23
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 25/07/1995.
24
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 12/05/1998.
32
da Universidade, pagos com dinheiro público, a Metal Leve desembolsou apenas o equivalente a 500
Dólares por mês.25
 A garantia de preços mínimos para a produção agrícola. Por si só, a agricultura é uma atividade
onde os riscos são bem maiores. Na indústria são produzidas e vendidas diariamente milhares de
mercadorias que garantem um retorno bem mais rápido do capital investido. Ao contrário, na
agricultura planta-se hoje... mas não se sabe o que será possível colher amanhã. Para garantir lucros
compensatórios aos agricultores, o Estado concede a eles um subsídio especial: paga para que seja
reduzida a área plantada e, de conseqüência, para que seja evitada a superprodução de alimentos
que faria seus preços despencarem. É isso mesmo: o Estado paga para os fazendeiros não
produzirem. Em 1999, as nações ricas concederam aos produtores rurais cerca de 361 bilhões e 500
milhões de Dólares simplesmente para que estes deixassem de plantar. Na União Européia, a
parcela de subsídios sobre a receita total do produtor agrícola, que era de 45% em 1998, subiu para
49% no ano seguinte. 26 Ou seja, quase metade do que um fazendeiro ganha vem do Estado e não do
cultivo da terra. Ou, se preferir, pense nesta relação: o governo cobra dos cidadãos um valor na
forma de impostos que serão usados para tornar mais cara a comida que eles irão comprar no
supermercado. Loucura? Não. É a lógica do capital funcionando a todo vapor.
 A construção de obras públicas de grande porte para garantir a infra-estrutura básica à
produção e ao escoamento das mercadorias.
 A manutenção de atividades assistenciais para conter o descontentamento da população. É o
caso, por exemplo, das cestas básicas, do salário desemprego, da distribuição gratuita de alguns
remédios e das atividades que servem de válvulas de escape da revolta que a exploração produz e
alimenta no interior da sociedade.
 A progressiva submissão do movimento sindical e dos partidos de esquerda à ordem imposta
pelas necessidades da classe dominante. Por exemplo, trata-se de fazer com que os movimentos
sociais sejam levados a aceitarem como naturais e inevitáveis as conseqüências da introdução de um
determinado patamar de desenvolvimento tecnológico, o arrocho salarial, a reforma da previdência e
os outros ”apertos” pelos quais irão passar os trabalhadores e as trabalhadoras da sociedade.
Obviamente, quando o poder de convencimento não dá os resultados esperados, a repressão estará
sempre pronta para restabelecer a ordem e garantir o aprofundamento da exploração.

O que acha? Vai faltar dinheiro para a saúde e a educação? Os demais serviços do Estado irão
de mal a pior por falta de verbas? Depois deste quadro não é difícil responder a estas perguntas.
A forma pela qual o Estado capitalista vai intervir na economia assumirá feições diferentes a
depender do momento histórico, da conjuntura internacional, das brigas e das alianças que vão se
desenvolver no interior da própria classe dominante, do desenrolar das lutas entre patrões e
trabalhadores. Mas, enquanto o capitalismo continuar orientando a produção da vida em sociedade, o
Estado terá como um de seus principais objetivos o de manter estáveis as condições que garantem a
exploração e a acumulação privada da riqueza coletivamente produzida.

25
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 19/06/1995.
26
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 28/06/2000.
33
11. Quem diz onde o Estado tem que gastar o dinheiro dos impostos?

Não sei se você já percebeu, mas toda vez que o Estado investe num determinado projeto, ele
está repassando à iniciativa privada parte do dinheiro público arrecadado através dos impostos. A
duplicação de uma rodovia, por exemplo, é financiada pelo governo, mas quem vai pôr as mãos na
massa são as grandes empreiteiras. Isso significa que cada decisão no interior do Estado irá beneficiar
este ou aquele setor da classe dominante que, por sua vez, fará de tudo para controlar, influenciar e até
mesmo dirigir as decisões do governo.
Em outubro de 1995, um ano após as eleições para a presidência da república, senado,
governadores, deputados estaduais e federais, o jornal Folha de São Paulo fez algumas revelações que
ilustram quanto acabamos de afirmar. No caderno especial Eleições S/A afirmava-se, por exemplo, que
“a deputada Roseana Sarney (PFL-MA) apresentou uma emenda prevendo R$ 5 milhões para a BR
316, no Maranhão. A obra é tocada pela Oderbrecht, que deu R$ 300 mil para a campanha de Roseana
ao governo do Estado no ano passado”. Na página 4 do mesmo caderno, o jornal revelava que o
principal beneficiado pelos recursos oriundos das empresas privadas do setor de telecomunicações foi o
presidente Fernando Henrique Cardoso que recebeu delas um milhão e 100 mil Reais. “O programa de
FHC previa a quebra do monopólio estatal das telecomunicações. Essa foi uma das primeiras propostas
de emenda constitucional enviadas por FHC ao Congresso”. Em outras palavras, os grandes grupos que
controlam a economia de um país, dirigem também a política e o funcionamento de suas instituições.
Por isso, tanto o presidente da república, como os deputados e os senadores não passam de
funcionários eleitos para administrar e fortalecer os interesses das elites. 27
Como? Você está achando que isso é coisa de país como o nosso, onde a corrupção já é de
casa? Não, isso acontece em qualquer país do mundo. Na maior parte das vezes, nós só ficamos
sabendo quando estouram grandes escândalos, na hora em que as jovens ratazanas acusam as velhas
de quererem comer queijo demais.
Mas em outras ocasiões os noticiários nos dizem abertamente que este trabalho de corpo a
corpo com os futuros governantes começa bem antes de sua própria eleição. Em maio de 2000, quando
estava sendo preparada a Convenção do Partido Republicano dos Estados Unidos, muitas empresas
ofereceram “gratuitamente” dinheiro ou serviços às comissões de delegados que dela participavam. A
Bell Atlantic, empresa de telecomunicações, “doou” 3 milhões de Dólares; a AT&T, do mesmo setor,
acrescentou mais um milhão de Dólares na forma de serviços; a Microsoft presenteou os republicanos
com 100 mil Dólares em dinheiro e 400 mil Dólares em serviços ligados à montagem da infra-estrutura
de software; A Philip Moris se fez presente com 250 mil Dólares e a mesma quantia foi doada pela
Daimler Chrysler.28
E a lista das empresas não pára por aqui. Todas dirão que a razão de tanta generosidade deve
ser encontrada na afinidade entre suas idéias e os ideais do partido, no fato delas acreditarem na
democracia e outras justificativas desse tipo. Na mesma matéria, Jeff Cronin, porta-voz do Common
Cause (instituto que supervisiona o financiamento às campanhas partidárias) diz: “Esse tipo de dinheiro
grosso visa comprar acesso e bajular os candidatos federais. (...) Temos o mesmo tipo de problema com
esse dinheiro que o que temos com as contribuições ilegais de «caixa 2»” . Pois ele escapa às
27
Dados publicados na Folha de São Paulo de 08/10/1995.
28
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 02/05/2000.
34
regulamentações de financiamento de campanha criadas para defender as instituições contra “a
influência corruptora do dinheiro das grandes corporações sobre a política”.
De conversa em conversa, de apoio em apoio, de cheque em cheque, cada setor das classes
dominante busca garantir a sua presença na administração do Estado. É um assessor aqui, um técnico
aí, um secretário naquele ministério, e assim por diante. Pouco a pouco, forma-se uma verdadeira rede
de contatos que se instalam nos primeiros escalões e passam a controlar as decisões sobre os recursos
públicos disponíveis. Por isso, toda decisão é demorada, demanda negociações exaustivas, trocas de
favores, jeitinhos, avaliações constantes do poder de barganha de cada grupo e assim por diante. E não
é pra menos: é justamente esta camada que integra o Núcleo Estratégico da Burocracia do Estado a
decidir onde será gasto cada centavo do orçamento da União, que setores serão mais ou menos
beneficiados por um determinado tipo de obra cujo objetivo principal não é resolver um problema social
e sim realizar uma determinada distribuição de recursos públicos para a iniciativa privada.
Você acha que estou exagerando? Então vamos a mais um exemplo tão claro quanto os
anteriores. Em 1998, a seca castigou novamente a região nordeste. O governo federal gastou em torno
de 2 bilhões de Reais em cestas básicas e frentes de trabalho. Detalhe: “Esse dinheiro teria sido
suficiente para perfurar 13.333 poços bem profundos (para evitar as águas salobras, em geral
superficiais). De 13.333 poços de 300 metros sairia água suficiente para nunca mais o nordeste inteiro
chorar a seca”29. Só pra eu perguntar... quanto é que vai custar o desvio do rio São Francisco cujos
resultados no combate à seca são questionáveis? Na verdade, ao fato do nordeste ser tratado como um
grande reservatório de força de trabalho (sempre pronto a mandar gente para o sul do país com a
finalidade de aumentar o desemprego e arrochar os salários das regiões industriais) deve-se
acrescentar que o perdurar da seca vai drenar rios de dinheiro aos cofres das muitas empresas que irão
realizar “certas” obras para combatê-la.
Sabendo que nenhum integrante do Núcleo Estratégico da Burocracia do Estado é contratado
através de concurso público, é fácil entender que a sua característica principal não é a dedicação ao
“serviço do povo”, e sim uma total integração e fidelidade à estrutura de dominação que o trouxe para o
cargo. Delas vão depender, inclusive, o salário, a possibilidade de carreira e a própria estabilidade no
emprego.
E, por falar em salários... você sabe quanto o governo gasta com este setor da burocracia? Não?
Bom, aqui estão os números. Em 1995, os vencimentos dos cerca de 60 mil detentores de cargos de
confiança (que representam apenas 10,3% dos servidores públicos federais) consumiam 52% da folha
de pagamento da União; os demais 520 mil funcionários públicos dividiam entre si os restantes 48%. 30 É
isso mesmo, para cada 100,00 Reais que o governo gastava em salários, 52,00 eram destinados a
pagar esta minoria privilegiada e 48,00 Reais iam para a grande maioria. Sim, é ela mesma... a ralé
incômoda do funcionalismo... aquela que é concursada... que faz greve porque já faz tempo que tem
seus salários arrochados enquanto as camadas “estratégicas” da burocracia do Estado recebem
reajustes regulares, concedidos através de decretos... para... para... garantir sua fidelidade ao capital.
O que disse? Você acha que esta situação vai ser resolvida com a Reforma Administrativa?
Esqueça isso. A quebra da estabilidade do funcionalismo público veio justamente porque era impossível
ao governo garantir a fidelidade desta massa de gente (parte da qual fiscaliza as ações do próprio
29
Dados publicados na Gazeta Mercantil de 25/05/1998.
30
Dados publicados na Folha de São Paulo de 18/10/1995.
35
Estado) às exigências das classes dominantes. De mais a mais, ao poderem ser demitidos, abrem-se
possibilidades para que o governo de plantão reduza ainda mais a já minguada fatia do orçamento
destinada ao pagamento dos seus salários. Feito isso, é só usar o valor poupado... para pagar os juros
da dívida... para conceder mais recursos aos empresários e, porque não... para aumentar o holerite dos
que estão no Núcleo Estratégico da Burocracia do Estado.
Deprimente? Não. É apenas o Estado capitalista despido de sua pele de cordeiro justamente
para mostrar o lobo que atrás dela se esconde.

12. E os trabalhadores?

Você já deve ter percebido que para os trabalhadores e as trabalhadoras da nossa sociedade as
coisas já não estão boas quando a economia está crescendo, pioram muito durante a recessão e apesar
do alívio trazido pelas esperanças de uma nova fase de crescimento, a realidade mostra que a todo
instante nos aguarda uma maior concentração de riqueza nas mãos de pouca gente.
Romper esta ordem de exploração e miséria, só depende da nossa luta, de um embate sem
tréguas que seja capaz de destruir suas engrenagens e as relações de propriedade que possibilitam o
seu funcionamento. Não é uma tarefa fácil, vai exigir muito sacrifício, desprendimento e garra, mas se as
coisas continuarem do jeito que estão, a situação vai ficar cada vez pior e a simples sobrevivência vai se
tornar um desafio sobre-humano.
O funcionamento cíclico da economia capitalista parece transformar toda vontade de mudança
em simples resignação diante de uma realidade que não oferece alternativas. Ser “moderno“, tornou-se
sinônimo de baixar a cabeça, de perder a própria dignidade, de abrir mão da vontade de construir um
futuro sem explorados e sem exploradores. Aceitar como inevitáveis os acontecimentos do dia a dia é
preparar o pescoço para que a canga da exploração se ajuste de forma conveniente e produza os
melhores resultados para as elites.
Como? Você pergunta se é possível reagir apesar de contar com poucos recursos? Mesmo
sabendo que a Rede Globo e os outros meios de comunicação estarão contra nós? Que a tropa de
choque e a polícia já estão lustrando o cassetete democrático justamente para acertar as cabeças que
ousam se levantar e ameaçam recusar a canga? As lutas que estão se desenrolando em nosso
continente confirmam que é possível dar um basta aos sofrimentos aos quais estamos sendo
submetidos. Conhecê-las, compreender suas especificidades, a forma pela qual outros povos levam
adiante seus enfrentamentos vai nos ajudar a refletir melhor sobre o nosso quotidiano, a abrir caminhos,
a perceber novas possibilidades.
Ao mesmo tempo em que o sistema se declara indestrutível, a crise mostra seus pés de barro e
suas fragilidades. Se é verdade que na fase de crescimento temos melhores condições para
reivindicarmos aumentos de salários e conquistarmos maiores benefícios, é na chegada da crise que as
contradições do sistema se manifestam com toda a sua força. A pobreza em meio a uma abundância
que será destruída só para elevar a taxa de lucro é um elemento que gera revolta, planta dúvidas nas
cabeças das pessoas e, por incrível que pareça, abre um momento muito fecundo de compreensão dos
36
mecanismos que movimentam as engrenagens da produção e da orientação que dirige o seu
funcionamento.
Longe de ser o pior momento para a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras da nossa
sociedade, a crise é exatamente a fase na qual a ruptura dos mecanismos de exploração se torna
possível. Não só porque ela acaba com todas as ilusões alimentada no meio do povo pelo crescimento
econômico anterior, mas também porque ela marca o momento no qual aumentam as brigas entre os
setores que compõem a classe dominante, em que estes acirram suas lutas internas na tentativa de não
ver o seu capital sacrificado pela crise e de jogar o dos outros na fogueira. O uso da repressão expressa
justamente esta fragilidade da elite que já não consegue se entender em seu interior e nem convencer o
povo de que só o capitalismo pode criar o melhor dos mundos possíveis.
Talvez, um dos primeiros passos é resgatar junto aos trabalhadores e às trabalhadoras a
necessidade de começarem a fazer política. Ao longo destas últimas décadas, o termo política tem sido
sinônimo de corrupção, de envolvimento dos nossos governantes com o narcotráfico e com as mais
diferentes máfias que se organizam ao redor das atividades do Estado. A participação das pessoas tem
sido limitada ao momento eleitoral, à escolha deste ou daquele candidato que, longe de se comprometer
com a organização e a ação direta dos movimentos, procura transformar as lideranças em cabos
eleitorais e as relações com as organizações da sociedade civil numa correia de transmissão através da
qual busca garantir a sua reeleição. O permanente envolvimento da população na discussão das
questões econômicas e políticas do país, e das respostas a serem dadas ao avanço da lógica do
capital, tem sido substituído pelos efeitos especiais criados por meios de comunicação cujo poder de
imagem, criação e destruição se encarrega de apagar a história, de chantagear e aniquilar quem não
reza a cartilha preparada pelas classes dominantes.
Limitada a pôr um número numa cédula ou na urna eletrônica, a população começa a manifestar
uma crescente rejeição até mesmo em relação aos momentos eleitorais que se renovam a cada dois
anos. Educado no paternalismo, órfão dos próprios partidos de esquerda cuja linguagem e ação se
confunde cada vez mais com a direita, bombardeado por candidatos que disputam o seu voto na urna
mas que não querem representá-lo, e muito menos organizá-lo, o povo simples foge da política como o
diabo foge da cruz. “Este ano não vou dar meu voto para sem vergonha nenhum” é uma das frases mais
corriqueiras que soa como ameaça à necessidade que a ordem dominante tem de ser legitimada pela
sociedade.
Mas, ao abandonar a política (entendida em seu sentido mais amplo e não apenas como
participação eleitoral), ao não se envolver nos movimentos, ao desistir de escrever a história, os
trabalhadores e as trabalhadoras abrem espaços para que outros a escrevam em seu nome e o façam
de acordo com interesses que não compartilham. Por isso, estimular a rebeldia, organizá-la, levá-la a
questionar de forma ativa e contundente o que se esconde por trás dos projetos das classes
dominantes, estimulá-la a escrever novas páginas da vida em sociedade, são passos necessários que
devem ser dados por todos aqueles que pretendem destruir toda forma de exploração e dominação.
O futuro não está perdido. Os seus rumos estão sendo disputados no quotidiano da nossa
história. Nele, a defesa intransigente dos direitos dos oprimidos será o elemento que vai ajudá-los a
construir uma nova identidade e um novo projeto de vida coletiva onde a busca do lucro, o
individualismo, a competição, a obsessão pela posse e o consumo, sejam substituídos pela
37
solidariedade e pelo esforço incessante de colocar a vida do ser humano no centro das preocupações
da sociedade.
Difícil? Sem dúvida. Chegaremos a ver este momento? Não é esta a questão mais importante. O
que importa é percebermos que este novo amanhecer só depende do trabalho e do envolvimento de
todos nós, das sementes de vida e ação coletiva que conseguimos plantar, dos nossos erros e dos
nossos acertos no longo e tortuoso caminho que leva a uma sociedade da qual seja banida toda forma
de exploração e exclusão.
Na corda bamba da crise, as classes trabalhadoras não têm escolha. Desistir da luta significa
aceitar sem engolidos pelo capital sem sequer espernear. Resistir, não se entregar e reordenar nossas
fileiras são momentos necessários para organizar e concretizar a esperança, para dar cor e forma à
revolta, para construir o novo alicerce que, apesar de escondido, servirá de base a uma nova construção
na qual todos, finalmente, poderão morar.
38

Anexo: As Bolsas de Valores e a crise.

Todos os dias, os noticiários nos trazem informações sobre os movimentos que acontecem nas
bolsas de valores. Elas vêm numa linguagem estranha, incompreensível e que, na maioria das vezes,
nos deixa totalmente indiferentes. Afinal, por que deveríamos estar interessados nos negócios
milionários que nelas se realizam quando nós sequer temos dinheiro suficiente para chegar ao dia do
pagamento? A primeira vista, os movimentos das bolsas não têm nada a ver com o nosso quotidiano e
menos ainda conseguimos entender porque são tão importantes para perceber a chegada da crise.
Bom, pra começar é preciso dizer que é impossível entender os movimentos que ocorrem nas
bolsas de valores sem, ao menos, saber o que são e como funcionam.
A imagem mais próxima é de uma grande feira livre onde cada feirante grita o tempo todo na
tentativa de atrair os possíveis compradores para a sua barraca. Apesar de todos estarem de terno e
gravata, a bolsa de valores é isso mesmo: uma grande feira livre onde se negociam contratos de compra
e venda de produtos de grande importância para a economia (petróleo, ferro, cobre, algodão, café, soja,
etc.) e de ações. Estas são títulos de propriedade vendidos em lotes de mil. Ao comprar um único lote, o
investidor se torna acionista, ou seja, passa a ser proprietário da pequena parte da empresa que aquele
lote representa. E, enquanto sócio que acreditou no negócio, uma vez por ano, ele tem direito a receber
uma porcentagem dos lucros que correspondem à quantidade de ações que possui.
Mas aquele povo todo que você vê gritando nas imagens da bolsa de valores não é feito de
investidores. Estes se fazem representar por corretoras, por gente especializada no assunto. Em geral,
podemos dizer que existem três tipo de investidores:
1. Os acionistas que detêm a maioria das ações de uma empresa e dirigem suas atividades produtivas
de olho nos mercados, na necessidade de investir em máquinas, de criar novos produtos, de
melhorar a produtividade, de reduzir os gastos com o pagamento de salários e benefícios, enfim, de
elevar constantemente os lucros da empresa.
2. Os investidores que compram ações de olho nos dividendos e, portanto, tendem a mantê-las em suas
mãos por um certo período de tempo. Por serem minoritários, eles são ouvidos nas assembléias dos
acionistas, ainda que não lhes caiba dar a palavra final sobre os rumos da empresa.
3. Os especuladores que, apesar de comprarem uma quantidade significativa de lotes, não estão
interessados nos dividendos a médio e longo prazo, e sim na imediata valorização das ações de uma
determinada empresa. Ao comprarem hoje por um preço e venderem daí a alguns dias por outro
39
levemente superior, têm a possibilidade de realizar lucros imediatos, aumentando a quantidade de
recursos disponíveis para novos investimentos.
O preço das ações das empresas tem como referência o valor do seu patrimônio e a perspectiva
de lucros. Esta última tem como base as condições de produção e comercialização, a capacidade
administrativa da diretoria da própria empresa, a situação dos concorrentes e a conjuntura econômica
em que está inserida.
Além desses fatores econômicos, o preço das ações é influenciado por circunstâncias
psicológicas. Um clima de exagerado otimismo em relação ao desempenho de um determinado
empreendimento, por exemplo, pode levar a uma supervalorização de suas ações. Destas situações
podem surgir distorções perigosas, pois o preço pelo qual serão negociados os papéis desta empresa
se afasta tanto de suas reais possibilidades de desempenho e do valor do patrimônio que forma aquela
que os economistas chamam de “bolha especulativa”.
Nas últimas décadas, esta bolha tem sido alimentada pelo mercado de derivativos. Estou falando
de investimentos que são uma verdadeira aposta em relação ao valor futuro dos contratos de compra e
venda dos produtos e das próprias ações. Por exemplo, suponha que um investidor se compromete a
comprar, daqui a três meses, as ações da Companhia Vale do Rio Doce que são propriedade de outro
investidor por um preço de 150,00 Reais o lote. Sabendo que hoje os mesmos papéis estão sendo
negociados por 120,00 Reais, a sua expectativa é que daqui a 90 dias o preço daquelas ações alcance
160,00 Reais. Passado este tempo, mesmo que os papéis da Vale do Rio Doce estejam sendo
negociados por um valor maior do que o combinado, o nosso investidor irá comprá-los por 150,00 Reais
e, provavelmente, tentará vendê-lo no mesmo dia para embolsar a diferença de 10,00 Reais o lote e
usar esta quantia para aumentar os seus negócios.
O contrário, porém, pode ser verdadeiro. Ou seja, se as ações estiverem sendo quotadas a
140,00 Reais, quem realizará um lucro extra não será o comprador e sim o vendedor. Em outras
palavras, além de ser uma espécie de feira, a bolsa de valores é também um cassino de apostas onde,
muitas vezes, o simples fato de um grande investidor optar pela compra das ações de uma determinada
empresa é suficiente para fazer subir o seu preço. Isto ocorre porque a sua escolha serve de “dica“ de
compra aos demais investidores e acaba influenciando as opções destes que, ao aumentar a demanda
pelos lotes daquela empresa acabam elevando artificialmente a valorização destes papéis.
Ainda assim, podemos dizer que, em última análise, o movimento das bolsas é orientado pelas
perspectivas de lucro das empresas que ora tem como base uma avaliação realista do seu patrimônio e
do seu desempenho, ora uma aceleração irracional do interesse por determinadas ações. Quando as
bolsas estão em alta, significa que as expectativas de lucro aumentaram a procura por ações e, de
conseqüência, produzem uma elevação dos seus preços. Quando o movimento se inverte em função
das previsões de uma redução na lucratividade das empresas, aumenta o número de investidores que
querem se desfazer de suas ações. A elevação da oferta provoca uma queda nas cotações e os índices
das bolsas caem.
É necessário precisar que nem sempre este processo aponta para uma redução das
expectativas de lucro. Às vezes trata-se apenas de um movimento pelo qual grandes investidores (em
geral, especuladores) que compraram ações que estavam em baixa, decidem vendê-las agora pelo seu
novo valor. Mesmo que sua decisão acabe influenciando os operadores da bolsa que, imitando o seu
40
exemplo, também aumentam a oferta de ações fazendo cair os seus preços, os especuladores ganham
duas vezes. De um lado, conseguem realizar altos lucros, pois embolsam a diferença entre o antigo
preço de compra e o novo preço de venda dos papéis que estão em sua posse. De outro, usam esta
quantia para, em seguida, comprar as ações de empresas cujo preço está em queda em função da
elevação da oferta, mas não devido a uma perspectiva pessimista de consolidação de lucros futuros.
As coisas são diferentes quando os índices da bolsa registram seguidas quedas e seu
comportamento é tão instável quanto o de um doente que alterna pequenas melhoras a momentos
bruscos de piora de suas condições de saúde. Ao trabalhar com a perspectiva de lucros futuros, este
comportamento das bolsas sinaliza, com alguns meses de antecedência, que o sistema capitalista está
se aproximando da crise. A seguida queda dos preços das ações alerta os investidores de que a
superprodução está próxima e a queda da taxa de lucro iminente.
Sabendo que a tormenta que se aproxima não será tão passageira quanto uma chuva de verão,
os investidores procuram fugir dos negócios da bolsa e investem seus recursos em ouro ou em Dólar,
que ainda são uma espécie de abrigo seguro. O ouro, por ser uma reserva de valor, e o Dólar
estadunidense, por ser uma moeda sustentada pela mais forte economia do planeta, garantem uma
maior proteção contra a tempestade provocada pela chegada da crise.
Como já vimos nas páginas anteriores, queimada a sobra, elevado o desemprego, arrochados os
salários e aumentada a taxa de lucro... o céu volta a clarear e a bolsa oferece novas chances de
valorização aos investidores. Esta realidade já é parte do quotidiano de centenas de empresas que
assistem a uma valorização de suas ações logo após anunciarem um programa de reestruturação
produtiva. Por exemplo, diante do excesso de oferta de produtos eletrônicos e de queda de suas taxas
de lucro, em 1999, a Sony anunciou que nos 4 anos seguintes fecharia 15 de suas 70 fábricas
espalhadas pelo mundo e cortaria 17 mil postos de trabalho. O simples anúncio destas medidas, fez as
ações da Sony subirem 8,9% na Bolsa de Tóquio. 31
Mas, por que, às vezes, a queda da bolsa de um país provoca uma queda nas bolsas de valores
do mundo inteiro? A resposta é simples e deita raízes no processo de globalização tão elogiado pelos
economistas a serviço das elites. Você sabe que há tempo as multinacionais vêm se instalando longe de
seu país de origem. A quebra das barreiras comerciais e da legislação que visava conter a remessa de
lucros para o exterior tem acelerado este processo levando a situações que até 20 anos atrás pareciam
inconcebíveis. Vamos pegar como exemplo a 3M e, especificamente, a sua produção de telas de vidro
que protegem os digitadores da claridade e da radiação emitidas pelos monitores de vídeo dos
computadores. Trata-se, portanto, de uma mercadoria simples, barata e composta por um número
extremamente pequeno de peças.
De acordo com as informações desta multinacional, podemos encontrar subsidiárias da 3M que
lidam com este mesmo produto na Austrália, Indonésia, China, Coréia, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas,
Singapura, Taiwan, Tailândia e no Vietnã. Se isso não bastasse, as partes que integram o produto em
questão são produzidas por outras empresas e apenas montadas pela 3M que dá a elas o acabamento
final.
Destas constatações podemos tirar algumas conclusões interessantes para a nossa análise. Em
primeiro lugar, como o grupo 3M negocia suas ações nas bolsas de valores dos países que acabamos

31
Dados publicados no Jornal do Brasil de 10/03/1999.
41
de mencionar e nas das nações do primeiro mundo, é claro que uma queda nas cotações dos papéis da
empresa na Indonésia acabará se refletindo em todas as bolsas onde são negociadas as ações da 3M.
Quando esta redução ocorre devido a uma crise de superprodução das telas de vidro, o mercado espera
uma desaceleração das atividades produtivas da 3M que atinge imediatamente as empresas
fornecedoras encolhendo suas vendas e seus lucros. Freqüentemente, a exemplo da 3M, as fábricas
que integram a cadeia produtiva desta mercadoria estão sediadas em diferentes países de onde são
importados os insumos necessários para produção. É por isso que um abalo num dos pontos do sistema
capitalista se espalha rapidamente a outros países provocando uma queda dos índices das bolsas de
valores.
Se a superprodução for um problema apenas para as mercadorias da 3M, sem dúvida, os
estragos seriam infinitamente menores e uma simples reestruturação produtiva, como a da Sony,
poderia corrigir as distorções que provocaram a redução da taxa de lucro da empresa. Mas quando esta
situação atinge a maior parte dos setores da economia, a queda na lucratividade das grandes empresas
que os lideram provoca uma interrupção do crescimento econômico cujos efeitos, em maior ou menor
grau, acabam repercutindo no mundo inteiro por um período de tempo razoavelmente longo. Trata-se de
um verdadeiro furacão que assola as regiões onde se formou e espalha sinais de destruição nos lugares
mais distantes do planeta. A mesma globalização que, num primeiro momento proporcionou altíssimas
taxas de lucro, contribui agora para acelerar a marcha do sistema rumo à crise de superprodução.
Bom, estas informações não são suficientes para que você seja um bom investidor. Mas, sem
dúvida, vão te ajudar a entender melhor as notícias da página econômica dos jornais e a ter melhores
condições não só para detectar a chegada da crise, mas, sobretudo, para dirigir as mudanças das quais
falamos no capítulo anterior.
Precisamos ter sorte? Não. Precisamos de mais ferramentas que, como estas, nos ajudem a
montar o quebra-cabeça da realidade e a entendê-lo para fazer com que mais e mais pessoas se
revoltem diante das contradições da nossa sociedade, deixem de ser simples espectadores e passem a
ser agentes ativos na difícil e gostosa construção de um mundo novo.

Emilio Gennari

Bibliografia.

 CORRÊA M.R.C. Planejamento: democracia ou ditadura? Intelectuais e reformas sócio-


econômicas no pós-guerra. Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Filosofia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. São Paulo 1987.
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1986 - 4ª edição.
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 MANDEL E. A crise do Capital - os fatos e sua interpretação marxista, Ed. Ensaio/Unicamp, São
Paulo 1990.
 MANDEL E. O Capitalismo Tardio, Ed. Abril Cultural, São Paulo 1982.
 MANDEL E. Teoria Marxista do estado, Ed. Antídoto, Lisboa 1977.
 MANDEL E. Tratado de Economia Marxista, Vol. 1 e 2 Ed. ERA México 1977 - 7ª Edição.
 MARX K. El Capital - Crítica de la Economia Política, Ed. Fondo de Cultura Económica, México
1968 - 5ª Edição.
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