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IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL

Pr. Robson Rosa Santana


(Adaptação e compilação)

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www.ipb.org.br
2
ÍNDICE

INTRODUÇÃO 3
1. O CANON DAS ESCRITURAS 3
1.1. O CÂNON PROTESTANTE DO ANTIGO TESTAMENTO 3
Origem 3
Os Massoretas 4
O Cânon Massorético 4
O Cânon Consonantal 4
Testemunhas Antigas do Cânon Protestante Hebraico 5
O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos 6
1.2 O CÂNON CATÓLICO DO ANTIGO TESTAMENTO 6
Origem 6
A Septuaginta 6
A Vulgata 8
Conclusão 9
2. CONTEÚDO RESUMIDO DOS LIVROS APÓCRIFOS 9
3. ANÁLISE CRÍTICO-DOUTRINÁRIA DOS LIVROS APÓCRIFOS
10
3.1. SALVAÇÃO PELAS OBRAS 10
3.2. ELOGIO AO SUICÍDIO 11
3.3. FEITIÇARIA 12
3.4. INTERCESSÃO PELOS MORTOS 12
3.5. AUSÊNCIA DE INSPIRAÇÃO DIVINA 12
3.6. O PECADO 13
CONCLUSÃO 14
3
A QUESTÃO DOS LIVROS APÓCRIFOS

INTRODUÇÃO
Freqüentemente a Igreja Protestante é acusada pelos católicos romanos de
haver retirado da Bíblia Sagrada alguns livros e partes de outros. E muitas
vezes os cristãos evangélicos ficam sem saber o que responder por falta de
instrução acerca do assunto. Será que esses livros foram retirados da Bíblia
pelos protestantes ou foram acrescentados como livros inspirados, mesmo que
de reconhecimento tardio (deuterocanônicos) pelos católicos romanos, após a
Reforma Protestante? Na verdade os livros apócrifos foram disputados durante
séculos acerca de sua inspiração divina. À época da Reforma Protestante ainda
permanecia a discussão: fazem parte ou não da coleção dos livros inspirados
pelo Espírito Santo, também chamada de Sagradas Escrituras? Os protestantes
reconheceram pelo seu conteúdo e pela própria formação do Cânon Hebraico
que esses livros não eram de inspiração divina. Por algum tempo eles foram
colocados ao final das Bíblias de edição protestante como um apêndice, tendo
apenas valor histórico. Por fim, foram totalmente retirados para que não
houvesse nenhuma confusão a respeito dos livros verdadeiramente inspirados.
O texto que se segue é uma compilação de materiais. A primeira parte é
extraída do livro Sola Scriptura: a Doutrina Reformada das Escrituras, de autoria
de Paulo Anglada, Editora Os Puritanos. No capítulo 3 desse livro, o autor trata
do Cânon das Escrituras, e como a discussão dos livros não inspirados é uma
questão no Antigo Testamento, pois os livros apócrifos estão nessa parte da
Bíblia Católica, transcrevi as duas divisões que nos interessam no momento: O
Cânon Protestante do Antigo Testamento e O Cânon Católico do Antigo Testamento.
A segunda parte é um resumo dos livros apócrifos, extraído do artigo de G. R.
Beasley-Murray, Os Livros Apócrifos e Apocalípticos, do Novo Comentário da Bíblia.
A última parte, por sua vez, é uma avaliação crítica da incompatibilidade das
doutrinas ensinadas nesses livros em relação aos livros inspirados, ou seja, os
39 livros do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento.

1. O CANON DAS ESCRITURAS


1.1. O CÂNON1 PROTESTANTE DO ANTIGO TESTAMENTO
Origem
O cânon protestante do Antigo Testamento é exatamente igual ao cânon
hebraico massorético. O cânon massorético é a Bíblia hebraica em sua forma

1 A palavra cânon é mera transliteração do termo grego kanwn, que significa vara reta, régua,
regra. Aplicado às Escrituras, o termo designa os livros que se conformam à regra da
inspiração e autoridade divinas. Atanásio (séc. IV) parece ter sido o primeiro a usar a palavra
neste sentido. São chamados canônicos, portanto, os livros que foram inspirados por Deus, os
quais compõem as Escrituras Sagradas – o cânon bíblico (Anglada. Sola Scriptura, p. 33-34).
4
definitiva, vocalizada e acentuada pelos massoretas. A ordem dos livros,
entretanto, segue a da Vulgata e da Septuaginta.

Os Massoretas
Os massoretas eram judeus estudiosos que se dedicavam à tarefa de
guardar a tradição oral (massora) da vocalização e acentuação correta do texto.
À medida que um sistema de vocalização foi sendo desenvolvido, entre 500 e
950 d.C., o texto consonantal2 que receberam dos soferim3 foi sendo por eles
cuidadosamente vocalizado e acentuado. Além dos pontos vocálicos e dos
acentos, os massoretas acrescentavam também ao texto massoras marginais,
maiores e finais, calculadas pelos soferim. Essas massoras (tradições) eram
estatísticas colocadas ao lado das linhas, ao fim das páginas e ao final dos
livros, indicando quantas vezes uma determinada palavra aparecia no livro, o
numero de versículos, palavras e letras. Elas indicavam até a palavra e letra
central do livro.

O Cânon Massorético
Embora o conteúdo do cânon protestante seja o mesmo do cânon hebraico,
a divisão e a ordem dos livros são diferentes. Eis a divisão e a ordem do cânon
hebraico:
O Pentateuco (Torá): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
Os Profetas (Neviim):
Anteriores: Josué, Juízes, 1-2 Samuel, 1-2 Reis.
Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.
Os Escritos (Kêtuvim):
Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios e Jó.
Rolos ou Megilloth (lidos nos anos litúrgicos): Cantares (na páscoa),
Rute (no pentecostes), Lamentações (no quinto mês), Eclesiastes (na
festa dos tabernáculos) e Éster (na festa de purim).
Históricos: Daniel, Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas.

O Cânon Consonantal
A divisão e ordem dos livros no cânon hebraico consonantal (anterior)
eram as mesmas. O número de livros, entretanto, era diferente. O conteúdo era
o mesmo, mas agrupado de modo a formar apenas 24 livros. Os livros de 1 e 2

2 O nome é texto consonantal porque no alfabeto hebraico não havia vogais, logo, os
massoretas adicionaram às palavras que só tinham consoantes os sinais vocálicos para
facilitar a pronuncia.
3 Ordem dos escribas que originou-se com Esdras, e que se estendeu até 200 d.C., cuja função

era preservar puro o texto bíblico.


5
Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas eram unidos, formando apenas um livro
cada (o que implica em 3 livros a menos em relação ao nosso cânon). Os doze
profetas menores eram agrupados em um só livro (menos 11 livros). Esdras e
Neemias formavam um só livro, o Livro de Esdras (menos 1 livro). 4

Testemunhas Antigas do Cânon Protestante Hebraico


A referência mais antiga ao cânon hebraico é do historiador judeu Josefo
(37-95 d.C.). Em Contra Apionem ele escreve: “Não temos dezenas de milhares
de livros, em desarmonia e conflitos, mas só vinte e dois, contendo o registro de
toda a história, os quais, conforme se crê, com justiça, são divinos”.5 Depois de
referir-se aos cinco livros de Moisés, aos treze livros dos profetas, e aos demais
escritos (os quais “incluem hinos a Deus e conselhos pelos quais os homens
podem pautar suas vidas”), ele continua afirmando:

Desde Artaxexes (sucessor de Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido
registrado, mas não tem sido considerado digno de tanto crédito quanto
aquilo que precedeu a esta época, visto que a sucessão dos profetas cessou.
Mas a fé que depositamos em nossos próprios escritos é percebida através
de nossa conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto tempo, ninguém
jamais ousou acrescentar coisa alguma a eles, nem tirar deles coisa alguma,
nem alterar neles qualquer coisa que seja.6

Josefo é suficientemente claro. Como historiador judeu, ele é fonte


fidedigna. Era apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados nas
três divisões do cânon massorético. E desde a época de Malaquias (Artaxerxes,
464-424 a.C.) até a sua época nada se lhe havia sido acrescentado. Outros livros
foram escritos, mas não eram considerados canônicos, com a autoridade divina
dos vinte e dois livros mencionados.
Além de Josefo, Mileto, Bispo de Sardes, diz ter viajado para o Oriente, em
170, com o propósito de investigar a ordem e o número dos livros do Antigo
Testamento; Orígenes, o erudito do Egito, que morreu em 254; Tertuliano (160-
250), pai latino contemporâneo de Orígenes; e Jerônimo (340-420), entre outros,
confirmam o cânon hebraico de vinte e dois e vinte e quatro livros
(dependendo do agrupamento ou não de Rute e Lamentações).
É interessante observar que o próprio Jerônimo, tradutor da Vulgata latina,
que daria origem ao cânon católico, embora considerasse os livros apócrifos

4 24 livros da Bíblia hebraica, mais 15 que foram agrupados, chega aos 39 livros do cânon
protestante.
5 Ele menciona 22, ao invés de 24, porque com certeza, originalmente, Rute era agrupado com

Juízes e Lamentações com Jeremias.


6 Capítulo primeiro.
6
úteis para a edificação, não os tinha como canônicos. Embora tendo traduzido
outros livros não canônicos, ele escreveu que “deveriam ser colocados entre os
apócrifos”, afirmando que “não fazem parte do cânon”. Referindo-se ao livro
de Sabedoria de Salomão e ao livro de Eclesiástico, ele diz: “Da mesma maneira
pela qual a igreja lê Judite e Tobias e Macabeus (no culto público), mas não os
recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros úteis
para a edificação do povo, mas não para receber as doutrinas da igreja”. 7
Vale salientar ainda que a versão siríaca Peshita, que bem pode ter sido feita
no século II ou III, ou até mesmo no século I, nos manuscritos mais antigos, não
contém nenhum dos apócrifos.

O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos


Embora as evidencias já mencionadas sejam importantes, a principal
testemunha do cânon protestante do Antigo Testamento é o Novo Testamento.
Jesus e os apóstolos não questionaram o cânon hebraico da época (época de
Josefo, convém lembrar). Eles citaram-no cerca de 600 vezes, de modo
autoritaritativos, incluindo praticamente todos os livros do cânon hebraico.
Entretanto, não citam nenhuma vez os livros apócrifos. 8 Pode-se concluir,
portanto, que Jesus e os apóstolos deram o imprimatur deles ao cânon hebraico
e, conseqüentemente, ao cânon protestante.

1.2 O CÂNON CATÓLICO DO ANTIGO TESTAMENTO


Origem
O cânon católico, composto pelos trinta e nove livros encontrados no cânon
protestante, acrescido das adições a Daniel e Éster, e dos livros de Baruque, Carta de
Jeremias, 1-2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria – 3 e 4 Esdras e a
Oração de Manasses9 são acrescentados depois do NT [Novo Testamento] –
origina-se da Vulgata latina, que por sua vez provém da Septuaginta.

A Septuaginta
A Septuaginta [LXX] é uma tradução dos livros judaicos para o grego feita,
possivelmente, durante o reinado de Ptolomeu Filadelfo (285-245 a.C.) ou até
meados do século I a.C., para a biblioteca de Alexandria, no Egito. Os
tradutores não se limitaram a traduzir os livros considerados canônicos pelos
judeus. Eles traduziram os demais livros judaicos disponíveis. E, a julgar pelos

7 Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 76.


8 Com exceção de Enoque 1:9, aludido em Judas 14-16; contudo, não citado autoritativamente,
e sim como qualquer outro autor; assim como Paulo cita Arato em Atos 17.28 e Menander em
1 Coríntios 15.33.
9 Todos os itálicos são ênfase minha.
7
manuscritos existentes, deram um arranjo tópico à biblioteca judaica, na
seguinte ordem:

Livros da Lei: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.


Livros de História: Josué, Juízes, Rute, 1-2 Samuel, 1-2 Reis (chamados 1-2-
3-4 Reinados), 1-2 Crônicas, 1-2 Esdras (o primeiro apócrifo), Neemias, Tobias,
Judite e Éster.
Livros de Poesia e Sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes,
Cantares, Sabedoria de Salomão, Sabedoria de Siraque (ou Eclesiástico).
Livros Proféticos: Profetas Menores [12 livros: de Oséias a Malaquias],
Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Baruque, Lamentações, Epístola de
Jeremias, Ezequiel, e Daniel (incluindo as histórias de Susana, Bel e o Dragão e o
cântico dos Três Varões).
Alguns desses livros foram escritos posteriormente, em grego,
possivelmente por judeus alexandrinos, e foram incluídos na biblioteca judaica
de Alexandria, tais como Primeiro e Segundo Esdras, adições a Éster,
Sabedoria, a Epístola de Jeremias. Nem sempre todos estes livros estão
presentes nos manuscritos antigos da Septuaginta. O Códice Vaticano (B)
omite Primeiro e Segundo Macabeus (canônicos para a Igreja Católica) e inclui
Primeiro Esdras (não canônicos para a Igreja Católica). O Códice Sinaítico (a)
omite Baruque (canônico para Roma), mas inclui o quarto livro dos Macabeus
(não canônico para Roma). O Códice Alexandrino (A) inclui o Primeiro Livro
de Esdras e o Terceiro e Quarto Livros dos Macabeus (apócrifos para Roma).
O que se pode concluir daí é que, quando a Septuaginta era copiada, alguns
livros não canônicos para os judeus eram também copiados. Isso poderia ter
ocorrido por ignorância quanto aos livros verdadeiramente canônicos. Pessoas
não afeiçoadas ao judaísmo ou mesmo desinteressadas em distinguir livros
canônicos dos não canônicos tinham por igual valor todos os livros, fossem eles
originalmente recebidos sagrados pelos judeus ou não. Mesmo aqueles que não
tinham os demais livros judaicos como canônicos certamente também
copiavam estes livros, não por considerá-los sagrados, mas apenas para serem
lidos. Por que não copiar livros tão antigos e interessantes?
Mesmo pessoas bem intencionadas podem ter sido levadas a rejeitar alguns
livros canônicos, ou aceitar como canônicos alguns que não fossem, por
ignorância ou má interpretação da historia do cânon. Convém lembrar que,
embora o testemunho do Espírito Santo seja a principal regra de canonicidade
por parte da igreja como um todo, mesmo assim, o crente ainda tem uma
natureza pecaminosa que não o livra totalmente de incidir em erro, inclusive
quanto ao assunto da canonicidade. Isto acontece especialmente em épocas de
8
transição, como foi o caso de Agostinho 10 que defendeu os livros apócrifos,
embora de modo dúbio, e depois o de Lutero, o qual colocou em dúvida a
canonicidade da carta de Tiago.

A Vulgata
Ao traduzir a Vulgata11, Jerônimo também inclui alguns livros apócrifos.
Não o fez, contudo, por considerá-los canônicos, mas apenas por considerá-los
úteis, como fontes de informação sobre a história do povo judeu.
Na Idade Média a versão francamente usada pela igreja foi a Vulgata latina.
A partir dela e da Septuaginta também forma feitas outras traduções. Ora,
multiplicando-se o erro, e afastando-se cada vez mais a igreja da verdade (como
aconteceu crescentemente nesse período), tornou-se mais e mais difícil
distinguir entre os livros que deveriam ser considerados canônicos ou não.
Esses livros nunca foram completamente aceitos, mesmo nessa época. Mas, por
estarem incluídos nessas versões, a igreja em época de trevas, geralmente
falando, não teve discernimento espiritual para distinguir entre livros apócrifos
e canônicos.
Por fim, no Concílio de Trento, em 1546, também em reação contra os
protestantes, que reconheceram apenas o cânon hebraico, a igreja de Roma
declarou os livros apócrifos relacionados acima, bem como autoritativas as
tradições orais: “O Sínodo... recebe e venera todos os livros, tanto do Antigo
como do Novo Testamento... assim como as tradições orais”. A seguir são
relacionados todos os livros considerados canônicos, incluindo os apócrifos.
Concluindo o decreto adverte:

Se qualquer pessoa não aceitar como sagrado e canônico os livros


mencionados em todas as suas partes, de modo como eles têm sido lidos
nas igrejas católicas, e como se encontram na antiga Vulgata latina, e
deliberadamente rejeitar as tradições antes mencionadas, seja anátema. 12

A igreja grega seguiu mais ou menos os passos da igreja ocidental. Houve


sempre dúvida na aceitação dos apócrifos, mas, no Concílio de Trulano, em
692, foram todos aceitos (quatorze). Ainda assim, como sempre houve reservas
quanto à plena aceitação de muito deles, a igreja grega, em 1672, acabou

10 Bispo de Hipona (354-430), norte da África, chamado pelos católicos de Santo Agostinho.
11 Vulgata (em latim vulgar editio, "edição popular"), edição da Bíblia latina qualificada de
autêntica pelo Concílio de Trento. A atual composição da Vulgata é, em essência, obra de
Jerônimo (345-419), doutor da Igreja Católica.
12 R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible [Inspiraçao e Canonicidade da Bíblia], 192.
9
reduzindo para quatro o número dos apócrifos aceitos: Sabedoria, Eclesiástico,
Tobias e Judite.13

Conclusão
Por ironia da História, a Vulgata de Jerônimo, o qual não considerava
canônicos os livros apócrifos, 14 veio a ser a principal responsável pela inclusão
destes livros no cânon católico.
A obra dos reformadores foi maior do que se pode pensar à primeira vista.
Eles não apenas redescobriram as doutrinas básicas do evangelho, como a
doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Eles redescobriram também o
cânon. Graças a eles e ao testemunho do Espírito Santo, a igreja protestante
reconhece como canônicos, com relação ao Antigo Testamento (é claro), os
mesmos livros que Jesus e os apóstolos, e os judeus de um modo geral sempre
reconheceram.
Alguns dos apócrifos são realmente úteis como fontes de informações a
respeito de uma época importante na história do povo de Deus: o período inter-
testamentário. Os protestantes reconhecem o valor histórico deles. Seguindo a
prática dos primeiros cristãos, as edições modernas protestantes da Septuaginta
normalmente incluem os apócrifos, e até algumas Bíblias protestantes antigas
os incluíam, no final, apenas como livros históricos.
Mas as igrejas reformadas15 excluíram totalmente os apócrifos das suas
edições da Bíblia, e, “induziram a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, sob
pressão do puritanismo escocês, a declarar que não editaria Bíblias que
tivessem os apócrifos, e de não colaborar com outras sociedades que incluíssem
esses livros em suas edições”.16 Melhor assim, tendo em vista o que aconteceu
com a Vulgata! Melhor editá-los separadamente.

2. CONTEÚDO RESUMIDO DOS LIVROS APÓCRIFOS17


O livro 1 [3] de Esdras é uma narração fragmentária dos acontecimentos
lembrados no livro canônico de Esdras, juntamente com a história dos três
cortesãos, um dos quais se chama Zorobabel e que teve papel preponderante na
festa de Dario.

13 Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 80.


14 Jerônimo foi o primeiro a usar o termo apócrifo.
15 Igrejas calvinistas, como a Igreja Presbiteriana do Brasil.
16 A. Buntzer, Introdução ao Antigo Testamento, 49.
17 Este conteúdo resumido foi extraído do artigo de G. R. Beasley-Murray, Os Livros

Apócrifos e Apocalípticos. In: Novo Comentário da Bíblia, 2 ed., São Paulo: Vida Nova: 1980
[CD-Rom].
10
O livro 2 [4] de Esdras não passa dum apocalipse do primeiro século da era
cristã, de certo modo o mais trágico de todos os apocalipses.
Tobias é uma história romântica que nos fala da sepultura dos mortos e do
casamento de Tobias. Foi escrito provavelmente nos fins do século III a. C.
Judite é outra obra de ficção a propósito da libertação duma cidade do
exército assírio. Não vai além da época dos macabeus (cerca de 150 a.C.).
O descanso de Ester é um apêndice ao livro canônico, e inclui orações e
decretos, que vêm tornar mais explícito o caráter religioso do livro.
A sabedoria de Salomão é considerado um dos livros mais representativos
e mais sublimes da sabedoria hebraica, do período que decorre entre os dois
Testamentos, pois supõe-se escrito entre 150 a.C. e o ano 40 da nossa era.
O Eclesiástico, também chamado "Sabedoria de Jesus, filho de Siraque", é
uma obra do gênero da anterior, embora se julgue ser da autoria dum saduceu
e publicada cerca do ano 180 a.C.
Baruque forma um livro só com A Epístola de Jeremias, datando o
primeiro do século III a.C. e o segundo do século II a.C. Ambos se destinam a
combater a heresia.
Apêndices ao livro de Daniel conhecem-se três: A história de Susana
condenada à morte e defendida pelo jovem Daniel; A oração de Azarias e o
Cântico dos três santos mancebos lançados à fornalha ardente; e por fim Bel e o
Dragão, duas narrativas separadas contando como Daniel desacreditou os
sacerdotes de Bel e desmascarou o deus-dragão.
A oração de Manassés é um grito de arrependimento proferido pelo rei
que tem este nome e baseado em #2Cr 23.12 e segs., escrito provavelmente no
século II a.C.
O livro 1 Macabeus narra a luta dos judeus, chefiados pelos filhos de
Matatias, contra Antíoco Epífanes e seus sucessores. Há quem suponha que o
autor é contemporâneo dos acontecimentos que relata.
O 2 Macabeus continua o anterior e expõe, num estilo primoroso, as
façanhas de Judas Macabeu.

3. ANÁLISE CRÍTICO-DOUTRINÁRIA DOS LIVROS APÓCRIFOS 18


3.1. SALVAÇÃO PELAS OBRAS
Em Tobias 4.7 –11 é dito: “Toma de teus bens para dar esmola. Nunca
afastes de algum pobre a tua face, e Deus não afastará de ti a sua face… pois a
esmola livra da morte e impede que se caia nas trevas. Dom valioso é a esmola,
para quantos a praticam na presença do altíssimo”. 12.8 e 9 “Boa coisa é a

18A partir daqui até o tópico 3.5 é parte de um trabalho apresentado pelos então seminaristas
Luiz Ancelmo Cardoso e Nelson dos Santos Magalhães, no Seminário Presbiteriano Brasil
Central (GO).
11
oração com o jejum, e melhor é a esmola com a justiça do que a riqueza com a
iniquidade… a esmola livra da morte e purifica de todo o pecado. Os que dão
esmola terão longa vida…”
Essas duas passagens comprometem muito esse livro, pois não se trata
apenas de uma referência do pensamento do velho Tobias, o que nele está é
uma expressão de forma normativa, de uma doutrina contrária às Escrituras
Sagradas, apresentada como ensinada pôr um anjo. (ver Gal. 1.8).
As Escrituras afirmam mediante as palavras de Jesus que por meio do
próprio homem a salvação é impossível (Mateus 19.25, 26); que o amor de Deus
demonstrado em seu filho Jesus Cristo é a solução divina para quem nele crê
(João 3.16); e em outras passagens como I Timóteo 2.5; Atos 4.12; João 14.6;
Efésios 2.8, 9,;Atos 11.13, 14; 10.1-5.

3.2. ELOGIO AO SUICÍDIO


Em II Macabeus 14.41-46 vemos o relato da história de um homem
chamado Razias, um ancião de Jerusalém, acusado diante de Nicanor e seu
exército em um momento de grande aperto: “As tropas estavam para se
apoderar da torre e forçavam a porta do pátio, e já se dera a ordem para trazer
fogo para se incendiarem as portas quando Razias, cercado de todos os lados,
atirou-se sobre a própria espada… contudo, não tendo acertado com o golpe,
por causa da pressa do combate…correu ele animosamente para a muralha e,
com intrepidez viril, precipitou-se em cima da muralha… ainda respirando e
ardendo em indignação, ele ergueu-se… arrancou as entranhas e, tomando-as
com as duas mãos, arremessou-as contra a multidão. Invocando, ao mesmo
tempo, aquele que é o senhor da vida e do espírito, para que lhos restituísse um
dia, desse modo passou para outra vida”.
Pelo teor da narrativa se vê a expressão fictícia, o afã de exaltar um
personagem heróico. O autor da mesma e em todo o seu livro, quis contar a
história da bravura com que seus compatriotas lutaram e até morreram, e para
salvaguardar a responsabilidade de seu biografado Razias, chega a declarar que
sua atitude suicida é uma maneira de morrer nobremente. Essa afirmação choca
brutalmente com toda a Escritura. Passagem como Êxodo 20.13 que afirma
mediante lei divina o “não matarás” e outras como I Crônicas 10.1-14; Atos
1.15-20.
Além do mais, o tal Razias é apresentado como alguém que teve resistência
um tanto quanto sobre-humana, pois se ferir, cair de certa altura, depois correr
no meio do povo e ainda tirar com as próprias mãos as suas entranhas e as
atirar ao povo, exige forças além das que são conhecidas e experimentadas pelo
homem.
12
3.3. FEITIÇARIA
Em Tobias 6.4,5, 7,8 vemos o conselho do anjo ao jovem Tobias quando na
beira do rio Tigre quase foi atacado por um grande peixe: “ … e o anjo lhe
disse: agarra o peixe e segura-o firme! Tobias dominou o peixe e o arrastou
para a terra. E o anjo acrescentou : abre o peixe, tira o fel, o coração e o fígado e
guarda-os; joga fora os intestinos, pois o fel, o coração e o fígado são remédios
úteis… então Tobias perguntou ao anjo: Azarias, meu irmão, que remédio há
no coração, no fígado e no fel do peixe? Respondeu ele: Se se queima o coração
ou o fígado do peixe diante de um homem ou de uma mulher atormentados
por um demônio ou por um espírito mau a fumaça afugenta todo mau e o faz
desaparecer para sempre”.
Este romance está de todo envolto em mistérios e exageros, onde o peixe é
arrastado para fora d’água de modo aparentemente heróico e quanto ao uso de
suas partes para fins de combate a espíritos, tem conotação de certas práticas de
feitiçaria ou baixo espiritismo. Nas Escrituras não se vê tais ensinos ou
superstições, antes ela declara que entre o povo de Deus não deve haver
feitiçaria, pois a mesma é abominação (Deuteronômio 18.10), sendo que os que
a praticam como não tendo parte no reino dos céus (Ap. 21.8). Tal livro de
Tobias é fruto de uma mentalidade babilônica e pagã que possuíam essas
práticas para com os supostos espíritos.(ver Marcos 9.29).
3.4. INTERCESSÃO PELOS MORTOS
Em II Macabeus 12.39-46 vemos o comportamento de Judas Macabeus por
ocasião da perda de alguns soldados e a consideração do próprio autor do
livro: “No dia seguinte… partiram os homens de Judas para recolherem os
corpos dos que haviam tombado, a fim de inumá-los junto com os seus
parentes nos túmulos de seus pais. Então encontraram, debaixo das túnicas de
um dos mortos, objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, cujo o uso a lei
vedava aos judeus. Tornou-se assim evidente, para todos, que foi por esse
motivo que eles sucumbiram. Todos, pois, tendo o bendito modo de proceder
do senhor… puseram-se em oração para pedir que o pecado cometido fosse
completamente cancelado…”
Tal afirmação entra em profunda contradição com o ensino das Escrituras
sagradas com respeito aos que morrem. Passagens como Mateus 25. 31-46;
Hebreus 9. 27; Lucas 16.19-31; I Timóteo 2.5-6; Atos 4.12; I João 2.2; João 14.6; I
Pedro 1.18-19.
3.5. AUSÊNCIA DE INSPIRAÇÃO DIVINA
Estas são as próprias palavras do autor de II Macabeus ao concluir a sua
obra: “… se o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição escrita, era
justamente isso que eu queria; se vulgarmente e de modo medíocre, é isso o que
13
me foi possível. De fato, como é nocivo beber somente vinho, ou somente água,
ao passo que o vinho misturado à água é agradável e causa um prazer
delicioso, assim (trabalho) da preparação do relato encanta os ouvidos daqueles
que entram em contato com a composição. Aqui, porém, será o fim”.
Assim declara o autor, reconhecendo a possibilidade de falhas e
contradição com os próprios fatos que pôr ele próprio são narrados. E se
desculpa caso tenha cometido algum engano. Isso nunca pode ser narrativa
bíblica, pois Jesus disse que as Escrituras nunca podem falhar Jo. 10.35. Ver
também II Pe.1.19-21; II Tm 3.16; Lc. 1.3; I Co. 14.34; II Co. 13.3; Jo. 42.2.
Como vimos, todos estes livros entram em contradição com toda a
Escritura, inseri-los no cânon sagrado seria pôr em descrédito toda a Escritura.
Portanto, é inadmissível aceitarmos tais erros teológicos e doutrinários no
Cânon Sagrado.
3.6. O PECADO
“Foi muito discutida a origem do pecado, tendo sido apresentadas várias
soluções, em especial no que se refere ao grande desastre do Éden. Em alguns
casos a culpa é atribuída a Eva (Eclesiástico 25.24), em outros a Adão (2Ed
7.118), ainda noutros ao Demônio (Sabedoria 2.24), e finalmente aos Anjos
Maus (1 Enoque 10.7-8). Por outro lado, o autor de 2 Baruque não concorda
com a atribuição da culpa aos nossos antepassados: "Embora Adão fosse o
primeiro a pecar, por ele a morte se transmitisse a todos os seus descendentes,
cada um de nós preparou no seu íntimo tal acontecimento... Adão é, pois,
apenas o responsável pelo seu pecado, enquanto cada um de nós responde pelo
seu, por sermos cada um o seu Adão em espírito" (2 Baruque 54.15 e 19).
“Quanto à expiação por esse pecado, recorre-se aos sacrifícios, tal como no
Velho Testamento. Mas não se dispensam as obras: "Aquele que honra o pai
fará sacrifícios pelos pecados" (Eclesiástico 3.3); "A esmola livra da morte e
purifica do pecado" (Tobias 12.9). É contra estas teorias que Paulo se insurge
veementemente.
“Recorre-se, ainda, aos méritos dos santos (2Ed 8.28-29), e o martírio dos
confessores fiéis pode vir a expiar os pecados (4Mc 6.28-29)”.19
Os textos que se seguem nos mostram claramente que todos os seres
humanos sofrem as conseqüências do pecado de Adão (Rm 5.14; 1Co 15.22).
Como diz Davi, "eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe"
(Sl 51.4). Apesar de todas as coisas acontecerem de acordo com o decreto eterno
de Deus, quem pecou foi Adão. Como diz o teólogo reformado Louis Berkhof,
“esse pecado trouxe consigo corrupção permanente, corrupção que, dada a

19G. R. Beasley-Murray. Os Livros Apócrifos e Apocalípticos. In: Novo Comentário da Bíblia, 2


ed., São Paulo: Vida Nova: 1980 [CD-Rom].
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solidariedade da raça humana, teria efeito, não somente sobre Adão , mas
também sobre todos os seus descendentes”. Mais à frente ele continua: “Adão
pecou não somente como o pai da raça humana, mas também como chefe
representativo de todos os seus descendentes; e, portanto, a culpa do seu
pecado é posta na conta deles, pelo que todos são passíveis de punição e
morte”20 (leia Rm 5.12, 18-19). Desse modo, em Adão todos nós nascemos
corrompidos pelo pecado e culpados diante de Deus, merecedores de punição e
morte.
E quanto à expiação dos pecados, o que as Escrituras inspiradas nos
ensinam? Nem as obras, nem os méritos dos santos, nem os mártires
confessores podem nos purificar da malignidade de nosso pecado, mas a graça
de Deus por intermédio da fé no sacrifício único de Jesus Cristo (Rm 3.19-26;
6.23; Ef 2.8-9).
Sabemos que existem os ensinos fundamentados nos livros Apócrifos
(como a doutrina do purgatório), mas esses ensinos distorcidos e incompatíveis
com o que dizem os livros realmente inspirados, são suficientes para reprová-
los nos testes de autoridade e inspiração. Por isso é preciso que se diga que
esses livros e acréscimos não devem fazer parte do cânon sagrado.

CONCLUSÃO
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertarás”, disse Jesus (João 8.32).
Os testemunhos históricos nos dão provas claras de que foi um equívoco muito
grande esses textos apócrifos serem inseridos no conjunto dos livros sagrados.
Como diz o dito popular, o pior cego é o que não quer ver. Jerônimo, tradutor da
versão autorizada pela Igreja Católica Romana, a Vulgata, ele próprio
desconsiderou os livros apócrifos, como já foi dito.
Além do testemunho histórico desde o início em que foram incluídos esses
livros, quando da tradução dos livros dos judeus para o grego, a fim de que
fizesse parte da Biblioteca de Alexandria, passando pelo historiador Flávio
Josefo, que afirmou que os judeus não tinham esses livros no cânon hebraico,
bem como pelos pais da Igreja, todos são categóricos em afirmar quais os livros
verdadeiramente são inspirados, e os que citamos como apócrifos, ou seja, os
que estão na tradução das Bíblias católicas, não são canônicos; logo, não devem
fazer parte do texto sagrado, a Palavra de Deus. O livro de Apocalipse finaliza
com uma advertência muito grave e séria: “Eu, a todo aquele que ouve as
palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer
acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro” (Ap 22.18).
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!

20 Louis Berkhof. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990. p. 222.
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BIBLIOGRAFIA

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura: a Doutrina Reformada das Escrituras. 1 ed., São
Paulo: Editora Os Puritanos, 1998.
BEASLEY-MURRAY, G. R. Os Livros Apócrifos e Apocalípticos. In: Novo
Comentário da Bíblia, 2 ed., São Paulo: Vida Nova: 1980 [CD-Rom].
CARDOSO, Luiz Ancelmo, MAGALHÃES, Nelson dos Santos. Os Livros
Apócrifos. Goiânia: SPBC, 2000 (trabalho não publicado).

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