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Folhetim Educ. Mat., Feira de Santana, Ano 19, Número 168, set./out.

, 2012 ISSN 1415-8779

Este Folhetim é um veı́culo de divulgação,


circulação de ideias e de estı́mulo ao estudo e
à curiosidade intelectual. Dirige-se a todos A Matemática: suas origens, seu objeto e seus
os interessados pelos aspectos pedagógicos, métodos (continuação)
filosóficos e históricos da Matemática. Pre- Carloman Carlos Borges
tende construir uma ponte para unir os que
estão próximos e os que estão distantes. 4. Demonstrações indiretas

Algumas das demonstrações indiretas podem ser justificadas


pela tautologia:

Dando continuidade à transcrição das no- (H ⇒ T ) ⇔ [( H∧ ∼ T ) ⇒ f] cuja tabela-verdade damos


tas intituladas “A Matemática: suas origens, abaixo:
seu objeto e seus métodos - Parte I”, de auto-
H T H⇒T ∼T H∧ ∼ T f (H∧ ∼ T ) ⇒ f (H ⇒ T ) ⇔
ria do professor Carloman, neste número, ve- [(H∧ ∼ T ) ⇒ f]
remos as Demonstrações Indiretas. O texto V V V F F F V V
basicamente é apresentado por meio de exem- V F F V V F F V
F V V F F F V V
plos de aplicação da tautologia que estabelece F F V V F F V V
a equivalência entre a implicação da hipótese
para a tese e a falsidade da conjunção entre
a hipótese e a negação da tese. Os exemplos Alguns exemplos servirão para ilustrar o emprego dessa
são ricos e abrangentes, e vão desde propri- importante tautologia.
edades dos números racionais e irracionais,
passando por propriedades dos números pri- Exemplo 1. Sendo a um número racional e b um número
mos. Outra equivalência lógica, a contraposi- irracional, mostre que:
tiva da condicional, também é ilustrada com
vários exemplos da teoria dos números, con- i) a + b é irracional
juntos e geometria. ii) a · b é irracional (a 6= 0)

Para (i), temos,



a, racional
H
b, irracional
Carloman Carlos Borges (UEFS) - in memoriam
Inácio de Sousa Fadigas (UEFS) T : a + b é irracional ∼ T : a + b é racional
Marcos Grilo Rosa (UEFS)
Trazı́bulo Henrique (UEFS) Consideremos, ainda:

H’ : H ∧ ∼ T T ’: f

Demonstração: N = a + b (um número racional, conforme


H’), donde concluı́mos N - a = b; ora, como N é racional e a,
igualmente, N - a é um número racional (a diferença entre dois
Folhetim Educ. Mat., Feira de Santana, Ano 19, Número 168, p.2, set./out., 2012

racionais é um racional); logo, N - a = b repre- o chamado “Teorema Fundamental da Aritmética”:


senta uma contradição pois, no primeiro membro “Todo número inteiro N maior do que 1, pode ser
temos um número racional, N - a, enquanto decomposto em um produto de fatores primos, e esta
no segundo membro temos b, que é irracional. decomposição é única, a menos da ordem dos fatores”.
Conforme a tautologia em estudo, concluı́mos √ √
definitivamente: a + b é um número irracional. Exemplo 3. Mostre que 2+ 5 é um número
A demonstração de (ii) é inteiramente análoga. irracional. Temos:
√ √ √
Exemplo 2. Mostre que n é um número H: x = 2+ 5;
irracional, toda vez que o número n não seja o
quadrado de outro número natural. Temos: T : x é irracional ∼ T : x é racional

n 6= m2 , m um número natural

H √ Seja ainda:
x= n
H’: H∧ ∼ T T ’: f
T : x é irracional ∼ T : x é racional
Demonstração:
√ √ seja
Consideremos, ainda:
x = 2 + √5 um número racional (conforme H’).
x2 = 7 + 2 10 (elevando
√ ao quadrado)
H’: H∧ ∼ T T ’: f
Ora, x2 = 7 + 2 10 representa uma contradição
√ pois, x2 é racional (o quadrado de todo número
Demonstração: x = n = pq é racional (con- √
racional é um número racional), enquanto 7 + 2 10 é
forme H’; aqui, p e q são dois números inteiros,
um número irracional conforme exemplos 1 e 2, logo
primos entre si). Elevando ambos os membros ao
acima. Assim, a demonstração está terminada.
quadrado e transpondo q 2 ao primeiro membro,
obtemos nq 2 = p2 .
Exemplo 4. Mostre que existem infinitos números
Mostremos, agora, que nq 2 = p2 , que é o nosso
primos. Temos:
T ’ representa uma contradição. Realmente, de-
vido ao sinal de igualdade, os dois números nq 2 e
H: seja C o conjunto dos números primos p1 , p2 ,
p2 quando decompostos em fatores primos deverão
p3 , etc.;
coincidir, isto é, a representação de nq 2 como pro-
duto de fatores primos deverá apresentar os mes-
T : C é um conjunto infinito ∼ T : C é finito
mos fatores primos da representação de p2 quando
escrito como produto de fatores primos. Cada
Consideremos, ainda:
número primo deve aparecer um número par de
vezes na decomposição tanto de p2 como de q 2
H’: H∧ ∼ T T ’: f
(pois ambos os números p e q estão ao quadrado)
e isto significa que a mesma coisa deverá ocorrer
Demonstração: conforme H’, C é um conjunto
na decomposição de n, o que implica ser n um qua-
finito de números primos, isto é, C é um conjunto
drado perfeito, contrariando, portanto H. Logo,
√ formado dos únicos números primos p1 , p2 ,... pn ;
de acordo com a tautologia, n é um número ir-
então, há sentido formar-se o número N = (p1 · p2 · . . .
racional toda vez que n não for um quadrado per-
· pn ) + 1; a análise de N nos leva a uma contradição,
feito. Observação: na demonstração acima em-
senão vejamos:
pregamos

NEMOC - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA OMAR CATUNDA

Folhetim Educ. Mat., Feira de Santana, Ano 19, Número 168, set./out. 2012 - Editores: Inácio, Grilo e Trazı́bulo -
Digitação: Josenildes Oliveira Venas Almeida e Manoel Aquino dos Santos - Editoração: Evandro Vaz e Nivaldo Assis
- Impressão: Imprensa Gráfica Universitária - Periodicidade: bimestral - Tiragem: 1.500 exemplares - Distribuição
gratuita - Endereço: Avenida Transnordestina s/n, Módulo Prof. Carloman Carlos Borges, bairro Novo Horizonte, Feira
de Santana, BA, Brasil. CEP 44.036-900. - Telefone: (75)3161-8115 - Fax: (75)3161-8086 - E-mail: nemoc@uefs.br -
Home-Page: www.uefs.br/nemoc
Folhetim Educ. Mat., Feira de Santana, Ano 19, Número 168, p.3, set./out., 2012

a) N é, claramente, maior que 1 (estamos conside- x2 = 25n2 + 30n + 9 = 5(5n2 + 6n + 1) + 4 =


rando apenas os números primos positivos); 5p + 4
b) N é maior que cada um dos pi ; Finalmente, de x = 5n + 4, tem-se:
c) N não é um número primo, pois ele é diferente e x2 = 25n2 + 40n + 16 = 5(5n2 + 8n + 3) + 1 =
maior do que cada um dos pi existentes; 5p + 1
d) N não sendo um número primo, pode ser de- e a demonstração está terminada.
composto num produto de fatores primos, conforme
Teorema Fundamental da Aritmética; Exemplo 6. Considere a definição: “no plano eu-
e) Como N - 1 é divisı́vel por cada um dos pi , isto clidiano, duas retas AB e CD são paralelas se, e so-
significa que N não o é e, conforme (d), na decom- mente se, sua interseção é vazia”. Consideremos a
posição de N há de aparecer um número primo dife- figura abaixo:
rente de cada um dos pi .
Esta contradição demonstra o teorema de que
existem infinitos números primos.

Exemplo 5. Aqui, empregamos a equivalência:

(H ⇒ T ) ⇐⇒ (∼ T ⇒∼ H)

Considere o teorema: “Se x2 é divisı́vel por 5 então, Seja a hipótese: “os ângulos 1 e 2 são iguais entre
x também o é”. Temos: si”; tese: “as retas AB e CD são paralelas”. Temos:
H: x2 é divisı́vel por 5; ∼ T : AB e CD se intersectam em I;
T : x é divisı́vel por 5; ∼ H: os ângulos 1 e 2 são diferentes entre si.
∼ T : x não é divisı́vel por 5; Demonstração: no triângulo PQI, o ângulo 2 é
∼ H: x2 não é divisı́vel por 5. interno, enquanto que o ângulo 1 é exterior; logo, a
Podemos, pois, escrever a equivalência: medida de 1, isto é, m(1) é maior que m(2) pois “a
“Se x2 é divisı́vel por 5, então, x também o é”. medida do ângulo externo de um triângulo é igual à
m soma das medidas dos dois ângulos internos não adja-
“Se x não é divisı́vel por 5, então, x2 também não centes” (prove este teorema); esta contradição prova o
o é”. teorema, conforme a equivalência usada no exemplo 5.

Neste caso, temos: Exemplo 7. Sejam A, B e C três conjuntos, f


  2 uma aplicação de A dentro de B e g uma aplicação
 x = 5n + 1  x = 5p + 1 de B dentro de C. Demonstre: se gof é injetora então
  2

x = 5n + 2 x = 5p + 2

∼T ∼H f é injetora.

 x = 5n + 3  x2
 = 5p + 3
 2
x = 5n + 4 x = 5p + 4

No teorema direto temos:
n e p são números naturais. H: gof é injetora;
Demonstração: temos que considerar, separada- T : f é injetora.
mente, cada um dos quatro tipos da hipótese (∼ T ) então, podemos escrever:
e verificar se, partindo daı́, chegamos a um dos tipos ∼ T : f não é injetora;
representados pela tese (no caso ∼ H). Assim, de ∼ H: gof é não injetora.
x = 5n + 1, vem:
x2 = 25n2 + 10n + 1 = 5(5n2 + 2n) + 1 = 5p + 1 Demonstração: se f não é injetora então, por
(fazendo 5n2 + 2n = p) definição, existem em A dois elementos a e a0 com a
De x = 5n + 2, vem: mesma imagem y por f, donde se conclui que a e a0
x2 = 25n2 + 20n + 4 = 5(5n2 + 4n) + 4 = 5p + 4 terão mesma imagem g(y) por gof, o que implica a
De x = 5n + 3, vem: função composta ser não injetora.
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Exemplo 8. Sejam E1 e E2 dois espaços métricos Ora, seja a ≥ n + 1 para qualquer n natural e como
com as distâncias respectivas d1 e d2 ; então, uma n + 1 pertence a N, podemos escrever: a − 1 ≥ n
aplicação de E1 dentro de E2 é uniformemente para qualquer n natural, o que mostra ser o número
contı́nua se, para todo ε > 0, existe a > 0 tal que, a − 1 também, uma cota superior de N, o que entra
quaisquer que sejam x ’ e x ” dentro de E1 , tem-se: em contradição com o fato admitido de ser a a cota
d1 (x0 , x00 ) < a ⇒ d2 (f(x0 ), f(x00 )) < ε superior mı́nima.
Esta definição é equivalente à seguinte: seja f
uma função real (pode ser complexa também) defi- Exemplo 10. Para quaisquer a e b reais positivos,
nida sobre um intervalo I. A função f é uniformemente existe um número inteiro natural n pertencente a N ,
contı́nua dentro de I se, para ε > 0, existe a > 0, tal tal que an > b. Temos:
que H: a e b reais positivos, n ∈ N;
|x − x0 | < a, x, x0 ∈ I ⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε T : an > b ∼ T : an ≤ b
É evidente que uma função uniformemente Façamos:
contı́nua dentro de E1 é contı́nua em todo ponto de H’: (H∧ ∼ T ) T ’ : f
E1 , porém, a recı́proca é falsa. Por exemplo: seja a Demonstração: consideremos o conjunto A dos
função f (x) = x2 , a qual é contı́nua para qualquer “múltiplos positivos” de a, isto é:
x real, porém, esta função não é uniformemente A = {na}; ora, da hipótese (isto é, de ∼ T ), con-
contı́nua dentro de R. Temos: cluı́mos ser A majorado por b, donde existe s = sup A.
Podemos, pois, escrever:
H: f é contı́nua para qualquer x real; (∀n ∈ N), (n + 1) a ≤ s ⇒ na ≤ s − a, o contradiz
T : f não é uniformemente contı́nua para qualquer o fato de ser s = sup A.
x real;
∼ T : f é uniformemente contı́nua;
∼ H: f não é contı́nua.
A Matemática: suas origens, seu objeto e seus
Demonstração: na definição acima basta fazer
métodos. (Continuação)
ε = 1; existirá, então, um número a > 0 tal que:

|x − x0 | < a, x, x0 ∈ R, ⇒ |x2 − x02 | ≥ 1

Façamos x = a1 , x0 = a1 + a2 . Tem-se: |x − x0 | = Simpósio Nacional da Formação do Professor


2 2
a
2 < a, e |x2 − x02 | = | a12 − ( a12 + a4 + 1)| = 1 + a4 > 1. de Matemática
No perı́odo de 27 a 29 de setembro de 2013, a SBM e o
Exemplo 9. A propriedade mais importante dos PROFMAT realizarão em Brası́lia-DF, o 1o Simpósio
números reais provavelmente é a seguinte: “Se C é Nacional da Formação do Professor de Matemática.
um conjunto não vazio de números reais e C está aco- O evento oferecerá um programa diversificado de ati-
tado superiormente, então, C tem uma cota superior vidades voltadas para a formação e atualização do
mı́nima”. professor de Matemática na Escola Básica, incluindo
Teorema: Seja N o conjunto dos números natu- Conferências, Minicursos, Oficinas e Comunicações. O
rais. Mostrar que N não está acotado superiormente. Simpósio propiciará, igualmente, um fórum para dis-
Temos: cussão de temas atuais e relevantes para a comunidade
H: seja N o conjunto dos números naturais; da Escola Básica. Maiores informações no endereço
T : N não está cotado superiormente; http://simposio.profmat-sbm.org.br.
∼ T : N está acotado superiormente. Façamos:
H’: (H∧ ∼ T ) T ’: f
Demonstração: admitamos que N esteja acotado
superiormente; como N é diferente do conjunto vazio,
ele possui uma cota superior mı́nima a. Logo, Envie para cada Folhetim um selo de postagem nacio-
nal de 1o porte. Dentro de no máximo quatro semanas,
a ≥ n, para qualquer n pertencente a N (definição contadas a partir da data de recebimento do seu pe-
de cota superior mı́nima ou supremo – sup); dido, você receberá os folhetins solicitados. OBS.: É
a ≥ n + 1, (igualmente, consequência do item permitida a reprodução total ou parcial deste Folhe-
anterior). tim, desde que citada a fonte.

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