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SECAM

SEMINÁRIO DE CAPACITAÇÃO MINISTERIAL

ESCATOLOGIA REFORMADA E ESCATOLOGIA


PENTECOSTAL: O MILÊNIO

GUSTAVO GALVÃO BORNER

SÃO GONÇALO - RJ

2013
GUSTAVO GALVÃO BORNER

ESCATOLOGIA REFORMADA E ESCATOLOGIA PENTECOSTAL: O


MILÊNIO

Monografia apresentada ao SECAM –


Seminário de Capacitação Ministerial,
como requisito para a obtenção do título
de Bacharel em Teologia.

Orientadora: Professora Daisy Rosa

SÃO GONÇALO

2013
GUSTAVO GALVÃO BORNER

ESCATOLOGIA REFORMADA E ESCATOLOGIA


PENTECOSTAL: O MILÊNIO

Monografia aprovada em: ____/____/____

Banca Examinadora: Nota: _________

__________________________________________________________

Orientador(a)

________________________________________________

Examinador(a)

SECAM
DEDICATÓRIA

Sendo ou não um trabalho de cunho teológico, a primeira e mais forte


dedicação é a Jesus. Tanto minha vida quanto cada hora das muitas gastas com esta
pesquisa têm n’Ele o fundamento e n’Ele também o objetivo: agradá-Lo.

Em segundo lugar dedico este trabalho à minha mulher, Alinne, que me inspira
não apenas a pensar nas coisas do porvir, mas a viver como se elas já estivessem
acontecendo.

Por fim, dedico à igreja do Senhor cada linha destas reflexões. É a ela que
desejo servir e espero que este trabalho sirva para o corpo de Cristo na terra.
AGRADECIMENTOS

À minha mulher, que é colírio para os meus olhos, inspiração para minha mente
e descanso para minha alma. Sem ela este trabalho seria “sem graça”.
Ao reverendo Leandro Antônio de Lima Wurlitzer, por ter nele inspiração –
através de suas pregações no youtube1 - e ajuda para o trabalho, através de vários
emails respondidos.
Ao professor Dionísio de Oliveira Soares por me responder a indagações sobre
o cunho escatológico do livro de Daniel, através do facebook2.
Ao professor desta casa, José Wedson Lima, que sempre me auxilia com
variados assuntos teológicos e que disponibilizou-me várias obras pré-milenistas para
este trabalho.
A Deus, que me dá ar, cérebro e curiosidade.

1
Site que agrupa vídeos de usuários.
2
Site de relacionamentos muito famoso na internet.
“Há pessoas que desejam saber só por saber, e
isso é curiosidade; outras, para alcançarem fama, e
isso é vaidade; outras, para enriquecerem com a
sua ciência, e isso é um negócio torpe; outras, para
serem edificadas, e isso é prudência; outras, para
edificarem os outros, e isso é caridade"

Santo Agostinho
RESUMO

BORNER, G. G. Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O milênio. 50 f.


Monografia apresentada ao curso de Bacharel em Teologia. Seminário de
Capacitação Ministerial, São Gonçalo, 2013. 50 p.

Apresenta-se um estudo acerca da escatologia sobre o Milênio nos dois ambientes de


maior referência e impacto teológico no Brasil, o reformado tradicional e o pentecostal,
buscando-se uma comparação entre as duas visões e propondo um caminho comum
de conhecimento e embasamento bíblico. Na primeira parte são expostas,
sucintamente, as bases teóricas de cada uma das doutrinas e seus pontos menos
divergentes dentro de cada sistema; na segunda parte são colocadas em confronto as
convicções e afirmações de ambas, buscando evidenciar seus pontos mais
divergentes e mais convergentes; na terceira e última parte são propostas tentativas
de conciliação entre as visões e, quando não for possível, uma mescla pensada das
partes que melhor comuniquem a verdade por trás do texto bíblico para os dias de
hoje.

Palavras-Chave: Escatologia; Pentecostalismo; Reforma; Milênio


ABSTRACT

BORNER, G. G. The Reformed Eschatology and the Pentecostal Eschatology: the


millenium.. Monograph presented to the Teological Graduation course. Secam, São
Gonçalo, 2013. 50 p.

It presents a study about the eschatology about the millenium in both environments of
greater theological reference and impact in Brazil, the reformed traditional one and the
pentecostalist one, seeking a comparison between the two visions and proposing a
common path of knowledge and biblical foundation. In the first part are briefly exposed
the theoretical foundations of each of its doctrines and less divergent points within
each system, in the second part are placed in confrontation beliefs and statements of
both seeking to prove their points of converging and diverging; the third and last part
proposals are attempts to reconcile the views and when not possible, a mix that best
communicate the truth behind the biblical text for today.

Keywords: Eschatology; Pentecostalism; Reformation; Millenium.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 9
Situação de estudo ..................................................................................................... 9
Objetivos ................................................................................................................... 10
Justificativa ............................................................................................................... 10
REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO...................................................... 11
Suporte Teórico ........................................................................................................ 11
Metodologia .............................................................................................................. 12
1. CONCEITOS BÁSICOS E PRELIMINARES......................................................... 13
2. ESCATOLOGIA REFORMADA............................................................................. 16
2.1 Amilenismo.......................................................................................................... 17
2.1.1 Dificuldades do Amilenismo ............................................................................. 22
2.2 Pós-milenismo..................................................................................................... 24
2.2.1 Dificuldades do Pós-milenismo ........................................................................ 27
3. ESCATOLOGIA PENTECOSTAL ......................................................................... 30
3.1 Pré-milenismo clássico ou histórico .................................................................... 34
3.1.1 Dificuldades do Pré-milenismo histórico .......................................................... 37
3.2 Dispensacionalismo ou Pré-milenismo pré-tribulacionista .................................. 39
3.2.1 Dificuldades do Dispensacionalismo................................................................ 43
4. O DISPENSACIONALISMO PROGRESSIVO, O PARALELISMO PROGRESSIVO
AMILENISTA E UMA PROPOSTA BÍBLICA CONCILIADORA................................. 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 56
INTRODUÇÃO
As igrejas no Brasil e no mundo e os mais diversos grupos cristãos – católicos
romanos, ortodoxos, protestantes ou livres – têm interpretado as Escrituras Sagradas
em busca de respostas às mais diversas e incontáveis perguntas acerca do fim dos
tempos. Ainda mais, praticamente todas as culturas, inclusive a ateia, tem sua ideia
do que vem a ser a consumação do que vivemos hoje numa passagem para um
próximo estágio mais avançado e mais rico da existência.
Não é possível, num trabalho monográfico, analisar o que cada cultura tem em
seu arcabouço escatológico, nem tampouco o que cada círculo cristão entende em
sua doutrina por escatologia3.
Como estamos no Brasil, as igrejas ditas evangélicas se organizaram em
alguns grupos básicos, a saber, os tradicionais – batistas, presbiterianos, anglicanos
etc – pentecostais clássicos – igrejas Assembléia de Deus, Deus é Amor,
Quadrangular, Brasil para Cristo, Nova Vida e Congregação Cristã – e
neopentecostais – Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus,
Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo etc. Além destes, há um sem-número
de comunidades que não se encaixam em nenhum destes rótulos, ou que não o
admitem.
Para fins de estudo, analisaremos as escatologias reformadas e pentecostais
no que diz respeito ao Milênio, em seus pontos básicos. Sabemos da dificuldade em
fazê-lo, já que dentro de cada uma delas há divergências, mas procuraremos nos ater
ao que não é divergente dentro de cada sistema, procurando apontar um caminho,
iluminado pelo Espírito Santo, para a correta e desejada interpretação bíblica das
coisas que vem ocorrendo e ainda vão ocorrer.

Situação de estudo
A problematização de um tema como este é simples: que interpretação do
milênio é a correta? Devemos olhar para ele de maneira literal, como um período de
mil anos? E onde ocorrerá? E se já estiver ocorrendo? E se, de alguma maneira,
nunca ocorrerá de maneira literal? Qual a posição da igreja neste cenário: participante
ativa ou coadjuvante com os judeus? E mais, o olhar que cada grupo – pentecostais e

3
Eschatos = último; Logia = estudo. Juntando-se os termos temos Escatologia, o estudo das últimas
coisas, dos últimos dias.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
10

reformados – têm sobre o tema, tem potencial para afetar sua espiritualidade e
vivência cristã4?

Objetivos
Pelo prisma geral, esta pesquisa procura tratar do tema escatológico mais
debatido de todos os tempos. Num primeiro olhar, não se tem qualquer preferência a
qualquer sistema, nem se têm a pretensão de solucionar o debate de forma definitiva.
Especificamente, o trabalho foi realizado para dar um caminho novo, que
encampe todas ou quase todas as abordagens milenistas vigentes, olhando-as como
complementares, não excludentes. A igreja de Jesus espalhada pelo Brasil, mais
especificamente a dos municípios de São Gonçalo, Niterói e adjacências, poderão ter
acesso a uma pesquisa sobre um tema pouco explorado, feita por um estudante
recém-formado, que apesar da desvantagem da pouca experiência acadêmica, têm
nisto mesmo a vantagem de estar próximo às perguntas constantes de um membro
comum da igreja acerca do assunto.

Justificativa
Este ensaio justifica-se, principalmente, pela pouca instrução da maioria dos
irmãos em Cristo, da região, sobre o assunto. Aprender escatologia como um todo, e
especificamente o milênio, tem impacto imediato sobre o comportamento do crente
em relação à cultura local – se de distanciamento e negação ou diálogo e contestação
– ao ímpio, à igreja e a si mesmo. Não é a toa que João diz nas primeiras linhas do
5
livro “Bem-aventurado aquele que lê... os que ouvem... e guardam...” as palavras da
profecia, revelada diretamente por Jesus ao apóstolo.
De uma coisa temos certeza: os irmãos que estudaram este livro, ao longo dos
dois séculos da era cristã, o fizeram por amor e por desejar estar prontos para a vinda
do Senhor.

4
Não é objetivo do trabalho uma pesquisa sociológica ou comportamental da igreja, mas apenas como
tema incidente, toca a possível prática que uma determinada comunidade pode ter dependendo da sua
visão sobre o milênio.
5
Apocalipse 1:3.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
11

Finalmente, a igreja do Senhor alcançará um nível de unidade maior quando se


inteirar, orar e estudar sobre escatologia6. Estamos todos, filhos do Senhor, indo
inexoravelmente em direção ao fim, ao clímax, que é a Sua Segunda Vinda.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Suporte Teórico

O suporte teórico para o trabalho se deve, basicamente, às doutrinas de


grandes autores e às pesquisas de recentes doutrinadores sobre o assunto do
milênio. Apesar de ser necessário abordar outros temas que não o tema em si,
buscou-se embasamento nas linhas principais de estudos milenistas reformados e
pentecostais.
O livro Mais que vencedores, do Dr. William Hendriksen, utilizado como base
principal para a visão amilenista, aborda todo o livro de Apocalipse e demais textos
escatológicos bíblicos de uma maneira tendente a tornar o tema simples e
espiritualmente aplicado, defendendo o paralelismo progressivo7 e a interpretação do
milênio levando-se em conta textos mais claros sobre o assunto do que o próprio
capítulo 20 do livro de João.
As pregações e artigos do reverendo Leandro Lima Wurlitzer foram
fundamentais não apenas para a linha que defende – amilenista – mas para que se
tivesse uma visão panorâmica e simples de todo o livro de Apocalipse.
Para a visão pós-milenista, devido a escassez de livros no mercado brasileiro, utilizou-
se artigos de Kenneth L. Gentry e algumas discussões encontradas na rede youtube.
Devido à similaridade com o amilenismo, não se fez necessária uma pesquisa
muito profunda sobre o tema.
O livro Manual de Teologia Sistemática, de Wayne A. Grudem, foi a principal
fonte de pesquisa pré-milenista, juntamente com os estudos e aulas particulares do
pastor e professor José Wedson Lima.
Para o dispensacionalismo, as principais fontes foram a Bíblia de estudo profética, de
Tim La Haye, e Apocalipse versículo por versículo, de Severino Pedro da Silva.

6
Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo”. Efésios
4:15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ef/4/15+. Acesso em11/06/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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Metodologia
Os métodos utilizados foram a pesquisa bibliográfica descritiva de livros e
artigos físicos e digitais, a visualização de palestras, pregações, aulas e mesas-
redondas sobre o assunto, principalmente através de vídeos encontrados na internet,
e a pesquisa de campo com professores e pastores. O período de realização é de
maio a dezembro de 2013.

7
Ver seção Amilenismo, do capítulo Escatologia Reformada.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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1. CONCEITOS BÁSICOS E PRELIMINARES


Para estudarmos escatologia é necessário ter alguns conceitos em mente. O
primeiro deles já foi dito: escatologia significa, por assim dizer, o estudo do fim dos
tempos, ou estudo das últimas coisas - eschaton significa “último” e logos significa
“palavra”.
A escatologia compreende dois aspectos principais: a escatologia cósmica e a
escatologia individual. A primeira diz respeito ao que irá ocorrer com o mundo, a
população, a natureza, os anjos e os demônios. A segunda trata do que cada um de
nós, cristãos, irá passar a entender e viver a partir do estudo das últimas coisas.
Outro termo importante é “fim dos tempos” ou “últimos dias”, ou melhor, seu
significado no Novo Testamento. Para a bíblia, fim dos tempos é o período entre a
primeira e a segunda vindas de Jesus. A partir da primeira vinda um novo tempo
começou - o eschaton se deu com o nascimento, morte e ressurreição de Cristo8. O
intervalo entre as vindas do Senhor é o período do anúncio do evangelho da graça,
que convida o pecador a se arrepender, nascer de novo e viver uma vida nova com
Deus.
Seguindo, “profecia” significa oráculo, predição por inspiração divina. Quando
um profeta recebia uma palavra, tanto no Novo quanto no Velho Testamento, o
cumprimento se dava em seus dias ou, quando muito, em gerações que lhe tivessem
conexão. Seria irreal e desproposital pensar que um profeta receberia uma mensagem
de Deus e não visse qualquer sentido no que tinha recebido. Por outro lado, parte da
profecia tem sim caráter futurista, como os profetas que falavam do renovo, do
messias, que veio milhares de anos depois de seu tempo. O próprio Jesus falou de
coisas que ocorreram em sua época, mas ao mesmo texto, predizia algo para o futuro.
Devemos, portanto, olhar os textos escatológicos com dimensões para o tempo
do profeta, para os ouvintes originais primeiramente, mas também para os tempos do
porvir. O anjo disse a João que as coisas em breve viriam a ocorrer, ou seja, no seu
tempo, no primeiro século. Por outro lado, tais revelações trazem a chave para
sabermos como nos comportar diante dos eventos futuros.
Reino de Deus é tratado pelo próprio Jesus como uma realidade inaugurada
pela sua primeira vinda9, apesar de haver uma expectativa de manifestação da

8
Ver Hb 1:2, Gl 4:4, Lc 1:46 a 55, Mc 1:15.
9
Lc 10:9, 11:20; Mc 11:15.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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plenitude deste reino10. Houve uma inauguração, há uma vivência atual espiritual
deste reino e o mesmo se irá completar em tempo oportuno.
Segunda vinda é o momento em que o Senhor aparecerá em glória, vindo
através de nuvens. O próprio Jesus se refere a este evento não como “segunda vinda”
mas como parousia (aparecimento). Os profetas do Antigo Testamento, ao verem de
longe, tinham a impressão de que tudo se tratava de um evento só, tanto o servo
sofredor de Isaías 53 como o rei de Jerusalém, de Miquéias 5. Porém, ao vir, o
Senhor só cumpriu a primeira parte, como servo, não como rei – ou, ao menos, não
como rei visível, sendo apenas o rei do coração do seu povo. É por causa deste último
caráter da segunda vinda que João Batista pergunta se Jesus era mesmo o Cristo, já
que Ele só havia cumprido a primeira parte da profecia que o próprio João declarara:
ele ajuntará o trigo em seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se
apaga11.
Milênio, objeto do nosso estudo, é o período de mil anos descrito por João em
Apocalipse 20, em que Satanás é preso e Jesus reina. Ao final, Satanás é solto,
engana as nações, cerca a cidade amada, ao que desce fogo do céu, lançando a ele,
à besta e ao falso profeta no lago de fogo. O texto merece ser transcrito:
E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na
sua mão.
Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por
mil anos.
E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais
engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto
por um pouco de tempo.
E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as
almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de
Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em
suas testas nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos.
Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a
primeira ressurreição.
Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes
não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e
reinarão com ele mil anos.
E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão,
E sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e
Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha.
E subiram sobre a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada;
e de Deus desceu fogo, do céu, e os devorou.
E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta
e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre.

10
Ap 11:15.
11
Lc 3:17.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
15

E vi um grande trono branco, e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença
fugiu a terra e o céu; e não se achou lugar para eles.
E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os
livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas
que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras.
E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que
neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras.
E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte.
E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo
Apocalipse 20:1-15

Em último lugar, este não é um conceito, mas uma chave interpretativa e ao


mesmo tempo um aviso: a bíblia, Jesus e os textos escatológicos não estão
preocupados em saciar nossa curiosidade. Devemos olhar para os textos e tirar deles
o que eles querem dizer, e não o que nós queremos que ele diga. Em suma, devemos
saber quais perguntas se extraem do texto, e não quais perguntas eu desejo que me
sejam respondidas. Isto irá evitar uma série de erros e confusões que muitos de
nossos irmãos caíram ao olhar para o Apocalipse. Sabemos, de forma clara, que
devemos vigiar, pois não sabemos o dia que o Senhor vem12.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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2. ESCATOLOGIA REFORMADA
De forma geral, a escatologia reformada apoia-se na totalidade das escrituras e
em seu sentido original, sem ter de necessariamente crer que passagens descritas na
bíblia sejam literais para que o texto seja respeitado.
Ao saber que o Apocalipse foi uma visão dada a João sobre coisas
maravilhosas, ainda que o apóstolo13 a tenha visto de maneira literal – e.g. João viu,
de fato, um cavaleiro de um cavalo negro que tinha na mão uma balança – a
aplicação de tal visão é espiritual, não literal – usando-se do mesmo exemplo, não se
crê que haverá, de fato, um cavaleiro com um cavalo negro carregando uma balança
para anunciar a fome na terra, mas sim que haverá fome, pura e simplesmente.
Sob esta perspectiva básica se apresentam as duas opções do meio
reformado: o amilenismo e o pós-milenismo. Tanto um quanto outro sustentam que a
descrição do Milênio por João, apesar de ter visto um anjo amarrando o Diabo por mil
anos, não quer dizer que Satanás ficou amarrado por mil anos, literalmente. Não
apenas pela obviedade de Satanás não poder ser amarrado literalmente, por ser um
espírito e cordas de couro não o poderem prender, os mil anos, segundo estas
correntes, representam um período específico na história14.
É de fundamental importância destacar que tanto o a- quanto o pós-milenismo
enxergam as promessas dadas a Israel, relacionadas ao messias e ao reino de Deus,
se cumprindo hoje na igreja. Paulo explica isto dizendo que nem todos os nascidos
pela carne de Abraão são Israel15; descendentes de Abraão são aqueles que, como o
próprio patriarca, alcançaram salvação através da fé, a saber, a igreja. Muitas das
promessas dadas a Israel no Velho Testamento são referidas no Novo, porém tendo

12
Mt 24:42.
13
Assumiremos aqui a autoria de João, o apóstolo, não nos atendo a este ponto por não ser essencial
à matéria deste trabalho.
14
Neste sentido, Gordon Lyons afirma: “Se, contudo, insistirmos que esta
passagem deveria ou deve ser entendida literalmente, então, logicamente, devemos também insistir em
colocar uma interpretação literal nas outras passagens similares. Isto significaria que a chave,
o abismo, e a grande cadeia, faladas na mesma passagem (Apocalipse 20:1), devem ser entendidas
como uma chave literal, um abismo literal e uma cadeia literal. Mas como Satanás — que é um
espírito — pode ser preso com uma cadeia literal e física?”. Em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/lyons_doutrina_segunda_vinda.htm,
tradução por ARAUJO NETO, Felipe Sabino de.
15
“Não quer dizer, porém, que a palavra de Deus tenha falhado. Porque nem todos os que descendem
de Israel são verdadeiros israelitas, como nem todos os descendentes de Abraão são filhos de Abraão;
mas: É em Isaac que terás uma descendência que trará o teu nome {Gn 21,12}. Isto é, não são os
filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que serão considerados como
descendentes”. Romanos 9: 6 a 8. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/9. Acesso em 03/07/13.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
17

cristãos como destinatários16. Sendo tal ponto muito extenso e por não se tratar do
escopo deste trabalho, damo-nos por satisfeitos apenas com o seu resumo17,
retomando-o nas partes da Escatologia Pentecostal e em suas críticas.
As posições a- e pós- divergem na maneira como veem este reino milenar não
literal, o que veremos a seguir.

2.1 Amilenismo
Amilenismo é a visão das últimas coisas que sustenta que a Bíblia não prediz
um ‘Milênio’ ou período de paz e justiça mundial sobre a Terra antes do fim do mundo;
segundo esta visão, haverá um desenvolvimento paralelo e contemporâneo do bem e
do mal – o reino de Deus e o reino de Satanás – neste mundo, que continuará até a
segunda vinda de Cristo. Na segunda vinda de Cristo a ressurreição – apenas uma,
com a volta de Cristo, de ímpios e crentes - e o julgamento acontecerão
simultaneamente, seguidos pela ordem eterna das coisas – o Reino absoluto e
perfeito de Deus, no qual não haverá pecado, sofrimento nem morte.
Olhando para o que ocorre hoje, o amilenismo parece ter alguma razão. Tanto
o crescimento do reino de Deus, através da pregação do evangelho, avança, quanto o
reino de satanás, com a “pregação” contra todos os princípios de Deus, também
avança, e ambos com muitos seguidores. Se tal tendência permanecer até a volta de
Cristo, o amilenismo poderá se confirmar na história.
As bases para o amilenismo são muito importantes18. Em primeiro lugar,
enxerga o apocalipse como um livro poético, essencialmente alegórico. Não se pode

16
Para um excelente apanhado, consultar PROVAN, Charles D. Versículos do Antigo Testamento,
que se referem a Israel, e que são citados no Novo Testamento como se referindo aos cristãos.
Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/israel-igreja-secao2_charles_provan.pdf.
Acesso em 03/07/2013.
17
Uma explicação suscinta e polêmica vem de Arturio Azurdia III, comentando Apocalipse 2:8:” …
Pobreza como conseqüência de blasfêmia e acusações… A fonte de sua perseguição: os romanos. A
perseguição romana era fomentada pelas acusações dos israelitas étnicos, os quais Jesus diz aqui que
não eram dignos desse nome antigo e honrável. “Conheço… a blasfêmia dos que se dizem judeus, e
não o são”. Meus amigos essa é uma declaração profundamente importante. Quando olhamos o fluxo
da história redentiva, o enredo da história da Bíblia se desvela e nos movemos do épico da promessa
para o épico do cumprimento, e o povo de Deus não é mais definido genealogicamente, mas
cristologicamente… cristocentricamente. Você diz: “O que você quer dizer?” Os verdadeiros judeus são
aqueles que seguem a Jesus como seu Messias”. AZURDIA III, Arturo, A igreja substitui Israel?.
Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/igreja-subs-israel_Arturo-Azurdia.pdf.
Acesso em 03/07/2013.
18
Retirado do vídeo http://www.youtube.com/watch?v=ZQ3KxFD-ffo. Acesso em 11/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
18

olhar para um livro poético e tentar extrair dele ensinamentos baseados na literalidade
do texto. Em segundo lugar, justamente por ser alegórico, sua interpretação é difícil;
apenas com o restante da bíblia é possível interpreta-lo corretamente, já que seu
conteúdo não se explica, de maneira satisfatória, por si só. Em terceiro lugar, como já
mencionado, Israel é visto não como o povo judeu, nascido carnalmente de Abraão,
mas como toda a igreja do Senhor, filhos de Abraão segundo a fé19. Em quarto lugar,
o Reino de Cristo já está posto. Tiago, em Atos 15: 15, citando Amós 9, explica que o
tabernáculo de Davi estava cumprido, não necessitando que os gentios se
circuncidassem para que participassem da comunhão. Jesus já é o soberano dos reis
da terra20 e já está assentado à destra de Deus, com um nome acima de todo o
nome21; juntando estes dois aspectos, temos a alegoria de Apocalipse 20, com Cristo
reinando.
Para adotarmos uma visão amilenista clássica, descreveremos o pensamento
do Doutor Willian Hendriksen, em seu livro “Mais que vencedores”.
A interessante abordagem do teólogo divide o apocalipse em sete seções que,
com enfoques diversos, cobrem todo o período da igreja, desde a primeira até a
segunda vinda de Cristo. Há vários argumentos do autor para o paralelismo, mas
talvez o mais forte deles seja o de que tal escrito deveria servir para todos os crentes,
tanto os contemporâneos de João - igrejas da Ásia Menor dos capítulos 2 e 3 - quanto
para nós hoje22, sem tentar prever coisas especificamente históricas nas porções da
visão de João. Além disso, a consumação de todas as coisas é descrita algumas
vezes, não apenas uma vez.
As seções são sete, e os títulos dados pelo autor são: Cristo no meio dos
candeeiros (caps. 1 a 3), em que as sete igrejas cobrem os diversos tipos de igreja ao
longo da era cristã; A visão do céu e dos sete selos (caps. 4 a 7), onde Cristo aparece
imolado, depois governando os céus e então aparecem os crentes em bem
aventurança, onde não teriam mais fome, sede ou qualquer outra mazela; As sete

19
Um texto que retrata de forma suscinta e especial tal sentido está em Gálatas 3: 24 a 29: “De
maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados.
Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em
Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não
há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em
Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a
promessa”. Grifo meu. Em Gálatas 3:24-29. Acesso em 11/7/2013.
20
Ap 1:5.
21
Fp 2: 9.
22
HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2011. Pg 2.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
19

trombetas (caps. 8 a 11), que descrevem os juízos de Deus para a humanidade e


encerram-se, uma vez mais com o fim da presente era - “O reino do mundo tornou-se de
nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos... Na verdade, as
nações se enfureceram; chegou, porém, a tua ira, e o tempo determinado para serem
julgados os mortos, para se dar o galardão aos teus servos, os profetas, aos santos e aos que
temem o teu nome, assim aos pequenos como aos grandes, e para destruíres os que
destroem a terra; O dragão perseguidor (caps. 12 a 14), terminando com a visão do
filho do homem ceifando a terra; As sete taças (caps. 15 e 16), descrevendo com mais
enfoque a ira de Deus sobre o mundo e revelando o fim, dizendo que todas as ilhas e
montes fugiram da presença do Altíssimo; A queda de Babilônia (caps.17 a 19),
descrevendo o cavaleiro do cavalo branco vindo para julgar; e A grande consumação
(caps. 20 a 22), tratando mais especificamente da descrição do fim e introduzindo
novo tema, o porvir.
Em cada seção há um tema, mas em todas elas há referências do juízo de
Cristo e de seu Reino. Toda esta explanação é necessária para dizer que Apocalipse
20 é apenas uma das várias descrições de toda a era da pregação do evangelho,
inaugurada na primeira vinda de Jesus, consumando-se com sua volta.
Na visão amilenista Satanás está preso, mas não totalmente inativo23. O que
ele perdeu foi seu poder de enganar as nações, particularmente no sentido de não
poder impedir, em última instância24, a expansão missionária da igreja na terra. Antes,
no período veterotestamentário, Satanás enganava as nações, e a revelação de Deus
para o homem, apesar de não totalmente restrita, fora dada a Israel. Agora, com o
nascimento, vida, morte e ressurreição de Cristo, Satanás foi lançado à terra e só lhe
restou cólera, pois foi publicamente exposto ao desprezo25.
Para corroborar esta visão, o bispo José Ildo Swartele de Melo26, diz que o
verso 3 de Apocalipse 20 – Satanás sendo lançado no abismo – não descreve algo

23
Hendriksen usa a figura de um cão preso a uma coleira, que dentro do raio que o comprimento da
coleira lhe põe, pode fazer grandes estragos.
24
Satanás faz oposição, a todo tempo, à atividade missionária, mas a promessa do Senhor é que as
portas do inferno não prevalecerão contra a igreja.
25
E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo.
Colossenses 2:15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/cl/2. Acesso em 18/06/2013.
26
Retirado do debate entre Amilenismo e Pré-milenismo entre o referido bispo o pastor Leandro
Tarrataca. Em http://www.youtube.com/watch?v=fzMxQYWQjKI e suas continuações. Acesso em
18/06/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
20

futuro, mas que já ocorreu, quando Jesus ressuscitou27. Este pensamento é


corroborado porque os últimos versos do capítulo 19 já descrevem o fim, falando
sobre a prisão da besta e do falso profeta, sendo lançados vivos dentro do lago de
fogo. E aquelas pessoas que restaram foram destruídas com a espada que saía da
boca do que estava assentado sobre o cavalo, a saber, Jesus glorificado.
Sendo assim, Satanás foi precipitado dos céus quando tentou se igualar a
28
Deus , tendo ainda, porém, livre acesso para falar com Deus nos céus e voltar à
terra29. À morte de Cristo, foi definitivamente precipitado à terra30, perdendo o cargo
de acusador dos nossos irmãos31, restando-lhe apenas ira. Por isso a manifestação
demoníaca a partir do Novo Testamento é bem mais intensa, pois ainda que
manietado, está em revolta contra a semente do messias, que é a igreja.
Outro argumento de peso a favor do amilenismo são os versos 4 a 6 do capítulo
em comento. João viu a alma dos decapitados, não seus corpos. Há textos em que o
termo almas é usado para pessoas32, mas não parece ser o caso aqui. Quem participa
deste reino são esses, e os que morreram sem a salvação, não reviveram até se
findarem os mil anos. Ele viu também tronos. E viu Cristo reinando com eles por mil
anos. E todos estes eventos ocorrem no céu, de onde Cristo reina33. Portanto, o reino
milenar percorre toda a era cristã, e está ocorrendo primariamente no céu.

27
“Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos
tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo”. 2 Pedro 2:4, e “E aos anjos que não conservaram
suas posições de autoridade mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas,
presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia”. Judas 1:6. Em
http://www.bibliaonline.com.br/, acesso em 24/06/2013.
28
E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no
monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei
semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo. Isaías
14:13-15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/14. Acesso em 18/06/2013.
29
E, vindo outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também
Satanás entre eles, apresentar-se perante o SENHOR. Então o SENHOR disse a Satanás: Donde
vens? E respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. Jó 2:1-2. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/j%C3%B3/2. Acesso em 18/06/2013.
30
E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as
suas vidas até à morte. Por isso alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na
terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.
Apocalipse 12:11-12. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/12. Acesso em 18/06/2013.
31
E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo
o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. E ouvi uma grande voz
no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu
Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava
de dia e de noite. Apocalipse 12:9-10. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/12. Acesso em
18/06/2013.
32
Ex: At 2:41.
33
Apocalipse 12.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
21

Após os mil anos, Satanás é solto de sua prisão e empreende um levante


intenso contra o povo de Deus e a cidade amada. O símbolo utilizado é Gogue e
Magogue, cidades sírias sob o comando de Antíoco Epifanes, no século II a.C. Quatro
fatores interessantes: primeiro, Gogue e Magogue foram a grande opressão
enfrentada por Israel na antiga aliança; segundo, os exércitos deles eram muito
numerosos; terceiro, a tribulação sob Epifanes foi intensa e de curta duração;
finalmente, a derrota síria foi rápida e inesperada. Todos estes fatores sugerem a
forma como se dará o fim deste milênio simbólico: todo o mundo secular perseguirá a
igreja do Senhor, numa escala mundial, intensamente e por um período breve de
tempo34.
Terminado o milênio, há o julgamento do grande trono branco, nos versos 11 a
15. Céus e terra fogem de face de Cristo, assentado sobre o trono35, numa dissolução
dos elementos pelo calor36. Todas as coisas estão sendo regeneradas, restauradas e
libertas da corrupção37. Então, são abertos os livros que contêm os registros
biográficos de cada pessoa38, e aberto também o livro da vida39; os mortos são
julgados segundo as suas obras40. O mar devolve os seus mortos, bem como o Hades
e a Morte. Essa é, segundo o amilenismo, a única ressurreição geral que ocorrerá41, a
mesma descrita em 2 Pedro 3: 10, não havendo na Escritura qualquer referência a
duas ressurreições, uma dos santos, antes do milênio e outra dos condenados, ao fim

34
“Noutras palavras, temos, aqui em Apocalipse 20.7-10, a descrição da mesma batalha - não guerra -
que foi descrita em Apocalipse 16.12ss. e 19.19. Em todos os casos lemos no original: a peleja. Ap.
16.14 diz: "...com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande dia do Deus Todo-poderoso". E
Apocalipse 19.19: "...congregados para pelejarem contra aquele que estava montado no cavalo, e
contra o seu exército". Igualmente, aqui em Apocalipse 20.8: "...a fim de reuni-los para a peleja". Essas
descrições não se referem a diferentes batalhas. Temos aqui uma e a mesma batalha. Em todos os três
casos trata-se da batalha do Armagedom. E o ataque final das forças anticristãs contra a Igreja. A coisa
"nova" revelada em Apocalipse 20 é o que acontece a Satanás como resultado dessa batalha
(...).Magogue. E tão rápido e inesperado como o relâmpago que risca o céu (cf 2 Ts 2.8). Assim,
subitamente, Cristo surgirá e desbaratará seus inimigos! Esta é a sua única vinda para juízo. Satanás
enganou o mundo iníquo (...).O sentido não é de que a besta e o falso profeta sejam realmente
lançados no inferno antes de Satanás; significa, sim, que a punição da besta e do falso profeta já foi
anteriormente descrita (Ap 19. 20). Todos eles caem juntamente, Satanás, a besta e o falso profeta.
Isso tem de ser verdadeiro, pois a besta é o poder perseguidor de Satanás e o falso profeta é a religião
anticristã. Onde quer que Satanás esteja, aí estarão os outros dois.” HENDRIKSEN, William. Op. cit. pg
74.
35
Mt 25: 31; Ap 14:14.
36
2 Pe 3:10.
37
Mt 19:28, At 3:21, Rm 8:21.
38
Dn 7:10.
39
Ap 3:5 e 13:8.
40
Mt 25:31, Rm 14:10 e 2 Co 5:10.
41
Ver Jo 5:28ss, 6:39, 44, 54
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
22

do milênio42. Para os santos, que já estarão desfrutando da presença de Deus em


espírito, se lhes retornará o corpo, mas transformado, e os outros serão ressuscitados
para a condenação eterna, com seus corpos terrenos.
Portanto, resumidamente, Apocalipse 20, até o verso 6, descreve a primeira
vinda de Jesus – o anjo que desce do céu é Ele próprio, manietando Satanás; após,
do verso 7 ao 10, é descrita a batalha43 e a derrota definitiva de Satanás, não apenas
a sua prisão, ou seja, sua limitação de ação44. Entre estes dois eventos há um
intervalo de mil anos. Ora, que intervalo é este? É um reino físico e literal de Cristo?
Ou seria a segunda vinda d’Ele, mas ainda com Satanás solto? Não, nenhuma das
opções! Este intervalo é a era da oferta do Evangelho, entre a primeira e a segunda
vindas do Senhor.

2.1.1 Dificuldades do Amilenismo


Em todos os sistemas há dificuldades. Procuraremos apontar, em cada um
deles, quais são os principais “pontos cegos”, aspectos que normalmente são usados
pelos defensores das outras linhas.
No caso do amilenismo, a principal objeção é quanto à exegese do texto de
Apocalipse 20, mais especificamente o contexto tratado. O texto diz o seguinte:
Vi as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da
palavra de Deus. Eles não tinham adorado a besta nem a sua imagem, e não tinham
recebido a sua marca na testa nem nas mãos. Eles ressuscitaram (grego: zao) e
reinaram com Cristo durante mil anos.
(O restante dos mortos não voltou a viver (zao) até se completarem os mil anos.) Esta
é a primeira ressurreição.

É bem patente que o texto está tratando de pessoas que morreram literalmente,
não figuradamente. Como o amilenismo quer dizer que tal texto trata de toda a
dispensação cristã e que esta ressurreição é o novo nascimento em Jesus se o texto
diz decapitados? É muito difícil inferir que todos os convertidos no Senhor sejam
decapitados, mártires. Não parece ser esta a intenção do texto.

42
Posição defendida pelas linhas da Escatologia Pentecostal.
43
Segundo o amilenismo, Ap 16: 14 e 19: 19 são textos paralelos da mesma batalha, apenas descritos
de forma diversa. Se, como querem os literalistas, o Apocalipse é uma narrativa cronológica, teríamos
5, 6 ou 7 batalhas? Ou seria mais condizente pensarmos em apenas uma batalha, olhada sob vários
enfoques?
44
“Ninguém pode roubar os bens do valente, entrando-lhe em sua casa, se primeiro não maniatar o
valente; e então roubará a sua casa”. Mc 3: 27 Em Marcos 3:27. Acesso em 11/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
23

Em segundo lugar, seria contra as regras da exegese ter a primeira


ressurreição (zao) como sendo espiritual e a segunda ressurreição (também zao)
como sendo física - após os mil anos. Se o milênio é figurado, ou as duas
ressurreições seriam figuradas ou ambas seriam físicas. A palavra zao é utilizada para
significados diversos45 na bíblia, e é justamente por este fator que se deve ter em
máxima conta o contexto para determinar seu significado. É incongruente tratar as
mesmas palavras no original dando-lhes significados diversos dentro do mesmo
contexto.
A terceira objeção é a de que Apocalipse 20 revela, sim, algo novo em relação
ao restante das escrituras, no que diz respeito ao tempo das ressurreições. Como
exemplo, o amilenismo cita 2 Tessalonicensses 1: 6-1046 como um texto doutrinário
para a ressurreição, texto este que indica que Deus retribuirá com tribulação àqueles
que atribulam os santos. Segundo os amilenistas, não há qualquer citação no texto de
que haverá um intervalo entre ressurreições, já que o Senhor retribuirá aos inimigos
da igreja, que passam por tribulações, com o seu juízo repentino. Porém, o argumento
em contra é o de que tal texto sequer fala de ressurreição, apenas destaca o juízo de
Deus aos ímpios, e o de Apocalipse 20, por ser posterior e tratar dos assuntos do fim,
deve ter a palavra final sobre tal assunto.
Em quarto lugar, se Satanás está preso, ainda que apenas limitadamente
falando, como ele cega o entendimento dos descrentes, segundo 2 Co 4:4? Como
anda em derredor, procurando a quem tragar? Como faz oposição a Paulo e aos
demais apóstolos, por todo o livro de Atos? A figura do Diabo amarrado, trancado
numa cadeia e lançado num abismo não parece compatível com os termos do
amilenismo, por mais que se argumente que ele apenas está amarrado para não
impedir a pregação do Evangelho. Mesmo com tal esforço, nada no texto sugere que
é apenas uma limitação.

45
Ex: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande
misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os
mortos, 1 Pedro 1:3. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/1pe/1. Acesso em 01/07/2013.
46
“É justo da parte de Deus retribuir com tribulação aos que lhes causam tribulação,
e dar alívio a vocês, que estão sendo atribulados, e a nós também. Isso acontecerá quando o Senhor
Jesus for revelado lá do céu, com os seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes.
Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor
Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade
do seu poder. Isso acontecerá no dia em que ele vier para ser glorificado em seus santos e admirado
em todos os que creram, inclusive vocês que creram em nosso testemunho.”
2 Tessalonicenses 1:6-10. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/2ts/1. Acesso em 01/07/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
24

Em quinto e último lugar, como encarar textos, no Velho Testamento, que


parecem insistir numa volta do povo de Israel para a terra prometida (Ezequiel 36 e
37)? Será que Deus mudou tanto de ideia que tais promessas se cumprem no “grande
Israel”, ou seja, a igreja e os israelitas? O texto de Romanos 11 também parece
indicar que Deus não terminou sua história com Israel, ainda que seja apenas com um
remanescente, pois são amados por causa dos patriarcas, mesmo sendo inimigos do
evangelho, por nossa causa47.

2.2 Pós-milenismo
O pós-milenismo muito se assemelha ao amilenismo. Uma das melhores
definições desta linha é do renomado teólogo Kenneth L. Gentry48, que transcrevo:
O pós-milenismo espera que a proclamação do… evangelho… ganhe a vasta maioria
dos seres humanos para Cristo na presente era. O aumento do sucesso do evangelho
produzirá gradualmente um tempo na história antes do retorno de Cristo no qual a fé,
justiça, paz e prosperidade prevalecerão nos assuntos do povo e das nações. Após
uma extensa era de tais condições, o Senhor retornará visível e corporalmente, e em
grande glória, terminando a história com a ressurreição geral e o grande julgamento de
toda a humanidade.

No pós-milenismo, Cristo volta após o Milênio, que é a presente era, justamente


a que estamos vivendo. Tal era não tem a duração de mil anos literais. Difere-se do
amilenismo porque este crê que tal milênio é apenas figurado, apesar de também ser
a presente era. Para o pós-milenismo não: no milênio a pregação do Evangelho será
forte e gradativamente ganhará o mundo. Chegará um tempo em que a influência
cristã será tão grande que a maioria da população do mundo se converterá a Cristo,
instaurando um tempo de paz e prosperidade na terra.
Há quatro características básicas no pós-milenismo: preterismo, gradualismo,
otimismo e domínio49.

47
“Quanto ao evangelho, eles são inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, são amados por
causa dos patriarcas, pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Assim como vocês, que
antes eram desobedientes a Deus mas agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles,
assim também agora eles se tornaram desobedientes, a fim de que também recebam agora
misericórdia, graças à misericórdia de Deus para com vocês. Pois Deus colocou todos sob a
desobediência, para exercer misericórdia para com todos. Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos!”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/nvi/rm/11. Acesso em 17/7/2013.
48
GENTRY, Kenneth L. Pós-Milenismo: Um Resumo. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto.
Disponível em http://monergismo.com/wp-content/uploads/artigo-resumo-posmilenismo_k-gentry.pdf.
49
Os quatro pontos foram retirados de um encontro teológico, disponibilizado em vídeo através do link
http://www.youtube.com/watch?v=eVkMUiBj0-E. Acesso 02/07/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
25

Preterismo é a disposição em olhar as profecias bíblicas tendo seu


cumprimento no passado. Por isso, as profecias de Apocalipse já tiveram seu
cumprimento no passado, do capítulo um até parte do capítulo 20. Exatamente após
satanás ser solto até o final do livro, as profecias terão seu cumprimento no futuro,
mas apenas esta pequena parte. Todas as trombetas, flagelos, selos e visões
celestiais de toda ordem já ocorreram, principalmente no século primeiro, até o ano 70
D.C.
A besta, a marca da besta, a prostituta, a grande Babilônia se referem a
elementos do primeiro século, principalmente relativos ao império romano. O primeiro
verso do livro diz que aquelas coisas em breve deveriam acontecer. No capítulo 22, a
João é dito para não selar as palavras que recebera, pois o tempo estava próximo. É
como se tais eventos fossem ocorrer por aqueles anos, o que para o pós-milenismo é
a interpretação correta.
Para corroborar a visão preterista, Deus diz a Daniel justamente o oposto: A
visão das tardes e das manhãs que você recebeu é verdadeira; sela porém a visão,
pois refere-se ao futuro distante"50 (grifo meu). Ora, se a Daniel é dada a ordem de
selar a visão porque se referia a um futuro distante e ele estava a quinhentos anos de
Jesus, justamente o principal objeto de suas profecias, e do Apocalipse de João,
quando o Senhor diz a João para não selar o que lhe estava sendo dado porque o
tempo estava próximo, é porque estava próximo mesmo.
Os últimos dias, como já foi dito, tem início com a primeira vinda de Jesus51.
Não é correto relacionar os “últimos dias” bíblicos com se fossem os 15 dias antes da
volta de Jesus. Paulo adverte a Timóteo para se afastar dos zombadores,
caluniadores e blasfemos, marca de que estavam nos últimos dias.
A segunda característica é o gradualismo. O Reino de Deus não será
implantado de uma única vez; Cristo não irá voltar e “shazam”, todos irão se dobrar
diante dele. A implantação do Reino é gradual, começou com Jesus, em Israel, para
aquelas poucas pessoas, como um grão de mostarda, está crescendo até hoje e
continuará em direção ao futuro. O Reino dos céus é como um fermento que uma
mulher colocou numa massa, que ficou fermentada. Quando a árvore estiver
suficientemente grande, as aves do céu vêm e se aninham – indica a paz gradual – e

50
Dn 8:26. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/dn/8. Acesso em 02/07/2013.
51
Conf. CONCEITOS BÁSICOS E PRELIMINARES.
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Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
26

quando o fermento for colocado na massa ela cresce – não é por imposição, o reino
apenas vai crescendo52.
Ainda que o mundo piore no futuro, a palavra de Deus vencerá e as portas do
inferno não prevalecerão contra a igreja. Esta é a promessa de Jesus.
O terceiro e quarto pontos são o otimismo e/ou domínio do Reino. Muitos
amilenistas combatem esta característica, principal distinção entre eles e os pós-
milenistas. O pós-milenismo seria um “amilenismo otimista” – o que faria dos
amilenistas teólogos pessimistas. O domínio do Reino pressupõe que o Reino de
Deus não está crescendo apenas dentro do coração do crente, mas se expande em
um domínio de tudo, com a afirmação de que, ao Jesus se humilhar, Deus o colocou
com uma autoridade universal, sobre todo o nome que se nomeia53. Não apenas na
igreja, mas nas escolas, na política, nas artes, na economia e em todas as áreas, a
influência do Reino está gradativamente tomando todo o conhecimento. Um texto que
bem expõe tal pensamento está em Isaías 2: 2 a 4:
Nos últimos dias o monte do templo do Senhor será estabelecido como o principal;
será elevado acima das colinas, e todas as nações correrão para ele.
Virão muitos povos e dirão: "Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do
Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas
veredas". Pois, a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor.
Ele julgará entre as nações e resolverá contendas de muitos povos. Eles farão de suas
espadas arados, e de suas lanças foices. Uma nação não mais pegará em armas para
atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra54.

Somente na visão pós-milenista este texto faz algum sentido. O monte aqui
descrito é Sião, que em Hebreus tem sua interpretação: a graça de Deus, Sua casa,
Sua habitação, Seu domínio. Nos últimos dias este estado de coisas é estabelecido.
Os povos vêm procurar os caminhos de Deus, vêm andar em suas veredas. Não
parece que este domínio será algo imposto, mas desejado, gradual; eles farão - e não
um poder coercitivo – de suas espadas arados e de suas lanças foices – em outras
palavras, trabalharão para ter sustento sem retira-lo à força do seu próximo. Sião, em
última instância, é a igreja, as pessoas que estão sob o domínio deste Reino. A lei
sairá da igreja, dela virá a palavra do Senhor, e os reis da terra procurarão em nós a
solução de seus problemas.

52
Ambas as parábolas se encontram em Mt 13:31-33.
53
“Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome”. Fp 2:9.
54
Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/is/2/3. Acesso em 02/07/2013.
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27

Paulo, em Atos 13, prega o Salmo 2, referindo-se a Jesus como seu


cumprimento. Neste Salmo o Pai diz ao filho: Pede-me e te darei as nações por
herança. O cumprimento deste salmo já está em operação; Jesus está recebendo por
herança o fruto de seu penoso trabalho e está ficando satisfeito55. As nações estão
conhecendo o Evangelho, até que venha o fim, pois toda a autoridade lhe foi dada nos
céus e na terra para que cumpríssemos a sua grande comissão.
Em I Coríntios 15: 22 a 26, Paulo dá certa “sequência” para a volta de Cristo. O
último inimigo a ser derrotado é a morte, com a segunda vinda de Cristo. Para provar
este raciocínio basta ler o texto com cuidado: primeiro Cristo – que é as primícias dos
que dormem – que já foi ressuscitado, depois os que dormem em Cristo, e então o fim
virá. É interessante notar que Paulo sequer cita os incrédulos já que a explanação não
necessita que sejam colocados na lista. Todos, crentes e incrédulos, são
ressuscitados por ocasião da segunda vinda de Jesus, para que venha o fim. Porém o
texto fornece um elemento gradual: até que todos os inimigos sejam postos debaixo
de seus pés. Quando isto ocorrer, Ele virá, e desbaratará a morte.
Ora, se a morte é o último inimigo, qualquer contexto em que ela ainda exista,
por melhor que seja, ainda não é o contexto final. O texto de Isaías 65: 16 a 20 retrata
justamente tal período: o que desejar ser abençoado desejará sê-lo pelo Deus fiel;
alegria e felicidade serão experimentadas; e não morrerá menino, e será jovem o que
morrer aos cem anos. Em outras palavras, haverá uma realidade muito boa, justa e
feliz, porém a morte ainda terá lugar. Um texto como este só se encaixa logicamente
na ótica pós-milenista. Este e outros pontos convergem para o domínio do reino, visão
otimista gerada pelo pós-milenismo.
Sociologicamente falando, o pós-milenista não têm uma visão viciada da cultura
e da atuação da igreja no contexto em que atua. Ao ter como princípio que o Reino de
Deus e sua justiça estão sendo estabelecidos pela igreja, gradualmente, atua na terra
de maneira vívida e contextualizada, procurando trazer todas as coisas, das artes à
política, ao domínio de Cristo, sem ter de fazer proselitismo para tal. Em outras
palavras, cumpre seu mandato cultural sem ter a visão de que “o mundo jaz no
maligno, e que assim permaneça, pois eu vou para o céu!”.

55
Isaías 53: 11.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
28

2.2.1 Dificuldades do Pós-milenismo


A primeira séria dificuldade para o pós-milenismo diz respeito ao preterismo. A
tendência em colocar o cumprimento de profecias no tempo do primeiro século, quase
que de maneira restrita, cria uma série de dificuldades. Como explicar o texto de
Mateus 24 em que Jesus cita o abominável da desolação de Daniel, que teve seu
cumprimento com Antíoco Epifanes, se Paulo em 2 Tessalonicenses 2: 7 a 12 fala que
o mistério da iniquidade, já em operação naqueles dias, ainda aguarda manifestação?
Tal iníquo será destruído, diz Paulo, por ocasião da vinda de Jesus, com o sopro de
Sua boca. Por isso, profecias de duplo cumprimento56 não tem resposta neste
sistema. A resposta pós-milenista é, em geral, dividir as profecias como sendo ou de
cumprimento futuro ou pretérito. Se tudo o que João diz que em breve viria a ocorrer
já devesse ter ocorrido, pela mesma lógica, já deveria também ter ocorrido a volta de
Jesus quando disse que em breve o veriam assentado à direita do Poder e vindo
sobre as nuvens do céu57.
A segunda crítica diz respeito à alienação que tal visão tem sobre a crescente
tensão entre o viver do crente e o pensamento mundano. Há inúmeros textos que
implicam neste aparente distanciamento do mundo, porém o de maior impacto é o de
1 Coríntios 7: 29 a 31:
Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. O que importa é que os que têm
mulher vivam como se a não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os
que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não
possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem. Porque a figura
deste mundo passa58.

Não parece ser isto que pós-milenismo afirma. Ao contrário do que prega tal
linha, a aparência deste mundo está passando, o tempo se abrevia. A expectativa do
retorno de Cristo é o que nos dá esperança em meio a um mundo depravado e alheio
à Sua presença. Os pós-milenistas respondem que tal tensão tem lugar só até o
momento em que o mundo ainda tem parcela incrédula; não nega a dicotomia Cristo x
Mundo, mas afirma que o domínio de Cristo sempre avança. Isto seria uma maneira

56
Ou seja, o texto de Mateus 24, combinado com o de 2 Tessalonicenses, sugere que uma profecia
tem cumprimento imediato e mediato, assim como as profecias do Antigo Testamento, mais
especificamente as referentes ao messias.
57
Mateus 26:64.
58
Em 1 Coríntios 7: 29-31. Acesso em 3/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
29

de coadunar textos que realçam este contraste – como o de João 15: 1959 – com
aqueles que divulgam uma expansão do Reino – como o de Mateus 13: 3360.
Em terceiro lugar, ainda que não se negue diretamente, o sofrimento com Cristo
não parece ter muito lugar nesta abordagem. Textos como 2 Co 4: 8 a 10, que
mostram o martírio com o Senhor, parecem ser ignorados. A resposta pós-milenista é
que não se nega tal sofrimento, mas que, pelo contrário, estas pisaduras dos crentes
corroboram para o crescimento do evangelho na terra. A maior prova disso é que a
morte violenta de Jesus não apenas não freou seu ministério, mas deu início a ele,
com a conquista de pessoas de toda raça, tribo, língua e nação.
A quarta crítica à visão otimista reformada é quanto à dinâmica do texto de
Apocalipse 20. João parece narrar uma cronologia de acontecimentos: vê descer do
céu um anjo, Satanás é preso por mil anos, lançado no abismo, até que os mil anos
se acabem. Neste tempo, os que morreram em Cristo vivem, não os ímpios. Após, o
dragão é solto, sai a enganar as nações pelos quatro cantos da terra, os ajunta em
batalha contra a cidade amada; mas desce fogo do céu e os consome. Depois, estes
inimigos são lançados no lago de fogo e o último a ser derrotado é a morte. Ora, como
coadunar a visão pós-milenista de avanço triunfante do evangelho se Satanás será
solto? O que dizer da fantástica visão de Satanás ajuntando os gentios em batalha,
cercando a cidade amada? A resposta pós-milenista é que Satanás será solto,
obviamente de maneira figurada, apenas por um curto período, às vésperas da volta
de Cristo. Metade da última semana de Daniel nós estamos vivendo – avanço do
evangelho, que sai vencendo e para vencer, mas com tribulação – e a outra metade,
onde Satanás é solto, os flagelos são liberados, são destruídas várias partes da terra,
não terá o mesmo tempo que a primeira61 – será um curto espaço de tempo,
abreviado, por causa dos eleitos62. Além disso, toda esta suposta narrativa é vista
apenas como alegoria do que a bíblia já diz de outras maneiras.

59
Se vós fósseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu
vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Em João 15:19. Acesso em 9/7/2013.
60
Outra parábola lhes disse: O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e
introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado. Em Mateus 13:33. Acesso em
9/7/2013.
61
Esta visão é a do paralelismo progressivo, a mesma amilenista, que considera partes
diferentes do texto de Apocalipse como se referindo aos mesmos eventos mas que vão contando a
história com diferentes enfoques, cada vez mais tendentes ao fim, sendo o capítulo 22 o clímax.
62
E, se o Senhor não abreviasse aqueles dias, nenhuma carne se salvaria; mas, por causa dos
eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias. Em Marcos 13:20. Acesso em 9/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
30

3. ESCATOLOGIA PENTECOSTAL
Apesar do título deste capítulo, não há uma escatologia pentecostal
propriamente dita, diferentemente da reformada. O pentecostalismo, tanto o clássico
quanto o neo, se apropriaram de comentários de John Nelson Darby, Tim La Haye,
Hal Lindsey, Lawrence Olson, Wayne Grudem, Cyrus Ingerson Scofield e
estabeleceram suas visões como interpretações satisfatórias da bíblia, principalmente
pelo caráter dito fiel por se ater à literalidade do texto63.
A segunda característica da escatologia pentecostal é diferenciar o plano de
Deus para Israel do plano de Deus para a Igreja. Assim, Deus tem dois povos distintos
e tratará com eles, até a consumação dos tempos, de maneiras distintas. No entanto é
importante ressalvar que o neopentecostalismo tenta aplicar, literalmente e fora de
contexto, passagens de promessas feitas a Israel como se fossem para a igreja – em
geral, textos que falam de temas de prosperidade, como sobre ser cabeça e não
cauda64 ou possuir o lugar onde se pisar a planta do pé65. Ou seja, num sentido, Israel
e Igreja são povos distintos: Deus tem seu povo particular, Israel, os trata de maneiras
diferentes, a salvação para ambos não é igual – para a igreja, Jesus já se manifestou,
para Israel, se manifestará na tribulação ou após ela - e o desfecho da história terá a
participação de ambos com funções distintas; de outro lado, quaisquer promessas
dadas a Israel se aplicariam à igreja, principalmente as triunfantes.
A Escatologia Reformada prega justamente o oposto. Resumidamente, a igreja
de hoje é o verdadeiro Israel66, no que se refere ao cumprimento do grande plano de
Deus usando o Messias aos gentios, conforme explicado por Paulo67. Por outro lado,
distingue o tipo de relacionamento entre Deus e Israel ainda no tempo da lei, baseado
em preceitos que não traziam o homem a Deus68, do tipo de relacionamento que tem

63
Outro grupo que, apesar de não ser pentecostal, bebe das mesmas fontes, são os batistas.
64
Deuteronômio 28:13.
65
Josué 1:3.
66
Ver http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/israel-igreja-
secao2_charles_provan.pdf.
67
“Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua
descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são
contados como descendência”. Romanos 9: 7 e 8. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/9. Acesso
em 16/7/2013.
68
“Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o
conhecimento do pecado”. Romanos 3: 20. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/3/20. Acesso em
16/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
31

hoje com a igreja. Para os reformados o povo da promessa é um só69, tendo Deus
começado com Abraão, posteriormente com Israel, e posteriormente com toda a
humanidade, sem distinções, através de Jesus.
Porém, há vários textos que sugerem um plano especial de Deus quanto aos
judeus, mesmo que apenas com o remanescente. Os capítulos 36 e 37 de Ezequiel
predizem um tempo em que Deus os ajuntará de novo na terra que lhes prometeu.
Mesmo que tal já tenha ocorrido com o retorno dos judeus do Exílio no século V a.C.,
e que se possa aplicar à igreja, quando Jesus vier e instaurar novos céus e nova terra,
Paulo, em Romanos 11, explica que Israel – não todos, mas um remanescente que
Deus preserva fiel – é inimigo do evangelho, para que aos gentios seja dada a
oportunidade de ver a salvação, mas amado por causa dos patriarcas. Deus não
revoga suas promessas e a história d’Ele com os descendentes de Abraão ainda não
chegou ao fim.
Estes dois pontos – a literalidade e o Israel natural – são a base da doutrina
pentecostal para o estudo do Apocalipse e de toda a literatura escatológica do
restante das escrituras. A profecia de Lucas 1: 31-33, com Jesus ocupando o trono de
Davi, não parece ter sido completada ainda. Ele veio para recolher o trigo no seu
celeiro e queimar a palha em fogo inextinguível, e isto também ainda não ocorreu.
Profecias como as de Isaías 11: 11-1270, 14:171, Jeremias 16: 14-1572, 23: 5-673 e

69
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes
perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de
separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que
consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a
paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto; Porque por ele ambos temos acesso ao Pai
em um mesmo Espírito.” Grifo meu. Efésios 2: 13 a 18. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ef/2.
Acesso em 16/7/2013.
70
“E há de ser que naquele dia o Senhor tornará a pôr a sua mão para adquirir outra vez o
remanescente do seu povo, que for deixado, da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elã,
e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar. E levantará um estandarte entre as nações, e ajuntará os
desterrados de Israel, e os dispersos de Judá congregará desde os quatro confins da terra”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/11. Acesso em 18/7/2013.
71
“Porque o SENHOR se compadecerá de Jacó, e ainda escolherá a Israel e os porá na sua própria
terra; e ajuntar-se-ão com eles os estrangeiros, e se achegarão à casa de Jacó”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/14. Acesso em 18/7/2013.
72
“Portanto, eis que dias vêm, diz o SENHOR, em que nunca mais se dirá: Vive o SENHOR, que fez
subir os filhos de Israel da terra do Egito. Mas: Vive o SENHOR, que fez subir os filhos de Israel da
terra do norte, e de todas as terras para onde os tinha lançado; porque eu os farei voltar à sua terra, a
qual dei a seus pais”. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/jr/16. Acesso em 18/7/2013.
73
“Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e
agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra. “Nos seus dias Judá será salvo, e Israel
habitará seguro; e este será o seu nome, com o qual Deus o chamará: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA”.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
32

Amós 9:14-1574, apesar de terem tido cumprimento com o retorno de Israel do


cativeiro babilônico, não foram total e plenamente cumpridas. Afinal, eles foram
desarraigados de seu território, novamente, e Jesus não é seu rei terreno. Até os dias
de hoje cada judeu, em cada parte do mundo, nas orações do pessach75, afirmam le
shana habaa b’Yerushalaim – “ano que vem, em Jerusalém” – num pedido incessante
a Iavé para que reúna, de todos os cantos do mundo, cada judeu, na sua cidade
sagrada.
Aprofundando um pouco mais esta questão, os pentecostais se utilizam de
argumentos de estudiosos judeus, que não creem que Jesus é o messias, justamente
para dizer que todas as profecias que o Senhor não cumpriu, o fará no Milênio, e
neste momento Israel terá uma segunda chance. De fato, há várias profecias que não
se cumpriram em Jesus76, ao menos não literalmente. Dentre elas, as mais
importantes são: Elias não apareceu77, o que ocorrerá nos tempos do fim78; o messias
deve reunir o povo judeu do exílio79, o que acontecerá no período antes ou durante a
grande tribulação; quando o messias vier, instaurar-se-á a paz mundial, terminará o
ódio, a opressão, o sofrimento e as doenças80; e divulgar-se-á o conhecimento de
Deus sobre toda a terra81. Obviamente, há várias outras refutações do judaísmo82 a
aceitar Jesus como messias, desde o fato de um homem ser Deus83 até a rejeição de

POLINI, José. Israel e a Igreja. Disponível em: http://www.slideshare.net/renaapborges/israel-e-a-


igreja-pr-jos-polini. Acesso em 18/7/2013.
74
“E trarei do cativeiro meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e
plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e farão pomares, e lhes comerão o fruto. E plantá-los-ei na
sua terra, e não serão mais arrancados da sua terra que lhes dei, diz o SENHOR teu Deus”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/am/9. Acesso em 18/7/2013.
75
Festividade judaica que relembra a passagem (pessach) do anjo da morte sobre o Egito e a
libertação de Israel da escravidão. No nosso idioma, é a páscoa judaica.
76
Para um texto claro e resumido sobre Jesus não ser o messias, ver MARQUES. Sebastião Fabiano
Pinto. Por quê Jesus não é o messias judeu? (2010). Disponível em: http://www.matutando.com/por-
que-jesus-nao-e-o-messias-judeu/. Acesso em 23/7/2013.
77
Malaquias 4:5-6.
78
Apocalipse 11.
79
Isaías 11:12 e 43:5-6.
80
Isaías 2:4.
81
“E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia um será o Senhor, e um será o seu nome”.
Zacarias 14:9. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/zc/14. Acesso em 23/7/2013.
82
Ver também SIMMONS, Shraga. Judeus não acreditam em Jesus. Disponível em:
http://www.chabad.org.br/interativo/faq/n_cre.html. Acesso em 23/7/2013.
83
“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria
ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” Números 23:19. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/nm/23. Acesso em 23/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
33

sua linhagem84, aspectos que não se cumpririam ao pé da letra, por terem sido
cumpridos espiritualmente, mas há vários que seriam cumpridos com o milênio e/ou
com os novos céus e nova terra. Neste tempo, os judeus teriam a tão aclamada
Segunda Chance pregada pela escatologia pré-milenista.
As profecias citadas são tidas, portanto, como de duplo ou até triplo
cumprimento. A escatologia pentecostal admite que, em certo sentido, o evangelho do
reino foi pregado a todas as nações, os judeus retornaram do exílio, os falsos profetas
já se levantaram e se opuseram ao evangelho, houve grande tribulação na
perseguição da igreja do primeiro século, que o homem da iniquidade foi de fato o
imperador Nero e que o número total de judeus que devem ser salvos já começou85,
mas tais profecias têm também um cumprimento futuro, levando-se em consideração
textos como 2 Tessalonicenses 2:1-386, Romanos 11:25-3287, Marcos 13: 24-2688,
Lucas 21: 25-2789.
Por outro lado, boa parte da escatologia pentecostal não admite que tais
eventos tenham se cumprido – o dispensacionalismo, especificamente falando. Há
uma tendência de colocar todos os eventos catastróficos de Mateus 24 como sendo

84
O Messias deve ser descendente do Rei Davi pelo lado paterno - Gênesis 49:10 e Isaías 11:1. Se
Jesus era filho de uma virgem, não tinha pai - e dessa maneira não poderia ter cumprido o
requerimento messiânico de ser descendente do Rei Davi pelo lado paterno.
85
GRUDEM, Wayne A. Manual de Teologia Sistemática: uma introdução aos ensinos
fundamentais da fé cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. Pg 478.
86
“Irmãos, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reencontro com ele, rogamos a
vocês que não se deixem abalar nem alarmar tão facilmente, quer por profecia, quer por palavra, quer
por carta supostamente vinda de nós, como se o dia do Senhor já tivesse chegado. Não deixem que
ninguém os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o
homem do pecado, o filho da perdição”. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/2ts/2. Acesso em
24/7/2013
87
“Irmãos, não quero que ignorem este mistério, para que não se tornem presunçosos: Israel
experimentou um endurecimento em parte, até que chegasse a plenitude dos gentios. E assim todo o
Israel será salvo, como está escrito: "Virá de Sião o redentor que desviará de Jacó a impiedade. E esta
é a minha aliança com eles quando eu remover os seus pecados". Quanto ao evangelho, eles são
inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, são amados por causa dos patriarcas, pois os dons
e o chamado de Deus são irrevogáveis. Assim como vocês, que antes eram desobedientes a Deus mas
agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles, assim também agora eles se tornaram
desobedientes, a fim de que também recebam agora misericórdia, graças à misericórdia de Deus para
com vocês. Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos”.
Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/rm/11. Acesso em 24/7/2013.
88
“Mas naqueles dias, após aquela tribulação, ‘o sol escurecerá e a lua não dará a sua luz; as estrelas
cairão do céu e os poderes celestes serão abalados’. "Então se verá o Filho do homem vindo nas
nuvens com grande poder e glória”. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/mc/13. Acesso em 24/7/2013.
89
"Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações se verão em angústia e perplexidade
com o bramido e a agitação do mar. Os homens desmaiarão de terror, apreensivos com o que estará
sobrevindo ao mundo; e os poderes celestes serão abalados. Então se verá o Filho do homem vindo
numa nuvem com poder e grande glória. Quando começarem a acontecer estas coisas, levantem-se e
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
34

futuros. As palavras de Jesus “Em verdade vos digo que não passará esta geração
90
sem que todas estas coisas aconteçam” são encaradas como sendo vistas pela
geração que passará por tais coisas, e não pelos ouvintes diretos do discurso de
Jesus, ou seja, seus discípulos.
É possível notar que há muito mais divergência nas linhas da escatologia
pentecostal do que nas da reformada. De qualquer maneira, a literalidade do texto e o
plano separatista de Deus entre Israel e igreja permanecem em todas elas, mas
variam muito nos momentos e na intensidade em que se aplicam. Será necessário um
esforço maior para destrinchar cada um dos pensamentos.

3.1 Pré-milenismo clássico ou histórico


O prefixo “pré” significa “antes”, ou seja, por esta posição Jesus retornará,
fisicamente, antes de instaurar o milênio91. De forma panorâmica: a era da Igreja
terminará no tempo da tribulação; neste período Cristo voltará, estabelecerá o reino
milenar na terra; logo após o milênio Satanás será solto e enganará muitos povos e
então será derrotado e preso para sempre; na sequência haverá a ressurreição de
todos os que morreram sem Deus, sendo que nesta mesma ocasião haverá também o
juízo final – Grande Trono Branco – e, logo após, a eternidade. Tratemos agora mais
detidamente cada fase dos acontecimentos.
Praticamente a unanimidade da escatologia pentecostal crê que a reunião da
igreja com Cristo se dará pelo arrebatamento, ou rapto. Há uma boa base teológica
para tal, pois é o que diz I Tessalonicenses 4: 17 92.
Quanto ao tempo de a igreja ser arrebatada, a bíblia não é tão específica. Há
três linhas: a) pré-tribulacionistas: o arrebatamento ocorre antes da grande tribulação;
b) meso-tribulacionistas: o rapto ocorre exatamente no meio da tribulação, ou seja,
três anos e meio após o início desta; c) pós-tribulacionistas: a igreja é arrebatada após

ergam a cabeça, porque estará próxima a redenção de vocês". Em


http://www.bibliaonline.com.br/nvi/lc/21. Acesso em 24/7/2013.
90
Matesus 24: 34.
91
Apenas por este breve conceito é possível perceber que a diferença entre as escatologias
pentecostal e reformada não é apenas sobre o quando mas que tipo de milênio estamos falando. Para
o amilenismo e o pós-milenismo o milênio é algo simbólico; é a era da igreja em que Satanás não pode
mais enganar as nações ou gentes. Para os pentecostais não: milênio é um período concreto da
história, onde Cristo reinará fisicamente sobre a terra.
92
“Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a
encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/1ts/4/17. Acesso em 14/10/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
35

a tribulação. Em todas elas admiti-se que todo o período tribulacional tem sete anos, e
que corresponde à última semana do relato de Daniel93. O pré-milenismo clássico, na
maioria das vezes, é pós-tribulacionista, e isto implica que o arrebatamento e a
revelação de Cristo se dão seguidamente, num abrir e fechar de olhos. Em outras
palavras, a igreja se encontra com o Senhor nos ares e já desce para instaurar o reino
milenar.
Após este tempo de tribulação, Cristo voltará à terra e estabelecerá o reino
milenar. Quando ele voltar, os crentes que tiverem morrido durante toda a era cristã
ressuscitarão, com seus corpos se reunindo aos seus espíritos, e eles reinarão com
Cristo sobre a terra por mil anos.
Alguns pré-milenistas acreditam que esses mil anos são literais, outros
acreditam ser um longo período de tempo, mas não de necessariamente mil anos
exatos. Ambos, porém, creem que Jesus reinará fisicamente sobre a terra, juntamente
com os crentes que ressuscitaram e com os crentes que estiverem vivos – estes
receberão, em vida, corpos glorificados. Os descrentes que estiverem sobre a terra
nesta época terão ainda a oportunidade de se voltar para Cristo, o que de fato
ocorrerá com muitos destes. Durante este tempo Satanás estará preso, lançado no
abismo, não tendo qualquer influência sobre a terra.
No fim dos mil anos, ou período análogo, Satanás será solto e congregará
forças com as nações descrentes de toda a terra, pessoas que se submetiam ao
reinado de Cristo apenas de forma exterior, ou seja, pessoas que não se converteram.
Tão logo a rebelião se inicia, desce fogo do céu, consome a todos, menos ao Diabo,
que é lançado no lago de fogo e enxofre, sendo atormentado para sempre.

93
O texto merece ser transcrito: “Ele me instruiu, e falou comigo, dizendo: Daniel, agora saí para fazer-
te entender o sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque
és mui amado; considera, pois, a palavra, e entende a visão. Setenta semanas estão determinadas
sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados,
e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o
Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém,
até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro
se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será
cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o
santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as
assolações. E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará
cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à
consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (grifo meu). Daniel 9: 22-27.
Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/dn/9. Acesso em 14/10/2013.
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36

Após a condenação dos ímpios que estiverem vivos e dos anjos caídos, Cristo
ressuscita dos mortos todos os descrentes que morreram na história, promove seu
julgamento e é inaugurado o estado eterno.
Há alguns argumentos a favor desta linha, que são os seguintes:
1. Há passagens do A.T. que parecem não se encaixar nem na era presente
nem no estado eterno. É um tempo de paz, alegria, mas em que ainda há morte94. A
mais citada é Isaías 65: 20:
“Já não morrerá aí nenhum menino, nem ancião que não haja completado seus dias;
será ainda jovem o que morrer aos cem anos: não atingir cem anos será uma
maldição.”

Neste texto parece que tudo é muito bom: os velhos completarão os seus dias e
não atingir cem anos será uma maldição. Um cenário vívido que tem como única
mancha o maior aguilhão do pecado, a morte. Ainda que a passagem misture
elementos que pertençam tanto ao estado eterno quanto ao milênio (versos 17 e 25),
não tira do versículo específico e do sentido geral do capítulo esta incongruência: paz,
prosperidade e morte. Há outras passagens que parecem apontar, profeticamente,
para esta curiosa dispensação: Sl 72: 8-14, Is 11:2-9, Zc 14: 6-21, que parecem se
encaixar em 1 Co 15: 23-25, Ap 2:26-27, 12:5 e 19:15.
2. Passagens do N.T. parecem confirmar as do A.T. Ap 2:26 e 27, 12:5 e 19:15
falam de um rei que governará as nações com “...cetro de ferro e as quebrará como a
um vaso de barro”, sugerindo um domínio de força sobre um povo rebelde, onde até
os crentes parecem ter lugar como tipos de governadores sobre o mundo.
Além destas, I Co 15:23-25 descreve que todos receberão um corpo ressurreto,
mas cada grupo por sua vez:
Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados
em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de
Cristo, na sua vinda. Então virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai,
e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque
convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o
último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.

As palavras depois (no grego, epeita) e então (no grego, eita) sugerem “após
isso” e não “naquele mesmo tempo”. Isto daria base a um raciocínio de que, assim
como há um intervalo entre a ressurreição de Cristo e sua segunda vinda, há outro

94
Segundo o pós-milenismo esta passagem apresenta a gradativa cristianização do mundo, onde o
período que antecede a volta de Jesus será de grande paz e de muitas conversões, vindo o Senhor na
plenitude deste tempo.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
37

intervalo entre a sua segunda vinda e o ”fim”, propriamente. Este intervalo é o milênio
do Cristo que regerá as nações, junto conosco, com cetro de ferro, até que coloque
todos os inimigos debaixo de seus pés.
3. Diante desta leitura, onde há um período futuro muito melhor que este mas
ainda não sendo o estado eterno, parecem ficar mais claros alguns trechos de
Apocalipse 20: Satanás preso sugere uma restrição maior de sua atividade, diferente
da era presente; o “viveram” do v.4 parece ser melhor entendido como ‘ressuscitar
fisicamente’, já que o verbo ezesan também é usado em 2:8, onde Jesus é aquele que
morreu e “...tornou a viver”; o NT diz muitas vezes que os crentes reinarão com Cristo,
mas em nenhum lugar diz que entre a morte deles e a segunda vinda eles partilham
deste reinado, como querem os a- e pós-milenistas - pois para estes o milênio já está
ocorrendo, seja no céu ou aqui.
Os que voltam a viver e reinam com Cristo foram os que não tinham adorado à
besta nem a sua imagem, nem recebido a sua marca. A perseguição da besta,
descrita em Apocalipse 13 sugere algo severo e, portanto, que ainda não chegou. A
besta ainda chegará no futuro, sua perseguição é futura e, portanto, a cena dos que
não adoraram a besta, em Ap. 20, também o é. Após tal perseguição seguir-se-á o
milênio.

3.1.1 – Dificuldades do pré milenismo histórico


Há vários questionamentos ao pré-milenismo de uma forma geral. Portanto, os
apontamentos desta seção servirão também para as dificuldades do
dispensacionalismo, no ponto 3.2.1.
A principal premissa atacada é a separação escatológica entre judeus e igreja.
A priori, Deus não diferencia Israel da igreja, porque a igreja faz parte do Israel de
Deus - Rm 9:895 e Ef 2: 12 a 1896.

95
“Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é
que são considerados descendência de Abraão”.
96
“Naquela época vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros
quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Cristo Jesus,
vocês, que antes estavam longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo. Pois ele é a nossa
paz, o qual de ambos fez um e destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei
dos mandamentos expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo, dos dois, um novo
homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio da cruz, pela qual ele
destruiu a inimizade. Ele veio e anunciou paz a vocês que estavam longe e paz aos que estavam perto,
pois por meio dele tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito.”
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
38

Após a vinda de Cristo e o endurecimento em parte de Israel, a salvação foi


oferecida também às gentes, não-judeus, por meio de Jesus Cristo. Ramos naturais e
ramos enxertados passaram a fazer parte do mesmo povo, ambos com salvação
apenas em Jesus, alguns por fé no que haveria de vir – pessoas sob a égide da
Antiga Aliança - e outros no que já ocorreu – pessoas sob a égide da Nova Aliança.
O novo pacto, através do sangue de Jesus (Lucas 22: 20, Hebreus 8:6,
Hebreus 9: 15) e de seu sacrifício redentor, completo e suficiente na cruz, é válido
para todo aquele que crê, seja gentio ou judeu, e decreta o início literal da
aplicabilidade da Nova Aliança descrita em Jeremias 31:31-3497. O escritor aos
hebreus deixa isso relatado de uma forma claríssima, relacionando o cumprimento do
Novo Pacto a todos aqueles que são salvos através do sacrifício de Jesus:
"Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados. E
também o Espírito Santo no-lo testifica, porque depois de haver dito: Esta é a aliança
que farei com eles. Depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis em seus
corações, e as escreverei em seus entendimentos; acrescenta: E jamais me lembrarei
de seus pecados e de suas iniquidades" (Hebreus 10: 14-17, bem similar ao de
Jeremias 31: 31-34)

O segundo questionamento é quanto à tentativa de literalizar quase todos os


textos apocalípticos. Esta tendência causa vários problemas, que se acentuam ainda
mais no pré-milenarismo dispensacionalista. No pré-milenarismo clássico já há
algumas dificuldades.
A primeira dificuldade é quanto à prisão de Satanás. Sendo ele um anjo,
cadeias, ferrolhos e cadeados não o podem prender. Se formos por esta lógica, o que
quis dizer Jesus quando ordenou cortar a mão para entrar no Reino, caso esta nos
fizesse pecar? Que a cortássemos e entrássemos no Reino manetas, literalmente?
Obviamente que não.
A segunda, apesar de não representar a totalidade dos defensores desta linha
pentecostal, é que muitos cedem ao afã de dizer que os mil anos, no que diz respeito
ao período, também é literal. Afinal, para que serviria este tempo de mil anos de Cristo
reinando sobre a terra? Com que finalidade passaríamos dez séculos com Cristo

97
“'Estão chegando os dias', declara o Senhor, 'quando farei uma nova aliança com a comunidade de
Israel e com a comunidade de Judá. Não será como a aliança que fiz com seus antepassados quando
os tomei pela mão para tirá-los do Egito; porque quebraram a minha aliança, apesar de eu ser o Senhor
deles', diz o Senhor. 'Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias',
declara o Senhor: 'Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o Deus
deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo:
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
39

reinando, em Jerusalém, convivendo com povos incrédulos, para ao final Satanás ser
solto, tentar destruir a cidade amada e ser destruído por fogo e enxofre que desce do
céu? Apesar de não ser o argumento mais forte contra o pré-milenarismo, ainda sim é
válido.
No que diz respeito aos sinais, também há críticas. Falsos profetas (Mt 24.5),
apostasia (I Tm 4.1-3), extrema corrupção dentro da própria Igreja (II Tm 3.1-9),
guerras e rumores de guerras (Mt 24.6,7ª), fome, doenças, terremotos (Mt 24.7b),
agitação social e aumento da Ciência (Dn 12.4), extrema corrupção moral na
humanidade (Mt 24.37-39) e até mesmo o retorno de Israel para a sua terra (Ez 36.16-
28) ocorrem desde a primeira vinda de Jesus, com menor ou maior intensidade.
Conforme Ele mesmo disse, era apenas o princípio de dores. Jesus não deu nenhum
sinal evidente de que sua vinda estaria próxima, a não ser o de que o evangelho seria
pregado a todas as nações, o que também dá margem a várias interpretações.
O argumento derradeiro contra um reino milenar onde seres glorificados e seres
mortais conviverão – que é uma interpretação no mínimo precipitada de I Co 15: 51-52
e de outros textos já mencionados – é que o último inimigo a ser derrotado é a morte.
Ela será destronada, e isto impede um reino milenar literal de convivência de crentes
com ímpios. Para sustentar este reino milenar literal haverá cinco tipos de pessoas:
judeus; a igreja dos que morreram em Cristo antes de sua Segunda Vinda; os crentes
que tiverem vivos quando Cristo voltar para instaurar o reino milenar - estes 3 não
morrem mais, são imortais - os incrédulos que de alguma forma sobreviveram à
grande tribulação e os incrédulos que se converteram durante a tribulação - estes dois
últimos morrem normalmente, ou ao menos o primeiro, mesmo durante o reino
milenar. Não há qualquer passagem bíblica que sustente esta “salada”.

3.2 Dispensacionalismo ou Pré-milenismo pré-tribulacionista


Finalmente, a escola mais popular entre os crentes brasileiros é apresentada: o
Dispensacionalismo. Lawrence Olson, Tim La Haye, Tomas Ice, Ingerson Scofield e
Hal Lindsey são os principais nomes internacionais que reverberam estes ensinos.
O dispensacionalismo é uma linha de interpretação da bíblia que considera o
plano de Deus para com o homem e o universo como sendo dividido em sete

Conheça o Senhor, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior', diz o Senhor.
'Porque eu lhes perdorei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados'”.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
40

dispensações: Inocência, Consciência, Governo Humano, Abraâmica ou Patriarcal,


Mosaica ou da Lei, Graça e Milenial. A última dispensação, portanto, é justamente o
milênio.
O dispensacionalismo tradicional sustenta que a Igreja é uma interrupção
dentro do plano do Senhor para com Israel; é um parêntese. A esse período,
compreendido entre o ministério de Jesus e o arrebatamento, o dispensacionalismo
dá o nome de "dispensação da graça" ou "era da Igreja", a penúltima das
dispensações. As promessas contidas em Jeremias 31: 31-34, referindo-se a um novo
pacto com Israel, ficam restritas ao momento imediatamente posterior à vinda de
Jesus, quando Ele exercerá Seu reino terrestre no Milênio, e se referem
exclusivamente à nação israelense.
Os que creem em Jesus nesta dispensação passam a pertencer a um Corpo
totalmente aparte de Israel no aspecto profético, separando os crentes dessa
dispensação dos crentes de outras dispensações, tanto no propósito quanto no
destino dos mesmos. Esse conceito de separação fica nítido quando é usado o termo
"noiva de Cristo" apenas para aqueles que creem em Jesus na "era da Igreja",
deixando os outros santos, a exemplo daqueles do Antigo Testamento e daqueles da
Tribulação, "fora da noiva".
Por ser uma linha complexa, tratemos didaticamente. Os que são
especificamente da igreja gentílica, ou “noiva de Cristo”, e já tiverem morrido,
ressuscitarão dos mortos e, juntamente com os crentes que estiverem vivos, serão
arrebatados, num rapto secreto, imediatamente antes do período de sete anos de
tribulação, interpretados como sendo a última das setenta semanas de Daniel, onde
cada dia da semana é interpretado como um ano. Portanto, o dispensacionalismo é
necessariamente pré-tribulacionista.
Esta é a primeira parte da Segunda Vinda de Jesus. Sessenta e nove semanas
foram da saída para reconstruir, em Esdras, até a primeira vinda de Jesus; a última
semana ficará suspensa no tempo até o arrebatamento dos crentes, baseando-se em
Daniel 9: 24 a 27, I Co 15: 23-25, I Ts 4: 13-18 e II Ts 2. Logo após o arrebatamento
virá o tempo em que o anticristo é revelado e, sete anos depois, Jesus vem, na
segunda parte da Segunda Vinda, para instaurar o reino milenar, com os seguintes
grupos: 1) os crentes que foram arrebatados - tanto os que, durante toda a história
cristã, morreram, quanto os que estavam vivos quando o Senhor os raptou; 2) os
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
41

santos sob a égide do antigo testamento, segundo Daniel 12:1-2, Ap 19:7-9 e Sl 50:1-
6, na ocasião da Ceia das Bodas do Cordeiro, que se dá antes da gloriosa segunda
parte da Segunda Vinda; 3) os que se converteram durante os sete anos de tribulação
– tanto os que tiverem sido mortos quanto os que milagrosamente permanecerem
vivos, tendo como base o texto de Ap 6: 9-11, onde é dito aos mártires que esperem
um pouco mais até que se complete o número dos que ainda tiverem de ser mortos –
que se dá por ocasião da Segunda Vinda de Cristo98. Portanto, para o
dispensacionalismo há três fases distintas de ressurreições de crentes, todas dentro
da descrição de João “bem aventurados e santos os que têm parte na primeira
ressurreição”.
A outra ressurreição, que seria a quarta ou a segunda, dependendo da ótica, é
a dos incrédulos, para o julgamento final. É a chamada ressurreição dos mortos, geral
e abrangente, segundo o pai da igreja Justino Mártir99.
O período de sete anos de tribulação, que ocorre logo após o arrebatamento,
completará os sinais sobre o Messias, Jesus. A grande colheita do povo judeu se dará
neste período, quando então saberão que Jesus é o Cristo de Deus. O sofrimento
ajudará a uma evangelização mais eficaz, capitaneada por judeus recém-convertidos.
Uma vez mais é necessário firmar este ponto: a separação entre Israel e a
igreja é clara no dispensacionalismo. Esta será removida da terra e estará com Deus
durante toda a tribulação e a última colheita será capitaneada pelos judeus que se
converteram e pela igreja aparente – crentes nominais, que nunca se converteram
antes do arrebatamento, e que então se rendem a Cristo.

98
Como o dispensacionalismo é a linha mais radical de separação entre Israel e Igreja e também a
mais radical na literalidade do livro de apocalipse, enxerga as bodas do cordeiro como anterior à
segunda “Segunda Vinda” de Jesus, pelo simples fato de que as bodas estão no capítulo 19 e a
segunda vinda está no capítulo 20. LA HAYE, Tim. Apocalipsis sin velo. Miami, Florida: Editorial
Vida. 2000. Publicado em inglês sob o título Revelation Unveiled. Pg 392, 393.
99
“As Escrituras usam pelo menos três expressões sobre ressurreição: 1. RESSURREIÇÃO (“de”)
MORTOS. Esta compreende pela ordem: O filho da viúva de Sarepta (1Rs 17.21-22); O filho da
Sunamita (2Rs 4.34-35); O homem que tocou os ossos de Eliseu (2Rs 13.43-44); O filho da viúva de
Naim (Lc 7.11-17); A filha de Jairo (Lc 8.54-55); Lázaro de Betânia (Jo 11.43-44); Tabita (At 9.40-41);
Um jovem por nome Êutico (At 20.9-12). 2. A RESSURREIÇÃO (“dentre”) OS MORTOS. Esta
compreende “...cada um por sua ordem...” (1Co 15.23). Esta ordem de ressurreição, cronologicamente
é mais ou menos assim: (a) Cristo as primícias. 1Co 15.20, 23; (b) Os que ressuscitaram por ocasião
da ressurreição do Senhor. Mt 27.52-53; (c) Os que são de Cristo na sua vinda. 1Co 15.23 a 24; (d) As
duas testemunhas escatológicas Ap 11.11-12; (e) Os mártires da Grande Tribulação. Ap 20.4. 3. A
RESSURREIÇÃO (“dos”) MORTOS. Esta é geral e abrangente. Ela compreende todos os mortos que
morreram em seus delitos e pecados (cf. Dn 12.2; Jo 5.28-29).” SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse
versículo por versículo. Rio de Janeiro: CPAD. Sem ano. Pg 190.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
42

Instaurado o milênio, o povo de Israel e a cidade de Jerusalém terão um papel


proeminente, como já dito:
"Dize-lhes, pois: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu tomarei os filhos de Israel de
entre as nações para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os
levarei para a sua própria terra. Farei deles uma só nação na terra, nos montes de
Israel, e um só rei será rei de todos eles. Nunca mais serão duas nações; nunca mais
para o futuro se dividirão em dois reinos.” 100.

A reunião dos filhos de Israel resultará em regeneração, reunião e posse da


101
terra e o restabelecimento do trono davídico . Os dois reinos, de Israel e Judá,
serão reunidos, a nação se tornará o centro das atenções para os gentios102, bem
como o centro de governo. Jesus se assentará no trono de Davi durante este período,
segundo Salmos 89:3-4103 e 35-37104 e Salmos 132:11105.
Satanás será atado por mil anos – em grego chilliad e em latim millenium -
tornado totalmente inativo, e não mais enganará aos seres humanos a respeito de si
mesmos, a respeito de Deus, de Cristo e da eternidade106. Neste período, conviverão
os crentes mencionados no parágrafo anterior, de um lado, e ainda muitos incrédulos,
de outro. Estes últimos viverão como vivemos hoje: crescerão, se casarão e morrerão.
Jesus governará o mundo a partir de Jerusalém (Is 2:2-4107, Jr 3:17, 31:12-14, Dn
2:35, 7:13-14. Mq 4:1-7, Sf 3:9-20, Zc 14:16 ss) num reino onde os judeus governarão
mais ativamente – os tronos que João vê, segundo esta linha, são os tronos de Ap
4:4, atribuídos aos doze apóstolos, que julgarão as tribos de Israel, como descrito por
Jesus em Mateus 19:28. Eles serão seu braço direito e a igreja terá algum tipo de

100
Ezequiel 37: 21-22.
101
ICE, Thomas. A verdade sobre o milênio. Disponível em:
http://www.chamada.com.br/mensagens/verdade_milenio.html. Acesso em 06/09/2013.
102
Ver Isaías 14:1-2, 32:16-20, 35:5-10, 51:3, 55:12-13, 61:10-11; Sofonias 3:20, Zacarias 8:23.
103
"Fiz uma aliança com o meu escolhido, e jurei ao meu servo Davi, dizendo: A tua semente
estabelecerei para sempre, e edificarei o teu trono de geração em geração".
104
"Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi. A sua semente durará para sempre, e
o seu trono, como o sol diante de mim. Será estabelecido para sempre como a lua e como uma
testemunha fiel no céu".
105
"O Senhor jurou com verdade a Davi, e não se apartará dela: Do fruto do teu ventre porei sobre o
teu trono".
106
Ibidem. Pg 389.
107
"Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cimo dos
montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos. Irão muitas nações e dirão:
Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus
caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor, de
Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em
relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação,
nem aprenderão mais a guerra".
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
43

governo de menor importância. Este reino será de paz, prosperidade e retidão, mas
ainda haverá morte, como descrito em Isaías 65: 20. Por decorrência lógica, os únicos
que morrerão serão os incrédulos. Não está claro se neste tempo haverá conversão,
já que ainda haverá incrédulos mortais convivendo com crentes em corpos
glorificados.
A igreja não reinará, propriamente falando. Por ser um parênteses, um intervalo
na história de Deus com Israel, seu povo original, terá um lugar bem secundário e
estará sob a égide dos filhos da carne de Abraão.
No fim dos mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá, pela última vez, a
enganar as nações dos quatro cantos da terra e congregá-las para a batalha; cercará
a cidade amada, Jerusalém. Mas, antes que haja qualquer confronto, descerá fogo do
céu e consumirá os inimigos. Satanás será lançado no lago de fogo que arde com
enxofre, onde já estarão a besta e o falso profeta. Após isto, haverá a ressurreição
dos incrédulos que morreram durante toda a história para o Julgamento do grande
trono branco e também dos crentes, para efeito de recebimento de galardão. A morte
e o inferno também são lançados no lago de fogo, afinal.

3.2.1 – Dificuldades do Dispensacionalismo


Como já foi dito, todos os pontos atacados no pré-milenarismo clássico cabem
ao dispensacionalismo, já que este apenas acrescenta e fortalece as convicções
daquele. A maior parte das críticas, portanto, devem ser extraídas do ponto 3.1.1.
A primeira crítica é quanto ao dispensacionalismo como um todo. Só o fato de
dividir o relacionamento entre Deus e o homem baseando-se em dispensações ou
alianças é temerário. Não se nega que os eventos importantes destacados pelo
dispensacionalismo não tenham existido, mas sim que Deus é muito maior que esta
divisão e que se relaciona com os homens a partir de duas perspectivas, apenas: com
ou sem Cristo. Os que são de Cristo, estejam eles sob o tempo de Abraão, de João
Batista ou sobre o nosso, conhecem salvação, redenção e graça.
A graça de Deus ocorre muito antes da lei, opera na vigência dela e atravessa
os tempos inclusive quando ela é totalmente cumprida por Jesus. A lei não foi
revogada, até hoje, no tempo da graça – apesar de não sermos aperfeiçoados por ela.
Nenhum homem viveu a época da inocência, exceto o casal do Éden. E, para que
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
44

eles vivessem, Deus teve de providenciar um cordeiro que lhes cobrissem as partes
íntimas.
Em resumo, Deus não trata os seres humanos segundo estes compartimentos.
Ainda que estabeleça regras gerais de convivência, o olhar de Deus está sempre
sobre o coração do homem e suas motivações. Não é a toa que as festas de lua nova
não o agradavam por si só, como disse Isaías, nem tinha prazer no sangue de
carneiros, como disse o apaixonado Davi.
O segundo ponto de conflito direto com as Escrituras é quanto à salvação dos
judeus. Em nenhum ponto se diz que ao judeu será dada uma segunda chance. As
antigas notas da Biblia de Estudo Scofield ensinavam diferentes formas de salvação,
o que é antibíblico, segundo todo o livro de Hebreus - especialmente o capítulo 10
combinado com Jeremias 31 – e de Romanos.
Outra questão é quanto à quase precisão da data da volta de Cristo, sob a
leitura de Daniel 9: 24 a 27, que trata das setenta semanas, e coloca a última semana
como que suspensa no tempo. Ao querer que a última semana de anos comece a
partir do arrebatamento da igreja, a Segunda Vinda do Senhor será facilmente predita,
algo que Ele próprio disse não ser possível prever. Além do mais, os textos que tratam
sobre o arrebatamento108 não sugerem, em momento algum, que há intervalo entre
esses eventos, ou seja, que há duas segundas vindas, uma invisível e outra visível.
A Segunda Vinda em duas etapas é de fato muito difícil de ser provada. I Ts
4.16-18, Mt 25.1-13, I Ts 1.10, I Ts 5:9 e II Ts 2:1-8, combinados, não dizem que
seremos arrebatados 7 anos antes de Jesus vir (pré-tribulacionistas) ou 3 anos e meio
antes (meso-tribulacionistas). Jesus nos livra da ira futura, o que não quer dizer que a
igreja não passará pela tribulação. Na verdade, a igreja passa por tribulações desde
que Jesus ressuscitou. A ira de Deus sim, é juízo aos incrédulos, a Satanás e a seus
anjos, e não a tribulação antes que Ele venha. Jesus mesmo diz claramente em
Mateus 24 que o dia e a hora ninguém sabe.
A única passagem que menciona um livramento da tribulação é Apocalipse 3:
10. O texto diz que Ele, o Cordeiro, livrará àquele que vencer da tribulação que está
para vir. Ora, isso não diz que haverá um arrebatamento da igreja antes do período
tribulacional, mas apenas que Deus os livrará. Passagens mais claras que esta dão a
entender que Deus livra na tribulação, e não dela, necessariamente.

108
I TS 4: 16-18 e 1 Co 15:51.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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Outra séria objeção que se levanta é quanto à igreja ser o “parêntese” de Deus.
Todo o novo testamento declara que o mistério que estava oculto, desde a fundação
do mundo, era Cristo, que trouxe salvação a todo aquele que crê – ainda que primeiro
do judeu, no sentido de oportunidade, mas também do grego, ou seja, de qualquer
um. Deus entregou seu Filho e ele verá o fruto do seu penoso trabalho, que são povos
de toda tribo, língua e nação. Deus mesmo encerrou todos sob desobediência, com
diz Paulo em Romanos 9 e 10, para usar de misericórdia para com muitos. Em outras
palavras, o plano de Deus sempre foi a igreja, mesmo que Deus tenha começado por
um homem, um povo destacado.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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4. O DISPENSACIONALISMO PROGRESSIVO, O PARALELISMO PROGRESSIVO


AMILENISTA E UMA PROPOSTA BÍBLICA CONCILIADORA

Quando olhamos para o livro de Apocalipse temos diante de nós uma revelação
e, ao mesmo tempo, muitos mistérios. Além disso, contamos também com a bênção
de ler e meditar nas suas palavras.
Especificamente em relação ao milênio, as perguntas básicas a responder são:
literal ou figurado? Se literal ou se figurado, em quais termos e em que partes? Um
misto dos dois?
E quanto a Israel, é apenas a prefiguração da Igreja ou ainda há um plano de
Deus especificamente para os filhos de Abraão segundo a carne? A salvação para
gentios e igreja se dá da mesma maneira, ou seja, em Jesus? Os judeus são um tipo
de “relógio” para o fim dos tempos? Devemos ou não nos ater à terra “santa”, entre os
rios Tigre e Eufrates, ou isto é apenas figura do que já se revelou?
Estas são as questões que dividem reformados e pentecostais, literalistas e
alegoristas. Ao longo dos séculos, principalmente a partir do XIX, perguntas como
essas rondam todos os estudos escatológicos e respostas mil – sem fazer qualquer
trocadilho – foram apresentadas.
O dispensacionalismo é o ponto de vista mais popular entre os cristãos
modernos. Foi mais difundido em razão dos ensinos de John Nelson Darby e das
bíblias comentadas Scofield. Há muitas visões dispensacionalistas, mas a mais
moderna delas apresenta um caráter interessante, novo não apenas em relação à
doutrina que carrega o nome, mas também em relação a todas as linhas
escatológicas pentecostais ou reformadas. É o dispensacionalismo progressivo.
Para que entendamos melhor, o dispensacionalismo teve, resumidamente, as
seguintes fases:
• Dispensacionalismo Clássico (Scofield, Chafer): o Israel está na terra, a igreja
nunca está no céu e os dois se encontram no mundo novo. Há dois modos de
salvação: as obras do Antigo Testamento e a fé do Novo Testamento. Chafer mantém
a duas alianças. Esta visão dominou de 1900 até os anos 50.
• Hiperdispensacionalismo: em vez de achar a origem do dispensacionalismo
habitual da igreja em Atos 2, vêem isto em Atos 13 - como Charles Baker, autor de
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
47

“Uma teologia dispensacionalista” e sua associação com as principais correntes da


Faculdade Bíblica da Graça.

• Dispensacionalismo Extremista: a igreja começa em Atos 28 - E.W. Bullinger,


consequentemente às vezes chamado Bullingerismo. Então, somente algumas das
cartas de Paulo se aplicam à igreja, sendo o restante do Novo Testamento, judaico.
• Neo Dispensacionalismo (Ryrie, Walvoord, Dwight Pentecost): Israel e a igreja
buscarão juntos o milênio; há só um modo a salvação em ambos os testamentos (fé);
há apenas uma Nova Aliança. O Seminário de Dallas promove esta visão.
• Dispensacionalismo Progressivo (Robert Saucy, Craig Blaising, Darrell Bock):
a igreja não é o parêntese, mas o primeiro passo para se estabelecer o reino de Deus;
Deus não tem dois propósitos (i.e. o Israel e a igreja), mas apenas um propósito, e
ambos têm parte nisto; não haverá qualquer distinção entre Israel e igreja no estado
futuro; a igreja reinará (com os judeus) em corpos glorificados, em terra, durante o
milênio; insistência de que, no milênio, serão cumpridas profecias do Velho
Testamento relativas a Israel por judeus étnicos . Eles não veem a igreja como o Novo
Israel nem acreditam que todas as profecias do Antigo Testamento serão cumpridas
na igreja.
De fato, um dos erros mais patentes do dispensacionalismo e da escatologia
pentecostal em geral é a separação entre judeus naturais e igreja – chamada de
judeus espirituais pelo próprio Paulo, em Romanos. Tentar dizer que Deus tem dois
povos, duas agendas, duas maneiras de ver as pessoas baseadas em laços de
sangue não resiste a um exame neotestamentário, principalmente levando-se em
conta o livro de Hebreus.
Por outro lado há um erro, se assim se pode dizer, nas visões reformadas:
colocar toda e qualquer profecia do velho testamento sobre Israel como tendo
cumprimento hoje na igreja. Há uma série de passagens do velho testamento que
simplesmente parecem não se encaixar no plano de Deus para com a igreja, e que
transparecem uma etapa com o Israel étnico. Paulo confirma isto em Romanos 10 e
11, dizendo que não nos enganássemos, já que os judeus tinham sido endurecidos
em parte para que tivesse lugar a entrada dos gentios na oliveira, mas que Deus era
poderoso para reverter este quadro. Sabendo da engenhosidade teológica do
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
48

assunto, o apóstolo faz uma adoração a Deus ressaltando sua sabedoria e a


profundidade das riquezas de tal conhecimento.
Portanto, não podemos fixar-nos totalmente em qualquer dessas visões. Em
cada seção foram apresentadas as dificuldades de cada linha, que demonstram a
fragilidade dos argumentos em vários pontos. É nesse patamar que nasce o
dispensacionalismo progressivo.
Antes de apresentar esta nova visão, é bom dizer que ela também não traz
solução para todas as lacunas da escatologia milenar. Ao menos, é mais honesta:
reconhece que há muitas coisas que ainda não sabemos e procura colocar a igreja
como o grande plano de Deus para a humanidade ao mesmo tempo em que
reconhece os judeus no plano escatológico, valendo-se tanto de passagens do Velho
quanto do Novo Testamento. Em cada parte da proposta serão feitas as críticas que
entendermos cabíveis. Portanto, o DP109 será aditado por nossas intervenções,
intentando uma proposta nova para o tema a partir do presente trabalho.
Resumidamente, o DP110 defende a existência de várias dispensações
interativas dentro do plano do Altíssimo para a humanidade, que espera uma futura
tribulação, após a qual Jesus virá para instaurar seu Reino milenar, que considera a
nação israelense como alvo de promessas específicas a respeito dela como semente
de Abraão; defende ainda uma compreensão literal das promessas
veterotestamentárias referentes ao Reino do Messias e se opõe firmemente à
"Teologia da Substituição", a qual defende o princípio de substituição entre Israel e
Igreja e nega a existência de dispensações ou de uma extensão do plano do Eterno à
nação israelense após a sua volta.
O DP não comunga com a ideia de que Israel foi substituído pela Igreja e que
as profecias veterotestamentárias que se referem a Israel estão se concretizando ou
se concretizarão única e exclusivamente na Igreja, tirando a nação israelense de todo
contexto terrestre após a vinda de Jesus. Ao mesmo tempo, não comunga com muitas
premissas do dispensacionalismo tradicional. Portanto, defende a progressão de
algumas dispensações dentro de um único plano divino para redimir sua criação,
sustentando que a forma de salvação é a mesma para todas as eras: a salvação pela

109
A partir deste ponto utilizaremos a sigla “DP” para nos referirmos ao dispensacionalismo
progressivo.
110
As linhas gerais do Dispensacionalismo Progressivo foram extraídas do Projeto Ômega, através do
link http://www.projetoomega.com/estudo7.htm. Acesso em 30/09/2013.
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49

graça do Pai através da fé em Jesus. Essas dispensações inter-relacionadas e


consecutivas vêm acompanhadas de revelações progressivas a respeito da graça
divina e seu plano de salvação, processo que terá seu cumprimento final na vinda de
Jesus.
Os efeitos redentores do sacrifício de Cristo são retroativos e alcançam os
santos do Antigo Testamento, que morreram crendo nas promessas - Hebreus 9: 15 e
11: 40. A Palavra é clara ao revelar que é vontade do Eterno "tornar a congregar em
Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão
nos céus como as que estão na terra" (Efésios 1: 10).
No modelo dispensacionalista tradicional, os que creem em Jesus nesta
dispensação passam a pertencer a um Corpo totalmente aparte de Israel no aspecto
profético, separando os crentes dessa dispensação dos crentes de outras
dispensações, tanto no propósito quanto no destino dos mesmos. Esse conceito de
separação fica nítido quando é usado o termo "noiva de Cristo" apenas para aqueles
que creem em Jesus na "era da Igreja", deixando os outros santos, a exemplo
daqueles do Antigo Testamento e daqueles da Tribulação (para os pre-
tribulacionistas), "fora da noiva".
O DP vê a Igreja como um cumprimento pleno das profecias do Velho
Testamento - sem negar as futuras concretizações literais referentes ao Reino Milenar
de Jesus sobre as nações, assentando-se sobre o Trono de Israel em Jerusalém - e
vê os santos de todas as épocas como pertencentes a um mesmo Corpo: O Israel do
Criador. Enquanto o dispensacionalismo tradicional vê a Igreja como um parêntese
temporário no plano do Altíssimo com Israel, o DP vê a Igreja como uma progressão
do plano do Senhor para a redenção da humanidade, com a salvação sendo oferecida
pela graça a todo aquele que crê e obedece ao evangelho.
O Senhor não "reteve" o novo pacto diante da rejeição da nação israelense e
abriu um gigantesco parêntese em seu relacionamento com a nação judia, como
afirmam os dispensacionalistas tradicionais, nem rejeitou definitivamente Israel, como
sustentam os “não-dispensacionalistas”, mas escolheu um remanescente israelense -
os discípulos que creram em sua mensagem - para estabelecer Seu novo pacto.

Na carta aos romanos, fica descartada qualquer rejeição definitiva à nação


israelense, ao mesmo tempo em que se afirma a participação ativa de Israel na
presente dispensação através de um remanescente:
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"Digo, pois: Porventura rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum; porque
também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus
não rejeitou o seu povo, que antes conheceu... Assim, pois, também agora neste
tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça" (Romanos 11:1-2,5)

A questão central levantada por Paulo é que o programa do Criador com Israel,
como nação, não foi suspenso temporariamente, como afirma o dispensacionalismo
tradicional. Também, Paulo não afirma que Israel foi definitivamente substituído pela
Igreja, como a firma a Teologia da Substituição:

"Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não
presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que
a plenitude dos gentios haja entrado" (Romanos 11: 25).
Consequentemente, parte de Israel não foi endurecida e essa parte é formada
pelos discípulos que se tornaram os primeiros cristãos e com os quais Jesus fez o
pacto que abrange todas as épocas - Romanos 11: 16-29.
A Palavra deixa claro que os gentios foram agraciados com as promessas que
pertencem aos crentes judeus. Paulo escreve que os gentios são "participantes dos
bens espirituais dos judeus" - Romanos 15: 27. Paulo de forma alguma sugere ou
afirma que os gentios "assumiram" os bens espirituais que pertenciam aos judeus,
substituindo-os de forma momentânea (dispensacionalismo tradicional) ou de forma
permanente (teologia da substituição). Escrevendo para uma igreja essencialmente
gentílica em Éfeso, o apóstolo ensina, ao falar sobre o ministério do Salvador:

"E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que
estavam perto; Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito"
(Efésios 2:16-17)
Note que o "vós que estáveis longe" usado por Paulo refere-se aos gentios,
enquanto que "os que estavam perto" se refere à comunidade judaica, como fica
patente ao ler o contexto - Efésios 2: 11-17. Paulo mostra que ambas as comunidades
têm acesso ao Pai em um mesmo Espírito, mostrando como o plano do Altíssimo se
concretiza.
Em primeiro lugar, o endurecimento de parte de Israel propicia a extensão da
salvação e das promessas aos gentios. Em segundo lugar, a glorificação da Igreja
está associada à conversão da nação israelense (Romanos 11: 15), concordando com
os acontecimentos que ocorrerão "quando a plenitude dos gentios haja entrado"
(Romanos 11: 25). Fica bastante claro também na abordagem de Paulo que o critério
para ser salvo e usufruir as promessas divinas, tanto para judeus e gentios, não é o
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fato de pertencer a um grupo étnico ou não, mas ser alvo da graça através da fé e da
perseverança (Romanos 11: 17-22).
Enquanto os adeptos da Teologia da Substituição tendem a “alegorizar” as
profecias veterotestamentárias referentes à supremacia de Israel sobre as outras
nações da Terra - Isaias 2:1-4, Miquéias 4:1-4, Jeremias 33: 19-22, Zacarias 14:1-21 -
e a profecia referente ao Milênio - Apocalipse 20:1-6 - colocando essas promessas
como uma alegoria do reinado da Igreja na presente era e adotando o amilenismo
como base interpretativa, os dispensacionalismos tradicional e progressivo utilizam a
literalidade: o Milênio será um período literal de mil anos que começará na volta de
Jesus e se prolongará até a criação dos novos céus e nova Terra, no qual Jesus
reinará em Jerusalém exercendo soberania sobre as nações logo após a Sua volta,
assentando-se literalmente no trono de Davi, como descrito em Salmos111.
É interessante notar que, alguns dias antes da crucificação de Cristo, quando
Ele entrava em Jerusalém, as multidões clamavam: "Hosana ao Filho de Davi; bendito
o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!" (Mateus 21:9). Sem dúvida,
aquela multidão esperava que Jesus, como descendente de Davi e como um homem
admirado por suas obras, assumisse já naquele momento a posição de líder da nação
israelense, libertando o povo judeu do domínio romano. No entanto, Jesus, dias após,
deixou claro que a concretização dessa profecia se daria em sua volta gloriosa. Ao
dirigir-se às principais autoridades religiosas judaicas da época, Ele disse: "Porque eu
vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em
nome do Senhor" (Mateus 23: 39).
Outra passagem que aponta para a concretização futura da promessa feita a
Davi, segundo o DP, se encontra em Apocalipse 3: 21:
"Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim
como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono".

Resumidamente, podemos colocar o DP sob os seguintes pontos:

111
"Fiz uma aliança com o meu escolhido, e jurei ao meu servo Davi, dizendo: A tua semente
estabelecerei para sempre, e edificarei o teu trono de geração em geração" (Salmos 89:3-4).
"Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi. A sua semente durará para sempre, e o
seu trono, como o sol diante de mim. Será estabelecido para sempre como a lua e como uma
testemunha fiel no céu" (Salmos 89:35-37).
"O Senhor jurou com verdade a Davi, e não se apartará dela: Do fruto do teu ventre porei sobre o teu
trono" (Salmos 132:11).
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1. O Novo Pacto, prometido a Israel, está atualmente em vigor e se aplica


também à Igreja (Jeremias 31: 31-34, Hebreus 8:6-13, 9:14-15 e 10:9-17);
2. A partir do momento em que os líderes judeus rejeitaram em peso a
mensagem de Jesus, as posições de autoridade no Reino Milenial de Cristo foram
dadas aos Seus discípulos judeus (Mateus 21: 33-44, Lucas 12: 31-32, Lucas 22: 28-
30);
3. O Reino também é prometido aos salvos entre os gentios, os quais reinarão
juntamente com os salvos entre o remanescente israelita. Nesse contexto, tanto os
santos do Antigo quanto os do Novo Testamento fazem parte de um único Corpo
(Mateus 8:11-12, Mateus 19:27-29, Lucas 13:26-29, João 10:16, Hebreus 11:39-40);
4. Os gentios que creem são herdeiros de Abraão, através da fé (Romanos
2:28-29, Romanos 4:13-16, Romanos 9:6-8, Hebreus 6:12-20);
5. Israel, como nação, não foi rejeitado pelo Senhor nem substituído pela Igreja.
Parte dos judeus (um remanescente) crê no evangelho e serviu como a base inicial
para pregação das boas novas, pertencendo ao Corpo de Cristo. Outra parte
permaneceu endurecida até o momento da volta de Jesus. Desses dois grupos (os
endurecidos e os não endurecidos), apenas os que crerem em Jesus e perseverarem
serão salvos. Nesse contexto, aqueles israelitas que crerem logo após a vinda de
Jesus, quando Ele pousar seus pés no Monte das Oliveiras, não serão glorificados,
mas permanecerão em seus corpos físicos, perpetuando a espécie humana e
concretizando literalmente a promessa feita a Abraão em Gênesis 15:5 (Romanos 11);
6. Jesus veio primeiramente aos judeus. Os gentios foram agregados ao
remanescente fiel judeu do Antigo e Novo Testamentos, de acordo com o plano do
Senhor. Os gentios são participantes das bênçãos judaicas (Salmos 18:49,
Deuteronômio 32:43, Isaias 11:1-10, João 10:16, Romanos 1:16, Romanos 15:8-
12,26-27);
7. Os santos do Antigo e do Velho Testamento estão em Cristo, através de seu
sacrifício abrangente a todas as épocas (Efésios 1:4-14, Efésios 3: 14-15, Efésios 4:4-
10).
A partir daqui, expomos nossas discordâncias ao DP. É muito difícil defender
que haverá tal reino de mil anos, num estado intermediário entre glória e pecado, e
que Jesus se assentará literalmente no trono de Davi. Não negamos que Jesus será
rei sobre toda terra, mas isso não implica que Israel será de novo uma nação
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53

politicamente organizada, que haverá um trono literal – de madeira, ferro ou mármore


- e que haverá governo terreno como conhecemos. Também não é defensável a
existência de um reino literal de mil anos, tendo em vista todos os esquemas
alegóricos de apocalipse, sendo o número mil apenas mais um deles, que pode
simbolizar apenas a era da igreja, como de fato prega o a- e o pós-milenismo.

É neste ínterim que se apresenta a tese do PPA112 de William Hendriksen113.


Ao que parece, o Apocalipse conta sim uma história cíclica, circular; de fato, o mundo
acaba sete vezes, já que João coloca o número sete em especial destaque. Há muitas
alegorias, muitos códigos, e o melhor tradutor sempre é a Palavra de Deus como um
todo, não o capítulo 21 do livro de Apocalipse.
Como, porém, coadunar tais visões tão opostas? Como ser dispensacionalista
sem crer num milênio literal e ser amilenista crendo que o Israel natural ainda tem vez
nas profecias ainda a serem cumpridas?
É possível dizer que, a rigor, não somos dispensacionalistas, já que não cremos
no milênio literal. Talvez, também possamos dizer que somos amilenistas, já que para
sê-lo basta que vejamos o milênio como uma alegoria da era da igreja, ainda que
tenhamos de admitir que Deus não tenha terminado sua história profética com Israel.
Sendo simplista, há uma forma de utilizarmos partes destas teses e ficarmos
com seus argumentos mais interessantes. Nem todas as profecias do Velho
Testamento se cumprem na igreja. O fato de alguns apóstolos, como Tiago em Atos
15: 13-19, ter interpretado uma profecia de Amós espiritualmente, não faz com que
todas as profecias devam ser assim interpretadas. No caso desta, especificamente, o
tabernáculo de Davi foi reerguido quando Jesus se ofereceu pelos pecados daqueles
que crerem em Seu nome, judeus ou gregos. Esta é a grande chave profética dos
testamentos: a salvação em Jesus para todas as tribos, povos, línguas e raças.
Mas isso não quer dizer que Deus tenha parado de agir com Israel
profeticamente. Por exemplo, a destruição de Jerusalém, ocorrida em 70 D.C, é um
cabal cumprimento profético de Daniel 9: 26 e se referiu diretamente à nação
israelense. A reunião de Israel como um país, a partir de 1948, é um claro

112
Utilizaremos, a partir daqui, a sigla PPA para nos referirmos ao paralelismo progressivo amilenista.
113
Ver seção 2.1 onde o tema foi suficientemente exposto.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
54

cumprimento de Ezequiel 47, ao menos já iniciado. Até mesmo a salvação destinada


aos gentios, veio para incitar o povo judeu à emulação (Romanos 11: 11).
De acordo com os precedentes históricos, não há como afirmar que o Senhor
deixou, provisoriamente, de agir profeticamente com Israel durante a "era da Igreja”. E
o apóstolo Paulo não disse, em nenhum momento, que Israel foi completamente
rejeitado.
Portanto, segundo nosso parecer, e com a humildade de sabermos não ser um
tema que podemos ter todas as respostas, a Palavra de Deus preserva essa
ambiguidade em suas páginas e, no seu contexto como um todo, aponta para
algumas questões. São elas:
1. Deus não rejeitou Israel completamente, ainda que Israel tenha rejeitado o
messias. Certo é, porém, que não há salvação fora de Jesus. Não sabemos como
Deus enxertará Israel novamente, mas sabemos que será em Jesus;
2. A igreja é participante das bênçãos anteriormente restritas aos judeus;
3. É muito difícil defender uma visão literal de mil anos sobre o Apocalipse 20,
já que é o único texto que trata do assunto claramente e, se o colocarmos em
confronto com outras partes do Novo Testamento, veremos que é indefensável um
reino milenar de características intermediárias, com pessoas em corpos glorificados e
pessoas em corpos naturais. Profecias como as de Isaías 65: 20, onde se parece
supor um estado quase perfeito, ainda que de difícil interpretação, são colocados na
era da igreja, nossa era atual, com o reino crescendo gradativamente – visão pós-
milenista.
4. O apocalipse como um todo deve ser visto espiritualmente, o que não quer
dizer que muitas das profecias ali contidas não possam se cumprir TAMBÉM
literalmente. Só saberemos com certeza quando tais profecias, de fato, se cumprirem.
5. O apocalipse é um livro progressivo, apresentando sete visões, em temas e
crescentes de revelação, que cobrem toda a era da igreja. Como a era da igreja ainda
não acabou, muitas das profecias ali contidas ainda irão se cumprir.
6. Como uma decorrência do ponto anterior, as profecias podem ser de duplo
ou até triplo cumprimento – ou mais, não sabemos. O fato de uma profecia de Daniel
ter se cumprido no ano 70 d.C. não impede que ela se cumpra, com mais inteireza,
futuramente. Isto vale para muitas profecias, tanto do velho quanto do novo
testamento.
BORNER, Gustavo Galvão
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da escatologia como um todo, e especificamente do milênio, são de


importância prática para a igreja. A forma como uma comunidade encara os temas do
futuro determinam sua atuação no presente.
Em geral, no século XXI, se trata muito pouco deste ponto na igreja. A
dificuldade de interpretação e a quantidade tão grande e divergente de ensinos
deixam os pastores mais ligados ao estudo de passagens que tratem de nossa vida
em Cristo, como corpo d’Ele, e da evangelização do mundo.
O que os pastores não percebem, porém, é que esta parte é essencial à sua
igreja local. Não apenas João falou dele: Paulo, Isaías, Ezequiel, Daniel, Pedro, Tiago,
Judas e Jesus falaram sobre isso. Ter uma visão do início, do meio e do fim de todas
as coisas nos faz viver o hoje com maior entendimento e profundidade.
A escatologia pentecostal tende a dividir os temas: mundo versus igreja, judeus
versus igreja, cultura versus santidade. O protestantismo clássico tende a uni-los. O
problema é que ambos têm razão: o mundo jaz no maligno, mas Jesus viveu aqui; os
judeus foram povo escolhido, mas Deus o rejeitou por amor a nós; a cultura louva tudo
menos a Deus, ao mesmo tempo em que revela suas características, mesmo sem
perceber.
Lidar com esta ambivalência é a missão do pregador que se propõe a falar
sobre o milênio. O reino de Deus já está entre nós, mas também virá com grande
poder e glória. Jesus veio salvar o que se havia perdido, mas também virá com os
santos anjos para exercer juízo. Deus escolhe soberanamente os que são d’Ele, mas
Paulo nos adverte a não nos gloriarmos contra os ramos, pois também podemos ser
cortados.
Temos de considerar a bondade e a severidade de Deus em nossa visão de
mundo. Temos de nos contextualizar para pregar a mensagem, mas não para
adotarmos valores mundanos. Temos de saber que o milênio é uma realidade
espiritual, mas sem tentar espiritualiza-lo mais que a própria bíblia.
Que Deus nos ajude neste encargo.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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