Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Escatologia Reformada e Escatologia Pent
Escatologia Reformada e Escatologia Pent
SÃO GONÇALO - RJ
2013
GUSTAVO GALVÃO BORNER
SÃO GONÇALO
2013
GUSTAVO GALVÃO BORNER
__________________________________________________________
Orientador(a)
________________________________________________
Examinador(a)
SECAM
DEDICATÓRIA
Em segundo lugar dedico este trabalho à minha mulher, Alinne, que me inspira
não apenas a pensar nas coisas do porvir, mas a viver como se elas já estivessem
acontecendo.
Por fim, dedico à igreja do Senhor cada linha destas reflexões. É a ela que
desejo servir e espero que este trabalho sirva para o corpo de Cristo na terra.
AGRADECIMENTOS
À minha mulher, que é colírio para os meus olhos, inspiração para minha mente
e descanso para minha alma. Sem ela este trabalho seria “sem graça”.
Ao reverendo Leandro Antônio de Lima Wurlitzer, por ter nele inspiração –
através de suas pregações no youtube1 - e ajuda para o trabalho, através de vários
emails respondidos.
Ao professor Dionísio de Oliveira Soares por me responder a indagações sobre
o cunho escatológico do livro de Daniel, através do facebook2.
Ao professor desta casa, José Wedson Lima, que sempre me auxilia com
variados assuntos teológicos e que disponibilizou-me várias obras pré-milenistas para
este trabalho.
A Deus, que me dá ar, cérebro e curiosidade.
1
Site que agrupa vídeos de usuários.
2
Site de relacionamentos muito famoso na internet.
“Há pessoas que desejam saber só por saber, e
isso é curiosidade; outras, para alcançarem fama, e
isso é vaidade; outras, para enriquecerem com a
sua ciência, e isso é um negócio torpe; outras, para
serem edificadas, e isso é prudência; outras, para
edificarem os outros, e isso é caridade"
Santo Agostinho
RESUMO
It presents a study about the eschatology about the millenium in both environments of
greater theological reference and impact in Brazil, the reformed traditional one and the
pentecostalist one, seeking a comparison between the two visions and proposing a
common path of knowledge and biblical foundation. In the first part are briefly exposed
the theoretical foundations of each of its doctrines and less divergent points within
each system, in the second part are placed in confrontation beliefs and statements of
both seeking to prove their points of converging and diverging; the third and last part
proposals are attempts to reconcile the views and when not possible, a mix that best
communicate the truth behind the biblical text for today.
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 9
Situação de estudo ..................................................................................................... 9
Objetivos ................................................................................................................... 10
Justificativa ............................................................................................................... 10
REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO...................................................... 11
Suporte Teórico ........................................................................................................ 11
Metodologia .............................................................................................................. 12
1. CONCEITOS BÁSICOS E PRELIMINARES......................................................... 13
2. ESCATOLOGIA REFORMADA............................................................................. 16
2.1 Amilenismo.......................................................................................................... 17
2.1.1 Dificuldades do Amilenismo ............................................................................. 22
2.2 Pós-milenismo..................................................................................................... 24
2.2.1 Dificuldades do Pós-milenismo ........................................................................ 27
3. ESCATOLOGIA PENTECOSTAL ......................................................................... 30
3.1 Pré-milenismo clássico ou histórico .................................................................... 34
3.1.1 Dificuldades do Pré-milenismo histórico .......................................................... 37
3.2 Dispensacionalismo ou Pré-milenismo pré-tribulacionista .................................. 39
3.2.1 Dificuldades do Dispensacionalismo................................................................ 43
4. O DISPENSACIONALISMO PROGRESSIVO, O PARALELISMO PROGRESSIVO
AMILENISTA E UMA PROPOSTA BÍBLICA CONCILIADORA................................. 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 56
INTRODUÇÃO
As igrejas no Brasil e no mundo e os mais diversos grupos cristãos – católicos
romanos, ortodoxos, protestantes ou livres – têm interpretado as Escrituras Sagradas
em busca de respostas às mais diversas e incontáveis perguntas acerca do fim dos
tempos. Ainda mais, praticamente todas as culturas, inclusive a ateia, tem sua ideia
do que vem a ser a consumação do que vivemos hoje numa passagem para um
próximo estágio mais avançado e mais rico da existência.
Não é possível, num trabalho monográfico, analisar o que cada cultura tem em
seu arcabouço escatológico, nem tampouco o que cada círculo cristão entende em
sua doutrina por escatologia3.
Como estamos no Brasil, as igrejas ditas evangélicas se organizaram em
alguns grupos básicos, a saber, os tradicionais – batistas, presbiterianos, anglicanos
etc – pentecostais clássicos – igrejas Assembléia de Deus, Deus é Amor,
Quadrangular, Brasil para Cristo, Nova Vida e Congregação Cristã – e
neopentecostais – Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus,
Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo etc. Além destes, há um sem-número
de comunidades que não se encaixam em nenhum destes rótulos, ou que não o
admitem.
Para fins de estudo, analisaremos as escatologias reformadas e pentecostais
no que diz respeito ao Milênio, em seus pontos básicos. Sabemos da dificuldade em
fazê-lo, já que dentro de cada uma delas há divergências, mas procuraremos nos ater
ao que não é divergente dentro de cada sistema, procurando apontar um caminho,
iluminado pelo Espírito Santo, para a correta e desejada interpretação bíblica das
coisas que vem ocorrendo e ainda vão ocorrer.
Situação de estudo
A problematização de um tema como este é simples: que interpretação do
milênio é a correta? Devemos olhar para ele de maneira literal, como um período de
mil anos? E onde ocorrerá? E se já estiver ocorrendo? E se, de alguma maneira,
nunca ocorrerá de maneira literal? Qual a posição da igreja neste cenário: participante
ativa ou coadjuvante com os judeus? E mais, o olhar que cada grupo – pentecostais e
3
Eschatos = último; Logia = estudo. Juntando-se os termos temos Escatologia, o estudo das últimas
coisas, dos últimos dias.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
10
reformados – têm sobre o tema, tem potencial para afetar sua espiritualidade e
vivência cristã4?
Objetivos
Pelo prisma geral, esta pesquisa procura tratar do tema escatológico mais
debatido de todos os tempos. Num primeiro olhar, não se tem qualquer preferência a
qualquer sistema, nem se têm a pretensão de solucionar o debate de forma definitiva.
Especificamente, o trabalho foi realizado para dar um caminho novo, que
encampe todas ou quase todas as abordagens milenistas vigentes, olhando-as como
complementares, não excludentes. A igreja de Jesus espalhada pelo Brasil, mais
especificamente a dos municípios de São Gonçalo, Niterói e adjacências, poderão ter
acesso a uma pesquisa sobre um tema pouco explorado, feita por um estudante
recém-formado, que apesar da desvantagem da pouca experiência acadêmica, têm
nisto mesmo a vantagem de estar próximo às perguntas constantes de um membro
comum da igreja acerca do assunto.
Justificativa
Este ensaio justifica-se, principalmente, pela pouca instrução da maioria dos
irmãos em Cristo, da região, sobre o assunto. Aprender escatologia como um todo, e
especificamente o milênio, tem impacto imediato sobre o comportamento do crente
em relação à cultura local – se de distanciamento e negação ou diálogo e contestação
– ao ímpio, à igreja e a si mesmo. Não é a toa que João diz nas primeiras linhas do
5
livro “Bem-aventurado aquele que lê... os que ouvem... e guardam...” as palavras da
profecia, revelada diretamente por Jesus ao apóstolo.
De uma coisa temos certeza: os irmãos que estudaram este livro, ao longo dos
dois séculos da era cristã, o fizeram por amor e por desejar estar prontos para a vinda
do Senhor.
4
Não é objetivo do trabalho uma pesquisa sociológica ou comportamental da igreja, mas apenas como
tema incidente, toca a possível prática que uma determinada comunidade pode ter dependendo da sua
visão sobre o milênio.
5
Apocalipse 1:3.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
11
Suporte Teórico
6
Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo”. Efésios
4:15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ef/4/15+. Acesso em11/06/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
12
Metodologia
Os métodos utilizados foram a pesquisa bibliográfica descritiva de livros e
artigos físicos e digitais, a visualização de palestras, pregações, aulas e mesas-
redondas sobre o assunto, principalmente através de vídeos encontrados na internet,
e a pesquisa de campo com professores e pastores. O período de realização é de
maio a dezembro de 2013.
7
Ver seção Amilenismo, do capítulo Escatologia Reformada.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
13
8
Ver Hb 1:2, Gl 4:4, Lc 1:46 a 55, Mc 1:15.
9
Lc 10:9, 11:20; Mc 11:15.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
14
plenitude deste reino10. Houve uma inauguração, há uma vivência atual espiritual
deste reino e o mesmo se irá completar em tempo oportuno.
Segunda vinda é o momento em que o Senhor aparecerá em glória, vindo
através de nuvens. O próprio Jesus se refere a este evento não como “segunda vinda”
mas como parousia (aparecimento). Os profetas do Antigo Testamento, ao verem de
longe, tinham a impressão de que tudo se tratava de um evento só, tanto o servo
sofredor de Isaías 53 como o rei de Jerusalém, de Miquéias 5. Porém, ao vir, o
Senhor só cumpriu a primeira parte, como servo, não como rei – ou, ao menos, não
como rei visível, sendo apenas o rei do coração do seu povo. É por causa deste último
caráter da segunda vinda que João Batista pergunta se Jesus era mesmo o Cristo, já
que Ele só havia cumprido a primeira parte da profecia que o próprio João declarara:
ele ajuntará o trigo em seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se
apaga11.
Milênio, objeto do nosso estudo, é o período de mil anos descrito por João em
Apocalipse 20, em que Satanás é preso e Jesus reina. Ao final, Satanás é solto,
engana as nações, cerca a cidade amada, ao que desce fogo do céu, lançando a ele,
à besta e ao falso profeta no lago de fogo. O texto merece ser transcrito:
E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na
sua mão.
Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por
mil anos.
E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais
engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto
por um pouco de tempo.
E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as
almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de
Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em
suas testas nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos.
Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a
primeira ressurreição.
Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes
não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e
reinarão com ele mil anos.
E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão,
E sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e
Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha.
E subiram sobre a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada;
e de Deus desceu fogo, do céu, e os devorou.
E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta
e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre.
10
Ap 11:15.
11
Lc 3:17.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
15
E vi um grande trono branco, e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença
fugiu a terra e o céu; e não se achou lugar para eles.
E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os
livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas
que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras.
E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que
neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras.
E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte.
E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo
Apocalipse 20:1-15
2. ESCATOLOGIA REFORMADA
De forma geral, a escatologia reformada apoia-se na totalidade das escrituras e
em seu sentido original, sem ter de necessariamente crer que passagens descritas na
bíblia sejam literais para que o texto seja respeitado.
Ao saber que o Apocalipse foi uma visão dada a João sobre coisas
maravilhosas, ainda que o apóstolo13 a tenha visto de maneira literal – e.g. João viu,
de fato, um cavaleiro de um cavalo negro que tinha na mão uma balança – a
aplicação de tal visão é espiritual, não literal – usando-se do mesmo exemplo, não se
crê que haverá, de fato, um cavaleiro com um cavalo negro carregando uma balança
para anunciar a fome na terra, mas sim que haverá fome, pura e simplesmente.
Sob esta perspectiva básica se apresentam as duas opções do meio
reformado: o amilenismo e o pós-milenismo. Tanto um quanto outro sustentam que a
descrição do Milênio por João, apesar de ter visto um anjo amarrando o Diabo por mil
anos, não quer dizer que Satanás ficou amarrado por mil anos, literalmente. Não
apenas pela obviedade de Satanás não poder ser amarrado literalmente, por ser um
espírito e cordas de couro não o poderem prender, os mil anos, segundo estas
correntes, representam um período específico na história14.
É de fundamental importância destacar que tanto o a- quanto o pós-milenismo
enxergam as promessas dadas a Israel, relacionadas ao messias e ao reino de Deus,
se cumprindo hoje na igreja. Paulo explica isto dizendo que nem todos os nascidos
pela carne de Abraão são Israel15; descendentes de Abraão são aqueles que, como o
próprio patriarca, alcançaram salvação através da fé, a saber, a igreja. Muitas das
promessas dadas a Israel no Velho Testamento são referidas no Novo, porém tendo
12
Mt 24:42.
13
Assumiremos aqui a autoria de João, o apóstolo, não nos atendo a este ponto por não ser essencial
à matéria deste trabalho.
14
Neste sentido, Gordon Lyons afirma: “Se, contudo, insistirmos que esta
passagem deveria ou deve ser entendida literalmente, então, logicamente, devemos também insistir em
colocar uma interpretação literal nas outras passagens similares. Isto significaria que a chave,
o abismo, e a grande cadeia, faladas na mesma passagem (Apocalipse 20:1), devem ser entendidas
como uma chave literal, um abismo literal e uma cadeia literal. Mas como Satanás — que é um
espírito — pode ser preso com uma cadeia literal e física?”. Em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/lyons_doutrina_segunda_vinda.htm,
tradução por ARAUJO NETO, Felipe Sabino de.
15
“Não quer dizer, porém, que a palavra de Deus tenha falhado. Porque nem todos os que descendem
de Israel são verdadeiros israelitas, como nem todos os descendentes de Abraão são filhos de Abraão;
mas: É em Isaac que terás uma descendência que trará o teu nome {Gn 21,12}. Isto é, não são os
filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que serão considerados como
descendentes”. Romanos 9: 6 a 8. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/9. Acesso em 03/07/13.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
17
cristãos como destinatários16. Sendo tal ponto muito extenso e por não se tratar do
escopo deste trabalho, damo-nos por satisfeitos apenas com o seu resumo17,
retomando-o nas partes da Escatologia Pentecostal e em suas críticas.
As posições a- e pós- divergem na maneira como veem este reino milenar não
literal, o que veremos a seguir.
2.1 Amilenismo
Amilenismo é a visão das últimas coisas que sustenta que a Bíblia não prediz
um ‘Milênio’ ou período de paz e justiça mundial sobre a Terra antes do fim do mundo;
segundo esta visão, haverá um desenvolvimento paralelo e contemporâneo do bem e
do mal – o reino de Deus e o reino de Satanás – neste mundo, que continuará até a
segunda vinda de Cristo. Na segunda vinda de Cristo a ressurreição – apenas uma,
com a volta de Cristo, de ímpios e crentes - e o julgamento acontecerão
simultaneamente, seguidos pela ordem eterna das coisas – o Reino absoluto e
perfeito de Deus, no qual não haverá pecado, sofrimento nem morte.
Olhando para o que ocorre hoje, o amilenismo parece ter alguma razão. Tanto
o crescimento do reino de Deus, através da pregação do evangelho, avança, quanto o
reino de satanás, com a “pregação” contra todos os princípios de Deus, também
avança, e ambos com muitos seguidores. Se tal tendência permanecer até a volta de
Cristo, o amilenismo poderá se confirmar na história.
As bases para o amilenismo são muito importantes18. Em primeiro lugar,
enxerga o apocalipse como um livro poético, essencialmente alegórico. Não se pode
16
Para um excelente apanhado, consultar PROVAN, Charles D. Versículos do Antigo Testamento,
que se referem a Israel, e que são citados no Novo Testamento como se referindo aos cristãos.
Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/israel-igreja-secao2_charles_provan.pdf.
Acesso em 03/07/2013.
17
Uma explicação suscinta e polêmica vem de Arturio Azurdia III, comentando Apocalipse 2:8:” …
Pobreza como conseqüência de blasfêmia e acusações… A fonte de sua perseguição: os romanos. A
perseguição romana era fomentada pelas acusações dos israelitas étnicos, os quais Jesus diz aqui que
não eram dignos desse nome antigo e honrável. “Conheço… a blasfêmia dos que se dizem judeus, e
não o são”. Meus amigos essa é uma declaração profundamente importante. Quando olhamos o fluxo
da história redentiva, o enredo da história da Bíblia se desvela e nos movemos do épico da promessa
para o épico do cumprimento, e o povo de Deus não é mais definido genealogicamente, mas
cristologicamente… cristocentricamente. Você diz: “O que você quer dizer?” Os verdadeiros judeus são
aqueles que seguem a Jesus como seu Messias”. AZURDIA III, Arturo, A igreja substitui Israel?.
Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/igreja-subs-israel_Arturo-Azurdia.pdf.
Acesso em 03/07/2013.
18
Retirado do vídeo http://www.youtube.com/watch?v=ZQ3KxFD-ffo. Acesso em 11/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
18
olhar para um livro poético e tentar extrair dele ensinamentos baseados na literalidade
do texto. Em segundo lugar, justamente por ser alegórico, sua interpretação é difícil;
apenas com o restante da bíblia é possível interpreta-lo corretamente, já que seu
conteúdo não se explica, de maneira satisfatória, por si só. Em terceiro lugar, como já
mencionado, Israel é visto não como o povo judeu, nascido carnalmente de Abraão,
mas como toda a igreja do Senhor, filhos de Abraão segundo a fé19. Em quarto lugar,
o Reino de Cristo já está posto. Tiago, em Atos 15: 15, citando Amós 9, explica que o
tabernáculo de Davi estava cumprido, não necessitando que os gentios se
circuncidassem para que participassem da comunhão. Jesus já é o soberano dos reis
da terra20 e já está assentado à destra de Deus, com um nome acima de todo o
nome21; juntando estes dois aspectos, temos a alegoria de Apocalipse 20, com Cristo
reinando.
Para adotarmos uma visão amilenista clássica, descreveremos o pensamento
do Doutor Willian Hendriksen, em seu livro “Mais que vencedores”.
A interessante abordagem do teólogo divide o apocalipse em sete seções que,
com enfoques diversos, cobrem todo o período da igreja, desde a primeira até a
segunda vinda de Cristo. Há vários argumentos do autor para o paralelismo, mas
talvez o mais forte deles seja o de que tal escrito deveria servir para todos os crentes,
tanto os contemporâneos de João - igrejas da Ásia Menor dos capítulos 2 e 3 - quanto
para nós hoje22, sem tentar prever coisas especificamente históricas nas porções da
visão de João. Além disso, a consumação de todas as coisas é descrita algumas
vezes, não apenas uma vez.
As seções são sete, e os títulos dados pelo autor são: Cristo no meio dos
candeeiros (caps. 1 a 3), em que as sete igrejas cobrem os diversos tipos de igreja ao
longo da era cristã; A visão do céu e dos sete selos (caps. 4 a 7), onde Cristo aparece
imolado, depois governando os céus e então aparecem os crentes em bem
aventurança, onde não teriam mais fome, sede ou qualquer outra mazela; As sete
19
Um texto que retrata de forma suscinta e especial tal sentido está em Gálatas 3: 24 a 29: “De
maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados.
Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em
Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não
há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em
Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a
promessa”. Grifo meu. Em Gálatas 3:24-29. Acesso em 11/7/2013.
20
Ap 1:5.
21
Fp 2: 9.
22
HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2011. Pg 2.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
19
23
Hendriksen usa a figura de um cão preso a uma coleira, que dentro do raio que o comprimento da
coleira lhe põe, pode fazer grandes estragos.
24
Satanás faz oposição, a todo tempo, à atividade missionária, mas a promessa do Senhor é que as
portas do inferno não prevalecerão contra a igreja.
25
E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo.
Colossenses 2:15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/cl/2. Acesso em 18/06/2013.
26
Retirado do debate entre Amilenismo e Pré-milenismo entre o referido bispo o pastor Leandro
Tarrataca. Em http://www.youtube.com/watch?v=fzMxQYWQjKI e suas continuações. Acesso em
18/06/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
20
27
“Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos
tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo”. 2 Pedro 2:4, e “E aos anjos que não conservaram
suas posições de autoridade mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas,
presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia”. Judas 1:6. Em
http://www.bibliaonline.com.br/, acesso em 24/06/2013.
28
E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no
monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei
semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo. Isaías
14:13-15. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/14. Acesso em 18/06/2013.
29
E, vindo outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também
Satanás entre eles, apresentar-se perante o SENHOR. Então o SENHOR disse a Satanás: Donde
vens? E respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. Jó 2:1-2. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/j%C3%B3/2. Acesso em 18/06/2013.
30
E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as
suas vidas até à morte. Por isso alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na
terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.
Apocalipse 12:11-12. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/12. Acesso em 18/06/2013.
31
E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo
o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. E ouvi uma grande voz
no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu
Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava
de dia e de noite. Apocalipse 12:9-10. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/12. Acesso em
18/06/2013.
32
Ex: At 2:41.
33
Apocalipse 12.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
21
34
“Noutras palavras, temos, aqui em Apocalipse 20.7-10, a descrição da mesma batalha - não guerra -
que foi descrita em Apocalipse 16.12ss. e 19.19. Em todos os casos lemos no original: a peleja. Ap.
16.14 diz: "...com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande dia do Deus Todo-poderoso". E
Apocalipse 19.19: "...congregados para pelejarem contra aquele que estava montado no cavalo, e
contra o seu exército". Igualmente, aqui em Apocalipse 20.8: "...a fim de reuni-los para a peleja". Essas
descrições não se referem a diferentes batalhas. Temos aqui uma e a mesma batalha. Em todos os três
casos trata-se da batalha do Armagedom. E o ataque final das forças anticristãs contra a Igreja. A coisa
"nova" revelada em Apocalipse 20 é o que acontece a Satanás como resultado dessa batalha
(...).Magogue. E tão rápido e inesperado como o relâmpago que risca o céu (cf 2 Ts 2.8). Assim,
subitamente, Cristo surgirá e desbaratará seus inimigos! Esta é a sua única vinda para juízo. Satanás
enganou o mundo iníquo (...).O sentido não é de que a besta e o falso profeta sejam realmente
lançados no inferno antes de Satanás; significa, sim, que a punição da besta e do falso profeta já foi
anteriormente descrita (Ap 19. 20). Todos eles caem juntamente, Satanás, a besta e o falso profeta.
Isso tem de ser verdadeiro, pois a besta é o poder perseguidor de Satanás e o falso profeta é a religião
anticristã. Onde quer que Satanás esteja, aí estarão os outros dois.” HENDRIKSEN, William. Op. cit. pg
74.
35
Mt 25: 31; Ap 14:14.
36
2 Pe 3:10.
37
Mt 19:28, At 3:21, Rm 8:21.
38
Dn 7:10.
39
Ap 3:5 e 13:8.
40
Mt 25:31, Rm 14:10 e 2 Co 5:10.
41
Ver Jo 5:28ss, 6:39, 44, 54
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
22
É bem patente que o texto está tratando de pessoas que morreram literalmente,
não figuradamente. Como o amilenismo quer dizer que tal texto trata de toda a
dispensação cristã e que esta ressurreição é o novo nascimento em Jesus se o texto
diz decapitados? É muito difícil inferir que todos os convertidos no Senhor sejam
decapitados, mártires. Não parece ser esta a intenção do texto.
42
Posição defendida pelas linhas da Escatologia Pentecostal.
43
Segundo o amilenismo, Ap 16: 14 e 19: 19 são textos paralelos da mesma batalha, apenas descritos
de forma diversa. Se, como querem os literalistas, o Apocalipse é uma narrativa cronológica, teríamos
5, 6 ou 7 batalhas? Ou seria mais condizente pensarmos em apenas uma batalha, olhada sob vários
enfoques?
44
“Ninguém pode roubar os bens do valente, entrando-lhe em sua casa, se primeiro não maniatar o
valente; e então roubará a sua casa”. Mc 3: 27 Em Marcos 3:27. Acesso em 11/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
23
45
Ex: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande
misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os
mortos, 1 Pedro 1:3. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/1pe/1. Acesso em 01/07/2013.
46
“É justo da parte de Deus retribuir com tribulação aos que lhes causam tribulação,
e dar alívio a vocês, que estão sendo atribulados, e a nós também. Isso acontecerá quando o Senhor
Jesus for revelado lá do céu, com os seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes.
Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor
Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade
do seu poder. Isso acontecerá no dia em que ele vier para ser glorificado em seus santos e admirado
em todos os que creram, inclusive vocês que creram em nosso testemunho.”
2 Tessalonicenses 1:6-10. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/2ts/1. Acesso em 01/07/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
24
2.2 Pós-milenismo
O pós-milenismo muito se assemelha ao amilenismo. Uma das melhores
definições desta linha é do renomado teólogo Kenneth L. Gentry48, que transcrevo:
O pós-milenismo espera que a proclamação do… evangelho… ganhe a vasta maioria
dos seres humanos para Cristo na presente era. O aumento do sucesso do evangelho
produzirá gradualmente um tempo na história antes do retorno de Cristo no qual a fé,
justiça, paz e prosperidade prevalecerão nos assuntos do povo e das nações. Após
uma extensa era de tais condições, o Senhor retornará visível e corporalmente, e em
grande glória, terminando a história com a ressurreição geral e o grande julgamento de
toda a humanidade.
47
“Quanto ao evangelho, eles são inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, são amados por
causa dos patriarcas, pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Assim como vocês, que
antes eram desobedientes a Deus mas agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles,
assim também agora eles se tornaram desobedientes, a fim de que também recebam agora
misericórdia, graças à misericórdia de Deus para com vocês. Pois Deus colocou todos sob a
desobediência, para exercer misericórdia para com todos. Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos!”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/nvi/rm/11. Acesso em 17/7/2013.
48
GENTRY, Kenneth L. Pós-Milenismo: Um Resumo. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto.
Disponível em http://monergismo.com/wp-content/uploads/artigo-resumo-posmilenismo_k-gentry.pdf.
49
Os quatro pontos foram retirados de um encontro teológico, disponibilizado em vídeo através do link
http://www.youtube.com/watch?v=eVkMUiBj0-E. Acesso 02/07/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
25
50
Dn 8:26. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/dn/8. Acesso em 02/07/2013.
51
Conf. CONCEITOS BÁSICOS E PRELIMINARES.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
26
quando o fermento for colocado na massa ela cresce – não é por imposição, o reino
apenas vai crescendo52.
Ainda que o mundo piore no futuro, a palavra de Deus vencerá e as portas do
inferno não prevalecerão contra a igreja. Esta é a promessa de Jesus.
O terceiro e quarto pontos são o otimismo e/ou domínio do Reino. Muitos
amilenistas combatem esta característica, principal distinção entre eles e os pós-
milenistas. O pós-milenismo seria um “amilenismo otimista” – o que faria dos
amilenistas teólogos pessimistas. O domínio do Reino pressupõe que o Reino de
Deus não está crescendo apenas dentro do coração do crente, mas se expande em
um domínio de tudo, com a afirmação de que, ao Jesus se humilhar, Deus o colocou
com uma autoridade universal, sobre todo o nome que se nomeia53. Não apenas na
igreja, mas nas escolas, na política, nas artes, na economia e em todas as áreas, a
influência do Reino está gradativamente tomando todo o conhecimento. Um texto que
bem expõe tal pensamento está em Isaías 2: 2 a 4:
Nos últimos dias o monte do templo do Senhor será estabelecido como o principal;
será elevado acima das colinas, e todas as nações correrão para ele.
Virão muitos povos e dirão: "Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do
Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas
veredas". Pois, a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor.
Ele julgará entre as nações e resolverá contendas de muitos povos. Eles farão de suas
espadas arados, e de suas lanças foices. Uma nação não mais pegará em armas para
atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra54.
Somente na visão pós-milenista este texto faz algum sentido. O monte aqui
descrito é Sião, que em Hebreus tem sua interpretação: a graça de Deus, Sua casa,
Sua habitação, Seu domínio. Nos últimos dias este estado de coisas é estabelecido.
Os povos vêm procurar os caminhos de Deus, vêm andar em suas veredas. Não
parece que este domínio será algo imposto, mas desejado, gradual; eles farão - e não
um poder coercitivo – de suas espadas arados e de suas lanças foices – em outras
palavras, trabalharão para ter sustento sem retira-lo à força do seu próximo. Sião, em
última instância, é a igreja, as pessoas que estão sob o domínio deste Reino. A lei
sairá da igreja, dela virá a palavra do Senhor, e os reis da terra procurarão em nós a
solução de seus problemas.
52
Ambas as parábolas se encontram em Mt 13:31-33.
53
“Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome”. Fp 2:9.
54
Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/is/2/3. Acesso em 02/07/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
27
55
Isaías 53: 11.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
28
Não parece ser isto que pós-milenismo afirma. Ao contrário do que prega tal
linha, a aparência deste mundo está passando, o tempo se abrevia. A expectativa do
retorno de Cristo é o que nos dá esperança em meio a um mundo depravado e alheio
à Sua presença. Os pós-milenistas respondem que tal tensão tem lugar só até o
momento em que o mundo ainda tem parcela incrédula; não nega a dicotomia Cristo x
Mundo, mas afirma que o domínio de Cristo sempre avança. Isto seria uma maneira
56
Ou seja, o texto de Mateus 24, combinado com o de 2 Tessalonicenses, sugere que uma profecia
tem cumprimento imediato e mediato, assim como as profecias do Antigo Testamento, mais
especificamente as referentes ao messias.
57
Mateus 26:64.
58
Em 1 Coríntios 7: 29-31. Acesso em 3/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
29
de coadunar textos que realçam este contraste – como o de João 15: 1959 – com
aqueles que divulgam uma expansão do Reino – como o de Mateus 13: 3360.
Em terceiro lugar, ainda que não se negue diretamente, o sofrimento com Cristo
não parece ter muito lugar nesta abordagem. Textos como 2 Co 4: 8 a 10, que
mostram o martírio com o Senhor, parecem ser ignorados. A resposta pós-milenista é
que não se nega tal sofrimento, mas que, pelo contrário, estas pisaduras dos crentes
corroboram para o crescimento do evangelho na terra. A maior prova disso é que a
morte violenta de Jesus não apenas não freou seu ministério, mas deu início a ele,
com a conquista de pessoas de toda raça, tribo, língua e nação.
A quarta crítica à visão otimista reformada é quanto à dinâmica do texto de
Apocalipse 20. João parece narrar uma cronologia de acontecimentos: vê descer do
céu um anjo, Satanás é preso por mil anos, lançado no abismo, até que os mil anos
se acabem. Neste tempo, os que morreram em Cristo vivem, não os ímpios. Após, o
dragão é solto, sai a enganar as nações pelos quatro cantos da terra, os ajunta em
batalha contra a cidade amada; mas desce fogo do céu e os consome. Depois, estes
inimigos são lançados no lago de fogo e o último a ser derrotado é a morte. Ora, como
coadunar a visão pós-milenista de avanço triunfante do evangelho se Satanás será
solto? O que dizer da fantástica visão de Satanás ajuntando os gentios em batalha,
cercando a cidade amada? A resposta pós-milenista é que Satanás será solto,
obviamente de maneira figurada, apenas por um curto período, às vésperas da volta
de Cristo. Metade da última semana de Daniel nós estamos vivendo – avanço do
evangelho, que sai vencendo e para vencer, mas com tribulação – e a outra metade,
onde Satanás é solto, os flagelos são liberados, são destruídas várias partes da terra,
não terá o mesmo tempo que a primeira61 – será um curto espaço de tempo,
abreviado, por causa dos eleitos62. Além disso, toda esta suposta narrativa é vista
apenas como alegoria do que a bíblia já diz de outras maneiras.
59
Se vós fósseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu
vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Em João 15:19. Acesso em 9/7/2013.
60
Outra parábola lhes disse: O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e
introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado. Em Mateus 13:33. Acesso em
9/7/2013.
61
Esta visão é a do paralelismo progressivo, a mesma amilenista, que considera partes
diferentes do texto de Apocalipse como se referindo aos mesmos eventos mas que vão contando a
história com diferentes enfoques, cada vez mais tendentes ao fim, sendo o capítulo 22 o clímax.
62
E, se o Senhor não abreviasse aqueles dias, nenhuma carne se salvaria; mas, por causa dos
eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias. Em Marcos 13:20. Acesso em 9/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
30
3. ESCATOLOGIA PENTECOSTAL
Apesar do título deste capítulo, não há uma escatologia pentecostal
propriamente dita, diferentemente da reformada. O pentecostalismo, tanto o clássico
quanto o neo, se apropriaram de comentários de John Nelson Darby, Tim La Haye,
Hal Lindsey, Lawrence Olson, Wayne Grudem, Cyrus Ingerson Scofield e
estabeleceram suas visões como interpretações satisfatórias da bíblia, principalmente
pelo caráter dito fiel por se ater à literalidade do texto63.
A segunda característica da escatologia pentecostal é diferenciar o plano de
Deus para Israel do plano de Deus para a Igreja. Assim, Deus tem dois povos distintos
e tratará com eles, até a consumação dos tempos, de maneiras distintas. No entanto é
importante ressalvar que o neopentecostalismo tenta aplicar, literalmente e fora de
contexto, passagens de promessas feitas a Israel como se fossem para a igreja – em
geral, textos que falam de temas de prosperidade, como sobre ser cabeça e não
cauda64 ou possuir o lugar onde se pisar a planta do pé65. Ou seja, num sentido, Israel
e Igreja são povos distintos: Deus tem seu povo particular, Israel, os trata de maneiras
diferentes, a salvação para ambos não é igual – para a igreja, Jesus já se manifestou,
para Israel, se manifestará na tribulação ou após ela - e o desfecho da história terá a
participação de ambos com funções distintas; de outro lado, quaisquer promessas
dadas a Israel se aplicariam à igreja, principalmente as triunfantes.
A Escatologia Reformada prega justamente o oposto. Resumidamente, a igreja
de hoje é o verdadeiro Israel66, no que se refere ao cumprimento do grande plano de
Deus usando o Messias aos gentios, conforme explicado por Paulo67. Por outro lado,
distingue o tipo de relacionamento entre Deus e Israel ainda no tempo da lei, baseado
em preceitos que não traziam o homem a Deus68, do tipo de relacionamento que tem
63
Outro grupo que, apesar de não ser pentecostal, bebe das mesmas fontes, são os batistas.
64
Deuteronômio 28:13.
65
Josué 1:3.
66
Ver http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/israel-igreja-
secao2_charles_provan.pdf.
67
“Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua
descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são
contados como descendência”. Romanos 9: 7 e 8. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/9. Acesso
em 16/7/2013.
68
“Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o
conhecimento do pecado”. Romanos 3: 20. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/3/20. Acesso em
16/7/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
31
hoje com a igreja. Para os reformados o povo da promessa é um só69, tendo Deus
começado com Abraão, posteriormente com Israel, e posteriormente com toda a
humanidade, sem distinções, através de Jesus.
Porém, há vários textos que sugerem um plano especial de Deus quanto aos
judeus, mesmo que apenas com o remanescente. Os capítulos 36 e 37 de Ezequiel
predizem um tempo em que Deus os ajuntará de novo na terra que lhes prometeu.
Mesmo que tal já tenha ocorrido com o retorno dos judeus do Exílio no século V a.C.,
e que se possa aplicar à igreja, quando Jesus vier e instaurar novos céus e nova terra,
Paulo, em Romanos 11, explica que Israel – não todos, mas um remanescente que
Deus preserva fiel – é inimigo do evangelho, para que aos gentios seja dada a
oportunidade de ver a salvação, mas amado por causa dos patriarcas. Deus não
revoga suas promessas e a história d’Ele com os descendentes de Abraão ainda não
chegou ao fim.
Estes dois pontos – a literalidade e o Israel natural – são a base da doutrina
pentecostal para o estudo do Apocalipse e de toda a literatura escatológica do
restante das escrituras. A profecia de Lucas 1: 31-33, com Jesus ocupando o trono de
Davi, não parece ter sido completada ainda. Ele veio para recolher o trigo no seu
celeiro e queimar a palha em fogo inextinguível, e isto também ainda não ocorreu.
Profecias como as de Isaías 11: 11-1270, 14:171, Jeremias 16: 14-1572, 23: 5-673 e
69
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes
perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de
separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que
consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a
paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto; Porque por ele ambos temos acesso ao Pai
em um mesmo Espírito.” Grifo meu. Efésios 2: 13 a 18. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/ef/2.
Acesso em 16/7/2013.
70
“E há de ser que naquele dia o Senhor tornará a pôr a sua mão para adquirir outra vez o
remanescente do seu povo, que for deixado, da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elã,
e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar. E levantará um estandarte entre as nações, e ajuntará os
desterrados de Israel, e os dispersos de Judá congregará desde os quatro confins da terra”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/11. Acesso em 18/7/2013.
71
“Porque o SENHOR se compadecerá de Jacó, e ainda escolherá a Israel e os porá na sua própria
terra; e ajuntar-se-ão com eles os estrangeiros, e se achegarão à casa de Jacó”. Em
http://www.bibliaonline.com.br/acf/is/14. Acesso em 18/7/2013.
72
“Portanto, eis que dias vêm, diz o SENHOR, em que nunca mais se dirá: Vive o SENHOR, que fez
subir os filhos de Israel da terra do Egito. Mas: Vive o SENHOR, que fez subir os filhos de Israel da
terra do norte, e de todas as terras para onde os tinha lançado; porque eu os farei voltar à sua terra, a
qual dei a seus pais”. Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/jr/16. Acesso em 18/7/2013.
73
“Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e
agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra. “Nos seus dias Judá será salvo, e Israel
habitará seguro; e este será o seu nome, com o qual Deus o chamará: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA”.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
32
sua linhagem84, aspectos que não se cumpririam ao pé da letra, por terem sido
cumpridos espiritualmente, mas há vários que seriam cumpridos com o milênio e/ou
com os novos céus e nova terra. Neste tempo, os judeus teriam a tão aclamada
Segunda Chance pregada pela escatologia pré-milenista.
As profecias citadas são tidas, portanto, como de duplo ou até triplo
cumprimento. A escatologia pentecostal admite que, em certo sentido, o evangelho do
reino foi pregado a todas as nações, os judeus retornaram do exílio, os falsos profetas
já se levantaram e se opuseram ao evangelho, houve grande tribulação na
perseguição da igreja do primeiro século, que o homem da iniquidade foi de fato o
imperador Nero e que o número total de judeus que devem ser salvos já começou85,
mas tais profecias têm também um cumprimento futuro, levando-se em consideração
textos como 2 Tessalonicenses 2:1-386, Romanos 11:25-3287, Marcos 13: 24-2688,
Lucas 21: 25-2789.
Por outro lado, boa parte da escatologia pentecostal não admite que tais
eventos tenham se cumprido – o dispensacionalismo, especificamente falando. Há
uma tendência de colocar todos os eventos catastróficos de Mateus 24 como sendo
84
O Messias deve ser descendente do Rei Davi pelo lado paterno - Gênesis 49:10 e Isaías 11:1. Se
Jesus era filho de uma virgem, não tinha pai - e dessa maneira não poderia ter cumprido o
requerimento messiânico de ser descendente do Rei Davi pelo lado paterno.
85
GRUDEM, Wayne A. Manual de Teologia Sistemática: uma introdução aos ensinos
fundamentais da fé cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001. Pg 478.
86
“Irmãos, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reencontro com ele, rogamos a
vocês que não se deixem abalar nem alarmar tão facilmente, quer por profecia, quer por palavra, quer
por carta supostamente vinda de nós, como se o dia do Senhor já tivesse chegado. Não deixem que
ninguém os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o
homem do pecado, o filho da perdição”. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/2ts/2. Acesso em
24/7/2013
87
“Irmãos, não quero que ignorem este mistério, para que não se tornem presunçosos: Israel
experimentou um endurecimento em parte, até que chegasse a plenitude dos gentios. E assim todo o
Israel será salvo, como está escrito: "Virá de Sião o redentor que desviará de Jacó a impiedade. E esta
é a minha aliança com eles quando eu remover os seus pecados". Quanto ao evangelho, eles são
inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, são amados por causa dos patriarcas, pois os dons
e o chamado de Deus são irrevogáveis. Assim como vocês, que antes eram desobedientes a Deus mas
agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles, assim também agora eles se tornaram
desobedientes, a fim de que também recebam agora misericórdia, graças à misericórdia de Deus para
com vocês. Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos”.
Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/rm/11. Acesso em 24/7/2013.
88
“Mas naqueles dias, após aquela tribulação, ‘o sol escurecerá e a lua não dará a sua luz; as estrelas
cairão do céu e os poderes celestes serão abalados’. "Então se verá o Filho do homem vindo nas
nuvens com grande poder e glória”. Em http://www.bibliaonline.com.br/nvi/mc/13. Acesso em 24/7/2013.
89
"Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações se verão em angústia e perplexidade
com o bramido e a agitação do mar. Os homens desmaiarão de terror, apreensivos com o que estará
sobrevindo ao mundo; e os poderes celestes serão abalados. Então se verá o Filho do homem vindo
numa nuvem com poder e grande glória. Quando começarem a acontecer estas coisas, levantem-se e
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
34
futuros. As palavras de Jesus “Em verdade vos digo que não passará esta geração
90
sem que todas estas coisas aconteçam” são encaradas como sendo vistas pela
geração que passará por tais coisas, e não pelos ouvintes diretos do discurso de
Jesus, ou seja, seus discípulos.
É possível notar que há muito mais divergência nas linhas da escatologia
pentecostal do que nas da reformada. De qualquer maneira, a literalidade do texto e o
plano separatista de Deus entre Israel e igreja permanecem em todas elas, mas
variam muito nos momentos e na intensidade em que se aplicam. Será necessário um
esforço maior para destrinchar cada um dos pensamentos.
a tribulação. Em todas elas admiti-se que todo o período tribulacional tem sete anos, e
que corresponde à última semana do relato de Daniel93. O pré-milenismo clássico, na
maioria das vezes, é pós-tribulacionista, e isto implica que o arrebatamento e a
revelação de Cristo se dão seguidamente, num abrir e fechar de olhos. Em outras
palavras, a igreja se encontra com o Senhor nos ares e já desce para instaurar o reino
milenar.
Após este tempo de tribulação, Cristo voltará à terra e estabelecerá o reino
milenar. Quando ele voltar, os crentes que tiverem morrido durante toda a era cristã
ressuscitarão, com seus corpos se reunindo aos seus espíritos, e eles reinarão com
Cristo sobre a terra por mil anos.
Alguns pré-milenistas acreditam que esses mil anos são literais, outros
acreditam ser um longo período de tempo, mas não de necessariamente mil anos
exatos. Ambos, porém, creem que Jesus reinará fisicamente sobre a terra, juntamente
com os crentes que ressuscitaram e com os crentes que estiverem vivos – estes
receberão, em vida, corpos glorificados. Os descrentes que estiverem sobre a terra
nesta época terão ainda a oportunidade de se voltar para Cristo, o que de fato
ocorrerá com muitos destes. Durante este tempo Satanás estará preso, lançado no
abismo, não tendo qualquer influência sobre a terra.
No fim dos mil anos, ou período análogo, Satanás será solto e congregará
forças com as nações descrentes de toda a terra, pessoas que se submetiam ao
reinado de Cristo apenas de forma exterior, ou seja, pessoas que não se converteram.
Tão logo a rebelião se inicia, desce fogo do céu, consome a todos, menos ao Diabo,
que é lançado no lago de fogo e enxofre, sendo atormentado para sempre.
93
O texto merece ser transcrito: “Ele me instruiu, e falou comigo, dizendo: Daniel, agora saí para fazer-
te entender o sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque
és mui amado; considera, pois, a palavra, e entende a visão. Setenta semanas estão determinadas
sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados,
e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o
Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém,
até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro
se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será
cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o
santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as
assolações. E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará
cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à
consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (grifo meu). Daniel 9: 22-27.
Em http://www.bibliaonline.com.br/acf/dn/9. Acesso em 14/10/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
36
Após a condenação dos ímpios que estiverem vivos e dos anjos caídos, Cristo
ressuscita dos mortos todos os descrentes que morreram na história, promove seu
julgamento e é inaugurado o estado eterno.
Há alguns argumentos a favor desta linha, que são os seguintes:
1. Há passagens do A.T. que parecem não se encaixar nem na era presente
nem no estado eterno. É um tempo de paz, alegria, mas em que ainda há morte94. A
mais citada é Isaías 65: 20:
“Já não morrerá aí nenhum menino, nem ancião que não haja completado seus dias;
será ainda jovem o que morrer aos cem anos: não atingir cem anos será uma
maldição.”
Neste texto parece que tudo é muito bom: os velhos completarão os seus dias e
não atingir cem anos será uma maldição. Um cenário vívido que tem como única
mancha o maior aguilhão do pecado, a morte. Ainda que a passagem misture
elementos que pertençam tanto ao estado eterno quanto ao milênio (versos 17 e 25),
não tira do versículo específico e do sentido geral do capítulo esta incongruência: paz,
prosperidade e morte. Há outras passagens que parecem apontar, profeticamente,
para esta curiosa dispensação: Sl 72: 8-14, Is 11:2-9, Zc 14: 6-21, que parecem se
encaixar em 1 Co 15: 23-25, Ap 2:26-27, 12:5 e 19:15.
2. Passagens do N.T. parecem confirmar as do A.T. Ap 2:26 e 27, 12:5 e 19:15
falam de um rei que governará as nações com “...cetro de ferro e as quebrará como a
um vaso de barro”, sugerindo um domínio de força sobre um povo rebelde, onde até
os crentes parecem ter lugar como tipos de governadores sobre o mundo.
Além destas, I Co 15:23-25 descreve que todos receberão um corpo ressurreto,
mas cada grupo por sua vez:
Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados
em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de
Cristo, na sua vinda. Então virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai,
e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque
convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o
último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.
As palavras depois (no grego, epeita) e então (no grego, eita) sugerem “após
isso” e não “naquele mesmo tempo”. Isto daria base a um raciocínio de que, assim
como há um intervalo entre a ressurreição de Cristo e sua segunda vinda, há outro
94
Segundo o pós-milenismo esta passagem apresenta a gradativa cristianização do mundo, onde o
período que antecede a volta de Jesus será de grande paz e de muitas conversões, vindo o Senhor na
plenitude deste tempo.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
37
intervalo entre a sua segunda vinda e o ”fim”, propriamente. Este intervalo é o milênio
do Cristo que regerá as nações, junto conosco, com cetro de ferro, até que coloque
todos os inimigos debaixo de seus pés.
3. Diante desta leitura, onde há um período futuro muito melhor que este mas
ainda não sendo o estado eterno, parecem ficar mais claros alguns trechos de
Apocalipse 20: Satanás preso sugere uma restrição maior de sua atividade, diferente
da era presente; o “viveram” do v.4 parece ser melhor entendido como ‘ressuscitar
fisicamente’, já que o verbo ezesan também é usado em 2:8, onde Jesus é aquele que
morreu e “...tornou a viver”; o NT diz muitas vezes que os crentes reinarão com Cristo,
mas em nenhum lugar diz que entre a morte deles e a segunda vinda eles partilham
deste reinado, como querem os a- e pós-milenistas - pois para estes o milênio já está
ocorrendo, seja no céu ou aqui.
Os que voltam a viver e reinam com Cristo foram os que não tinham adorado à
besta nem a sua imagem, nem recebido a sua marca. A perseguição da besta,
descrita em Apocalipse 13 sugere algo severo e, portanto, que ainda não chegou. A
besta ainda chegará no futuro, sua perseguição é futura e, portanto, a cena dos que
não adoraram a besta, em Ap. 20, também o é. Após tal perseguição seguir-se-á o
milênio.
95
“Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é
que são considerados descendência de Abraão”.
96
“Naquela época vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros
quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Cristo Jesus,
vocês, que antes estavam longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo. Pois ele é a nossa
paz, o qual de ambos fez um e destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei
dos mandamentos expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo, dos dois, um novo
homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio da cruz, pela qual ele
destruiu a inimizade. Ele veio e anunciou paz a vocês que estavam longe e paz aos que estavam perto,
pois por meio dele tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito.”
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
38
97
“'Estão chegando os dias', declara o Senhor, 'quando farei uma nova aliança com a comunidade de
Israel e com a comunidade de Judá. Não será como a aliança que fiz com seus antepassados quando
os tomei pela mão para tirá-los do Egito; porque quebraram a minha aliança, apesar de eu ser o Senhor
deles', diz o Senhor. 'Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias',
declara o Senhor: 'Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o Deus
deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo:
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
39
reinando, em Jerusalém, convivendo com povos incrédulos, para ao final Satanás ser
solto, tentar destruir a cidade amada e ser destruído por fogo e enxofre que desce do
céu? Apesar de não ser o argumento mais forte contra o pré-milenarismo, ainda sim é
válido.
No que diz respeito aos sinais, também há críticas. Falsos profetas (Mt 24.5),
apostasia (I Tm 4.1-3), extrema corrupção dentro da própria Igreja (II Tm 3.1-9),
guerras e rumores de guerras (Mt 24.6,7ª), fome, doenças, terremotos (Mt 24.7b),
agitação social e aumento da Ciência (Dn 12.4), extrema corrupção moral na
humanidade (Mt 24.37-39) e até mesmo o retorno de Israel para a sua terra (Ez 36.16-
28) ocorrem desde a primeira vinda de Jesus, com menor ou maior intensidade.
Conforme Ele mesmo disse, era apenas o princípio de dores. Jesus não deu nenhum
sinal evidente de que sua vinda estaria próxima, a não ser o de que o evangelho seria
pregado a todas as nações, o que também dá margem a várias interpretações.
O argumento derradeiro contra um reino milenar onde seres glorificados e seres
mortais conviverão – que é uma interpretação no mínimo precipitada de I Co 15: 51-52
e de outros textos já mencionados – é que o último inimigo a ser derrotado é a morte.
Ela será destronada, e isto impede um reino milenar literal de convivência de crentes
com ímpios. Para sustentar este reino milenar literal haverá cinco tipos de pessoas:
judeus; a igreja dos que morreram em Cristo antes de sua Segunda Vinda; os crentes
que tiverem vivos quando Cristo voltar para instaurar o reino milenar - estes 3 não
morrem mais, são imortais - os incrédulos que de alguma forma sobreviveram à
grande tribulação e os incrédulos que se converteram durante a tribulação - estes dois
últimos morrem normalmente, ou ao menos o primeiro, mesmo durante o reino
milenar. Não há qualquer passagem bíblica que sustente esta “salada”.
Conheça o Senhor, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior', diz o Senhor.
'Porque eu lhes perdorei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados'”.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
40
santos sob a égide do antigo testamento, segundo Daniel 12:1-2, Ap 19:7-9 e Sl 50:1-
6, na ocasião da Ceia das Bodas do Cordeiro, que se dá antes da gloriosa segunda
parte da Segunda Vinda; 3) os que se converteram durante os sete anos de tribulação
– tanto os que tiverem sido mortos quanto os que milagrosamente permanecerem
vivos, tendo como base o texto de Ap 6: 9-11, onde é dito aos mártires que esperem
um pouco mais até que se complete o número dos que ainda tiverem de ser mortos –
que se dá por ocasião da Segunda Vinda de Cristo98. Portanto, para o
dispensacionalismo há três fases distintas de ressurreições de crentes, todas dentro
da descrição de João “bem aventurados e santos os que têm parte na primeira
ressurreição”.
A outra ressurreição, que seria a quarta ou a segunda, dependendo da ótica, é
a dos incrédulos, para o julgamento final. É a chamada ressurreição dos mortos, geral
e abrangente, segundo o pai da igreja Justino Mártir99.
O período de sete anos de tribulação, que ocorre logo após o arrebatamento,
completará os sinais sobre o Messias, Jesus. A grande colheita do povo judeu se dará
neste período, quando então saberão que Jesus é o Cristo de Deus. O sofrimento
ajudará a uma evangelização mais eficaz, capitaneada por judeus recém-convertidos.
Uma vez mais é necessário firmar este ponto: a separação entre Israel e a
igreja é clara no dispensacionalismo. Esta será removida da terra e estará com Deus
durante toda a tribulação e a última colheita será capitaneada pelos judeus que se
converteram e pela igreja aparente – crentes nominais, que nunca se converteram
antes do arrebatamento, e que então se rendem a Cristo.
98
Como o dispensacionalismo é a linha mais radical de separação entre Israel e Igreja e também a
mais radical na literalidade do livro de apocalipse, enxerga as bodas do cordeiro como anterior à
segunda “Segunda Vinda” de Jesus, pelo simples fato de que as bodas estão no capítulo 19 e a
segunda vinda está no capítulo 20. LA HAYE, Tim. Apocalipsis sin velo. Miami, Florida: Editorial
Vida. 2000. Publicado em inglês sob o título Revelation Unveiled. Pg 392, 393.
99
“As Escrituras usam pelo menos três expressões sobre ressurreição: 1. RESSURREIÇÃO (“de”)
MORTOS. Esta compreende pela ordem: O filho da viúva de Sarepta (1Rs 17.21-22); O filho da
Sunamita (2Rs 4.34-35); O homem que tocou os ossos de Eliseu (2Rs 13.43-44); O filho da viúva de
Naim (Lc 7.11-17); A filha de Jairo (Lc 8.54-55); Lázaro de Betânia (Jo 11.43-44); Tabita (At 9.40-41);
Um jovem por nome Êutico (At 20.9-12). 2. A RESSURREIÇÃO (“dentre”) OS MORTOS. Esta
compreende “...cada um por sua ordem...” (1Co 15.23). Esta ordem de ressurreição, cronologicamente
é mais ou menos assim: (a) Cristo as primícias. 1Co 15.20, 23; (b) Os que ressuscitaram por ocasião
da ressurreição do Senhor. Mt 27.52-53; (c) Os que são de Cristo na sua vinda. 1Co 15.23 a 24; (d) As
duas testemunhas escatológicas Ap 11.11-12; (e) Os mártires da Grande Tribulação. Ap 20.4. 3. A
RESSURREIÇÃO (“dos”) MORTOS. Esta é geral e abrangente. Ela compreende todos os mortos que
morreram em seus delitos e pecados (cf. Dn 12.2; Jo 5.28-29).” SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse
versículo por versículo. Rio de Janeiro: CPAD. Sem ano. Pg 190.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
42
100
Ezequiel 37: 21-22.
101
ICE, Thomas. A verdade sobre o milênio. Disponível em:
http://www.chamada.com.br/mensagens/verdade_milenio.html. Acesso em 06/09/2013.
102
Ver Isaías 14:1-2, 32:16-20, 35:5-10, 51:3, 55:12-13, 61:10-11; Sofonias 3:20, Zacarias 8:23.
103
"Fiz uma aliança com o meu escolhido, e jurei ao meu servo Davi, dizendo: A tua semente
estabelecerei para sempre, e edificarei o teu trono de geração em geração".
104
"Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi. A sua semente durará para sempre, e
o seu trono, como o sol diante de mim. Será estabelecido para sempre como a lua e como uma
testemunha fiel no céu".
105
"O Senhor jurou com verdade a Davi, e não se apartará dela: Do fruto do teu ventre porei sobre o
teu trono".
106
Ibidem. Pg 389.
107
"Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cimo dos
montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos. Irão muitas nações e dirão:
Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus
caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor, de
Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em
relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação,
nem aprenderão mais a guerra".
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
43
governo de menor importância. Este reino será de paz, prosperidade e retidão, mas
ainda haverá morte, como descrito em Isaías 65: 20. Por decorrência lógica, os únicos
que morrerão serão os incrédulos. Não está claro se neste tempo haverá conversão,
já que ainda haverá incrédulos mortais convivendo com crentes em corpos
glorificados.
A igreja não reinará, propriamente falando. Por ser um parênteses, um intervalo
na história de Deus com Israel, seu povo original, terá um lugar bem secundário e
estará sob a égide dos filhos da carne de Abraão.
No fim dos mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá, pela última vez, a
enganar as nações dos quatro cantos da terra e congregá-las para a batalha; cercará
a cidade amada, Jerusalém. Mas, antes que haja qualquer confronto, descerá fogo do
céu e consumirá os inimigos. Satanás será lançado no lago de fogo que arde com
enxofre, onde já estarão a besta e o falso profeta. Após isto, haverá a ressurreição
dos incrédulos que morreram durante toda a história para o Julgamento do grande
trono branco e também dos crentes, para efeito de recebimento de galardão. A morte
e o inferno também são lançados no lago de fogo, afinal.
eles vivessem, Deus teve de providenciar um cordeiro que lhes cobrissem as partes
íntimas.
Em resumo, Deus não trata os seres humanos segundo estes compartimentos.
Ainda que estabeleça regras gerais de convivência, o olhar de Deus está sempre
sobre o coração do homem e suas motivações. Não é a toa que as festas de lua nova
não o agradavam por si só, como disse Isaías, nem tinha prazer no sangue de
carneiros, como disse o apaixonado Davi.
O segundo ponto de conflito direto com as Escrituras é quanto à salvação dos
judeus. Em nenhum ponto se diz que ao judeu será dada uma segunda chance. As
antigas notas da Biblia de Estudo Scofield ensinavam diferentes formas de salvação,
o que é antibíblico, segundo todo o livro de Hebreus - especialmente o capítulo 10
combinado com Jeremias 31 – e de Romanos.
Outra questão é quanto à quase precisão da data da volta de Cristo, sob a
leitura de Daniel 9: 24 a 27, que trata das setenta semanas, e coloca a última semana
como que suspensa no tempo. Ao querer que a última semana de anos comece a
partir do arrebatamento da igreja, a Segunda Vinda do Senhor será facilmente predita,
algo que Ele próprio disse não ser possível prever. Além do mais, os textos que tratam
sobre o arrebatamento108 não sugerem, em momento algum, que há intervalo entre
esses eventos, ou seja, que há duas segundas vindas, uma invisível e outra visível.
A Segunda Vinda em duas etapas é de fato muito difícil de ser provada. I Ts
4.16-18, Mt 25.1-13, I Ts 1.10, I Ts 5:9 e II Ts 2:1-8, combinados, não dizem que
seremos arrebatados 7 anos antes de Jesus vir (pré-tribulacionistas) ou 3 anos e meio
antes (meso-tribulacionistas). Jesus nos livra da ira futura, o que não quer dizer que a
igreja não passará pela tribulação. Na verdade, a igreja passa por tribulações desde
que Jesus ressuscitou. A ira de Deus sim, é juízo aos incrédulos, a Satanás e a seus
anjos, e não a tribulação antes que Ele venha. Jesus mesmo diz claramente em
Mateus 24 que o dia e a hora ninguém sabe.
A única passagem que menciona um livramento da tribulação é Apocalipse 3:
10. O texto diz que Ele, o Cordeiro, livrará àquele que vencer da tribulação que está
para vir. Ora, isso não diz que haverá um arrebatamento da igreja antes do período
tribulacional, mas apenas que Deus os livrará. Passagens mais claras que esta dão a
entender que Deus livra na tribulação, e não dela, necessariamente.
108
I TS 4: 16-18 e 1 Co 15:51.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
45
Outra séria objeção que se levanta é quanto à igreja ser o “parêntese” de Deus.
Todo o novo testamento declara que o mistério que estava oculto, desde a fundação
do mundo, era Cristo, que trouxe salvação a todo aquele que crê – ainda que primeiro
do judeu, no sentido de oportunidade, mas também do grego, ou seja, de qualquer
um. Deus entregou seu Filho e ele verá o fruto do seu penoso trabalho, que são povos
de toda tribo, língua e nação. Deus mesmo encerrou todos sob desobediência, com
diz Paulo em Romanos 9 e 10, para usar de misericórdia para com muitos. Em outras
palavras, o plano de Deus sempre foi a igreja, mesmo que Deus tenha começado por
um homem, um povo destacado.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
46
Quando olhamos para o livro de Apocalipse temos diante de nós uma revelação
e, ao mesmo tempo, muitos mistérios. Além disso, contamos também com a bênção
de ler e meditar nas suas palavras.
Especificamente em relação ao milênio, as perguntas básicas a responder são:
literal ou figurado? Se literal ou se figurado, em quais termos e em que partes? Um
misto dos dois?
E quanto a Israel, é apenas a prefiguração da Igreja ou ainda há um plano de
Deus especificamente para os filhos de Abraão segundo a carne? A salvação para
gentios e igreja se dá da mesma maneira, ou seja, em Jesus? Os judeus são um tipo
de “relógio” para o fim dos tempos? Devemos ou não nos ater à terra “santa”, entre os
rios Tigre e Eufrates, ou isto é apenas figura do que já se revelou?
Estas são as questões que dividem reformados e pentecostais, literalistas e
alegoristas. Ao longo dos séculos, principalmente a partir do XIX, perguntas como
essas rondam todos os estudos escatológicos e respostas mil – sem fazer qualquer
trocadilho – foram apresentadas.
O dispensacionalismo é o ponto de vista mais popular entre os cristãos
modernos. Foi mais difundido em razão dos ensinos de John Nelson Darby e das
bíblias comentadas Scofield. Há muitas visões dispensacionalistas, mas a mais
moderna delas apresenta um caráter interessante, novo não apenas em relação à
doutrina que carrega o nome, mas também em relação a todas as linhas
escatológicas pentecostais ou reformadas. É o dispensacionalismo progressivo.
Para que entendamos melhor, o dispensacionalismo teve, resumidamente, as
seguintes fases:
• Dispensacionalismo Clássico (Scofield, Chafer): o Israel está na terra, a igreja
nunca está no céu e os dois se encontram no mundo novo. Há dois modos de
salvação: as obras do Antigo Testamento e a fé do Novo Testamento. Chafer mantém
a duas alianças. Esta visão dominou de 1900 até os anos 50.
• Hiperdispensacionalismo: em vez de achar a origem do dispensacionalismo
habitual da igreja em Atos 2, vêem isto em Atos 13 - como Charles Baker, autor de
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
47
109
A partir deste ponto utilizaremos a sigla “DP” para nos referirmos ao dispensacionalismo
progressivo.
110
As linhas gerais do Dispensacionalismo Progressivo foram extraídas do Projeto Ômega, através do
link http://www.projetoomega.com/estudo7.htm. Acesso em 30/09/2013.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
49
"Digo, pois: Porventura rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum; porque
também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus
não rejeitou o seu povo, que antes conheceu... Assim, pois, também agora neste
tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça" (Romanos 11:1-2,5)
A questão central levantada por Paulo é que o programa do Criador com Israel,
como nação, não foi suspenso temporariamente, como afirma o dispensacionalismo
tradicional. Também, Paulo não afirma que Israel foi definitivamente substituído pela
Igreja, como a firma a Teologia da Substituição:
"Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não
presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que
a plenitude dos gentios haja entrado" (Romanos 11: 25).
Consequentemente, parte de Israel não foi endurecida e essa parte é formada
pelos discípulos que se tornaram os primeiros cristãos e com os quais Jesus fez o
pacto que abrange todas as épocas - Romanos 11: 16-29.
A Palavra deixa claro que os gentios foram agraciados com as promessas que
pertencem aos crentes judeus. Paulo escreve que os gentios são "participantes dos
bens espirituais dos judeus" - Romanos 15: 27. Paulo de forma alguma sugere ou
afirma que os gentios "assumiram" os bens espirituais que pertenciam aos judeus,
substituindo-os de forma momentânea (dispensacionalismo tradicional) ou de forma
permanente (teologia da substituição). Escrevendo para uma igreja essencialmente
gentílica em Éfeso, o apóstolo ensina, ao falar sobre o ministério do Salvador:
"E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que
estavam perto; Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito"
(Efésios 2:16-17)
Note que o "vós que estáveis longe" usado por Paulo refere-se aos gentios,
enquanto que "os que estavam perto" se refere à comunidade judaica, como fica
patente ao ler o contexto - Efésios 2: 11-17. Paulo mostra que ambas as comunidades
têm acesso ao Pai em um mesmo Espírito, mostrando como o plano do Altíssimo se
concretiza.
Em primeiro lugar, o endurecimento de parte de Israel propicia a extensão da
salvação e das promessas aos gentios. Em segundo lugar, a glorificação da Igreja
está associada à conversão da nação israelense (Romanos 11: 15), concordando com
os acontecimentos que ocorrerão "quando a plenitude dos gentios haja entrado"
(Romanos 11: 25). Fica bastante claro também na abordagem de Paulo que o critério
para ser salvo e usufruir as promessas divinas, tanto para judeus e gentios, não é o
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
51
fato de pertencer a um grupo étnico ou não, mas ser alvo da graça através da fé e da
perseverança (Romanos 11: 17-22).
Enquanto os adeptos da Teologia da Substituição tendem a “alegorizar” as
profecias veterotestamentárias referentes à supremacia de Israel sobre as outras
nações da Terra - Isaias 2:1-4, Miquéias 4:1-4, Jeremias 33: 19-22, Zacarias 14:1-21 -
e a profecia referente ao Milênio - Apocalipse 20:1-6 - colocando essas promessas
como uma alegoria do reinado da Igreja na presente era e adotando o amilenismo
como base interpretativa, os dispensacionalismos tradicional e progressivo utilizam a
literalidade: o Milênio será um período literal de mil anos que começará na volta de
Jesus e se prolongará até a criação dos novos céus e nova Terra, no qual Jesus
reinará em Jerusalém exercendo soberania sobre as nações logo após a Sua volta,
assentando-se literalmente no trono de Davi, como descrito em Salmos111.
É interessante notar que, alguns dias antes da crucificação de Cristo, quando
Ele entrava em Jerusalém, as multidões clamavam: "Hosana ao Filho de Davi; bendito
o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!" (Mateus 21:9). Sem dúvida,
aquela multidão esperava que Jesus, como descendente de Davi e como um homem
admirado por suas obras, assumisse já naquele momento a posição de líder da nação
israelense, libertando o povo judeu do domínio romano. No entanto, Jesus, dias após,
deixou claro que a concretização dessa profecia se daria em sua volta gloriosa. Ao
dirigir-se às principais autoridades religiosas judaicas da época, Ele disse: "Porque eu
vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em
nome do Senhor" (Mateus 23: 39).
Outra passagem que aponta para a concretização futura da promessa feita a
Davi, segundo o DP, se encontra em Apocalipse 3: 21:
"Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim
como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono".
111
"Fiz uma aliança com o meu escolhido, e jurei ao meu servo Davi, dizendo: A tua semente
estabelecerei para sempre, e edificarei o teu trono de geração em geração" (Salmos 89:3-4).
"Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi. A sua semente durará para sempre, e o
seu trono, como o sol diante de mim. Será estabelecido para sempre como a lua e como uma
testemunha fiel no céu" (Salmos 89:35-37).
"O Senhor jurou com verdade a Davi, e não se apartará dela: Do fruto do teu ventre porei sobre o teu
trono" (Salmos 132:11).
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
52
112
Utilizaremos, a partir daqui, a sigla PPA para nos referirmos ao paralelismo progressivo amilenista.
113
Ver seção 2.1 onde o tema foi suficientemente exposto.
BORNER, Gustavo Galvão
Escatologia Reformada e Escatologia Pentecostal: O Milênio
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2011.
LA HAYE, Tim. Apocalipsis sin velo. Miami, Florida: Editorial Vida. 2000. Publicado
em inglês sob o título “Revelation Unveiled”.
SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse versículo por versículo. CPAD. Sem ano.
AZURDIA III, Arturo, A igreja substitui Israel? Tradução de Felipe Sabino de Araújo
Neto. Disponível em http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/igreja-
subs-israel_Arturo-Azurdia.pdf
MARQUES. Sebastião Fabiano Pinto. Por quê Jesus não é o messias judeu?.
Disponível em: http://www.matutando.com/por-que-jesus-nao-e-o-messias-judeu/
www.bibliaonline.com.br
http://www.youtube.com/
http://www.projetoomega.com/estudo7.htm