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RESUMO
A presente pesquisa aborda o projeto Tecendo Vozes. Aqui serão abordados alguns pontos principais
do projeto em diálogo com as dimensões dialógica, estética, ética e formativa da mediação. A
relevância desta pesquisa se dá no âmbito do processo de utilização da biblioteca como conceito vivo e
interativo com os membros da comunidade. A metodologia utilizada é análise qualitativa, de caráter
exploratório. No tocante ao objetivo geral desta pesquisa temos como base analisar de que forma as
obras literárias produzidas por mulheres e que contam histórias de mulheres, podem atuar como
ferramenta de fomento às discussões acerca da identidade feminina e memória no espaço da biblioteca.
1 INTRODUÇÃO
O projeto Tecendo Vozes nasce de uma proposta literária, que visa incentivar a leitura
de textos escritos por mulheres. Antes de adentrarmos os aspectos que envolvem essa
pesquisa, faz-se necessário um exercício. Imaginemos uma estante de livros, ou quaisquer
aparatos em que se opta por guardar os mesmos. Pensemos estar passando a mão por seus
livros favoritos, sentindo a textura de cada um, observando as cores e tamanhos diferentes.
Agora, observemos um elemento específico dos seus livros: o nome do autor ou autora que
escreveu esta obra. Pensemos naquelas obras mais marcantes, não importa o gênero,
elencando os nomes de autoras e autores que escreveram tais textos. Quais eram esses
autores? Terminado o exercício fica uma questão, se tirássemos todos os livros escritos por
homens das estantes, quantos livros sobrariam?
É esta questão que dá norte à presente pesquisa, desenvolvida no Programa de
Mestrado Profissional em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), que
busca aprofundar como o espaço das Bibliotecas da UFCA – compostas pelos campus
localizados em Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e Brejo Santo – podem ser palco para o
debate sobre o gênero feminino, tendo como mediador o profissional da informação.
Este projeto ocorre no formato de desconstrução do modelo de clube do livro, onde
os participantes leem livros e após a leitura debatem suas narrativas. O Tecendo Vozes leva
em conta o repertório do leitor acerca de livros escritos por mulheres. O requisito do projeto é
que os textos a serem usados como indicações ao público sejam produzidos por mulheres e
que contenham vivências de mulheres. Devido ao cenário atual de pandemia, optamos por
realizar as edições do projeto de forma virtual através da plataforma Google Meet.
O principal objetivo desta pesquisa é de que sejam discorridos os pontos centrais dos
livros com os participantes através da figura de um mediador e estas questões são debatidas
junto ao público, buscando alcançar novos leitores para as obras em questão. Essa ação
também tem como objetivos gerais; aumentar o repertório de livros dos participantes acerca
de escritoras femininas que desempenham em seus textos discursos feministas e fomentar a
participação ativa do profissional da informação atuante no espaço da biblioteca. A primeira
edição desse projeto ocorreu como parte integrante da X Semana de Letras (SEMALE), no dia
10 de outubro de 2019, na Universidade Regional do Cariri (URCA), de forma presencial. As
demais edições ocorrem de forma virtual, vinculadas a Biblioteca Salesiana Luiz Magalhães,
tendo iniciado no dia 18 de setembro de 2020.
A proposta desta pesquisa é um convite a ouvir mulheres contarem suas histórias, a
partir da sua própria voz. Bell Hooks (2013), afirma que o indivíduo oprimido socialmente,
deve resistir como sujeito e não como objeto. De forma questionadora, consciente e atuante
no meio, sendo assim buscar questionar a sociedade a sua volta, os meios a que estão
sujeitados e assim produzir ferramentas que vão de frente a essas questões. É assim que essas
mulheres buscam utilizar a literatura, como forma de renovação da voz que narra suas
histórias, formando um sistema e constituindo uma forma de resistência a uma série de
opressões.
Ao longo da história contemplamos diferentes visões sobre as mulheres, por vezes
contadas pelo sexo masculino. Porém, alguns destes olhares relatam o papel feminino como
protagonista, ou até mesmo autora da fala sobre si própria. A mulher desempenha assim o
papel de agente social da sua própria história (PERROT, 2008). Esta pesquisa busca colocar a
mulher como protagonista de narrativas no espaço da biblioteca.
Neste sentido, a construção da problemática desta pesquisa se dá em: Como o espaço
da biblioteca funciona enquanto local para uma mediação acerca de obras autobiográficas
produzidas por mulheres? Como o profissional da informação pode utilizar obras escritas por
mulheres nas bibliotecas da Universidade Federal do Cariri, para mediar o acesso a
informação e debater sobre questões femininas com a comunidade acadêmica? Quais pontos
podem ser aperfeiçoados no projeto Tecendo Vozes para uma melhor experiência junto ao
público?
Para o desenvolvimento da pesquisa será aprofundado o conceito de mediação
relativo a Ciência da informação (GOMES,2014), bem como o estudo de memória coletiva
(HALBWACHS, 2006); (LeGOFF,1990), relatar a si mesmo e identidade cultural (HALL,
2005); (FOUCALT, 1996); (HOOKS,2013). Faremos análise das obras abordadas, elencando
as problemáticas trazidas pelas autoras que se ligam às questões de gênero. Também serão
feitos questionários, a serem respondidos pelo público para perceber o diálogo do Tecendo
Vozes com as dimensões da mediação.
O produto final da pesquisa de Mestrado será um manual, que será disponibilizado
no formato de ebook para os bibliotecários que compõem as bibliotecas da UFCA, tendo
como estratégia ajudar no processo de uso da literatura feminina como elemento que pode vir
a somar na produção de subjetividades relacionadas ao gênero feminino podendo ser
utilizadas como difusoras de informação e material propulsor para uma série de reflexões no
tocante ao gênero.
2 METODOLOGIA:
Uma prática que em tempos foi tão comum como a de contar histórias, repassar os
conhecimentos por meio da oralidade, assumiu novas formas com o tempo. Embora, o uso da
memória seja efetuado tanto nas sociedades orais, quanto nas sociedades que utilizam a
escrita. Estando a memória em suas diferentes formas cotidianamente presente para os
indivíduos (LeGOFF, 1990). Dentro do contexto de memória e história temos como ícone do
suporte a informação a figura do livro, estando este sob a proteção do espaço da biblioteca.
Sendo assim, os suportes da informação ganham vida para adentrar o campo do
conhecimento a ser perpassado entre os membros da comunidade. Para Vieira (1969), assim
se constitui uma biblioteca viva, capaz de produzir cultura, crescendo o papel do bibliotecário
socialmente. E assim, remodelando também a relação com a memória social. Ao que concerne
à biblioteca universitária, esta foi criada no séc. XIII, devido a própria demanda dos alunos, e
a doações dos nobres. Vemos então a ascensão da figura do bibliotecário enquanto difusor da
informação (SANTOS, 2012). Por meio do projeto Tecendo Vozes visamos abranger a figura
do bibliotecário, ao ser mediador de temas como gênero e memória.
A memória que parece ser algo tão individual também deve ser entendida como um
fenômeno coletivo, construído pelas experiências sociais constantes. A característica flutuante
da memória faz com que fatos sociais passem a ser relevantes na história de uma pessoa,
marcando a sua essência. Na memória individual, incluímos, excluímos, relembramos
determinados fatos em detrimento a outros, selecionando consciente ou inconscientemente
nossas lembranças (POLLAK, 1992). Observando o contexto de uma sociedade patriarcal em
que a história é narrada por quem vence, vemos as histórias de mulheres serem mediadas por
uma hegemonia masculina. Para esta pesquisa em questão optamos utilizar o conceito de
memória definido por Tedeschi, sendo ele:
Ao abordarmos a memória coletiva numa perspectiva de gênero podemos ver
que ela possui um movimento de recepção e transmissão. Esse movimento é
o que forja a memória do grupo, e o que estabelece o contínuo de sua
memória. A memória definida desta maneira não se trata de um acúmulo de
conhecimentos, datas, referências, objetos, pelo contrário, está formada por
práticas culturais, tradicionais, valores, ritos, modos de relação, símbolos,
crenças, determinados muitas vezes por representações do que é ser homem e
mulher na história, definindo sua identidade (TEDESCHI, 2014, p. 42).
Quem narra, presencia o relato de suas vidas, e faz em dupla qualidade de indivíduos
singulares e de sujeitos coletivos. Cada um destes relatos é único, mas no caminho da
construção social sua subjetividade tem sofrido influência familiar, social, cultural,
socioeconômica do meio em que viveram ou vivem. Como sujeitos singulares, encarnam de
maneira única e irrepetível valores, modas, costumes, normas, mitos de ordem familiar,
grupal, social, que as incluem no que fazem dentro de um contexto social que não é estático,
pelo contrário, está continuamente afetado por contradições, rivalidade e tensões de seus
membros (TEDESCHI, 2014, p.35).
A memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe
uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido,
ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história
é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A
memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido num eterno presente; a história,
uma representação do passado (...) A memória é um absoluto e a história só conhece o
relativo (NORA, 1993 p. 9).
Dado isso, podemos observar que o meio em que vivemos vai alterar nossa percepção
dos fatos, assim como nossa visão particular afetará nossa memória individual. Temos
características particulares, cargas culturais, afetos por pessoas singulares, que vão alterar
como nos relacionamos com os fatos e lugares, alteram nossa experiência, e
consequentemente a memória resultante dessas ações.
Somos influenciados por uma série de caracteres que definiram como nos
relacionamos com determinados grupos (HALBWACHS, 2006). De acordo com o autor, em
um nível geral, os eventos que dizem respeito à maioria da comunidade compõem uma
memória coletiva. Ao passo que atravessam cada sujeito vão sendo formadas memórias
próprias, de acordo com a forma que o sujeito se apropria dos dados.
Segundo este mesmo autor, a memória coletiva constrói leis naturais. Esse discurso de
naturalização assume o poder de demarcar e de regular os discursos (FOUCAULT, 1996).
Importante nesse sentido é a noção foucaultiana de “raridade de discurso" em que há um
processo de embate e luta entre diferentes discursos para a configuração daquele que será
considerada válido, legítimo e hegemônico e que será responsável, em certa As ações
resultantes desse processo reiteram o que foi dito e ressaltado ao longo do tempo. Entretanto,
os corpos que são colocados a margem não são estáticos e podem questionar as normas
impostas, reformulando as mesmas (BUTLER, 1999). A tomada de consciência acerca destes
elementos, e das representações que estes fazem, está presente na formação da memória
individual.
Outro pesquisador que aborda a temática da memória é Le Goff (1990) sendo que sua
base se dá na memória documental. Para ele, a memória está figurando um dos fatores na luta
pelo poder social, e acrescenta ainda que o domínio de uma memória coletiva é o desejo de
uma classe que busca ser dominante dentro de um contexto social. Não só a forma como se
conta a história, mas os sujeitos que são silenciados, contribuem na formação da memória
coletiva. Assim, podemos observar a memória individual como um ponto de vista sobre a
memória coletiva de acordo com as relações tramadas no espaço por cada integrante do grupo,
e as influências sociais. A produção das lembranças está ligada às relações em diversos
ambientes, isoladamente e também em conjunto, a memória é uma unidade composta por
multiplicidades (HALBWACHS, 2006).
Segundo Foucault (1979) se tem uma ordem do discurso que é ritualizada, para se ter
acesso a esta é necessário se fazer presente dentro de um circuito, em uma relação de
dominação entre diferentes poderes. Nas diversas sociedades estes discursos são regulados,
escolhidos, regidos, onde indivíduos são incluídos e excluídos nesse sistema de apoderação.
Estando relegado a mulher um papel secundário ao homem.
Diante deste cenário, a pesquisa pensa em uma possibilidade de informação fora da
lógica massiva, tendo como base a literatura, com sustentação na memória, dando acesso a
uma experiência subjetiva. Como uma possibilidade frente ao discurso hegemônico, estas
formas de discursos alternativos dão voz aos que geralmente não são consultados como fontes
oficiais (POSSEBON,2011).
Compreender a memória nas tensões que compõem um meio heterogêneo dá abertura
para observar a expressão social. Disputas cotidianas que giram em torno do pensamento e
práticas a serem visibilizadas, em um processo de resistência. Entendendo a cultura como
parte de um processo cotidiano em diálogo com a subjetividade dos atores sociais
(TEDESCHI, 2014). Levando a prática de tornar o natural, estranho para assim pensá-lo e
problematizá-lo, perceber as coisas, ideias, lugares sob uma nova ótica na superação lógica e
empírica (CANEVACCI,2004).
O surgimento da tipografia configurou a precedência para as demais tecnologias
comunicacionais que nos marcam atualmente (McLUHAN,1977). A escrita, o alfabeto, que
nos parecem tão comuns hoje, e nos sãos ensinados desde cedo, trouxeram consigo uma
inovação que iria perdurar anos, e influenciar nosso modo de pensar, até mesmo nossa
linguagem. Modificar a forma de aprender, do saber e do ouvir, com a palavra impressa, tanto
a compreensão, quanto o suporte irão se modificar, remodelando a capacidade de reprodução
e interpretação (ONG, 1998). A escrita a que nos acostumamos é o passo de uma inovação
comunicacional, assim como as tecnologias presentes nas diversas plataformas que vão nos
proporcionar novas e diferentes experiências.
Não apenas o processo da escrita sofre modificações ao passar do tempo,
historicamente a visão que era dada ao feminino também se remodelou ao longo dos anos. De
acordo com Nunes (2000), até o século XVII a visão social sobre as mulheres era baseada em
um cristianismo arcaico, que delegava as mulheres serem inferiores aos homens, já que estas
teriam sido criadas através da costela de Adão, tendo dentre suas características
comportamentos sexuais, pecadoras, as herdeiras de Eva, sendo assim, também teriam
herdado o pecado original. Os elementos apontados acima, indicam uma visão sobre a mulher
difundida na época, já que o clero detinha entre os seus feitos a produção do conhecimento.
Com a Reforma Protestante, observamos que no século XVI, se inicia um debate
acerca da educação feminina, este tem como pano de fundo o objetivo de que as mulheres
sejam ativas no processo de integração dos seus maridos a Igreja Luterana. Acompanhando
esta linha de pensamento a Igreja Católica também molda sua visão sobre o feminino, com o
intuito de atingir mais fiéis, mas apenas no século XVIII, com o advento da Revolução
Francesa, que irá se ter uma maior mudança na visão desigual sobre a mulher em detrimento
ao homem, teremos então argumentos biológicos para justificar as funções domésticas serem
relegadas as mulheres (NUNES, 2000).
O físico da mulher marcaria sua predestinação por sinais particulares: a fragilidade
dos ossos, a forma alongada da bacia, a moleza dos tecidos, a estreiteza do cérebro e a
superabundância das fibras nervosas deixariam perceber que a mulher tem como
vocação natural a maternidade (NUNES, 2000, p. 39).
Temos um enunciado que carrega consigo o potencial para provocar uma performance,
repensando a materialidade e a fixidez dos corpos. A questão é que estes corpos podem
subverter a norma genérica a ressignificá-la. Saindo da fundamentação subordinada do
feminino tanto no âmbito social, quanto econômico e político. A mulher pode assumir papel
de protagonismo e ecoar a sua própria história.
No século XIX, observamos a ascensão de um movimento que adquire caráter
político, ocorrendo nos Estados Unidos da América, este movimento luta por ideais
igualitários e direitos das mulheres, sendo denominado de feminismo. A fase inicial do
feminismo é marcada pelo movimento sufragista, que luta pelo direito das mulheres terem
participação política, votarem e serem votadas.
Seguindo a linha do tempo, vemos em 1980 o neofeminismo, que busca uma
transformação mais abrangente nas situações sociais e culturais que envolvem homens e
mulheres. Mais adiante nos anos 90, o feminismo retoma seus próprios ideais
problematizando novas questões, e dando maior atenção a pautas como a questão social das
mulheres negras (HOLANDA,1994). Vemos então que o feminismo fez-se refletir sobre
história e cultura.
Nesse sentido, o enunciado proposto por Simone de Beauvoir na frase mais falada,
lida e comentada desse livro – “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” – provocou
um deslocamento da naturalização da condição feminina construída nos séculos XVIII
e XIX e abriu um leque de possibilidades para pensar “o que o sujeito pode se tornar,
sendo (também) mulher”. O efeito social provocado pelas mulheres na luta por seus
direitos introduziu a necessidade de pensar sua história. A partir daí, incorporou-se no
horizonte do trabalho reflexivo o efeito histórico da relativização da ‘essencialização’
do feminino. Na medida em que foi sendo tecida uma história coletiva, puderam-se
reconstruir histórias individuais e reinventar projetos para o futuro. (ARÁN, 2003,
p.400)
Sendo assim, vemos que o modelo essencialista que havia sido proposto nos séculos
XVIII e XIX que propõe uma dominação masculina, ao ser refutado e debatido abre espaço
para modelo mais igualitário, a partir de uma visão feminista. No que concerne ao discurso
feminista vemos a literatura como importante veículo de difusão de ideias e ideais.
No ensaio de Viginia Woolf, nomeado Um teto todo seu, a autora aborda questões
como o binarismo cultural, dominação masculina, bem como o fato de algumas mulheres
terem seus textos dados como anônimos, pela falta de espaço dentro do contexto educacional,
social e político. A autora profere um discurso feminista em seu texto, problematizando
questões como: A mulher pode ser escritora? O que é ser escritora?
O texto prossegue denunciando que, no século XIX, as mulheres que
desejassem se tornar escritoras necessitavam, ainda, se esconder sob um
pseudônimo masculino. Esse fenômeno só viria a ser desfeito com o advento
do século XX, no qual as mulheres emergiram como escritoras, poetas e
pesquisadoras, sem a necessidade de ocultar seu nome (CAVALCANTI;
FRANCISCO, 2016, p.46).
Podemos assim observar que a apropriação das mulheres de um lugar a que lhes foi
historicamente relegado, como o de construírem o seu próprio discurso, é uma ferramenta de
resistência. Ao passo que podem também elaborar discursos feministas, visando a igualdade e
questionando padrões socialmente impostos, as mesmas fazem da palavra um potencial de
desconstrução de padrões dados e tecem suas vozes de acordo com suas vivências.
Outra autora que aborda a potencialidade do discurso, no contexto da mulher negra é
Grada Kilomba, na introdução do seu livro Memórias da Plantação, a mesma esclarece uma
série de terminologias que são usadas, ou tem origens, em termos que subjugam as mulheres
negras. Ela termina seu glossário com a seguinte afirmação: “Parece-me que não há nada mais
urgente do que começarmos a criar uma nova linguagem. Um vocabulário no qual possamos
todas/xs/os encontrar, na condição humana” (KILOMBA,p.15,2019).
Em seu texto Kilomba aborda o fato da escrita ter a potencialidade para ter acesso a
uma história oculta que foi renegada historicamente, já que não seriam todos os discursos a ter
espaço e visibilidade igualitária. Sendo assim, ao fazer o processo de escrita essas vozes
femininas sairiam do lugar do outro, aquele sobre quem é contada a história e se tornaria
sujeito. Neste espaço de sujeito, se apropriaria de sua própria história, seria narradora da sua
própria ótica (KILOMBA, 2019).
Se tem um fator biológico que delimita a identidade, segundo Foucault (1988) no
momento em que o médico diz: ‘É uma menina’. Ele não está só afirmando o sexo biológico,
mas também as sequencias de padrões que aquele corpo deve desempenhar dentro do social,
seus deveres e posturas. Ao colocar a relação da família como balizador central, um
determinado discurso fomenta dominação, e divergência de classes. Tais fatos culminam em
uma série de padrões e comportamentos impostos e dados como aceitáveis. O matrimonio e a
religião por vezes atuando como órgãos reguladores dessa ordem.
É traçada uma linha de divisão entre o ‘nós’ atores que desempenham papel de reforço
dentro de uma tradição arraigada, e ‘eles’ que de acordo com as representações culturais se
integra ou se exclui (HALL,2005). O simbolismo que é atribuído a estes corpos tem
repercussão que perpassa as relações pessoais, até a divisão social de trabalho. Assim a
dicotomia que é associada aos sexos como cabeça/coração, resistente/ frágil, cima/ baixo,
atividade/ passividade acabam revelando uma postura por vezes negativas do próprio sexo
(BOURDIEU, 2002).
Possuir uma identidade cultural nesse sentido é estar primordialmente em
contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o
presente numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical é o que chamamos
“tradição”, cujo teste é o de sua fidelidade às origens, sua presença
consciente diante de si mesma, sua “autenticidade”. É, claro, um mito- com
todo potencial real dos nossos mitos dominantes de moldar nossos
imaginários, influenciar nossas ações, conferir significado às nossas vidas e
dar sentido à nossa história. (HALL, 2003 p.29).
4. RESULTADOS/DISCUSSÃO
O encontro com Pipi RaioLaser não é um encontro alegre pelo caráter festivo ou por
uma leveza que possa suscitar – embora isso também seja verdade. É um encontro alegre pela
potência de agir que o encontro engendra. É um encontro de corpos mesmo as pessoas não
estando presentes fisicamente no mesmo espaço. É um encontro de movimento, mesmo as
pessoas estando sentadas ou deitadas assistindo ao encontro.
Não é um “corpo sem órgãos” no sentido de não haver um corpo físico materialmente
constituído num espaço e num tempo específicos. É uma experimentação em que todos os
corpos são ao mesmo tempo um corpo único. O que nos interessa aqui é chamar atenção para
a intensidade do encontro e a capacidade de provocar o deslocamento das noções de
identidade.
5. CONCLUSÃO
ABSTRACT
This research addresses the project Nurturing Voices. Here, some main points of the project will be
discussed in dialogue with the dialogic, aesthetic, ethical and formative dimensions of mediation. The
relevance of this research is in the context of the process of using the library as a living and interactive
concept with members of the community. The methodology used is qualitative, exploratory analysis.
With regard to the general objective of this research, we have as a basis to analyze how literary works
produced by women and that tell women's stories, can act as a tool to foster discussions about female
identity and memory in the library space.
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