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Por que estudar Sociologia

Aécio Cândido
é professor da UERN, aposentado, autor de Tempos do Verbo (poesia)

Todo mundo sabe, ou julga saber, para que serve a Biologia. E a Química e a Matemática
e a Física. Tanto que elas, há mais de século, figuram nos currículos de todos os níveis de ensino.
A Biologia, ocupando-se do estudo dos seres vivos, da organização e reprodução da vida,
oferece uma gama de conhecimentos muito úteis para se compreender as doenças e seus
tratamentos, por exemplo. Hoje, a toda hora, estamos expostos a um vocabulário médico que,
para ser compreendido, carece de conhecimentos da Biologia: infertilidade, doença de origem
genética, doença bacteriana, vírus, glóbulos brancos são alguns exemplos desse vocabulário
cotidiano. Conclusão: o aprendizado da Biologia, em seus princípios gerais, é necessário para que
o cidadão moderno possa melhor interagir com o mundo.
As ciências exatas e naturais justificam a necessidade de seu aprendizado pelo poder de
intervenção que possuem. Com os conhecimentos da Biologia curam-se doenças, processam-se
intervenções no organismo (cirurgias, transplantes de órgãos) e recupera-se bem-estar, que é o
que, afinal, importa para o ser humano.
Com a Matemática criam-se edifícios, pontes e estradas; a Química nos dá remédios,
tintas e patrocina, pela sintetização de adubos, a multiplicação da produção agrícola; a Física
tornou possível a geladeira, o automóvel, a energia elétrica, o voo do avião e dos foguetes, os
radares. Pela capacidade de explicar os fenômenos da natureza e de converter seus conhecimentos
em criações úteis à vida humana, o estudo dessas ciências, nos diferentes níveis de ensino, é aceito
por todos nós como necessário. E todos estamos convencidos de que ninguém que se julgue
educado pode prescindir dos conhecimentos dessas ciências. Em outras palavras, nós aceitamos
como uma verdade evidente que todos precisamos de uma boa educação científica e que dela
depende o avanço técnico da sociedade, ainda que o culto da ignorância e o negacionismo em
várias frentes seja um mal do tempo presente.
Quanto às ciências sociais, elas são mais desconhecidas. O papel delas não é evidente, o
público em geral quase não percebe os fenômenos de que elas tratam e não atina com a serventia
de seu estudo.
Historicamente, a Sociologia, uma das ciências sociais mais conhecidas, tem sido vítima
de reduções desastrosas. Já se imaginou que seu objeto de estudo, único e exclusivo, fosse a
pobreza. Já se viu nela uma componente subversiva intrínseca: a sociologia se interessaria, só e
somente só, pela tomada do poder. Já se achou que sua função era fazer a crítica do capitalismo.
Essas hiperbolizações têm gerado desprezo por seu status científico, restrições ao seu ensino e
mesmo a proibição, como ocorreu durante a ditadura militar de 1964.
Toda ciência busca compreender um conjunto determinado de fenômenos. Essa busca
tem uma intenção: identificar regularidades e, desse modo, tornar possível a previsibilidade dos
eventos. Há ciências que, além de prever, podem também interferir no fenômeno. A ciência ideal
é aquela que realiza quatro etapas em seu percurso: conhece, explica, prevê e controla
(interfere). Nem toda ciência, por razões várias, dá conta de todas estas etapas. A Meteorologia
tem um baixo grau de previsibilidade e nenhum grau de controle (pelo menos até agora); a
Sismologia, estudo dos terremotos, não consegue prever nem controlar os fenômenos que estuda,
embora conheça bem e possa explicar sua ocorrência; a Medicina pode prever e controlar um
imenso número de situações.
A natureza da Sociologia, dada por seu objeto de estudo, a coloca um tanto fora desse
modelo. O que estuda a Sociologia? O funcionamento da sociedade, fruto das interações sociais,
de como os indivíduos e os grupos se relacionam. Se as ciências da natureza se debruçam sobre
“fenômenos fixos”, os fenômenos que interessam à Sociologia são fenômenos históricos,
mutáveis, e derivados de um grande número de causas. Os indivíduos e grupos tanto reproduzem
fenômenos sociais como o criam. Esta característica dos fenômenos e a multicausalidade a que
eles estão submetidos comprometem a possibilidade de previsão.
De fato, muitas vezes esquecemos que o social é, em última instância, criação humana e
que cabe à Sociologia compreender os meandros dessa criação. Marcel Mauss, um nome
importante na afirmação da Sociologia como ciência, refere-se, em seus Escritos Políticos, às
cooperativas operárias e às novas formas de previdência social como “uma invenção tão
complicada quanto a máquina a vapor”.
A enorme gama de fenômenos que a Sociologia estuda dá uma ideia de sua importância
para a vida social moderna. Fenômenos advindos das relações econômicas, políticas,
educacionais, religiosas e artísticas, entre outras, interessam à Sociologia. O elenco de temas é
quase inesgotável. A explicação das crenças, das seitas e do fundamentalismo em seus variados
matizes; a compreensão do desenvolvimento econômico, social e tecnológico; o desvelamento da
esfera simbólica que recobre a vida social; a criação de políticas públicas, a organização da
assistência social, tudo isso tem relação estreita com os conhecimentos gerados pelas ciências
sociais. Estes têm ajudado a melhorar o funcionamento da democracia, a relação entre os poderes
do Estado, a distribuição das riquezas, o acesso à educação e à informação em geral. Eles, sem
dúvida, têm contribuído para a humanidade viver melhor, com mais harmonia e segurança.
O estudo da Sociologia, como ciência empírica, contribui para a emancipação do
indivíduo ao ajudá-lo a pensar sob a orientação dos fatos. Exercitar a fantasia e a imaginação, sem
esquecer de domá-las e submetê-las à disciplina dos fatos, são exercícios tão importantes para a
ciência como para a gestão da vida cotidiana. E trata-se de um aprendizado que deve começar
cedo.
O estudo da Sociologia tem um papel prático fundamental: ele promove a
desnaturalização dos fenômenos sociais, assim como o conhecimento produzido pelas ciências
naturais consolidou o desencantamento do mundo – a percepção de que o mundo físico pode ser
explicado sem a necessidade de se recorrer a forças sobrenaturais. Ele ajuda as pessoas a agirem
menos cegamente sobre a realidade social.
Enfim, se os antibióticos, um dos grandes legados da pesquisa biológica, contribuíram
para salvar um sem número de vidas, o mesmo se pode atribuir à constatação da diversidade
cultural e a construção da ideia de relativismo. A constatação de que a cultura engendra várias
respostas para uma mesma necessidade social, advinda dos levantamentos etnográficos das
primeiras décadas do século XX, tornou a política mundial menos etnocêntrica e genocida. Os
ataques ainda se dão, as guerras com algum viés colonialista ainda acontecem, mas em número
muitíssimo menor e não sem fortes protestos de todo o mundo.
(Publicado no jornal De Fato ed. 6.834, ano XXIV. Mossoró, 9 de dezembro de 2023, p. 2. Espaço Jornalista
Martins de Vasconcelos)

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