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Resumo: Est e art igo aborda t rês t emas ref erent es à presença de Kaf ka no Brasil .
Primeirament e, como algumas t raduções espanholas anônimas f oram at ribuídas a
Jorge Luis Borges e f oram ut ilizadas em diversas t raduções brasileiras. A seguir, uma
demonst ração de que a língua de int erposição ut ilizada por Torrieri Guimarães, o mais
prolíf ico t radut or de Kaf ka ent re nós, f oi o espanhol . Por f im, um levant ament o dos
t ext os de Kaf ka t raduzidos e publicados no Brasil ent re 1946 e 1979.
Pal avr as-chave: Kaf ka; hist ória da t radução no Brasil; l it erat ura de língua alemã.
Abst r act : This art icle addresses t hree aspect s of Kaf ka’ s presence in Brazil: f irst ly, how
some anonymous Spanish t ransl at ions were at t ribut ed t o Jorge Luis Borges and used in
several Brazilian t ranslat ions; secondly, a demonst rat ion t hat t he int ermediary
language used by Torrieri Guimarães, our most prolif ic t ranslat or of Kaf ka, was
Spanish; and, f inally, a survey of t ext s by Kaf ka t hat were t ranslat ed and publ ished in
Brazil bet ween 1946 and 1979.
Keywor ds: Kaf ka; hist ory of t ranslat ion in Brazil ; German-language lit erat ure.
*
Pesquisadora de hist ória da t radução no Brasil
Comecemos pela Espanha nos anos 1920, dest acando um episódio que,
passando pela Argent ina, ref let iu-se no Brasil nos anos 1940, desde ent ão
ganhando amplit ude e sólida permanência na kaf kiana brasileira.
Em 1925, a Revi st a de Occi dent e, célebre publicação madrilenha
dirigida por Ort ega y Gasset , lançou a primeira t radução de Di e Ver wandl ung
de que se t em not ícia no mundo, que recebeu em espanhol o t ít ul o de La
met amor f osi s. A novela saiu em duas part es, no primeiro e no segundo
semest res daquele ano. A t radução era anônima e perdeu-se a memória de
quem a t eria f eit o na época.
Em 1927, a mesma Revi st a de Occi dent e publicou, t ambém
anonimament e, a t radução de “ Ein Hungerkünst er” com o t ít ulo de “ Un art ist a
del hambre” . E, em 1932, lançou “ Erst es Leid” com o t ít ulo de “ Un art ist a del
t rapecio” , 1 t ampouco t razendo ident if icação do t radut or.
Em 1938, a edit ora Losada de Buenos Aires inaugurou sua coleção “ La
paj arit a de papel” . O aut or escol hido para est rear a col eção f oi Kaf ka, com uma
colet ânea de t ext os reunidos sob o t ít ulo de La met amor f osi s. A selet a t razia
1
Coment e-se de passagem que, se o t ít ulo “ Un art ist a del t rapecio” , t ão dist ant e do original
Er st es Lei d , parece corresponder a uma escolha da revist a para t raçar alguma linha de
cont inuidade na ment e do leit or com “ Un art ist a del hambre” publicado alguns anos ant es, por
out ro lado ele adquirirá f oros de cidadania quase permanent e ent re nós, servindo at é como
uma espécie de f io de Ariadne para a pesquisa das f ont es da t radução.
nove cont os, a saber: “ La met amorf osis” , “ La edif icación de la Muralla China” ,
“ Un art ist a del hambre” , “ Un art ist a del t rapecio” , “ Una cruza” , “ El buit re” ,
“ El escudo de la ciudad” , “ Promet eo” e “ Una conf usión cot idiana” . Tradut or:
Jorge Luis Borges.
Porém, as t raduções de “ La met amorf osis” , “ Un art ist a del t rapecio” e
“ Un art ist a del hambre” assinadas por Borges em 1938 são réplicas
prat icament e int ocadas das t raduções anônimas publicadas em 1925-1927 pela
Revi st a de Occi dent e. Transcorreram-se quase quarent a anos at é que Jorge Luis
Borges viesse a admit ir que a t radução de “ La met amorf osis” publicada pel a
Losada não era de lavra sua.
Foi o prof essor e t radut or Fernando Sorrent ino, grande apreciador de
Kaf ka e de Borges, quem deslindou o enigma. Ao ler nos anos 1960 o volume da
Losada, La met amor f osi s, est ranhara aquela versão da novela-t ít ulo,
parecendo-lhe muit o dist ant e dos “ cost umes lexicais e sint át icos de Borges” .
Coment a ele: “ No se t r at aba de l a pr esi ón que el t ext o or i gi nal ej er ce sobr e el
t r aduct or , obl i gándol o a adecuar se, en mayor o menor medi da, a l as car act er íst i cas
del aut or t r aduci do. La di ver genci a est i l íst i ca er a abi smal : r esul t a ext r añísi mo que
nadi e se haya dado cuent a de que t al t r aducci ón no er a, ni podía ser , obr a de Bor ges”
(SORRENTINO 2000).
Em 1970, Sorrent ino t eve ocasião de realizar diversas ent revist as com
Borges, das quais result ou o livro Si et e conver saci ones con Jor ge Lui s Bor ges,
publicado em 1974. 2 Foi ent ão que pôde dirimir sua dúvida, coment ando
diret ament e com Borges:
2
O volume f oi lançado no Brasil como Jor ge Luís Bor ges: set e conver sas com Fer nando
Sor r ent i no, em t radução de Ana Flores, pela Azougue Edit orial, em 2009.
Naquela ocasião Sorrent ino se deu por sat isf eit o, pois, segundo ele, o
que lhe int eressava na época era apenas comprovar que a t radução não era de
Borges, e não descobrir qual seria, de quem seria ou onde t eria sido publicada
a mist eriosa t radução. Porém, t empos depois, vindo a saber que t ampouco “ Un
art ist a del hambre” e “ Un art ist a del t rapecio” t inham sido t raduzidos por
Borges, decidiu por f im “ t r at ar de encont r ar l a ‘ t r aducci ón acaso anóni ma que
andaba por ahí’ (y que, si n duda, Bor ges si empr e supo cuál er a y dónde
est aba) ” . E f oi ent ão que suas pesquisas o levaram à Revi st a de Occi dent e e aos
3
números ant eriorment e cit ados.
Deixando as digressões sobre a f ort una argent ina de Kaf ka, passemos
agora ao que acont eceu no Brasil com esses t rês cont os.
Em 30 de março de 1946, a Revi st a da Semana, Ano XLVII, no. 13, publicou
aquela que parece ser a primeira t radução de Kaf ka ent re nós, a saber, “ Um
art ist a do t rapézio” , anônima e sem indicação de f ont es. À sua leit ura, vê-se
clarament e que ela se baseou na cit ada t radução em espanhol .
Em 1947, mais precisament e no dia 31 de agost o, o j ornal Di ár i o de
Not íci as, em sua coluna “ Cont o da Semana” , publica uma nova t radução de
“ Um art ist a do t rapézio” , agora por Aurélio Buarque de Holl anda, o qual
especif ica devidament e que ut ilizou como base a edição da Losada com
t radução em nome de Jorge Luis Borges.
Na década seguint e, em 1957, a edit ora Cult rix, no volume Mar avi l has
do cont o al emão, t ambém publica “ O art ist a do t rapézio” . Tradução? Anônima.
3
Para o debat e de Sorrent ino e out ros em t orno da quest ão, bem como para algumas hipót eses
sobre a ident idade do t radut or anônimo, vej a-se
<ht t p: / / naogost odeplagio. blogspot . com. br/ 2009/ 11/ kaf ka-anonimo-borgiano. ht ml >.
A essas alt uras, o leit or j á t erá adivinhado, e corret ament e, que esse art ist a do
t rapézio t ambém é aquele mesmo publicado na Revi st a de Occi dent e.
Chegando à década de 1960, t emos o que se poderia considerar a
primeira grande alavancada na dif usão das obras de Kaf ka no Brasil ,
basicament e por iniciat iva da Livraria Exposição do Livro (L. E. L. , post erior
Hemus), com t raduções f eit as sempre por Torrieri Guimarães.
Um de seus volumes, A col ôni a penal , publicado em 1965, t raz 39 cont os,
ent re eles “ A met amorf ose” , “ Um art ist a da f ome” e “ Um art ist a do t rapézio” .
Por mais que seu t radut or, Torrieri Guimarães, af irmasse que f azia suas
t raduções de Kaf ka por int erposição do f rancês – t ema do qual t rat aremos mais
adiant e –, a verdade é que esses t rês cont os são f ielment e calcados nas
t raduções em espanhol. A est e respeit o, vale lembrar o excelent e est udo de
Celso CRUZ (2007), apont ando como era “ visível a ligação do t ext o assinado por
Torrieri com as versões hispânicas” (CRUZ, 2007: 201).
Eis uma breve comparação:
Par a l os adul t os aquel l o sol ía no ser más que una br oma en l a que
t omaban par t e medi o por moda, per o l os ni ños, cogi dos de l as manos
por pr udenci a, mi r aban asombr ados y boqui abi er t os a aquel hombr e
pál i do, con cami set a oscur a, de cost i l l as sal i ent es, que, desdeñando
un asi ent o, per manecía t endi do en l a paj a espar ci da por el suel o, y
sal udaba, a veces, cor t ament e o r espondía con f or zada sonr i sa a l as
pr egunt as que se l e di r i gían o sacaba, qui zá, un br azo por ent r e l os
hi er r os par a hacer not ar su del gadez, vol vi endo después a sumi r se
en su pr opi o i nt er i or , si n pr eocupar se de nadi e ni de nada, ni si qui er a
de l a mar cha del r el oj , par a él t an i mpor t ant e, úni ca pi eza de
mobi l i ar i o que se veía en su j aul a. (“ JLB” )
Para os adult os aquilo cost umava não ser senão uma brincadeira na
qual t omavam part e meio por moda, mas as crianças, seguros [ sic]
pelas mãos por prudência, olhavam assombrados e boquiabert os
aquele homem pálido, com camiset a escura, de cost elas salient es,
que, desdenhando um assent o, permanecia est endido na palha
esparsa pel o sol o, e saudava, às vezes, cort esment e [ sic] ou respondia
com f orçado sorriso às pergunt as que dirigiam a ele, ou t irava, t alvez,
um braço por ent re os f erros para f azer not ar sua magreza, t ornando
depois a sumir-se em seu próprio int erior, sem se preocupar por
ninguém ou com nada, nem sequer pela marcha do rel ógio, para ele
t ão import ant e, única peça de mobiliário que se via em sua j aul a.
(TG)
E:
Un ar t i st a del t r apeci o - como se sabe, est e ar t e que se pr act i ca en
l o al t o de l as cúpul as de l os gr andes ci r cos es uno de l os más di f íci l es
ent r e t odos l os asequi bl es al hombr e- había or gani zado su vi da de t al
maner a - pr i mer o por af án pr of esi onal de per f ecci ón, después por
cost umbr e que se había hecho t i r âni ca - que, mi ent r as t r abaj aba en
l a mi sma empr esa, per manecía día y noche en el t r apeci o. Todas sus
necesi dades - por ot r a par t e muy pequenas - er an sat i sf echas por
cr i ados que se r el evaban a i nt er val os y vi gi l aban debaj o. Todo l o que
ar r i ba se necesi t aba l o subían y baj aban en cest i l l os const r ui dos par a
el caso. (“ JLB” )
Um art ist a do t rapézio – como se sabe, est a art e que se prat ica no
alt o das cúpulas dos grandes circos é uma das mais dif íceis ent re
Vej amos agora por meio de quais línguas Kaf ka chegou ao Brasil .
No período que aqui nos int eressa, de 1946 a 1979, t raduziu-se muit o do
espanhol , bast ant e do inglês, um pouco do f rancês e prat icament e nada do
alemão. Poderíamos caract erizá-lo esquemat icament e da seguint e maneira:
1. De 1946 a 1963, uma f ase inicial de publicações dispersas e t raduções
a part ir de f ont es e idiomas variados, incl usive as únicas duas ou t rês possíveis
ocorrências de t raduções diret as do alemão.
4
As edições de A met amor f ose pela Mart in Claret passaram anos envolvidas em irregularidades.
Vej am-se CRUZ (2007: 205-6) e VIANNA (2007).
edição, t radução e publicação mundial de t odo o cor pus kaf kiano (aliás, no caso
da Alemanha, a Schocken t ransf eriu os direit os de publicação das obras de Kaf ka
para S. Fischer apenas em 1951). Max Br od j amais volt ou a det er qualquer
direit o sobre elas.
Mas, segundo Torrieri Guimarães apud BRITO (2005), f oi nessas condições
– com Max Brod cedendo gent ilment e os direit os de t radução a Eli Behar – que
se t eria iniciado seu “ int enso cont at o” com os t ext os do aut or, f icando el e “ à
f rent e do proj et o f ormal de t raduzir t oda a obra de Kaf ka para o port uguês do
Brasil” para a ref erida edit ora (125-6). Seu propriet ário, Eli Behar, ent ão t eria
f ornecido os exemplares das obras de Kaf ka em f rancês a Torrieri para usá-las
como base para suas t raduções (160).
Na verdade, é t udo bem mais simples. Cruz apont ou os inequívocos
vínculos hispânicos, cit ados mais acima. De minha part e, rast reei esses vínculos
at é Borges e, via Sorrent ino, at é a Revi st a de Occi dent e. Prosseguindo as
pesquisas das f ont es primárias, não f oi dif ícil const at ar um f at o muit o evident e:
todas as t raduções de Kaf ka f eit as por Torrieri Guimarães f oram
inequivocament e real izadas a part ir do espanhol.
Vej amos, pois. Det enhamo-nos de início no volume que reúne os t rês
t ext os que coment amos at é agora. Trat a-se de A col ôni a penal , como dissemos,
publicada pela L. E. L. Apresent a 39 t ext os, dist ribuídos em cinco seções:
I. A Sent ença, com “ Narração” e “ Aeroplanos em Bréscia” ;
II. Cont empl ação, com “ Meninos em um caminho de campo” ,
“ Desmascarament o de um embaidor” , “ O passeio repent ino” , “ Resoluções” , “ A
excursão à mont anha” , “ Inf elicidade de solt eiro” , “ O comerciant e” ,
“ Cont emplação dist raída à j anela” , “ Caminho para casa” , “ Transeunt es” ,
“ Companheiros de Viagem” , “ Vest idos” , “ A recusa” , “ Para que os cavalheiros
medit em” , “ A j anela para a rua” , “ O desej o de ser pele-vermelha” , “ As
árvores” e “ Inf elicidade” ;
III. Um Médi co Rur al – Rel at os Br eves, com “ Um novo advogado” , “ Um
médico rural” , “ Na galeria” , “ Um velho manuscrit o” , “ Diant e da lei” , “ Chacais
e árabes” , “ Uma visit a à mina” , “ O povoado mais próximo” , “ Uma mensagem
do alemão f eit a por Juan Rodol f o Wilcock, sob o t ít ulo geral de La condena.
Ocorre que essa edição apresent a um dado curioso: mesmo indicando
clarament e o vol ume original a que deveria corresponder La condena, a Emecé
excluiu de sua edição os t rês cont os lançados pela Losada em sua colet ânea de
1938, aqueles mesmos cuj a t radução espanhola anônima f ora at ribuída a Jorge
Luis Borges – a Met amorf ose e os dois Art ist as, o da f ome e o do t rapézio.
E aí surge uma sit uação compósit a int eressant e. A t radução de Torrieri
em A col ôni a penal se calca na t radução de Wilcock em La condena pela Emecé;
mas, t endo essa edição argent ina excluído as t rês narrat ivas cit adas, para elas
Torrieri ut ilizou como t ext o de base – conf orme apont ei mais acima – a edição
da Losada com a pret ensa t radução de Borges.
Est es t rês cont os, j á vimos demoradament e. Most remos, agora, que a
t radução de Torrieri Guimarães para os demais cont os de A col ôni a penal se
calca na t radução de Wilcock em La condena. Por problemas de limit ação de
espaço, apresent aremos apenas um breve exemplo a t ít ulo il ust rat ivo, ext raído
de “ En la colónia penit enciaria/ Na colônia penal” :
5
Quando o governo nazist a proibiu a publicação de obras de Kaf ka (e de Brod) na Alemanha, o
edit or Schocken t ransf eriu part e de suas operações edit oriais para Praga, com Heinrich M. Sohn.
Vale not ar que A mur al ha da Chi na é uma das raras edições em que a
L. E. L. est ampa na página de crédit os algum t ipo de ref erência bibliográf ica.
Temos: “ Tít ulo da obra em alemão: Beschr ei bung ei nes Kampf es” . Aqui
t ambém, e dest a vez no pref ácio do volume, Torrieri Guimarães avoca a si a
responsabil idade pela compilação e seleção dos t ext os. Af irma ele em pref ácio:
“ Aqui est á, nesta compilação que fizemos (. . . )” , “ Assim é que, nas histórias
que selecionamos aqui (. . . )” [ negrit os meus] – af irmações que, t al como no
caso de A col ôni a penal , só se poderiam considerar válidas se se admit isse que,
aqui, a exclusão das t rês breves parábolas chegaria a conf igurar algum t ipo de
recort e minimament e original na composição e organização da col et ânea.
E nest e pont o cabe a provável expl icação para a exclusão dos dois
diálogos de “ Descrição de uma lut a” do volume A col ôni a penal , como dissemos
acima, em t odo o rest ant e t ão f iel à organização de Brod via Wil cock. O crit ério
que Brod adot ou para organizar Beschr ei bung ei nes Kampf es: Novel l en,
Ski zzen, Aphor i smen aus dem Nachl ass, o quint o volume das obras reunidas, f oi
o de reunir num só vol ume as novelas, parábolas, af orismos e f ragment os ainda
inédit os. Como os dois diálogos de Beschr ei bung ei nes Kampf es publicados em
vida – “ Gespräche mit dem Bet er” e “ Gespräche mit dem Bet runkenen” – j á
t inham saído no primeiro volume, nat uralment e volt aram a sair t ambém na
narrat iva complet a, publicada post umament e no quint o. A L. E. L. , não t endo
nem de longe qual quer pret ensão de apuro edit orial, decert o considerou que
não f aria muit o sent ido repet i-los em dois volumes lançados com poucos meses
de int erval o ent re si, A mur al ha da Chi na e A col ôni a penal , e provavelment e
f oi por t al razão que excluiu os diálogos dest a segunda (aliás, l ançada pel a
L. E. L. depois d ’ A mur al ha).
Quant o ao uso da t radução de Pippig e Guiñazú em espanhol para a
t radução de Torrieri, apresent emos mais uma rápida amost ra a t ít ulo
elucidat ivo, ext raída de “ Abogados” / “ Advogados” :
l os ambi ent es, que podi a pensar se pr ocedía de t odas par t es; o, l o
que par eci a más exact o t odavía, que el si t i o donde casual ment e
est aba uno f uer a el ver dadei r o si t i o de aquel r et umbar ; per o
segur ament e aquel l o er a un er r or , pues el r umor venía de l ej os.
(P&G)
Para uma últ ima demonst ração sobre o uso do espanhol como língua de
int erposição nas t raduções de Torrieri, vej amos mais dois brevíssimos t rechos,
o primeiro de El cast i l l o, em t radução de D. J. Vogelmann para a Emecé (1949)/
O cast el o, em t radução de Torrieri Guimarães para a Tema (1965); o segundo
de Car t a a mi padr e y ot r os escr i t os, em t radução de Carlos Félix Haeberl e,
pela Emecé (1955)/ Car t a a meu pai , em t radução de Torrieri Guimarães para
a L. E. L. (1965):
E:
Quer i do padr e, una vez me pr egunt ast e por qué af i r maba yo que t e
t emía. Como de cost umbr e, no supe qué r esponder t e, en par t e
pr eci sament e por el t emor que me i nf undes (. . . ) (CFH)
Querido pai: Pergunt ast e-me cert a vez por que mot ivo eu af irmava
que t e t emia. Como de hábit o, não soube o que t e responder, em
part e exat ament e pelo t emor que me inf undes (. . . ) (TG)
Quero reit erar que nada há de ilícit o em t raduções indiret as. Se venho
me delongando sobre o t ema, é no exclusivo int uit o de desf azer com meridiana
clareza o engano corrent e de que Torrieri Guimarães t eria se val ido do f rancês
para vert er Kaf ka e, em paralelo, sepult ar def init ivament e qualquer event ual
resquício de incert eza em t orno dessa quest ão. E t al int uit o, por sua vez, só
guarda alguma relevância porque, como dissemos, f oram as t raduções de
Torrieri que compuseram a primeira grande onda de publicação de Kaf ka ent re
nós, t ornando-se assim um dos t raços const it ut ivos da kaf kiana brasileira. 6
De modo geral, port ant o, e como se depreenderá nit idament e da
cronologia apresent ada na próxima seção, podemos dizer que a kaf kiana
brasileira, no que se ref ere à língua de part ida, divide-se em t rês vert ent es
dominant es. Após a f ase inicial bast ant e salt eada e indist int a (1946-1963),
t emos a part ir de 1964 a f ase de t radução indiret a basicament e por int erposição
do espanhol (L. E. L. , com Torrieri Guimarães); nos anos 1970, a f ase de t radução
indiret a sobret udo por int erposição do inglês (Nova Época, com vários
t radut ores); a part ir dos anos 1980, num período que ul t rapassa o escopo dest e
art igo, a t radução diret a do original alemão (sobret udo por obra de Modest o
Carone, mas t ambém, em dat a mais recent e, por out ros t radut ores, como
Marcelo Backes).
O uso do f rancês como língua de int erposição f oi t ão esporádico que, a
meu ver, não chega a se conf igurar como element o de maior peso dent ro da
6
Já o exame dos mot ivos pessoais que t eriam levado Torrieri Guimarães a aliment ar t al
imprecisão e at é a encenar uma pequena f arsa perant e imprensa e academia escapa ao âmbit o
dest a pesquisa. Quiçá não passasse de mera e singela vaidade int elect ual, por t alvez considerar
o f rancês “ mais chique” , “ mais respeit ável” ou algo assim.
kaf kiana brasileira: ent re suas poucas ocorrências, cabe menção especial
apenas ao caso de Geir Campos, com Par ábol as e f r agment os (Civilização
Brasileira, 1956), t alvez o primeiro livro de Kaf ka publicado no Brasil, como
veremos adiant e.
3. Kaf ka brasileiro
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Sobre a Joaqui m e os t ext os de Kaf ka, é precioso o levant ament o de Miguel Sanches Net o
(1998), no qual me baseei para os dados acima apresent ados.
Os anos 1950
O ano de 1956 inaugura Kaf ka em livro no Brasil. A est reia, porém, é
discret a e reservada a poucos, em edições especiais de baixa t iragem. São el as
Par ábol as e f r agment os e Met amor f ose. Det enhamo-nos brevement e sobre
elas.
Par ábol as e f r agment os consist e numa pequena colet ânea de 48 páginas,
com seleção e t radução de Geir Campos por int erposição do f rancês, que f oi
publicada na Coleção Maldoror da edit ora Civilização Brasileira, em seu selo de
edições especiais para biblióf ilos, a Philobiblion, numa t iragem rest rit a de 300
exemplares de luxo.
Met amor f ose, em t radução de Brenno Silveira por int erposição do inglês,
como vimos na seção ant erior, t ambém f oi publicada pela Civilização Brasil eira
no mesmo ano de 1956. Embora não t enha saído pel o selo para biblióf ilos, era
uma edição especial , com t iragem de apenas mil exemplares.
É dif ícil saber a qual dessas duas obras, Par ábol as e f r agment os ou
Met amor f ose, cabe a ant erioridade de publicação no ano de 1956.
Pessoalment e, inclino-me para a edição da Philobiblion, at é por ser t ão rest rit a,
sugerindo uma espécie de balão de ensaio em vist a de al guma incert eza
edit orial quant o ao al cance comercial do aut or, at é ent ão inédit o no Brasil em
f ormat o de livro.
Ainda em 1956, t emos “ O médico rural” na ant ologia Ti t ãs da l i t er at ur a,
vol. VII da coleção “ Os t it ãs” , edit ora El At eneo do Brasil, 1956, em t radução
de A. Barbosa Rocha.
Em 1957, sai pela Cult rix o j á coment ado “ Um art ist a do t rapézio” em
Mar avi l has do cont o al emão, em t radução anônima f eit a a part ir da t radução
espanhola pret ensament e borgiana.
Em 1959, em Mar avi l has do cont o uni ver sal , úl t imo volume da coleção
de mesmo nome, a Cult rix publica “ O j ej uador” , em t radução de Ligia
Junqueira Caiuby.
Em f ormat o de livro, são est as as publicações de Kaf ka nos anos 1950 que
consegui rast rear. A t ít ulo de curiosidade, vale lembrar o cont o “ Um f aquir” ,
t raduzido por Paulo Rónai e Aurélio Buarque de Holl anda, publicado em 11 de
j aneiro de 1959 na coluna “ Cont o da Semana” do j ornal Di ár i o de Not íci as
(SPIRY, pp. 199), que virá a ser incluído nos anos 1980 no décimo volume da
ant ologia Mar de hi st ór i as, organizada por ambos.
Os anos 1960
A part ir dos anos 1960, t emos uma divulgação mais sist emát ica e
cont inuada da obra de Kaf ka no país, com t raduções f eit as por Torrieri
Guimarães com base nas edições em espanhol publ icadas na Argent ina. Elas
f oram publ icadas em dez volumes ao t odo, lançados em rápida sucessão ent re
1964 e 1965, pela L. E. L. e por um ef êmero e malogrado selo seu, a Tema
Edições, que t eria sido criado expressament e para publicar as obras de Kaf ka.
Os volumes não t razem o ano de edição, mas é possível sit uá-l o com razoável
precisão a part ir das not as de lançament o dadas na imprensa, sobret udo a
carioca.
O primeiro volume a sair f oi uma breve selet a com o t ít ulo Cont os
escol hi dos, com oit o t ext os: “ Bl umf eld, um solt eirão” , “ A t oupeira gigant e” ,
“ Invest igações de um cachorro” , “ Descrição de uma l ut a” , “ Sobre as quest ões
8
Todos esses cont os f azem part e de Beschr ei bung ei nes Kampf es (e de La mur al l a chi na
argent ina), que sairá no ano seguint e pela L. E. L. com o t ít ulo de A mur al ha da Chi na. Assim, o
lançament o de Cont os escol hi dos parece indicar que t alvez se t rat asse de uma t radução em
andament o, reunindo os t ext os que j á est avam pront os.
Os anos 1970
Em 1972, a edit ora Art enova lança uma colet ânea curiosa: A sol i dão
segundo. . . Er nest Hemi ngway, Car son McCul l er s, Fr anz Kaf ka, Ray Br adbur y,
Jor ge Lui s Bor ges, com seleção, int rodução, not as e t radução de Hermenegildo
de Sá Cavalcant i. O cont o de Kaf ka escolhido para int egrar a colet ânea f oi “ Na
colônia penal” .
Ainda em 1972, a Ant ol ogi a humaníst i ca al emã, com seleção de Wolf gang
Langenbucher, apresent a “ O j ul gament o” , excert os de “ O processo” e “ Diant e
da lei” , em volume publicado pela Globo em coedição com a alemã Horst
Erdmann Verlag. São vários t radut ores, sem especif icação das responsabilidades
individuais.
A seguir, numa empreit a de f ôl ego, a Nova Época Edit orial se lança a
uma sequência de novas t raduções das obras de Kaf ka. As edições não t razem
o ano de publicação e, ao cont rário das edições da L. E. L. , pouca ou nenhuma
at enção receberam na grande imprensa. De t odo modo, é cert o que não são
ant eriores a 1972. 9
Essa iniciat iva edit orial t raz dois element os marcant es. O primeiro deles
é que t odas as suas t raduções f oram f eit as a part ir do inglês, caract erizando a
década de 1970 como o período com predomínio desse idioma como língua de
part ida para a kaf kiana brasileira. O segundo é que, na cont racapa e nas edições
que t razem orelha, t em-se em dest aque o seguint e anúncio:
A
NOVA ÉPOCA EDITORIAL Lt da.
Avenida Angélica, 55
S. Paul o
9
A razão para t al af irmação pode parecer t rivial, mas é sólida: em t odas elas, j unt o ao endereço
da edit ora const a o número do CEP. Como o código de endereçament o post al f oi implant ado
em maio de 1971 e seu uso obrigat ório só ent rou em vigor em 1972, t al dado parece plenament e
suf icient e para est abelecer est e ano como limit e post quem .
10
Num pequeno alert a em paralelo, se event uais leit ores, pesquisadores e int eressados em
geral f orem consult ar as edições da Nova Época pela int ernet , irão se deparar várias vezes com
algum ano de publicação de suas edições de Kaf ka. Todas essas dat as se ref erem, na verdade,
ao ano de publicação da obra em inglês, pela Schocken Books, como vem clarament e
especif icado na página de imprent a dos vários volumes da Nova Época, e não devem induzir os
consulent es a erro.
O cast el o, D. P. Skroski
O di ár i o ínt i mo de Kaf ka, Osvaldo da Purif icação
O pr ocesso, Syomara Caj ado
11
Ainda a propósit o de A met amor f ose, Marques Rebelo e Tecnoprint (f ut ura Ediouro), embora
escapando ao nosso quadro t emporal, cabe aqui t ent ar elucidar out ro provável equívoco. Cit o:
“ Chama-nos a at enção o f at o de que, nest e ano de 1985, são publicadas out ras duas t raduções
de A met amor f ose. Uma reedição da t radução f eit a a part ir do inglês por Brenno Silveira,
publicada pela Civilização Brasileira, e uma nova t radução realizada t ambém a part ir do inglês
por Enio Silveira e Marques Ribeiro Calouro, cuj a publicação f ica a encargo da edit ora
Tecnoprint ” (CELESTE, BRITO e SANTOS, p. 239).
Com ef eit o, exist e um volume de escrit os de Kaf ka selecionados e t raduzidos do inglês por Ênio
Silveira, propriet ário e edit or chef e da Civilização Brasileira: chama-se Cont os, f ábul as e
af or i smos e saiu por sua edit ora em 1983. Tradut or bissext o, Ênio j amais, at é onde sei, t raduziu
Met amor f ose – obra que, aliás, est ava at iva no cat álogo de sua edit ora desde 1956, na t radução
f eit a por seu irmão Brenno Silveira. Por out ro lado, sua concorrent e Tecnoprint ut ilizava com
f requência os prést imos de Marques Rebelo como adapt ador para suas coleções, uma delas
chamada j ust ament e Calouro. Tendo a crer que a inf ormação acima cit ada result ou de alguma
event ual conf usão dos pesquisadores ent re pessoas, coleções e edit oras.
4. Conclusão
5. Bibliograf ia
BRITO, E. M. de. Quando a f i cção se conf unde com a r eal i dade. São Paulo: Serviço
de Comunicação Social, FFCHL/ USP, 2008. Aqui seguimos o t ext o de sua t ese
de dout orado. FFCHL/ USP, São Paulo, 2005.
CRUZ, C. Met amor f oses de Kaf ka. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007.
SANCHES NETO, M. A r ei nvenção da pr ovínci a. Tese de dout orado. IEL/ UNICAMP,
Campinas, 1998.
SORRENTINO, F. El kaf kiano caso de la Ver wandl ung que Borges j amás t raduj o. In:
Espécul o. Revi st a de Est udi os Li t er ár i os, n. 10, Madri, 1998.
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SORRENTINO, F. No le deis al César lo que no es del César (dos part es). In: El
Tr uj amán, 12/ 06/ 2000. Cent ro Virt ual
Cervant es. ht t p: / / cvc. cervant es. es/ t ruj aman/ ant eriores/ j unio_00/ 12062000. h
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SOUSA, C. R. de, BRITO, E. M. de, e SANTOS, M. C. A recepção da obra de Franz Kaf ka
no Brasil. In: Pandaemoni um ger mani cum 9, 2005, pp. 227-253.
SPIRY, Z. Paulo Rónai, um brasileiro made i n Hungar y. Dissert ação de mest rado.
FFCHL/ USP, São Paulo, 2009.
VIANNA, L. F. Edit ora pl agiou t raduções de clássicos. In Fol ha de S. Paul o, Cader no
Il ust r ada. São Paulo, 04/ 11/ 2007.
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Para out ros apont ament os sobre as t raduções de Kaf ka no Brasil , ver
BOTTMANN, D.
ht t p: / / naogost odeplagio. blogspot . com. br/ search/ label/ pesquisa%20kaf ka