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Agrupamento de Escolas nº 2 de Beja

Biblioteca Escolar

PoemArte

As palavras

São como um cristal,


as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.


Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem


as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade, In Coração do Dia

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Agrupamento de Escolas nº 2 de Beja
Biblioteca Escolar

Linhas de Leitura:

 Formalmente, o poema é constituído por quatro estrofes, duas sextilhas e duas


quadras, num total de 20 versos, maioritariamente brancos ou soltos, à
exceção do 1 e do 3, que apresentam rima cruzada, e aborda o tema
da reflexão sobre o valor polissémico das palavras.
 O poema pode ser dividido em duas partes: a primeira, constituída pelas
primeiras três estrofes e a segunda pela última.
 Na primeira parte, o sujeito poético descreve as palavras, enquanto na última
faz duas interrogações retóricas, chamando deste modo a atenção do leitor
para o seu papel de descodificador delas.
 as palavras são comparadas a um cristal, revelando-se, assim, desde logo o seu
sentido polissémico, devido ao facto de os cristais possuírem várias faces, tal
como a palavra possui vários sentidos.
 Atente-se no poder destruidor das palavras expresso através das metáforas
punhal e incêndio por oposição ao poder apaziguador, de suscitar a ternura em
orvalho.
 Na segunda estrofe, define-se as palavras como essenciais à comunicação entre os
seres humanos e intemporais, pois têm carregado, através dos tempos, as histórias e
os segredos dos homens.
 Com o passar do tempo as palavras recebem novos significados, evoluindo, carregando
os segredos da história dos homens e acompanhando os seres humanos como
instrumento indispensável de comunicação.
 Note-se as personificações, nos versos 8 a 10, onde se transpõem a insegurança e
agitação das pessoas, fazendo-as estremecer como os barcos, que agitam as águas, e
os beijos, que também fazem estremecer.
 Com efeito, os versos 8 a 10 (“Inseguras navegam / barcos ou beijos / as águas
estremecem”) revelam insegurança quer das palavras, que agitam as pessoas, quer
dos barcos, que agitam as águas.
 Ao amor representado pelos beijos, ninguém lhes fica indiferente.
 O sujeito poético caracteriza as palavras como “desamparadas” (porque estão ao
alcance de todos), “inocentes” (porque não representam qualquer perigo, mas podem
ser usadas e abusadas) e “leves” (quando não têm importância no texto).
 As palavras são frágeis e podem ser usadas de várias formas, com vários tons.
 A metáfora e a antítese “Tecidas são de luz / e são a noite” realçam as contradições
que as palavras contêm (positividade vs. negatividade) e o seu sentido conotativo: luz,
claridade, transparência.
 Nos versos “E mesmo pálidas / verdes paraísos lembram ainda”, o sujeito lírico sugere
que as palavras podem não ser intensas nem coloridas, mas ainda assim podem ser
aprazíveis e alegres, lembrando o paraíso.
 As interrogações retóricas “Quem as escuta? Quem/as recolhe, assim, /cruéis,
desfeitas, /nas suas conchas puras?” apelam à releitura das palavras.

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