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Ficha informativa 1

3. POETAS
CONTEMPORÂNEOS
Eugénio de Andrade
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Eugénio de Andrade

Figurações do poeta

Poesia* apresenta-se, portanto, como espécie de cancioneiro (na sua mais


tradicional aceção), no qual o poeta projeta, medindo cada traço, o seu retrato, a
sua própria imagem, como quem deixa um legado. A nitidez desse retrato apaga as
asperezas diacrónicas1 que uma obra resultante de mais de sessenta anos de
atividade necessariamente tem; e mais, contribui para tornar fluidas as passagens
entre uma recolha poética e a seguinte, construindo uma arquitetura cujas partes
se harmonizam, estabelecendo novas contiguidades e dando maior evidência a
isotopias2 de outra forma meramente esboçadas.

Federico Bertolazzi, Noite e Dia da Mesma Luz – Aspetos da Poesia de Eugénio de Andrade,
Lisboa, Edições Colibri, 2010, p. 25.

1
Diacrónicas: asperezas da passagem do tempo.
2
Isotopias: termo para designar a redundância ou recorrência de elementos semânticos que torna possível
a leitura ou interpretação fundamental e coerente de um texto literário.
* Poesia: Eugénio de Andrade, Poesia, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2005.
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Eugénio de Andrade

Arte poética
1. A Poética

Desprendidas de não sei que limbo, as primeiras sílabas surgem, trémulas,


inseguras tateando no escuro, como procurando um ténue, difícil amanhecer. Uma
palavra de súbito brilha, e outra, e outra ainda. Como se umas às outras se
chamassem, começam a aproximar-se, dóceis; o ritmo é o seu leito; ali se fundem
num encontro nupcial, ou mal se tocam na troca de uma breve confidência, quando
não se repelem, crispadas de ódio ou aversão, para regressarem à noite mais opaca.
Uma música, sem nome ainda, começa a subir, qualquer coisa principia a tomar
corpo e figura, a respirar, a movimentar-se, a afirmar a sua existência e a do poeta
com ela, a erguerem-se ambos a uma comum transparência, até serem canto claro
e fundo – voz do homem.

Eugénio de Andrade, «O Sacrifício de Efigénia», in Rosto Precário,


6.ª ed., Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 1995, pp. 19-20.
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Eugénio de Andrade

Tradição literária

Trata-se de uma poesia pouco ou nada datada, que não fez concessões a
preceitos ou maneirismos de correntes estéticas contemporâneas […]. Homem
convivial e leitor atento, Eugénio de Andrade conheceu bem essas correntes, mas
no plano da forma ou do conteúdo não retirou delas nada de essencial que não
tivesse já encontrado na poesia da tradição oral, nalguns trovadores, em Camões,
Pessanha ou Pessoa ou em estrangeiros como Rilke, Lorca e Cecília Meireles. […]
Inscrevendo-se claramente, desde a primeira hora, na tradição lírica
portuguesa, sobretudo elegíaca e amorosa, […] a poesia de Eugénio de Andrade
recusa também claramente algumas constantes dessa tradição: e não só o solene e
o enfático, o eloquente e o decorativo, mas também o sentimentalismo à flor da
pele, o fatalismo, o saudosismo, o religiosismo. [..]
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Eugénio de Andrade

O enunciador de Eugénio de Andrade ignora o «tom alto e sublimado», repele o


discurso autoritário ou arrogante, assume com frequência a sua precariedade […],
posiciona-se sempre diante do leitor – ou dos personagens, ou das coisas – como
uma testemunha, um cúmplice, um companheiro ou um irmão discretos, preferindo
pois as modalidades e os registos da melhor comunicação coloquial dialogal. E
optando sem hesitação pelo lado do sentir, não do pensar […], foge no entanto à
expressão impensada ou ligeira de sentimentos ligeiros ou impensados, também
porque convoca o exercício lento e atento dos sentidos, sobretudo da vista, do
ouvido e do tato. […]
Eugénio de Andrade filia-se evidentemente na linhagem do Camões que
tanto admira: é um poeta do amor – por sinal de um amor que, como regra, se
afirma sem as contrariedades do camoniano, mas que, como este, não se quer mais
idealizado do que realizado.

Arnaldo Saraiva, «O génio de Andrade», JL (n.º especial), 25 de julho de 2011, pp. 12-13.
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Eugénio de Andrade

Representações do contemporâneo

Eugénio de Andrade gosta de se situar num «aqui e agora» bem humano


e concreto, mesmo que frágil e fugitivo. Sem apego ao passado, que é «inútil como
um trapo», como diz o último poema de Os Amantes sem dinheiro (reformulando o
provérbio «Velhos são os trapos»), e sem projetos metafísicos nem apelos
transcendentais, o tempo que lhe interessa é sempre o tempo presente, ou então o
futuro, muito próximo, do desejo urgente («é urgente o amor»). Compreender-se-á
por isso a frequência da marcação do tempo e das suas mudanças […] como se
compreenderá o privilégio do tempo mais luminoso e caloroso do verão.
Notemos por fim que o «aqui» de Eugénio de Andrade é o de uma
confluência «elementar», onde cada elemento pode ser diversamente potenciado,
e veicular imagens flutuantes ou permutáveis de plenitude e de carência, mas onde
a disforia nunca chega a anular a expectativa eufórica. Terra e ar, água e fogo
conjugam-se para enquadrar e desafiar o homem, que veio da terra (húmus), que
vive «rente ao chão», mas que pode, pelo amor ou pela criação, elevar-se à
condição divina.

Arnaldo Saraiva, «O génio de Andrade», JL (n.º especial), 25 de julho de 2011, p. 13.


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Eugénio de Andrade

CONSOLIDA

1. Elabora tópicos com as principais características da poesia de Eugénio de


Andrade.

Figurações do poeta
– O poeta projeta o seu retrato, como se deixasse um legado.
– A nitidez desse retrato afasta qualquer discrepância diacrónica, torna fluidas as passagens entre recolhas
poéticas, constrói uma arquitetura cujas partes se harmonizam e estabelece novas contiguidades e linhas de
leitura.
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Eugénio de Andrade

CONSOLIDA

1. Elabora tópicos com as principais características da poesia de Eugénio de


Andrade.

Arte poética
– As sílabas e as palavras harmonizam-se ou repelem-se; compõem uma música; incorporam algo que ganha
vida e afirma também a existência do poeta. Constituem a voz do homem – canto claro e fundo.
– O poeta procura transformar o mundo, dotando a palavra de significados diversos. A sublimação da palavra
possibilita a metamorfose do mundo e a renovação da linguagem humana. A experiência pessoal imprimida
na poesia espelha a experiência universal, tendo o homem como centro do mundo.
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Eugénio de Andrade

CONSOLIDA

1. Elabora tópicos com as principais características da poesia de Eugénio de


Andrade.

Tradição literária
– Assente na tradição lírica portuguesa, nomeadamente na elegíaca e amorosa, mas recusando aspetos
dominantes da mesma: o solene, o enfático, o eloquente, o decorativo, o sentimentalismo superficial e
imediato, o fatalismo, o saudosismo, o religiosismo;
– O sujeito poético assume, frequentemente, a sua fragilidade; o posicionamento do eu poético perante o
leitor, as personagens ou as coisas é de testemunha, cúmplice, de proximidade, visível na preferência pelos
registos do coloquial dialogal; privilégio do sentir sobre o pensar, verificando-se, no entanto, a expressão
ponderada de sentimentos profundos e complexos, comprovada pela convocação do exercício lento e atento
dos sentidos, nomeadamente da visão, da audição e do tato;
– Privilégio da temática do amor: um amor real, sem as contrariedades do amor camoniano.
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Eugénio de Andrade

CONSOLIDA

1. Elabora tópicos com as principais características da poesia de Eugénio de


Andrade.

Representações do contemporâneo
– Poesia do «aqui» e do «agora»: preferência pelo tempo presente e por um futuro muito próximo, pela
urgência do desejo, humano e concreto, com marcação frequente do tempo e das suas mudanças,
privilegiando-se a luminosidade e o calor do verão;
– O «aqui» assume-se como a convergência dos quatro elementos (terra, ar, água e fogo), sendo cada um
potenciado de diversas formas, de modo a enquadrarem e a desafiarem o homem, comum mortal, a
elevarse à condição divina, pelo amor ou pela criação.

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