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Insetos, entomologia e ciências forenses 17

CAPÍTULO 1
Insetos, Entomologia e CiênciaS ForenseS

Guilherme Gomes
Ivan Cesar Desuó
José Jordan Morlin Júnior
André Sunao Nishiuchi Murakami
Leonardo Gomes

1. Introdução

A entomologia é o estudo científico dos insetos (grego: entomon, éntomon


- inseto e logos – fala, discurso, estudo), e os entomólogos são os estudiosos que
atuam nesta área. A entomologia é um ramo da Artropodologia e muitas vezes
tal definição é utilizada para incluir o estudo de outros artrópodes terrestres não
pertencentes à Classe Insecta, tais como aracnídeos e miriápodes. Os estudos
em entomologia procuram obter informações acerca de todas as fases do ciclo
vida dos insetos e suas relações ecológicas. As pesquisas desenvolvidas pelos
entomólogos são multidisciplinares e abrangem diversas áreas de estudo da
biologia, tais como, evolução, ecologia, comportamento, morfologia, fisiologia,
bioquímica molecular, zoologia e genética.
No ambiente terrestre, os insetos representam o táxon o mais abundante
e diverso. As causas deste sucesso podem ser atribuídas a algumas característi-
cas, tais como: um pequeno tamanho corpóreo, o que possibilitou a exploração
dos mais variados micro-habitats; um ciclo de vida curto e de reprodução rápi-
da; além de uma grande capacidade de dispersão obtida por meio da presença
de asas. Fisiologicamente, os insetos apresentam uma anatomia interna distinta
da grande maioria dos animais, o que permite que eles apresentem um eleva-
do metabolismo energético, muitas vezes até superior comparando-se a outros
grupos mais derivados de animais. Tal capacidade metabólica deve-se a um sis-
tema respiratório bastante eficiente e independente do sistema circulatório, o
sistema traqueal. Além disso, no ambiente terrestre a perda de água representa
um grande obstáculo para os organismos, e a presença de um exoesqueleto de
quitina assegurou uma barreira contra a dessecação, permitindo a manutenção
do equilíbrio hídrico nos insetos. Desta forma, as características citadas acima,
aliadas ao grande potencial desses animais de serem utilizados como modelos
para estudos de ontogenia, evolução, ecologia, genética e em outras áreas e à
facilidade de manipulação e manutenção de algumas espécies em laboratório,
contribuíram para que muitos pesquisadores se interessassem pelo estudo desta
classe de artrópodes, fazendo da entomologia uma ciência bastante abrangente
e multidisciplinar.
Os insetos podem viver no ambiente aquático ou terrestre durante parte
ou toda sua vida. Podem apresentar estilo de vida solitário, gregário, subsocial
18 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

ou altamente eusocial. Eles podem ser conspícuos, crípticos ou mimetizar ou-


tros animais e podem ser ativos durante o dia ou durante a noite. As adaptações
dos ciclos de vida dos insetos permitem que eles sobrevivam a uma grande va-
riedade de condições ambientais, tais como frio e calor extremos, chuva e seca,
e outras situações climáticas imprevisíveis. Os insetos apresentam uma grande
variedade de especializações e hábitos alimentares distintos: muitos são detri-
tívoros, saprófagos, xilófagos e fungívoros; outros são fitófagos, sugadores de
seiva ou hematófagos, carnívoros, parasíticos ou onívoros.
Os insetos dominam a base de cadeias ecológicas no ambiente terrestre
em relação à diversidade e biomassa, criando uma enorme conectividade entre
elas. Desta forma, o estudo dos insetos tornou-se extremamente importante em
diversas áreas de pesquisa, desde a ciência básica até estudos de entomologia e
ecologia aplicados. As relações entre os insetos e as demais formas de vida ter-
restres são bastante complexas e diversificadas, o que exige que os estudos em
entomologia abranjam uma escala biológica cada vez mais ampla, tal abordagem
é um dos grandes desafios da entomologia atual. Entretanto, para se estudar
insetos em uma escala mais abrangente os padrões de distribuição, riqueza e
diversidade são necessários e para a obtenção de tais informações a biologia e
a taxonomia das espécies de insetos devem ser conhecidas. Desta forma, den-
tre os entomólogos incluem pesquisadores que estudam aspectos da biologia
das espécies, taxonomia e ecologia. Há ainda entomólogos interessados no valor
econômico dos insetos, em especial nas pragas agrícolas, em agentes utilizados
no controle biológico e em insetos de importância médica. Tais relações entre
os insetos e as demais formas vida terrestres podem ser benéficas ou danosas, e
constituem o principal interesse da entomologia aplicada (p. ex. Entomologia Ve-
terinária, Entomologia Médica, Entomologia Econômica, Entomologia Forense).
Os insetos prestam importantes serviços ecológicos aos ecossistemas, es-
pecialmente no que diz respeito à polinização das plantas (muitas delas utiliza-
das na alimentação humana), dispersão de sementes, decomposição e pedogêne-
se, manutenção da composição e da estrutura da comunidade de plantas através
de fitofagia e granivoria e servindo de alimento para animais insetívoros, tais
como muitos pássaros, mamíferos, répteis e peixes, possuindo um importante
papel nas relações tróficas entre as redes alimentares.
Embora a maioria dos insetos seja benéfica, o crescimento desordenado
da população humana associado ao processo de colonização e consequente de-
gradação ambiental resultou em interações danosas entre os insetos e o homem,
tais como a explosão populacional de insetos pragas e vetores de doenças. Tais
relações serão expostas com maior riqueza de detalhes no capítulo seguinte.
Uma das características de grande importância dos insetos no ecossiste-
ma é a sua participação nos processos de ciclagem de nutrientes, seja via degra-
dação do folhiço, da madeira, de carcaças, do esterco, seja através dos processos
de formação e manutenção solo. Após a morte, os tecidos animais em decompo-
sição são ainda bastante atrativos a uma grande variedade de insetos e de outros
invertebrados. Não surpreendentemente, moscas e besouros, e especialmente
suas larvas, representam a maior parte da fauna encontrada em processos de
decomposição de carcaças de animais. Tais insetos e outros invertebrados se
Insetos, entomologia e ciências forenses 19

alimentam dos tecidos em decomposição da carcaça, sendo que uma sucessão


ecológica faunística é marcante em tais processos variando de acordo com o
estágio de decomposição da carcaça. A identificação de insetos adultos e imatu-
ros ocorrentes nos processos de sucessão durante os diferentes estágios de de-
composição, juntamente com o conhecimento de suas taxas de desenvolvimento
permite estimar a idade de um cadáver, o que é extremamente importante em
investigações criminais.

2. Um breve histórico da entomologia

Desde a Era Pré-Histórica os insetos sempre estiveram em contato com


os seres humanos, mas os estudos científicos em entomologia iniciaram-se so-
mente no século XVI. O estudo dos insetos esteve sempre atrelado aos avanços
tecnológicos em relação ao clima, diversidade ecológica e disponibilidade de
materiais de pesquisas, tais avanços ocorreram em diferentes taxas nas dife-
rentes regiões do mundo. Entretanto, a real revolução científica no estudo dos
insetos não ocorreu até que avanços tecnológicos relacionandos a agricultura
e a engenharia fossem estabelecidos. Estes avanços permitiram que os proces-
sos de produção de alimentos e de construções de abrigos fossem considera-
velmente facilitados. Entretanto, devido às várias guerras e as péssimas con-
dições higiênicas e das moradias em épocas mais remotas, milhões de pessoas
morreram devido a doenças, algumas delas transmitidas por insetos, como por
exemplo, a peste bubônica na Idade Média. Desta forma, não é de se estranhar
que as primeiras observações “científicas” detalhadas descreviam enfermidades,
e muitas vezes o papel dos insetos na transmissão de tais doenças eram comple-
tamente desconhecido. Além disso, muitos cultivos foram destruídos por inse-
tos pragas. Desta forma, alguns dos discursos dos primeiros cientistas daquela
época atacavam fortemente os insetos.
A entomologia moderna teve seu início no começo do século XVIII com
a redescoberta de literaturas clássicas, a disseminação do racionalismo e com
avanços na microscopia. Embora várias pessoas tenham assumido o estudo dos
insetos profissionalmente, grande parte das informações sobre os insetos foram
contribuições de coletores amadores ou entusiastas. Charles Darwin colecionava
besouros e ao longo de toda a sua vida estudou a evolução de insetos e manteve
contato com vários entomólogos amadores de várias regiões do mundo. Muito
do conhecimento atual sobre insetos, em especial sobre sua diversidade deriva
de estudos de amadores, como colecionadores de borboletas ou de besouros.
Um histórico resumido da entomologia é apresentado a seguir.

Primeira evidência do interesse humano por insetos em pinturas rupestres,


13,000 AC
abelhas desenhadas.
Besouro escarabeídeo pintado na parede da tumba de Ramesés IX.
1,000 AC
Apicultura bem desenvolvida no Egito
Histórias envolvendo gafanhotos, formigas e outros insetos; contadas pelas
620–560 AC
fábulas de Aesop.
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Continuação Histórico
Theophrastus (ca. 380-287 AC) catalogou diversas doenças de plantas e
insetos pragas.
384 - 287 AC Aristóteles (384-322 AC) estabeleceu as bases dos estudos científicos
de insetos, observou diferentes estágios de vida em um mesmo inseto,
metamorfose.
1172 Guido de Ravena foi um dos primeiros a estudar insetos.
Vincent de Beauvais que escreveu a principal enciclopédia da Idade Média,
Speculum Maius e um dos volumes foi a Speculum Naturale, a qual
descrevia a forma de manipulação principalmente de abelhas.
Primeiro documento relatando um caso com Entomologia Forense,
1250
reportado por Sung Tzu, um médico legal que escreveu o livro Hsi Yuan
Lu.
Carlo Crivelli desenhou e associou as moscas com a morte na pintura de
1446
Madonna e a criança.
Século 16

O estudo científico da entomologia se inicia.


Albrecht Durer foi um pintor alemão e pintou um besouro da família
1505
Lucanidae.
O zoólogo Conrad Gesner publicou o primeiro volume da Historia
1551
animalium, o qual mencionava insetos.
Século 17
O naturalista italiano Ulisse Aldrovandi publicou Animalibus insectis
1602 libri septem, cum singulorum iconibus ad vivum expressis, o qual
descrevia insetos e outros invertebrados.
Jan Goedart foi um pintor holandês, famoso por suas ilustrações de insetos
1662
e publicou Metamorphosis and historia naturalis.
1664 Robert Hooke publicou Micrographia.
O miscroscopista Jan Swammerdam publicou History of Insects
descrevendo os órgãos reprodutores e relacionando com a metamorfose.
1669 O anatomista Marcello Malpighi publicou um tratado sobre a estrutura e o
desenvolvimento do bicho-da-seda, a primeira descrição da anatomia de um
invertebrado.
A Sociedade Real da Inglaterra publica os estudos do anatomista italiano
1696 Marcaello Malpighi o descobridor do inseto conhecido como órgãos
excretores Malpighi túbulos.
O italiano Antonio Vallisneri naturalista publica Dialoghi will sopra
1696-1700 the curiosa Origine di molti Insetti, no qual ele, com Francesco Redi e
Malpighi, contraria a teoria da geração espontânea de vermes.
Século 18

No século 18 três tipos de textos entomológicos apareceram.

Em primeiro lugar, houve obras ilustrativas - mostrando insetos frequentemente belos e


coloridos. Um exemplo é a obra Metamorphosis Insectorum Surinamenis (1705) de Maria von
Merian.
Insetos, entomologia e ciências forenses 21

Continuação Histórico
Em segundo lugar foi descritiva e sistemática (classificatória). Uma segunda forma da Systema
Naturae de Carl Von Linné ou Carolus Linnaeus foi publicada (1758).

Em terceiro lugar trabalhos envolvendo desenvolvimento biológico (ciclos), anatomia interna,


fisiologia e assim por diante. Um exemplo é René Antoine Ferchault de Réaumur’s Mémoires
pour Servir a L’Historie des Insectes.
O inseto mais antigo alfinetado, uma borboleta da espécie Pontia daplidice
1702
preservada no museu da Universidade de Oxford.
John Ray publica Historia insectorum. Primeiro trabalho se preocupando
1710
com a classificação sistemática das espécies de insetos.
O cientista francês René Antoine Ferchault de Réaumur publica a primeira
Mémoires pour Servir à L’Histoire des Insectes, considerada as bases da
1734
moderna entomologia, e uma das mais importantes obras zoológicas do
século 18.
O entomologista dinamarquês Johann Christian Fabricius (1745–1808)
1745
nasce. Fabricius trabalhou com todas as espécies de insetos.
Publicação da décima edição da Systema Naturae de Carolus Linnaeus.
Exploradores trazidos de volta à Europa, com inúmeras plantas e animais
exóticos que coletaram. Tentando identificar, classificar e comunicar o que
tinham recolhido. Linnaeus fez uma grande contribuição à ciência, através
1758 do desenvolvimento de sistemas de classificação e nomenclatura para
organizar esses processos. Seus princípios de organização, especialmente
seu sistema de nomenclatura binomial, desde ferramentas essenciais para
a entomologia. A décima edição (1758-59) foi escolhida como o ponto de
partida para a nomenclatura zoológica.
O entomologista alemão e naturalista Christian Rudolph Wilhelm
1770-1840
Wiedemann nasce. Foi um especialista em Diptera.
1780 Formação da Society of Entomologists of London.
Fundação da Linnean Society of London. A sociedade publicou grandes
1788
trabalhos de entomologia.
Século 19

Desde o início do século, no entanto, diversos especialistas começaram a aparecer, surgindo


diversos estudos como uma nova classificação de Diptera (Nouvelle classification des
mouches à deux aile) por Johann Wilhelm. Inicialmente, houve descrições de espécies e,
em seguida, especialistas na identificação destas espécies, além de estudos e especialistas
em taxonomia. No entanto, existia um considerável grau de sobreposição nos estudos e
identificações.
O número de espécies de insetos descritas foi estimado e não excedia 20000.
O entomologista e zoólogo alemão, Johann Karl Wilhelm Illiger editou uma
1801
revista dinsetos Magazin für Insectenkundeor (último exemplar em 1856),
sendo a primeiro periódico do gênero.
Johan Christian Fabricius Systema eleutheratorum iniciou uma série
1806 de trabalhos sucessivos que Johann Christian Fabricius desenvolveu
classificando os insetos baseando-se no aparato bucal.
1832 Fundada a Société Entomologique de France em Paris.
1834 Fundação da Entomological Society of London.
22 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Continuação Histórico
O livro “Origem das Espécies” de Charles Darwin publicado, mudando a
1859
forma de ver o mundo por cientistas.
Fundada a Entomological Society de Philadelphia, a qual mudou seu nome
1859
para American Entomological Society.
1863 Fundada a Entomological Society do Canadá.
1869 Fundada La Società Entomologica Italiana.
1886 Fundada a Deutsches Entomologisches Institut na Alemanha.
1889 Fundada The Entomological Society of America (ESA).
Século 20
Ronald Ross recebeu o Prêmio Nobel Prize de Medicine pela descoberta da
1902
transmissão da malária por um mosquito.
1955 Início do programa para erradicação da malária.
Código genético descoberto. DNA descoberto por Friedrich Miescher em
1868, reconhecido como o portador da informação genética em 1943 e a
1961-1965
estrutura de dupla hélice por Rosalind Franklin, em 1952. Isto leva a uma
revisão radical da maior taxonomia do Insecta.
Karl von Frisch recebe o Prêmio Nobel pelo trabalho pioneiro com
1973
comportamento social em insetos.
Entomologia continua crescendo e se tornando um dos mais complexos campos da biologia,
envolvendo diversas disciplinas e metodologias de estudos.

3. O filo arthropoda
Caracteres Principais de Arthropoda. O Filo Arthropoda representa
o grupo de animais mais numeroso entre todos os filos de animais. Tal di-
versidade adaptativa permitiu-lhes sobreviver em praticamente todos os ti-
pos de habitats, representando, talvez, o grupo de animais que obteve maior
êxito no ambiente terrestre. Os artrópodes, como os anelídeos, são animais
segmentados ou metamerizados. Existe uma tendência para a redução ou fu-
são no número de segmentos dentro de muitos grupos de artrópodes, sendo
este processo conhecido como tagmose. Tal processo originou as diferentes
partes ou tagmas corpóreos (p. ex. cabeça, tórax ou cefalotórax e abdômen)
característicos dos artrópodes. Nos ácaros, por exemplo, a segmentação quase
desapareceu. Outras características deste grupo de animais são: a presença
de um cérebro anterior dorsal e cordão nervoso ganglionar ventral, cliva-
gem determinada espiral, presença de apêndices articulados e a presença de
um exoesqueleto de quitina, um polissacarídeo insolúvel e córneo. A classe
Insecta (tradicionalmente utilizada como sinônimo de Hexapoda) pertence ao
Filo Arthropoda, sendo que as características principais deste Filo podem ser
vistas na Figura 1.
Insetos, entomologia e ciências forenses 23

Figura 1. Caracteres do filo Arthropoda. Ilustrado e fotografado por Guilherme


Gomes.

Classificação e Evolução dos Arthropoda. Existem diferentes opiniões


a respeito das relações filogenéticas entre os vários grupos de artrópodes e do
nível taxonômico em que devem ser incluídos. O principal problema a cerca
das origens e relações entre os artrópodes é a existência de um registro fóssil
escasso e incompleto. As condições ideais para a fossilização na crosta terres-
tre somente ocorreram no período Cambriano (+/- há 600 milhões de anos) e
antes desse período os artrópodes já haviam passado por uma ampla radiação
adaptativa. Um número considerável de arranjos e disposições taxonômicas foi
proposto por alguns autores. Vários pesquisadores acreditam que os artrópo-
des representam um grupo monofilético, principalmente baseados nas inúme-
ras estruturas que tais grupos têm em comum. Outros preferem uma aborda-
gem polifilética, assumindo que todas as características em comum entre os
grupos de artrópodes são convergências adaptativas resultado da evolução do
exoesqueleto rígido. Tais autores afirmam que o processo de artropodização
poderia ter ocorrido diversas vezes ao longo da evolução e todos os grupos
teriam evoluído a partir de ancestrais independentes. Apesar de discussões fer-
vorosas a respeito das origens dos artrópodes, atualmente a teoria monofilética
parece ser mais aceita.
Uma teoria bastante aceita durante o século 19 é que os Onychophora,
Myriapoda e Hexapoda formariam um clado natural denominado Unirra-
mia, entretanto, evidências recentes indicam que as semelhanças entre os
Onychophora e os outros dois grupos são devido a convergências adapta-
tivas. Além disso, atualmente os Myriapoda têm sido posicionados mais
proximamente aos quelicerados, e os Hexapoda aos crustáceos. Dessa forma
o clado Unirramia é altamente questionável e seu uso literário deveria ser
evitado.
24 Entomologia Forense
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Triplehorn e Johnson (2005) arranjaram os artrópodes em 4 grandes


subfilos: Trilobita, Chelicerata, Crustacea, e Atelocerata. O subfilo Atelocerata
é constituído de cinco classes: Diplopoda, Chilopoda, Pauropoda, Symphyla,
e Hexapoda (Insecta).

4. A classe hexapoda
Características Principais da Classe Hexapoda. A classe Hexapoda
é tipicamente utilizada para designar os artrópodes com 3 pares de pernas.
Cinco grupos de hexápodes são reconhecidos: Collembola, Protura, Diplura
e Thysanura, sendo que tais grupos são ápteros (Apterygota) e os insetos ala-
dos (Pterygota). Embora a classe Hexapoda seja subdividida nas subclasses
Apterygota e Pterygota, tradicionalmente todos os hexápodos são denominados
insetos, embora haja muita discussão a cerca desta questão.
As principais características da classe Hexapoda são (Wheeler et al.,
2001): (1) presença de uma placa maxilar; (2) corpo dividido em três partes
distintas ou tagmata – cabeça, tórax e abdômen; (3) tórax com 3 pares de per-
nas; (4) pernas compostas por 6 segmentos; (5) abdômen constituído por 11
segmentos; (6) “joelho” formado por uma junção fêmur-tibial; (7) segundo
par de maxilas fundidas formando um lábio; (8) desenvolvimento epimórfi-
co; (9) omatídios com dois tipos de células pigmentares; (10) presença de um
trocantim; (11) presença de arólios. Muitas dessas características são comuns
à maioria dos Hexapoda, embora, alguns autores acreditem que algumas es-
pécies tenham perdido tais características secundariamente. Baseada em tais
caracteres a Figura 2 permite uma rápida identificação e reconhecimento dos
Hexapoda.

Figura 2. Caracteres para uma rápida identificação de um Hexapoda (Inseto). Fo-


tografado e ilustrado por Guilherme Gomes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 25

Classificação e Filogenia dos Hexapoda. A classificação, a história


evolutiva dos Hexapoda e a formulação de hipóteses que ilustrem suas re-
lações filogenéticas há bastante tempo têm sido alvo de diversos estudos.
Estudos comparativos entre as características encontradas em fósseis e em
espécies atuais são a base para tais trabalhos. A diversidade encontrada nos
Hexapoda, entretanto, traz um sério problema aos especialistas que estu-
dam suas relações filogenéticas, uma vez que se torna difícil estabelecer
homologias entre o impressionante número de espécies encontradas neste
grupo.
A Classe Hexapoda (=Insecta) é tipicamente subdividida nas subclas-
ses Apterygota e Pterygota. Os apterigotos incluem as ordens Collembola,
Protura, Diplura e Thysanura, representadas pelos hexápodes ápteros. Em-
bora recentes estudos indiquem que a classe Hexapoda seja monofilética,
não há ainda um consenso sobre a natureza das relações entre os hexá-
podos, de forma que apenas os tisanuros (atualmente arranjados em duas
ordens – Microcoryphia e Zygentoma) parecem ser mais aparentados aos
Pterygota.
Desta forma, as ordens Collembola, Protura e Diplura são comumente
agrupadas no táxon Entognatha, pelo fato de suas peças bucais permane-
cerem no interior de expansões ventrolaterais da cabeça. Além disso, ou-
tras sinapomorfias são utilizadas para sustentar a origem monofilética dos
Entognatha: (1) mandíbulas protrusíveis; (2) túbulos de Malpighi reduzidos
e (3) olhos compostos reduzidos ou ausentes. Outros autores não admitem a
condição monofilética dos Entognatha e incluem os Collembola e os Protura
como grupos irmãos dentro de um táxon denominado Ellipura, apesar de es-
tudos cladísticos recentes rejeitarem esta hipótese. A posição filogenética dos
Diplura é também incerta, mas provavelmente este grupo não seja monofilé-
tico. Alguns autores incluem os dipluros dentro da mesma ordem que os Ti-
sanuros, como um grupo irmão aos Tisanuros + Pterygota ou dentro de uma
própria classe. Fica evidente, portanto, que as relações entre os hexápodes
são bastante controversas o que gera duas grandes linhas de pensamento: (1)
uma que admite os Collembola, Protura e Diplura como ordens de insetos, e
desta forma o termo Hexapoda torna-se sinônimo de Insecta; (2) e outra que
trata tais grupos como classes separadas de Insecta (“Insetos verdadeiros”).
Para exemplificar tais relações a Figura 3 ilustra a filogenia dos Hexapoda
proposta por Wheeler et al. (2001) baseada na combinação de caracteres mor-
fológicos e moleculares.
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Figura 3. Cladograma da ordem Hexapoda. Ilustrado por Guilherme Gomes (Ba-


seado em Wheeler et al., 2001)

5. Insetos: diversidade e evolução

A palavra inseto é derivada do Latim “insecure, insecta, animale insectum” e


significa “cortar em partes, animal segmentado” (do grego έντομον) referindo-
se ao fato de que os corpos dos insetos são divididos por uma constrição no pes-
Insetos, entomologia e ciências forenses 27

coço ou na cintura. Como já dito anteriormente, as relações filogenéticas entre os


hexápodos permanecem ainda controversas e tipicamente o termo “Hexapoda”
é utilizado como sinônimo para “Insecta”, agrupando uma extraordinária diver-
sidade de animais denominados insetos. Outros artrópodes terrestres, tais como
centípedes, milípedes, escorpiões e aranhas, são muitas vezes confundidos com
os insetos, uma vez que seus corpos seguem basicamente o mesmo padrão de
construção e também possuem um exoesqueleto articulado, característica com-
partilhada por todos os artrópodes. Entretanto, uma análise um pouco mais
criteriosa permite visualizar diferenças significativas entre tais artrópodes e os
insetos, tais como a ausência de asas, a presença de mais de um par de antenas
e presença de mais de 3 pares de pernas.
Atualmente, os insetos representam o grupo de animais dominantes na
Terra, e centenas de milhares de espécies já foram descritas (mais que todos
os outros grupos de animais somados), ocorrendo em quase todos os tipos de
habitats. Alguns pesquisadores acreditam que o número total de espécies de
insetos possa aproximar-se de 30 milhões (Figura 4). Por exemplo, a somatória
de todas as espécies de besouros (Ordem Coleoptera) já descritas supera o total
de espécies de plantas conhecidas atualmente. Para se ter uma ideia de como é
notável a diversidade deste grupo de animais, a simples análise de um pequeno
quintal de uma casa pode revelar a presença de centenas de espécies distintas de
insetos. Os insetos são também extremamente abundantes, por exemplo, acredi-
ta-se que 1/3 da biomassa da Floresta Amazônica seja composta por formigas e
cupins. Dentre todos os grupos de animais existentes, somente os artrópodes e
os cordatos obtiveram sucesso adaptativo no ambiente terrestre.

Figura 4. Número relativo de espécies de artrópodes, outros animais e plantas.


Ilustrado por Guilherme Gomes.
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Estima-se, através do estudo de registros fósseis, que os insetos te-


nham surgido na Terra há cerca de 350 milhões de anos (Figura 5). Durante
este tempo, os insetos evoluíram de diferentes maneiras e adaptaram-se a
quase todos os tipos de habitats, representando atualmente o grupo de ani-
mais mais diverso e abundante. Cerca de metade de todos os organismos
vivos conhecidos na Terra são insetos, sendo que eles representam ¾ do total
de animais conhecidos. Estudos de fósseis encontrados na Colúmbia Britâ-
nica (fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá) indicaram a presença de
cerca de 23 tipos de segmentação ou tagmoses distintos. Atualmente, apenas
cinco tagmoses persistem, indicando que o período entre 550 e 300 milhão
de anos foi um momento de grande diversidade e “experimentação” da vida
animal na Terra.

Idade aproximada em milhões de anos

Figura 5. Linha do tempo dos insetos e o surgimento do homem na terra a aproxi-


madamente dois milhões de anos atrás. Ilustrado por Guilherme Gomes.

Os insetos podem ser encontrados em quase todos os tipos de habitats,


com exceção do habitat marinho onde os crustáceos tendem a ser predomi-
nantes, em regiões polares extremas e em picos de elevadas montanhas. O
sucesso da colonização dos insetos nos diversos habitats resultou em uma
grande diversidade de espécies e em uma grande radiação adaptativa. Entre
outros, fatores a presença de asas e a evolução do voo foram preponderantes
para o grande sucesso adaptativo dos insetos, pois permitiu um mecanismo
de dispersão eficiente, a fuga de predadores, o acesso a diferentes fontes ali-
mentares, a migração para locais com melhores condições ambientais e au-
mentou o fluxo gênico entre populações, uma vez que facilitou a busca por
parceiros sexuais. Os insetos foram os primeiros animais a desenvolver a ca-
pacidade de voo.
Os insetos prestam importantes serviços ambientais. Cerca de 2/3 de
todas as angiospermas dependem de insetos para a polinização, e aproxima-
damente 1/3 dos vegetais utilizados na alimentação humana são polinizados
por insetos. De fato, a evolução das angiospermas esta intimamente ligada aos
insetos polinizadores. Além da polinização os insetos são importantes disper-
sores de sementes e participam do controle populacional de certas espécies
de plantas através da herbivoria, entretanto, outros insetos podem ser pragas
florestais. No que tange a saúde pública, os insetos podem ser um motivo de
Insetos, entomologia e ciências forenses 29

preocupação, uma vez que são vetores de diversas doenças. Alguns exemplos
são os mosquitos transmissores da malária, elefantíase, dengue e a febre ama-
rela; a mosca tsé-tsé que transmite doença do sono; piolhos vetores do tifo e
da febre recorrente; pulgas que podem transmitir a peste bubônica e a mosca-
doméstica que pode ser vetor da febre tifóide ou de disenterias entre outros.
As relações entre insetos e o homem serão mais detalhadamente abordadas no
capítulo 2.

Evolução dos Insetos. Muitos insetos dos quais conhecemos atualmente


foram extensivamente estudados para se obter mais informações a respeito de
sua diversidade e evolução. Entretanto, a relação dos insetos com outros grupos
de animais permanece incerta. Embora os insetos sejam tradicionalmente agru-
pados junto aos milípedes e às centopeias, recentes evidências sugerem maior
relacionamento evolutivo entre eles e os crustáceos. Segundo a teoria Pancrus-
tacea, os insetos pertencentes ao grupo dos Remipedia e dos Malacostraca for-
mando um clado natural.
Apesar de limitados, os registros fósseis disponíveis indicam que os
primeiros insetos eram ápteros e similares aos Thysanuros, tais formas sur-
giram durante o Siluriano e o Devoniano. Apesar de alguns fragmentos fós-
seis do Devoniano ainda permanecerem incertos e desafiadores, os primei-
ros registros fósseis de insetos foram encontrados no final do período Car-
bonífero, início da Idade Bashkiriana, a cerca de 350 milhões de anos atrás.
Em tal período geológico os insetos já eram bastante diversos e altamente
especializados, com o registro fóssil indicando a presença de uma dúzia de
ordens. Portanto, os primeiros insetos alados surgiram, provavelmente, no
início do Carbonífero, ou até mesmo durante o período Devoniano. Muito
acerca da origem e evolução dos primeiros insetos ainda é desconhecido e
estudos que visam descobrir os primeiros ancestrais dos insetos são neces-
sários.
As ordens encontradas nos registros fósseis do final do Carbonífe-
ro e do início do Permiano incluem ordens atualmente viventes e algumas
formas Paleozóicas extintas. Durante esta Era, foi marcante a presença de
libélulas gigantescas, com cerca de 55 a 70cm de envergadura alar, com cer-
teza os maiores insetos já viventes. Da mesma forma, suas ninfas podiam
atingir tamanhos impressionantes. Tal gigantismo pode ter sido modulado
pelo alto teor de oxigênio atmosférico da época, permitindo um aumento
da eficiência respiratória destes insetos e pela ausência de vertebrados voa-
dores. A maioria das ordens atuais teve sua irradiação evolutiva durante o
Permiano que se iniciou a cerca de 270 milhões de anos. Durante a extinção
em massa, ocorrida no Permiano-Triássico a cerca de 252 milhões de anos,
muitas formas de insetos deixaram de existir. A maior irradiação evolutiva
dos Hymenoptera, por exemplo, iniciou-se no Cretáceo e atingiu sua máxi-
ma diversidade mais recentemente, no Cenozóico. Um grande número de
insetos, como abelhas e borboletas, coevoluíram juntamente com as plantas
superiores (Angiospermas).
30 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Muitos gêneros de insetos se desenvolveram durante o Cenozóico, sen-


do que várias espécies foram preservadas em âmbar, na maioria das vezes
em perfeitas condições. Tais espécies são facilmente comparadas às espécies
mais recentes. O estudo de insetos fósseis é o objetivo da Paleoentomologia.
As Figuras 6 e 7 representam a linha do tempo dos registros fósseis dos in-
setos.

Figura 6. Linha do tempo dos fósseis, das ordens de insetos. (Ilustrado por Gui-
lherme Gomes).
Insetos, entomologia e ciências forenses 31

Figura 7. Linha do tempo dos fósseis, das ordens de insetos. (Ilustrado por Gui-
lherme Gomes).

Sistemática e Filogenética dos Insetos. A classe Insecta (Hexapoda) his-


toricamente foi subdividida em ordens, principalmente com base na estrutura
das asas, das peças bucais e do tipo de metamorfose. Há cerca de 25 a 30 ordens
de insetos pterigotos atuais e 10 ordens contendo apenas espécies fósseis. Dados
acerca dos registros fósseis aliados a matrizes morfológicas e moleculares têm
sido utilizados em análises cladísticas na tentativa de traçar um perfil filogenéti-
32 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

co satisfatório entre as diversas ordens de insetos. Contudo, modificações secun-


dárias de espécies já extintas podem mascarar caracteres apomórficos do ances-
tral e amostragens insuficientes podem influenciar negativamente os resultados
das análises moleculares. Além disso, o registro fóssil é escasso e incompleto,
especialmente no Devoniano e no Carbonífero Inferior, períodos onde ocorreu a
maior radiação adaptativa dos insetos e erros na identificação de fósseis podem
levar a conclusões incorretas sobre a filogenia dos insetos.
Acredita-se que os Paleoptera e os Neoptera formem um agrupamento
monofilético que se originou no Devoniano Médio. Entretanto, a reanálise de
fósseis do Devoniano Inferior, anteriormente identificados como Collembola,
sugere que os insetos alados surgiram há cerca de 80 milhões de anos antes do
que se pensava. Alguns autores discordam da condição monofilética de Paleop-
tera e Neoptera e sugerem que tais grupos seriam parafiléticos.
Em relação aos Paleoptera duas grandes linhagens evolutivas surgiram:
uma que levou a formação dos paleodictyopteróides já extintos (Paleodictyoptera,
Diaphanopterodea, Megasecoptera e Permothemistida) e outra que corresponde
aos paleópteros atuais (Ephemeroptera + Odonata).
Os Neoptera são caracterizados pelos insetos que quando em repou-
so dobram suas asas longitudinalmente. Duas linhas de pensamento existem
no que se refere a filogenia dos Neoptera. Alguns autores acreditam que logo
após a separação entre os Neoptera e os Paleoptera três linhagens surgiram:
Polyneoptera (plecopteróides, ortópteroides e blatóides), Paraneoptera (ordens
hemipteróides) e Oligoneoptera (endopterigotos). Em uma variante desta abor-
dagem os Neoptera e os Paleoptera também formam um grupo monofilético,
entretanto, os Neoptera podem representar um grupo polifilético. Em tal cená-
rio os três grupos que originaram as ordens de neópteros atuais se originaram
independentemente, e a consequência imediata é que a característica de dobrar
as asas longitudinalmente deve ter ocorrido separadamente três vezes durante
a evolução.
A outra linha de pensamento propõe a existência de duas linhagens evolu-
tivas dentro dos Neoptera: os Pliconeoptera (que corresponde aos Polyneoptera
excluindo-se os plecopteróides e Zoraptera) e os Planoneoptera (que incluem os
Paraneoptera, Oligoneoptera, plecopteróides e Zoraptera).

Sucesso Evolutivo das Asas e Evolução do Voo: Dispersão e Coloniza-


ção de Novos Habitats. As origens do voo nos insetos permanecem incertas,
uma vez que os primeiros insetos alados conhecidos pareciam apresentar gran-
de capacidade de voo. Entretanto, há um consenso entre os estudiosos a cerca da
origem monofilética das asas, ou seja, elas teriam surgido a partir de um único
grupo ancestral de apterigotos. Apesar deste consenso, existe grande divergên-
cia em relação a outras questões a respeito da evolução das asas, tais como: (1)
as asas primitivas eram articuladas ou fundidas ao tórax; (2) quais as posições
das asas primitivas em relação ao tórax e qual a condição original em relação
ao número de pares de asas; (3) as funções originais das asas primitivas; (4) as
pressões seletivas que levaram ao desenvolvimento das formas alares atuais e
(5) a história natural desses insetos ancestrais.
Insetos, entomologia e ciências forenses 33

Embora várias teorias a respeito das origens e evolução das asas tenham
sido formuladas, a mais bem aceita é a Teoria Paranotal, sendo tal teoria base-
ada em três evidências principais: (1) a presença de brotos alares em larvas de
insetos exopterigotos (a ontogenia recapitula a filogenia); (2) a ocorrência desses
brotos tanto em fósseis de insetos apterigotos como de pterigotos e (3) homolo-
gia entre os brotos alares e expansões laterais abdominais, ambos com conexões
rígidas com o tergo e internamente conectados à hemolinfa. Essencialmente,
esta teoria sugere que as asas teriam surgido a partir do crescimento expansões
externas rígidas associadas aos paranotos, localizadas lateralmente aos tergos
torácicos, que posteriormente tornaram-se largas e articuladas ao tórax. A fun-
ção original do crescimento dos lobos paranotais seria talvez a de prover uma
proteção às pernas e aos espiráculos. Apesar da presença de três pares de asas
ser considerada a condição ideal para um maior controle da altitude, dois pares
de asas são suficientes para garantir a maior eficiência durante o voo e de fato,
nos insetos atuais, asas completamente desenvolvidas estão presentes apenas
nos segmentos meso e metatóracicos. Tal característica permite que o protórax
assuma outras funções, como proteger o frágil pescoço membranoso e servir
como base para a inserção da musculatura que controla o movimento da cabeça.
Inegavelmente a evolução das asas está diretamente relacionada ao gran-
de sucesso evolutivo alcançado pelos insetos, pois facilitou a dispersão, e, con-
sequentemente, a colonização de novos habitats. As asas também facilitaram a
busca por parceiros durante o processo reprodutivo e a recombinação gênica,
uma vez que indivíduos de populações distantes podiam encontrar-se mais fa-
cilmente.

Evolução do Estágio Pupal. Embora os membros de muitas ordens atu-


ais tenham mantido a história de vida de seus ancestrais ápteros, na qual é mar-
cante uma passagem gradual do estágio juvenil para o adulto (Paurometabolia,
Hemimetabolia), em outras ordens a história de vida evoluiu para um estágio
pupal entre as formas juvenis e o adulto (Holometabolia). A grande vantagem
da presença de um estágio pupal é que o juvenil e o adulto exploram habitats
diferentes, e, consequentemente, evitam a competição por espaço e recursos ali-
mentares. De fato, o desenvolvimento de um estágio pupal foi o maior responsá-
vel pelo sucesso evolutivo e pela grande diversidade dos endopterigotos. Muitas
teorias têm sido formuladas a respeito da origem do estágio pupal.
A teoria de Hinton é uma das mais atrativas devido a sua simplicida-
de. Esta teoria fornece uma explicação simples e funcional para a evolução
do estágio pupal. Na teoria de Hinton, a pupa é homologa ao último instar
do estágio de ninfa dos exopterigotos, e desta forma, os termos larvas e nin-
fas são utilizados como sinônimos. Hinton propôs que durante a evolução
dos endopterigotos o último estágio juvenil (com asas já externas ao corpo)
foi mantido para completar a ligação entre os estágios juvenis iniciais (larva
com asas internas) e os adultos, dado a semelhança entre pupas e adultos de
endopterigotos atuais. Inicialmente, a pupa seria semelhante aos primeiros
instares juvenis (da mesma forma que os últimos estágios ninfais dos exop-
terigotos atuais são semelhantes aos adultos e aos instares iniciais). Uma vez
34 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

que esta condição intermediária foi estabelecida, torna-se relativamente sim-


ples visualizar um cenário com os estágios juvenis iniciais se tornando cada
vez mais especializados na obtenção de recursos alimentares e em acumular
reservas nutricionais e, consequentemente, tornando-se morfologicamente
distintos da pupa e dos adultos. Ao mesmo tempo a pupa tornou-se mais
especializada, deixando de se alimentar ativamente, tornando-se menos mó-
vel e especializando-se unicamente na metamorfose do estágio juvenil para
a forma adulta.
A respeito do significado funcional do estágio pupal, Hinton sugeriu
que com a evolução da condição endopterigota, ou seja, o desenvolvimento
alar ocorrendo internamente ao corpo, o tórax passou a não mais comportar
as estruturas internas (músculos e outros órgãos) e as estruturas precurso-
ras das asas. Desta forma, a função da muda entre o último instar larval e a
pupa foi a de evaginar as asas. Isto permitiria não apenas um considerável
crescimento alar, mas também, o crescimento dos músculos alares toráci-
cos. Tal crescimento muscular é facilitado, obviamente, pela histólise dos
músculos larvais e histogênese da nova musculatura. A função da última
muda, que origina o adulto, é simplesmente efetuar a liberação das asas do
casulo.
Tal processo proporcionou um rearranjo estrutural corpóreo, e as dife-
renças entre os adultos e os juvenis tenderam a aumentar. Consequentemente,
hábitos diferentes surgiram, suprimindo a competição entre adultos e juvenis
por recursos alimentares, espaço e outros itens. Em muitas espécies as pupas
assumiram uma terceira função, representando um estágio no qual o inseto
pode sobreviver durante condições ambientais adversas, especialmente às bai-
xas temperaturas.

Coevolução. Os insetos representam o primeiro grupo de animais


herbívoros, e atuaram como importantes agentes seletivos de diversas plan-
tas. Muitas plantas desenvolveram mecanismos de defesa à herbivoria, e os
insetos, por sua vez, desenvolveram estratégias para lidar com as toxinas
vegetais. Muitos insetos fizeram uso destas toxinas para se defenderam de
predadores; tais insetos são tóxicos e aposemáticos, apresentando cores in-
tensas de advertência. Tal estratégia de defesa também é utilizada por inse-
tos miméticos.

6. Morfologia, anatomia e fisiologia dos insetos

A morfologia é o estudo da forma das estruturas corpóreas externas, e as


variações nas características morfológicas definem diferentes ordens, famílias,
e gêneros de insetos. A anatomia, por sua vez, está relacionada à morfologia,
contudo, contempla o arranjo das estruturas internas do animal, como músculos
e os diversos órgãos.
A maioria dos insetos varia de 1 a 10 mm de comprimento. A presen-
ça de um pequeno tamanho corpóreo é biologicamente vantajosa, pois, além
possibilitar um menor aporte alimentar para suprir as necessidades nutricio-
Insetos, entomologia e ciências forenses 35

nais do animal também permite um ciclo de vida curto de rápida reprodução.


Como exemplo, pode-se citar os afídeos, que podem apresentar até 30 gerações
por ano e a mariposa Malaia Plutella xylostella (mariposa Diamante Negro) com
até 15 gerações em um ano. Um grande problema para a agricultura é resul-
tado da rápida evolução de alguns insetos pragas tropicais, sendo que o uso
indiscriminado de inseticidas em plantações vem cada vez mais selecionando
linhagens resistentes aos inseticidas mais comuns. Alguns insetos minúsculos
são menores que até mesmo certos protozoários, enquanto outros insetos são
maiores que pequenos mamíferos. Insetos com tamanho corpóreo moderado
apresentam um comprimento corporal que varia de 0,5 até 2cm. Os insetos, de
forma geral, são mais ou menos alongados, cilíndricos e bilateralmente simé-
tricos.
O corpo de todos os insetos é divido em uma série de segmentos co-
nhecidos como metâmeros, e estas estruturas são agrupadas em três regiões
distintas (tagmata) – a cabeça, tórax e abdômen (Figura 8). Os insetos são os
únicos animais que apresentam 3 pares de pernas, sendo estas articuladas ao
tórax.

Figura 8. Divisão do corpo dos insetos. Três regiões distintas, ou tagmata: cabeça,
tórax e abdômen. Coleoptera: Cerambycidae. Ilustrado e fotografado
por Guilherme Gomes.

A maioria dos insetos possui dois pares de asas, os quais também estão
anexados ao tórax, sendo a maior exceção a esta regra as moscas, que apre-
sentam o segundo par de asas muito reduzido e modificado em pequenos
apêndices denominados halteres. A função de tais apêndices é proporcionar
maior estabilidade durante o voo. Os insetos são os únicos invertebrados com
habilidade de voo, e tal característica foi fundamental para o sucesso evo-
lutivo deste grupo. O padrão de voo dos insetos ainda não é muito bem en-
tendido, principalmente no que diz respeito aos efeitos da turbulência sobre
36 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

o voo destes animais. Nos grupos de insetos mais primitivos os músculos


atuam diretamente na estrutura alar. Já nos grupos mais avançados, como os
Neuroptera, as asas são dobráveis e movimentadas indiretamente, através da
contração de músculos inseridos no tórax do animal. Tais músculos são ca-
pazes de se contrair sem que haja impulsos nervosos, permitindo que as asas
batam mais rapidamente.
Como dito anteriormente o plano corpóreo dos insetos é divido em
cabeça, tórax e abdômen e tais regiões podem, apresentar diversas modi-
ficações ou especializações específicas. A função primária da cabeça e de
seus apêndices é a percepção sensorial, integração neural e busca por ali-
mento. O tórax é um tagma locomotor onde se articulam as pernas e asas.
A maioria dos órgãos dos insetos está acomodada no interior do abdômen,
incluindo os sistemas digestório, excretor e reprodutivo. Os apêndices ab-
dominais foram perdidos, com exceção daqueles modificados para formar
a genitália, contudo, nos Apterygota alguns apêndices pré-genitais foram
mantidos.
Tipicamente os insetos possuem 3 pares de pernas, um par em cada
segmento torácico. O nome alternativo usado para definir os insetos – hexa-
podes – deriva deste arranjo corporal, embora nem todos os hexapodes sejam
insetos. Os insetos e outros artrópodes apresentam típico plano de segmen-
tação, sendo sua principal característica um exoesqueleto rígido e articulável.
A cutícula que forma o exoesqueleto é contínua ao longo de toda a superfície
externa do corpo e consiste de uma série de placas rígidas denominadas os
escleritos, tais estruturas permanecem conectados uns aos outros através de
membranas flexíveis, que também tem origem cuticular. Algumas vezes, os
escleritos são diretamente articulados entre si, permitindo que as placas se
movimentem com maior precisão. Primitivamente, cada segmento corpóreo
possui um esclerito dorsal, denominado de tergo, articulado a um escleri-
to ventral, o esterno, através de áreas membranosas laterais, as pleuras. Os
apêndices articulam-se em ambos os lados do corpo, através da região ester-
nopleural.
O esqueleto externo dos insetos é formado por três camadas princi-
pais: a epicutícula, uma camada fina e impermeável constituída por qui-
tina e duas outras camadas quitimosas, porém, muito mais delgadas, a
exocutícula (mais externa) e a endocutícula (mais interna). Apesar de re-
sistente a endocutícula é flexível, formada basicamente por fibras de qui-
tinas embebidas em uma matriz protéica, enquanto que a exocutícula é
esclerotizada.
Insetos, entomologia e ciências forenses 37

Figura 9. Anatomia dos insetos. Ilustrado por Guilherme Gomes.

Os insetos respiram através de traqueias, que se abrem lateralmente ao


tórax e abdômen. Tais aberturas são denominadas espiráculos, e levam a um
complexo e eficiente sistema de túbulos respiratórios denominados traqueias
(Figura 9). O ar entra no corpo do inseto através dos espiráculos e atinge os
tecidos internos via uma rede de ramificações do sistema traqueal. Em ge-
ral, encontra-se um par de espiráculos por segmento. Mais de 8 segmentos
abdominais podem portar os espiráculos, enquanto que no tórax, eles estão
geralmente restritos ao meso e metatórax. Há uma tendência em determinados
grupos de insetos de apresentarem uma redução no número de espiráculos.
Nas moscas-das-flores (Diptera: Syrphidae), por exemplo, os espiráculos abdo-
minais desapareceram completamente. Há um limite físico em relação à pres-
são máxima que os espiráculos podem suportar sem se colapsarem, mesmo
sendo reforçadas por bandas de quitina. Tal característica das traqueias está
diretamente relacionada ao fato de os insetos serem relativamente pequenos.
A abertura e o fechamento dos espiráculos ocorrem através de válvulas con-
troladas por músculos, conferindo ao inseto uma proteção contra o afogamen-
to e à dissecação. Os espiráculos frequentemente possuem pelos, que auxiliam
na filtragem do ar.
Alguns insetos, como os Chironomidae (Diptera: Nematocera), possuem
pigmentos respiratórios, tal como a hemoglobina, durante seu desenvolvimento
larval. Neste caso as traqueias são geralmente reduzidas, uma vez que o a absor-
ção de oxigênio ocorre diretamente da água para o corpo do inseto, permitindo
38 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

que sobrevivam em pequenas poças d´água, onde o teor de oxigênio é baixo.


Entretanto, de maneira geral, os insetos não possuem pigmentos respiratórios.
Em certos tipos de insetos aquáticos, os três primeiros pares de espirácu-
los são cobertos por uma membrana sensível à pressão, que ajuda na percepção
de seu posicionamento na água. O último espiráculo abdominal e traqueias as-
sociadas de algumas lagartas de lepidópteros formam um “pulmão traqueal”
adaptado para trocas gasosas hemocitárias. Neste sistema, pequenas traquéolas
terminam em nós, não irrigando diretamente nenhum tecido celular e assim,
levando o oxigênio primeiramente até os hemócitos antes de difundir-se pelos
tecidos.
Um tecido difuso, conhecido como corpo gorduroso, é encontrado nas
cavidades abdominais de alguns insetos. Acredita-se que tal tecido seja impor-
tante no armazenamento de energia e também em processos metabólicos, fun-
cionando como um fígado nos insetos.
O sistema circulatório dos insetos, assim como de todos os outros artró-
podes, é do tipo aberto. O coração nada mais é que um tubo muscular dorsal
perfurado, que bombeia a hemolinfa para as cavidades que circundam órgãos
internos, tais cavidades são também conhecidas como hemocele. Quando o co-
ração está relaxado a hemolinfa flui na direção do coração (Fig. 10).
Assim como em outros invertebrados, os insetos não são capazes de sinte-
tizar o colesterol, tal substância é obtida através da dieta. Salvo algumas poucas
exceções, os insetos também obtêm ácidos graxos de cadeia longa a partir de
suas dietas. A falta desses ácidos graxos pode afetar o desenvolvimento, causan-
do atrasos na maturação dos indivíduos e deformações.

Esqueleto Externo. Além de sustentar e proteger o corpo, o esqueleto dos


animais transfere as forças geradas pela contração dos músculos efetivando a
movimentação dos membros. Uma das mais importantes características dos ar-
trópodes é o desenvolvimento de um esqueleto formado por placas externas
rígidas denominadas escleritos. Uma vez que os escleritos são voltados externa-
mente ao corpo dos artrópodes, esse sistema recebeu o nome de exoesqueleto.
Entretanto, os artrópodes também apresentam um extenso endoesqueleto, for-
mado por projeções tegumentares (apódemas) onde são inseridos diversos mús-
culos. A natureza rígida e impermeável da parede corporal externa dos insetos
influencia o fluxo de entrada e saída de água e oxigênio no animal.
O tegumento dos insetos é constituído por 3 camadas principais: uma
camada mais interna e celular (a epiderme), uma delgada lâmina basal acelular,
e uma cutícula externa acelular. A presença desta cutícula é uma importante
característica dos artrópodes, sendo responsável, em grande parte, pelo sucesso
dos insetos no ambiente terrestre. A cutícula é uma camada quimicamente com-
plexa, sua estrutura pode variar entre as diferentes espécies e até mesmo entre
diferentes partes corpóreas de um mesmo inseto. Esta cutícula é composta por
cadeias de quitina (polissacarídeo) envoltas por uma matriz protéica. Apesar de
a quitina ser uma substância naturalmente resistente, a rigidez da cutícula deve-
se, principalmente, a modificações da matriz protéica na qual estão embebidas
as microfibrilas de quitina.
Insetos, entomologia e ciências forenses 39

Cabeça (Antenas e Peças Bucais). A cabeça dos insetos é composta por


numerosos escleritos fundidos entre si, e tal arranjo proporciona a formação
de uma cápsula rígida, esclerotizada e articulada ao tórax através de um frágil
e membranoso pescoço (Figura 10). Na cabeça são encontradas as peças bucais
(representadas pelo labro, mandíbulas, maxilas e lábio) e importantes órgãos
sensoriais (antenas, olhos compostos e ocelos). A cabeça é marcada pela presen-
ça de sulcos ou suturas externas, que geralmente indicam a presença de cristas
internas, tais estruturas podem se estender profundamente no interior da cabe-
ça, fundindo-se entre si para formar o esqueleto interno. Tais inflexões atuam
no fortalecimento estrutural da cabeça, na proteção do cérebro e do intestino
anterior e servem como áreas para a inserção de músculos. Na cabeça localiza-se
o cérebro, do qual se estende, ao longo de toda a extensão corporal através de um
cordão nervoso ganglionar ventral.

Figura 10. Diferentes cabeças ou cápsulas cefálicas de insetos. Fotografado por


Guilherme Gomes.

As peças bucais são estruturas que variam de acordo com os hábitos


alimentares de cada grupo de insetos, em geral, têm grande importância ta-
xonômica. Os insetos se adaptaram a praticamente todos os tipos de dietas. As
modificações observadas no aparato bucal dos insetos são mais relacionadas ao
método pelo qual o alimento é obtido do que ao tipo de dieta. De maneira geral,
as peças bucais dos insetos podem ser classificadas em 2 tipos: (1) Mandibular
– peças bucais adaptadas à mastigação; (2) Haustelar – peças bucais adaptadas
à sucção. Nos insetos que apresentam o tipo mandibular, as mandíbulas são
40 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

adaptadas para morder e mastigar alimentos. As mandíbulas movem-se trans-


versalmente e articulam-se à cápsula cefálica em dois pontos ou côndilos; a mo-
vimentação é proporcionada mediante músculos poderosos. O aparelho bucal
do tipo sugador surge como resultado da transformação de certas peças bucais.
Em tais insetos as peças bucais são modificadas e assumem a forma de uma lon-
ga probóscide sugadora. As mandíbulas nestes insetos são, em geral, alongadas
ou mesmo ausentes.
Ainda na cabeça encontra-se um par de antenas, geralmente entre ou
abaixo dos olhos compostos. As antenas são apêndices segmentados que fun-
cionam como importantes órgãos sensoriais, atuando na recepção de estímulos
tácteis, odoríferos e, em alguns casos, auditivos. As antenas dos insetos variam
consideravelmente em seu tamanho e forma, e por isso, apresentam importância
taxonômica (Figura 11). Em relação à forma as antenas podem ser: setifomes,
filiformes, serreadas, claviformes, plumosas, aristadas, estiladas e pectinadas
(Figura 11).

Figura 11. Antena pectinada de Psygmatocerus wagleri. Coleoptera: Cerambycidae.


Fotografado por Guilherme Gomes.

Tórax (Pernas, Locomoção e Asas). O esqueleto dos segmentos torácicos


dos insetos é modificado para permitir um eficiente suporte para as pernas e
asas, da mesma maneira a musculatura é adaptada para a movimentação de
tais apêndices. O tórax dos insetos é formado por três segmentos – protórax,
mesotórax e o metatórax – cada qual assumindo a forma de uma caixa rígida
composta por quatro resistentes placas denominadas escleritos. O esclerito dor-
sal é denominado de noto, o ventral de esterno e os laterais de pleuras. Na porção
inferior das pleuras de cada segmento articula-se um par de pernas (Figura 12).
As pernas são esclerotizadas e subdivididas em seis segmentos (coxa, trocânter,
fêmur, tíbia, tarsos e pré-tarsos). Em geral, os insetos possuem dois pares de
asas, sendo que o primeiro par está associado ao mesotórax e o segundo par
ao metatórax. Alguns insetos apresentam modificações alares, como ocorre nos
coleópteros, nos quais o primeiro par de asas encontra-se modificado em élitros
e nos dípteros, nos quais o segundo para par de asas modificou-se para formar
os halteres, há ainda insetos que são ápteros.
Insetos, entomologia e ciências forenses 41

Figura 12. Pernas de insetos e algumas adaptações. Família Curculionidae e


Gryllotalpidae. Fotografado por Guilherme Gomes.

As pernas dos insetos, em geral, são adaptadas para andar ou correr, sen-
do que a maioria dos insetos adotou um sistema de trote sustentado em três per-
nas formando um tripé. Esse tripé é sustentado por uma perna anterior e uma
posterior do mesmo lado e por uma perna mediana do lado oposto, enquanto
as outras pernas se movem para frente. Esse sistema garante uma rápida mo-
vimentação e ao mesmo tempo uma grande estabilidade, sendo que tal padrão
de locomoção tem sido extensivamente estudado, principalmente em baratas. A
marcha dos insetos envolve um movimento ondulatório das extremidades, du-
rante o qual a perna posterior entra em contato com o substrato imediatamente
antes ou um pouco depois de levantar-se a perna anterior. Assim, enquanto um
passo eficaz é dado por uma perna em um lado do corpo, o membro homólogo
do lado oposto efetua um movimento de recuperação. Esse movimento alterna-
do das pernas tende a produzir ondulações corpóreas, que são contrabalançadas
por um aumento da rigidez do corpo e pela fusão dos segmentos em que se
articulam as pernas.
Contudo, os insetos mostram grande flexibilidade neste padrão de loco-
moção, sendo que dependendo da situação podem exibir uma grande variedade
de trotes. Quando os insetos se locomovem vagarosamente, viram para esquer-
da ou direita ou evitam obstáculos, quatro ou mais pés podem estar tocando
o substrato. Os insetos ainda podem adaptar seu modo de locomoção frente à
perda de um ou mais membros.
As baratas situam-se entre os insetos mais velozes, sendo que para alcan-
çar a máxima velocidade adotam uma corrida bípede. Ao contrário das baratas,
os bichos-pau (Phasmatodea) locomovem-se mais vagarosamente e também têm
sido alvo de estudos por diversos cientistas interessados nos padrões de locomo-
ção dos insetos. As maneiras pelas quais os insetos se locomovem atrai grande
interesse de cientistas uma vez que podem ser uma forma alternativa muito
eficaz ao uso de rodas por robôs.
42 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Os insetos possuem, geralmente, dois pares de asas localizadas dorso-la-


teralmente (Figura 13). Elas estão inseridas nos segmentos meso (asas anteriores)
e metatorácicos (asas posteriores); este dois segmentos são coletivamente deno-
minados de pterothorax (pteron, do Grego – Asas). No início do desenvolvimento
alar as asas parecem sáculos externos ao corpo do inseto, contudo, quando estão
completamente desenvolvidas são achatadas e muito delgadas, sendo frequen-
temente sustentadas por uma série de nervuras esclerotizadas. Para a grande
maioria dos insetos, asas completamente desenvolvidas e funcionais estão pre-
sentes apenas no estágio adulto. A única exceção para tal padrão de desenvolvi-
mento alar ocorre nos Ephemeroptera, onde as asas já estão completamente fun-
cionais no penúltimo instar larval. As nervuras alares são estruturas cilíndricas
cujo interior abriga nervos, traqueias e hemolinfa sendo que o padrão de ner-
vação das asas varia consideravelmente entre os grupos de insetos. Em vários
grupos o padrão de nervação alar é uma importante característica taxonômica.
As asas anteriores e posteriores de um mesmo lado corpóreo podem movimen-
tar-se conjuntamente, e nesse caso, podem estar conectadas por estruturas em
sua porção basal ou através de pequenos ganchos denominados hámulos. Além
disso, as asas podem se movimentar independentemente uma das outras.

Figura 13. Exemplos de insetos com diferentes tipos de asas. Fotografado por
Guilherme Gomes.

Em estudos de entomologia forense padrões de locomoção de insetos


imaturos são tão ou até mais importante que a movimentação dos adultos. As
larvas de algumas ordens ou espécies podem apresentar diferentes maneiras de
ocupar carcaças em decomposição dependendo de sua demanda por oxigênio,
comida e luz. Algumas larvas de moscas podem penetrar profundamente entre-
Insetos, entomologia e ciências forenses 43

laçando-se no corpo através de movimentos peristálticos para se alimentarem


de tecidos musculares. Outras espécies preferem permanecer na superfície cor-
poral, quase estáticas, uma vez que apresentam grande demanda por oxigênio.
Tais habilidades exibidas pelos insetos imaturos podem ajudar entomologistas a
desvendar a posição inicial da vítima depois de morta e se ela foi ou não retirada
de sua posição inicial.

Abdômen. O abdômen dos insetos é menos rígido e mais flexível do que a


cabeça ou o tórax. Em geral, consiste de 11 segmentos, apesar de que em alguns
casos pode estar reduzido e até mesmo não ser facilmente visualizado (Figura
14). A superfície dorsal é chamada de tergo e a ventral de esterno. Dessa forma,
as placas dorsais são chamadas de tergitos e as ventrais de esternitos. A segmen-
tação abdominal é muito mais evidente que na cabeça ou no tórax e consiste em
uma série de segmentos similares subsequentes, sendo que os segmentos mais
posteriores frequentemente são modificados em órgão copulatórios, ovoposi-
tores ou órgãos sensoriais denominados cercos. Apêndices pré-genitais estão
presentes nos insetos apterigotos, em estágios larvais de diversos grupos e em
hexápodes não-insetos. Larvas aquáticas comumente apresentam brânquias, e
muitas larvas de insetos holometábolos, especialmente lepidópteros, apresen-
tam pequenas pernas abdominais lobulares. A natureza mais flexível do abdô-
men deve, em parte, ao sistema traqueal, uma vez que o abdômen deve expan-
dir-se e contrair-se para criar um fluxo contínuo de ar através dos espiráculos
que se abrem externamente ao abdômen dos insetos. Em geral, cada segmento
abdominal possui um par de espiráculos.

Figura 14. Abdômen de um Hymenoptera. Fotografado por Guilherme Gomes.


44 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Sistema Digestório. Os insetos alimentam-se de praticamente todos os


tipos de recursos alimentares disponíveis na natureza, e por isso, seu sistema
digestório apresentam considerável variação e flexibilidade. Apesar desta va-
riação, o plano básico em que é construído o sistema digestório não varia muito
entre os insetos. A maioria apresenta um tubo digestório completo, o que sig-
nifica dizer que o sistema digestório consiste em um tubo que se abre na boca
estende-se ao longo de todo o corpo e termina em um orifício anal. O sistema
digestório dos insetos é formado basicamente por três regiões principais (Figura
9): o intestino anterior, o intestino médio e o intestino posterior, e tais regiões
podem apresentar adaptações de acordo com o tipo de recurso alimentar uti-
lizado por determinada espécie. O sistema excretor dos insetos é constituído
pelos túbulos de Malphighi e pelo intestino posterior, cuja função é realizar a
osmoregulação. Os insetos, em geral, não excretam água juntamente com suas
fezes, o que permite um melhor aproveitamento da água em seu organismo e
fornece uma importante barreira contra a dissecação, permitindo a colonização
de ambientes secos.

Sistema Excretor. O sistema excretor da maioria dos insetos consiste em


uma série de túbulos formados por evaginações da porção anterior da parede
do intestino posterior, denominados túbulos de Malphighi (Figura 9). O núme-
ro destes túbulos pode variar de acordo com a espécie de um único túbulo a
mais de centenas, sendo que sua porção distal é cega. A função dos túbulos de
Malphighi é de remover os metabólitos nitrogenados e vários sais da hemolinfa.
Além dos túbulos de Malphighi, os insetos apresentam outros mecanismos de
remoção de excretas ou substâncias tóxicas. Um dos mecanismos é a armazena-
gem de ácido úrico mais ou menos permanentemente nas células e tecidos do
indivíduo.

Sistema Circulatório. Nos insetos, a principal função do sangue, ou


hemolinfa, é o transporte de nutrientes, hormônios e excretas. Na maioria
dos casos a participação do sangue no transporte de oxigênio e gás carbôni-
co é muito pequena. Diferentemente dos vertebrados, a sistema circulatório
dos insetos é completamente independente do sistema respiratório. O siste-
ma circulatório dos insetos é do tipo aberto, sendo que o sangue ocupa toda
cavidade corpórea, também conhecida como hemocele (Figura 9). A circula-
ção sanguínea deve-se principalmente pela contração dos vasos longitudi-
nais dorsais, que se abrem na hemocele. A hemocele é geralmente dividida
em três principais cavidades ou sinos: o sino pericárdico dorsal, o sino peri-
visceral e o sino perineural ventral. A hemolinfa está também envolvida na
osmoregulação, tendo importante papel no balanço de sais e água. Ela tam-
bém tem uma importante função esquelética, por exemplo, na expansão das
asas após a última muda e na protrusão de estruturas eversíveis tais como
vesículas e genitália. A hemolinfa atua no sistema imunológico dos insetos e
na armazenagem de água e outras substâncias como gorduras, carboidratos
e outros nutrientes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 45

Sistema Respiratório. O transporte de gases nos insetos é realizado pelo


sistema traqueal, sendo que o sangue não apresenta função de transportar gases
(Figura 9). O sistema traqueal é um complexo de tubos cuticulares (traqueias)
que se abrem no exterior do corpo através dos espiráculos e se ramificam inter-
namente no interior do corpo. Esse sistema termina em delgados tubos, deno-
minados de traquéolas, que permeiam os tecidos vivos. Desta forma, as trocas
gasosas ocorrem através das paredes das traquéolas, que mantêm contato direto
com os tecidos. Os espiráculos estão localizados lateralmente nas placas pleurais
e variam em número de 1 a 10 pares. Há tipicamente um par na margem anterior
do mesotórax e do metatórax e um par em cada segmento abdominal. Os espirá-
culos funcionam como válvulas e desempenham importante papel na retenção
de água no organismo.

Sistema Nervoso. O sistema nervoso dos insetos (Figura 9) funciona


como um centro de processamento e condução de informações, gerando respos-
tas rápidas e precisas aos diferentes estímulos captados pelos órgãos do sistema
sensorial periférico. O sistema nervoso central (SNC) dos insetos consiste em
um cérebro localizado na cabeça logo abaixo do esôfago. O sistema nervoso é di-
vidido em um cérebro e um cordão nervoso ganglionar ventral. O cérebro é divi-
dido em três lobos: o protocérebro (que inerva os olhos composto e os ocelos), o
deutocérebro (que inerva as antenas) e o tritocérebro (que inerva as peças bucais
e o intestino anterior). A cápsula cefálica (que forma a cabeça e é composta pela
fusão de seis segmentos) possui seis pares de gânglios. Os primeiros três pares
são fundidos para formar o cérebro e os outros três fundem-se e formam uma
estrutura denominada gânglio subesofágico. Os segmentos torácicos possuem
um par de gânglios nervosos em cada lado. Tal arranjo é também observado nos
oito primeiros segmentos abdominais. Em muitas espécies de insetos o número
de gânglios é reduzido devido à fusão ou redução. Atividades que envolvem
todo o corpo podem ser coordenadas por impulsos a partir do cérebro, mas mui-
tas destas atividades podem ocorrer até mesmo na ausência deste órgão.

Sistema Endócrino. Os hormônios são compostos químicos produzidos


por glândulas e circulam na hemolinfa regulando uma série de processos fisio-
lógicos associados ao desenvolvimento e atividades comportamentais. As ati-
vidades dos sistemas endócrino e nervoso são altamente relacionadas, sendo
que os hormônios atuam complementarmente ao sistema nervoso promovendo
a coordenação de processos locais. Nos insetos, muitos órgãos são responsáveis
pela produção de hormônios, cujas principais funções são o controle dos proces-
sos reprodutivos, muda, produção de seda, formação das cutículas embrioná-
rias, diurese, mobilização de energia para o voo, diapausa e metamorfose.

Sistema Reprodutivo. Em geral, o órgão reprodutivo do macho consiste


em um par de testículos conectados a uma vesícula seminal através de um par
de delgados dutos seminais e um duto ejaculatório medial. Na maioria dos in-
setos ocorre um considerável número de glândulas acessórias que se abrem no
46 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

interior de um vas diferentia ou de um duto ejaculatório. O órgão reprodutivo das


fêmeas é formado por um par de ovários, conectados por um par de ovidutos
laterais. Os ovidutos laterais unem-se e formam um único tubo mediano, que se
abre no interior de uma câmara genital. Algumas vezes há a formação de uma
vagina a partir de uma dilatação distal tubular da câmara genital, sendo que a
vagina forma frequentemente uma bursa copulatrix para a recepção do pênis. A
partir da câmara genital ou da vagina abre-se uma bolsa denominada esper-
mateca com a função de armazenar o sêmen, esta geralmente possui um par de
glândulas acessórias.
A reprodução sexuada entre os insetos é a regra, sendo que o sêmen é
transferido do macho para a fêmea através de um pênis ou através de um esper-
matóforo e armazenado dentro da espermateca. Em geral, após a cópula cada in-
divíduo segue seu próprio rumo, contudo, em alguns casos o macho morre logo
após a cópula. As fêmeas poedeiras, ou ovíparas, são equipadas com apêndices
abdominais denominados ovopositores, que são totalmente adaptados para a
deposição dos ovos em locais adequados para seu desenvolvimento. Frequen-
temente os ovos são depositados próximo às fontes alimentares apropriadas. A
fertilização ocorre enquanto os ovos ainda estão sendo liberados do corpo da
fêmea através de uma pequena abertura localizada no ovo, denominada de mi-
crópila. A maioria dos insetos é ovípara. Alguns insetos, contudo, apresentam
ovoviparidade e ovos que continuam no interior da mãe até que eclodam, neste
caso, o embrião alimenta-se de vitelo armazenado dentro do próprio ovo. São
mais raros casos de viviparidade, sendo que nesta situação o embrião alimenta-
se diretamente de substâncias nutritivas produzidas a partir de tecidos mater-
nos, antes da eclosão. Após serem depositados, os ovos são abandonados pelas
mães, que geralmente morrem logo após a postura. As fêmeas da maioria das
espécies de insetos botam uma grande quantidade de ovos, tal estratégia serve
como uma compensação à falta de cuidado parental e à frágil natureza da prole
recém eclodida. Alguns grupos de insetos são partenogenéticos, e neste caso,
ovos fertilizados originam as fêmeas e ovos não fertilizados os machos. Tal pa-
drão é particularmente comum entre os insetos sociais, como vespas, formigas
e abelhas.

7. Ciclo de vida e desenvolvimento dos insetos

Ciclo de Vida. A maioria dos insetos é ovípara e os embriões completam


seu desenvolvimento fora do corpo da mãe, entretanto, espécies ovovíparas e
vivíparas também são conhecidas. A maioria dos insetos sofre mudanças drás-
ticas até atingirem o estagio adulto, e esse processo é conhecido como metamor-
fose. Quase a totalidade dos insetos são hemimetábolos (sofrem metamorfose
incompleta) ou holometábolos (sofrem metamorfose completa), embora alguns
poucos grupos sejam considerados ametábolos, não sofrendo praticamente ne-
nhuma mudança, exceto no tamanho, ao longo de seu desenvolvimento. A me-
tamorfose é um processo complexo que envolve mudas periódicas, uma vez que
os estágios imaturos se desenvolvem e aumentam em tamanho. Esse processo
de desenvolvimento é necessário uma vez que o exoesqueleto dos insetos é rí-
Insetos, entomologia e ciências forenses 47

gido e inelástico, permitindo que o inseto escape do confinamento imposto por


seu exoesqueleto, cresça e produza uma nova e maior cobertura externa.

Desenvolvimento Pós-Embrionário e Metamorfose. Os insetos podem


ser agrupados em três categorias quanto ao tipo de desenvolvimento que apre-
sentam – ametábolos, hemimetábolos e holometábolos. O desenvolvimento pós-
embrionário é dividido em uma série de estágios, cada qual separado do pró-
ximo por uma muda ou ecdise. As formas que o inseto assume entre as mudas
são denominadas instares, sendo que após a eclosão segue-se o primeiro instar,
após uma nova muda o segundo instar e assim sucessivamente até a última
muda na qual o adulto ou imago emerge. Os grupos de insetos mais basais ge-
ralmente sofrem um maior número de mudas que os grupos mais avançados.
Dessa forma, os Ephemeroptera sofrem cerca de 40 mudas, enquanto as baratas
de maneira geral passam por 10 mudas. Mesmo dentro de um mesmo grupo de
insetos ocorre variação no número de mudas. O número de instares larvais na
ordem Diptera varia de 3 a 6, enquanto os coleópteros apresentam entre 3 a 5
instares larvais.
A intensidade das mudanças que ocorrem durante a transformação das
larvas em adultos depende da diferença existente entre eles. Em insetos hemi-
metábolos as mudanças são relativamente pequenas, enquanto que nos holome-
tábolos as mudanças são extremamente marcantes, ocorrendo um estágio pupal
entre o último estágio larval e a fase adulta.
No padrão de desenvolvimento mais primitivo, representado pelos inse-
tos ametábolos, o inseto eclode do ovo como um adulto em miniatura, porém
com a genitália ainda não desenvolvida e a forma adulta resulta do aumento
progressivo de tamanho da forma larval. Nesse caso, os adultos e as larvas divi-
dem o mesmo habitat. Tal padrão de desenvolvimento é observado nas ordens
mais basais representadas pelos insetos ápteros (Apterigota), as traças de livros
(Thysanura) e as traças saltadoras (Archaeognatha). Em tais grupos os adultos
continuam sofrendo mudas progressivas após sua maturação sexual. Ao con-
trário dos insetos ápteros, todos os pterigotos passam por mudanças mais ou
menos marcantes entre as fases imatura e adulta. Tais insetos podem ser subdi-
vididos de acordo com dois padrões de desenvolvimento: hemimetabolia (meta-
morfose parcial ou incompleta) e holometabolia (metamorfose completa), sendo
que a metamorfose é uma característica marcante desses insetos.
O crescimento dos insetos é descontínuo, em especial nas regiões cuti-
culares esclerotizadas, uma vez que a natureza rígida do exoesqueleto limita
a expansão corpórea. O aumento do tamanho corporal ocorre durante a muda,
neste processo a antiga cutícula é eliminada gradualmente enquanto uma nova
cobertura com maior área superficial é produzida. O aumento do tamanho dos
escleritos que sustentam os segmentos corpóreos e os apêndices ocorre imedia-
tamente após a muda, antes que a cutícula torne-se rígida e inflexível.
Nos insetos exopterigotos os imaturos são chamados de ninfas, e repre-
sentam formas similares aos adultos, exceto pelas asas, que se desenvolvem
apenas quando os imaturos atingem a fase adulta, tais insetos são denomina-
dos hemimetábolos e apresentam metamorfose incompleta. Os Endopterygota
48 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

representam os insetos holometábolos, cujo quais apresentam metamorfose


completa, este grupo inclui os insetos que alcançaram maior sucesso evoluti-
vo. Nesses insetos, uma larva eclode do ovo podendo ser classificada em cinco
diferentes categorias baseadas em características morfológicas: (1) Eruciformes
(Larvas de Lepidoptera); (2) Escarabeiformes (Besouros-Scarabeidae); (3) Cam-
podeiformes (Besouros-Coccinelidae); (4) Elateriformes (Besouros-Elateridae)
e (5) Vermiformes (Larvas de Diptera). A larva cresce, sofre diversas mudas e
desenvolve-se em uma pupa, que permanece enclausurada dentro de um casulo
(ou crisálide em algumas espécies) até a maturação. Há três tipos de pupas: (1)
Obtectas (pupas com os apêndices intimamente ligados ao corpo); (2) Exaratas
(pupas com apêndices visíveis, livres e afastados do corpo) e (3) Coarctatas (pu-
pas se desenvolvem dentro da última exúvia larval). Durante o estágio de pupa
os insetos passam por consideráveis mudanças em sua forma até emergirem
sob a forma de adultos ou imagos. As borboletas e mariposas são exemplos de
insetos que apresentam metamorfose completa. Alguns insetos que apresentam
heteromorfose (Hipermetamorfose).
Vespas parasitas apresentam poliembrionia, e nesse caso, um único ovo
fertilizado pode se dividir em muito (em alguns casos até centenas) embriões.
Outras variações no desenvolvimento e na reprodução incluem a haplodiploi-
dia, polimorfismo, pedomorfose, dimorfismo sexual, partenogênese e mais ra-
ramente hermafroditismo.

Metamorfose Incompleta (Hemimetábolos). Insetos hemimetábolos são


geralmente reconhecidos através de seus estágios imaturos, denominados nin-
fas. As ninfas são muito parecidas com os adultos, sendo que as maiores mu-
danças que ocorrem durante seu desenvolvimento são o aumento de tamanho
corpóreo e o desenvolvimento dos órgãos sexuais e das asas. Contudo, há ainda
algumas outras características que estão presentes nas larvas, mas ausentes nos
adultos (Figura 15), tais características são perdidas durante a última muda. Os
grupos de insetos hemimetábolos mais conhecidos são os Orthoptera, Isoptera e
Hemiptera. Snodgrass (1954) classificou esses grupos inicialmente como ametá-
bolos ou paurometábolos (ou seja, apresentam pequenas modificações durante
a metamorfose), contudo, análises quantitativas das mudanças durante o desen-
volvimento de tais insetos mostram transformações graduais através dos insta-
res larvais e uma descontinuidade abrupta na passagem da larva para o adul-
to. Os Plecoptera, Ephemeroptera e Odonata possuem larvas aquáticas, e desta
forma, uma série de adaptações específicas marcantes são encontradas apenas
nesses grupos de insetos. Os olhos compostos e as peças bucais das ninfas são
idênticas as dos adultos, e desta forma, imaturos e adultos dividem o mesmo
habitat e consequentemente, se alimentam dos mesmos recursos alimentares.
As asas dos insetos hemimetábolos são inicialmente representadas por peque-
nas bolsas localizadas externamente ao tórax, desenvolvendo-se posteriormente
ao longo das sucessivas mudas. O estágio que precede cada muda é conhecido
como instar e cada sucessivo instar é mais desenvolvido que o anterior.
Insetos, entomologia e ciências forenses 49

Figura 15. Exemplo de inseto hemimetábolo. Ninfas e adulto de Acrididae -


Romaleidae - Chromacris speciosa. Fotografado por Guilherme Gomes.

Metamorfose Completa (Holometábolos). O ciclo de vida dos insetos


holometábolos é constituído de quatro diferentes estágios (Figura 16). Do ovo
eclode uma larva, cuja função primária é de se alimentar e crescer. As larvas são
bem diferentes dos adultos e possuem uma série de olhos simples localizadas na
cabeça, muitas vezes difíceis de distinguir. As peças bucais são mastigadores ou
sugadoras, frequentemente apresentam um par de pequenas antenas e algumas
vezes 3 pares de pernas torácicas verdadeiras, embora, alguns grupos apresen-
tem pernas abdominais e outros sejam ápodes. As asas permanecem escondi-
das sob a cutícula enquanto se desenvolvem (Endopterygota). As larvas sofrem
diversas mudas enquanto se desenvolvem e aumentam de tamanho, o estágio
que precede uma nova muda é também denominado instar. Ao final do último
estágio larval, uma muda final ocorre e uma pupa emerge, e, em alguns casos, a
exúvia (casca) do último instar larval serve como um pupário abrigando a pupa.
Durante todo o período pupal, a pupa não se alimenta e pouco se movimen-
ta. Neste estágio observa-se uma transformação espetacular. Alguns tecidos se
50 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

diferenciam, enquanto outros são degradados, reabsorvidos e reorganizados


para formar novas estruturas. O desenvolvimento das asas muitas vezes pode
ser visualizado através do pupário, assim como o desenvolvimento dos olhos
compostos, das antenas, das peças bucais e das pernas. Internamente, ocorre o
desenvolvimento dos órgãos reprodutivos e modificações no trato digestório. O
estágio de pupa pode durar de quatro dias a vários meses, dependendo da espé-
cie. Após o final desse período o adulto emerge com as asas ainda amassadas e
o corpo não muito rígido. Em poucas horas as asas esticam-se e tornam-se com-
pletamente funcionais, enquanto que o exoesqueleto seca tornando-se rígido e
pigmentado. A presença do estágio de pupa é característica dos insetos holome-
tábolos, que são representados por diversos grupos: Neuroptera, Trichoptera,
Lepidoptera, Coleoptera, Hymenoptera, Diptera e Shphonaptera.

Figura 16. Ciclo de vida de Chrysomya megacephala. Ilustrado e fotografado por


Guilherme Gomes.

Metamorfose Intermediária. Nem todos os insetos apresentam um


tipo de metamorfose que pode ser facilmente classificada como incompleta ou
completa. Alguns grupos possuem uma condição intermediária entre a hemi-
metabolia e a holometabólica. É o caso dos tripes (Thysanoptera), das “moscas
brancas” (Hemiptera: Aleyrodidae) dos machos de diminutas espécies de he-
mípteros. Nos diminutos tripes os dois primeiros instares não apresentam asas
e são ativos, são geralmente chamados de larvas. Os dois instares seguintes são
alados e inativos, sendo o primeiro denominado pré-pupa e o último pupa. O
último instar representa os adultos.

Controle da Metamorfose. A metamorfose é controlada principalmente


por três hormônios: hormônio protoracitotrópico (PTTH), ecdisona e hormônio
juvenil (JH). O PTTH é produzido por células neurosecretoras localizadas no cé-
Insetos, entomologia e ciências forenses 51

rebro e estimula as glândulas protorácicas a produzir ecdisona que por sua vez,
estimula a apólise da antiga cutícula e promove o crescimento. O hormônio juve-
nil é produzido por uma glândula denominada corpora allata, sendo que este hor-
mônio inibe a metamorfose, promovendo o desenvolvimento das larvas e ninfas.
A diminuição da concentração do JH faz que a larva sofra o processo de pupação
e que a ninfa desenvolva-se no adulto. A corpora allata inicia a produção do JH
nos primeiros instares e cessa sua produção e secreção no último instar, sendo
que a ausência do JH é o fator preponderante para o início da metamorfose.

Morfologia Larval. As larvas dos insetos holometábolos ocorrem em


diferentes formas. As larvas oligópodas sofrem um menor número de modifi-
cações até atingir a fase adulta. Este tipo larval apresenta três pares de pernas,
uma cápsula cefálica bastante desenvolvida e as peças bucais semelhantes as
dos adultos, contudo este tipo de larva não apresenta olhos compostos. Dois
tipos de larvas oligópodas são comumente observados: campodeiformes e esca-
rabeiformes. O segundo tipo larval compreende as larvas polípodas, cujas quais
possuem pernas abdominais além do conjunto de pernas torácicas. As larvas de
Lepidoptera, Mecoptera e Tenthredinidae são tipicamente polípodas. O terceiro
tipo larval é a forma ápoda, ou seja, sem pernas e pouco esclerotizadas, sendo
que muitas formas podem ser reconhecidas de acordo com o grau de escleroti-
zação cápsula cefálica. Segue abaixo uma lista dos principais tipos larvais obser-
vados nos insetos holometábolos:

• Eruciformes (polípoda): lagartas ou taturanas; corpo cilíndrico; cabeça


bem desenvolvida com antenas muito curtas; pernas torácicas e abdo-
minais (Lepidoptera, Mecoptera e alguns Hymenoptera)
• Escarabeiformes (oligópoda): parecido com lagartas; corpo usualmente
curvado; cabeça bem desenvolvida e esclerotizada; presença de pernas
torácicas, mas ausência de pernas abdominais; relativamente inativas e
inertes (Coleoptera: Scarabaeidae).
• Campodeiformes (oligópoda) (Figura 17): corpo alongado e mais ou menos
achatado; cercos e antenas bem desenvolvidas; pernas torácicas tam-
bém bem desenvolvidas; larvas geralmente ativas e predadoras. São
semelhantes aos adultos do gênero Campodea (Diplura: Campodeidea)
(Neuroptera, Trichoptera, Strepsitera e muitos Coleoptera).
• Elateriformes (oligópoda): corpo alongado, cilíndrico, delgado e bastan-
te esclerotizado; pernas curtas; poucos pelos corpóreos (Coleoptera:
Elateridae).
• Vermiformes (apoda) (Figura 17): semelhante a vermes e larvas; corpo
alongado; apoda; cabeça podendo ou ser desenvolvida (Diptera, maio-
ria dos Hymenoptera – subordem Apocrita – alguns Coleoptera e Lepi-
doptera). A maioria das larvas de moscas encontradas em carcaças está
agrupada nesta categoria:

• Eucéfala: apresentam cápsula cefálica bastante desenvolvida e es-


clerotizada (Nematocera, Buprestidae, Cerambycidae e Aculeata);
52 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

• Hemicéfalas: cápsula cefálica reduzida que pode ser parcialmente


retraída no tórax (Tipulidae e Brachycera “Orthorrhapha”);
• Acéfala: ausência da cápsula cefálica (Cyclorrapha).

Figura 17. Exemplos de morfologia larval: campodeiformes e vermiformes. Larva


de Dermestes maculatos (campodeiforme) e de Chrysomya megace-
phala (vermiforme). Fotografado por Guilherme Gomes.

Heteromorfose (Hipermetamorfose). Na maioria dos insetos, o desen-


volvimento inicia-se ao longo da sucessão de uma série de formas larvais simi-
lares e termina em drásticas modificações durante a metamorfose, entretanto,
algumas vezes as formas larvais podem ser bastante diferentes entre si. Na he-
teromorfose os diferentes instares larvais não são do mesmo tipo. O primeiro
instar é ativo e geralmente campodeiforme, enquanto os instares subsequentes
são vermiformes, eruciformes ou escarabeiformes. Esse tipo de metamorfose
ocorre nos Meloidae e Rhipiphoridae (Coleoptera), Mantispidae (Neuroptera),
Strepsiptera e alguns poucos Diptera e Hymenoptera.

Morfologia da Pupa. A morfologia das pupas dos insetos holometábolos


varia, e cinco tipos pupais podem ser reconhecidos:

• Obtecta: com apêndices mais ou menos colados ao corpo, comum em


muitos Lepidoptera que tecem casulos de seda (Lepidoptera, alguns
Diptera: Nematocera);
• Exarata: com apêndices livres não colados ao corpo (maioria dos insetos
holometábolos, exceto pelos Diptera e Lepidoptera);
• Coarctata (Figura 18): são essencialmente do tipo exarata, contudo, per-
manecem dentro de um pupário formado pela cutícula externa (exú-
via) do último instar larval (Diptera: Brachycera).
• Dectícia: com mandíbulas aparentes, móveis e articuladas à cabeça
(Neuroptera, Trichoptera, e alguns Lepidoptera);
Insetos, entomologia e ciências forenses 53

• Adectícia: com mandíbulas também aparentes, contudo, imóveis e não


articuladas à cabeça (outros insetos holometábolos).

Figura 18. Exemplo de pupa Coarctata de Chrysomya megacephala. Fotografado


por Guilherme Gomes.

8. Comportamento de insetos

O comportamento é a resposta de um animal a diferentes estímulos ex-


ternos. Um determinado estímulo é detectado por um ou mais órgãos sensoriais
e interpretado pelo cérebro. O cérebro, por sua vez, desencadeia uma série de
reações, frequentemente mediadas por substâncias químicas, fazendo com que
o corpo responda a tal estímulo. Tais respostas são baseadas em experiências
prévias aprendidas ou inatas, ou seja, determinadas geneticamente. A grande
maioria dos comportamentos dos insetos são instintivos e comuns a todos os
membros de uma mesma espécie. A variação é apenas genética, causada princi-
palmente por mutações. As mutações ocorrem regularmente em todas as popu-
lações resultando em variações fenotípicas, fisiológicas, moleculares e compor-
tamentais. As mutações podem ser benéficas ou danosas, entretanto, elas ocor-
rem aleatoriamente nas populações e correspondem ao principal mecanismo
pelo qual as espécies evoluem.
O grande sucesso evolutivo dos insetos em parte é resultado de seus pa-
drões comportamentais amplamente estereotipados e a uma relativamente fre-
quente taxa de mutação. Padrões comportamentais fixos permitem que os inse-
tos reajam a diferentes pressões do meio externo de forma que garantam uma
maior taxa de sobrevivência e um maior sucesso reprodutivo, fazendo com que
consigam extrair o máximo de recursos de seus nichos ecológicos.
54 Entomologia Forense
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A crescente perda de habitats e as alterações climáticas características do


período atual, são as grandes responsáveis pelas extinções. Contudo, os insetos
possuem melhores condições de lidar com tais pressões devido ao seu ciclo de
vida curto e rápida reprodução do que outras espécies de animais, o que permi-
te que eles se adaptem mais rapidamente às novas condições. De fato, algumas
espécies que apresentam tais características são até beneficiadas com algumas
alterações ambientais, contudo, têm grande potencial de se tornarem pragas.
Os insetos apresentam uma série de comportamentos. Nos tópicos abaixo serão
apresentadas apenas algumas categorias comportamentais mais comuns aos in-
setos.

• A corte é um comportamento ritualizado que ocorre antes da cópula.


Em geral, os machos realizam tais comportamentos mais frequente-
mente e a resposta da fêmea, também altamente estereotipada, indica a
rejeição ou aceitação do macho;
• A cópula procede a corte e envolve o contato físico entre os machos e
as fêmeas. Neste processo os corpos de ambos os indivíduos devem se
alinhar adequadamente para que ocorra a transferência de esperma do
macho para a fêmea;
• A ovoposição é uma importante evidência do ciclo de vida de um in-
seto, uma vez que várias espécies são bastante exigentes em relação ao
local de postura. Os ovos são postos geralmente em locais próximos
às fontes alimentares, provendo as larvas ou as ninfas com condições
ideais para seu desenvolvimento;
• A alimentação inclui a predação, herbivoria, necrofagia e saprofagia.
Insetos sociais, por exemplo, coletam alimento em diferentes locais e
retornam às colônias para armazená-lo, realizar trophalaxis ou alimen-
tar sua prole;
• Os comportamentos de defesa podem ser ativos, como no caso de in-
setos que ferroam, mordem ou emitem substâncias químicas nocivas;
ou podem ser passivos, empregados por insetos que se escondem em
cavidades, sob rochas ou através de camuflagem;
• A comunicação entre os insetos pode ser realizada através dos 5 senti-
dos conhecidos por nós seres humanos. Entretanto, as antenas são os
principais órgãos sensoriais dos insetos. Vários feromônios estão en-
volvidas na comunicação intra-específica dos insetos, alguns exemplos
incluem os feromônios de alarme, os utilizados para marcar locais de
alimentação e os feromônios sexuais.
• O comportamento de limpeza ou “grooming” é tão importante para os
insetos como é para os mamíferos. As antenas, olhos, asas, pernas, pe-
ças bucais, pelos e sensilas devem sempre estar limpos, maximizando
sua eficiência.

Exploração do Habitat: as maneiras pelas quais os insetos interagem com


o ambiente são bastante diversas e variam de acordo com as diferentes espécies
e ordens. A exploração do habitat depende de uma série de fatores, que incluem
Insetos, entomologia e ciências forenses 55

limitações morfológicas (p. ex. presença ou não de asas, olhos compostos bem ou
poucos desenvolvidos), padrões de dispersão e tipo de estratégias reprodutivas
(p. ex. espécies partenogenéticas não precisam procurar ativamente por parcei-
ros sexuais) e preferências alimentares. Tais características são também bastante
importantes em estudos forenses. Por exemplo, certas moscas são capazes de
voar cerca de 50 Km em um único dia, enquanto outras espécies são endêmi-
cas de determinada região e apresentam um raio de voo muito menor. Muitos
insetos possuem sistemas sensoriais bastante desenvolvidos. As abelhas, por
exemplo, são capazes de enxergar o espectro ultravioleta, enquanto que alguns
machos de mariposas conseguem detectar o feromônio produzido pela fêmea a
quilômetros de distância. Um comportamento interessante é observado em ves-
pas solitárias do gênero Eumenes (Vespidae: Eumeninae). A fêmea de Eumenes
aprovisiona as células contendo machos com 5 lagartas e as contendo fêmeas
com 10 lagartas. De alguma forma essas fêmeas conseguem distinguir entre
aprovisionar uma célula com 5 ou 10 lagartas. Tal comportamento permite que
exista uma assimetria entre o tempo de desenvolvimento dos machos e das fê-
meas, além disso, por receberam mais alimento as fêmeas são frequentemente
maiores que os machos.
Insetos sociais, como cupins, formigas, e algumas abelhas e vespas for-
mam colônias tão bem organizadas e similares geneticamente que são consi-
deradas por alguns autores como superorganismos. Os ninhos (Figura 19) dos
insetos sociais podem abrigar até 1 milhão de indivíduos (p. ex. a vespa eusocial
Agelaia vicina – Vespidae: Epiponini) e podem ser construídos com fibras vege-
tais (vespas sociais – “paper wasps”), cera produzidas por glândulas especiali-
zadas (abelhas) ou escavados no solo (como cupins e formigas).

Figura 19. Ninhos de Vespidae. Fotografado por Guilherme Gomes.


56 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

9. Aspectos gerais das ordens de insetos

9.1. Hexapodes apterigotos

Uma visão geral das relações filogenéticas entre os Hexapoda foi abor-
dada no início deste capítulo, concluindo-se que tais relações são controversas
e ainda não estão bem resolvidas. Recomenda-se, portanto, uma releitura do
tópico Sistemática e Filogenia de Insetos para um melhor entendimento das rela-
ções entre as ordens que serão discutidas abaixo. Na sequência (Figura 20) serão
apresentadas as principais ordens de insetos seguindo Wheeler et al. (2001).

Figura 20. Ordens de Hexapoda. Ilustrado por Guilherme Gomes.


Insetos, entomologia e ciências forenses 57

Tradicionalmente os Collembola, Protura, Diplura e Thysanura são agru-


pados dentro da subordem Apterygota, sendo considerados insetos ápteros.
Tais grupos desfrutam de algumas características em comum, tais como: au-
sência de asas, ausência de um sulco pleural nos segmentos torácicos, presença
de apêndices pré-genitais abdominais, metamorfose ausente ou branda e trans-
ferência indireta de esperma. Entretanto, evidências recentes sugerem que: (1)
os status de insetos para este grupo é questionável (exceto para os Thysanura)
e (2) estes grupos são mais distantes entre si do que originalmente se pensava.
Desta forma, abordagens mais recentes tratam os Collemboa, Protura e os Di-
plura como hexápodes não insetos, sendo os dois primeiros grupos irmãos e
agrupados dentro dos Ellipura. Estes três grupos diferem dos insetos em várias
características, tais como: eles são entognatos, possuem musculatura intrínse-
ca nas antenas e não possuem olhos compostos. Embora os Thysanuros sejam
considerados insetos, abordagens filogenéticas mais atuais sugerem que este
grupo é subdividido em suas subordens: Zygentoma (=Thysanura stricto sensu)
e Microcoryphia
O intuito deste tópico é apresentar as características gerais das ordens
atuais de insetos. As ordens com maior importância forense serão abordadas
mais detalhadamente no decorrer deste livro, que também dedicará um capítulo
às ordens com menor importância em estudos forenses.

Ordem Protura. Os proturos (Protura: prot – primeiro, ura – cauda) são


hexápodes diminutos, de coloração esbranquiçada ou castanho pálido e são ani-
mais entognatos menores que 1,5 mm de comprimento. Devido à ausência de
olhos e antenas, eles frequentemente utilizam suas pernas anteriores como ór-
gãos tácteis. Os proturos representam o único grupo de hexápodes que sofrem
anamorfose. Durante a anamorfose, os segmentos abdominais são adicionados
ao seu corpo após as mudas, sendo que quando atingem o estágio maturo, o
abdômen possui 12 segmentos.

Ordem Collembola. Os colêmbolos (Collembola: Coll – cola, embola – pino,


cunha ou inserção) formam a maior das três ordens dos hexápodes não insetos.
Estas três ordens são algumas vezes agrupadas dentro da classe Entognatha
por possuírem as peças bucais retraídas dentro de uma bolsa formada por ex-
pansões ventrolaterais localizada na cabeça. Os colêmbolos são hexápodes pe-
quenos, normalmente não ultrapassando 10 mm de comprimento. Possuem no
máximo 6 segmentos abdominais e um apêndice tubular localizado no 1º seg-
mento, denominado colóforo. Tal estrutura consiste em uma vesícula bilobada
eversível, cuja função primordial seria a de prender o inseto ao substrato, outras
funções seriam relacionadas às trocas gasosas e à homeostase salina. A maioria
dos colêmbolos apresenta outro apêndice no quarto segmento abdominal, a fúr-
cula. Este apêndice fica sob tensão por debaixo do abdômen, preso por um pe-
queno gancho formado por apêndices do 3º segmento abdominal, o retináculo.
Quando o animal é ameaçado, o retináculo libera a fúrcula que se volta contra o
substrato e o arremessa para longe da ameaça. Há relatos de alguns colêmbolos
que podem saltar até 10 cm. Estes hexápodes são frequentemente encontrados
58 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

em solos úmidos, serrapilheira e em madeira podre. São encontrados em prati-


camente todas as regiões do mundo, até mesmo na Antártida, nas cordilheiras
do Himalaia, desertos e geleiras. São conhecidas cerca de 6500 spp. Tal diversi-
dade está arranjada em duas subordens: Arthropleona e Symphypleona.

Ordem Diplura. Os dipluros (dipl – dois, ura – cauda) são pequenos ar-
trópodes tipicamente menores que 6 mm de comprimento, apresentam corpo
geralmente não pigmentado, longas antenas moniliformes e ausência de olhos.
Suas peças bucais são entognatas, possuindo mandíbulas e maxilas bem desen-
volvidas e palpos labiais reduzidos. O tórax não é bem diferenciado e o abdô-
men é 10-segmentado. As pernas são 5-segmentadas e os gonóporos se abrem
entre o 8º e o 9º segmentos abdominais. O abdômen possui cercos afilados em
forma de fórceps. Ao contrário dos outros entognatos, o sistema traqueal dos
dipluros é bem desenvolvido. Os dipluros formam um grupo irmão aos Insecta.
A ordem Diplura está subdividida em 3 famílias, diferenciadas principalmente
pela estrutura dos cercos. Nos Campodeidae os cercos são multianelados e tão
longos quanto o abdômen. Na família Japygidae, os cercos são bastante escle-
rotizados e não segmentados. Já na família Anajapygidae (ou Projapygidae) os
cercos são curtos (menos que a metade do abdômen) e possuem cerca de 10
segmentos.

9.2. Classe insecta (“insetos verdadeiros”)

9.2.1. Insetos apterigotos

Ordem Microcoryphia. A ordem Microcoryphia (micro- pequeno,


coryphia- cabeça) compreende insetos denominados de traças-saltadoras. Tais
insetos praticamente mantiveram-se inalterados ao longo do processo evolu-
tivo, surgindo durante o período Devoniano, juntamente com os aracnídeos.
Outro sinônimo utilizado para designar este grupo é Archaeognata (do Gre-
go: Archaeos – primitivo, gnatha – mandíbula). Esse termo refere-se ao fato das
mandíbulas desses insetos serem articuladas por apenas um côndilo, enquanto
todos os outros insetos possuem dois côndilos. Os Microcoryphia são insetos
alongados com mais de 20 mm de comprimento. O corpo é convexo dorsalmen-
te, protegido por um grande tergo que se estende lateralmente cobrindo as pleu-
ras. O aparelho bucal é do tipo mastigador, com palpos maxilares conspícuos
7-segmentados. As antenas são filiformes compreendendo 30 ou mais subdivi-
sões sem musculatura intrínseca. Os olhos compostos são bem desenvolvidos,
apresentam um ocelo mediano e um par de ocelos laterais. As pernas possuem
tarsos 3-segmentados e o mesotórax e metatórax apresentam pequenos styli arti-
culados nas coxas. Tais estruturas são também encontradas no 2º e 9º segmentos
abdominais e vesículas erversíveis estão presentes no 1º e 7º segmentos. O corpo
desses insetos é coberto com escamas e com um fino esqueleto, suscetível à de-
sidratação. Existem aproximadamente 350 espécies divididas em duas famílias
que são distribuídas por todo o mundo. Eles têm hábitos noturnos, durante o
dia vivem escondidos entre a serrapilheira, madeiras podres ou e em fendas
Insetos, entomologia e ciências forenses 59

de rochas, habitats que minimizam a perda de água por dessecação. Eles se ali-
mentam primariamente de algas, mas também de liquens, musgos, ou material
orgânico em decomposição.

Ordem Zygentoma (=Thysanura stricto sensu). Esta ordem inclui insetos


bastante conhecidos considerados pragas de bibliotecas, as traças-dos-livros. Os
Zygentoma compreendem cerca de 370 espécies distribuídas globalmente repre-
sentadas por quatro famílias: Lepismatidae, Lepidotrichidae, Maindroniidae, e
Nicoletiidae. Os membros desta ordem são bastante similares aos Microcoryphia,
entretanto, possuem corpo dorsoventralmente achatado, podendo ou não apre-
sentar escamas. Os olhos compostos são reduzidos ou ausentes e ocelos não
ocorrem (exceto nos Lepidotrichidae), os palpos maxilares são 5-segmentados e
mandíbulas articuladas através de dois côndilos. Os styli ocorrem em geral ape-
nas no 7º e 9º segmentos abdominais. Os tisanuros, em inglês “silverfishes”, são
assim denominados devido ao brilho prateado das escamas que cobrem os seus
corpos, sendo seus movimentos semelhantes à de um peixe nadando. Podem
alcançar até 1cm de comprimento e são encontrados em cantos úmidos ou entre
livros e jornais. Os tisanuros se alimentam de cereais, massas, papel, tecidos e
carne seca. Alguns Zyngetoma podem ser encontrados em ambientais unidos,
tais como sob o folhiço e em cavernas, enquanto outros são bastante resistentes a
dessecação e podem retirar água da atmosfera. Outras espécies são comensais e
vivem associados à colônia de formigas. São insetos ágeis, onívoros ou fitófagos.

9.2.2. Os insetos pterigotos

9.2.2.1. Paleoneoptera

Ordem Ephemeroptera. As efêmeras pertencem à ordem Ephemeroptera


(Grego: ephemeros- vida curta, pteron- asa), sendo que o nome desta ordem refere-
se ao curto período de vida dos adultos. Estes insetos têm sido, juntamente com
os Odonata, arranjados dentro de um agrupamento denominado Paleoptera. Os
efemerópteros são insetos aquáticos cujos estágios imaturos (denominado de
náiades) passam cerca de 1 ano em água doce. A fase adulta é efêmera e dura
algumas horas ou poucos dias, dependendo da espécie. São conhecidas cerca de
2500 espécies efemerópteros. Na língua inglesa os efemerópteros são conheci-
dos como “dayfly”, “shadfly” e “fishfly”.

Ordem Odonata. A ordem Odonata (odonata-dente) compreende os in-


setos comumente conhecidos como libélulas. Os representantes deste grupo
são relativamente grandes e de coloração exuberante, que passam grande parte
de suas vidas voando. Os estágios imaturos são aquáticos e os adultos sempre
associados a corpos d´água. Todos os estágios são predadores e os adultos são
inofensivos ao homem, uma vez não mordem nem ferroam. Essa ordem tem
sido tradicionalmente agrupada aos efemerópteros e a um grupo de ordens já
extintas denominado Paleoptera, entretanto, este agrupamento parece ser pa-
rafilético.
60 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

A principal característica que os Odonata têm em comum com os Ephe-


meroptera é a maneira pela qual as asas são articuladas e controladas. As libé-
lulas apresentam cabeça caracteristicamente grande e oval, com olhos compos-
tos bastante desenvolvidos ocupando grande parte da cabeça. As pernas são
adaptadas à captura de presas (essencialmente outros insetos) durante o voo,
possuem dois pares de grandes e transparentes asas que movem-se independen-
temente e um abdômen bastante alongado. Na maioria das famílias ocorre um
pterostigma proeminente na borda superior das asas. Tais estruturas são áreas
pigmentadas, densas e preenchidas por hemolinfa. As funções do pterostigma
ainda são incertas, porém, provavelmente relacionadas à aerodinâmica e ao re-
conhecimento visual. Além disso, adição de mais massa ao final da asa reduz a
energia necessária para que as asas batam repetidamente. A combinação exata
entre a rigidez e massa alar pode reduzir o consumo de energia durante o voo.
Um pterostigma é também encontrado em outros insetos, tais como abelhas e
vespas.
Embora, a primeira vista, pareçam bastante semelhantes entre si, os
Anisoptera (libélulas) e os Zygoptera (donzelinhas, libelinhas ou cavalinhos-
do-diabo) divergem em várias características facilmente reconhecíveis. Os Ani-
soptera são maiores e mais robustos, são voadores mais ágeis e em repouso as
asas permanecem na posição horizontal. Os Zygoptera são mais frágeis menos
robustos, e as asas permanecem verticalmente ao corpo quando em repouso.
Nas libélulas os olhos compostos ocupam grande parte da cabeça e, geralmente,
tocam um ao outro. Nas donzelinhas, há tipicamente um espaço entre os olhos
compostos.
Os estágios juvenis são aquáticos ou semiaquáticos. Desta forma, os adul-
tos são mais frequentemente avistados perto de corpos d’água, e comumente
descritos como insetos aquáticos. Entretanto, muitas espécies são observadas
procurando presas em grandes áreas abertas e topos de montanhas. As libélulas
são “insetos de rapina”, uma vez que apresentam uma espetacular agilidade na
captura de presas durante o voo.
Os ovos são depositados na água ou na vegetação circundante, ao eclodir
dão origem a ninfas que tornam-se (na maioria das espécies) vorazes preda-
doras de outros organismos aquáticos, incluindo pequenos peixes. As ninfas
aumentam em tamanho e desenvolvem-se nos adultos alados. Os machos das
libélulas e donzelinhas são peculiares entre os machos de outros insetos, pois
sua genitália está localizada ventralmente no segundo segmento abdominal.
Antes de copular, o macho deve transferir o esperma da abertura genital, lo-
calizada no 9º segmento abdominal para seu órgão copulatório, localizado no
2º segmento abdominal. O macho então dobra seu abdômen e realiza a trans-
ferência. Durante o acasalamento, o macho agarra a fêmea pelo tórax, ou por
detrás dos olhos, com os clásperes que possui na extremidade abdominal. Em
seguida, a fêmea dobra a ponta do abdômen adotando a posição ideal para a
transferência do esperma.
Insetos, entomologia e ciências forenses 61

9.2.3. Neoptera

9.2.3.1. Polyneoptera

Ordem Orthoptera. Orthoptera (ortho – reto, ptera – asas) é uma ordem


de insetos hemimetábolos que inclui os gafanhotos, grilos, paquinhas e espe-
ranças. Os ortópteros são insetos de médio a grande porte, com pernas poste-
riores bem desenvolvidas adaptadas para o salto. Os olhos compostos são bem
desenvolvidos, as antenas alongadas e multisegmentadas Nesta ordem, muitos
insetos são capazes de produzir sons (conhecido como “estridulação”) através
de modificações das nervuras das asas posteriores ou dos fêmures posteriores.
O par de asas anterior é coriáceo e reduzido formando estruturas denominadas
tégminas, as asas posteriores são largas e possuem ampla nervação, dobrando-
se por debaixo das tégminas. O aparelho auditivo (órgão timpânico) localiza-se
na tíbia anterior. O abdômen possui 8 ou 9 segmentos facilmente visíveis, sendo
que 2 ou 3 segmentos terminais são reduzidos. Na porção terminal do abdômen
ocorrem longos cercos, nas fêmeas o ovopositor é bem desenvolvido. Esta ordem
é subdividida em 2 grandes subordens monofiléticas: Caelifera e Ensifera.

Ordem Phasmatodea. Esta ordem compreende os insetos popularmente


conhecidos como bichos-pau, mas há várias outras denominações, tais como,
treme-treme, taquarinha, taquara-seca, cipó-seco e bicho-folha. O nome deriva
do termo Grego phasma, que significa “aparição” ou “fantasma”, e refere-se à
aparência críptica e ao mimetismo observado neste grupo. Os bichos-pau apre-
sentam corpo alongado, subcilíndrico, liso ou com expansões; pernas geralmen-
te longas e finas, às vezes com espinhos ou expansões; cabeça pequena, livre,
com olhos bem desenvolvidos (dois ou três ocelos quando presentes); antenas
filiformes; asas atrofiadas, ausentes ou presentes e bem desenvolvidas (às vezes
muito semelhantes a folhas); protórax pequeno, enquanto metatórax e meso-
tórax são grandes; abdômen formado por 19 urômeros. Os maiores espécimes
atingem até 33 cm de comprimento. São mestres na camuflagem mimetizando
perfeitamente gravetos, galhos, folhas e até mesmo liquens. Algumas espécies
secretam jatos de substâncias repelentes ou irritantes através de glândulas lo-
calizadas na porção anterior das coxas das pernas anteriores. Tais substâncias,
utilizadas para repelir predadores, podem irritar e até mesmo queimar a pele
de humanos. Em sistemas de classificação mais antigos este grupo era conside-
rado uma subordem dos Orthoptera. Atualmente, a ordem Phasmatodea está
intimamente relacionada às ordens Mantophasmatodea e Grylloblatodea. Este
agrupamento forma um clado irmão à superordem Dictyoptera.

Ordem Grylloblattodea. É uma pequena ordem de insetos ápteros que


habitam regiões que apresentam condições ambientais extremas (extremófilos),
como topos gélidos de montanhas. Esta ordem é constituída de apenas uma
família – Grylloblattidae – e 25 espécies. Sua distribuição restringe-se a Ásia
e a América do Norte, sendo que nenhuma espécie foi descrita no hemisfério
sul. O nome desta ordem deriva da combinação de duas palavras latinas: “gryl”
62 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

que significa grilo e “blatta”, que significa barata. A primeira espécie descrita foi
Grylloblatta campodeiformis em 1915. A maioria tem hábito noturno e alimentam-
se de detritos. Apresentam longas antenas (23-45 segmentos) e longos e flexí-
veis cercos (5-8 segmentos). Este grupo é aparentado às ordens Phasmatodea e
Manthophasmatodea.

Ordem Mantophasmatodea. É uma ordem que compreende insetos car-


nívoros Africanos descoberta em 2002, representando a primeira ordem desco-
berta desde 1914. Os representantes desta ordem foram chamados popularmen-
te de gladiadores, devido a presença de uma “armadura” externa durante os
estágios imaturos. São endêmicas do oeste da África do Sul e Namíbia, embora,
fósseis do Eoceno sugiram uma distribuição mais ampla de seus ancestrais. Os
membros desta ordem são ápteros durante todo seu ciclo de vida, tornando difí-
cil sua identificação. Eles se assemelham a uma mistura entre um louva-a-Deus
(ordem Mantodea) e um bicho-pau (ordem Phasmatodea). Evidências molecu-
lares têm mostrado que esta ordem está mais próxima filogeneticamente das
ordens Phasmatodea e dos Grylloblattodea. Os “gladiadores” formam primeira-
mente descritos a partir de espécimes vivos coletados na Namíbia (Mantophasma
zephyra e M. subsolana) e um fóssil de uma espécie Báltica preservada em âmbar
(Rhaptophasma kerneggeri), datado de 45 milhões de anos. Os pesquisadores que
descobriram esta ordem não descartam a possibilidade de que os dois espécimes
de Mantophasma representem, na verdade, uma única espécie com tamanhos di-
ferentes, podendo refletir um dimorfismo sexual, contudo, a ampla separação
geográfica entre os espécimes reforça a hipótese de que são espécies distintas.

Ordem Dermaptera. Esta ordem compreende os insetos popularmente


conhecidos como “tesourinhas”. A ordem Dermaptera (derma – pele, ptera – asas)
é caracterizada pela presença de asas membranosas ou coriáceas. Os adultos
possuem geralmente dois pares de asas, sendo as asas anteriores curtas, coriáce-
as e sem nervuras (similares aos éritros do Coleoptera), e as posteriores, quando
presentes, são membranosas e arredondadas, sendo que, quando em repouso são
dobradas para cima, sobre as asas anteriores. Uma vez que as asas são bastante
curtas o abdômen fica totalmente ou parcialmente exposto, sendo normalmente
largo e deprimido, com dez segmentos completos distintos, embora nem todos
sejam sempre visíveis. No término do abdômen encontram-se os cercos e cada
um de seus artículos formam em uma única estrutura esclerotizada, tipicamen-
te mais larga na base e estreitando ao longo do comprimento. A ordem Dermap-
tera é relativamente pequena constituída de 10 famílias e cerca de 1800 espécies
descritas. São encontrados principalmente em zonas tropicais ou subtropicais,
havendo raras ocorrências em zonas temperadas. Não há evidência que estes
insetos sejam vetores de doença de seres humanos e animais ou que causem
qualquer outro tipo de dano, apesar de serem conhecidos como “tesourinhas”.

Ordem Plecoptera. O nome desta ordem deriva do Grego (pleikein, tran-


çada; ptera, asas), e compreende os insetos conhecidos na língua inglesa como
“stoneflies.” Há cerca de 1700 espécies descritas em todo o mundo. As ninfas
Insetos, entomologia e ciências forenses 63

dos plecópteros são aquáticas e comumente observadas em rios, riachos e lagos,


podem ser predadoras, herbívoras ou onívoras. Cerca de 10 mudas antecedem o
estágio adulto, que geralmente é terrestre.
O adulto possui 2 pares de asas membranosas que em repouso dobram-
se longitudinalmente sobre o corpo. Tanto as ninfas como os adultos possuem
um par de longos cercos, localizados na porção terminal do abdômen. Algumas
espécies são ápteras, tal como Copnia lacustra, que representa a única espécie de
inseto completamente aquática.
Acredita-se que os plecópteros representem uma das ordens mais basais
de insetos, com registros fósseis de espécies aparentadas datados do Carbo-
nífero e do final do Permiano. Os Plecoptera apresentam distribuição global,
contudo, são mais abundantes nas regiões tropicais e subtropicais. Embora
se observe grande diferença entre as populações do hemisfério sul e norte,
evidências evolutivas sugerem que fluxo de espécies entre essas duas regiões
ocorreu diversas vezes antes do isolamento geográfico. Todas as espécies de
plecópteros são importantes bioindicadores uma vez que são bastante sensí-
veis à poluição aquática, e sua presença em riachos e lagos indica excelente
qualidade da água.

Ordem Embiidina (Embioptera). Os embiídeos formam um pequeno gru-


po de insetos na maioria tropicais e subtropicais, classificados como Pterygota.
O nome Embioptera origina-se do radical grego “embio”, que quer dizer “vivo”
e faz alusão ao movimento das asas do primeiro espécime macho descrito. Este
grupo apareceu pela primeira vez provavelmente no início do Carbonífero. To-
das as fêmeas são ápteras, assim como os machos de algumas espécies. Os em-
biídeos produzem seda a partir de estruturas localizadas em suas pernas ante-
riores. Estes insetos vivem abrigados sob túneis ou galerias de seda, no solo, em
pedras, sob a casca ou sobre o tronco de plantas; aí se deslocam com vivacidade.
Ha espécies solitárias e gregárias, que, neste caso, formam pequenas colônias
constituídas por algumas dezenas de indivíduos. Esta ordem apresenta cerca de
300 espécies descritas.

Ordem Zoraptera. A ordem Zoraptera (zor – puro, aptera – sem asas)


compreende apenas uma única família (Zorotypidae), que por sua vez contem
um único gênero, Zorotypus. Contudo, registros fósseis do Cretáceo revelaram
a existência de uma espécie de outro gênero, Xenozorotypus burmiticus, perten-
cente também à família Zorotypidae. Comumente chamados zorápteros, são em
geral, pequenos (cerca de 2 a 3mm) e assemelham-se aos cupins (Ordem Isopte-
ra) tanto na aparência geral quanto em seu comportamento gregário. Cerca de
30 espécies foram descritas em todo o mundo. Os zorápteros vivem sob madeira
podre, se alimentando de esporos de fungos, detritos, pequenos insetos e áca-
ros. Em geral, os zorápteros possuem 4 asas, sendo que ambos os sexos passam
por uma fase alada e outra áptera, nesta última os olhos não estão presentes.
Em boas condições ambientais a fase áptera e cega é a dominante, contudo se
seu habitat é perturbado, os zorápteros produzem indivíduos alados com olhos
desenvolvidos. A forma alada em geral, está relacionada à dispersão destes ani-
64 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

mais para locais onde possam viver sem perturbações. Esta forma apresenta
antenas moniliformes 9-segmentadas.

Ordem Isoptera. Os cupins, também conhecidos como “siriris”, “aleluias”


ou até mesmo “formigas-brancas”, são insetos sociais agrupados na Ordem
Isoptera (iso – igual, ptera – asas). Os cupins alimentam-se de material vegetal
em decomposição, como madeiras e folhiço, sendo que cerca de 10% das espécies
taxonomicamente conhecidas (aproximadamente 2600 espécies) são importan-
tes economicamente e representam pragas que podem causar sérios danos, às
construções e plantações. Os cupins têm grande importância ecológica, princi-
palmente nas regiões tropicais e subtropicais, uma vez que são decompositores
e participam da reciclagem de materiais vegetais. São insetos altamente euso-
ciais com sistema de casta muito bem definido.

Ordem Mantodea. Esta ordem compreende os insetos conhecidos como


“louva-Deus” ou “cavalinhos de Deus”, cerca de 2300 espécies foram descritas,
pertencendo, principalmente, à família Mantidae. Seu nome popular deriva do
fato de que, quando em repouso, o inseto assume uma posição que lembra uma
pessoa em oração. A ordem Mantodea é filogeneticamente aparentada às or-
dens Isoptera (cupins) e Blattaria (Baratas), sendo que algumas vezes estas três
ordens são agrupadas em uma única superordem. Os mantídeos são notavel-
mente grandes e apresentam reflexos rápidos. Sua dieta consiste basicamente de
insetos vivos, incluindo moscas e afídeos. Entretanto, espécies maiores podem
se alimentar de pequenos lagartos, sapos, pássaros, cobras e até mesmo roedo-
res. Os mantídeos são predadores vorazes, a maioria adota a táctica de “sentar
e esperar”, assim que a presa chega bem próxima, o inseto profere um ataque
extremamente rápido e eficiente. Outras espécies, no entanto, são caçadoras ati-
vas e capturam suas presas rapidamente. As pernas anteriores dos mantídeos
são raptoriais, possuem espinhos e são modificadas para aprisionar as presas
enquanto são devoradas.
Os mantídeos são mestres da camuflagem, sua coloração permite que
sejam confundidos com a vegetação, e desta forma, se protegem de predado-
res e criam uma condição ideal para emboscar as presas. Algumas espécies
Australianas e Africanas adaptaram-se a ambientes frequentemente expostos a
incêndios, assumindo uma coloração mais escura após a muda, e desta forma,
são confundidos com a paisagem recém queimada. Além de sua coloração per-
mitir que sejam confundidos com as folhagens, muitas espécies de mantídeos
mimetizam folhas, galhos, flores e até mesmo pedras. Os mantídeos são insetos
hemimetábolos, sua dieta e coloração variam de acordo com o crescimento do
inseto.

Ordem Blattodea. A ordem Blattodea (do Grego: blatta – barata) compre-


ende insetos popularmente conhecidos como baratas. As baratas são cosmopo-
litas, não ocorrendo apenas nas regiões polares. As baratas são insetos com o
corpo dorsoventralmente achatados geralmente ovalado. Possuem antenas fili-
formes e multisegmentadas, a cabeça é hipognata e os olhos compostos são bem
Insetos, entomologia e ciências forenses 65

desenvolvidos, os ocelos são modificados em manchas ocelares denominadas


fenestrae. O protórax apresenta um pronoto bastante desenvolvido que frequen-
temente cobre a cabeça. A as asas anteriores são esclerotizadas protegendo as
asas posteriores, que são membranosas. As pernas podem conter espinhos e são
adaptadas para a corrida. O abdômen apresenta 10 segmentos visíveis e uma
placa subgenital, formada pelo 9º esterno. Os machos possuem órgãos genitais
assimétricos articulados à placa subgenital. Os cercos podem ser multisegmen-
tados e o ovopositor das fêmeas em geral é pequeno.
Entre as espécies mais conhecidas destacam-se a barata americana,
Periplaneta americana; a barata alemã, Blattela germânica e a barata asiática, Blatella
asahinai. As baratas são popularmente conhecidas por serem pragas domésticas,
contaminando alimentos e dispensas de casas, no entanto, são conhecidas cerca
de 5500 espécies e somente uma pequena parcela merece tal designação.
As Baratas são insetos predadores ou onívoros. Algumas exceções como
Cryptocercus consomem madeira, tal gênero é encontrado na China e nos Estados
Unidos. Tais espécies são capazes de digerir a celulose através de uma relação
simbiótica com protozoários celulolíticos. Devido a esta característica, recentes
estudos sugerem que o gênero Cryptocercus é mais aparentado filogeneticamen-
te aos cupins do que aos outros grupos de baratas. A diversidade das baratas é
maior nas regiões tropicais e subtropicais. As fêmeas frequentemente são vistas
carregando um estojo de ovos na extremidade do abdômen, denominado ooteca,
podendo armazenar cerca de 30 a 40 ovos. Os ovos eclodem a partir de uma
pressão de ar produzida pelo movimento sincrônico da prole; esta é composta
inicialmente por ninfas brilhantes e esbranquiçadas. Dentro de cerca de 4 horas,
as ninfas tornam-se escuras e rígidas.

9.2.3.2. Paraneoptera

Ordem Hemiptera. Hemiptera (hemi – metade, ptera – asas) é a maior or-


dem de insetos exopterigotos, sendo que cerca de 80.000 espécies já foram descri-
tas. Tais insetos são popularmente conhecidos como percevejos. As mandíbulas
e maxilas dos hemípteros são afiladas em forma de agulha, contidas no interior
de um labium flexível e segmentado, formando um rostrum ou uma probóscide.
Os hemípteros não possuem palpos labiais nem maxilares. O protórax e o meso-
tórax são geralmente grandes, enquanto o metatórax é pequeno. A venação alar
de ambos os pares pode ser reduzida, há formas ápteras e com apenas um par
de asas (machos de diminutas espécies de hemípteros). Não apresentam cercos.
As classificações mais antigas dividiam os Hemiptera em dois grandes grupos:
(1) Heteroptera, conhecidos com “insetos verdadeiros” ou “True bugs” ou sim-
plesmente percevejos e (2) Homoptera (Auschenorryncha + Sternorryncha), re-
presentados pelas cigarras, cigarrinhas e afídeos. As relações entre os grupos de
hemípteros ainda não são completamente definidas, mas sabe-se que os Hemip-
tera representam um grupo irmão aos Thysanoptera dentro dos Paraneoptera.
Atualmente a origem monofilética dos Heteroptera com os Sternorryncha tem
sido sustentada por diversos autores, entretanto, os Auschenorryncha parecem
ser parafiléticos.
66 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Tanto os Homoptera com os Heteroptera são em sua maioria insetos ter-


restres. Alguns heterópteros, entretanto, se adaptaram a vida aquática. Tais
espécies desenvolveram uma espécie de um plastrão para realizar as trocas
gasosas. Todos os homópteros e muitos heterópteros se alimentam de fluidos
de vegetais. Utilizam seu aparato bucal especializado, para perfurar e sugar os
conteúdos das células vegetais. Muitos destes hemípteros são vetores de diver-
sas doenças que atacam vegetais. Entre os Heteroptera predadores, destacam-se
os membros da família Reduviidae, vetores do protozoário causador da Doença
de Chagas (Trypanossoma cruzi). Muitas outras espécies predadoras são eficientes
controladoras de pragas agrícolas e utilizadas em programas de controle bioló-
gico.

Ordem Thysanoptera. A ordem Thysanoptera (thysano – franja, ptera –


asas) compreende pequenos insetos com asas franjadas denominados “tripes”.
Em algumas regiões do Brasil estes insetos são também conhecidos como “la-
cerdinhas”. Os tripes podem se alimentar de material vegetal e animal, através
da sucção de seus conteúdos internos. Várias espécies de tripes são consideradas
pragas, pois se alimentam de plantas de alto valor comercial. Algumas espécies
se alimentam de outros insetos e ácaros e são consideradas benéficas, outras, se
alimentam de esporos de fungos e pólen. Atualmente, cerca de 5000 espécies
já foram descritas. Em geral, os tripes são insetos minúsculos (cerca de 1mm
de comprimento) e voadores pouco eficientes, entretanto, podem ser carrega-
dos pelo vento por longas distâncias. Em condições ambientais adequadas as
populações de tripes podem crescer extraordinariamente, causando problemas
ao homem.
O aparelho bucal dos tripes é formado por peças assimétricas e é do tipo
sugador. O conjunto das peças bucais forma uma estrutura em forma de cone
denominada cone bucal. Dentro do cone bucal deslocam-se 3 estiletes, utiliza-
dos para furar e sugar os conteúdos internos de células vegetais. Os tripes, ao
contrário dos Hemiptera, possuem apenas um estilete mandibular, sendo o se-
gundo reduzido ou não funcional. O estilete mandibular funcional é utilizado
para furar a parede das células vegetais ou penetrar nos grão de pólen, permi-
tindo o acesso aos conteúdos internos de tais estruturas. Os tripes alimentam-se
de centenas de espécies de plantas importantes economicamente, especialmente
durante a florada, período em que estes insetos aproveitam para se alimentar
dos grãos de pólen. Muitas espécies de tripes são pragas agrícolas, seu hábito
alimentar prejudica muitas vezes o desenvolvimento das flores, causando des-
coloração ou deformidades, agregando menor valor comercial para as plantas
afetadas.
Os tripes dos gêneros Frankliniella e Thrips também são vetores de do-
enças que atacam vegetais, especialmente viroses, tal como tospovirose. A es-
pécie Franklionella occidentalis, distribuída globalmente, é considerado um vetor
primário de doenças causadas por tospovirus. Mais de 20 infecções virais que
afetam plantas são transmitidas por tripes. Tais viroses atacam frequentemente
plântulas, e representam as infecções mais danosas hoje existentes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 67

A duração de uma geração varia entre 7 a 23 dias, dependendo da tem-


peratura. O ovo tem cerca de 0.2mm de comprimento e é reniforme (em forma
de rim), a eclosão pode levar até 3 dias. Os tripes apresentam 2 estágios larvais,
depois passam pelo estágio de prépupa e pupa, o adulto atinge a maturidade
sexual entre 1 a 4 dias após emergir. As fêmeas da subordem Terebrantia são
equipadas com ovipositores capazes de perfurar a parede vegetal para realizar
a postura dos ovos no interior da planta. Já as fêmeas da subordem Tubulifera
não apresentam ovipositor e botam seus ovos solitariamente ou em pequenos
grupos na superfície externa das plantas.

Ordem Psocoptera. A ordem Psocoptera (psoco – tritura, ptera – asas)


compreende os insetos conhecidos popularmente como piolhos-dos-livros. Esta
ordem apareceu primeiramente no Permiano entre 295 e 248 milhões de anos.
Os psócidos representam os insetos hemipteróides mais basais, e mais de 5500
espécies já foram descritas em 41 famílias e 3 subordens. Muitas espécies têm
sido descritas recentemente. Os psócidos são em geral pequenos insetos de 1 a
10mm de comprimento, seu nome popular (piolhos-dos-livros) deriva do fato de
serem encontrados comumente em livros antigos, roendo a cola usada para unir
as páginas.

Ordem Phthiraptera. A ordem Phtriraptera (phthir – piolho, aptera –


sem asas) compreende pequenos insetos ápteros ectoparasitas de pássaros
e mamíferos conhecidos como piolhos. Estes insetos são normalmente divi-
didos em duas subordens, os Mallophaga (piolhos mastigadores) e os Ano-
plura (piolhos sugadores). A subordem Anoplura contém diversas espécies
parasitas de animais domésticos e 2 espécies que atacam humanos. Além de
causar grande irritação, alguns destes insetos são vetores de importantes
doenças e muitos piolhos mastigadores são pragas de galináceos, causando
prejuízo para granjeiros. Os piolhos mastigadores, em geral, não costumam
atacar humanos. Os Anoplura se alimentam do sangue dos hospedeiros,
suas peças bucais modificaram-se em um aparelho sugador que consiste em
3 estiletes perfuradores retráteis em uma bolsa bucal. Os tarsos dos piolhos
sugadores são geralmente 1-segmentado e possuem uma única garra bem
desenvolvida, que articula-se a um processo tibial, permitindo que o inse-
to prenda-se firmemente ao hospedeiro. Os Phthiraptera apresentam meta-
morfose simples.

9.2.3.3. Oligoneoptera (endopterygota)

Ordem Coleoptera. A ordem Coleoptera (coleo – estojo, ptera – asas) (Fi-


gura 21) é a maior ordem de insetos, compreendo cerca de 350.000 espécies des-
critas. Tal diversidade representa aproximadamente 40% de todos os hexápodes
conhecidos. Estima-se que possivelmente milhões de espécies de coleópteros
ainda foram descobertas.
68 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Figura 21. Coleópteras de importância forense. Dermestes maculatus e Necrobia


rufipes. Fotografado por Guilherme Gomes.

A característica mais diagnóstica dos coleópteros é com certeza a pre-


sença de asas anteriores bastante esclerotizadas, formando estruturas rígidas,
denominadas élitros. Tais estruturas muitas vezes escondem totalmente o ab-
dômen, funcionando como um escudo protetor contra o ataque de predadores
ou choques mecânicos. Quando em repouso, as asas posteriores permanecem
dobradas sob os élitros. As asas posteriores são membranosas e muito maiores
que os élitros, possibilitando que o animal possa alçar voo. A diversidade mor-
fológica e ecológica dos coleópteros é enorme, com certeza forneceria material
suficiente para a publicação de diversos livros. Desta forma, apenas algumas
características básicas deste grupo serão abordadas neste tópico e um capítulo
deste livro será destinado aos coleópteros dado a sua importância forense.
A cabeça dos besouros pode ser hipognata ou prognata, e o aparelho bucal
é geralmente do tipo mastigador. Os olhos compostos são bem desenvolvidos,
mas há formas em que estão ausentes ou reduzidos, as antenas são 11-segmen-
tadas assumindo diversos tipos morfológicos. O protórax em geral é bastante
grande e pouco móvel, as pernas são frequentemente semelhantes, mas depen-
dendo do grupo podem apresentar adaptações, assumindo diferentes funções.
O abdômen é 10-segmentado e o número de segmentos visíveis depende do ta-
manho dos élitros.
Os besouros são insetos holometábolos, e a morfologia larval varia con-
sideravelmente entre as diferentes famílias. Cerca de 98% de todas as espécies
de besouros são terrestres, contudo, devido ao seu hábito de vida críptico, são
pouco observadas. Alguns grupos são dulcícolas ou habitam a zona litorânea,
porém não relatos de sua ocorrência em regiões polares. Os coleópteros prestam
Insetos, entomologia e ciências forenses 69

importantes serviços aos ecossistemas. Os besouros são importantes agentes


decompositores, uma vez que se alimentam de material vegetal e animais em
decomposição e ao mesmo tempo participam da ciclagem de nutrientes, pro-
cesso essencial na formação do solo. Por outro lado, os coleópteros servem de
alimento para vários animais, incluindo pássaros e mamíferos, desta forma são
importantes na manutenção das redes tróficos nos ecossistemas. Certas espécies
são consideradas pragas agrícolas, enquanto outras apresentam uma grande im-
portância no controle biológico. Os coleópteros representam a segunda ordem
de insetos de maior importância forense, perdendo apenas para os dípteros.

Ordem Neuroptera. Os insetos da ordem Neuroptera (neuro – nervura,


ptera – asas) apresentam asas com nervuras arranjadas em rede. Este ordem in-
clui as formigas-leão, crisopas e insetos relacionados (grupo conhecido como
Planipennia). A ordem compreende mais de 4000 espécies descritas. Tradicio-
nalmente, a ordem Neuroptera inclui as ordens Megaloptera (conhecidos na
língua inglesa por “alderflies” e “dobsonflies”) e Raphidioptera (“snakeflies”),
entretanto, classificações mais atuais tratam tais grupos como três ordens dis-
tintas. Algumas vezes encontra-se o termo Neuropterida para agrupar as três
ordens acima em um único grupo. Os neurópteros adultos possuem 2 pares de
asas membranosas, sendo que as asas anteriores e posteriores são quase do mes-
mo tamanho, e ambas muito enervadas. Seu aparelho bucal é do tipo mastigador
e são holometábolos. Em geral são predadores, embora haja algumas exceções.

Ordem Hymenoptera. A ordem Hymenoptera (hymeno – membrana, ptera


– asas) compreende insetos conhecidos como sinfitas, vespas, abelhas e formi-
gas. Cerca de 130.000 espécies foram descritas, com distribuição cosmopolita. O
nome desta ordem deriva da natureza membranosa das asas encontradas neste
grupo de insetos. A cabeça é hipognata, os olhos compostos bem desenvolvidos
três ocelos estão presentes e as peças bucais são adaptadas à mastigação e suc-
ção. Em geral os himenópteros possuem 2 pares de asas, sendo que as anteriores
são conectadas às posteriores por uma série de ganchos denominados hámu-
los. Formas braquípteras ou ápteras ocorrem em determinados grupos como
os Chalcidoidea. As fêmeas de alguns grupos de himenópteros apresentam um
ovopositor bem desenvolvido para inserir os ovos dentro do hospedeiro ou em
outros lugares de difícil acesso, como troncos de árvores. Em outros grupos
(Aculeata) o ovopositor modificou-se em um ferrão, com função a inicial de pa-
ralisar as presas e secundariamente de participar da defesa, em espécies sociais.
Os himenópteros são haplodiplóides, ou seja, os ovos fertilizados pos-
suem dois conjuntos cromossômicos, e se desenvolvem em fêmeas diplóides,
enquanto que os ovos não fertilizados recebem somente um conjunto, e se de-
senvolvem em machos haplóides. No entanto, os mecanismos genéticos de de-
terminação do sexo em organismos haplodiplóides são mais complexos e não
são completamente entendidos. A consequência imediata da haplodiploidia
nos Hymenoptera é que irmãs filhas de um mesmo pai e da mesma mãe (“Full
Sisters”) são mais aparentadas entre si do que com a própria mãe. Segundo
Hamilton (1964a e b; 1972) tal condição gênica particular dos himenópteros teria
70 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

favorecido o surgimento do comportamento eusocial neste grupo, baseado prin-


cipalmente no cuidado cooperativo da prole e na divisão de trabalho.
A maioria dos himenópteros adultos se alimenta quase que estritamente
de néctar e honeydew e, desta forma, são frequentemente observados próximas
às flores. Outras espécies são predadoras, enquanto algumas se alimentam de
tecidos vegetais ou fungos. Os himenópteros sociais, principalmente as abelhas,
são os mais importantes agentes polinizadores, uma vez que em sua busca por
néctar e pólen para alimentar sua prole, acabam realizando a polinização cruza-
da de diversas plantas. As vespas, por sua vez, alimentam sua prole com tecido
animal, principalmente proveniente de lagartas e aranhas, e por isso são impor-
tantes agentes no controle de pragas florestais e agrícolas.
Alguns membros desse grupo podem se alimentar ocasionalmente de te-
cidos animais em decomposição. Desta forma é frequente se observar a presença
de himenópteros durante a sucessão entomológica que ocorre em carcaças. Tais
insetos se alimentam da carne apodrecida, fluidos ou exsudados corporais ou
podem predar larvas de moscas e coleópteros, presentes nos processos de su-
cessão. A relevância dos himenópteros em estudos de entomologia forense será
mais bem abordada mais adiante neste livro.

Ordem Trichoptera. Os membros da ordem Trichoptera (tricho – pelo,


ptera – asas) são denominados “moscas d’água”, “friganídeos” ou “friganas”,
em inglês são chamados de “caddisflies”. São pequenos insetos com dois pares
de asas membranosas e pilosas, lembram pequenas mariposas, sendo filogene-
ticamente relacionados aos Lepidoptera. As ordens Trichoptera e Lepidoptera
juntas formam a superordem Amphiesmenoptera. Os tricópteros possuem lar-
vas aquáticas e são encontrados em uma grande variedade de corpos d’água,
tais como poças, rios, riachos e lagos. Esses insetos são considerados arquitetos
aquáticos, pois a maior parte das espécies constrói casulos de seda que utilizam
como abrigo durante a fase larval. De acordo com o uso da seda, os tricópteros
podem ser classificados em 3 categorias comportamentais: (1) algumas larvas
constroem engenhosas redes de seda utilizadas para reter partículas alimen-
tares arrastadas pela correnteza (algas, zooplâncton e invertebrados aquáticos),
que são utilizadas como alimento; (2) outras utilizam a seda para cimentar par-
tículas sólidas encontradas no meio líquido e construir estojos fixos ou móveis,
numa extraordinária variedade de formas, dependentes, naturalmente, do ma-
terial utilizado pela larva na respectiva construção (pedrinhas, areia, fragmen-
tos de madeira, etc.); (3) algumas espécies vivem livremente, e, neste caso, não
constroem casulo nem redes de retenção de alimentos.
Muitas larvas de tricópteros entram em um período de inatividade de-
nominado diapausa algumas semanas ou meses após atingirem a maturidade,
antes de emergir. A emergência é sincronizada e modulada pela temperatura
amena das águas durante o outono, aumentando a possibilidade de parceiros
sexuais se encontrarem e realizarem a cópula. A pupação nos tricópteros ocorre
de maneira semelhante a dos Lepidoptera, ou seja, antes de empupar as larvas
tecem um casulo de seda, onde ficarão enclausuradas e se transformarão em
pupas. As espécies que constroem estojos fixam-no em algum substrato e empu-
Insetos, entomologia e ciências forenses 71

pam em seu interior. Depois de completado o desenvolvimento, os tricópteros


recortam os estojos e nadam em direção à superfície da água, onde emergem
como adultos completamente desenvolvidos. Algumas espécies nadam até as
margens e rastejam até emergirem. Outras, voam imediatamente após saírem
dos casulos.
O estágio adulto dos tricópteros é bastante curto e varia de uma até duas
semanas. A maioria dos adultos não se alimenta e sua única função é a repro-
dução. Uma vez ocorrida a cópula, as fêmeas botam os ovos (envoltos por uma
massa gelatinosa) acima ou abaixo da superfície da água. Os ovos eclodem após
cerca de 3 semanas.
Embora os tricópteros ocorram em águas limpas e poluídas, a presença
de diversas assembleias em corpos d’água geralmente é indicativo de água de
boa qualidade. Desta forma, assim como efêmerópteros e as libélulas, os tricóp-
teros são bons bioindicadores de qualidade de água. Os tricópteros podem ser
observados em todas as guildas alimentares de água doce, sendo que algumas
espécies são predadoras, outras podem se alimentar de folhas ou algas ou ainda
coletar partículas dissolvidas na água. Em regiões de clima temperado o ciclo de
vida de um tricóptero pode durar cerca de um ano.
O ciclo de vida padrão de um tricóptero de clima temperado compreen-
de uma fase larval de alimentação e crescimento que ocorre durante o outono,
inverno e primavera e uma fase adulta reprodutiva que se inicia entre final da
primavera e o início do outono, embora algumas espécies sejam ativas durante
o inverno. As larvas vivem em águas bastante geladas e frequentemente são
vistas alimentando-se sob o gelo. Assim como em outros insetos aquáticos, mui-
tos tricópteros emergem sincronicamente em massa. Tal padrão de emergência
assegura que o maior número de indivíduos encontre seus parceiros para efeti-
var a cópula no período ideal para a reprodução, tal comportamento é também
observado em peixes salmonídeos.

Ordem Lepidoptera. Estes insetos pterigotos são bastante comuns e bem


conhecidos de todos, são representados pelas borboletas e mariposas. Eles são
facilmente reconhecidos pela presença de escamas nas asas. A ordem Lepidop-
tera (lépido – escama ,ptera – asas) compreende cerca de 11.000 espécies, sendo
que muitos de seus membros apresentam grande importância econômica. Tra-
dicionalmente essa ordem é subdivida nas subordens Rophalocera (borboletas)
e Heterocera (mariposas).
Os adultos de lepidópteros possuem pelas bucais adaptadas a sucção. A
gálea é bastante alongada formando uma longa probóscide, os palpos labiais
são grandes, entretanto as demais peças bucais estão ausentes. Os olhos com-
postos são bem desenvolvidos e os ocelos estão frequentemente presentes. As
antenas são multisegmentadas, sendo pectinadas nas mariposas e clavadas nas
borboletas. As asas são recobertas por escamas e as asas posteriores e anteriores
são conectas por uma estrutura denominada frenulum. Tais escamas são carac-
teres taxonômicos importantes. As larvas possuem a cápsula anterior bastante
esclerotizada e são mandibuladas, possuem 6 ocelos e antenas 3-segmentadas,
possuem pernas torácicas 5-segmentadas e pernas abdominais.
72 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Os lepidópteros são encontrados em quase todos os tipos de habitats e


frequentemente associadas às angiospermas. A grande maioria das espécies
existentes se alimenta de néctar, exsudados de frutos em decomposição e outro
líquidos. Algumas espécies se alimentam de fluidos de animais em decompo-
sição e são frequentemente relatados em estudos forenses. Os lepidópteros são
insetos voadores habilidosos e algumas espécies podem migrar através de gran-
des distâncias. A maioria das espécies apresenta coloração críptica, embora mui-
tos exemplares, em especial de borboletas, são bastante coloridos e brilhantes.
A maioria das larvas borboletas e mariposas são fitófagas, sendo que mui-
tas são consideradas pragas agrícolas e florestais. Em geral, as larvas tecem um
casulo de seda onde empupam e sofrem a metamorfose.

Ordem Siphonaptera. A ordem Siphonaptera (siphon – tubo, aptera – sem


asas) compreende pequenos insetos ápteros conhecidos popularmente como
“pulgas”. Este grupo também recebe os nomes de Aphaniptera e Suctoria, con-
tudo, o nome Siphonaptera é o mais comum para designar tais insetos. As pul-
gas são ectoparasitas hematófagos de mamíferos e aves. Evidências genéticas e
morfológicas indicam que os sifonápteros descendem da família de “escorpiões-
voadores” Boreidae (Ordem Mecoptera), que também são ápteros. É possível
que futuramente, as pulgas sejam agrupadas como uma subordem da Ordem
Mecoptera. Entretanto, mais antigamente, pensava-se que as pulgas eram mais
relacionadas às moscas (Ordem Diptera), devido a semelhanças entre os tipos
larvais.
Entre as pulgas mais bem conhecidas estão as pulgas de gato (Ctenocephalides
felis), de cachorro (Ctenocephalides canis), do homem (Pulex irritans), do rato europeu
(Nosopsyllus fasciatus) e do rato oriental (Xenopsylla cheopis)
Na maioria dos casos as pulgas não causam grande irritação aos hos-
pedeiros, mas em algumas pessoas e animais sua saliva pode causar sérias
reações alérgicas e erupções cutâneas. A mordida das pulgas, em geral, causa
uma pequena irritação cutânea causando um pequeno inchaço da região, co-
mumente é possível observar a perfuração no centro da irritação. As mordidas
aparecem em blocos ou linhas e podem permanecer inchadas e inflamadas
por várias semanas após o primeiro contato. As pulgas podem levar à perda
de cabelos ou pelos, uma vez que os animais frequentemente se cocham ou se
mordem na tentativa de eliminá-las, podendo causar anemia em casos mais
extremos.
As pulgas são também vetores de várias doenças. Um exemplo dramático
foi a peste bubônica, que dizimou milhares de pessoas durante a idade média.
O reservatório natural dessa doença são os ratos e a bactéria causadora (Yersinia
pestis) é transmitida ao homem por meio das pulgas. Outras enfermidades
como a febre tifóide e verminoses causadas por alguns platelmintos, tal como
Hymenolepsis, também podem ser transmitidas por pulgas.

Ordem Mecoptera. A ordem Mecoptera (meco – longo, ptera – asas) com-


preende cerca de 600 espécies de insetos conhecidos como “escorpiões-voado-
res”, distribuídas globalmente. O nome “escorpiões-voadores” deriva do seg-
Insetos, entomologia e ciências forenses 73

mento genital dos machos da família Panorpidae, que tem forma de bulbo e
é curvado para cima, lembrando o “ferrão” de um escorpião. Os Bittacidae
(“hangingflies”) são insetos alongados conhecidos por apresentarem um ritu-
al de cópula muito bem elaborado, no qual as fêmeas escolhem seus parceiros
baseando-se na qualidade dos presentes oferecidos por eles. Evidências recentes
de DNA indicam que as pulgas, comumente agrupadas na ordem Siphonaptera,
são, na verdade mecópteros altamente especializados. Há também algumas evi-
dências morfológicas que justificam o agrupamento das pulgas e mécopteros da
família Boreidae. Duas características sinapomórficas são levadas em considera-
ção: (1) produção de uma cutícula altamente flexível constituída por resilina; (2)
a reversão dos ovários para o tipo panoístico (ovários sem células nutridoras). Se
agrupada juntamente com as pulgas a ordem Mecoptera passaria a ser constitu-
ído por cerca de 3000 espécies.

Ordem Strepsiptera. A ordem Strepsiptera (strepsi – torcido, ptera – asas)


compreende cerca de 610 espécies de insetos cosmopolitas. São parasitóides de
outros insetos, tais como abelhas, vespas, gafanhotos, cigarrinhas, baratas e tra-
ças. Os machos são alados, apresentam pernas, olhos e antenas, sendo seme-
lhantes às moscas, embora não possuam peças bucais funcionais. As fêmeas
de todas as famílias, exceto Mengenillidae, nunca abandonam seu hospedeiro,
são formas neotênicas, ápteras e ápodas. Os machos adultos duram cerca de 5
horas e não se alimentam, sendo sua principal função procurar por uma fêmea
e copular. Para realizar a cópula, a fêmea expõe sua região anterior para fora do
hospedeiro. O esperma passa através de uma abertura localizada na cabeça da
fêmea e cai diretamente na cavidade corporal (hemocele). Os strepsípteros pene-
tram em seus hospedeiros sob a forma de larva, conhecidas como triungulinos.
No hospedeiro, as larvas sofrem hipermetamorfose e tornam-se menos móveis.
Neste estágio as larvas de alimentam dos fluidos da hemocele. A coloração e a
forma do abdômen do hospedeiro podem ser alteradas indicando a presença
destes parasitóides, e, geralmente, os hospedeiros tornam-se estéreis. Após este
estágio as larvas sofrem metamorfose completa e tornam-se adultos. Os machos
adultos emergem do corpo do hospedeiro, enquanto as fêmeas continuam em
seu interior durante todo a sua vida.
Os machos de Strepsiptera possuem olhos não usuais, lembrando os olhos
de um grupo de trilobitas denominado Phacopida. Os olhos dos Strepsiptera são
salientes e possuem algumas dezenas de omatídeos separados por uma pelícu-
la, assumindo a forma de uma amora, cada lente possui sua própria retina. O
nome desta ordem (Kirby, 1813) deriva do fato das asas posteriores permanece-
ram torcidas quando em repouso. As asas anteriores são reduzidas e modifica-
das em halteres.
Os Strepsiptera são taxonomicamente enigmáticos. Alguns pesquisado-
res acreditam representam um grupo irmão aos besouros da família Meloidae e
Ripiphoridae, pois dividem o mesmo hábito parasitário. Outros acreditam que
os strepsípteros formam um grupo irmão com as moscas, pois ambos possuem
asas modificadas em halteres. A espécie mais antiga, Crestostylops engeli, data do
Cretáceo médio, encontrada e conservada em âmbar em Miamar.
74 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Ordem Diptera. Os dípteros (Figura 22) constituem uma das maiores or-
dens de insetos cosmopolitas, sendo que, cerca de 150.000 espécies foram des-
critas. A característica mais diagnóstica dos Diptera (di – dois, ptera – asas) é a
presença de apenas um par asas bem desenvolvidas, uma vez que as asas pos-
teriores se modificaram em pequenas estruturas em forma de baquetas deno-
minadas de halteres (Figura 23). Tais estruturas funcionam como um órgão de
equilíbrio durante o voo. Outras características morfológicas são: a presença de
olhos compostos desenvolvidos, peças bucais adaptadas à sucção, o protórax e o
metatórax são pequenos e fundidos ao mesotórax e os tarsos são 5-segmentados.
As larvas são ápodas na maioria das espécies, sendo a cabeça reduzida ou intei-
ramente vestigial (espécies mais derivadas). As pupas são adectíceas, obtectas
ou exaratas, esta última formando um pupário.

Figura 22. Alguns dípteras de importância forense. Musca domestica e principal-


mente Chrysomya megacephala. Fotografado por Guilherme Gomes.

Figura 23. Asas posteriores modificadas em halteres. Inseto presente na coleção


entomológica do Departamento de Zoologia, do Instituto de Biociên-
cias da UNESP de Rio Claro-SP. Fotografado por Guilherme Gomes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 75

A ordem Diptera esta subdividida em duas grandes subordens: (1) Nema-


tocera (são dípteros pequenos e delicados com antenas 6 -14 segmentadas, são
conhecidos como pernilongos ou mosquitos e representam os dípteros mais an-
tigos) e (2) Brachycera (compreende grupos familiares de moscas como as vare-
jeiras e a mosca-doméstica, as antenas não possuem mais que 7 segmentos e são
aristadas, as larvas são apodas, hemicéfalas ou acéfalas).
Os dípteros são insetos ativos e voadores eficazes, podendo ser encontra-
dos em praticamente todos os tipos de habitats. São insetos diurnos e associados
às flores ou à matéria orgânica em decomposição. A maioria se alimenta de néc-
tar ou exsudados de materiais orgânicos em decomposição, alguns grupos são
especializados em se alimentar de fluidos e tecidos animais. As larvas, em geral,
encontram-se em lugares úmidos e são sugadoras, entretanto, em algumas espé-
cies podem ser necrófagas. Tais larvas possuem importância médica e forense.
Os dípteros são insetos que vivem em extrema associação com os seres
humanos. Os membros da Família Culicidae, por exemplo, são importantes ve-
tores de doenças, como a dengue, febre amarela e malária, sendo conhecidos
como mosquitos ou pernilongos. Gêneros de grande importância médica são
conhecidos nesta família, como por exemplo, Anopheles, Aedes e Culex. Outras
doenças transmitidas por dípteros são a filariose, a doença do sono, a febre ti-
fóide, disenteria, entre outras. As moscas varejeiras (Diptera: Calliphoridae) são
comuns em habitações humanas e podem contaminar alimentos e transmitir
doenças. A espécie Musca domestica é também bastante comum e frequentemen-
te associada aos seres humanos.
Este é a ordem de maior importância em estudos forense e será apresenta-
da com grande riqueza de detalhes em capítulos posteriores.

10. Coleta e manutenção de insetos

Os insetos são extremamente diversos e estudar tal diversidade impli-


ca em coletar alguns exemplares. A identificação das espécies em muitos gru-
pos é extremamente difícil, mesmo para especialistas, e não é incomum que
espécimes sejam equivocadamente identificados ou mudanças nos sistemas de
classificação ocorram devido à descoberta de novas espécies. Para lidar de uma
maneira mais objetiva com os insetos, seja para fins econômicos ou ecológicos,
é necessário que sua história natural e seu tamanho populacional sejam conhe-
cidos. Para prosseguir em tais estudos é necessário saber com clareza com que
espécie de insetos está se trabalhando e como coletá-la. Neste contexto, a preser-
vação inadequada de espécimes, bem como a identificação equivocada podem
gerar conclusões inválidas. Assim mesmo, após o término do estudo não se deve
descartar os espécimes coletados, pois talvez os mesmo necessitem ser reana-
lisados no futuro ou possam auxiliar na resolução de problemas taxonômicos.
Desta forma, exemplares representativos devem ser depositados em museus ou
instituições científicas e constituirão o material-testemunho, também denomi-
nado de “voucher”.
Os estudos com animais vivos são sempre mais interessantes do que com
espécimes preservados, uma vez que comportamentos característicos, como o
76 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

clique de certos besouros elaterídeos (Coleoptera: Elateridae) são geralmente


muito mais fácil de lembrar-se do que detalhes morfológicos encontrados em
chaves de identificação. Ao coletar insetos, o tempo e o esforço gastos são dire-
tamente correlacionados com a habilidade do coletor. Um amador, por exemplo,
pode explorar diferentes habitats na procura de insetos e não perceber sua pre-
sença, mesmo tal região sendo extremamente rica em insetos. Por isso, é neces-
sário que o local visitado seja examinado minuciosamente, o que inclui a procu-
ra ativa em arbustos, vegetação rasteira, flores, fruto em decomposição, folhiço,
fendas no solo, pedras, barrancos, troncos caídos, fezes, lixo, animais mortos,
etc. Deve-se também levar em conta aspectos ecológicos e biológicos como a
sazonalidade, desta forma, a coleta será mais eficiente apenas em determinadas
épocas do ano ou até mesmo em diferentes períodos do dia, uma vez que várias
espécies são diurnas e outras noturnas. Além de aspectos biológicos e ecológicos
da(s) espécie(s) de interesse, para maximizar a eficiência de uma coleta é neces-
sário ter o equipamento básico.

10.1. Equipamento de coleta e formas de fixação

Os equipamentos mínimos necessários para a coleta ativa de insetos são


simples e baratos e consistem basicamente de uma rede entomológica de captu-
ra (“Puçá”) (Figura 24), vidros contendo álcool ou outros fixadores (geralmente
utiliza-se etanol 70 ou 80%) e frascos letais (local onde inseto será morto). Há
várias maneiras de confeccionar os frascos letais: (1) vidros letais com cianeto, no
fundo de um frasco de vidros são colocados cristais de cianeto de cálcio de sódio
ou cianeto de potássio, e sobre esta camada adicionada outras camadas de dife-
rentes materiais, deve-se tomar extremo cuidado ao manipular o cianeto, pois é
uma substância extremamente tóxica; (2) vidro com líquido tóxico, como o acetado
de etila, colocado no fundo do frasco embebido em algodão protegido por uma
pequena placa de papelão perfurado ou papel filtro ou ainda por um tecido co-
nhecido como “filó”. Outros equipamentos incluem envelopes de papel, pinças,
lentes ou lupas de mão. A rede entomológica (Figura 24) é utilizada para captura
de insetos durante o voo ou durante ou forrageio forrageando, em flores ou so-
bre a vegetação ou no solo. Outros itens de valor para alguns tipos de coleta são
aspiradores, armadilhas, redes aquáticas, lanterna, facas ou canivetes e pincéis.

Figura 24. Rede entomológica para captura de insetos. Fotografado por Guilher-
me Gomes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 77

Outras técnicas de coleta podem exigir a utilização de armadilhas, que


podem ser compradas ou confeccionadas pelo próprio pesquisador ou com o
auxílio de técnicos. Não é intuito deste tópico entrar em detalhes a respeito das
maneiras como funcionam as armadilhas nem tão pouco explicar detalhada-
mente como podem ser confeccionadas. Existe na literatura livros e artigos a
respeito de métodos de coleta passiva de insetos, que devem ser lidos para ex-
plicações mais detalhadas. Alguns exemplos de armadilhas utilizadas na coleta
passiva de insetos são: (1) armadilhas interceptadoras de voo (Malaise); (2) ar-
madilhas com atrativos biológicos, químicos ou físicos para borboletas e moscas;
(3) armadilha de Shannon; (4) armadilha luminosa; (5) funil de Berlese; (6) pano
para a coleta de insetos noturnos e (7) bandejas coloridas.
Em relação à coleta de insetos em carcaças ou em matéria orgânica em
decomposição é importante observar detalhes dos processos de decomposição
e sucessão da entomofauna local, a fim de se obter a maior diversidade pos-
sível de insetos. Alguns insetos, como vespas abelhas e outros grupos, estão
presentes em menor frequência em carcaças. Se o interesse é a diversidade das
diferentes ordens de insetos que ocorrem em processos de sucessão, então tais
insetos devem ser coletados. As formas larvais podem ser coletadas por debaixo
da carcaça com o auxílio de uma pinça entomológica. Para a identificação dessas
espécies, pode se criar as larvas em laboratório, em frascos contendo carne ou
outro substrato alimentar, o qual possibilite a manutenção do imaturo vivo até
que seu desenvolvimento se complete e, em seguida, proceder à identificação na
forma adulta.

10.2. Montagem, preservação e fixação de insetos

Insetos podem ser montados e conservados de diferentes formas (Figura


25). Comumente, não há tempo para montagem e o preparo dos espécimes logo
após sua coleta e morte, desta forma, é necessário o uso técnicas para mantê-los
em boas condições até que sejam efetivamente montados. A preservação dos
insetos pode ser obtida via refrigeração, via líquida, ou via seca. A conservação
via líquidos fixadores é recomendada para a montagem de estágios imaturos,
como larvas e ninfas, devido à natureza frágil de seus corpos. Além disso, dimi-
nutos insetos também podem ser conservados em líquidos e acondicionados em
frascos transparentes. Para esse tipo de conservação utiliza-se frequentemente
álcool 70% ou outras soluções, como a de Kahle ou a de Dietrisch, tais misturas
permitem que os insetos sejam conservados por até vários anos. Devido cuida-
do deve ser tomando na escolha do líquido fixador, caso pretenda-se posterior-
mente realizar análises moleculares ou histológicas, nestes casos, os fixadores
apropriados devem ser utilizados. Na preservação via seca os insetos são pre-
servados em mantas ou envelopes de papel, esta abordagem é mais comum em
insetos como os borboletas, mariposas e libélulas. Nesse tipo de preservação
frequentemente os insetos sofrem rápida desidratação e tornam-se quebradiços.
Para contornar este problema utiliza-se uma câmera úmida para reidratar os
espécimes facilitando sua manipulação durante alfinetagem.
78 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Figura 25. Diferentes métodos de preservação de insetos. Fotografado por Gui-


lherme Gomes.

A alfinetagem é considerada o melhor processo de conservação de insetos


muito esclerotizados, preservando colocações e possibilitando fácil manipulação
(Figura 26). Entretanto, no caso de espécimes demasiadamente pequenos não é
possível a utilização de alfinetes entomológicos, e, nesse caso, podem ser fixa-
dos ou apoiados em pequenos triângulos de papel ou em lâminas histológicas.
Insetos alfinetados podem conservar seu aspecto natural, principalmente em
relação á sua coloração e brilho. Geralmente quando se utiliza líquidos fixadores
a coloração é rapidamente perdida, prejudicando o processo de identificação.

Figura 26. Inseto alfinetado preservando sua cor. Inseto presente na coleção en-
tomológica do Departamento de Zoologia, do Instituto de Biociências
da UNESP de Rio Claro-SP. Fotografado por Guilherme Gomes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 79

A espessura dos alfinetes entomológicos é bastante variada, sendo


encontrados desde os muito finos até os mais grossos. A numeração dos
alfinetes é baseada em sua espessura, e, desta forma, os alfinetes “000”
são os mais finos, seguidos por “00”, “0”, “1” até o “7”, que representam
os mais espessos. É importante usar o bom senso na hora de escolher a
espessura ideal para alfinetar um espécime, isso dependerá do tamanho
ou da fragilidade corpórea do inseto, visando sempre causar o menor dano
possível à estrutura corpórea do inseto. O tamanho médio dos alfinetes
varia entre 35 – 38mm, e são constituídos de aço ou outros materiais an-
tioxidantes.
Todos os exemplares devem ser afixados verticalmente e mantidos a
uma distância de 1cm do substrato em que foram alfinetados. Em geral são
utilizadas placas de isopor para servir de suporte para a alfinetagem. A
posição vertical deve ser mantida, pois permite que os insetos sejam obser-
vados sob diferentes ângulos com grande facilidade. Os apêndices devem
ser arrumados e mantidos em posição simétrica e para isso muitas vezes
é necessária a utilização de outros alfinetes para manter os apêndices nas
posições desejadas. Caso ocorra a quebra de algum apêndice, este deve ser
imediatamente colado novamente ao corpo com auxílio de colas ou de es-
malte incolor para unhas. Muitas espécies devem ser montadas com uma ou
ambas as asas totalmente abertas, sendo necessário o uso de tiras de papel
para mantê-las na posição correta até a secagem. O tempo de secagem de
insetos varia de 3 a 7 dias, e após secos as tiras papel podem ser retiradas
e os insetos levados para a identificação ou acomodados em caixas entomo-
lógicas.
A alfinetagem funciona muito bem para insetos maiores que 5mm, en-
tretanto, espécimes menores devem ser fixados através da técnica da dupla
montagem. Nesta técnica o exemplar pode ser espetado com um microalfi-
nete que é aposto a um suporte de cortiça montado em um alfinete maior.
Além dessa maneira, os insetos podem ser colados em um vértice dobrado
de um pequeno triângulo de papel, cuja base é espetada por um alfinete mais
espesso.
O local de alfinetagem nos insetos varia de acordo com a ordem, con-
tudo, na maioria das vezes o alfinete é inserido no lado direito do tórax
do animal. Por exemplo, nas ordens Blattaria, nos Ensifera e Caelifera o
alfinete deve ser inserido na parte posterior do pronoto, logo à direita do
plano de simetria do corpo. Nos Heteroptera e nos Homoptera, a alfine-
tagem deve ser feita no escutelo, pouco à direita da linha mediana. Nos
Coleoptera, no élitro direito, próximo à base e nos Diptera e Hymenoptera,
no mesotórax, entre as duas asas, à direita da linha mediana do corpo. Nas
figuras 27 e 28, podem-se observar diferentes insetos alfinetados e o local
da alfinetagem.
80 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Figura 27. Exemplos de insetos alfinetados. Ordem Coleoptera, família Elateridae


e Scarabaeidae e Ordem Diptera, família Therevidae. Fotografado por
Guilherme Gomes.

Figura 28. Métodos e locais para alfinetagem de diferentes insetos. Os círculos


brancos e pretos indicam o local certo de alfinetagem. Fotografado e
ilustrado por Guilherme Gomes.
Insetos, entomologia e ciências forenses 81

10.3. Etiquetagem

Todas as espécies alfinetadas ou conservadas em álcool necessitam


ter etiquetas identificando no mínimo o coletor, a localidade e a data da co-
leta. Sem tais informações insetos alfinetados não possuem qualquer valor
científico. Uma segunda etiqueta deve ser colocada após a identificação do
espécime. Esta etiqueta deve conter informações taxonômicas do exemplar,
como a Família, o Gênero e a Espécie. A etiqueta pode conter também outras
informações tais como, coordenadas geográficas, método de coleta, habitats,
notas comportamentais e informações relevantes, embora tais dado sejam
opcionais. Pode e é aconselhável se colocar mais de uma etiqueta em cada
inseto.
Em geral as etiquetas possuem 2 cm de comprimento por 1 cm de
altura, e as informações devem ser escritas utilizam-se tinta nanquim, de-
vido à sua grande estabilidade, podendo durar décadas. Atualmente im-
pressoras a laser e máquinas fotocopiadoras são mais aconselháveis, de-
vido às facilidades de transcrever as informações necessárias na etiqueta
por meio de editor de texto e a tinta destas máquinas não borrarem com a
umidade. As Figuras 29 e 30 mostram, respectivamente, uma modelo ge-
ral de etiqueta e uma coleção entomológica, organizada de acordo com as
diferentes ordens.

Figura 29. Exemplo de etiquetagem e alfinetagem, e detalhes da etiqueta.


82 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

Figura 30. Exemplo de coleção entomológica, fotografada por Guilherme Gomes.


(Cortesia da coleção do Departamento de Zoologia, do Instituto de
Biociências da UNESP de Rio Claro-SP).

11. Os insetos e as ciências forenses

A Entomologia Forense é o nome dado aos estudos dos insetos e de outros


artrópodes que interagem com as Ciências Legais. Essa ciência é subdividida
em três áreas principais (Sir & Stevenson, 1986): Entomologia Urbana (dedica-
se ao estudo das interações entre os insetos e o ambiente urbano); Entomolo-
gia de Produtos Estocados (dedica-se às relações entre insetos e a infestação de
produtos estocados ou armazenados); e Entomologia Médico-Legal ou Médico-
Criminal (dedica-se ao estudo de insetos úteis na elucidação de casos criminais
ou disputas judiciais, ou seja, envolvem insetos necrófagos que normalmente
estão em contato com restos humanos em decomposição). Dessas três áreas, a
Entomologia Médico - Criminal é o principal foco deste livro, pois trata de in-
serir os insetos em um contexto criminal, como uma ferramenta de auxílio na
elucidação de crimes. Neste tópico serão abordados aspectos básicos da sucessão
entomológica em carcaças, bem como as principais características da Entomolo-
gia Médico-Criminal. Ao longo deste livro todos os aspectos relacionados aos
insetos de importância forense serão detalhadamente explorados.
Insetos, entomologia e ciências forenses 83

Sucessão Ecológica: Interação Inseto/Carcaça. Os cadáveres de vertebrados


(também denominados de carcaças) sustentam uma grande diversidade de or-
ganismos, muitos dos quais são insetos. No processo de decomposição destas
carcaças ocorre uma sucessão sequencial de espécies necrófagas. Tal sucessão
ecológica depende do estágio de decomposição da carcaça, tamanho do corpo,
condições climáticas, sazonalidade e condições abióticas como o tipo de solo.
Os insetos envolvidos no processo de sucessão podem ser encontrados no
substrato imediatamente abaixo do cadáver ou no solo, a uma distância variável
do corpo. As diferentes espécies que ocorrem na sucessão variam também de
acordo com a região geográfica, sendo algumas espécies são endêmicas e ocor-
rem apenas em determinadas regiões. Tais informações são bastante relevantes
em investigações criminais, pois podem indicar o local onde a vítima foi morta.
A sucessão ecológica é resultado de alterações na atratividade de deter-
minados substratos utilizados pelos insetos. Tal sucessão também ocorre em
cadáveres de animais e de humanos, uma vez que as carcaças sofrem altera-
ções ao longo do processo de decomposição. Por exemplo, durante os primeiros
estágios de decomposição, os microrganismos presentes no próprio corpo ini-
ciam o processo de decomposição. Dentro de poucos dias inicia-se o processo
de putrefação e com ela o acúmulo de vários gases. Cerca de duas semanas mais
tarde inicia-se o processo de putrefação escura, ocorrendo a liberação dos gases,
nesta fase o odor de putrefação é muito forte. O quarto estágio denomina-se
fermentação butírica, com a presença de fungos sugerindo alguma fermentação.
Finalmente, durante o estágio seco, apenas os ossos e pelos restam, nesta fase a
velocidade de decomposição é bem menor. Acompanhando essas modificações
que ocorrem nas carcaças a fauna de insetos também varia, visto que a fonte
atrativa não é a mesma ao longo de todo o processo de decomposição.
A sucessão ecológica em carcaças ocorre em ondas de colonização. A
primeira onde inclui as moscas varejeiras (Diptera: Calliphoridae) e as moscas-
domésticas (Diptera: Muscidae), que utilizam a carcaça para a ovoposição ou
para a postura de larvas. Dos ovos eclodem as larvas que se alimentam dos
tecidos em decomposição e se desenvolvem e empupam no solo, nos arredores
do cadáver. A segunda onda de colonização é composta sarcofagídeos (Diptera:
Sarcophagidae) e outros muscídeos e califorídeos, que chegam à carcaça durante
a fase de putrefação escura, atraídos pelo odor liberado pelo cadáver. Assim que
o cadáver está colonizado por ovos e larvas de dípteros, surgem os insetos pre-
dadores. Os besouros estafilinídeos, silfídeos e histerídeos juntamente com os
himenópteros (vespas e formigas, principalmente) representam os principais in-
setos predadores de larvas e ovos de moscas na carcaça. Quando a gordura tor-
na-se rançosa uma terceira onde de dípteros invadem a carcaça, representados
pelas Phoridae, Drosophilidae e Syrphidae, que se alimentam dos exsudados
corpóreos. Durante a fermentação butírica, ocorre a quinta onda de sucessão,
representados pelos besouros das famílias Dermestidae e Cleridae, tais insetos
são atraídos pelo cheiro de amoníaco que evapora da carcaça e se alimentam de
queratina, contida em pelos, cabelos e cartilagens.
A entomologia forense médico-criminal é amplamente embasada nes-
te processo de sucessão. Através do estudo dos insetos que ocorrem durante a
84 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

decomposição é possível estimar a idade do cadáver, determinar algumas cir-


cunstâncias envolvidas na morte e informações do local onde ocorreu o crime.
Maiores detalhes sobre o processo de sucessão ecológica em carcaças em de-
composição e sua relevância em investigações criminais serão discutidos nos
capítulos seguintes deste livro.

Entomologia Médico Criminal: A Entomologia Médico-Criminal rela-


ciona-se ao estudo dos insetos associados à crimes violentos, tendo como prin-
cipais objetivos: (1) a determinação do intervalo pós-morte ou IPM (“PMI – post-
mortem interval” em inglês) e do local onde a vítima foi morta; (2) a investigação
de casos que envolvem morte repentina; (3) acidentes de tráfego sem causa ób-
via; (4) evitar que possíveis equívocos no emprego criminal de insetos possam
ocorrer (Leclercq, 1969).
A Entomologia Forense Médico-Criminal está intimamente relacionada
à Entomologia Médica, Taxonomia, e à Patologia Forense. Durante estudos de
caso sobre homicídios, o entomólogo forense é chamado para determinar o “in-
tervalo pós-morte” (IPM). Para a estimativa do IPM, o entomólogo pode utilizar
várias técnicas, incluindo a coleta e identificação das espécies ocorrentes du-
rante o processo de sucessão ecológica na carcaça, análise da massa larval, do
comprimento larval e determinação do grau hora acumulado. O método do grau
hora acumulado é o mais utilizado e mais preciso, caso as variáveis necessárias
estejam disponíveis. Estas variáveis podem ser bióticas e abióticas e são coleta-
das na cena do crime.
Assim, todos os dados coletados no local de um crime devem ser mui-
to bem preservados e avaliados por profissionais capacitados, permitindo uma
análise criteriosa que poderá contribuir para a solução de um crime. Dada a im-
portância dos insetos necrófagos em investigações criminais, os investigadores
perceberam que tanto as larvas como o corpo da vítima deveriam ser preserva-
dos para posteriores análises em laboratórios ou no instituto médico legal. Por
muitos anos, as larvas que estavam nos olhos, no nariz, ou em outros orifícios e
feridas nos cadáveres foram descartadas após prévia lavagem dos corpos para
que os mesmos fossem armazenados em gavetas no instituto médico legal onde
ocorreria a autópsia.
Na medida em que os avanços nas ciências forenses trouxeram novas téc-
nicas, tais como, a balística, a análise de marcas de feridas e mordidas, resíduos
químicos e de armas de fogo, além de estudos de manchas e gotas de sangue, o
papel dos insetos em investigações criminais começou a ser posto de lado. No
entanto, após alguns anos os pesquisadores da área e investigadores reconhe-
ceram a importância dos insetos necrófagos, e a entomologia forense ganhou
maior importância e atualmente representa uma área em expansão, entretanto,
marcada pela carência de profissionais qualificados. É interessante notar que há
mais de 700 anos atrás já se sabia do potencial dos insetos em investigações cri-
minais, mas somente nas últimas décadas a ciência forense consolidou-se como
um campo de estudo em medicina criminal e legal.
Desta forma, o entomólogo forense procura amostrar, examinar e iden-
tificar os insetos coletados nos arredores, sobre ou sob os cadáveres, anotando
Insetos, entomologia e ciências forenses 85

seu estágio do desenvolvimento e informações sobre a sucessão da entomofauna


presente no local. Em muitos casos, espécimes adicionais devem ser coletados e
mantidos em laboratório até se obter o estágio adulto, o que facilita a identifica-
ção dos indivíduos coletados, uma vez que a identificação das formas imaturas
é bastante complicada. O conhecimento da biologia da espécie e sua distribuição
geográfica permitem a determinação de estimativas exatas do intervalo de tem-
po em que um corpo foi exposto à atividade dos insetos necrófagos. Além disso,
pode indicar se a fauna coletada no cadáver é local ou exótica, sendo possível
determinar se a vítima foi ou não removida do local onde efetivamente ocor-
reu crime. Por exemplo, determinadas espécies de moscas varejeiras tendem a
ser principalmente encontradas em grandes centros urbanos. A identificação de
tal espécie associada a um cadáver encontrado ao longo de uma região rural
sugere que a vítima foi morta na cidade e o corpo desovado em um ambiente
rural remoto. Apesar da atuação de um entomólogo forense ser essencial para
identificação da fauna de artrópodes presentes em cadáveres a simples coleta de
espécimes pode ser feita por pessoas capacitadas ou técnicos presentes na cena
do crime, médicos legistas ou patologistas forenses.
Alterações e manipulações do corpo da vítima podem dificultar o acesso
dos insetos nos cadáveres e retardar o processo de sucessão e decomposição. Por
exemplo, caso o corpo tenha sido congelado ou coberto antes de ser deixado no
local onde foi encontrado, o início da colonização será posterior ao momento do
crime, o que dificultará as estimativas do IPM, pois os insetos chegaram até o
local de colonização bem após a morte da vítima. Desta forma, quaisquer alte-
rações ou desvios na diversidade das espécies encontradas durante a sucessão
faunística devem ser observados pelos entomólogos forenses presentes na cena
do crime. Tais alterações podem sugerir definições de um ambiente particular
ou uma posição geográfica específica. Já a ausência completa de insetos sugere
indícios que o corpo foi provavelmente congelado ou resfriado, selado em um
recipiente firmemente fechado ou enterrado muito profundamente, impedindo
o acesso aos insetos necrófagos e retardando o processo de sucessão.
As evidências entomológicas podem também ajudar a determinar as cir-
cunstâncias de abusos e estupros. Vítimas que estão incapacitadas (limitadas,
drogadas, ou de alguma maneira necessitam de ajuda) frequentemente defecam
ou urinam nas próprias roupas ou na roupa de cama. Tal material atrai determi-
nadas espécies de moscas que não seriam capturadas de outra maneira, senão
pela presença de excretas. Tais moscas podem indicar às circunstâncias anterio-
res e posteriores à morte.
Devido ao desenvolvimento tecnológico e científico, a utilização da tec-
nologia do DNA vem se tornando cada vez mais acessível, e consequentemente
mais utilizada. Aliás, o advento da PCR (“Polymerase Chain Reaction”) permi-
tiu amplificar o DNA e tem sido muito utilizada em estudos criminais, além de
ter possibilitado que diversos crimes arquivados por falta de provas tivessem
finalmente uma solução. Além disso, o uso de técnicas de DNA está permitindo
não somente determinar a espécie de inseto presente na carcaça, mas também
identificar criminosos através do sangue armazenado no conteúdo digestório
de insetos hematófagos capturados na cena do crime. Se o sangue de um deter-
86 Entomologia Forense
novas tendências e tecnologias nas ciências criminais

minado suspeito é encontrado em insetos hematófagos no local onde ocorreu o


crime é possível estabelecer uma ligação entre a vítima, o suspeito e o local do
crime.
Os insetos recuperados na decomposição de restos humanos podem ser
uma ferramenta valiosa para a análise toxicológica. A atividade intensa de inse-
tos necrófagos pode rapidamente esqueletizar restos humanos, e em um período
de poucas horas os líquidos (sangue e urina) e os tecidos macios, necessários
para a análise toxicológica, são consumidos. Entretanto, devido ao processo de
bioacumulação, é possível detectar a presença de drogas e toxinas através de
análises laboratoriais específicas de insetos coletados durante o processo de su-
cessão cadavérica.

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