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Infelizmente o Brasil é uma país cujos habitantes não apreciam muito o estudo da
história. Pouco se fala sobre os malês (negros muçulmanos escravizados) e a revolução
que realizaram na Bahia. Não se fala sobre a influência que os cultos afro-brasileiros
sofreram deles. O culto Omolokô, por exemplo, advém, essencialmente dos malês.
Assumano (corruptelo do nome Uthman) Sau Adio (um malê) faz parte da linhagem
desse culto. No Omolokô há o uso da palavra árabe sunna (tradição) para se referenciar
ao nome iniciático que no candomblé angola se chama dijina. Há uma série de adventos
ligados aos cultos afro-brasileiros especialmente no Rio de Janeiro e na Bahia. Faz-se
referência aos mussurumi (muslimim, ) que quer dizer muçulmanos até mesmo em
sambas de enredo. Aniceto do Império, compôs uma música chamada Raízes da África.
Algumas estrofes coloco abaixo:
‘Assumano’, algumas vezes erroneamente grafado como ‘Aço Humano’, foi o nome
através do qual se fez conhecido Henrique Assumano Mina do Brasil, famoso alufá
radicado no Rio de Janeiro e pertencente à comunidade da Pequena África, na virada do
século XIX para o XX. Residiu no nº 191 da Praça Onze e tinha como freqüentadores
de sua casa, entre outros, o célebre sambista Sinhô e o jornalista Francisco Guimarães, o
Vagalume, fundador da crônica de samba no Rio.
Da mesma forma, Cipriano Abedé, falecido em 1933, foi um famoso babalorixá do Rio
de Janeiro, no princípio do século XX, com casa, primeiro na rua do Propósito e depois
na rua João Caetano, próximo à Central do Brasil. O nome Abedé, redução de Alabedé,
designa uma das manifestações ou qualidades do orixá Ogun.
Acrescentando, podemos dizer que Tio Sani (Assumano ou Uthman Sau Adio), que faz
parte da linhagem do Omolokô, era conhecido nos Terreiros de Candomblé como Bàbá
Sanim ou Obá Sanya, foi um dos companheiros de viagem de Bamboxê Obiticô e Mãe
Aninha pelo Rio de Janeiro. Nascido na Nigéria, adotou, no Brasil, o nome de Joaquim
Vieira da Silva, foi um dos fundadores da Casa de Candomblé conhecida como Ilê Axé
Opô Afonjá, junto com Mãe Aninha e Bamboxê Obitikô. Funda, também, no Rio de
Janeiro junto com Mãe Aninha e Bamboxê Obitikô, uma Casa de Candomblé no Bairro
da Saúde, em 1895. O Prof. Agenor Miranda Rocha afirma que Tio Sani ou Sanim era
muçulmano2 .
Alabá, ou João Alàgbà foi o Sacerdote que ficou responsável pela mantença do Terreiro
fundado no Rio de Janeiro por Tio Sani, Bamboxê Obitikô e Mãe Aninha. João Alabá
era conhecido por suas curas utilizando rituais malês, um deles citado por Aniceto do
Império Serrano. João Alabá era amicíssimo de Henrique Assumano Mina do Brasil.
O nome Assumano é uma corruptela do nome árabe Uthman (Ussman), que adquire, na
África a grafia de Uthmanu (Ussmanu). Muitos muçulmanos pelo mundo usam o nome
de Uthman. A esposa de Assumano, Tia Gracinha, foi uma das fundadoras do rancho
carnavalesco “Rei de Ouro”, que veio a dar origem à Escola de Samba Império Serrano.
A obra de um dos maiores cronistas do samba brasileiro, Francisco Guimarães
(conhecido como Vagalume), chamada “Na Roda do Samba”, editada pela primeira vez
em 1933, pela Editora São Benedicto, traz algumas informações sobre Assumano.
Vamos a elas:
Fervoroso adepto da religião africana, Sinhô (conhecido, naquela época, como o rei do
samba, g,n.), jamais abandonou o seu PAE ESPIRITUAL – o PRINCIPE DOS
ALUFÁS, o grande, o conceituado e respeitado HENRIQUE ASSUMANO MINA DO
BRASIL, o seu protector na Vida e que era tambem de JOSÉ DO PATROCINIO
FILHO (por intermedio de Sinhô) e o é de muita gente bôa, da alta sociedade e
perfeitamente, optimamente installada na vida!” “As primeiras audições das producções
do grande e inolvidavel muzicista popular, eram feitas na residencia de ASSUMANO,
no sobrado n.° 191 da rua Visconde Itaúna, onde Sinhô conheceu e fez amizade com o
primoroso jornalista Raymundo Silva. Depois da benção do ALUFÁ, o samba corria
mundo com uma procura assombrosa. Sinhô foi o musicista popular mais festejado,
mais querido e mais preferido do publico.
A Drª. em história comparada da UFRJ, Juliana Barreto Farias, em seu livro Cultura,
identidade e religião afro-brasileiras na cidade do Rio de Janeiro -1870-1930: cenários e
personagens, traça um esboço biográfico bastante interessante sobre Assumano:
Filho de Muhammad Salim e Fátima Faustina Mina Brasil, negros vindos da Costa da
África, Assumano, “uma figurante impressionante de preto”- nas palavras do
compositor e escritor Almirante – morava na rua Visconde de Itaúna, dizia trabalhar no
comércio e dar consultas em sua residência, inclusive para pessoas conhecidas na
sociedade carioca da época, como é o caso do jornalista e escritor Medeiros e
Albuquerque.
“Em 25 de outubro de 1927 , então com 47 anos, foi preso em flagrante, quando ‘dava
consulta’ a Nair dos Santos, sendo levado para a Repartição Central da Polícia do Rio
de Janeiro. Os investigadores policiais apreenderam alguns objetos em sua casa, entre os
quais, um par de chifres de carneiro, três caramujos grandes, um pedaço de pele de
cabra e fios de cabelo. Além disso, também foram encontradas receitas em caracteres
arábicos, conforme depoimento do investigador Ruy Vasconcellos. Na conclusão do
processo que se instaurou contra Assumano, consta que ele foi processado como incurso
no artigo 157 do Código Penal de 1890, sob acusação de falso espiritismo e
cartomancia. Mas os peritos concluíram que os objetos apreendidos não seguiam “as
modalidades mais usuais na prática das ‘macumbas’ ou da ‘Magia Negra’”; sua
especialidade era apenas “a prática de preces quase sempre em linguagem africana,
preocupando-se mais com a prática da caridade”. O processo foi arquivado em 28 de
janeiro de 1928.
‘Não houve qualquer tipo de denúncia formal contra Assumano, mas os investigadores
policiais que o prenderam já sabiam que no sobrado 191 da Praça Onze havia um
‘indivíduo que praticava o exercício ilegal da medicina’. Certamente o delegado
Antonio Augusto M. Mendes, que presidiu os autos contra Assumano e tinha ‘jurisdição
prorrogada para repressão do falso espiritismo e cartomancia’, também já teria ouvido
falar do Pai Assumano, ‘protetor espiritual’ do sambista Sinhô, dos jornalistas do
Correio da Manhã José do Patrocínio Filho, Raymundo Silva e Medeiros e Albuquerque
e do senador Irineu Machado, seu compadre.
‘Seja como for, na cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, a despeito de toda a repressão policial, das medidas da elite para
reformar e disciplinar a cidade e de uma espécie de campanha da imprensa, que
estigmatizava as religiões afro-brasileiras e os “macumbeiros” e “feiticeiros” em geral,
encontramos além do Pai Assumano, outros líderes famosos, pessoas comuns, africanos,
descendentes de africanos, e mesmo trabalhadores brancos, policiais e políticos
frequentando terreiros e casas de cultos de origem africana.”
Uma pesquisa feita nos arquivos da polícia, por Alberto da Costa e Silva, no Rio de
Janeiro, demonstra as perseguições que existiam contra os “negros islamizados”,
dizendo que eram difíceis e irritantes de lidar, formavam uma facção insubmissa e
perigosa, sempre propensa a antagonizar as autoridades e a rebelar-se.
Roger Bastide e seu discípulo, Arthur Ramos, dizia que os muçulmis (mussurumis,
mussurumins, muslins) não eram muçulmanos verdadeiros, pois faziam práticas pagãs
que haviam trazido da África. E é mais interessante ainda verificar que apresentam
como provas de sincretismo práticas reguladas ou aceitas por ramos do Islam, como a
feitura de grigris, as pequeninas bolsas de couro contendo versículos do Alcorão, a
oração pela chuva, a crença nos jinns (gênios) e as tabuinhas de escrever, com
versículos do Alcorão escritos com giz (ou efum) que se lavavam, sendo a água, em
seguida, bebida pelos fiéis. Essa mesma prática é feita pelos Babalaôs ao riscarem
algum caractere representativo do Odu, no sistema oracular do Opelê Ifá, de forma a
melhorar a vida do consulente.
Os negros muçulmanos nunca foram tão numerosos no Rio quanto em Salvador, onde,
de acordo com Nina Rodrigues, um em cada três dos velhos africanos, antes da
insurreição de 1835 (Revolta dos Malês), era praticante do Islam. No Rio, como na
Bahia e noutros lugares do Brasil, os muçulmanos desprezavam a religião dos orixás e
seus seguidores, e os adeptos dos orixás zombavam das práticas religiosas daqueles.
Embora os muçulmanos fossem geralmente respeitados como pessoas sérias e virtuosas,
eram também temidos pelo segredo que os cercavam. Diziam que eram feiticeiros de
grande conhecimento e que seus feitiços não podiam ser desfeitos, a não ser por um
alufá (sábio muçulmano).
A historiadora Andréa Nascimento afirma que “na cidade do Rio de Janeiro, alguns
cultos de origem afro-brasileira eram conhecidos popularmente pelo nome de
Macumba, e os grandes responsáveis pelo culto da Macumba Carioca eram os negros
muçulmanos, hauças e malês que se misturavam nos candomblés da cidade…” ( in
Salve Pai Pedra Preta: uma contribuição singela à trajetória do Babalorixá. Revista
Virtual de Humanidades. n. 4, Jul. Set. 1994).
A questão dos jinn (gênios), o uso de fórmulas mágicas de cura, os riscos nas tabuinhas,
a prática da astrologia e da numerologia, o uso de talismãs etc são frutos dessa grande
miscigenação que houve no Brasil. Isso também aconteceu e acontece na África.
REFERÊNCIAS