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O r g a n i za ç ã o

L u c i l e n e R e g i na l d o
Ro qu i na l d o Fe r r e i r a

ÁFRICA, MARGENS
E OCEANOS
PERSPECTIVAS DE HISTÓRIA SOCIAL

2021
Campinas

E D TO R A
8

A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM


CONTEXTO HISTÓRICO: SUBGRUPOS
IORUBAS NA BAHIA OITOCENTISTA!

Lisa Earl Castillo

Os povos hoje conhecidos como iorubás são constituídos por diversos


subgrupos, cada qual com dialeto proprio, espalhados por numerosos
reinos unidades políticas menores no sudoeste da Nigéria, de Benim
e
e Togo. Historicamente, embora os vários grupos reconhecessem

uma origem comum e compartilhassem muitas práticas culturais


e religiosas, possuiam identidades étnicas circunscritas regional
ou mesmo localmente. Foi apenas no final do século XIX, após a
dispersão forçada desses povos pelo tráfico atlântico de escravos,
que o termo iorubá originalmente um nome hauçá para um reino
específico, Oyô passou a ser aceito como um termo genérico para
todos os subgrupos.
Nas Américas, no entanto, termos genéricos para os falantes de
iorubá já estavam em uso. Na maioria das colônias espanholas, eles
eram conhecidos como lucumís, enquanto no Brasil eram chamados
de nagôs, uma corruptela de anago, subgrupo iorubá localizado no
sudeste da atual República do Benim. Como muitos outros africanos
cujas identidades especificas foram reconfiguradas no contexto do
tráfico em categorias mais amplas e amorfas, os falantes de ioruba
na Bahia passaram a adotar o termo nagô em contextos públicos e

jurídicos. Ao mesmo tempo, entre eles, as identidades anteriores


continuavam em uso. Como um escravo em Salvador, natural da
região Egba, explicou em 1835: "Ainda que todos são Nagôs, cada
um tem sua terra"?
282 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Durante o século XIX, os nagôs passaram a constituir a maioria


esmagadora dos africanos na capital baiana. Sua ascensão à prevalência
demográfica coincidiu em grande parte com o surgimento do candomble,
mas outros grupos africanos, especialmente os falantes de linguas gbes
(no Brasil conhecidos como jejes) e bantos, especialmente os angolas,
também foram influentes." Essas raízes heterogêneas levaram ao
surgimento de vários estilos rituais, que passaram a ser referidos como
nações, numa ressignificação do sentido histórico da palavra na época
da escravidão.*
O primeiro registro desse novo sentido do termo é de 1937,
constando nos documentos de matrícula da União das Seitas Africanas,
entidade que reunia mais de 60 terreiros de Salvador. Entre aqueles
que descreviam sua nação em termos sugestivos de antecedentes
iorubás, o mais comum era ketu. Para Pierre Verger, autor de estudos
classicos sobre as religiões afro-brasileiras, a importância da nação
ketu na Bahia revelava que cativos do reino de Ketu, um dos mais
antigos da Iorubalândia, marcaram o desenvolvimento do candomblé.
Verger tomou como exemplo paradigmático o caso de uma lendária
comunidade religiosa de Salvador, desaparecida desde os tempos do
tráfico de escravos. Segundo as tradições orais, essa casa primordial
ou prototerreiro, na expressão de Vivaldo da Costa Lima estava
situada no distrito da Barroquinha e teria sido a matriz de outro
terreiro histórico, o Ilê Axé Iya Nassô Oka, popularmente conhecido
como Casa Branca do Engenho Velho. Ainda existente, a Casa Branca
a

é de nação ketu e é frequentemente tida como o modelo ritual para


o candomblé como um todo. Suas origens étnicas, portanto, estão

entrelaçadas com história de uma religião cuja aparente tenacidade


a

em preservar suas raizes africanas atrai a atenção dos estudiosos hã


mais de um século.*
Para Lima, no entanto, o foco em Ketu não levava em
consideração a demografia real da população falante de iorubá em
Salvador no século XIX.º Em relação à Casa Branca, Lima apontou
para probabilidade de influências oyôs, citando a importância do
a

culto a Xangô no terreiro e o nome da africana fundadora, Iya Nassó.


Esse nome, na verdade, é um titulo religioso de Oyó, conferido à
sacerdotisa, no palácio do rei, que era responsável pelo culto a Xangô,
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 283

orixa patrono do reino. Para Lima, essas evidências colocavam em


questão a suposição de que o terreiro fosse fundado por pessoas
de Ketu. Embora vários estudiosos tenham notado a lógica desse

argumento, o tropo de origem ketu permanece enraizado no discurso


acadêmico e popular sobre os antecedentes iorubás do candomblé,
particularmente no que diz respeito à Casa Branca."
No presente texto, reexamino a questão das origens étnicas
do terreiro a partir de novas evidências documentais sobre a vida de

Iyá Nassô e de sua sucessora, Marcelina Obatossi, articulando sua


escravização a eventos históricos na Iorubalândia e na demografia do
tráfico, Demonstro que, além da presença histórica de oyôs, havia
também na Casa Branca pessoas de Ijexá e Egbá, regiões iorubás
vizinhas a Oyó. A configuração étnica observada no terreiro se
assemelhava à demografia em outras regiões da diaspora iorubá no
século XIX. Outro indício da influência de Oyô na Casa Branca vem
das divindades principais do terreiro. Além de Xangô, ja citado, os
outros orixás mais importantes, Aira Intilé Oxóssi, também estavam
e

historicamente associados áquele reino. Esses aspectos da história do


terreiro, juntamente com o surgimento tardio das primeiras referências
à nação ketu, parecem confirmar que o termo não deriva do
lugar
de origem dos fundadores. Pelo contrário, a "nação ketu" parece ser
uma metáfora para um estilo ritual específico, talvez relacionado ao
legado da convivência entre africanos de diversas origens étnicas nos
primórdios do candomblé.

À vida de Iyá Nassô em contexto histórico:


guerras na África e o tráfico negreiro

No Brasil, a futura fundadora da Casa Branca carregava o nome civil


de Francisca da Silva. Não há dúvidas de que o primeiro nome lhe foi
atribuído por ocasião do batismo, o que provavelmente ocorreu ainda
no ano de sua chegada. O sobrenome Silva provavelmente veio de
seu senhor ou senhora. Não se sabe quando ou como ela obteve sua
liberdade. As evidências documentais sobre Francisca da Silva começam
em 1824, quando, ja liberta e residindo na freguesia de Santana, em
284 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Salvador, batizou uma escrava própria, uma mulher nagô que recebeu
o nome de Marcelina. Essa escrava é a pessoa lembrada nas tradições
orais como Obatossi, uma devota de Xangô que sucedeu Iyá Nassô na
liderança do terreiro.º
Francisca da Silva teve dois filhos nascidos na África que também
sofreram as agruras da escravidão na Bahia. Um deles aparentemente
veio com ela no mesmo navio negreiro, enquanto o outro chegou anos
depois. Um documento sobre este último descreve sua nação como nagô
oyó.Infere-se dai que a mãe veio do mesmo lugar, assim confirmando o
argumento de Lima sobre a origem de Iyá Nassô. Lima pontuou que, com
tantos oyôs na Bahia, era improvável que alguém usasse aquele título tão
importante sem realmente ter o direito a ele." Ainda que algumas pessoas
na Bahia fizessem reivindicações especiosas à posse de titulos africanos
como veremos adiante uma análise da vida de Francisca da Silva em
relação aos eventos em Oyo dá credibilidade ao argumento de que antes
de sua escravização ela ocupava a posição de Iyá Nassô naquele reino.'?
Na segunda metade do século XVIII, Oyó estava no auge de seu
poderio, dominando vários estados vassalos. Nesse cenário, o culto a
Xangô simbolizava a autoridade política da metrópole. A Iyá Nassô era uma
figura-chave. Detentora do terceiro mais alto posto feminino da corte,
ela dirigia os rituais relacionados a Xangô no palácio do alafin [rei]. Como
as demais mulheres com cargos no palácio, a Iyá Nassô era considerada,
simbolicamente, uma das esposas do alafin. Assim como algumas outras
pessoas com postos no topo da hierarquia, ela era obrigada a suicidar-se
depois da morte do soberano. Contudo, aparentemente houve exceções
quando o rei morria de causas não naturais. Nos últimos anos do século
XVIII,quatro monarcas sucessivos foram assassinados ou se mataram."
O primeiro foi Abiodún, cujo reinado próspero terminou quando morreu
envenenado, acontecimento provavelmente ocorrido em 1789. Sete anos
depois, seu sucessor, Aóle, foi forçado a se suicidar a saida tradicional
para reis iorubás que haviam perdido a confiança de seus conselheiros.
Com sua morte, o poderoso general Afonjá, mais tarde um importante
ator na queda do reino, declarou independência, seguido por outros
chefes. Assim iniciou-se um periodo de anarquia política, e os dois alafins

seguintes governaram por apenas alguns meses cada. O primeiro tomou


veneno ou foi envenenado em meio a uma tentativa de golpe; o segundo
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 285

se matou. Depois disso, o reino permaneceu sem soberano até por volta
de 1802, quando o Alafin Majotu foi entronizado. Ele reinou por muitos
anos, até cerca de 1831."
As fontes não mencionam o destino reservado aos funcionários da
corte que em tempos normais teriam morrido juntamente com o alafin.
Em momentos de conflito político, por vezes eram tomadas medidas
extremas para dispersar os apoiadores de um monarca falecido. Há
evidências, de regiões vizinhas, de membros da realeza e seus aliados
que acabaram vendidos, por facções rivais, para comerciantes de
escravos na costa." É verossímil que, pelo poder que detinha no palácio,
a sacerdotisa do Xangô do alafin tenha sido alvo de escravização após

a queda do rei. Hã indícios de que oyôs de famílias nobres chegaram


ao Brasil como escravos. Em Salvador, alguns anúncios de jornal sobre

nagôs que fugiram de seus senhores mencionam quatro cicatrizes


perpendiculares nas bochechas, marcas típicas da nobreza de Oy6.* Há
ainda anúncios que se referem a escarificações longitudinais nos braços
e pernas, um estilo especifico das linhagens reais. Documentos policiais
sobre a nagô liberta Constança do Nascimento, deportada para a África
em 1861, sob acusação de feitiçaria, afirmam que ela tinha "três sinais

compridos no braço esquerdo", alem de "sinais da sua terra no rosto", o


que sugere que ela fazia parte da realeza de Oy6."
Não hã documentos que permitam vislumbrar as circunstâncias da
deportação da portadora do titulo de Iyá Nassô que acabou sendo enviada
àBahia como escrava. Contudo, o periodo aproximado de sua ida para a
Bahia pode ser deduzido por meio de documentos sobre o filho que foi
escravizado anos depois dela. Ele foi batizado em novembro de 1824,
recebendo o nome Thome. Sua carta de alforria, emitida seis anos depois,
o descreve como "ainda moço", o que indica que era jovem, mas não
adolescente.'* Isso coloca seu nascimento, no mais tardar, por volta de
1810. A partida da mãe para o Brasil, evidentemente, aconteceu depois
disso, talvez provocada pelas sequelas da mudança de governo que colocou
Majotu no trono. A chegada de Thomé à Bahia, anos depois, coincidiu
com uma escalada dos conflitos em Oyo. Ao mesmo tempo, uma guerra
ao sudeste de Oyo, entre as cidades de Owu e Ile-Ifê, estava devastando
o território egba. Ambos os conflitos produziram grande número de
cativos, cuja maioria foi levada ao litoral e vendida para a escravidão
286 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

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Figura 1
Escarificações de Oyó. O tipo identificado como "variations of the abaja" é
característico da família real. Johnson, The History, p. 104.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 287

atlântica." Na Bahia, os traficantes de escravos faziam muitos negócios


nos portos próximos a Oyo, na região chamada, então, Costa da Mina.
No ano do batismo de Thomé, aproximadamente 41% dos africanos
batizados na cidade de Salvador eram nagôs, aumentando para 75% em
meados da década seguinte.!º
O efeito dessas guerras na demografia do tráfico é evidente.
Dados de Cuba indicam que, entre 1826 e 1839, os oyôs eram de longe
o grupo mais numeroso entre os falantes de iorubã que chegavam à

ilha, seguidos por ijebus, egbás e otás.? O culto a Xangô em Cuba,


importante até hoje, remonta pelo menos a esse período. Evidências
históricas da vida de vários libertos, lembrados como importantes
lideres religiosos, mostram que eles chegaram precisamente durante
esse grande influxo de oyós."º Tradições orais cubanas referem-se a

pessoas de algumas outras regiões iorubás, especialmente Egbado, uma


área próxima ao litoral, atravessando a fronteira entre os atuais paises
do Benim e da Nigéria. Na colônia britânica de Serra Leoa, a partir da
década de 1810, chegavam milhares de africanos libertados de navios

negreiros pelos ingleses. Até o final da década de 1840, havia cerca de


sete mil falantes de ioruba. Os oyoós foram de longe o maior grupo,

seguidos pelos egbás e ijexas. É significativo que, nas fontes sobre Serra
Leoa e o Caribe, os ketus não sejam sequer mencionados."
No Brasil, as evidências sobre subgrupos iorubas específicos são
fragmentárias. Na Bahia, o primeiro relato sobre o assunto é de Nina
Rodrigues, do final do século XIX. Ele identificou os oyóôs como os
mais numerosos, seguidos pelos ijexás e egbás a mesma configuração
vista nos dados de Serra Leoa. As evidências disponíveis sugerem que
a presença de oyôs na Bahia se estende até as primeiras décadas do
século. Um estudo recente documenta a vida de um oyô conhecido
como Rufino José Maria, que chegou à capital baiana como escravo por
volta de 1822.?? Nesse momento, já havia conterrâneos seus na cidade,
alguns deles já libertos. Além da própria Iyá Nassô, ha o caso do oyó
Antonio Yacouba Pereira dos Santos, que aparece na documentação
como liberto a partir de 1822. Certamente existiam outros, ainda
desconhecidos pela historiografia. A presença de libertos daquele
reino ainda no início dos anos 1820 revela que o desembarque de
oyôs vinha acontecendo havia algum tempo."
288 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

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Poltical boundaries
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0 50 00 km

50 miles

Figura 2 A região iorubá c. 1780. A cidade de Oyó-Ilê, capital do reino de Oyó, ficava
próxima ao rio Niger. As regiões de Egbá, Onko, Egbado, Anagô, Ekiti e Igbomina eram
politicamente subordinadas a Oy6. Mapa reproduzido de Law, The Oyo Empire, p. 89. Usada
com permissão da Oxford University Press.

Outras informações sobre a presença desse grupo vêm dos autos


da rebelião escrava conhecida como a Revolta dos Malês, ocorrida na

capital baiana em 1835. A maioria dos líderes eram nagôs islamizados e


alguns estavam na Bahia havia menos de uma década. Um deles, Aprígio,
liberto de Oyo, fora batizado em 1828.Como João Reis demonstra em
seu estudo da rebelião, a década de 1820periodo da escravização de
muitos dos rebeldes foi um tempo de desestabilização acelerada em
Oyo. A crescente decadência do poder da metrópole foi agravada pela
aumentada influência de adeptos do Islã, sobretudo depois da morte do
ja citado general Afonjá, c. 1823, quando sua cidade, Ilorin, passou a ser
liderada por um muçulmano da etnia fulani, que se aliou com o califado
de Sokoto, um estado muçulmano vizinho que desde o início do século
aumentava seu poder político através de um jihad."*
Após o Levante dos Malês, centenas de africanos foram presos
pela polícia baiana, independentemente de serem muçulmanos ou não.
Nos autos do inquérito, as descrições das identidades étnicas dos réus
tendem a usar apenas a terminologia geral de nações. Contudo, em
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 289

relação aos nagôs, as poucas referências a subgrupos sugerem que a


maioria era oyó e egbá." No rescaldo da rebelião, diante de novas leis
discriminatórias que alvejaram a população africana liberta, cerca
de mil pessoas, muitas delas nagôs, retornaram ao continente natal,
estabelecendo-se principalmente nos portos da Costa da Mina. O
militar inglês Frederick Forbes, que passou por Uidá dez anos depois,
comentava presença de muitos ex-escravos do Brasil, apontando para
a

oyôs como um dos maiores grupos. Na cidade de Agué, que também


recebeu muitos libertos do Brasil depois da Revolta dos Malês, ha
também evidências da chegada de oyós. A familia Pereira, uma das
primeiras do bairro nagô, por exemplo, foi fundada pelo já citado
Antonio Yacouba Pereira dos Santos, oyo liberto que se estabeleceu
na cidade em 1836.%
Citando tradições de Oyó, Verger classificou o reino de Ketu como
estado vassalo a Oyô. Talvez tenha sido isso o que o levou a acreditar que,
no mesmo periodo em que Oyo estava assolado por conflitos, "chegavam
[à Bahia] muitos prisioneiros de guerra feitos no reino de Ketu"." No
entanto, há vários problemas com esse argumento. Em primeiro lugar,
o relato de Johnson elaborado no final do século XIX a partir de
depoimentos de oyôs comenta longamente os domínios do império e
os conflitos desencadeados por sua queda, sem sequer mencionar Ketu.

Ademais, as tradições orais de Ketu reivindicam autonomia política em


relação a Oyo referem às primeiras décadas do século XIX como
e se

tempos de paz e estabilidade, transtornados apenas pela chegada eventual


de refugiados deslocados pelas guerras nas regiões vizinhas. Isso não

quer dizer que nenhum ketu tenha sido vendido à escravidão atlântica.
Na segunda metade do século anterior, o reino sofreu vários ataques
do Daomé. O mais significativo foi em 1789, quando cerca de dois mil
ketus foram feitos prisioneiros. No entanto, as tradições orais daomeanas
afirmam que a maioria fora sacrificada, sendo apenas uma pequena fração
vendida como escravos." Após esse ataque, não há notícias de outra
incursão no reino antes do fim definitivo do envolvimento brasileiro no
tráfico atlântico em 1850-1851. Na década de 1860 ocorreram alguns
conflitos em Ketu, mas os problemas mais intensos tiveram lugar na
decada de 1880, resultando na destruição da capital pelo Daomé em
1886. Como se vê, esses fatos colocam em xeque o argumento de que
290 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

a Bahia teria recebido grandes números de ketus escravizados durante o


século XIX.'º
Hã, porém, evidências convincentes que ligam as sequelas do ataque
de 1789 à história de uma casa de candomblé de Salvador, conhecida
como o terreiro do Alaketu, provavelmente uma corruptela do ioruba
ará Kétu, "gente de Ketu". Segundo as tradições orais do terreiro, a
fundadora, Otampê Ojarô, nasceu em Ketu, filha de uma família real,
e foi escravizada, ainda criança, por soldados do Daomé. Em 1963,
durante trabalho de campo no reino de Ketu, Vivaldo da Costa Lima
identificou tradições orais complementares sobre uma filha de uma das
linhagens reais, Aro, que teria sido capturada pelo Daomé em 1789.
Otampê Ojarô morreu na Bahia em 1850, com a idade estimada de
"maior de sessenta cinco" anos, o que significa que era uma criança
e

em 1789. É curioso que Verger, apesar de seu empenho para encontrar


1

evidências do legado ketu na Bahia, nunca tenha mencionado o terreiro


do Alaketu nesse sentido, focando sua atenção na Casa Branca e em
seus descendentes espirituais. Recentemente, o antropólogo Renato da
Silveira interpretou as raizes ketus do Alaketu como evidências a favor
dos argumentos sobre a origem ketu da Casa Branca, sugerindo que os
dois terreiros teriam saído da comunidade primordial na Barroquinha.
No entanto, essa hipótese parece duvidosa diante da ausência de
tradições orais em ambos os terreiros sobre elos históricos entre eles."
De qualquer forma, a existência de vínculos entre o terreiro do
Alaketu e o reino de Ketu assevera que no final do século XVIII alguns
cativos daquele reino chegaram à Bahia. Outros, evidentemente,
aportaram na primeira metade do Oitocentos, pois no final do século Nina
Rodrigues registrou a presença de alguns ketus, embora os considerasse
um dos menores subgrupos nagôs, quando comparados aos oyós, ijexás
e egbas. Contudo, o único caso concreto que consegui identificar foi o
de uma mulher chamada Thereza, que comprou sua liberdade em 1850,

quando tinha cerca de 40 anos de idade. A carta de alforria descreve sua


nação como "quith" (i.e., ketu)."
Voltando à trajetória de Iyá Nassô, quando seu filho Thomé
chegou à Bahia por volta de 1823-1824, ela já estava liberta, lutando
para alcançar a estabilidade econômica. Com tantos cativos chegando
das mesmas regiões, reencontros entre pessoas da mesma localidade,
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 291

cidade e até da mesma família ocorriam com certa regularidade.


Eventualmente, africanos ja libertos encontravam parentes recém-
-chegados e conseguiam resgatá-los antes de sua venda. Thomé, no
entanto, não teve essa sorte e foi comprado por um militar branco.
Talvez Francisca da Silva tivesse sabido da chegada do filho tarde demais,
ou quiça não conseguira reunir a tempo a quantia necessária para o

resgate. Mas ela acompanhou de perto os passos do filho e não por acaso
Thomé teve como padrinho de batismo o companheiro da mãe, o liberto
nagô José Pedro Autran. O vinculo de compadrio era considerado uma
forma real de parentesco no Brasil, assim como em outras partes do
mundo católico. Esperava-se que os padrinhos agissem como mentores
para seus afilhados, e, no caso dos africanos, os ajudassem a se adaptar
ao idioma e aos costumes da nova e estranha terra. Como afilhado do
consorte da mãe, Thomé pôde manter-se próximo de sua progenitora.**
José Pedro Autran era natural de Ijexá, um reino iorubá a sudeste
de Oyô. Embora a maioria das referências históricas detalhadas sobre essa

região sejam a partir da segunda metade do século XIX, a marca deixada


por seu povo nas práticas religiosas no Brasil e no Caribe sugere que o
reino foi bastante atingido pelo tráfico transatlântico de escravos." Como
ja mencionado, em Serra Leoa os ijexàs eram um dos maiores subgrupos
iorubás na colônia. Em Lagos, a partir dos anos 1850, ijexás retornados
do Brasil constituíram um contingente significativo." O caso de Arije

Philip Jose Meffre e exemplar. Escravo na Bahia, Meffre conquistou sua


liberdade em 1846, retornando à África 12 anos depois, radicando-se
em Lagos e posteriormente voltando para sua terra natal. Não se sabe
se os caminhos de Meffre e de seu conterrâneo José Pedro Autran se
cruzaram em algum momento na Bahia, mas é provável. Na Bahia, todos
os nagôs se consideravam parentes, e pessoas do mesmo subgrupo tinham,

seguramente, um vínculo ainda mais estreito. Alem disso, Meffre, como


Autran, estava envolvido em atividades religiosas tradicionais. Meffre era
babalaô e cultuava vários orixás, entre eles Xangô. Desse modo, é possível
"
que tivesse participado dos rituais realizados na casa de seu compatriota.
Em 1833, José Pedro Autran e Francisca da Silva mudaram-se
da freguesia de Santana para outra bem próxima, a Rua do Passo. A

mudança de residência provavelmente corresponde ao evento lembrado


nas tradições orais como o momento em que Iyá Nassô se retirou da
292 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

comunidade ancestral na Barroquinha, Nessa altura, o casal gozava de


uma posição de destaque entre os africanos libertos da cidade, como
proprietários de dois imóveis e cerca de dez escravos africanos, a maioria
mulheres.*" Muitas das cativas eram nagôs, e pelo menos algumas
cuidavam de afazeres relacionados com o culto aos orixás. Marcelina
Obatossi, por exemplo, acabou substituindo sua senhora na liderança
do terreiro, como foi aludido anteriormente." José Pedro Autran tinha
dezenas de afilhados, a maioria africana. Para aqueles de nação nagô, o ato
de batismo provavelmente marcava sua entrada no culto aos orixas na casa
do padrinho. Uma tradição oral afirma que um certo Assika, babalaô,
auxiliou Iyá Nassô a fundar seu terreiro. O prestígio de Jose Pedro Autran
em meio à população africana da cidade e sua estreita relação com Iyá
Nassô sugerem que ele era a pessoa lembrada como Assiká.*?
No início de 1835, Thomé, o filho de Iyá Nassô, foi preso junto
com o irmão, Domingos, depois que foi encontrado, na casa da família,
um amuleto contendo escritos em árabe. Para piorar, os vizinhos
confundiram as cerimônias de Xangô realizadas na casa com reuniões
para planejar Revolta dos Malês. Na denúncia à polícia, os vizinhos se
a

queixaram de grandes reuniões de pretos de ambos os sexos, com canto


na lingua nagô e danças. Nesses encontros, os irmãos usavam muitos
colares e roupas brancas cobertas de panos vermelhos a cor de Xangô.
Os irmãos foram condenados a oito anos de prisão, mas sua mãe apelou
para que as sentenças fossem comutadas em deportação para a África,
afirmando que ela os seguiria para nunca mais voltar. O pedido foi
atendido em meados de 1836 família começou os preparativos para a
e a

viagem, vendendo alforria aos escravos adultos, entre eles Marcelina, e


concedendo liberdade condicional às crianças. Em 1837, o casal recebeu
passaportes para a África Ocidental, juntamente com Marcelina e vários
outros recém-libertos da família."
A volta da fundadora à África elemento central nas tradições
é um
orais da Casa Branca. Pierre Verger, que ouviu a bisneta de Marcelina
contar a história dessa odisscia em meados do século XX, afirma
que o destino final foi Ketu, No entanto, evidências documentais e
etnográficas, encontradas recentemente, revelam que, como tantos
outros africanos que deixaram a Bahia após o levante, a familia
encabeçada por José Pedro Autran e sua esposa se direcionou ao porto
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 293

de Ajudá, como era então conhecida a cidade de Uidá da atual República


do Benim. Em Ulida, a familia conseguiu um terreno, construindo uma
casa e estabelecendo assentamentos para Xangô e outros orixás. Dois
anos depois, Marcelina retornou à Bahia, sem Iyá Nassô. Esse evento €
sinalizado em uma vertente da tradição oral que afirma que Marcelina
teria "fundado" o terreiro sozinha, depois de chegar da África. No
entanto, na maioria das narrativas orais sobre o estabelecimento
da comunidade, Iyá Nassô é a protagonista principal." Ademais, os

depoimentos dos vizinhos do casal em 1835 deixam claro que uma


comunidade religiosa funcionava no seu domicílio antes do retorno
para África. Parece quase certo, então, que o período após a volta de
a

Marcelina, embora crucial, não foi uma fundação propriamente dita,


mas um momento de reorganização em um novo local.

Mais evidências da influência de Oyó:


os orixds patronos da Casa Branca

Encontramos outras indicações de influências oyós na Casa Branca


por meio de uma analise da geografia histórica das divindades mais
importantes do terreiro. No panteão iorubá, existem centenas de orixás,
alguns com seguidores em toda a Iorubalândia. A maioria, porém, era
cultuada apenas em certos reinos, regiões ou até cidades, Muitas vezes,
o mesmo orixa por nomes distintos em lugares diferentes,
é conhecido
às vezes com pequenas diferenças quanto aos mitos e rituais. Ao longo da
história ioruba, migrações causadas por guerras ou outros fatores foram
alterando o alcance geográfico dos cultos a vários orixás.º
Um caso paradigmático é o culto a Xangô, que foi levado pelos oyôs
às regiões que ficaram sob o domínio do império. Mais tarde, durante as

guerras do século XIX, oyôs deslocados pelos conflitos, tanto refugiados


livres quanto escravizados, disseminaram o culto para onde foram, inclusive
para o outro lado do Atlântico, como demonstra o caso de Iyá Nassô. A
Casa Branca não foi o único lugar na Bahia onde o culto de Xangô foi
estabelecido. No seu trabalho pioneiro sobre os cultos aos orixás na Bahia,
escrito no último decênio do século XIX, Nina Rodrigues caracterizou
Xangô como a mais popular das divindades africanas. Em outros cantos do
294 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Nordeste, nas províncias de Pernambuco e Alagoas, a palavra xangô passou


a designar a religiosidade de matriz iorubá.** No nível ritual, há sugestões

de que termos próprios ao culto a Xangô foram absorvidos pelo léxico


do candomblé. Por exemplo, entre os iorubás, a palavra kele refere-se ao
colar de contas vermelhas por iniciados de Xangô, mas
e brancas usado
na Bahia o termo designa a gargantilha usada por todo recém-iniciado,

independentemente do orixá ao qual foi consagrado."

Figura 3 A "coroa de Xangô", no centro do barracão da Casa Branca, ressalta a importância


-

desse orixá como patrono do terreiro e como rei de Oyó. Fonte: Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Arquivo Central, Rio de Janeiro, Terreiro da Casa
Branca. Foto F105631, Usada com permissão.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 295

No Brasil, como na África, Xangô é tido como senhor dos


trovões e raios, um atributo que ele compartilha com outra divindade
importante na Casa Branca, Airá. O nome Airá deriva da palavra
iorubá para trovão, ará. No candomblé hoje, Aira é frequentemente
descrito como uma qualidade de Xangô. Contudo, o próprio Aira tem
várias qualidades. Na Casa Branca, a mais importante delas é Intile,
lembrada nas tradições orais como patrono da comunidade ancestral
na Barroquinha.** A preeminência desse orixá é sinalizada pelo nome

daquele prototerreiro: Axé Airá Intilé Apesar da ideia de que Aira


seja uma qualidade de Xangô, na Casa Branca existem várias diferenças
entre os cultos, as quais sugerem tratar-se de orixás distintos. Primeiro,
enquanto os devotos de Xangô trajam tons vivazes de vermelho, os de
Aira usam apenas roupa branca. Geralmente, os assentamentos de todas
determinado orixá são guardados juntos, no mesmo
as qualidades de um

espaço, mas no caso de Airã e Xangô são inteiramente distintos. Os


assentamentos de todas as qualidades de Xangô menos aquelas de
Airá são agrupados em um quarto adjacente ao barracão, enquanto
os assentamentos de Aira estão alojados em uma estrutura separada, a
cerca de 20 metros de distância. Para a maioria dos orixás cultuados
no terreiro, cada um tem uma única festa anual, quando se invocam e
festejam suas diferentes qualidades, mas Xangô e Aira têm festividades
separadas. Os ritos anuais para Airá são sempre realizados no dia 29 de
junho, dia da festa católica de São Pedro. A cerimônia de Xangô ocorre
meses depois, em meados de outubro." A ordem das festas ressalta a

antiguidade de Aira: segundo a tradição oral, seus assentamentos foram


trazidos da Barroquinha, enquanto os axés de Xangô foram plantados
depois, durante a fundação da Casa Branca.*
Como foi dito anteriormente, Xangô simbolizava o poder
político de Oyó, e por isso o culto foi exportado aos estados vassalos
do império. Aira (Ará, em ioruba), porém, não era cultuado na
metrópole. Hoje, seu culto é limitado a alguns poucos lugares da
região ocidental do território iorubá. De fato, embora o extenso
trabalho de campo de Pierre Verger na Iorubalândia tenha produzido
material volumoso sobre Xangô, ele encontrou muito pouco sobre
Ará. As únicas evidências trazidas por Verger são das cidades de Ketu
e Sabé, onde ele encontrou o orixá Ará Igbona." Para Silveira, essas
1
296 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

informações reforçam teoria das influências ketus na comunidade


a

primordial na Barroquinha."? No entanto, embora Igbona seja


reconhecido na Bahia como uma qualidade de Airá, apenas Intilé é
lembrado como patrono da casa ancestral.
Pistas importantes sobre a história do culto a Aira Intilê surgem
no trabalho do antropólogo Marc Schiltz a respeito das tradições orais
relacionadas a Ará na antiga cidade de ktílé, localizada no extremo
sudoeste do reino de Oyo. Itilé foi fundada por volta de 1770, por
um principe de Oyo que deixou a metrópole depois de uma tentativa
malsucedida de subir ao trono. Na nova cidade, os orixás cultuados
não incluíram Xangô, simbolo do poder da metrópole. O orixá
instituído como patrono foi Ará, sob o controle do principe fundador,
conhecido como onitilé [senhor de Itílé], título que passou para as
gerações posteriores de monarcas, até hoje."
A semelhança fonética entre onitile e Intilé sugere que esta
última palavra seja uma corruptela da primeira. Ademais, a cuidadosa
separação, na Casa Branca, entre os assentamentos e as festas de
Xangô e Airá Intilé parece reproduzir um tabu de ltilé. Devido ao
conflito familiar que levou àfundação da cidade, era proibido que o
onitilé se encontrasse, cara a cara, com o alafin. Como tantas outras
cidades do reino de Oyó, ltilé foi destruída durante as guerras da
primeira metade do século XIX. Seguramente, muitos dos habitantes
foram deportados para as Américas como escravos." Esse contexto
oferece uma explicação bastante plausível para a instalação, na Bahia,
do culto ao orixá patrono de ltile.
Embora o barracão da Casa Branca seja consagrado a Xangô,
o terreno ao redor é protegido por Oxóssi, orixá caçador. Entre os

iorubás, o caçador era detentor de conhecimentos profundos sobre


a floresta e por isso tornava-se guia indispensável para viajantes. Na

hora de escolher um lugar propício para um novo assentamento, seus


conselhos eram fundamentais. O caçador era também guerreiro, pois
as mesmas armas utilizadas nas caçadas serviam para defender o reino
de invasores. Esses atributos sociais são representados simbolicamente
em procissões reais, em que os sacerdotes de orixás caçadores abrem o
caminho para o monarca e seus ministros." Ao escolher Oxóssi como
guardião do terreno, a Casa Branca reproduziu essa lógica cultural.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 297

No candomblé, Oxóssi popularmente conhecido como o "rei


e
de Ketu", expressão que tem sido interpretada como legado de sua

importância histórica naquele reino. Verger, porem, no decorrer do


trabalho de campo em Ketu, não encontrou "pessoas que saibam ou
desejem" cultuar Oxóssi, apesar de identificar alguns locais onde o
orixá "recebia outrora oferendas e sacrifícios". Sobrava a tarefa a um
sacerdote de Ossanyin outro orixá associado à floresta que, na
ausência de sacerdotes consagrados a Oxóssi, zelava por este orixá. A
partir disso, Verger inferiu que os sacerdotes de outrora tivessem sido
todos exportados como escravos, o que teria gerado a popularidade
do culto no Brasil.* No entanto, não hã evidências etnográficas ou
históricas que apoiem tal raciocínio. Como vimos antes, a destruição
de Ketu ocorreu bem depois da extinção do tráfico. Ademais, não há
notícias de grande importância histórica de Oxóssi no reino, fosse
como orixá, fosse como rei mitológico. Embora as tradições orais
locais afirmem que caçadores escolheram o local de fundação da
capital, o culto a citado." No âmbito religioso, os orixás
Oxóssi não é

que sobressaíam eram Ogum e Exu.


56

Na Iorubalândia do século XIX, Ogum e Exu faziam parte de um


pequeno número de divindades cujos cultos estavam disseminados por
toda a região. O culto a Oxóssi, porem, era mais restrito, importante
sobretudo nas regiões historicamente dominadas por Oy6.º" No
palácio do alafin existia um posto titular conferido a uma sacerdotisa
dedicada ao culto de Oxóssi. Entre os egbáãs sujeitos a Oyô por
séculos antes de se libertarem no final do século XVIII Oxóssi era
bem conhecido. Uma narrativa missionária de 1858 caracterizou-o
como o "deus predileto dos egbás", reclamando da dificuldade de
converter seus numerosos seguidores ao cristianismo. Ào que parece,
frequentemente Oxóssi é cultuado não como divindade principal,
mas como uma entidade auxiliar em cultos a outros orixás. Na
cidade de Ketu, por exemplo, Schiltz documenta a presença de um
assentamento para Oxóssi dentro da área sagrada de Ará Igboná.*
Oxóssi aparece também como divindade secundária em Ilé-Ife, berço
da civilização ioruba, onde é considerado guardião de Qbatala/Oxala, o

patrono da cidade, associado à criação do mundo. As festividades anuais


desse orixá incluem uma procissão em homenagem a Oxóssi." O papel
298 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

auxiliar de Oxóssi nos cultos


vários orixás fornece um contexto para
a

entender por que, em Ketu, Verger encontrou Oxóssi em associação


com Ossain.*?
Teria sido a influência das narrativas populares do candomblé
vinculando Oxossi a Ketu que levou Verger, grande pesquisador
dos cultos aos orixás nas duas margens do Atlântico, a não enxergar
evidências em contrário? Independentemente do motivo, seus dados
sobre esse orixá na África são extremamente parcos, fato que o
próprio autor reconheceu em sua primeira obra acadêmica, publicada
em francês em 1957. Essa admissão, porém, não consta na sua obra

etnográfica mais conhecida, o livro Orixás, de 1981. Nesse texto,


a discussão sobre Oxóssi na África reproduz as informações da

publicação anterior, acrescentando apenas que o culto "encontra-se


quase extinto na África", Em outro livro, publicado em 1985, Verger
vai além, declarando que o próprio rei de Ketu lamentava "que o
culto de Oxóssi tivesse sido esquecido em seu reino enquanto é tão
popular no Novo Mundo". O suposto desaparecimento de Oxóssi em
terras africanas virou lugar-comum no Brasil, inclusive nos terreiros
do candomblé.
Na falta de fontes históricas sobre o culto de Oxóssi em Ketu, é
difícil analisar a objetividade das informações registradas por Verger.
Não hã evidências documentais ou mesmo tradições orais que refiram
uma antiga importância de Oxóssi naquele reino, e tampouco existem
indícios da presença de orixás considerados qualidades de Oxóssi na
Bahia. É o caso de Inle, conhecido entre os iorubás como Eyinle ou Erinle,
que, na África, apesar de ser caçador como Oxóssi, € inteiramente
distinto deste." Associado ao rio homônimo que se origina no território
de Oyô e flui para o sul até desembocar no rio Osun, Erinle é cultuado
ao longo do percurso ribeirinho e na area ao redor, inclusive na antiga

metrópole, bem como em outras partes da Iorubalândia central. Na


cidade de Iobu, próxima à confluência com o rio Qsun, há numerosos
templos dedicados ao orixá. Um deles chama-se Ibá Alámo, denominação
de uma das diversas qualidades do orixá. Na Casa Branca, "Ibualama"
é justamente uma alcunha de Inle. Seu assentamento, incrustado com

búzios, sinalizando sua associação com água, é localizado ao ar livre, ao


lado da casa de Oxóssi.º
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 299

Embora Inle seja importante


na Casa Branca, a qualidade de
Oxóssi que é o regente do terreno
em volta do barracão outra,
é

Onipapô. Não mencionado por


Verger, esse culto remonta aos
tempos da comunidade matriz na
Barroquinha, segundo a memo-
ria oral.º* Como Silveira obser-
va, etimologia do nome oferece
a

pistas para desvendar a geografia


de seu culto na África.º O pre-
fixo oní, como ja foi dito, significa
Figura 4 O assentamento de Inle/Tbualama
proprietário ou senhor, mas o da Casa Branca. Localizado numa área
sentido do sufixo papô é menos externa, adjacente à casa que abriga as outras
qualidades de Oxóssi, o assentamento está
claro. Silveira o interpreta como encrostado com conchas. sinalizando a asso
corruptela do etnônimo Popo, ciação do orixá com água. Fonte: Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
antigo reino ioruba de local incerto,
(Iphan), Arquivo Central, Rio de Janeiro,
sugerindo que seja identificado Terreiro da Casa Branca. Foto F096914.
com a região dos reinos de Ketu Usada com permissão.

e Shabe.Contudo, o sentido mais


comum da palavra popo é como sinônimo para um grupo étnico mais
conhecido como égun ou gun, hoje localizado na região das cidades de
Badagry e Porto-Novo, mas que antigamente habitava a região litoral até
a foz do rio Mono, hoje a fronteira entre Benim eTogo.

Outra possibilidade, talvez mais provável, é que o sufixo "papô"


de Onipapô se refira a Papo ou ipapo, cidade localizada no reino de Oyó
a poucos quilômetros da capital. Destruida nas
guerras do século XIX,
ipapó foi posteriormente reconstruída em outro local. As divindades mais
importantes da cidade são Qmosaânda, da familia de Xangô, considerado
o fundador da cidade, e Erinle."" Há indícios da presença de pessoas de

ipapó em Salvador, entre as quais o já mencionado oyó liberto Antonio


Yacouba Pereira dos Santos, que morava na mesma freguesia que Iyá Nassô
e o marido. É possivel,
então, que os protagonistas do prototerreiro na
Barroquinha incluissem pessoas de Ipapó que tivessem trazido o culto do
orixá caçador hoje conhecido como Onipapô.
300 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

O conjunto de evidências etnograficas apresentadas nesta análise


das divindades principais da Casa Branca, tanto quanto os fatos da vida
da fundadora, apontam para o legado do reino de Oyó na cosmogonia

religiosa do terreiro. Na próxima seção, veremos que essas influências


não foram limitadas aos primeiros tempos da comunidade religiosa.
Estenderam-se por décadas, ao longo da liderança da sucessora de Iyá
Nassô, Marcelina Obatossi, até sua morte em meados dos anos 1880.

0 lugar de origem de Marcelina Obatossi: Ketu ou Oyó?

São muitos os registros históricos, quase todos descobertos recen-


temente, que descortinam a vida de Marcelina. Como liberta, ela
adotou o sobrenome da Silva, legado de sua mãe espiritual e patrona.
Nenhum registro encontrado até agora, no entanto, identifica seu
lugar de nascimento. O passaporte para a África, emitido em 1837,
descreve-a apenas como nagô. O testamento, escrito em 1881, poucos
anos antes de sua morte, afirma, de forma mais ambígua ainda, que
Marcelina era natural da "Costa da África".º Em 1967, porém, seu
trineto, Deoscóredes dos Santos, mais conhecido como Mestre Didi,
foi a Ketu com Pierre Verger visitar o rei. Na visão de Didi, além de ser
uma visita individual feita por ele, ele foi também como representante
"dos irmãos descendentes de Ketu residentes na Bahia"."? Durante a
audiência, Didi identificou-se como "descendente da terra de Ketu"
e, incentivado pela esposa, a antropóloga Juana Elbein, recitou um
breve oríki [poema panegírico] que remontava aos tempos da trisavo:
"Asipa borogun elese kan gongõô"." O monarca disse então que conhecia
uma linhagem chamada Asipa e mandou levar o visitante para conhecê-
-Ja. Na casa da família, Didi tornou a recitar o oríki. A reação foi de
"alegria geral, todos bateram palmas [e] vieram apertar minha mão"."
Didi foi levado a um assentamento de Oxóssi, descrito por ele como
"idêntico aos da Bahia". Esse encontro, acontecido poucos dias depois
da morte da mãe de Didi, foi para ele uma espécie de epifania, pois
"ouvimos e reconhecemos tudo aquilo que minha mãe e as pessoas mais
velhas diziam na Bahia". Nenhuma das várias versões sobre o encontro
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 301

publicadas por Didi comparou o oríki recitado por ele ao panegírico da


familia Asipa, mas com base nesse verso Didi reconheceu a família como
seus parentes consanguíneos."

Curiosamente, Verger nunca publicou, no Brasil, uma análise


dessa inusitada descoberta genealógica sobre uma das mais lendárias

figuras ancestrais do candomblé. Tampouco citou o assentamento


de Oxóssi mantido pela familia em Ketu. Pelo contrário, como foi
discutido anteriormente, quando publicou Orixás, em 1981, Verger
apenas reafirmava a dificuldade para localizar traços do culto a Oxóssi
em Ketu. Da mesma forma, quando Elbein publicou seu livro clássico
sobre ancestralidade no candomblé, Os nagô e a morte, em 1975, não
a

incluiu nenhuma referência a laços de parentesco entre a sucessora de


Iyá Nassô e a família Asipa em Ketu." O silêncio de ambos os estudiosos
que testemunharam aquele encontro histórico parece sinalizar certa
ambivalência sobre os fatos.
Foi Vivaldo da Costa Lima, sempre cético, que tomou uma
perspectiva critica em relação ao vinculo de parentesco, observando que
asipa é um titulo militar em vários reinos iorubas, inclusive em Oyo,
onde se refere a um devoto de Ogum que lidera a guilda dos caçadores. O
título foi preservado em algumas partes do Brasil, como no Recife, onde
axipá se refere ao titulo do devoto de Ogum responsável pela realização
do sacrifício, cargo conhecido como axogum na Bahia. Como aconteceu
com outros titulos, Asipa tem longa história de uso como nome próprio
em várias regiões da Iorubalândia. O primeiro rei de Lagos, por exemplo,
se chamava Asipa."
Como ja foi dito, na cultura ioruba, historicamente, os caçadores
também eram guerreiros. Essas informações são consistentes com o
conteúdo do oríki recitado pelo Mestre Didi, que pode ser traduzido como

"Asipa, o astuto chefe de guerra, que anda com as duas pernas como se
tivesse apenas uma".* Em iorubá, a expressão "andar com apenas uma
perna é uma metáfora para pessoas que possuem poderes sobrenaturais,
bb)

especialmente aqueles com a capacidade de se tornarem invisíveis, uma


habilidade de óbvia utilidade para soldados e caçadores."
Existem outros dois poemas panegíricos sobre Marcelina que
foram transcritos por seu trineto. Mais longos e detalhados do que
302 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

aquele recitado em Ketu, os poemas mencionam vários orixás. O


único caçador citado, porém, é Ogum, não Oxóssi. Xangô, no
entanto, a quem Marcelina era consagrada, é referido repetidamente,
bem como Iyamassé, a mãe de Xangô, e Oranyan, o avô." Um dos
oríkis começa com as palavras "Iyá o bogunde" [A guerra trouxe a
mãe], provavelmente uma alusão à chegada de Marcelina à Bahia,
como escrava." Ela foi batizada em 7 de novembro de 1824, fato
que permite deduzir que chegou ao Brasil no início daquele ano ou
alguns meses antes. Contudo, como vimos aqui, em Ketu, o tempo
que corresponde ao início do século XIX é lembrado como um
periodo de paz. A referência à guerra, portanto, põe em dúvida a
ideia de que Marcelina viesse daquele reino. Em Oyo, por outro lado,
como já foi mencionado, o início da década de 1820 foi marcado por
conflitos internos entre facções políticas e crescente instabilidade
governamental. Na Bahia tambem eram tempos turbulentos. A guerra
de independência, iniciada em setembro de 1822, durou dez meses,
terminando em 2 de julho de 1823, com a expulsão dos portugueses
da capital baiana. Em outubro de 1824 poucas semanas antes do
batismo de Marcelina desencadeou-se outro conflito na capital
baiana, um motim militar conhecido como a Revolta dos Periquitos.*º
É difícil dizer, portanto, se a guerra citada nesse poema era um
conflito na terra natal de Marcelina, na Bahia, ou nos dois lugares. Mas
em ambos os poemas sobre ela há outra sugestão de um vínculo com Oyó:
referem-se como "omo Afonjá" [filha de Afonja], ou "kekerê omo
a ela

Afonjá" [filha mais nova de Afonja]." Em iorubá, a expressão omo Afonjá


tem vários significados, a depender do contexto. Em um dos sentidos,
denota um devoto de Xangô." No Brasil, Afonjá é uma qualidade de

Xangô, mas as tradições orais sobre Marcelina a vinculam a outra,


Ogodô, que não citada no poema.* Entre os iorubás, Afonjá também
é

é um nome pessoal, dado apenas a membros das linhagens reais de Oyo.

Isso levanta a possibilidade de que as referências a Afonjá no poema

digam respeito ao poderoso general homônimo. Depois da morte do


Alafin Abiodún, Afonjá viveu em conflito com os sucessivos reis e, em
1817, com o apoio de escravos hauças em Oyó, ele se levantou contra
o Alafin Majotu, numa tentativa malograda de tomar o poder. Seus
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 303

aliados, no entanto, logo se voltaram contra ele, o que resultou no seu


assassinato por volta de 1823 exatamente o momento mais provável
para aescravização de Marcelina."
De fato, um dos poemas de exaltação a Marcelina sugere uma
conexão com o general rebelde. Uma das linhas contém uma expressão,
Ará loko Vaya, a qual lembra um dos cognomes de Afonjá, Afonjá Vaiya
Pokô [bravo guerreiro com uma lança]." Ao discutir a vida de Afonjá,

Johnson fala de um certo Lasipa, escravo chefe [head slave] do general e


uma pessoa de poder.** Se o asipa do "brasão oral" recitado em Ketu fosse
uma referência Lasipa, Marcelina seria descendente do escravo mais
a

importante de Afonjá, portanto membro da casa deste. Entre os iorubas,


os escravos da casa eram considerados, simbolicamente, filhos. Dai

surge uma explicação para a repetição do termo gmo Afonjá nos poemas
panegíricos sobre Marcelina.
Ainda que esses textos orais pareçam oferecer pistas tentadoras
sobre a vida de Marcelina, a apreciação real de seu significado requer
tradução cuidadosa, uma tarefa que está além do escopo deste capitulo.
Como observa Karin Barber, para o forasteiro, a interpretação de
oríki apresenta grandes desafios. Alegorias enigmáticas são uma
característica fundamental dessa forma narrativa. Muitas vezes,
a interpretação dos versos depende do conhecimento de eventos,

lugares personagens que só os habitantes locais ou membros da


e

linhagem possuem. Tratando-se de versos preservados no Brasil


ao longo de dois séculos, há ainda o desafio de alterações fonéticas
influenciadas pelo português, que, diferentemente do ioruba, não é
uma lingua tonal. Como resultado, a pronúncia de verbetes iorubás
no Brasil de hoje é frequentemente marcada pela ausência ou pela
transformação da tonalidade, elemento fonético fundamental na
construção do significado em língua iorubá." Apesar dessas ciladas,
as informações trazidas pelos versos sobre Marcelina, juntamente com
os eventos históricos do periodo de sua escravização, apontam para

Oyó, e não Ketu, como o seu mais provável lugar de origem. Nesse
sentido, se Marcelina era de Oyó, à semelhança de Iyá Nassô, isso
poderia explicar por que algumas tradições orais descrevem as duas
mulheres como parentes carnais.
304 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Outros ancestrais do terreiro nos tempos de Marcelina

A composição étnica do alto clero da Casa Branca durante a liderança de


Marcelina é outro sinal da importância de Oyo no histórico do terreiro.
Alguns dos contemporâneos da ialorixá vieram de Oyo, enquanto
outros eram da região de Egbá, antigo estado vassalo de Oyo. Um caso
paradigmático é o do sacerdote de Xangô e babalaô Bamboxê Obitikô,
que deixou descendentes em Lagos e na Bahia, As tradições orais dos dois
lados do Atlântico concordam que ele era de Oyô, afirmação substanciada

por uma reportagem de jornal em 1887, descrevendo-o como "chefe da


valente tribo Nagô de Yoba". Yobá é uma variante de "ioruba", termo
que nessa época ainda se referia, especialmente no Brasil, a pessoas
de Oyo. Bamboxê foi batizado como escravo em 1850, recebendo
o nome de Rodolfo. Sete anos depois, comprou sua liberdade, com a
ajuda de Marcelina." Embora uma versão das tradições orais afirme
que ele ajudou Iya Nassô e Marcelina a fundarem o terreiro, a data do
batismo de Bamboxê revela que seu envolvimento ocorreu anos depois
do retorno definitivo de Iyá Nassô à África. A memória de sua atuação
como "fundador" provavelmente se refere ao periodo em que o terreiro
se transferiu para o local atual, por volta de 1860."
Outra figura masculina ativa no terreiro na época de Marcelina foi
Joaquim Vieira da Silva, lembrado como grande amigo de Bamboxê. Seu
nome iorubá, Obá Sanyá, indica que também era de Xangô, havendo
indícios de que ele fosse de Oyó. Não está claro quando exatamente
Joaquim foi escravizado, mas ele obteve sua liberdade em 1866. Seis
anos depois, foi com Bamboxê ao Recife, onde permaneceram por quase
um ano, periodo que coincide com a fundação de um dos terreiros
mais antigos de Pernambuco, o Sitio de Pai Adão. Até hoje Joaquim é
lembrado como ancestral importante desse terreiro. Em 1891, poucos
anos após a morte de Marcelina, que se deu em 1885, Joaquim voltou
a morar na capital baiana."

Outra pessoa nas margens desse circulo restrito de sacerdotes


de Xangô foi Marcos Teodoro Pimentel, lembrado pelos descendentes
como natural de Oyó. Batizado em 1834, ele evidentemente foi
escravizado em meio ao caos que antecedeu a destruição da capital
do reino, ocorrida por volta de 1836. Marcos Teodoro comprou sua
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 305

liberdade em 1849. Devoto de Xangô, ele também era atuante no culto


aos ancestrais, fundando um terreiro de egúngún na Ilha de Itaparica,

hoje lendário. Marcos Teodoro não é mencionado nas tradições orais


da Casa Branca, mas sua casa, na vila de Itaparica, ficava bem próxima
àfazenda onde Bamboxê viveu nos primeiros anos do cativeiro. É
muito provável que os dois oyôs tenham se conhecido nesse periodo.
Como no caso do culto Xangô, as práticas em torno da veneração aos
a

egúngún foram historicamente associadas a Oyó. Na Bahia, os cultos


são entrelaçados: Xangô é considerado o patrono de todos os terreiros
de egúngun. De acordo com a tradição oral, Marcos Teodoro fez uma

viagem para a África, memória confirmada por evidências documentais.


Ele embarcou para Lagos em maio de 1881. Bamboxê estava naquela
cidade na época e é possivel que os dois estivessem em contato. Na volta
de Lagos, Marcos teria trazido um assentamento do egúngun Olukotun,
tido na Bahia como ancestral de todo o povo iorubá.?
Como Marcos Teodoro, o nagô liberto Eliseu do Bonfim também
era sacerdote de egúngún. Eliseu era ligado à Casa Branca e tinha um
vínculo especial com Marcelina, que era madrinha de um de seus filhos.
Comerciante de produtos africanos, Eliseu viajava com frequência para
Lagos, às vezes na companhia de Bamboxê Obitikô. Embora um texto de
Juana Elbein e Mestre Didi descreva Eliseu como natural de Ketu, seu
filho Martiniano, entrevistado em 1941, informou algo diferente: o pai
teria sido egba, natural da cidade de lká, na região da fronteira com Oyo.
No Brasil, Eliseu casou-se com uma mulher de Ibarâpá, uma das províncias
de Oyó. Ainda segundo Martiniano, Eliseu possuia um importante
titulo no culto de egúngún, Areojé. Sua atuação no culto aos ancestrais é
lembrada nas tradições orais, que falam de um assentamento criado por
ele. Chamado Ilari, trata-se de um ancestral de sua própria família."
Pelo menos dois outros egbas fizeram parte da rede sociorreligiosa
da Casa Branca durante esse periodo. O primeiro, Eduardo Américo
de Souza Gomes, natural da cidade de Abeokuta, cultuava Ifá, como
evidencia seu nome ioruba, Fasesi. Em 1868, oito anos depois de sua
liberdade, Eduardo foi a Lagos e lá, passados alguns anos, casou-se
com a filha mais velha de Bamboxê. Também egba era Maria Julia da
Conceição, fundadora do terreiro do Gantois. Natural da região de
Alake, ela viveu um tempo em Abeokuta antes de chegar à Bahia como
306 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

escrava por volta de 1835. Segundo a tradição oral, ela foi iniciada pela
africana Iyá Akalá, uma contemporânea de Iyá Nassô, também envolvida
com acomunidade religiosa da Barroquinha. Maria Julia comprou sua
liberdade em 1840 e casou-se com Francisco Nazareth de Etra, liberto
de nação jeje, natural da região de Mahi, na atual República do Benim.
Por volta de 1850-1859, o casal fundou o Gantois.*
As evidências documentais trazem a possibilidade de recuperar
nuances da vida de personagens lembrados nas tradições orais e, ao
mesmo tempo, lançam luz sobre outros individuos, cujas memórias foram
minguando até cair no esquecimento. Entre eles, o caso do liberto nagô
Bemvindo da Fonseca Galvão é de especial interesse. Como Marcelina e o
filho de Iyá Nassô chamado Thomé, Bemvindo foi batizado como escravo
em 1824, o que sugere que os três foram escravizados na mesma época.
Bemvindo comprou sua liberdade em 1836." Durante o cativeiro, ele
morou poucos quarteirões da casa de Iyá Nassô e é provável que tenha
a

se aproximado da alta sacerdotisa. Entretanto, as evidências de laços com


Bemvindo só se apresentam depois do retorno de Marcelina de Uida. Em
1845, Bemvindo foi padrinho de um escravo dela e, na década seguinte,
os dois foram padrinhos de dois filhos de uma mulher nagô, escrava de
uma família branca de elite."
Diante desses laços de compadrio, não resta dúvida de que Bem-
vindo desempenhava algum papel no terreiro de Marcelina. Após
sua morte, em 1877, uma sequência complexa de ritos funerários foi
realizada ao longo de 17 dias numa comunidade religiosa afro-brasileira,
provavelmente a Casa Branca. Foram feitas diversas oferendas, com o
sacrifício de cabras e aves. O filho de Bemvindo, Candido, publicou
uma descrição detalhada das cerimônias em um jornal local, a primeira
de muitas vezes em que ele sinalizaria abertamente o envolvimento
da família com o culto aos orixás."" Tratava-se de postura iconoclasta
na época. A religiosidade africana não era apenas estigmatizada pela
sociedade, era ativamente perseguida pela polícia, com a invasão de
terreiros e a prisão de seus membros. Mas, no leito de morte do pai,
Candido lhe prometeu honrar a herança religiosa da família. Ao que
parece, assumir publicamente seu envolvimento com o culto aos orixás
foi uma forma de cumprir o juramento."
Ao mesmo tempo, Candido começou a se autointitular Dom
Oba II, alegando que seu finado pai tinha sido filho do Alafin
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 307

Abiodún, o que lhe renderia bastante notoriedade." Não há razão


para duvidar de que Bemvindo da Fonseca Galvão fosse de Oyó: já
vimos evidências de que, no periodo de seu batismo, vários oyôs
escravizados chegaram a Salvador. Quanto à realeza, em princípio,
não esta fora de cogitação, pois, como mencionado anteriormente, há
casos de membros de realezas africanas que chegaram ao Brasil como
escravos. O testamento de Bemvindo, no entanto, traz informações
que contradizem as reivindicações do filho: o testador seria menor
de idade quando chegou à Bahia. Uma vez que foi batizado em 1824,
ele deve ter nascido depois da virada do século XIX, anos depois da
morte de seu suposto pai, Abiodún.'º?
Ainda que Bemvindo da Fonseca Galvão não fosse filho carnal de
Abiodún, a reivindicação de parentesco feita quase um século após o
desaparecimento daquele monarca revela que ele ainda estava de saudosa
memória entre a população falante de ioruba na Bahia, Segundo Candido,
durante o reinado de Abiodún, "nunca vieram escravos ao Brasil", fato
"sabido por todos pertencentes a essa grande geração". Ele estava se
referindo ao senso comum que prevalecia entre oyôs, como Bemvindo,
deslocados e reduzidos ao cativeiro pelos conflitos que assolaram o reino
após a morte do rei.'! Embora o reinado de Abiodún fosse uma época
de bonança para os oyôs, a afirmação de que ninguém fora deportado
ao Brasil deixa entrever uma perspectiva etnocêntrica que desconhece
o papel histórico daquele império na escravização dos povos vizinhos.
A benevolência atribuida a Abiodún não lhe impediu de protagonizar a
tomada militar da cidade de Porto-Novo, para facilitar a venda de cativos

por mercadores oyós a negreiros europeus.!?


Com morte de Candido, em 1889, a memória de Abiodún
a

perdeu um enérgico defensor brasileiro. Algumas décadas depois,


porém, o filho de Eliseu do Bonfim, Martiniano, tentou reavivar as
recordações. Em uma matéria de jornal publicada em 1937, Martiniano
elogiou o alafin longamente, descrevendo-o como "amigo do seu povo",
em cujo reinado "o país prosperava a olhos vistos".'"* Nascido na Bahia
em 1859, Martiniano cresceu como membro da comunidade da Casa
Branca, mas se afastou nos anos após a morte de Marcelina, aliando-
-se com um terreiro dali descendente também dedicado a Xangô, o
Nê Axé Opô Afonjá. Na juventude, ele viveu em Lagos por 11 anos,
308 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

de 1875 a 1886. As impressões sobre Abioduún colhidas durante a


infância na Bahia certamente se tornaram mais nítidas e detalhadas
em Lagos, onde Martiniano conheceu a obra do intelectual Andrew

Laniyonu Hethersett, filho de um chefe de origem oyó. Como no


caso de seus compatriotas mais conhecidos, Samuel Ajayi Crowther e
Samuel Johnson, a trajetória dos pais e avos de Hethersett foi marcada
pela queda de Oyô. As obras dos três intelectuais hoje clássicas, são
permeadas pela nostalgia dos tempos áureos de Abiodún, em contraste
com o periodo posterior, quando, nas palavras de Johnson, "o cálice
da iniquidade estava cheio, e a perversidade, a usurpação e a traição

imperavam", abrindo assim o caminho para a queda do império."*


Pinçando livremente diferentes elementos do trabalho de Hether-
sett, o artigo de Martiniano reelaborou a história da deificação de
Xangô, enquadrando-a no contexto da anarquia que assolou Oy6 depois
da morte de Abiodún. Essa narrativa tornou-se a base teológica para
o estabelecimento de uma nova categoria de sacerdotes no Ilê Axé

Opô Afonjá, os "Obãas de Xangô", com titulos apropriados de cargos


administrativos do antigo império e dos nomes de antigos alafins, entre
eles Abiodún. O significado dessa inovação ritual tem sido bastante
comentado por estudiosos. Observando que em Oyó não havia uma
categoria semelhante de sacerdotes, argumentam que os Obás de Xangô
constituem uma tradição inventada com o fim de aumentar o prestígio
do terreiro, então recem-fundado.!? Isso é inquestionável: o texto de
Martiniano tomou várias liberdades, com a cronologia dos eventos em
Oyó e comestrutura da hierarquia ritual do culto de Xangô. Contudo,
a

seu foco na queda do antigo império não deixa de ser uma tentativa de
reacender as brasas do imaginário cultural sobre eventos que faziam
parte da experiência coletiva da geração de seus pais, marcando a
história do candomblé e do terreiro fundado por Iyá Nassô.

Considerações finais: metamorfoses


identitárias no início do século XX

Em um artigo pouco conhecido, publicado no final de sua vida,


Verger reconheceu que o título de Iyá Nassô usado pela fundadora
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 309

da Casa Branca era um forte indício da influência de Oyo no


terreiro,
e que a nação ketu no candomblé era "um pouco mítica".'* As
evidências aqui apresentadas confirmam a existência dessas raizes
Oyôs nos primeiros tempos do terreiro, demonstrando ainda que os oyôs
predominaram no alto clero do terreiro até o final do século XIX.
Esse legado se alastra até os dias atuais, por meio dos orixás patronos
do terreiro. Embora existam evidências de outros grupos iorubas,
notadamente egbás e ijexás, faltam indícios históricos da presença
de pessoas de Ketu.
Em 1940, a então ialorixá da Casa Branca, Maximiana Maria da
Conceição, conhecida como Tia Massi, falou da história de sua família
durante uma entrevista. Já idosa, ela declarou ser filha de africanos: o
pai era de Oba (provavelmente a cidade egba desse nome, destruida pela
guerra em 1826) e a mãe, de Efon (provavelmente a cidade homônima,
na região ékiti).'"" Contudo, apesar de sua própria ascendência e não
obstante as regiões de origem das primeiras gerações de ialorixas,
Maximiana referia-se Casa Branca como de nação ketu.
à

Naquele momento histórico, a nação ketu de candomblé só existia


na cidade de Salvador. Em outras localidades da Bahia, bem como em
outras partes do Nordeste, a maioria dos mais antigos terreiros com
raizes iorubas reivindicava ser de nação nagô, sendo que alguns poucos
descreveram sua nação como ijexaã. Embora o conceito da nação ketu
tenha atingido praticamente todo o território nacional, trata-se de um
processo que aconteceu no século XX, protagonizado pelos sacerdotes
iniciados em Salvador." Se um grande número de cativos do reino de
Ketu tivesse sido trazido ao Brasil, seria altamente improvável que todos
tivessem ficado em Salvador. Essas informações, para além das evidências
apresentadas aqui sobre os primeiros lideres da Casa Branca, reforçam
o argumento de Lima de que a nação ketu não se refere a descendência

biológica ou origem geográfica, e sim a identidade religiosa. Nos termos


de Benedict Anderson, uma "comunidade imaginada"."?
Vários autores, concordando com o argumento de Lima, têm
analisado o fenômeno de identidade ketu adquirida atraves de ini-
ciação. Um exemplo citado com frequência é o de Eugenia Anna dos
Santos (1869-1938), conhecida popularmente como Mãe Aninha.
Seus pais eram gruncis, um grupo étnico de Gana e Burkina Faso,
310 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

mas ela foi iniciada para Xangô na Casa Branca, ainda nos tempos
de Marcelina. Em 1910 Aninha fundou seu próprio terreiro, o Ilê
Axé Opô Afonjá, já mencionado, tornando-se então uma das mais
célebres defensores da nação ketu."º Para o antropólogo Luis Nicolau
Parês, casos como este explicam o aumento constante, ao longo do
século XX, do número de terreiros que reivindicam a identidade
ketu, um fenômeno que ele chama da "nagoização" do candomblé."
Contudo, as evidências apresentadas neste texto sugerem que, além
do papel indisputável da "conversão" à nação ketu por descendentes
de africanos não iorubás, outro fator decisivo foi a adesão de descen-
dentes de outros subgrupos iorubas. Ou seja, ao mesmo tempo que
descendentes de gruncis, mahis, angolas foram adotando a nação ketu
no contexto religioso, os filhos e netos de oyos, ijexás, egbas e de
outros subgrupos iorubás também o fizeram, como a história da Casa
Branca deixa claro. Em outras partes da diáspora iorubá, ocorreram
processos parecidos, como no caso de Cuba, onde, nos primeiros anos
do século XX, pessoas de várias origens étnicas, inclusive brancas, se
identificavam como lucumis por meio da iniciação na Regla de Ocha,
religião afro-cubana de matriz iorubá.!!*
Nas primeiras décadas do século XX, à medida que a população
africana da Bahia diminuia, tornando as origens étnicas das comunidades
de candomblé mais remotas no tempo, mudanças na maneira de
conceber a herança africana eram inevitáveis. Quanto aos descendentes
de iorubás, a heterogeneidade desse grupo durante o período do tráfico
de escravos foi, sem dúvida, um fator importante nesse processo.
Pessoas de diversas regiões da Iorubalândia conviviam, casando entre
si, como no caso de Iyá Nassô, que era de Oyô, mas se casou com
um ijexá, e Eliseu do Bonfim, que era egbá, mas tomou como esposa
uma mulher oy6. Alguns se casaram com pessoas fora de seu grupo
linguístico, como a fundadora do Gantois, que era egba e se casou com
um jeje da região mahi. Nesse contexto, ao longo de gerações de uniões
exogâmicas, os antecedentes étnicos se tornaram múltiplos.
Não obstante isso, pergunta-se por que, no contexto de Salvador,
a
designação ketu passou a substituir nagô, ja em uso por tanto tempo,
como o termo guarda-chuva? Parês sugere que pode ter decorrido de
um sentimento nacionalista dos iorubás em relação à reconstrução da
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 311

cidade de Ketu nos anos 1890, após sua destruição pelo Daomé na década
anterior. Contudo, naquele periodo, com o fim de quase um século de
guerra, muitas outras cidades iorubás estavam sendo reocupadas ou
reconstruidas em novos locais. Como a capital de um dos mais antigos
reinos iorubás, seria Ketu um caso especialmente impressionante?"
Outra possibilidade é que Ketu tenha assumido uma importância
simbólica para o candomblé de matriz iorubá. Por sua localização
geografica, Ketu possui influências religiosas heterogêneas. Na fronteira
leste esta a Iorubalândia central, enquanto no limite ocidental está a região
dos povos de lingua gbe, conhecidos no Brasil como jejes. No que tange
à religião, ao longo do tempo, os contatos com estes últimos resultaram

na inclusão de cultos a divindades de pouca importância nas Iorubalândia


central e oriental, mas bastante cultuados em Ketu, como Oxumarê ou
Nanã Buruku."* Durante o tráfico de escravos, especialmente no século
XVIII, muitos jejes chegaram à Bahia, deixando uma marca perceptível no
âmbito religioso afro-brasileiro, mesmo nos terreiros que se identificam
como de nação ketu, como aponta Parés."* Assim, parece plausível que
o termo "nação ketu" tenha surgido como metáfora para o estilo ritual
que surgiu nesse contexto heterogêneo, em que elementos jejes e nagôs
se misturavam, semelhantemente à situação no reino de Ketu.
Na verdade, o artigo de Verger citado no início dessa seção já levanta
essa possibilidade, opinando que, "para os descendentes de africanos na
Bahia, Kêto se tornou o símbolo da reunião das diversas nações".!!º Nesse
sentido, o terreiro do Gantois, que foi fundado por uma mulher egba e um
homem jeje-mahi, mas que hoje se identifica como nação ketu, pode ser
considerado um exemplo impar. Talvez seja por isso que Nina Rodrigues,
criador do termo guarda-chuva "jeje-nagô" para descrever o estilo ritual
do candomblé, tenha escolhido o Gantois como "modelo para uma ideia
exata do que é um templo fetichista na Bahia".
Qualquer que seja a lógica real que gerou o conceito de nação
ketu, seu surgimento tardio, num periodo em que as diferenças étnicas
africanas remontavam um passado cada vez mais distante, ressalta
a

que, além de ser repositório de elementos religiosos preservados desde


os tempos do tráfico de escravos, o candomblé também passou por

processos de inovação e metamorfose, em resposta às demandas de um


contexto histórico dinâmico.
312 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Notas

1 Este texto édedicado à memória de Vivaldo da Costa Lima (1925-2010),


o primeiro reconhecer a complexidade do significado da nação ketu no
a
candomblé. Sou grata ao National Humanities Center, ao Lapidus Center for
the Historical Analysis of Transatlantic Slavery e ao Acervo África/SP pelo
apoio financeiro durante a pesquisa e a escrita do texto. Agradeço a João
José Reis, Mariza Soares, Lucilene Reginaldo, Robin Law, Paulo de Farias,
Kristin Mann, Marc Schiltz e Brent Edwards pelos comentários feitos a versões
anteriores deste texto. Modúpe a Nathan Lugo, Niyi Afolabi, Félix Ayoh"
Omidire e Willys Santos pelo dialogo e pelos esclarecimentos oferecidos sobre
os textos em iorubá discutidos aqui.
2 J. D.Y. Peel. "The Cultural Work of Yoruba Ethnogenesis". In: Elizabeth
Tonkin; Maryon McDonald & Malcolm K. Chapman (org.). History and
Ethnicity. London, Routledge, 1989, pp. 198-215; Biodun Adediran. "Yoruba
Ethnic Groups or a Yoruba Ethnic Group? A Review of the Problem of Ethnic
Identification". África: Revista do Centro de Estudos Africanos da USP, 1984,
pp. 57-70; Robin Law. "Ethnicity and the Slave Trade: "Lucumi" and "Nago"
as Ethnonyms in West Africa". History in Africa, 24, 1997, pp. 212-215;
Luis Nicolau Pares. "The 'Nagôization" Process in Bahian Candomblé". In:
Toyin Falola & Matt Childs (org.). The Yoruba Diaspora in the Atlantic World.
Bloomington, Indiana University Press, 2004, pp. 1877-188; Maria Inês Cortes
de Oliveira. "Quem eram os negros da Guiné? A origem dos africanos na
Bahia", Afro-Ásia, 19-20, 1997, pp. 37-73; João José Reis. Rebelião escrava no
Brasil: a história do Levante dos Malês em 1835. Edição revista e ampliada. São
Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 338.
3 João José Reis & Beatriz Mamagonian. "Nago and Mina: The Yoruba Diaspora
in Brazil". In: Toyin Falola & Matt Childs (org.). The Yoruba Diaspora in the
Atlantic World. Bloomington, Indiana University Press, 2004, p. 80; João
José Reis. "Entre parentes: nações africanas na cidade da Bahia, século XIX",
In: Evergton Sales Souza; Guida Marques & Hugo R. Silva (org.). Salvador da
Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador, Edufba, 2016, pp. 273-312. As
principais etnias das línguas gbes na Bahia eram fons e mahis, cujas terras se
encontram na atual República do Benim. Cf. Luis Nicolau Pares. Aformação do
e ritual da
candomblé: história naçoojeje na Bahia. Campinas, Editora da Unicamp,
2006, cap. 1. Os falantes de línguas bantus incluiam uma variedade de grupos
étnicos, especialmente pessoas vindas da região que hoje corresponde ao
Congo e a Angola.
Muitos estudiosos do candomblé discutiram o significado das nações do
candomblé. Veja, por exemplo, Vivaldo da Costa Lima. "O conceito de nação
nos candomblés da Bahia". Afro-Ásia, 12, 1976, pp. 65-90; Kim D. Butler.
"Africa in the Reinvention of Nineteenth Century Afro-Bahian Identity".
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 313

Slavery &Abolition, 22 (1), 2001, pp. 138-142; Parês. "The "Nagôization",


pp. 185-186.
5 Edison Carneiro. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1991 [1948], pp. 52-53 e 140; Pierre Verger. "Prefácio". In: Deoscoredes
dos Santos. Axé Opô Afonjá: notícia histórica de um terreiro de santo da Bahia. Rio
de Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, 1962; e Orixás:
deuses iorubás na África e Salvador, Corrupio, 2002 [1981],
no novo mundo.

p. 28. Para os primeiros estudos sobre o candomblé, veja também Rodrigues


& Raymundo Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo, Editora Nacional, 1935;
Manuel Raymundo Querino. Costumes africanos no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1938 [1917]; Donald Pierson. Negroes in Brazil: A Study
of Race Contact at Bahia. Carbondale, Southern Illinois University Press, 1967.
Sobre o lendário terreiro de onde surgiram a Casa Branca e o Gantois, veja
também Vivaldo da Costa Lima. "Ainda sobre a nação de Queto". In: Cléo
Martins & Raúl Lody (org.). Faraimara: o caçador traz alegria. Rio de Janeiro,
Pallas, 1999, pp. 67-68.
6 Vivaldo da Costa Lima. A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia.
Salvador, Corrupio, 2003 [1977], pp. 30-31; Lima. "O conceito", pp. 79 e 81.
Lima. "O conceito", p. 78; J. Lorand Matory. Black Atlantic Religion: Tradition,
Transnationalism, and Matriarchy in the Afro-Brazilian Candomblé. Princeton,
Princeton University Press, 2005, p. 122; J. Lorand Matory. Sex and the
Empire That Is No More: Gender and the Politics of Metaphor in Oyo Yoruba Religion.
Minneapolis, University of Minnesota Press, 1994, p. 2277; Stefania Capone.
Searching for Africa in Brazil: Power and Tradition in Candomblé. Durham, Duke
University Press, 2010, p. 221; Luis Nicolau Parés. "Shango in Afro-Brazilian
Religion: 'Aristocracy' and "Syncretic" Interactions", Religioni e Societá, 54,
2006, p. 23; Lorelle Semley. "The 'Brazilians' Are Us: Identity and Gender in
the Memory of the Atlantic Slave Trade in Ketu, Benin". In: Ana Lucia Araújo;
Mariana P, Candido & Paul E. Lovejoy (org.). Crossing Memories: Slavery and the
African Diaspora. Trenton, N.J., Africa World Press, 2011, pp. 47-48; Aulo
Barretti Filho. Dos yorúbá ao candomblé kétu: origens, tradições e continuidade. São
Paulo, Edusp, 2010; Renato da Silveira. O candomblé da Barroquinha: processo de
constituição do primeiro terreiro baiano de ketu. Salvador, Maianga, 2006.
8 Lisa Earl Castillo & Luis Nicolau Parés. "Marcelina da Silva: a Nineteenth-
-Century Candomblé Priestess in Bahia". Slavery & Abolition, 31 (1), 2010, p. 3;
Carneiro. Candomblés da Bahia, p. 56; Pierre Verger. Os libertos: sete caminhos na
liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador, Corrupio, 1992, pp. 88-89;
Lima. 4família, p. 145. No Brasil, pessoas iniciadas para Xangô recebem nomes
religiosos que começam com o prefixo oba, que significa rei em ioruba.
9 Castillo & Parés. "Marcelina da Silva e seu mundo: novos dados para uma
historiografia do candomblé ketu", Afro-Ásia, 36, 2007, p. 122; Lima. 4família,
p. 32.
314 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

10 Muitos nomes e termos do idioma iorubá têm grafias próprias no português do


Brasil. Neste texto, de modo geral utilizo a grafia brasileira quando possível,
com exceção de nomes próprios de pessoas ou para destacar o contexto
africano dos cultos a determinados orixás.
11 Samuel Johnson. The History of the Yorubas. Lagos, Church Missionary Society
Press, 1966 [1921], pp. 56, 63-64, 148-152; Robin Law. "The Chronology of
the Yoruba Wars ofthe Early Nineteenth Century: A Reconsideration". Journal
of the Historical Society of Nigeria, 5 (2), 1970, p. 214; Hugh Clapperton. Journal
ofa Second Expedition into the Interior of Africa, from the Bight of Benin to Soccatoo.
London, J. Murray, 1829, p. 79; Saburi Biobaku. The Egba and Their Neighbors,
1842-1872. Oxford, Clarendon Press, 1957, p. 8.
12 Para as datas, ver Robin Law. The Oyo Empire, c. 1600-c.1836: A West African
Imperialism in the Era of the Atlantic Slave Trade. Oxford, Clarendon Press,
1977, pp. 245-252; e Law. "The Chronology," p. 218. Para uma análise mais
detalhada, mas sem datas, ver Johnson. The History, pp. 186-196 e 215.
13 Ver, por exemplo, I. A. Akinjogbin. Dahomey and Its Neighbors, 1708-1818.
Cambridge, Cambridge University Press, 1967, pp. 115-116, 165, 167, 186 e
199; Alberto da Costa e Silva. "Portraits of African Royalty in Brazil". In: Paul
E. Lovejoy (org.). Identity in the Shadow of Slavery. London, Continuum, 2000,
pp. 129-136; Randy Sparks. "Two Princes of Calabar: An Atlantic Odyssey
from Slavery to Freedom". The William and Mary Quarterly, 59 (3), 2002,
pp. 555-584; /Edna G. Bay. "Protection, Political Exile, and the Atlantic
Slave Trade: History and Collective Memory in Dahomey". In: Kristin Mann &
Edna G. Bay (org.). Rethinking the African Diaspora: The Making ofa Black Atlantic
Wozld in the Bight of Benin and Brazil. London, Frank Cass, 2001, pp. 52-58.
14 João Jose Reis. "Recôncavo rebelde". Revista USP, 28, 1995/1996, pp. 21-22;

"Fugiu Josefa Nagô". Correio Mercantil, 15 de maio de 1838, ed. n. 465, p. 4;


Johnson. The History, p. 106.
15 Johnson. The History, p. 106; "Fugiu Claudina Nagô". Correio Mercantil, 31 de
outubro de 1840, ed. n. 235, p. 4, "Fugiu Joaquim Nagô, escravo de Manoel
José d'Almeida Couto". Correio Mercantil, 11 de maio de 1841, ed. n. 98, p. 4.
Essas matérias são excepcionais pelo nivel de detalhes. Embora escarificações
sejam frequentemente citadas nas descrições dos fugidos, na maioria dos
casos as informações são vagas, impossibilitando a identificação de grupos
étnicos específicos, como bem apontam Reis & Mamagonian em "Nagô and
Mina", pp. 82-83. Para uma descrição das escarificações de Constança do
Nascimento, ver "Termo de obrigação de José Pereira da Silva Mattos", 25 de
junho de 1860, Apeb, Seção Colonial, Polícia, Termos de Obrigação e Fiança,
1860-1867, maço 5.651, fl. 35v; para uma análise das acusações contra ela,
ver João José Reis. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade
e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008,

pp. 175-180.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 315

16 "Carta de liberdade de Thomé nagô", Arquivo Público da Bahia (APB), Seção


Judiciária, Livro de Notas do Tabelião 242, fl. 209v; Luis Nicolau Pares & Lisa
Earl Castillo. "José Pedro Autran e o retorno de Xangô". Religião &Sociedade,
35 (1), 2015, p. 16; Maria José de Souza Andrade. 4 mão de obra escrava em
Salvador, 1811-1860. Salvador, Corrupio, 1988, pp. 109-110. De acordo com
Reis, 25 anos era a idade-limite para moços: João José Reis. "População e
rebelião: notas sobre a população escrava na Bahia na primeira metade do
século XIX". (1), 1980, pp. 148-149.
Revista das Ciências Humanas, 1

17 Law. The Oyo Empire, pp. 245-289; Reis & Mamagonian. "Nagô and Mina";
David Eltis. "The Diaspora of Yoruba Speakers, 1650-1865: Dimensions and
Implications". In: Toyin Falola & Matt Childs (org.). The Yoruba Diaspora in
the Atlantic World. Bloomington, Indiana University Press, 2004, pp. 17-39;
Biobaku. The Egba, pp. 13-26.
18 Estimativas minhas, baseadas em análise de registros de batismo em duas
freguesias de Salvador. Arquivo da Cúria Municipal de Salvador (ACMS),
Freguesia da Conceição da Praia, Batismos 1815-1824; Batismos 1834-1844;
Freguesia da Sé, Batismos 1829-1861.
19 Henry B. Lovejoy. Prieto: Yorúbá Kingship in Colonial Cuba during the Age of
Revolutions. Chapel Hill, University of North Carolina University Press,
2018, pp. 103-104; Eltis. "The Diaspora", 21, 31-34. Qta era a cidade mais
importante do território Awori, outro subgrupo iorubá.
20 David H. Brown. Santeria Enthroned: Art, Ritual, and Innovation in an Afro-Cuban
Religion. Chicago, University of Chicago Press, 2003, pp. 63-65, 191-195;
Miguel Willie Ramos. "Lucumi (Yoruba) Culture in Cuba: a Reevaluation
(1830s-1940s)". Tese de doutorado. Miami, Florida International University,
2013, pp. 143, 217, 236 e 329. Um exemplo é o oyó Adechina No Remigio,
batizado em 1833, lembrado em tradições orais como o primeiro artesão na
ilha que fabricava tambores de batá, um tipo de tambor específico ao culto
a Xangô entre os iorubas. Outra ialorixa lendária, Oba Teró, teria sido

egbado. Alguns daqueles identificados como otás na documentação cubana


podem ter sido de origem egbado. A cidade de Ota, apesar de estar situada no
território awori, possui um bairro egbado, fundado por refugiados de guerra
na década de 1840. Kola Folayan. "Egbado to 1832: The Birth of a Dilemma".
Journal of the Historical Society of Nigeria, 4 (1), 1967, pp. 28-29; Willis, John
Thabiti. Masquerading Politics: Kinship, Gender, and Ethnicity in a Yoruba Town.
Bloomington, Indiana University Press, 2018, pp. 75-76, 81-82.
21 Sigismund Koelle. Polyglotta Africana. Graz, Akademische Drucku, 1963
[1854], pp. 5-6; Reis. Rebelião, 158-179. Para Serra Leoa, Koelle cita nove
subgrupos iorubás, fornecendo estimativas aproximadas dos números: "vários
milhares" de oyós; e "muitos" egbás, ijexá, yagbás e bunus, bem como números
menores de ondós, ifés, itsekiris e ijebus. Para Trinidad, ha evidências de
oyôs, egbados, ijebus, ijexas, ondos e ekitis. Cf. Maureen Warner-Lewis.
316 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

"Ethnic and Religious Plurality among Yoruba Immigrants in Trinidad in the


Nineteenth Century". In: Paul E. Lovejoy (org.). Identity in the Shadow of Slavery.
London/New York, Continuum, 2000, pp. 113-128.
22 Rodrigues. Os africanos, p. 161; João José Reis; Flavio dos Santos Gomes &
Marcus Carvalho. O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro
(1822-1853). São Paulo, Companhia das Letras, 2010, pp. 24-25.
23 Lisa Earl Castillo. "La famille Pereira", In: Elisee Soumonni (org.). Du Brésil au
Bénin: contributions à 1"étude des patrimoines familiaux Aguda au Bénin. Cotonou,
Benin, Editions Plurielles/Fondation du Patrimoine Afro-Bresilien au Bénin,
2018, p. 58.
24 Reis. Rebelião, especialmente capítulo 6; Law. The "Oyo Empire, pp. 258-259;
"Peças processuais do Levante dos Malês". Anais do Arquivo Público da Bahia, 40,
1971, pp. 25 e 96-97; "Batismo de Aprigio Nagô", ACMS, Freguesia do Pilar,
Batismos 1824-1830, fl. 60, 6 de abril de 1828.
25 Ver Reis. Rebelião, pp. 312, 314, 338, 294, 365 e 460.
26 Lisa Earl Castillo. "Mapping the Brazilian Returnee Movement: Demographics,
Life Stories and the Question of Slavery". Atlantic Studies, Global Currents, 13
(1), 2016, esp. pp. 29-30; John Duncan. Travels in Western Africa in 1845 and
1846, vol. 1. London, Richard Bentley, 1847, p. 185; Castillo. "La famille
Pereira", p. 58. Outros oyós que se estabeleceram na região foram Antonio
d'Almeida (retornado por volta de 1844), e José Pequeno Paraiso (retornado
em 1849). Cf. Verger. Os libertos, pp. 34-40; 48-52; João Jose Reis & Milton
Guran. "Urbain-Karim Elisio da Silva: um agudá descendente de negro malé",
Afro-Ásia, 28, 2002, pp. 77-96.
27 Pierre Verger. Notícias da Bahia 1850. Salvador, Corrupio, 1981, p. 228; e
"A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil", In: Pierre
Verger. Artigos, tomo I. São Paulo, Corrupio, 1992,
28 Law. The Oyo Empire, pp. 141-142; Geoffrey Parrinder. The Story of Ketu, an
Ancient Yoruba Kingdom. Imeko (Nigéria), African University Institute, 2005
[1956], pp. 50-52; 58-72; Biodun Adediran. The Frontier States of Western
Yorubaland, 1600-1889. Ibadan, French Institute for Research in Africa,
1994, pp. 189-192, 207; Semley. "The Brazilians", pp. 47-48; Parês. "The
Nagoization", p. 199. Renato da Silveira, citando um relato de Crowther,
afirma que em 1853 Ketu estava em um estado lastimável como resultado
de ataques daomeanos. No entanto, Crowther diz apenas que o palácio foi
danificado não destruido por um incêndio e que se suspeitava que os
responsáveis pudessem ter sido "simpatizantes do rei do Daomé". Cf. Silveira.
O candomblé da Barroquinha, pp. 516 e 529; Samuel Crowther. "Ketu, in the
Yoruba Country". Church Missionary Intelligencer, 11 (4), 1853, p. 244.
29 Embora a lei Eusébio Queiroz, promulgada em setembro de 1850, tenha
praticamente paralisado o desembarque de escravos novos nas regiões do
Sudeste e do Sul, houve uma intensificação das operações no Nordeste que
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 317

resultou no desembarque de cerca de cinco mil cativos na Bahia. Nesse caso,


1851 apresenta-se como um marco mais próximo do real para a extinção do
tráfico africano no Brasil. Leslie Bethell. 4 abolição do comércio brasileiro de
escravos: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do comércio de escravos, 1807-1869.

Brasília, Conselho Editorial do Senado Federal, p. 388.


30 Parrinder. The Story of Ketu, pp. 35-61; Parés. "The Nagoization", p. 193.
31 Lima. 4família, pp. 33-36, 82-84; Lisa Earl Castillo. "O terreiro do Alaketu
e seus fundadores: história e genealogia familiar, 1807-1867". Afro-Ásia, 43,
2011, pp. 214-218, Como Lima apontou, outra possibilidade é que o nome do
terreiro seja uma referência direta ao título do rei de Ketu, que é precisamente
alákétu. Contudo, a substituição do fonema /r/ por /1/ é comum na fala
popular brasileira, dai a interpretação de "Alaketu" como corruptela de ará
Kétu. O nome oficial do terreiro é Ilê Axé Maro lalaji. "Maro" é provavelmente
uma forma contratada de omo Aro, literalmente "descendente de Aro".
32 Silveira. O candomblé da Barroquinha, pp. 387-389 e 395.
33 Rodrigues. Os africanos, p. 161; "Liberdade de Thereza, nação QuitW", APB,
Seção Judiciária, Livro de Notas do Tabelião 294, fl. 111v. Na segunda década
do século XX, ao falar dos subgrupos iorubás que vieram à Bahia, Manuel
Querino citou os ketus, mas não mencionou sua importância demográfica.
Querino. Costumes africanos, pp. 38-40.
34 Parés & Castillo. "José Pedro Autran", pp. 16-18. Em relação aos laços
familiares de africanos na Bahia, ver Maria Inês Cortes de Oliveira. "Viver e
morrer no meio dos seus: nações e comunidades africanas na Bahia do século
XIX", Revista USP, 28, 1995/1996, pp. 1774-193; Lisa Earl Castillo & Urano
de Andrade. "Familias africanas em tempos do tráfico atlântico: o resgate de
parentes em cinco cartas de alforria (Bahia, 1818-1830)"; "Famílias africanas
em tempos do tráfico atlântico: o resgate de parentes em cinco cartas de
alforria (Bahia, 1818-1830)". Afro-Ásia, 60, 2019, pp. 253-274.
35 Parés & Castillo. "José Pedro Autran", pp. 18, 22 e 27. Um dos orixás mais

populares da Bahia é Oxum, cujos seguidores são especialmente numerosos no


reino de Ijexá. Parece provável que Autran tenha sido escravizado por volta de
1810 durante uma guerra na fronteira entre Ijexá e Oyo. Sobre esse conflito
eoutros no reino Ijexá, ver J. D. Y. Peel. "Kings, Titles, and Quarters: A
Conjectural History of Ilesha I: The Traditions Reviewed". History in Africa,
6, 1979, pp. 122, 136-137. Para a presença dos ijexás em outras partes da
diáspora iorubá, ver Christine Ayorinde. "Santeria in Cuba", In: Toyin Falola
& Matt Childs (org.). The Yoruba Diaspora in the Atlantic World, Bloomington,
Indiana University Press, 2004, p. 218; Maria del Carmen Barcia. Los ilustres
apellidos: negros en La Habana colonial. Havana, Ediciones Bolofia, 2009, pp. 78,
416; Carneiro. Candomblés da Bahia, p. 52; Silveira. O candomblé da Barroquinha,
pp. 467-473; Manuela Carneiro da Cunha. Negros, estrangeiros: os escravos libertos
e sua volta à
África. São Paulo, Companhia das Letras, 2012, pp. 158-160 e 174;
318 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

Maureen Warner-Lewis. Guinea's Other Suns: The African Dynamic in Trinidad


Culture. Dover, MA, Majority Press, 1991, pp. 65 e 72.
36 Koelle. Polyglotta, pp. 5-6; Cunha. Negros, estrangeiros, pp. 158, 174 e 191.
37 "Liberdade de Felipe Nagô", APB, Seção Judiciária, Livro de Notas do
Tabelião 291, fl. 135v; "Requerimento de legitimação dos africanos libertos
Constança de Jesus, Francisco de Souza, Balbina Cariza, e Felippe", 30 de
novembro de 1858, APB, Seção Colonial, maço 6.322, Polícia, escravos,
correspondência recebida, 1858; J. D. Y. Peel. Christianity, Islam, and Orisa
Religion: Three Traditions in Comparison and Interaction, Oakland, University
of California Press, 2016, pp. 219, 286, nota 21; idem. "The Pastor and the
'Babalawo': The Interaction of Religions in Nineteenth-Century Yorubaland",
Africa, 60 (3), 1990, pp. 352-353.
38 Parés & Castillo. "José Pedro Autran", pp. 15-16; 18-21.
39 Idem, pp. 21-22. Na Bahia do século XIX, era surpreendentemente comum

que africanos senhores de escravos possuissem cativos de seu próprio grupo


linguístico. O fenômeno também ocorria em Iorubalândia. Antes do século
XIX, havia acordos entre certos reinos para não escravizar seus povos
mutuamente, mas esses acordos entraram em colapso em consequência das
guerras e da crescente demanda por escravos nas Américas. Quadrilhas
armadas passaram a sequestrar pessoas de sua própria nação para venda como
escravos. Samuel Ajayi Crowther, por exemplo, natural de Ibàrapá, no interior
de Oyó, foi escravizado em 1821 quando sua vila foi atacada por um bando que
incluia outros oyós. Crowther foi vendido várias vezes, e sua primeira senhora
foi uma mulher oyó. Outro exemplo é o ijexá Arije Phillip Jose Meffre, citado
acima, que, em Lagos, era senhor de escravos ijexás. Assim, o padrão endogeno
de posse de escravos por libertos na Bahia parece refletir mudanças nas normas
sociais na África. Law. The Oyo Empire, p. 258; J. F. Ade Ajayi. "Samuel Ajayi
Crowther of Oyo". In: Philip Curtin (org.). Africa Remembered: Narratives by West
Africans in the Era of the Slave Trade. Madison, University of Wisconsin Press,
1967, pp. 300-307; Adeniyi Oroge. "The Institution of Slavery in Yorubaland
with Particular Reference to the Nineteenth Century". Tese de doutorado.
University of Birmingham, 1971, pp. 92-93, 116-123 e 143.
40 Parês & Castillo. "José Pedro Autran", pp. 21-22. Antes da mudança, o casal
morava no Gravatá, a poucos quarteirões da Barroquinha.
41 Idem. "José Pedro Autran", pp. 22-23. Para uma análise detalhada da insurrei-

ção, ver Reis. Rebelião; sobre Francisca da Silva e seus filhos, ver pp. 466-467.
42 Verger. Orixás, p. 28; idem. Os libertos, p. 89; Lima. "Ainda sobre a nação de
Queto", p. 77; Castillo & Parês. "Marcelina da Silva e seu mundo", p. 124;
Parês & Castillo. "José Pedro Autran", pp. 23-25.
43 Peel, "The Cultural Work"; Olatunji Ojo. "Heepa (Hail) Origa: The Orisa
Factor in the Birth of Yoruba Identity". Journal of Religion in Africa, 39, 2009,
pp. 30-59.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 319

44 Roger Bastide. The African Religions of Brazil: Toward a Sociology of the


Interpenetration of Civilizations. Baltimore, Johns Hopkins University Press,
1978, p. 191. Para um panorama da importância de Xangô no Brasil, ver
Parês. "Shango".
45 Rodrigues. Os africanos, pp. 161 e 334; Aderonke Adesola Adesanya. "Sacred
Devotion: Jewelry and Body Adornment in Yoruba Culture". Critical
Interventions, 4 (1), 2010, pp. 54-55; 58-59; Mikelle Smith Omari-Tunkara.
Manipulating the Sacred. Detroit, Wayne State University Press, 2005, pp. 55-
-57. Nailha caribenha de Santa Lucia, Kele é o nome do culto a Xangô: George
Eaton Simpson. "The Kele (Chango) Cult in St. Lucia". Caribbean Studies, 13

(3), 1973, pp. 110-116.


46 Verger. Orixás, p. 28.
47 Oliveira. "Feitiço", pp. 82 e 91-92; entrevista com Areelson Conceição
Chagas, Elemaxô da Casa Branca, 13 de setembro de 2020.
48 Entrevista com Areelson Conceição Chagas, 11 de outubro de 2019.
49 Verger. Notas sobre o culto aos orixás e voduns. São Paulo, Edusp, 2012 [1957],
pp. 326-327. Renato da Silveira afirma que o culto de Airá Intilé é oriundo
das "fronteiras de Ketu e Sabé", mas não oferece evidência para amparar essa
afirmação: Silveira. O candomblé da Barroquinha, p. 380.
50 Silveira. O candomblé da Barroquinha, pp. 380-384.
51 Marc Schiltz. "Yoruba Thunder Deities and Sovereignty: Ará versus Sangó". In:
Joel E. Tishken; Toyin Falola & Akintunde Akinyemi (org.). Sango in Africa and
the African Diaspora. Bloomington, Indiana University Press, 2009, pp. 90-96.
52 Schiltz. "Yoruba Thunder Deities", pp. 90-96.
53 R.E. Dennett. Nigerian Studies, or, the Political and Religious System ofthe Yoruba.
London, MacMillan, 1910, pp. 80 e 117; Verger. Notas, p. 207; idem. Orixás,
p. 112. Durante as recentes visitas a Salvador de dois reis iorubás, o Alafin de
Oyo (em 2014) e o Ooni de Ile-Ifg (2018), os sacerdotes de Ogum e Oxossi
desfilaram à frente dos cortejos reais.
54 Verger. Orixás, p. 113; idem. Notícias da Bahia, p. 228; idem. Notas, p. 207.
55 Edouard Dunglas. "Contribuição à história do médio Daomé: o reino ioruba
de Ketu". Afro-Ásia, 38, 2008, p. 324; Parrinder. The Story of Ketu, pp. 15-19;
Lorelle Semley. Mother Is Gold, Father Is Glass. Bloomington, Indiana University
Press, 2010, pp. 14-17 e 77.
56 Adediran. The Frontier States, pp. 68, 114-115 e 154. Não é por acaso que no
Brasil e em Cuba, bem como em várias partes da Iorubalândia, Alákétu é um
dos cognomes de Exu: Verger. Notas, pp. 132 e 149; Ayodele Ogundipe. Seu
Elegbara, the Yoruba God of Chance and Uncertainty: A Study in Yoruba Mythology.
Tese de doutorado. Indiana University, 1978, pp. 114 e 139; Verger. Orixás,
p. 85; Lydia Cabrera, Anagó, p. 48.
57 J. D. Y. Peel. Religious Encounter and the Making of the Yoruba. Bloomington,
Indiana University Press, 2000, pp. 108-109; idem. Christianity, pp. 52-55;
Johnson. The History, p. 66.
320 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

58 Mary Ann Barber. Oshielle, or, Village Life in the Yoruba Country. London, James
Nisbet, 1858, pp. 36, 66-71; Schiltz. "Yoruba Thunder Deities", pp. 84-86.
59 O assentamento de Oxóssi é localizado na entrada do templo de Qbatálá, o
que evidencia seu papel como protetor. Willys Santos. Comunicação pessoal,
março de 2018.
15 de

60 Verger. Notas, p. 207.


61 Idem, ibidem; idem. Orixás, p. 111;Pierre Verger. 50 anos defotografia. Salvador,
Corrupio, 1982, p. 258, apud Rita Amaral & Vagner Gonçalves da Silva,
"Fatumbi: o destino de Pierre Verger". In: Carlos Eugênio Marcondes de
Moura (org.). Pierre Verger, Saida de Iaô: cinco ensaios sobre a religião dos orixás.
São Paulo, Axis Mundi, 2002, p. 43. Notas foi publicado originalmente em
1957, em francês: Pierre Verger. Notes sur le culte des orisa et vodun à Bahia, la
Baie de Tous les Saints, au Brésil et à Vancienne Côte des Esclaves en Afrique. Dakar,
Institut Français d'Afrique Noir, 1957.
62 Entrevista com Arcelson Conceição Chagas, Elemaxô da Casa Branca, 21 de
outubro de 2019; Rafael Soares de Oliveira, Feitiço de Oxum: um estudo sobre o
Iê Axé Iyá e suas relações em rede com outros terreiros. Tese de doutorado.
Nassô Oká

Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2005, p. 90.


63 Verger. Notas, pp. 211-212; Oliveira. "Feitiço", pp. 90, 96-97; Karin Barber.
"Oriki, Women and the Proliferation and Merging of Orisa". Africa, 60 (3),
1990, pp. 323 e 335; Johnson. The History, p. 37; Robert Farris Thompson.
"Abátân: A Master Potter of the Egbado Yoruba". In: Daniel Biebuyck (org.).
Tradition and Creativity in Tribal Art. Berkeley, University of California Press,
1969, p. 136; Silveira. O candomblé da Barroquinha, pp. 385-386; Hans Witte.
"Fishes of the Earth: Mud-fish Symbolism in Yoruba Iconography". In: H. G.
Kippenburg (org.). Visible Religion: Annua1 for Religious Iconography, 1. Leiden,
Brill, 1982, p. 161; Nathan Lugo. Comunicação pessoal, 15 de outubro de
2019; Agbaje-Williams. "Field Report", pp. 367-378. Sobre Erinle em Cuba,
ver Lydia Cabrera. "El sincretismo religioso de Cuba". Guaraguao, (3), 1997,
1

p. 63; Para Trinidad, ver Warner-Lewis. Guinea's Other Suns, pp. 81, 84-85
e 134. Na Casa Branca, outro nome para Oxóssi é Onilê, "dono da terra".
Para Silveira, isso seria evidência de que Oxóssi fosse o primeiro dos orixás a
ser cultuado na Bahia. No entanto, entre os iorubás, onilé é utilizado para se
referir a várias divindades, entre elas Erinle. A associação do termo com Erinle
explicação mais provável para o uso encontrado na Casa Branca.
é a
64 Entrevista com Areelson Conceição Chagas, Elemaxô da Casa Branca, 21
de outubro de 2019. Segundo Mestre Didi, trineto de Marcelina Obatossi,
o culto a Oxóssi teria sido estabelecido na Barroquinha por uma certa Iyá
Lussô Danadana, natural de Ketu e "mãe" de Iyá Nassô, provavelmente no
sentido espiritual. Aparentemente seguindo a ideia de Didi, Verger também
cita Iyá Lussô como uma das fundadoras do prototerreiro. Contudo, numa
vertente da tradição oral colhida no Gantois, Iyá Nassô é descrita como "mãe
de Oxóssi", o que sugere que o culto fosse trazido por ela. Cf. Deoscóredes
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 321

M. dos Santos. West African Sacred Art and Rituals in Brazil. Ibadan, Nigeria,
Institute of African Studies, 1967, p. 83; Verger. Orixás, p. 28. Melville J.
& Frances S. Herskovits papers, Schomburg Center for Research in Black
Culture, Brazil field notes, 1941-1942, Bahia, Box 19, Folder 10, Book E,
Informants. Entrevista com Maria José, 21 de março de 1942, p. 60. Para uma
análise crítica das referências a Iyá Lussô na literatura sobre o candomblé, ver
Silveira. O candomblé da Barroquinha, pp. 397-399.
65 Silveira. O candomblé da Barroquinha, p. 385.
66 Idem, p. 386; Johnson. The History, pp. 8, 15-16 e 169; Law. The Oyo Empire, p.
83; Smith. Kingdoms, pp. 71-72. Em outro sentido, mais genérico, o termo popo
refere-se aos vários povos do tronco linguístico conhecido como adja ou aja,
no sul da atual República do Benim: Jacques Bertho. "La parenté des yoruba
aux peuplades de Dahomey et Togo". Africa, 19 (2), 1949, pp. 121-132, Para
uma análise das possíveis etimologias do termo, ver Robin Law. "Problems of
Plagiarism, Harmonization and Misunderstanding in Contemporary European
Sources: Early (Pre-1680s) Sources for the "Slave Coast" of West Africa", In:
Beatrix Heintze & Adam Jones (org.). European Sources for Sub-Saharan Africa
before 1900: Use and Abuse. Stuttgart, Frobenius Institut, 1987, pp. 347-349.
67 Entrevista por telefone com Samuel Awolere, natural de Ipapó, 27 de novembro
de 2019. Qmosanda é mencionado rapidamente por Johnson, num trecho sobre
o suicídio de Xangô. Junto com outros aliados leais de Xangô, Omosanda teria
se matado depois da morte do primo. Na versão de Johnson, "Papo" [i.e., Ipapo]
foi o lugar onde Qmosanda tirou a vida. Johnson. The History, p. 153.
68 Castillo. "La famille Pereira", p. 58; "Oriki de Yacouba Pereira of Kpakpo
[lpapóp". Sou grata à familia Pereira de Porto-Novo, especialmente aos finados
Maroufo e Afoussa Pereira, por compartilhar a transcrição desse panegírico
familiar.
69 Sobre o testamento de Marcelina, ver Maria Inês Cortes de Oliveira. O liberto:
o seu mundo e os
Corrupio, 1988, pp. 71-72; Verger. Os libertos,
outros. Salvador,

pp. 86-89; Castillo & Parés. "Marcelina da Silva e seu mundo", pp. 113-151,
70 Santos. "Depoimento de Deoscóredes M. dos Santos (Mestre Didi)". In:
Haroldo Costa (org.). Fala crioulo: O que é ser negro no Brasil. Rio de Janeiro,
Record, 2009, p. 232. Muito conhecido no âmbito do candomblé, Deoscóredes
dos Santos é autor de diversos livros e textos sobre a cultura e a religião afro-
brasileiras, alguns em coautoria com a esposa, a antropóloga Juana Elbein.
Para uma análise de sua obra, ver Félix Ayoh' Omidire. Yorubaianidade:
Oralitura e matriz epistêmica nagô na construção de uma identidade afro-cultural nas
Américas. Salvador, Segundo Selo, no prelo.
A Santos. "Depoimento", pp. 233-234. A grafia das palavras do oríki é do autor.
72 Idem, p. 234.
73 Idem, pp. 233-236; Deoscóredes M. dos Santos. "West African Sacred Art and
Rituals in Brazil". Ibadan, Nigéria, Institute of African Studies, 1967, pp. 3
322 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

e 84. Outra versão do encontro com a família, menos detalhada, encontra-se


em outra obra do mesmo autor, História de um terreiro nagô. São Paulo, Max
Limonad, 1988 [1962], pp. 35-36.
74 Verger. Orixás, pp. 28-29, 112-15; Juana Elbein dos Santos. Os nagô e a morte:
pade, asêsê e o culto égun na Bahia. Petrópolis, Vozes, 2008 [1975], pp. 28-29.
75 Lima. "Ainda sobre a nação de Queto", pp. 78-79; Johnson. The History, pp.

77-78, 132 e 198; José Jorge de Carvalho & Rita Segata. The Shango Cult
in Recife. Caracas, Fundación de Etnomusicologia y Folklore, 1992, p. 29;

Henry John Drewal & John Mason. "Ogun and Body/Mind Potentiality". In:
Sandra T. Barnes (org.). Africa's Ogun: Old World and New. Bloomington, Indiana
University Press, 1997, pp. 235-260 e 350, nota 8; Kristin Mann. Slavery and
Bloomington, Indiana University
the Birth ofan African City: Lagos, 1760-1900.

Press, 2007, p. 45. Para outras perspectivas críticas sobre a reivindicação


de parentesco feita por Mestre Didi, ver Capone. Searching, pp. 220-221; e

Semley. Mother is Gold, pp. 140-141.


76 Agradeço a Félix Ayoh" Omidire pela tradução. Mestre Didi traduziu o poema
como "Asipa é tão sutil, mas tão sutil que anda com os dois pês como se tivesse
um", Contudo, para Omidire, nessa versão falta o significado de borogun,
uma contração de iba olori ógún (capitão de guerra). Omidire. Comunicação
pessoal, 12 de março de 2018; Idem. Yorubaianidade; Santos. "Depoimento",
p. 234.
77 Omidire. Comunicação pessoal, 12 de março de 2018.
78 "Emi ki é". In: Juana Elbein dos Santos & Deoscóredes M. dos Santos. Sângó.
Salvador, Corrupio, 2016, pp. 39-40. Na linha 5, Ogum é citado; na linha 24,
os pais de Xangô (Iyamassé e Oranian); nas linhas 37-38, há a saudação ritual
de Xangô.
79 Deoscóredes M. dos Santos & Juana Elbein dos Santos. "A cultura nagô no Brasil:
memória e continuidade", Proceedings of the Meeting of Experts on Survivals of African
Religious Traditions in the Caribbean and Latin America. São Luis do Maranhão,
24-28 jun., 1985. Brasilia, Unesco Archives, 1986, pp. 256 e 259. Disponível
em http://unesdoc.unesco.org/images/0007/000719/071971eb.pdf>,
80 Sobre a instabilidade politica na Bahia nesse período, ver Reis. Rebelião,
pp. 44-56.
81 Em iorubá, a palavra omo não é flexionada por gênero; significa tanto filho
como filha. Traduzi aqui como filha por causa do contexto especifico.
82 Santos & Santos. "A cultura nagô", p. 256; idem. Sângó, p. 39; Verger. Notas,

pp. 320, 326. Por outro lado, uma versão alternativa do primeiro poema se
refere a ela como omo Xangô em vez de omo Afonjá: Santos & Santos, Sangó, p. 67.
83 Johnson. The History, p. 83; Deoscóredes M. dos Santos & Juana Elbein dos
Santos. "A cultura nagô no Brasil: memória e continuidade". Revista USP, 18,
1993, p. 50; entrevista com o Alagbaã Genaldo Novaes (trineto de Marcos
Teodoro Pimentel), 10 de fevereiro de 2018.
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 323

84 Law. The Oyó Empire, pp. 245-248, 255-260. Segundo Johnson, esses eventos
teriam acontecido logo após a morte do Alafin Aóle.
85 Johnson. The History, p. 75; "Emi ki é", linhas 32-33. In: Santos & Santos.
Sángô, p. 40. A palavra ará tem vários significados em iorubá, entre eles
"parente". Assim, aráloko 1 'aya pode ser lido como "parente de loko ['aya", ou
seja, "parente de Afonjá".
86 Johnson. The History, p. 198.
87 Barber. "Oriki", p. 315.
88 Para relatos de parentesco, ver Vivaldo da Costa Lima. "O candomblé da Bahia
na década de 1930". Estudos Avançados, 18 (52), 2004, p. 211; idem. "Ainda sobre
a nação de Queto", p. 71; Verger. Os libertos, p. 89.
89 Lisa Earl Castillo. "Bamboxê Obitikô e a expansão do culto aos orixás (seculo
XIX): uma rede religiosa afro-atlântica". Tempo, 22 (39), 2016, pp. 128-129,
131 e 144. A família Bamgbose Martins, que reside no bairro brasileiro de
Lagos, descende de Bamboxê Obitikô. O ramo brasileiro descende de um
neto de Bamboxê, Felisberto Sowzer. Nascido em Lagos em 1877, Felisberto
se estabeleceu no Brasil por volta de 1900.
90 Lisa Earl Castillo. "O terreiro do Gantois: redes sociais e etnografia histórica,
século XIX". Revista de História, 176. São Paulo, USP, 2017, p. 47; idem.
"Bamboxê", p. 129.
91 Idem. "Entre memória, mito e história: viajantes transatlânticos da Casa
Branca". In: João José Reis & Elciene Azevedo (org.). Escravidão e suas sombras.
Salvador, Edufba, 2012, pp. 83-89.
92 Jose Sant'anna. Terreiros de Egungun: um culto ancestral ajro-brasileiro. Salvador,
Edufba, 2015, pp. 155 e 180; Castillo. "Entre memória", pp. 108-109; APB,
Seção Republicano. Livro de saída de passageiros, vol. 53 (1877-1881); Wellington
Castellucci. "A árvore da liberdade nagô: Marcos Theodoro Pimentel e sua
família entre a escravidão e o pós-Abolição, Itaparica, 1834-1968". Revista
Brasileira de História, 38 (78), 2018, pp. 211-233.
93 Castillo, "Entre memoria", pp. 67-69; Juana Elbein dos Santos & Deoscóredes
M. dos Santos. "Ancestor worship in Bahia: the Egun-cult". Journa 1 de la Société
des Américanistes,58, 1969, p. 84; Felix Ayoh Omidire & Alcione Amos. "O
babalaô fala: a autobiografia de Martiniano Eliseu do Bomfim". Afro-Ásia, 46,
2012, pp. 233, 238, 240-241. Sobre o título Aredjé, ver Alfred Kpazodji Glélé
& Gabriel Agossu Houndjrêbo Alapini. "Herança religiosa e espiritual em
África: crenças, práticas, valores culturais e morais, valores de civilização e
de vida social", Proceedings of the Meeting of Experts on Survivals of African Religious
Traditions in the Caribbean and Latin America. São Luis do Maranhão, 24-28 jun.
1985. Brasília, Unesco Archives, 1986, p. 344. Disponível em <https: //
unesdoc.unesco.org/ark: /48223/pf0000071971.por>.
94 Castillo. "Entre memória", pp. 90-93, 95-98; Verger, Orixás, p. 29. O nome
iorubá Fásesin significa "cultuar Ifá traz coisas boas na vida". Sobre Maria Julia
da Conceição, ver Castillo. "O terreiro do Gantois", pp. 9-13, 47-51.
324 A "NAÇÃO KETU" DO CANDOMBLÉ EM CONTEXTO HISTÓRICO

95 "Batismo de Bemvindo nagô", ACMS, Freguesia da Se, Batismos 1816-1829,


fl. 173v; "Liberdade de Bemvindo", APB, Seção Judiciária, Livro de Notas do
Tabelião 257, fl. 131v.
96 Castillo. "Bamboxê", p. 131.
97 Candido da Fonseca Galvão. "A nação africana". Diário da Bahia, 15 denovembro
de 1878. Agradeço a Urano Andrade e João José Reis por compartilharem esse
documento e o da nota a
seguir.
98 Candido da Fonseca Galvão. "Protesto do principe Obá II de África". Diário
da Bahia, 19 de dezembro de 1978, ed. 295. Sobre a repressão ao candomblé
no século XIX,
ver Reis. Domingos Sodré.
99 Eduardo Silva. Dom Obá II d'África, o principe do povo: vida, tempo e pensamento
de um homem livre de cor. São Paulo, Companhia das Letras, 1997; Castillo.
"Bamboxê", pp. 140-141.
100 Castillo. "Bamboxê", pp. 140-141.
101 Galvão. "A nação africana".
102 Law. The Oyó Empire, pp. 176-182; Akinjogbin. Dahomey, pp. 145-146.
103 Martiniano do Bomfim. "Os ministros de Xangô". O Estado da Bahia, 19 de
maio de 1937,
104 Samuel Crowther. 4 Grammar ofthe Yoruba Language. London, Seeleys, 1852,
p. iv; Johnson. The History, pp. 182-188 e 196. Sobre a vida de Johnson, com
muitas referências a Hethersett, ver Kehinde Olabimtan. Samuel Johnson of
Yorubaland, 1846-1901: Religio-Cultural Identity in a Changing Environment and
the Making of the Mission Agent. Tese de doutorado. University of KwaZulu-
Natal (África do Sul), 2009. Ver também Ajayi. "Samuel Crowther"; Matory.
Black Atlantic Religion, pp. 54-55; e Stephan Palmié. "O trabalho cultural da

globalização ioruba", Religião e Sociedade, 27 (1), 2007, pp. 77-80.


105 Beatriz Góis Dantas. Vovó nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil.
Rio de Janeiro, Graal, 1988, p. 234; Butler. "Africa", p. 145; Capone.
Searching, pp. 222-228; Parés. "Shango", p. 34; idem. "The "Nagoization",
p. 186; idem. "O mundo atlântico e a constituição da hegemonia nagô no
candomblé baiano". Revista Esboços, 17 (23), p. 180; Matory. Black Atlantic,
pp. 126-127.
106 Verger. "A contribuição especial", pp. 115-116.
107 Carneiro. Candomblés da Bahia, p. 42; Castillo. "Entre memória", p. 109; J.
Melville & Frances S. Herskovits papers, Schomburg Center for Research in
Black Culture, Brazil field notes, 1941-1942, Bahia, Box 19, Book 2, Dec.
18, 1941, p. 42; E. Franklin Frazier Papers, Howard University, Brazil, Box
133, folder 8, "Entrevista com Maximiana Maria da Conceição", 27 jan.,
1941. Agradeço a Alcione Amos por compartilhar as notas de Frazier sobre
a entrevista com Mãe Massi.

108 Bastide. The African Religions, pp. 191-194, 204-205, 207; Dantas. Vovó nagô,

pp. 37-39, 117, 121-124, 146; Vilson Caetano de Sousa. Nagô: a nação de
ÁFRICA, MARGENS E OCEANOS 325

ancestrais itinerantes. Salvador, Editora FIB, 2005, pp. 52-54; Parés. "The
Nagoization", p. 199.
109 Benedict Anderson. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread
of Nationalism. London, Verso, 1983.
110 Veja, por exemplo, Lima. "O conceito", p. 76; Parés. "The Nagoization",
p. 186; Butler. "Africa", p. 142.
111 Parês. "The Nagoization".
112 Brown. "Santeria", p. 69; Palmié. "O trabalho cultural", p. 86.
113 Parés. "O mundo atlântico", p. 179; Crowther. 4 Grammar, HI; Johnson.
The History, p. 7. Outra cidade reconstruída na década de 1890 foi ktilé,
mencionada acima em conexão com Airá Intile. Schiltz. "Yoruba Thunder
Deities", p. 90.
114 Luis Nicolau Parés. O rei, o pai e a morte. São Paulo, Companhia das Letras,
2016, cap. 3.
115 Parés. Aformação, pp. 145-146.
116 Verger. "A contribuição especial", p. 115. Talvez seja significativo que muitos
dos dados que Verger colheu na África sobre orixás que no candomblé são
considerados de origem jeje a exemplo de Oxumarê, Nanã Buruku e

Omolu/Qbaluaiyê vêm de Ketu. Verger. Notas, pp. 237-238, 265-270,


287-292,
117 Nina Rodrigues. "O animismo fetichista no negro baiano", Revista Brasileira,
6, 1896, p. 335.

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